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ISSN 2176-1396 Consumo de arte e escola: possibilidades críticas no ensino-aprendizagem do teatro em sala de aula. Estela Moreira de Souza 1 - UEM Andréia Veber 2 - UEM Grupo de Trabalho Educação, Arte e Movimento Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Esta pesquisa de iniciação científica foi produzida em conjunto com o trabalho de conclusão de curso da licenciatura em teatro na Universidade Estadual de Maringá. O referido trabalho teve por objetivo averiguar a formação crítica dos alunos sobre seus cotidianos, numa prática realizada com o 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola da Rede Pública Estadual de Ensino, localizada em uma cidade da região norte do Paraná, a partir do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - PIBID Interdisciplinar Artes Cênicas e Música. Foi vinculado o Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, em dialética ao estudo sobre a Indústria Cultural, desenvolvido pelos filósofos Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, por meio de jogos e discussões em sala de aula. Esse estudo prático/teórico foi influenciado diretamente pelo estágio supervisionado na mesma graduação, que, a partir do contato direto com o alunado, proporcionou indagações acerca da formação crítica dos alunos e da falta de espaços para desenvolvê-la. A fundamentação teórica para tal estudo foi pautada em Theodor W. Adorno, Max Horkheimer, Dermeval Saviani e Augusto Boal. As relações aqui apresentadas serviram para pensar possibilidades dessa construção da formação crítica dos alunos a partir do teatro na escola. Alguns pontos alcançados durante a prática foram sobre a percepção de que não apenas a pauta de conteúdos trazia à tona questões críticas para a reflexão dos alunos, mas também que o comportamento dos mesmos durante as aulas apresentava aspectos do posicionamento crítico ou não deles para com o ambiente escolar e suas vivências. E, dessa forma, o consumo de arte e de cultura para esses alunos partiam principalmente da experiência cotidiana deles. Palavras-chave: Teatro na escola; Indústria Cultural; Desenvolvimento Crítico. 1 Licenciada em Teatro pela Universidade Estadual de Maringá. Professora da Rede Pública Municipal de Ensino de Maringá. Cursando Especialização em Arte Educação. E-mail: [email protected]. 2 Co orientadora da pesquisa. Doutoranda em Educação: Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Educação Música pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Departamento de Música da UEM. Coordenadora do PIBID Interdisciplinar Artes Cênicas e Música. E-mail: [email protected]

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ISSN 2176-1396

Consumo de arte e escola: possibilidades críticas no ensino-aprendizagem do

teatro em sala de aula.

Estela Moreira de Souza1 - UEM

Andréia Veber2 - UEM

Grupo de Trabalho – Educação, Arte e Movimento

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Esta pesquisa de iniciação científica foi produzida em conjunto com o trabalho de conclusão de

curso da licenciatura em teatro na Universidade Estadual de Maringá. O referido trabalho teve

por objetivo averiguar a formação crítica dos alunos sobre seus cotidianos, numa prática

realizada com o 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola da Rede Pública Estadual de

Ensino, localizada em uma cidade da região norte do Paraná, a partir do Programa Institucional

de Bolsas de Iniciação à Docência - PIBID Interdisciplinar Artes Cênicas e Música. Foi

vinculado o Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, em dialética ao estudo sobre a Indústria

Cultural, desenvolvido pelos filósofos Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, por meio de

jogos e discussões em sala de aula. Esse estudo prático/teórico foi influenciado diretamente pelo

estágio supervisionado na mesma graduação, que, a partir do contato direto com o alunado,

proporcionou indagações acerca da formação crítica dos alunos e da falta de espaços para

desenvolvê-la. A fundamentação teórica para tal estudo foi pautada em Theodor W. Adorno,

Max Horkheimer, Dermeval Saviani e Augusto Boal. As relações aqui apresentadas serviram

para pensar possibilidades dessa construção da formação crítica dos alunos a partir do teatro na

escola. Alguns pontos alcançados durante a prática foram sobre a percepção de que não apenas a

pauta de conteúdos trazia à tona questões críticas para a reflexão dos alunos, mas também que o

comportamento dos mesmos durante as aulas apresentava aspectos do posicionamento crítico ou

não deles para com o ambiente escolar e suas vivências. E, dessa forma, o consumo de arte e de

cultura para esses alunos partiam principalmente da experiência cotidiana deles.

Palavras-chave: Teatro na escola; Indústria Cultural; Desenvolvimento Crítico.

1 Licenciada em Teatro pela Universidade Estadual de Maringá. Professora da Rede Pública Municipal de

Ensino de Maringá. Cursando Especialização em Arte Educação. E-mail: [email protected]. 2 Co orientadora da pesquisa. Doutoranda em Educação: Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Educação Música pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS). Professora do Departamento de Música da UEM. Coordenadora do PIBID Interdisciplinar Artes Cênicas

e Música. E-mail: [email protected]

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Introdução

Esse trabalho de iniciação científica uniu-se à pesquisa realizada no quarto ano da

licenciatura em Artes Cênicas como trabalho de conclusão de curso. Para tal, foi estudado o

desenvolvimento crítico do aluno na escola a partir da práxis teatral do Teatro do Oprimido de

Augusto Boal articulado com a perspectiva pedagógica histórico-crítica de Demerval Saviani

realizando também alguns aportes ao conceito de Indústria Cultural criado por Theodor W.

Adorno e Max Horkheimer (1947)3.

A partir do referencial teórico escolhido, a inserção em sala de aula realizada como uma

das atividades do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) subprojeto

interdisciplinar Artes Cênicas e Música da UEM, foi utilizada como campo de atuação para

posterior análise da articulação entre a teoria e a prática conforme descrito.

A pesquisa esteve articulada por três frentes: o teatro, a pedagogia e a sociologia. O

Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, foi o método propositivo na prática teatral em sala de

aula. As técnicas do Teatro do Oprimido, junto ao diálogo acerca dos exercícios, serviram como

instrumentos de percepção das condições as quais os alunos se viam, e a partir da prática,

compreender de que forma o desenvolvimento crítico podia ser percebido e analisado para essa

pesquisa.

A abordagem pedagógica da pesquisa e a organização metodológica foi baseada na Teoria

Histórico-Crítica, de Dermeval Saviani (1979), justificada por ser norteadora das Diretrizes

Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná (DCE).

Por fim, a frente da abordagem sociológica dessa pesquisa partiu do conceito de Indústria

Cultural, desenvolvido na escola de Frankfurt (1924) na Alemanha, por Theodor W. Adorno e

Max Horkheimer (1947). Essa abordagem possibilitou a compreensão histórica da relação crítica

que se desenvolveu na prática teatral.

Nessa perspectiva teórica, o conteúdo estudado acerca da abordagem crítica tomou

dimensões outras, por meio da vivência e do aprofundamento a partir da pesquisa em campo e da

prática dialógica.

A partir da base teórica que escolhi para a pesquisa, estabeleci alguns questionamentos

para reflexão junto às teorias. Questionamentos estes que procurei responder ao longo da

3 Presente no ensaio “Dialética do Esclarecimento” (1947).

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pesquisa, e que, nesse momento, serve como retorno para averiguar resultados e caminhos que

foram possíveis de se chegar: os alunos possuíam espaço para se desenvolver criticamente? O

que se conhecia de arte para além do conteúdo escolar? Como a prática teatral possibilitava o

conhecimento de novas perspectivas artísticas?

Teorias que embasaram o estudo

Esse estudo surgiu enquanto ideia no terceiro ano da graduação, especificamente na

disciplina de Estágio Supervisionado. Tive o primeiro contato com a sala de aula nessa

experiência, e comecei, a partir de então, a questionar sobre a noção de teatro e de consumo

artístico que esses alunos possuíam. A partir daí, pensei no Teatro do Oprimido como uma

prática teatral que se desvincula da ideia de produto ao qual o teatro, e principalmente o teatro na

escola, é relacionado.

O Teatro do Oprimido foi proposto por Augusto Boal (1931-2009) em meados dos anos

1970. Antes de ingressar no universo teatral, Boal se formou engenheiro químico, e, tempos

depois foi para os Estados Unidos, onde paralelamente à vida acadêmica na área da engenharia,

estudou dramaturgia na School of Dramatic Arts e escrevia textos teatrais. Em 1956 ele voltou ao

Brasil e propôs estudos e trabalhos junto ao Teatro de Arena4. Dentre esses trabalhos, peças com

temáticas políticas que foram censuradas e seus participantes perseguidos no período da ditadura.

Com a ditadura cada vez mais violenta, especificamente em 1971, Boal foi torturado e

exilado do Brasil, impedido de atuar e dirigir peças que trouxessem à tona o momento político do

país. Nesse período, Boal viajou por toda a América Latina e em alguns países da Europa onde

desenvolveu as técnicas do teatro do Oprimido, tais como o Teatro Imagem e o Teatro do

Invisível, atuando por vários países e sendo reconhecido com seu novo método de trabalho. Ao

voltar ao Brasil, em 1986, Boal criou o Centro do Teatro do Oprimido (CTO) no Rio de Janeiro,

e lá desenvolveu essas e outras novas técnicas, bem como atuou em projetos com ONGs,

sindicatos, universidades e prefeituras.

No Teatro do Oprimido,

4 O teatro de Arena, fundado em meados da década de 1950 propunha uma alternativa aos grandes teatros da

cidade de São Paulo, tanto em relação ao preço dos ingressos quanto às temáticas abordadas. Com objetivo de

aproximar a relação entre público e plateia, o grupo se deslocou pelos centros periféricos da cidade, fábricas, ruas,

onde trabalhava temáticas políticas e sociais engajadas acessíveis às camadas populares. Teve a participação de

Augusto Boal na direção a partir de 1956, com seu encerramento em 1971 por conta da situação da ditadura, na qual

Boal foi preso, torturado e exilado. Também devido à situação política do Brasil, o grupo se desfez junto ao exílio

de Boal.

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O espectador não delega poderes ao personagem para que atue nem para que

pense em seu lugar, ao contrário, ele mesmo assume um papel protagônico,

transforma a ação dramática inicialmente proposta, ensaia soluções possíveis,

debate projetos modificadores: em resumo, o espectador ensaia, preparando-se

para a ação real. Por isso, eu creio que o teatro não é revolucionário em si

mesmo, mas certamente pode ser um excelente “ensaio” da revolução. (BOAL,

2013, p. 124).

Para ele, o domínio do teatro deve ser delegado ao povo, primeiramente a partir do

conhecimento do próprio corpo. Dessa forma, ao ter ciência desse corpo, pode-se torná-lo

expressivo, possibilitando a apropriação dos meios de comunicação, e o empoderamento desse

sujeito a favor de uma consciência crítica. (BOAL, 2015).

Dermeval Saviani (2003) professor renomado da UNICAMP, e profundo conhecedor das

políticas públicas direcionadas à educação, pontua as diferentes pedagogias e suas aplicações ao

longo da história. “Todas as reformas escolares fracassaram, tornando cada vez mais evidente o

papel que a escola desempenha: reproduzir a sociedade de classes e reforçar o modo de produção

capitalista”. (SAVIANI, 2003. p.16).

Para o autor, há uma divisão entre as teorias não críticas e teorias critico-reprodutivistas,

pois, entendendo a escola como um possível lugar de emancipação do sujeito, essas pedagogias

apenas reproduzem o modelo de sociedade em que vivemos. E, por esta ser dividida entre a

camada dominante e a camada dominada, a escola é formulada e estruturada a partir dessas

diferenças de classes para determinar o aprendizado, a aquisição de conhecimento e o sucesso

nesses parâmetros. Sendo assim, os problemas históricos que detectamos no sistema em que

estamos inseridos são muitas vezes reafirmados e naturalizados.

[...] a escola é determinada socialmente; a sociedade em que vivemos, fundada no modo

de produção capitalista, é dividida em classes com interesses opostos; portanto, a escola

sofre a determinação do conflito de interesses que caracteriza a sociedade.

Considerando-se que a classe dominante não tem interesse na transformação histórica da

escola (ela está empenhada na preservação de seu domínio, portanto, apenas acionará

mecanismos de adaptação que evitem a transformação) segue-se que uma teoria crítica

(que não seja reprodutivista) só poderá ser formulada do ponto de vista dos interesses

dos dominados. (SAVIANI, 2003, p.30).

É perceptível que, tendo uma sociedade baseada nos moldes de produção capitalista

neoliberal, a configuração do espaço escolar, bem como suas pedagogias aplicadas, terá como

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finalidade manter esse sistema, não cabendo uma abertura para tratar com o devido aporte, a

diversidade e os interesses da camada em situação de opressão. Só haverá, enfim, segundo a

proposta de Saviani (1979), a transformação desse espaço quando as pessoas em situação de

opressão – invisíveis e silenciados – ganhar voz, corpo e consciência de sua condição. Assim,

apropriando-se de seu pensamento, poderão visualizar modos de transformar também o seu

entorno.

Do ponto de vista prático, trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a

seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas

populares. Lutar contra a marginalidade por meio da escola, significa engajar-se

no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade

possível nas condições históricas atuais. O papel de uma teoria crítica da

educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar que

ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes. (SAVIANI,

2003, p.31).

Por fim, o conceito de Indústria Cultural, que foi definido por Theodor W. Adorno e Max

Horkheimer no ano de 1947 no ensaio “A Indústria Cultural: O Esclarecimento Como

Mistificação das Massas” em “A dialética do Esclarecimento”. Ambos os filósofos foram da

Escola de Frankfurt5.

Os autores caracterizam a sociedade contemporânea, dos anos 1940, com a

democratização do consumo como forma de alienação dos indivíduos. Assim, eles pensam na

cultura como instrumento de domesticação da população, tendo as produções cinematográficas

como exemplo dessa massificação.

Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. O cinema, o

rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor é coerente em si mesmo e

todos o são em conjunto. (ADORNO e HORKHEIMER, 1947, p. 57).

A aderência e a rejeição desses produtos, segundo os autores, partem da própria

necessidade dos consumidores, fazendo com que não haja resistência para com as criações dessa

5 “... um instituto de ciências sociais vinculado à Universidade de Frankfurt, o Instituto de Pesquisas Sociais

(Institut für Sozialforschung). O Instituto seria o ponto de convergência de um grupo de pensadores nascidos na

virada do século XIX para o XX, basilarmente formado por Theodor W. Adorno (1903- 1969), Max

Horkheimer (1895-1973), Erich Fromm (1900-1980) e Herbert Marcuse (1898-1979). Além deles, outros

intelectuais viram suas obras serem ligadas posteriormente à Escola de Frankfurt, como Walter Benjamin

(1892-1940) e Siegfried Kracauer (1889-1966). O projeto teórico inicial de cunho fortemente marxista deu

lugar a um projeto filosófico e político único, ao propor uma teoria crítica que fosse capaz de apreender a

sociedade do início do século XX (Rüdiger, 2001) ”. (MOGENDORFF, 2012. p. 152).

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indústria. Desse modo, a sociedade torna-se alienada em si mesma, dispersando a noção do

privado e do universal. “Sob o poder do monopólio, toda cultura de massas é idêntica, e seu

esqueleto, a ossatura conceitual fabricada por aquele, começa a se delinear.” (ADORNO e

HORKHEIMER, 1947, p. 57).

Ainda nesse campo, junto ao meu orientador, encontrei as perspectivas sociais e

pedagógicas que iam ao encontro do objetivo que estabeleci para a realização da prática teatral,

sobretudo para buscar meios de compreender e desenvolver a criticidade dos participantes.

Planejamento e prática via projeto PIBID

A realização da prática estudada foi possível em parceria com o Programa Institucional de

Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID Interdisciplinar, no qual a inserção em sala de aula via

PIBID teria objetivos em comum com a presente pesquisa.

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) é vinculado a CAPES

e tem como objetivo aproximar as Instituições de Ensino Superior (IES) e as escolas de ensino

básico. Desde 2014 o subprojeto interdisciplinar Artes Cênicas e Música da Universidade

Estadual de Maringá, está ativo e é coordenado pela Prof.ª Me. Andréia Veber, e tem como

intuito integrar as duas áreas específicas da arte com o ensino das escolas públicas da cidade.

Atualmente o subprojeto está presente em dois colégios públicos de Maringá, sendo eles

o Colégio de Aplicação Pedagógica da UEM – CAP e o Colégio Estadual Alberto Jackson

Byington Júnior, o primeiro localizado no campus da UEM e o segundo na zona 5 de Maringá. O

projeto em seu curso estreita cada vez mais os laços entre a graduação e as escolas, de modo a

propiciar aos bolsistas um melhor preparo para a docência e, à escola, o atendimento específico e

necessário nas áreas das licenciaturas que o programa abrange. As atividades do PIBID

Interdisciplinar se dividem em: oficinas extracurriculares, inserção em sala de aula, reuniões para

planejamento orientado e intervenções artísticas esporádicas.

Para tal, a partir da pauta de conteúdos avaliativos da turma do 8º ano EF6 do Colégio de

Aplicação Pedagógica da UEM, escolhi o tópico “Compreende e discute a Indústria Cultural bem

como sua função social e ideológica de veiculação e consumo”, que se relacionava com as teorias

com as quais eu já estava tendo contato previamente.

6 Ensino Fundamental

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Conforme o trabalho do PIBID, primeiramente faz-se uma observação da turma na aula

da professora com a qual trabalharíamos. Neste caso, observamos a aula de Arte do 8º EF D.

Nessa observação devemos nos atentar ao conteúdo programado, a didática da professora

ministrante, o comportamento da turma diante das propostas da professora, dentre outros

aspectos presentes no ambiente, como estrutura, tempo de aula, etc.

A observação da aula do 8º D, que foi realizada anterior à minha regência com o conteúdo

teatral, fez com que muitos dos estudos que eu havia realizado, se articulasse com a realidade da

sala de aula. Os alunos apresentaram seminários sobre diretores de cinema e seus conteúdos

apresentavam filmes campeões de bilheteria, filmes totalmente comerciais, etc. A pesquisa

tomou um rumo mais direcionado para aquele assunto, que relacionava o Teatro do Oprimido e

as teorias críticas com a “Indústria de Cultura” da realidade observada na sala de aula.

A prática teatral, portanto, objetivou problematizar produção artística comercial, que

facilmente é colocada como semelhante a outras possibilidades de desenvolvimento artístico, e

apresentar um novo panorama para os alunos acerca do entendimento prévio que eles possuem

sobre a arte.

Assim como Adorno (1947), pensar na alienação do sujeito e pensar também nos meios

que a indústria cultural nos faz consumir arte estava em um campo ainda nebuloso para mim, no

sentido de aliar a produção teatral, especificamente o Teatro do Oprimido à investigação e à

problematização dessas questões. Porém, os seminários desses alunos, sobre filmes e séries

completamente comerciais e padronizados esteticamente, materializaram o modo como esse

consumo de arte está enraizado e instituído no imaginário da população, e neste caso, dos alunos.

A prática teatral em sala de aula: 8º EF D

A primeira aula para estudo da prática iniciou como uma coleta de materiais vindo dos

alunos. Tanto se objetivou capturar preferências e rejeições dos alunos quanto a noção de

consumo percebida pelos mesmos. Percebi que além dos conteúdos, o primeiro contato com a

turma e a exposição diante dos colegas durante os jogos teatrais impediu que as falas dos alunos

tomassem proporções mais reflexivas.

Por mais que a prática teatral em si tenha sido executada normalmente, essa ainda esteve

distante da noção de arte que os alunos possuíam. As rodas de conversa realizadas ao final das

práticas mostravam um panorama que confirmava a teoria que eu havia estudado. Percebi ao

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longo das aulas que o teatro e a aula que se realizava com a turma ainda não fazia parte do

“universo artístico” na concepção dos alunos.

Durante toda a prática, as respostas instantâneas dos alunos afirmavam algo que durante

os estudos realizados anteriormente não era possível compreender. Não eram os jogos e os

objetos de consumo dos alunos que estavam aquém de uma perspectiva crítica na visão dos

mesmos. Eram os próprios alunos, em suas concepções, que se mostravam mercadorias de

consumo.

O consumo, na pesquisa, ficou voltado para o próprio comportamento dos alunos durante

as aulas, para a reação dos mesmos diante das propostas de exercícios. As rejeições que eles

demonstravam levou a pesquisa a encarar os próprios indivíduos participantes como produtos do

sistema social vigente, no qual a indústria de cultura se concretizou na relação dos alunos e suas

vivências com a prática teatral estudada.

Após as duas primeiras aulas, houve um intervalo de pouco mais de um mês. A UEM

entrou em greve e junto a ela o Colégio de Aplicação Pedagógica, que além da greve contou com

a ocupação por parte dos estudantes. Nesse período pude avaliar a prática realizada até aquele

momento e pensar outras maneiras de intervir com perspectivas críticas ao conteúdo que

estávamos trabalhando.

O local onde as aulas se realizavam era a sala de aula da turma com as carteiras afastadas

e um espaço livre ao centro. Na volta para os dois últimos encontros, as aulas foram realizadas

numa arena que se encontrava no pátio do colégio.

Realizei junto à turma a proposta de teatro-jornal, técnica do Teatro do Oprimido,

adaptada para a temática das aulas, com críticas de cinema. No referido jogo, mais uma vez foi

confirmada a relação da pesquisa e seu novo rumo para a prática. O modo como os alunos

falavam sobre os filmes e suas críticas eram idênticas aos seminários que assisti na aula que da

observação. Os modos como os corpos dos alunos atuavam ainda mantinham registros de corpos

dentro de uma escola e de um conjunto de regras implícitas de comportamento naquele local.

Durante as aulas, foi questionado aos alunos o entendimento deles sobre consumo de arte,

que os mesmos relacionavam com a ideia de entretenimento na maioria das vezes. Foi possível

perceber em seus posicionamentos e analisar na pesquisa como a ideia de teatro e das aulas que

fazíamos não se aproximava da noção de consumo que eles tinham.

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Por fim foi pedido um registro individual dos alunos acerca da sequência de aulas, o que

me ajudou a chegar a algumas conclusões junto à prática realizada em sala de aula e ao estudo

teórico. Foi perceptível que a reação da turma para com os colegas e o trabalho em conjunto era

de incômodo, e mais ainda que as aulas fossem relacionadas a brincadeiras e que as rejeições

eram expressas por adjetivos como “chato”, “cansativo”, etc.

Resultados e Discussão:

A articulação da prática com a teoria que a embasou foi sustentada também pelas

percepções dos alunos para com as aulas, que puderam introduzir um breve panorama das

conclusões que foram possíveis de se chegar.

A crítica sobre a arte e suas produções, foi feita no formato e na estrutura das aulas pois

foi perceptível naquele momento a resistência/rejeição e/ou aderência para com o novo, o

desconhecido. O conteúdo programado para as aulas foi de certa forma problematizado e também

analisado a partir das perspectivas dos alunos. Mas para além dos exercícios e dos diálogos que

com muito esforço conseguiu-se realizar, o que não obteve resultado mostra um panorama ainda

maior de como essa condição está enraizada para os alunos.

Ao relacionar o desenvolvimento das aulas com a metodologia proposta por SAVIANI

(1979), a prática social inicial abriu um panorama da realidade escolar, especificamente da

turma, a respeito da aproximação com o teatro e do conhecimento acerca da temática indústria

cultural e suas implicações na sociedade. Após nossos encontros, o que se pode constatar para a

prática social final foi que a percepção dessa condição não se dá, portanto, apenas nas respostas

dos alunos acerca do conteúdo que propomos, mas sim no próprio comportamento dos mesmos

durante as aulas, já resistindo às mudanças estruturais e propositivas nas aulas.

Portanto, ficaram novos questionamentos que impulsionam novas estratégias de

investigação e transformação desse panorama. É possível pensar, então: qual é o comportamento

de um adolescente de 13 anos aceitável e qual não? Por que essa necessidade de pertencimento a

um grupo é tão forte para os alunos? Cabe dizer que existe um consumo comportamental

aceitável a relação dos alunos para com os exercícios?

É perceptível que a ideia de consumidor-produto prevista por Adorno está além do

consumo de Arte e dos meios de produção de cultura que rodeiam os alunos. Os próprios alunos

estão, em suas existências, nessa “vitrine” de aceitação e rejeição. Qualquer comportamento que

destoasse da normalidade aceitável para a turma já seria passível de exclusão.

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O contato com a prática teatral em um primeiro instante causou esse estranhamento e

rejeição justamente por afrontar a normalidade comportamental e aceitável para os alunos. A

identidade desses indivíduos, por conta da adolescência, dos padrões escolares e de outros

fatores, é anulada e o que vemos é uma massa de alunos do 8º ano do ensino fundamental. Os

mesmos produtos consumidos, o mesmo uniforme, os mesmos assuntos, os mesmos cortes de

cabelo, as mesmas preferências e as mesmas rejeições.

Mesmo a tentativa mais próxima de levar o teatro para a sala de aula ainda estava distante

da realidade daqueles estudantes, que não conseguiram por vezes relacionar a própria ação teatral

realizada por eles durante a aula na discussão feita naquele dia sobre o consumo de arte. E que

para realizar uma prática teatral que se consiga fazer crítica e realizadora de transformações para

seus participantes é necessário um maior período de contato, e ainda, uma aproximação com esse

universo crítico além da escola.

Apesar de sentir a necessidade de um maior tempo de aulas para que esse pensamento

pudesse ser modificado, isso não se concretizou por conta do tempo do estudo e também das

aulas para o PIBID.

Acredito que o trabalho com esses conteúdos, como a Indústria Cultural e também outras

propostas relacionadas ao Teatro do Oprimido se fizeram e se fazem necessárias na prática

escolar, pois o que está intrínseco nessas abordagens é possível de surgir e gerar possibilidades

de transformação além do próprio conteúdo trabalhado. É preciso, porém, fazer com que essas

propostas se aproximem ao máximo da realidade dos alunos participantes, para que haja o

interesse no debate e na visão crítica desta.

Percebi que, por mais que as mudanças que busquei com as propostas nas inserções em

sala de aula não fossem visíveis e de efeito imediato, alguns indícios de que elas aconteceram

deu para se perceber por meio dos relatos dos alunos. Respostas como: “gostei das aulas; ajudou

a entender que arte não é só sentar e desenhar” por mais simples que fosse, apresentava o que,

para mim, seria um novo olhar para a Arte e de maneira crítica ao que se tinha como referência

até pouco tempo.

Após esse tempo de estudo, vejo que a experiência de pesquisar, analisar a prática e

refletir sobre ela me deu o tempo necessário para ter propriedade das indagações que tive no

início desse processo e arquitetar possibilidades de executá-las na prática. Consegui me

distanciar de uma experiência para averiguar modos de melhorá-la e compreendê-la também.

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Percebo que ações como a do PIBID conseguem traçar aproximações entre o ensino

básico e a graduação que são maiores que as do estágio, tendo como referência a minha

experiência em ambos os trabalhos, apesar de eu ainda sentir necessidade de mais tempo para o

desenvolvimento dessas práticas. Todavia, me aproximei do ambiente escolar que abrange a

turma com as qual trabalhei durante esse estudo e consegui compreender o cotidiano da turma

também pela visão do todo que o colégio oferece. Vejo que esse contato com o todo também é

válido ser pontuado.

Considerações finais

O ato de pesquisar e de se apropriar de uma temática para estudá-la foi uma novidade

para mim, enquanto acadêmica. Foi possível perceber, nesse processo, os vários prismas que

compõe um objeto de pesquisa e como cada um deles se faz necessário para delimitar o campo

de estudo e aprofundar a pesquisa.

Acredito que nesse desenvolvimento da pesquisa, pude compreender melhor a relação

entre o teatro e a educação, surgindo uma própria noção das minhas perspectivas para ambas as

áreas, ou seja, os princípios dos quais eu parto para me compreender como docente e para

executar a docência e o teatro nos meus próximos estudos e trabalhos.

Ao compreender o teatro e a educação enquanto áreas formadoras, pedagógicas, e

construtivas e, relacioná-las, demostra a importância das possibilidades que as duas áreas

oferecem juntas. Dessa forma, acredito que essa pesquisa se mostrou um caminho a percorrer na

busca por esse entrelaçamento entre as áreas, e ainda, um modo de compreender melhor cada

uma delas por si só.

Percebo que essa pesquisa, enquanto escrita e devolutiva de resultados alcançados, se

finaliza com essas considerações, porém novos questionamentos surgem e se iniciam a partir

daqui. O que encontrarei daqui para a frente serão novas turmas, novas práticas e novas tentativas

de alcançar esses objetivos delimitados nesse estudo, todavia, outros serão os meios e contextos

com os quais trabalharei, que gerarão outros novos resultados e questionamentos, renovando a

temática e os meus objetos de estudo.

Referências Bibliográficas:

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