Construir cisterna é coisa de mulher

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1690 Julho/2014 Construir cisterna é coisa de mulher É coisa de mulher cuidar da família. Também é coisa de mulher dirigir; não deixa de ser coisa de mulher atuar na política. E claro, construir cisterna também é coisa de mulher, pois achar que essa ou aquela atividade é definida pelo gênero, é o mesmo que achar que no sertão chão rachado e sem vida. Joelma Eduardo da Silva tem 38 anos e há 19 é casada com Mailson Silva, juntos eles tem três filhos. Beneficiários da segunda água moram na localidade de Espingarda, distante 30 quilômetros do município de Limoeiro do Norte. Um lugar acolhedor com cactos pequenos espalhados na entrada da comunidade que parecem ter sido colocados um a um para ornar o lugar juntos com pedras redondinhas. De frente para a casa um grande lago, que mesmo sem água embeleza o ambiente, ajuda a compor o cenário com carnaúbas por todos os lados. Uma família comum nas lonjuras do sertão, não fosse pelo fato de Joelma assumir a profissão de pedreira, a mesma do marido. Ela lembra que quando soube do curso de pedreiro para construção das cisternas de placas, virou para o companheiro e sem pestanejar logo exclamou “Mailson eu vou também... vou tentar”. Uma tentativa certeira! Rendeu a construção de quatro cisternas do Programa Uma Terra Duas Águas (P1+2). “Comecei fazendo logo a grande”, lembra Joelma com satisfação. Limoeiro do Norte

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A sistematização conta a história de Joelma Eduardo, mulher, casada e mãe de três filhos que assumiu a função de pedreira junto com o marido e construiu quatro cisternas na comunidade onde mora. Um caso de superação, enfrentamento ao machismo e exemplo de feminismo.

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1690

Julho/2014

Construir cisterna é coisa de mulher

É coisa de mulher cuidar da família. Também é coisa de mulher dirigir; não deixa de ser coisa de mulher atuar na política. E claro, construir cisterna também é coisa de mulher, pois achar que essa ou aquela atividade é definida pelo gênero, é o mesmo que achar que no sertão só há chão rachado e sem vida.

Joelma Eduardo da Silva tem 38 anos e há 19 é casada com Mailson Silva, juntos eles tem três filhos. Beneficiários da segunda água moram na localidade de Espingarda, distante 30 quilômetros do município de Limoeiro do Norte. Um lugar acolhedor com

cactos pequenos espalhados na entrada da comunidade que parecem ter sido colocados um a um para ornar o lugar juntos com pedras redondinhas. De frente para a casa um grande lago, que mesmo sem água embeleza o ambiente, ajuda a compor o cenário com carnaúbas por todos os lados.

Uma família comum nas lonjuras do sertão, não fosse pelo fato de Joelma assumir a profissão de pedreira, a mesma do marido. Ela lembra que quando soube do curso de pedreiro para construção das cisternas de placas, virou para o companheiro e sem pestanejar logo exclamou “Mailson eu vou também... vou tentar”. Uma tentativa certeira! Rendeu a construção de quatro cisternas do Programa Uma Terra Duas Águas (P1+2). “Comecei fazendo logo a grande”, lembra Joelma com satisfação.

Limoeiro do

Norte

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Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará

Feminismo no sertão

“Ela reboca mais rápido do que eu”, relata Mailson. E sem saber, Joelma, lá do seu cantinho, onde o vento que bate nas folhas da carnaubeira imita o som das ondas do mar que está bem longe de Espingarda, está, junto com outras tantas mulheres de outros vários cantos do Semiárido, quebrando barreiras e vencendo preconceitos.

Em uma região onde o machismo ainda impera, e a ideia de que mulher é só para as lidas domésticas, surgem os primeiros contrastes: a terra esturricada, onde a seca não tem mais seu efeito devastador e de morte; a mulher de sorriso tímido, de poucas palavras, mas muita força que encara e supera desafios.

E o preconceito? Ele ainda existe, lembra o marido, mas aos poucos é superado. Em um gesto quase que calculado para driblar quem desconfiasse de seu trabalho, o casal, que tinha feito antes várias reformas na própria casa, começou a construir primeiro as cisternas dos parentes. “Até hoje nenhuma estourou não”, lembra Joelma. Dessa forma, se ainda havia alguém que não desse crédito ao trabalho da pedreira, única mulher no curso de 16 homens, agora já veem os resultados de um trabalho caprichado e de qualidade.

A família se contagia pelas novas oportunidades, novos projetos, sonhos... São tantos que é preciso ir a outras terras para concretizá-los. Os filhos, um menino de 5 anos, uma menina de 13 e o mais velho de 18 seguem os rumos da mãe e do pai em busca de melhor qualidade de vida. O mais velho cursa agronomia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e volta para casa em intervalos de mais ou menos 15 dias. Um sacrifício, devido aos custos, à distância e o tempo longe da família, mas que eles esperam ser recompensados mais cedo ou mais tarde, já que os planos depois da formatura estão na propriedade da família que vai experimentando alternativas de renda. Com o conhecimento acadêmico do futuro jovem agrônomo, eles poderão aprimorar as práticas que já têm no dia a dia.

Além das vacas que criam, ordenhadas por Joelma a cada dois dias, alguns canteiros, frutíferas, um juazeiro de folhas bem verdes e algumas experimentações, como uma pequena plantação de sabiá, estão na propriedade da família. O sabiá ocorre principalmente no Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí. Sua madeira é usada, sobretudo, como fonte de estacas para cercas.

Sair de Espingarda e tentar a vida na cidade? Isso não está nos planos da família. Eles se esforçam para ter uma vida mais digna lá mesmo no lugar onde nasceram, perto dos vizinhos de longa data e onde estão vendo os filhos crescerem. Não é a permanência na terra simplesmente pelo fato de não ter como sair de lá, mas de construir alternativas onde estão.

O exemplo de Joelma, mesmo sendo pontual, talvez pequeno, somado a outros tantos causa impactos significativos seja na família, na comunidade ou nela própria. E assim, ao som do vento que bate nas folhas da carnaubeira e imita o barulho do mar lá longe Joelma, Mailson e os filhos seguem com muitos sonhos na construção de um outro semiárido possível.

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