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Paredes divisórias: Passado, presente e futuro, P.B. Lourenço et al. (eds.) 67 CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL: O NOVO PARADIGMA DO SETOR DA CONSTRUÇÃO Luís BRAGANÇA Professor Associado Universidade do Minho, Guimarães Ricardo MATEUS Professor Auxiliar Universidade do Minho, Guimarães Margarida GOUVEIA Bolseira de Investigação Universidade do Minho, Guimarães SUMÁRIO A sustentabilidade tem sido um dos objetivos da sociedade e visa garantir a satisfação das gerações presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras em satisfazer as suas necessidades. Apesar de se assumir como um dos sectores económicos mais importantes na Europa, a indústria da construção continua, contudo, a utilizar métodos de construção tradicionais e mão-de-obra não qualificada, caracterizando-se pelo consumo excessivo de matérias-primas, de recursos energéticos não renováveis e pela excessiva produção de resíduos. Ao longo deste trabalho serão apresentadas e discutidas algumas soluções técnicas que, ao serem aplicadas, desde as fases mais preliminares do projeto de uma operação de construção ou de reabilitação, permitem melhorar o desempenho da mesma ao nível das três dimensões do desenvolvimento sustentável: ambiente, sociedade e economia. 1. INTRODUÇÃO Atualmente, a indústria da construção é uma das ações humanas que mais desafios coloca à definição de uma relação harmoniosa e equilibrada, entre o Homem e o meio ambiente. Devido à crescente consciência dos efeitos do atual modelo de desenvolvimento nas alterações

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Paredes divisórias: Passado, presente e futuro, P.B. Lourenço et al. (eds.) 67

CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL: O NOVO PARADIGMA DO SETOR DA CONSTRUÇÃO

Luís BRAGANÇA

Professor Associado Universidade do Minho, Guimarães

Ricardo MATEUS Professor Auxiliar

Universidade do Minho, Guimarães

Margarida GOUVEIA Bolseira de Investigação

Universidade do Minho, Guimarães

SUMÁRIO

A sustentabilidade tem sido um dos objetivos da sociedade e visa garantir a satisfação das gerações presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras em satisfazer as suas necessidades. Apesar de se assumir como um dos sectores económicos mais importantes na Europa, a indústria da construção continua, contudo, a utilizar métodos de construção tradicionais e mão-de-obra não qualificada, caracterizando-se pelo consumo excessivo de matérias-primas, de recursos energéticos não renováveis e pela excessiva produção de resíduos. Ao longo deste trabalho serão apresentadas e discutidas algumas soluções técnicas que, ao serem aplicadas, desde as fases mais preliminares do projeto de uma operação de construção ou de reabilitação, permitem melhorar o desempenho da mesma ao nível das três dimensões do desenvolvimento sustentável: ambiente, sociedade e economia.

1. INTRODUÇÃO

Atualmente, a indústria da construção é uma das ações humanas que mais desafios coloca à definição de uma relação harmoniosa e equilibrada, entre o Homem e o meio ambiente. Devido à crescente consciência dos efeitos do atual modelo de desenvolvimento nas alterações

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climáticas e ao crescente movimento internacional para a promoção de construções de elevado desempenho/sustentáveis, assiste-se cada vez mais a uma mudança de paradigma, tanto na natureza do meio construído, como no modo como se planeia, projeta, constrói, opera, mantém e reabilita o mesmo. Esta nova abordagem diverge da prática atual ao nível de certos aspetos, sendo de destacar os seguintes: seleção das equipas de projeto com base nas suas competências ao nível da eco-eficiência e construção sustentável; maior integração entre os membros da equipa de projeto e outros decisores; maior atenção ao comportamento global das construções em detrimento da análise isolada do desempenho dos seus sistemas; elevada ênfase nas consequências ambientais relacionadas com o ciclo de vida de uma construção e sua mitigação; consideração de aspetos relacionados com a saúde dos trabalhadores da construção e com a saúde e conforto dos seus utilizadores durante as diversas fases do ciclo de vida; avaliação do impacte de todas as decisões no comportamento do ciclo de vida das construções em termos ambientais, sociais e económicos; redução do consumo de energia, água e de outros recursos durante a totalidade do ciclo de vida e prioridade na redução dos resíduos da construção e demolição (RC&D) [1]. É neste contexto que nasce a necessidade de desenvolver processos, metodologias e operações de construção que reduzam significativamente os problemas de cariz ambiental e energético, associados ao sector da construção civil, procurando uma construção eficiente, com impacte mínimo no meio envolvente. A esta nova corrente de ações atribuiu-se a denominação de Construção Sustentável [2].

1.1. O conceito “Construção Sustentável”

A primeira definição conhecida do conceito de Construção Sustentável surgiu em 1994, na Conferência Internacional sobre Construção Sustentável, que teve lugar em Tampa, Florida. Na altura, Charles Kibert caracterizou este conceito, como “a criação e o planeamento

responsável de um ambiente construído saudável, com base na otimização dos recursos

naturais disponíveis e em princípios ecológicos”. De forma a melhor definir o conceito e a delimitar os principais objetivos e vantagens da Construção Sustentável, Charles Kibert, no âmbito da mesma Conferência, apresentou um conjunto de vetores fundamentais, aos quais chamou “Os sete princípios para a Construção Sustentável”. Esses princípios, que consideram que a construção sustentável só pode ser atingida numa perspetiva que englobe todo o ciclo de vida do ambiente construído, foram os seguintes:

1. Redução do consumo de recursos; 2. Reutilização dos recursos o máximo possível; 3. Reciclar os resíduos da demolição e sempre que possível utilizar materiais reciclados; 4. Proteger os sistemas naturais e o funcionamento de todas as suas atividades; 5. Eliminar todos os materiais tóxicos em todas as fases do ciclo de vida; 6. Incorporar o custo total nas decisões económicas; 7. Promover a qualidade em todas as fases do ciclo de vida do ambiente construído.

A sustentabilidade do sector da construção depende de uma mudança profunda na forma como os recursos são utilizados: passando de energias não renováveis para energias renováveis; de elevados níveis de produção de resíduos para elevados níveis de reutilização e reciclagem; e da seleção de produtos baseada no custo inicial mínimo para a seleção baseada no custo total do ciclo de vida [3]. Enquanto que na construção convencional os fatores de competitividade são o custo, o tempo e a qualidade, na construção sustentável são incluídos fatores mais abrangentes. Tal como se apresenta na Figura 1, na construção sustentável o objetivo passa pelo equilibro dinâmico entre fatores ambientais (qualidade de vida e qualidade do ambiente construído), fatores sociais (equidade social e herança social) e fatores económicos (desenvolvimento economicamente sustentável) [4].

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Figura 1: Mudança no paradigma do processo tradicional de construção para a construção sustentável [5]

Durante a fase de projeto, a consideração de todo o ciclo de vida reveste-se de extrema importância, na medida em que o ciclo de vida de um edifício não envolve só a fase de construção. As fases de operação, manutenção, renovação, desconstrução ou demolição de um edifício são também elas consumidoras de recursos e geradoras de impactes no ambiente, sendo que a fase de projeto é a que determina o desempenho ao longo da vida do edifício [4]. É de salientar que é na fase de projeto do edifício que os ajustes no comportamento do edifício são executados com maior facilidade e os custos inerentes são menores. As práticas correntes de construção sustentável são variadas, uma vez que dependem da forma como o conceito é desenvolvido em diferentes países. A diferença entre as economias de mercado, economias de transição e economias em desenvolvimento influenciam a sua implementação consoante as prioridades de cada país. No entanto, independentemente das diferentes práticas existentes, a indústria da construção terá de se adaptar ao mercado emergente da construção sustentável que acrescenta à dimensão económica, a dimensão social e ambiental [5]. Dentro do novo paradigma que é a construção sustentável, as estratégias emergentes que suportam a integração e inter-relação entre as dimensões do desenvolvimento sustentável são [6]:

• Criar um ambiente construído saudável; • Melhorar a integração do ambiente construído nos sistemas ecológicos; • Modificar a avaliação económica dos projetos; • Evitar a necessidade de novas infra-estruturas; • Reutilizar, reabilitar e adaptar os edifícios já existentes; • Recuperar, reciclar e reutilizar os resíduos; • Melhorar a eficácia e a eficiência das técnicas construtivas existentes; • Adaptar e desenvolver as soluções construtivas tradicionais; • Investigar e desenvolver novas soluções sustentáveis; • Incorporar os utilizadores nos processos de decisão; • Modelar das aspirações humanas.

Esta lista de prioridades deverá ser aplicada, através de uma abordagem que integre todas as fases que compõem o ciclo de vida de uma construção: projeto, construção, operação/manutenção e demolição/deposição, tal como ilustra a Figura 2.

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Figura 2: Abordagem integrada e sustentável às fases do ciclo de vida de uma construção [6]

1.2. A importância do sector dos edifícios

A Indústria da Construção, nomeadamente o sector dos edifícios, é um dos sectores económicos mais importantes na Europa. No entanto, continua a basear-se excessivamente em métodos de construção tradicionais e mão-de-obra não qualificada, sendo caracterizada pelo consumo excessivo de matérias-primas, de recursos energéticos não renováveis e pela excessiva produção de resíduos. Em Portugal, a maioria dos impactes do ambiente construído estão relacionados com o sector residencial [7], já que e apesar do clima ameno país, o sector residencial é responsável por cerca de 17% do consumo total de energia primária [8]. Os interesses económicos e a necessidade de se construir rapidamente colocaram de parte algumas das boas práticas ancestrais de construção, cuja adaptação às condições climáticas locais era uma das suas principais características. O desrespeito por estas regras implica o sobredimensionamento e/ou recurso a soluções tecnológicas, como por exemplo, sistemas de iluminação artificial e sistemas ativos de climatização, o que resulta no inevitável aumento dos consumos energéticos dos edifícios. Como grande parte da energia consumida nos edifícios é baseada em combustíveis fósseis esta realidade resulta no aumento das emissões de gases de efeito de estufa, como por exemplo o CO2, e consequentemente no agravamento do aquecimento global. Por esta razão é importante uma adequada gestão energética que minimize os consumos de energia e recorra a formas de energia menos poluentes e mais económicas [9]. Adicionalmente, o sector residencial usa uma quantidade considerável de recursos hídricos, cerca de 132 l/habitante/dia de água potável, sendo uma parte significativa utilizada nas bacias de retrete [10]. Ao nível socioeconómico, os edifícios são o sector mais importante, não só porque cerca de 10% da economia global está relacionada com a sua construção e operação, mas também porque influenciam significativamente a qualidade de vida e saúde dos seus ocupantes, bem como o seu orçamento familiar. Com base em alguns estudos é de salientar o facto de nos países desenvolvidos, as pessoas passam mais de 90% do tempo no interior dos edifícios [11]. Em Portugal, a realidade revela que a maioria dos edifícios não são sustentáveis em termos de custos operacionais e de manutenção, nem fornecem um ambiente confortável e saudável para os seus ocupantes [7]. A título de exemplo, refere-se o facto de 23% dos edifícios residenciais portugueses precisarem de algum tipo de intervenção de reabilitação e de a maioria dos seus proprietários, não apresentar capacidade financeira para os investimentos necessários [12].

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2. PRÁTICAS QUE MAXIMIZAM A SUSTENTABILIDADE DOS EDIFÍCIOS

A integração de preocupações de sustentabilidade na construção de um edifício implica um processo permanente, constituído por um conjunto de medidas diversificadas que deverão, ser integralmente assumidas e compatibilizadas com as diferentes fases do ciclo de vida. Neste capítulo, apresenta-se um conjunto de exemplos de práticas consideradas nas ferramentas de avaliação e reconhecimento da sustentabilidade da construção que maximizam a sustentabilidade nos edifícios. As medidas encontram-se subdivididas em quatro secções: consumo de energia, consumo de água, consumo de materiais e produção de resíduos.

2.1. Consumo de energia

O sector dos edifícios, pela sua expressão numérica, é aquele que, dentro da indústria da construção, é responsável por grande parte dos consumos energéticos. Nos últimos anos, o aumento do nível de vida das famílias portuguesas, tem também resultado no aumento das exigências de conforto, o que conjuntamente com o elevado número de edifícios que foram surgindo nos últimos anos, tem levado ao crescimento exponencial dos consumos energéticos [13]. De modo a apoiar a definição de políticas e prioridades a adotar no projeto importa conhecer de que modo os consumos energéticos se repartem nos edifícios, apresentando-se na Figura 3.a esse contexto para os edifícios de habitação. Entre os anos 2000 e 2009, apesar do esforço regulamentar com vista à diminuição do consumo energético nos edifícios, verificou-se um aumento de cerca de 11% no consumo de energia neste sector (Figura 3.b).

Figura 3: (a) repartição do consumo de energia nos edifícios residenciais [6]; (b) crescimento do consumo de energia no sector dos edifícios nos últimos 10 anos [14]

A realidade atual mostra a importância da implementação de práticas de projeto e construtivas que reduzam os gastos energéticos e recorram a formas de energia renováveis.

2.1.1. Edifícios solares passivos ou bioclimáticos

Num edifício, o elemento que mais influencia o consumo de energia para climatização é a sua envolvente. Através da integração dos princípios do comportamento solar passivo na conceção de um edifício, a equipa de projeto pretende tirar partido do clima local, de modo a melhorar o conforto nos edifícios, reduzir ou eliminar custos energéticos nas operações de aquecimento e arrefecimento, e reduzir a produção de gases de efeito de estufa através da diminuição do consumo de eletricidade nos edifícios. Assim, para cada tipo de clima, deverão ser consideradas diferentes estratégias no desenho e na escolha das soluções construtivas a adotar na envolvente (Figura 4).

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Figura 4 : Exemplos de compatibilização da arquitetura dos edifícios com o clima do local [6]

Ao nível da envolvente, a prioridade passa por se considerar na fase de conceção aspetos relacionados com o clima do local e com a eficiência térmica [15], tendo em consideração, entre outros: o estudo do clima do local; a geometria solar do local; o tipo de envidraçado a aplicar nos vãos; a função do edifício; a quantidade e tipo de equipamento que será utilizado; e a adequada resistência térmica dos elementos da envolvente. Para além do clima, a definição da envolvente depende também da quantidade de calor produzida nos espaços interiores pelos seus utilizadores e equipamentos. Se a quantidade de calor produzida no interior for muito grande, serão as cargas térmicas produzidas no interior, e não as exteriores, as que mais influenciarão os níveis de temperatura interior. O volume do edifício, bem como a sua orientação, são outros fatores que influenciam significativamente o comportamento e os requisitos da envolvente. Os vãos existentes na envolvente também merecem um estudo aprofundado pois, a sua conceção, distribuição e proporção relativamente à parte opaca, influenciam o comportamento da envolvente. Os vãos reúnem uma série de funcionalidades: permitem o acesso físico ao interior do edifício; as vistas para o exterior; a entrada de luz natural e/ou radiação solar para o aquecimento do espaço interior e parte ou a totalidade da ventilação natural. As janelas têm grande influência na utilização dos espaços interiores e na produtividade e conforto dos ocupantes. É através de janelas pouco eficientes que se perde uma parte considerável da energia necessária para o aquecimento e arrefecimento dos edifícios. Atuando nos tipos de caixilharia e envidraçado é possível alterar significativamente o comportamento térmico da envolvente. As preocupações não devem incidir unicamente ao nível da zona corrente da envolvente, sendo também conveniente o estudo detalhado dos diversos pormenores de construção, pois cada material de construção transporta o calor de diferente modo. Nas zonas das fundações, consolas de varandas, topo de vigas, pilares, juntas de dilatação, juntas de montagem, conectores, entre outros, é possível formarem-se “caminhos” preferenciais para a transferência de calor. Estas zonas, conhecidas por pontes térmicas, são áreas onde o isolamento térmico é inferior ao isolamento da zona corrente da envolvente. A eficiência térmica da envolvente só será assegurada se não forem esquecidos estes pormenores e se for realizada uma escolha criteriosa dos materiais de isolamento a aplicar, para além do estudo da sua localização.

2.1.2. Práticas aconselhadas para a redução do consumo energético na iluminação e eletrodomésticos

A iluminação e os eletrodomésticos são responsáveis, em média, por 25% do consumo energético, sendo por isso necessário ter em conta uma série de aspetos de modo a diminuir os consumos energéticos a este nível. O consumo de eletricidade na iluminação tem vindo a aumentar substancialmente nos últimos anos devido principalmente à construção de habitações com maiores áreas e à utilização de maior número de pontos de luz artificial. A iluminação elétrica no interior dos edifícios pode ser conseguida através de lâmpadas incandescentes, de halogéneo, de halogéneo de baixa voltagem, fluorescentes tubulares, fluorescentes compactas e de tecnologia LED, com consumos energéticos distintos para níveis finais de desempenho exatamente iguais. Para que a solução de iluminação dos edifícios seja eficiente, sugerem-se, entre outras, as seguintes práticas: maximizar a iluminação natural (mais eficiente e mais confortável); preferir

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acabamentos de cor clara nas superfícies interiores e no mobiliário; aplicar lâmpadas com potência adequada à iluminação necessária; compatibilizar o tipo de lâmpada com a utilização do espaço; e utilizar interruptores “inteligentes” em certos compartimentos e em espaços exteriores. Ao nível da iluminação natural é de destacar que as janelas não são a única solução técnica para a captação da luz solar, podendo-se recorrer aos ductos solares, tal como ilustra a Figura 7.

Figura 5: Princípio de funcionamento dos ductos solares [6]

Os eletrodomésticos, nomeadamente, os frigoríficos, arcas frigoríficas e as máquinas de lavar roupa são responsáveis por uma elevada percentagem do consumo global de eletricidade nos edifícios [6]. De modo a que na compra dos eletrodomésticos o consumidor tenha maior informação acerca do consumo energético ao longo da sua vida, foi criada através da Diretiva 92/75/CEE do Conselho, de 22 de Setembro de 1992, a etiquetagem energética dos eletrodomésticos. Este tipo de etiquetagem tem como fim incentivar os produtores a apostarem na investigação, de modo a desenvolverem equipamentos mais eficientes, assim como alertar os consumidores que para além do custo inicial, o custo de funcionamento dos equipamentos é outra das componentes que não pode ser ignorada.

2.1.3. Práticas aconselhadas para a redução do consumo energético na produção de AQS

O aquecimento de água é responsável em Portugal por aproximadamente 50% do total de consumos energéticos nos edifícios, contribuindo expressivamente para as emissões de CO2. Instalando o sistema de aquecimento de água mais eficiente e apropriado, tendo em conta o número de utilizadores e os padrões de utilização, é possível diminuir o consumo energético, com as adjacentes vantagens de redução dos custos em energia e diminuição da emissão de gases de efeito de estufa. A este nível é de destacar a contribuição dos sistemas solares térmicos, que para a generalidade das zonas climáticas do país permite poupar mais de 50% dos custos anuais com a preparação de AQS.

2.1.4. Sistemas de produção doméstica de eletricidade a partir de fontes renováveis

O consumo de energia elétrica convencional nos edifícios pode ainda ser reduzido se se aplicarem sistemas que permitam a produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis. Este tipo de sistemas utiliza fontes de energia renovável, como o sol, o vento, e a água, para produzirem eletricidade com baixa/nula emissão de gases de efeito de estufa. Dado que o rendimento destes sistemas está intimamente relacionado com as condições climatéricas, é necessário prever a instalação de sistemas auxiliares que garantam o fornecimento de eletricidade independentemente das condições climatéricas, ou prever a ligação do edifício à rede de distribuição elétrica. Saliente-se no entanto que, apesar de estarem associados a custos de operação bastante reduzidos, os seus custos de aquisição são bastante elevados, pelo que se deverá avaliar os custos associados à totalidade do seu ciclo de vida: custos de instalação e operação. Por outro lado, é preciso não esquecer que o custo da energia produzida por esta via se mantém inalterado, face ao esperado aumento acentuado das tarifas de energia elétrica. De entre os vários tipos de sistemas para a produção doméstica de eletricidade a partir de fontes renováveis, destacam-se os painéis solares fotovoltaicos, as micro-turbinas eólicas e os micro-hidrogeradores (Figura 6).

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Figura 6: Exemplos de sistemas que aproveitam fontes de energia renovável [6]

2.2. Consumo de água

A água tem uma influência decisiva na qualidade de vida das populações e é um recurso indispensável à grande maioria das atividades económicas, nomeadamente à agricultura e à indústria. A qualidade da água de abastecimento, a drenagem e o tratamento de água residuais têm um forte impacte na saúde pública. Tendo em conta que a água é um recurso valioso e que as reservas de água potável estão a diminuir consideravelmente, contrariamente ao consumo que aumenta exponencialmente, é necessário tomar medidas para tornar o seu uso mais eficiente. Existem algumas medidas que ao serem consideradas nas diversas fases do ciclo de vida do edifício permitem minimizar o consumo de água. No entanto, é na fase de projeto que se podem tomar as decisões que conduzem a poupanças significativas. Atualmente a água potável é utilizada em aplicações que podem ser satisfeitas com uma água de qualidade inferior. Um dos exemplos mais emblemáticos é a utilização de água de qualidade alimentar nas bacias de retrete. Assim, é muito importante implementar nos edifícios sistemas que permitam a reutilização de água residual e o aproveitamento da água da chuva, pois dessa forma contribui-se para a diminuição do consumo desnecessário de água potável. Para além das vantagens relacionadas com a preservação dos recursos de água potável, estas soluções permitem ainda poupar na conta da água e contribuir para poupanças significativas nos sistemas públicos de drenagem e tratamento de águas residuais. Por exemplo, o aproveitamento das águas pluviais provenientes das coberturas permite o abastecimento de bacias de retrete e de outros dispositivos de utilização sem qualquer custo de operação, quando realizadas por gravidade. Para além das águas residuais geradas pelas atividades domésticas e das águas pluviais, as águas freáticas captadas pelos sistemas de drenagem do edifício também podem ser utilizadas. Estas águas têm a vantagem de poderem ser utilizados no interior do edifício, com um nível de tratamento bastante inferior ao que é necessário para as águas pretas e cinzentas, podendo ser descarregadas diretamente nas bacias de retrete ou na rega dos espaços exteriores. A Tabela 1 resume algumas medidas que, ao serem introduzidas nas diversas fases do ciclo de vida do edifício, permitem poupar água e assim contribuir para uma maior sustentabilidade do ambiente construído [6].

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Tabela 1 – Medidas para a poupança de água

Dispositivo Medida Autoclismo a) Preferir autoclismos de dupla descarga;

b) Colocar dentro do tanque uma garrafa de um litro ou de litro e meio cheia de areia - solução adequada aos "antigos" autoclismos e que pode significar uma diminuição do consumo de água neste dispositivo em cerca de 30%; c) Não fazer da bacia de retrete um caixote do lixo.

Chuveiros/banhos a) Utilizar chuveiros de baixo fluxo; b) Preferir banhos de chuveiro a banhos de imersão, que para além de se poupar água ainda têm a vantagem de não consumirem tanta energia no aquecimento da água.

Eletrodomésticos a) Escolher eletrodomésticos com baixo consumo de água; b) Iniciar, sempre que possível, o ciclo de lavagem apenas quando as máquinas de roupa ou de loiça estiverem completamente cheias.

Piscina a) Cobrir a piscina, o que possibilita reduzir até 90% a perda de água por efeito de evaporação;

Torneiras a) Preferir torneiras de baixo fluxo e com filtro arejador, em detrimento das torneiras de elevado caudal; b) Utilizar torneiras com temporizador em espaços públicos; c) Evitar deixar as torneiras a correr quando o seu uso é desnecessário; d) Reparar as torneiras com fugas.

2.3. Seleção de materiais

A indústria da construção é um dos maiores consumidores de recursos naturais (bióticos e abióticos), tendo por isso grande responsabilidade na delapidação dos mesmos e, por conseguinte, na degradação do meio ambiente. A construção de edifícios é atualmente responsável pelo consumo de 25% da madeira e 40% dos agregados (pedra, brita e areia), que se verifica em todo o mundo [16]. Por estas razões, é na fase de projeto que deverão ser tomadas as decisões que tenderão a mitigar os impactes produzidos na utilização dos materiais na construção. Assim, a equipa de projeto, deverá adotar uma série de princípios na seleção dos materiais que vai utilizar nas suas construções. Para além dos critérios arquitetónicos comuns, a seleção deverá ainda compreender os seguintes critérios [6]:

• Selecionar materiais com baixa energia incorporada; • Utilizar materiais certificados; • Maximizar a utilização de materiais com elevado potencial de reutilização e reciclagem; • Minimizar a toxicidade do material para os seres humanos e ecossistemas.

2.3.1. Energia incorporada no material

A energia incorporada nos materiais corresponde à quantidade de energia necessária à sua produção, transporte, aplicação na obra, manutenção e demolição. Esta energia pode variar entre 6 a 20% da quantidade total de energia consumida durante a vida útil de um edifício, dependendo, entre outros fatores, dos sistemas construtivos utilizados, do número de utilizadores do edifício, do grau de conforto exigido pelos ocupantes e do clima do local [17]. Como o consumo de energia está diretamente relacionado com impactes ambientais, quanto menor for a energia incorporada nos materiais utilizados num edifício, menores serão os impactes ambientais associados ao ciclo de vida de um edifício.

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De forma a se reduzir a energia incorporada nos edifícios através dos materiais de construção, deverão ser observados, entre outros, os seguintes critérios na sua seleção [6]:

• Preferir produtos locais; • Utilizar materiais com elevado potencial de reutilização e/ou grande durabilidade; • Utilizar materiais/sistemas de construção de baixa massa.

2.3.2. Recurso a materiais certificados

Segundo a Organização Internacional para a Normalização (ISO), um rótulo ecológico tem como principais objetivos encorajar a procura e a oferta de produtos que causem menores impactes no ambiente ao longo do seu ciclo de vida, através da comunicação da informação verificável e fiável, não enganosa, acerca dos aspetos ambientais de produtos e serviços. Os rótulos ou selos ecológicos fazem cada vez mais sentido, quanto mais atuais são os conceitos de consumo responsável e consumo sustentável. Na base de ambos os conceitos está associado o crescimento de uma ética de consumo, isto é, uma escolha de produtos tendo por base não apenas o preço, mas também as questões sociais e ambientais associadas ao mesmo. Os rótulos ambientais, tendo por base a normalização existente, podem ser de três tipos:

• Tipo I – Rótulos ecológicos – associados à minimização dos impactes ambientais ao longo do ciclo de vida do produto;

• Tipo II ou alegações ambientais autodeclaradas – associados à alegação de aspetos ambientais de um produto, sem se recorrer a critérios validados e a uma verificação por um entidade independente, pelo que o seu nível de transparência e credibilidade é menor do que os outros dois tipos;

• Tipo III ou declarações ambientais do produto (EPDs) – associados à quantificação dos impactes ambientais do produto ao longo do seu ciclo de vida.

Existem vários rótulos como por exemplo o Der Blau Engel (Alemanha), o Nordic Swan (Finlândia, Suécia, Dinamarca, Noruega), o NF Environment (França), Green Seal (EUA) e Eco-Mark (Japão). O único rótulo ecológico existente para toda a Europa é o Rótulo Ecológico Europeu (Regulamento CEE 880/92 de 23 de Março, revisto pelo Regulamento (CE) 1980/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Julho de 2000), também aplicado na Noruega, Liechtenstein e Islândia. Os rótulos ecológicos são um importante instrumento de apoio à decisão, nomeadamente quando se está na presença de materiais e produtos que são equivalentes sob o ponto de vista técnico-funcional, mas diferem no que respeita ao impacte ambiental.

2.3.3. Potencial de reutilização e reciclagem

A seleção dos materiais deve basear-se ainda no seu potencial de reutilização e reciclagem. Depois de o material completar o seu ciclo de vida inicial, apresenta um determinado potencial de reutilização e reciclagem, que varia em função da sua capacidade de vir a ser utilizado novamente como recurso. O nível atual de desenvolvimento tecnológico permite que a maior parte dos materiais de construção possa ser reciclada e integrada num novo ciclo de vida. As vantagens ambientais e económicas associadas ao processo de reciclagem varia de material para material e depende sobretudo da intensidade energética associada aos processos de reciclagem. Os resíduos metálicos são recicláveis se for possível separá-los por tipo. Os elementos de construção em aço e em alumínio possuem elevado potencial de reciclagem. Com a atual tecnologia de reciclagem do aço é possível reduzir entre 50% a 70% o consumo energético e emissão de gases poluentes na sua produção [18]. O alumínio é também 100% reciclável e com a sua reciclagem é possível diminuir a energia incorporada e a emissão de gases poluentes em cerca de 90% [18]. A maior parte dos plásticos podem ser granulados e reciclados na produção de novos produtos de plástico. No entanto, as taxas atuais de reciclagem são bastante baixas. Esta situação deve-se principalmente à elevada variedade de plásticos e à dificuldade que existe em os separar. Os produtos de vidro podem ser reciclados se devidamente separados e

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não contaminados. O vidro pode ser diretamente reutilizado ou reciclado, por exemplo, como agregado, depois de granulado, para a execução do betão. Com a reciclagem do vidro é possível reduzir a sua energia incorporada em 20% [15]. O betão e os produtos cerâmicos são exemplos de materiais cuja recuperação e reutilização é difícil. Os elementos em betão, tal como os produtos cerâmicos, depois de britados podem ser reciclados em agregados para o fabrico de betão, ou podem ser utilizados na execução de caixas de pavimento em pisos térreos ou nas bases de estradas. As estruturas em madeira e metálicas são exemplos de elementos construtivos que poderão ser reutilizados num novo ciclo de vida, caso o seu estado de conservação o permita. Na fase de projeto, existe uma série de prioridades que deverão ser consideradas pelos projetistas de modo a maximizar o potencial de reciclagem e de reutilização dos materiais/elementos construtivos prescritos para um edifício, destacando-se as seguintes [6]: evitar a utilização de materiais compósitos que não podem ser separados; evitar ligações inseparáveis entre os diversos elementos de construção e projetar os edifícios prevendo o seu futuro desmantelamento e não apenas a sua demolição.

2.3.4. Toxicidade dos materiais

A toxidade de um material expressa os efeitos nocivos que este pode infligir no ser humano e no ecossistema que o rodeia. Cada material, produto ou componente a utilizar num edifício deve ser devidamente analisado, em especial as suas especificações técnicas e o seu processo de fabrico, com vista à identificação de compostos químicos que sejam tóxicos. A fraca qualidade do ar no interior dos edifícios é causada por fontes interiores e exteriores de emissões gasosas e partículas sólidas e surge quando a produção destes elementos excede a capacidade dos sistemas de ventilação e filtragem em diluir ou remover esses poluentes até a um nível aceitável. Apesar da maioria dos poluentes ter origem no exterior e nas atividades que se desenvolvem no interior pelos ocupantes e equipamentos, existem outros poluentes emitidos a partir dos materiais que podem influenciar significativamente a qualidade do ar interior. A exposição aos poluentes interiores coloca sérios riscos à saúde dos ocupantes. Existem uma série de doenças e sintomas que poderão estar relacionados com a qualidade do ar interior, como por exemplo, as dores de cabeça, cansaço, tosse, irritação do nariz dos olhos e garganta, a asma e até o cancro. Dois dos principais poluentes libertados para o ambiente interior pelos materiais utilizados no revestimento das superfícies interiores são os compostos orgânicos (COV) e o formaldeído [19]. A emissão de compostos orgânicos voláteis está normalmente associada à utilização de tintas e vernizes com diluentes tóxicos como, por exemplo: o benzeno, o xileno e o tolueno. O formaldeído é normalmente libertado pelos produtos derivados da madeira, pois é vulgarmente utilizado na aglomeração e preservação das partículas de madeira. É da responsabilidade dos projetistas a seleção de materiais de baixa toxidade, de modo a evitar que a sua utilização afete a saúde e produtividade dos habitantes de um edifício e das pessoas responsáveis pela construção e manutenção do mesmo. Para o efeito deverão ser observados, entre outros, os seguintes princípios [6]:

• Selecionar tintas com base de látex e sem chumbo, em vez de tintas de óleo com diluentes tóxicos como o benzeno, xileno e tolueno;

• Preferir, sempre que possível, madeiras no seu estado natural aos aglomerados de madeira e/ou optar por derivados de madeira com baixa emissão de formaldeído (nível E1);

• Optar por materiais e sistemas que não apresentem clorofluocarbonetos (CFC) e hidroclorofluocarbonetos (HCFC), pois cerca de 50% dos clorofluocarbonetos produzidos são utilizados na construção;

• Assegurar que no edifício não é utilizado ou não se encontre presente amianto ou qualquer outro material que o contenha.

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2.4. Produção de resíduos

Os resíduos resultantes da indústria da construção constituem uma parte significativa do total de resíduos produzidos, sendo por isso importante o seu estudo. Atualmente, no contexto Europeu, a construção é responsável, em média, pela produção de 30% do total de resíduos produzidos. Em Portugal, não existem estatísticas credíveis a este nível, mas tendo em consideração a forte presença da indústria da construção nos últimos anos e o seu baixo grau de industrialização, este valor deverá ser muito maior. Entende-se por Resíduos de Construção e Demolição (RCD) todos os resíduos provenientes de construções, demolições, reabilitações, estruturas, pavimentos e restos de limpeza de terrenos ou escavações de solo, sendo na sua maioria constituídos por argamassas, alvenarias, betão armado, vidros, madeiras, podendo ainda incluir quantidades de resíduos perigosos, como o amianto e as resinas. A melhor maneira de lidar com os resíduos da construção é em primeiro lugar evitá-los. Depois deve-se tentar reciclar a maior quantidade possível. A incineração e a deposição dos resíduos em lixeiras e aterros sanitários devem ser evitadas. A quantidade de RCD e a sua eventual reutilização ou reciclagem dependem fundamentalmente do tipo de materiais e técnicas de construção/demolição utilizados, para além da organização da empresa de construção, das especificações do projeto e da qualificação da mão-de-obra. É durante a fase de conceção, que os intervenientes no projeto, devem assegurar a utilização de materiais, processos e tecnologias construtivas (por exemplo com dimensões padronizadas) que minimizem a produção de resíduos e garantam a reciclagem ou a futura reutilização dos resíduos resultantes da demolição/desmantelamento. Para isso deverão ser assegurados, entre outros, os princípios enumerados anteriormente que maximizam o potencial de reutilização e reciclagem dos materiais e componentes de construção de um edifício.

3. CONTRIBUTO DAS FERRAMENTAS DE APOIO À CONCEPÇÃO, AVALIAÇÃO E CERTIFICAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE DOS EDIFÍCIOS

Atualmente é possível encontrar no mercado alguns produtos, soluções e edifícios que se autointitulam mais sustentáveis do que os convencionais. No entanto, alguns deles podem na verdade não apresentar quaisquer vantagens relativamente às soluções convencionais, pelo que o rótulo “sustentável” é utilizado numa tentativa de potenciar o aumento de vendas. É, portanto, fundamental proceder-se se à avaliação da sustentabilidade das construções ou das soluções construtivas de modo a identificar aquelas que realmente potenciam um futuro mais sustentável para a construção. Neste sentido, com a crescente preocupação em, por um lado, introduzir o conceito de sustentabilidade na construção e, por outro, reconhecer o esforço das equipas de projecto no desenvolvimento de soluções mais sustentáveis, têm sido desenvolvidos diversos sistemas que permitem reconhecer e avaliar o desempenho dos edifícios, e em particular o seu desempenho ambiental. Um passo importante no desenvolvimento destes sistemas foi a introdução de certificações que permitem classificar o desempenho de um edifício e, ao mesmo tempo, criar mecanismos de demonstração desse desempenho e de melhoria contínua do mesmo. Os sistemas e ferramentas de avaliação e reconhecimento da construção sustentável têm como objetivo garantir a sustentabilidade dos edifícios durante a totalidade do seu ciclo de vida, promovendo e tornando possível uma melhor integração entre os parâmetros ambientais, sociais, funcionais, económicos e outros critérios convencionais. Durante a fase de conceção, estes sistemas são relevantes por permitirem reunir e reportar informação para suportar as tomadas de decisão no sentido da integração da sustentabilidade nos projetos. Atualmente, já existe uma série de sistemas no mercado, quer à escala internacional como nacional, destacando-se de seguida a contribuição do sistema SBToolPT para a promoção da sustentabilidade do ambiente construído em Portugal.

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3.1. O sistema SBToolPT

O SBToolPT é um sistema voluntário que tem como principal objetivo apoiar os projetistas, desde a fases mais preliminares de projeto, no desenvolvimento de um ambiente construído mais sustentável. Por outro lado, permite a avaliação e certificação da sustentabilidade de edifícios, novos e renovados, situados principalmente em zonas urbanas. Adicionalmente, a metodologia foi pensada de modo a consciencializar os diversos decisores no mercado da construção português no sentido da adoção de soluções que conduzam ao desenvolvimento de edifícios mais sustentáveis. A procura de um ambiente construído mais sustentável assenta no desenvolvimento de novas construções, na reabilitação de construções existentes e na criação de áreas urbanas em que se maximiza o seu desempenho ao nível de cada um dos pilares do Desenvolvimento Sustentável: Ambiente, Sociedade e Economia. Adicionalmente, este sistema pode ainda ser utilizado para certificar o nível de sustentabilidade através da marca portuguesa SBToolPT – Sistema de Avaliação e Certificação da Sustentabilidade do Ambiente Construído. Esta abordagem tem por base a estrutura do sistema internacional de avaliação da sustentabilidade SBTool (Sustainable Building Tool). O SBTool é um sistema internacional, voluntário, de avaliação e reconhecimento da sustentabilidade de edifícios, tendo sido desenvolvido pela associação sem fins lucrativos iiSBE (International Initiative for a Sustainable Built Environment) e é o resultado da colaboração em consórcio de equipas de mais de 20 países. O SBToolPT foi adaptado à realidade portuguesa pela representação nacional da iiSBE (Associação iiSBE Portugal), em colaboração com o Laboratório de Física e Tecnologia das Construções da Universidade do Minho (LFTC-UM) e a empresa do sector privado EcoChoice. A sua adaptação foi acompanhada pela iiSBE Internacional e actualmente existem abordagens semelhantes na Espanha, Itália e Republica Checa. O sistema encontra-se baseado num Guia de Avaliação e assenta num conjunto de 25 indicadores e 9 categorias que resumem o comportamento de um projeto em relação a alguns aspetos-chave da sustentabilidade (Figura 7) [20]. A sua estrutura permite avaliar e certificar o comportamento de um projeto em relação a dois níveis de referência (adaptados ao contexto nacional): melhor prática e prática convencional [20].

C1) Alterações climáticas e qualidade do ar exterior;

C2) Uso do solo e biodiversidade; C3) Energia; C4) Utilização de materiais e

resíduos sólidos; C5) Utilização de água e efluentes.

C9) Custos de ciclo de vida.

CCAATTEEGGOORRIIAASS EEMM AAVVAALLIIAAÇÇÃÃOO

AAmmbbiieennttee SSoocciieeddaaddee EEccoonnoommiiaa

C6) Conforto e saúde dos ocupantes;

C7) Acessibilidade; C8) Sensibilização e educação para a

sustentabilidade.

Figura 7 : Dimensões e categorias do sistema SBToolPT.

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Figura 8: (a) rótulo utilizado na comunicação do nível de sustentabilidade global através do sistema SBToolPT; (b) Certificado utilizado para comunicar a sustentabilidade de um edifício

avaliado através da metodologia SBToolPT.

4. CONCLUSÕES

A construção, nomeadamente o sector dos edifícios, apresenta elevado impacte nas três dimensões do Desenvolvimento Sustentável: ambiente, sociedade e economia. Com a construção sustentável pretende-se que a conceção, construção e utilização dos edifícios assente na maximização do desempenho dos mesmos ao nível de cada uma das dimensões. Tal como apresentado neste trabalho, atualmente já existe no mercado uma série de soluções técnicas que permitem satisfazer as expectativas dos ocupantes dos edifícios, a um nível mínimo de impacte ambiental e de custos de ciclo de vida. As ferramentas de avaliação e de reconhecimento da sustentabilidade permitem suportar e reconhecer o esforço das equipas de projeto no sentido de desenvolvimento de um ambiente construído mais sustentável. No entanto, e apesar dos esforços recentes e crescentes no sentido da sua promoção, a sustentabilidade ainda é uma preocupação menor no domínio da construção nacional, pois não é aplicada na generalidade dos projetos. Uma das soluções para corrigir esta realidade passa por informar os diversos intervenientes na construção, nomeadamente os clientes, das vantagens individuais e coletivas associadas a este conceito, salientando principalmente a contribuição da sustentabilidade para a diminuição dos encargos relacionados com a operação e manutenção de um edifício. Para ser competitivo, o mercado da construção nacional terá de evoluir no sentido da incorporação destes princípios, tal como já aconteceu em alguns países mais desenvolvidos onde a sustentabilidade é uma mais-valia num mercado da construção extremamente concorrencial. Em suma, o estado atual do mercado da construção e a crescente evidência das ações infligidas pelo homem no meio ambiente tornam urgente uma mudança de paradigma no modo como se desenvolve, utiliza e mantém o meio construído.

5. REFERÊNCIAS

[1] Kibert, C. J. 2005. – “Sustainable construction: green building design and delivery”, John Wiley & Sons, New Jersey, United States of America

[2] Bragança, L. – “Avaliação da Sustentabilidade de Edifícios”, Seminário Green It, INETI, Lisboa, 2008.

[3] Kibert, C. J., Sendzimir, J., & Bradley, G. - “Construction Ecology: Nature as the Basis for Green Buildings”, Taylor and Francis, 2002.

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[4] Vanegas, J., DuBose, J., & Pearce, A. - “Sustainable Technologies for the Building Construction Industry”, Proceedings, Symposium on Design for the Global Environment, 1995.

[5] Bourdeau, L., Houvilla, P., Lating, R. and Gilham, A. - “Sustainable Development and the Future of Construction: A comparison of visions from various countries”, CIB Publications, 32 p. Rotterdam, Holland, 1998.

[6] Mateus, R., Bragança, L. – “Tecnologias Construtivas para a Sustentabilidade da Construção”. Porto: Edições Ecopy, 2006. ISBN 978-989-95194-1-1. 296 p.

[7] Mateus, R. - Avaliação da Sustentabilidade da construção: Propostas para o desenvolvimento de edifícios mais sustentáveis. Tese de Doutoramento, Departamento de Engenharia Civil, Universidade do Minho. Guimarães, 2009.

[8] DGGE. 2005. Caracterização Energética Nacional. Direcção Geral de Geologia e Energia, Informação disponível em www.dgge.pt a 12/11/2007.

[9] Farinha, F., Rocheta, V. – “Práticas de projeto e construtivas para a construção sustentável”. Congresso Construção 2007, FCTUC, Coimbra, Dezembro, 2007.

[10] INAG 2004. Inventário Nacional de Sistemas de Abastecimento de Água – Versão Preliminar. Instituto da Água, 150p.

[11] Roodman, D. M., Lessen, N. 2005. A Building Revolution: how ecology and health concerns are transforming construction. Worldwatch Paper, 124, 67p.

[12] INE 2001. Recenseamento Geral da Habitação – Censos 2001. Instituto Nacional de Estatística.

[13] Gonçalves, H., Joyce, A., Silva, L. – Fórum energias renováveis em Portugal – “uma contribuição para os objetivos da política energética e ambiental”, ADENE/INETI, Lisboa, Dezembro, 2002.

[14] DGEG– “Estatísticas e preços – balanço energético nacional”. 2011. [15] AGO – “Design for lifestyle and the future: Technical Manual. Australian Greenhouse

Office”, Australian Government, Australia, 2003. [16] Ngowi, Al. B. – “Competing with environmental friendly construction practices”,

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[17] Berge, B. – “Ecology of building materials”, Architectural Press, England, 2000. [18] Tshudy, J. A. – “Materials and specifications.” In Sustainable Building Technical

Manual – Green Building Design, Construction, and Operation. Public Technologies, Inc, USA, 1996.

[19] Bernheim, A. – “Indoor air quality.” In Sustainable Building Technical Manual – Green Building Design, Construction, and Operation, Public Technologies, Inc, USA, 1996.

[20] Mateus R. Bragança L. - Sustainability assessment and rating of buildings: developing the methodology SBToolPT-H, Building and Environment (2011), doi:10.1016/j.buildenv.2011.04.023.

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