CONSTRUÇÃO CIVIL Bioconstrução combina técnicas milenares … · 2020. 1. 6. · CONSTRUÇÃO...

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C O N S T R U Ç Ã O C I V I L 46 por Carol Cantarino Bioconstrução combina técnicas milenares com inovações tecnológicas Princípios de sustentabilidade cada vez mais orientam a construção civil, considerado um dos setores que mais causa impactos no meio ambiente devi- do ao alto consumo de materiais, ener- gia e geração de resíduos. Empresas têm investido na chamada responsabi- lidade ambiental e muitas delas estão se especializando em bioconstrução, uma modalidade da arquitetura e da construção civil cujo princípio é reu- nir tecnologias milenares e inovativas para garantir a sustentabilidade não só do processo construtivo mas tam- bém do período pós-ocupação de casas e apartamentos. Uso de matérias-primas, recicladas ou naturais, disponíveis no local da obra; gestão e economia de água tais como reuso ou aproveitamento da água da chuva; fontes alternativas de ener- gia como aquecimento solar ou ener- gia eólica; coleta seletiva e reciclagem de lixo; técnicas construtivas baseadas na utilização do barro, palha ou bam- bu. A bioconstrução abrange uma série de tecnologias e a viabilidade ecológi- ca, econômica e social de sua aplicação depende, principalmente, da avaliação do local da obra. Sistemas de reaproveitamento da água e de aquecimento solar podem ser aplicados em qualquer residência ou apartamento da cidade de São Paulo por exemplo. Já a utilização de matérias- primas naturais depende do que esti- ver disponível no local de construção. "Cabe ao arquiteto fazer essa avaliação porque dessa disponibilidade é que depende a relação custo-benefício da obra", afirma Marcelo Todescan, um dos diretores da Todescan Siciliano Arqui- tetura, escritório especializado em pro- jetos residenciais que utilizam técni- cas bioconstrutivas. MATERIAIS MENOS TÓXICOS A opção pela utilização de maté- rias-primas locais também é feita em detrimento de materiais que agridem o meio ambiente seja em seu processo de obtenção ou fabricação, seja duran- te a aplicação ou ao longo de sua vida útil. A intenção também é a de que a construção seja menos tóxica e inva- siva para os moradores. Por conta dis- so é que materiais como PVC (policlo- reto de vinil), alumínio, tintas, solven- tes e revestimentos sintéticos (como o carpete) são evitados nesse tipo de empreendimento. A bioconstrução é considerada uma alternativa viável mesmo em grandes cidades como São Paulo. Todescan cita um projeto, já em fase de acabamento, inteiramente baseado nessa técnica. A casa, que fica no bairro da Granja Viana, foi erguida a partir da aplicação de uma técnica japonesa milenar denominada tsuchi kabe, empregada na construção de templos budistas. Ela combina a uti- lização de várias matérias-primas natu- rais: pedras são utilizadas nos alicerces e as paredes são construídas a partir de uma estrutura de madeira reciclada, bambu, terra e argila. A escolha da tsu- chi kabe não foi aleatória: a maioria des- ses materiais encontrava-se disponível no local da construção, o que viabilizou economicamente a obra. Sistemas de captação e reuso de água e de aqueci- mento solar também foram adotados. O arquiteto lembra que a biocons- trução não se resume à utilização de materiais ecologicamente corretos. O envolvimento do morador durante todo o processo de construção é bastante valorizado. Na casa construída na Granja Viana, foram realizados "muti- rões" ao longo de três finais de semana: a família do proprietário, seus amigos e vizinhos reuniram-se para que juntos aprendessem e aplicassem técnicas rela- cionadas ao uso do barro e à pintura de paredes com cal. TECNOLOGIA SOLAR EM CASAS POPULARES A utilização de fontes alternativas de energia renovável é um dos princípios mais valorizados da bioconstrução, mas CONSIDERADO UM DOS SETORES QUE CAUSA MAIOR IMPACTO AMBIENTAL PELO ALTO CONSUMO DE MATÉRIAS- PRIMAS, A CONSTRUÇÃO CIVIL INVESTE NA BUSCA DO EQUILÍBRIO

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por Carol Cantarino

Bioconstrução combina técnicasmilenares com inovações tecnológicas

Princípios de sustentabilidade cadavez mais orientam a construção civil,considerado um dos setores que maiscausa impactos no meio ambiente devi-do ao alto consumo de materiais, ener-gia e geração de resíduos. Empresastêm investido na chamada responsabi-lidade ambiental e muitas delas estãose especializando em bioconstrução,uma modalidade da arquitetura e daconstrução civil cujo princípio é reu-nir tecnologias milenares e inovativaspara garantir a sustentabilidade nãosó do processo construtivo mas tam-bém do período pós-ocupação de casase apartamentos.

Uso de matérias-primas, recicladasou naturais, disponíveis no local daobra; gestão e economia de água taiscomo reuso ou aproveitamento da águada chuva; fontes alternativas de ener-gia como aquecimento solar ou ener-gia eólica; coleta seletiva e reciclagemde lixo; técnicas construtivas baseadasna utilização do barro, palha ou bam-bu. A bioconstrução abrange uma sériede tecnologias e a viabilidade ecológi-ca, econômica e social de sua aplicaçãodepende, principalmente, da avaliaçãodo local da obra.

Sistemas de reaproveitamento daágua e de aquecimento solar podem seraplicados em qualquer residência ouapartamento da cidade de São Paulo porexemplo. Já a utilização de matérias-primas naturais depende do que esti-ver disponível no local de construção.

"Cabe ao arquiteto fazer essa avaliaçãoporque dessa disponibilidade é quedepende a relação custo-benefício daobra", afirma Marcelo Todescan, um dosdiretores da Todescan Siciliano Arqui-tetura, escritório especializado em pro-jetos residenciais que utilizam técni-cas bioconstrutivas.

MATERIAIS MENOS TÓXICOSA opção pela utilização de maté-

rias-primas locais também é feita emdetrimento de materiais que agridemo meio ambiente seja em seu processode obtenção ou fabricação, seja duran-te a aplicação ou ao longo de sua vidaútil. A intenção também é a de que aconstrução seja menos tóxica e inva-siva para os moradores. Por conta dis-so é que materiais como PVC (policlo-reto de vinil), alumínio, tintas, solven-tes e revestimentos sintéticos (comoo carpete) são evitados nesse tipo deempreendimento.

A bioconstrução é considerada umaalternativa viável mesmo em grandes

cidades como São Paulo. Todescan citaum projeto, já em fase de acabamento,inteiramente baseado nessa técnica. Acasa, que fica no bairro da Granja Viana,foi erguida a partir da aplicação de umatécnica japonesa milenar denominadatsuchi kabe, empregada na construçãode templos budistas. Ela combina a uti-lização de várias matérias-primas natu-rais: pedras são utilizadas nos alicercese as paredes são construídas a partir deuma estrutura de madeira reciclada,bambu, terra e argila. A escolha da tsu-chi kabe não foi aleatória: a maioria des-ses materiais encontrava-se disponívelno local da construção, o que viabilizoueconomicamente a obra. Sistemas decaptação e reuso de água e de aqueci-mento solar também foram adotados.

O arquiteto lembra que a biocons-trução não se resume à utilização demateriais ecologicamente corretos. Oenvolvimento do morador durante todoo processo de construção é bastantevalorizado. Na casa construída naGranja Viana, foram realizados "muti-rões" ao longo de três finais de semana:a família do proprietário, seus amigose vizinhos reuniram-se para que juntosaprendessem e aplicassem técnicas rela-cionadas ao uso do barro e à pintura deparedes com cal.

TECNOLOGIA SOLAR EM CASAS POPULARESA utilização de fontes alternativas

de energia renovável é um dos princípiosmais valorizados da bioconstrução, mas

CONSIDERADO UM DOSSETORES QUE CAUSA MAIORIMPACTO AMBIENTAL PELO

ALTO CONSUMO DE MATÉRIAS-PRIMAS, A CONSTRUÇÃO CIVIL INVESTE NA BUSCA

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sistemas termo-solares por famíliascarentes tendo em vista os resultadosobtidos pelo Projeto Sapucaias, a primei-ra experiência monitorada de instalaçãode sistemas de aquecimento solar paraa água de banho em área urbana no Brasil.Financiado pela Eletrobrás, o projeto foidesenvolvido ao longo de cinco anos jun-to a 100 famílias do município deContagem (MG).

A utilização dos coletores levou auma redução de 34,6% no consumo de

energia elétrica. Mas a eco-nomia na conta a pagar foimuito maior: variou de 56 a71%, já que, por causa daredução do gasto de energia,as famílias entraram tantona faixa dos beneficiáriosdas políticas de incentivo debaixo consumo das conces-sionárias, como nos progra-mas de transferência de ren-da do governo federal —ambos prevêem descontosna tarifa de energia elétrica.

"A disseminação do usode coletores solares depen-de de políticas públicas deplanejamento energético. Seelas forem focalizadas nasfamílias de baixa renda,resultados significativos,

com certeza, serão alcançados", acredi-ta Fantinelli.

Segundo a arquiteta, o consumo deenergia está relacionado à renda. O tem-po de banho das classes populares, porexemplo, é menor que o das classes demaior poder aquisitivo. Devido a essadiferença de comportamento, não só ogasto de energia, mas também o volu-me de água requerido pelas famílias debaixa renda são, conseqüentemente,menores, o que permitiu que o ProjetoSapucaias adotasse coletores solarescompactos (dotados com placa de 2metros quadrados e reservatório de águacom capacidade para 200 litros) e, porisso, mais baratos.

Como não há produção em escalade tecnologia solar no país, a aquisi-ção e instalação de um coletor solarcompacto gira em torno de R$1.400.Entretanto, a economia propiciadapelo sistema compensa os gastos.Apesar de pouco divulgada, na CaixaEconômica Federal há uma linha definanciamento exclusiva para a com-pra de coletores solares.

a economia representada pela substitui-ção da eletricidade por coletores solarespara aquecimento de água ainda é des-conhecida da maioria da população. "Cabeao poder público divulgar e tornar essatecnologia mais acessível, principalmen-te para as famílias de baixa renda". Essaé a opinião de Jane Tassinari Fantinelli,que defendeu doutorado sobre o assun-to na Faculdade de Engenharia Mecânicada Universidade Estadual de Campinas(Unicamp). A arquiteta defende o uso de

CONSTRUINDO COM AS PRÓPRIAS MÃOSCriada, nos anos 1970, pelo ecologista australiano Bill Mollison, a permacultura — referência à

permanent culture — pode ser definida como um conjunto de métodos de design e manutenção decasas, jardins, vilas ou comunidades auto-sustentáveis. Um dos seus princípios é o de que as técnicasconstrutivas sejam acessíveis para não-profissionais, garantindo a autonomia dos seus usuários.

No Brasil existem quatro centros de referência mundial na permacultura, localizados nas cida-des de Salvador, Pirenópolis, Bagé e Manaus. Eles desenvolvem sistemas de utilização de energiarenovável, agricultura ecológica e bioarquitetura. O Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado(Ipec), por exemplo, é considerado o maior parque de bioarquitetura do Brasil e trabalha com maisde vinte métodos de construção voltados para a habitação popular. Técnicas simples de utilizaçãodo barro — como o adobe e a taipa — dispensam o cimento e oferecem, como resultado final, con-forto térmico, melhor ventilação, qualidade do ar e isolamento acústico das habitações.

Tsuchi habe: técnica milenar

japonesa queusa materiaispresentes no

local, em projeto no

bairropaulistano

Granja Viana

Divulgação

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