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47 Diálogo Canoas n. 14 jan-jun 2009 p. 47 - 68 CONSTRUÇÃO DE MDV3D: A CULTURA EMERGEN- TE NA CONVIVÊNCIA DIGITAL VIRTUAL DE EDUCADORES EM FORMAÇÃO Luciana Backes Eliane Schlemmer Nadja Maria Acioly-Régnier Resumo A sociedade contemporânea se caracteriza por cons- tantes transformações, vinculadas, principalmente, ao uso de tecnologias digitais virtuais (TDVs), provocando rupturas sig- nificativas na forma do ser humano agir, interagir, comuni- car-se e se relacionar. No âmbito da Educação surgem ques- tionamentos que se referem às teorias que fundamentam as compreensões sobre os processos de ensino e de aprendiza- gem e, consequentemente, o processo de formação de edu- cadores nesse contexto. Nessa perspectiva, a formação se efetiva na compreensão da configuração de espaços de con- vivência, espaços que na atualidade são plurais e não mais restritos ao contexto físico. A pesquisa tem por objetivo in- vestigar formas de convivência em diferentes espaços educa- tivos: a) espaço físico (escola), b) espaço digital virtual (cibe- respaço) e c) configuração da convivência digital virtual (cul- tura emergente). Na base da compreensão teórica, os concei- tos são entrelaçados de maneira que o espaço é entendido na perspectiva das relações configuradas no viver de um grupo e o espaço digital virtual de convivência (re)significado por meio do conceito de espaço de convivência (Maturana; Vare- la 2002) para que possamos perceber, representar e transfor- mar a cultura (Pérez Goméz, 2001). Os dados são coletados

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CONSTRUÇÃO DE MDV3D: A CULTURA EMERGEN-TE NA CONVIVÊNCIA DIGITAL VIRTUAL DE

EDUCADORES EM FORMAÇÃO

Luciana BackesEliane Schlemmer

Nadja Maria Acioly-Régnier

ResumoA sociedade contemporânea se caracteriza por cons-

tantes transformações, vinculadas, principalmente, ao uso detecnologias digitais virtuais (TDVs), provocando rupturas sig-nificativas na forma do ser humano agir, interagir, comuni-car-se e se relacionar. No âmbito da Educação surgem ques-tionamentos que se referem às teorias que fundamentam ascompreensões sobre os processos de ensino e de aprendiza-gem e, consequentemente, o processo de formação de edu-cadores nesse contexto. Nessa perspectiva, a formação seefetiva na compreensão da configuração de espaços de con-vivência, espaços que na atualidade são plurais e não maisrestritos ao contexto físico. A pesquisa tem por objetivo in-vestigar formas de convivência em diferentes espaços educa-tivos: a) espaço físico (escola), b) espaço digital virtual (cibe-respaço) e c) configuração da convivência digital virtual (cul-tura emergente). Na base da compreensão teórica, os concei-tos são entrelaçados de maneira que o espaço é entendido naperspectiva das relações configuradas no viver de um grupoe o espaço digital virtual de convivência (re)significado pormeio do conceito de espaço de convivência (Maturana; Vare-la 2002) para que possamos perceber, representar e transfor-mar a cultura (Pérez Goméz, 2001). Os dados são coletados

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em contextos de formação de educadores no Brasil e na Fran-ça no quadro do doutorado em co-tutela da primeira autora.

Palavras-chaveCultura; Espaço de convivência; Espaço de convi-

vência digital virtual; Formação do educador; Tecnologiasdigitais virtuais

AbstractThe contemporary society is characterised byconstant changes especially associated with digital-virtualtechnologies (DVTs) causing ruptures significant in the waythe human being acts, interacts, communicates and lives

with others. In Education, questionings emerge concerningtheories grounding the understanding of teaching andlearning, and therefore the teachers’ education. From thisperspective, the education is effected in understanding howliving spaces are shaped, spaces which are now plural andnot confined to the physical context. This work aims atinvestigating ways of living together in different educationspaces: (i) physical space (school); (ii) digital-virtual space(cyberspace); and (iii) shaping of the digital-virtual living(emergent culture). On the basis for the theoreticalunderstanding, concepts are entwined in such a way as thespace is understood in the relationships shaped in the livingof a group, and the digital-virtual space of living togetheris (re)signified by way of the concept of the living space(Maturana; Varela 2002), so that we may perceive, representand change the culture (Pérez Goméz, 2001). Data arecollected from teachers’ education contexts in Brazil andFrance in the picture of doctoral programme in Backes’co-tutelage.

KeywordsCulture; Living space; Digital-virtual space of living

together; Teacher’s education; Digital-virtual technologies

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1 O VIVER E CONVIVER DOS SERES HUMANOSAs formas de viver e conviver dos seres humanos, na atual sociedade,

marca diferenças substanciais. As dicotomias sujeito/objeto, professor/aluno,teoria/prática são questionadas ao tratarmos de processos de interação em rede,em que todos são, simultaneamente, aprendentes e ensinantes, num movimentodialético do pensamento.

O desenvolvimento das TDVs, assim como os rápidos e constantes avan-ços das redes de telecomunicações, podem ser entendidos como aspectos pro-pulsores dessa nova configuração, por meio da (re)significação de conceitos comotempo e espaço, possibilitando aos seres humanos agir, interagir por meio deuma convivência de natureza digital virtual, que coexiste com a convivência denatureza física, ou ainda se entrelaçar num hibridismo de tempo, espaço e TDVs,constituindo assim, redes complexas de interação.

Para Schlemmer e Backes (2008):Essas redes complexas podem ser entendidas como uma rede cuja estrutura nãosegue um padrão regular, a estrutura não é determinada e nem determinante, massim mutante no tempo e no espaco, sendo que cada um dos elementos da rede estásujeito a interdependencias cujo efeito se propaga para muito além do raio de açãodireta de cada um deles. Uma rede complexa é pautada pela imprevisibilidade, pelonão controle, pela dinamicidade, pelas multiplas interações não lineares, que estãosempre se transformando (p. 2-3).

Ao abordar esse contexto, estamos também nos referindo aos processosde ensinar e de aprender, que são (re)significados por meio das TDVs, pois ahumanidade constrói, no seu viver e conviver, novas formas de pensar. Assim,passa a ser ponto crucial na educação, o processo de formação de educadores,pois estes estabeleceram relações de convivência no seu viver, no mundo físico,que podem ser diferentes das relações que se estabelecem no viver e no conviverno mundo digital virtual, possibilitados pela tecnologia de Metaverso.

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Nesse sentido, segundo Schlemmer (2006), podemos destacar o distanci-amento entre as gerações dos educadores – imigrantes digitais – e estudantes –nativos digiatis – (que contribuem para a construção da cibercultura). SegundoLevy (1999), a cibercultura é uma nova forma de cultura que não nega nem extin-gue as demais culturas (oral, escrita, ténica) existentes, muito pelo contrário,a cibercultura se constrói por meio delas e representa uma forma de continuida-de ou prolongamento da linguagem.

Essa investigação consiste na evidência de formas de conviver num espa-ço físico (sala de aula), formas de conviver num espaço digital virtual (ciberespa-ço) e a configuração de uma convivência digital virtual (cultura emergente) nosprocessos de formação de educadores – imigrantes digitais.

2 A CONVIVÊNCIA DOS SERES HUMANOS EM DIFERENTESESPAÇOS

2.1 Espaço Digital Virtual de ConvivênciaPara Backes (2007), o termo “Espaço Digital Virtual de Convivência” é

uma (re)significação do Espaço de Convivência, definido por Maturana e Varela(2002), com o intuito de compreender as TDVs como um espaço para a convi-vência, na medida em que os seres humanos, ao interagirem, conseguiam se aco-plar estruturalmente, transformando-se em congruência com o meio, que nessecaso é digital virtual.

Segundo Maturana e Varela (2002), o espaço de convivência se configura nofluxo de interações entre os seres vivos e entre os seres vivos e o meio, onde cada servivo é considerado legítimo. Portanto, o espaço de convivência somente é configura-do se há transformação dos seres vivos e do meio, no viver cotidiano, entrelaçadospelas emoções, representações, perturbações e compensação das perturbações.

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Assim, (re)significando o conceito, os espaços digitais virtuais são cons-tituídos por hardware e software, podendo envolver ambientes virtuais de aprendi-zagem, ambientes em realidade virtual (mundos virtuais), comunicadores instan-tâneos, jogos, simuladores, weblog, correio eletrônico, agentes comunicativos,dentre outros. No contexto educacional, o desenvolvimento de práticas pedagó-gicas que se constituem por meio de espaços digitais virtuais, precisa possibilitara configuração do espaço digital virtual em espaço digital virtual de convivência.

Os espaços digitais virtuais de convivência são configurados na interação entre osseres vivos que se encontram no espaço digital virtual. Esta configuração ocorre narelação entre os seres vivos e o meio, de maneira particular, por meio do viver.Portanto, a necessidade de (re)significação das relações estabelecidas no viver docontexto educacional atual, onde educador e estudantes se constroem de forma recur-siva, é fundamental. Assim, será possível configurar os espaços digitais virtuais deconvivência nos espaços digitais virtuais. (BACKES, 2007, p.71)

Porém, não é qualquer espaço digital virtual que pode configurar o espa-ço digital virtual de convivência.

Para ocorrer a configuração é preciso que as unidades dos sistemas vivos, em intera-ção num determinado espaço digital virtual de convivência, atuem de forma dinâmi-ca por meio do contexto. Na medida em que as perturbações recíprocas são efetiva-das nas interações, este esquema dinâmico possibilita a configuração de um novoespaço, representando o domínio das relações e interações do sistema vivo como umatotalidade. (BACKES, 2007, p.71)

No entanto, o que pode emergir dessa outra forma de configuração é oespaço de convivência digital virtual, que ocorre por meio dos fluxos das rela-ções e das interações, possibilitando a emersão de uma cultura.

2.2 Configuração do espaço de convivência digital virtualO termo “Espaço de Convivência Digital Virtual – ECODI” foi utiliza-

do pela primeira vez por Schlemmer em 2006, no contexto do Grupo de Pesqui-

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sa em Educação Digital – GP e-du1 , mas vem se constituindo ao longo do tempopelo amadurecimento teórico, resultante de pesquisas desenvolvidas desde 1998,relacionadas ao uso de diferentes TDVs em processos de ensino e de aprendiza-gem, a partir de uma abordagem interacionista/construtivista/sistêmica que en-tendem as TDVs como potencializadoras do desenvolvimento sócio-cognitivo-afetivo. Assim, as pesquisas desenvolvidas no GP e-du se fundamentam na Epis-temologia Genética de Piaget, na Biologia do Conhecer e na Teoria da Autopoi-esis de Maturana e Varela, na Teoria do Emocionar de Maturana, nos estudos dosociólogo Castells e do filósofo Levy.

O conceito de ECODI evoca a reflexão sobre alguns conceitos funda-mentais, tais como: espaço, espaço de convivência e digital/virtual.

O conceito de espaço vem se transformando ao longo da história. Numavisão Kantiana, o espaço era entendido como algo demarcável, passível de deli-mitação, de localização, de forma absoluta, mais tarde, após os anos 50, a partirdas novas concepções científicas, advindas da Física de Einstein. O espaço ganhauma nova dimensão, e passa a ser compreendido como relativo. Nos anos 80,Harvey, aborda o conceito de espaço num contexto dialético, a partir do qualpassa a ser compreendido como sendo ao mesmo tempo absoluto (existênciamaterial), relativo (relação entre objetos) e relacional (espaço que contém e queestá contido nos objetos). O geógrafo Santos (2002) vai dizer que “espaço éformado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, desistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mascomo o quadro único no qual a história se dá” (p. 63).

1 Grupo de Pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UNISINOS(Universidade do Vale do Rio dos Sinos) e cadastrado no CNPQ (Conselho Nacional de Pes-quisa).

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Assim, o espaço é produzido e essa produção do espaço acontece pormeio das relações sociais, no movimento da vida, da natureza e da artificialidade,principalmente no processo de construção do conhecimento.

Portanto, para Backes e Schlemmer (2008), o conceito de espaço de con-vivência desenvolvido por Maturana e Varela (2002) pode ser representado con-forme a figura que segue:

Figura 1 - Espaços de Convivência segundo Maturana e Varela (2002)

Ainda, segundo Backes e Schlemmer (2008), no contexto educacional,um espaço de convivência se configura da seguinte forma: o educador tem umespaço que lhe é próprio e os estudantes também têm um espaço que lhes éatribuído. Nas interações, educador e estudantes configuram um espaço de con-vivência que lhes é comum, onde todos são co-ensinantes e co-aprendentes, trans-formando-se mutuamente na construção do conhecimento. Quando não se con-figura esse espaço de convivência, pode estar ocorrendo somente a transmissão

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de informações, sem propiciar a transformação do estudante e do educador, tãopouco a construção do conhecimento.

Em propostas educacionais que utilizam as TDVs a situação não é dife-rente. Isso ocorre porque, normalmente, há uma transposição ou reprodução,das práticas pedagógicas adotadas em espaços presenciais físicos para os espaçosdigitais virtuais, não configurando, novamente, um espaço de convivência.

O termo digital deriva de dígito (digitus em latim), que significando dedo.Embora digital não esteja vinculado somente a sistema informático e de tecnolo-gias ligadas à computação, atualmente, quando falamos em digital, rapidamentelembramos-nos de tudo o que se relaciona a computação.

Para Lévy (1999) apud Schlemmer (2009, p. 141), o conceito de Digitalimplica na ação de digitalizar. Digitalizar uma informação é traduzi-la em núme-ros. Segundo o autor, os dígitos possibilitam que as informações codificadas emnúmeros possam circular nos fios elétricos, informar circuitos eletrônicos, pola-rizar fitas magnéticas, traduzir em lampejos nas fibras óticas e assim por diante.As informações codificadas digitalmente podem ser transmitidas e copiadas qua-se indefinidamente sem perda da informação, pois são reconstituídas após a trans-missão.

O termo “Virtual” deriva do latim “medieval” – “virtualis”, que vem de“virtus”, “força”, “potência”. Assim, virtual pode ser entendido por tudo aquiloque existe em potência e não em ato. Em termos rigorosamente filosóficos, ovirtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenasduas maneiras de ser diferentes (LÉVY, 1996 apud SCHLEMMER 1998, p. 50).

Segundo Schlemmer (2009, p. 142), o virtual envolve a percepção, cujafunção é trazer o mundo aqui. Os sistemas de realidade virtual possibilitam aexperimentação, hoje podemos quase reviver a experiência sensorial completa deoutra pessoa. A projeção também faz parte deste mundo virtual, a projeção da

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imagem do corpo é associada à noção de telepresença. Porém, a telepresençaenvolve mais que a simples projeção da imagem. Os sistemas de realidade virtualtransmitem mais que imagens: transmitem uma quase presença.

Assim, o virtual é real, possui uma realidade, uma “existência”, mas umaexistência de uma natureza diferente, uma natureza digital virtual.

Dessa forma, o termo “ECODI” representa a síntese de construções teó-ricas e do estabelecimento de relações e articulações realizadas a partir do resultadode diferentes pesquisas desenvolvidas nesses últimos 10 anos. De acordo comSchlemmer et al. (2006, p. 8; SCHLEMMER 2008, p. 24; SCHLEMMER 2009p. 143), um ECODI compreende:

• diferentes Tecnologias Digitais - TDs - integradas, tais como Ambi-entes Virtuais de Aprendizagem (AVAs), Mundos Virtuais, em 3D(MDV3D - nos quais a interação ocorre entre sujeitos representadospor avatares, “humanos virtuais” ou bots), agentes comunicativos (ACs- criados e programados para a interação), dentre outros, que juntosfavoreçam diferentes formas de comunicação (linguagem escrita –texto, linguagem imagética - imagens, linguagem gestual – movimen-to e linguagem oral - fala, som), reunindo todas essas linguagens numúnico espaço de interação;

• o fluxo de comunicação e interação entre os sujeitos que estão pre-sentes nesse espaço e,

• o fluxo de interação entre os sujeitos e o meio, ou seja, o próprioespaço tecnológico.

Um ECoDI pressupõe, fundamentalmente, um tipo de interação quepossibilita aos sujeitos (considerando sua ontogenia) que “habitam” esse espaçoconfigurá-lo colaborativamente e cooperativamente de forma particular, ou seja,por meio do seu viver e do conviver. Isso pode ser observado na figura a seguir:

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Figura 2 - Espaço de Convivência Digital Virtual segundo Schlemmer et al (2006)

O ECODI pode apresentar a seguinte interface:

Figura 3 - Interface ECODI

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Os ECODIs são espaços híbridos, de natureza distinta, específica dessemeio digital virtual, com propriedades, possibilidades e regras diferenciadas quepodem ser construídas durante o viver e o conviver pelos seus e-habitantes, e-residentes. No entanto, precisa ser vivenciado, compreendido e apropriado pelosenvolvidos no processo educativo para que possa se constituir numa inovaçãoeducacional, de outra forma podemos estar falando simplesmente de uma novi-dade e não de uma inovação. “Esses novos espaços precisam ser entendidos nãocomo substitutos dos espaços já existentes, mas sim como espaços diferencia-dos, complementares, de forma que possam coexistir” (SCHLEMMER, 2009,p. 149).

Segundo Schlemmer (2008, p. 28; 2009, p. 150), os ECODIs podem seconstituir, enquanto laboratórios, para a descoberta e desenvolvimento de pes-quisas sociais e educacionais. Isso é evidenciado na aproximação das crianças eadolescentes com a TDV e na forma como eles a utilizam. Diferente dos adultos,as crianças descobrem essas TDVs da mesma forma que estão descobrindo omundo real físico, pela curiosidade, realizando experimentações, vivenciando. Elascriam novas formas de representação, regras de interação e de convivência pró-prias da virtualidade real e que utilizam as propriedades e as potencialidades es-pecíficas à natureza desses novos meios. Enquanto isso, a nossa geração repre-senta nesses novos meios, mundos já conhecidos, lugares, cidades, as quais nossão familiares, levando para esse novo espaço a vida física, reproduzindo mode-los de interação e de convivência já consolidados.

Ainda segundo a autora, essa visão “cristalizada” e um tanto quanto dis-torcida do novo, impede-nos de explorar as potencialidades e possibilidades pró-prias a natureza desse meio, o que poderia nos levar a experimentar novas formasde organização social, novas regras de convivência, ou seja, efetivamente a algu-ma forma de inovação. Deformamos o novo para poder representar o que co-nhecemos.

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Bem, se entendemos que a aprendizagem acontece na interação do sujei-to com o objeto de conhecimento e, portanto, a interação se institui como oprincipal elemento de um processo educativo, então, podemos imaginar que osECODIs, elevem a novos patamares o que hoje conhecemos por Educação aDistância, uma vez que essa, tradicionalmente, acontece quase que exclusiva-mente por meio da linguagem textual. No entanto, é preciso lembrar que o sim-ples fato de utilizar uma novidade como os ECODI não significa uma inovaçãono contexto da Educação, pois para que isso seja possível é necessário que pro-fessores/pesquisadores se apropriem dessa tecnologia para poder compreendê-la no contexto da sua natureza específica, o que exige novas metodologias, novaspráticas e processos de mediação pedagógicas de acordo com as potencialidadesque oferece (SCHLEMMER 2008, p. 28; 2009, p. 150).

“O limite é a criatividade humana”, estamos diante de um espaço digitalvirtual de convivência ou de um espaço de convivência digital virtual? No pri-meiro, entendemos o espaço digital virtual como “mais um” espaço para a convi-vência e representamos aquilo que percebemos e vivemos de forma semelhantea como vivemos no mundo real físico. No segundo, entendemos que a convivên-cia que se desenvolve tem uma outra natureza, específica ao meio, ou seja, relaci-onada a essa virtualidade real. Assim criamos uma nova forma de estabelecerrelações e convívio, é outra forma de conviver, com regras construídas coletiva-mente, específicas do espaço digital virtual. Isso nos coloca frente a uma quebrade paradigma, que tem origem na criação e na experimentação de novas formasde comunicação e de interação que propiciam novas vivências, oportunizadaspor novas formas de organizações, relações sociais e construção de aprendiza-gem em espaços digitais virtuais (SCHLEMMER 2009, p. 150).

Portanto, a reflexão sobre a convivência digital virtual implica em repen-sar a educação e os processos de formação utilizando espaços tecnológicos digi-tais virtuais híbridos, pois as relações promovidas nesses espaços são mediatiza-

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dos2 por redes de cultura que são constituídas nessa convivência digital virtual.Assim seria possível pensarmos no surgimento de uma “Metacultura”

O espaço digital virtual pode promover, por meio da convivência digitalvirtual que se constitui e que é específica desse meio, o cruzamento cultural deuma forma diferenciada, possibilitada pelos atuais meios disponibilizados nocontexto educativo. Por ser um espaço mais contemporâneo, a maneira de vivere de conviver está em processo de construção e encontra-se de forma congruen-te com o contexto global, no que diz respeito aos aspectos políticos, econômicose sociais. Assim, a convivência digital virtual é configurada por vários contextos,o que resulta numa rede formada por diferentes processos, sendo que cada pro-cesso constitutivo participa da auto-produção de outros. No entanto, essa confi-guração da convivência digital virtual ocorre somente se estiver na essência oemocionar.

O emocionar, para Maturana (1993a), consiste na ação de não indiferen-ça do ser humano com relação ao outro, ou seja,

Aquele que aceita o outro em seu espaço de existência e não nega sua legitimidade.Aquele que se encontra com o outro na dignidade do outro. E, na medida em queencontro o outro em sua dignidade, o outro se encontra comigo em minha dignidade.Na medida em que respeito o outro, o outro me respeita. (p.34)

O emocionar é evidenciado na ação do ser humano sempre em relaçãoao outro ser humano. Então, os seres humanos se constituem no âmbito relacio-nal, então, o que pensamos, os nossos valores, o nosso caráter, estão vinculados

2 A mediatização é a caracterização da mediação pedagógica que consiste num “... processocomunicacional, conversacional, de co-construção de significados, cujo objetvo é abrir e facili-tar o diálogo e desenvolver a negociação significativa de processos e conteúdos a serem traba-lhados no ambientes educacionais, bem como incentivar a construção de um saber relacional,contextual, gerado na interação professor/aluno” (MORAES, 2003, p. 210).

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ao nosso conviver na comunidade a qual pertencemos. No entanto, a constitui-ção do ser vivo, não se dá em qualquer relação, mas nas relações em que não háindiferença. “Pienso que no todas las relaciones humanas son relaciones sociales,que es la emoción que sustenta a una relación la que le da su carácter, y piensoque la emoción que constituye y sustenta las relaciones sociales es el amor” (MA-TURANA, 1999, p.9).

Nós, os seres humanos, somos seres sociais, porque vivemos sempre eminteração e em relação com o outro. Assim, o âmbito relacional se dá por meiodos fenômenos individuais e dos fenômenos sociais, numa perspectiva que não écontraditória, nem excludente, mas dialética. Na medida em que interajo com ooutro e com o meio me modifico como ser humano, o que modifica também arede de relações com os outros seres humanos, da qual pertenço. O individual eo social estão em congruência recursiva3 .

Cada vez que los miembros de un conjunto de seres vivos constituyen con su conductauna red de interacciones que opera para ellos como un medio en el que ellos serealizan como seres vivos y en el que ellos, por lo tanto, conservan su organización yadaptación y existen en una coderiva contingente a su participación en dicha red deinteracciones, tenemos un sistema social (MATURANA, 1999, p.26).

A compreensão entre o individual e o social ocorre por meio do pensa-mento sistêmico “No novo paradigma, a relação entre as partes e o todo éinvertida. Isso implica que as propriedades das partes somente podem ser en-tendidas com base na dinâmica do todo” (MORAES, 2001, p.72). Tomamoscomo exemplo as relações de uma comunidade qualquer. Para entendermosessas relações da comunidade só é possível se conhecermos os indivíduos, quesão identificados por meio das relações que os mesmos estabeleceram na refe-

3 Na recursão, uma operação é aplicada sobre o resultado da operação anteriormente realizada,diferente da repetição, que consiste numa operação aplicada sempre sobre o mesmo fator.

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rida comunidade. Ou seja, o indivíduo está na comunidade, assim como a co-munidade está internalizada no indivíduo, onde o todo é mais que a soma daspartes, pois envolve as partes e, fundamentalmente as relações que se estabele-cem entre as partes.

Essa visão nos leva a compreender o mundo físico como uma rede de relações, deconexões, e não mais como uma entidade fragmentada, uma coleção de coisas separa-das. Se separarmos as partes, se as isolamos do todo, estaremos eliminando algumasdelas na tentativa de delinear cada uma. Portanto não existem partes isoladas.(MORAES, 2001, p.73)

Retomando o exemplo da comunidade, conhecemos os indivíduos pormeio do linguajar que é uma construção social realizada nos processos de cola-boração e de cooperação, mas, no entanto, precisa ser aprendido pelo indivíduo.O domínio do meio é a observação do espaço de interação entre o indivíduo e acomunidade. Assim constituímos dois tipos de sistemas: fechados (indivíduos) eaberto (comunidade). Sendo essa a base para a aprendizagem (fechada) e para aconstrução do conhecimento (aberto), típico nos seres vivos que possuem umsistema autopoiético. Assim, ao tratar de fenômenos individuais, ampliamos acompreensão dos fenômenos sociais.

Os sistemas sociais se constituem por meio de acoplamentos estruturais.“O resultado será uma história de mudanças estruturais mútuas e concordantes,até que a unidade e o meio se desintegrem: haverá acoplamento estrutural” (MA-TURANA; VARELA, 2002, p.87). O acoplamento estrutural ocorre quando doisou mais seres vivos se encontram em um domínio em que a ação de um perturbaa percepção do outro de maneira recíproca, existe a troca de energias entre osseres vivos e o meio em que vivem. Então, o meio passa a ser entendido comouma estrutura particular, pois nele é que se dá a construção da ontogenia do servivo. O acoplamento estrutural envolve, necessariamente, a interação; portanto,fundamental para a constituição do sistema social.

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Segundo Maturana (1999), para que exista um sistema social precisa ha-ver recorrência nas interações que resultam na coordenação das condutas de seusmembros, então podemos dizer que a recorrência se dá nas interações cooperati-vas. Assim, se há interações cooperativas, há a autopoiese do ser vivo.

Más aun, como las propriedade y características de cada ser vivo están determinadaspor su estructura, en la medida en que las estructuras de los eres vivos que integranun sistema social cambian, cambian sus propiedades y el sistema social que generancon sus conductas también cambia (p.27).

O foco central do fenômeno social humano é a representação por meioda linguagem, e o foco central da linguagem é a reflexão e a autoconsciência.Assim, por meio da linguagem (representação) é possível acessar a percepção doser humano, o que possibilita a tomada de consciência do outro.

A representação por meio do uso de diferentes linguagens é que propiciaa interação entre os sujeitos, favorecendo a construção do conhecimento, assimos seres humanos manifestam suas perturbações em questionamentos e proble-matizações, impulsionando-o a uma ação reflexiva, revelando os seus pensamen-tos. O pensamento tem relação direta, mencionada anteriormente, com a históriada espécie e a história de vida dos indivíduos.

As concepções abordadas nesta proposta de investigação têm o intuitode problematizar os paradigmas vigentes na educação, atribuindo o significadode “... criar um espaço de convivência, em circunstâncias tais que se saiba quenele as crianças [neste caso os educadores em formação] vão se transformar.E nessa transformação vão aprender a viver como vivem nesse espaço de convi-vência”. (MATURANA,1993b, p. 64) No caso dessa proposta de investigação,cabe ao ser vivo criar na universidade, ou em outros contextos não acadêmicos,mas de formação docente, seu espaço de convivência para a transformação,(re)significando o seu viver, enquanto docente.

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A forma de estabelecer espaços de convivência, digital virtual ou físico,passa a fazer parte da estrutura dos seres vivos envolvidos na construção daprática pedagógica, (re)significando esses paradigmas nas suas práticas profis-sionais.

O processo de formação dos educadores, na investigação desenvolvidapor Backes (2007) observa que o processo de formação se configurou numespaço digital virtual de convivência, por meio do uso das TDVs (AVA, MDV3De MSN). “Por este motivo, a tecnologia digital não pode ser entendida comouma ferramenta ou instrumento, pois implica em cada ser vivo representar asua percepção e assim configurar um espaço que lhes é comum e desejável”(p.165).

Nesse sentido, podemos repensar a educação e os processos de forma-ção dos educadores, por meio das relações promovidas nesses espaços digitaisvirtuais que são mediatizadas pela construção histórica e cultural de cada ser vivoque configura o espaço. Essas relações podem conservar ou transformar o modode conviver, ou seja, produzir ou reproduzir cultura. Para Pérez Goméz (2001)

É necessário reconhecer, portanto, a extraordinária potencialidade instrutiva e in-clusive formadora que oferece a revolução eletrônica, ao permitir a comunicaçãointercultural e provocar o descentramento dos indivíduos e dos grupos de seuspróprios e limitados contextos (p. 106).

A Educação, nessa perspectiva, tem como espaço formal a Escola, a qualpermeia o cruzamento cultural entre os sujeitos que estão nela inseridos. O mo-vimento para cruzamento cultural ocorre nas interações entre os sujeitos. Por-tanto, se o processo de interação é (re)significado ao utilizar as TDVs, a convi-vência também passa a ser (re)significada, possibilitando a emersão de uma outracultura, por meio de múltiplos contextos, promovidos pelo rompimento dos li-mites do espaço e do tempo.

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2.3 O olhar para o viver e o conviverA pesquisa é desenvolvida utilizando a metodologia de Estudo de Caso,

bem como o método comparativo, entre os contextos francês e brasileiro.O estudo método comparativo torna-se relevante pela possibilidade de estabele-cer diferenças que ampliam a compreensão de cada um dos contextos, no senti-do de espaço geográfico e territorializado, a compreensão do que é comum noscontextos educacionais, identificando as características do encruzamento cultu-ral no espaço para formação de educadores, e o que é próprio do espaço digitalvirtual numa convivência da mesma natureza. Atualmente, foram coletados osdados empíricos no contexto brasileiro, por meio de Atividades Complementa-res, para estudantes dos cursos de Licenciatura e Pedagogia, da Universidade doVale do Rio dos Sinos. Assim como estão sendo preparadas as atividades queserão realizadas no contexto francês, envolvendo professores em formação inicialno Institut Universitaire de Formation des Maîtres de Lyon.

Os dados coletados no processo de formação do educador, referente àsinterações realizadas nos espaços digitais virtuais, permitiram evidenciar aspec-tos significativos para melhor compreender a configuração do espaço de convi-vência digital virtual.

3 A CONFIGURAÇÃO DA CONVIVÊNCIA DIGITAL VIRTUALNo desenvolvimento da pesquisa, no contexto brasileiro, evidenciamos

que a convivência, por meio das interações entre os estudantes (educadores emformação) e a educadora, é aspecto desencadeador da emersão da cultura pormeio da convivência digital virtual. Assim, a interação nos espaços digitais virtu-ais, efetivaram-se em meio a três conflitos: a dificuldade em interagir com o ou-tro; a dificuldade de identificar possibilidades de interação nos espaços digitaisvirtuais; e o reconhecer o outro como alguém com conhecimento diferente, mascomplementar, portanto, com quem também se pode aprender.

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Ao longo do processo, percebemos a importância de criar espaços, situ-ações, na atividade complementar, curso realizado para a formação dos educado-res, a fim de oportunizar vivências de interação, com o intuito de construir anoção de configuração do espaço de convivência.

Na investigação desenvolvida no contexto brasileiro, também foi possí-vel evidenciar a ampliação dos espaço digitais virtuais por iniciativa dos estudan-tes (educadores em formação). As TDVs escolhidas para desenvolver o processode formação não contemplavam a utilização do comunicador instantâneo MSN.Porém, o viver e conviver dos estudantes ocorria também neste espaço digitalvirtual, essa tecnologia digital foi incorporada na medida em que os estudantesestavam tratando as interações como significativas e legítimas para a construçãodo conhecimento. Outros espaços de convivência (como o chat) foram substitu-ídos (por fórum) em algumas situações, devido a suas características, a fim de quea discussão pudesse ser aprofundada. Os espaços digitais virtuais de convivênciapassam por configurações que os transformam, criam ou substituem segundo aconvivência entre os seres vivos.

A convivência digital virtual também foi evidenciada na ação de agendarencontros virtuais fora dos horários da atividade complementar ou utilizar os co-municadores instantâneos quando localizavam algum “colega”. Nesse sentido, evi-denciamos uma contradição com relação aos discursos realizados sobre os cursosde formação a distância que justificam o fracasso, a falta de familiarização dosestudantes com as tecnologias ou a ausência de interação. Os diálogos estabeleci-dos entre os educadores em formação na segunda etapa da atividade complemen-tar apresentaram uma linguagem diferente, utilizando figuras de linguagem, metá-foras, poesias e vocábulos carregados de um emocionar intenso, próprio de umnovo espaço de convivência de natureza diferenciada, ou seja, digital virtual.

O espaço digital virtual e a convivência digital virtual apontam para umasérie de questões que são extremamente relevantes para o processo formativo do

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educador. No entanto, o que temos até o momento são muitas perguntas, intera-ções, reflexões, criações e algumas respostas.

Com relação à dificuldade de evidenciar possibilidade de interação nosespaços digitais virtuais, evidenciamos que o ser humano, ao interagir com outro,leva consigo o viver e a ontogenia. Portanto, a interação implica na modificaçãodos seres humanos que estão envolvidos e o reconhecimento do outro como umser legítimo na interação por meio da ação compartilhada.

A não indiferença, aspecto fundamental para a interação e a convivênciaentre os seres humanos, possibilita estabelecer uma relação recíproca, em que hácoordenação consensual das ações para a criação de soluções singulares, resul-tando no acoplamento estrutural e emergindo formas de convivência.

Para tanto, os diferentes posicionamentos dos estudantes (educadoresem formação, precisam ser expressos na relação dialógica, para que possam apre-sentar perspectivas complementares para a construção do conhecimento no es-paço educacional). Assim, as representações complementares instauram a dife-rença na dinâmica da rede de relações e orientam o pensamento dos estudantesnas interações, promovendo os acoplamentos.

Segundo Backes et al. (2006), a tecnologia pode colaborar para ampliaresses espaços de convivência na medida em que possibilita o viver (percepção,reflexão e ação), estabelecendo redes de conversação e promovendo encontrosde pessoas por meio de projetos comuns.

O espaço de convivência é configurado por meio da perturbação, com-pensação e autoprodução dos conhecimentos entre os estudantes.

Na investigação, percebemos que o processo formativo se constitui como desenvolvimento do educador como pessoa autônoma nas suas ações, enquan-to autor e co-autor, com os demais educadores em um espaço de convivênciasocial desejável.

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Assim, partimos de um processo de construção de competências e deconhecimento na formação do educador. Nesse sentido, Acioly-Régnier et Mo-nin (2009) observam que não se trata apenas de repetir muitas vezes um mesmogesto profissional ou um mesmo raciocínio, mas também de tornar os profissio-nais capazes de tratarem situações novas nunca antes encontradas. Em outrostermos, a experiência profissional repousa não apenas sobre a familiaridade dassituações encontradas, mas também sobre a variedade e as diferenças. É necessá-rio saber lidar com certas situações sem a necessidade de uma longa reflexão e, aomesmo tempo, ser capaz de improvisar uma solução diante de uma situação inusi-tada. Portanto, a formação se efetiva na configuração do espaço de convivência.

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