Construindo o Talento a partir da dotação: Breve visão...

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© February 2009, Author. Construindo o Talento a partir da dotação: Breve visão do DMGT 2.0 Françoys Gagné, Ph. D. Honorary Professor of Psychology Université du Québec à Montréal (Canada) Em 2007-08 introduzi muitas mudanças importantes na maioria dos componentes do Modelo Diferencial de Dotação e Talento – DMGT (em inglês Differentiated Model of Giftedness and Talent). Essa versão foi desvendada – falando com humor – como “DMGT 2.0”. Esta breve visão geral do DMGT, pós revisão, vai abranger cinco temas: (a) sua fundamentação; (b) seus cinco componentes; (c) a questão “quantos são?”; (d) os porões do DMGT; e (e) algumas regras dinâmicas básicas do desenvolvimento de talentos. I – FUNDAMENTAÇÃO DO DMGT Fundamentos conceituais caóticos O campo de educação especial para dotados define sua população com dois conceitos- chave: dotação e talento. Aqueles que dão uma olhada na literatura cientifica e profissional da área logo descobrem que a existência de dois termos não significa existência de dois conceitos distintos. A maioria dos autores comumente usa esses dois termos como sinônimos, como na expressão comum: “os dotados e talentosos são...” . Quando os dois termos são diferenciados, a distinção pode tomar muitas formas. Algumas aplicam o termo “dotação” para alta capacidade cognitiva, e o termo “talento” para todas as outras formas de excelência (p.ex. artes, esportes, tecnologia). Outros consideram que dotação representa um nível mais alto de excelência que talento. Ainda outros associam dotação com algumas formas maduras de expressão, em oposição a uma visão de talento como uma capacidade não desenvolvida. Em outras palavras, se fôssemos extrair das maiores publicações da área todas as definições propostas para esses dois termos, terminaríamos com bem mais de uma dúzia delas. Explorando uma dicotomia fundamental Enquanto concepções abundam e se contradizem umas a outras, as autoridades da área continuam mencionando uma dicotomia, em particular, em quase todas as discussões sobre o construto dotação. Eles reconhecem implícita ou explicitamente, uma distinção entre formas de "dotação" emergindo cedo na vida, com fortes raízes biológicas, e formas de "dotação" adultas, inteiramente desenvolvidas. Expressam essa distinção por pares de termos, como potencial/ realização, aptidão/ desempenho, ou promissor/ completo. Modelo Diferencial de Dotação e Talento (DMGT) foi criado aproveitando essa distinção; ela tornou-se a base para novas definições diferenciadas desses dois termos. DOTAÇÃO- designa posse e uso de capacidades naturais notáveis chamadas aptidões, em pelo menos um domínio de capacidade, a um grau que coloca o individuo pelo menos entre os 10% mais altos no grupo de pares etários. TALENTO- designa desempenho notável de habilidades sistematicamente desenvolvidas, em pelo menos um campo de atividade humana, a um grau que coloca o individuo entre pelo menos os 10% mais altos no grupo de pares etários que são ou já foram ativos naquele campo.

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©    February  2009,  Author.  

Construindo o Talento a partir da dotação: Breve visão do DMGT 2.0

Françoys Gagné, Ph. D. Honorary Professor of Psychology

Université du Québec à Montréal (Canada)

Em 2007-08 introduzi muitas mudanças importantes na maioria dos componentes do Modelo Diferencial de Dotação e Talento – DMGT (em inglês Differentiated Model of Giftedness and Talent). Essa versão foi desvendada – falando com humor – como “DMGT 2.0”. Esta breve visão geral do DMGT, pós revisão, vai abranger cinco temas: (a) sua fundamentação; (b) seus cinco componentes; (c) a questão “quantos são?”; (d) os porões do DMGT; e (e) algumas regras dinâmicas básicas do desenvolvimento de talentos.

I – FUNDAMENTAÇÃO DO DMGT

Fundamentos conceituais caóticos O campo de educação especial para dotados define sua população com dois conceitos-

chave: dotação e talento. Aqueles que dão uma olhada na literatura cientifica e profissional da área logo descobrem que a existência de dois termos não significa existência de dois conceitos distintos. A maioria dos autores comumente usa esses dois termos como sinônimos, como na expressão comum: “os dotados e talentosos são...” .

Quando os dois termos são diferenciados, a distinção pode tomar muitas formas.

Algumas aplicam o termo “dotação” para alta capacidade cognitiva, e o termo “talento” para todas as outras formas de excelência (p.ex. artes, esportes, tecnologia). Outros consideram que dotação representa um nível mais alto de excelência que talento. Ainda outros associam dotação com algumas formas maduras de expressão, em oposição a uma visão de talento como uma capacidade não desenvolvida. Em outras palavras, se fôssemos extrair das maiores publicações da área todas as definições propostas para esses dois termos, terminaríamos com bem mais de uma dúzia delas.

Explorando uma dicotomia fundamental Enquanto concepções abundam e se contradizem umas a outras, as autoridades da área

continuam mencionando uma dicotomia, em particular, em quase todas as discussões sobre o construto dotação. Eles reconhecem implícita ou explicitamente, uma distinção entre formas de "dotação" emergindo cedo na vida, com fortes raízes biológicas, e formas de "dotação" adultas, inteiramente desenvolvidas. Expressam essa distinção por pares de termos, como potencial/ realização, aptidão/ desempenho, ou promissor/ completo.

Modelo Diferencial de Dotação e Talento (DMGT) foi criado aproveitando essa

distinção; ela tornou-se a base para novas definições diferenciadas desses dois termos. DOTAÇÃO- designa posse e uso de capacidades naturais notáveis chamadas aptidões,

em pelo menos um domínio de capacidade, a um grau que coloca o individuo pelo menos entre os 10% mais altos no grupo de pares etários.

TALENTO- designa desempenho notável de habilidades sistematicamente desenvolvidas, em pelo menos um campo de atividade humana, a um grau que coloca o individuo entre pelo menos os 10% mais altos no grupo de pares etários que são ou já foram ativos naquele campo.

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Essas definições revelam que os dois conceitos compartilham três características: (a)

ambos se referem a capacidades humanas; (b) ambos são normativos, no sentido em que apontam indivíduos que diferem da norma, ou média; c) ambos se referem a indivíduos que são “não normais” por causa de comportamento notavelmente superior. O fato de haver essas características em comum ajuda a compreender porque tantos profissionais e leigos no assunto confundem regularmente esses termos.

Ambas as definições concretizam o significado de “notáveis” com estimativas precisas

da prevalência, nomeadamente os 10% mais altos na população relevante. A racional para esse valor estatístico será discutida brevemente na seção III.

Dessas duas definições pode-se extrair uma definição simples para o processo de

desenvolvimento de talento: corresponde essencialmente à transformação progressiva de dotes em talentos.

Os três componentes, dotação (G=giftedness), talento (T), e o processo de

desenvolvimento (D), constituem o trio básico de componentes dentro do DMGT. Dois componentes adicionais (veja figura) completam a estrutura dessa teoria de desenvolvimento de talento: catalisadores intra-pessoais (I) e catalisadores ambientais (E).

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II - OS CINCO COMPONENTES Dotes (G) O componente G do DMGT agrupa as capacidades naturais em seis sub-componentes.

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Quatro deles são mentais: Intelectual (GI), criativo (GC), social (GS) e perceptual (GP). Os dois últimos são capacidades físicas: muscular (GM) capacidades devotadas aos movimentos físicos amplos, e capacidades associadas com controle motor fino e reflexos (GR); ambos contribuem para atividades físicas complexas (p. ex. tênis, beisebol, ginástica). Podemos observar capacidade natural na maior parte das tarefas que as crianças enfrentam em suas atividades diárias e escolarização. Pense, por exemplo, na capacidade intelectual necessária para aprender a ler, falar uma língua estrangeira, ou compreender novos conceitos matemáticos. Pense nas capacidades criativas envolvidas em escrever um conto, compor uma canção, desenhar um cartaz bonito, ou brincar com blocos de Lego. Note também as capacidades sociais que as crianças usam em suas interações diárias com colegas de turma, professores e pais. Finalmente nas capacidades naturais perceptuais e físicas que guiam atividades no pátio da escola, nas quadras de esporte da vizinhança, ou nas artes (dança, escultura, artesanato). Capacidades naturais não são inatas; elas se desenvolvem no correr da vida inteira de uma pessoa, mas provavelmente mais durante os primeiros anos (veja seção IV). Dotes se manifestam mais fácil e diretamente em crianças pequenas, porque somente uma limitada aprendizagem sistemática começou a transformar essa capacidade em talentos específicos. Podemos observá-los também em crianças mais velhas e adultos, pela facilidade e rapidez com que adquirem novos conhecimentos e habilidades. Quanto mais fácil e rápido o indivíduo aprende, mais se presume a presença de capacidades naturais sublinhando o processo. Talentos (T) No MGDT aparecem nove sub-componentes de talento. Seis correspondem à classificação de ocupações do Mundo do Trabalho da American College Testing (Universidade Americana de Testes). Têm sua fonte na classificação de John Holland que relaciona trabalho a tipos de personalidade: Realista, Investigativo, Artístico, Empreendedor, e Convencional (RIASEC). Os seis tipos básicos levam a 26 grupos específicos de ocupação sumarizados em cada uma das categorias RIASEC. Três sub-componentes adicionais complementam o sistema "Mundo-do-Trabalho": matérias acadêmicas (do Jardim ao nível Médio), jogos e esportes. Quase todos os talentos são fáceis de se avaliar: precisamos somente de medidas de desempenho, e nada mais. Provas e testes padronizados de desempenho escolar cobrem todas as matérias do Jardim de Infância ao Ensino Médio. Medidas similares existem para a maioria dos campos ocupacionais, especialmente durante períodos de aprendizagem ou treino. Sem dúvida, desempenhos notáveis nos esportes são os mais fáceis de se medir; todos os dias os jornais oferecem páginas dessas medidas! Observe a ausência de elitismo no conceito de talento do DMGT. Ao contrário dos exemplos da maioria dos autores, emprestados de indivíduos eminentes em profissões de elite, o DMGT enfatiza a presença de indivíduos talentosos na maior parte das ocupações humanas. Processo de Desenvolvimento do Talento (D) O desenvolvimento de talento é formalmente definido como o engajamento sistemático por parte dos talentees, por um período de tempo significativo, em um programa estruturado de atividades levando a uma meta especifica de excelência. Julguei útil criar um neologismo – talentee – para descrever qualquer pessoa participando em um programa sistemático de desenvolvimento de talento.

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O componente D tem três sub-componentes: atividades (DA), investimento (DI) e progresso (DP). Desenvolvimento do talento começa quando uma criança ou adulto ganha acesso (DAA), através de identificação ou seleção, a um programa sistematizado de atividades orientado para o talento. Tais atividades incluem um conteúdo especifico (DAC), o currículo, oferecido em um ambiente especifico de aprendizagem (DAF ou formato). Tal ambiente de aprendizagem pode ser não-estruturado (aprendizagem auto-didática), ou estruturado (p. ex. escola, conservatório, organização esportiva). O sub-componente investimento (DI) quantifica a intensidade do processo de desenvolvimento do talento em termos de tempo (DDI), dinheiro (DIM), ou energia psicológica (DIE). Esses três índices são transformados em curvas longitudinais mostrando acréscimos e diminuições no correr do tempo; também podem ilustrar diferenças entre talentees. O progresso (DP) dos talentees, do acesso inicial ao nível mais alto de desempenho pode ser dividido em estágios (DPS; p. ex. novatos, avançados, eficientes, experts). A sua maior representação quantitativa é ritmo (DPP), ou seja, a rapidez – comparando com pares de aprendizagem – em que o talentee está progredindo em direção à meta de excelência definida. O percurso desenvolvimental de longo prazo de um talentee será marcado por uma série de pontos de mudança de orientação mais ou menos cruciais (DPT), (p. ex. ser localizado por um professor ou treinador, receber uma bolsa de estudos importante, sofrer acidentes, morte de pessoas próximas). Os catalisadores I e E Generalidades. Na química, catalisadores facilitam e aceleram processos químicos; e também permanecem inalterados após sua contribuição. Seus correlatos metafóricos no DMGT diferem de duas maneiras: (a) podem exercer influências positivas ou negativas, – pela presença ou ausência - e (b) podem ser transformados permanentemente pelo envolvimento no processo de desenvolvimento. Catalisadores Intra-pessoais (I). O DMGT distingue duas dimensões intra-pessoais básicas: (a) traços físicos e mentais relativamente estáveis, e (b) processos orientados para metas e objetivos. Traços físicos (IF) incluem aparência, gênero, traços raciais ou étnicos, deficiências (pense nos Jogos Para-olímpicos), doenças crônicas, etc. Dentro da categoria mental ou de personalidade (IP), encontramos uma lista quase infinita de qualidades descritivas. O conceito de temperamento se refere a predisposições comportamentais com forte componente hereditário, ao passo que personalidade engloba uma grande diversidade de estilos, positivos ou negativos, de comportamento adquirido. A dimensão gestão de objetivos inclui três sub-componentes: auto-consciência (IW), motivação (IM), e volição (IV).Ter consciência dos próprios pontos fortes e fraquezas tem um papel crucial no planejamento de atividades de desenvolvimento do talentee. Forças e fraquezas se referem a ambos componentes G, I, e ao E. Processos orientados para metas podem ser diferenciados de acordo com atividades para identificação de metas (IM), em oposição a atividades para alcançar metas (IV). O termo “motivação” comumente traz à mente ambos, a idéia daquilo que nos motiva (IM) e do quão motivados (IV) estamos, quanto esforço estamos prontos a investir para alcançar a nossa meta.

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No quadro de referência do DMGT “motivação” se refere especificamente à identificação – e ocasional re-avaliação – de uma meta apropriada de excelência. Os talentees vão examinar seus valores e necessidades, como também determinar seus interesses, ou serem arrastados por uma paixão em potencial – mas isso é raro. Quanto mais alto o objetivo mais esforço o talentee vai precisar para alcançá-lo. Objetivos de longo prazo, localizados a um nível muito alto, requer dedicação intensa, tanto quanto atos diários de força de vontade para se manter exercitando através de obstáculos, tédio e fracassos ocasionais. Catalisadores ambientais (E). Os leitores familiarizados com versões mais antigas do DMGT hão de se lembrar que os catalisadores ambientais apareciam abaixo da seta central; aquela seta representava o processo de desenvolvimento como a transformação progressiva de dotes em talentos. Nessa atualização 2.0, o catalisador E foi movido para cima, e mais atrás dos catalisadores intra-pessoais. Essa superposição parcial assinala o papel crucial de filtro, representado pelo componente I, em relação a influências ambientais. A seta estreita para baixo e à esquerda indica influências diretas limitadas de E sobre o processo de desenvolvimento. Mas a massa de estimulação ambiental tem que passar pela peneira das necessidades, interesses e traços de personalidade do indivíduo. Os talentees continuamente separam e escolhem quais estímulos vão receber maior atenção. Por exemplo, pais e professores sabem bem como é limitada sua área de atuação para modificar hábitos de aprendizagem de crianças e jovens que não querem se modificar. Por outro lado, a pesquisa sobre resiliência humana tem revelado que muita força de vontade pode algumas vezes vencer obstáculos ambientais intransponíveis. O componente E contem três sub-componentes distintos. O primeiro, chamado milieu (EM), inclui uma diversidade de influências ambientais, desde físicas (p. ex. clima, vida rural vs. urbana) a influências sociais e culturais. Fatores econômicos (p. ex. riqueza familiar) também pertencem a esse sub-componente. O segundo sub-componente, indivíduos (EI), focaliza a influência de pessoas significantes no ambiente imediato do talentee. Inclui naturalmente pais e irmãos, mas também a família ampliada, professores e treinadores, pares, mentores, e mesmo figuras públicas adotadas como modelo pelo talentee. Em uma análise do desenvolvimento de talento baseada no DMGT incluímos somente influências pessoais que têm impacto sobre o processo de desenvolvimento do talento. O terceiro sub-componente, provisões (EP), abrange todas as formas de serviços e programas. As duas tradicionais sub-categorias de provisões de enriquecimento, e administrativas, são diretamente paralelas às sub-categorias “conteúdo” e “forma” do sub-componente DA acima descrito. Aqui adotamos uma visão mais ampla ao invés de examinar provisões a partir de uma perspectiva restrita a um curso para desenvolvimento de um dado talentee. Enriquecimento se refere a um currículo específico, ou estratégias pedagógicas específicas ao desenvolvimento de talento; o exemplo mais conhecido é o chamado enriquecimento em densidade, ou compactação de currículo. Provisões administrativas são tradicionalmente sub-divididas em suas práticas principais: (a) tempo parcial (p. ex. agrupamentos, apoio fora da sala de aula) ou tempo integral em turmas agrupadas por nível de capacidade, e (b) enriquecimento acelerativo (p. ex. entrada antecipada ao nível escolar, saltar séries, Programas de Matricula Adiantada).

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Sobre o fator acaso (C) A localização do acaso dentro do DMGT tem evoluído consideravelmente com o passar dos anos. Primeiramente introduzido como um dos cinco sub-componentes ambientais, mais tarde tornou-se um dos três catalisadores. Finalmente compreendi que o seu papel “real” era de qualificador de qualquer influência causal, junto com direção (positiva/ negativa) e intensidade. Acaso representa o grau de controle que os talentees têm sobre as influências ambientais. Um psicólogo famoso em motivação, John William Atkinson, uma vez declarou que todas as realizações humanas podiam ser alocadas a duas cruciais “rodadas de dados”: os acidentes de nascimento e modo de criação. De fato, nós não controlamos a dotação genética recebida na concepção; mesmo assim, a dotação genética afeta tanto nossas capacidades naturais (componente G), e temperamento, como outros elementos do componente I. Ainda mais, não temos controle sobre em que família, e que ambiente social somos criados. Esses dois impactos, por si só, dão imenso poder ao papel do acaso para semear bases de possibilidades para desenvolvimento do talento de uma pessoa. Devido a esse papel redefinido, o fator “Acaso” já não deveria aparecer em uma representação visual do DMGT. Mas, por causa da sua popularidade entre os “fans” do DMGT – e também minha ligação pessoal – criei um espaço para o acaso ao fundo dos componentes que ele influencia.

III – PREVALÊNCIA E NÍVEIS

Quantas pessoas são dotadas e /ou talentosas? A questão da prevalência é crucial nos casos de construtos normativos (p. ex. pobreza, altura, peso, a maioria das síndromes neuróticas), que focalizam uma proporção pequena -e marginal- em toda a população. Falando praticamente, ao adotar um limiar de 10% ao invés de 1% - uma diferença de dez vezes em prevalência estimada – tem um imenso impacto nas práticas de seleção e provisões para desenvolvimento de talentos. A questão “quantos?” não tem uma resposta absoluta; em nenhum lugar vamos encontrar um número mágico que automaticamente separa aqueles chamados dotados ou talentosos do resto da população. O estabelecimento de um limiar apropriado requer que profissionais cheguem a um consenso. No DMGT os indivíduos que pertencem aos 10% no topo do grupo relevante de referência em termos de capacidade natural (para dotação) ou desempenho (para talento), merecem o rótulo relevante. Essa escolha generosa do limiar inicial é contrabalançada pelo reconhecimento de níveis, ou graus de dotação ou talento. Há cinco níveis hierarquicamente estruturados, inspirados no sistema métrico; cada novo nível inclui os 10% ao topo do nível que o precede. Esse sistema de níveis baseado no sistema métrico (MB) constitui um constituinte intrínseco do DMGT. Dentro dos 10% ao topo das pessoas “levemente” dotadas ou talentosas, o DMGT propõe quatro sub-grupos progressivamente mais seletivos. Eles são rotulados moderadamente (1% ao topo), altamente (topo 1:1.000), excepcionalmente (topo 1:10.000), e extremamente ou profundamente (topo 1;100.000). Note que o sistema de níveis MB se aplica a todos os domínios de dotação e todos os campos de talento. Porque os domínios de dotação não são proximamente correlacionados, indivíduos dotados em um domínio não são necessariamente os mesmos indivíduos dotados

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em outro. Conseqüentemente, o numero total de indivíduos dotados e talentosos excede amplamente o valor de 10%. Alguns estudos indicam que pode muito bem ser duas ou três vezes maior.

IV – EMBAIXO DO DMGT

Como mencionado anteriormente, capacidades naturais não são inatas. Elas se desenvolvem e também possuem profundos suportes biológicos inegáveis. Agora, que o genoma humano foi decodificado, os pesquisadores estão tentando, (a) apontar precisamente os genes responsáveis por várias capacidades humanas, e outras características pessoais, e (b) reconstruir o caminho biológico entre eles e as características observáveis (fenótipos). O DMGT representa uma teoria de desenvolvimento de talento limitada ao “nível térreo” de comportamento diretamente observável. As estruturas biológicas de suporte estão situadas abaixo. Embora contribuam para criar as grandes diferenças individuais observadas ao nível térreo, não são elementos constituintes do DMGT em si mesmo; cada nível tem seu próprio grau de autonomia. Os porões do DMGT podem ser metaforicamente sub-divididos em três níveis. No mais baixo encontramos estruturas e processos genótipos (p. ex., DNA, RNA, produção de proteína). O segundo nível contém uma imensa diversidade de processos fisiológicos e neurológicos (chamados endofenótipos) que asseguram o funcionamento apropriado do corpo e cérebro. Muitos deles dão origem a diferenças individuais nos componentes G e I. O mais alto nível inclui estruturas anatômicas, chamadas exofenótipos (p. ex. tamanho do cérebro, altura, flexibilidade das juntas), as quais têm sido associadas com capacidades e outras características. Essas três estruturas subterrâneas interagem dinamicamente para assegurar o desenvolvimento apropriado das capacidades naturais e de muitos catalisadores intra-pessoais.

V – A DINÂMICA DO DESENVOLIMENTO DE TALENTO

O DMGT é um modelo de desenvolvimento de talento. Ele NÃO pretende representar o desenvolvimento total pessoal de uma pessoa. Conseqüentemente, somente devem ser introduzidos os elementos que têm influência significativa sobre o processo de desenvolvimento de talento de uma pessoa. Um estudo de caso de desenvolvimento de talento de uma pessoa, deveria excluir quaisquer características, julgadas irrelevantes como causa para a emergência de notáveis realizações do talentee. Regras dinâmicas básicas Dentro do DMGT, capacidades naturais, ou aptidões atuam como “matéria prima”, ou elementos constituintes de talentos. Segue-se que a presença de talentos necessariamente implica presença de capacidades naturais bem acima da média; na maioria das situações não se pode tornar talentoso sem primeiro ser dotado, ou bem perto do limiar mínimo de dotação. O inverso não é verdadeiro: capacidades naturais altas podem permanecer somente em dotes, e não serem traduzidas em talentos, como demonstra o fenômeno de sub-desempenho acadêmico entre crianças intelectualmente dotadas. Há também uma associação dinâmica entre dotes específicos e talentos. Por causa de seu status como “matéria prima”, os dotes representam capacidades genéricas que podem ser moldadas em habilidades mais ou menos divergentes, dependendo do campo de atividade

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adotado por um talentee. Por exemplo, destreza manual, uma de muitas capacidades físicas, pode ser moldada nas habilidades próprias de um pianista, um dentista, um digitador ou um jogador de videogame. Da mesma maneira, raciocínio analítico, uma de muitas capacidades naturais cognitivas, pode ser moldado no raciocínio cientifico de um químico, na análise de jogo de um jogador de xadrez, ou o planejamento estratégico de um atleta. Na maioria das situações de desenvolvimento de talento, os quatro componentes causais, (G I D E), contribuem positivamente para a emergência de talentos. E se presume que essa contribuição positiva vai se tornando mais intensa à medida que os talentees tentam alcançar metas mais altas em seu talento. Não há dois caminhos de desenvolvimento que se pareçam. É por isso que desenvolvimento de talento é um processo muito complexo, um processo onde quatro componentes causais modificam suas interações durante o correr do caminho de desenvolvimento de um talentee. Pense por exemplo na supervisão próxima que muitos pais dão aos deveres escolares de seus filhos durante a escola primária, e como isso virtualmente desaparece na altura em que esses jovens chegam à escola média. Cenários ilustrativos No sistema escolar, do Jardim de Infância ao nível médio, não é raro observar estudantes academicamente talentosos que investem pouco mais em sua escolarização do que seus dotes intelectuais altos. Muitos desses estudantes mostram pouca motivação para aprendizagem acadêmica, não precisam quase nenhum apoio ambiental, e investem pouco tempo no trabalho escolar, alem da presença em sala de aula, e uma ocasional “decoreba” antes dos exames. Aqui estão estudantes que literalmente bóiam em cima dos seus dotes intelectuais. Seus “reais” interesses estão em outro lugar: esportes, amigos, videogames, etc. Ao inverso, alguns estudantes, pouco mais que acima da média em capacidade natural, podem alcançar o patamar inferior do sistema MB ao nível – talento acadêmico leve – graças a dedicação intensa e esforço (IV), longas horas semanais de estudo intencional (DI), e continuo apoio de ambos, pais e professores (EI). Esses dois exemplos ilustram interações dinâmicas diversas entre os quatro componentes causais e seus sub-componentes. O que faz a diferença? De modo geral, alguns componentes – em média - exercem influências mais poderosas sobre a emergência do talento? Minha própria revisão da literatura existente trouxe-me o propósito de seguir para baixo a hierarquia dos quatro componentes: G, I, D, E. Eu discuto essa hierarquia em detalhes nas referências abaixo. Mas, criar uma hierarquia de causalidade não devia nos fazer esquecer que na maior parte das situações, todos os componentes desempenham um papel importante no processo de desenvolvimento do talento. Em uma palavra, a emergência do talento resulta de uma coreografia complexa entre os quatro componentes causais, uma coreografia que é única, para cada individuo.

Leituras sugeridas: Gagné, F. (2003). Transforming gifts into talents: The DMGT as a developmental theory. In N. Colangelo

& G. A. Davis (Eds.), Handbook of gifted education (3rd ed.), pp. 60-74. Boston: Allyn and Bacon. Gagné, F. (2009). Building gifts into talents: Detailed overview of the DMGT 2.0. In B. MacFarlane, & T.

Stambaugh, (Eds.), Leading change in gifted education: The festschrift of Dr. Joyce VanTassel-Baska. Waco, TX: Prufrock Press.

Tradução - Zenita Guenther CEDET/ASPAT – Brasil