Construção do imaginário de Camacã.pdf
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A FABRICAO DOS MITOS:
CONSTRUO DO IMAGINRIO POLTICO-HERICO DE
CAMACAN
Renato Zumaeta Costa dos Santos1
Professor da Educao Bsica
E-mail: [email protected]
Palavras-chave: Camacan. Poltica. Poder. Identidade.
1.1 Camacan2: Origens do processo de ocupao territorial
Estamos vivendo os ltimos instantes da nossa influncia, como
desbravadores (JORNAL DA BAHIA, 1978, p. 5).
Assim, em 29 de agosto de 1978, escreveu o Jornal da Bahia3, veculo informativo de
circulao estadual que fez a cobertura jornalstica da visita do ento governador baiano,
Roberto Figueira Santos, ao municpio de Camacan, naquela data. Festividades e
inauguraes tratava-se do perodo de comemoraes pelos dezessete anos de emancipao
poltica movimentavam a pequena urbe, cuja populao era de 25.211 habitantes (IBGE,
1978, p. 98). O referido encarte, de oito pginas, publicou um breve levantamento histrico da
cidade, entrevistas com os descendentes dos fundadores de Camacan e matrias que repetiam
os discursos dos colonizadores, polticos e heris da histria camacanense.
A declarao na epgrafe deste trabalho, retirada daquela reportagem, era de
Boaventura Ribeiro de Moura ou Boinha, como ficou popularmente conhecido. Ele foi o
primeiro prefeito de Camacan (1963-1966) e influenciou decisivamente as eleies dos dois
prefeitos que o sucederam.4
A fala de Boaventura Ribeiro de Moura sugere, inicialmente, a seguinte reflexo, entre
outras possveis: por que o tom de despedida da fala do ex-prefeito perante o seu reduto
1 Estudante do curso de Ps Graduao Lato Sensu em Histria do Brasil da Universidade Estadual de Santa
Cruz (UESC/BA) e Professor de Histria na Rede Estadual do municpio de Camacan, BA. 2 Camacan um municpio do Estado da Bahia e est situado na microrregio sul. Parte de sua histria poltica
objeto de estudo deste trabalho. 3 O Jornal da Bahia foi um peridico brasileiro da cidade de Salvador, que circulou entre 1958 e 1994. Foi, por
muitos anos, um veculo progressista, ligado esquerda, que fez histria na imprensa da Bahia. 4 Os prefeitos que sucederam Boaventura Ribeiro de Moura foram, respectivamente, Eutcio Carlos Arajo
(1967-1970) e Flaviano de Jesus Filho (1971-1972).
http://pt.wikipedia.org/wiki/Peri%C3%B3dicohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil
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poltico? Na mesma direo, vale ponderar: de onde veio, ento, o poder e o status de
desbravador com o qual o mesmo se identificava? Acreditamos que vale, inicialmente,
ponderarmos acerca da atuao dos chamados desbravadores nas origens da formao de
Camacan como cidade.
Para melhor entendimento, preciso deixar claro que no perodo inicial da formao
poltico-administrativa de Camacan, entre 1961 at 1973, o poder local fora liderado pela
famlia Ribeiro de Moura. Alguns dos membros dessa famlia ocuparam lugar de destaque nas
decises sobre o destino da poltica camacanense e da constituio urbana da cidade.
Assim, esse trabalho discute a relao entre o mandonismo poltico5 da famlia Ribeiro
de Moura com a consolidao daquela cidade. Este quadro relaciona-se s antigas razes
que remontam ao final do sculo XIX, uma vez que a referida famlia aparece nos principais
relatos e documentos acerca de expedies de plantio das primeiras roas de cacau e da
ocupao desta microrregio camacanense, como nos mostra a reportagem do Jornal da
Bahia, a seguir:
Cada um conta a histria e, em cada relato, fica evidente o orgulho dos pais e
a justificativa que todos tm para o apego terra. Somando-se tudo e
observando a chamada rvore genealgica, sensvel o fato de que tudo se
resume famlia Moura Ribeiro (JORNAL DA BAHIA, 1978, p. 5).
O resultado daquele processo aponta-nos para a glria dos referidos desbravadores
que foram consagrados pela histria camacanense, registrada atravs dos relatos orais e
escritos da memria oficial do municpio. Seus feitos foram eternizados com a avidez da
sociedade sul-baiana em produzir um passado emrito e glorioso. Suas aes foram
consagradas por geraes, at serem absorvidas como preldio de sua prpria identidade. Na
citao abaixo, a consagrao dos feitos dos desbravadores vem tona:
1889 o ano em que Camacan foi fundada, o mesmo ano da Proclamao da
Repblica. Naquela poca a famlia de Joo Elias Ribeiro morava na regio
do Rio Pardo, Canavieiras. Segundo contam, era uma famlia respeitada,
corajosa, determinada e com uma viso de progresso. [...] Joo Elias Ribeiro
[...] nasceu em Canavieiras em 20 de julho de 1842 e casou-se em 1872 com
a Sra. D. Carolina Ribeiro. [...] Os grandes pioneiros e desbravadores das
terras de Camacan so seus filhos e podemos cit-los com destaque: Antonio
Elias Ribeiro, Joo Ribeiro Vargens e Boaventura Elias Ribeiro (JORNAL
INFORMATIVO CIDADE, 2005, p. 05).
5 Estamos utilizando o termo mandonismo poltico na perspectiva assinalada por: CARVALHO, Jos Murilo de.
Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discusso Conceitual. Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2,
1997. Disponvel em: .
Acesso em: 26 jun. 2010.
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As repeties direcionadas populao local anualmente,6 como assinalada acima, nos
mostram que os descendentes de um agricultor da cidade de Canavieiras, Leandro Ribeiro,
foram ento considerados pioneiros e desbravadores do municpio de Camacan. Contudo,
esse sobrenome Ribeiro recebeu a incluso de outros nomes que fazem parte do quadro
simblico-glorioso da memria camacanense, atravs de adaptaes nominais e casamentos.
As incorporaes deram origem aos troncos Vargens e Moura.7
Deste modo, possvel perceber que o incio da ocupao do territrio de Camacan se
deu por uma nica famlia, e no por trs famlias como vinha sendo apontado pelos estudos
sobre esta regio.8 O fato que houve um considervel domnio da famlia Ribeiro, ora como
Ribeiro Vargens, ora como Ribeiro de Moura, ou ainda como Ribeiro simplesmente. O
prprio ncleo urbano atual de Camacan est situado exatamente entre a Fazenda Camacan e
a Fazenda Joo Elias Ribeiro (propriedades das referidas famlias) e ocupam terras que
pertenciam quela primeira da o nome da cidade.
Dessa forma, entendemos que as imagens, smbolos e o senso da identidade
camacanenses so construes produzidas por uma elite agrria/poltica local, que manteve
por um longo perodo os mecanismos de consolidao e preservao da sua hegemonia nesta
regio. As narrativas acerca da importncia da atuao dos desbravadores assinalaram nesta
direo. Entretanto, tambm permitem acompanhar como os interesses econmicos e sociais
de uma famlia e/ou grupo social atuaram na distribuio poltico-administrativa que
formaram algumas das cidades da regio, como foi o caso de Camacan.
6 As informaes a respeito dos discursos e imagens que se repetiram e continuam se repetindo sobre a formao
da identidade camacanense foram obtidas com base nos textos do encarte especial do Jornal da Bahia, j referido
neste captulo; em entrevistas; estudos monogrficos; e nas publicaes produzidas, sobretudo, no perodo das
comemoraes pela emancipao poltica de Camacan, conforme os informativos anuais da Prefeitura
Municipal; da Comisso Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira CEPLAC e do Banco do Nordeste, que
evocavam, exaustivamente, o passado glorioso dos sujeitos construtores da cidade em seus textos. 7 Joo Elias Ribeiro (um dos netos de Leandro Ribeiro) foi um exemplo disso. Conforme o relato da prpria
famlia, o mdico Joo Elias teria incorporado o nome Vargens a si prprio, no perodo em que se graduava em
Salvador. Outro exemplo de incorporao de novos nomes aos descendentes dos Ribeiro vem de Ana Ribeiro.
Neta de Leandro Ribeiro e irm do mdico Joo Ribeiro Vargens ela casou-se com um comerciante sergipano,
Joviano Pinheiro de Moura. Do casamento, realizado em 1910, no municpio de Canavieiras, tiveram nove
filhos, dentre eles estava Boaventura Ribeiro de Moura, que veio a ser o primeiro prefeito de Camacan, em 1963. 8 Entre esses estudos, podemos destacar os trabalhos acadmicos de Charles Nascimento de S, Os Intelectuais e
a Emancipao Poltica de Camacan (Monografia, Ilhus: UESC, 2000) e Festa da Cidade: cultura e turismo
na periferia do cacau (Dissertao de Mestrado, Ilhus: UESC, 2003); alm dos estudos monogrficos de
Valdirene Silva Guimares, Um Olhar Sobre a Cidade: Camacan 1953 1964 (Ilhus: UESC, 2001) e David
Silva Rodrigues, Origens do Processo de Ocupao do Territrio de Camacan (Ilhus, UESC, 2003).
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1.2. Famlia Ribeiro de Moura: construo do poder poltico e da cidade
As origens do processo de ocupao do territrio de Camacan apresentam uma grande
concentrao de poder e terras dos membros da famlia Ribeiro e seus respectivos
desdobramentos nominais, Vargens e Moura. Contudo, aps o falecimento do antigo lder
poltico daquela regio, Dr. Joo Vargens, em dezembro de 1944 (COSTA, 1963), abriu-se o
caminho para o surgimento de uma nova liderana poltica para Camacan. Esse comando foi
exercido por seus descendentes, sobretudo, o tronco familiar Moura, como veremos adiante.
A Tabela 1, a seguir, ajuda-nos a compreender o quanto significativo foi o crescimento
demogrfico da regio de Camacan e Pau-Brasil9 na dcada de 1940. Esse crescimento
resultou, possivelmente, da fixao de trabalhadores diretos e indiretos no povoado que ali se
formou, conforme podemos observar dos dados daquele perodo, na referida tabela.
Tabela 1 Taxa de crescimento demogrfico nos municpios da regio cacaueira.
Municpios Taxas de crescimento anual (em %)
Perodo 1940-50 1950-60 1960-70 1970-80
Camacan 8,72 3,38 1,56 5,83
Itabuna 3,40 4,54 3,95 2,94
Pau-Brasil 9,08 5,19 2,85 2,04
Ubat 4,68 5,44 3,51 2,94
Una 2,03 4,72 2,17 5,36
Fonte: SILVA, Sylvio C. B. de Mello et al. O subsistema urbano regional de Ilhus-Itabuna. 1987, p.
124.
Segundo S (2003), a partir de 1953, com a elevao do povoamento categoria de
distrito, a revolta contra a administrao municipal de Canavieiras ganhou fora. Apesar da
elevao de status em Camacan, as condies socioeconmicas da populao eram
9 O municpio de Pau-Brasil encontra-se muito prximo (22 km) de Camacan, por essa razo, talvez, tambm
tenha acompanhado o crescimento dessa microrregio.
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precrias (casas de madeira, esgotos a cu aberto, falta de gua encanada, calamento e rede
eltrica).10
Com uma populao crescente e, ainda, uma produo de cacau em processo de
expanso, a emancipao poltica se aproximou. A contribuio de Camacan para com
Canavieiras, nesse perodo, j ultrapassava a arrecadao dessa ltima, de acordo com os
discursos dos vereadores [canavieirenses] desse perodo (S, 2003, p. 28).
As informaes acima nos permitem considerar acerca de algumas razes pelas quais
surgia o forte desejo de se buscar a autonomia poltica daquele distrito, frente sua sede,
Canavieiras. A partir do falecimento do Dr. Joo Vargens, a ausncia de um lder
centralizador das aes polticas-administrativas tornou-se ainda maior. Sobre essa questo,
no ser demais aqui destacar uma passagem do estudo de Maria Joaquina Moura Pinto
(2004), sobre o recm-formado povoado de Camacan:
Com a morte de Joo Vargens, surgiu uma lacuna no mundo poltico desta
Regio, um vazio. [...] Mas, o amadurecimento poltico da Regio no se fez
tardar, surgindo nos irmos Moura os novos herdeiros da poltica local de
Joo Vargens, por sinal tambm netos do patriarca Joo Elias Ribeiro
(PINTO, 2004, p. 90).
Em Camacan, outro fator tambm tornou-se determinante: a construo e a definio
da identidade social local. A valorizao da liderana de Joo Ribeiro Vargens passou a
definir fronteiras, atravs da identificao direta dos novos sujeitos inseridos naquela lgica
poltica. Como vimos na citao acima, os Moura assumiram aquela herana, formando um
elo com a histria passada atravs da forte assimilao da memria do seu antecessor e guia
poltico.
importante considerarmos que a formao de um lder, aquele que representa um
grupo e, posteriormente, classificado como heri, tem seu momento oportuno
especialmente em situaes de crise histrica conjuntural.11
Nos momentos de ruptura do ritmo histrico da continuidade e da
normalidade, o grupo social tende a necessitar de um novo tutor, de um novo
10
Quanto a essas informaes, foi de grande importncia para a leitura da obra: Os Intelectuais e a Emancipao
Poltica de Camacan. Monografia, Ilhus: UESC, 2000, especialmente o seu captulo I: Camacan. 11
Para essas concluses, foram relevantes as leituras do captulo A fabricao do carisma: a construo mtico
herica na memria republicana gacha. In: FLIX, Loiva Otero; ELMIR, Cludio P. (Org.). Mitos e heris:
construo de imaginrios. 1. ed. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1998. p. 141-160. E, ainda, Para
uma introduo ao imaginrio poltico. In: GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Polticas. Traduo de
Maria Lcia Machado. So Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 09-24.
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guia, que possa construir em torno de si um imaginrio poltico que permita
a compreenso da inteligibilidade perdida (FELIX, 1998, p. 143).
Essas consideraes nos levam a identificar a figura de Joo Vargens com a que foi
elevada condio de lder e heri em Camacan. Ele passou a simbolizar a identidade do
grupo e, de certa maneira, guiar os passos futuros. Assim, preciso lembrar que, mesmo
com os novos lderes, a imagem do Dr. Joo Vargens era cultuada e constantemente
homenageada.
Para reforar a imortalidade do sujeito heri, os discursos dos jornais passaram a
destac-lo, deixando transparecer as virtudes pessoais, morais e polticas daquela
personalidade, como nos mostra a Figura 1, abaixo. Alm da difuso jornalstica, a criao de
smbolos (como monumentos) tendem a intensificar a presena do heri, como vemos na
Figura 2, a seguir.
Figuras 1 e 2 Detalhe do encarte especial do Jornal da Bahia, de 1978, destacando a figura de
Joo Vargens como poltico. Ao lado, colorida, a imagem do busto de Dr. Joo Vargens,
localizada em praa homnima, na principal avenida de Camacan, que tambm tem o seu nome.
Fontes: JORNAL DA BAHIA, 1978, p. 04; e fotografia do acervo do autor, 2009.
vlido destacar um trecho da entrevista concedida por Boaventura Ribeiro de
Moura, em 1999, pesquisadora Maria Joaquina Moura Pinto (2004, p. 91): O cidado da
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cidade recm-criada era um indivduo diferente do homem rural, habitante do municpio h
decnios. Os urbanos eram bem mais recentes, sem nenhum vnculo de tradio dos rurais.
Nesta passagem, Boaventura Moura (PINTO, 2004) recorre, talvez, ao discurso de
identificao com seu territrio e com a histria que considera do seu povo. Podemos
perceber, em suas palavras, que havia um grupo pioneiro pr-estabelecido. Os demais
habitantes no faziam parte do mesmo por terem chegado depois, quando a posse inicial j
havia sido constituda. Sobre essa identidade de grupo, a historiadora Loiva Otero Flix
(1998) nos chama a ateno:
[...] ao definir a identidade dos seus iguais, automaticamente define, nas suas
fronteiras, os excludos os oponentes ao seu modo de ser e perceber o
mundo social aqueles que no tm uma memria comum e no possuem a
legitimidade social do grupo em questo (FLIX, 1998, p. 144).
O mito poltico12
Joo Vargens fez seu grupo sucessor. A famlia Ribeiro de Moura
passou, ento, a liderar o movimento em prol da emancipao poltica do municpio. Um
plebiscito foi realizado no dia 11 de junho de 1961, com a permisso do ento governador da
Bahia, o senhor Juracy Magalhes, para que a populao expressasse sua vontade em relao
emancipao. A votao trouxe resultado favorvel municipalizao do distrito. Assim,
todo o trabalho dos articuladores do movimento pr-emancipao foi configurado em 31 de
agosto de 1961, atravs da Lei Estadual n. 1.465 daquele ano, e publicado no Dirio Oficial
do dia seguinte. As eleies para prefeito ocorreriam um ano depois (S, 2000).
importante destacarmos uma valiosa informao a respeito da participao da
famlia Moura nesse processo. Jos Ribeiro de Moura, irmo de Boaventura Ribeiro de
Moura, tornou-se suplente de deputado estadual pelo Partido Social Democrtico - PSD,
1959-1963, assumindo o cargo por diversos perodos na Assemblia Legislativa da Bahia, em
Salvador.13
O peridico Dirio de Itabuna, que noticiava com freqncia as informaes e
decises do movimento emancipacionista de Camacan, tambm registrou esta articulao
poltica, em 20 de janeiro de 1958:
[...] em meio a aclamaes gerais, foi lanada a candidatura do Sr. Jos
Ribeiro de Moura a deputado estadual. [...] Vrios amigos deste fizeram uso
12
Para este trabalho, o conceito de mito utilizado atravs de dois entendimentos: o mito poltico fabulao,
deformao ou interpretao objetivamente recusvel do real. Mas, narrativa legendria, verdade que ele
exerce tambm uma funo explicativa, fornecendo certo nmero de chaves para a compreenso do presente
(GIRARDET, 1987, p. 13). 13
Informao retirada dos arquivos da Assemblia Legislativa da Bahia, disponvel no stio oficial desta
instituio: . Acesso em: 10 jun. 2010.
http://www.al.ba.gov.br/v2/biografia.cfm?varCodigo=570
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da palavra hipotecando-lhe solidariedade e integral apoio, uma vez que todos
estamos certos de que o mesmo despreendimento (sic) e a mesma coragem
que o Sr. Jos Ribeiro de Moura tm demonstrado na luta emancipacionista,
caracterizaro a sua atuao na assemblia legislativa do Estado da Bahia
(DIRIO DE ITABUNA, 20 jan. 1958, p. 06).
Essas informaes nos permitem considerar a proximidade dos Moura com o poder
poltico estadual, que pode ter contribudo significativamente para a assinatura do projeto de
lei que emancipou Camacan, em 1961. A imagem do Deputado Jos Moura (Figura 3, abaixo)
junto ao Governador da Bahia, em exerccio, Orlando Moscoso, no momento da assinatura da
lei, foi reproduzida com exausto nos jornais da regio e continua sendo publicada,
principalmente no perodo das comemoraes desta data, anualmente, como reforo da
memria desta famlia e conscientizao do valor herico atribudo mesma.
Figura 3 Deputado Estadual Jos Ribeiro de Moura ( esquerda) ao lado do Governador da
Bahia, em exerccio, Orlando Moscoso, no ato da assinatura do Projeto de Lei Estadual 1.465/61
que emancipou o antigo distrito de Camacan.
Fonte: INFORMATIVO CIDADE, 2005, p. 06.
A partir daquela assinatura, o novo municpio ganhou autonomia e o quadro poltico
foi ocupado pelo grupo que liderou o movimento de emancipao.14
Possivelmente, para a
famlia Moura, nada poderia representar seu poder econmico e poltico, de melhor forma: era
14
O grupo poltico que nos referimos foi liderado pela famlia Ribeiro/Vargens/Moura (Cf. S, 2000).
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Boaventura Ribeiro de Moura o principal candidato a prefeito de Camacan. Ocorridas as
eleies, ele assumiu a prefeitura em 1963 e perpetuou o seu dirigismo poltico por uma
dcada.
Camacan, ainda na dcada de 1960, poderia ser considerada como local estratgico.
Sobretudo por sua forte economia dentro da regio produtora de cacau. A Tabela 2, abaixo,
nos apresenta dados importantes para uma cidade recm-formada. Superava Itabuna
cinqenta anos mais antiga em nmero de fazendas, e seguia bem prxima, no quesito
produo, de Itajupe e da prpria Itabuna. Com apenas quatro anos de emancipao poltica,
Camacan despontava na quarta posio em produo de amndoas de cacau na regio, com
seiscentas e trinta e nove fazendas implantadas. Vale lembrar que a CEPLAC15
havia
inaugurado seu escritrio regional no novo municpio, no ano de 1964.
Tabela 2 Produo de Cacau em arrobas (@) por Municpio (1965)
Municpio Nmero de Fazendas reas mdias (hectares) Produo(@)
Absoluto % regional Fazendas Cultivadas Total
Ilhus 1.131 9,1 73 35 1.164.297
Itabuna 615 5,0 70 51 811.777
Itajupe 526 4,2 49 34 638.188
Camacan 639 5,1 69 33 602.406
Uruuca 336 2,7 87 45 497.464
Fonte: SANTOS, Renato Zumaeta Costa dos. Cacauicultura: A Ceplac e a Vassoura de Bruxa em
Camacan. Cadernos do CEDOC, Ilhus, Editus - UESC, v. 8, p. 145, 2007.
Por isso, provvel que a famlia Moura tenha se preocupado em reter o poder poltico
de Camacan, pois esta j apresentava fortes indicadores econmicos com potencial para
tornar-se um importante centro do sul da Bahia. As decises polticas seriam tomadas pelo
grupo que governasse a prefeitura da cidade e, conseqentemente, os destinos do municpio
seriam, assim, deliberados.
Vale lembrar que a rea urbana estava localizada em propriedades do grupo familiar
Ribeiro-Vargens-Moura. As reas dos distritos, tambm. A possibilidade de crescimento
15
Sobre o processo de implantao do escritrio da CEPLAC em Camacan, ver o estudo monogrfico de Luiz
Cludio Zumaeta Costa; Sociedade e Economia: A presena da CEPLAC em Camacan (1964-1974).
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acelerado, provavelmente, gerou apreenso naquelas famlias, pois acarretaria a perda de
territrios das suas respectivas fazendas para o processo de expanso urbana. Segundo os
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE, no ano de 1960, Camacan j
possua 19.698 habitantes.16
Alm disso, o local era carente de muita infra-estrutura: estradas, pontes, energia
eltrica, educao, sade e saneamento bsico ainda eram sonhos da populao na dcada de
1960 (S, 2000). No somente para o ncleo urbano, mas, sobretudo, para as fazendas, a
introduo desses recursos garantiriam benefcios na mesma proporo. Portanto, possvel
avaliar que, para essas famlias, foi preciso acompanhar de muito perto as decises sobre a
cidade, j que, as mesmas, poderiam produzir reflexos em suas propriedades latifndios
limtrofes do ncleo urbano camacanense.
Nas eleies municipais seguintes, ocorridas em 1966 e 1970, saram-se vencedores os
candidatos apoiados pelo grupo da famlia Moura, respectivamente, os senhores Eutcio
Carlos Arajo e Flaviano de Jesus Filho, demonstrando o continusmo daquele grupo no
poder local. Essa permanncia, possivelmente, foi bastante significativa para a continuidade
da construo dos smbolos que formavam o imaginrio poltico sob as imagens dos seus
ancestrais desbravadores.
Em 1972, com a eleio do padre Auxncio Costa Alves, houve um rompimento do
continusmo da famlia Moura no poder. Essa ruptura representou um duro golpe nas foras
polticas tradicionais. Porm, ao fim deste mandato, os principais mandatrios (leia-se: famlia
Ribeiro de Moura) retomaram o poder poltico com a eleio de Luciano Jos de Santana.
De 1977 a 1982, a gesto de Luciano Santana marcou pela instituio da Festa
Camacan e o Cacau, em comemorao data de emancipao poltica do municpio. A festa
tinha por objetivo realizar uma comemorao que fizesse jus ao porte econmico de
Camacan. Festas, danas, msicas, diverso e palestras passaram a ser realizadas todos os
anos a partir de 1977.
Na comemorao seriam lembrados ainda o cacau, os pioneiros, os lderes, as figuras
mais proeminentes e o governador. O prefeito e seus correligionrios pretendiam promover
um acontecimento nico para enaltecer a emancipao e perpetuar na memria da populao a
imagem dos fundadores da cidade, consolidando a identidade social e cultural de Camacan.
16
Dados retirados da tabela Balano Demogrfico do Municpio de Camacan entre 1960 e 2000. In: SANTOS,
Renato Zumaeta Costa dos. Cacauicultura: A Ceplac e a Vassoura de Bruxa em Camacan. Cadernos do CEDOC,
Ilhus, Editus - UESC, v. 8, p. 169, 2007.
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O trabalhador rural pela primeira vez seria lembrado, com a quebra do cacau. Esse
evento tambm faz parte das comemoraes do aniversrio de Camacan e transferiu um dos
momentos da colheita do cacau das propriedades para a praa pblica. Vrias duplas de
trabalhadores, representando seus respectivos patres e fazendas, precisavam quebrar a maior
quantidade de cacau em menor tempo. A dupla vencedora recebe um prmio em dinheiro e o
status de mais velozes e eficientes naquela funo. Contudo, essa premiao repercutia
positivamente e em maior escala para a fazenda que eles trabalhavam e, principalmente, para
o seu proprietrio.
Assim, uma bancada poltica assegurou-se no poder, atravs da fabricao de um
discurso que a apresentava como grupo da maioria. Este processo, que comeou desde o final
do sculo XIX com as primeiras plantaes de cacau no territrio de Camacan, atingiu seu
pice quando foram consagradas aos irmos Ribeiro de Moura as glrias pela emancipao e
dirigismo poltico de Camacan, especialmente no perodo da Festa Camacan e o Cacau.
Este trabalho, portanto, prope um esforo inicial de: analisar, atravs dos documentos
e imagens apontadas no texto, as possveis origens do mandonismo e do imaginrio poltico
em torno dos feitos do grupo familiar Ribeiro/Vargens/Moura, perpetuadas na memria
camacanense. Da mesma forma, buscamos analisar como a constituio daquela cidade foi
marcada pelos interesses econmicos e sociais daquela famlia.
Referncias
ASSEMBLIA LEGISLATIVA DA BAHIA. Deputados por nome. Disponvel em:
. Acesso em: 10 jun. 2010.
CARVALHO, Jos Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discusso
Conceitual. Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, 1997. Disponvel em:
.
Acesso em: 26 jun. 2010.
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Oficial da Bahia, 1963. 131 p.
COSTA, Luiz Claudio Zumaeta. Sociedade e Economia: A presena da CEPLAC em
Camacan (1964-1974). In: SOUSA, Antnio Pereira; Macdo, Janete Ruiz; BARBOSA,
Carlos Roberto Arlo (Org.). Cacauicultura: A Ceplac e a Vassoura de Bruxa em Camacan.
Cadernos do CEDOC, Ilhus, Editus - UESC, v. 8, p. 9-108, 2007.
DIRIO DE ITABUNA. Notcias de Camac. Itabuna, 20 jan. 1958, p. 06.
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FLIX, Loiva Otero. A Fabricao do carisma: a construo mtico herica na memria
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FUNDAO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA. Anurio
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GUIMARES, Valdirene Silva. Um Olhar Sobre a Cidade: Camacan (1953 1964). 2001.
Trabalho de concluso de curso (Especializao em Histria Regional) Universidade
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GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Polticas. Traduo de Maria Lcia Machado. So
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HOLANDA, Sergio Buarque de. O Homem Cordial. In: __________. Razes do Brasil. 26.
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JORNAL DA BAHIA. Camac: 17 anos. Salvador, 29 ago. 1978. Edio especial. 8 p.
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