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Jornal de Psicanálise, São Paulo, 40(72): 113-133, jun. 2007. 113 CONTENDO ANGÚSTIAS FAMILIARES: MEDIAÇÕES METAFÓRICAS EM INTERVENÇÕES DIAGNÓSTICAS GRUPAIS COM CRIANÇAS E PAIS 1 Mariângela Mendes de Almeida * , Silvia Venske ** , Conceição Aparecida Nazareth ** , Luciane Faccini ** , Ida Bechelli ** , Mary Lise Moysés Silveira *** , Marcílio Sandoval Silveira **** (vide notas pg. seguinte) RESUMO Reflete-se aqui sobre o acolhimento e escuta de angústias familiares contempo- râneas, através da recepção de crianças e pais numa abordagem psicodiagnóstica interventiva grupal. Favorecendo a investigação, intervenção e encaminhamento, tal recurso facilita a promoção de saúde mental da criança e da família. Integram-se os referenciais da tradição psicanalítica grupal ao trabalho psicodiagnóstico numa vertente interventiva. Enfatizamos as mediações metafóricas proporcionadas pelos instrumen- tos projetivos utilizados, destacando sua função de condensação de aspectos expres- sivos quanto às dinâmicas expostas pelos pais e crianças, e seu potencial lúdico como comunicação e como facilitadores na transmissão de nossas indicações terapêuticas. Exploramos a interligação entre o expresso no Grupo de Crianças e no Grupo de Pais, enfatizando o quanto este exercício pode facilitar a compreensão da constituição subjetiva dos pais e filhos que nos procuram, e a continência das angústias familiares, além de contribuir para o desenvolvimento de um olhar relacional psicanalítico e do raciocínio clínico dos profissionais. Palavras-chave: Angústias familiares. Mediações metafóricas. Psicodiagnóstico interventivo grupal. Saúde mental infantil. Olhar psicanalítico relacional.

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CONTENDO ANGÚSTIAS FAMILIARES:MEDIAÇÕES METAFÓRICAS EM INTERVENÇÕES

DIAGNÓSTICAS GRUPAIS COM CRIANÇAS E PAIS1

Mariângela Mendes de Almeida*, Silvia Venske**, Conceição AparecidaNazareth**, Luciane Faccini**, Ida Bechelli**, Mary Lise MoysésSilveira***, Marcílio Sandoval Silveira**** (vide notas pg. seguinte)

RESUMO

Reflete-se aqui sobre o acolhimento e escuta de angústias familiares contempo-râneas, através da recepção de crianças e pais numa abordagem psicodiagnósticainterventiva grupal. Favorecendo a investigação, intervenção e encaminhamento, talrecurso facilita a promoção de saúde mental da criança e da família. Integram-se osreferenciais da tradição psicanalítica grupal ao trabalho psicodiagnóstico numa vertenteinterventiva. Enfatizamos as mediações metafóricas proporcionadas pelos instrumen-tos projetivos utilizados, destacando sua função de condensação de aspectos expres-sivos quanto às dinâmicas expostas pelos pais e crianças, e seu potencial lúdico comocomunicação e como facilitadores na transmissão de nossas indicações terapêuticas.Exploramos a interligação entre o expresso no Grupo de Crianças e no Grupo de Pais,enfatizando o quanto este exercício pode facilitar a compreensão da constituiçãosubjetiva dos pais e filhos que nos procuram, e a continência das angústias familiares,além de contribuir para o desenvolvimento de um olhar relacional psicanalítico e doraciocínio clínico dos profissionais.

Palavras-chave: Angústias familiares. Mediações metafóricas. Psicodiagnósticointerventivo grupal. Saúde mental infantil. Olhar psicanalítico relacional.

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Mariângela Mendes de Almeida, Silvia Venske, Conceição Aparecida Nazareth, Luciane Faccini,Ida Bechelli, Mary Lise Moysés Silveira e Marcílio Sandoval Silveira

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Introdução

Como possibilidade de escuta e acolhimen-to a angústias familiares, uma das portas deentrada para o atendimento no Setor de SaúdeMental no Departamento de Pediatria da UNI-FESP se dá através da realização de sessões detriagem e diagnóstico em grupos. Tal recurso vemse mostrando útil na investigação, intervenção eencaminhamento no âmbito institucional, facili-tando a promoção de saúde mental da criança eda família.

Para a realização dos grupos, são utilizadosreferenciais advindos da tradição psicanalíticagrupal, integrados às técnicas psicodiagnósticasnuma vertente interventiva.

Faz parte do Setor de Saúde Mental doDepartamento de Pediatria da UNIFESP o cursode especialização Psicologia da Infância, que,além de oferecer subsídios teóricos para osespecializandos, busca inseri-los em atividadespráticas que contribuam para a sua formação.Dentre as atividades realizadas no curso, osespecializandos participam da realização dos Gru-pos de Triagem e Diagnóstico, integrados à equi-pe de profissionais responsáveis pela atividade.Os alunos têm participação ativa tanto no proces-so grupal junto aos pacientes, como nas discus-sões realizadas após os atendimentos.

Destaca-se aqui o potencial dessa ativida-de como oportunidade facilitadora do trabalho emequipe, do trabalho multiprofissional, e como re-curso de trabalho conjunto para fins de ensino.Isso se dá pela diversidade de quadros clínicosapresentados e situações técnicas vivenciadas,pelo estímulo ao desenvolvimento do raciocínioclínico, incluindo a formulação e acompanhamen-to de hipóteses ao longo do processo, e o contato

1 A versão inicial deste trabalho, intitu-lada “Mediações metafóricas em Gru-pos de Triagem e Diagnóstico Infantil”,foi apresentada no XVII Congresso daFederação Latina de Psicanálise de Gru-po (FLAPAG), VI Congresso do Núcleode Estudos em Saúde Mental e Psicaná-lise das Configurações Vinculares(NESME), VIII Jornada da Sociedade dePsicoterapias Grupais do Estado de SãoPaulo (SPAGESP), “Saúde, Cultura eDiversidade”, em 2007, Santos, SP.

Agradecemos às Psicólogas Especia-lizandas Karen Thomsen, MarianaAikawa, Paula Albano, Roberta Alencare Taíssa Schubert, que realizaram conos-co o Grupo de Triagem e Diagnósticocitado aqui na Ilustração Clínica, por suaparticipação, registro e discussão domaterial, estímulo à reflexão e ao desen-volvimento de nossas idéias.* Psicóloga com Mestrado pela TavistockClinic, Candidata do Instituto da SBPSP,participante do Setor de Saúde Mentaldo Depto. de Pediatria da UNIFESP.** Psicólogas, participantes do Setor deSaúde Mental do Depto. de Pediatria daUNIFESP.*** Psiquiatra, Psicanalista, Membro As-sociado da SBPSP, Coordenadora doSetor de Saúde Mental do Depto. dePediatria da UNIFESP até 2006 eSupervisora do trabalho com grupos.**** Psiquiatra, Supervisor do trabalhocom Grupos no Setor de Saúde Mentaldo Depto. de Pediatria da UNIFESP.

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com o olhar psicanalítico, possibilitadospelas discussões semanais entre todos osenvolvidos no atendimento.

O presente artigo inclui uma revi-são dos aspectos históricos, fundamenta-ção teórica e exposição sobre o processodos Grupos de Triagem e Diagnóstico,com ilustração através de algumas vinhe-tas clínicas. Enfatizamos as mediaçõesmetafóricas proporcionadas por algunsinstrumentos projetivos utilizados, comespecial atenção ao Jogo do PresenteImaginário (utilizado com as crianças nomomento de fechamento dos grupos).Destacamos aqui sua função de conden-sação de aspectos expressivos quanto àsdinâmicas expostas pelos pais e criançasdurante as sessões, e seu potencial lúdicocomo comunicação e como facilitadorpara a transmissão de nossas indicaçõesterapêuticas.

Exploramos também a interligaçãoentre o que é expresso no Grupo deCrianças e no Grupo de Pais, enfatizandoprincipalmente o quanto este exercíciopode contribuir para a continência dasangústias familiares no atendimento anossos pacientes e para o desenvolvi-mento de um olhar psicanalítico relacionale do raciocínio clínico de nossos alunosem formação.

Grupos diagnósticos infantis:contextualização e

fundamentação teórica

O Setor de Saúde Mental da Pedi-atria na Escola Paulista de Medicina vem

trabalhando com Grupos Terapêuticos deCrianças e Grupos de Pais com orienta-ção psicanalítica desde 1962, sob a coor-denação e supervisão da Dra. Mary LiseMoysés Silveira e Dr. Marcílio SandovalSilveira.

É justamente nesta prática queencontramos a fundamentação teórico-prática para o desenvolvimento dos Gru-pos de Triagem e Diagnóstico Infantil.

Encontramos as primeiras refe-rências em publicações americanas.Slavson (1943), também a partir do focona psicoterapia, aponta as possibilidadesdiagnósticas do grupo no trabalho comcrianças. Redl (1944) refere-se aos “gru-pos diagnósticos” como tentativa de de-senvolver um novo instrumento de diag-nóstico suplementar ao diagnóstico indivi-dual. Tais autores dirigem o foco para ofato de que, sendo a relação com outrascrianças uma área central da avaliaçãode saúde ou perturbações no desenvolvi-mento infantil, dados importantes poderi-am advir desta possibilidade de investiga-ção direta.

Em obra publicada nos EUA em1961, Ginot (1979) propõe a triagem gru-pal como método eficiente para o encami-nhamento e seleção de crianças para oatendimento clínico e como forma deatender mais prontamente à demandainstitucional.

Anthony (1957), King (1970),Gratton & Pope (1972) também mencio-nam os grupos diagnósticos breves comoparte de toda avaliação diagnóstica eplano de tratamento.

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mais e melhor a clientela e também cum-prir o objetivo da universidade de criarconhecimento e dar condições para aprodução acadêmica.

Além dos benefícios quanto àagilidade dos serviços institucionais, gos-taríamos aqui de enfatizar o potencialdesta abordagem pela sua especifici-dade e alcance clínico interventivo. Emartigo anterior (Venske et al., 2005),concluímos que a triagem diagnósticagrupal pode agilizar a possibilidade deintervenção já durante o processo derecepção da clientela, por permitir, des-de o início (num momento mais próximoda emergência das ansiedades e daprocura pelo serviço), uma visão multi-facetada e concomitante da criança emseu contexto interno emocional e soci-al/grupal. A possibilidade de interven-ção se dá através de questões e comen-tários dirigidos ao grupo de crianças oumães, que visam transmitir compreen-sões a respeito do que se observa, e quepromovem o pensar do grupo e seusmembros sobre aspectos consideradosrelevantes. O potencial interventivo dosGrupos de Triagem e Diagnóstico sedemonstra em sua capacidade de pro-duzir mudanças importantes na confi-guração sintomática ou na dinâmicarelacional que sustenta o sintoma, pro-movendo assim a saúde mental da cri-ança e da família.

Tentaremos exemplificar este pro-cesso através de detalhes sobre a propos-ta dos grupos e de algumas vinhetasclínicas.

Glasserman e Sirlin (1974), tera-peutas argentinas de abordagem psicana-lítica, referem-se ao diagnóstico em gru-po como um método bastante eficaz paraa seleção de crianças para a psicoterapiade grupo, com objetivo também prognós-tico, permitindo a seleção de pacientespara grupo da maneira mais adequada asuas características de personalidade epatologia.

Kernberg (1978), psicanalista, co-ordenadora e participante de grupos deprofissionais trabalhando com grupos decrianças em instituições americanas, re-lata a utilização de grupos diagnósticos naformação de psiquiatras infantis e traba-lhos que combinam avaliações individuaise grupais, com integração entre os técni-cos participantes dos dois contextos(Liebowitz & Kernberg, 1986).

Em São Paulo, a triagem diagnós-tica grupal foi desenvolvida como práticainstitucional desde a década de 80 emCentros Comunitários e Ambulatórios deSaúde Mental do Estado, a partir da expe-riência e proposta de supervisores darede. Tal trabalho foi relatado por Gouveia(1991) e equipe do Setor Infantil do Am-bulatório de Saúde Mental do Largo Tre-ze de Maio SUDS-R. 08, São Paulo, daqual fez parte a primeira autora do pre-sente artigo.

Também Ancona Lopez (2002) citaexperiência realizada em clínicas-escolade psicologia na cidade de São Paulo, coma introdução do processo psicodiagnósticogrupal interventivo, modificando a rotinainstitucional, com o objetivo de atender

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Grupo de Triagem e Diagnóstico:a proposta

O Grupo de Triagem e Diagnósticono Setor de Saúde Mental do Departa-mento de Pediatria da UNIFESP recebecrianças nas faixas etárias de 4 a 6 e 7 a11 anos de idade, e seus respectivoscuidadores.

Como fruto de nossa experiência,temos dividido os grupos de 7 a 11 emgrupos com queixas somáticas/relacio-nais/comportamentais (atendidos em trêsencontros) e grupos com queixas escola-res relacionados a problemas de aprendi-zagem (em que se acrescentam algunsinstrumentos de avaliação específica e,portanto, se realizam em quatro sessões).

Inicialmente, há um momento decontrato conjunto em que todos (crianças,pais, profissionais e especializandos) sereúnem na mesma sala para explicitaçõesquanto às datas dos encontros, propostado acolhimento grupal, e importância dafreqüência contínua. Após este momen-to, pais e crianças ficam em salas separa-das, cada grupo sendo acompanhado pordois profissionais e, geralmente, doisespecializandos.

A interconexão entre o Grupo dePais e o Grupo de Crianças é garantidapelo encontro posterior de todos os técni-cos para discussão a cada sessão deatendimento.

“Tal processo, do início ao fim,envolve evidentemente intensa participa-

ção dos membros de cada grupo, alémdos profissionais, como parte da rede decontinência, escuta e reflexão sobre assintomáticas manifestas e aspectos dinâ-micos envolvidos”. (Venske et al., 2005).

Passaremos agora a detalhar algu-mas especificidades que caracterizam aescuta e o funcionamento do Grupo dePais e do Grupo de Crianças.

Entrelaçando narrativas parentais:o Grupo de Pais

Os cuidadores (em geral mães,mas também pais ou avós) são estimula-dos a falar sobre as dificuldades dascrianças, dados do desenvolvimento, his-tórico pessoal e familiar do paciente emquestão. Levantam-se assim as queixasrelacionadas a cada criança, associando-as à sua história de vida, com o intuito deconhecer seu contexto psicossocial e re-fletir conjuntamente sobre aspectos signi-ficativos dos vínculos familiares. Duranteo processo grupal, é possível perceber,através do discurso dos pais e também desuas interações ao vivo, dinâmicas relaci-onais que podem, ou não, estar colaboran-do para a sintomatologia da criança.

Num primeiro momento, garantem-se os relatos de cada um em queixa livre,atravessados, dependendo de cada gru-po, de maneira mais intensa ou menosintensa por interações grupais naturais,perguntas, comentários, identificações,questionamentos, manifestações de sur-

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O brincar como narrativa:o Grupo de Crianças

No Grupo de Crianças busca-seobservar cada criança individualmente etambém na interação com outras crianças.

Num primeiro momento, após aapresentação de todos de maneira com-patível com a faixa etária e recursos deverbalização do grupo, procura-se con-versar com as crianças sobre sua neces-sidade de atendimento. Observamos omodo de interação entre elas através derecursos lúdicos (caixa de brinquedos). Éproposto também um quebra-cabeça, comoforma de investigar, além de recursosinterativos (por exemplo, aspectos relaci-onados à tomada de iniciativa e capacida-de de colaboração), também aspectosrelacionados à habilidade cognitiva, per-cepção espacial e agilidade motora.

Durante a segunda sessão, sãoavaliados aspectos dinâmicos de perso-nalidade com a aplicação de instrumentosprojetivos gráficos. Através destes ins-trumentos auxiliares, a proposta é buscaraprofundar o conhecimento sobre a dinâ-mica psíquica de cada um dos participan-tes, na integração com o contexto grupal.

Também são utilizados alguns ins-trumentos psicométricos, principalmentenos grupos de crianças com dificuldadesescolares. A aplicação é coletiva, obser-vando-se, portanto, os detalhes interativos.

Na última sessão, as crianças tam-bém participam de uma entrevistadevolutiva em grupo, como complementoàs observações e comentários feitos ao

presa, estranhamento. Tal movimento émodulado pelos profissionais, com o intui-to de propiciar a participação conjunta notrabalho de esclarecimento de informa-ções, e na criação de um espaço confiávelde reflexão sobre aspectos emocionais.

Nas sessões intermediárias, am-plia-se a rede de interlocução, agregan-do-se também, no aprofundamento dasqueixas, questões surgidas a partir dastrocas de informações entre os profis-sionais/especializandos atendendo cri-anças e pais. O próprio grupo tambémvai tecendo conexões entre os mem-bros, ampliando-se a integração grupal.

A última sessão é destinada àdevolução dos aspectos principais ob-servados e discussão das recomenda-ções necessárias. Garante-se uma aten-ção às peculiaridades das necessida-des individuais e respectivos encami-nhamentos específicos, mas nós nosutilizamos do percurso vivenciado porcada membro e do processo do grupoao longo das sessões para ilustrar asconclusões diagnósticas, desta formaacompanhadas e vivenciadas por to-dos. Por exemplo, é comum surgirem, apartir das conversas no grupo doscuidadores, novas formas de se olhar acriança. É comum que os pais descu-bram novos aspectos do cuidar e que,ao mesmo tempo que associam suaspróprias necessidades emocionais coma maneira como se relacionam com osfilhos, apresentem redução no grau deansiedade e culpa quanto à sua condutae às condutas da criança.

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longo do processo. Utilizamos aqui recur-sos lúdicos, trazendo novamente a caixade brinquedos para facilitar a reemergênciade focos de conflito e aspectos trabalha-dos nas sessões pregressas, que, de certaforma, podem já conter elementos detransformação através do percurso deexpressão no contexto grupal. Tal cená-rio facilita a comunicação de nossas ob-servações e integra os membros numaexperiência vivenciada conjuntamente.

Dependendo da faixa etária dascrianças, utilizam-se mais recursos ver-bais ou mais recursos lúdicos para aintegração e explicitação dos dados, po-rém garante-se sempre que as criançastambém sejam informadas de nossas con-clusões e sugestões de tratamento e en-caminhamento. As crianças são estimu-ladas a participar com lembranças dosvários momentos de nosso contato, co-mentários sobre mudanças em si e nosoutros que tenham sido notadas, e expec-tativas criadas a partir desta intervenção.Neste momento tem sido interessante arealização do Jogo do Presente Imaginá-rio, em que propomos que cada criançaimagine um presente que gostaria de dei-xar como lembrança para cada um dosparticipantes.

Este é também um momento deintegração entre os aspectos emergentesno Grupo de Crianças e no Grupo de Pais.A própria criança, muitas vezes, estimu-lada por sua participação no grupo, expe-rimenta novas facetas, tomando contatocom aspectos seus ou do outro poucoexercitados, que podem facilitar sua inte-

ração com seus cuidadores. Paralela-mente, se conversa também com as cri-anças sobre possíveis necessidades e di-ficuldades que os adultos manifestam nocontexto familiar (a partir de seus relatos,mas também das impressões colhidas noaqui-e-agora do Grupo de Pais).

A discriminação entre as necessi-dades do adulto e da criança e o ofereci-mento de suporte aos pais possibilitam aredução de uma possível sobrecarga paraa criança em termos da função que de-sempenha o sintoma. Por exemplo, crian-ças das quais se esperava o desempenhode funções pseudo-adultas (como cuidarda arrumação da casa e dos irmãos esobrinhos pequenos), cujos pais traziamcomo queixa agressividade, irritabilidade,somatizações ou infantilização, e que de-monstraram tensão e muita dificuldade debrincar, puderam ser ajudadas por apon-tamentos que as traziam de volta para olugar de filhos. Puderam se beneficiartambém com a observação de sutis alte-rações em seus cuidadores, que, ao longodos encontros, foram auxiliados a entrarem contato com o grau de exigênciaimposto à criança, determinado, muitasvezes, por suas próprias necessidades eexpectativas.

Mediações metafóricas e o Jogo doPresente Imaginário: instrumentossimbólicos de integração dos dados

no Grupo de Crianças

Ao longo de nossa experiência comcada grupo de triagem e diagnóstico, ob-

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ços diagnósticos e interventivos pelos paise crianças constitui um convite para queentremos “na roda” e possamos desen-volver com eles uma maneira de lidar comessa turbulência (um “colo” que não sequeime com elas?). Ou, indo ainda maisalém, talvez esta manifestação lúdicaexpresse um conflito com o qual não só asfamílias, mas quem sabe a própria equipede profissionais e a instituição, se depa-rem, ao realizar processos de triagem:nossas limitações para acolher de fato “asbatatas quentes”, ou nossa necessidadede passá-las adiante (“o quente da bata-ta”, no caso, pode revelar-se em qualquerexigência que pressione o serviço, quenos move muitas vezes a fazer com que aação — encaminhar rapidamente — pre-ceda a escuta). Neste caso as angústiasda família (angústias familiares) são tam-bém familiares a nós, profissionais.

O olhar psicanalítico e a constantereflexão sobre os estados internos subja-centes a nossas intervenções são de ex-trema utilidade no cotidiano de nossaprática institucional e na transmissão deconsistência para os profissionais em for-mação. Acreditamos, também, que o ofe-recimento dos espaços de pronto-atendi-mento e dos grupos de triagem, comomomentos de escuta receptiva, e de nos-sa capacidade de elaboração, simboliza-ção e metaforização, até dos própriosimpasses e dificuldades, principalmentese exercitados num contexto de criação ereflexão conjunta, pode ser um grandelegado às famílias e aos alunos com quemtrabalhamos.

servamos o emergir de algumas ativida-des lúdicas espontâneas complementa-res, sugeridas pelas próprias crianças oupelos profissionais a partir de elementosexpressos pelo grupo. Tais atividadesconfiguram-se como significativas metá-foras condutoras, condensando em po-tente linguagem evocativa nossa experi-ência em momentos particulares.

Montagna (2006), lembrando quea palavra “metáfora” nos remete às suasraízes gregas “meta”: mudança, altera-ção, e “phora”: transporte, descreve ametáfora como um continente para aexperiência emocional, ponte do corpopara a mente, do concreto para o simbó-lico.

Assim, por exemplo, num grupo decrianças de 4 a 6 anos, muito agitado, comqueixas de transtornos de conduta, agres-sividade e dificuldade de concentração,surge, no espaço lúdico da sessãodevolutiva, a proposta da brincadeira da“batata quente”, para a qual sentamos emroda, e jogamos uma bola de colo em colo,após um momento de considerável dis-persão.

Além da possibilidade de agregargeograficamente as crianças, e contê-lasnum espaço de possível contato visual everbal, facilitando a interação entre elas econosco, podemos, em retrospecto, refle-tir um pouco sobre a possível funçãometafórica desta proposta.

Crianças “batata quente” necessi-tam de uma possibilidade de continênciapor um grupo de suporte-família, ao mes-mo tempo que a procura de nossos servi-

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Dentre estas atividades lúdicasespontâneas surgidas no contexto dosgrupos, destacou-se o Jogo do PresenteImaginário, que passamos a utilizar comoprocedimento comum em todas as ses-sões devolutivas das crianças, pelo poten-cial de condensação e integração dosdados do percurso dos grupos de pais e decrianças, e pela possibilidade que ofereceàs crianças de participarem ativamenteda construção de imagens simbólicas quesintetizam a vivência dos indivíduos nogrupo, suas necessidades e expectativas.

Este jogo, que talvez faça parte deuma base comum da “cultura psi”, intro-duziu-se para nós como uma adaptaçãode procedimento comunicado no eventoPathways to change, conferência naTavistock Clinic, Londres, em 2004, porprofissionais trabalhando com Grupos deMães e Bebês, em que se perguntava àsmães, também como um jogo imaginário,o que elas achavam que seus bebês gos-tariam de receber delas, e o que elasgostariam de receber de seus bebês.

Na proposição deste jogo para ofechamento do Grupo de Triagem e Diag-nóstico, falamos para as crianças quenestes três ou quatro encontros conhece-mos bastante sobre este grupo e sobrecada um deles. (Às vezes, num momentoanterior, relembramos juntos o que fezcom que cada um chegasse até nós, ecomentamos sobre mudanças observa-das ao longo dos encontros.) Comenta-mos que conhecemos também o que cadaum sente que precisa e o que os outrosprecisam para cuidar melhor das suas

dificuldades. Dizemos que gostaríamosde deixar com cada um deles algumaslembranças deste nosso tempo aqui. Comofalamos de sentimentos, brincamos, de-senhamos, contamos estórias, e imagina-mos muitas coisas enquanto estivemosjuntos, a lembrança que gostaríamos dedeixar é também imaginária. Com estaproposição, enfatizamos nosso enfoqueem elementos que funcionem como pon-tes mediadoras do concreto para o simbó-lico, num contexto de prazer no contatolúdico com nosso mundo mental. O quecada um gostaria de imaginar como umpresente para deixar de lembrança paracada um dos outros? O que Pedro gosta-ria de dar para Alice, por exemplo?

Com a facilitação do elemento sim-bólico metafórico revestido pelo formatoconcreto do objeto-presente, as criançaslogo se animam a dizer, por exemplo:“Daria uma bola!” (para uma criança quedemonstrava vontade, mas muita dificul-dade para brincar), “Daria um espelho...para poder se olhar!” (para uma criançamuito tímida que não reconhecia em siaspectos de valor). Expandimos então asmetáforas, contidas nos presentes ofere-cidos, conectando-as com as necessida-des de cada criança e as interfaces entreo expresso no Grupo de Pais e no Grupode Crianças. Muitas vezes, as própriascrianças já expressam a oferta de manei-ra elaborada e amplificada, apresentan-do-a em forma de sentimento abstrato,extraído da experiência do convívio gru-pal: “Daria mais tranqüilidade... mais la-zer!”, “Não se preocupar tanto com o

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manifestações da criança, e aspectos dopercurso nos grupos. Iremos nos deterportanto nas crianças que estiveram pre-sentes em todas as sessões, incluindo asessão de finalização: Bernardo, Diana eEduardo.

Bernardo, de 7 anos, é apresenta-do por sua mãe no Grupo de Pais comomuito nervoso. A mãe também se apre-senta agitada e bastante impaciente aorelatar o comportamento do menino. Dizque na escola “ele é normal”, mas emcasa corta tudo o que vê com a faca outesoura, “briga muito na escola... se aprofessora briga com ele, ele se faz deinocente, abaixa os olhos e se enche delágrimas”. A mãe diz que a família o acha“lerdinho” e “sonsinho”. A mãe diz nãosaber o que acontece, ele só fala que “dáuma coisa na cabeça dele” e depois co-meça a chorar, mas faz questão de de-monstrar para a mãe tudo o que faz. Amãe comenta com bastante impaciênciaque Bernardo está na primeira série e nãosabe ler. Conta que seu filho já fez diver-sos exames médicos e os médicos cons-tataram que seu pulso e os batimentoscardíacos estão acelerados. Além disso,ele tem muita dor de cabeça.

A mãe associa o comportamentode Bernardo ao do pai, que tem a tendên-cia de desmontar tudo, porque trabalhacom manutenção e conserto de equipa-mentos. Diz que o pai tem um bom rela-cionamento com o menino, mas que éausente porque trabalha bastante.

Na segunda sessão do Grupo dePais, contrariando tal atestado de ausên-

irmão dela!”, “Ser criança também!”,“Ter carinho da mãe dela, amor!” (parauma criança que se sentia muito exigidanos afazeres de casa e cuidados com oirmão menor); “O papai também poderser ajudado!” (para uma criança que sepreocupava muito com a separação dospais, que ocasionara um significativo dis-tanciamento entre a criança e seu pai).

Temos considerado de muito be-nefício a possibilidade do envolvimentodas crianças nesta atividade simbólica aomesmo tempo coletiva, mas que integraos aspectos individuais emergentes nocontexto do grupo, sintetizando os dadosprincipais de nosso conhecimento sobrecada criança e grupo familiar ao longo dopercurso nos grupos. Tal atividade facilitatambém a compreensão pelas criançasde nossos encaminhamentos, já que estesgeralmente vão ao encontro das necessi-dades ilustradas imageticamente pelospresentes imaginários.

Famílias em desordem: recortes

Tentaremos agora entrelaçar as-pectos manifestos nas sessões grupaisdas crianças e dos pais de um Grupo deTriagem e Diagnóstico de crianças de 7 a11 anos, realizado em três encontros (ori-ginalmente 5 crianças, 3 meninos e 2meninas).

Como ponto de coroação de nos-sas reflexões, utilizaremos o Jogo do Pre-sente Imaginário, já que este condensaaspectos da demanda inicial formuladatanto pelo discurso parental quanto pelas

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cia e desafiando o matriarcado do grupocomposto só de mulheres cuidadoras,aparece o pai de Bernardo (em respostaa nosso constante convite também à pre-sença do casal de pais). Este se mostrainteressado em participar da sessão, tra-zendo a mesma queixa do filho relatadapela mãe. Associa também este compor-tamento do menino ao seu próprio, dizen-do ter sido muito curioso na infância. Dizque são três filhos e que acredita que algofalte ao menino, por isso ele pode estarapresentando este comportamento. Dizque ameaça castigo ao menino, mas é amãe que o executa. Reconhece que dápouca atenção ao menino, que provavel-mente sente muito sua falta, além disso,se propôs a realizar mais atividades como filho, promovendo assim uma aproxima-ção entre eles. Comenta, em tom confes-sional, que é mais apegado à filha caçulae que isso pode gerar ciúmes em Bernar-do. O pai apresenta boa capacidade refle-xiva e reconhece que está reproduzindocom seu filho a mesma relação quevivenciou com seu pai, de distanciamentoe frieza. Comenta que não gostaria quefosse assim. Reconhece aspectos positi-vos do filho, dizendo que o garoto é inte-ligente, sabe os caminhos para chegar aohospital, e que ele ficou feliz por teremvindo juntos nesta sessão.

A presença do pai de Bernardo,trazendo aspectos reflexivos de sua rela-ção com o menino, e demonstrando umadisponibilidade de participação pressu-posta antes como ausente, faz com que asoutras mães fiquem muito atentas e mo-

bilizadas por seu relato, associando as-pectos próprios na relação que estabele-cem com cada filho.

Enquanto isso, na sala das crian-ças, Bernardo parece bastante angustia-do, mas tem alguns movimentos de apro-ximação dos colegas. Quando nos dirigi-mos a ele, para qualquer solicitação, mes-mo quando lhe perguntamos o nome, seusolhos ficavam marejados. Parece aomesmo tempo desejoso de contato, seusolhos brilhando, expressando carência enecessidade de vínculo, e ao mesmo tem-po transbordam em seu rosto ruborizado.Sua brincadeira com a caixa lúdica giraem torno de temas bastante contidos.Envolve-se nas brincadeiras com os ou-tros meninos, mas deixa os conteúdosmais agressivos e ameaçadores por contados outros. (O morto fica de fora, a guerraé do outro lado.)

No quebra-cabeça Bernardo inte-rage, mais à vontade com os colegas, masparece um pouco temeroso, falta-lhe au-toconfiança. Parece frágil emocionalmen-te, sensível, em sofrimento. Nos dese-nhos, quando solicitado individualmente,se dispõe a realizá-los emocionado, quasechegando a chorar. Consegue escrever apartir de estímulos individualizados, inici-almente diz não saber escrever e precisade referências concretas. Na leitura, temdificuldade de reconhecer sua própriaprodução, conseguindo reconhecer so-mente algumas sílabas. Copia, mas nãodecifra o que foi copiado. Entretanto de-monstra agilidade mental e uso de estra-tégias elaboradas para resolver impasses,

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No momento do Jogo do PresenteImaginário, Bernardo se mostra muitotímido e, inicialmente, mal consegue falar,apesar de mostrar-se muito comunicativoatravés de sua expressão facial, rubori-zando-se, umedecendo os olhos, e sorrin-do empaticamente. Comentamos queBernardo se comunica com o olhar, comsua expressão, e que durante todas assessões ele esteve muito envolvido comos outros membros do grupo, mesmo quenem sempre se manifestando com pala-vras. Estamos sentados no chão, e quan-do chega a vez de Bernardo receber ospresentes ele rápida e ansiosamente dizque não quer nada, sorrindo expressiva-mente e encolhendo-se num agachamen-to em concha. Brincamos que ele parecequerer ficar meio invisível ali, para queninguém fale dele ou preste atenção nele.Será que um presente para ele poderia seruma tinta que faz a gente ficar invisível?Bernardo sorri, sintonicamente. Por outrolado, comentamos que percebemos suavontade de ser visto, de ser compreendidoem suas necessidades de contato emoci-onal, para que se sinta menos aflito, me-nos dividido em pedacinhos, como àsvezes faz com os papéis que ansiosamen-te pica e espalha.

Assim, no Grupo de Pais e deCrianças se comenta que foi possívelperceber a fragilidade e tristeza de Ber-nardo e a necessidade de atenção que elesente. Enfatizamos a importância de umolhar mais atento para ele e sugerimos oseguimento em Grupo Terapêutico e Gru-po de Pais em nosso setor. É também

mostrando que não há impedimentos deordem cognitiva.

Bernardo fala pouco, mas é muitoexpressivo, fala com o corpo, com o olhar,parece ter muita vontade de falar e secomunicar. Ao mesmo tempo, não conse-gue achar um espaço para expressar suasdificuldades.

Quando indagado sobre a queixada mãe, de que ele corta as coisas, diz queé verdade, mas que não faz mais. O cortaras coisas é interpretado pelos pais comoexpressão de raiva e oposição. Conver-samos com os pais e também com ascrianças, sobre uma outra maneira depensar sobre estas manifestações. Seráque Bernardo não se sente também as-sim, picotado, com medo de se despeda-çar, de se desmanchar em mil pedaci-nhos? Será que ele corta os pedacinhos,não para agredir, mas justamente parademonstrar sua angústia, mostrar comoele se sente? Vimos no grupo como elese sente tão frágil, talvez ameaçadoquando nos aproximamos dele, ao mes-mo tempo que quer muito se vincular eestabelecer contato. Bernardo parecese sentir acolhido por nossa interven-ção, e isso repercute no grupo, já quetodos foram testemunhas de seu estadode mobilização emocional. Desta for-ma, comunicamos a todos nosso inte-resse por busca de compreensão desuas manifestações, juntando assim,para eles e para seus pais, “pedaci-nhos” de cada um que, muitas vezes,ficam cortados, espalhados, sem senti-do e acolhimento.

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sugerido que Bernardo tenha um acom-panhamento mais individualizado na es-cola em reforço escolar para possibilitarmelhor desenvolvimento em suas ativida-des.

Diana (10 anos) conta não saber omotivo pelo qual vem ao grupo. Duranteo momento de apresentação e de aproxi-mação com os recursos lúdicos, perma-nece calada, com uma postura contida,apoiada na parede, expressão facial bas-tante séria. Quando fala demonstra timi-dez no tom de voz baixo e economia deexpressão, apesar de parecer brava emsuas manifestações assertivas e breves.

Ao se referir à filha no Grupo dePais, sua mãe ansiosamente começa afalar sobre os “problemas de auto-ima-gem” de Diana, dizendo que ela se achafeia por usar óculos desde os sete anos deidade e ser estrábica. Atualmente é umacriança bem desenvolvida, mostra-se pre-ocupada com sua aparência, está acimado peso esperado para sua idade e querfazer regime alimentar. Por vezes é auto-ritária com as amigas e com a irmã. Dizque Diana coloca-se muitas vezes nolugar da mãe e faz tudo para satisfazer opai, que é colaborador e também exigentecom as filhas.

Na discussão posterior entre osprofissionais, intriga-nos o contraste en-tre a maneira enfática com que a mãedescreve a menina e a retração da crian-ça. Conversamos sobre a dificuldade dediscriminar o que seriam ansiedades damãe em relação à filha (ou até a aspectosque vão além da filha, como feminilidade,

subjetivação e representação corporal,além de aspectos da relação do casal) dasansiedades da própria criança.

Ao longo do processo do grupo, amãe de Diana parece se sentir mais des-contraída, expressando-se com mais cla-reza e parecendo se sentir contida nogrupo para contar de sua experiência coma criança. Entretanto ainda se mostraagitada ao se referir à ansiedade e des-controle alimentar da filha (“Ela continuaansiosa para tudo!”). Mostra-se preocu-pada com a aparência de Diana, comen-tando sobre a chantagem que a meninafaz para conseguir o que quer dos famili-ares e as dificuldades da família em negaralimentos à criança.

Diana, no Grupo de Crianças, ficaa maior parte do tempo bem calada.Mesmo no primeiro momento, em que háuma outra garota, Celine, ambas ficamcomo espectadoras das brincadeiras dosmeninos, muito pouco ativas física ouverbalmente, só se aproximando de al-gum material da caixa lúdica quando estalhes é oferecida como uma bandeja.(Celine vem às duas primeiras sessões esua mãe vem sozinha na terceira sessão,pois a filha tem um passeio na escola.)

Diana observa a brincadeira dosmeninos, olha para a caixa lúdica e diz nãogostar de nada. Só gosta de brincar comjogos. Mostra-se ambivalente na apreci-ação do quebra-cabeça e hesitantementeaceita participar. Utilizando seus recur-sos cognitivos e objetivos, é ágil na mon-tagem das peças e participa também daarrumação dos materiais, porém demons-

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azuis e rosa servir como metáfora de umanecessidade de equilíbrio entre seus as-pectos psíquicos de assertividade e sensi-bilidade?

De Eduardo, Diana ganha um ócu-los e um amigo. Expandimos na conversaa possibilidade de Eduardo estar sugerin-do que Diana possa ter um novo jeito deolhar para as coisas, um novo olhar parasi mesma, já que Diana se queixa muito dese achar feia justamente por usar óculos.O grupo parece ter observado que Dianapode estar se sentindo sozinha, isolando-se das outras crianças, e que talvez poristo mereça um amigo.

Como recomendação terapêutica,conversamos nos grupos sobre a impor-tância de um acompanhamento terapêu-tico individual para Diana, como um espa-ço de elaboração destes conflitos. Faze-mos também um encaminhamento ànutricionista na própria UNIFESP.

Eduardo, 9 anos, é trazido ao grupoinicialmente por sua avó, que diz que“gostaria de mostrar para os pais dele quea criação que eles estão dando está erra-da, porque eles castigam muito o meni-no”. Relata que Eduardo é inteligente naescola, mas a professora é “muito poucotolerante” e ele termina as tarefas e ficaprocurando outra atividade. A avó refe-re-se à criança como o “reizinho”, e dizque ele está ficando revoltado porque aprofessora quer expulsá-lo da escola,apesar de ele ser tão inteligente. A avóquer provar para a escola que o neto nãotem problemas e que lá ele está sendomaltratado. Diz que a mãe de Eduardo,

tra muita dificuldade com os aspectos deexpressão afetiva. Demonstra passivida-de e um certo ressentimento quando suaprodução é utilizada numa criação coleti-va, da qual não consegue participar comtanto vigor e diversão.

Diana coloca-se de maneira bas-tante sincera no último encontro, dizendoque tinha achado estranho vir ao grupo.Utilizando o exemplo do quebra-cabeçacomo ilustração, conversamos sobre suaagilidade e recursos para participação, eao mesmo tempo sua desistência edesinvestimento quanto à sua produção.Parece que ela não confia nas coisas boase legais que ela tem e que apareceram nogrupo. Parece triste e solitária, não po-dendo desfrutar de seu crescimento commais confiança e mais valorização de siprópria.

No Jogo do Presente Imaginário,Bernardo comenta que daria um sapatopara Diana. Exploramos como seria estesapato, e Bernardo comenta que seria umsapato rosa e azul. Comentamos sobre ascores, pensando que são cores geralmen-te relacionadas a bebês meninas e bebêsmeninos. Lembramos que conversamossobre como a mãe de Diana tem tidodificuldades para lidar com as mudançasda Diana-menina que está crescendo. Amãe de Diana também demonstrou ne-cessidade de ser ajudada para conseguirvalorizar a si e à filha como mulheres.Diana às vezes se coloca de maneiraenrijecida, durona, crítica, afastando-sede suas manifestações emocionais e desua vulnerabilidade. Poderiam os sapatos

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apesar de ser pedagoga, não queria trazê-lo à psicóloga, pois acha que é coisa depessoa doente e está envergonhada desaber que o menino está freqüentando oSetor de Saúde Mental. Isso deixa a avómuito angustiada, pois acha que ele rece-be muitos castigos. Ela se refere aos paisde Eduardo como muito rígidos, e estámuito preocupada com isso.

Assim como sua avó, Eduardo tam-bém acha que o problema é que ele “quersaber muito as coisas”. Tanto Eduardoquanto a avó parecem evitar reflexõessobre o que será que pode estar relacio-nado ao risco de uma possível expulsão daescola.

No segundo encontro do Grupo dePais, a avó relata que o menino só falasobre a consulta da semana anterior. Acirculação da fala propiciada pelos gru-pos parece ter atingido também os pais dacriança, que puderam conversar com aavó sobre a vinda do garoto, inicialmentenão se mostrando contrários, mas aindanão se interessando por vir, e posterior-mente fazendo-se presentes, no últimoencontro, através da mãe de Eduardo.Neste momento, a avó permaneceu forada sala acompanhando a irmã do menino(como retaguarda parental e suporte, enão substituindo ou denegrindo o casal depais).

Desde o primeiro encontro com ogrupo de crianças, Eduardo, que pareceum pré-adolescente, por sua compleiçãofísica, postura e desprendimento verbal,demonstra muita iniciativa, explora osmateriais e interage facilmente com as

outras crianças. Coloca-se de maneiraadequada, interessada e amadurecida,enfatizando com orgulho sua facilidadede compreensão na escola. Quando, en-tretanto, cria uma arma ligando algumaspecinhas de plástico para montar, suaatitude confiante transforma-se em hesi-tação e insegurança, parecendo se sur-preender com a revelação de seus possí-veis aspectos reativos e demonstrandocautela e persecutoriedade em relação aonosso olhar. Parece que não pode susten-tar o que está sendo produzido, demons-trando dificuldade de assumir aspectosque considere ameaçadores ou destruti-vos ao meio. Parece sempre vigilante epreocupado com nossas observações (“Oque vocês vão falar para minha avó?”).Nos desenhos, parece precisar corres-ponder ao que esperam dele, ficandosempre muito atento à sua produção, ecriando estórias que incluem clichês doque seria adequado fazer para impressio-nar adultos.

É uma criança com bons recursos,que talvez se diferencie ali no grupo, maispor alguns elementos ligados a uma con-dição socioeconômica e estimulação cul-tural um pouco mais privilegiada, do quepor uma inteligência superior, como mui-tas vezes parecem sugerir seus cuida-dores. Eduardo parece muitas vezes res-ponder a esta fantasia e projeção da avóde que ele talvez seja superdotado.

Enquanto brincamos de PresenteImaginário, Eduardo manipula seu anel.Demonstra-se muito ativo na proposiçãode presentes aos outros membros, cui-

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ganhar presente?”) e menos adapta-dos, como o que Eduardo tem mostradocom suas dificuldades de comporta-mento na escola.

Conversamos também no Grupode Pais sobre as expectativas que osadultos têm de Eduardo, de sua inteli-gência e o peso que isso pode represen-tar para ele, que fica impossibilitado deerrar. A mãe diz que supervalorizar ainteligência de Eduardo é “coisa daavó” e que os pais não o tratam assim.A questão das expectativas parentaisem detrimento de um olhar que respeiteas necessidades, ritmo e subjetividadesde cada criança é também expandidana conversa com todos os presentes.

Comentamos sobre o processoque acompanhamos no grupo, de ospais se aproximarem mais do cuidadodireto das necessidades de Eduardo erecomendamos que isto prossiga com arealização de uma sessão com os paisde Eduardo (com dois membros partici-pantes deste trabalho com os grupos)para a discussão da disponibilidade paraum trabalho terapêutico familiar, visan-do um fortalecimento do núcleo casal efilhos.

Tanto no Grupo de Crianças,quanto no Grupo de Pais, apontamos, apartir do exemplo de Eduardo, que àsvezes parece haver algumas questõesconflituosas entre os adultos, e que acriança parece se sentir no meio destefogo cruzado de críticas entre as pes-soas que cuidam dele. Amplificamos aquestão para situações ou dificuldades

dando do grupo e parecendo querergarantir a satisfação de todos. Depoispergunta veementemente: “E eu?”.Todos rimos sintonicamente e comen-tamos como Eduardo parece gostar decuidar e de agradar aos outros, mastambém gosta que cuidem dele e per-cebam suas necessidades. Diana timi-damente, olhando para as mãos deEduardo, que brinca com seu anel, dizque lhe daria um anel (talvez seconectando a algo já presente ali, aindasem poder arriscar um presente imagi-nário novo). Exploramos juntos: queanel seria este? Anel de enfeite? Anelpara mostrar a ligação com as pessoas?Anel que os mais velhos usam quandose juntam e pensam em formar umafamília? Bernardo comenta que dariauma corrente de colocar no pescoço.Pensamos na apresentação de Eduar-do junto ao grupo, criança sempre bem-cuidada e arrumada, muito estimuladapelos familiares, principalmente avó emãe, que estiveram presentes no Grupode Pais. Comentamos que se esperamuito dele, que se mostre sempre inte-ligente, e que aqui no grupo ele tambémparecia ter que impressionar, mostran-do-se sempre adequado, esperto, cor-reto, bom garoto, “o noivo esperado”,às vezes “pai da casa, pai do grupo”.Entretanto, comentamos, essas expec-tativas às vezes podem pesar, podemnos amarrar (a corrente pode enfeitarou pode prender). Precisamos de umespaço para mostrar nossos outros la-dos mais necessitados (“E eu, não vou

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que às vezes os adultos vivem e que dealguma maneira refletem na maneiracomo se preocupam ou entendem asmanifestações das crianças.

Ao final, conversarmos com o Gru-po de Crianças sobre como foi para elesvir aqui. Diana, que vinha se mostrandoatenta, tensa e séria, reconhece ter sidoestranho vir ao grupo, mas pela primeiravez, após a troca de presentes imaginári-os, se integra aos outros para a brincadei-ra que surge a seguir, sentando-se aochão de forma ineditamente descontraí-da, e podendo se divertir.

Assim, espontaneamente nestemomento final, as crianças se agrupampara o jogo de varetas como atividadeconjunta. Cada um é bastante verdadeiroquanto a seus movimentos (se mexemalgo, logo abrem espaço para o outro) ebastante observador do seu próprio movi-mento e do movimento dos outros. (Habi-lidade bastante presente em nosso reper-tório de convívio durante os encontros.)Mesmo crianças que se sentiam pouco àvontade para interagir parecem ter per-cebido benefícios e atrativos no vínculo,demonstrando que a continuidade de tra-tamento, conforme o caso, individual ougrupal, será bem-vinda.

Conclusão

Demonstramos aqui como o dispo-sitivo clínico de Triagem e DiagnósticoGrupal Infantil pode ser útil para a promo-ção da saúde mental em nossas institui-ções de atendimento, na medida em que

se oferece como possibilidade de acolhi-mento às angústias familiares, e para apossibilidade de enriquecer a formaçãode profissionais da área. Tais recursossão viabilizados pelo exercício de integra-ção da participação dos cuidadores e dascrianças em grupos, que reverte em inter-venções significativas durante o processode recepção e diagnóstico dos casos.Acreditamos que o potencial interventivoda atividade também seja amplificadopela possibilidade de expandir a capaci-dade de representação das crianças epais acerca de suas dificuldades e impas-ses vivenciados em suas relações. Procu-ramos ilustrar como alguns instrumentosde mediação metafórica, utilizados comas crianças, podem facilitar a criaçãodeste campo de representações e facilitara comunicação no contexto grupal.

Voltando à idéia das metáforascomo ponte, transportes significativosocorreram no processo destes grupos: dodiscurso parental à manifestação da cri-ança, do vivenciado internamente para oformulado na comunicação ao grupo, dareatividade das atuações “picotadoras”de Bernardo e veladamente “assaltan-tes” do exemplar Eduardo e do vividosomaticamente na dor do corpo em sofri-mento (as dores de cabeça de Bernardoe os desconfortos de Diana), através dorapto da própria metáfora (Montagna,2006), para a sua reaparição como senti-do simbólico na emergência das brinca-deiras e dos presentes imaginários.

Consideramos de bastante impor-tância as alternâncias de presenças dos

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cos a eles e diferentes. (Roudinesco, p.195).

(...) Do fundo de seu desespero, ela (afamília) parece em condições de se tornarum lugar de resistência à tribalização orgâ-nica da sociedade globalizada. E provavel-mente alcançará isso — sob a condiçãotodavia de que saiba manter, como princí-pio fundador, o equilíbrio entre o um e omúltiplo de que todo sujeito precisa paraconstruir sua identidade. (Roudinesco,2002, p. 199).

Trabalhamos aqui também com aintegração de aspectos subjetivos indivi-duais e processuais grupais, com a dife-renciação entre as expectativas parentaise manifestações próprias da criança ecom a possibilidade de uma vivência grupalem que (considerando-se as singularidadese o coletivo) se favoreça o aprender a partirda experiência. Junto às famílias, nos gru-pos de pacientes, e no grupo de trabalhoprofissional, acreditamos que nosso empe-nho caminha nesta mesma direção.

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pais/cuidadores e convocações de mem-bros importantes das famílias, além doenvolvimento de outros membros em con-versas de desdobramento em casa, favo-recidas pelo Grupo de Triagem e Diag-nóstico para todas as famílias atendidas.

Supomos que se favoreça a insta-lação de alguma ordem nesta des-ordemfamiliar, conferindo ao casal de pais e àpossibilidade de interlocução entre as fun-ções materna e paterna uma importânciaestruturante na subjetivação da criança.Em consonância com o que aponta Rou-dinesco (2002) quando aborda questõesrelacionadas às profundas transforma-ções da família na contemporaneidade(por exemplo, a passagem da soberaniapaterna para a materna, com o poderilimitado e onipotente do materno e aabolição das diferenças sexuais), vemoscomo ainda se manifesta uma busca aosreferenciais estruturais da família, aindareivindicada como valor seguro para aconstituição do sujeito e favorecimentodo surgimento de uma nova ordem simbó-lica. Parece que, mesmo em suas novasconfigurações e frente aos desafios dacontemporaneidade, a família, através desuas principais tarefas parentais de geraramor, manter a esperança e conter a angús-tia depressiva, promovendo a possibilidadede pensar (Meltzer & Harris, 1986), resisteao teste dos tempos. Como coloca Roudi-nesco (2002), e como fica ilustrado emnossos grupos aqui relatados:

Todos os pais têm o desejo de queseus filhos sejam ao mesmo tempo idênti-

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Mariângela Mendes de Almeida, Silvia Venske, Conceição Aparecida Nazareth, Luciane Faccini,Ida Bechelli, Mary Lise Moysés Silveira e Marcílio Sandoval Silveira

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 40(72): 113-133, jun. 2007.132

SUMMARY

Containing family anxieties: metaphoric mediations in an assessment groupintervention with children and parents

This paper discusses the possibility of containing contemporary family anxietiesthrough seeing children and parents in an assessment group approach. Such resourcefacilitates investigation, intervention and possible referrals, promoting the child andfamily mental health. Psychoanalytic group traditions are integrated to psychologicalassessment as an intervention. We emphasize the metaphoric mediations provided bythe projective instruments used, especially regarding their function of condensingexpressive aspects related to the dynamics exposed by the parents and children, andtheir potential, through play, as communication and as facilitators in the transmissionof our therapeutic indications. We explore the interrelation between what is expressedin the Children Group and the Parents Group, emphasizing how much this exercise canfacilitate the comprehension of the subjective constitution of parents and children thatseek for our help and the containment of family anxieties, besides contributing to thedevelopment of a relational psychoanalytic view within professional training.

Key words: Family anxieties. Metaphoric mediations. Assessment group intervention.Child mental health. Psychoanalytic relational view.

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Contendo angústias familiares:mediações metafóricas em intervenções diagnósticas grupais com crianças e pais

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 40(72): 113-133, jun. 2007. 133

RESUMEN

Conteniendo angustias familiares: mediaciones metafóricas en intervencionesdiagnósticas grupales con niños y padres

Discutese aquí la posibilidad de acogimiento e escucha de angustias familiarescontemporáneas a través de la recepción de niños y padres en una abordajepsicodiagnóstica interventiva grupal. Tal recurso se muestra efectivo en la investigación,intervención e encaminamiento en el ámbito institucional, facilitando la promoción dela salud mental del niño y de la familia. Integranse los referenciales de la tradiciónpsicoanalítica grupal al trabajo psicodiagnóstico en una vertiente interventiva.Enfatizamos las mediaciones metafóricas proporcionadas por los instrumentosproyectivos utilizados, destacándose su función de condensación de los aspectosexpresivos en cuanto a las dinámicas expuestas por los padres y niños y su aspectopotencial lúdico como comunicación y como facilitadores en la transmisión de nuestrasindicaciones terapéuticas. Exploramos la interrelación entre lo expreso en el Grupo deNiños e en el Grupo de Padres, enfatizando lo cuanto este ejercicio puede facilitar lacomprensión de la constituición subjetiva de los padres y hijos que nos procuran e lacontinéncia de las angustias familiares, además de contribuir para el desarrollo de unamirada psicoanalítica relacional y del raciocinio clínico de los profesionales.

Palabras-clave: Angustias familiares. Mediaciones metafóricas. Intervencionesdiagnósticas grupales. Salud mental infantil. Mirada psicoanalítica relacional.

Universidade Federal de São Paulo — UNIFESP/Escola Paulista de MedicinaSetor de Saúde Mental da Disciplina Pediatria Geral e

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Recebido em: 30/05/07Aceito em: 14/06/07