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ATITUDE Revista de Divulgação Científica da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre Construindo Oportunidades Ano IX - nº 18 Julho/ Dezembro 2015

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ATITUDERevista de Divulgação Científica da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre

ConstruindoOportunidades

Ano IX - nº 18Julho/

Dezembro 2015

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REVISTA ATITUDE - Construindo OportunidadesPeriódico da Faculdade Dom Bosco de Porto AlegreAno IX - No 18 - julho a dezembro de 2015Porto Alegre - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

ISSN 1809-5720

A REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades tem por finalidade a produção e a divulgação do conhecimento nas áreas das ciências aplicadas produzido particularmente pelo seu corpo docente e colaboradores de outras instituições, com vistas a abrir espaço para o intercâmbio de ideias, fomentar a produção científica e ampliar a participação acadêmica na comunidade. O Conselho Editorial reserva-se o direito de não aceitar a publicação de matérias que não estejam de acordo com esses objetivos.Os autores são responsáveis pelas matérias assinadas.É permitida a cópia (transcrição) desde que devidamente mencionada a fonte.

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Porto Alegre, 2015

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Revista Atitude - Construindo Oportunidades – Revista de Divulgação Científica da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre

Ano IX, Volume 7, número 18, jul/dez 2015 – ISSN 1809-5720

Diretor/DirectorProf. Dr. Pe. Marcos Sandrini - [email protected]

Editor/EditorProf. Dr. Silvio Javier Battello Calderon - [email protected]

Comissão Editorial/Editorial BoardProf. Dr. Renato Ferreira Machado - [email protected]

Prof. Dr. Edson Sidney de Ávila Júnior - [email protected]. Dr. Luís Fernando Fortes Garcia - [email protected]

Prof. Dr. Silvio Javier Battello Calderon - [email protected]

Comissão Científica/Scientific CommitteeProfa. Dra. Adriana Dreyzin de Klor (UNC/ Córdoba, Argentina)

Prof. Dr. José Noronha Rodrigues (Universidade dos Açores, Portugal)Prof. Me. Eduardo Viecelli (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Dr. Carlos Garulo (IUS/Roma, Itália)Prof. Dr. Erneldo Schallenberger (UNIOESTE/Cascavel, PR)Prof. Dr. Fábio José Garcia dos Reis (UNISAL/Lorena, SP)

Prof. Dr. Friedrich Wilherm Herms (UERJ/Rio de Janeiro, RJ)Profa. Me. Neide Aparecida Ribeiro (UCB/Brasília)

Profa. Dra. Letícia da Silva Garcia (FDB/Porto Alegre, RS)Pesq. Dr. Manoel de Araújo Sousa Jr. (INPE-CRS/Santa Maria, RS)

Profa. Dra. Marisa Tsao (UNILASALLE/Canoas, RS)Prof. Dr. Nelson Luiz Sambaqui Gruber (UFRGS/Porto Alegre, RS)

Prof. Dr. Osmar Gustavo Wöhl Coelho (UNISINOS/São Leopoldo, RS)Prof. Dr. Stefano Florissi (UFRGS/Porto Alegre, RS)

Pesq. Dra. Tania Maria Sausen (INPE-CRS/Santa Maria, RS)

Avaliadores ad-hoc/Ad-hoc reviewersProf. Ms. Aécio Cordeiro Neves (FDB/Porto Alegre, RS)

Pesq. Ms. Camila Cossetin Ferreira (INPE-CRS/Santa Maria, RS)Prof. Dr. José Néri da Silveira (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Ms. José Nosvitz Pereira de Souza (FDB/Porto Alegre, RS)Profa. Ms. Luciane Teresa Salvi (FDB/Porto Alegre, RS)Prof. Dr. Luís Carlos Dalla Rosa (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Ms. Luiz Dal Molin (FDB/Porto Alegre, RS)Prof. Dr. Marcelo Schenk Duque (FDB/Porto Alegre, RS)Pof. Dr. Ricardo Alvarez (UM/Buenos Aires, Argentina)

Pesq. Ms. Silvia Midori Saito (INPE-CRS/Santa Maria, RS)Profa. Ms. Viviani Lopes Bastos (UCS/Caxias do Sul, RS)

Produção Gráfica/Graphics ProductionPropale*com

Rua Vinte e Quatro de Outubro 1330 – Auxiliadora – Porto Alegre – RS - CEP 90510-001 – Tel: (51) 3377.5297

Revisão:Diego Dornelles da Costa

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SUMÁRIO

Apresentação ..................................................................................................... 7

O Conceito De Direito - um breve ensaio sobre as discussões de Dworkin e Posner Frente ao Atual Cenário Brasileiro .................................................................... 9Acácia Sayuri Wakasugi

A UNASUL e a possibilidade jurídica para a efetivação de uma cidadania sul-

americana e os paradigmas da união europeia ............................................... 23Gabriela de CastroSilva Pretto Pablo Machado Lima

A tutela comparativa da propriedade industrial e os anseios econômicos nas tradições jurídicas internacionalizadas ........................................................... 67Jéssica Pinheiro Oyarzábal

Aplicação de linha de vida em obras multifamiliares de construção civil: estudo de caso ............................................................................................................. 89Juliana Artifon

Estudo do comportamento dos consumidores de produtos verdes: aplicação da escala ECCB ................................................................................................... 101Laucia Ananda KreinAlexandre de Melo Abicht

O contrato de compra e venda à luz da Convenção de Viena de 1980 e do Código Civil brasileiro ................................................................................................ 121Laura Garcias Nunes

A obrigatoriedade do trabalho prisional prevista na lei de execução penal de 1984 e a vedação da pena de trabalhos forçados da constituição de 1988: a possível não receptividade do instituto e a consequente restrição aos direitos trabalhistas

........................................................................................................................ 149Laura Machado de Oliveira

Offset vs Digital: estudo comparativo entre os processos de impressão ..... 165Ricardo Marques Sastre

Algunas consideraciones sobre el modo en que debe interpretarse y aplicarse la norma. Métodos y doctrinas. ...................................................................... 185Adrian Cetrángolo

Algunos riesgos catastróficos en el seguro y su función social .................... 205Jorge Omar Frega

Responsabilidad del acreedor en el endeudamiento de consumidores, principio de buena fe y deber de prevención en el Código Civil y Comercial ................ 227Jorge Oscar Rossi

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A Revista Atitude é uma publicação periódica da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, que atualmente oferece à comunidade cinco cursos superiores: Administração, Ciências Contá-beis, Sistemas de Informação, Engenharia Ambiental e Sanitária e Direito.

Nosso grande objetivo é ajudar as novas gerações a se posicionarem diante da vida como profissionais e cidadãos. Queremos ser fiéis à missão que nos foi deixada por Dom Bosco (1815-1888) de educar pessoas para serem “bons cristãos e honestos cidadãos”.

Fazemos parte de uma rede de Instituições de Educação Superior chamada IUS, ou seja, Instituições Universitárias Salesianas presente em quatro continentes com mais de 70 (setenta) Instituições. Todas com o mesmo objetivo, a mesma utopia, as mesmas metodologias, o mes-mo desejo de encarnação no seu entorno.

A Revista Atitude já está em seu número 18. São oito anos de publicação ininterrupta de uma revista reconhecida e conceituada no âmbito nacional e internacional, com indexação no Qualis.

Professores, alunos, convidados estão presentes em suas páginas com o grande objeti-vo de defender, promover e alavancar a vida, cada vida, em todas as suas dimensões. Este é o sentido de nossa presença no mundo da educação superior.

A partir desta edição, a Revista está disponível em novo portal:

http://faculdade.dombosco.net/revista-atitude

Nesta página é possível consultar todos os números da revista, fazer download, se comunicar com o conselho editorial e enviar trabalhos para avaliação. Todos de forma muito simples!

REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades!

APRESENTAÇÃO

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano IX - No 18 - julho a dezembro de 2015 9

O CONCEITO DE DIREITO - UM BREVE ENSAIO SOBRE AS DISCUSSÕES DE DWORKIN E POSNER

FRENTE AO CENÁRIO BRASILEIRO DE 2016

Acácia Sayuri Wakasugi1

RESUMO

Propõe-se o presente ensaio a uma reflexão sobre o conceito de ‘Direito’ sobre a ótica da Teoria do Law and Economics, contextualizado dentro do discurso de Richard Posner e seu famoso embate com Ronald Dworkin, tudo dentro do cenário político-econômico brasileiro em 2016.

Palavras chave: Richard Posner; Ronald Dworkin; Conceito de Direito

ABSTRACT:

This present essay proposed a reflection on the concept of law on the perspective of the theory of Law and Economics, contextualized within the discourse of Richard Posner and his famous clash with Ronald Dworkin, all within the political-economic scenario in Brazil in 2016.

KEY-WORDS: Richard Posner; Ronald Dworkin; Concept of Law

1 Advogada e sócia diretora do escritório Wakasugi Advogados. Doutoranda pela Universidad Morón/Argentina e Mestre em Direito - PU-CRS. Esp. em Dir. Internacional e Estado ambos pela UFRGS/RS e MBA em Dir. da Economia e da Empresa - FGV/RS. Ex Conselheira do CARF/MF indicada pela Conf. Nacional da Agricultura e Pecuária-CNA. Membro da FESDT-RS. Professora na Pós-Graduação da Faculdade Integrada São Judas Tadeus/RS. E-mail: [email protected]

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O CONCEITO DO DIREITO10

1. INTRODUÇÃO

Considerando a situação econômica, política e social que o Brasil está vivenciando no último biênio, com uma junção de crises nunca antes presenciada, com alteração brusca de um cenário macroeconômico crescente e promissor, para uma realidade das mais adversas que tem como notícias veiculadas na mídia que a economia brasileira deve fechar o ano de 2015 e provavelmente também 2016 em recessão.

Para tanto nos propomos neste breve ensaio refletir sobre ‘O Direito sobre a ótica da Teoria do Law and Economics, contextualizado dentro do discurso de Richard Posner e seu famoso embate com Ronald Dworkin o qual dentre outras vertentes teóricas, dispõe o liberalismo sobre dois prismas: o baseado na neutralidade em que o governo não deve intervir em questões preponderantemente morais ou axiológicas e o baseado na igualdade, defendendo a neutralidade moral apenas nos casos em que a isonomia assim exija2.

Para cotejar esta temática analisa-se, de modo não exauriente, a necessidade ou não de um estado regulador da economia desde que dentro das máximas legislativas já existentes, pois em momentos de totais incertezas sociais, como o vivido no Brasil na segunda metade do ano de 2015 até agora, em que expõe-se fragilidades em todos os meios midiáticos de instituições antes imaculadas no sensu comum, como as corrupções e desvios financeiros3 nos fazem refletir sobre ilações há tanto estudadas na academia, como o que é direito, moral e justiça.

2.NECESSIDADE DE UM ESTADO REGULADOR DA ECONOMIA DES-DE QUE DENTRO DAS MÁXIMAS LEGISLATIVAS JÁ EXISTENTES

Com a necessária mudança de paradigmas, haja vista a derrocada do modelo do Estado liberal, ascende-se então uma nova forma de posicionamento do Poder Público em face da ordem eco-nômica e dos mercados, sendo abandonado o liberalismo puro, adotando-se, destarte, diferentes formas e aspectos intervencionistas, cada qual influenciado pelo ideário político da corrente partidária que se encontra no poder, conforme adiante explicitado. Assim, surge o intervencio-nismo estatal, caracterizado por forte interferência do Poder Público na sua Ordem Econômica, sob duas vertentes dominantes: o Estado Socialista e o Estado do Bem-Estar Social, este último consolidado nas democracias ocidentais após a Segunda Guerra Mundial.4

2 DWORKIN, Ronald. A matter of principle. Harvard University Press, 1985. Na tradução para o português: DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes; 2000.

3 A estatal brasileira Petrobras, foco do maior escândalo de corrupção do país, admitiu nesta segunda-feira perdas recordes no exercício de 2015 e anunciou um prejuízo de 34,8 bilhões de reais no ano. O balanço, surpreendente para os analistas, é ainda pior do que o de 2014, quando registrou uma perda de 21,6 bilhões de reais depois de admitir que a corrupção havia deixado um buraco em seus cofres de 6,2 bilhões de reais. O resultado é o pior já registrado em um ano por uma empresa, pública ou privada, no Brasil.

4 A empresa, que prevê a retomada de uma situação sólida somente daqui a cinco anos, atribui os resultados ruins principalmente à queda do preço médio do barril de Brent, referência internacional para os operadores no mercado de petróleo, que passou de 98,99 dólares em 2014 para 52,4 dólares em 2015. A queda afetou petroleiras no mundo inteiro, em especial as latino-americanas. A abrupta desvaloriza-ção do real –48,3%-- em relação ao dólar, moeda em que a empresa tem a maior parte de sua dívida bilionária, fez com que o cenário se

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O modelo socialista caracterizou-se pela absorção total da atividade econômica por parte do Estado. Por sua vez, no modelo social, a intervenção na atividade econômica apresenta-se mais moderada, objetivando garantir que sejam efetivadas políticas de caráter assistencialista na so-ciedade, para prover os notadamente hipossuficientes em suas necessidades básicas. Acontece que esse paradigma de Estado interventor, parâmetro para as Constituições brasileiras, de 1934 até o texto primitivo da Constituição de 1988, foi alvo de duras e acertadas críticas, porquanto se demonstrou Estado ineficiente, paternalista, incompetente ao não atender com presteza à demanda dos cidadãos, causador de vultosos endividamentos públicos.

Tratou-se de um modelo de Estado esbanjador, inchado, incapaz de investir nas demandas sociais mais urgentes – transporte, habitação, saúde, educação e segurança pública, por exemplo. No que tange à sua relação com os cidadãos, mostrou-se igualmente pernicioso, uma vez que levou o indivíduo a sentir–se sufocado e refém nas mãos do Estado-pai e, concomitantemente, achar-se no direito de eternamente ficar clamando do Poder Público a resposta a todo e qualquer anseio.

A partir desse descrédito, no potencial empresário e provedor do Estado, como forma de atingir de forma eficaz o progresso e a transformação social, os papéis que antes lhe foram destinados passaram por uma redistribuição, no intuito de reduzir o tamanho da máquina burocrática, devol-vendo–se, à iniciativa particular, as atividades que estavam sendo insatisfatoriamente prestadas pela máquina estatal.

O pêndulo retorna à iniciativa privada, de modo a assegurar-lhe o papel de protagonista na sociedade, dando-se um retorno comedido ao ideário liberal, permeado, agora, pela presença

deteriorasse ainda mais. A Petrobras sofreu também as consequências da decisão das três principais agências de risco, que, a partir de setembro de 2015, rebaixaram o grau de investimento do Brasil. Desde então, a empresa vem pagando mais para captar financiamento no mercado para empreender ou dar continuidade aos seus projetos.

Apesar de não ter condições de pagar dividendos a seus acionistas nem bonificações a seus funcionários, a direção da Petrobras procurou demonstrar algum otimismo ao apresentar seus números. Os resultados foram divulgados em plena execução de um plano desinvestimento de 98,4 bilhões de dólares para o período 2015-2019. A bilionária venda de ativos tem como objetivo reduzir sua dívida, que é seu calcanhar de Aquiles, gerar mais liquidez no caixa e enfrentar a crise em que a empresa está afundada. Questionado sobre o impacto da crise política, que deixa o país paralisado, nesses planos, o presidente da companhia, Aldemir Bendine, respondeu negativamente. “[A crise política] não influencia quando você tem um ativo que é do interesse do investidor. O que o investidor não gosta é de ruptura de contratos. Não acredito que a crise tenha impacto. Pode atrasar [as operações], talvez, do ponto de vista da negociação”, disse o executivo.

Bendine, que assumiu a direção da empresa em fevereiro de 2015 e apresentou nesta segunda-feira o primeiro balanço anual sob sua gestão, afirmou que a companhia demonstra “mais uma vez a sua transparência em relação ao resgate de sua credibilidade”. Segundo ele, “o resultado gerencial foi muito bom, pois, depois de sete anos, a empresa registrou um fluxo de caixa positivo, reduziu as despesas administrativas e diminuiu a dívida líquida em dólares”.

Números positivos depois de oito anos

O fluxo de caixa a que se referiu o presidente - o dinheiro disponível para amortizações - foi positivo pela primeira vez em oito anos, graças ao corte de investimentos e à redução de despesas. Além disso, a Petrobras teve uma receita superior às despesas de 15,6 bilhões de reais. “Uma empresa com fluxo de caixa positivo tem condições de amortizar a dívida”, disse o seu presidente.

O EBITDA --receitas sem descontar juros, impostos, amortizações e depreciação-- foi 25% superior ao de 2014, passando de 59,1 bilhões de reais para 73,9 bilhões de reais. A dívida em dólares caiu cerca de 5%, passando de 106,2 bilhões de dólares em 2014 para 100,4 bilhões em 2015. Entre as notícias positivas, a empresa destaca um recorde na extração do pré-sal, petróleo encontrado nas camadas mais pro-fundas do oceano e que garante um quarto da produção da companhia. O número de barris extraídos por dia foi 4% superior ao de 2014, atingindo a meta de 2.787 barris por dia.

Perdas por corrupção

Por causa da Operação Lava Jato, que investiga uma gigantesca rede integrada por seus diretores, empresários e políticos, a Petrobras ainda espera recuperar parte do dinheiro desviado de seus cofres. A empresa admitiu oficialmente ter perdido 6,2 bilhões de reais como produto da corrupção e que recuperou apenas 300 milhões. A expectativa é de que a homologação de novas ações judiciais em curso lhe permita recuperar mais perdas.

Enquanto isso, a companhia abriu uma nova investigação interna para apurar uma série de denúncias anônimas que acusam o departa-mento de Recursos Humanos de ter gerado um prejuízo de 40 bilhões de reais. Se essas denúncias se confirmarem, os gestores teriam assinado acordos para solucionar conflitos trabalhistas aumentando as indenizações, entre 2006 e dezembro de 2014, em cerca de 2.300%, segundo o jornal Valor econômico. As despesas da empresa, neste item, passaram de 500 milhões de reais a 12,3 bilhões nesse período.

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O CONCEITO DO DIREITO12

do Estado, na qualidade de agente normatizador e regulador de sua Ordem Econômica. Assim, ressurge um Estado Regulador, apresentando-se como a forma de posicionamento econômi-co estatal adotado em decorrência da crise gerada pelo fracasso da experiência liberal, pelo super-dimensionamento da área de atuação estatal pregada pelo Estado Social, bem como da inoperância do Estado Socialista.

Destarte, busca-se, com este modelo, um retorno comedido aos ideais do liberalismo, sem, contudo, abandonar a necessidade de sociabilidade dos bens essenciais, a fim de se garantir a dignidade da pessoa humana. Caracteriza-se numa nova concepção para a presença do Estado, na economia, como ente garantidor e regulador da atividade econômica, que volta a se basear na livre iniciativa e na liberdade de mercado, bem como na desestatização das atividades econômicas e redução sistemática dos encargos sociais. Tem, por fim, garantir equilíbrio nas contas públicas, sem, todavia, desviar o Poder Público da contextualização social, garantindo-se, ainda, que este possa focar esforços nos serviços públicos essenciais.

No Brasil, a experiência histórica repetiu-se e, amiúde, vivencia-se um momento de reforma no Estado, impulsionado por inúmeros fatores, tais como: a economia globalizada, o enfraquecimento do Estado em relação ao seu poder indutor na sociedade, a exaustão financeira, a ausência de condições para o desenvolvimento de atividades econômicas, a conveniência de se ter a desesta-tização de empresas, dentre outras.

Isto porque o Estado Social, adotado no caso brasileiro, igualmente, revelou-se incapaz de prestar zelosa e eficientemente os serviços públicos e desenvolver as atividades econômicas. Destarte, mister se fez e se faz a gradual devolução das atividades que ainda são prestadas pelo Poder Público à iniciativa privada. Observe-se que o programa de reforma do Estado brasileiro decorreu da incapacidade do setor público prosseguir como principal agente financiador do de-senvolvimento econômico.

A transferência das funções de utilidade pública do setor público para o privado, ampliando o leque de atuação deste, com os fenômenos da publicitação5 (o chamado setor público não-estatal) e da privatização, resultou, para o Estado, em poderes crescentes de regulação, de fiscalização e de planejamento da atividade econômica. A retirada do Estado da prestação direta de tais ati-vidades não significou uma redução do intervencionismo, mas uma mudança de parâmetros no foco estatal. Isto porque, tais alterações fizeram com que o Poder Público ficasse mais atento ao cumprimento da missão fiscalizatória, por meio de entes desprovidos de subordinação, com autonomia perante as ingerências políticas, com funções técnicas delimitadas, para que a pres-tação de serviços essenciais à população não ficasse submetida apenas à decisão das empresas privadas, mas fosse realizada de acordo com o cumprimento de regras previamente delimitadas pelo Poder Público.

A intervenção indireta, por via de regulação da atividade econômica surgiu como pressão do Estado sobre a economia, para evitar a ocorrência de falhas de mercado que pudessem compro-meter a realização dos interesses envolvidos, isto é, para garantir um regime de livre concorrência, evitando-se práticas abusivas pelos agentes mais fortes em face dos mais fracos, bem como em

5 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 175.

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detrimento do mercado e, por consequência, de toda a sociedade.

Por tal razão, as primeiras medidas interventivas manifestaram-se por meio de um conjunto de atos legislativos que intentavam restabelecer a livre concorrência. Neste sentido, cumpre-se destacar que as primeiras ações estatais de caráter intervencionista foram as Leis Antitruste, criadas no final do Século XIX, nos Estados Unidos da América (Sherman Act). Igualmente, a Or-dem Econômica somente foi positivada com força de norma constitucional na Carta Mexicana de 1917, marco das constituições sócio intervencionistas, alcançando status de norma materialmente constitucional com a Constituição alemã de 1919. Observe-se que o papel do Estado, como ente regulador da atividade econômica, ora perfar-se-á por meio da indução (incentivo e planejamen-to), ora através de direção (fiscalização e controle). Feito este sucinto pano de fundo do papel do Estado regulador, analisa-se a ideia central do que é Direito para Dworkin e Posner, para o fim de contextualizarmos estas ideias com o cenário brasileiro.

3. O QUE É DIREITO PARA RONALD DWORKIN E O QUE É DIREITO PARA RICHARD POSNER

Para Ronald Dworkin6, o direito é uma instituição integrada por princípios, sendo uma instituição social íntegra. O direito é mais ligado à moral e deriva da integridade de princípios.

É fato que a doutrina de Dworkin passou por diversas mudanças ao longo de sua carreira surgindo desta reformulação o livro “Uma questão de princípio”. Neste Dworkin começa a estu-dar o direito sob um prisma interpretativo, visto que as proposições jurídicas, na visão do autor, seriam interpretativas. Segue-se que elas não seriam proposições factuais, mas proposições em que intérpretes dão o melhor sentido para as práticas postas em vigor pela comunidade. Mas daí não se pode concluir que não haja objetividade e verdade em direito, defendendo o autor a objetividade da interpretação7.

O livro seguinte “O império do Direito” é considerado pela academia como o mais impactante, na qual Dworkin defende a teoria do direito como integridade, na qual as proposições jurídicas seriam verdadeiras apenas quando decorressem dos princípios de equidade, justiça e devido pro-cesso legal que uma dada sociedade colocou em vigor8. Neste azo, rejeita a possibilidade de que as manifestações do Direito sejam relatos factuais do convencionalismo, enraizados no passado. No que concerne à interpretação do direito, o problema interpretativo assume maior relevância quando não existe resposta alguma certa ou factível para determinada questão jurídica.

6 No final dos anos de 1970, o autor americano produziu a teoria, destacando as falhas do positivismo em reconhecer os argumentos de princípio. Tal teoria está contida no livro “Levando os direitos a sério”. Dworkin recebeu críticas devido ao aparente pragmatismo e ativismo de sua teoria. Ele reformulou sua teoria.

7 Por consonância ao ensaio proposto, fazemos um resumo dos principais pontos da obra de “Uma questão de princípios” de Ronald Dwor-kin o qual esboçou ideias relevantes acerca das relações entre liberalismo e justiça. O autor sustenta que a concepção de igualdade é um dos princípios centrais do pensamento liberal, tendo diversas repercussões no âmbito jurídico, salientando que o termo “liberalismo” tem sido utilizado desde o século XVIII para descrever um conjunto de posicionamentos políticos e econômicos. Para Dworkin, a teoria política possui como pressuposto a ideia de que o liberalismo constitui uma certa moralidade específica e constante ao longo de determinados tempos, dissertando duas formas básicas de liberalismo, quais sejam, o liberalismo baseado na neutralidade e o baseado fundamentado na igualdade. O liberalismo baseado na neutralidade considera precípua a concepção de que o governo não deve intervir em questões preponderantemente morais ou axiológicas, de modo a se vincular de modo mais preciso a um certo ceticismo moral e religioso; enquanto o liberalismo baseado na igualdade sustenta que o governo deve tratar seus cidadãos da forma mais equânime possível, defendendo-se a neutralidade moral apenas nos casos em que a isonomia assim exija. DWORKIN, Ronald. A matter of principle. Harvard University Press, 1985. Na tradução para o português: DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes; 2000.

8 A teoria do direito como integridade opõe-se a outras formulações como o pragmatismo e o convencionalismo jurídico.

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O CONCEITO DO DIREITO14

Sobre as ‘lacunas no direito’ questões hermenêuticas atingem seu ápice de importância, na teoria de Dworkin, analisando o fundamento político do direito. Nessa abordagem, o autor indaga se nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha os juízes tomam decisões verdadeiramente políticas, na medida em que os julgadores devem decidir com o apoio de fundamentos políticos, especialmente no que se refere a temas controversos, estando o comportamento dos membros do Judiciário relacionado ao próprio significado de Estado de Direito.

Para Dworkin há duas concepções de Estado de Direito, bastante distintas entre si: a concep-ção centrada no texto legal e aquela centrada nos direitos. Na primeira o poder do Estado não pode ser implementado em detrimento dos indivíduos, exceto se houver regras explícitas em um arcabouço legal à disposição da coletividade, e na segunda concepção, por sua vez, adquire como pressuposto básico a ideia de que os indivíduos possuem deveres e direitos morais (não declarados positivamente) entre si e direitos políticos perante a organização estatal. Dadas as ideias gerais do conceito de Direito para Dworkin, passa-se a sintetizar o ponto centro do mesmo conceito para Richard Posner.

Para Posner9 o Direito não é ciência, é produto do pragmatismo10, que pode até ser denominado como praticalismo11. O Direito para Posner não é ciência, mas, uma atividade, passando pelo seu fundamento, sendo ele um dos grandes expoentes da chamada análise econômica do direito (law and economics12).

Em sua conhecida defesa da maximização de riqueza como um guia para a ação judicial, Posner distingue a riqueza ou utilidade esperada dos preços de mercado. Enquanto os preços de mercado nem sempre pode refletir plenamente idiossincrática avaliações, evita-se comparações interpes-soais, oportunizado a racionalidade de tomada de posições. Posner é simpático às premissas de um direito a propriedade na abordagem de relações jurídicas, salientando a importância de uma repartição inicial dos direitos de propriedade antes de qualquer cálculo de maximização de riqueza.

Seu paradigma de maximização de riqueza serve como um denominador comum para ambas as perspectivas utilitarista e individualista. Combinando elementos de ambos, Posner fornece

9 POSTER, Richard. El Análisis Economico Del Derecho. Tradução Eduardo L. Suárez. México: Fondo de Cultura Económica, 1998.

10 O pragmatismo significa olhar para os problemas concretamente, experimentalmente, sem ilusões, com plena consciência do “caráter local” do conhecimento humano, da dificuldade das traduções entre culturas, da alcançabilidade da “verdade”, da consequente importância de manter abertos diferentes caminhos de investigação, do fato de esta última depender da cultura e das instituições sociais e, acima de tudo, da insistência em que o pensamento e ação sociais sejam válidos como instrumentos a serviço de objetivos humanos tido em alto apreço, e não como fins em si mesmos.

11 Posner, em sua análise descritiva do direito norte-americano, advoga por um sistema utilitarista, consequencialista e pragmático, em muito influenciado pelo pensamento de Bentham e Holmes.

12 A interpretação econômica pode assumir várias conceituações, na dependência da ótica sob a qual seja investigada, podendo significar, tanto a busca da substância econômica, em detrimento da forma jurídica, como a adoção de conceitos próprios pelo Direito, em consequência da sua respectiva autonomia; como a busca de identidade de efeitos econômicos. Pode significar, também, a forma de combate ao abuso de formas do Direito Privado ou a aplicação do abuso de direito, ainda podendo ser considerada como uma mera interpretação teleológica ou uma valoração dos fatos, ou uma interpretação dos fatos em oposição à interpretação da norma. Pode-se, ainda, visualizar a interpretação econômica como um método exegético, a ser aplicado na hipótese em que, não existindo uma violação direta de uma norma específica, pode se constatar a violação, na sua essência, de um conjunto dos dispositivos do ordenamento jurídico. Assim, a consideração econômica ou a interpretação econômica da lei é a teoria hermenêutica segundo a qual o intérprete deverá examinar as normas, de acordo com o seu significado econômico, sob o fundamento de que, neste ramo do Direito, a valoração é a realidade econômica subjacente que há de prevalecer sobre a simples forma jurídica que aparentar. De acordo com esta teoria, o intérprete das leis deverá adotar, como regra geral, e não como exceção, o princípio de considerar o fato econômico subjacente ao fato jurídico, ou os seus efeitos econômicos, e não o fato jurídico em sua específica natureza, autorizando-se, o intérprete, a transcerder a norma positiva aplicável ao caso concreto, para buscar o tratamento igual a ser adotado em situações economicamente similares, na tentativa de atingir a verdadeira capacidade contributiva e dar tratamento igual, com o mesmo imposto aos economicamente iguais, segundo NOGUEIRA, Johnson Barbosa. A Interpretação Econô-mica no Direito Tributário, São Paulo: Resenha Tributária, 1982, p. 18-24 e as lições de: LAPATZA, José Juan Ferreiro. Curso de Derecho Financiero Español. Vol. I. Madrid. Barcelona: Marcial Pons, 2000, p. 137; MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.82-83 e BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2. ed. São Paulo: Lejus. 1999, p.105.

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uma teoria da maximização da riqueza, o qual não nega a existência de valores normativos da norma e suas aplicações econômicas do direito, em que para ele as regras (no caso da common law) são eficientes, lecionando que os juízes escolhem uma norma jurídica de modo consciente, como se pesassem (objetivamente ou intuitivamente) nos custos relativos aos litigantes e como evitar o litígio e, a posteriori otimizariam o comportamento futuro13.

Quando conceitua-se “direito” frente aos posicionamento de Dworkin e Posner, se verifica um embate teórico no qual Posner, em seu artigo “conceptions of legal theory, a response to Ronald Dworkin”, critica o excessivo pensamento teórico de Dworkin desfocado do pragmatismo para ele não essencial a uma análise mais eficiente. Para ele Dworkin enfoca em pensamentos teóricos, ausentes da necessária experiência pratica cotidiana. Contra argumentamos Dworkin contra-argumenta Posner de que as regras (common law) esquadrinham-se sempre em recursos eficientes, lecionando de que as decisões judiciais são geradas por princípios, não só por políticas.

Posner, argumenta ainda que o valor de um recurso escasso para um determinado indivíduo é medido pela quantidade de dinheiro que ele está disposto a pagar por esse recurso, de tal modo que o bem-estar da comunidade é maximizado quando cada recurso está nas mãos de alguém que pagaria mais do que qualquer outro para possuí-lo. Constata-se, neste aspecto, que a avaliação da análise de custos e benefícios no direito é essencialmente consequencialista, em oposição a avaliações principiológicas, tal como a defendida por Ronald Dworkin.

4. A INTERFERÊNCIA DO DIREITO NA ECONOMIA NO BRASIL

Falar com a interpretação do direito, ou ainda conforme este ensaio o ‘conceito de direito’, trazer ao contexto a dualidade de posições de Dworkin e Posner e deixar de comentar como pensam alguns doutrinadores brasileiros festejados, seria uma idiossincrasia. Neste ponto passemos a cotejar de modo não exauriente, alguns destes estudiosos no Brasil, mais especialmente os tributaristas.

Como entende Amílcar de Araújo Falcão, que, no Brasil, foi um dos maiores defensores desta teoria, a interpretação econômica somente deverá ser admitida em relação a cada hipótese con-creta e quando visar corrigir situações anormais, ou artificiosamente criadas pelo contribuinte. Para ele, este tipo de interpretação não permite que o intérprete, ou aplicador, possa adotar entendimentos no sentido de altera, ou modificar a generalidade dos casos por considerações meramente subjetivas no tocante à justiça fiscal14. Dentre os vários conceitos possíveis - e tendo presente o objetivo dessas considerações - adota-se aquele desenvolvido por Washington Pelu-so15: Direito econômico é o ramo do direito, composto por um conjunto de normas de conteúdo econômico e que tem por objeto regulamentar as medidas de política econômica referentes às relações e interesses individuais e coletivos, harmonizando-as - pelo princípio da economicidade - com a ideologia adotada na ordem jurídica”.

Na esteira do conceito ora esposado importa, também, concebê-lo conforme com Eros Ro-

13 Tradução livre e resumo de algumas ideias contidas no texto ‘Positive, Normative and Functional Schools in Law and Economics’ do Prof. PARISI, Francesco - European Journal of Law and Economics, 18: 259–272, 2004.

14 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense,1994, p. 35-36.

15 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito Econômico. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 3-309.

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O CONCEITO DO DIREITO16

berto Grau16 no que tange ao método, mas, somente a partir da indissociável ponderação da constituição econômica17, conjunto de normas e princípios constitucionais relativos à economia, caracterizando a forma basilar de sua organização, principais regras de funcionamento, esferas de ação dos sujeitos econômicos, grandes objetivos de políticas econômicas e de sua efetividade social18, que se poderão alcançar luzes para o aclaramento do tema ora proposto. Segundo Lobo Torres19, a interpretação do direito, e para ele o Direito Tributário parte de posições firmadas na seara da teoria geral da interpretação, logo: a jurisprudência dos conceitos, a jurisprudência dos interesses e a jurisprudência dos valores; sendo que a jurisprudência dos conceitos projetou para o campo fiscal a interpretação formalista e conceptualista, transformando-se a jurisprudência dos interesses na chamada interpretação do fato gerador20.

Sobre tal, tem-se que o direito, analisado como subsistema que é do sistema social, o qual é constituído pelos subsistemas político, econômico e jurídico, cria desordem à ordem social, por seu caráter estatal coercitivo de condutas.

No entanto, a regulamentação da economia, típica do welfare state, significa buscar dirigir a conduta dos agentes econômicos na direção que o legislador desejar; em verdade, trata-se de interferência, cabendo aos agentes econômicos o mínimo de liberdade entre escolher obedecer ou não à norma jurídica.

Para aqueles que defendem a teoria da interpretação econômica, o fim visado pela norma jurídica é a sua natureza econômica, porque é ela que integra o conteúdo da norma, haja vista que, em toda relação jurídico-normativa, existe uma relação econômica subjacente. Para eles, a norma tributária deverá ser interpretada segundo a finalidade e seu alcance substancial, sendo irrelevante a forma jurídica sob a qual se apresente.

Como argumento em defesa da interpretação econômica, Amílcar de Araújo Falcão coloca que este é o método de interpretação por excelência e o mais adequado para atender à legalidade, ao contrário daqueles que pensam ser, ele, violador da legalidade, pois este tipo de interpretação visa dar “na sua aplicação às hipóteses concretas, inteligência tal que não permita ao contribuinte manipular a forma jurídica para, resguardando o resultado econômico visado, obter um menor pagamento, ou não pagamento, de determinado tributo”21.

16 Podemos concebê-lo – o Direito Econômico – tanto como método como quanto ramo do Direito [...]. Pensar Direito Econômico é pensar o Direito como um nível do todo social - nível da realidade, pois -, como mediação específica e necessária das relações econômicas. Pensar Direito Econômico é optar pela adoção de um modelo de interpretação essencialmente teleológica, funcional, que instrumentará toda a interpretação jurídica, no sentido de que conforma a interpretação de todo o Direito. É compreender que a realidade jurídica não se resume ao Direito Formal. É concebê-lo - o Direito Econômico - como um novo método de análise, substancial e crítica, que o transforma não em Direito de síntese, mas em sincretismo metodológico. Tudo isso, contudo, sem que se perca de vista o comprometimento econômico do Direito, o que impõe o estudo de sua utilidade funcional. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 150-152.

17 Nos termos da acepção de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição. CANOTILHO, J. J. Gomes, op. cit., 1999; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991.

18 “As mudanças econômicas e os fatores sociais” - já sublinhou Carlos Maximiliano em sua Hermenêutica e Aplicação do Direito - “constituem o fundo e a razão de ser de toda a evolução jurídica; e o Direito é feito para traduzir em disposições positivas e imperativas toda evolução social. Como, pois, recusar interpretá-lo no sentido das concepções sociais que tendem a generalizar-se e a impor-se?”. Cf. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 159-160.

19 TORRES, Ricardo Lobo. A Chamada ‘Interpretação Econômica do Direito Tributário’, a Lei Complementar 104 e os Limites Atuais do Planejamento Tributário. In: O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 235-244.

20 Assim, interpretação econômica aceita que o intérprete das leis tributárias adote como regra geral e não como exceção, o princípio de considerar o fato econômico subjacente ao fato jurídico ou os seus efeitos econômicos, e não o fato jurídico em sua específica nature-za. Ela autoriza o intérprete a transcender a norma positiva aplicável ao caso concreto para buscar o tratamento igual a ser adotado em situações economicamente similares, na tentativa de atingir a verdadeira capacidade contributiva e dar tratamento igual e com o mesmo tributo aos economicamente iguais.

21 FALCÃO, op. cit., 1994, p.17.

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Acrescenta, ainda, aquele doutrinador, que, na adoção da interpretação econômica, o intérprete estará autorizado a desenvolver considerações econômicas, quando o contribuinte comete abuso de forma jurídica, devendo, ele, atuar, não só com base na literalidade do texto da lei, mas de acordo com o espírito desta (mens legis ou ratio legis), buscando, para isto, adequar a verdadeira realidade econômica do caso concreto, quando surgir uma inequivalência, atipicidade ou inade-quação da forma jurídica adotada, em relação ao fim prático desejado, para que o comando legal seja entendido de acordo com o seu espírito22.

Segundo Ruy Barbosa Nogueira, a chamada consideração econômica caracteriza-se como um dos aspectos da interpretação teleológica, especialmente com referência aos impostos, uma vez que estes representam instrumentos de captação de riquezas que incidem, por meio de categorias jurídicas, sobre fatos econômicos, possibilitando demonstrar a finalidade autêntica de dispositivos e impedir abusos. Todavia, para ele, constitui um erro se distinguir a consideração econômica da jurídica, “pois a consideração econômica só é vinculante até onde tenha sido admitida pelas normas jurídicas”23.

Já para Aliomar Baleeiro, o Código Tributário Nacional se apresenta tímido quanto à inter-pretação econômica, insinua mas não a erige em princípio básico, ao contrário, proclamando a primazia do Direito Privado que somente poderá ter seus efeitos modificados para fins de dar efeito tributário quando expresso em lei24.

E por fim, mas não menos importante Paulo Caliendo25 afirma existirem “dois níveis” fun-damentais de relação entre teoria econômica e teoria jurídica, quais sejam: em nível interno e externo. Dito de outro modo, os conceitos econômicos são utilizados no discurso jurídico (nível interno) e sobre a possibilidade de uma fundamentação econômica do Direito (nível externo). A distinção entre os dois níveis decorre da utilização do conceito de teoria; assim, toda a teoria seria constituída de uma ‘regra de formação’ e um ‘campo de aplicação26.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante deste panorama nada promissor, sem fazer qualquer menção ou arrazoado político--partidário, há uma clara percepção de perda de referenciais. Momento em que necessitamos ‘dar um passo para trás’ e refletirmos para onde vamos ou para onde deveremos (ou deveríamos

22 FALCÃO, op. cit., 1994, p.33.

23 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 34.

24 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 447

25 SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito tributário e Análise Econômica do Direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.200.

26 Desse modo assumo que em nível interno os conceitos econômicos e os métodos de interpretação não ameaçam de modo substantivo o entendimento da “autonomia científica” do Direito. Nesse caso, a teoria econômica participa da composição do “campo de aplicação” do Direito (nível semântico). Assim, poderíamos verificar a utilização de conceitos e metodologias econômicas pelo Direito, sem o ques-tionamento da autonomia teórica do mesmo em duas situações, quais sejam: a) Interpretação de conceitos econômicos pelo Direito, tal como na definição jurídica do conceito de contratos, propriedade ou empresa; b) Interpretação econômica do Direito [...]. Por outro lado, no nível externo, os valores, métodos e conceitos econômicos podem se dirigir à descrição ou, até mesmo, à determinação de elementos fundantes da ‘regra e formação da teoria jurídica’. De outro modo, a teoria econômica, nesse caso, pretende explicar, ou mesmo informar, quais seriam os elementos da ‘regra de formação’. Dito de outra forma, a fundamentação do Direito não seria encontrada em elementos propriamente jurídicos (norma, valor, justiça, entre outros), mas em conceitos econômicos (racionalidade econômica, eficiência etc.). Afirma o Professor: São os postulados da análise econômica do Direito, conforme as lições de Paulo Caliendo: o individualismo metodológico, ou seja, os fenômenos coletivos devem ser explicados como resultantes de decisões individuais; escolha racional, ou seja, as decisões indivi-duais são entendidas como racionalmente dirigidas à maximização dos interesses individuais (benefits over costs); preferências estáveis, postula-se que no curto prazo há a estabilidade de preferências; equilibrium, entende-se que as interações na política e no direito tendem, tal como no mercado ao equilíbrio. Cf. SILVEIRA, op. cit., 2009, p. 15-201.

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O CONCEITO DO DIREITO18

ir). A sociedade como um todo, sobretudo àqueles que constroem e discutem os rumos legais, sociais, políticos e porque não as bases morais e éticas necessitam reanalisar se o Brasil terá condições de crescer sustentavelmente nos próximos anos.

Talvez o repensar nas nossas instituições mais primárias e refletir as lições de pensadores e doutrinadores como Dworking e Posner, seja um dos meios de criarmos fortalezas e solidez a bases de uma sociedade saudável. Quando vagueamos diante da perda de parâmetros, sobretudo àqueles que norteiam o sensu comum, nada parece fazer sentido. Sobre tal, as lições de Dworkin e Posner nos fazem refletir conceitos como o que é o direito, mediante a releitura de suas obras, as quais serviram de norte para este artigo, que não tem a finalidade de ser exaustivo, mas reflexivo, de modo a sopesarmos melhor um conceito nada simples ou simplista, o qual trazemos a um ambiente do Brasil de 2016 em milhares de brasileiros ficam perplexos com a ‘falta de direito’, as fragilidades de nossas instituições e nos orgulhos, a perda de referencial.

Neste azo, referencial é um marco categórico para qualquer sociedade de que mostra, mini-mamente consistente, e a sua perda nos parece não apenas criar um ambiente de insegurança, mas um momento que a sociedade deve, por absoluta necessidade, ‘parar, analisar, construir (reconstruir) e agir. Tudo em prol de uma sociedade economicamente mais eficiente (ou eficaz), com a reestruturação de suas instituições, pois não é mais aceitável as chamadas práticas do ‘ganha-ganha, nem do toma-lá-dá-cá’ em que empresas, anteriormente, fortes e jamais imagina-das são foco de corrupções – como o caso Petrobras –, tendo expostas suas entranhas na mídia.

Empresas são a força motriz de uma sociedade economicamente voltada ao crescimento, mas a intervenção na atividade econômica pelo Estado é necessária, sobretudo em momentos incertos como os vivido em 2016, objetivando garantir que sejam efetivadas políticas mais claras e eficien-tes para enfim termo uma relação até de concorrência mais justa entre si, pois é inconcebível os manejos de favores a uns em detrimento muitos, na medida em que desvios (de todos as sortes: de finalidade, de recursos, de moralidade, de ética, de paradigmas), não podem ser mais aceitados.

Assim, o modelo de Estado esbanjador, inchado, incapaz de investir nas demandas sociais mais urgentes – transporte, habitação, saúde, educação e segurança pública, por exemplo, deve ser modificado não só este padrão, mas por obvio o comportamento social, de se clamar eternamente ao Poder Público a resposta a todo e qualquer anseio. Outrossim, somente a partir da indissociá-vel ponderação da constituição econômica, caracterizando a forma basilar de sua organização, principais regras de funcionamento, esferas de ação dos sujeitos econômicos, grandes objetivos de políticas econômicas e de sua efetividade social27, que se poderão alcançar luzes para o acla-ramento do tema ora proposto.

27 “As mudanças econômicas e os fatores sociais” - já sublinhou Carlos Maximiliano em sua Hermenêutica e Aplicação do Direito - “constituem o fundo e a razão de ser de toda a evolução jurídica; e o Direito é feito para traduzir em disposições positivas e imperativas toda evolução social. Como, pois, recusar interpretá-lo no sentido das concepções sociais que tendem a generalizar-se e a impor-se?”. Cf. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 159-160.

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A UNASUL E A POSSIBILIDADE JURÍDICA PARA A EFETIVAÇÃO DE UMA CIDADANIA SUL-AMERICANA

E OS PARADIGMAS DA UNIÃO EUROPEIA Gabriela de Castro e Silva Pretto 1

Pablo Machado Lima23

RESUMO

A globalização exigiu dos Estados novas formas de se relacionarem entre si e com seus cidadãos. Trouxe também a necessidade de novos paradig-mas para o Direito, em sua eterna função de regular as relações, cada vez mais dinâmicas. A integração regional entre países se consolida em fun-ção destas necessidades. No atual cenário global, a integração regional possibilita não só a dinamização econômica e uma maior inserção de seus membros frente à sociedade internacional, mas volta-se também aos ci-dadãos, servindo como espaço onde podem ser ampliados e garantidos direitos aos mesmos. Este foi o caminho adotado na integração regional europeia, através da União Europeia, e pretendido na integração regional sul-americana, através da criação da União das Nações Sul-Americanas – UNASUL. O presente trabalho pretende estudar as reais possibilidades ju-rídicas de efetivação desta cidadania sul-americana através da UNASUL, considerando suas ações práticas e atual estrutura organizacional, tendo como paradigma a evolução da União Europeia na busca dos mesmos ob-jetivos.

Palavras-chave: Integração Regional; Cidadania Sul-Americana; UNA-SUL; União Europeia.

ABSTRACT

Globalization demanded the States new ways to relate to each other and to their citizens. It also brought the need for new paradigms for the law, in its eternal function of regulating the relations, increasingly dynami-cs. Regional integration between countries is consolidated according to these needs. In the current global scenario, regional integration enables not only the economic dynamism and greater inclusion of its members in the international society, but turns also to the citizens, serving as a space where they can be rights expanded and guaranteed to them. This was the path adopted in the European regional integration through the European Union, and intended in South American regional integration through the

1 Doutoranda da Universidade de Moron, Argentina. Especialista em Direito Internacional e Direito da Integração pela UFRGS, Professora de Direito Civil e Empresarial na Faculadade Anhanguera de Passo Fundo, RS. Advogada. E-mail: [email protected]

2 Bacharel em Direito, formado pela Faculdade Anhanguera de Passo Fundo, RS.

3 Trabalho apresentado como Conclusão de Curso da Faculdade Anhanguera de Passo Fundo, RS.

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A UNASUL22

creation of the South American Nations Union - UNASUR. This paper aims to study the actual legal possibilities for realization of this South American citizenship through UNASUR, considering its practical actions and current organizational structure, taking as a model the European Union evolution in pursuit of the same goals.

Keywords: Regional Integration; South America Citizenship. UNASUR; European Union

1. INTRODUÇÃO

O mundo pós Segunda Guerra Mundial sofreu grandes transformações, assim como o Direito. O fim dos impérios coloniais, a nova ordem mundial, que transitou da bipolaridade para a atual multipolaridade de poder e, principalmente, o surgimento e os desdobramentos da glo-balização, que não respeita fronteiras físicas ou políticas, exigiram a mudança de paradigmas. Neste contexto, os Estados modernos precisaram aprender a conviver com o fato de que, tanto no interior de suas fronteiras quanto nas relações internacionais, seus poderes foram reduzidos.

Uma das soluções encontradas pelos Estados para permanecerem como unidades políticas com real influência, neste novo cenário globalizado, foi a aproximação entre os mesmos, para promover de forma conjunta objetivos comuns. Assim surge a integração regional entre países, com o objetivo principal de fortalecimento econômico dos Estados envolvidos e, consequentemente, de melhor inserção na sociedade internacional, através da lógica “unidos, somos mais fortes”.

Mas a integração regional não pode ser vista apenas em seu aspecto econômico e em suas relações meramente estatais. A globalização rege-se principalmente pela ampla liberdade dos fluxos econômicos. Ao Direito, cabe a tarefa árdua de colocar certos freios nesta liberdade, principalmente quando ela afeta os direitos fundamentais dos cidadãos. Neste contexto, a in-tegração regional tem condições de realizar papel fundamental, pois a união de esforços entre os Estados pode permitir melhores condições reais para a concessão, garantia e efetivação de direitos aos cidadãos, que, afinal, são os destinatários últimos de todas as consequências deste mundo globalizado.

A América do Sul e a Europa são as regiões do globo onde os processos de integração regional mais se desenvolveram, principalmente porque foram, provavelmente, as únicas onde, ao menos no papel, a integração não se restringiu ao aspecto meramente econômico. Conside-rando que a integração regional tem real capacidade de ampliar e garantir direitos, os processos de integração regional europeus, que culminaram com a instituição da União Europeia, a mais avançada e completa integração regional existente, servirão como paradigma aos processos de integração regional sul-americanos, ao longo da presente exposição.

Como forma de trazer tal temática a nossa realidade e de torná-la mais específica, será abordada a possibilidade jurídica de efetivação de uma cidadania sul-americana, que consta como

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objetivo específico do processo de integração regional mais recente em que o Brasil está inserido, a União das Nações Sul-Americanas – UNASUL.

2. INTEGRAÇÃO REGIONAL

Os processos de integração regional, conforme sua concepção moderna, tiveram seu início durante e após a Segunda Guerra Mundial. Em 1943, quando Alemanha e Japão estavam sequer próximos da capitulação, os futuros grandes vencedores da guerra, A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os Estados Unidos da América e a Inglaterra, já discutiam o futuro do pla-neta. Em breve, porém, restaria visível a queda do poderio do último e o agigantamento dos dois primeiros, o que moldaria praticamente toda a segunda metade do século XX. Segundo Saraiva (2008, p. 192), “O espírito pessimista de Yalta cederia, aos poucos, a mais absoluta desconfiança em relação a qualquer possibilidade de cooperação entre as duas superpotências”. A Europa seria o palco das disputas iniciais entre as novas superpotências, e seu destino poderia ser totalmente definido pelas mesmas. Não sem motivo, portanto, os processos de integração regional se de-senvolveriam de forma impar no continente europeu, como real questão de sobrevivência, o que será abordado oportunamente.

As origens da integração regional entre países, porém, são mais remotas. Um exemplo clássico é a Zollverein Alemã, que possibilitou a integração econômica entre os pequenos Esta-dos de origem germânica, permitindo assim a unificação, em 1871, sob a liderança da Prússia de Bismarck, originando a Alemanha (VIZENTINI, 2006, p. 99-100). O primeiro exemplo moderno de integração regional é, segundo D’Angelis (2000, p. 85), a BENELUX, gestada ainda durante a Segunda Guerra Mundial, tendo como membros Holanda, Bélgica e Luxemburgo, com o objetivo básico de abolir direitos aduaneiros entre seus membros e aplicar uma tarifa comum às impor-tações de produtos de terceiros países.

Mas, afinal, o que é um processo de integração regional? Os processos de integração regional são baseados, principalmente, na integração econômica entre os países. Para D’Ange-lis, porém, resta claro que a integração “não é fim em si mesma, mas sempre um meio – para ampliação de mercados, incremento comercial, geração de empregos, aumento da competitivi-dade e do poder de negociação, qualidade de vida e bem-estar social” (D’ANGELIS, 2000, p. 29). O avanço da integração econômica pode resultar, não obstante, em uma união política, social e econômica entre seus membros, até mesmo numa “confederação de Estados”, dependendo do nível de integração que se pretenda.

Conceitualmente, a integração regional possui, não sem alguma divergência doutrinária, cinco modalidades distintas, que podem ser consideradas estágios de um mesmo processo, tendo em vista que a modalidade seguinte na hierarquia, do menor para o maior nível de integração, geralmente engloba também as modalidades anteriores. Segundo Portela (2012, p. 963-965) os estágios são os seguintes:

a) Zona de Livre Comércio – redução progressiva até a eliminação total das barreiras alfande-gárias e não alfandegárias para a circulação de bens entre os países-membros.

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A UNASUL24

b) União Aduaneira – Adoção de regras e tarifas externas comuns para bens originados de terceiros Estados.

c) Mercado Comum – Livre circulação dos fatores de produção entre os Estados-membros, ou seja, bens, serviços, capitais e mão-de-obra.

d) União Econômica e Monetária – Coordenação de políticas macroeconômicas entre os paí-ses-membros, com adoção de moeda e Banco Central únicos.

e) União Política – Coordenação de políticas externas, de defesa, entre outras, podendo resultar em uma confederação de Estados ou mesmo em unificação total.

Existe ainda um estágio mais incipiente de integração, conhecido como Zona de Preferência Tarifária, onde os Estados adotam tarifas preferenciais no comércio uns com os outros. Cabe salientar que os processos de integração regional não são estanques, normalmente se adaptam à realidade, muitas vezes avançando para o estágio seguinte de integração sem concluir total-mente o estágio anterior.

Depois da Europa, a América do Sul é a região do globo onde a integração regional entre países mais se desenvolveu. E o Brasil fez parte deste processo desde o seu início.

A seguir a integração será melhor compreendida, através do estudo daqueles processos nos quais o Brasil tomou parte, seguindo uma ordem cronológica, mas também focada em diferenciar os vários projetos de integração e as influências que cada um trouxe aos posteriores.

3 PROJETOS PIONEIROS: A ALALC E A ALADI

A ALALC – Associação Latino Americana de Livre Comércio - é o primeiro esquema de integração econômica que contemplou países não. Suas origens remontam a segunda metade da década de cinquenta, baseada em estudos da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina das Na-ções Unidas), posteriores a criação do GATT (Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio), que visavam à mudança do prevalecente bilateralismo ao multilateralismo comercial entre os países (TRINDADE, 2014, p. 340-341). No campo político, a ALALC era fruto da aproximação entre Brasil e Argentina, iniciada pelos governos de Vargas no Brasil e de Perón na Argentina, e fortalecida nas respectivas gestões de Juscelino Kubitschek e Arturo Frondisi. Ambos os países buscavam o desenvolvimento econômico, com auxílio do capital externo, mas de forma planejada, buscando a integração do capital internacional ao projeto de desenvolvimento nacional.

Criada através do Tratado de Montevidéu, em 18 de fevereiro de 1960, a ALALC teve sua sede na capital uruguaia (AMARAL JÚNIOR, 2008, p. 197). Firmado por Brasil, Argentina, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai, e posteriormente subscrevendo-o Colômbia, Equador, Vene-zuela e Bolívia. Foi constituído como organismo internacional com personalidade jurídica própria. Seu objetivo inicial era formar uma zona de livre comércio entre os membros em um prazo de 12 anos. Seus mecanismos envolviam principalmente as negociações “produto a produto”, através das chamadas “listas nacionais” e “listas comuns”, visando à progressiva redução das tarifas e

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demais restrições alfandegárias entre os países membros, até a obtenção final da zona de livre comércio (TRINDADE, 2014, p. 341-348).

O desenvolvimento inicial da ALALC foi satisfatório. Aproximadamente 75% de todos os processos de liberalização de taxas alfandegárias entre os países-membros realizados no âm-bito da ALALC, ou seja, a negociação de aproximadamente 7.500 produtos, foi realizada entre os anos de 1961 e 1963. Mas sua estrutura jurídico-institucional pouco flexível, com mecanismos de negociação direta, que acabavam se tornando meros acordos bilaterais entre os envolvidos, e, principalmente, os novos rumos políticos de muitos de seus países-membros, onde a institui-ção de Regimes Militares foi uma tônica nas décadas de 1960 e 1970, frustraram seus objetivos maiores, sendo possível tão somente atingir o estágio incipiente de Zona de Preferência Tarifária. Apesar disto, a ALALC demonstrou que a integração regional era um caminho possível e serviria de modelo para os futuros processos de integração regional na América do Sul.

Passados vinte anos da criação da ALALC, os países sul-americanos tentam um novo projeto de integração regional. A Associação Latino Americana de Integração – ALADI - é instituída pelo “segundo” tratado de Montevidéu, de 12 de abril de 1980. É criada pelos mesmos integrantes da ALALC e surge como sua substituta de direito. Segundo D’Angelis (2000, p. 41-45) a ALADI foi criada com estrutura muito parecida à da ALALC. O objetivo final é a formação de um mercado comum entre os estados-membros, através da criação gradual de uma Zona de Preferências Tarifárias, sob a forma de negociações muito parecidas com as existentes na ALALC, ou seja, negociações por produto e listas.

Como novidade, a ALADI trazia uma diferenciação no tocante ao desenvolvimento econômico relativo dos países integrantes, que eram divididos, na lição de Comba (1984, p. 39), da seguinte forma:

a) Estados de menor desenvolvimento econômico – Bolívia, Equador e Paraguai;

b) Estados de desenvolvimento econômico intermediário – Colômbia, Chile, Peru, Uruguai e Venezuela.

c) Estados de maior desenvolvimento econômico relativo – Argentina, Brasil e México.

Esta divisão permitia um tratamento diferenciado aos países de menor desenvolvimento e de desenvolvimento intermediário, sem precisar estender estes “privilégios” a terceiros países, mudanças estas permitidas pela chamada “rodada Tóquio” do GATT.

A ALADI encontra-se em atividade, apesar de “ofuscada” por iniciativas mais recentes, como o Mercosul e a UNASUL. A ALADI, segundo Acciolly (2003, p. 64-65) apesar de retomar a inte-gração regional como pauta na América Latina, não conseguiu atingir seus objetivos, devido principalmente a demasiada flexibilidade de suas formas de negociação e metas, para as quais não se estabeleceu prazos. Além disto, a exemplo da ALALC, a ALADI é uma entidade de relações puramente estatais, não apresentando espaço para os indivíduos e as empresas, que são afinal os destinatários últimos da integração regional.

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4. O MERCOSUL

O Mercado Comum do Sul – Mercosul – é criado através do Tratado de Assunção de 26 de março de 1991, tendo como membros fundadores Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Seu objetivo final, conforme se infere do próprio nome, é a constituição de um Mercado Comum entre os paí-ses-membros. Este objetivo está expresso no artigo 1º do referido tratado. Também ficou instituída a possibilidade de adesão ao Mercosul de todos os países pertencentes a ALADI. D’Angelis (2000, p. 65-70) demonstra que o Mercosul surge, inicialmente, como um tratado-marco, ou seja, uma conjugação de elementos contratuais, programáticos e de caráter provisório. Nesta fase inicial, não se concede personalidade jurídica própria ao Mercosul. A estrutura inicial comporta o Conselho do Mercado Comum - CMC - e o Grupo do Mercado Comum – GMC. Há também o reconhecimento de assimetrias de desenvolvimento entre os quatro membros, estipulando prazos maiores para Uruguai e Paraguai reduzirem e finalmente eliminarem as restrições ao comércio recíproco.

O Protocolo de Ouro Preto, de 17 de dezembro de 1994, reforma o Tratado de Assunção, concluindo assim a fase inicial de implementação da integração e buscando dotá-la de institu-cionalização definitiva, concedendo personalidade jurídica ao Mercosul. O Mercado Comum não se mostrou possível durante o período inicial. Desta forma, conforme D’Angelis (2000, p. 71) os Estados-membros optam pelo funcionamento conjunto das fases de Zona de Livre Comércio e União Aduaneira, ambos ainda incompletos na prática. A União Aduaneira é buscada através da definição de uma Tarifa Externa Comum – TEC, a partir de 1° de janeiro de 1995, ou seja, os países integrantes do Mercosul passam a aplicar tarifas idênticas às importações provenientes de terceiros países.

O Mercosul, passadas mais de duas décadas de sua criação, não logrou atingir o estágio de Mercado Comum, seu objetivo maior. Mas não são subestimáveis seus resultados práticos. Atualmente o Mercosul envolve todos os Estados sul-americanos, sendo cinco Estados Partes, com a adesão da Venezuela em 12 de agosto de 2012, a Bolívia como Estado Parte em processo de adesão, e como Estados associados, Chile, Peru, Colômbia, Equador, Guiana e Suriname. O comércio entre seus membros cresceu de US$ 4,5 bilhões em 1991 para US$ 59,4 bilhões em 2013, ou seja, crescimento de aproximadamente doze vezes (SAIBA, 2015, p. 1). O processo não foi linear, com inúmeras expansões e retrações ao longo dos anos, mas são inegáveis seus progressos, principalmente econômicos. Mas a própria criação da UNASUL demonstra que a integração regional não pode se restringir apenas ao âmbito econômico. Apesar de ser o projeto de integração brasileiro que mais logrou êxito, faltam ao Mercosul mecanismos que propiciem maior integração e participação democrática.

5. A UNASUL

A gênese da UNASUL – União das Nações Sul-Americanas – aconteceu durante a III Reunião de Chefes de Estado e de Governo da América do Sul, realizada em 2004 na cidade de Cuzco, no Peru, onde foi anunciada a criação da “Comunidade Sul-Americana de Nações”. A nomenclatura atual foi adotada posteriormente, durante a I Cúpula Energética Sul-Americana, realizada na Ilha

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Margarita, Venezuela, em 2007. (PORTELA, 2012, p. 1003).

O projeto engloba aspectos e objetivos econômicos, sociais e, principalmente, políticos. Sua criação foi liderada por Brasil e Venezuela, com raízes no diálogo e na proximidade entre os líderes maiores dos dois países, Lula e Hugo Chávez, contando também com o apoio do governo argenti-no. A criação da UNASUL foi, sobretudo, uma resposta Sul-Americana ao projeto da ALCA – Área de Livre Comércio das Américas – que, segundo Cervo & Bueno (2014, p. 520-522) foi negociado desde meados da década de noventa até o início dos anos 2000, mas que não logrou êxito. Também foi uma espécie de declaração ao mundo de que a América do Sul queria e podia resolver seus problemas internos sem ingerências externas, pois “embora não seja uma aliança militar, cria o pólo de poder regional e confere ênfase a segurança regional (...). Afasta, consequentemente, a interferência de potências e órgãos externos em sua solução, tais como a OEA” (CERVO & BUENO, 2014, p. 551). Para o Brasil, era mais um projeto multilateral dentre os vários em que atuava na busca de ampliação de seu espaço e poder de influência no cenário mundial, contudo sem adotar postura de confrontação direta aos EUA, o que nunca foi seu objetivo, diferentemente da vizinha Venezuela.

A UNASUL é composta pelas 12 nações sul-americanas. Abrange, portanto, quase todo o território sul-americano, excetuando-se apenas a Guiana Francesa, que é um departamento ultramarino francês. Foi oficialmente criada através do Tratado Constitutivo da União das Na-ções Sul-Americanas, firmado em 23 de maio de 2008, em Brasília/DF. A sede permanente de sua Secretaria Geral localiza-se na cidade de Quito, no Equador. Assim como o Mercosul, possui personalidade jurídica internacional.

A estrutura organizacional é simples e enxuta. Composta por quatro órgãos centrais, defi-nidos no artigo 4° de seu Tratado Constitutivo: O Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo; O Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores; O Conselho de Delegadas e Delegados e; A Secretaria Geral. O órgão máximo é o Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo, que define as diretrizes políticas gerais e as prioridades para a implementação da integração regional. Manifesta-se através de Decisões. O Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores é responsável, principalmente, por implementar as medidas necessárias para o cumprimento das Decisões do Conselho de Chefas e Chefes de Estado, coordenando e avalian-do o processo de integração. Também pode criar Grupos de Trabalho para atuação em objetivos específicos da integração, entre outras atribuições conferidas pelo Tratado, manifestando-se através de Resoluções. O Conselho de Delegadas e Delegados é composto por um representante acreditado de cada um dos Estados Membros, responsáveis principalmente pela implementação das Decisões e Resoluções emanadas dos dois órgãos superiores. Os dois órgãos superiores são cúpulas de Chefes e Ministros de Estado, que se reúnem apenas em certas ocasiões. Sendo assim, o Conselho de Delegadas e Delegados é o mais próximo possível de um órgão executivo, apesar de funcionar também através de reuniões. A Secretaria é o único órgão com sede permanente e funcionários próprios, os quais devem atuar sem a ingerência de qualquer dos Estados Membros, respondendo unicamente à UNASUL e buscando unicamente os interesses da integração.

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6. A POSSIBILIDADE DA CIDADANIA SUL-AMERICANA

Trata-se de tema ainda pouco ventilado pela doutrina. Portanto a única base possível para o estudo é a prática. Considerando o que existe hoje no direito pátrio, poderíamos conjecturar que, caso fossem atribuídos aos cidadãos dos países da UNASUL os mesmos direitos concedidos aos portugueses através do Tratado da Amizade, e estendendo-se os direitos previstos no Acordo de Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul aos cidadãos dos demais países sul-americanos, já teríamos um avanço considerável em relação à formação de uma identidade e de uma cidadania sul-americana. E isto sem a necessidade de grandes alterações em nossa legislação. É claro que está se considerando aqui apenas a “nossa parte” na questão, já que os demais países também teriam que adaptar suas legislações. Mas, destacando, para se chegar até este ponto pouco mais seria necessário do que vontade política, pois os óbices jurídicos são pequenos. Mas, mesmo aqui, há um porém, pois todos os direitos reais até o momento relatados e os que poderiam ser estendidos, dependeriam da vontade individual dos Estados, mediante acordos de reciprocidade, e só através deles poderiam ser garantidos.

Considerando-se a cidadania da UE como paradigma percebesse que haveria a necessidade de grandes avanços, inclusive legais. E isto não se relaciona exatamente a concessão de direitos, mas a suas garantias. O “cidadão europeu” não tem apenas o seu Estado como garantidor de seus direitos. A União Europeia possui uma estrutura organizacional complexa, atuante e, principalmente, acessível ao cidadão da UE, e que pode fazer valer os direitos dos cidadãos em qualquer parte do território da UE, até mesmo contra a vontade dos Estados, se isto for necessário. Estamos falando de uma estrutura supranacional, independente dos Estados, com autonomia e principalmente capacidade legal de fazer cumprir seus desígnios. E isto diferencia a União Europeia de qualquer outro projeto de integração regional já existente. A cidadania da União Europeia, nos moldes que se apresenta, só é possível em função da existência da União Europeia e de seu caráter suprana-cional, que impede a retração de direitos em função de interesses políticos estatais momentâneos.

A instituição da União das Nações Sul-Americanas – UNASUL – como uma nova forma de inte-gração regional na América do Sul – é que abriu as portas para uma cidadania sul-americana, e é exatamente por isso que se faz necessário analisar se ela, UNASUL, possui estrutura e condições jurídicas de ampliar e garantir direitos aos nacionais de cada uma das nações sul-americanas, de forma suficiente a que se possa vislumbrar uma real cidadania supranacional para os povos sul-americanos, o que será o objeto de estudo do próximo capítulo.

A UNASUL é uma integração regional de caráter inovador na América do Sul, através da compreensão de objetivos e mecanismos de funcionamento que se voltam para os cidadãos dos Estados-membros, para a concessão e garantia de direitos aos mesmos, sobretudo através da criação de uma cidadania sul-americana. Este enfoque, porém, será contrastado com o que, até o momento, foi efetivamente realizado para que a cidadania sul-americana seja implementada.

A cidadania sul-americana, apesar de ser hoje, na prática, apenas um conceito, uma possibili-dade, não se origina de mera especulação. Está baseada em uma norma de direito internacional, o Tratado de Constituição da UNASUL, que é válido para todos os Estados signatários. Está inserida em um contexto maior, a União político-econômica dos países da América do Sul, fim último da

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UNASUL enquanto organização. Por este motivo, a possibilidade de criação de uma cidadania sul-americana passa necessariamente pela análise da capacidade de tal cidadania ser instituída pelos países sul-americanos, o que depende do desenvolvimento institucional da UNASUL. Esta representa o atual modelo de integração regional desejado pelos países sul-americanos. Portanto, inicialmente é necessário analisar mais a fundo o Tratado de Constituição da UNASUL, para se estabelecer as relações entre integração e cidadania e as possibilidades de concretização destes objetivos.

O Tratado de Constituição da UNASUL – doravante Tratado UNASUL – é um instrumento bas-tante simples, contendo apenas preâmbulo e vinte e oito artigos. Uma leitura breve do Tratado UNASUL, que pode ser realizada em poucos minutos, passa a sensação de que estamos diante muito mais de uma espécie de carta de intenções do que propriamente diante da constituição de um organismo internacional complexo, com grande possibilidade e capacidade de atuação. Porém, do ponto de vista do direito internacional, estamos diante de um organismo internacional constituído, com objetivos amplos e audaciosos, vinculativo aos Estados signatários, e é desta forma que será analisado. A realidade da região, como é de conhecimento comum, não permite visualizar, no curto prazo, um avanço real na integração sul-americana, seja através do Mercosul, da UNASUL ou de qualquer outra forma de integração, mas isto são questões político-econômicas, de caráter sempre transitório. A intenção aqui é analisar juridicamente a integração.

O objetivo principal da UNASUL é a construção de uma união entre os países sul-americanos. Não há, porém, uma definição precisa de em que consistiria exatamente esta união. O preâmbu-lo do Tratado UNASUL faz menção à determinação dos países signatários em “desenvolver um espaço regional integrado no âmbito político, econômico, social, cultural, ambiental, energético e de infraestrutura, para contribuir para o fortalecimento da unidade da América Latina e Caribe”. O artigo 2º do Tratado traz o objetivo geral da integração, ao definir que:

A União de Nações Sul-Americanas tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensuada, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos Estados.

O nome UNASUL poderia supor que se trataria de um projeto que visaria, ao final, uma verda-deira união política entre os países, porém isto não está definido no Tratado. No texto do próprio artigo se considera o respeito e fortalecimento da soberania e independência dos Estados-mem-bros. Mas isto não exclui a possibilidade de uma integração profunda, podemos usar novamente o exemplo da União Europeia, que não é, e provavelmente nunca será, uma federação de Estados, mas que apresenta um espaço de integração muito mais desenvolvido que e existente hoje na América do Sul. O objetivo geral conduz há vários objetivos específicos, incluindo, especifica-mente, a cidadania sul-americana. A suma importância de tal objetivo fica demonstrada pela sua presença em diversos dispositivos do Tratado. No preâmbulo, a determinação em construir uma “identidade e cidadania sul-americana” surge antes mesmo das referências à integração

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entre Estados. A cidadania sul-americana não fica restrita aos princípios básicos do preâmbulo. O artigo 3º do Tratado UNASUL, traz como um de seus objetivos específicos “a consolidação de uma identidade sul-americana através do reconhecimento progressivo de direitos a nacionais de um Estado Membro, residentes em qualquer outro Estado Membro, com o objetivo de alcançar uma cidadania sul-americana.” Porém, não há uma definição precisa do que seria esta cidadania sul-americana. Considerando a cidadania sul-americana como uma ampliação de direitos aos nacionais dos países-membros, pode-se afirmar que diversos outros objetivos específicos da UNASUL destinam-se diretamente à concessão de direitos aos cidadãos dos referidos Estados, e integram o contexto mais amplo de cidadania sul-americana.

Aparentemente, dado o caráter, digamos, programático, sem definições concretas e prazos, estaríamos diante de uma teoria, quase utópica, de formação de uma identidade e cidadania sul--americana? Não. Na verdade, existem ações concretas visando este objetivo. Apesar de enxuta, a estrutura da UNASUL já conta com diversos órgãos que possuem atribuições específicas e relacionadas diretamente com as questões sociais da integração, relacionadas diretamente aos cidadãos dos Estados-membros. Estes órgãos de apoio são os Grupos de Trabalho e os Conselhos Ministeriais Setoriais. Os Grupos de Trabalho são órgãos técnicos, semelhantes aos Grupos de Trabalho existente no Mercosul. Já os Conselhos são órgãos de articulação intergovernamental, que tratam de aspectos específicos da integração. Atualmente existem doze Conselhos, sendo que alguns deles atuam em questões que envolvem diretamente os interesses dos cidadãos, como os Conselhos Sul-Americanos de Cultura, Desenvolvimento Social, Educação e Saúde. A criação destes Conselhos é regida pelo artigo 5° do Tratado UNASUL, sendo coordenados por Ministros de Estado, cujas pastas se relacionam diretamente com o Conselho específico. Normalmente a estrutura engloba também delegados, designados pelos Ministérios estatais para atuarem nos Conselhos como agentes executivos das disposições emanadas dos Ministros. Estes Conselhos são instâncias deliberativas e executivas, que visam atuar em suas especificidades compartilhando e aperfeiçoando as políticas públicas pertinentes, além de servirem de instâncias de consulta aos órgãos decisórios da UNASUL, podendo formular pareceres e mesmo propor projetos que possam ser objeto de deliberações vinculativas aos Estados-membros pelos referidos órgãos decisórios.

É possível afirmar que a cidadania sul-americana começou a “sair do papel” a partir da Decisão n° 8/2012 do Conselho de Chefes e Chefas de Estado e de Governo. Esta decisão criou o Grupo de Trabalho sobre Cidadania Sul-Americana – GTCS. Percebe-se que o tema ganha importância real, pois passa a ser tratado de forma específica. Nesta Decisão, o referido Conselho define a construção da cidadania sul-americana a partir de sua dimensão migratória, ou seja, na busca do direito de liberdade de circulação e permanência aos cidadãos dos Estados-membros da UNASUL em todo o território sul-americano, sem restrições e, a partir deste ponto, avançar em outras dimensões. Para tanto, o GTCS foi incumbido de realizar um amplo estudo referente à questão da cidadania sul-americana, analisando e conjugando as especificidades culturais regionais, a nor-mativa interna dos Estados-membros e todas as ações afins já originadas em outras experiências de integração regional sul-americana e dentro da própria estrutura da UNASUL. Tal estudo visaria fundamentar ações práticas, atos normativos dos órgãos superiores da UNASUL para tornar a cidadania sul-americana realidade. Os estudos do GTCS originaram o Informe Conceitual sobre Cidadania Sul-Americana.

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O Informe baseia-se principalmente nas experiências úteis de processos de integração re-gional, como o Mercosul e a Comunidade Andina e nos diversos estudos e ações dos Conselhos Ministeriais Setoriais, agregando assim aspectos específicos diversos na busca de uma unidade de direito. Primeiramente, define a cidadania sul-americana como a união de duas dimensões. A primeira, a ampliação e compartilhamento do gozo de direitos aos cidadãos dos Estados-membros, independentemente do local onde vivam dentro do espaço geográfico sul-americano. A segunda, a identidade cultural, o sentimento de pertencimento e arraigamento ao território sul-americano, fundamentado na história compartilhada de nossos povos.

As relações entre a colonização europeia, a população indígena nativa e a imigração forçada africana criaram uma miscigenação racial e uma diversidade cultural tão vasta na América do Sul que tornam a identificação dos que vivem nestas terras como “um só povo sul-americano” algo realmente difícil de conceber. Isto não quer dizer que a identidade entre nossos povos não exista, mas, conforme bem ensina Aquino (2013, p. 202-203) tal identidade não é a formadora de nossa sociedade, que, em função da preocupação principal de suas elites em manter os privilé-gios de que sempre gozaram desde a época colonial, acabou sendo forjada como reprodução do Ocidente, uma “identidade sul-americana com traços europeus bem definidos”. Porém, claro, a Europa só serviria de modelo enquanto definidora do Estado-Nação, do Direito como garantidor do status-quo, sem que se considerasse a outra face, a da luta por direitos, a famosa Liberdade--Igualdade-Fraternidade. Na prática, entre outros efeitos, isto conduziu os países da América do Sul a se voltarem para os oceanos, e muito pouco para o interior, para si mesmos. A tomada de consciência disto já é meio caminho.

Retornando ao Informe, existem nele algumas propostas concretas, bastante úteis. A expansão do Acordo de Residência do Mercosul, abordado anteriormente neste trabalho, a todos os países sul-americanos é a base para a nova política migratória. Ainda neste aspecto, é proposto o fim de práticas como a exigência de apresentação de atestado médico para entrada e permanência em qualquer dos Estados-membros e quaisquer outras que limitem ou obstaculizem a livre circulação de pessoas. Também é proposta a uniformização documental, com a criação de um passaporte sul-americano, visando inclusive à ampliação da proteção diplomática/consular dos cidadãos sul-americanos, quando estiverem no território de terceiros países. Na busca do forta-lecimento de uma identidade entre os povos aqui residentes, foi proposta uma maior integração nos currículos escolares, com o ensino focado na história regional compartilhada (INFORME, 2014, p. 2-16). Quanto à ampliação e garantia de direitos como os sociais, o documento, porém, pouco apresenta de concreto.

O Informe foi aprovado pela Resolução 14/2014 do Conselho de Ministro das Relações Ex-teriores. O próximo passo será a análise do documento por parte do referido Conselho, para apresentação de propostas concretas ainda em 2015 na reunião anual ordinária do Conselho de Chefes e Chefas de Estado da UNASUL, de onde poderão surgir atos normativos vinculativos aos Estados-membros visando à criação de uma cidadania sul-americana efetiva. Ainda é pouco, mas demonstra que a cidadania sul-americana é objetivo da UNASUL e não apenas uma expressão vazia no seu Tratado Constitutivo.

O Informe do GTCS apresenta uma afirmação, tímida em função de seu caráter não- vinculativo,

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mas que se enquadra perfeitamente na visão de cidadania sul-americana. A ponderação refere-se à necessidade de consolidação institucional da UNASUL, com órgãos que possam garantir os di-reitos dos cidadãos, órgãos aos quais os cidadãos possam recorrer quando sentirem-se alijados de um direito que lhes seja atribuído pelas normas da UNASUL, não ficando, assim, dependentes unicamente das instâncias estatais internas (INFORME, 2014, p. 9). Além disto, afirma a necessi-dade da ampliação da participação cidadã nas instâncias da UNASUL (INFORME, 2014, p. 15). Estes dois aspectos são fundamentais. Os avanços na busca de uma cidadania sul-americana efetiva provavelmente permanecerão tímidos indefinidamente, enquanto uma maior institucionalização e uma maior participação da sociedade nos rumos da integração não forem consideradas. Este será o ponto de partida para retomar o estudo da União Europeia, visando comprovar que a ci-dadania da União Europeia só se tornou possível pelo nível de institucionalização da União e pela real participação dos cidadãos europeus nos rumos da integração, esperando que, ao final, as conclusões possam ser úteis ao processo de formação da cidadania sul-americana.

A UNASUL, para atingir os fins a que se propõem, necessita de mudanças. Esta conclusão não se baseia apenas em estudos de doutrinadores do direito, mas em estudos técnicos realizados no interior da própria UNASUL, conforme demonstrado no tópico anterior. Mas que mudanças seriam estas? Alguns caminhos podem ser traçados.

A análise da integração regional sul-americana até aqui realizada sempre considerou o maior nível de integração possível. É importante ressaltar que

(...) tudo passa pelos conhecidos questionamentos existenciais – o que somos, o que que-remos, para onde vamos? Se somos um estágio preliminar de uma verdadeira integração, e se estamos satisfeitos com os resultados. (D’Angelis, 2000, p. 150).

O que está sendo considerado é a capacidade jurídica real de se atingirem os objetivos mais amplos estabelecidos pelo Tratado Constitutivo da UNASUL, principalmente no tocante à cidadania sul-americana, independentemente da simples vontade política de seus Estados-membros. O Mercosul, por exemplo, conviveu desde sua criação com as ideias de um Mercosul “máximo”, com o estabelecimento de uma Mercado Comum entre os Estados-membros, podendo inclusive rumar à uma União Política e Econômica, e de um Mercosul “mínimo”, cujo ápice de desenvolvimento não passaria de uma União Aduaneira (D’ANGELIS, 2000, p. 148-149). Quando analisamos o Tratado UNASUL, é forçoso afirmar que a formação de um Mercado Comum entre os Estados-membros representa nada mais que uma UNASUL “mínima”. Os objetivos e, consequentemente, os desafios, são maiores. D’angelis (2000, p. 136) afirma que “Com o aprofundamento da integração, porém, as incertezas e as complexidades decorrentes geralmente suscitam novos métodos.”

Vários estudiosos do Direito consideram que os desafios de uma integração regional profunda demandam uma maior institucionalização do processo. D’Angelis (2000, p. 17) é taxativo quanto à necessidade de superação da estrutura institucional e da adoção da supranacionalidade na in-tegração regional sul-americana. A obra inteira deste autor, já várias vezes referida no presente trabalho, dedica-se ao estudo do tema. Não é diferente a posição de Kerber (2001, p. 19-22), que afirma a necessidade do estabelecimento de mecanismos supranacionais como meio de promover uma real integração sul-americana, propondo inclusive a formação de um Tribunal de Justiça para o Mercosul. A visão de ambos os autores, embora formulada tendo o Mercosul como mode-

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lo de integração sul-americana, é não só perfeitamente aplicável à UNASUL como talvez ainda mais salutar, pois, como já exaustivamente afirmado, a UNASUL possui objetivos mais amplos e audaciosos se comparados aos objetivos do Mercosul.

A perspectiva aqui abordada baseia-se não apenas nos autores já citados, mas num quase consenso, bem expressado nas palavras de D’Angelis (2000, p. 149):

Via de regra, grande parte do mundo acadêmico dos países do bloco, ao analisar as impli-cações da integração latino-americana (...) reconhece a incidência de um déficit jurídico no modelo, dedutível da falta de segurança jurídica e de clareza das regras obrigatórias aos seus diversos atores, com maiores empecilhos aos particulares, a disseminar des-confiança e insegurança não somente aos investidores, mas a toda população afetada pela construção dessa obra gigantesca.

A União Europeia, ao longo de seu processo de integração, desenvolveu mecanismos de atua-ção em três aspectos específicos que envolvem diretamente os cidadãos, destinatários finais da integração regional. Estes três aspectos demonstram, em nosso entendimento, os principais de-safios para a efetivação de uma cidadania sul-americana. Estes desafios se resumem na definição jurídica dos direitos inerentes a uma cidadania regional, às formas de garantia institucional a estes direitos e a real participação dos cidadãos no processo de integração regional. A demonstração das respostas encontradas na integração regional europeia para tais questões será o objeto de estudo dos próximos tópicos.

6.1 PRIMEIRO MODELO: A CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA:

Diversos pontos até aqui abordados demonstraram a identificação da cidadania com, essencial-mente, a faculdade de não só ter direitos, mas de poder exigi-los, seja frente aos demais cidadãos, seja frente ao Estado. A relação entre a cidadania enquanto direito e o Estado é razoavelmente simples. No direito interno estão definidos os direitos dos cidadãos juridicamente vinculados ao Estado e os mecanismos disponíveis aos cidadãos para fazer valer estes direitos. Agora, a partir do momento que passamos a abordar uma cidadania que vai além das fronteiras de um Estado, como a cidadania sul-americana, um primeiro problema surge de imediato: quem definirá e qual será o rol de direitos inerentes a esta cidadania? Admite-se argumentação contrária, mas parece evidente que, inicialmente, os países integrantes deste espaço comum, no caso a América do Sul, devem definir exatamente quais os direitos e garantias que estarão vinculados à cidadania sul-americana. E esta definição precisa ser expressa, não podendo ficar ao abrigo apenas das legislações internas de cada país ou aos costumes e princípios jurídicos dos Estados envolvidos. É certo que os Estados hodiernamente se preocupam em positivar expressamente os direitos dos cidadãos em suas constituições, para que não permaneçam dúvidas sobre sua existência, vali-dade e eficácia. Portanto, uma cidadania regional sul-americana precisa também ser positivada, como assevera Aquino (2013, p. 182-183) ao afirmar que a cidadania sul-americana depende da elaboração de uma Carta de Direitos, capaz de promover a integração humana no continente.

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Perceberemos que alguns problemas, pelo menos aparentemente, possam ser causa de impe-dimento da efetivação de uma cidadania sul-americana. O passo inicial seria a definição, por parte dos Estados e povos envolvidos, do que é a cidadania sul-americana e seu alcance jurídico, o rol de direitos a ela atribuído e as garantias inerentes. Como não existe, até o momento, tal instrumento jurídico, mais uma vez será analisada a experiência da União Europeia, mais especificamente a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, para permitir um estudo prático da questão.

No início da integração europeia, pós Segunda Guerra Mundial, as Comunidades Europeias surgidas não tratavam especificamente sobre direitos fundamentais dos cidadãos dos Estados--Membros. Mas é certo que não se pode dizer que ignoravam o tema. Vários dos temas caros às Comunidades, como a livre circulação de pessoas no espaço europeu, implicavam em ampliação de direitos. No decorrer do processo de integração, a Declaração Internacional de Direitos do Ho-mem, originada na ONU, e outros documentos e convenções internacionais de direitos humanos, tendo como exemplo mais significativo a Convenção Europeia de Direitos do Homem – CEDH – serviram como norte em relação à efetivação de direitos humanos nas decisões dos órgãos das Comunidades, sobretudo ao Tribunal de Justiça das Comunidades, futuro Tribunal de Justiça da UE, que considerava os direitos proclamados, principalmente os mencionados na CEDH, como princípios gerais de Direito Internacional e fonte autônoma do Direito Comunitário (QUADROS, 2015. p. 172-175). A CEDH, porém, tem origem alheia ao processo de integração europeu que originou as Comunidades. As Comunidades Europeias, e depois a União Europeia, desta forma, sempre precisaram recorrer aos direitos positivados internamente pelos seus Estados-membros e pelos direitos presentes nos tratados e convenções de Direito Internacional, consignados pelos mesmos Estados-membros, quando necessitavam considerar questões de direitos fundamentais na atuação de seus órgãos e em suas competências gerais. Tal situação levou os países-membros da UE a desejarem possuir um rol próprio de direitos fundamentais, integrado aos Tratados da UE, o qual, assim, teria validade jurídica primordial na União (QUADROS, 2015, p. 197). Esta é a origem do instrumento mais importante para o atual estágio, e para o futuro, da UE, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

A Carta dos Direitos Fundamentais da UE foi elaborada, segundo Quadros (2015, p. 197-198) por uma convenção convocada exclusivamente para sua realização. Dela participaram representantes dos poderes executivos dos Estados-membros, dos parlamentos nacionais, do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia, sem hierarquia de poderes entre si. Os cidadãos da UE puderam parti-cipar do processo, enviando sugestões através da internet. Sua elaboração, portanto, representa a visão compartilhada sobre direitos fundamentais dos Órgãos da União, dos Estados-membros e dos cidadãos da UE. O documento final foi proclamado conjuntamente pelo Parlamento, Con-selho e Comissão Europeias em 07 de dezembro de 2000. Inicialmente sua validade jurídica foi restrita. Somente a partir das mudanças efetuadas pelo Tratado de Lisboa, em 2009, que a Carta passou a ter o mesmo valor jurídico dado aos Tratados Constitutivos da UE, ou seja, ao TUE e o TFUE (QUADROS, 2015, p. 203). Desta forma, hoje, a Carta rege todas as ações da União Europeia, seja na elaboração de leis, nas suas relações com os Estados-membros e, principalmente, nas relações com os cidadãos da UE.

Instrumento moderno, que sintetiza muito do que se desenvolveu ao longo das últimas déca-

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das em relação aos direitos humanos em geral, a Carta é, nas palavras de Quadros (2015, p. 204) “(...) sem dúvida, o mais ambicioso e o mais elaborado texto jurídico sobre Direitos da Pessoa”. Sua principal virtude é apresentar, simultaneamente, direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos, sem distinções ou atribuição de maior ou menor importância a algum deles, sendo considerados indissociáveis entre si (QUADROS, 2015, p. 204-205). É reconhecido, portanto, que o não acesso a qualquer um deles impede o gozo pleno dos demais. Direitos sociais, como o direito à educação e à previdência social; direitos de terceira geração, como o direito à proteção do meio-ambiente, são considerados tão importantes quanto os tradicionais direitos individuais, como o direito à vida. A transcrição de parte de preâmbulo da Carta define sua origem, impor-tância e abrangência:

Consciente do seu património espiritual e moral, a União baseia-se nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade; assenta nos princípios da democracia e do Estado de direito. Ao instituir a cidadania da União e ao criar um espaço de liberdade, segurança e justiça, coloca o ser humano no cerne da sua acção.

Os Estados e povos sul-americanos poderiam, portanto, se inspirar no modelo europeu, con-jugando esforços para a criação de uma “Carta Sul-Americana de Direitos Humanos”. Até então, não há grandes entraves jurídicos, posto que tal “Carta” poderia ser feita de forma consensual e conjunta pelos Estados, com a participação e coordenação da UNASUL. Problema resolvido? Nem um pouco. Direitos positivados necessitam de garantias para serem efetivados. É preciso que haja mecanismos de controle, órgãos em que seja possível demandar o cumprimento dos direitos assegurados. Estamos falando de uma profunda integração regional e, principalmente, de uma cidadania sul-americana. Não parece viável confiar a garantia e efetivação de direitos que ultrapassam fronteiras políticas apenas aos órgãos internos de cada Estado. A integração regional europeia, desde sua gênese, possuiu um órgão jurisdicional próprio, superior aos órgãos judiciários dos Estados no tocante à interpretação e aplicação das leis e direitos emanados das Comunidades e, posteriormente, da União. Através da análise do papel fundamental do Tribunal de Justiça da UE para a integração europeia, se desenvolverá o raciocínio da necessidade de maior institucionalização da UNASUL.

6.2 SEGUNDO MODELO: O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA

Quando falamos em cidadania sul-americana, temos, considerando as situações demonstradas no presente trabalho até o momento, duas possibilidades. Em uma hipótese ideal, a concessão mais ampla e possível de direitos, abarcando o que há de melhor na legislação dos referidos países. Tal hipótese trará, inevitavelmente, choque inicial com as legislações internas, que poderão ter um rol de direitos positivados internamente menor. Talvez estivéssemos frente a uma situação em que os direitos a serem assegurados aos estrangeiros fossem superiores aos direitos concedidos aos próprios nacionais do referido Estado. A segunda hipótese, mais realista, seria a admissão de

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uma cidadania sul-americana baseada em um “mínimo comum”, nos valores e práticas compar-tilhados entre os Estados-membros. Uma cidadania sul-americana nestes moldes representaria apenas uma adequação de direitos, visando permitir o exercício mínimo dos mesmos pelo cidadão de um dos Estados-membros quando estivesse no território de outro Estado-membro. Funda-mentalmente neste caso, a cidadania sul-americana não contribuiria em nada para a ampliação geral de direitos, que deveria ser o grande objetivo de uma cidadania regional.

A integração regional europeia adotou um caminho inovador. As relações entre os Estados--membros e as Comunidades, e depois entre os mesmos Estados e a União Europeia originaram um ramo novo do Direito, o atual Direito da União Europeia, abordado anteriormente neste trabalho. Este direito contribuiu para a definição e ampliação de direitos aos cidadãos da UE, inclusive ao determinar o princípio da mais ampla proteção, segundo o qual entre a aplicação das leis da União e das leis dos Estados, aos cidadãos da UE sempre será aplicada a legislação mais benéfica, que lhes assegurem melhores direitos (QUADROS, 2015, p. 216).

A formação do Direito da União e a criação da cidadania da UE não se deram por simples cooperação e consenso entre os Estados-membros da UE. São frutos de décadas de integração, pautados não só na concessão de direitos, mas também em mecanismos que permitissem sua efetivação. Quando direitos são negados, seja pelo Estado ou mesmo por particulares, é necessária a existência de um poder jurisdicional capaz de garantir os referidos direitos. Papel primordial neste processo foi desempenhado pelo poder judiciário dos Estados-membros, sob a coordena-ção e liderança do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, hoje o Tribunal de Justiça da União Europeia – TJUE.

Quando a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço foi criada, já se entendeu que era neces-sária a criação de um Tribunal de Justiça vinculado a mesma. Com a criação das outras duas Comunidades, CEE e EURATOM, este Tribunal de Justiça passou a exercer sua jurisdição sobre as três Comunidades (D’ANGELIS, 2000, p. 86-88). Quadros (2015, p. 374) afirma que:

(...) as Comunidades e, depois, a União, tentaram encontrar um símile com os Estados na repartição de poderes. Um dos poderes, porventura, o poder mais claramente carac-terizado é, exatamente, o poder judicial.

A partir do Tratado de Maastrich adotou a nomenclatura de Tribunal de Justiça da União Eu-ropeia. Tribunal supranacional de jurisdição obrigatória (QUADROS, 2015, p. 375), possui como uma de suas principais funções, assegurar “a uniformidade na interpretação e na aplicação do Direito da União, quer pelos órgãos da União, quer pelos tribunais e demais autoridades dos Estados-membros” (QUADROS, 2015, p. 377-378). Em função da existência de um Direito Comu-nitário, emanado dos órgãos das Comunidades e, posteriormente, da UE, desde logo se percebeu a importância de determinar de que forma se relacionariam tais leis com a legislação interna dos Estados. Foi a jurisprudência do Tribunal de Justiça que, ao longo das décadas, consolidou os princípios da primazia, definindo que “todo o Direito da União prevalece sobre todo o Direito estadual” (QUADROS, 2015, p. 515). Seus julgados também construíram o princípio da aplicabili-

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dade direta do Direito da UE pelos Estados-membros (D’ANGELIS, 2000, p. 119). Resumidamente, o TJUE atua como instância máxima na solução de controvérsias baseadas no Direito da União, litígios que poderão envolver a União, Estados-membros e os cidadãos da UE, além de pessoas jurídicas. (QUADROS, 2015, p. 376-378)

Atualmente, o TJUE não é um único tribunal. Ele possui três níveis distintos, o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral e os tribunais especializados, cada qual com suas competências especí-ficas (QUADROS, 2015, P. 368-369). Este conjunto está no topo de um sistema judicial que envolve também os tribunais e juízes singulares dos Estados-membros, sob forma de cooperação, não exatamente de forma hierárquica. O sistema judicial interno dos Estados-membros é competente para aplicar o Direito da União, inclusive sendo obrigado a aplicá-lo respeitando os princípios da primazia e da aplicabilidade direta, ou seja, mesmo contra legislação nacional eventualmente contrária (QUADROS, 2015, p. 688-690). O juiz ou tribunal nacional, quando em dúvida quanto à correta interpretação do Direito da União para o caso concreto, pode solicitar a manifestação do TJUE quanto ao assunto, através das chamadas “questões prejudiciais”. O grande desenvolvimento do Direito da União ocorreu muito a partir da análise destas questões (QUADROS, 2015, p. 582-583).

Os cidadãos da União Europeia possuem, através deste sistema jurisdicional, uma ampliação de direitos e, principalmente, uma maior proteção, garantia dos mesmos. Em primeiro lugar, podem requerer direitos baseados no Direito da União frente aos juízes e tribunais nacionais, que, como já dito, deverão aplicar o Direito da União, sempre que este for mais benéfico ao cidadão, conquista garantida pela jurisprudência do TJUE. Quando, porém, sentirem-se lesados por ato ou disposi-tivo legal da própria União, poderão interpor ação diretamente ao TJUE, visando sua anulação.

O TJUE não possui competência para determinar a ilegalidade geral de uma lei ou ato de Esta-do-membro, mesmo que contrário ao Direito da União (QUADROS, 2015, p. 585). Isto, porém, não enfraquece o sistema, pois, como já abordado, o juiz nacional, ao julgar um caso concreto, deve julgar levando em consideração o Direito da União. Além disto, o Estado-membro cuja legislação esteja em desconformidade com o Direito da União pode ser responsabilizado extracontratual-mente, sendo obrigado a indenizar os particulares devido a suas ações e omissões contrárias ao Direito da União (QUADROS, 2015, p. 704).

A robustez do Direito da União e de seu sistema jurisdicional, liderado pelo TJUE, foi a verda-deira “locomotiva” do desenvolvimento da União Europeia. Desde o início da integração europeia, o Tribunal de Justiça se viu obrigado a solucionar as questões que lhe eram apresentadas sem possuir os instrumentos necessários, quais sejam, leis claras. Assim, através do desenvolvimento de conceitos e princípios próprios, impulsionou a integração de tal forma que muitos a chamaram de “Europa dos juízes” (QUADROS, 2015, p. 378-381). Baseando-se na prática da UE, apresenta-se claramente a necessidade de um Tribunal Supranacional para o real desenvolvimento de uma integração regional. A criação de órgão semelhante na estrutura da UNASUL é primordial tanto para a consolidação do projeto de integração entre os Estados sul-americanos, quanto para a efetivação e garantia de direitos aos cidadãos sul-americanos.

6.3 TERCEIRO MODELO: O PARLAMENTO EUROPEU

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Se realizássemos uma simples pesquisa, no interior desta universidade, perguntando aos alunos sobre o que é a UNASUL, provavelmente um percentual elevado dos mesmos responderão que sequer ouviram falar da mesma. Se a questão for “você concorda com a criação de uma cidada-nia sul-americana?” o silêncio será a resposta quase unânime. E aqui se está falando do círculo acadêmico, fora dos muros das universidades tais questões seriam completamente desproposi-tadas, pois são desconhecidas do público em geral. Isto é fruto do modelo de integração regional realizada na América do Sul ao longo das décadas, que não só nunca considerou os anseios da população em geral como sequer se empenhou em tornar o processo de conhecimento público. Nunca houve real significação do processo aos cidadãos, pois sempre foi coordenado unicamente pela cúpula dos poderes executivos dos Estados, visando interesses quase estritamente estatais e comerciais. A falta de participação democrática no processo é óbvia.

Como já abordado anteriormente, a Europa iniciou seu processo de integração regional com o fim maior de garantir a paz entre seus povos, destroçados depois de duas grandes guerras. E já se antevia a necessidade de envolvimento direto dos cidadãos no processo. Segundo Quadros (2015, p. 276-277) quando da criação da Comunidade Econômica do Carvão e do Aço, já existia uma órgão chamado de Assembleia Comum, que era composto por parlamentares dos Estados-membros. Com os Tratados de Roma, passou a existir uma única Assembleia para as três Comunidades, CECA, CEE e EURATOM. A partir de 1979 os membros passaram a ser eleitos por sufrágio univer-sal e direto, atuando no agora chamado Parlamento Europeu, hoje órgão da União Europeia. São, portanto, eleitos diretamente pelos cidadãos da UE e para atuarem especificamente nos assuntos da União. Nas palavras de Quadros (2015, p. 276) o Parlamento Europeu tem a missão de “... sim-bolizar a legitimidade democrática no processo de decisão da União ou, melhor, no exercício do poder político da União”. A eleição baseia-se em critérios demográficos proporcionais, exatamente como nos parlamentos estatais. O artigo 14°, 2, do Tratado da UE define os critérios específicos. Quadros (2015, p. 279) informa que atualmente apenas a Alemanha possui o número máximo de cadeiras, 96, sendo que quatro pequenos países, Chipre, Estônia, Luxemburgo e Malta, possuem 6 cadeiras, o número mínimo permitido.

O Parlamento Europeu é o órgão que mais viu os seus poderes reforçados ao longo do pro-cesso integracional europeu (QUADROS, 2015. p. 282). Esta afirmação é de suma importância, pois afirma a visão democrática da integração europeia. Antigamente o Parlamento tinha função muito mais consultiva, emitindo pareceres ao Conselho, que era o único órgão com real poder de decisão dentro da União Europeia. Com o passar dos anos, passou a desempenhar cada vez mais papel fiscalizador dentro da UE. Atualmente, seus membros possuem diversas atribuições, de natureza deliberativa, podendo assim apresentar projetos em nome dos cidadãos da UE, de controle, aprovando o orçamento próprio da UE, consultivas, elaborando pareceres a pedido dos demais órgãos e principalmente, participando do processo legislativo. Foi a partir da formação da UE, através do Tratado de Maastrich, que passou a ter poderes verdadeiramente legislativos, sendo que após o Tratado de Lisboa, o processo legislativo ordinário da UE, ou seja, o processo que envolve a grande maioria das decisões dentro da União, passou a ser de competência conjunta, em pé de igualdade, entre Parlamento e Conselho.

Inicialmente, é preciso esclarecer que as decisões dentro da União Europeia possuem natureza

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diversa das decisões emanadas, por exemplo, dentro dos Estados nacionais. O Conselho sempre foi o poder legislativo ordinário da UE. Suas decisões sempre formaram as “leis” que regem a União Europeia, juntamente com seus Tratados Constitutivos. É neste ponto que sobressai a atual importância do Parlamento Europeu, e, consequentemente, a importância que a União Europeia tem dado aos interesses dos cidadãos europeus. Se antes o processo legislativo era dominado pelo Conselho, hoje é compartilhado entre Comissão, Parlamento e Conselho. A Comissão não possui função legislativa, mas é responsável por propor os projetos. O Parlamento então delibera sobre o projeto, que necessita, para aprovação, do voto favorável da maioria de seus membros. Somente se aprovado pelo Parlamento, o projeto pode ser encaminhado para apreciação do Conselho. O projeto pode ser alterado tanto pelo Parlamento quanto pelo Conselho, em um processo que pode compreender várias etapas, mas a versão final só se tornará “lei” se aprovada, com todas as suas alterações, tanto pelo Conselho quanto pelo Parlamento (PROCESSO, 2015, p. 1).

O Parlamento Europeu ainda possui prerrogativas importantes em relação à Comissão Eu-ropeia. Este órgão, de suma importância para a União por ser o verdadeiro órgão executivo da mesma, tem seus membros escolhidos pelo Conselho, porém esta escolha precisa ser aprovada nominalmente pelo Parlamento. Além disto, o Parlamento pode aprovar uma moção de censura à Comissão, que resultará na demissão de todos os Comissários, nos termos do artigo 234° do TFUE (QUADROS, 2015, p. 295-297). Poderíamos comparar estes poderes ao do legislativo nacio-nal nos regimes parlamentaristas, que possui poderes para mudar todo o gabinete de governo.

A importância do Parlamento Europeu vai mais além. O cidadão da UE não está restrito ao simples sufrágio, a eleger o parlamentar. O Parlamento Europeu é o grande canal de acesso dos cidadãos à União Europeia, pois qualquer cidadão pode peticionar diretamente ao Parlamento Europeu, podendo assim participar mais efetivamente do processo de integração. A grande importância do Parlamento Europeu para os desígnios da União Europeia, aqui brevemente demonstrada, ilustra uma opção correta de atribuição de reais poderes aos legítimos representantes dos povos euro-peus dentro da União Europeia. Esse entendimento não foi alcançado logo no início do processo, vem evoluindo ao longo de décadas, tendo se intensificado a partir do momento em que a Europa direcionou sua integração regional definitivamente no rumo da União Política, pois se chegou à óbvia conclusão que um projeto desta envergadura só seria possível com a real participação da sociedade civil em seus rumos.

7. A UNASUL E A CIDADANIA SUL-AMERICANA NO CONTEXTO GLOBAL

A cidadania sul-americana enquanto temática jurídica é algo muito recente. Por esta razão este trabalho foi desenvolvido com base em questões práticas, recorrendo-se ao único exemplo atualmente existente de cidadania “além-fronteiras”, a cidadania europeia. Mas é claro que não estamos na Europa. O modelo europeu jamais poderá ser meramente copiado. A Comunidade Andina tentou reproduzir a fórmula institucional da UE, porém a disparidade entre o modelo e a realidade da região andina resultou em poucos avanços concretos. As nações sul-americanas apresentam grandes diferenças entre si, incluindo o tamanho de suas economias, o índice de desenvolvimen-to. Mas tais condições não são impeditivas de uma real integração regional. Também é errôneo

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pensar que a Europa não apresenta ou apresentou problemas semelhantes. Segundo Hobsbawn (1994, p. 198-215) antes das duas Grandes Guerras mundiais existiam três grandes economias na Europa Ocidental, Inglaterra, França e Alemanha. Ao final da Segunda Guerra, estavam arrasadas, sendo que logo perderiam seus impérios coloniais. A Europa precisou se reerguer, e a integração regional colaborou muito no processo. O caso alemão é emblemático. Apesar de existir um “povo alemão” desde a antiguidade, a Alemanha só surgiu como Estado moderno em 1871. Desde então, foi arrasada por duas grandes guerras, permaneceu dívida por várias décadas e, ainda assim, hoje consegue liderar a integração europeia. As disparidades entre os Estados-membros da UE também são grandes. Num mesmo processo de integração convivem gigantes como Alemanha e França, economias “problemáticas” como Grécia e Espanha, ex-economias socialistas, como Romênia e Hungria e verdadeiros “microestados”, como Luxemburgo e Malta. A própria crise econômica de 2008, que ainda afeta a economia global, foi duramente sentida na Europa, mas nem por isso se enfraqueceu a integração. Portanto, com as referidas ressalvas, o modelo de integração regional europeu pode ser extremamente útil para a visualização de soluções para o processo de integração regional sul-americano.

Independentemente das soluções que se busquem, é certo que o Estado moderno é apenas um entre diversos atores globais e não tem mais força para, sozinho, legitimar e proteger direitos aos seus cidadãos. Como bem assevera Steffen (2015, p. 25)

(...) o problema de governar o mundo se funde em contextos que perpassam por alianças militares (OTAN); instituições intergovernamentais (ONU, UNESCO, UNICEF, OMS e afins); organismos regionais (Conselho Europeu); agremiações pós-imperialistas (Commonwealth, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa); ordenamentos quase políticos (União Europeia, Mercosul, UNASUL); summit (G-20, G-8, BRICS) e outras milhares de ONGs.

Há a necessidade urgente de interação entre estes diversos atores, pois esta é a única forma de realmente ampliar e garantir direitos aos cidadãos. A simples positivação de direitos nas Constituições estatais tem se mostrado insuficiente, pois,

“certamente, o Estado Constitucional em suas promessas liberais, sociais e democratas não foi adimplente (...) várias são as disposições constitucionais que se encontram à espera de satisfação ou que de pronto foram revogadas em face de sua (suposta) impossibilidade. (STEFFEN, 2015, p. 19)

A integração regional entre países é uma das alternativas encontradas para superação dos atuais desafios mundiais advindos da globalização. E estes desafios são também jurídicos. “A globalização econômica produz um processo de globalização jurídica por via reflexa” (STEFFEN, 2015, p. 23) e é certo que o “Estado perdeu sua habilitação de único senhor da ordem” (STEFFEN, 2015, p. 21). O fenômeno conhecido como Direito Global advindo do transnacionalismo das atuais relações mundiais tem sido amplamente debatido e estudado pelos operadores e doutrinadores

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jurídicos. O Direito Global se caracteriza exatamente pela pluralidade de atores e pelas relações verdadeiramente mundiais, onde não é mais possível separar os espaços nacionais, internacionais e transnacionais, e os sistemas jurídicos necessitam se relacionar de forma horizontal, pois não há relação hierárquica entre os mesmos (STEFFEN, 2015, p. 19-31). Esta realidade já está dada, portanto, a manutenção de certos conceitos, notadamente quanto a mera intergovernabilidade nas relações entre os Estados na integração regional sul-americana, é quase um anacronismo. A soberania como atributo inerente e absoluto do Estado não mais existe.

Buscar compreender os processos pertinentes ao novo Direito Global e apresentar as propostas surgidas do mesmo para a questão dos direitos humanos seria matéria suficiente para um, ou diversos outros, trabalhos semelhantes ao presente. Sua breve menção aqui se destina a tornar clara a realidade em que vivemos, onde o Estado, isoladamente, possui pouco poder de barganha no cenário internacional. Mesmo internamente, já não possui soberania completa nas relações com seus cidadãos, tendo em vista as consequências da globalização. Não dotar a UNASUL de maior capacidade de ação, com novas atribuições e novos órgãos que possam perseguir os objetivos da integração, pelo simples fato de não admitir a delegação de alguns poderes supranacionais a estes órgãos não apresenta razão de ser. Muito do que os Estados entendem como atributos de Soberania já se perdeu com a globalização, e contra isto atos legislativos internos são inúteis. Decisões judiciais de nossos tribunais também não podem interromper este processo.

A realidade, ainda assim, não permite a adoção, por exemplo, de um Tribunal com jurisdição obrigatória no âmbito da UNASUL. As decisões e regulamentos emanados dos atuais órgãos exis-tentes só se tornam obrigatórios após a internalização dos mesmos pela legislação interna dos Estados-membros, conforme já abordado. A legislação brasileira é, provavelmente, o principal entrave para a mudança de tal paradigma na América do Sul. Segundo Kerber (2001, p. 103-106) a Argentina, de forma contrária, admite a delegação de poderes a organizações supranacionais, principalmente no tocante a integração regional, admitindo inclusive que leis e tratados relacio-nadas tenham aplicabilidade direta e primazia frente aos dispositivos legais internos, exigindo, porém, a reciprocidade dos demais Estados envolvidos no processo. A Constituição paraguaia também admite semelhantes situações (KERBER, 2001, p. 106-108). A Comunidade Andina foi criada nos moldes da UE, portanto a supranacionalidade é admitida por seus Estados-membros.

Assim, finalmente, é necessária uma análise do papel brasileiro na integração regional sul-a-mericana. Se entendermos que a mesma deve avançar, que o Mercado Comum é benéfico para nossas economias, que a cidadania sul-americana é importante para a ampliação e garantia de direitos a todos os sul-americanos, o Brasil deverá ampliar seu comprometimento com a inte-gração. Como sexta economia do mundo, deverá assumir definitivamente o papel de líder desta integração. A atual crise política e a dispersão demasiada na atuação externa, onde o Brasil tenta buscar maior influência através da integração regional (Mercosul, UNASUL), das diversas cúpulas de que participa (BRICS, G-20), da Organização Mundial do Comércio e do velho sonho de possuir assento permanente no Conselho de Segurança da ONU talvez represente um erro de cálculo de nossa política exterior. O fato de o Brasil ter sido chamado, recentemente, de “anão diplomático” por Israel demonstra nossa pouca solidez no cenário internacional. A liderança da UNASUL e a capacidade de torná-la um processo de integração regional apto a perseguir seus objetivos de

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construção de uma União Sul-Americana e efetivação de uma cidadania sul-americana poderiam, finalmente, determinar ao Brasil o papel de destaque que sempre almejou no cenário mundial.

8. CONCLUSÃO

Pode-se demonstrar a potencialidade da integração regional para a ampliação e garantia de direitos aos cidadãos dos Estados envolvidos. Especificamente, a possibilidade de efetivação de uma cidadania regional na América do Sul, a cidadania sul-americana, através da UNASUL. Para tanto, foi realizado inicialmente um estudo sintético da integração regional em si, suas origens, natureza jurídica e existência prática, através do estudo dos processos de integração regional nos quais o Brasil teve, ou tem, participação e da abordagem da integração regional europeia, que serviu de paradigma para a busca de respostas às questões formuladas.

Após, foram abordadas as reais condições de efetivação de uma cidadania sul-americana através da UNASUL. Primeiramente, através da análise do Tratado Constitutivo da UNASUL, seus objetivos e estrutura organizacional, focando principalmente no Grupo de Trabalho sobre Cida-dania Sul-Americana, que representa o que há de concreto até o momento em relação à referida cidadania. A partir deste momento, o estudo foi direcionado para a busca de alternativas para a efetivação da cidadania sul-americana, em função dos poucos avanços práticos obtidos até o mo-mento. Estas alternativas se voltam para problemas que são, entendemos, grandes dificultadores do processo, quais sejam, a falta da definição de direitos, de reais garantias a estes direitos e de participação democrática no processo. Como fundamento, foram explanados aspectos específicos da União Europeia relacionados diretamente às três questões acima: A Carta de Direitos Funda-mentais da União Europeia; o sistema judicial europeu, sob coordenação e liderança do Tribunal de Justiça da UE e o Parlamento Europeu, sem, claro, esquecer as necessárias ressalvas tanto à aplicação de institutos europeus à realidade sul-americana quanto à real possibilidade jurídica de aplicação de alternativas semelhantes, tendo em vista a legislação interna dos Estados-membros da UNASUL.

Neste ponto, é preciso fazer uma escolha. Se a escolha for se conformar com a realidade posta, devemos dizer que ainda sim é possível lograr avanços em relação à concessão e garantia de direitos aos cidadãos dentro da América do Sul. A extensão do Acordo de Residência do Mer-cosul para todos os membros da UNASUL, o que é taxativamente recomendado pelo GTCS em seu Parecer, e algumas concessões baseadas em reciprocidade entre os membros da UNASUL, em termos semelhantes ao Tratado de Amizade, por exemplo, já seriam suficientes para possibilitar uma melhor circulação de pessoas no espaço regional e salvaguardar consideráveis direitos.

Mas, pelo menos na teoria, temos o dever de querer uma nova e melhor realidade. Os eventuais direitos obtidos nas condições acima dependeriam muito da boa vontade dos Estados, sua eventual efetivação dependeria do entendimento interno que cada Estado daria a tais direitos. Os avanços seriam inferiores aos possíveis, e frágeis. Os cidadãos poderiam recorrer somente ao sistema judicial interno de cada Estado para buscar a efetivação de direitos. A interpretação deste direito, consequentemente, não seria uniforme, o que traria diferença de tratamento aos cidadãos sul-americanos. Finalmente, o processo continuaria alijado de legitimidade democrática. Um Parlamento da UNASUL, eleito por sufrágio universal e direto, em que pese os velhos proble-

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mas da democracia meramente representativa, ampliaria, no mínimo, o interesse dos cidadãos em geral na integração regional. Conhecendo melhor o processo e sendo chamado a participar do mesmo, o cidadão comum poderá compreender melhor a importância deste processo e as consequências diretas do mesmo em seu dia-a-dia.

Desta forma, entende-se que a cidadania sul-americana, para ser algo concreto, neces-sitaria se assemelhar à cidadania da UE. E isto não é possível sem uma maior institucionalização da UNASUL. Esta conclusão é condizente inclusive com a própria visão do Grupo de Trabalho sobre Cidadania Sul-Americana. É necessário comprometimento real com a integração, o que envolve principalmente permitir que a mesma possa atingir seus fins, através da delegação de certos poderes de soberania, sob a condução de órgãos cujos titulares não estejam vinculados apenas aos interesses de determinado Estado, tendo um Parlamento com membros eleitos por sufrágio universal e direto, que representem os interesses dos cidadãos e uma Corte, um Tribunal que possa dirimir conflitos e que padronize o direito referente à integração, possibilitando real salvaguarda de direitos aos cidadãos.

Pensando utopicamente, uma cidadania sul-americana poderia ser um passo na direção de um mundo com menos diferenças e mais união, principalmente nestes tempos em que a into-lerância e barbárie parecem tão próximas. Pois, talvez “(...) haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo.” (BOBBIO, 2004, p. 7).

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A TUTELA COMPARATIVA DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E OS ANSEIOS ECONÔMICOS NAS

TRADIÇÕES JURÍDICAS INTERNACIONALIZADAS

Jéssica Pinheiro Oyarzábal1

RESUMO

O presente estudo faz uma análise sobre a origem dos diferentes siste-mas jurídicos da civil law e common law, verificando na raiz da pluralidade dos ordenamentos jurídicos - das famílias tradicionais da common law e civil law - a heterogeneidade da tutela da propriedade intelectual. Esta di-ferença gera um alto preço a ser pago para o desenvolvimento econômico das sociedades contemporâneas inseridas no meio global. Por esta razão, na primeira parte do trabalho,apura-se o distinto nascimento da noção de propriedade atribuído por cada um das famílias a partir da sua ori-gem. Enquanto que na segunda parte, examina o quanto que a diversida-de estrutural destes ordenamentos motiva diferentes formas de proteção da propriedade intelectual, repercutindo no desenvolvimento econômico, seja brasileiro ou norte-americano, em escala global.

Palavras Chave: Direito comparado; Civil Law; Common Law;Propriedade Industrial; Economia.

ABSTRACT

This study analysis the origin of different legal systems of civil law and common law, verifying at the root of the plurality of legal systems, the tra-ditional families of the common law and civil law, the heterogeneity of the protection of intellectual property. This difference generates a high price to be pay by economic development of contemporary societies inserted in the global environment. For this reason, the first part of the work clears up the different birth of the notion of property assigned for each household from its origin. Moreover, the second part examines how the structural diversity of these orders motivates different forms of intellectual property protection, reflecting in the economic development, either Brazilian or American, on a global scale.

Key words: Comparative Rights; Civil Law; Common Law; Intellectual Pro-perty; Economy.

1 Advogada e especialista em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Diretora de PI do escritório SKO Marcas e Patentes S/C. E-mail: [email protected]

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A TUTELA COMPARATIVA50

1. INTRODUÇÃO

A ampliação do mundo na era global, somada ao aumento da competitividade e ao crescimento do desenvolvimento da inovação e tecnologia, nos países conectados ao mercado internacional, vislumbraram na propriedade intelectual o instrumento norteador para o mapeamento mer-cadológico no âmbito dos negócios2. Além disso, o apropriado funcionamento do sistema para aquisição dos direitos na propriedade imaterial traduz-se nos resultados de eficiência econômica e na ordem social de cada Estado.

Logo, a propriedade intelectual mediante seus mecanismos de estímulo a produção de ideias, que geram inovação e criatividade ao mercado, vem sendo percebida como a chave mestra apta a garantir a mais adequada investida no mundo dos negócios.

Contudo, em que pese à propriedade industrial apresente uma lógica sistemática para sua tutela, deve-se observar naheterogeneidade dos regimes de proteção as exigências principio-lógicas e as regras estabelecidas de cada ordenamento, agregadas ás influências históricas na formação das tradições jurídicas.

A pluralidade de sistemas jurídicos, proveniente de distintas famílias do direito gera contri-buições significativas para a formação de distintos sistemas de amparo aos direitos subjetivos da propriedade intelectual.

A diferente origem da ramificação do direitoocasionoudesigualdadena forma de amparo às regulamentações da propriedade industrial refletindo-se, consequentemente, na comunhão de problemas de ordem econômica e política. Ainda, fatores sociais como o choque cultural na compreensão da tutelacontribuíram e permanecem ocasionadodiversos graus de eficiência nos negócios.

Por esta razão, imprescindível se faz percorrer a origem das tradições jurídicas a fim de buscar no seio histórico de formação de cada uma destas famílias as causas e os valores que fazem a common law americana perceber, visualizar e aplicar o direito de modo diverso àquele compreendido e experimentado pela civil law no território brasileiro.

2. AS ORIGENS DAS TRADIÇÕES JURIDICAS OCIDENTAIS E SUA INFLUENCIA NO DIREITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL

2.1 ECONOMIA E PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO PONTO DE PARTIDA

O cenário do mercado na economia global está cada vez mais hostil3, porquanto, em decorrência da operacionalidade dinâmica das criações tecnológicas e da inovação, exige-se uma variação e atualização periódica das invenções que requerem uma efetiva tutela no mercado internacional. Todavia, esta está sujeita a comunhão de problemas e soluções nas vertentes da propriedade intelectual, em âmbito global.4

2 BLAXILL, Mark; ECKARDT, Ralph. A vantagem invisível. Tradução Carlos Cordeiro de Melo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 50.

3 BLAXILL; ECKARDT. A vantagem..., cit., p. 45.

4 VICENTE, Dário Moura. A tutela internacional da propriedade intelectual. Lisboa: Almedina, 2009, p. 14.

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Os empreendedores buscam formas de eficiência operacional, sejam de menores custos e de uma inflexível execução, como forma de permanecerem no mercado altamente competitivo. Entretanto, estas estratégias não são suficientes para manter-se vivo no jogo econômico.

Deve valer-se dos antigos meios como novo artifício para superar os desafios reais em longo prazo, de forma a assegurar uma competitividade sustentável dentro do sistema capitalista5.

A Propriedade Intelectual, mais especificamente, a Propriedade Industrial, vem tornando-se a chave mestra como um direito indispensável ao indicar à saída aos empresários - independen-temente do seu porte – dentro do complexo emaranhado do crescimento da inovação e da alta tecnologia que fomentam a competitividade dos grandes sistemas capitalistas.

Sob o ponto de vista empresarial, é a nova estratégia para adquirir uma fatia do mercado, tendo obtido o status de ativo importantíssimo dentro do mundo dos negócios6. Todavia, à luz do sistema jurídico, a propriedade industrial possui uma maior representação proveniente já dos tempos antigos, estando enraizada no direito das coisas7.

Tal direito de tutela não apenas impulsiona e gira a economia de um Estado Social e Demo-crático de Direito8 de países como o Brasil, mas também evidencia diferentes formas de eficácias nos sistemas jurídicos opostos àqueles oxigenados pela codificação do direito continental, como Inglaterra e Estados Unidos norteados pela common law.

A propriedade imaterial, ainda que tenha se apresentado de forma tímida e discreta, na mar-cação de sinais e desenhos simbólicos nos meios econômicos das sociedades de origem remota, foi adquirindo força e proporção dentro dos limites dos sistemas jurídicos, que viram no seu desenvolvimento, uma necessidade de proteção e zelo dos ativos. No seu sentido erga omnes, a propriedade intelectual tutela os bens oriundos das criações do espírito humano9 – seja de marcas, patentes ou desenhos industriais –os quais viabilizam e alimentam o crescimento da economia não só nacional, mas, principalmente, em âmbito global.

Ainda que seu objeto de tutela seja o mesmo dentro da maior parte dos sistemas jurídicos que existem, é considerável o resultado e a dimensão que ela adquiriu e apresenta em esparsos modelos de sistemas jurídicos. Diferentemente do que ocorre em outros, é notável a eficácia discrepante que se faz refletir na competividade do mercado contemporâneo.

Dentre os modos de proteção da propriedade intelectual – marcas, patentes e desenhos indus-triais, bem como direito autorale software – relevante destacar o papel que a proteção da marca adquiriu e vem conquistando dentro dos sistemas econômicos capitalistas. Não pormenorizando a valorização que as demais intelectualidades inventivas contribuem à economia, importante verificar que as marcas são consideradas a essência principal dos negócios, visto que não é tão somente a noção de elemento característico de identificação entre sinal distintivo e produto dos demais concorrentes; adquiriu status de identidade e valoração de pessoalidade seja entre as

5 BLAXILL; ECKARDT. A vantagem..., cit., p. 16.

6 BLAXILL; ECKARDT. A vantagem..., cit., p. 20.

7 CARVALHO, Virgilio Antonio de. Direito civil das pessoas e das coisas. Rio de Janeiro: Bedeschi Rio, 1918, p. 23.

8 ARONNE, Ricardo. Razão & caos no discurso jurídico e outros ensaios de direito civil-constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 20.

9 VICENTE, Dário Moura. A tutela internacional da propriedade intelectual. Lisboa: Almedina, 2009, p. 17.

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A TUTELA COMPARATIVA52

diferentes classes sociais ou no nível de importância dentro de cada classe econômica.

Desta forma a marca é um dos principais investimentos invisíveis não somente no âmbito econômico como também social. Entretanto, deve-se observar as razões das discrepâncias no que diz respeito ao território de tutela, porquanto em países de grande potência econômica, como os Estados Unidos, a tutela da marca apresenta uma perspectiva jurídica dentro da common law completamente oposta da proteção conferida dentro da Lei nº 9279/96 no território brasileiro. Tais diversidades, não só de tramitação, mas também de análise dentro destes dois sistemas oriundos de famílias jurídicas contrárias gera resultados invisíveis que se refletem visivelmente no crescimento econômico10 em cada Estado soberano.

Essa disparidade é resultado de como a propriedade industrial é vista como meio para se atingir ao fim; objetivo final. Enquanto que em outros sistemas, é vista como o próprio resultado final – perspectiva que é cristalizada no resultado do progresso e desenvolvimento de cada economia.

Em economias sólidas como a dos Estados Unidos, a propriedade industrial é vista como ins-trumento potente utilizado para atribuir maior valorização e unicidade à inovação desenvolvida por uma empresa a fim de garantir não só o seu crescimento financeiro, mas também impulsioná-la ao comércio internacional. Já em países emergentes, como o Brasil, o mesmo direito imaterial não é percebido, ainda, na mesma dimensão. A propriedade industrial - embora não seja tão jovem como possa parecer - no ordenamento jurídico brasileiro, vem buscando seu espaço ideal nas tutelas e eficácias dentro do âmbito administrativo e judiciário que se faz refletir diretamente na economia do país.

Devido à disparidade de repercussão entre os mercados, verifica-se a necessidade de exa-minar dentro destes sistemas jurídicos distintos – baseados na civil law e na common law – a sua estrutura que leva a meios de proteção dos signos distintivos, que embora peculiares e similares na sua essência de proteção, são completamente dispares quanto ao resultado final e grau de importância.

É o nascimento distinto da noção de propriedade atribuído, em cada um destes sistemas de direito, que faz com que a proteção da imaterialidade como estratégia invisível dos empresários seja concedida de formas tão variáveis, refletindo em resultados surpreendemente relevantes tanto para a economia em âmbito global como nacional de brasileiros e norte-americanos.

2.2 A ORIGEM DOS TRADIÇÕES LEGAIS E AS DIFERENÇAS EVOLUTIVAS

Ao buscar na origem histórica de cada sistema de direito – civil law e common law - os fatores e acontecimentos que proporcionaram o surgimento de variadas perspectivas e concepções nas suas respectivas estruturas, notam-se as motivações que levaram atribuir diferentes visões na forma de dar resolução aos litígios privados, visando assegurar a ordem e a segurança necessária ao progresso das sociedades que se faz refletir no mercado atual.

(...).Esta maneira de considerar o problema seria satisfatória se se chegasse, nos diversos

10 BLAXILL; ECKARDT. A vantagem..., cit., p. 23.

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países, a soluções uniformes. Entretanto, conflitos de leis e conflitos de jurisdições são resolvidos em cada país sem preocupação com o que é decidido nos outros, daí resul-tando que as relações internacionais são submetidas, nos diversos países, a regimes

diferentes. (...).11

Nos países latino-americanos e na maior parte da Europa continental, aplica-se o direito per-tencente à família romano-germânica, que corresponde à primeira família de direitos12, diferen-temente dos países anglo-saxônicos13, nos quais se desenvolveu a segunda família do direito – a common law14. A diferença de origem entre dessas duas famílias é fator essencial que permite visualizar, ao longo prazo, a forma única de lidar com as relações de interesse dos cidadãos que repercute no pacto social em cada uma dessas sociedades, bem como na sua estrutura.

2.2.1 A TRADIÇÃO CONTINENTAL

A família romano-germânica enraizou-se na Europa continental devido ao cenário histórico da época que propiciou o seu desenvolvimento e amadurecimento15. Associada ao direito da antiga Roma, o seu surgimento deu-se na fase do Renascimento, nos séculos XII e XIII, na parte Ocidental européia16, em decorrência do novo despertar de consciência da sociedade que vê no direito a luz para seu progresso e segurança nas suas relações pessoais.

Ultrapassada a época sombria da Idade das Traves - marcada, juridicamente, pela ausência de uma estrutura sólida de leis, visto que o direito nesta fase é miscigenado por leis bárbaras e pelos costumes de cada povo, em razão da existência de diversos grupos étnicos, sendo caracterizada por um vazio político17 - a sociedade começa a ter a percepção de que a organização jurídica é forma para assegurar segurança e a ordem para o seu progresso18.

Nesta fase de transição, dispensa-se a ideia de idealização cristã: distingue-se o sobrenatural da racionalidade. O marco do direito privado canônico é primordial para atribuir nova importância tanto às instituições como na cultura jurídica19.

O direito canônico tem uma importância enorme na história do direito tanto na esfera das instituições, quanto na da cultura jurídica. Na esfera das instituições, especialmente no processo e no conceito de jurisdição. É dele que parte a reorganização completa da vida jurídica europeia, e as cortes, tribunais e jurisdições legais, civis, seculares, principescas, serão mais cedo ou mais tarde influenciadas pelo direito canônico.20

11 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 10-11.

12 DAVID. Os grandes sistemas..., cit., p. 10-11.

13 Como Estados Unidos, e a própria Inglaterra.

14 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 9.

15 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 15.

16 DAVID,Os grandes sistemas..., cit., p. 120.

17 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 19.

18 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 16.

19 LOPES, O direito...., cit., p.20.

20 LOPES, O direito..., cit., p.68.

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A TUTELA COMPARATIVA54

É neste período que o direito civil - tal qual como conhecemos e estudamos – desperta para os primeiros traços semelhantes aos ideais da contemporaneidade, em virtude de ser fundado na ideia de justiça: viabilizar na sociedade civil a realização da ordem e do progresso.21

As universidades proporcionaram o surgimento do cenário apto para os estudos do direito a partir do comportamento social, estando associadas à filosofia, à teologia e à religião. Logo, questões ligadas ao contencioso, estudo de casos práticos, processo ou provas não estavam entre seus objetivos, por serem considerados métodos de pouco prestígio e ultrapassados ao valer-se de direito local e de costumes, contrário ao que se adequava perfeitamente ao cenário inglês.

Dentre os direitos já experimentados pela História, o direito romano foi o eleito pelos estu-dantes e professores nas universidades, em virtude de sua linguagem de conhecimento ao ser oriundo do latim através das compilações de Justiniano. A partir de sua “redescoberta”, o direito romano passou a ser a base de estudo do direito, juntamente com o direito canônico22, porquanto os direitos nacionais somente vieram ser ensinados nas universidade no século XVIII.

O direito romano, recapitulado a partir do sistema romano-germânico, uniu os povos da Eu-ropa, respeitando suas diversidades23, sofreu as devidas remodelações, em razão a necessidade de ensinamento de um direito plenamente racional para construção de uma ordem social com a escola do direito natural, nos séculos XVII e XVIII.

A escola do direito natural, que acaba por dominar a cena nos séculos XVII e XVIII, afasta--se em diferentes pontos de vista importantes, da dos pós-glosadores. (...)Afastando-se da ideia de uma ordem natural das coisas exigida por Deus, ela pretende construir toda ordem social sobre a consideração do homem; exalta os “direitos naturais” do indivíduo, derivados da própria personalidade de cada pessoa24.

Com a escola do direito natural houve o rompimento com a ordem do pensamento jurídico ao ver o direito como uma obra da razão. Antes, marcado pelas concepções clássicas vinculadas a divindade e as regras de uma única realidade natural, passou a racionalidade da natureza humana aproximando-se ao cenário cartesiano da época. Estes fatores foram essenciais para viabilizar anos depois o movimento da codificação.

A escola do direito natural auferiu dois êxitos únicos: reconhecimento da extensão jurídica das relações privadas ao âmbito público25 e a codificação. A distinção entre o direito público e o privado foi vista com bons olhos, porquanto as questões constitucionais e de administração adquiriram uma melhor atenção. Enquanto que a codificação, embora tenha sido criticada pela fragmentação do direito europeu e pela ruptura da comunidade jurídica européia na época, permitiu a aplicação prática do direito26.

21 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 50.

22 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 53.

23 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 42.

24

25 Reconhecimento que o direito se estendia à esfera das relações entre governantes e governados, entre a administração e os particu-lares. Não apenas se restringindo à questões privadas.

26 DAVID, Os grandes sistemas..., cit. p. 43.

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O evento da codificação permitiu a compilação das ideias e dos ensinamentos expostos nas universidades, transformando-os em direito positivo, uma vez que o direito ensinado no século XIX não era aquele aplicado na prática. O direito passa a ser positivado de forma metódica para ser aplicado conveniente à sociedade moderna e, consequentemente aderido pelos tribunais.

Este ambiente proporcionado pela codificação que viabilizou o surgimento de códigos nacionais e, numa visão otimista, a expansão tanto na Europa como em outros continentes do sistema jurí-dico romano-germânico. Portanto, o Código Napoleônico de 1804 foi instrumento de inspiração a desencadear uma atitude nacionalista pela Europa na edição de códigos baseados nos costumes de cada região27 e consequentemente difusão da família romano-germânica – em que pese esse novo fato tenha desconsiderado o direito como norma de conduta social para supranacional28.

Uma voz. Um palco e, portanto, um espaço neste universo (um verso) difeomórfico de vastidões metafóricas e imagéticas. Espaço que há de se fazer público, para se fazer espaço e, para fazer deste espaço, sua própria linguagem. Em linha e traço. Perfil e li-nhagem. Pois é no tamanho da voz que se observa o tamanho do interlocutor. No espaço de seu tempo e no tempo de seu espaço. Com um número, uma letra, ou mesmo apenas um traço. Com um signo; tão arbitrário quanto possa parecer (Lacan).29

A codificação extinguiu com a fragmentação do direito e a multiplicidade dos costumes. A saída da unidade jurídica do sistema romano-germânico deu lugar a multiplicidade nacionalista na busca de sua identidade jurídica. Ainda que tal evento tenha ocasionado a concentração dos códigos nacionais, permitiu a evolução jurídica da família romano-germânica no experimento de um novo método prático para as necessidades da sociedade da época30. A mudança e individuali-dade de cada Estado não significou retrocesso, mas a introdução e nova percepção de paradigma na busca de adequação da ordem jurídica na transformação das bases da sociedade.

2.2.2 O DIREITO INGLÊS E SUAS RAMIFICAÇÕES POSTERIORES

Diferentemente do que se sucedeu na família romano-germânica, que se desenvolveu a partir de rupturas e revoluções – herdada pelo ordenamento jurídico brasileiro - a família da common law, originária de terras anglo-saxônicas31, evoluiu de forma autônoma, evidenciando o seu caráter tradicional de um direito baseado única e exclusivamente na jurisprudência, que tem preferência a continuidade histórica.

Estas relevantes características da common law, ainda que tenham sido, em parte32, recep-

27 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 23.

28 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 49.

29 ARONNE, Ricardo. Razão & caos no discurso jurídico e outros ensaios de direito civil-constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advo-gado, 2010. p. 138.

30 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 49.

31 Sentido da expressão utilizada pelo autor para designar direito inglês. Cf DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 356.

32 Ainda que os Estados Unidos tenham adotado a funcionalidade da jurisprudência para as suas decisões, deve-se ter em conta a existência de alguma diferenças com a Inglaterra no que diz respeito a estrutura do direito, porquanto, sob o ponto de vista da estrita

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cionadas pelos Estados Unidos da América, sofreram adaptações necessárias para adequar-se as particularidades da estrutura organizacional do país. Proveniente de colonização inglesa, contudo, desenvolveu-se de modo adverso, a partir de treze colônias formadas e administradas de forma independente.

A common law, admitida no início de sua formação e, assim, mantida, sofrendo transformações e complementações, foi a causa de ligação entre estas colônias, desde que, segundo DAVID33, suas regras fossem apropriadas para as condições de vida presente destas.

A estrutura do direito inglês, tal como é atualmente aplicado na Inglaterra e adotado – embora modificado – pelos Estados Unidos, proveio a partir da concentração e centralização do poder em um único rei na época34 que, marcada historicamente pela conquista da Normandia, impediu a pro-pagação e organização de diversos feudos que pudessem competir com o poder do conquistador35.

Em razão desta estratégia para manutenção do poder real, o feudalismo nas terras inglesas não se ampliou do mesmo modo em que se deu na Europa continental - nos quais se formou a família romano-germânica. Esta limitação para o desenvolvimento e progresso de diversos feu-dos forçava uma dependência ao monarca, viabilizando uma estrutura organizacional única e a criação a um direito comum (comuneley – common law) a toda Inglaterra, baseado, inicialmente, a aplicação do costume para solução dos litígios.

Este não conheceu nem a renovação pelo direito romano, nem a renovação pela codifi-cação, que são características do direito francês e dos outros direitos da família roma-no-germânica.(...). (...) gosta de valorizar a continuidade histórica do seu direito; este surge-lhe como sendo produto de uma longa evolução que não foi perturbada por nenhuma revolução; orgulha-se desta circunstância, da qual deduz, não sem razão, a prova da grande sabedoria da com-mon law, das suas faculdades de adaptação, do seu permanente valor, e de qualidades correspondentes nos juristas e no povo inglês.36

Esta célere estrutura concentrada do direito inglês foi fator essencial para o desenvolvimen-to de condições marcadas pelo tradicionalismo, conservadorismo e processualismo rígido. O direito inglês sempre buscou o enfraquecimento do direito privado ao somente dar preferência as jurisdições relacionadas a questões de direito público que poderiam ameaçar a autoridade e a soberania real. Tal prática proveio da própria formação inicial da common law inglesa norteada pelo monarca que deixava as matérias particulares a jurisdições locais, enquanto que assuntos vinculados a soberania real cabiam a competência mais seletivas.

técnica jurídica, os Supremos Tribunais americanos nunca se sentem vinculados pelos seus próprios precedentes. Todavia, na Inglaterra, verifica-se um comportamento oposto.

33 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 41.

34 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 80.

35 DAVID, Os grandes sistemas...cit., p. 120.

36 DAVID, Os grandes sistemas... cit. p. 355.

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(...) os Tribunais Reais são os únicos a administrar a justiça. As jurisdições senhoriais tiveram a mesma sorte das HundredCourts; as jurisdições municipais ou comerciais já não apreciam senão questões de mínima importância, as jurisdições eclesiásticas passaram apenas a preceituar sobre litígios respeitantes ao sacramento do casamento ou à disciplina do clero.

Verifica-se que, historicamente, o direito inglês surgiu da necessidade de manutenção do controle real sobre a sociedade. Tanto que a fragmentação da jurisdição era feita conforme o grau de importância dos assuntos que envolviam sempre a necessidade real. Logo, a estrutura do direito inglês ocorreu de forma extremamente arcaica para um melhor controle da jurisdição, ao passo que o rei não tinha mais condições para administrar a todos os litígios do reino passou a conhecer tão apenas as questões excepcionais37 para as quais se aplicava a common law em Tribunais Reais de Justiça.

A complexidade e a tecnicidade na forma de análise dos casos práticos foram essenciais para atribuir importância ao procedimento. Sob a perspectiva histórica do direito inglês, percebe-se que seus elementos estão voltados, primeiramente, sobre o processo – remedies precede rights38, devido ao tipo de formação e do interesse em manter a concentração da soberania real - que exigiu a existência de variadas categorias e diversos conceitos do direito inglês. Essa relevância processual deixa em segundo plano o conceito de justiça, ao recair seu olhar sobre a solução dos litígios e não na definição dos direitos e das obrigações de cada indivíduo – como assim é entendido na civil law.

É esta forma de organização que está associada a um processo arcaico que exige técnicas experimentadas para a solução dos percalços tornou a common law inaplicável na América do século XVII. As condições de vida dos colonos ingleses não permitiram a recepção e prática do direito inglês tal qual como é visto e conhecido no território de origem, porquanto esta família do direito foi elaborada por uma sociedade feudal e para nesta ser utilizado; contudo, este tipo de feudalismo estava consideravelmente afastado das instituições americanas.

Ainda, a common law, tal qual como é, não concedeu respostas satisfatórias às novas situações dos colonos, uma vez que estes possuíam uma nova visão de liberdade do indivíduo contrária aque-la concebida pelos juristas ingleses, os quais, inclusive, cultivavam a rejeição da distinção entre o público e privado – forma de incidência, esta, que não se enquadrava as novas circunstâncias deste território longínquo das américas.

Que direito se aplica então na América? Se deixarem de lado as disposições particulares procedentes das autoridades locais, na prática aplica-se um direito bastante primitivo, em certas colônias baseado na Bíblia, reduzindo-se, geralmente ao poder dos magistrados.39

Em virtude das condições e do contexto das colônias inglesas, iniciou-se a codificação. En-tretanto, esta codificação não se assemelha a técnica moderna da codificação, pois seu principal

37 Ao rei cabiam os casos denominados como a “alta justiça”

38 DAVID, Os grandes sistemas, cit., p. 364.

39 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 450.

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A TUTELA COMPARATIVA58

objetivo é considerar de modo favorável a lei escrita. Ponto de vista totalmente oposto ao direito inglês, o qual considerava a lei escrita uma ameaça a sua liberdade.

Foi a independência americana que, a partir de 1776, atribuiu condições novas para as, até então, treze colônias se consagrassem nos Estados Unidos da América. Buscava-se a consolidação da ideia de autonomia do direito norte-americano e, nesse sentido, diversas situações históricas, em um primeiro momento, aproximaram o recém surgido Estados Unidos da América ao direito continental do sistema romano-germânico. Ainda que com uma resistência inicial e tendo em certo momento da sua história a União ter deixado seduzir-se pelos direitos da família romano--germânica, o território americano conseguiu unificar o sistema da common law.

O sistema da common law embora tenha sido admitido e recebido nos Estados Unidos conser-vando, na sua forma geral, os conceitos, as formas de raciocínio e a teoria das fontes do direito inglês40, possui sua originalidade que o tornou juridicamente independente do direito inglês tal qual como foi oriundo da Inglaterra. Em que pese durante muito tempo o direito inglês tenha sido visto como um modelo pelos juristas americanos no decorrer da história, o americanwayoflife, agregado as outros fatores multiculturais e de miscigenação contribuíram como fatores sociais elementares para afastar o sistema da common law americana em face ao da inglesa.

Não são unicamente as regras dos dois direitos que se diferem. Os próprios conceitos se tornaram muitas vezes diferentes, e os dois direitos, inglês e americano, já não se identificam pela sua estrutura. Os juristas americanos formaram-se e organizaram-se profissionalmente de modo diferente dos juristas ingleses; a atitude americana em face do direito inglês não é idêntica a atitude inglesa; a própria teoria das fontes do direito difere, tal como prática, nos dois países.

Por ter evoluído sob a influência de fatores históricos e sociais próprios os Estados Unidos estejam mais afastados da Inglaterra e, talvez, mais próximos da forma de percepção dos países seguidores do sistema germânico-romano. Caso se assim não o fossem, jamais teriam conside-rado - ainda que por um breve momento histórico - as concepções e formatação da sistematiza-ção de códigos na célere busca inicial de consolidação de um direto a ser aplicado em território nacional. Fato este que ainda se faz presente no território da Louisiana que mantém a adesão ao sistema romano-germânico.

Logo, se percebe que certos fatores internos de estrutura, como a própria codificação, e consagração histórica tornaram o sistema do direito inglês puro mais afastado do sistema da common law adotado pelos Estados Unidos, do que do sistema romano-germânico. Não obstante, a família romano-germânica, apresente também sua própria estrutura e singularidade decorrente da sua formação histórica milenar – que a faz essencialmente divergente da família do sistema inglês – foi potencialmente considerada, a partir da defesa pela codificação e sistematização a ser englobada como totalidade do direito do Estado americano, em determinado seguimento de sua importante formação.

40 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 128.

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Em que pese as diferenças da natureza entre os dois sistemas que os afastam, impossível desconsiderar traços e influências, até certo ponto, da família romano-germânica em relação ao sistema americano.Não somente na sua formação histórica, mas, principalmente, no que tange a sua originalidade como sistema jurídico que visa também, no fundo, solucionar questões pro-venientes da vida em sociedade ainda que estruturalmente de modo singular.

É esta particularidade original da civil law - proveniente da família romano-germânica aderida pelos países latino-americanos como o Brasil - que também esta visivelmente presente no sistema norte-americano da common law,que permitiu a introdução de diferentes visões e considerações no que diz respeito à organização e efeitos da Propriedade Industrial nestas nações que se es-tendem em suas instituições econômicas.

Atualmente, independente do sistema ou da família jurídica, a aplicação do direito e, espe-cificamente, da propriedade industrial, fica na dependência do ideal daqueles encarregados de professá-lo. Neste viés, o direito acaba por ser percebido e interpretado a partir direito comparado a outros países estrangeiros, não devendo ser visto só como lei positivada de caráter nacional, mas como instrumento apropriado para manutenção das relações sociais e econômicas interestaduais fazendo reinar um novo tipo de justiça nas sociedades contemporâneas renovadas.

3. A PROPRIEDADE INDUSTRIAL NA ECONOMIA GLOBALIZADA: PERSPECTIVAS DESDE DIREITO NORTEAMERICANO E BRASILEIRO

O potencial de crescimento econômico dos países não está somente vinculado às bases da produção, distribuição e consumo de bens e serviços. O desempenho das economias está vinculado, principalmente, ao retorno financeiro das empresas, no que tange aos investimentos na estratégia de proteção de direitos sobre as tecnologias e signos distintivos.41

A propriedade industrial é instrumento invisível indispensável para a manutenção das empre-sas na relação de competividade com o mercado. Caso contrário, as possibilidades de obtenção e manutenção de lucro diminuem e, consequentemente, os resultados significativamente negativos para economia nacional desmotivam o investimento a inovação à longo prazo.

As coisas, porém, se tornam claras quando você examina a sério o desempenho empre-sarial: os maiores retornos ocorrem sempre nas empresas baseadas na propriedade intelectual, e seu formidável desempenho de lucros decorre diretamente do poder de mercado que a valiosa propriedade intelectual proporciona.

Por esta razão, o processo de proteção da propriedade industrial exige maior atenção, uma vez que poderá determinar os resultados financeiros de uma empresa e, por conseguinte, agregar maior valoração para o estímulo de novos investimentos econômicos, em escala global.

41 BLAXILL; ECKARDT, A vantagem invisível…, cit., p. 133.

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3.1 A VALORIZAÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

Os Estados Unidos da América tem consciência do reconhecimento do quantum que o uso de exclusividade da propriedade industrial conduz à sua economia42. Não por outra razão, que os investimentos em inovação e tecnologia são bastante significativos, podendo, inclusive, ser considerados como um dos maiores do mundo – apenas tendo a China como concorrência em potencial, em razão da sua crescente economia nos últimos anos e investimentos em tecnologia.43 Os norte-americanos têm conhecimento de que o crescimento econômico de qualquer país está extremamente correlacionado ao incentivo à inovação e tecnologia e, principalmente, a eficiente proteção destes impulsos através da propriedade industrial.

Diferente do que ocorre no Brasil, atualmente. O país possui um grande potencial econômico, razão pela qual até o ano de 2015 encontrava-se na 7ª(sétima) posição no ranking dos países mais competitivos na economia mundial44; o seu vasto território associado às diversidades climáticas, de norte a sul, permitem o desenvolvimento de variados setores da indústria, comércio e, inclusive, gastronômico, fazendo com que o país seja sempre eleito para investimento de capital estrangeiro. O turismo é outro setor que foi impulsionado ainda mais após a realização da Copa do Mundo, em 2014, viabilizando ao mundo descobrir as diversas regiões e “brasis” dentro de um só território.

Todavia, a maior parte da população brasileira empreendedora não consegue, ainda, visualizar como a exclusividade da proteção das invenções e das tecnologias pode ser benéfica e auxiliar cada vez mais no desempenho positivo dos negócios.

Em virtude do amplo mercado industrial, o país está aprimorando o campo de inovação e tec-nologia através das indústrias e centros de pesquisa que têm o apoio do governo federal.

Enquanto que na maior parte dos países existe um apoio político- econômico quanto à tutela e investimentos destes órgãos federais para promover uma qualidade e um melhor proveito nos procedimentos para proteção das tecnologias e inovações, a fim de evitar uma extensão à Justiça Federal – e, consequentemente, desafogar o judiciário e gerar um maior incentivo ao empreendedorismo e à economia - no Brasil não há, ainda, esta visão de estímulo neste grau de aproveitamento das invenções, porquanto carece de estímulos quanto à forma e eficácia no que tange a proteção destas inovações e criações intelectuais.

Tal desequilíbrio no incentivo econômico da tutela da propriedade industrial, que provém destes Estados soberanos detentores de diferentes ordenamentos jurídicos, traz reflexos para suas economias nacionais á longo prazo.

A diversidade de sistemas jurídicos nacionais e sua unicidade é a real motivação a ocorrência dos fenômenos jurídicos. Em quase toda a parte, existe um contraste na aplicação do direito que se verifica devido à criação de regras jurídicas diferentes em cada ordenamento, gerando uma dissociação45. A common law americana e a civil law brasileira afastam-se na forma de aplicação das regras jurídicas, não só por terem nascidos em famílias opostas, mas em razão das suas

42 BLAXILL; ECKARDT, A vantagem invisível..., cit., p. 123.

43 BLAXILL; ECKARDT, A vantagem invisível..., cit., p. 120.

44 Informações retiradas do Fórum Econômico Mundial no ano de 2015.

45 SACCO, Rodolfo. Introdução ao direito comparado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 30..

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fontes, que norteiam a sistematização dos seus ordenamentos jurídicos.

3.2 A HIERARQUIA NORMATIVA

Os ordenamentos jurídicos, tanto americano, oriundo da família inglesa da common law, como o brasileiro, proveniente da herança da família romano-germânica, na civil law, são orien-tados de forma unitária mediante a funcionalização das fontes46 de direito.

As fontes são a coluna de sustentação das vértebras de qualquer ordenamento jurídico. Em um primeiro momento, elas são atos de ideologia oriundos da criação do Estado, essenciais para orientar o desenvolvimento e a aplicação do direito em cada um; é a fonte que condiciona a in-terpretação e aplicação do direito, porquanto é fator determinante nos valores culturais e sociais transmitidos sem verbalização em determinado meio social.

A fonte, ao funcionalizar os termos da unidade jurídica,apresenta-se mediante inúmeras di-mensões. Uma das principais formas de fonte é a Constituição dos Estados soberanos, porquanto é o instrumento que define e estrutura o modelo de organização judiciária, política, legislativa e econômica, tomando como base os aspectos histórico-culturais das sociedades. Todavia, não é a única que concede elucidação aos fenômenos jurídicos, visto que existe uma diversidade de natureza de fontes que se proponham a fazer uma descrição não mentirosa do direito para sua aplicação47. Logo, também devem ser consideradas ao lado das Constituições.

Sob esta perspectiva de coexistência de fontes, ao lado das Constituições, está a lei, precedentes jurisprudenciais vinculantes e não vinculantes48 e a interpretação. Em que pese o direito aplica-do seja fruto destas fontes primárias, deve-se considerar o peso da interpretação sobre estas, porquanto existe a transferência de uma série de fatores sociais que transmitem convicções ao interprete na sua leitura que o influenciam nas suas proposições e consequente aplicação do direito.

O papel das fontes, incluindo a interpretação, é crucial para condicionar e conduzir os diferentes ordenamentos nacionais criando resultados jurídicos nos Estados soberanos, que repercutem nas profundezas da sociedade. No caso da propriedade industrial, como ramificação dos direitos de propriedade no sistema brasileiro, pela civil law, é concebida, direcionada e aplicada no mundo jurídico para o mundo real de forma completamente diversa da concepção compreendida na common law americana.

Logo, a fonte jurídica exerce função essencial para nortear as regras de conhecimento e apli-cação dentro da propriedade industrial, em especial do direito das marcas, em um determinado Estado - por meio de seus instrumentos e órgãos federais de fiscalização de suporte -que podem se diferenciar ou se assimilar aos demais.

Tanto a família da common law como a da civil law são compatíveis com a ciência social contem-

46 SACCO, Introdução ao direito..., cit., p. 31.

47 SACCO, Introdução ao direito..., cit., p. 30.

48 No caso da common law americana mediante a regra do staredecisis, em que os juristas americanos não se sentem vinculados aos seus precedentes anteriores ou de outros juízes. (DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 230).

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porânea49. Apesar de cada família do direito apresentar naturezas divergentes quanto à preferência de suas fontes, elas acabaram por se aproximar - no passar dos anos -no que diz respeito à ideia geral de nação e positivismo na construção de seu direito de forma lógica frente suas respectivas necessidades sociais e evoluções50, como foi possível observar.

Contudo, o ponto de desequilíbrio entre as fontes jurídicas americanas e do direito brasileiro deve-se ao cenário evolutivo que cada um destes Estados soberanos tiveram que superar.

Os Estados Unidos formado a partir das treze colônias teve que vencer as limitações culturais para poder incorporar o direito inglês. Ainda que a common law inglesa tenha sido considerada um modelo para os juristas americanos, as condições sociais exigiram uma adaptação afim de que se harmonizasse com o direito americano51. Assim, deixou-se para o passado boa parte da tradição originalmente inglesa.

What has happened, generally, is the marriage of the idea of a common law with that of multiple nation-states, and the marriage has been at times a difficult one. Yet a common law tradition lived with many legal orders during its development in England, so it may still possible to speak of a single common law tradition, since the traditions demands far less in terms of compliance than do other traditions notably slamic. So one can speaks islams, since deviations from such a demanding tradition are so important, yet a single common law traditions, since deviations don´t matter much. The demands of state may fit within a common law environment; they are much more difficult to square with the breadth and sanctity of slamic law. Yet the idea of a single of a single common law tradition has been sorely tried, by national affirmation and national identities52.

Enquanto que o Brasil, como colônia portuguesa, baseou-se nos princípios da civil law prove-nientes da tradição romano-germânica53. Portugal, na época do renascimento dos estudos romanos, incorporou o sentimento, a dignidade e a importância da romanização nas regras do seu direito, sob a influência da escola do direito natural. Contudo, importante, ressaltar que o Brasil, mais tarde, seguiu as inspirações germânicas ao compor uma introdução ao Código Civil em 1916.54

Quando a França invadiu Portugal e a família real portuguesa – evadiu-se de sua pátria – es-tabeleceu-se no território brasileiro, concedendo formação ao Império, houve aceitação natural das concepções jurídicas da família romano-germânica. À medida que a América do sul foi-se desenvolvendo, o direito antes prático, aproximou-se do erudito, na incorporação dos códigos redigidos à semelhança dos modelos europeus55. Ao contrário do que se sucedeu na América do norte, como colônia inglesa, sob influência da common law, não houve resistência e tampouco modificações para aplicação da civil law no território latino.

49 GLENN, H. Patrick. Legal traditions of the world: sustainable diversity in law. New York: Oxford, 2000, p. 41.

50 GLENN, Legal traditions..., cit., p. 43.

51 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p.45.

52 GLENN, H. Patrick. Legal traditions of the world: sustainable diversity in law. New York: Oxford, 2000, p. 229.

53 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p.243.

54 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.35.

55 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p.211.

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Por esta razão verifica-se a importância e influência das fontes na formação de cada direito, independente da tradição jurídica oriunda. A fonte é vista como um instrumento de formação de qualquer ordenamento jurídico relevando como ponto de partida a origem da família de direito e, fundamentalmente, o comportamento humano determinante para a construção cultural de cada sociedade.

As bases de fontes do direito norte-americano, proveniente da common law, são essencial-mente a jurisprudência e o constitucionalismo, a qual vem adquirindo importância, não somente nas raízes da sua Constituição Federal, dotada de uma Declaração dos Direitos (Bill of Rights), mas inspira também a lei, mediante o statutelaw56.

3.3 A ORGANIZAÇÃO DO PODER JUDICIAL

Para o entendimento do sistema das decisões judiciárias – jurisprudência – dentro da estrutura da common law americana, imprescindível se faz compreender a sua organização judiciária. Sob a perspectiva como fonte de direito, a jurisprudência americana se diferencia e muito da inglesa, em razão da ausência de vinculação dos precedentes (staredecisis).

O direito americano apresenta uma estrutura análoga a da common law, uma vez que sua formatação possui pontos de divergência com o direito inglês sob muitos aspectos substanciais. A fundamental diferença recai sobre a organização judiciária americana proveniente do sistema político federativo, que o afasta do direito inglês e o aproxima, em certos pontos, da sistemática judiciária brasileira.

A organização política norte-americana proveio da união de treze colônias independentes e autônomas que, por consentimento, preferiram ser guiadas por uma entidade política comum, mas sem abandonar sua autonomia57. Em razão do seu processo histórico de formação, como colônia inglesa, optaram pelo pacto federativo. Em que pese tal eleição,a sua estrutura viabiliza atribuições respectivas às autoridades federais e aos Estados.

Esta forma de sistematização permite aos Estados da federação a elaboração de suas próprias leis e regulamentos, sendo sua competência considerada como a regra; e a autoridade federal a exceção.

Diferentemente do que se encontra na maioria dos Estados soberanos adeptos ao pacto fede-rativo, a organização judiciária dos Estados Unidos comporta que os Estados tenham sua própria jurisdição não dependendo tão apenas de uma jurisdição federal no cume da hierarquia. Logo, existe uma dupla hierarquia de jurisdições: federais e dos Estados.

O Poder Judiciário brasileiro não compreende uma dupla hierarquia de jurisdição entre juris-dição federal e estadual, como é estabelecido nos Estados Unidos. Os 26 (vinte e seis) Estados

56 legislação nos países da common law, devido as tendências dirigistas tem adquirido uma maior relevância como fonte do sistema da família do direito inglês. Diferente do que se sucedeu na Inglaterra, nos Estados Unidos este fenômeno é não visto como uma novidade, porquanto uma série de fatores contribuíram, após a independência americana, para conceder maior relevância a lei. (DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p.250).

57 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 223.

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A TUTELA COMPARATIVA64

federados brasileiros respeitam a Constituição Federal que está no cume da hierarquia e cada um deles atendem a legislações infraconstitucionais, que não são locais,mas sim aplicadas e observadas em todo território.

No Brasil, a Jurisdição divide-se entre Justiça Comum e a Justiça Especial. Todas as matérias não elencadas na Justiça Especial, ficam sob a ótica da jurisdição comum por exclusão.

Enquanto que no território federativo americano, as jurisdições federais são múltiplas poden-do ser divididas em dois grupos: jurisdições federais de direito comum e as jurisdições federais especiais. O primeiro grupo detém-se a toda matéria não elencada nas jurisdições especiais, na quais são reservadas questões criadas por leis federais diversas, como assuntos da propriedade industrial – licenças e patentes.

A estrutura das jurisdições federais para questões de direito comum é composta, na base hierárquica, por tribunais de distrito para os quais cabe recurso ao Tribunal de Apelações (Courtof Appeals) e, ainda, em última instância, recurso ao Supremo Tribunal Federal58. Enquanto que a formatação dentro das jurisdições federais para assuntos de matéria especial, na maioria dos casos, inicia-se diretamente nos tribunais federais especiais – criados por leis federais – sendo jurisdições substitutivas das jurisdições do Estado nos distritos ou territórios federais.

Estes tribunais federais especiais, na maioria das vezes, possuem competência exclusiva e quando não detém, é possível o autor escolher entre o tribunal especial e o de distrito. Igualmente, é viável que os recursos sejam interpostos aos tribunais federais distritais, como a Courtof Appeals ou, até mesmo, diretamente ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos59.

A organização judiciária das jurisdições dos Estados apresenta uma organização judiciária que lhe é própria, podendo variar de um Estado para o outro a forma de denominação de cada grau de jurisdição e a sua hierarquia comporta essencialmente três graus60: na base há uma jurisdição de primeira instância, um tribunal de recurso intermediário e no topo, o Supremo Tribunal ou pode ser denominado em alguns Estados como CourtofErrors. Há, ainda, em poucos Estados, tribunais especiais de equity61.

Em contrapartida, a organização judiciária brasileira possui o Poder Judiciário concentrado tão somente na capital federal. A sua estrutura é estabelecida e prevista na Constituição Federal de 1988, a qual em seu artigo 9262 da CF apresenta os órgãos essenciais da estrutura do Judiciário: O Supremo Tribunal Federal, O Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais, os Tribunais e Juízes do Trabalho, os Tribunais e Juízes Eleitorais, os Tribunais e Juízes Militares, os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

A partir da composição destes órgãos, há duas Justiças comuns: a Justiça Federal e a Justiça Estadual. À primeira composta por Juízes Federais e dos Tribunais Regionais Federais compete, de

58 DAVID, René. Os grandes sistemas....,cit., p. 269.

59 DAVID, René. Os grandes sistemas..., cit. p. 235.

60 Não são todos os Estados que comportam três graus de jurisdição, alguns apresentam tão apenas dois graus, visto que não detêm de tribunal de recurso intermediário. Cf.: DAVID, Os grandes sistemas..., cit. p. 238.

61 Trata-se de procedimento de análise dos casos particulares quando o Rei. No século XVI, não consegui analisar todas as situações que chegavam à Corte e delegou ao Chanceler tal atividade jurisdicional a certas matérias.

62 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 15 jun. 2015. Artigo 92.

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regra, o julgamento das causas de interesse da pessoa, da União ou em razão da matéria, quando houver incidência de certos casos específicos previstos na Constituição63. Aos Estados-membros competem às questões não incluídas na competência da Justiça Federal comum, bem como na Justiça Federal especiais.

Ademais, a União, o Distrito Federal e os Territórios, e os Estados apresentam Juizados Espe-ciais, os quais são competentes para conciliação, julgamentos e demais procedimentos.64

Além do Supremo Tribunal Federal, cúpula do Poder Judiciário brasileiro, assim colocado no ápice da pirâmide judiciária, temos quatro tribunais superiores: o Superior Tribunal de Justiça - STJ, o Tribunal Superior Eleitoral - TSE, o Tribunal Superior do Trabalho - TST e o Superior Tribunal Militar - STM. Seguem-se os Tribunais de 2º grau: a) Justiça da União: cinco Tribunais Regionais Federais (2” grau da Justiça Federal), dezesseis Tribunais Regionais do Trabalho (2” grau da Justiça do Trabalho, certo que haverá pelo menos um Tribunal Regional em cada Estado e no Distrito Federal (CF, art. 112), pelo que os demais encontram-se em fase de instalação) e vinte e cinco Tribunais Regionais Eleitorais, um em cada Estado e no Distrito Federal; b) Justiça Estadual: vinte e cinco Tribunais de Justiça, oito Tribunais de Alçada (dois no Rio, um criminal e outro cível; três em São Paulo, um criminal e dois cíveis; um em Minas; um no Paraná e um no Rio Grande do Sul) e três Tribunais de Justiça Militar estadual (Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul). Ao todo, pois, são trinta e seis os Tribunais de 2Q grau estaduais.65

No Brasil, os Estados-membros da União não possuem autonomia jurisdicional, como ocorre nos Estados Unidos, nos Estados. Embora cada Estado-membro brasileiro possa ser regido por Constituições próprias e leis estaduais, estas devem observar os ditames da Constituição Federal, enquanto que no território americano, os Estados federados possuem autonomia para regular suas próprias leis e Constituições que podem variar de Estado para outro.

3.4 A APLICAÇÃO DO DIREITO

Tomando como suporte esta estrutura judiciária americana, verifica-se como se dá a base e compreensão deste direito não escrito, o qual é encontrado na declaração dos tribunais de justiça e nos princípios das regras de jurisprudência e é fonte do direito americano.

Embora o direito americano, sendo essencialmente jurisprudencial, desempenhe função idêntica na Inglaterra, o desequilíbrio quanto à estruturação do judiciário americano em relação ao inglês repercute na descentralização do judiciário e, consequentemente, no modo como se dá a elaboração da jurisprudência e sua uniformidade.66

O primeiro aspecto diz respeito sobre a forma como a common law é concebida e aplicada

63 CARNEIRO, Gusmão. Jurisdição e competência. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 159.

64 CARNEIRO, Gusmão. Jurisdição..., cit. p. 65.

65 CARNEIRO, Jurisdição...,cit. p. 68.

66 DAVID, Os grandes sistemas..., cit. p. 243.

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A TUTELA COMPARATIVA66

tanto no âmbito federal como estadual. Se há essa diversidade de jurisdições que acarreta em uma multiplicidade de decisões, muitas vezes pode ocorrer uma divergência entre a liberdade de jurisdição estadual em face da federal no tratamento de situações semelhantes. Tal divergência gerou como solução a aplicação de regras denominadas general common law.67

Ainda que não haja uma concordância generalizada nesta forma de aplicação, o critério elen-cado tomou como princípio a natureza psicológica dos norte-americanos, que antes de pesarem a sua participação como Estado federal, sempre se visualizam, em primeiro lugar, como cidadãos componentes dos Estados Unidos. Esta cultura patriota sobrepesa e contribui na formação da jurisprudência americana.

O segundo aspecto incide sobre o modo de concentração do direito americano, dentro desta estrutura federal do país, que ocasiona uma não uniformidade das decisões jurisprudenciais, que pode gerar uma insegurança nas relações jurídicas, visto que não há vinculação entre os precedentes, inclusive, emanados de um mesmo juiz.

Enquanto que na Inglaterra a justiça inglesa se concentra em Londres, nos Estados Unidos existe uma descentralização da justiça a qual é dispersa entre as jurisdições próprias de cada Estado e a multiplicidade de jurisdições federais em todo território da União e não tão somente na capital federal. É esta difusão na estrutura jurisdicional que viabiliza, por um lado, uma maior flexibilidade nas decisões americanas, deixando para um segundo plano a busca por uma uni-formidade do direito.68

Em suma, pode-se dizer que nos Estados Unidos não há common law federal, mas é necessário corrigir esta afirmação dizendo que os cinquenta direitos judiciários que se encontram nos cinquenta Estados, embora sejam em teoria distintos, são considerados como sendo ou devendo ser idênticos uns aos outros. Esta identidade não cria um conceito de direito federal, mas na realidade, não existe grande diferença entre cinquenta direitos estaduais concebidos como uniformes e um direito único que seria, pelo seu âmbito de aplicação, um direito federal.

Tudo indica que é esta modificação constante da jurisprudência americana, embora por um lado enseja uma insegurança jurídica, por outro, é vista como necessária para diminuir as dife-renças e enfraquecer a regra rígida das decisões muito precisas e vinculantes. O darestates é fruto da estrutura federal americana que alimenta este formato jurisprudencial e afasta o direito americano do inglês.

Na Inglaterra, a regra do precedente é imposta aos juízes de forma rigorosa, devendo ser pormenorizada sua aplicação o menos possível. Nos Estados Unidos, a regra do precedente não é absoluta, sendo observada nas jurisdições Estaduais, enquanto que no Supremo Tribunal dos Estados Unidos existe uma maior flexibilidade interpretativa sobre a Constituição.

67 São consideradas as regras da common law federal aplicadas na ausência de “lei” Estadual.

68 Esta difusão jurisdicional no território federativo que preocupa o direito americano quanto as questões de segurança jurídica nas suas decisões.

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É esta maleabilidade de adaptação constitucional que viabiliza uma melhor adequação, não só as correntes do pensamento, mas também às necessidades econômicas do mundo moderno, uma vez que os Estados soberanos não governam mais restritamente para o desenvolvimento de suas instituições e população nas limitações do território.

Na contemporaneidade, o poder soberano está evidentemente associado ao progresso da nação dentro de um sistema global de investimentos e, portanto, estagnados no tempo, ficam aquelas nações presas ao seu tradicionalismo rigoroso que consequentemente obstruía evolução social, econômico e cultural de um Estado dentro contexto internacional.

Desta forma, percebe-se que não só ao lado da jurisprudência norte-americana como fonte essencial da common law, mas principalmente como instrumento de suporte e controle desta, está a lei escrita representada pela Constituição Federal. que, na verdade

A Constituição Federal dos Estados Unidos, promulgada em 1787, representa não apenas o ato de fundação do país, mas como a fonte primordial do direito americano norteador da própria jurisprudência, porquanto este instrumento de fonte poderoso não se limita a organizar as insti-tuições políticas baseada no sistema federativo, mas viabiliza o diálogo destas instituições com os cidadãos americanos.

Por ser brindada com uma Declaração de Direitos,a Carta demonstra a influência que a es-truturadas fontes do direito americano, embora baseado na common law,teve da escola do direito natural ao incorporar os limites e princípios.Esta inspiração viabilizou a consolidação do pacto social norte-americano, que de certo modo, desconstruiu a ideia inicial empregada pela common law inglesa: antes da solução de um processo (litígio) existem a resguarda e tutela dos direitos dos cidadãos. Logo, a Constituição como lei fundamental estabelece as bases da sociedade estrei-tando os laços entre as instituições governamentais e os norte-americanos na sua posição social.

Logo, o modelo constitucional americano ao conter uma Declaração dos Direitos afasta ainda mais o direito americano do direito inglês, porquanto o sistema da common lawtem resistência a natureza do direito de origem legislativa, por visualizar as leis como fórmulas que estabilizam o direito, sem permitir a evolução na resolução dos doscausus e, assim, do crescimento jurídico. O sistema da common law da forma como é aplicado na Inglaterra considera a lei como peça estranha que poderia obstruir o direito inglês ao invés de auxiliá-lo.

O direito americano, justamente, por perceber a lei escrita, base da Constituição Federal, como uma aliada, revolucionou a forma e a sistemática da common law69. Ao ponderar os princípios e a ordem social em primeiro lugar a fim de garantir o cumprimento do pacto social, a Constituição americana possibilitou a flexibilidade da sua interpretação e o exercício de controle das jurisdições que concebem a common law70.

Assim, mesmo que as jurisdições atuem mediante a regra e aplicação da common law, pode-rá incidir anulação das decisões, pois existe um controle sobre a forma de jurisdição que deve obedecer aos princípios fundamentais dispostos na Constituição aptos a garantir a uniformidade do direito americano.

69 DAVID, Os grandes sistemas..., cit. p. 241.

70 DAVID, Os grandes sistemas..., cit. p. 242.

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A TUTELA COMPARATIVA68

Esta inovação acaba por distanciar o direito americano do inglês e aproximá-lo do direito brasileiro, baseado na civil law. Do mesmo modo que o sistema jurídico brasileiro é formado por elementos românicos que guiam a sua interpretação constitucional mediante o estabelecimento de princípios, o direito americano também sofreu inspirações no decorrer da sua história, que o levaram não somente a resolver litígios, em primeira ordem hierárquica, como o direito inglês.

Para possibilitar a solução dos processos, o direito americano visualizou normas de condutas principiológicas aptas a nortear as relações humanas e a partir de então poder construir a edi-ficação da jurisprudência, assegurando, assim, na medida necessária, a uniformidade do direito americano71.

É esta mesma forma de compreensão que o direito americano possui, que viabiliza a aplicação da common law, dentro da multiplicidade de jurisdições Estaduais e Federais, tendo como suporte uma lei escrita, que é a Constituição Federal – constituída na Declaração de Direitos – reflete para outros setores sociais.

Devido à estrutura jurídica sólida em sua base proveniente das fontes, os Estados Unidos con-seguiram dar apoio e desenvolver sua economia, visualizando que a propriedade industrial, antes de tutelar as criações, inovações e tecnologias oriundas do intelecto, protege, em primeiro lugar, os investimentos e os sonhos do cidadão americano na construção do futuro do país posicionado em escala global.

O Brasil, da mesma forma, a partir de suas fontes principiológicas que estruturam o ordena-mento, poderia espelhar-se positivamente ao sistema americano quanto à tutela das criações intelectuais. Por aplicar o direito proveniente da família romano-germânica - civil law – deveria olhar sob a mesma ótica a fim de possibilitar o desenvolvimento não só da tecnologia e inovação do país, mas acima de tudo: econômico em âmbito internacional.

4. CONCLUSÃO

Com a introdução das empresas na esfera internacional, o campo da inovação e tecnologia adquiriu novo incentivo a sua regular fomentação. Sob a ótica do investidor, quando a criatividade toma forma e sai do papel, o mundo dos negócios e do investimento se abre para novos fluxos comerciais. Esta atratividade da inovação e tecnologia impulsiona o mercado gera um maior crescimento nas empresas e consequentemente induze o desenvolvimento econômico dos países.

Contudo, é na heterogeneidade dos sistemas jurídicos que se verifica a diferentes formas de amparo e tratamento dos direitos da propriedade industrial, que gera resultados de maior ou menor eficiência econômica.

Mediante a análise do comparativo das tradições jurídicas, baseadas especificamente nas famílias romano-germânica e common law, procurou-se verificar nos respectivos berços histó-ricos de formação a essencialidade dos fatores e circunstâncias que influenciaram a diferente semeação dos Estados. Cada família jurídica consolidou-se a partir dos ajustes necessários aos costumes e demais fatos, sendo elementares para apropriada funcionalidade das unidades do

71 DAVID, Os grandes sistemas..., cit. p. 246.

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direito, baseada em suas respectivas fontes.

Os Estados Unidos da América e o Brasil foram os Estados eleitos para esta avaliação, devido as semelhantes circunstâncias históricas de formação como colônias, ainda que tenham tomado outros rumos de formação jurídica. O território americano, sob influência da common law ingle-sa, teve que adequar a aplicação deste sistema inglês a sua nova realidade, caso contrário, as tradições tornar-se-iam inócuas frente as novas necessidades. Por estão razão, abriu as portas às inspirações do racionalismo jurídico e o movimento da codificação.

O Brasil, por sua vez, pela base principiológica da civil law, devido a colonização por países de raízes da tradição romano-germânica, seguiu à risca as bases elementares desta família para sua formação jurídica e, sendo assim, apresenta uma estrutura de direito que o conduz para um caminho divergente daquele percorrido pelo Estado americano.

Desta forma, conclui-se que a persistência destes fortes elementos de cada família foi crucial para formação e consagração das respectivas unidades jurídicas. Como resultado, o valor agre-gado a cada uma destes sistemas contribuiu indubitavelmente para o distinto modo de tutela e percepção da propriedade industrial no desenvolvimento de suas economias bem como de sua eficiência jurídica e econômica.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano IX - No 18 - julho a dezembro de 2015 73

APLICAÇÃO DE LINHA DE VIDA EM OBRAS MULTIFAMILIARES DE CONSTRUÇÃO CIVIL:

ESTUDO DE CASO

Juliana Artifon1

RESUMO

Devido ao aumento da demanda na construção civil nestes últimos anos houve também um aumento no número de acidentes envolvendo traba-lhadores da construção civil. Segundo o Anuário Estatístico do Ministério da Previdência Social no ano de 2013, o Brasil registrou 717.911 acidentes de trabalho, sendo 61.889 somente no setor da construção de edificações. O descuido com a segurança nos canteiros de obra reflete diretamente nas estatísticas de acidentes e mortes, o que põem o setor da construção em 2º lugar com maior número de mortes no país, sendo que uma das principais causas se dá a queda de trabalhadores em diferentes níveis. Muitos acidentes de trabalho poderiam ser evitados mediante ao uso de equipamentos de segurança para trabalho em altura e também mediante a capacitação de todos os profissionais envolvidos na obra, diminuindo as-sim acidentes por queda, em obras e redução nos custos com benefícios aos colaboradores acidentados.

Deste modo, o presente estudo objetiva identificar os principais aspec-tos que contemplam os projetos de linha de vida especificando os tipos de materiais utilizados na execução atendendo a NR 35 Norma Regula-mentadora – trabalho em altura do Ministério do Trabalho e Emprego, e verificar os tipos de linha utilizados nas obras multifamiliar em cidade de médio porte.

PALAVRAS-CHAVE: Segurança em obras; Construção civil; Linha de vida.

ABSTRACT

Due to the increased demand in construction in recent years, there was also an increase in the number of accidents involving construction wor-kers. According to the Statistical Yearbook of the Ministry of Social Se-curity, in 2013, Brazil registered 717,911 accidents, which 61,889 are only in the construction of buildings sector. The neglect of safety in construc-tion sites directly reflected in accident statistics and deaths, which put the construction sector in 2nd place with the highest number of deaths in the country, and a major cause is the falls from heights of workers. Many

1 Aluna do curso de engenharia civil da Universidade de Passo Fundo - UPF. E-mail: [email protected]

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APLICAÇÃO DE LINHA DE VIDA74

workplace accidents could be avoided by the use of safety equipment for working at height and also through the training of all professionals invol-ved in the work, this way reducing the number of accidents by falling from heights and costs with benefits to injured employees. Thus, this study aims to identify the key issues about the Lifelines projects, specifying the types of materials used in the implementation complying with NR 35 Norm - working at height of the Ministry of Labor and Employment, and check the types of Lifelines used in multifamily construction in medium-sized city.

KEYWORDS: Security works; Construction; Lifeline.

1. INTRODUÇÃO

O setor da construção vivenciou nos últimos anos um momento de aquecimento e ritmo elevado das obras, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e o Projeto Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e grandes eventos esportivos internacionais como a Copa do Mundo e em 2016 as Olimpíadas, sendo que a construção civil apresentou crescimento significativo em todo Brasil.

Além da demanda das construções, as obras passaram a ter um prazo de execução reduzidos o que acaba elevando as chances de aumento nos acidentes de trabalho, eis que o mercado exige velocidade das construtoras, que exigem dos trabalhadores, que acabam em situação de maior risco.

Segundo o Anuário Estatístico do Ministério da Previdência Social, publicado na revista prote-ção, o Brasil registrou 717.911 acidentes de trabalho no ano de 2013 em todo território brasileiro, sendo 61.889 somente no setor da construção de edificações.

A Região Sudeste lidera as estatísticas de acidentes sendo mais da metade dos acidentes registrados em 2013 (390.911 ou 54,45% do total).

Em segundo lugar de a ci den talidade a Região Sul, com 158.113 acidentes (22,02% do total nacional). Uma consideração importante é que o Sul não ocupa o segundo, mas sim o terceiro lugar na contratação de trabalhadores com carteira assinada (8.415.302 ou 17,19% do total na-cional), ficando atrás do Nordeste (8.926.710 ou 18,24% do total). Num cálculo simples, a taxa de 1.879 acidentes por 100 mil trabalhadores coloca a região no vergonhoso topo da acidentalidade no ano de 2013.

A Região Nordeste vem em terceiro lugar, com 86.225 acidentes (12,01% do total nacional).

Em quarto lugar, a Região Centro-Oeste aparece com 51.387 agravos (7,16% do total nacional) e por fim, a Região Norte contabilizou, em 2013, 31.275 acidentes (4,36% do total nacional) e 187 mortes (6,69% do total nacional).

Uma das principais causas de acidente de trabalho graves e fatais se deve a eventos envol-vendo quedas de trabalhadores de diferentes níveis, com aproximadamente 40% dos acidentes de trabalho registrados e com cerca de 25% das causas de morte decorrentes de acidentes (REVISTA

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PROTEÇÃO, 2012).

A Norma Regulamentadora NR 35 no seu item 35.1.2 define trabalho em altura como toda atividade executada acima de 2,00 m (dois metros) do nível inferior, onde haja risco de queda.

Visto então, a necessidade de procedimentos para a realização de trabalho em altura que garantam a segurança do trabalhador, em especifico nas construções multifamiliar, que repre-sentam grande parcela em andamento na construção civil no Brasil.

Este trabalho pretende apresentar as formas de aplicação do sistema de linha de vida e pre-venções de acidentes que podem ser adotados para reduzir o número de acidentes e consequen-temente proteger a vida e a saúde dos trabalhadores.

Importa lembrar que o Rio grande do Sul ocupou o 3º lugar em números de acidentes de trabalho 59.627 somente no ano de 2013, totalizando 140 óbitos, sendo que 40% dos acidentes de trabalho registrados e cerca de 25% das causas de morte decorrentes de acidentes se deve a eventos envolvendo quedas de trabalhadores de diferentes níveis. (REVISTA PROTEÇÃO, 2012).

Diante desses resultados preocupantes percebe-se a necessidade da utilização de sistemas de proteção eficientes, e nesse sentido o sistema de linha de vida está sendo adotada em grande parte das obras multifamiliares, por se tratar de um sistema seguro, eficiente e que previne quedas, uma solução preventiva de segurança, de forma a se evitar acidentes para o trabalhador submetido aos trabalhos em altura.

A prevenção é, portanto, a melhor forma de se evitar os acidentes quando adotados equipa-mentos adequados, empregados treinados e capacitados, o sistema de proteção de acordo com projeto cautelosamente definido, tais medidas representam, não somente obediência à lei, mas também economia, produtividade, serviço de qualidade e respeito à vida e aos seus funcionários.

Deste modo, o presente estudo busca atender a necessidade de proteção dos trabalhadores de canteiro de obra, facilitando a utilização, padronização e a qualidade dos sistemas de ancoragem adotados no que se refere à na NR-35 tendo como principal objetivo fazer um estudo das obras da cidade de Passo Fundo para verificar o custo de implantação por metro quadrado do sistema de linha de vida e a utilização da mesma nas obras de construção civil multifamiliar.

2. ACIDENTE DE TRABALHO

2.1 CONCEITO

O acidente de trabalho é definido no art. 19 da Lei 8.213/91 como aquele que ocorre pelo exer-cício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

O art. 21 da Lei 8.213/91 também equipara ao acidente de trabalho: o acidente ligado ao tra-balho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do

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segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação. (FIRETTI, 2013)

2.1.1 ANALISE PRELIMINAR DE RISCOS

A análise preliminar de riscos (APR) é um estudo antecipado e detalhado de todas as tarefas e fazes de trabalho com a finalidade de determinar riscos que poderão acontecer durante a execução.

Assim, é possível criar condições para se evitar, controlar ou conviver em segurança com os riscos e situações avaliados.

A APR é aplicada para uma análise inicial qualitativa, desenvolvida na fase de projeto e de pro-cesso, produto ou sistema, com especial importância para investigação de novos sistemas de alta inovação ou pouco conhecidos, isto é, quando a experiência em riscos na operação é deficiente. Além das características básicas de análise inicial, torna-se útil também como uma ferramenta de revisão geral de segurança em sistemas já operacionais, mostrando aspectos que poderiam passar despercebidos (FARIA, 2011).

Conforme Sherique (2011), a elaboração de uma APR passa por algumas etapas listadas a seguir:

a) Revisão de problemas conhecidos: A busca por analogias ou similaridades com outros sistemas;

b) Revisão da missão a que se destina: Atentar aos objetivos, exigências de desempenho, principais funções e procedimentos, estabelecer os limites de atuação e delimitar o sistema;

c) Determinação dos riscos principais: Apontar os riscos com potencialidade para causar lesões diretas imediatas, perda de função, danos a equipamentos e perda de materiais;

d) Revisão dos meios de eliminação ou controle de riscos: Investigar os meios possíveis de eliminação e controle de riscos, para estabelecer as melhores opções compatíveis com as exigências do sistema;

e) Analisar os métodos de restrição de danos: Encontrar métodos possíveis e eficientes para a limitação dos danos gerados pela perda de controle sobre os riscos;

f) Indicação de quem levará a sério as ações corretivas e/ou preventivas: Indicar responsáveis pela execução de ações preventivas e/ou corretivas, designando também, para cada unidade, as atividades a desenvolver.

2.2 NR-18

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) aprovou por meio da Portaria 3214 de 1978 as Nor-mas Regulamentadoras (NRs) e constantemente vem promovendo suas alterações e publicando novas normas.

As NRs regulamentam e fornecem orientações sobre procedimentos obrigatórios relaciona-dos à segurança e saúde do trabalhador. Essas normas são elaboradas, revisadas e modificadas

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por comissões tripartites específicas compostas por representantes do governo, empregadores e empregados.

A Norma Regulamentadora NR-18 – Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção – estabelece diretrizes de ordem administrativa, de planejamento e de organização tem por objetivo implementar medidas de controle e sistemas de segurança na indústria da construção e medidas de proteção contra queda de altura.

O item 18.13 da referida norma estabelece a instalação de proteção coletiva, onde possa existir riscos de queda de trabalhadores e de materiais, a proteção e vãos e aberturas em pisos, e de elevadores, a instalação de telas para proteção contra projeção de ferramentas e materiais, em todo o perímetro da construção de edifícios, A falta de proteção em situações de risco de quedas de altura consiste na principal causa do elevado número de acidentes fatais no Brasil, vitiman-do centenas de trabalhadores a cada ano, como indicam as estatísticas do MTE do ano de 2013 (PROTEÇÃO, 2015).

2.3 NR-35

A Norma Regulamentadora NR-35 – Trabalhos em Altura – foi concebida como norma geral pela qual estabelece requisitos mínimos e as medidas de proteção para trabalho em altura, en-volvendo o planejamento, a organização e a execução, de forma a garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores envolvidos direta ou indiretamente com esta atividade. (MTE, 2012)

A referida norma adota como princípio de que o trabalho em altura deve ser uma atividade planejada e que a exposição do trabalhador a riscos de queda deve ser evitada. Desta forma, toda execução deve ser avaliada para que diminuam o risco de quedas.

Desta forma, deve-se garantir a segurança, e a saúde dos trabalhadores, envolvidos direta ou indiretamente, envolvendo assim a execução das medidas de segurança aplicáveis e a organização e planejamento conforme medidas abaixo:

a) Medidas para evitar o trabalho em altura sempre que existir meio alternativo de execução;

b) Eliminar o risco de queda dos trabalhadores (priorizar medidas de proteção coletiva);

c) Minimizar as consequências da queda, quando o risco de queda não puder ser eliminado (redes de proteção, cinturões etc.);

Para atividades rotineiras de trabalho em altura o item 35.4.6 da NR 35 descreve que a análise de risco pode estar contemplada no procedimento operacional (POP) que devendo conter no mínimo:

a) Diretrizes e requisitos da tarefa;

b) Orientações administrativas;

c) Detalhamento da tarefa;

d) Medidas de controle dos riscos característicos à rotina;

e) Condições impeditivas;

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f) Competências e responsabilidades.

Além de estabelecer que as atividades não rotineiras devem ser autorizadas previamente por meio de Permissão de Trabalho (PT) e as medidas de controle devem ser evidenciadas tanto nesta como na Análise de Risco, A Permissão de Trabalho deve ser emitida, aprovada pelo responsável pela autorização da permissão, disponibilizada no local de execução da atividade e, ao final, en-cerrada e arquivada de forma a permitir sua rastreabilidade.

3. LINHA DE VIDA

A linha de vida é um equipamento muito importante na segurança de quem trabalha em altura. É um equipamento cuja instalação depende de mão obra qualificada para que funcione corretamente.

Consiste na instalação de cabos de aço, fixado em sua extremidade por grampos pesados, presos a tubos metálicos (Figura 1), com o objetivo de permitir que as pessoas trabalhem em altura com segurança.

Figura 1: Esquema de proteção contra quedas.

Fonte: Autor próprio, 2015.

3.1 TIPOS DE LINHA DE VIDA

Existem as linhas de vida temporárias que montamos, usamos e desmontamos na fase

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da obra em que são necessárias. E existem também as permanentes que são colocadas e perma-necem ao longo da obra. Todos os materiais utilizados nas linhas de vida devem ter a certificação do fabricante e a certificação da sua instalação. Em alguns casos o próprio fabricante autoriza a instalação do seu material, em outros é contratada uma empresa responsável para tal. A equipe instaladora deverá passar por treinamento de trabalho em altura e em procedimentos de insta-lação. (ALTISEG, 2012)

3.2 LINHA DE VIDA HORIZONTAL

O sistema de linha de vida horizontal permite aos utilizadores a liberdade de movimentos ao longo da linha de vida onde existe o risco de queda em altura sem necessidade de se desligar do cabo em nenhum momento (Figura 2). É caracterizada pela sua elevada capacidade de absorção de energias em caso de queda, reduzindo as forças a que os seus pontos de fixação à estrutura base são sujeitos, preservando assim a estrutura.

Este sistema adapta-se a qualquer estrutura base (coberturas ou estruturas metálicas), em qualquer configuração (solo, parede ou misto). Um ou mais trabalhadores utilizam a linha de vida através de um ponto de amarração móvel (deslizador) que está ligado ao cabo em aço inoxidável. (ALTISEG, 2012)

Figura 2: Esquema de proteção contra quedas horizontal.

Fonte: Honeywrll, 2012.

3.3 LINHA DE VIDA VERTICAL

A linha de vida definitiva vertical está desenhada para ser instalada em edifícios e outras estruturas verticais onde os trabalhadores estão expostos ao risco de queda, durante os seus trabalhos ou acesso aos mesmos (Figura 3). A linha de vida vertical incorpora um absorvedor de energia que limita, em situação de queda.

A linha de vida definitiva vertical está desenhada para proteger 1 a 2 trabalhadores em queda simultânea na mesma linha. (ALTISEG, 2012)

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Figura 3: Sistema de proteção contra queda com linha de vida vertical

Fonte: Altiseg, 2003.

4. COMPONENTES DA LINHA DE VIDA

4.1 TUBO METÁLICO

Conforme visto em projeto de estudo foram utilizados tubos metálicos com diâmetro de 3 polegadas, parede de 3mm de espessura com 7 metros de comprimento.

Para instalação dos tubos, primeiramente deverá ser aberto para passagem do cabo de aço, também é necessário que seja efetuada aberturas na laje com para a passagem do tubo metálicos, seguindo conforme o posicionamento do projeto em planta baixa.

Os tubos metálicos devem ser passados dentro das aberturas e fixados através de pinos metálicos na sua extremidade inferior sendo um pino abaixo da laje e outro acima, conforme Figura 04. (PCMAT, 2015)

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Figura 4: Pinos passante no tubo metálico

Fonte: Autor próprio, 2015.

4.2 CABO DE AÇO

Os cabos de aço são dispositivos mecânicos utilizados para muitas finalidades. Sua propriedade característica é de possuir rigidez somente ao logo de seu comprimento, fazendo com que as forças nele aplicadas também estejam na mesma direção, a direção longitudinal do cabo. (CIMAF,2009)

Os elementos componentes do cabo de aço são suas pernas e a sua alma (núcleo). As pernas são constituídas por um conjunto de arames torcidos em forma de hélice, a perna de um cabo também pode possuir um núcleo a ser torcido em torno de um arame central como mostra Figura 5. A função principal da alma de um cabo de aço é de servir de suporte para as pernas, posicionando-as de modo que elas recebam e dividam uniformemente as cargas aplicadas ao cabo. (CIMAF,2009)

Os cabos mais usuais em obras, são os cabos galvanizados com 10mm de espessura e, fiação de 6x19, que representam 6 pernas com 15 a 26 arames em cada perna, conforme Figura 06. Possuem boa resistência à flexão e boa resistência à abrasão.

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Figura 5: Constituição do cabo de aço

Fonte: Cimaf, 2009.

Figura 6: Cabos de aço, 6x19

Fonte: Cimaf, 2009.

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Para a instalação do cabo de aço, uma das pontas deve ser fixada em qualquer tubo, o qual será o início da linha de vida, após essa fixação deve-se passar o cabo totalmente por cada tubo, onde será efetuado o esticamento do cabo. Após a passagem do cabo principal da linha de vida por todos os tubos, deverá então ser passado o cabo de redundância por fora do tubo e preso dos dois lados do cabo pelos grampos pesados, determinado dessa forma a setorização do sistema.

4.3 GRAMPOS/CLIPS

Os grampos também conhecidos como clips, são acessórios para cabos de aço que possui seu corpo fabricado em aço fundido e a haste de fixação em aço maleável, dando maior resistência ao torque de rosqueamento. (ACRO, 2015)

a) Grampo tipo pesado:

Os grampos tipo pesado são utilizados na construção de laços de cabo de aço possibilitando a formação de olhais para firmar o cabo. São altamente resistentes, compatíveis para suportar a fixação dos cabos. (ACRO, 2015)

Os grampos devem ser fixados em número de 3 (figura 07) em todos os pontos de encontro e de redundância do sistema de linha de vida, esses devem ser virados para o lado comprido do cabo, com espaçamento de no mínimo 10cm entre si conforme figura 8.

Figura 7: Locação dos grampos

Fonte: Autor próprio, 2015.

Figura 8: Fixação de cabo de aço com grampos

Fonte: Cimaf, 2009.

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5. PREVENÇÃO CONTRA QUEDAS

Qualquer atividade executada acima de 2,00 metros da superfície de referência e que ofereça risco de queda é considerado trabalho em altura. (MTE, 2012)

5.1 ZONA LIVRE DE QUEDA

Define-se zona livre de queda (ZLQ) a distância mínima medida desde o dispositivo de ancora-gem até o nível do chão ou obstáculo significativo mais próximo. (MTE, 2012).

O cálculo deve considerar o espaço de 1,0 metro como segurança entre os pés e o nível infe-rior e mais 1,5 metro correspondente a distância entre os pés e o ponto de conexão do sistema com o cinto paraquedista. Além disso, ainda devem ser somados os comprimentos do talabarte e do absorvedor de energia (totalmente aberto), caso este esteja presente. (MTE, 2012). A Figura 9 ilustra o cálculo.

Figura 9: Sistema de proteção contra queda com linha de vida

Fonte: Manual do trabalho seguro, 2014.

5.2 FATOR DE QUEDA

É a relação entre a altura de queda do trabalhador e o comprimento do talabarte, (Figura 8). Pela fórmula abaixo podemos obter o valor:

Onde: hQ é a altura de queda (em metros) e CT é o comprimento do talabarte (em metros)

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Essa relação determina o quanto a queda irá impactar no sistema de absorção de energia e, de forma prática, é possível dizer que quanto mais alto for a ancoragem menor será o fator de queda. (ULTRASAFE, 2013)

Para fator de queda menor que 1 existe segurança no sistema e, em caso de queda, o traba-lhador sofrerá no máximo um susto, porém sem nenhum tipo de lesão. Para fator de queda igual a 1 já se exige atenção pois, em caso de queda, o trabalhador necessitará ajuda. Para fator de queda igual a 2 o trabalhador possivelmente sofrerá perda de sentidos, em caso de queda, exi-gindo, portanto, cuidados especiais. Fator maior que 2 implicará morte e, portanto, nunca poderá ocorrer conforme Figura 10. (HONEYWELL, 2013)

Figura 10: Fator de queda

Fonte: Ultrasafe, 2013.

6. EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL PARA TRABALHO EM ALTURA EM LINHA DE VIDA (EPI’S)

A utilização de equipamentos de proteção faz parte da exigência da NR-35 e deve estar em conformidade com a NR-6 Norma Regulamentadora - Equipamento de Proteção Individual – EPI do Ministério do Trabalho e Emprego

Conforme a NR-6 os equipamentos de proteção individual deverão ser utilizados sempre que as medidas gerais não forem suficientes e completas para a proteção contra os riscos de aciden-tes ou enquanto as medidas de proteção coletiva estiverem sendo implementadas ou ainda para atender situações emergenciais.

É importante destacar que, conforme subitem 18.23.1 da NR-18 a empresa é obrigada a fornecer aos trabalhadores, gratuitamente, EPI adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e fun-cionamento, consoante às disposições contidas na NR 6 – Equipamento de Proteção Individual - EPI.

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A escolha dos EPIs corretos deve ser feita por profissional capacitado e deve considerar os seguintes aspectos: (FE, 2012)

a) Tipo de atividade a ser executada

b) Tempo de exposição aos riscos

c) Gravidade e frequência dos acidentes

d) Condições do local de trabalho e das regiões próximas

e) Ergonomia (estrutura física do trabalhador)

f) Tipos de danos aos quais os trabalhadores ficarão expostos em caso de acidente

g) Acessórios adequados à tarefa

h) Influências externas, etc.

Como qualquer outra atividade, ao receber os EPIs estes devem ser inspecionados antes de qualquer atividade, recusando-se os que apresentam defeito ou deformações como previsto no item 35.5.2 da NR-35.

Para trabalhos em altura existem inúmeros equipamentos que são imprescindíveis para manter a segurança do trabalhador. A Figura 11 ilustra, de forma simplificada, o esquema necessário para proteção contra queda.

Figura 11:EPI para trabalho em altura

Fonte: Honeywell, 2012.

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6.1 CINTURÃO DE SEGURANÇA TIPO PARAQUEDISTA

O cinto do tipo paraquedista tem como principal objetivo reter o trabalhador em caso de queda e distribuir as forças tanto de sustentação como de parada sobre partes específicas do corpo: coxas, cintura, ombros e peito. Assim, os impactos são menores e conferem proteção ao traba-lhador em caso de queda. O talabarte e fixado em argolas que devem ser presa nas costas e/ou no peito, conforme ilustra a figura 12.

O cinto de segurança tipo paraquedista deve ser utilizado em atividades a mais de 2,00m (dois metros) de altura do piso, nas quais haja risco de queda do trabalhador. (NR-18).

Figura 12: Cinturão tipo paraquedista

Fonte: Alpimonte, 2012.

6.2 TALABARTE DE SEGURANÇA

Em caso de acidente o talabarte duplo em forma de Y, confeccionado em cadarço de material sintético tubular com elástico interno e com absorvedor de energia, dotados de três mosquetões de segurança, de dupla trava, confeccionados de aço, sendo dois numa das extremidades e junto ao absorvedor de energia, ambos reforçados através de costuras, (Figura 13). (ALTISEG, 2012)

Conforme o item 35.5.5.2 o trabalhador deve permanecer conectado ao sistema de ancoragem durante todo o período de exposição ao risco de queda.

Figura 13: Talabarte de segurança em “Y”

Fonte: Alpimonte, 2012.

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O talabarte deverá ser fixado acima do nível da cintura do trabalhador visando restringir a altura de queda e minimizar as chances de colisão com estruturas inferiores.

Os pontos de ancoragem devem:

a) Ser selecionados por profissional legalmente habilitado;

b) Ter resistência para suportar a carga máxima aplicável;

c) Ser inspecionados quanto à integridade antes de sua utilização.

6.3 CAPACETES

Os capacetes para trabalho em altura, embora ainda não normatizado, de preferência devem possuir jugular (Figura 14) para que não se desprenda da cabeça em caso de queda e em situações em que o trabalhador necessitar abaixar a cabeça. Devem possuir boa resistência a impactos de queda e de objetos.

Figura 14: Capacete com jugular

Fonte: Protocap, 2012.

Cabe salientar, que é imprescindível o uso de calçados de segurança, tipo botinas para qual-quer trabalho em altura.

7. MANUTENÇÃO E CUIDADOS DOS EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL (EPI’S)

Para uma melhor durabilidade, resistência e vida útil dos equipamentos de proteção indivi-dual, alguns cuidados devem seguir para proporcionem a correta proteção. A seguir são listadas algumas recomendações para a manutenção correta dos EPIs: (ALTISEG, 2012)

a) Realizar inspeção visual periódica procurando desgastes e deformações.

b) Armazenar em local seco, arejado e principalmente limpo.

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c) Seguir as orientações do fabricante para realização de limpeza e lavagem

d) Proteger os EPIs durante o transporte e protegendo-o contra impactos e de substancias químicas.

e) Observar que fibras sintéticas também sofrem envelhecimento mesmo quando não utilizadas e atender as recomendações do fabricante em relação à lavagem.

Atentar para o desgaste natural ou prematuro de todos os EPIs e equipamentos utilizados e, se necessário, providenciar a substituição.

8. CUSTO DE PRODUÇÃO

Para se chegar ao custo de implantação do sistema de linha de vida por 1m² (um metro qua-drado de obra), foi verificado todo o material necessário para a instalação do sistema, bem como a mão de obra necessária para a montagem e desmontagem do sistema durante a obra. Esse orçamento foi realizado no mês de novembro de 2015, onde através desses custos foi elaborada uma planilha do Micrsoft Excel. (Tabela 1)

Após esse orçamento foi verificado a metragem total da obra e divido o valor pela metragem chegou-se ao custo de R$/m². (tabela 2)

Os fornecedores dos tubos metálico 3” espessura de 3mm e 7 m de comprimento e das cantoneira metálicas 50x50x3mm, comprimento de 2,45m foram orçados na empresa Açofer, os grampos do tipo pesado para cabos de 10m (3/8”), parafusos 10mm espessura e 13 cm de comprimento com porca, parabolt de bitola 1/2” com esp. 10 cm e a barra de aço de 10mm foram orçados na empresa Zamil e o Cabo de com alma de fibra e fiação 6x19 com espessura de 3/8” na empresa JR Cimentos.

O custo da mão de obra foi orçado através do software PLEO (Planilha Eletrônica de Orçamentos).

Tabela 1: Discriminação do custo para aplicação a linha de vida

Fonte: autor próprio, 2015.

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Tabela 2: Discriminação do custo de implantação de 1m² de linha de vida

Fonte: autor próprio, 2015.

9. CONCLUSÃO

O objeto deste trabalho foi verificar os procedimentos para a aplicação e a utilização do sistema de linha de vida em atendimento a NR-35 e NR-18, com a finalidade de evitar qualquer exposição dos colaboradores a riscos de trabalho em altura.

Em visita a obras na cidade de Passo Fundo, percebemos a preocupação aos procedimentos a prevenção de acidentes, principalmente o risco por queda, o sistema de linha de vida é muito eficiente para que este risco seja amenizado, no entanto, percebe-se que apesar da exigência de projeto e procedimentos de segurança elaborados nos PCMAT das obras, constatou-se que em algumas obras a execução difere totalmente do projeto, quanto às especificações técnicas dos materiais bem como a forma de implantação do sistema. Esse tipo de situação coloca em risco a segurança dos trabalhadores e, em alguns casos, constitui risco grave ao trabalhador. Salienta-se a importância da conscientização, por parte das empresas e dos trabalhadores o uso adequado dos EPIs para a prevenção de acidentes.

O custo para a aplicação do sistema de linha de vida foi calculado na cidade de Passo Fundo/RS foi de R$ 3,72 por 1 m² (metro quadrado), valor que pode ser considerado extremamente baixo em relação ao seu custo benefício, pois a prevenção aos acidentes por queda, reduzindo assim o número de óbitos por queda.

O sistema de linha de vida possui outra vantagem que é a reutilização de praticamente todos os componentes por se tratarem de material em aço, com exceção aos clips que devido ao aperto e reaperto perdem sua funcionalidade, sendo assim facilmente desmontada e utilizada em outro lugar, não comprometendo a utilização e eficiência do sistema de linha de vida, desde que seja novamente montado de maneira correta, sendo assim as peças não precisam ser substituídas facilmente, podendo ser considerado um excelente investimento, pois protege a vida e a integri-dade dos funcionários.

Importante que para garantir a eficiência e eficácia do sistema de linha de vida é imprescindível o comprometimento de todos os setores envolvidos, visto que a segurança depende de todos nós.

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10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACRO CABOS DE AÇO. Grampos. Disponível em:< http://www.acrocabo.com.br/grampo-grampos.php>. Acesso em: 20/08/2015.

ALPIMONTE. Equipamentos de segurança. Disponível em:<http://www.impactomg.com.br/loja/index.php?cPath=70_16>. Acesso em: 20/08/2015.

ALTISEG. Cartilha de Segurança: NR-35 Trabalhos em Altura, Altiseg, 2012. Disponível em: <http://pt.slideshare.net/evaldojuniotst/cart-altiseg-trabalho-em-altura>. Acesso em: 15/08/2015

ANALISE PRELIMINAR DE RISCOS. Disponível em: <http://www.excelenciaemgestao.org/portals/2/documents/cneg8/anais/t12_0489_2600.pdf >Acesso em: 16/08/2015

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Proteção de estruturas contra descargas atmosféricas: NBR 5419. Rio de Janeiro: ABNT, 2001.

CIMAF. Manual técnico de cabos 2009. Disponível em: <http://www.cimafbrasil.com.br/adm/publicacoes/espec_rev250110.pdf > Acesso em: 16/08/2015

EMPRESA DE TECNOLOGIA E INFORMAÇÕES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (ETIPS). Anuário Estatístico do Ministério da Previdência Social de 2013 (AEPS- 2013), 2013.

FIRETTI, V. L. Trabalho em altura: legislação, solução e análise de risco para instalações de calhas em telhados. 2013. 38 f. Dissertação (Monografia de especialização) – Universidade tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, Curitiba - PR.

HONEYWELL. Disponível em:<http://www.honeywellsafety.com/BR/Training_and_Support/PROTE%C3%87%C3%83O_CON-TRA_QUEDA__FALHA_N%C3%83O_%C3%89_UMA_OP%C3%87%C3%83O.aspx> Acesso em: 13/08/2015

NORMA REGULAMENTADORA 6 – NR6. Equipamento de Proteção Individual - EPI. Disponível em: <http://acesso.mte.gov.br/legislacao/normas-regulamentadoras-1.htm>. Acesso em: 03 de agosto de 2015.

NORMA REGULAMENTADORA 18 – NR 18. Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção. Disponível em: <http://acesso.mte.gov.br/legislacao/norma-regulamentadora--n-18-1.htm>. Acesso em: 03 de agosto de 2015.

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ESTUDO DO COMPORTAMENTO DOS CONSUMIDORES DE PRODUTOS VERDES:

APLICAÇÃO DA ESCALA ECCB

Laucia Ananda Krein1

Alexandre de Melo Abicht2

Alessandra Carla Ceolin3

Maurício Moreira e Silva Bernardes4

RESUMO

O presente artigo objetiva identificar o comportamento dos consumidores em relação ao consumo de produtos verdes. Informações sobre o per-fil dos respondentes, os produtos e frequência de compra, a Escala de Comportamento Ecologicamente Consciente do Consumidor (ECCB) fo-ram analisados. A pesquisa caracteriza-se como descritiva e quantitativa, onde 127 funcionários da operadora de planos de saúde responderam o questionário. Como resultados, encontrou-se que 98% consomem produ-tos verdes e que existe consciência ambiental por parte dos consumidores no momento de decisão de compra, mas seu nível varia em conforme fator avaliado e há obstáculos para a aceitação desses produtos pelos consu-midores.

Palavras-Chave: Comportamento do Consumidor; Marketing Ambiental; Produtos Verdes; Consciência Ambiental; ECCB.

ABSTRACT

This article aims to identify the behavior of consumers in relation to con-sumption of green products. Information about the profile of respondents, products and purchase frequency, Ecologically Behavior Scale Conscious Consumer (ECCB) were analyzed. The research is characterized as des-criptive and quantitative, where 127 employees operating health plans responded to the questionnaire. As a result, it was found that 98 % consu-me green products and that there is environmental awareness by consu-mers when buying decision, but their level varies as assessed factor and there are obstacles to the acceptance of these products by consumers.

Key-Words: Consumer Behavior; Environmental Marketing; Green Pro-ducts; Environmental Awareness; ECCB.

1 Especialista em Gestão Empresarial pela UNISC.

2 Doutorando em Design – PG-Design pela UFRGS. Mestre em Agronegócios pela UFRGS. Graduado em Administração de Empresas pela ULBRA-SM. Consultor empresarial junto ao SEBRAE-RS. Professor do Curso de Administração da Faculdade CNEC Gravataí e da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

3 Doutora e Pós-doutora em Agronegócios pela UFRGS. Mestra em Ciências da Computação pela UFRGS. Graduada em Ciência da Com-putação pela UPF. Professora do Departamento de Administração da UFRPE.

4 Pós-doutor em Design pelo IIT. Doutor e Mestre em Engenharia Civil pela UFRGS. Graduado em Engenharia Civil pela UFAL. Professor Associado do PG-Design da UFRGS.

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1. INTRODUÇÃO

A preocupação com o meio ambiente emergiu na segunda metade do século XX, momento em que as consequências da degradação da natureza passaram a ser mais percebíveis, a citar como exemplos a diminuição das florestas, crise energética e a contaminação de solo, água e ar com efeitos nocivos à saúde humana. Zenone (2006) afirma que a deterioração dos recursos naturais tem um reflexo social com a redução da qualidade de vida das pessoas, o aumento da marginalidade, desigualdade de renda, dentre outros.

De acordo com Dias (2011), a inquietação sobre questões ambientais começaram a ter destaque nos Estados Unidos no ano de 1962 com a publicação do livro A primavera silenciosa, de autoria de Rachel Carson, o qual tinha como temática os efeitos negativos dos agrotóxicos. O esgotamento dos recursos naturais estimulou o surgimento da gestão ambiental, reflexo da preocupação das organizações com a preservação da natureza e minimização dos impactos ambientais.

O Relatório de Desenvolvimento Humano 2013 aponta as ameaças ambientais como um dos impedimentos mais graves para o incremento do desenvolvimento humano e suas consequências refletem na elevação da extrema pobreza (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2013). Relatórios como este, assim como diversas pesquisas, conferências e seminários, trazem cada vez mais à tona as consequências das ações humanas no meio ambiente e o reflexo deste impacto.

Estes eventos, assim como os resultados de pesquisas e demais discussões sobre o assunto, são apresentados pelos meios de comunicação, importante influenciador de opiniões. Graças ao avanço da tecnologia da informação, a população recebe estas e tantas outras informações em maior quantidade, qualidade e de forma mais rápida e econômica. Este contexto acaba refletindo em um consumidor cada vez mais informado e exigente nos mais diversos aspectos.

As organizações, por outro lado, mesmo considerando o fator ambiental em suas estratégias e ações, não podem deixar de preocupar-se com sua situação econômico-financeira, como também sua atuação no mercado. Assim sendo, cabe ao marketing ambiental gerir a relação consumo e meio ambiente, sem desconsiderar os objetivos da organização.

Para tanto, algumas empresas passaram a investir em um mercado voltado para o consumo verde, oferecendo produtos que geram um menor impacto ao meio ambiente, tanto na escolha das matérias-primas, processo de fabricação, embalagens, dentre outros. Entretanto, cabe refletir se no momento da compra o aspecto ambiental influencia a decisão do consumidor, de tal modo que ele opte por estes produtos ao invés dos similares. Assim sendo, o presente artigo tem como objetivo identificar o comportamento dos funcionários de uma Operadora de Plano de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul em relação ao consumo de produtos verdes.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 MARKETING AMBIENTAL

O aumento exponencial da população mundial, o consumo excessivo e o uso de processos e

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tecnologias de produção que não prezam pela preservação dos recursos naturais desencadeiam sérios problemas ambientais, que interferem diretamente na saúde e qualidade de vida das pes-soas, assim como dos demais seres vivos do planeta (DIAS, 2011).

A humanidade levou muito tempo para perceber o impacto de suas atividades na natureza: até a década de 1970 a proteção ambiental era vista “[...] como uma questão marginal, custosa e muito indesejável [...]” diminuindo, assim, a competitividade das empresas. Foi na década seguinte que as organizações com uma visão mais evoluída passaram a considerar os gastos com o meio ambiente como investimentos no futuro, e, desta forma, também como vantagem competitiva (CALLENBACH et al., 1995, p. 25).

Analistas de tendências afirmam que os 1990 foram a Década da Terra, em que o meio ambiente era o assunto mais importante no mundo, envolvendo inclusive as empresas. Cabe aos profis-sionais de marketing terem consciência em relação à escassez de matérias-primas, aumento do custo da energia, pressões antipoluição e a intervenção dos governos na preservação ambiental (KOTLER; ARMSTRONG, 2003, KOTLER; KELLER, 2006).

Perante o contexto, nasce o marketing ambiental também denominado de ecológico, verde, sustentável e ecomarketing, que trata da relação consumo e meio ambiente, em um cenário em que o consumidor está consciente da importância da preservação dos recursos naturais, sem desconsiderar os anseios das organizações. Desta forma, [...] a atuação do marketing se baseia na busca de soluções racionais para o problema de tornar competitivos produtos que de uma forma ou de outra terão que incorporar no preço os custos ecológicos, o que cria a necessidade do entendimento dos problemas ambientais, que acabarão levando de qualquer forma à mudança de comportamento de consumidores, das empresas e, consequentemente, do próprio marketing (DIAS, 2011, p. 19).

Há diversos fatores, segundo Dias (2011), que justificam a necessidade de o marketing estar relacionado às causas ambientais, dentre eles: a) o aumento do consumo que, por consequência, gera um acréscimo na fabricação de produtos. Com isto, cresce a utilização dos recursos naturais e a geração de resíduos; b) Ampliação do número de consumidores que exigem produtos que não sejam nocivos à natureza e/ou orgânicos (sem uso de agrotóxicos); c) Rigor da legislação ambiental.

O marketing ambiental também pode evocar alguns sentimentos nos consumidores, dentre eles: [...] (a) aprovação social por parte da sociedade pela escolha de determinadas marcas associadas a causas sociais; (b) o autorrespeito, que ocorreria quando a marca fizesse o consumidor se sentir bem com ele mesmo, por exemplo, no momento em que sentisse orgulho ou satisfação pela esco-lha de determinada marca (HOEFFLER; KELLER, 2002 citado por MONTEIRO et al., 2012, p. 6-7).

2.2 COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR

As organizações estão constantemente buscando alternativas de comunicar-se com o mer-cado de forma a apresentar que seus produtos e/ou serviços podem atender as necessidades e desejos dos consumidores (GARCIA et al., 2011). Porém, para serem eficazes, as empresas devem conhecer o comportamento do consumidor, que compreende “[...] os pensamentos, sentimentos

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e ações dos consumidores e as influências sobre eles que determinam mudanças” (CHURCHILL; PETER, 2010, p. 146).

Solomon (2011, p. 33) amplia esse conceito, afirmando que o comportamento do consumidor é “[...] o estudo dos processos envolvidos quando os indivíduos ou grupos selecionam, compram, usam ou descartam produtos, serviços, ideias ou experiências para satisfazer necessidades e desejos”.

A importância do conhecimento das motivações que levam aos comportamentos humanos desencadeou estudos sobre o comportamento do consumidor, que iniciaram no final da década de 1950 (LOPES; SILVA, 2011). Atualmente, dois dos assuntos mais pesquisados na literatura de marketing referem-se às características individuais de cada consumidor e a sua influência em seu comportamento (TAMASHIRO et al., 2009).

As características pessoais, como “[...] idade e estágio do ciclo de vida, ocupação, situação financeira, estilo de vida, personalidade e autoimagem” e os fatores psicológicos “[...] motivação, percepção, aprendizagem e crenças e atitudes” (Kotler; Armstrong, 2003, p. 125, 128) influenciam as decisões de compra do indivíduo.

Além destes aspectos internos, o processo de compra, conforme Churchill e Peter (2010), recebe influências do ambiente externo, que inclui as: a) Sociais, através da cultura, subcultura e classe social; b) De Marketing, no qual os elementos do composto de marketing (produto, preço, praça – distribuição e promoção – comunicações) afetam o processo de compra; c) Situacionais, que inclui o ambiente físico (como a localização do estabelecimento), ambiente social (as outras pessoas), tempo (horário, estação ou dia da semana), tarefa (razões gerais ou específicas para realizar a compra, como os usos para o produto) e condições momentâneas (a citar como exemplo o humor).

Quando se trata de responsabilidade socioambiental, o fator cultural é apontado como uma das influências mais expressivas. A cultura é composta por um “[...] conjunto de valores, ideias, artefatos e outros símbolos significativos que ajudam os indivíduos a se comunicar, a interpretar e a avaliar como membros de uma sociedade” (ENGEL, BLACKWELL E MINIARD, 2000 citado por GARCIA et al., 2008, p. 79).

Estudos de marketing desenvolveram vários modelos para demonstrar o processo de decisão de compra, um deles é o modelo de cinco estágios, representado na figura 1. Segundo Kotler e Keller (2006), nem todos os processos de compra contemplam as cinco etapas, sendo assim, é possível pular ou inverter algumas delas. De qualquer forma, este modelo é considerado uma boa referência para entendimento desse processo.

FIGURA 1 – Modelo de processo de compra do consumidor. Fonte: Churchill e Peter, 2010, p. 146.

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Essas etapas são descritas por Churchill e Peter (2010) da seguinte maneira:

a) Reconhecimento da necessidade, o qual pode ser uma sensação interna como as fisiológicas ou estímulos externos, como as tendências do mundo da moda;

b) Busca de informações é a etapa em que o consumidor busca informações sobre como satisfazer a necessidade identificada. Essa busca pode ocorrer em cinco fontes básicas: in-ternas (memória), de grupos (consultar outras pessoas), de marketing (ações de marketing), públicas (como pesquisas realizadas por organizações independentes) e de experimentação (dos produtos, como o cheiro e degustação);

c) Avaliação de alternativas, na qual o consumidor identifica e avalia qual das opções encon-tradas melhor satisfaz sua necessidade, analisando os benefícios e custos de cada opção;

d) Decisão de compra, que é o momento de decidir pela compra ou não;

e) Avaliação pós-compra, que pode ocorrer formal ou informalmente, é quando o consumidor avalia se o produto ou serviço adquirido satisfaz sua necessidade, refletindo se os benefícios recebidos foram maiores ou menores em relação ao custo.

2.3 CONSUMO VERDE

A Sociedade ou Cultura do Consumo, que marcou o período pós Segunda Guerra Mundial, teve seu início nos Estados Unidos pelos anos 1920, década marcada pelos resultados de uma revolução econômico-industrial ocorrida nos anos 1880, em que os principais marcos foram:

[...] bens produzidos de forma padronizada, em quantidades elevadas e custo baixo, cujo ex-poente máximo foi o modelo fordista da linha de montagem. A mudança é brutal, pois a identidade do consumidor vai depender bem mais de suas posses e consumo aparente do que de seu caráter (SCHWERINER, 2006, p. 139-140).

De acordo com o mesmo autor, a Sociedade de Consumo tem um lado positivo no que diz respeito ao aumento da produção, da lucratividade e do emprego. Todavia, há um lado negativo, o desperdício violento, que é o motor do consumismo. Esta preocupação com os impactos do consumismo e das atividades humanas no meio ambiente fez como que se consolidasse um novo tipo de consumidores, os chamados verdes ou ecológicos, os quais manifestam suas preocupações com os recursos naturais em seu comportamento de compra. Eles buscam produtos que causam menos impactos negativos à natureza e os que são fabricados por empresas ambientalmente responsáveis (DIAS, 2008).

De acordo com Ottmann (1998) citado por Giuliani (2004, p. 45), o produto ecológico ou verde é aquele “[...] cuja performance ambiental e social é significativamente melhor do que as corres-pondentes ofertas convencionais ou concorrenciais”. Isto é, não existe produto completamente verde, já que em qualquer processo consomem-se matérias-primas e geram-se resíduos, inclu-sive após a venda.

Mais detalhadamente, Ottmann (1994), Jöhr (1994) e Schmidheiny (1992) citados por Motta e Rossi (2011, p. 119) afirmam algumas características de um produto ecológico:

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[...] fabricado com a quantidade mínima de matérias-primas e com matérias-primas reno-váveis, recicláveis e que conservem recursos naturais no processo de extração; fabricado com a máxima eficiência energética e de utilização de água e com o mínimo despejo de efluentes e resíduos; envasado em embalagens mais leves e mais volumosas; ser concentrado, mais durável, prestar-se a múltiplos propósitos, ser mais facilmente consertado, ter maior eficiência energética e conservar recursos naturais quando utilizado, ser reciclável, reutilizável e biodegradável, poder ser refabricado e ser substituído por refil.

O produto orgânico é, talvez, o produto verde mais conhecido. Ele é o produzido por meio da agricultura orgânica, a qual consiste em um sistema de manejo sustentável da produção que, dentre outros aspectos, leva em consideração a preservação ambiental. Alguns de seus princípios são: o melhor aproveitamento e conservação dos recursos naturais, a não utilização de agrotóxi-cos, aditivos artificiais, antibióticos, hormônios e demais contaminantes intencionais (ALMEIDA et al., 2000).

Apesar da definição acerca do que é um produto verde, Palhares (2003) citado por Capelini (2007), afirma que para que estes sejam adquiridos, os consumidores precisam conseguir per-ceber suas vantagens. Contudo, muitas vezes, eles mesmos não tem noção dos impactos que os produtos que consomem causam à natureza e o que se deve exigir das empresas (DONAIRE, 2006). A responsabilidade ambiental do consumidor é composta por sete dimensões:

[...] opiniões e crenças do consumidor sobre a relação humana com o meio ambiente, cons-cientização sobre impactos ambientais do consumo, disposição para agir para proteger o meio ambiente, atitudes relativas a remediar problemas ambientais, ações de consumo ecologicamente responsável, habilidade de agir em defesa do meio ambiente e conhecimento a respeito das questões ecológicas (STONE, BARNES E MONTGOMERY, 1995, citados por RIBEIRO, VEIGA, 2001, p. 46-47).

Conforme Gummesson (2005) citado por Zenone (2006), estudos demonstram que 84% da po-pulação americana preocupa-se com a situação atual da natureza e que essa preocupação inter-fere em seus hábitos de compra; 54% leem a embalagem para verificar se produto agride o meio ambiente e 57% procuram adquirir produtos e embalagens fabricados com material reciclável.

Aos poucos, esse comportamento também está sendo identificado entre os brasileiros. Contu-do, em países em desenvolvimento, como o Brasil, o poder aquisitivo nem sempre acompanha o desejo pela compra de produtos ecologicamente corretos que, normalmente, possuem um preço mais elevado (Aligleri, n.d.). Pesquisa realizada pela consultoria GfK em 2012 sob encomenda da revista Consumidor Moderno revela que 27% dos entrevistados apontaram que dão preferência a marcas/empresas que defendem alguma causa (ambiental e/ou social) mesmo que o preço do produto seja maior que de similares e 57% afirmam que dão preferência para essas marcas/empresas desde que o preço seja semelhante aos demais.

3. MÉTODO DE PESQUISA

Para atingir os objetivos propostos neste trabalho, o método de estudo contempla uma pesquisa descritiva e quantitativa. Descritiva é um “tipo de pesquisa conclusiva que tem como principal

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objetivo a descrição de algo – normalmente características ou funções do mercado” (MALHOTRA, 2006, p. 102). O autor também afirma que essa modalidade caracteriza-se como pré-planejada e estruturada.

Quantitativa significa que se procura quantificar dados como uso de análises estatísticas (MALHOTRA, 2006). Para tanto, aplicou-se um questionário com questões fechadas de múltipla escolha, em que os respondentes expressaram suas opiniões conforme as alternativas apresen-tadas. Os meios utilizados foram: uma pesquisa bibliográfica que se caracteriza por ser um estudo sistematizado baseado em materiais já publicados, acessíveis ao público em geral (VERGARA, 2010); e um questionário.

O questionário aplicado possui 27 perguntas fechadas divididas em três blocos: 7 questões referente ao perfil do respondente, 3 sobre o consumo de produtos verdes e 17 baseadas na Escala de Comportamento Ecologicamente Consciente do Consumidor (ECCB, do inglês Ecologi-cally Conscious Consumer Behaviour) desenvolvida por Roberts em 1996 e adaptada ao contexto brasileiro num estudo conduzido por Grohmann et al. (2012). As questões referentes à ECCB es-tão em uma escala do tipo Likert de cinco pontos em que 1 = discordo totalmente e 5 = concordo totalmente. A escala ECCB é subdivida em três fatores: reciclagem (primeiras oito questões); mudança de hábito (as próximas seis perguntas) e saúde (as três últimas questões). Para fechar o questionário, há uma pergunta qualitativa para que o respondente possa expor sua opinião a respeito da pesquisa e dos produtos verdes.

O procedimento de amostragem é não probabilístico – faz uso de seleção aleatória – por conveniência, ou seja, procura obter-se “[...] uma amostra de elementos convenientes” (MALHO-TRA, 2006, p. 326). Neste estudo, por facilidade optou-se por aplicar o questionário em formato impresso apenas a funcionários da cidade sede de uma Operadora de Planos de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul. O período da pesquisa foi de 22 a 30 de novembro de 2012. A população total compreende 353 funcionários. Destes, 150 receberam os questionários e 127 retornaram preenchidos. Após o retorno dos questionários preenchidos, os mesmos foram tabulados em planilha de cálculo e os resultados foram analisados estatisticamente.

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS

4.1 PERFIL DOS RESPONDENTES

As primeiras questões abordadas na pesquisa buscaram identificar as características sócio demográficas dos respondentes.

O questionário foi respondido por 127 funcionários de uma Operadora de Planos de Saúde, sendo 93 mulheres e 34 homens. Observa-se, assim, uma predominância do sexo feminino de 73,2%. É uma população jovem, com idades variando entre menores de 24 até 49 anos; a maioria (86,6%) tem até 34 anos de idade. O número de pessoas casadas ou em união estável é de 76, as demais são solteiras. Quanto ao nível de escolaridade dos respondentes todos tem o Ensino Médio completo e, destes, mais da metade (66,9%) concluíram um curso superior, alguns com pós-graduação.

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A maioria dos pesquisados (75,6%) reside na cidade em que trabalha e mora com mais uma até três pessoas (88,9%), abaixo do número médio de moradores em unidades domésticas particulares no Brasil que é de 3,3 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2011). A renda familiar dos respondentes varia de mais de um a mais de quinze salários mínimos, sendo que 73% tem renda de um a cinco salários mínimos, o que compreende a faixa da renda média das unidades domésticas brasileiras e gaúchas que é de R$2.222,00 e R$2.403,00, respectivamente (IBGE, 2011).

4.2 COMPRA DE PRODUTOS VERDES

A compra de produtos verdes está presente na realidade de 98% dos respondentes. Na figura 2 constam quais os produtos verdes que estão no hábito de compra dos funcionários da Operadora de Planos de Saúde.

FIGURA 2 – Os produtos verdes que são consumidos. Fonte: dados da pesquisa.

É possível perceber que os produtos verdes mais procurados são: alimentos (78%), higiene e limpeza (67%) e bebidas (42%). Cabe ressaltar que no item Outros foram citados vestuário, ma-teriais escolares e cosméticos. A frequência com que os produtos verdes são adquiridos varia, prevalecendo os períodos semanal e mensal que, juntos, totalizam 87% das respostas.

4.3 ESCALA ECCB: AS AVALIAÇÕES DE CADA UM DOS FATORES

A Escala de Comportamento Ecologicamente Consciente do Consumidor (ECCB) é composta por três fatores: reciclagem, mudança de hábito e saúde. Abaixo, a figura 3 apresenta a média das avaliações de cada um desses fatores, numa escala Likert de 1 a 5, sendo 1 = discordo totalmente e 5 = concordo totalmente.

FIGURA 3 – Nota média dos fatores da ECCB. Fonte: dados da pesquisa.

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No gráfico, é possível observar que os três fatores foram avaliados acima da nota intermediá-ria (3=não discordo, nem concordo), ficando com médias mais próximas da nota 4 (=concordo). Este resultado confirma a afirmativa de que “[...] as pessoas estão tendo consciência de que suas atitudes têm reflexos nas questões ambientais e que, portanto, possuem responsabilidades em buscar alternativas para minimizar os impactos ecológicos” (PRADO et al., 2011, p. 133). É notável no gráfico que há uma maior valorização do fator saúde, revelando, assim, que este é fator mais considerado no momento de decidir pela compra de um produto verde. Inclusive, como apre-sentado anteriormente, alimentos são os produtos verdes mais adquiridos pelos respondentes.

A seguir, as figuras 4, 5 e 6 apresentam as médias de cada item dos fatores da escala ECCB.

FIGURA 4 – Média dos itens do fator reciclagem. Fonte: dados da pesquisa.

O fator reciclagem considera, essencialmente, questões referentes à compra de produtos feitos de materiais recicláveis e/ou reciclados, biodegradáveis, com o menor uso de matérias-primas e que preservem recursos naturais escassos e o meio ambiente como um todo. Conforme apre-sentado na figura 4, metade dos itens tem média próxima ou ultrapassando a nota 4 (=concordo).

A afirmativa Quando possível, eu sempre escolho produtos que causam menor poluição foi o que obteve a melhor média – 4,04. Pesquisa realizada na cidade de São Paulo revelou que 64,7% dos respondentes esperam que as empresas respeitem o meio ambiente, especialmente em relação à emissão de gases (SALLES et al., 2012). A poluição interfere na qualidade de vida e saúde das pessoas. As doenças respiratórias crônicas (DRC), por exemplo, tem como um dos fatores de risco a poluição ambiental. As DCR são um dos maiores problemas mundiais de saúde, acometendo centenas de milhões de indivíduos. As mais comuns são: asma, 300 milhões de pessoas; rinite, 20 a 25% da população; e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), 210 milhões de pessoas (BRASIL, 2010).

Em contrapartida, o item que obteve a menor pontuação média (3,12) refere-se a não comprar produtos que prejudicam o meio ambiente. Em muitas situações, o consumidor não consegue distinguir quais os produtos causam menos danos à natureza. No campo aberto da pesquisa, algumas colocações a este respeito foram descritas: a) a disseminação da importância de obser-var-se o quesito meio ambiente no momento de escolha por produtos é deficitária. Também, o consumidor não consegue perceber, em muitos casos, que a sua opção de compra reflete ou não

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em um menor impacto ambiental; b) faltam informações claras nas embalagens dos produtos de forma que facilite a identificação de quais são verdes; c) o consumidor não confia na procedência do produto, de modo que possa garantir que ele é realmente ecológico.

As questões relatadas pelos pesquisados podem ser consideradas dificuldades ou, até mesmo, deficiências por parte das empresas e do marketing ambiental, visto que “[...] a organização deve informar a seus consumidores acerca das vantagens de adquirirem produtos e serviços ambien-talmente responsáveis, de forma a estimular e despertar o desejo do mercado por essa categoria de produtos (GIULIANI, 2004, p. 42). Para tanto, também é fundamental que o consumidor possa confiar na procedência do produto ecológico e consiga diferenciá-lo dos demais.

FIGURA 5 – Média dos itens do fator mudança de hábito. Fonte: dados da pesquisa.

O fator mudança de hábito engloba aspectos relacionados à aquisição de produtos verdes em substituição aos produtos tradicionais, em situações que o consumidor consegue diferenciá-los, inclusive influenciando outras pessoas a fazer o mesmo. Neste fator, nenhum item obteve a nota 4, porém dois deles chegaram próximo, com médias 3,83 e 3,80. Ambos referem-se à compra de produtos menos prejudiciais ao meio ambiente, revelando que o consumidor preocupa-se com a preservação dos recursos naturais e com as outras pessoas, mas ainda há o que melhorar nesse aspecto.

Há um elemento que é apontado como determinante em alguns processos de decisão de compra: o preço. Segundo relatos dos pesquisados, os produtos verdes são fundamentais para a sustentabilidade do planeta, mas, geralmente, são mais caros que os demais. Uma revisão biblio-gráfica realizada com uma amostra de 122 artigos publicados no período 2001-2011 relacionados ao tema meio ambiente e comportamento do consumidor, revelou que cinco deles apontaram o preço como o empecilho para que os consumidores com consciência ambiental adquiram produtos verdes (GOMES; FRANCA; ROCHA, 2012).

A afirmativa Eu já convenci amigos ou parentes a não comprar produtos que prejudicam o meio ambiente recebeu a pior avaliação do grupo: 3,13. Este resultado revela que as pessoas não conseguem persuadir quem está próximo a elas sobre os hábitos de compra e a preservação ambiental, não se sentem à vontade em fazer ou, talvez, nem cogitam essa possibilidade. Assim sendo, os respondentes não são ou são pouco ativos na mobilização de outros consumidores para

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a prática do consumo consciente, que, de acordo com Mourão (2010) citado por Gorni, Gomes e Dreher (2011) é uma das características do consumidor consciente.

FIGURA 6 – Média dos itens do fator saúde. Fonte: dados da pesquisa.

O fator saúde considera apenas três itens: compra de produtos orgânicos por serem mais saudáveis; preferência por produtos sem agrotóxicos, por respeitarem o meio ambiente; e a inter-ferência das preocupações com o meio ambiente na decisão de compra de produtos e alimentos. Os dois primeiros aspectos apresentaram médias de 3,94 e 4,28, respectivamente, demonstrando o quão o consumidor valoriza produtos orgânicos e preocupa-se com o uso de agrotóxicos, por prejudicar o meio ambiente e a saúde humana.

Pesquisas revelam que o setor de produtos orgânicos vem em constante crescimento no mundo e no Brasil: “entre 2001 e 2007, o mercado mundial passou de um total de 21 bilhões de doláres para 46 bilhões” (BID/FUMIN, 2011 citado por Graziano, Campanario, Chagas, 2011, p. 3), um aumento de aproximadamente 119%. De acordo com o mesmo estudo, no Brasil, entre os anos de 2006 a 2009, o setor chegou a um crescimento de 50% ao ano.

Ao analisar as respostas para os itens da escala ECCB pelo perfil dos respondentes é possível verificar alguns pontos interessantes e, inclusive, fazer algumas afirmações:

a) Quanto mais o consumidor valoriza os itens da escala, mais frequentemente ele compra produtos verdes. Isto é, a preocupação com o meio ambiente interfere no processo de decisão de compra;

b) A média dos três fatores aumenta quanto maior a idade do respondente. Respondentes casados ou em união estável melhor avaliaram os três fatores;

c) As percepções entre homens e mulheres são muito semelhantes nos fatores reciclagem e saúde, mas divergem no quesito mudança de hábito: médias 3,72 e 3,49 respectivamente. Esse resultado vai ao encontro da pesquisa de Prado et al. (2011) que concluiu que os homens preocupam-se um pouco mais com a degradação ambiental do que as mulheres. Ambos contrariam, em parte, a afirmativa de Ottmann (1994) citado por Motta e Rossi (2011, p. 120) em relação ao sexo feminino: “[...] há uma preponderância deste sexo entre os consumidores mais ativos do ponto de vista ambiental [...]”.

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Estudo do comportamento dos consumidores de produtos verdes104

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As questões relacionadas ao meio ambiente estão presentes nas pesquisas e discussões das mais diversas ciências, dentre elas a da administração. A responsabilidade das organizações frente à degradação ambiental e, consequentemente, com o bem-estar da população, está em evidência no planejamento estratégico e ações delas. Para tanto, algumas investem em produtos verdes e, para promovê-los, em marketing ambiental. Todavia, as empresas precisam ter saúde financeira para manter-se no mercado, que é um dos fatores do tripé da sustentabilidade: eco-nomia, sociedade e meio ambiente. Assim, o mercado deve aceitar esses produtos para que a empresa possa se manter.

Neste contexto, o consumidor é personagem fundamental, já que é ele que tem o poder de decisão de compra, escolhendo qual dos produtos e serviços ofertados melhor atende sua necessidade. Portanto, ele deve ter consciência da situação ambiental do planeta e os reflexos desta, assim como que sua decisão de compra pode auxiliar o meio ambiente e a humanidade como um todo.

É papel do marketing ambiental gerenciar a relação entre um mercado de consumido-res ambientalmente conscientes e os anseios das empresas, de modo que os produtos verdes, que causam menor impacto ambiental, tenham boa aceitação e as empresas possam continuar produzindo-os.

Observa-se, nos resultados da pesquisa descrita neste artigo, que 98% consumidores pesquisados já adquiriram algum produto verde. As avaliações dos fatores da escala ECCB obti-veram médias acima da neutralidade, ou seja, da nota 3 (= não discordo, nem concordo), inclusive com alguns fatores ultrapassando a nota 4 (= concordo), sendo o fator saúde o melhor avaliado. Isto revela que há uma preocupação com os impactos causados ao meio ambiente e à sociedade.

Todavia, é notável que, mesmo o mercado de produtos verdes estando em constante crescimento, é preciso estimular o consumidor a realmente exercer uma postura consciente e entender o seu papel perante o desenvolvimento sustentável do planeta. Dificuldades apontadas neste artigo, observadas essencialmente nas colocações dos respondentes, devem ser avalia-das pelas empresas de modo a estreitar a relação entre empresa e consumidor, contribuindo para a consolidação, ou até mesmo ampliação, de um mercado voltado ao consumo de produtos ecológicos.

Perante este contexto, sugere-se que, em trabalhos futuros, realizem-se pesquisas qualitativas com consumidores e empresas que busquem identificar possíveis ações para incen-tivo ao consumo de produtos verdes em que todas as partes envolvidas (empresa, fornecedores, sociedade, clientes e meio ambiente) sejam beneficiadas.

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O CONTRATO DE COMPRA E VENDA À LUZ DA CONVENÇÃO DE VIENA:

DE 1980 E DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

Laura Garcias Nunes1

RESUMO

O presente artigo foi elaborado com a intenção de estudar a Convenção de Viena de 1980 sobre a Compra e Venda Internacional de Mercadorias, um dos diplomas normativos mais relevantes no cenário internacional, em razão de sua força de uniformização das regras de direito privado. No início, apresentou-se o contrato de compra e venda, definindo o seu con-ceito e seu papel na ordem econômica, tanto no âmbito interno, quanto no âmbito internacional. A partir daí são tecidas considerações acerca do tratamento dado à compra e venda pelo Código Civil Brasileiro de 2002 e ao final, apresenta-se uma análise da compra e venda sob a ótica da Convenção de Viena de 1980 e de seu âmbito de aplicação, dada a especia-lidade de seu texto.

Palavras-chave: Compra e Venda; Código Civil Brasileiro; Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias; Convenção de Viena de 1980.

ABSTRACT

This paper aims to study the 1980 Vienna Convention on Contracts for the International Sales of Goods, one of the most relevant treaties on the in-ternational trade landscape, due to its capability on standardizing private law regulations. At first, it was presented the sale and purchase contract, defining its concept and its role in the economic order, both internally, as internationally. From then on it was made some considerations about the treatment given to the sale and purchase by the Brazilian Civil Code and lastly, it was presented an analysis of the purchase and sale under the approach of the Vienna Convention and its scope of aplication given its text speciality.

Keywords: Purchase and Sale; Brazilian Civil Code; International Buying and Selling Contracts of Goods; 1980 Vienna Convention.

1 Advogada. Pós-graduanda em Direito Internacional Pública, Privado e Direito da Integração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Graduada em Direito pela Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

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O contrato de compra e venda à luz da Convenção de Viena110

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A constante evolução tecnológica e o processo de globalização cada vez mais avançado alteram, frequentemente, as relações pessoais e institucionais. Os Estados passam a interagir cada dia mais, fazendo com que o comércio busque acompanhar essa evolução, exigindo dos ordenamentos jurídicos posturas dinâmicas, a fim de manter o equilíbrio nessas relações, sejam elas pessoais ou interpessoais.

Nesse cenário, as relações contratuais, por sua vez, são fortemente impactadas, visto que figu-ram como instrumentos de integração entre pessoas, empresas e países. Nessa senda, destaca-se o contrato de compra e venda, que é atingido, na medida em que é umas das principais espécies contratuais, merecendo, portanto, atenção especial de legisladores, juristas e doutrinadores.

Compreendendo as inquietações do mercado econômico, quanto à insegurança negocial que se tinha frente à ausência de uma legislação uniforme para reger a compra e venda interna-cional, a UNCITRAL2 reúne, em 1978, juristas de 62 países para elaborar um tratado de direito internacional privado aplicado à compra e venda. O resultado dessa reunião é a Convenção de Viena de 1980 sobre a Compra e Venda Internacional de Mercadorias, que entrou e vigor em 01 de janeiro de 1988. A Convenção foi elaborada com a intenção de uniformizar as regras aplicada aos contratos de compra e venda internacional, assegurando, por conseguinte, a manutenção do equilíbrio econômico do contrato e resguardando as partes quanto aos seus direitos e deveres.

Este artigo é dedicado ao estudo do contrato de compra e venda a partir do Código Civil Brasi-leiro de 2002, passando, posteriormente, à análise das características desta importante espécie contratual frente ao direito internacional privado. Em um segundo momento, busca-se analisar a Convenção de Viena de 1980 e seu âmbito de aplicação. Com isso, pretende-se demonstrar a importância do instituto da compra e venda tanto para o ordenamento jurídico pátrio, quanto para a ordem internacional, na medida em que cumpre papel essencial no desenvolvimento econômico mundial.

2. O CONTRATO DE COMPRA E VENDA

Desde os primórdios das civilizações, as trocas constituem uma das principais relações entre as pessoas; é inerente às relações humanas a existência de contratos. Foi através deste processo que as sociedades se desenvolveram e criaram-se os mercados. O contrato de compra e venda, por sua vez, é uma das espécies mais antigas utilizada pelo homem e configura, ainda hoje, um dos mais importantes instrumentos comerciais.

Assim, para que se possa analisar a compra e venda, faz-se necessários entender o conceito de contrato, como instrumento jurídico. Flávio Tartuce o conceitua como um “ato jurídico bilateral, dependente de pelo menos duas declarações de vontade, cujo objetivo é a criação, a alteração ou até mesmo a extinção de direitos e deveres de conteúdo patrimonial”.3

Na mesma linha, Maria Helena Diniz define o contrato de compra e venda como:

2 Sigla em Inglês para United Nations Commision on International Trade Law.

3 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 3: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. 8ª ed. Rio de Janeiro: Método, 2013, p. 2.

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(...) acordo entre a manifestação de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.4

Dentre as relações contratuais, como já referido, destaca-se a compra e venda, considerada como o contrato comercial mais antigo que se tem conhecimento. A globalização cada vez mais feroz possibilita uma circulação mais dinâmica de mercadorias e de modelos jurídicos. Nesta seara, o contrato é o instrumento, por excelência, dessa movimentação econômica e exige dos ordenamentos jurídicos soluções mais adequadas e rápidas às situações e conflitos que surgem dessas relações.

A Professora Vera Fradera considera o contrato de compra e venda aquele cujo “escopo con-siste em que uma parte (o vendedor) se obrigue a entregar os bens e a transferir a propriedade dos bens vendidos e a outra parte (comprador) se obriga a pagar o preço e aceitar os bens”.5

Concluídas as considerações iniciais necessárias, passa-se ao estudo do contrato de compra e venda dentro do ordenamento jurídico brasileiro, bem como na ordem internacional, sob a ótica do Código Civil de 2002 e da Convenção de Viena da Organização das Nações Unidas6 de 1980 sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, respectivamente.

3. A COMPRA E VENDA SEGUNDO O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002

O contrato de compra e venda está disciplinado na Parte Especial do Código Civil Brasileiro, dentro do Título VI, Capítulo I, intitulado “Das Várias Espécies Contratuais”. Observa-se que a legislação pátria atribui papel de destaque a essa espécie contratual, tamanha a importância que tem para a ordem econômica, na medida em que figura como carro chefe das modalidades contratuais previstas pelo código.

A revogação da primeira parte do Código Comercial pelo Código Civil de 2002 eliminou as dis-tinções previstas pelo Código Civil de 1916 entre os contratos de compra e venda civil e mercantil. A partir da nova legislação, a compra civil passou a ser adotada como modelo uniforme para as demais espécies contratuais, sendo a compra e venda mercantil englobada por ela. As distinções feitas pela legislação de 1916 foram constantemente alvo de críticas doutrinárias, haja vista que se entendia não haver diferenças significativas entre os contratos de compra e venda celebrados entre pessoas físicas, entre empresas, sejam elas com personalidade jurídica ou não, ou entre pessoas físicas e empresas, pois as partes que figuram na contratação são sempre vendedor e comprador. Sustentava-se, também, que não havia razões para privilegiar os contratos em que comerciantes figurassem como parte.

4 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v.3: Teoria Geral das Obrigações. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 30.

5 RADERA. Vera Jacob de. A noção de contrato na Convenção de Viena de 1980 sobre a venda internacional de mercadorias in: TELLINI, Denise Estrela; JOBOM, Geraldo Cordeiro; JOBIM, Marco Félix (Org.). Tempestividade e Efetividade Processual: Novos Rumos do Processo Civil Brasileiro. Caxias do Sul, RS: Plenun, 2010. p. 659-660.

6 A partir de agora denominada ONU.

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O contrato de compra e venda à luz da Convenção de Viena112

Dessa forma, o Art. 481 conceitua a compra e venda como o contrato pelo qual o vendedor (pessoa física ou jurídica) se obriga a transferir ao comprador o domínio de bem móvel ou imóvel mediante o pagamento do preço previamente ajustado.7 Importante referir que este contrato, por si só, não transfere a propriedade, visto se tratar de contrato translativo.8 A propriedade se transfere, em regra, a partir da tradição, isto é, a partir do momento em que o bem é entregue ao comprador.

Do conceito adotado pelo Código Civil é possível extrair os elementos essenciais da compra e venda: (a) partes; (b) coisa e (c) preço. Estes elementos são condicionantes de validade dos negócios jurídicos em geral, conforme Art. 104 do CC/2002.

Deste modo, para que seja válido o contrato de compra e venda, as partes devem ser capazes, nos termos do Art. 5º do Código Civil e manifestarem, livre e espontaneamente, sua vontade de contratar. Vale dizer que a manifestação de vontade repercute sobre os demais elementos (coisa e preço) e demonstra a preocupação do legislador em privilegiar o princípio da autonomia da vontade9, já consagrado nas diversas áreas do direito em âmbito internacional.

Sobre o objeto, este deve ser lícito, possível, determinado ou determinável. Ainda, deve ser alienável, isto é, possível de ser comercializado, conforme se verifica na segunda parte do Art. 86, do CC/2002 (princípio da consuntibilidade jurídica).10 Por fim, no que tange ao terceiro elemento do contrato de compra e venda, o preço deve ser certo, determinado e fixado em moeda corrente nacional, em atenção ao disposto nos artigos 315 e 318, ambos do CC/2002.

Verifica-se, portanto, que o contrato de compra e venda possui natureza jurídica obrigacional, na medida em que imputa às partes obrigações recíprocas que condicionam a eficácia do contrato. Frente a essa constatação, passa-se a análise das características da compra e venda segundo o ordenamento jurídico brasileiro face a compra e venda internacional.

3.1 AS CARACTERÍSTICAS DA COMPRA E VENDA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO EM FACE À CONTRATAÇÃO INTERNACIONAL

Como já referido, a compra e venda figura com uma das principais atividades econômicas, tanto no plano interno quanto no plano internacional. Isto posto, mostra-se relevante a análise das características específicas dessa modalidade contratual.

Inicialmente, tem-se que o contrato de compra e venda é bilateral ou sinalagmático, isto é, gera “direitos e deveres proporcionais entre as partes, que são credoras e devedoras entre si”.11 Ele também é oneroso, pois há prestação e contraprestação entre as partes, de modo que ambos os contratantes alcançam proventos patrimoniais decorrentes de tais prestações.

7 Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

8 Contrato translativo é aquele que prevê a transmissão da propriedade ao comprador.

9 Em que pese a autonomia da vontade permita que as partes determinem as disposições contratuais, esse princípio sofre diversas limitações, dentre elas a impossibilidade de escolha da lei aplicável. Ainda, menciona-se que até a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil de 2015, até mesmo a cláusula de eleição de foro não era respeitada, tanto pelas partes, quanto pelo Judiciário brasileiro.

10 Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação. (Lei nº 10.406/2002, Op. Cit.)

11 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 3: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. 8ª ed. Rio de Janeiro: Método, 2013, p. 255.

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A compra e venda é, de regra, um contrato comutativo, visto que as partes têm conhecimento de seus termos e suas prestações desde o início da relação contratual. Quando a contratação envolver determinado risco, é possível que se torne um contrato aleatório. Como consequência, tem-se o surgimento de duas modalidades de venda aleatória previstas nos artigos 458 a 461 do Código Civil: (a) venda de coisas futuras atinente à existência e à quantidade: uma das partes assume os riscos relativos a existência das mercadorias, hipótese em que não haverá fixação de quantidade mínima de mercadorias exigida quando da entrega; ou assume o ricos referentes à quantidade, hipótese em que o vendedor deverá entregar uma quantidade mínima de mercadorias ao comprador; e (b) venda de coisa existente, porém exposta ao risco: decorre de coisas exis-tentes que estejam expostas ao risco, tais como situação de guerra, naufrágio, etc. Na hipótese da coisa perecer em momento anterior ao da entrega, o comprador terá direito ao recebimento integral do preço.

No que concerne a forma de contratação, o contrato de compra e venda pode ser formal e solene ou informal e não solene. Flávio Tartuce adota o entendimento de que o contrato de compra e venda é um contrato informal e não solene, em razão da lei brasileira não exigir forma específica para sua celebração, salvo nos casos em que a lei especial determine o cumprimento de determinada formalidade para validação do negócio. O mesmo jurista considera o contrato de compra e venda formal e solene na hipótese de compra e venda de bens imóveis, os quais necessitam de escritura pública para sua validação. Por fim, a compra e venda é uma espécie de contrato típico, pois está previsto pela legislação brasileira.

Por fim, a compra e venda pode ser consensual ou real, não havendo uniformização doutrinária quanto a esta característica. Entende-se por contrato consensual aquele que se forma a partir da anuência das partes, não sendo exigida nenhuma formalidade para tanto. Este é o posiciona-mento adotado por Tartuce, que entende o contrato de compra e venda como consensual, “pois o aperfeiçoamento ocorre com a composição das partes.”12 Por contrato real, entende-se aquele que se perfectibiliza apenas com a tradição efetiva da coisa.

Imprescindível referir que as obrigações previstas pela legislação nacional, no que concerne ao direito contratual, regem-se por princípios que devem ser constantemente observados, des-tacando-se os seguintes: (a) princípio da boa fé objetiva, tratado como cláusula geral, está con-sagrado no Art. 422 do CC/2002 dispondo que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”13; (b) princípio da autonomia privada, no qual as partes são livre para contratar. Está intimamente ligado com a função social do contrato, na medida em que o Art. 421 do CC/2002 condiciona o exercício da liberdade contratual à sua observância14; (c) princípio da função social do contrato, a qual objetiva a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais, isto é, o contrato deve ser concebido em atenção ao meio social em que está inserido, a fim de que haja respeito e igualdade entre as partes, bem como seja efetivada a justiça contratual. (d) princípio do Pacta Sunt Servanda, o qual trata da força coercitiva do contrato, ou seja, da obrigatoriedade de cumprimento das cláusulas avençadas; (e) princípio da relatividade, o qual estabelece que os efeitos do contrato repercutam,

12 TARTUCE, Flávio. Op. Cit. p. 256.

13 BRASIL. Decreto 8.327, de 16 de outubro de 2014.

14 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

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apenas, às partes contratantes, àquelas que manifestaram a vontade em contratar, não afetando, assim, terceiros e seu patrimônio.

Tais princípios aplicam-se, inclusive, às contratações realizadas no campo do direito interna-cional, ainda que a lei aplicável à obrigação contratada não seja a brasileira. Em se tratando de contratos internacionais, aplica-se o Art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que determina a aplicação, em regra, da lei do país em que a obrigação for constituída:

Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma es-sencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.15

As disposições do artigo supracitado são consideradas normas de conexão, na medida em que, a partir de determinada situação, indicam qual legislação deve ser aplicada para regular ou solucionar a matéria.

Em que pese a legislação interna reconheça o princípio da autonomia da vontade, importante referir que este princípio, no que concerne à escolha da lei aplicável, não foi recepcionado por nosso ordenamento jurídico, razão pela qual o choice of law não pode ser utilizado como elemen-to de conexão para determinar a norma aplicável que regerá a obrigação contratada. Ainda, os contratantes devem observar as disposições do Art. 17 da LINDB, que torna ineficaz os atos que ofendam a ordem pública, a soberania e os bons costumes.16

Excetua-se a essa regra a Lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996 que regula a arbitragem. Em se tratando de contrato com cláusula arbitral, é lícito a parte determinar a lei aplicável àquela contratação, conforme disciplina o seu Art. 2º:

Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes.§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.§ 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.17

A Prof.ª Nadia de Araujo consideras a plena adoção do princípio da autonomia da vontade pela Lei da Arbitragem como o principal exemplo das “tímidas mudanças no campo jurisprudencial e legislativo”18 que vem sofrendo a legislação brasileira.

15 BRASIL. Decreto 4.657, de 04 de setembro de 1942.

16 Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

17 BRASIL. Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm> Acesso em: 24 jun. 2016.

18 ARAUJO, Nadia de. Uma visão econômica do Direito Internacional Privado: Contratos Internacionais e autonomia da vontade. Disponível em:<http://nadiadearaujo.com/contratos-internacionais/> Acesso em: 23 jun. 2016.

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Recentemente, o legislador brasileiro deu mais um importante passo para a efetivação do princípio da autonomia da vontade, ao reconhecer, através do Art. 25 do Novo Código de Processo Civil19, vigente no país desde 18 de março de 2016, a legalidade da cláusula de eleição do foro estrangeiro nos contratos internacionais.

4. A COMPRA E VENDA SEGUNDO A CONVENÇÃO DE VIENA DE 1980Assim como no plano interno, a compra e venda internacional possui papel de destaque no

cenário mundial. Dada a complexidade que envolve qualquer contratação internacional, em razão do envolvimento de diferentes sistemas jurídicos e pelas partes, geralmente, estarem em Estados distintos, faz-se necessário identificar um regime jurídico especial e adequado para a compra e venda, de modo a facilitar o processo de contratação, tornando-o mais dinâmico e com capacidade de satisfazer, de forma mais eficaz, os interesses das partes.

Kádia Colet Barro, dada a sua importância no âmbito econômico, ensina que o contrato de compra e venda assume o caráter internacional quando apresenta algum, ou alguns, elementos de estraneidade, isto é, elementos que vinculam o contrato a diferentes países e, portanto, a diferentes regimes jurídicos.20

“o contrato internacional de compra e venda é uma operação econômica, na medida em que promove a circulação de riqueza entre as nações, mas possui um conceito, por conseguinte, uma definição preponderantemente jurídica, visto a necessidade de haver o envolvimento de dois ordenamentos jurídicos provenientes de Estados distintos”.21

Como é possível constatar, os contratos internacionais são os instrumentos, por excelência, do comércio internacional e a compra e venda desempenha função vital no desenvolvimento da economia mundial. Isto porque ele é o sustentáculo do comércio, em um mundo cada vez mais integrado. Por esta razão, a segurança nas relações do comércio internacional tem de ser assegurada, e a uniformização das regras concernentes aos contratos de compra e venda de mercadorias se faz necessária.22

O período atravessado pela economia desde o Século XX é caracterizado pela globalização, provocando um extraordinário desenvolvimento do comércio internacional, exigindo a criação de instrumentos mais aptos e eficazes de regulação das trocas e dos conflitos que delas possam surgir. A universalização da utilização do contrato de venda determinou na doutrina uma vocação

19 Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação. (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 06 jul. 2016.)

20 Guiomar Estrella Faria define elementos de estraneidade como as “características, relativas às partes contratantes, ao local da celebração, ou ao direito que preside à formação do negócio, à sua integração, características essas que vinculam o contrato a diferentes países e, consequentemente, a sistemas jurídicos também distintos”. (ESTRELLA FARIA, Guiomar T. Contratos internacionais e mercados integrados. In: FARIA, Werter R. Estudos sobre Integração. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 40.)

21 BARRO, Kádia Colet. O Direito aplicável na solução de controvérsias oriundas do Contrato de Compra e Venda Internacional de natureza mercantil no âmbito do MERCOSUL. São Paulo: Editoria Modelo, 2011, p. 51.

22 FRADERA, Véra Jacob de. A saga de uniformização da compra e venda internacional: da lex mercatoria à Convenção de Viena de 1980. In: FRADERA, Véra Jacob de; MOSER, Luiz Gustavo Meira. A Compra e Venda Internacional de Mercadorias. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p.1.

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para criar soluções de adaptação a um meio ambiente em que a diversidade de sistemas jurídicos esteve e ainda está sempre presente e a instabilidade política é, no mais das vezes, a regra.

Os primeiros esforços de unificação de regras sobre compra e venda internacional de merca-dorias, aconteceram por meio da criação, em 1930, do UNIDROIT - Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado.

Entretanto, a atuação do UNIDROIT fica prejudicado pela Segunda Guerra Mundial, sendo retomada sua atividade a partir de 1960. No mesmo período, a Conferência de Haia de Direito Internacional Privado originou duas convenções: a primeira referente a formação dos contratos de venda internacional e a segunda sobre o instituto da compra e venda. Em que pese a relevância da iniciativa, as convenções tiveram baixo número de adesão, muito em razão da resistêncisos países de origem no Common Law.

Nesse contexto, Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional - UNCI-TRAL, criada em 1966, iniciou, com a colaboração de juristas de diversos países, um trabalho para efetivar essa desejável uniformização. O resultado desses esforços foi à redação da Convenção de Viena de 1980 sobre Contrato de Compra e Venda Internacional de Mercadorias “como resposta à inadequação dos Ordenamentos Jurídicos nacionais à exigência do comércio internacional e às peculiaridades que o contrato de compra e venda apresenta, geralmente, “desconhecidos” da contratação interna. ”23

A Convenção de Viena, comumente denominada CISG24, nasce como um regulamento que pretende a uniformização das relações comerciais internacionais entre Estados. Segundo Os-valdo Marzorati a Convenção tem como princípio basilar a uniformização das regras de direito internacional privado aplicada às relações contratuais.

La meta de la Convención de Viena es la la creación de un derecho material de com-praventa uniforme, que pueda ser aplicado en los Estados signatarios en lugar de las leyes nacionales, haciendo innecesaria la apelación a las normas de colisión del derecho internacional privado.25

Destaca, ainda, que, embora a uniformização legislativa seja o pilar central da Convenção, ele não é o único. A CISG busca oferecer regras mais adequadas às necessidades do comercio internacional.

Nesta seara, a Prof.ª Nadia de Araujo explica:Uma das características mais importantes da Convenção de Viena é não pretender eli-minar ou substituir regras internas que regulem certas transações, ou que protejam o consumidor. Procurou, primordialmente, proteger o acordo das partes, e sua liberdade, sem interferir nas relações entre comprador e vendedor. Desta forma, essa liberdade permitiu às partes escolherem pela utilização ou não da Convenção.26

23 CUNHA, Daniel Sica da. A transferência do Risco nos Contratos de Compra e Venda Marcantil: Direito Brasileiro e Direito Internacional. 2008. 202 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.

24 CISG é a sigla em inglês para Convention of International Sale of Goods. Na língua portuguesa não há equivalência para essa sigla.

25 MARZORATI, Osvaldo J. Derecho de los negocios internacionales. Buenos Aires: Astrea, 1993, p. 49.

26 ARAUJO, Nadia de. Contratos Internacionais: autonomia da vontade, MERCOSUL e Convenções Internacionais. 3. ed. Rio de Janeiro:

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O preâmbulo da Convenção traz o ideal de uniformização das regras aplicadas aos contratos internacionais como principal razão de sua redação:

Os Estados Partes na presente Convenção,(...)Considerando que o desenvolvimento do comércio internacional com base na igualdade e em vantagens mútuas constitui elemento importante na promoção de relações de amizade entre os Estados;Estimando que a adoção de regras uniformes para reger os contratos de compra e venda internacional de mercadorias, que contemplem os diferentes sistemas sociais, econômicos e jurídicos, contribuirá para a eliminação de obstáculos jurídicos às trocas internacionais e promoverá o desenvolvimento do comércio internacional.27

A uniformização pretendida pela UNCITRAL visa desembaraçar as trocas comerciais e obstar determinados impasses que surgiam devido as diferentes regras existentes em cada um dos sistemas jurídicos envolvidos na operação, bem como facilitar a identificação da lei a ela aplicada. A redação final da CISG foi entregue em 1980, porém passou a vigorar somente em 1988, com as adesões de China e Estados Unidos, simultaneamente, completando, assim, o número mínimo de ratificações exigidos pelo artigo 99 (1).28

Considerada a maior e mais exitosa convenção internacional em matéria de direito privado, a CISG possui 88 países signatários29, dentre eles as maiores economias mundiais, à exceção do Reino Unido.

No que tange à sua concepção, a UNCITRAL se utilizou de alguns modelos preexistentes, em especial a lex mercatória, o modelo de contrato previsto pelo Código Civil Alemão (BGB) e o Uni-form Commercial Code americano (UCC). Vale ressaltar que a CISG, em momento algum, copia os modelos mencionados, ela é, nas palavras da Professora Vera Fradera “absolutamente original, contendo aspectos daqueles modelos, mas sob nova roupagem, mais adequada ao objetivo de criação de uma lei uniforme para o contrato mais utilizado, em todos os tempos, pelos comer-ciantes internacionais”.30

Em que pese a CISG não traga o conceito de compra e venda internacional, é possível extrair tal definição dos arts. 30 e 53, os quais estabelecem as obrigações de vendedor e comprados, assemelhando-se ao conceito brasileiro de compra e venda:

Artigo 30 - O vendedor estará obrigado, nas condições previstas no contrato e na presente Convenção, a entregar as mercadorias, a transmitir a propriedade sobre elas e, sendo o caso, a remeter os respectivos documentos.

Renovar, 2004, p. 142.

27 BRASIL. Decreto 8.327, de 16 de outubro de 2014.

28 Artigo 99 (1) Esta Convenção entrará em vigor, observado o disposto no parágrafo (6) deste artigo, no primeiro dia do mês seguinte ao término do prazo de doze meses, contados da data em que houver sido depositado o décimo instrumento de ratificação, aceitação, apro-vação ou acessão, incluindo o instrumento que contenha declaração feita nos termos do artigo 92. (Convenção de Viena de 1980. Op. Cit.)

29 UNCITRAL. Disponível em: <http://www.uncitral.org/uncitral/es/uncitral_texts/sale_goods/1980CISG_status.html>. Acesso em: 17 jun. 2016.

30 FRADERA. Vera Jacob de. Op. Cit. p. 659

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Artigo 53 - O comprador deverá pagar o preço das mercadorias e recebê-las nas condi-ções estabelecidas no contrato e na presente Convenção.31

Importante mencionar que a Convenção de Viena só foi internalizada pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro como lei ordinária em 2014, a partir do Decreto Legislativo nº 538/2012, em vigor desde o dia 1º de abril de 2014. Além da decorrência prática, a internalização da CISG repercute nas leis ordinárias já existentes no país, na medida em que revoga tacitamente todos os dispositivos que a contrariem, obedecendo o critério da lei mais recente.

4.1 A CISG E SEU CAMPO DE APLICAÇÃO

Como aludido anteriormente, a Convenção de Viena de 1980 não se aplica a todo e qualquer contrato internacional. O próprio título do regulamento já apresenta um recorte material ao referir que se trata de compra e venda de mercadorias, remetendo, assim, a ideia de contratos comerciais ou mercantis.

A Convenção de Viena considera compra e venda as contratações para fornecimento de mer-cadorias que serão fabricadas ou produzidas, salvo a hipótese em que o contratante tenha que fornecer parte essencial dos elementos necessários para a fabricação da mercadoria, bem como aqueles contratos em que o objeto principal da contratação é o fornecimento de mão de obra ou de algum tipo de serviço.32

O Art. 1º determina que os casos de compra e venda internacional nos quais as partes possuem estabelecimento em países diversos, bem como aqueles em que a lei de um dos países contra-tantes determinar, serão regidos pela Convenção de Viena33, mantendo as transações domésticas submetidas às legislações internas de cada Estado.

Ocorre que nem todos os contratos internacionais de compra e venda são regidos pela CISG. O Art. 2º excluí, expressamente, as espécies contratuais “que são fundadas no objetivo pelo qual as mercadorias foram compradas, as que se referem ao tipo de transação realizada e as referentes a certos tipos de produtos.”34

Artigo 2 Esta Convenção não se aplicará às vendas: (a) de mercadorias adquiridas para uso pessoal, familiar ou doméstico, salvo se o vendedor, antes ou no momento de conclusão do contrato, não souber, nem devesse saber, que as mercadorias são adquiridas para tal

31 UNICTRAL. Convenção da ONU sobre os contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 1980. Disponível em: <http://www.cisg-brasil.net/doc/egrebler2.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2016.

32 Artigo 3, 1. São considerados de compra e venda os contratos de fornecimento de mercadorias a fabricar ou a produzir, a menos que o contraente que as encomende tenha de fornecer uma parte essencial dos elementos materiais necessários para o fabrico ou produção. 2. A presente Convenção não se aplica aos contratos nos quais a parte preponderante da obrigação do contraente que fornece as mercadorias consiste num fornecimento de mão-de-obra ou de outros serviços.

33 CISG, Artigo 1 (1) Esta Convenção aplica-se aos contratos de compra e venda de mercadorias entre partes que tenham seus estabeleci-mentos em Estados distintos: (a) quando tais Estados forem Estados Contratantes; ou (b) quando as regras de direito internacional privado levarem à aplicação da lei de um Estado Contratante. (2) Não será levado em consideração o fato de as partes terem seus estabelecimentos comerciais em Estados distintos, quando tal circunstância não resultar do contrato, das tratativas entre as partes ou de informações por elas prestadas antes ou no momento de conclusão do contrato. (3) Para a aplicação da presente Convenção não serão considerados a nacionalidade das partes nem o caráter civil ou comercial das partes ou do contrato. (Convenção de Viena de 1980. Op. Cit.)

34 PIGNATTA, Francisco Augusto. Comentários à Convenção de Viena de 1980 (Artigo 2). Disponível em: <http://www.cisg-brasil.net/doc/fpignatta-art2.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2016.

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uso; (b) em hasta pública; (c) em execução judicial; (d) de valores mobiliários, títulos de crédito e moeda; (e) de navios, embarcações, aerobarcos e aeronaves; (f) de eletricidade. Por fim, na interpretação da convenção deve-se considerar, em primeiro plano, a sua razão principal: a substituição de diversas leis domésticas por uma lei internacional uniforme. Por isso, procurou-se prestigiar os usos e costumes dos contratantes no seu artigo 9º, fórmula esta encontrada para permitir uma maior flexibilidade às regras convencionais,

Quanto a interpretação das disposições da Convenção, deve-se considerar, segundo a Prof.ª Nadia de Araujo “a sua razão principal: a substituição de diversas leis domésticas por uma lei in-ternacional uniforme. Por isso, procurou-se prestigiar os usos e costumes dos contratantes no seu artigo 9º, fórmula esta encontrada para permitir uma maior flexibilidade às regras convencionais”.35

Figuram na compra e venda internacional, necessariamente, um vendedor ou exportador, um comprador ou importador, a mercadoria e o elemento da extraterritorialidade, conhecido também por elemento de estraneidade, como já mencionado.

Por se tratar de um contrato internacional, em que as partes são regidas por legislações diferente, é necessário que seja estabelecida a lei aplicável às controvérsia que possam surgir, bem como que seja eleito o foro que processará e julgará eventual lide.

Importante referir dois artigos da CISG que estabelecem as regras de interpretação da Con-venção e está redigido da seguinte maneira:

(1) Na interpretação da presente Convenção ter-se-á em conta o seu caráter internacional bem como a necessidade de promover a uniformidade da sua aplicação e de assegurar o respeito da boa fé no comércio internacional. (2) As questões respeitantes às matérias reguladas pela presente Convenção e que não são expressamente resolvidas por ela serão decididas segundo os princípios gerais que a inspiram ou, na falta destes princípios, de acordo com a lei aplicável em virtude das regras de direito internacional privado.36

O parágrafo primeiro do artigo 7º busca garantir que a CISG seja interpretada da mesma forma em todas os Estados, observado o seu objetivo principal de uniformização, bem como o princípio da boa-fé. O parágrafo segundo, por sua vez, orienta que a interpretação da Convenção seja rea-lizada de acordo com os princípios gerais que a norteia.

Quando há controvérsias oriundas do contrato de compra e venda internacional, tanto as cortes quantos os tribunais arbitrais, utilizam de instrumentos transnacionais de unificação contratual, com destaque para os princípios UNIDROIT relativo aos contratos comerciais. Pode-se utilizar, ainda, as regras de direito internacional privado.

35 ARAUJO, Nadia de. Contratos Internacionais: autonomia da vontade, MERCOSUL e Convenções Internacionais. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 143.

36 Convenção de Viena de 1980. Op. Cit.

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O artigo 8º, por sua vez, indica a interpretar dos comportamentos e declarações das partes:

(1) Para os fins da presente Convenção, as declarações e os outros comportamentos de uma parte devem ser interpretados segundo a intenção desta quando a outra parte conhecia ou não podia ignorar tal intenção. (2) Se o parágrafo anterior não for aplicável, as declarações e outros comportamentos de uma parte devem ser interpretados segundo o sentido que lhes teria dado uma pessoa razoável, com qualificação idêntica à da contraparte e colocada na mesma situação. (3) Para determinar a intenção de uma parte ou aquilo que teria compreendido uma pessoa razoável, devem ter-se em conta todas as circunstâncias pertinentes, nomeadamente as negociações que possa ter havido entre as partes, as práticas que se tenham estabelecido entre elas, os usos e todo e qualquer comportamento ulterior das partes. 37

Verifica-se no artigo supracitado, a importância da interpretação das declarações e do compor-tamento das partes segundo suas intenções, remetendo a ideia de uma interpretação subjetiva. Em não havendo essa possibilidade, passa-se, então, a uma interpretação um tanto quanto mais objetiva, a qual se faz a partir da figura do homem médio, ou seja, toma-se como base a intenção de pessoa em condições idêntica as partes e em mesma situação.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo, ao tratar do contrato de compra e venda, tanto no direito brasileiro, quan-to no direito internacional, traçou um caminho que iniciou na análise do tratamento dado pelo Código Civil brasileiro de 2002 à compra e venda e pala CISG, verificando suas características e regime jurídico, permitindo a aferição dos riscos inerente a essa espécie contratual. A busca de uma resposta ao problema de pesquisa formulado nos permitiu realizar análise crítica e chegar a algumas conclusões.

Inicialmente, observou-se que a compra e venda, seja ela nacional ou internacional, é bilateral, onerosa, de regra comutativa, consensual, típica, e, no mais das vezes, informal. Porém, quando estiver o presente o elemento de estraneidade, isto é, qualquer elemento que remeta o contrato a outro ordenamento jurídico, tem-se que o contrato de compra e venda é internacional.

Quando a compra e venda ela assume o caráter internacional, ela passa a apresentar um grau de complexidade maior, na medida que envolve partes domiciliadas em Estados diferentes, submetidas a regras de direito internacional privado igualmente diferentes. Por esse motivo, verificou-se a necessidade de se ter um regime jurídico especial, capaz de garantir às partes celeridade na contratação e ao mesmo tempo garantir-lhes segurança jurídica. Nesse ínterim, a Convenção de Viena de 1980 desempenha importante papel, atuando como uma opção de regime jurídico diferenciado, próprio para a compra e venda, na medida em que uniformiza as regras aplicadas a esse modalidade de contrato.

37 Convenção de Viena de 1980. Op. Cit..

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Assim, este trabalho se propôs a abordar o tema da transferência do risco nos contratos de compra e venda internacional, a partir da análise da compra e venda regida pelo CC/2022, bem como pela compra e venda regida epla CISG. Espera-se que poder contribuir para a reflexão do tema, visto ser de grande relevância para o comércio moderno.

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A OBRIGATORIEDADE DO TRABALHO PRISIONAL PREVISTA NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL DE 1984 E

A VEDAÇÃO DA PENA DE TRABALHOS FORÇADOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988:

A POSSÍVEL NÃO RECEPTIVIDADE DO INSTITUTO E A CONSEQUENTE RESTRIÇÃO AOS DIREITOS

TRABALHISTAS

Laura Machado de Oliveira1

RESUMO:

Apesar da sistemática constitucional advinda em 1988, na qual é vedada a pena de trabalhos forçados, o sistema de execução penal vigente no ordenamento jurídico brasileiro prevê a obrigatoriedade do trabalho do apenado à pena privativa de liberdade em caráter definitivo como forma de ressocialização da pessoa e para evitar o ócio carcerário, dentre outros fins. O regulamento que prevê a obrigatoriedade do trabalho prisional é a Lei de Execução Penal (LEP), publicada em 1984, legislação anterior à atual Constituição. Dessa forma, surge a celeuma a respeito da possível não receptividade da obrigatoriedade do trabalho prisional em razão da proibição da pena de trabalhos forçados surgida no art. 5°, inciso XLVII, alínea “c” em 1988. Em que pese tal polêmica, seguindo o método dedu-tivo, o entendimento majoritário é da manutenção da obrigatoriedade do trabalho prisional, visto que não poderá ser considerado como sinônimo de trabalho forçado. Além disso, com a obrigatoriedade do trabalho pri-sional, surge a impossibilidade do enquadramento do preso no regime trabalhista celetista, visto que o direito do trabalho preza os cuidados ao trabalho livre, aquele no qual há a concordância em trabalhar.

Palavras chave: Trabalho prisional; Trabalho obrigatório; Trabalho força-do; Direito do Trabalho; Ressocialização.

ABSTRACT:

Despite the constitutional systematic arising in 1988, which is fenced worth of hard labor, the existing criminal enforcement system in the Bra-zilian legal system provides for the obligation of the convict labor to impri-

1 Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho. Mestra em Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora do grupo de estudos de Direito e Processo do Trabalho da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Autora de diversos artigos trabalhistas. E-mail: [email protected]

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sonment for definitively as the person form of rehabilitation and to avoid prison idleness, among other purposes. The regulation provides for the compulsory prison labor is the Law on Penal Execution (LEP), published in 1984, previous legislation to the present Constitution. Thus comes the uproar about the possible non-responsiveness of compulsory prison labor because of the abolishment of the forced labor emerged in art. 5th, sub-section XLVII, point “c” in 1988. Despite such controversy, following the deductive method, the prevailing understanding is maintaining compul-sory prison labor, as it may not be considered as synonymous with forced labor. Moreover, with the obligation of prison labor, comes the impossibi-lity of framing stuck in CLT labor regime, since labor law appreciates the care the free labor, one in which there is agreement to work.

Keywords: Prison labor; Compulsory labor; Forced labor; Labor Law; Re-socialization.

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1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como tema o trabalho carcerário, mais especificamente a obrigatoriedade imposta pela Lei de Execução Penal, e a consequente situação da marginalização celetista imposta ao apenado, assim, ao preso não é conferido o status da relação de emprego.

A prática do trabalho, em princípio, é apontada como o principal meio cabível para a resso-cialização dos apenados, ocupando a mente dos indivíduos para a disciplina nas penitenciárias, profissionalizando os trabalhadores para a futura recolocação à vida em sociedade. Atualmente, a Lei n. 7.210 de 1984, também chamada Lei de Execuções Penais (LEP), em seu artigo 31, prevê a não incidência celetista, ou seja, o preso não possui um regime jurídico disciplinando o seu labor. O apenado apenas possui poucos direitos laborais previstos na LEP.

Tal situação é encarada dessa forma em razão do trabalho do apenado ser considerado obri-gatório. Seguindo o raciocínio, a exposição de motivos da LEP demonstra que o preso não possui “a liberdade para a formação do contrato”. Por sua vez, o direito trabalhista cuida do trabalho do homem livre, que será aquele no qual há a opção do destinatário dos resultados advindos com o trabalho. Diante desse conflito “trabalho obrigatório X trabalho livre”, restaria prejudicada a configuração do contrato de trabalho e, por conseguinte, o trabalho prisional não se encontraria dentro das situações merecedoras de atenção do direito trabalhista.

Todavia, surge a possibilidade da não obrigatoriedade do trabalho prisional após o surgimento da proibição da pena de trabalhos forçados, artigo constitucional inovador, não antes previsto nas constituições anteriores. Sendo assim, é necessária a abordagem do tema para a análise da manutenção em relação ao entendimento quanto à obrigatoriedade.

2. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

OA ciência do direito sempre deverá ser abordada sob diversos enfoques, não apenas na área pormenorizada, específica na qual se concentram os principais efeitos, mas também nas demais searas em que porventura possam ocorrer respingos desses efeitos. É o que ocorre no campo do trabalho prisional, pois se verifica um forte ponto de encontro entre as disciplinas penalista e trabalhista, visto que o trabalho é realizado em ambiente prisional.

O trabalho aplicado nos estabelecimentos prisionais também poderá ser chamado de laborterapia, conforme disposto no Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa: “1. Psiq. V. Terapia ocupacional. 2. Nas penitenciárias, atividade semelhante à terapia ocupacional e que objetiva a reintegração social do condenado”.2

A própria origem da terminologia “trabalho”, apesar de ser contraditória, remonta à pala-vra pena, oriunda do vocábulo em Latim “tripalium”, que indicaria um instrumento de tortura, ou ainda um instrumento que servia para segurar grandes animais enquanto eram ferrados. Assim ocorre com as demais línguas latinas, em Espanhol, “trabajo”; no Francês, “travail”.3 Portanto, trabalho estava relacionado com a dor, o sofrimento, o castigo. Na Bíblia, no Livro Gênesis, Ca-

2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 1000.

3 COUTINHO, Aldacy Rachid. Trabalho e pena. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v. 32, p. 7-23, 1999. p 7.

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pítulo 3, Versículo 17 a 19, há a menção de que Adão, pelo cometimento do pecado original, foi por Deus penalizado com o trabalho.4 É claro que a concepção de trabalho e pena evolui muito no decorrer do tempo, os conceitos aqui expostos são históricos e servem apenas para indicar a sua origem. A pena, a princípio, não está mais vinculada à questão do trabalho, são institutos totalmente diversos.

Adentrando no aspecto do direito penal a respeito das possíveis penas, legalmente per-mitidas no Brasil, atualmente, de acordo com o artigo 5°, XLVI da CRFB, encontra-se:

Art. 5°. CRFB.............................................................................................................................XLVI. A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:a) privação ou restrição da liberdade;b) perda de bens;c) multa;d) prestação social alternativa;e) suspensão ou interdição de direitos;

Sem embargo, apesar desse rol de penas na Carta Magna brasileira, demais direitos poderão ser suprimidos em decorrência da sentença condenatória que determinará a pena a ser aplicada no caso concreto, que será o demonstrado neste artigo: a imputação de cumprimento da pena privativa de liberdade com a consequente restrição aos direitos trabalhistas. Portanto, encontra-se, novamente, em outro contexto histórico, a colisão entre a pena e o trabalho.

3. O TRABALHO OBRIGATÓRIO

A LEP, em seu Capítulo III, trata “Do Trabalho”. Mais precisamente em seu artigo 31, en-contra-se a obrigatoriedade do trabalho para os apenados:

Art. 31 LEP. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.

Destarte, vislumbra-se a obrigatoriedade do trabalho para os condenados em definitivo à pena privativa de liberdade. O labor não será obrigatório aos presos provisórios, isto é, àqueles que não possuem sentença condenatória transitada em julgado. O trabalho do preso é um misto de dever (art. 39, V) e direito (art. 41, II) do preso.

4 E disse a Adão: porque deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que eu tinha ordenado que não comesses, a terra será maldita por tua causa; tirarás dela o sustento com trabalhos penosos todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra, comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tomado; porque tu és pó, e em pó te hás de tornar.

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Art. 39 LEP. Constituem deveres do condenado:............................................................................................................................V – execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;

Art. 41 LEP. Constituem direitos do preso:............................................................................................................................II – atribuição de trabalho e sua remuneração;

O condenado por crime político está desobrigado ao trabalho de acordo com o artigo 200 da LEP. Para a pessoa submetida à medida de segurança de internação o trabalho também não é considerado um dever, dessa forma, não é obrigatório. O que poderá ocorrer é apenas o trabalho interno na medida de suas aptidões e capacidade.

A Lei n. 3.274 de 1957, que tratava sobre as Normas Gerais do Regime Penitenciário, totalmente revogada pela Lei 7.210, já previa a mesma obrigatoriedade para os apenados:

Art. 1º. Lei 3.274/1957. São normas gerais de regime penitenciário, reguladoras da execução das penas criminais e das medidas de segurança detentivas, em todo o terri-tório nacional:............................................................................................................................IV – O trabalho obrigatório dos sentenciados, segundo os preceitos da psicotécnica e o objetivo corretivo e educacional dos mesmos.

A ONU, através das Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos,5 expedida em 1955, no artigo 71, § 2°, também estabelece a obrigatoriedade do trabalho:

2) Todos os reclusos condenados devem trabalhar, em conformidade com as suas aptidões física e mental, de acordo com determinação do médico.

A respeito do trabalho prisional ainda ser considerado obrigatório, atualmente, Cezar Roberto Bitencourt, através de suas palavras, deixa claro que ainda o considera da seguinte forma: “O trabalho prisional é a melhor forma de ocupar o tempo ocioso do condenado e diminuir os efeitos criminógenos da prisão e, a despeito de ser obrigatório, hoje é um direito-dever do apenado e será sempre remunerado”.6

Por seu turno, Guilherme de Souza Nucci possui o mesmo entendimento ao tratar dos deveres do condenado, e vai além, tratando, também, da constitucionalidade:

5 Adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra em 1955, e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas através das suas resoluções 663 C (XXIV), de 31 de julho de 1957, e 2076 (LXII), de 13 de maio de 1977. Resolução 663 C (XXIV) do Conselho Econômico e Social.

6 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1. p. 540.

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O principal é a obrigação de trabalhar, que funciona primordialmente como fator de recuperação, disciplina e aprendizado para a futura vida em liberdade. Não se cuida de trabalho forçado, o que é constitucionalmente vedado, mas de trabalho obrigatório. Se o preso recusar a atividade que lhe foi destinada, cometerá falta grave (art. 50, VI LEP).7

Norberto Avena continua com o mesmo entendimento trazido acima:

Como já dissemos, a LEP contempla no trabalho do preso um direito (art. 41, II) e também um dever (art. 39, V). Logo, é obrigatório, de acordo com as suas aptidões e capacidade (art. 31). Muito embora o segregado não possa ser forçado a sua execução, a recusa im-porta no cometimento de falta grave (art. 50, VI), sujeitando-o às sanções disciplinares previstas em lei. Ressalva, porém, existe com relação ao condenado por crime político, que, nos termos do art. 200 da LEP, não está obrigado a trabalhar.8

Por fim, Paulo Lúcio Nogueira também aborda a questão ao tratar dos benefícios da laborte-rapia conjuntamente ao tema da obrigatoriedade:

[...] o trabalho não visa somente à produção, deve ser encarado também sob o aspecto existencial e de aprimoramento da formação humana, já que ele é necessário à realização pessoal do indivíduo e sendo de utilidade social.............................................................................................................................Cumpre, entretanto, salientar que, em regra, a clientela das prisões não é propensa ao trabalho, mas à vida ociosa, bastando fazer uma pesquisa sobre a modalidade de trabalho desenvolvida pelos presos, quando em liberdade, para se verificar que não são criaturas muito laboriosas. É por isso também que o trabalho carcerário deverá ser obrigatório, já que, sendo volun-tário, provavelmente muitos preferirão manter-se ociosos. ............................................................................................................................A atual Constituição dispõe que não haverá penas de trabalhos forçados, o que de modo algum pode ser entendido como trabalho obrigatório de todo condenado, sob pena de instalar-se definitivamente o regime de ociosidade, já existente nas prisões e que pre-cisa ser substituído pelo regime de trabalho, como único meio de realmente reeducar o condenado.9

Mirabete também explana: “Impõe-se ao preso o trabalho obrigatório, remunerado e com a garantia dos benefícios da Previdência Social (art. 39). Trata-se de um dever social e condição de dignidade humana, que tem finalidade educativa e produtiva”.10

7 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1007.

8 AVENA, Norberto. Execução penal: esquematizado. São Paulo: Método, 2014. p. 51.

9 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 33-35.

10 MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato Nascimento. Manual de direito penal: parte geral. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. v. I. p. 250.

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Conforme exposto, verifica-se que todos os autores acima apresentados defendem, veemente-mente, a aplicação do caráter obrigatório ao trabalho carcerário. Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena adota situação diversa, pois alega que a compulsoriedade do trabalho carcerário é “atenuada”:

Saliente-se que, hoje em dia, o trabalho do apenado, como efeito da condenação criminal, sujeito até a métodos pedagógicos de readaptação, com fundo e técnicas psicoterápicas, vem-se orientando no sentido de impor-se ao detento (mesmo em regime de para-li-berdade) uma atividade compatível com a pessoa do prestador ou respeitando-se, tanto quanto possível, as suas aptidões. O princípio da seletividade obedece, em geral, a uma dimensão de caráter profissional, como que se orientando pelo reaproveitamento da anterior atividade do prestador – detento, suas condições de vida, sua classe social, seu modus vivendi, etc. Em suma, está-se diante de uma compulsividade atenuada, mas dirigida.11

Consoante o Vilhena, a obrigatoriedade do trabalho prisional não seria uma obrigação para a realização de um trabalho qualquer, pois o labor deverá respeitar as condições da vida pregressa do condenado, assim como necessidades futuras do preso e as oportunidades oferecidas pelo mercado.12

Porém, Luiz Antônio Bogo Chies promove o debate da problemática, pois para o autor:

Não sendo a pena privativa de liberdade uma pena de trabalhos forçados (em Constitui-ção em seu artigo 5°, XLVII, “c”), como se pode imputar ao apenado a obrigatoriedade da atividade laboral?Sem que se entre aqui de forma mais aprofundada nesse debate, não obstante sua importância, nossa opinião é no sentido de que a obrigatoriedade do trabalho ao preso é incompatível com a moderna concepção do trabalho como um direito social além de individual. Entretanto, no vigente Direito de Execução Penal brasileiro a questão é tam-bém controversa.13

O autor, para tanto, justifica seu entendimento da seguinte forma:

Mesclando disposições de obrigatoriedade, dever e direito na relação entre preso e tra-balho penitenciário, mas sobretudo ao inserir no artigo 31 uma obrigação “condicionada” à medida das aptidões e capacidade do preso, temos que o conteúdo da LEP, em conso-nância com as disposições constitucionais acerca das penas (em especial os princípios de individualização e humanização – artigo 5° XLVI e III – bem como à vedação das penas cruéis e de intervenções degradantes da pessoa humana – artigo 5° XLVII e III), deve ser

11 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Contrato de trabalho com o Estado. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 32.

12 Art. 32 LEP. Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado.

13 CHIES, Luiz Antônio Bogo. Prisão: tempo, trabalho e remição: reflexões motivadas pela inconstitucionalidade do artigo 127 da LEP e outros tópicos revisados. In: CARVALHO, Salo (Org.). Crítica à execução penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 535.

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imperativamente interpretado como atribuidor e reconhecedor do caráter prioritário de direito, e, portanto, não de dever, do trabalho penitenciário.Por óbvio que tal entendimento não é pacífico.14

Rui Carlos Machado Alvim também partilha do entendimento da não obrigatoriedade, pois para a correta realização do tratamento deverá existir a adesão do preso:

[...] o trabalho destaca-se, na moderna política penitenciária, como um dos momentos marcantes do tratamento e este não pode ser obrigatório [...]. Fina-se aí, e mais ali, a tal obrigatoriedade: primeiro, pelo fato de que a realização do tratamento deve imprescindi-velmente contar com a adesão consciente do “tratado”; e segundo, porque a constituição brasileira desautoriza que, no cumprimento da pena, ofenda-se a integridade moral do presidiário (art. 5, XLIX). Impor-lhe, portanto, contra a sua vontade, o trabalho, como meio terapêutico ou como via de ressocialização, extrapola o âmbito da pena – que é unicamente o cerceamento da liberdade – e o campo do direito penal mesmo, carecendo de legitimidade, porque este não pode obrigar todos a uma conduta uniforme; sua função cessa na exigência de “mera conformidade exterior à lei”. Esta é a única alternância para uma sociedade que se apregoa democrática e pluralista.15

Para o autor, o trabalho realizado de forma obrigatória extrapola o âmbito da pena, que deve se ater única e exclusivamente ao cerceamento de liberdade.

E Anabela Miranda Rodrigues também argumenta que o trabalho do recluso, realizado com o fim de ressocializá-lo, deverá ser calcado de forma optativa, ou seja, de forma que seja dada a faculdade de escolha para o apenado:

Sabe-se como o consentimento e a participação do recluso no tratamento são essenciais para o seu correto entendimento. E foi exatamente este reconhecimento que levou alguns autores a adoptar [sic] uma separação completa entre pena e tratamento, encontrando aí a razão da dissociação: a pena seria puramente repressiva e o tratamento totalmente facultativo.16

Em que pesem as palavras citadas pelos últimos autores estarem calcadas de lógica, conforme demonstrado, a doutrina é quase unânime em afirmar que o trabalho do preso continua a ser considerado obrigatório.17 Inicialmente, se fosse o caso de ter ocorrido a revogação do preceito, tal

14 CHIES, Luiz Antônio Bogo. Prisão: tempo, trabalho e remição: reflexões motivadas pela inconstitucionalidade do artigo 127 da LEP e outros tópicos revisados. In: CARVALHO, Salo (Org.). Crítica à execução penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 535-536.

15 ALVIM, Rui Carlos Machado. O trabalho penitenciário e os direitos sociais. São Paulo: Atlas, 1991. p. 38.

16 RODRIGUES, Anabela Miranda. A posição jurídica do recluso na execução da pena privativa de liberdade: seu fundamento e âmbito. São Paulo: IBCRIM, 1999. p. 147.

17 Nesse sentido, defensores da obrigatoriedade do trabalho prisional, também se encontram: SCAPINI, Marco Antônio Bandeira. Prática de execução das penas privativas de liberdade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 46.

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revogação foi tácita, pois o artigo 31 continua com a sua redação original intacta no corpo da LEP.

Cumpre ressaltar o Decreto n. 6.049, de 27 de fevereiro de 2007, que aprova o Regulamento Penitenciário Federal, em seu artigo 98, aborda o trabalho do apenado, inclusive quando em Re-gime Disciplinar Diferenciado (RDD):18

Art. 98 Decreto nº 6.049/2007. Todo preso, salvo as exceções legais, deverá submeter-se ao trabalho, respeitadas suas condições individuais, habilidades e restrições de ordem de segurança e disciplina.§ 1o. Será obrigatória a implantação de rotinas de trabalho aos presos em regime discipli-nar diferenciado, desde que não comprometa a ordem e a disciplina do estabelecimento penal federal.§ 2o. O trabalho aos presos em regime disciplinar diferenciado terá caráter remuneratório e laborterápico, sendo desenvolvido na própria cela ou em local adequado, desde que não haja contato com outros presos.§ 3o. O desenvolvimento do trabalho não poderá comprometer os procedimentos de re-vista e vigilância, nem prejudicar o quadro funcional com escolta ou vigilância adicional.

O artigo, publicado no Decreto de 2007, continua a considerar o trabalho do preso como obri-gatório, e vai além, ao considerar que mesmo no RDD, o tratamento em relação à obrigatoriedade deverá ser mantido, apesar das restrições intrínsecas ao regime.

4. A OBRIGATORIEDADE DO TRABALHO PRISIONAL E A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS

Em razão do trabalho ser considerado obrigatório, consequentemente existe a inaplicação dos direitos trabalhistas aos presos, pois o clássico direito do trabalho preza a prestação dos serviços livre, aquela em que há o acordo das partes em pactuarem o contrato, conforme reza o art. 442 da CLT.19 Assim, a própria exposição de motivos da LEP justifica a falta de aplicação dos direitos trabalhistas, consoante a mensagem n. 242 de 1983, abaixo citada:

57. Procurando, também nesse passo, reduzir as diferenças entre a vida nas prisões e a vida em liberdade, os textos propostos aplicam ao trabalho, tanto interno como externo, a organização, métodos e precauções relativas à segurança e à higiene, embora não esteja submetida essa forma de atividade à Consolidação das Leis do Trabalho, dada a

OLIVEIRA, Gláucio Araújo de. O trabalho penitenciário – Análise comparada Brasil/Espanha/Portugal. In: AZEVEDO, Andre Jobim de; VIL-LATORE, Marco Antônio (Org.). Direito do trabalho: XIV Jornada Luso-Hispano-Brasileira. Curitiba: Juruá, 2010. p. 163.

CARVALHO, Carmen Pinheiro de. O direito do trabalho e o direito penitenciário. Revista Síntese Trabalhista, Porto Alegre, v. 9, n. 110, 1998. p. 15.

18 Art. 52 LEP. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: I – duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II – recolhimento em cela individual; III – visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; IV – o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.

19 Art. 442 CLT. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.

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inexistência de condição fundamental, de que o preso foi despojado pela sentença con-denatória: a liberdade para a formação do contrato. (grifo da autora)

Ou seja, o legislador optou por não conceder os direitos celetistas ao preso em razão da sua falta de liberdade para a formação do contrato. O legislador considerou que a sentença penal condenatória retirou a liberdade do preso para a formação contratual em razão do trabalho ser obrigatório. Como o direito trabalhista clássico cuida do trabalho do homem livre (que é aquele que pode escolher para quem e no que trabalhar), o trabalho prisional não se encontraria dentro das situações merecedoras de atenção do direito trabalhista, o que resultou na edição do artigo 28 da LEP:

Art. 28 LEP. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. ........................................................................................................................... § 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Apesar dos entendimentos aqui trazidos, a dificuldade em tratar da obrigatoriedade reside no fato da falta de oportunidades de trabalho na prisão, visto que a oferta de postos de trabalho é bem menor do que a mão de obra disponível. Dessa forma, encontra-se um abismo entre a formalidade e a materialidade da laborterapia. Exatamente por existir essa disparidade entre o disposto pela lei e o realizado na prática é que foram trazidos aqui diversos doutrinadores defendendo a manutenção da obrigatoriedade do trabalho carcerário. Porém, para demonstrar a dificuldade do trabalho carcerário ser considerado, efetivamente, obrigatório, serão apresentados dados do INFOPEN, que se trata de um Sistema de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça, através do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), quais sejam os últimos dados constantes no portal da instituição, de junho de 2011:20

População carcerária no país: 513.802 pessoas;Homens: 93%; Mulheres: 7%48% são jovens com menos de 30 anos de idade;

Realizando trabalho interno, existem:a) 33.996 pessoas no apoio ao estabelecimento penal;b) 24.184 em parceria com a iniciativa privada;c) 2.834 em parcerias com órgãos do estado;d) 281 em parcerias com paraestatais (sistema S e ONGs);e) 12.704 realizando trabalhos artesanais;

20 INFOPEN. Dados do Infopen relativos a trabalho, renda e qualificação profissional. Portal do Ministério da Justiça, Brasília, [2011]-. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BDA8C1EA2-5CE1-45BD-AA07-5765C04797D9%7D&Team=&-params=itemID=%7B14A64773-0CFB-45A4-BA6F-EC41D9AFE2BB%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D>. Acesso em: 20 out. 2014.

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f) 1.026 realizando atividades rurais;g) 4.005 realizando atividades industriais.

Realizando trabalho externo, existem:a) 8.482 pessoas em parceria com a iniciativa privada;b) 2.573 em parcerias com órgãos do estado;c) 559 em parcerias com paraestatais (sistema S e ONGs);d) 2.573 realizando trabalhos artesanais;e) 391 realizando atividades rurais;f) 1.208 realizando atividades industriais.

De acordo com os dados, a população carcerária do Brasil em 2011, seria composta por mais de 500 mil presos, sendo 93% homens. Somando todas as modalidades de trabalho prisional, o número de presos laborando é 94.816, isto é, um número muito aquém do número total de apenados. Assim, é evidente que o trabalho carcerário está muito distante de ser considerado obrigatório.

Corroborando tais índices, o Protocolo Facultativo da Convenção contra a Tortura e Outros Tra-tamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, datado em 18 de fevereiro de 2013, realizado pela ONU a respeito do sistema carcerário brasileiro, traz o número aproximado de presos laborando:

No que diz respeito à terapia ocupacional (trabalho interno e externo), cerca de 110 mil presos (cerca de 20% da população carcerária) exercem atividades de artesanato ou tra-balham em projetos industriais e agrícolas sob parcerias com os organismos do sector [sic] ou auto-governo [sic] privadas.21

Conforme assinalado, em 2013, a situação continua muito similar, um índice pequeno, cerca de apenas 20% dos apenados cumprem atividade laboral. Assim, superada a controvérsia a respeito da possível obrigatoriedade laboral subexistir, comprova-se que tal situação está presente apenas no plano formal, e não no plano material.

Em que pese tais argumentos a respeito da manutenção da obrigatoriedade, conforme os dados acima trazidos, não há trabalho para todos, existem filas de espera para o trabalho em algumas prisões. Então, no momento em que não há postos de trabalho suficientes, qual a razão de continuar se valendo do instituto da obrigatoriedade? O trabalho obrigatório, na verdade, acaba não o sendo, visto que não há trabalho para todos, se tornando apenas “letra morta” em nossa legislação. Destarte, o preso acaba demonstrando a sua vontade de trabalhar, muitas vezes ten-do que realizar o “rodízio de trabalho” nas prisões, para todos conseguirem trabalhar e obter o

21 OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. Protocolo facultativo de la Convención contra la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes. Genebra: Organização das Nações Unidas, 2006. Disponível em: <http://www.ohchr.org/Docu-ments/HRBodies/OPCAT/elections2014/ProvRulesProcedure-Spanish.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014. Tradução realizada pela pesquisadora. Texto original: “Por lo que respecta a la terapia ocupacional (trabajo interno y externo), alrededor de 110.000 reclusos (aproximadamente 20% de la población carcelaria) ejercen actividades artesanales o trabajan en proyectos industriales y agrícolas en el marco de alianzas con el sector privado o con organismos de gobierno autónomos”.

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benefício da remição da pena.22 A obrigatoriedade ficaria apenas no plano formal, na Lei, servindo para a marginalização dos direitos trabalhistas.

É claro que quando o beneficiário do labor for a administração pública, a concessão da tutela celetista aos presos é impossível, visto que para se tornar um empregado público, é necessário obter a aprovação em concurso conforme disciplina o artigo 37, II da Constituição.23 Porém, não se pode esquecer que em muitas ocasiões, é a iniciativa privada a favorecida pelos trabalhos prestados, e dessa forma, o liame empregatício poderá surgir, desde que presentes os elementos essenciais da relação de emprego.

Todavia, mesmo o preso trabalhando em prol da administração pública, alguns direitos tra-balhistas deverão ser preservados, como é o direito às férias. Agora, suponha-se, por exemplo, a situação de um condenado a oito anos ao regime semiaberto. Imagine-se que o mesmo preso resolva trabalhar logo no início do cumprimento de sua pena e assim se mantenha até a sua sol-tura para a vida em liberdade, quanto tempo essa pessoa irá trabalhar sem direito ao descanso anual, ou seja, as férias? Sem dúvidas, ao término da pena, a pessoa estará com alguma fadiga física, pois o corpo precisa de certo tempo estendido para repor suas energias. Conforme explana Maurício Godinho Delgado a respeito do referido descanso:

De fato, elas fazem parte de uma estratégia concertada de enfrentamento dos problemas relativos à saúde e segurança do trabalho, à medida que favorecem a ampla recuperação das energias físicas e mentais do empregado após longo período de prestação de serviços. [...] também têm fundamento em considerações e metas relacionadas à política de saúde pública, bem estar [sic] coletivo e respeito à própria construção de cidadania.24

Epaminondas de Carvalho defende o mesmo ponto de vista em relação às férias, mas aplicado ao trabalho prisional:

É fácil ver que o direito ao gozo de férias remuneradas constitui uma das mais importantes conquistas do trabalhador. Qual a razão de ordem jurídica ou moral invocada para a dene-gação do benefício ao penitenciário que trabalha durante um ano, dispensando considerável soma de energias?Qualquer justificação, além de anti-humana, não poderá ser enquadrada na nova concepção do direito, já que não vivemos mais estribados no falso postulado da igualdade teórica. A cessação do trabalho, com o fim de repouso, é uma necessidade que se não pode negar a pessoa humana, já porque tal direito tem uma tendência universalista, já ainda porque, a repetição de atos de atividade, leva fatalmente ao esgotamento de energias, à fadiga, causa

22 rt. 126 LEP. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. § 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de: II – 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.

23 Art. 37 CRFB, II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

24 [ CITATION Del09 \l 1046 ] p. 881-882.

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psicológica dos acidentes.Qualquer que seja a espécie de atividade humana, o trabalho não deve ser executado em estado de fadiga.Sob este perfil, a sociedade exige que o penitente ao ser devolvido ao seu meio, conserve uma capacidade de trabalho revigorada, visando, assim, [sic] um melhor rendimento.Pouco importa que o descanso seja feito no próprio estabelecimento penal, de forma intercalada ou prolongada. Pouco importa, ainda, que não possa o recluso afastar-se tem-porariamente do ambiente em que trabalha e vive, muito embora, possa ser transferido para outro presídio de igual regime.Cremos que, nos tempos modernos, é necessário que o trabalhador descanse para que não execute trabalhos em estado de esgotamento. O repouso, portanto, como lei biológica que é, não pode ser negado ao penado, pois seria negar a própria dignidade da pessoa humana.25

É evidente, até mesmo para um leigo, que o trabalho realizado ano após ano sem o período de descanso detém uma possibilidade maior de causar acidentes. O Estado, ao possuir a custódia do indivíduo, deveria guiar o trabalho de forma que a integridade física e psíquica do apenado não seja abalada. Assim, deveriam ser concedidas as férias anuais para os apenados trabalhadores.

O preso precisa aprender, precisa ser educado de que, após tanto tempo de trabalho, há o repouso anual remunerado. Não precisaria ser o descanso anual típico celetista de 30 dias, mas, no caso, um descanso de 10 dias, inclusive para o apenado entender como funciona a sistemática trabalhista (período aquisitivo de férias, para depois ocorrer o período concessivo), configurando uma típica interrupção do contrato de trabalho, inclusive para os cálculos de remição da pena. Entende-se que o período de férias pode ser reduzido, pois as férias possuem diversas finalidades, para descansar, para viajar, para o lazer, mais tempo com a família, entre inúmeros benefícios. Como o preso encontra-se com a sua liberdade de ir e vir cerceada, muitos desses benefícios não são adimplidos, e assim o número de dias de férias poderá ser reduzido.

Se o contrário for demonstrado para ele, isto é, que apenas há trabalho sem o descanso anual, o trabalho do apenado poderá fazer o caminho contrário ao da ressocialização: além de lesio-nar fisicamente e psicologicamente a pessoa, poderá transformá-lo em um “revoltado contra o sistema”, mais do que, porventura, ele já possa ser. Esse é o entendimento exemplificativo em relação às férias, porém, outros direitos trabalhistas podem e devem ser pensados no contexto do trabalho prisional.

Cumpre ressaltar que o projeto de Lei n. 513 de 2013 que pretende alterar a LEP continua a prever a mesma sistemática de marginalização celetista para o trabalho carcerário.26 Porém, apesar da justificativa da “falta de liberdade” para contratação exposta na exposição de motivos de 1984 em decorrência da obrigatoriedade do trabalho do apenado, o PL não prevê mais a sua

25 CARVALHO, Epaminondas de. Tem o penitenciário direito ao gozo de férias anuais? Revista do Trabalho, Rio de Janeiro, v. 12, n. 4, 1944. p. 190-191.

26 Art. 28 PL 513/2013. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e pro-dutiva. [...] § 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, e admite-se o trabalho em função da produtividade.

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obrigatoriedade, mas sim o incentivo ao labor.27 Dessa forma, mesmo sem a obrigatoriedade do trabalho, de acordo com a nova vontade do legislador pátrio disposta no PL, a marginalização persistirá. A incongruência e ilogicidade persistem.

5. A (NÃO) RECEPTIVIDADE DO TRABALHO OBRIGATÓRIO APÓS A CRFB/1988

Conforme demonstrado, o trabalho do preso continua a ser considerado obrigatório diante da doutrina majoritária. Porém, inicialmente, poder-se-ia considerar que o presente artigo da LEP (promulgada em 1984) não foi recepcionado após o advento da Constituição da República Fede-rativa do Brasil em 1988, pois em seu artigo 5°, inciso XLVII, alínea “c”, prevê a vedação da pena de trabalhos forçados, podendo haver um conflito entre a norma constitucional e a norma penal. De acordo com a Constituição de 1988 não poderão existir as seguintes penas:

Art. 5° CRFB/1988. ............................................................................................................................XLVII. Não haverá penas:a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;b) de caráter perpétuo;c) de trabalhos forçados;d) de banimento;e) cruéis;

Quando ocorrera a promulgação da LEP, a Constituição em vigor era a de 1967, alterada após a Emenda Constitucional n. 11, de 13 de outubro de 1978, que em seu artigo 153 lista o rol de direitos e garantias fundamentais, além das penas incabíveis:

Art. 153 CRFB/1967. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:............................................................................................................................§ 11. Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, nem de banimento. Quanto à pena de morte, fica ressalvada a legislação penal aplicável em caso de guerra externa. A lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enri-quecimento no exercício de função pública.

A Constituição de 1988, em relação às penas proibidas, foi diploma constitucional inovador, visto que proíbe a pena de trabalhos forçados. Todas as Constituições anteriores, 1946 (art. 141, §

27 Art. 31 PL 513/2013. A pessoa privada de liberdade será incentivada ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidades. Parágrafo único. É facultativo o trabalho do preso provisório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.

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31),28 1937 (art. 122, n. 13),29 1934 (art. 113, n. 29),30 1891 (art. 72, § 20 e 21)31 e 1824 (art. 179, XX),32 apenas continham, no máximo, disposições parecidas, se não iguais, às da Constituição de 1967.

Consequentemente, realizando-se um comparativo entre as duas Constituições, a de 1967 e a de 1988, é fácil a verificação de que no momento de publicação da LEP não existia a vedação de pena de trabalho forçado, apenas a vedação da pena de morte, de prisão perpétua e de banimen-to. Logo, quando promulgada a LEP, o artigo 28 era perfeitamente constitucional. A proibição da pena de trabalho forçado foi introduzida pela Constituição de 1988. Portanto, poder-se-ia pensar que a obrigação do trabalho para os apenados, prevista no artigo 31 da LEP, após o advento da CRFB em 1988, tornou-se não recepcionada em razão da vedação da pena de trabalhos forçados.

Celso Ribeiro Bastos, em seu livro Comentários à Constituição do Brasil, publicado logo após o seu advento, explica o teor da vedação da pena de trabalhos forçados:

Pode parecer estranho que a Constituição proíba trabalhos forçados justamente quando estudos acerca dos problemas prisionais estão a evidenciar o caráter extremamente reeducador da atividade laboral. Seus aspectos benéficos ficam comprovados durante próprio encarceramento, como posteriormente, na vida em liberdade, quando o então aprendido poderá ser de enorme valia na obtenção de trabalho.Para compreender-se perfeitamente essa vedação há, no nosso entender, que se dar a devida dimensão ao qualitativo “forçados”. O que o Texto quis excluir é a possibilidade da imposição de trabalhos com cominação de penas, o que vale dizer, procurou-se banir aqueles labores exigidos coercitivamente. É que aqui a própria valia do trabalho fica posta em causa, prejudicada pelo seu aspecto coercitivo, que assumirá certamente o ar de uma pena aflitiva suplementar. De resto, é preciso atentar-se para possíveis abusos passíveis de ocorrência nesse campo, como nos dá conta Dostoievski, em Recordações da casa dos mortos, ao narrar que o pior castigo enfrentado pelos detidos era o terem de carregar pedras de um lado para outro e, depois, recolocá-las no lugar de origem. O trabalho privado de significação prática é execrável.É evidente que a Lei Maior não está a repelir métodos positivos de estimulação ao traba-lho que poderíamos considerar como autênticas sanções premiais. Assim, entendido o trabalho como uma técnica de dignificação do próprio homem e respeitada a vontade do presidiário em cumpri-lo ou não, livre está o sistema carcerário de estabelecer vantagens, privilégios, compatíveis evidentemente com a vida do recluso ou detento, mas que possam funcionar como um estímulo para a aceitação de tarefas operosas.33 (grifo da autora)

28 Art. 141, § 31. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Não haverá pena de morte, de banimento, de confisco nem de caráter perpétuo. São ressalvadas, quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar em tempo de guerra com país estrangeiro. A lei disporá sobre o seqüestro [sic] e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica.

29 Art. 122, n.13. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a pena de morte será aplicada nos seguintes crimes.

30 Art. 113, n. 29. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil . Não haverá pena de banimento, morte, confisco ou de caráter perpétuo, ressalvadas, quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar, em tempo de guerra com país estrangeiro.

31 Art. 72, § 20. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Fica abolida a pena de galés e a de banimento judicial. § 21. Fica igualmente abolida a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra.

32 Art. 179, XX. Constituição Política do Império do Brasil. Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Portanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infâmia do Réo [sic] se transmittirá [sic] aos parentes em qualquer gráo [sic], que seja.

33 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São

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Sendo assim, o autor em questão considera, conforme grifado, que não poderá ocorrer a impo-sição de trabalhos forçados com a imposição de penas, além do fato de que deverá ser respeitada a vontade do presidiário em cumpri-lo ou não. Portanto, conclui-se que, para o constitucionalista, a figura do trabalho obrigatório da LEP, de acordo com a nova ordem constitucional, não poderia mais vigorar, dado o fato da observância à vontade do preso.

Por sua vez, Alexandre de Moraes disserta de forma diversa:

As penas de trabalho forçado não se confundem com a previsão de trabalho remunerado durante a execução penal, previsto nos arts. 28 ss. da Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais). O trabalho do condenado, conforme previsão legal, como dever social e condição da dignidade humana, terá sempre finalidade educativa e produtiva, sendo igualmente remunerado, mediante tabela prévia, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo (art. 29 da citada lei). A própria lei prevê que o sentenciado deve realizar trabalhos na medida de duas aptidões e capacidade. Essa previsão é plenamente compatível com a Constituição Federal, respeito à dignidade humana e visando à reeducação do sentenciado.34

Dessa forma, visualiza-se que, dentro da doutrina constitucionalista, os entendimentos não são uniformes, uma vez que Alexandre de Moraes justifica que a pena de trabalhos forçados e o trabalho do apenado são institutos distintos. Não foram encontrados demais doutrinadores cons-titucionalistas que entrem no mérito da obrigatoriedade ou não do trabalho prisional.

Alice Monteiro de Barros disserta sobre o assunto, justificando que o trabalho do preso é uma espécie de execução da pena, não uma pena de trabalhos forçados: “Lembre-se que não haverá penas de trabalhos forçados (art. 5°, XLVII, “c”, da Constituição). Em consequência, o trabalho do presidiário é modalidade de execução da pena, e não uma espécie de pena”.35

Por fim, menciona-se Renato Marcão, que, apesar de não justificar, entende que o trabalho do apenado e trabalho forçado são espécies distintas, e dessa forma o artigo 31 da LEP seria recepcionado pela nova ordem vigente:

Respeitadas as aptidões, a idade, a habilitação, a condição pessoal (doentes e portadores de necessidades especiais), a capacidade e as necessidades futuras, todo condenado definitivo está obrigado ao trabalho, o que não se confunde com pena de trabalho forçado, e, de consequência, não contraria a norma constitucional estabelecida no art. 5, XLVII.36

Além do mais, Renato Marcão reforça a doutrina majoritária a respeito da obrigatoriedade do trabalho, conforme demonstrado anteriormente.

Paulo: Saraiva, 1989. v. 2. p. 242.

34 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2006. p. 337.

35 BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e regulamentações especiais de trabalho: peculiaridades, aspectos controvertidos e tendências. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 405.

36 MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 63.

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Em suma, a doutrina, além de manter o entendimento a respeito da obrigatoriedade, também argumenta que o trabalho prisional em caráter obrigatório foi recepcionado pela nova ordem constitucional de 1988.

Novamente, cita-se a ideia proposta no Projeto de Lei n. 513 de 2013, que pretende alterar a LEP, e em seu artigo 3137 não prevê a obrigatoriedade do trabalho interno, mas que o preso será incentivado para tanto. Ou seja, diante do legislador, não haveria problemas na manutenção da obrigatoriedade da laborterapia.

Adentrando o ponto de vista trabalhista, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) trata do tema em duas Convenções: Convenção n. 105, de 1957, ratificada pelo Brasil através do Decreto n. 58.822 de 14 de julho de 1966, que trata da abolição do trabalho forçado; e a Convenção n. 29, de 1930, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. 41.721, em 25 de junho de 1957, que trata sobre o trabalho forçado ou obrigatório. Esta última disciplina em seu artigo 2°, item 1:

1. Para fins desta Convenção, a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.

Porém, encontra-se a exceção na alínea “c”, item 2, do mesmo artigo:

2. A expressão “trabalho forçado ou obrigatório” não compreenderá, entretanto, para os fins desta Convenção:............................................................................................................................c) qualquer trabalho ou serviço exigido de uma pessoa em decorrência de condenação judiciária, contanto que o mesmo trabalho ou serviço seja executado sob fiscalização e o controle de uma autoridade pública e que a pessoa não seja contratada por particulares, por empresas ou associações, ou posta à sua disposição;

Assim, pode-se concluir que, diante dos conceitos da OIT, o trabalho prisional será forçado/obrigatório (são considerados sinônimos dentro do mesmo item), pois conforme a conceituação do item 1, é exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção (que no caso é a configuração da falta grave quando o preso não executa o seu dever de trabalhar, prevista no art. 50, VI combinado com o art. 39, V da LEP), e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente (pois é obrigatório pela LEP). Apenas não será considerado forçado ou obrigatório em função da ressalva do item 2, letra “c”, pois há uma condenação judiciária e também em razão da fiscalização e do controle de autoridade pública.

A questão torna-se polêmica no momento em que a Convenção estipula outra condição para o trabalho do apenado, disposta no final da letra “c”: “que a pessoa não seja contratada por

37 Art. 31 PL 513/2013. A pessoa privada de liberdade será incentivada ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidades. Parágrafo único. É facultativo o trabalho do preso provisório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.

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particulares, por empresas ou associações, ou posta à sua disposição”. Algo que, na prática, o Brasil não observa, pois é verificada no atual contexto prisional a entrada maciça de particulares valendo-se da mão de obra carcerária.

O Pacto de Direitos Civis e Políticos, adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, promulgado no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto n. 592 de 06 de julho de 1992, estabelece a mesma situação em seu artigo 8, item 3:

3. a) Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios;b) A alínea a) do presente parágrafo não poderá ser interpretada no sentido de proibir, nos países em que certos crimes sejam punidos com prisão e trabalhos forçados, o cumprimento de uma pena de trabalhos forçados, imposta por um tribunal competente;c) Para os efeitos do presente parágrafo, não serão considerados “trabalhos forçados ou obrigatórios”:i) qualquer trabalho ou serviço, não previsto na alínea b) normalmente exigido de um indivíduo que tenha sido encarcerado em cumprimento de decisão judicial ou que, tendo sido objeto de tal decisão, ache-se em liberdade condicional;

E ainda, no mesmo sentido, O Pacto de San José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, realizada entre os países-membros da Organização dos Estados Americanos (portanto possui vigência apenas na América), subscrita durante a Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos, adentrando no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto n. 678 de 06 de novembro de 1992, possui o mesmo entendimento internacional já exarado, conforme abaixo:

Art. 6º. Proibição da escravidão e da servidão............................................................................................................................2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos paí-ses em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de proibir o cumprimento da dita pena, imposta por um juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade, nem a capacidade física e intelectual do recluso.3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo:a) os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de par-ticulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado;

O Pacto também ressalta, no seu artigo 6°, item 3, letra “a” que: “os indivíduos que executarem os trabalhos não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas

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de caráter privado.” Ou seja, existem três regulamentações internacionais, duas em caráter mun-dial, uma em caráter americano, todas ratificadas pelo ordenamento jurídico pátrio, que versam a respeito da exceção quanto à obrigatoriedade do trabalho prisional, considerando-o como uma forma lícita, desde que os presos não sejam contratados ou colocados à disposição de particulares.

5.1. AS DIFERENÇAS ENTRE TRABALHO FORÇADO, OBRIGATÓRIO E DEGRADANTE

Além de tudo aqui já abordado, insta frisar que apesar da OIT, assim como o Pacto de Direitos Civis e Políticos e o Pacto de San José da Costa Rica considerarem trabalho obrigatório e forçado como sinônimo, tais terminologias não são consideradas sempre de tal forma. É considerada a diferença terminológica, pois o trabalho obrigatório é aquele imposto pelo direito público, como um dever público. Como exemplo para tanto tem-se no Brasil o caso do labor prisional. Outra situação é o serviço militar, assim como outros atos que os cidadãos são impelidos a realizar: o mesário, assim como a função de jurado e de escrutinador. São deveres cívicos, ligados ao senso de responsabilidade e cidadania. Em outros países há a obrigatoriedade ao trabalho para o fim de utilidade ou necessidade pública para prevenir ou reparar prejuízos comuns (situação prevista no artigo 2°, item 2, “d” da Convenção 29 da OIT).

Por sua vez, o trabalho forçado, conforme aduzido por Luís Antônio Camargo de Melo:

O trabalho escravo ou forçado, contudo, segundo o conceito hodiernamente adotado, não será somente aquele para o qual o trabalhador não tenha se oferecido espontaneamente, porquanto há situações em que este é engodado por falsas promessas de ótimas condi-ções de trabalho e salário. Esta situação, inclusive, é a que mais se verifica atualmente. Imprescindível, porém, para a caracterização do trabalho escravo ou forçado, que o tra-balhador seja coagido a permanecer prestando serviços, impossibilitando ou dificultando,

sobremaneira, o seu desligamento.38

Luís Antônio demonstra que não é apenas a situação do trabalhador ser forçado a trabalhar que considerará o trabalho como escravo. A problemática vai além, pois há casos que em que são pregadas ilusões através de contratações fraudulentas, e após, o trabalhador percebe que foi enganado e deseja rescindir o vínculo, porém, não consegue. O autor continua o seus ensi-namentos, ao demonstrar como que o trabalho forçado poderá ocorrer através de três coações:

Esta coação poderá ser de três ordens: moral, psicológica e física.Será moral quando o tomador dos serviços, valendo-se da pouca instrução e do elevado senso de honra pessoal dos trabalhadores, geralmente pessoas pobres e sem escola-ridade, submete estes a elevadas dívidas, constituídas fraudulentamente com o fito de impossibilitar o desligamento de trabalhador.Será psicológica quando o trabalhador for ameaçado de sofrer violência, a fim de que

38 MELO, Luís Antônio Camargo de. Premissas para um eficaz combate ao trabalho escravo. Revista do Ministério Público, Brasília, ano XIII, n. 26, p. 13-14.

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permaneça trabalhando. Tais ameaças dirigem-se, normalmente, à integridade física do trabalhador, sendo comum, em algumas localidades, a utilização de empregados armados para exercerem esta coação.Ameaças de “surra” e de morte não são raras, estabelecendo-se um clima de terror entre os trabalhadores.A ameaça de abandono do trabalhador à sua própria sorte, em determinados casos, constitui-se em um poderoso instrumento de coação psicológica.Muitas vezes o local da prestação dos serviços é distante e inóspito, centenas de quilô-metros da cidade ou distrito mais próximo, sendo certo que diversos relatos dão conta de trabalhadores desaparecidos ao tentar fugir da exploração.............................................................................................................................[...] além de sofrerem ameaças de violência física (o que, por si só, exerce forte coação sobre muitos) os trabalhadores são, efetivamente, submetidos a castigos físicos e, não sendo estes “suficientes”, alguns deles são sumariamente assassinados, servindo, então, como exemplo àqueles que pretendam enfrentar o tomador dos serviços. É a coação de ordem física.39

Dessa forma, de acordo com o autor, a conceituação do trabalho escravo e forçado está rela-cionada ao fato da impossibilidade ou dificuldade em romper o vínculo com o tomador dos serviços através da coação moral, psicológica ou física. A coação moral surgiria no momento que o empre-gador abusaria da falta de instrução do empregado para impossibilitar o fim do vínculo, aliado ao fato do empregador forçar o trabalhador a realizar altas dívidas. Já a psicológica ocorre quando houver intimidamento através de ameaças caso o empregado fuja ou denuncie seu empregador. Por fim, a física, ocorre quando é utilizada a violência física contra os trabalhadores.

Maurício Godinho Delgado assim afirma a contrastante separação entre o atual sistema con-temporâneo do trabalho livre e os trabalhos servis e escravos:

Se a ausência da liberdade no interior da relação servil ou escrava conduzia à emergência da sujeição como critério de vinculação entre o titular do meio de produção e o produtor/trabalhador envolvido, não será esse o efeito constatado no sistema produtivo contem-porâneo. É que a presença da liberdade/vontade no interior da relação empregatícia afasta a possibilidade do uso do critério do simples comando/obediência, do critério da sujeição como padrão de relacionamento direto empregado/empregador no mundo atual. Inviabilizado o critério fundado na coerção, por incompatibilidade com o trabalho livre, constrói-se – como já apontado – o critério da subordinação objetiva, dirigida à forma de prestação do trabalho, sem interferência na vida e liberdade pessoal do trabalhador. O critério da subordinação, entretanto, é natural e historicamente elástico. Comporta, assim, fórmulas alternativas em que se contrapõem tanto padrões constituídos por ele-vada concentração de ordens e controle objetivos [...].

39 MELO, Luís Antônio Camargo de. Premissas para um eficaz combate ao trabalho escravo. Revista do Ministério Público, Brasília, ano XIII, n. 26, p. 13-14.

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A segunda alteração exponencial produzida pelo trabalho livre no interior da relação de produção hegemônica contemporaneamente – se comparada com as relações de produ-ção que lhe foram precedentes – reside especificamente no papel da coerção no núcleo dessa relação. Se a presença da liberdade/vontade já compromete a função da coerção na relação empregatícia, a própria estrutura e dinâmica da contemporânea relação de produção dispensam, como regra, o recurso imediato à coerção como fórmula essencial ao funcionamento do sistema. A relação de produção empregatícia é extremamente mais sofisticada que as relações produtivas servis e escravas, caracterizando-se por uma fórmula de estruturação e funcionamento que organicamente dispensa a coerção como instrumento de existência e dinamismo do sistema produtivo. De fato, na economia contemporânea, o sistema de produção, apropriação e distribuição cumpre seu integral ciclo sem a necessidade imediata e imperativa do uso de instru-mentais coercitivos. O sistema tem uma sofisticação desconhecida nos sistemas prece-dentes, hábil a permitir que a apropriação do resultado do trabalho do produtor se faça no próprio circuito econômico, sem recurso a mecanismos não-econômicos [sic]. Esta sofisticação se expressa pelo salariato. O trabalhador produz conscientemente para o titular do empreedimento e, em contrapartida, recebe conscientemente uma paga pelo trabalho e contrato pactuados. Ao contrário da noção de expropriação (óbvia na servidão/escravatura) transparece a princípio, no salariato, a noção de contrato sinalagmático, isto é, acordo de vontades contrapostas e contra-influentes [sic].40

Dessa forma, nas palavras de Godinho, visualiza-se a separação entre o trabalho forçado e o trabalho livre, visto que, no primeiro caso, o trabalhador não se coloca à disposição patronal, ou almeja romper o vínculo e não consegue. Já o trabalho livre é dotado de subordinação objetiva, não há interferência na vida pessoal do empregado, pois os comandos patronais ficam restritos aos ditames da relação de emprego. Na relação de emprego, conforma já salientado, a vontade é necessária, isto é, o consenso de ambas as partes para a formação e execução contratual. Não há espaço para coerção. O que vinculará o empregado ao corpo empresarial não será o instrumento coibitivo, pois o que prenderá o empregado à força de trabalho da empresa será a remuneração.

E, por fim, cumpre o esclarecimento em relação ao trabalho degradante. Gustavo Filipe Bar-bosa Garcia ensina: “O trabalho degradante, e mesmo o trabalho análogo à condição de escravo como um todo, são a negação e a antítese do chamado “trabalho decente”, o qual é aquele que respeita o princípio da dignidade da pessoa humana”.41 Isto é, o trabalho degradante é qualquer trabalho, escravo ou não, que não respeita as condições adequadas de trabalho, ferindo as dire-trizes expedidas em relação à saúde e segurança dos trabalhadores.

Nesse sentido, no Brasil, a prática de trabalho análoga à de escravo, que configura a sujeição a condições degradantes de trabalho, ou ainda ao trabalho forçado (relacionado à restrição da liberdade do trabalhador), constituiu crime de acordo com o artigo 149 do Código Penal.42

40 DELGADO, Maurício Godinho. O poder empregatício. São Paulo: LTr, 1996. p. 140-141.

41 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 186.

42 Art. 149 CP. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1o. Nas mesmas

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OFFSET VS DIGITAL: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE OS PROCESSOS DE IMPRESSÃO

Ricardo Marques Sastre1

RESUMO

Neste presente artigo foram comparados dois processos de impressão utilizados atualmente, o primeiro processo é mais antigo e popularmente difundido nas oficinas gráficas, o método offset tem sua origem na litogra-fia. A impressão gráfica digital é considerada uma inovação no processo tradicional de impressão e mantém-se em constante evolução tecnológica graças a sua relação direta com a informática. Foram definidas algumas variáveis para que pudéssemos propor alguns critérios de comparação entre os processos. O objetivo deste trabalho é entender qual o melhor processo de impressão.

Palavras-Chave: Produção gráfica; processos de impressão; impressão off-se; impressão digital.

ABSTRACT

his paper compares two printing processes currently used, the first pro-cess is older and popularly widespread in printing workshops, it is the off-set method, that has its origin in lithography. The graphic digital printing is considered an innovation in the traditional printing process and remains in constant technological evolution thanks to its direct relationship with the computer. Some variables have been set wherefore we could propose some comparison criteria between the processes. This work aims to un-derstand which is the best printing process.

Keywords: Graphic production; printing processes; offset printing; digital printing.

1 Mestre em Design. Professor do Curso Técnico de Impressão Gráfica. E-mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

O primeiro processo mecânico de impressão foi à tipografia, inventada por Gutemberg por volta de 1439 na Alemanha, onde possibilitou a divulgação e a cópia muito mais rápida de livros e jornais. Segundo (BAER, 1999 p. 63) uma das mais apropriadas definições do termo impressão continua sendo a reprodução mecânica repetitiva de grafismos sobre suportes, por meio de fôr-mas de impressão.

A impressão offset originou-se da Litografia que era um processo no qual o papel recebia a imagem diretamente de uma pedra com o auxilio de um cilindro de pressão. Existem três fatores fundamentais para que possa haver um processo de impressão, suporte para impressão (papel ou outro material), fôrmas de impressão e tinta.

Qualquer equipamento que registre sobre o papel, ou outro suporte, as informações recebidas de computador na forma de dados digitais sem que haja necessidade de gravar qualquer tipo de matriz para transferências dessas informações é considerada impressão digital.

A finalidade deste artigo é promover um estudo comparativo entre o processo de produção offset e a impressão grafica digital para que se possa entender qual é o melhor processo de impressão atual.

Serão abordados alguns aspectos históricos e introdutórios sobre os dois processos de im-pressão, propondo algumas variáveis e definindo critérios comparativos, utilizando para coleta de dados pesquisa bibliográfica e observação direta dos seus métodos de produção.

2. IMPRESSÃO OFFSET

Segundo (BANN, 2010 p.88) o offset é o processo de impressão mais utilizado atualmente. Para que possamos entender como surgiu esse método de impressão, vamos conhecer um pouco do processo litográfico descoberto por acaso pelo artista gráfico Aloys Senefelder por volta de 1796 em Munique.

A litografia (ou ̈ lito¨) é um processo planográfico, ou seja, a superfície de impressão é plana; diferentemente da tipografia, em alto relevo e da gravura em baixo relevo. A área a ser impressa é tratada quimicamente para que aceite o óleo (tinta) e rejeite a água, enquanto a área que não será impressa é tratada para aceitar a água e rejeitar o óleo. A superfície inteira recebe uma aplicação de tinta e água (com adição de álcool para facilitar a dispersão). Quando a chapa é prensada contra a superfície do papel, somente a área do grafismo é impressa. (BANN, 2010, p.88)

Na figura 1 explica-se o processo litográfico de impressão em que originou o offset. (1) a área de grafismo é desenhada e tratada com óleo. (2) a pedra é umedecida com a esponja. (3) a pedra é entintada. (4) o papel entra em contato com a pedra e o rolo impressor produz a página impressa.

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Figura 1: processo de impressão Litográfica

Tempos depois, a pedra foi substituída por uma chapa metálica, que apresentava na superfí-cie as mesmas características graças a um tratamento prévio. Além de ser muito mais fácil de manusear devido ao peso da pedra, as chapas permitiram usar um sistema rotativo de impressão devido a maleabilidade das chapas.

Com o desenvolvimento da fotografia, encontrou-se maneira de fixar a imagem na matriz através de processos fotográficos e químicos, denominados processos fotomecânicos. Segundo (SILVEIRA, 1985 p. 30) o processo de impressão Offset surgiu em 1904, em Nova Jersey, EUA.

Trabalhando com a litografia rotativa, Ira Rubel em um momento de descuido, permitiu a rotação do cilindro impressor sem a passagem do papel. A imagem entintada transferiu-se para a superfície de borracha do cilindro de pressão e mostrou ter muita nitidez. Em expe-rimentos sucessivos, Rubel convenceu-se de que a imagem que podia ser transferida para o verso da folha de papel pelo padrão de borracha apresentava vantagens sobre a imagem direta. Daí para a construção de uma impressora com um cilindro intermediário destinado a receber a imagem e passa-la para o papel foi apenas um passo. (SILVEIRA, 1985, P. 31)

Uma tradução literal da palavra offset seria “fora de sede” ou “fora de lugar”, devido ao fato de ser uma impressão indireta.

O cilindro de suporte da chapa de alumínio (matriz) recebe a água e a tinta através de rolos de borracha, o mesmo transfere as informações gravadas na chapa para o cilindro do meio de-nominado (cauchú ou blanqueta) que por sua vez auxiliado pelo cilindro impressor, transfere a imagem para o suporte (papel) conforme ilustrado na figura 2.

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Figura 2: processo de impressão Offset.

O equilíbrio entre água e tinta é a principal responsável pela qualidade do impresso assim como a nitidez da matriz de impressão.

O sistema Offset utiliza para produzir impressos em seleção de cores a escala CMYK ou sín-tese subtrativa que são as cores: cyan, magenta, amarelo e preto. Para provocar um fenômeno visual na impressão de uma foto, por exemplo, utilizando essas quatro cores utilizam-se retículas que é uma malha formada pela intersecção de linhas paralelas e perpendiculares, o que daria a impressão de um tabuleiro de xadrez com pontos brancos e pretos.

Na gravação das matrizes de alumínio no processo Offset utiliza-se dois processos atualmente. O mais antigo que se chama fotolito que é uma película plástica preta e branca, separando as cores na escala de impressão (CMYK) com a ajuda de um computador e uma impressora especí-fica instalada. Atualmente o processo mais utilizado é o CTP (Computer To Plate), do computador direto para as chapas, que nada mais é do que uma impressora de chapas Offset.

3. IMPRESSÃO DIGITAL

A impressão digital iniciou com as máquinas fotocopiadoras que também precisavam de matrizes de impressão (original) para efetuar uma cópia. As primeiras impressoras a trabalham plugadas em um computador foram as impressoras matriciais que foram criadas para dar saídas em relatórios e listagens que os programadores geravam.

Com o passar do tempo, foram sendo adaptados para outras finalidades, sendo muito comum seu uso para impressão de listagens de etiquetas para endereçamento, formulários em várias vias, contracheques, caixas eletrônicos de banco e outros itens semelhantes. (FERNANDES, 2003, p. 150).

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A resolução dessas máquinas era muito baixa e utilizavam formulário contínuo de papel com tiras laterais cheias de furos para encaixar na impressora que se destacavam através de micro serrilhas feitas pelo próprio fabricante do papel. Um conjunto de agulhas martelava uma fita en-tintada para formar a imagem desejada na folha de papel e o vai e vem dessa fita na parte interna da impressora provocava um barulho alto, atrapalhando um pouco a concentração nos escritórios.

Seguindo a linha evolutiva da impressão digital aparecem em seguida as impressoras jato de tinta. São equipamentos que trabalham com uma tinta líquida, geralmente a base de água.

O nome do processo é originário da própria essência de formação da imagem, que acontece pela aspersão de jatos das tintas dos cartuchos desferidos pelo cabeçote de impressão sobre o suporte. A imagem que se forma apresenta, depois de seca, como características das áreas menos carregadas de tinta, uma série de pequenas marcas de ̈ respingos¨ apa-rentemente irregulares, mas formadas de maneira controlada para a perfeita impressão das formas e cores desejadas. (FERNANDES, 2003, p. 150).

Impressoras jato de tinta são as mais utilizadas para uso doméstico por terem um baixo custo de aquisição do equipamento e possuem uma qualidade de impressão compatível com as necessidades domésticas, seu cartuchos podem ser recarregados em casas especializadas em remanufatura.

Um dos principais problemas de impressão em que esses equipamentos apresentam é o fato de que a tinta seja sensível a umidade, manchando a folha de papel quando em contato com a água e também a diferença muito grande de coloração do que vimos na tela para o impresso.

Para resolver esse problema e aumentar a qualidade da impressão digital, surgiram as im-pressoras a laser, que é o processo de impressão digital que mais se assemelha com os métodos convencionais de produção.

Primeiramente, o processador da impressora recebe os dados decodificados pelo arquivo de impressão gerando os comandos da imagem que será impressa; pela ação de um feixe de luz, oriundo de uma fonte laser, sobre um cilindro magnetizado e controlado por esses comandos, são criadas diversas áreas com cargas elétricas específicas nos pontos de formação da ima-gem; enquanto esse processo esta sendo realizado no cilindro, o papel esta passando por um polarizador que cria sobre sua superfície uma carga elétrica estática de polaridade idêntica à do cilindro, porém mais forte que ela; após a formação das cargas sobre o cilindro, e antes que este entre em contato com o papel, uma bandeja despeja o tonner sobre a superfície; o tonner, que é um corante plástico, vem magnetizado com carga de polaridade inversa à existente no cilindro e no papel, e a atração existente nos conjuntos de cargas causa a aglutinação das partículas de tonner, nos pontos de formação da imagem. A transposição da imagem do cilindro para o papel é feita no momento do contato entre os dois, e devido a diferença de potência das cargas. O papel carregado de tonner passa por uma unidade de fusão que aquece e por um processo de polimerização inicia a fixação do tonner. (FERNANDES, 2003 p. 153)

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O mais comum dessas impressoras, quando coloridas é trabalharem com cartuchos na escala de cores CMYK e podem operar com diferentes suportes, tais como papel, vinil, tecido, PVC e outros filmes gráficos. São impressoras com velocidade de impressão maior, boa qualidade nas imagens e variam de pequenos a grandes formatos, dependendo da marca e do modelo da máquina.

Atualmente existem outros processos digitais como a impressão por transferência térmica utilizados em plotter de recorte que, segundo (FERNANDES, 2003 p. 154) transferem, sob o co-mando digital, a camada pigmentada da película de cera ou resina das fitas de alimentação para a superfície do suporte, sob a ação de um cabeçote térmico.

Foi elaborado nesta sessão os principais processos de impressão digital que existe atualmente, podem existir outros tipos de impressoras não descritas aqui, mas diferente dos métodos conven-cionais de impressão que já tem as suas tecnologias consolidadas no mercado a muito tempo, o processo de impressão digital e o desenvolvimento de suas tecnologias é muito acelerado.

4. VARIÁVEIS COMPARATIVAS

Foram adotados alguns critérios de avaliação para que se possa criar bases comparativas entre os dois processos de impressão.

4.1. CUSTO CÓPIA/VELOCIDADE DE IMPRESSÃO

Segundo (OLIVEIRA, 2002 p.39) o custo médio do processo em geral está diretamente ligado à tiragem. Alguns processos apresentam um alto custo fixo para a produção de matrizes, que só compensam em tiragens grandes. A preparação do impresso ao entrar em máquina (set-up) é outro fator que influencia o custo, pois deve-se levar em conta o valor da hora máquina, a de-preciação do equipamento e o salário do operador na hora de formarmos o custo de produção. Conforme afirma (OLIVEIRA, 2002 p 41) qualquer processo de reprodução grafica deve levar em conta se ele apresenta uma boa relação custo benefício. A quantidade de folhas por hora deter-mina o valor do custo por impresso, isto é; quanto mais rápida for a máquina mais diluído ficará o valor/ hora por folha impressa.

4.2. MERCADO DE ATUAÇÃO

Usualmente o mercado divide o segmento gráfico em três áreas distintas:

4.2.1 IMPRESSOS COMERCIAIS

São impressos destinados a divulgação de produtos e serviços, como folders, catálogos, cartões de visita, panfletos, dentre outros. Inserido nesta área de atuação podemos colocar os materiais de expediente que são impressos destinados ao auxilio em escritórios, tais como: notas fiscais, duplicatas, papéis timbrados, recibos e documentos diversos.

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4.2.2 IMPRESSOS EDITORIAIS

Impressos que são editados de tempos em tempos que permanecem com o mesmo título podemos considerar periódicos, mas para considerar um impresso editorial não precisa seguir essa regularidade, mas dependendo o acabamento gráfico que recebem e o mercado em que atuam os periódicos podem seguir várias denominações: Jornais, revistas, boletins informativos, Newsletter, livros entre outros.

4.2.3 EMBALAGENS

No segmento gráfico convencional são produzidas embalagens em papel couchê que seriam os rótulos, cartão duplex e tríplex para caixas em diversos segmentos, tais como: alimentícios, metal mecânico, tecnológico, eletrodomésticos, dentre outros. O segmento de embalagens pode utilizar diversos métodos de impressão, devido a sua diversidade de matérias prima utilizadas. O maior em volume de produção continua sendo o processo de impressão Offset pelo fato do papel e do papelão obterem o maior volume de produção do mercado conforme (MESTRINER, 2002, p. 06).

4.3. QUALIDADE DE IMPRESSÃO

A qualidade de um impresso esta diretamente ligada a capacidade técnica do equipamento, da competência e conhecimento técnico do operador. Alguns fatores que influenciam a qualidade da impressão são: O registro de cores, que segundo (COLLARO, 2005 p. 51) todo o cuidado tomado com relação à qualidade do impresso pode ser comprometido durante a fase de impressão se não houver um controle efetivo sobre o registro de cores. O aconselhável é fazer um controle de amostragem do inicio ao fim do projeto para verificar a variação de registro. A variação de tonalidade também influencia na qualidade do impresso, pois da mesma forma que utilizamos para verificar o registro, aconselha-se que seja feito um controle aleatório por amostragem para verificar a padronização da carga.

4.4. OPERACIONALIDADE

Existem vários cursos para operadores de máquinas Off-set espalhados pelo Brasil, uma das principais escola profissionalizante da área gráfica é o SENAI que oferece diversos cursos de capacitação profissional, principalmente na área de impressão. É um curso de 1.500 horas para a formação de impressores gráficos Offset. Os fabricantes das próprias máquinas de impressão digital, oferecem também cursos básicos para a operação dos equipamentos e nos casos das maquinas digitais, o próprio software do produto já vem com um tutorial ou manual informativo ensinando a operacionalidade do equipamento.

4.5. MANUTENÇÃO DOS EQUIPAMENTOS

Os processos de impressão convencionais já consolidados no mercado possuem um funcio-

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namento mecânico e elétrico, existem muitas empresas do ramo da metalurgia que se especia-lizaram em confeccionar peças de reposição para impressoras Offset facilitando o fornecimento e reduzindo os custos das peças em virtude da concorrência.

Em equipamentos eletrônicos de última geração são, em sua grande maioria importados, encontra-se dificuldade na fabricação e fornecimento de peças, pois a inovação tecnológica des-tes equipamentos é constante, dificultando a produção em série e a venda destes componentes.

O processo mecânico é consolidado no mercado facilitando a formação na prática de profis-sionais da área de manutenção das impressoras convencionais, diferentemente dos processos digitais que muitas vezes os setores responsáveis pela manutenção não conseguem acompanhar a evolução das tecnologias, tendo que depender também de mão de obra de fora do País.

4.6. VERSATILIDADE

Versatilidade na impressão é a capacidade do equipamento em imprimir em diversas platafor-mas (matéria prima) distintas, papel, plásticos, poliéster, metal, transparências, dentre outros A espessura dos materiais também é um fator de versatilidade pois todos os equipamentos possuem uma gramatura (peso da folha de papel por metro quadrado) mínima e máxima para impressão. Podemos citar como critério de versatilidade também o formato do material a ser impresso, pois há limitações de mínimo e máximo variando entre os equipamentos de produção gráfica.

4.7. MEIO AMBIENTE

Um dos aspectos relevantes na preservação do meio ambiente quando se imprime papel é o desperdício que se tem com acerto de máquina, pois utiliza-se folhas brancas para ajustar o equipamento até que se tenha uma prova do resultado esperado, nos cálculos de orçamento prevê em torno de 100 folhas por acerto de cor.

No processo de impressão em Offset são gerados resíduos tais como: latas vazias, panos sujos, restos de tintas, óleos e a evaporação de solventes e gases, que devem ser devidamente destinados para o seu devido descarte por empresas especializadas em recolher lixo industrial.

No processo de impressão digital, os resíduos são, cartuchos de tinta vazios, restos de tonner e plásticos das embalagens de tinta, eventualmente pedaços de papel que trancam na máquina.

5. ANÁLISE DE DADOS

Apresenta-se o quadro com os critérios comparativos e as características entre os dois pro-cessos de impressão:

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Critérios comparativos Impressão Offset Impressão Digital

Custo cópia/velocidade de impressão

Utiliza matrizes de impressão aumentando o custo inicial.Preparação de máquina demorada devido ao acerto e preparação. (setup).Utiliza mão de obra qualificada aumentando o salário do operador. Alta velocidade de impressão/hora.

Não utiliza matrizes de impressão.Não necessita acertar pois é só configurar os parâmetros de im-pressão no computador.Requer conhecimento de infor-mática e as impressoras digitais são auto explicativas, reduzindo a complexidade da operação e consequentemente o salário do operador.Baixa velocidade de impressão/hora

Mercado de atuação Se bem regulada, não ocorre variação de registro de impressão. Havendo uma equidade entre água e tinta, não ocorre variação de cores.

Pode ocorrer variação de regis-tro involuntário devido ao seu processo eletrônico e magnético de impressão. Ocorre variação de tonalidade conforme a tinta vai chegando ao fim.

Operacionalidade Requer curso de Impressão de aproximadamente um ano de duração.

Modelos simplificados de operação aonde o próprio fabricante ensina a operar o equipamento, além de tutoriais on-line e manuais de instruções.

Manutenção dos equipamentos

Processo mecânico e elétrico.Empresas produzem peças no Brasil. Impressão consolidada no mer-cado, facilitando a obtenção de mecânicos especializados.

Processo eletrônico. Peças importadas e em grande variedade.Impressão relativamente nova e com tecnologia em constante inovação dificultando a dispo-nibilidade de peças. Sofre com a variação cambial.

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Offset vs Digital158

Critérios comparativos Impressão Offset Impressão Digital

Versatilidade Imprime basicamente papel, mas se for acoplado um túnel de secagem e utilizar tinta UV (ultra violeta) pode imprimir plástico e Metal.A gramatura do papel para im-pressão varia de 40g a 400g.Formato mínimo de 12x22 cm e máximo 72x102 cm. Não imprime dados variáveis, depois de gravada a chapa não se pode fazer alterações, apenas pequenas correções.

Imprime papel, plásticos diver-sos nas impressoras a laser, e em alguns casos até madeira, camisetas e Mídias digitais. Gramatura mínima 75g e má-xima 250g. Formato mínimo 21x15 cm e máximo 220 cm largura. Imprimem dados variáveis possi-bilitando a impressão de boletos, etiquetas de endereços e Doc. de pagamento.

Meio ambiente Necessita de folhas para acerto de máquina.Gerador de resíduos, tais como: latas vazias, restos de tinta, óleo, panos sujo e a evaporação de solventes e gases.

Não há necessidades de utilizar folhas de acerto porque as im-pressoras digitais não necessitam de ajustes prévios, os mesmos são feitos diretamente na tela do computador.os únicos resíduos gerados são os cartuchos de tinta e tonner quando vazios e eventualmente pedaços de papel oriundos do atolamento de alguma folha

Baseado em custos, a tecnologia Offset é mais adequada para tiragens acima de 5000 cópias por utilizar matrizes de impressão e acerto de máquina inicial, mas é competitiva para tiragens maiores por ter uma velocidade de impressão elevada. A tecnologia Digital é mais adequada para pequenas tiragens por não necessitar de matriz de impressão e acerto de máquina, mas não possui velocidade de impressão inviabilizando grandes tiragens.

O mercado da impressão Offset é mais abrangente, pois consegue produzir embalagens, além de impressos comerciais e editoriais. A sua precisão de registro de impressão, velocidade, nitidez nas imagens e a possibilidade de imprimir papéis em gramaturas maiores oportunizaram atender o segmento de embalagens. A impressão digital preencheu uma deficiência de baixas tiragens, dados variáveis e impressão por demanda que a Offset não atendia por ter um custo inicial elevado.

A qualidade da impressão Offset continua sendo maior e mais fiel ao original quando bem re-gulada e se o original estiver com as imagens em alta resolução. Conforme a rápida evolução da impressão digital, a tecnologia auxiliou no aumento expressivo de qualidade das maquinas digitais, mas ainda não chegou a mesma fidelidade de cores e a padronização de uma impressora Offset.

A tecnologia digital é mais fácil a sua operação e o próprio fabricante do equipamento disponibili-

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zam cursos rápidos de operação e tutoriais online. Em contra partida, as máquinas Offset precisam de um curso extenso e bastante experiência prática para o completo domínio do equipamento.

Por ser um equipamento de fabricação mecânica, as máquinas Offset disponibiliza de peças fabricadas no Brasil e profissionais de manutenção a disposição possibilita uma redução no tempo que a máquina vai ficar parada em conserto. Existe uma grande dificuldade de conseguir peças das impressoras digitais por serem quase todas importadas e pela evolução muito rápida na tec-nologia, dificultando até a formação de profissionais para trabalhar no reparo dos equipamentos.

O processo de impressão Offset consegue imprimir em gramaturas maiores de papel e algumas matérias prima como plástico e metal por exemplo. A impressão digital imprime, além do papel, plásticos, mídias digitais como Cds e Dvds, camisetas e até madeira.

A tecnologia digital tem um impacto ambiental muito menor do que a impressão Offset por não precisar gastar folhas de papel para acerto e por gerar menos resíduos.

6. TENDÊNCIA – OFFSET DIGITAL

O offset digital ou computer-to-press segundo (COLLARO, 2005 p. 54) é o que existe de mais avançado no mercado de impressão convencional em artes gráficas. Depois de pronta a arte final digitalizada, o arquivo é transferido diretamente para o cilindro de impressão no sistema offset, com os mesmos cuidados no fechamento do arquivo.

Computadores capacitados para trabalhar com alta resolução acoplados a impressoras que conseguem, por meio de laser de alta precisão, compor imagens e textos de forma similar ao processo offset convencional e que concebem imagens diretamente ao cilindro da chapa transferir os dados para um poliéster. A imagem é transferida para um cilindro de borracha e depois para o papel por meio de pressão.

A probabilidade desse novo processo se consolidar no mercado é grande, visto que a produtivi-dade é alta, a qualidade esta muito próxima do Offset convencional e não necessita a preparação de matrizes de impressão.

A primeira empresa a desenvolver esse equipamento foi a Heildelberg, tradicional fabricante mundial de máquinas Offset e atualmente a HP já esta comercializando maquinas de Computer--to-press, que é uma marca consolidada no mercado de impressoras digitais.

Segundo (BANN, 2010 p. 95) esse sistema é mais econômico do que a impressão digital para grandes tiragens e mais econômico do que a impressão Offset convencional para pequenas tiragens.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A quantidade de impressos a serem produzidos é um fator determinante na escolha do processo de produção, pois compromete a agilidade e o custo do serviço. A qualidade da impressão Offset é mais fiel do que a digital, mas em contra partida podemos produzir impressos em qualquer quantidade nas maquinas digitais.

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O impacto ambiental é muito menor no processo de impressão digital, por ser um método atual de produção, preocupado com as questões de sustentabilidade e gerar menos resíduos, apesar de se tornarem obsoletos com muito mais velocidade gerando lixo eletrônico.

A offset digital é um processo que vem sendo difundido unindo as potencialidades das duas tecnologias, pois nao usará matrizes de impressão em metal, possui velocidade e qualidade das máquinas offset convencional e a fácil operacionalidade das impressoras digitais despontando com uma tendência de mercado promissora.

O presente artigo propôs, através de pesquisa bibliográfica e da observação direta, a aproximação entre os processos de impressão Offset e Digital para que pudéssemos comparar os dois métodos produtivos e tentar estabelecer critérios para verificar qual é o melhor processo de impressão.

Com base nos resultados obtidos no presente estudo, foi possível concluir que não há um processo de impressão melhor do que o outro e sim características distintas entre eles que pro-porcionam o atendimento da demanda de impressão de mercados e tiragens distintas conforme a necessidade do cliente.

8. REFERÊNCIAS

BAER, Lorenzo. Produção gráfica. 1 Edição. São Paulo: Senac São Paulo. 1999. 280 p.

BANN, David. Novo manual de produção gráfica. 1 Edição. Porto Alegre: Bookman. 2010. 224 p.

COLLARO, Antonio Celso. Produção visual e gráfica. 1 edição. São Paulo: Summus, 2005. 100 p.

FERNANDES, Amaury. Fundamentos de produção gráfica para quem não é produtor gráfico. 1 Edição. Rio de Janeiro: Livraria Rubio Ltda. 2003. 249 p.

MESTRINER, Fabio. Design de embalagem – curso básico. 2 Edição. São Paulo: Pearson Ma-kron Books, 2002. 138 p.

OLIVEIRA, Marina. Produção gráfica para Designers. 2 edição. Rio de Janeiro: 2AB editora Ltda., 2002. 136 p.

SILVEIRA, Norberto. Introdução as artes gráficas. 1 Edição. Porto Alegre: Sulina. 1985. 131 p.

Sites consultados:Portal das artes gráficas (2012) Analógico ou digital: para onde caminhamos. Acedido em 10 de Junho de 2012, em http://portaldasartesgraficas.com/artigos/artigo_dicas_id.htm

SENAI São Paulo (2012) Cursos Técnicos profissionalizantes. Acedido em 11 de junho de 2012, em

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http://www.sp.senai.br/grafica/WebForms/DetalhesCurso.aspx?secao_id=16&p1=43793

Guia do gráfico (2012) Manutenção mecânica. Acedido em 05 de junho de 2012, em http://www.guiadografico.com.br/produtos-e-servicos/manutencao-mecanica.php

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ALGUNAS CONSIDERACIONES SOBRE EL MODO EN QUE DEBE INTERPRETARSE Y APLICARSE LA

NORMA. METODOS Y DOCTRINAS

Adrián Sergio Cetrángolo1

1. INTRODUCCION

1.1 LA APLICACIÓN E INTERPRETACIÓN DE LA NORMA JURÍDICA

El Derecho es el objeto de la justicia que regula la vida en sociedad a través de la aplicación del conjunto de normas jurídicas positivas vigentes a las relaciones de los sujetos (personas).

Para pasar de la regla general expresada en la norma a la aplicación misma en el mundo de lo concreto (la relación jurídica) es necesario aplicar un proceso lógico mental que consiste en la detección de la regla general aplicable, hasta la adopción de la decisión particular. Este es el proceso de aplicación, que siempre se efectúa con prescindencia de la claridad u oscuridad de la norma a aplicar.

Las normas se manifiestan a través del lenguaje pero éste, puede ser oscuro, dudoso, puede tener un trasfondo doctrinario, o un sentido técnico, puede a primera impresión expresar no precisamente la voluntad del legislador o no contener la intención del mismo al dictar la norma.

También los hechos a los cuales le debemos aplicar la norma pueden ser variados o diversos o que no permitan establecer inequívocamente la norma jurídica aplicable. Si este es el caso deberá interpretarse.

La doctrina, sin embargo considera que al interpretar no estamos solamente ante la posibilidad de falta de claridad en el texto de la norma, puesto que la interpretación de las normas siempre está presente al momento de aplicar el derecho; por más que la norma no revista mayor compli-cación para desentrañar su significación y sentido.

En razón de lo expresado podemos adherir a lo manifestado por el Jurista Italiano Emilio Betti2 cuando dice que:

“La interpretación que interesa al Derecho es una actividad dirigida a reconocer y a reconstruir el significado que ha de atribuirse a formas representativas, en la órbita del orden jurídico, que son fuente de valoraciones jurídicas, o que constituyen el objeto de semejantes valoraciones. Fuentes de valoración jurídica son normas jurídicas o preceptos a aquéllas subordinados, puestos en vigor en virtud de una determinada competencia

1 Abogado. Profesor de Derecho Civil y Comercial. Director de la Fundación de Ciencias Jurídicas y Sociales del Colegio de Abogados de la Provincia de Buenos Aires. E-mail: [email protected]

2 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel.Lima Perú. BETTI, Emilio: “Interpretación de la Ley y de los Actos Jurídicos”. Editorial Revista de Derecho Privado. Primera edición en español, 1975. Madrid España.Pag.95

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normativa. Objeto de valoraciones jurídicas pueden ser declaraciones o comportamien-tos que se desarrollan en el círculo social disciplinado por el Derecho, en cuanto tengan relevancia jurídica según las normas y los preceptos en aquél contenidos y que tengan a su vez contenido y carácter preceptivo, como destinados a determinar una ulterior línea de conducta.” (sic)

1.2 DEFINICIÓN DEL OBJETO

Para definir el objeto de estudio debemos definir los términos empleados en el mismo, así decimos que según el diccionario de la Real Academia Española definimos:

ALGUNAS: Que se aplica indeterminadamente a una persona o cosa con respecto de varias. Indica una cantidad imprecisa pero moderada

CONSIDERACIONES: Reflexión o examen detenido de una cosa, opinión o juicio que se tiene sobre algo

MODO: Forma o manera de ser, acaecer o hacerse una cosa.

DEBE: Obligación ética o legal.

INTERPRETARSE: Explicar el sentido o certificado de una cosa.

APLICACIÓN: Referencia de un caso general a un caso particular.

NORMA : Regla de obligado cumplimiento.

METODO: Modo de obrar o proceder.

DOCTRINAS: Norma científica, paradigma

De la suma de las expresiones vertidas podemos decir que la pretensión de estudio se cir-cunscribe a :

“Algunas opiniones, reflexiones, o juicios sobre la forma o manera, en que debe explicarse el sentido de las reglas de obligado cumplimiento, y la aplicación de las mismas a un caso particular, describiendo la norma científica o paradigma utilizado.”

1.3 OBSERVACIONES METODOLÓGICAS:

Debemos mencionar el modo en que arribaremos al objeto de estudio. Primero limitaremos el alcance de lo que consideramos interpretar y aplicar la norma.

Segundo haremos una descripción de los distintos métodos y doctrinas de interpretación.

Tercero Concluiremos sobre la interpretación de la norma.

2. DESARROLLO

2.1 DEFINICIÓN DE INTERPRETACIÓN:

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nterpretación es la acción de interpretar. Etimológicamente hablando, el verbo “Interpretar” proviene de la voz latina interpretare o interpretari, palabra que, según el Jurista uruguayo Eduardo J. Couture deriva de interpres que significa mediador, corredor, intermediario.3

El Diccionario de la Lengua española, define interpretar en las siguientes acepciones que le son aplicables al sentido del vocablo en estudio.

1.Explicar o declarar el sentido de algo, y principalmente el de un texto

2. Explicar acciones, dichos o sucesos que pueden ser entendidos de diferentesmodos.

3. Concebir, ordenar o expresar de un modo personal la realidad.

4. Determinar el significado y alcance de las normas jurídicas.

El tratadista alemán Ludwig Enneccerus4 define la Interpretación de la norma

jurídica escribiendo lo siguiente: “Interpretar una norma jurídica es esclarecer su sentido y precisamente aquel sentido que es decisivo para la vida jurídica y, por tanto, también para la resolución judicial. Semejante esclarecimiento es también concebible respecto al derecho consuetudinario, deduciéndose su verdadero sentido de los actos de uso, de los testimonios y del < usus fori > reconocido y continuo. Pero el objeto principal de la Interpretación lo forman las leyes”. (sic)

Así, también Guillermo Cabanellas de Torres dice:5

“La Interpretación jurídica por excelencia es la que pretende descubrir para sí mismo (comprender) o para los demás (revelar) el verdadero pensamiento del legislador o ex-plicar el sentido de una disposición.” (sic)

2.2 DIFERENTES DOCTRINAS DE INTERPRETACIÓN:

Existen diferentes doctrinas o teorías sobre la Interpretación jurídica, de ellas las más cono-cidas y vinculadas a los sistemas normativos, bien para aplicarlos o para dejar de aplicarlos, son las siguientes:

2.2.1 DOCTRINAS UNIDIMENCIONALES

A) DOCTRINAS NORMOLÓGICAS

A.1 DOCTRINAS NORMOLÓGICAS METODOLÓGICAS

A.1.1 LA TEORÍA DE LA EXÉGESIS

El derecho Positivo lo es todo y todo el derecho positivo esta constituido por la ley, culto al

3 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel.Lima Perú. COUTURE, Eduardo J.: “Estudios de Derecho Procesal Civil”. Tomo III. Ediciones Depalma. Tercera edición, 1979. Buenos Aires – Argentina. Pág. 15.

4 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel.Lima Perú. ENNECCERUS, Ludwig: “Tratado de Derecho Civil”. Tomo I. Casa Editorial Bosch. Traducido de la 39° edición alemana, 1953. Barcelona – España. Pág. 197.

5 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel.Lima Perú. CABANELLAS DE TORRES, Guillermo: “Diccionario Enciclopédico de Derecho Usual”. Editorial Heliasta. Vigésimo tercera edición, 1994. Buenos Aires – Argentina. Tomo IV. Pág. 472.

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ALGUNAS CONSIDERACIONES SOBRE EL MODO EN QUE DEBE INTERPRETARSE Y APLICARSE LA NORMA166

texto de la ley; sumisión absoluta (Escribe Gény)

La Escuela de la Exégesis consiste en que debe consultarse solo la ley como la fuente del derecho. La Exegética afirma que el Derecho y solo el Derecho es la Ley. Por lo tanto interpretar solo es averiguar cual fue la voluntad del legislador al momento del dictado de la norma, no pu-diendo agregarle a ello ningún aditamento para la clarificación de dicha voluntad. Este método solo utiliza como materia de estudio para desentrañar la norma, al texto legal.

La escuela de la Exegesis surge en Francia a raíz del dictado de los códigos y se mantiene durante el siglo XIX definiéndose tres periodos, fundación (1804-1830), apogeo(1830-1880), y deca-dencia(1880-1900).Su enfoque se especializó principalmente en el derecho privado en atención al surgimiento de la codificación napoleónica ya mencionada. Esta escuela es contenida y eliminada por la Escuela Científica de Gény .

El Jurista Argentino Roberto J Vernengo6 sostiene que la exégesis francesa del siglo del siglo XIX había sostenido sobre la índole o naturaleza del derecho, defendiendo bajo rótulos teóricos y metodológicos, ciertas notorias ideologías políticas, conservadoras o reaccionarias. Porque, en última instancia, la exégesis presupone un dogma; y este dogma, un tanto blasfemo si se quiere, postula la presencia real del legislador en la ley. Para la exégesis, una norma es siempre expre-sión del acto de un individuo privilegiado, a saber: el legislador. E interpretar la ley consistía en reconstruir fielmente lo que el autor del texto legislativo había pretendido. Tradicionalmente esto se expresa diciendo que la exégesis se propone reconstruir la voluntad del legislador. Se supone, así, que, de alguna manera, las normas jurídicas son expresión, en el plano del lenguaje, de actos volitivos que son la manifestación de la voluntad real del legislador.

El tratadista argentino alemán Werner Goldschmidt,7 señala como notas distintivas de la Es-cuela de la Exégesis las siguientes:

1.El Derecho positivo lo es todo y todo Derecho positivo está constituido por la ley; culto al texto de la ley; sumisión absoluta.

2.Interpretación dirigida a buscar la intención del legislador. Los códigos no dejan nada al arbitrio del intérprete; éste no tiene por misión hacer el Derecho; el Derecho está hecho.

3.Descubierta esa intención y establecido el principio fundamental que consagre, es preciso obtener todas las consecuencias, dar a la norma la extensión de que sea susceptible, sirviéndose de un proceso deductivo; y sin más punto de apoyo que el raciocinio y la habilidad dialéctica.

4.Se niega valor a la costumbre; las insuficiencias a la ley se salvan a través de la misma mediante la analogía.

5.Se tienen muy en cuenta los argumentos de autoridad, con el consiguiente respeto a las obras de los antecesores.

6.En suma, se atribuye al Derecho un carácter eminentemente estatal: “Dura lex sed lex”. Las leyes naturales sólo obligan en cuanto sean sancionadas por las escritas.(sic)

6 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel.Lima Perú VERNENGO, Roberto J.: “La Interpre-tación jurídica”. Técnica Editora. UNAM. 1ª edición, 1977. México, Pág. 68.

7 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel.Lima Perú. GOLDSCHMIDT, Werner: ob. cit. págs. 269 y 270. “Introducción Filosófica al Derecho”. Ediciones Depalma. Sexta edición,1983. Buenos Aires – Argentina.

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Esta teoría fue duramente criticada por Francisco Gény que acusó que el principal defecto de la Exégesis consistía en “inmovilizar el derecho”, también sostuvo a través de su teoría de la “Libre Investigación Científica” apoyándose en la interpretación de la voluntad del legislador y comple-mentándola de otras fuentes, teniendo como objetivo final desntrañar el significado normativo.

Históricamente la escuela de la exégesis se basa en la división del trabajo entre el legislador y el interprete, esto se cumplía relativamente ya que en las primeras décadas después de la promulgación del código civil napoleónico, sus autores habían consultado la realidad social y habían tenido en cuenta el derecho natural, pero a medida que el siglo XIX avanzaba, la realidad social cambiaba con el capitalismo y el industrialismo y lo que había sido justo con miras a unos hechos dejaba de serlo con respecto a otros .

Esta teoría excesivamente acotada en lo parámetros de su interpretación se adapta mucho más a la interpretación restrictiva del “derecho penal” que a cualquier otra rama del derecho por tratarse de una interpretación lo más literal posible.

A.1.2 TEORÍA DOGMÁTICA

La exégesis y la dogmática tienen varios principios en común, se basan en la interpretación de la voluntad del legislador y por supuesto, el respeto ciego a la ley. Esas son sus similitudes; sin embargo, son distinguidas por sus diferencias. Algunos han sostenido que, mientras los exege-tas ponían la tónica de la interpretación en una investigación empirista de datos empíricos –las palabras de la ley y la intención del legislador, en cuanto a hechos, la posición dogmática saltó al extremo opuesto, considerando a la ley no como un dato empírico sino como una significación objetiva, lógica, esto es, como razón.

El método dogmático de interpretación, si lo comparamos con el método de interpretación de las leyes de la escuela de la exégesis, tenemos que decir que es más complejo, más científico y racional.

También otorgan al legislador ciertas propiedades de racionalidad al considerarlo justo, por haber establecido las soluciones más adecuadas y coherente, ya que no existen contradicciones en su manifestación de voluntad; es completa, ya que en las normas están comprendidas todas las situaciones fácticas posibles, etc.

Existen ciertas reglas interpretativas que tienen que ver con la hipótesis la racionalidad del legislador:

a) “no es una conclusión interpretativa admisible el que dos normas jurídicas sean inconsistentes”;

b) “entre dos interpretaciones del mismo complejo de preceptos, es mejor la que da contenido a las palabras de ley que la que se ve forzada a negárselo”; c) “el orden jurídico es completo, por lo que ello encubre una prohibición de concluir, como resultado de una interpretación, que el orden jurídico no ofrece ninguna solución para el caso dado”;

d) “detrás de la afirmación de que las normas que integran el orden jurídico son siempre pre-cisas, se encuentra la regla que veda concluir una interpretación con la afirmación de que el

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lenguaje de la ley es vago o padece de ambigüedades semánticas o sintácticas”.

La dogmática jurídica cumple en su desarrollo un papel casi contradictorio; puesto que se encarga de reformular, corregir aquel derecho dado, y procura completar sus lagunas, trata de ajustar sus incoherencias, busca darle precisión a sus vaguedades, en definitiva, busca reconstruir el derecho, actualizarlo, a través de ciertas premisas llamadas proposiciones o construcciones jurídicas, que tanta influencia han tenido y tienen en la vida de los códigos, en la de los científicos, en la vida de nuestro derecho. Dichas construcciones jurídicas, son el resultado de un método particular, de operaciones de lógica formal, que comienza con el procedimiento de deducción por medio del cual del análisis de las distintas normas diseminadas en el código y de sus anteceden-tes se deduce los principios generales; a partir de allí se procede por medio de la inducción para extraer de esos principios generales nuevas aplicaciones para los distintos casos concretos no previstos por la ley. Vemos, entonces, cómo nacen de la escuela dogmática las primeras grandes teorías jurídicas, las tan mentadas “construcciones”, por nombrar algunas: la de la posesión, la que versa sobre la naturaleza de las personas colectivas, la que se refiere al patrimonio, la de la continuación de la persona del difunto por el heredero, la del enriquecimiento sin causa, la teoría del abuso del derecho, la teoría general del delito y del dolo (derecho penal), la teoría del reenvío y del fraude a la ley (derecho internacional privado), etc.

Se puede advertir que de estas construcciones jurídicas de la dogmática, no sólo se justifican normas legisladas que se infieren de aquellas, sino que también, permiten la inferencia de nuevas normas no pertenecientes al derecho positivo, pero siempre bajo la apariencia de una explicación del derecho legislado.8

A.2 DOCTRINA NORMOLÓGICA ONTOLÓGICA (TEORÍA PURA DEL DERECHO)

El Jurista Hans Kelsen trata el tema de la interpretación en “Teoría Pura del Derecho”.

Para Kelsen9 la Interpretación es una operación del espíritu que acompaña al proceso de crea-ción del derecho al pasar de la norma superior a una inferior. Según Kelsen no sólo se interpreta cuando el juez va a aplicar la ley, emitiendo así la norma individual referida al caso concreto que viene a ser su sentencia, si no también cuando el Poder legislativo legisla, para lo cual tiene que aplicar la Constitución y para cuyo efecto no puede dejar de interpretar la Carta magna. Sostiene que hay también una interpretación de normas individuales:

Sentencias judiciales, órdenes administrativas, actos jurídicos, etc. En síntesis, toda norma es interpretada en la medida en que se desciende un grado en la jerarquía del orden jurídico para su aplicación.

Debe interpretarse no solo la norma necesaria que es objeto de estudio, si no en general todas las normas pertinentes de todo el ordenamiento jurídico jerárquicamente superior al de la norma interpretada (o de donde se desciende) desde la Constitución.

Así, ninguna norma del sistema puede contravenir al mismo sistema por ejemplo, una Reso-

8 Monografía “Teoría Dogmática “ Centeno Lucas.

9 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel Lima Perú .KELSEN, Hans: “Teoría Pura del Derecho”. Editorial Universitaria de Buenos Aires. Decimoctava Edición, 1982. Buenos Aires – Argentina. ob. cit., págs. 163 y siguientes.

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lución Suprema no puede contravenir un Decreto Supremo, pero tampoco puede contravenir la Constitución y la ley, las que siempre tendrán que ser que observadas, interpretadas y aplicadas por el operador jurídico.

Finalmente para Kelsen la interpretación es un acto de voluntad, pues la creación de la norma individual está destinada a llenar el marco libre establecido y dejado por la norma general (la norma interpretada y aplicada).

Hasta antes de Hans Kelsen, escribe Ariel Álvarez Gardiol,10 se tenía la idea, según toda teoría de la Interpretación, de que para todo caso existía la solución correcta, por lo que la interpretación requería sólo de encontrar el método adecuado para dilucidarla. Precisa además que Kelsen, a través de la teoría del ordenamiento jurídico, ve la interpretación como un problema de voluntad, mucho más que de cognición. Para Kelsen, la norma es un marco de posibilidades con varios con-tenidos jurídicos potenciales y aplicables todos ellos como posibles. Es un marco, abierto o no, de posibilidades, pero siempre jurídicamente posibles todas ellas. La determinación de la solución correcta (elegida), en ningún caso pertenece a la teoría del derecho, sino a la política jurídica.

En definitiva de la misma norma surge las diferentes posibilidades de la interpretación de las cuales el intérprete deberá elegir lo que más convenga según su valoración “Política –Subjetiva” o sea hay varias maneras de interpretar todas dentro del ordenamiento jurídico

Para establecer el contexto histórico y particular del modo de interpretar de la teoría men-cionada, recordando que Kelsen fue redactor de la Constitución austríaca y miembro del Tribu-nal Constitucional, a través de lo mencionado por Theo Öhlinger (en Hans Kelsen y el Derecho Constitucional Federal Austriaco.

Una retrospectiva crítica)11 veremos: “La influencia de Kelsen en la interpretación (Judicial) de la Constitución”: Pero Kelsen también ha caracterizado considerablemente a la jurisdicción constitucional austriaca todavía de otro modo, en concreto a través de su concepción metodológica. Kelsen se pronunció por una gran prudencia del juez constitucional frente a términos jurídico-cons-titucionales como “justicia, libertad, igualdad, razón, moralidad, etc.”

Ahora, sin embargo, algunos de estos términos no son ni siquiera usuales en el Derecho cons-titucional (justicia, razón, moralidad, a diferencia de, por ejemplo, libertad e igualdad), pero a lo que parece a referirse con ello Kelsen es a la terminología habitual de un catálogo de derechos fundamentales. Kelsen se opone con gran desconfianza a una terminología tal en la Constitución y aconseja explícitamente evitarla (un postulado algo paradójico, pues convierte a la interpretación del texto constitucional en el criterio de su formulación. Ello es una transformación notable de la teoría neo-kantiana de la ciencia del temprano Kelsen, conforme a la cual ya no es el objeto el que determina el método, sino el método el que determina el objeto). No obstante, en tanto que exista una terminología tal, Kelsen aboga por un acentuado judicial self-restraint. Cito literalmente:

10 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel.Lima Perú. ÁLVAREZ GARDIOL, Ariel: “Manual de Filosofía del Derecho”. Editorial Astrea. Primera edición, 1979. Buenos Aires – Argentina.ob. cit., pág. 149.

11 HERRERA GARCIA Alfonso.El Recurso de Amparo en el Modelo Kelseniano de Jurisdicción Constitucional ¿Un elemento atípico?. Bi-blioteca Jurídica virtual del Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM.www.juridicas.unam.mx. Pág.614 y stes. /Cita a /. ÖHLINGER Theo.”Hans Kelsen y el derecho federal austríaco. Una retrospectiva crítica”.Trad. J Brage Camazano .Revista iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional, México .Número 5 . Enero- Junio 2006 .Porrúa-IIDPC. Pág. 217 a 220 entre otras.-

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Que… el sentido de la Constitución no puede ser, a través del uso de una palabra tan ambigua y no precisada en detalle como aquella de justicia o una parecida, hacer depender cada ley apro-bada por el Parlamento de la libre discrecionalidad de un colegio más o menos arbitrariamente constituido, es algo que se entiende por sí solo.

El Tribunal Constitucional ha seguido al principio este consejo. Es famosa una sentencia de 1928 (el propio Kelsen perteneció al Tribunal Constitucional de 1921 hasta 1930), en la que se trataba de la constitucionalidad de una Ley de Arrendamientos.

El Tribunal Constitucional no niega que la regulación en aquel tiempo vigente represente una restricción de la propiedad, que por virtud de la Constitución sólo es admisible en interés público (“bien general”). Sin embargo, lo que sea “en interés público” lo tiene que enjuiciar exclusivamente el legislador parlamentario:

“El Tribunal Constitucional debe, sin embargo, rechazar decididamente dar una opinión sobre dicha cuestión”. Si se considera el desarrollo de la jurisprudencia en las últimas décadas, se hace claro cuánto se ha alejado, entretanto, la jurisprudencia del Tribunal Constitucional de esta posición.”

B) DOCTRINAS DIKELÓGICAS

Esta encarnada fundamentalmente por Julius Hermann Von Kirchmann quien sostiene que con cada cambio de la Ley, toda la labor del comentarista perdía su valor.

El primer argumento utilizado por Kirchmann para defender su postura negacionista se ampara en el objeto de la Jurisprudencia, cuyas principales características son la contingencia y la varia-bilidad. Partiendo desde esta perspectiva, el jurista alemán concluyó que es totalmente imposible la construcción de una ciencia respecto de un objeto falto tanto de fijeza como de permanencia. Es así que al trabajar el jurista sobre un objeto en constante cambio, se impediría la aprehensión del mismo. En palabras del propio Kirchmann:

“La tierra sigue girando alrededor del Sol, como hace mil años; los árboles crecen y los animales viven como en tiempo de Plinio. Por tanto, aunque el descubrimiento de las leyes de su naturaleza y su poder haya requerido largos esfuerzos, tales leyes son, por lo menos, tan verdaderas para la actualidad como para los tiempos pasados, y seguirán siéndolo para siempre. Muy otra es la situación de la ciencia jurídica. Cuando ésta tras largos años de esfuerzos, ha logrado encontrar el concepto verdadero, la ley de la insti-tución, hace ya tiempo que el objeto se ha transformado. La ciencia llega siempre tarde en relación con la evolución progresiva; no puede nunca alcanzar la actualidad. Se parece al viajero en el desierto: divisa lejos opulentos jardines, camina todo el día y a la noche están tan alejados de él como por la mañana.” (sic) 12

12 http://philosophiebuch.de/faksimiles/k_kirchmann,_j._h._v..htm ( Ueber dans Prinzip des Realismus (1875) (En el principio del realismo (1875)

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Kirchman reclama para el Jurista la misión de redactar la norma. A este fin el jurista debe acudir a la llamada política legislativa, que consiste en gran parte a consideraciones dikelógicas. La interpretación de la norma pierde su carácter específico, y se amalgama a la tarea de redacción.

C) DOCTRINAS SOCIOLÓGICAS (TEORÍA EGOLÓGICA)

La teoría de Carlos Cossio parte del concepto de que el derecho es “la libertad metafísica fenomenalizada en la experiencia”, o, en menos palabras, “la conducta humana”.13

“La teoría egológica de Carlos Cossio La Teoría Egológica de Carlos Cossio merece por su envergadura una explicitación especial pues aparece como una tendencia fundamental de la Filosofía Jurídica argentina, con proyección universal.

Comenta Marta Pisi de Cattani14: En 1944 Carlos Cossio publica su obra fundamental: La Teoría Egológica del Derecho y el concepto jurídico de libertad. Allí se enuncia el propósito de consti-tuirse en una Filosofía de la Ciencia del Derecho. Tal preocupación epistemológica se refleja en las dimensiones que integran la Teoría Egológica del Derecho: Ontología Jurídica, Lógica Jurídica Formal, Lógica Jurídica Trascendental y Axiología Jurídica Pura.

La primera se justifica como una indagación acerca del ser del Derecho. A su vez como la norma se constituye en un “logos” especial para pensar la conducta en que consiste el Derecho, cabe una lógica que tematice el estilo peculiar de pensamiento del jurista. Alrededor de estas catego-rías se constituye la Lógica Jurídica Formal. Además toda vez que pensamiento para la Lógica es conocimiento para la Gnoseología y a su vez mediante la norma efectuamos la “interpretación” (conocimiento por comprensión) de la conducta, cabe una teoría especial del conocimiento nor-mativo: Lógica Jurídica Trascendental. Y por último, puesto que el dato elemental que ofrece la Ciencia del Derecho es la “experiencia jurídica” y ésta no es otra cosa que experiencia humana, conducta, cabe advertir cuál es la estructura de esa conducta. Esta investigación nos conduce a señalar que toda conducta por el solo hecho de serlo se desarrolla valorando, su existencia es un ser-estimativo. Es imprescindible por tanto el análisis del conocimiento axiológico de la conducta: Axiología Jurídica Pura. A su vez, como toda ciencia, la ciencia jurídica es susceptible de desca-lificación como simple ideología. Por tanto, una Filosofía de la Ciencia del Derecho debe contar con una teoría de la ideología que le permita distinguir la verdad científica del error ideológico para poder asumirse como verdad y rechazar como ideologías las concepciones jurídicas que se desarrollan como racionalización o justificación de los intereses socialmente significativos. A tal fin, la teoría egológica se completará con una Gnoseología del error que investigue el rol del error teórico en el Derecho. De este modo, la Teoría Egológica trata de analizar el Derecho como una singular experiencia; el Derecho es un objeto cultural cuyo conocimiento requiere una intuición (al modo husserliano), una comprensión y un pensamiento normativo. Se opera entonces en la teorización jurídica un cambio profundo; la norma jurídica deja de estar en el centro de las preo-cupaciones jurídicas como objeto lógico, cuyo conocimiento es susceptible de un procedimiento racional y, en su lugar, se instala la experiencia concreta del Derecho en toda su complejidad “.(sic)

13 Cossio Carlos “La teoría Egológica del derecho y el concepto jurídico de Libertad” Buenos Aires Abeledo Perrot 1964.

14 http://bdigital.uncu.edu.ar/objetos_digitales/4185/catalinicuyo89.pdf . MARTA PISI DE CATANI . “La Teoría Egológica de Carlos Cossio y el Tridimencionalismo Jurídico de Miguel Reale” Pag. 52,53,54

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ALGUNAS CONSIDERACIONES SOBRE EL MODO EN QUE DEBE INTERPRETARSE Y APLICARSE LA NORMA172

En cuanto a la interpretación del Juez en el concepto Cossiano del maestro Cueto Rúa15 (su discipulo), “el juez letrado, el juez de Derecho, no debe decidir según sus preferencias subjetivas o su discreción irrestricta. Debe ser objetivo.

Debe adoptar un punto de vista susceptible de ser compartido, en términos caros a Husserl la objetividad del juez es la intersubjetividad de su punto de vista. El juez debe acreditar, pues, que su decisión no es subjetiva, arbitraria, fundada en su exclusiva voluntad”. En otras palabras, opina el miembro del Tribunal Constitucional Español Andrés Ibáñez, “El juez, en tanto que sujeto público y con deberes, está obligado a inspirar su práctica en un acervo de principios básicos universalmente compartidos, hoy constitucionalmente consagrados. No hace falta decir lo necesario que resulta que el juez tenga clara, asuma reflexivamente y encauce de forma correcta, esa dialéctica central entre valores personalísimos y valores transpersonales de obligatoria observancia en su ejercicio profesional. Y es bien obvio que a estimular esa conciencia puede y debe contribuir activamente la crítica pública de sus resoluciones”

2.2.2 DOCTRINAS BIDIMENCIONALES NORMOSOCIOLÓGICAS,(TEORÍA DE LA EVOLUCIÓN HISTÓRICA.)

La historia, método histórico y evolucionismo estuvieron muy presentes en la ciencia jurídica de finales del siglo XIX. La idea de una evolución libre, marcada por la historia y que el Estado y el derecho no debían alterar estaba muy presente en Lerminier, Laboulaye y también en Glasson y Saleilles. Estos autores coincidían también en la crítica a la Ilustración y la Revolución que habían sesgado esta evolución violentando las reglas de la evolución social. Según estos autores el de-recho debía regresar a la función que había tenido en el pasado: la de acompañar esta evolución sin interferirla.16

A principios del siglo XX, se empiezan a críticar los métodos empleados por la exégesis y la dogmática surgiendo el método de evolución histórica, la que propugnaba dar al juez un campo de acción más amplio, más digno, pero partiendo siempre del reconocimiento de la ley como la fuente principal del derecho, como la base de todo sistema jurídico.

Lo destacable de este método que por primera vez el objetivo de la interpretación no es de-sentrañar sus fuentes originales o las condiciones que dieron origen a su elaboración.

La ley es producto de una época y de una sociedad correspondiente a un tiempo determina-do, pero una vez creada se independiza y tiene vida propia, y al ser interpretada se fundía con la realidad socio-histórica imperante en ese momento. Esta evolución o cambio la alejaba de la voluntad del legislador creador y la acercaba a los hechos en el momento que sucedían y debían ser sometidos a esa ley. Si bien la ley en su proceso de creación va a la zaga de los aconteci-mientos y como producto de estos rige, no solo para satisface las necesidades presentes si no que operativamente debe satisfacer necesidades de futuro. Es así que podemos establecer la

15 CUETO RÚA, Julio . “Carlos Cossio: el Derecho como experiencia”. En: Anuario de Filosofía Jurídica y Social. Buenos Aires, Abeledo--Perrot, 1987 , v.7. 4 .

16 ARAGONESES ALFONS. Un jurista del Modernismo. Raymond Saleilles y los orígenes del derecho comparado. Biblioteca del instituto Antonio de Nebrija de estudios sobre la Uuniversidad. Universidad Carlos III de Madrid c/ Madrid 126 - 28903 Getafe (Madrid). Editorial Dykinson c/ Meléndez Valdés, 61 - 28015 MADRID pag 74.

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interpretación progresiva de la ley permitía al juez descubrir en ella nuevos objetivos a la hora de interpretarla y aplicarla. Por el contrario la escuela histórica, solo teniendo en cuenta el texto legal y la voluntad legislativa, incurriría en el peligro de caer en la arbitrariedad judicial y atribuirle un significado distinto al que correspondería según la realidad social e histórica.

2.2.3 DOCTRINAS TRIDIMENCIONALISTAS

A) TEORÍA DE LA LIBRE INVESTIGACIÓN CIENTÍFICA

Francisco Gény es quien, elabora la Teoría de la “Libre Investigación Científica”, como critica al método de la Exégesis. El señala la necesidad de recurrir a los principios de razón y justicia, debido a la insuficiencia de las fuentes formales. Pero recurrir a dichos principios tampoco es suficiente para adecuar la desición jurídica a la naturaleza de las cosas. Para alcanzar dicho nivel que es la base para la correcta aplicación de la norma jurídica, es necesario a parte del ananlisis de la naturaleza personal del individuo, efectuado de su razón y su conciencia, un análisis de la realidades vivas, para que el Juez adapte la norma a las necesidades sociales y tenga plasmación de su decisión jurídica, en el estudio de los propios fenómenos sociales que influyen en la com-prensión de la vida en general por lo que el juez debe tenerlos en cuenta.17

Con el propósito de captar la voluntad del legislador, aplicando las razones de la escuela científica Mario Alzamora Valdez18 explica que según esta teoría, se debe recurrir en el orden siguiente:

• El método gramatical, con el fin de aclarar los textos;

• Deberá después apelar a la lógica, para buscar el sentido de la ley relacionándola con otras normas dentro de un sistema;

• Si estos métodos son insuficientes, estudiará los trabajos preparatorios de la ley, informes parlamentarios, notas de los codificadores o autores a la ley subrogada;

• Siguen a los citados procedimientos, la investigación de otras fuentes formales (la costumbre, la autoridad y la tradición) y,

• A falta de todo apoyo formal, para llenar las lagunas, queda el mérito de la “libre investiga-ción científica”. Se denomina así –libre– porque se encuentra sustraída a toda autoridad positiva y científica porque se apoya en bases objetivas reveladas por la ciencia.

Werner Goldschmidt19 entiende que la más importante aportación de Gény al tema de la Inter-pretación es su distinción entre interpretación en sentido estricto e integración. Por eso recalca que Gény sostuvo que si bien la Interpretación de una norma debe inspirarse en la voluntad de su autor, si no hallamos norma alguna, entonces se procederá a la integración y a la creación de una nueva norma que ha de ser justa.

17 MORGANS EVANS DE VILLAMAYOR ELIZENDA DE. La investigación científica en el sistema jurídico continental:La teoría de Francois Geny..Universidad de Extremadura. file:///C:/Users/usuario/Downloads/Dialnet-LaLibreInvestigacionCientificaEnElSistemaJuridicoC-831671.pdf

18 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel Lima Perú .ALZAMORA VALDEZ, Mario: “Intro-ducción a la Ciencia del Derecho”. Tipografía Sesator. Octava Edición, 1982. Lima – Perú. ob. cit., pág. 264.

19 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel Lima Perú. GOLDSCHMIDT, Werner: “Introducción Filosófica al Derecho”. Ediciones Depalma. Sexta edición, 1983. Buenos Aires – Argentina. Pag 277 y 278

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B) TEORÍA DEL DERECHO LIBRE

La teoria del Derecho libre, es la teoría que sostiene la libertad total para el Juez en la inter-pretación de la norma que aplicará. Se basará en la Jurisprudencia y en el caso concreto, pudiendo dejar de lado el derecho positivo contenido en la norma jurídica.

El derecho libre es todo aquel derecho no estatal, como el derecho natural.

Con esta teoría los Jueces toman distancia de la ley cambiando por completo el paradigma de la interpretación, asumiendo total libertad e independencia de las normas que los rigieran, con el único horizonte de llegar a la Justicia por sobre el ordenamiento positivo.Si la ciencia del derecho reconoce el derecho libre, la jurisprudencia no puede ya fundarse exclusivamente en el derecho estatal , por lo tanto la Jurisprudencia no puede ser ya científica.

Hasta este momento existía agrupando bajo el en un movimiento armónico toda una serie de manifestaciones sueltas e inconexas, se debió a un ensayo que , bajo el seudónimo de Gnaeus Flavius, se publicó en 1906 con el título de “La lucha de la ciencia jurídica” y cuya paternidad reconoció después Hermann Kantorowicz . (1877-1940).

Este autor fundo la llamada escuela del Derecho Libre (1906) que es, según la expresión de Kantorowicz una especie de derecho natural rejuvenecido. El mismo propugnó la Teoría del Derecho Libre; cuya tesis fundamental es que cada cual vive según el Derecho Libre es decir, conforme a las normas que su juicio individual le hace aparecer como derecho y no como algo arbitrario o útil. La libre investigación descubre y aplica elDerecho de la comunidad; el Derecho Libre suscita y da validez al Derecho individual. Su obra ha sido decisiva en la formación del pen-samiento jurídico contemporáneo.

La ciencia del derecho no se limita al funcionamiento de la norma si no que a su vez dicha ciencia crea derecho. El juez al interpretar el derecho, crea normas jurídicas, con la finalidad de realizar la justicia. Kantorowicz rechaza toda interceptación racional y dogmática de los textos y por lo tanto, en su opinión, la realización de la justicia, particularmente al llenar las lagunas de la ley no puede alcanzarse a través de la analogía de la interpretación extensiva y de los principios generales del derecho. La ausencia de un precepto aplicable autoriza al juez para ocupar el lugar del legislador en ese evento el juez se encuentra libre de toda traba doctrinal y aún está autorizado para separarse del sistema del código para realizar la justicia.

Las ideas de Kantorowicz, Ehrlich, y otros propugnadores de esta teoría, son consideradas por Werner Goldschmidt20 como un ataque frontal contra el positivismo jurídico. El jurista alemán cita, de la obra de Kantorowicz, el extracto siguiente:

“Si la ciencia del Derecho reconoce Derecho libre, la jurisprudencia no puede ya fundarse exclusivamente sobre el Derecho estatal. Si la ciencia jurídica posee fuerza creadora, la juris-prudencia no será por más tiempo mera servidora de la ley. Si la ciencia en cada momento tiene en cuenta lagunas, la práctica no podrá resolver jurídicamente cualquier supuesto. Si la teoría puede admitir valores sentimentales, no se puede ya exigir, por el otro lado, fallos enteramente fundados en razones. Si la teoría reconoce el factor individual, la jurisprudencia ya no puede ser

20 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel Lima Perú. GOLDSCHMIDT, Werner: “Introducción Filosófica al Derecho”. Ediciones Depalma. Sexta edición, 1983. Buenos Aires – Argentina. Pág 278

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científica. Si en la ciencia domina la voluntad, la jurisprudencia no podrá desoír los afectos. En resumidas cuentas: los ideales de la legalidad, de la pasividad, de la fundamentación racional, del carácter científico, de la seguridad jurídica y de la objetividad parecen incompatibles con el nuevo movimiento.” (sic)

Concluye su comentario Goldschmidt precisando que Kantorowics(el primero en usar la palabra trialismo) combina tridimensionalmente, la realidad social (el derecho libre), con las normas (el derecho natural) y con la Justicia.

Consultando la Justicia el Juez puede llegar a la conclusión, que una norma, literal o histó-ricamente aplicable al caso, no lo resuelve. En vez de obligar al Juez a investigar la justicia, lo remite a lo que el actual poder del estado opina sobre lo que es justo. No tuvo en cuenta de cómo el poder satánico puede usurpar al estado. Basta con ver los resultados de la alemania nazi, pero también como esta teoría actúa como CAUSA DE JUSTIFICACIÓN de la mantención en sus cargos de todos los magistrados, con posterioridad al período mencionado, ya que la decisión estatal al momento de la aplicación de la norma, convierte al magistrado en una herramienta de aplicación de la voluntad del príncipe exceptuándolo de responsabilidad.

C) TEORÍA TRIALISTA DEL MUNDO JURÍDICO

Werner Goldsmicht desarrolló lo que llamó la declinación trialista del mundo del Jurídico, en la que hizo una diferencia entre la norma, la realidad social y la forma en que se aplica la justicia, en el marco del derecho. Este consta de la dimensión sociológica, ya que el derecho se crea a partir de una realidad y se aplica sobre ella, una dimensión axiológica o “dikelógica” -en honor a la diosa de la justicia “diké”- usando términos de Goldsmicht, ya que tiene en cuenta los valores de esa sociedad, y una dimensión normativa o normológica, que considera a la norma emergen-te y aplicante -la justicia es la resultante de la aplicación de la norma según las características sociológicas y axiológicas-

En método trialista (ver punto 3) analiza con particular precisión y parece adecuarse su modo de interpretación a la rama del derecho constitucional estableciendo en este trialismo el verdadero sentido de esta rama madre del derecho público.

2.3 DIFERENTES MÉTODOS DE INTERPRETACIÓN

Con el propósito de establecer la significación de las normas, y el alcance de la mismas exis-ten diversos métodos que han sido propuestos y desarrollados. Estos son los métodos clásicos a los cuales ya hacía referencia Savigny. A saber son: el gramatical, el lógico, el sistemático y el histórico. Se puede considerar entre éstos también al método teleológico que muchos autores consideran dentro del método lógico.

A) MÉTODO GRAMATICAL

El Método Gramatical, también conocido como Literal, es el más antiguo y es exclusivo de las

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épocas anteriores a la Revolución Francesa en que existía cierto grado de desconfianza en el trabajo de los jueces, razón por la cual éstos se encontraban obligados a ceñirse al sentido literal de la ley.

Es la primera etapa del proceso interpretativo. Como la ley empieza con palabras, el intérprete ha de empezar por obtener el significado verbal que resulta de ellas, según su natural conexión y las reglas gramaticales. De esta forma, cuando una misma palabra pueda tener significaciones distintas, se adoptará la que se repute más idónea, dada su conexión con las demás del precepto de que se trate y con la materia a que el mismo se refiera. En cuanto al significado de los vocablos, cabe decir, que estos deben ser considerados en su sentido usual o más común (en razón a que el legislador se dirige a la generalidad de los individuos, para ser comprendido por ellos), salvo el caso de que la conexión del discurso o de la materia resulte un significado especial técnico. Además, existe una corriente que estima que cuando se trata de términos jurídicos suele opinar-se que debe ser preferido el sentido técnico jurídico, ya que se ha de presumir que el legislador expresa su pensamiento en los términos más propios.21

B) MÉTODO LÓGICOEl Método Lógico es aquél que utiliza los razonamientos de la lógica para alcanzar el verdadero significado de la norma, como así también para establecer el o los sentidos o alcances de una ley se vale del análisis intelectual de las conexiones que las normas de una misma ley guardan entre sí o bien, con otras leyes que versen sobre la misma materia.

Couture22 sostiene que el Método Lógico es el que procura que la tarea interpretativa no contravenga el cúmulo de preceptos que la lógica ha señalado para el pensamiento humano y agrega que, en cierto modo, está constituido por preceptos de higiene mental que conducen al razonamiento hasta su justo punto de llegada.

En la utilización del Método Lógico, precisa Luis Díez Picazo,23 se habla de la existencia de una serie de reglas como: el argumento «a maiore ad minus» (el que puede lo más puede lo menos); «a minore ad maius» (quien no puede lo menos tampoco puede lo más); «a contrario» (la inclusión de un caso supone la exclusión de los demás); «a pari ratione» (la inclusión de un caso supone también la de un caso similar).

C) EL MÉTODO SISTEMÁTICO

La interpretación sistemática, según Bobbio,24 es aquella que basa sus argumentos en el presupuesto de que las normas de un ordenamiento o, más exactamente, de una parte del or-denamiento (como el derecho penal) constituyen una totalidad ordenada… y que, por tanto, es lícito aclarar una norma oscura o integrar una norma deficiente, recurriendo al llamado “espíritu

21 http://www.ubo.cl/icsyc/wp-content/uploads/2011/09/ART.8-BARRIA.pdf. PAREDES MANUEL BARRIA .El elemento de interpretación gramatical. su origen en Savigny, algunos autores modernos y la doctrina nacional. .Pag 2687 Cita:Sánchez Vásquez, Rafael (1997): Meto-dología de la Ciencia del Derecho (México, Editorial Porrúa) 385 p. Savigny, Federico Carlos (2004): p.284.

22 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel Lima Perú. COUTURE, Eduardo J.: “Estudios de Derecho Procesal Civil”. Tomo III. Ediciones Depalma. Tercera edición, 1979. Buenos Aires – Argentina Pag.18

23 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel Lima Perú . DÍEZ PICAZO, Luis y GULLÓN, Antonio: “Sistema de Derecho Civil”. Volumen I. Tecnos. Novena edición, 1997. Madrid – España. Pág. 259

24 BOBBIO, Norberto: “El tiempo de los derechos”. Ed.Sistema, Madrid, 1991.

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del sistema” yendo a un en contra de lo que resultaría de una interpretación meramente literal.

La idea de que en un sistema jurídico no pueden coexistir en su seno normas incompatibles, es decir, no cabe la posibilidad de antinomías es un ideal que resultaría muy conveniente pero que no deja de ser precisamente una situación ideal. La interpretación sistemática intenta comprender, como un todo coherente, la totalidad de las normas jurídicas y de los institutos jurídicos que le sirven de base. Se interpreta sistemáticamente en la práctica, cuando no se atiende a una norma aislada, sino al contexto en que está situada.

Las normas no pueden analizarse en forma aislada de los demás preceptos que integran una ley de la que forman parte.

Cada norma es parte integrante de un sistema jurídico, al que pertenece desde el momento de su creación, y entre todas las normas de un sistema se generan acciones y reacciones.

D) MÉTODO HISTÓRICO

Estudia los contextos anteriores que pudieran influir en la actualidad en la interpretación de la norma . Se recurre a sus antecedentes, como las ideas de sus autores al redactar los proyec-tos de ley y los motivos que dieron lugar a la iniciativa y a la aprobación de la ley misma como, informes, debates, etc..

El método histórico es congénito a la Escuela Histórica Alemana y que tiene como punto de partida el legislador y no la ley, o mejor dicho la voluntad del Legislador como representante del volkgeist o espíritu del pueblo. El correspondiente argumento del método histórico sirve entonces para justificar la atribución de significado a un enunciado, que sea acorde con la forma que los distintos legisladores a lo largo de la historia han regulado la institución jurídica que el enunciado actual regula.Es decir, el argumento histórico se encarga de explicar una determinada institución Jurídica por sus orígenes y el modo en que fue desarrollándose a través del tiempo.25

Existen dos formas de interpretación histórica:

-La interpretación estática, usual o Tradicional: Ante la duda sobre el significado de un enun-ciado, el Juez justifica su solución argumentando que es la forma en que tradicionalmente se ha entendido la regulación.

-La interpretación dinámica o evolutiva: Consiste en tomar la historia de las instituciones jurídicas como una tendencia hacia el futuro, con carácter progresista, como un proceso de cambio continuo en evolución, o como un proceso irregular con rupturas y cambios en las circunstancias que impiden entender las reglas actuales con criterios proporcionados por legislaciones ya derogadas.

E) MÉTODO TELEOLÓGICO

Este método consiste en atribuir significado a una norma o a una cláusula atendiendo a la

25 ANCHONDO PAREDES EMILIO VICTOR. Métodos de Interpretación Jurídica .Biblioteca Jurídica virtual del Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM.www.juridicas.unam.mx. pág 45.

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ALGUNAS CONSIDERACIONES SOBRE EL MODO EN QUE DEBE INTERPRETARSE Y APLICARSE LA NORMA178

finalidad del precepto o del pacto. (tele significa fin)

Mencionan, Molitor y Schlosser26 que Jhering, en su obra de dos volúmenes “El Fin del Derecho” buscó interpretar cada reglamentación jurídica no de una manera aislada sino comprendiendo las motivaciones y la función jugada en el conjunto normativo como medio de realización y satisfacción de intereses Además que Jhering, merced a esta concepción hasta entonces desconocida, señaló al Derecho caminos completamente nuevos, que estaban perdidos para él desde el Derecho na-tural (Interpretación Teleológica).

Los fines que tiene en vista el creador de la norma, son fines objetivos, determinados, per-ceptibles, y que se desprendieron de una realidad conocida. No se refieren a fines objetivos o de un grupo determinado, por eso esta característica de generalidad está dado por la racionalidad como característica del orden jurídico prevaleciente.

F) MÉTODO EMPÍRICO

Éste es el Método atribuido a la Escuela de la Exégesis en sus inicios, el cual consistía en in-vestigar empíricamente la voluntad del legislador; es decir las palabras de la ley y la intención del legislador como hechos; el recurso a obtener todo lo concerniente a la ley como dato empírico.

El profesor Ariel Álvarez Gardiol27 precisa respecto a este método lo siguiente: “El método empírico postulado por la Exégesis es un recomponer los hechos efectivamente pensados por los legisladores, es un ‘repensar’ algo ya pensado, según la fórmula de August Boeckh. Esta reconstrucción del pensamiento del legislador está temporalmente situada, es concreta y finita, a diferencia de la voluntad de la ley, que es por cierto in-temporal.Esto último perseguía indudablemente consolidar una absoluta ruptura con el pasado, que permitía llegar en el examen de la ley no más allá de la voluntad psicológica del legislador.” (sic)

G) MÉTODO SOCIOLÓGICO

De acuerdo con este método, la interpretación del derecho no debe hacerse a través de las normas legales ni de los principios legales ni de los dogmáticos, sino del conocimiento de la estructura social y económica de sus instituciones, alcanzado por la observación directa de los hechos y las enseñanzas de la sociología jurídica y descriptiva de la realidad, que enseña lo que realmente hacen los hombres en relación con el derecho y lo que no deben hacer.

Los principales exponentes de este método son

Entre los máximos exponentes de este método tenemos a Nathan Roscoe Pound es el re-presentante más destacado de la Escuela Sociológica, a decir de de Edgar Bodenheimer otro representante de esta corriente de pensamiento. del Derecho.

26 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel Lima Perú MOLITOR, Erich y SCHLOSSER, Hans: “Perfiles de la Nueva Historia del Derecho Privado”. Casa editorial Bosch. Traducción de la 2ª edición alemana, 1975. Barcelona – España. Pág. 99

27 Del Trabajo “La interpretación de la norma jurídica” .Franco de la Cuba Carlos Miguel Lima Perú. ÁLVAREZ GARDIOL, Ariel: “Manual de Filosofía del Derecho”. Editorial Astrea. Primera edición, 1979. Buenos Aires – Argentina. Pag 100.

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Nathan Roscoe Pound28 adhiere a lo denominado como “Sociología Jurisprudencial” no cree que se puedan formular normas jurídicas ideales, con validez universal, eterna e inmutable, ya que el derecho debe cambiar cuando cambian las situaciones sociales. Por eso, la validez de los ideales jurídicos es relativa a determinados supuestos reales, de hecho, es decir está condicionada históricamente por las situaciones concretas de la sociedad. Es decir que debe interpretarse el derecho en este sentido porque no sólo regula la vida en sociedad sino que además es producto de ésta, vive y se desarrolla con ésta para servir en favor de una mejor convivencia, orden social; de allí que su interpretación no se puede realizar ajeno a la influencia del contexto social en el que será aplicado.

3. CONSIDERACIONES SOBRE LA INTERPRETACION Y LA DETERMINACION DE LA NORMA (SEGÚN WERNER GOLDSCHMIDT)

3.1. ANÁLISIS DE LA INTERPRETACIÓN Y APLICACIÓN DE LA NORMA

Tiene por meta lograr la fidelidad de la norma ya formulada se refiera tanto a la norma formal como a un tratado, la constitución, un decreto, un contrato o una sentencia. De esto se infiere que si el repartidor no ha manifestado formalmente su voluntad no es un problema de interpre-tación si no de manifestación de voluntad. A veces es difícil en tender esta voluntad, sobre todo cuando el repartidor carece de capacidad de obrar (la colectividad ) ó las descripciones que de esa voluntad hacen grupos interesados (militares, comerciantes, industriales) , los jueces o los jurisconsultos son los que en una pequeña medida pueden indentificarse con la colectividad. Es por ello que el problema no es solo descubrir la voluntad del repartidor si no también la voluntad colectiva difícil de reconocer en el derecho espontáneo.

No debe confundirse interpretación con aplicación de la norma, la interpretación consiste en una comparación entre su sentido actual conforme lo aprecia la colectividad y la voluntad de su creador al momento de la creación, con mira a casos imaginarios o reales. La aplicación de la norma se hace siempre con respecto a un caso dado. Esta división es clara en la norma general pero ambos fenómenos confluyen indistintamente.

La interpretación comprende cuatro etapas diferentes: 1)Averiguar el sentido que la colecti-vidad lingüística en la cual se formula la norma le atribuye.(interpretación literal), 2)Encontrar la auténtica voluntad del autor de la norma.(interpretación Histórica), 3)Comparar el sentido atri-buído a la norma por la colectividad lingüística con la auténtica voluntad(comparación entre la interpretación literal e histórica), y 4)Adaptar la norma en caso que fuera distinta de la auténtica voluntad, a esta última extendiéndola o restringiéndola.29

28 SILVEIRA ALIPIO y PRESCIADO HERNANDEZ RAFAEL..Roscoe Pound y su influencia sobre la hermenéutica jurídica. .Biblioteca Jurídica virtual del Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM.www.juridicas.unam.mx. pág. 139.

29 GOLDSCHMIDT Werner, W., Introducción filosófica al Derecho. La teoría trialista del mundo jurídico y sus horizontes, 6º ed., Buenos Aires, Depalma, 1987., pp. 254 a 256.

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ALGUNAS CONSIDERACIONES SOBRE EL MODO EN QUE DEBE INTERPRETARSE Y APLICARSE LA NORMA180

3.2. DETERMINACIÓN DE LA NORMA

¿Debe Interpretarse la norma? y en ese caso ¿se interpretaría o se completará una norma incompleta?

Las normas deben interpretarse cuando no son completas al decir de Werner Goldschmidt “no todas las normas son completas

1) Algunas veces las normas requieren una precisión que su autor deliberadamente deja al arbitrio de quien la hará funcionar; en este supuesto la voluntad de reparto del autor de la norma es imprecisa en el particular que aún requiere precisión.

2) En otras hipótesis, las normas a fin de funcionar uniformemente, necesitan una reglamen-tación que su autor a propósito deja a criterio de otra persona; en este caso el autor tiene una voluntad precisa, pero ella es incompleta.

3) En un tercer grupo de especies, no es posible ni siquiera admitir que estemos en presencia de una norma de reparto, si bien imprecisa o incompleta; nos encontramos con un mero principio de reparto que reclama normas para que pueda empezar a funcionar; correspondientemente el autor no tiene sino una mera voluntad de principio.

4) Por último, puede ocurrir que el repartidor no está animado de ninguna voluntad, ni de una voluntad de principio, ni de una voluntad incompleta y menos todavía de una voluntad impre-cisa: lo único que alberga es una disposición de realizar repartos en su momento en favor de alguien, por ejemplo, en favor del acusado de un delito o en favor del administrado o en favor del obrero o en favor del deudor.

En este supuesto no sólo no hay norma de reparto, tampoco existen principios de reparto. Lo único que es posible registrar son meros criterios de reparto. Ahora bien, de determinación de la norma en sentido estricto podemos hablar tanto en el supuesto de su precisión, como en el de su reglamentación. La hipótesis del desarrollo normativo de un principio de reparto ya no constituye la determinación de una norma en sentido estricto, por la sencilla razón de que lo que se desar-rolla no es una norma de reparto, sino sólo un principio de reparto, acudiendo este desarrollo precisamente a normas corno su medio. No obstante, este último caso a los dos anteriores, toda vez que la voluntad de principio es una voluntad positiva como la voluntad incompleta y la voluntad imprecisa, si bien sólo contempla su fin y omite constituirse con miras a los medios.

Al contrario, la determinación de la norma, inclusive en sentido amplio, no comprende la movilización de los criterios basados en meras disposiciones de voluntad. Cualquier concreción de tales disposiciones se instrumentaría a través de la elaboración de una nueva norma. Nos encontraríamos con una hipótesis de elaboración de normas y de integración del ordenamiento normativo; no se trataría, en cambio, de un supuesto de determinación de una norma. Tal vez parezca la línea divisoria que trazarnos entre criterios de reparto (que no se determinan nor-mativamente) y principios de reparto (que se determinan normativamente como las normas incompletas y las normas imprecisas) arbitraria. Pero esta apariencia se disipa si nos damos cuenta de que en todos los supuestos de determinación en sentido estricto y en sentido amplio, el autor de la norma podría haberla redactado de modo completo, mientras que en la hipótesis

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de los criterios el mismo establecimiento del criterio se debe precisamente a la imposibilidad de prever los problemas que pueden suscitarse.”30

4. CONCLUSIONES FINALES

A) SIEMPRE SE INTERPRETA AL APLICAR LA NORMA

Hay autores que limitan la necesidad de interpretar sólo a los casos en que una norma no es lo suficientemente clara, que un concepto restringido de interpretación y otro amplio (el primero cuando la norma es dudosa o controvertida y el segundo independientemente de estos calificati-vos); de acuerdo con la mayoría cabría, en todo caso, hablar de mayor o menor grado de dificultad para interpretar una norma jurídica, pero nunca de la posibilidad de prescindir de hacerlo, de tal modo que existirá siempre la ineludible necesidad de la interpretación de la norma jurídica.

B) SE INTERPRETA LA NORMA INCOMPLETA

o en realidad se crea derecho integrando el sistema jurídico con nuevas normas (creadas al interpretar) para que sea aplicable al caso concreto.

C) LA INTERPRETACIÓN JURÍDICA ES DE VITAL IMPORTANCIA,

pues el Derecho sólo puede ser aplicado tras ser interpretado. Por tanto, no puede haber derecho sin Interpretación siempre se interpreta como mecanismo esencial para la aplicación de la norma.

Y tal vez el más representativo y acabado concepto sobre lo que es interpretar lo manifieste el maestro José Puig Brutau31 quien dice: “Sí generalizar es omitir, y legislar es generalizar, juzgar es volver a añadir parte, cuando menos, de lo omitido”.

Esto no es otra cosa que interpretar.

30 GOLDSCHMIDT, W., Introducción filosófica al Derecho. La teoría trialista del mundo jurídico y sus horizontes, 6º ed., Buenos Aires, Depalma, 1987 Pag 257 y stes.

31 PUIG BRUTAU, José: La jurisprudencia como fuente de derecho. Interpretación creadora y arbitrio judicial Barcelona, ed. Bosch, 1951.pág 179

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ALGUNOS RIESGOS CATASTRÓFICOS EN EL SEGURO Y SU FUNCION SOCIAL

Jorge Omar Frega1

1. INTRODUCCIÓN

Desde su origen el estado y el derecho tienen como objetivo principal obtener la paz social y proteger a sus integrantes de las catástrofes naturales o humanas. Todo ello surge del concepto de igualdad de los ciudadanos que ha sido comprendida de distintas maneras, pero una de ellas es la proteger a los que menos tienen o más necesitan.

Ese fin protectorio o tuitivo se encuentra plasmado en el plano jurídico por medio de distintas instituciones establecidas para cumplir ese fin en forma directa o indirecta.

Existen principios teóricos que sustentan y alientan al ordenamiento jurídico y al Estado a fomentar la protección de los riesgos por medio de la actividad privada. El primero de ellos es, sin dudas, la búsqueda de socializar los riesgos que pre-existen o nacen en una sociedad con una herramienta técnica, negocial y jurídica como lo es el seguro.

No se trata de desprender al Estado de sus funciones esenciales, sino de darle a éste una función reguladora y de control de aquellos que pueden cumplir en forma más eficiente alguna de ellas.

2. AFINES DEL ESTADO Y DEL DERECHO

Kelsen afirma que aún una búsqueda a la ligera nos proporciona más de una docena de acep-ciones de la palabra Estado (López, 1984). Sostiene que el Estado no tiene entidad propia y no lo considera otra cosa que la personificación metafórica del orden jurídico total. En igual sentido Friedrich sostiene que, desde el punto de vista del constitucionalismo, el concepto de Estado resulta innecesario.

Otros autores como Herman Heller consideran que el estado es un tipo de comunidad política condicionada históricamente.

En el concepto vulgar y aún en el científico, las ideas que tienden a prevalecer son, por una parte, el aparato de dominación que se emplea en la sociedad global y, por otra, esta misma sociedad global en cuanto se halla políticamente organizada (López, 1984).

Al analizar su justificación del Estado podemos entrelazarlo con la del derecho apareciendo aquel como presupuesto de éste. Ello lleva a repasar su fundamento no en abstracto, sino en cuanto a ser considerado “aparato de dominación” y por lo tanto a la justificación de su poder, que es finalmente el por qué debe ser respetado.

1 Profesor Titular de Derecho de la Empresa de la Universidad de Morón, Argentina. E-mail: [email protected]

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En tal sentido los iusnaturalistas clásicos de la corriente aristotélico-tomista –aunque algunos autores modernos también comparten este aspecto- afirman que el fin propio, objetivo y necesario del Estado es el “bien común”.

Al igual que Aristóteles, Santo Tomás sostiene que todo acto humano tiene una finalidad, se dirige hacia algo que es considerado aprehendido como bueno. La voluntad humana está necesariamente orientada hacia el fin último del hombre como tal, cuya consecución implica el perfeccionamiento pleno de la naturaleza humana, satisface todos los deseos y ofrece una felicidad completa (Nino, 1984, p 385).

Esta justificación teleológica del Estado, y también del derecho, puede encontrar sus bases en principios religiosos o racionales, pero suponen al hombre como un ser naturalmente social y a la justicia como algo concreto y presente en el ordenamiento jurídico.

Por su parte, existe una visión utilitarista del Estado y derecho. El utilitarismo encuentra entre sus fundadores a Jeremy Bentham (Introduction to the Principles of Morals and Legislation, publicado en 1789) y John Stuart Mill (Utilitarism de 1863) (1997) y, si bien difieren en su concepción, todas estas teorías son consecuencialistas. Esto quiere decir que, según esta concepción, las acciones no tienen valor moral en sí mismas sino en relación a la bondad o maldad de sus consecuencias.

A su vez, las teorías deontológicas o formalistas como la sostenida por Emanuel Kant (en su Crítica a la razón práctica de 1790) establecen la existencia de un principio fundamental que está contenido en su imperativo categórico: obra sólo según una máxima tal que puedas querer al mismo tiempo se torne ley universal. Pero a su vez “…Kant afirma que el hombre, y en general todo ser racional, existe como fin en sí mismo, no sólo como medio para ciertos usos, y, en consecuencia, todo hombre debe en sus acciones tratarse a sí mismo y tratar a los demás como fines y no sólo como medios” (Nino, 1984).

El iusnaturalismo moderno representado por Hobbes, Locke y Rousseau, se funda en el sos-tenimiento de un estado de naturaleza como contrario al estado político y la afirmación de que la manera de salir del estado de naturaleza consiste en un pacto. Este servirá para superar el estado de guerra constante (Hobbes, 2013), proteger la propiedad (Locke, 2013) o para evitar la degradación social (Rousseau, 2013), pero siempre para logar la libertad concebida de distintas formas. Este último deja bien claro que no se trata de afirmar que el contrato realmente sucedió como hecho histórico.

El positivismo jurídico no pretende buscar el fin del derecho fuera de él mismo. La teoría pura del derecho es una teoría del derecho positivo, del derecho general y no de un derecho en particular. (…) Al calificarse como teoría “pura” indica que entiende constituir una ciencia que tenga como único objeto el derecho e ignore todo lo que no responda a su definición. El principio fundamental de su método es, pues, eliminar de la ciencia del derecho todos los elementos que son extraños. Parece que no podría ser de otra manera (Kelsen, 1996, p. 15).

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Esta corriente en general no encuentra dentro del concepto de derecho a la justicia siendo que para los iusnaturalistas ésta lo integra y es, a su vez, su fin concreto.

Siguiendo a Mouchet y Zorraquin Becú (2005) podemos decir que “… el derecho no es más que un medio por el cual se realizan objetivos ajenos a su propia esencia. Y siendo un medio, es lógico que esté subordinado a esos fines, y encuentre en ellos su justificación” (p. 61). Luego agregan que el derecho tiene por objeto implantar un orden justo en la vida social. Tenemos entonces dos fines principales: la justicia y el orden, y dos accesorios: la paz y la seguridad.

Aristóteles en el libro V de su Ética a Nicómaco y posteriormente Santo Tomás de Aquino, en la Suma Teológica (II-II, q.57 y sgs.) definen a la justicia como una perpetua voluntad de dar a cada uno lo suyo.

Entonces el acto justo consiste, a diferencia de las demás virtudes, en dar a los demás lo que les corresponde, supone una relación entre personas o grupos sociales.

Ahora bien, podemos considerar a la justicia como ordenamiento jurídico que pretende objeti-vamente, no ya promover la virtud entre los hombres, sino asegurarla en las relaciones sociales. Supone no sólo la voluntad del agente sino también la existencia de una voluntad superior a la suya (Mouchet y Zorraquin Becú, 2005).

3. LA PAZ Y LA SEGURIDAD

Tanto la paz como la seguridad de los individuos se engloban dentro del sentido general de ordenamiento. El respeto al orden jurídico impuesto por el Estado pretende ser la garantía de la libertad pero sujeta a sus principios.

El desequilibrio de ese orden se compensa de distintas maneras siendo una de ellas la re-composición. Se procura por esta vía restablecer el estado de cosas al momento anterior al incumplimiento de lo establecido jurídicamente como obligación.

Cuando ese incumplimiento genera un daño, o dicho de otro modo, cuando el daño tiene un responsable conforme al derecho, nace una obligación de indemnizar. Esa relación llamada de imputabilidad, tiene para Kelsen (1996) su correlación con el nexo causal de las ciencias naturales.

Se trata entonces de la protección de intereses tutelados y reconocidos por el derecho. Ese fin tuitivo tiene en el Estado su principal garante siendo el mismo uno de los motivos de su justificación como poder superior. Para su cumplimiento se vale de distintos medios o instrumentos que tienen vocación de ser permanentes. De ahí su carácter de institutos que por su fuerza imperativa y su fin son jurídicos. Ello en virtud que fueron generados para crear, modificar o sostener derechos de los individuos y de los grupos sociales.

Tanto desde el punto de vista valorativo, como el de la fundamentación técnica desprovista de valores, entendiendo al derecho como herramienta del Estado o a éste como una representación simbólica de aquel, las instituciones jurídicas se basan en un criterio de razonabilidad. Por lo tanto, el ordenamiento jurídico intenta sostener una justificación que le permita ser pacífica-mente aceptado por sus destinatarios y por los que deben aplicarlo. A ello se lo ha denominado

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ratio legis o razón de la ley. Esto es, que motivó al legislador (en sentido amplio) a establecer una norma jurídica general.

Se trata de la imposición de una solución jurídica a la existencia de un problema que afecta a un número de personas. A su vez, este supone o genera una necesidad a satisfacer.

Es, en definitiva, la distinción entre el derecho objetivo y subjetivo. Para Kelsen (1996) “el de-recho subjetivo no es algo distinto del objetivo, es derecho objetivo mismo, en tanto que se dirige, con la consecuencia jurídica por él estudiada, contra un sujeto concreto –deber- o en tanto que se pone a disposición del mismo -facultad-” (p.79).

Por su parte Jellinek (1996) sostiene que el derecho subjetivo es “la potestad de querer que tiene el hombre, reconocida y protegida por el ordenamiento jurídico, en cuanto está dirigida a un bien o a un interés” (p. 49).

Desde una u otra concepción existe una búsqueda de seguridad tanto colectiva como individual que se encuentra reconocida por el derecho y que intenta satisfacer.

Por su parte, Goldschmidt (2005) propone tratar en el derecho específicamente los repartos de potencia e impotencia (dimensión sociológica), captados por normas (dimensión normológica) y valorados por la justicia (dimensión dikelógica). Denomina reparto a las adjudicaciones de po-tencia e impotencia que provienen de seres humanos determinables. El trialismo del mencionado autor procura ser superador de la discusión entre positivismo y iusnaturalismo (que quizás sea en realidad indisoluble). En su versión primitiva el trialismo comparte con el positivismo que la realidad social y normativa es positiva, puesta por el hombre; y coincide con el jusnaturalismo en que hay despliegues de valor no puestos por el hombre, sino objetivos naturales.

La búsqueda de equilibrar socialmente el reparto de cargas en beneficio de todo el grupo o comunidad se impone normativamente dándose entonces, conforme esta teoría estas tres dimen-siones descriptas: la social, la dikelógica y la normativa.

En definitiva, esa distribución de cargas y beneficios es el aspecto común a todas las teorías. Se podrá discutir cuáles son sus alcances o fundamentos primeros y también su origen, pero objetivamente siempre se trata de obtener los medios para cumplir con tal fin, siendo el derecho uno de ellos. El ordenamiento jurídico establecido, en consecuencia, recurre a distintos instru-mentos que suponen mayor, menor o escaza participación de los particulares, siendo donde más lo tienen el ámbito del denominado derecho privado.

4. FUNCIÓN SOCIAL DEL SEGURO

El objeto de contrato de seguros es el riesgo. Este se define como

…la posibilidad o peligro de que ocurran determinados acontecimientos cuya produc-ción es incierta, o sea “eventual” de donde proviene, precisamente, su denominación de

“eventos” (…).

Algunos autores consideran al riesgo como la eventualidad misma que se produzcan hechos

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dañosos pero en realidad lo “eventual del riesgo”, es decir, su aspecto “incierto” se refiere otro elemento denominado “álea” (Llistosella de Ravaioli y Favier-Dubois, 2002, p. 35).

El elemento aleatorio es el factor eventual, incierto y fortuito que integra la noción del contrato de seguro.

Ante a la necesidad general de previsibilidad, prevención y provisión frente a los infortunios, que es preocupación individual pero también grupal, el seguro tiene un papel destacado. Su utilidad no se limita a dar seguridad económica como consecuencia de un eventual hecho dañoso al titular de un interés asegurado, sino que también, al cumplir con su objetivo, importa indirectamente un beneficio a todos los sujetos vinculados con dicho interés y su propietario.

Así, por ejemplo, el incendio de una fábrica no sólo impacta sobre el patrimonio de su explo-tador o dueño, sino que también puede perjudicar los obreros que no pueden seguir cumpliendo sus tareas, a los proveedores de materias primas, a los distribuidores de los productos de esa empresa, etc..

Pero a su tiempo, todos los que son destinatarios directos o indirectos de la actividad asegurada (fabricación de bienes, prestación de servicios, realización de espectáculos deportivos o actividad cultural), participan de los costos del seguro. Ello debido a que el valor de la prima o premio (el precio del seguro) se traslada a los consumidores o intermediarios de la cadena de distribución de bienes y servicios.

A su vez, existe lo que podríamos llamar una socialización previa del riesgo, pero más acotada. Ella tiene que ver con el principio de dispersión del riesgo. Ello significa que los costos eventuales de los siniestros que pueden producirse dentro de la masa de asegurados son distribuidos (dis-persados) entre todos los integrantes (mutualidad de asegurados) del grupo.

La masa o mutualidad de asegurados es

… un elemento técnico que según hemos dicho consiste en la necesaria agrupación de sujetos expuestos a riesgos semejantes a fin de hacer calculable la probabilidad de los siniestros previstos.

Esto hace que los seguros participen de la categoría de “actos masivos”, modalidad que dis-tingue diversos aspectos de la vida económica, social y jurídica contemporánea (Llistosella de Ravaioli y Favier-Dubois, 2002, p. 39).

Es por eso que podemos afirmar que existe una necesidad técnica negocial de dispersar las eventuales consecuencias económicas de un riesgo, siendo el seguro una herramienta útil a ese fin que, además, proviene de una actividad privada, aunque fomentada y controlada por el estado (Halperín, 2001).

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5. BUENA FE EN EL CONTRATO DE SEGURO

Conforme lo antes dicho existe un interés comunitario en el normal funcionamiento del seguro.

En el orden axiológico se prioriza el deber de buena fe mucho más que en otros campos del derecho (Monti, 2001). Este principio que existía en el artículo 1.198 del Código Civil, vuelve a in-corporarse con más fuerza en el Código Civil y Comercial (artículos 961 y 991 entre otros). Consiste en obrar, interpretar y ejecutar el contrato, pero también las tratativas previas a él, con lealtad, sin ocultamientos, en suma, con un espíritu colaborativo y no obstructivo de los intereses de la contraparte. Se trata de responder sobre la base de reglas claras y previsibles. Esta ubérrima buena fe (uberrimae fidei) de la que se habla habitualmente (Monti, 2001), se justifica más aún por el carácter incierto del seguro y la necesidad de mayor previsión que en otros contratos.

En efecto, el asegurador está obligado a masificar su contratación, como vimos, por lo que debe confiar en la actitud del asegurado y éste, creer que, llegado el momento establecido en el contrato, aquél cumplirá con el pago de la indemnización. Esta confianza recíproca que ha sido también incluida expresamente en la ley vigente (art. 1067 del Código Civil y Comercial) en forma genérica para todos los contratos, aumenta su dimensión dadas las características del contrato de seguro.

6. LAS CATÁSTROFES

Una inundación del tamaño de la que sufrieron hace pocos años en las ciudades argentinas de La Plata, Buenos Aires Trenque Lauquen, Azul y otras zonas aledañas, así como los deslaves ocurridos en Río de Janeiro, nos hacen poner el foco en un viejo problema del derecho en general y del seguro en particular, los denominados tradicionalmente casos fortuitos o de fuerza mayor y, más específicamente en el campo del seguro, los riesgos catastróficos.

En general el derecho como organización de una comunidad política, funciona sobre ciertas bases de previsibilidad, ciertos parámetros de riesgo. Las circunstancias extraordinarias pueden tener dimensiones diversas y las previsiones tienden a tener el margen que las estadísticas, la historia siniestral de esa zona o territorio donde se asienta.

Las instituciones jurídicas son esencialmente establecidas sobre esos márgenes que cuando se desbordan, pasan a complicar seriamente ese orden y obligan a reevaluar si fueron medidas adecuadamente o si requieren algún tipo de modificación.

El seguro fue pensado justamente para atender a lo que no nos “pasa siempre”, pero que nos puede ocurrir o aun cuando siempre ocurra no sabemos “cuando lo hará” o a “quien le tocará”. Es sin dudas una forma de “previsión colectiva” establecida desde el ámbito privado pero atendida, controlada por el estado como un medio de contener las consecuencias disvaliosas de hechos no queridos.

La actividad aseguradora no escapa, por el contrario, es la que mas debe valorar ese margen del que hablábamos. Su tarea más importante, la que hace a la certeza de su negocio es justamente evaluar correctamente la incertidumbre, el riesgo. Este es el objeto de contrato de seguro (art. 3 de la ley 17.418).

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La incertidumbre ese espacio entre lo imposible y seguro en su ocurrencia. Ello impone con-siderar dos parámetros de evaluación de los riesgos: la frecuencia y la intensidad. La primera evalúa probabilidad que el mismos se concrete y la segunda el grado de daño que puede generar. Así, para que un riesgo sea asegurable el asegurador suele analizar esos factores para considerar si es factible y en qué términos. Un riesgo con baja probabilidad y/o intensidad probablemente no sea interesante para el mercado a los fines de su aseguramiento, en cambio, uno que configure una alta intensidad y a su vez frecuencia, difícilmente lo sea técnicamente.

Normalmente los riesgos catastróficos poseen alta intensidad pero baja frecuencia o probabi-lidad. Pero, en ocasiones su capacidad de daño los hacen inasegurables, al menos en condiciones habituales para el mercado. Ello porque técnicamente una compañía debería efectuar reservas y consecuentemente cobrar primas que quizás no sean aceptables comercialmente. Ahora bien, una suficiente dispersión del riesgo sea por medio de una compañía con gran capacidad de afrontar este tipo de siniestros o la conformación de un grupo económico en asociación con un fondo de garantía permiten hacer frente a esta forma de riesgos.

7. LOS DAÑOS AMBIENTALES Y LOS SEGUROS PATRIMONIALES

El medio ambiente ha sido definido como un conjunto de cosas y circunstancias que rodean y condicionan la vida del hombre. Incluyen en un sentido amplio no sólo lo que puede influir en el hombre sino también lo que puede ser influido por él.

Como lo expresa Libster, en el concepto de ambiente y su problemática, el hombre se perfila en su naturaleza social y es su intervención modificadora de los componentes físico-naturales que lo circundan el punto de partida de los problemas ambientales, cuando estas modificaciones alteran, de algún modo el ecosistema o atenta contra su restablecimiento.

Ahora bien, las nuevas concepciones incorporan no solamente el ambiente natural, sino tam-bién el artificial tanto desde el punto de vista social (sistemas sociales, culturales, económicos y políticos) como el construido por el hombre (edificios, fábricas, vías de comunicación, etc.). Podrá advertirse que se protege al ambiente natural tanto como el social, pero es justamente la sobredimensión de éste el que suele afectar a ambos.

En las inundaciones frecuentemente se puede apreciar lo antes dicho. En efecto, la excesiva construcción de edificios, caminos, insuficiencia de los desagües o, falta de espacios para drenaje, elevación de las capas freáticas, falta de planificación urbana, entre otras, suelen motivar que se produzcan.

Por supuestos los llamados “cambios climáticos” afectados por la desforestación, alteración del suelo, de curso de ríos, modificación de las temperaturas, etc. influyen de una manera que aún no terminado de definirse y la producción de lluvias y tormentas de mayor intensidad.

Existe un interés social por la protección de medio ambiente y por atenuar las consecuencias de los daños producidos en él. El seguro es un instrumento útil para menguarlos o eliminarlos. Hay una tendencia a la búsqueda de asegurar estos riesgos de manera directa o por vía de los seguros de responsabilidad civil. Las mayores dificultades residen en el carácter catastrófico de

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los riesgos y en lo difuso de la legitimación tanto activa como pasiva respecto de la responsabi-lidad civil. Justamente en este punto, el aseguramiento de la responsabilidad por los daños de este tipo tiene una importante dificultad cual es la correcta delimitación cualitativa y cuantitativa del riesgo. Empero ya hemos afirmado y de hecho viene ocurriendo así, que es factible asegurar esta clase de riesgos.

En tal sentido, la Superintendencia de Seguros de la Nación en Argentina viene autorizando la emisión de pólizas que incluyen daños habitualmente catastróficos como son Inundación, desbordamiento o terremoto, sobre todo considerando que éste último en principio se encuentra excluido (salvo pacto en contrario, por supuesto) por la ley 17.418 para algunos seguros patri-moniales como el incendio.

Lo cierto es que, se trate de hechos de la naturaleza en cuya causación no tenga ninguna influencia la actividad directa o indirecta del hombre, o que si las tuviera, tanto por acción u omisión, el seguro es una herramienta que puede utilizarse para morigerar las consecuencias dañosas de los mismos.

8. LA COBERTURA DE LA INUNDACIÓN

Un ejemplo interesante de la evolución del seguro respecto de los hechos catastróficos es el de la inundación. Si bien en un principio no eran cubiertos para los vehículos automotores, sea como hecho de la naturaleza o por la acción u omisión del hombre, actualmente son objeto de cobertura asegurativa.

La cobertura de este riesgo de más fácil concreción es aquella que protege a un bien determi-nado como la de los automotores. Más dificultosa resulta la de la responsabilidad civil por acción u omisión, tanto de particulares como de entes públicos.

El avance de la jurisprudencia respecto de la atribución de responsabilidad por aquellas cir-cunstancias que hayan generado de algún modo condiciones para que se anegaran propiedades o sufrieran consecuencias debido a la falta de energía eléctrica por las intensas lluvias viene teniendo una evolución dispar.2 Sin embargo, se ha generado una corriente en nuestro país de reconocimiento judicial de la responsabilidad por tales riesgos.

En tal sentido los seguros de responsabilidad civil tendrán una función esencial para transferir esos riesgos en la medida que se consoliden en sede judicial las resoluciones favorables a quienes reclamen daños debidos estos hechos.

En uno u otro sentido le son aplicables las normas sobre seguros patrimoniales (arts. 60 y sts.de la ley 17.418) y dentro de éstos, especialmente, pero en forma no excluyente los de respon-sabilidad civil (arts. 109 y stgs. de dicha ley).

2 Cámara de Apelaciones en lo Civil y Comercial Federal Sala 1 autos: “Cerigliano, Carlos A. C/ Edesur S. A. S/ Daños y Perjuicios”; Cámara Nacional de Apelaciones en lo Civil Sala “B” sumario 17.567 de Sec. de Jurisprudencia de la Sala autos: “Mejía, Angela Mirta c/ Gobierno de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires S/ Daños y Perjuicio” 30/07/07; Cámara de Apelaciones Civil y Comercial de Dolores autos: “Es-tancia Las Encadenadas S.A. C/ Provincia de Buenos Aires S/ Daños y Perjuicios” 18/08/09; Cámara de Apelaciones en lo Civil y Comercial Federal, Causa N° 1420/93 27/04/00, autos: “Sud América Compañía de Seguros de Vida y Patrimoniales S.A C/ M Dodero Cía General de Servicios S.A. S/ Faltante y/o avería de Carga”; Cámara Federal de Apelaciones de La Plata, Sala 2, Civil, Expte.: 1332/00, 11/05/06, autos: “Decilio, José y Ots. C/ Y.P.F. Y Otro S/ Daños y Perjuicios”; Cámara de Apelaciones Civil Sala 2, La Plata, autos: Carlos Alberto Chiappe S.a. C/Provincia de Buenos Aires s/ Daños y Perjuicios”, 10/02/00, entre otros fallos.

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9. EL FUTURO DE LOS SEGUROS SOBRE FENÓMENOS METEOROLÓGICOS

La evolución de los seguros de inundación y desbordamiento en automotores son un ejemplo de la posibilidad de generar coberturas que se adapten a las necesidades de la comunidad.

Será crucial analizar la factibilidad de establecer nuevas coberturas para este tipo de riesgos que aparentemente se vienen incrementando y frecuencia e intensidad.

Es función primordial de los poderes públicos garantizar medidas de prevención y la atención de contingencias que como las inundaciones afectan a un gran número de habitantes y ciudada-nos. A su vez, la actividad aseguradora es un instrumento útil para amparar sus consecuencias e inclusive, para accionar conjuntamente con el Estado en las tareas necesarias a fin de morigerar esos riesgos.

Las posibilidades de asegurar estos riesgos enmarcados, insisto, en la necesidad creciente del mercado, está signada por una correcta evaluación técnica de los mismos y un efectivo control estatal. Pero, a su vez, debe acompañarse una promoción adecuada que impulse una cultura aseguradora y la correcta aplicación de la regulación jurídica, siempre perfectible.

En tal sentido, es fundamental la misión del órgano jurisdiccional al momento de evaluar responsabilidades, apreciar e interpretar el alcance las pólizas e imponer soluciones jurídicas.

Así como el gran incendio de Londres hace varios siglos fue el puntapié del nacimiento de una de las primeras formas de seguros patrimoniales terrestres, modelo las siguientes, hoy las catástrofes climáticas deben servir a los operadores de riesgos para desarrollar nuevas herra-mientas adecuadas a estos. Deseamos y esperamos que así sea.

10. CATÁSTROFES PROVOCADAS POR LA ACCIÓN DIRECTA DEL HOMBRE

Un fallo de la Cámara de Nacional de Apelaciones Sala “B” de la Capital Federal (en autos: “Fernandez, Miguel Angel C/ Cinturón Ecológico Área Metropolitana S.E. S/ Daños y Perjuicios y “Gonzalez, Blas José C/ CEAMSE S/ Daños y Perjuicios” del 29/12/12) eximió de responsabilidad a la concesionaria del “Camino del Buen Ayre” por los daños sufridos por sendos automovilistas con motivo de un “piquete” ocurrido a la altura de la ciudad de San Martín, Provincia de Buenos Aires. El grupo de “manifestantes” se destacó por su alto grado de virulencia, agrediendo incluso con armas de fuego. Los mismos habrían interrumpido sin aviso previo con el objeto de atacar a los transeúntes y no sólo interrumpir el tránsito.

Si bien en primera instancia se había condenado a la demanda y a su aseguradora citada en garantía, la Cámara consideró que existía un verdadero supuesto de caso fortuito, ello toda vez que si bien se trata de un hecho que pudo preverse no pudo evitarse (art. 514 del Código Civil).

Pero más allá de la cuestión de fondo, la aseguradora opuso una defensa que no fue acogida por la primera instancia y directamente no fue analizada en la segunda, a pesar de ser motivo de agravio, simplemente porque el rechazo de la demanda tornó abstracto su tratamiento.

En efecto, la aseguradora esgrimió la falta de cobertura por dos motivos, la existencia de una franquicia superior al valor reclamado y la aplicación de la cláusula de exclusión de cobertura

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para supuestos de “tumulto”.

Nos detendremos a analizar el último de los casos.

10.1 “HECHOS DE TUMULTO POPULAR”

Tradicionalmente las pólizas de automotor excluyeron los hechos de tumulto o alboroto po-pular, huelgas, lockout patronal, disturbios obreros incluyendo la acción de cualquier autoridad legalmente constituida para reprimir o defenderse de cualquiera de esos hechos.

Empero, la mayor frecuencia de estos hechos y, la necesidad social de defenderse de sus consecuencias económicas comenzaron a motivar que fueran fruto de cobertura especial.

Así, la cobertura de seguros de “todo riesgo” incluyen en muchas coberturas actuales los hechos de tumulto popular, describiéndose a los mismos como a aquellos hechos dañosos originados a raíz de una reunión multitudinaria (organizada o no) de personas, en la que uno o más de sus participantes intervienen en desmanes o tropelías, en general sin armas, pese a que algunos las emplearen.

Además se entienden equivalentes a hechos de tumulto popular otros que encuadren en los caracteres descriptos, como ser: alboroto, alteración del orden público, desórdenes, disturbios, revuelta, conmoción.

La descripción de las pólizas tanto para la inclusión como para la exclusión es muy semejante y suele extenderse a otros hechos que no son estrictamente “tumulto” pero se vinculan por sus características y las condiciones en que se desarrollan. Son los casos de “hechos de huelga” que son aquellos originados en la abstención concertada de concurrir al lugar de trabajo o de trabajar, dispuesta por autoridades gremiales de trabajadores (reconocidas o no oficialmente) o por núcleos de trabajadores al margen de ellas. Entonces no se tiene en cuenta la finalidad gremial, o extra gremial que motivó la huelga, así como la calificación legal o ilegal de la misma.

Por otra parte se encuentran los “hechos de lockout” que siguiendo la terminología inglesa refiere al “cierre patronal” como una especie de acción de fuerza en la relación laboral colectiva pero desde el lado del empleador. Como en el caso del tumulto y la huelga se incluye o excluye expresamente, según sea el caso, a los hechos dañosos originados por el cierre del establecimiento de trabajo dispuesto por uno o más empleadores o por entidad gremial que los agrupa sea o no reconocida oficialmente (v.g. la Unión Industrial Argentina o asociación empresaria similar), así como los despidos simultáneos de multiplicidad de trabajadores, que paralice total o parcialmente la explotación de un establecimiento. Tampoco resulta importante a la hora de determinar su existencia si tiene carácter gremial o no, si es declarada legal o ilegal.

Con frecuencia los distintos supuestos se superponen o combinan. Una huelga puede ser una simple “no concurrencia” o puede incorporar una “movilización” lo que deriva en un “tumulto” de los huelguistas, adherentes o terceros contrarios a la movilización. En igual sentido un “lockout” puede provocar tumultos, cortes de rutas o vías de acceso (entre nosotros fue muy conocido el que produjeron los productores rurales, al punto de popularizar el término). Por esa razón las pólizas los tratan en forma conjunta.

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10.2 EXCLUSIÓN E INCLUSIÓN

Cabe cuestionarse cuales han sido los motivos tanto para su inclusión como para su exclu-sión. Se trata de razones de técnica asegurativa. La evaluación del riesgo, el análisis actuarial, las estadísticas, pero, principalmente, la demanda comercial por un lado y el requerimiento del órgano de control por el otro fueron imponiendo que se buscara un producto, una póliza que pudiera incluir este riesgo.

Originariamente se priorizó, y sigue siendo así en muchas coberturas, lo incontenido del riesgo, la falta de control de la autoridad que debe garantizar el orden en estas circunstancias. Como puede apreciarse en los hechos que motivaron el fallo de referencia, ni la gendarmería, ni la policía pudieron contener estos desbordes populares. Ello incluso cuando ellos pudieron pre-verse, frecuentemente, no pueden evitarse. Algo similar ocurre en los espectáculos deportivos o musicales, donde los organizadores tienen presente la posibilidad de desmanes, “contratan” (adviértase lo particular de esta contratación) servicios extraordinarios de policía y, de todas maneras, los daños se producen por el descontrol de los concurrentes. Este fenómeno masifi-cante organizado o espontáneo, tiene un componente psicológico muy particular que impulsa a personas, muchas veces pacíficas en forma aislada, a efectuar colectivamente actos que no se atreverían a realizar en forma individual.

Es cierto que cuando grupos organizados actúan, la posibilidad del daño es mayor. Su efectividad y grado de perfeccionamiento ha aumentado y, si bien la autoridad pública ha también mejorado su conocimiento sobre este fenómeno, no pareciera que estamos en condiciones de considerarla capaz de reducir o hacer desaparecer su ocurrencia. Por el contrario el método de protesta social se ha multiplicado e incorporado al colectivo social casi como una parte de nuestra cultura actual.

Las manifestaciones colectivas, las expresiones grupales tienen siempre un potencial ries-go de violencia, en consecuencia, pueden generar daños a bienes y personas. Ya de por sí las concentraciones humanas suponen un riesgo de “choque” entre manifestantes, terceros o los funcionarios policiales.

En muchos casos, como este, el aumento de la frecuencia, contrariamente a lo que podría creerse, permitió a los aseguradores evaluar con más precisión los alcances del riesgo. Nótese que evaluadas estadísticamente con más facilidad la posibles consecuencias de un hecho que podría haberse juzgado primariamente como “casi catastrófico” resulta ser suficientemente acotado como para tornarlas previsibles y, en consecuencia asegurables.

A su vez, las coberturas menos “completas” como las que en los seguros sobre automotores sólo incluyen responsabilidad civil, daños por destrucción total e incendio y robo total, requieren de un análisis más restrictivo, por lo que sus exclusiones deben ser mayores.

Por supuesto, no debe dejarse de lado la importancia de la “presión social” para cubrir estos riesgos y, en igual manera, la del Estado que por medio de su organismo de control, la Superin-tendencia de Seguros de la Nación, han impulsado su cobertura. Algo similar a ocurrido con otros riesgos de alto impacto social como la inundación, el desbordamiento y el terremoto.

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10.3 TUMULTO VS. SEDICIÓN Y GUERRA CIVIL

Existen otras exclusiones de cobertura que se relacionan con el tumulto pero no lo son en rigor aunque también puedan entremezclarse.

La guerra civil definida por un estado de lucha armada entre habitantes del país -por con-traposición con la guerra internacional- sea de fuerzas regulares o irregulares sin importar la extensión geográfica, intensidad o duración y que tienda a derribar los poderes constituidos u obtener la secesión de una parte del territorio de la Nación. En igual sentido se excluyen los actos de sedición o revolución, esto es aquellos tendientes a derrocar o remover total o parcialmente los poderes públicos instituidos así los actos tendientes a reprimirlos.

En ocasiones el tumulto se produce en el marco de algunos de estos hechos. Resulta entonces difícil delimitar cuando se trata de un acto de una u otra especie. Será el conjunto de circunstancias que los rodeen los que permitirán diferenciarlos. En tal sentido la intencionalidad manifiesta de quienes lo realizan será la mejor forma de juzgarlo.

10.4 LO QUE NOS DEJO LA CRISIS DEL 2001

Los lamentables acontecimientos de 2001 en Argentina, principalmente de diciembre de ese año, así como los que se sucedieron durante el siguiente, dejaron una impronta en la sociedad que será difícil de modificar.

La pérdida del poder de policía en las calles motivada por las multitudinarias manifestaciones en el espacio público, dejaron un nefasto saldo de víctimas y daños materiales. Estos perjuicios se encontraban desprovistos de cobertura asegurativa, entre otras cuestiones por su excepcionalidad e imposibilidad de medición del riesgo.

En consecuencia, las desastrosas consecuencias que dichos actos produjeron y que pudimos contemplar en los medios de comunicación o padecer personalmente, quedaron al margen de una indemnización por parte de las aseguradoras. Ello resultaba lógico, debido a que no había sido prevista contractualmente, por lo que en estricta aplicación del derecho ello no correspondía. Sin embargo aparecía como desvirtuado el principio de funcionalidad social efectivamente operativa.

Aquellos fatídicos hechos, como toda crisis, dejaron su enseñanza, la autoridad de control impulsó el desarrollo de nuevas coberturas tradicionalmente excluidas. Empero la previsión de inclusión de los mismos no alcanza a todas las formas de cobertura y, menos aún no motivo de imposición por vía de la obligatoriedad legal de contratarlos.

10.5 COROLARIO

Presenciamos un proceso de ampliación de coberturas en seguros patrimoniales, en parte impuesto por la necesidad social y, a su vez, por la recepción que ha tenido de parte de la auto-ridad pública de control la que la viene sosteniendo como política de gestión.

Creemos, además, que la cobertura de situaciones antes excluidas expresamente, incluso por

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la ley, se motiva en la evolución del mercado y de la técnica del seguro y por lo tanto no es fruto de la improvisación o de la mera presión social o administrativa.

Es función clara de nuestra legislación especial evaluar a futuro el marco de esta nueva mo-dalidad de contratación respetando, como siempre, no sólo las leyes comerciales y de la empresa sino los principios de previsibilidad y seguridad jurídica.

A la par de la evolución de las sociedades, lo hacen los riesgos que éstas y sus integrantes sufren. Al producirse la mayor frecuencia y conocerse los alcances de los siniestros por medio de una correcta evaluación estadística, los aseguradores pueden incluir coberturas más extensas. Ello permite dispersar de mejor manera el riesgo que, de no ser asumido, al menos parcialmen-te, por empresas privadas dedicadas a administrar riesgos, dejarían a bastos grupos sociales en una difícil situación. La organización social debe alentar desde lo público tales conductas para poder descargar al Estado de funciones que no siempre está en condiciones de afrontar. Ello sin obviar el crucial papel de control que aquel debe realizar para garantizar el cumplimiento de esa denominada función social del seguro.

10. BIBLIOGRAFÍAGoldschmidt (2005). Introducción filosófica al derecho. Buenos Aires: LexisNexis.

Halperín, I. (2001). Seguros. Exposición crítica de las leyes 17.418, 20.091 y 22.400. Buenos Aires: Depalma.

Hobbes, T. (2013). Leviatán. Buenos Aires: Libertador.

Jellinek, G. (1996). Sistema del diritti pubblici subbietivi. Buenos Aires: Eudeba.

Kelsen, H. (1996). Teoría pura del derecho. Buenos Aires: Eudeba.

Llistosella de Ravaioli, A. R. y Favier Dubois, E. M. (2002). Compendio de derecho de seguros. Tradicionales y modernos. Buenos Aires: La Ley.

Locke, J. (2013). Segundo ensayo sobre el gobierno civil. Buenos Aires: Libertador.

López, M. J. (1984). Manual de derecho político. Buenos Aires: Kapeluz.

Mill, J. S. (1997). El utilitarismo. Barcelona: Atalaya.

Mouchet, C. y Zorraquin Becú, R. (2005). Introducción al derecho. Buenos Aires: LexisNexis.

Nino, C. S. (1984). Introducción al análisis del derecho. Buenos Aires: Astrea.

Rousseau, J. J. (2013). Discurso sobre el origen de la desigualdad. Buenos Aires: Libertador.

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RESPONSABILIDAD DEL ACREEDOR EN EL ENDEUDAMIENTO DE CONSUMIDORES, PRINCIPIO

DE BUENA FE Y DEBER DE PREVENCIÓN EN EL CÓDIGO CIVIL Y COMERCIAL

Jorge Oscar Rossi1

1. INTRODUCCIÓN

Una de las más interesantes innovaciones del Código Civil y Comercial (CCC) es la incorporación de una serie de preceptos destinados a regular la llamada función preventiva de la responsabilidad civil.

En el presente artículo la analizaremos, centrándonos en el deber de prevención en la “oferta de crédito a consumidores”.

Utilizamos la expresión “oferta a consumidores” en un sentido amplio, comprensivo tanto de publicidad, información y oferta propiamente dicha, en los términos de los arts. 8, 4 y 7 de la ley 24.240, de Defensa de los Consumidores (en adelante, LDC).

En cuanto a la expresión crédito, abarcamos con la misma tanto a la financiación otorgada por el potencial vendedor como por un tercero.

2. EL PRINCIPIO DE BUENA FE Y EL DEBER DE PREVENCIÓN

Dispone el art. 9 del CCC que “Los derechos deben ser ejercidos de buena fe.”

Se expresa en los Fundamentos del Anteproyecto que:

“Las cláusulas generales relativas a la buena fe, el abuso, el fraude, y otras, tuvieron un proceso histórico de generalización creciente. Primero fueron utilizados en obligaciones, contratos y dere-chos reales específicos, luego se extendió su aplicación a las obligaciones, los contratos, los dere-chos reales, de familia y de sucesiones en general, y finalmente fueron adoptados como principios generales en todo el derecho privado.Esta calificación como principios generales, que ha sido ampliamente receptada en la jurispruden-cia, no se condice con la ubicación metodológica en el Código Civil, que sigue siendo específica y sectorial.

Por esta razón se propone su inclusión en el Título Preliminar.”2

1 Abogado (U.B.A.) Profesor Titular de “Régimen Jurídico de los Consumidores y Usuarios”, Adjunto Regular de Contratos Civiles y Co-merciales y Adjunto de Obligaciones Civiles y Comerciales en la Universidad Abierta Interamericana. Director de Capacitación a Distancia y docente de la Fundación de Ciencias Jurídicas y Sociales del Colegio de Abogados de la Provincia de Buenos Aires. Email: [email protected]

2 Fundamentos, pág. 17, la negrita es nuestra. Disponible en Internet en http://bit.ly/2cTXmaU

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Responsabilidad del acreedor en el endeudamiento de consumidores, principio de buena fe y deber de p200

Asimismo, “se propone que la buena fe sea regulada como un principio general aplicable al ejercicio de los derechos, lo que luego se complementa con reglas específicas aplicables a distintos ámbitos.”3

Respecto de las “reglas específicas”, y en lo que hace a nuestro tema, el art. 1710 inc. b impone el deber de “adoptar, de buena fe y conforme a las circunstancias, las medidas razonables para evitar que se produzca un daño, o disminuir su magnitud...”

Volviendo a la buena fe como principio general aplicable al ejercicio de los derechos, cabe señalar que el CCC no nos brinda una definición de “buena fe”.

Por nuestra parte, consideramos que la buena fe como principio general aplicable al ejercicio de los derechos, consiste en ejercer diligentemente esos derechos, de acuerdo a las circunstan-cias de tiempo, persona y lugar.

Cuando hablamos de ejercicio “diligente”, nos referimos a un comportamiento atento, de acuerdo a las circunstancias de tiempo, persona y lugar. Por ejemplo, es el comportamiento “cuidadoso y previsor” que exige, en materia contractual, el ya art. 961 CCC.

Construimos esta noción, por oposición a la de culpa, contenida ahora en el art. 1724 CCC: “La culpa consiste en la omisión de la diligencia debida según la naturaleza de la obligación y las circunstancias de las personas, el tiempo y el lugar. Comprende la imprudencia, la negligencia y la impericia en el arte o profesión”.

Es decir, el mero obrar culposo es un obrar de mala fe, porque implica un ejercicio negligente, imprudente o “desatento” de los derechos.

Como mencionamos más arriba, el art. 1710 CCC prescribe que “Toda persona tiene el deber, en cuanto de ella dependa, de:

a) evitar causar un daño no justificado;

b) adoptar, de buena fe y conforme a las circunstancias, las medidas razonables para evitar que se produzca un daño, o disminuir su magnitud; si tales medidas evitan o disminuyen la magnitud de un daño del cual un tercero sería responsable, tiene derecho a que éste le reembolse el valor de los gastos en que incurrió, conforme a las reglas del enriquecimiento sin causa;

c) no agravar el daño, si ya se produjo.”

Obviamente, el obrar doloso también es carente de buena fe. Al respecto, aprovechamos para señalar que en el CCC el dolo no consiste solamente en la “producción de un daño de manera intencional”, sino que alcanza para su configuración la “manifiesta indiferencia por los intereses ajenos” (art. 1724 CCC).

Respecto del transcripto art. 1710, se expresa en los Fundamentos que “(e)l artículo que define los alcances del deber de prevención adopta el modelo del Proyecto de 1998 (artículo 1585). Se consagra el deber de prevención para toda persona con los siguientes alcances: a) en cuanto dependa de ella, es decir, que la posibilidad de prevenir se encuentre en su esfera de control, ya que de lo contrario se puede

3 Fundamentos, pág. 18, la negrita es nuestra.

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convertir en una carga excesiva que afecta la libertad; b) se deben adoptar las diligencias conforme a lo que haría una persona que obrara de buena fe, disponiendo medidas razonables para evitar el daño o disminuir su magnitud o no agravarlo, si ya se ha producido; c) se reconoce el derecho al reembolso del valor de los gastos en que ha ocurrido siguiendo las reglas del enriquecimiento sin causa…”4

A continuación, nos ocuparemos de la llamada “función preventiva” de la responsabilidad civil, a través de una herramienta que incorpora el CCC: La acción preventiva.

3. LA ACCIÓN PREVENTIVA

“La omisión del deber de prevención da lugar a la acción judicial preventiva, cuyos presupuestos son: a) autoría: que en este caso puede consistir en un hecho o una omisión de quien tiene a su cargo un deber de prevención del daño conforme con el artículo anterior; b) antijuridicidad: porque constituye una violación del mentado deber de prevención; c) causalidad: porque la amenaza de daño debe ser previsible de acuerdo con el régimen causal que se define en artículos siguientes; d) no es exigible la concurrencia de ningún factor de atribución, que es lo que, además de la función, diferencia a esta acción de la obligación de resarcir.”5

En el CCC, la acción preventiva quedó regulada de la siguiente manera:

“ARTÍCULO 1711.- Acción preventiva. La acción preventiva procede cuando una acción u omisión antijurídica hace previsible la producción de un daño, su continuación o agravamiento. No es exigible la concurrencia de ningún factor de atribución.”

En otras palabras, como lo que se busca es evitar un posible daño, en lugar de condenar a alguien a repararlo, lo que se busca es obligar a alguien a tomar medidas para prevenirlo. Por ello, no es relevante acreditar la existencia de un factor de atribución, ni subjetivo (dolo, culpa), ni objetivo (asunción de riesgo, garantía, solidaridad, etc.) imputable al sujeto cuya conducta o cuyas cosas son potencialmente dañosas.

Destacamos lo anterior, no es relevante acreditar la existencia de un factor de atribución, lo que no significa que el demandado no haya obrado con culpa o dolo.

La aparente contradicción se explica porque, estrictamente, no existiendo todavía daño, no puede haber factor de atribución, pues, de acuerdo a la terminología adoptada por el CCC, los factores de atribución, son factores de atribución de un daño (conf. art. 1721).

Es que, en la terminología adoptada por el CCC, el factor de atribución es un factor de impu-tación del deber de reparar un daño. Por eso, en la acción preventiva no se exige la existencia de este requisito.

La culpa y el dolo son factores de atribución del deber de reparar, pero, además, la conducta culposa o dolosa puede infringir el deber de prevención y el principio de buena fe.

4 Página 177 de los Fundamentos del Proyecto, la negrita es nuestra.

5 Fundamentos del Proyecto, pág. 177, la negrita y el subrayado es nuestro.

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Responsabilidad del acreedor en el endeudamiento de consumidores, principio de buena fe y deber de p202

Dicho de otra manera, dolo y culpa (y la asunción de riesgo por garantía, o por haber creado la cosa o realizar la actividad riesgosa) no son sólo factores de atribución. Cuando una norma, como el art. 1711 CCC, prescribe que no se exige factor de atribución eso no implica que no se tenga en cuenta el eventual dolo o culpa del legitimado pasivo o, para decirlo de otra manera, eso no implica que no se evalúe la conducta o la existencia de riesgo asumible por el legitimado pasivo.6

De hecho, una conducta negligente es una omisión antijurídica y una conducta imprudente es una acción antijurídica que habilita el ejercicio de la acción preventiva, siempre que se demuestre que dicha conducta probablemente cause un daño.

Siguiendo la letra del art. 1711 CCC, para la procedencia de la acción o de la medida preventiva se requiere:

1) “una acción u omisión antijurídica”, esto es, una acción u omisión que previsiblemente cause un “daño no justificado” (conf. art. 1710 inc. a). Más allá de la redacción legal, que juzgamos confusa,7 entendemos que se trata de una acción u omisión que no constituya el ejercicio de buena fe de un derecho (arg. a contrario art. 9 CCC) Por lo tanto, podría tratarse del ejercicio abusivo de un derecho (art. 10 CCC, y una de sus especies, las clausulas abusivas, vgr. arts. 988 y 1119 CCC ), o de una situación jurídica abusiva (arts. 10 y 1120 CCC), o del abuso de una posición dominante en el mercado (art. 11 CCC), o de una concreta infracción a una norma jurídica (vgr. incumplimiento del deber de información consagrado en los arts. 42 de la Cons-titución Nacional, 1100 CCC y 4 de la ley 24.240)

2) que dicha acción u omisión haga previsible la futura producción, agravamiento o reiteración de un daño, es decir, que exista una relación causal, dada por la probabilidad de que la acción u omisión produzca tal resultado (arg. conf. art. 1726 CCC).

3) Por último, que el resultado previsible sea un daño, es decir la lesión a un derecho o un inte-rés no reprobado por el ordenamiento jurídico, que tenga por objeto la persona, el patrimonio, o un derecho de incidencia colectiva (conf. art. 1737 CCC), o su reiteración o agravamiento.

Siguiendo con el tema, en materia de acción preventiva, de lo que se trata es de evitar el daño y por eso, la sentencia puede establecer obligaciones de dar, hacer o no hacer, según los casos.

Así lo dispone el art. 1713:

ARTÍCULO 1713.- Sentencia. La sentencia que admite la acción preventiva debe disponer, a pedido de parte o de oficio, en forma definitiva o provisoria, obligaciones de dar, hacer o no hacer, según corresponda; debe ponderar los criterios de menor restricción posible

6 En nuestra opinión, la expresión “No es exigible la concurrencia de ningún factor de atribución” del art. 1711 está de más, porque el artículo no se ocupa de un tema resarcitorio.

7 En nuestra opinión, o hay daño o no lo hay. El daño “justificado” no es resarcible, en rigor, no es daño. Si lo hay, debe repararse. El agresor que resulta herido o muerto en virtud de la legitima defensa del agredido no tiene derecho a ninguna reparación, pues su conducta agresiva exime de responsabilidad al agredido (conf. art. 1719, primer párrafo y 1729 CCC) o, dicho de otra forma, el agredido se limitó a ejercer su derecho a defenderse (conf. art. 1718 inc. b). El tercero que no fue agresor ilegítimo y sufre perjuicios puede reclamar indem-nización, porqué él si sufre una afectación en un derecho.

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y de medio más idóneo para asegurar la eficacia en la obtención de la finalidad.”

En cuanto a la legitimación activa, el art. 1712 prescribe que “Están legitimados para reclamar quienes acreditan un interés razonable en la prevención del daño.”

Por otro lado, el legitimado pasivo sería aquella persona que, en el caso concreto, tiene el deber de evitar causar un daño injustificado (conf. art. 1710). En un ejemplo sencillo, si una pared amenaza derrumbarse, el legitimado pasivo sería el dueño y, eventualmente, el guardián de la misma, pues la pared se encuentra dentro de su “esfera de control”, usando las palabras de los Fundamentos del Proyecto.

El juez, aún de oficio (conf. art. 1713), puede disponer que ellos reparen o apuntalen la pared (obligación de hacer, conf. art. 1713), a fin de evitar posibles daños.

Obviamente, el campo de aplicación de esta acción es más amplio que la protección de derechos patrimoniales. Puede utilizarse también, a fin de prevenir daños contra derechos personalísimos (vgr. salud, honor, etc.) o derechos de incidencia colectiva (vgr. protección del ambiente).

La acción preventiva podrá ejercerse mediante un proceso autónomo cuya finalidad es úni-camente la prevención (conf. Fundamentos, pagina 177), o como parte de un proceso de daños y perjuicios, por ejemplo, a fin de evitar el agravamiento de un daño.

4. LA MEDIDA PREVENTIVA

Como expresáramos, el art. 1713 faculta al juez para que, aún de oficio, ordene la realización de obligaciones de dar, hacer o no hacer destinadas a prevenir la producción de un daño, su con-tinuación o agravamiento. Además, el art. 1710 prescribe que “toda persona” tiene el deber, en cuanto de ella dependa, de adoptar las medidas razonables para evitar que se produzca un daño.

5. EL DEBER DE PREVENCIÓN EN LA “OFERTA DE CRÉDITO A CONSUMIDORES”

Como todos sabemos, vivimos en una sociedad de consumo masificado de bienes y servicios que es, al mismo tiempo, una “sociedad de crédito”, en el sentido de que una gran cantidad de tales adquisiciones de bienes y servicios se hacen posible a través de la creación de obligaciones de dinero o de valor de ejecución diferida y tracto periódico o fraccionado.

Existen técnicas de comercialización de bienes y servicios (vgr. paquetes turísticos, présta-mos personales, entrega de tarjetas de crédito, adquisición de planes de “tiempo compartido”, paquetes “premium” de televisión por cable, etc.) que apuntan a una “contratación irreflexiva” de parte de los consumidores, que podríamos ejemplificar y simplificar con la frase: “disfrute ahora, pague después”.

El tema no es nuevo, ni en el mundo ni en nuestro país. Por dar un ejemplo, ya expresaba Alterini en 1996: “El otorgamiento de crédito coloca a la entidad financiera en situación de llegar a ser respon-sable tanto cuando lo concede abusivamente, creando “una apariencia de solvencia inexistente en

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Responsabilidad del acreedor en el endeudamiento de consumidores, principio de buena fe y deber de p204

el deudor”, como cuando lo cancela y “priva al cliente de sus posibilidades financieras” (I Jornadas de Derecho Civil, Mendoza, 1983).”8

A los fines de este trabajo, nos quedaremos con una de las cuestiones mencionadas por Alterini en el párrafo transcripto: La posible responsabilidad por “concesión abusiva de crédito”.

Se trata de una conducta por parte de los futuros acreedores que puede infringir las prescrip-ciones del art. 1710 y hacer previsible la producción de un daño (ver art. 1711 CCC) a los potenciales deudores, al inducirlos a un endeudamiento excesivo, por ejemplo.

Como se sabe, la publicidad, más que informar, busca inducir una conducta.

Las técnicas de “captación de clientes” son cada día más refinadas y se valen de la Psicología, la Sociología y la Estadística para lograr sus objetivos.

Basta observar la publicidad que hoy día realizan en nuestro país los distintos empresarios o grupos empresariales para notar que la misma gira en torno a crear en el público -receptor- la sensación de que la opción “hacer o no hacer el contrato” (por ejemplo, tener una tarjeta de cré-dito, un teléfono celular, una cobertura médica prepaga, un seguro de retiro, televisión por cable o satélite, un “infalible y garantizado” remedio para bajar de peso en dos semanas, un préstamo para comprarse un auto o para “hacer un viaje”, un “tiempo compartido”, la tarjeta “sumapuntos” exclusiva de algún hipermercado, etc.); equivale a “estar dentro o fuera del Sistema”. Se busca generar temor por estar “fuera del Sistema” y, simultáneamente, deseo por ingresar al mismo y verse finalmente protegido, tranquilo y feliz. Se promocionan prestaciones de altísima calidad y eficacia junto con un servicio profesional, experimentado y humano.

Luego, cuando el receptor de la publicidad celebra el contrato, suele descubrir, con mucha frecuencia, que la realidad dista mucho de lo que se mostraba en la propaganda. Así pues, vemos que la “información” brindada por medio de la publicidad, no suele coincidir con las prestacio-nes a las que el empresario se obliga realmente, de acuerdo al contenido del contrato. De pronto aparecen “documentos anexos” y cláusulas de exclusión discrecional de prestaciones, cambio de las mismas y limitación de la responsabilidad del empresario. Eso es lo que figura en el contenido del contrato.

Respecto del deber de información y la publicidad, la LDC establece, con relación al primer aspecto, lo siguiente:

“ARTICULO 4º — Información. El proveedor está obligado a suministrar al consumidor en forma cierta, clara y detallada todo lo relacionado con las características esenciales de los bienes y servi-cios que provee, y las condiciones de su comercialización.La información debe ser siempre gratuita para el consumidor y proporcionada con claridad necesa-ria que permita su comprensión.”

El artículo es una regulación del derecho a una “información adecuada y veraz” garantizado por el art. 42 de la Constitución Nacional. Este derecho es fundamental, entre otras razones, para

8 Alterini, Ameal y López Cabana, Derecho de Obligaciones Civiles y Comerciales, Editorial Abeledo Perrot, 1° reimpresión, 1996, pág. 836, la negrita es nuestra.

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posibilitar otra garantía constitucional con la que cuentan los consumidores que es la “libertad de elección”, también contemplada en el citado art. 42.

El CCC contiene un precepto similar en el art. 1100:

ARTICULO 1100.- Información. El proveedor está obligado a suministrar información al consumidor en forma cierta y detallada, respecto de todo lo relacionado con las características esenciales de los bienes y servicios que provee, las condiciones de su comercialización y toda otra circunstancia relevante para el contrato. La información debe ser siempre gratuita para el consumidor y proporcionada con la claridad necesaria

que permita su comprensión.

En cuanto a la publicidad formulada por los proveedores, la LDC establece que “las precisio-nes formuladas en la publicidad o en anuncios, prospectos, circulares u otros medios de difusión obligan al oferente y se tienen por incluidas en el contrato con el consumidor “ (art. 8).

Esta disposición legal sienta el principio por el cual la publicidad será tomada como parte integrante de la oferta y su contenido como parte del contrato, una vez celebrado.

El CCC contiene un precepto similar en el art. 1103:

ARTICULO 1103.- Efectos de la publicidad. Las precisiones formuladas en la publicidad o en anuncios, prospectos, circulares u otros medios de difusión se tienen por incluidas

en el contrato con el consumidor y obligan al oferente.

Tengamos en cuenta que si el proveedor transgrede el deber de información previo a la cele-bración del contrato (art. 4 LDC, 1100 CCC), el consumidor tiene el derecho a demandar la nulidad del contrato o la de una o más cláusulas. (arg. conf. art. 37, LDC)

6. OTRAS DISPOSICIONES EN MATERIA DE PUBLICIDAD

Dentro de la regulación de los contratos de consumo (arts. 1092 a 1122), el CCC, además del art. 1103 antes mencionado, adopta estas pautas:

ARTICULO 1101.- Publicidad. Está prohibida toda publicidad que:a) contenga indicaciones falsas o de tal naturaleza que induzcan o puedan inducir a error al consumidor, cuando recaigan sobre elementos esenciales del producto o servicio;b) efectúe comparaciones de bienes o servicios cuando sean de naturaleza tal que con-duzcan a error al consumidor;c) sea abusiva, discriminatoria o induzca al consumidor a comportarse de forma perjudicial o peligrosa para su salud o seguridad.

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La LDC no contiene una disposición similar. En cambio, el precedente texto guarda similitudes con el art. 5° de la ley 22.802, de Lealtad Comercial:

ARTICULO 5º — Queda prohibido consignar en la presentación, folletos, envases, etiquetas y envol-torios, palabras, frases, descripciones, marcas o cualquier otro signo que pueda inducir a error, en-gaño o confusión, respecto de la naturaleza, origen, calidad, pureza, mezcla o cantidad de los frutos o productos, de sus propiedades, características, usos, condiciones de comercialización o técnicas de producción.

También tiene similitudes con el art. 72 de la ley 26.522 (SERVICIOS DE COMUNICACION AU-DIOVISUAL), el que establece ciertas pautas en materia de publicidad, prohibiendo la llamada publicidad “subliminal” (inc. f) y aquellas prácticas que puedan inducir confusión (inc. k) o que exploten la inexperiencia o credulidad de determinado público, como, por ejemplo, los niños (inc. h).

7. LA ACCIÓN PREVENTIVA PARA OBTENER EL CESE DE “PUBLICIDAD ILÍCITA”

Además de la acción preventiva que mencionamos anteriormente, el CCC incorpora una her-ramienta de tutela preventiva en materia de publicidad:

“ARTÍCULO 1102.- Acciones. Los consumidores afectados o quienes resulten legalmente legitima-dos pueden solicitar al juez: la cesación de la publicidad ilícita, la publicación, a cargo del demanda-do, de anuncios rectificatorios y, en su caso, de la sentencia condenatoria.”

En nuestra opinión, a efectos de despejar dudas en cuanto a la legitimación y cumplir cabal-mente con la mencionada finalidad de tutela preventiva, hubiera sido mejor utilizar la expresión “Los consumidores cuyos intereses resulten afectados o amenazados”, similar a la del art. 52 LDC, en lugar de “Los consumidores afectados”, porque en este último caso puede interpretarse que para acreditar legitimación el consumidor debe demostrar una concreta afectación de su derecho.

Además, entendemos que la legitimación no puede ser menor que la que surge del art. 1713 CCC, pues esta acción regulada en el artículo 1102 no es más que un supuesto especifico de la acción preventiva establecida en el art. 1711. Es impensable que el legislador haya pretendido restringir la legitimación en materia de Derecho del Consumo.

Tenemos entonces que la acción prevista en el art. 1102 tiene por objeto:

a) La cesación de la publicidad ilícita

b) La publicación, a cargo del demandado, de anuncios rectificatorios

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c) En su caso, la publicación de la sentencia condenatoria, si el juez lo considera conveniente.

Ahora bien, cuando el CCC prescribe la cesación de la publicidad ilícita, cabe destacar que, por publicidad ilícita debe entenderse tanto los supuestos contemplados en el art. 1101 CCC como la infracción a normativa sobre publicidad que pudieran preverse en normas especiales, como, por ejemplo, las disposiciones del BCRA sobre “PROTECCIÓN DE LOS USUARIOS DE SERVICIOS FINANCIEROS”9 o, sin salir del CCC, las prescripciones en materia de publicidad referidas a “con-tratos bancarios con consumidores y usuarios”, entre las que puede mencionarse no solo el art. 1385 (referida a los “anuncios” que haga el banco a potenciales clientes – consumidores) , sino el 1387 CCC, destinado a proporcionar herramientas para que el consumidor pueda comparar, dado que exige que “Antes de vincular contractualmente al consumidor, el banco debe proveer información suficiente para que el cliente pueda confrontar las distintas ofertas de crédito existentes en el sistema, publicadas por el Banco Central de la República Argentina.”

8. LA OFERTA DE CRÉDITOS A TASAS USURARIAS Y LA ACCIÓN PREVENTIVA

Para analizar otro supuesto de potencial utilización de la acción preventiva, utilizaremos como ejemplo un caso resuelto por Sala Primera del Tribunal Supremo de España, el 25 de noviembre de 2015.10

Usamos a propósito un caso de Derecho extranjero, por un lado por la concisión y contundencia de los argumentos del magistrado ponente, y por otro, porque los jueces españoles contaron con una herramienta legal “vieja”, la Ley de 23 julio de 1908 de Represión de la Usura y, sin embargo, demostraron que cuando se quiere reparar una situación de injusticia, se puede hacer, aunque la normativa no esté totalmente adecuada a la realidad económica y social que nos toca vivir.

Concretamente, la Sala Primera del Tribunal Supremo de España entendió que “El carácter usurario del crédito “revolving” concedido por Banco Sygma al demandado conlleva su nulidad…”, por lo que el prestatario estará obligado a entregar tan sólo la suma recibida.

Las partes se hallaban vinculadas por un contrato denominado de “préstamo personal revolving Mediatis Banco Sygma”, consistente en un contrato de crédito que le permitía al cliente, ahora demandado, hacer disposiciones mediante llamadas telefónicas o mediante el uso de una tarjeta expedida por Banco Sygma, hasta un límite de 500.000 pesetas (3.005,06 euros), límite que, según se decía en el contrato, “podrá ser modificado por Banco Sygma Hispania”.

El tipo de interés remuneratorio fijado en el contrato era del 24,6% TAE (Tasa Anual Efectiva), y el interés de demora, el resultante de incrementar el interés remuneratorio en 4,5 puntos porcentuales.

En julio de 2011 Banco Sygma presentó demanda de juicio ordinario contra el prestatario, en reclamación de 12.269,40 euros, que comprendía, además del saldo de la cuenta de crédito, los

9 COMUNICACIÓN “A” 5460, del Banco Central de la Republica Argentina, titulada “PROTECCIÓN DE LOS USUARIOS DE SERVICIOS FINANCIEROS-MODIFICACIONES”, fue emitida el 19 de julio y publicada en el Boletín Oficial el 9 de agosto de 2013. Posteriormente se añadieron otras Comunicaciones, por lo que, en la actualidad, el Texto Ordenado al 21/01/2016, incluye la Comunicación “A” 5891.

1 0 F U E N T E : h t t p : / / w w w . p o d e r j u d i c i a l . e s / c g p j / e s / P o d e r - J u d i c i a l / T r i b u n a l - S u p r e m o / N o t i c i a s - J u d i c i a l e s /El-Supremo-anula-por-usurario-un-prestamo-al-consumo-al-24--de-interes

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intereses de demora devengados desde el cierre de la cuenta de crédito.

Tanto el Juzgado de Primera Instancia como la Audiencia Provincial, ante la que recurrió en apelación el demandado, rechazaron el carácter usurario de la operación de crédito, pues los in-tereses remuneratorios superaban apenas el doble del interés medio ordinario en las operaciones al consumo cuando se concertó el contrato. También rechazaron declarar abusivo el interés de demora, por considerar que el tipo previsto para el mismo no suponía un incremento excesivo respecto del fijado para los intereses remuneratorios en el contrato.

El demandado interpuso un recurso de casación basado en dos motivos, referidos, respectiva-mente, al carácter usurario de la operación crediticia por el tipo de interés remuneratorio fijado, y al carácter abusivo del interés de demora.

La Sala Primera del Tribunal Supremo de España, según los fundamentos del miembro po-nente, Rafael Sarazá Jimena, destacó que el recurrente invocó como infringido el primer párrafo del art. 1 de la Ley de 23 julio 1908 de Represión de la Usura, que establece: « [s]erá nulo todo contrato de préstamo en que se estipule un interés notablemente superior al normal del dinero y manifiestamente desproporcionado con las circunstancias del caso o en condiciones tales que resulte aquél leonino, habiendo motivos para estimar que ha sido aceptado por el prestatario a causa de su situación angustiosa, de su inexperiencia o de lo limitado de sus facultades mentales» .

Como se puede observar, dicho artículo es similar, aunque no igual, al precepto relativo al vicio de lesión subjetiva-objetiva contenido en el art. 954 de nuestro Código Civil derogado y en el 332 del actual Código Civil y Comercial. Además, el actual Código Civil y Comercial se ocupa de la cuestión en el art. 771, en cuanto a la facultad judicial de morigerar intereses cuando el resultado exceda “sin justificación y desproporcionadamente, el costo medio del dinero para deudores y operaciones similares en el lugar donde se contrajo la obligación”.

Para el magistrado ponente, “(e)n el supuesto objeto del recurso, la sentencia recurrida fijó como hecho acreditado que el interés del 24,6% TAE apenas superaba el doble del interés medio ordinario en las operaciones de crédito al consumo de la época en que se concertó el contrato, lo que, considera, no puede tacharse de excesivo. La cuestión no es tanto si es o no excesivo, como si es “notablemente superior al normal del dinero y manifiestamente desproporcionado con las circunstancias del caso”, y esta Sala considera que una diferencia de esa envergadura entre el TAE fijado en la operación y el interés medio de los préstamos al consumo en la fecha en que fue concertado permite considerar el interés estipulado como “notablemente superior al normal del dinero”. (la negrita es nuestra)

Pero, además, “(p)ara que el préstamo pueda ser considerado usurario es necesario que, además de ser notablemente superior al normal del dinero, el interés estipulado sea « manifiestamente des-proporcionado con las circunstancias del caso» .

En principio, dado que la normalidad no precisa de especial prueba mientras que es la excepcionalidad la que necesita ser alegada y probada, en el supuesto enjuiciado no concurren otras circunstancias que las relativas al carácter de crédito al consumo de la operación cuestionada. La entidad financiera que concedió el crédito “revolving” no ha justificado la concurrencia de circunstancias excepcionales que expliquen la estipulación de un interés notablemente superior al normal en las operaciones

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de crédito al consumo.” (la negrita es nuestra)

Y llegando al meollo de la cuestión, el ponente lleva la argumentación a un siguiente nivel:

“Aunque las circunstancias concretas de un determinado préstamo, entre las que se encuentran el mayor riesgo para el prestamista que pueda derivarse de ser menores las garantías concertadas, puede justificar, desde el punto de vista de la aplicación de la Ley de Represión de la Usura, un interés superior al que puede considerarse normal o medio en el mercado, como puede suceder en operaciones de crédito al consumo, no puede justificarse una elevación del tipo de interés tan desproporcionado en operaciones de financiación al consumo como la que ha tenido lugar en el caso objeto del recurso, sobre la base del riesgo derivado del alto nivel de impagos anudado a operaciones de crédito al consumo concedidas de un modo ágil y sin comprobar adecuadamente la capacidad de pago del prestatario, por cuanto que la concesión irresponsable de préstamos al consumo a tipos de interés muy superiores a los normales, que facilita el sobreendeudamiento de los consumidores y trae como consecuencia que quienes cumplen regularmente sus obligaciones tengan que cargar con las consecuencias del elevado nivel de impagos, no puede ser objeto de protección por el ordenamiento jurídico.” (la negrita es nuestra)

Nos detenemos en este punto: La concesión irresponsable de préstamos al consumo no pue-de ser objeto de protección por el ordenamiento jurídico. Dicho de otra manera, se trata de una acción antijurídica.

En nuestro CCC, esta concesión, oferta u otorgamiento “irresponsable” de préstamos implica un ejercicio de derecho de mala fe (arg. contrario art. 9 CCC)

¿Y por qué es irresponsable la conducta?: Porque la justificación de los altos intereses apa-rece dada por el “riesgo derivado del alto nivel de impagos anudado a operaciones de crédito al consumo concedidas de un modo ágil y sin comprobar adecuadamente la capacidad de pago del prestatario”.

En otras palabras, la conducta del Banco no constituye un ejercicio de buena fe de su derecho a comerciar, en este caso, a proponer un servicio financiero a potenciales consumidores, porque no actuó con la diligencia que cabe esperar de alguien que, por su especialización técnica, debiera obrar con un “standard agravado” de prudencia, tal como lo exige el art. 1725 CCC. Es más, hasta podría pensarse que dicha conducta, más que imprudente, implica una “manifiesta indiferencia por los intereses ajenos”, es decir, por los intereses de los potenciales tomadores de dichos préstamos (arg. art. 1724 CCC, in fine).

Por ende, vía la acción preventiva del art. 1711 CCC, se podría solicitar la cesación de esa

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conducta, a fin de evitar la producción de daño o su reiteración.

¿Quién podría solicitar la cesación de la conducta antijurídica?: El que se encuentre direc-tamente afectado o amenazado por la conducta antijurídica, en casos de que solo se encuentre involucrado un interés individual heterogéneo y las asociaciones de consumidores, la autoridad de aplicación de la LDC, el Ministerio Público Fiscal, el Defensor del Pueblo de la Nación11 y cualquier persona que demuestre capacidad de representación, si dicha conducta antijurídica afecta un derecho de incidencia colectiva (sea por afectación de intereses colectivos o de intereses indivi-duales homogéneos).12 Todo lo anterior surge de la amplia legitimación reconocida por el art. 1712 CCC y de los arts. 52 y 54 LDC. También el juez podría ordenarla, de oficio (arg. conf. art. 1713).

¿Cuándo se podría solicitar la cesación de la conducta antijurídica?: En el marco de un proceso autónomo o dentro de un juicio de daños y perjuicios, al iniciar demanda, o, por ejemplo, dentro de un juicio por cumplimiento de contrato, al contestar demanda.

¿Cuál será el efecto de la sentencia?: Como se dijo, disponer la cesación de la conducta an-tijurídica para evitar que cause daño o el agravamiento o la reiteración del mismo. En nuestro “ejemplo español”, ordenar el cese, por parte del Banco Sygma, de la operatoria de préstamos en las modalidades descriptas en el caso llevado a juicio, a fin de no perjudicar a potenciales tomadores de dichos préstamos y modificar las condiciones de los prestamos ya otorgados con dichas modalidades. Al respecto, el art. 1713 CCC concede amplias facultades al juez, en relación a las medidas a tomar, al prescribir que estas pueden consistir en “obligaciones de dar, hacer o no hacer”, fijando como parámetros para los magistrados dos criterios:

1) Menor restricción posible de los derechos.

2) Medio más idóneo para asegurar la eficacia en la obtención de la finalidad.

Por ende, la medida a tomar no tiene porque ser, necesariamente, la nulidad del contrato o de la cláusula, sino que puede consistir en la adecuación del mismo. La finalidad, insistimos, es evitar daños.

9. CONCLUSIÓN

11 De hecho, es bastante lógico pensar que las asociaciones de consumidores, la autoridad de aplicación de la LDC, el Ministerio Públi-co Fiscal, o el Defensor del Pueblo de la Nación dispondrán de más tiempo y recursos técnicos y económicos que los particulares para analizar si determinada conducta es antijurídica y previsiblemente causará daños. En nuestro ejemplo, determinar la existencia de una operatoria de otorgamiento de créditos sin comprobar adecuadamente la capacidad de pago del prestatario, donde simultáneamente el riesgo de los incobrables se traslade a los otros prestatarios, vía aplicación de tasas muy superiores a los normales requiere de una serie de investigaciones y análisis de notable complejidad.

12 Aunque están reconocidos en el art. 43 de la Constitución Nacional y 14 inc. b del CCC, los derechos de incidencia colectiva no están definidos por dichas normas. Esa tarea fue acometida por la Corte Suprema de Justicia de la Nación quien, a través de numerosos fallos, fue delimitando tres categorías de derechos: 1) individuales “propiamente dichos”, 2) de incidencia colectiva que tienen por objeto bienes colectivos, 3) y de incidencia colectiva referentes a intereses individuales homogéneos. En este último caso, “no hay un bien colectivo, ya que se afectan derechos individuales enteramente divisibles. Sin embargo, hay un hecho, único o continuado, que provoca la lesión a todos ellos y por lo tanto es identificable una causa fáctica homogénea. Ese dato tiene relevancia jurídica porque en tales casos la demostración de los presupuestos de la pretensión es común a todos esos intereses, excepto en lo que concierne al daño que individualmente se sufre. Hay una homogeneidad fáctica y normativa que lleva a considerar razonable la realización de un solo juicio con efectos expansivos de la cosa juzgada que en él se dicte, salvo en lo que hace a la prueba del daño.” (“Halabi, Ernesto c/ P.E.N. - ley 25.873 - dto. 1563/04 s/ amparo ley 16.986”, CSJN, 24/02/09, la negrita es nuestra)

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A riesgo de sonar exagerados, pensamos que la introducción de la función preventiva de la responsabilidad en el CCC puede provocar un cambio cultural, a mediano o largo plazo, si los jueces aplican con decisión y creatividad los preceptos que examinamos en estas líneas.

En el caso del Derecho del Consumidor, la función preventiva puede contribuir a avanzar hacia una “relación de consumo sustentable”, con proveedores que se abstengan de crear o inducir falsas expectativas con la única finalidad de lograr una demanda irreflexiva de sus bienes y ser-vicios y consumidores conscientes de sus limitaciones y reales posibilidades a la hora de adquirir dichos bienes y servicios.

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ATITUDE nº 18