Contexto nº 7

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Um nordestino no Braga Memórias de guerra O Sanfoneiro do rei Conheça a rotina de Márcio Mossoró, um dos ídolos brasileiros no futebol de Portugal O que ficou da cultura norte- americana em Natal mais de seis décadas depois da guerra Dominguinhos revela detalhes de sua história com Luiz Gonzaga e com a música contexto No centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, fomos até o sertão de Exu para descobrir algo mais importante que sua própria música. contexto MOSSORÓ/RN | DEZEMBRO DE 2012 | N O 7| ANO 1 | R$ 9,90 MOSSORÓ/RN | DEZEMBRO DE 2012 | N O 7 | ANO 1 | R$ 9,90

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Um nordestino no BragaMemórias de guerraO Sanfoneiro do reiConheça a rotina de Márcio

Mossoró, um dos ídolos brasileiros no futebol de Portugal

O que fi cou da cultura norte-americana em Natal mais de

seis décadas depois da guerra

Dominguinhos revela detalhes de sua história com

Luiz Gonzaga e com a música

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No centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, fomos até o sertão de Exu para descobrir algo mais importante que sua própria música.

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No centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, fomos até o sertão de Exu para descobrir algo mais importante que sua própria música.

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Mossoró conquista´tri no Selo UnicefNuma disputa com 1.799 municípios participantes e 399 vencedores em nível de Brasil, Mossoró alcança um resultado inédito ao conquistar pela terceira vez, no período de oito anos, o Prêmio Selo Unicef Município Aprovado. O prêmio é um reconhecimento ao avanço das políticas públicas no município, direcionadas à melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes, atendidos nas ações de saúde, esporte, educação e social.

Aprefeita Fafá Rosado esteve em Brasília no dia 29 de dezembro de 2012, ao lado da secretária da Cida-dania, Jaqueline Amaral, e do articulador do Selo em Mossoró, Adonias Vidal, para receber a premiação. O Selo é conferido pelo órgão da Organização das Nações Unidas para a Criança e o Adolescente, e na edição 2009-2012 contemplou 47 municípios do Rio Grande do Norte.

O tricampeonato de Mossoró no Selo Unicef leva a prefeita Fafá Rosado a emoção e ter a convicção do dever cumprido. “Nos últimos anos, tivemos essa preocupação de criar e desenvolver ações e projetos que, de fato, contribuíssem para melhorar a vida de nossas crianças e jovens. E, graças a Deus, avançamos em vários indi-cadores, merecendo o reconhecimento do Unicef em três edições do prêmio”, destaca Fafá.

A Organização das Nações Unidas, por meio do Unicef, avalia 32 indicadores de impacto social e de gestão pú-blica nas áreas de saúde, educação e proteção social. “O avanço obtido nestes indicadores e projetos de participação social refletem a qualidade de vida das crianças e adolescentes”, observa a secretária da Cidadania, Jaqueline Ama-ral. “Um grande presente para uma gestão voltada para o cidadão”, define ela.

A ONU avaliou três projetos de participação social - nas áreas da educação, cultura e esporte - e dois fóruns co-munitários, encaminhados pela Prefeitura de Mossoró “Vencer todas essas edições do Selo Unicef, significa dizer que ano a ano, desde 2004, a qualidade de vida das crianças e dos adolescentes está evoluindo em razão das políticas públicas de saúde, educação e proteção social, desenvolvidas pela Prefeitura”, afirma a prefeita.

"Os indicadores sociais de saúde, educação e proteção social do município de Mossoró evoluíram não só em re-lação aos anos anteriores, mas também superaram os resultados dos indicadores sociais dos municípios concorren-tes na disputa do Selo Unicef. Estes prêmios atestam o compromisso da prefeita Fafá Rosado com as crianças e os adolescentes, com também como o futuro de Mossoró" lembra Adonias Vidal.

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Dominguinhos e o Rei

Os 100 anosdo Rei do Baião

Uma viagem ao sertão de Luiz Gonzaga

O herdeiro do baião conta tudo sobre sua vida com o velho Lua

Entrevista

COLUNAS & PONTOS DE VISTA

Celebridade por acaso – 36

A resistência das rezadeiras de Mossoró – 54

As águas milagrosas da Paraíba – 60

Tecnologia

Tradição

Turismo

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POIS BEM... - César Santos 19 PONTO DE VISTA – Anchella Monte 35 SAÚDE EM AÇÃO – Costa Júnior 59 CONTXTUALIZANDO – Kildare Gomes 63 COZINHA PRÁTICA – Angelina Tavares 64 CONTEXTO INDICA – Kydelmir Dantas 65 RUBENS LEMOS FILHO – 66

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Falar sobre algo que todos conhecem é um desafio dobrado. Quando, nesta edição, decidimos pela homena-gem ao centenário de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, assumimos um grande risco. Poderíamos cair na vala comum de escrever sobre sua história, desde o nascimento até a morte em 1989, falar sobre a passagem dele pelo Rio Grande do Norte ou apresentar o seu perfil a partir da visão dos artistas que caminharam com

ele. Optamos por nenhuma e por todas elas. Explico: Desde que foi fundada em junho de 2011, a Contexto se propu-nha a contar histórias de vidas e retratar acontecimentos. Uma linha editorial voltada para a reportagem tendo como ponto principal o humano. Por isso, limitar a revisa a uma biografia já tão conhecida seria desperdiçar palavras e papel, além de perdermos um pouco de nossa direção. Ao descrever a viagem até Exu delineando todo o trajeto que cruza o RN, a PB e o CE e expondo todas as sensações, tendo como ponto de partida a ação de retornar a origens, como fez Gonzaga, nos pareceu muito mais sensato, emotivo e verdadeiro. As opiniões de artistas, familiares e amigos foram fundamentais, mas apenas um complemento do ato jornalístico e literário empregado neste trabalho. O resul-tado é o que temos em mãos. Um relato que contempla o sensorial, mas sem deixar escapar os fatos históricos, pre-sentes na cronologia do Rei, nem o ponto de vista artístico determinado por essa fantástica entrevista concedida por Dominguinhos, o herdeiro do baião.

Entramos, portanto, no segundo ano da Contexto com uma edição pra lá de especial. Mantivemos a linha e a proposta inicial, porém, além de mais leve e com uma diagramação mais limpa, a revista está ainda mais ampla, tanto na estética, quanto no alcance. Neste número, trazemos uma reportagem especial do nosso correspondente internacional em Portugal, Carlos Guerra, que acompanhou a rotina do jogador Márcio Mossoró, no Braga. De Natal, Fábio Araújo revela o que ainda existe da primeira geração Coca-Cola, quando a capital do RN foi “invadida” pelos norte-americanos na segunda grande guerra mundial e transformou nossa base aérea no Trampolim da Vitória. Raildon Lucena, de Caicó, abre as portas do Seridó para a Contexto, falando de um dos vários produtos autênticos daquela região: o boné, esse acessório que nunca sai de moda. Na Paraíba conhecemos as águas milagrosas do Bre-jo das Freiras e seu poder curativo. Já em Mossoró, a jornalista Izaíra Thalita descobre que a tradição das rezadeiras não desapareceu como se pensa e Higo Lima mostra como a internet tem construído ídolos relâmpagos.

Não importa o que aconteça com as mídias, o jornalismo continuará vivo e forte, sobretudo quando o seu foco são as pessoas. Boa leitura.

José de Paiva RebouçasEditor

Editor: José de Paiva RebouçasReportagem: José de Paiva Rebouças, Higo Lima, Carlos Guerra Jr., Izaíra Thalita, Fábio Araújo e Raildon LucenaProjeto Gráfico e Diagramação: Augusto Paiva Revisão: Stella SâmiaComercial: Hernegildo Silva e Adriana AraújoMarketing: Larissa Gabrielle AraújoTiragem: 5 mil exemplares

Colaboraram nesta edição:

Cartado editor

ExpedienteContexto é uma publicação de responsabilidade da Santos Editora

César SantosKildare GomesRubens Lemos FilhoAngelina Tavares

Costa JúniorAnchella MonteKydelmir Dantas

Quer enviar críticas, sugestões, dúvidas ou apenas dar um alô? Envie e-mail para: [email protected]: (84) 3323 8900

Contato comercial 3323-8914Email para receber anúncios: [email protected]

Endereço:Avenida Rio Branco, 2203 Centro – Mossoró (RN) – CEP: 59.611-400

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Logo aos 16 anos, três depois de conhecer Luiz Gonzaga, José Domingos de Morais, o Dominguinhos, foi proclamado, na imprensa, pelo próprio Rei, como o seu herdeiro musical. 23 anos depois da morte de Gonzaga, ele relembra como

tudo começou e como foi viver 35 anos ao lado do maior ídolo nor-destino de todos os tempos que, se fosse vivo, completaria 100 anos. Nascido em Garanhuns (PE), o herdeiro do forró autêntico de raiz, hoje com 71 anos, fala ainda sobre a evolução do estilo nordestino e da interferência das bandas eletrônicas no forró brasileiro.

Entrevista

POR JOSÉ DE PAIVA REBOUÇ[email protected]

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herdeiro do reiO

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CONTEXTO – QUANDO topou pela pri-meira vez com Luiz Gonzaga?

DOMINGUINHOS – Deixe dizer do início: Quando eu conheci Luiz Gonzaga em Gara-nhuns (PE), que é minha terra, eu conheci Luiz Gonzaga com meus dois irmãos, Morais (faleceu aos 57 anos em Salvador/BA), que era o sanfoneiro que tocava oito baixos, eu tocava pandeiro, e meu outro irmão Valdo-miro, que era o mais novo, tocava um ins-trumento que meu pai fazia que chamava “melê”. E, num dia, lá em Garanhuns, a gen-te estava tocando na porta do Hotel Tavares Correia – e nós não podíamos ultrapassar o portão, aquela coisa de hospedes... – pois bem: aí, naquele dia, nos puseram para tocar lá dentro, no salão, para algumas pessoas e, entre essas pessoas, estava Luiz Gonzaga, essa figura. Eu tinha oito anos de idade e meu irmão Morais tinha dez, o Valdomiro tinha seis anos, já tocando no melê. Aí, nós tocamos para aquele cidadão, mais umas dez pessoas, que estavam numa mesa gran-de. Aí ele meteu a mão no bolso e tirou um bolo de dinheiro e entregou a meu irmão, que era o mais velhinho e, o mais importan-te de tudo: mandou alguém escrever o en-dereço dele do Rio de Janeiro que, se um dia, a gente pendesse pra lá, ele ia nos aju-dar. Foi assim que eu conheci Luiz Gonzaga sem saber quem ele era. Porque, eu tou com 71 anos, você veja bem há quantos anos is-so aconteceu!

E O SR. já conhecia ou tinha ouvido falar dele?

EU NÃO sabia quem era Luiz Gonzaga, quem era Carlos Galhardo, quem era Ânge-la Maria, Nelson Gonçalves, nem Orlando Silva, que era mais velho. Eu só escutava algumas coisas nos alto-falantes. Quem ti-nha um rádio escutava muito as emissoras, quem podia ter um rádio, e nós não podía-mos, porque éramos uma família grande: minha mãe teve 16 filhos, morreram alguns logo...

E DEPOIS de topar com o rei, o que foi que aconteceu?

BOM, nesse mesmo dia, apareceu uma senhora chamada Amerinda, dona de um

colégio aqui em Olinda, Pernambuco. Aí perguntou: “Vocês estudam?”. “Não senho-ra”. “E vocês querem estudar em Olinda, Recife, Pernambuco?”. “A senhora fala com meu pai...” Aí levamos ela para conversar com pai e mãe e os dois aprovaram a ida da gente pra ficar interno, no colégio chamado Escola Prática Comercial de Olinda. Lá, era externo e internado. Nós ficamos internos. Eu passei, junto com meus irmãos, quatro anos. Chegamos lá, ganhamos uma sanfona do dono da Rádio Globo de Pernambuco, dr. Arnaldo Moreira Pinto, de 48 baixos. Meu irmão (Morais) começou a tocar e “desar-nou” logo. Depois foi a minha vez e, assim, ficamos quatro anos. Aí, ela virou empresá-ria da gente. Ela dava o estudo, mas a gen-te fazia programa na Rádio Clube de Per-nambuco, na Rádio Jornal do Comércio, nas emissoras todas daquela época. Ganháva-mos prêmio e tudo. Tocávamos nas festas dos meninos mais ricos. Mas era uma época da palmatória. A palmatória comia solta. Qualquer errinho da gente, a gente apanha-va: hora de palmatória, hora de rebenque, de corda, com o que quisessem bater. A pro-fessora mesmo batia na gente. E aí, ela ves-tia a gente muito bem vestidinhos, vendia a gente nas festas dos meninos mais ricos, de aniversário, e a gente ia deixando ali e ela não fazia conta de nada, de dinheiro nem de coisa nenhuma, nem ela nunca mandou aju-da pro meu pai nem pra minha mãe. Nem notícia dava! Aí, quando foi um dia, nós fo-mos na casa do Arnaldo Moreia Pinto e Mo-rais aprendeu o caminho. Aí, pelo menos uma vez por semana, ia bater na casa dele. Quando foi um dia o homem se incomodou: “Ô meu filho, você não está em horário de colégio?”. “Tou, mas tão batendo na gente”. Pronto, foi o suficiente para seu Arnaldo mandar fazer uma sindicância. Porque, em todo tempo da vida é proibido bater em criança, ninguém nunca ligou porque todo pai dava “um corretivo”, mas, bater em criança e ainda dos outros, é um negócio muito sério em qualquer época da vida. Aí o que sobrou pra nós? A expulsão. “Vocês vão embora pra Garanhuns que não quero mais saber de vocês aqui!”. Ela ficou com a sanfona e ficou com todas as roupas. Nós

EU NÃO sabia quem era Luiz Gonzaga, quem era Carlos Galhardo, quem era Ângela Maria, Nelson Gonçalves, nem Orlando Silva, que era mais velho.

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QUEM descobriu que a gente podia ganhar um dinheirinho tocando na feira foi minha mãe, num foi nem meu pai que era tocador. "

voltamos com a roupinha do couro. Acho que até pior de que quando a gente veio. A viagem para Garanhuns, 230km de Recife, era muito difícil, levava 24h e, quando cho-via, era ainda pior. Não tinha estrada. Nós chegamos a Garanhuns a boquinha da noite. Fomos pra casa que era ali no Arraial, aí meu pai e minha mãe quando nos viram disseram: “Meu Deus, o que vocês estão fazendo aqui, vocês fugiram?”. “Não, a mulher expulsou a gente”. Pai era calado, pensador – minha mãe também – não tomaram nenhuma pro-vidência, não quiseram saber. Nós contamos a nossa história e eles aceitaram.

QUEM descobriu que você e seus irmãos tinham o talento para a música?

QUEM descobriu que a gente podia ga-nhar um dinheirinho tocando na feira foi minha mãe, num foi nem meu pai que era tocador. Ele era um tocador dos melhores de oito baixos. Afinava a sanfona de todo mundo, era conhecidíssimo, tocava em toda festa e não ia levar os filhos dele para tocar em batente de hotel, nem em feira. Mas mi-nha mãe tinha muitos filhos e não queria que passassem necessidade; que ela mesma trabalhava numa padaria e trazia, no final da noite, aqueles pães dormidos que a gen-te chamava de “marroque”. Fazia um bule de café nas trempes, a gente molhava o pão-zinho duro no café e comia, porque nordes-tino sempre ceia. E assim, minha mãe foi quem descobriu, num dia de sábado, na fei-ra de Garanhuns, que podia ganhar um di-nheirinho com a gente tocando honestamen-te. Aí meu pai se aproveitou disso, daí, em nossa volta (de Olinda) quatro anos depois, começou a rodar com a gente no estado de Alagoas, porque Garanhuns fica quase na divisa com Alagoas.

E QUANDO vocês voltaram a encontrar com Luiz Gonzaga?

MEU PAI já tinha o endereço de Luiz Gon-zaga desde aquele tempo. O que é que ele disse: “Vamo simbora pro Rio de Janeiro, vamo procurar Luiz Gonzaga”. O Morais, meu irmão mais velho, tinha arranjado um amigo, que era amigo do meu pai, que foi pra o Rio de Janeiro, pra Nilópoles, e carre-

gou Morais, e Morais já estava lá há um ano. E, assim, a gente foi ver como estava a vida dele. E aí ele (o pai) levou nós dois num pau-de-arara. Foram 11 dias de viagem num caminhão velho. Chegamos, Getúlio (Var-gas) ainda era o presidente – foi antes dele se matar – isso foi em 1954. O que é que acontece: Morais (risos) morava numa tin-turaria e, nós, fomos pra lá pensando que ele estava numa casa, mas era uma tintura-ria (risos), onde trabalhava, lavava roupa, coisa que eu passei a fazer depois, andando lá em Nilópoles, pra cima e pra baixo entre-gando roupa. Aí, no outro dia, porque nin-guém dormiu quase nada, pai disse: vamos procurar Luiz Gonzaga. Chegamos a casa dele – não sei que sorte foi aquela – que o homem tava. Ele viajava demais, mas na-quele dia estava em casa (risos). Aí nos re-conheceu: “Oh, vocês são aqueles meninos de Garanhuns”. Aí, perguntou o nome de pai: “É Francisco”. “Senta aqui”. Aí meu pai sentou e ele foi lá dentro e veio com uma sanfoninha de 80 baixos e entregou a pai. No mesmo minuto! Num deu tempo nem da gente pedir um copo de água! Ora meu ir-mão, era tudo que a gente precisava! Nós não tínhamos nada, só o bisaco de botar umas bermudinhas. Aí depois, nós fomos embora e eu marquei onde era a casa de Gonzaga. No outro dia eu tava lá, no outro dia eu tava lá, no outro dia eu tava lá: feito a cantiga da perua (risos). E ele se acostu-mou comigo.

E COMO ERA a rotina do Rei?ELE CANTAVA muito ensaiando as letras

das músicas. Ele tinha um conjunto bom, com Marinêz, a rainha do xaxado, já faleci-da, o marido dela, Abdias, que era um gran-de sanfoneiro de oito baixos. Zito Borbore-ma e Miudinho, que era o zabumbeiro. Estou lhe contando do início pra você ver que eu, com 13 anos de idade, comecei essa amiza-de com Gonzaga e foi até o fim da vida. Ele me levava pra gravadora (RCE), me levava por tudo quanto era canto que ele tinha ami-gos e me apresentava. Porque, naquela épo-ca, 1955, 1956, eram aqueles discos de 78 rotações (RPM): uma música de um lado e outra do outro. E ele, quando tinha música

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boa, arregimentava o regional e ia pra lá, gravar aquelas duas músicas.

E QUANDO foi que o Sr. participou de uma primeira gravação de um disco de Luiz?

EM 1956. Eu fui mais uma vez com ele para a gravação, foi quando ele gravou For-ró no Escuro (canta um pedaço). Ele “tava” lançando essa moda e me botou para tocar, pela primeira vez, na companhia dele. Eu tava com 16 anos – pra você ver a sorte quan-do marca um é pra não perde de vista – e eu não fazia feio. Aí a imprensa tinha ido para ver o lançamento de uma nova música e fa-lar sobre os novos sucessos de Luiz Gonza-ga. Foi a revista Radiolândia, na época, que fez a reportagem. E ele foi e aproveitou a reportagem e me apresentou como “herdei-ro artístico dele”. Aí a revista fez duas pági-nas comigo, ele me apresentando: “Esse cabra da peste é meu herdeiro artístico”. Agora pra tu ver, eu não sabia nem o que era isso (risos). E a minha vida com Gonzaga foi assim.

COMO era o relacionamento de Gonzaga com os músicos?

ELE não acertava cachê. Eu mesmo to-quei muito com ele e, quando terminava, ele me dava um bolo de dinheiro que corres-pondia a tudo que eu tinha feito. Era assim e eu nunca vi Miudinho, nem Zito, nem Ma-rinêz, nem Abdias, abrir o bico para dizer qualquer besteira sobre Gonzaga. Eles vi-viam felizes, tocavam felizes e Gonzaga era

um pai de família muito bom, um amigo que eles podiam contar; era uma pessoa de mão aberta que se amedrontava com pouca coi-sa.

COMO Luiz Gonzaga ajudava a família dele?

AS IRMÃS, os irmãos, quem morava lá no Rio de Janeiro morava em Santa Cruz, que era onde vivia a família dele. Ele com-prou um terreno muito grande e a família toda morava lá. E eu ia nos domingos e nos sábados que eu tava à toa, e tocava com Zé Gonzaga a tarde todinha; com Chinoca, que é um amigo meu que já está com uns 82 anos e é meu vizinho lá no Rio, quando eu mora-va lá, porque eu fugi para São Paulo, fui morar em São Paulo. Essa família foi toda ajeitada pelo irmão. Então, tudo que eles tinham deviam a Gonzaga, sem dúvida ne-nhuma! Quando ele comprou as terras do Exu, um dia, ele dividiu essas terras todinhas – ainda novo. Ele mandou dividir as terras, perto da serra. Todo irmão ganhou um pe-daço. Ele tinha umas encrencas bestas com Zé Gonzaga (risos), porque era muito atira-do, brincalhão e falava muito e ele não gos-tava muito das tiradas do Zé, e ele se esque-ceu dele. Aí Wilson, que era um cunhado dele, disse assim: “Gonzaga você está sendo injusto”. E ele perguntou: “Em que?” Ele disse: “Você não tá vendo que tá faltando uma pessoa?” Aí ele disse: “Quem, Zé Gon-zaga?” (gargalhada) “Então você vai lá na-quele pé de serra, lá aonde a água nem che-ga e dá o pedaço dele e ele que se vire”.

Eu mesmo toquei muito com ele e, quando terminava, ele me dava um bolo de dinheiro que correspondia a tudo que eu tinha feito."

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Eu sei que eu tinha de 13 pra 14 anos e estava vendo Gonzaguinha todo dia lá dentro da casa comendo bolacha e tocando violão.

(gargalhada) Foi como uma gozação, uma coisa premeditada. Ele sabia que Wilson ia ser contra, porque era quem estava fazendo a conta da divisão.

NO FILME “Gonzaga – De pai pra filho”, Gonzaga aparece muito ausente da família por causa dos shows, sobretudo das mulheres com quem conviveu. Era isso mesmo ou esse é um comportamento típico de artistas, ou mesmo de nordestinos?

RAPAZ, o distanciamento do nordestino é muito natural, porque, ele mesmo levou aquela surra (de sua mãe Santana, em 1930, quando ela descobriu que ele peitou o co-merciante Raimundo Deolindo, que não o queria para genro e ameaçou-o de morte) e desabou no mundo pra virar Luiz Gonzaga, e voltou 16 anos depois, como ele conta, pra casa e voltou já como um grande astro da música. Esse distanciamento que acontece com a maioria dos nordestinos e gente do Norte que procura o Sul do País, o Sudeste, pra ver se melhora uma coisinha e vai fican-do e, quando dá fé, já tem 30 anos que mora em São Paulo e Rio de Janeiro e não consegue voltar porque não melhorou de vida. Con-quistou um “quixózinho” ali nos bairros mais distantes para morar com a família e ele não quer voltar de qualquer jeito e vai ficando. Aí, isso soa como um distanciamento da fa-mília, mas não é verdadeiro. As pessoas se comunicam direto, ficam se falando, hoje em dia com muito mais facilidade. Gonzaga ficou distante o suficiente para depois mandar buscar todo mundo pro Rio de Janeiro. Botou os irmãos tudinho para morar em terra dele, com suas casinhas, com suas coisas. E eu sou testemunha. Agora, a questão de casa-mento era uma coisa muito difícil, porque ele viajava muito e dona Helena (a esposa) ficava muito só. Mas ele voltava sempre. Eu mesmo ia com ele e a gente fazia a tempora-da toda que tinha que fazer e voltava pra casa.

LUIZ falava de seu passado, de sua vida particular, de seus amores de infância ou mesmo de Gonzaguinha?

PELO menos para mim ele era muito fe-chado pra essas histórias. Você sabe que existe um detalhe no nordestino mais antigo

dos mais novos não questionarem coisa ne-nhuma. A gente tinha vergonha de fazer pergunta, viajava o tempo todo calado. Mas eu sei que Gonzaguinha morava lá no morro de São Carlos e depois foi morar com ele (Gonzaga). Eu sei que eu tinha de 13 pra 14 anos e estava vendo Gonzaguinha todo dia lá dentro da casa comendo bolacha e tocan-do violão. Aí o Gonzaga dizia: “Tá vendo?”. Olha só: a gente chegava da fazenda de Mi-guel Ferreira com o carro cheio de frutas, aí eu começava a tirar as coisas, Toinho, o za-bumbeiro também, e todo mundo tirando as coisas e Gonzaguinha comendo bolacha e tocando violão. “Você tá vendo? Tem jeito não!”, Gonzaga só dizia isso (risos).

LUIZ GONZAGA foi o primeiro a gravar músicas de Gonzaguinha. Como foi isso?

QUANDO ele notou que Gonzaguinha já era um compositor e fez algumas músicas bonitas, como alguns maracatus, ele foi pa-ra o estúdio com o regional, comigo e todo mundo, e gravou umas quatro músicas (Na verdade foram duas) de Gonzaguinha naque-le disco “Festa”. Ele foi o primeiro a gravar Gonzaguinha. Ele fez aquele disco e a gente passou a noite todinha gravando no estúdio de “Evaí” na Central do Brasil. E esse disco começou a abrir as portas para Gonzagui-nha. Ele fez isso sem dizer nada pra ninguém. Ele foi gravando que tudo que ele gravava ficava bonito. Depois Gonzaguinha foi se ajeitando com ele, arengava aqui e ali, e ele cortava o dinheiro que ele dava para pagar a faculdade. Quando Gonzaguinha “mijava fora do penico” aí ele “pá!” cortava (o dinhei-ro). Aí depois, quando ele (Gonzaguinha) melhorava, ele (Luiz) afrouxava de novo. Fa-zia tudo que um pai deve fazer. Depois, Gon-zaguinha se chegou mais, teve aquela fase de comunismo, de esquerda, ficou tubercu-loso... Gonzaga falou numa ocasião em que estava com ele: “Ó, você é muito magrinho, você não tem corpo para aguentar o rojão não, viu! Tome cuidado. Mas não tem nada não, eu vou lá de vez em quando levar um cigarrinho pra você” (gargalhada).

QUAIS eram as fragilidades de Luiz Gon-

zaga?

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Toquei em boate, toquei em dance, tive conjunto de baile, tudo como Neném do Acordeom (primeiro nome artístico)."

ELE tinha uma fragilidade nos rompantes. Isso, às vezes, atrapalhava muita coisa. Por-que ele tomava umas medidas, assim, muito apertadas, e depois, se a pessoa morasse lon-ge, levava dias pra ele pedir desculpas, etc. Agora, se morasse perto, não demorava dez minutos que ele pedia desculpas. Isso é uma coisa de nordestino, mas era uma fragilidade que ele tinha. Eu mesmo levei muito grito dele, fiquei calado e fui vencendo, porque, como diz o malandro, “bom cabrito não ber-ra” (gargalhada). Quando eu casei (1958) eu tinha 17 anos. Janete estava grávida e eu fui comunicar a ele. Aí eu cheguei e disse: “Seu Luiz eu queria falar com o Sr”. “Que é? Pode falar meu filho!”. “Seu Luiz eu vou ter de casar”. Ah, rapaz, foi mesmo que ter dado um tapa nele. Ele me deu um grito: “O que que você tá me contando rapaz! Você é doido, é? Você não é doido que eu sei, eu lhe conheço! Que história de casar é essa “Domingos?” Eu digo: “Seu Luiz, Janete está grávida”. “Mas isso lá é motivo de você casar? Você espere, você é um menino. Eu casei com 34 anos e quase não caso, como é que você vai casar com 17, você é doido? Você é um artista, ra-paz! Você não pode fazer uma coisa dessas. Vá simbora que não quero mais lhe ver aqui, desapareça!”. Olhe aí o rompante. Aí eu fui embora. Veja bem: dias depois, ele me pro-curou e disse: “Quando vai ser o casamento que eu quero ser o padrinho” (gargalhada). Eu fui passar a lua de mel lá na fazenda dele (risos). Então ele tinha essa fragilidade.

O SENHOR é do tempo do Trio Mossoró? Conheceu seus integrantes?

O OSÉIAS Lopes (hoje Carlos André) eu conheci lá no Rio de Janeiro, do Trio Mossoró: João Mossoró e Hermelinda. Eu gravei muitos discos produzidos por Bastinho (Calixto) que por aqui vivia com Hermelinda. O Oséias pro-duziu cinco discos de Luiz Gonzaga e eu to-quei em todos eles.

O SR. É HOJE um dos maiores músicos do Brasil, com uma das maiores sensibilidades auditivas e musicais. De onde surgiu isso?

EU DEI muita sorte porque, além de tocar com Gonzaga, eu tocava na rádio e isso agu-çava muito o meu ouvido: acompanhando

calouros que nem davam o tom já entravam cantando e a gente saia procurando. Toquei em boate, toquei em dance, tive conjunto de baile, tudo como Neném do Acordeom (pri-meiro nome artístico). Então, isso me ajudou, porque eu peguei várias épocas: bossa-nova, peguei a época do Gil, da Gal, dos Novos Baia-nos, essas coisas todas. Fui músico da noite, então, músico da noite aprende muita coisa e a tocar em todos os idiomas. E eu fui desses músicos que, além de tocar com Luiz Gonza-ga, que eu nunca abandonei, eu tocava mo-derno, tocava acompanhando todo mundo. Aí já conheci Sivuca, já conheci Chiquinho do Acordeom que tocava comigo na Rádio Nacional, porque eu tocava lá também (gar-galhada). Eu me virava de tudo quanto era lado: eu tinha dois “bacurinzinho”, né? (ri-sos). Aí eu tinha de me virar. Na Rádio Nacio-nal era o regional de Décio Santana, na Rádio Tupy era de Rogério Guimarães. E tinha tam-bém o regional de Arlindo. Tinha o Arlindo branco e o Arlindo preto (gargalhada). Aí eu tocava com eles todos, era uma miscelânea danada e isso foi fazendo a minha música. Fui participando de tudo e, graças a Deus, nunca deixei a peteca cair.

MUITOS artistas se opõem ao chamado “forró eletrônico”, tocado por essas bandas que fazem sucesso hoje, quase todas do Cea-rá. O que o Sr. pensa dessa nova música toca-da pelo povo do Nordeste?

AQUILO ali tem o lado bom. Eu vejo aqui-lo ali como um momento de lucidez, porque alguém tinha de fazer alguma coisa para dar uma sacudida na música nordestina. Exata-mente Emanuel Gurgel formou as primeiras bandas no Ceará, conseguiu esse furo: o no-vo forró. Desde que eles começaram, nós sabemos que nenhuma banda toca forró, por que, um forró depende de um triângulo e um zabumba, pode ter bateria, pode ter guitarra, pode ter piano, o que quiser, mas se não tiver o zabumba e o triângulo para tocar redondo, não vai dizer que é forró que não é, é uma invenção. Mas eles, através dessa sacada do Emanuel, deram um chute muito grande e esse chute atravessou o mundo. A música nordestina muito parada despertou.

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QUAIS FORAM os prejuízos dessa música para os sanfoneiros de raiz?

OS SANFONEIROS perderam espaço. Todos nós fomos tolhidos porque as bandas faziam um show-baile. Eles botavam dois ba-teristas, quatro cantores, dois guitarristas, tudo em dobro desde que começava até às 4h da manhã. Eu toquei muito no Ceará, no Rio Grande do Norte, no Piauí, aí as portas se fecharam. Por quê? Quando as bandas iam tocar numa festa, a meia-noite era a hora do artista. Aí a banda parava, ia descansar, to-mar e comer um negocinho e o artista fazia, por volta de uma hora, o seu show. As bandas tomaram conta de tudo e não foi mais possí-vel artista nenhum fazer show porque coman-davam a noite toda e o dono da festa pagava um cachê só. Isso aí foi uma coisa muito ruim para nós, integrantes da música nordestina de raiz, porque eu só tocava, naquela época, com zabumba, triângulo e pandeiro. Era um trio. Daí uma banda daquelas com trombone, com pistão, com isso e com aquilo, e a nós éramos três gatos pingados, você imagine a diferença de som. E, muitas vezes, o som era do cara da banda que ficava fazendo malda-de: tirava o som, deixava baixinho. Isso aí, até o Flávio José já passou em épocas mais perto agora, já famoso como é.

E COMO foi que surgiu o fenômeno do Forró Universitário?

ENTÃO isso (o aparecimento das bandas de forró eletrônico) fez com que a gente des-se uma sacudida. Apareceram os meninos de São Paulo. O Tato, do Falamansa, ficava por ali. O Paulinho, do Canto da Ema, que é um dono de forró muito amigo meu lá de São Paulo, dizia: “Dominguinhos, num dá pra vo-cê deixar o Tato dar uma canjinha aí?” e eu dizia: “Dá o que que tem, pode mandar subir”. Ele dava o tom ali em cima comigo, cantava algumas musiquinhas. Mas eles iam lá, tudo garoto bonito, novo, iam tudo ali, acho que pra arrumar namorada (risos). Durante a festa tinha muita garota bonita e eles faziam mais uma farra entre eles e eu botava eles pra cantar. Depois virou o Falamansa e aí estourou. Começou a fazer muito sucesso. Aí eu vim uma viagem aqui pra Recife e, con-versando com alguns jornalistas, eu disse pra

eles: “Olhe, nós vamos passar uma vergonha danada, porque, hora dessas, vocês vão es-cutar falar do Forró Universitário lá em São Paulo, que é o nosso pé-de-serra, não tem diferença, mas São Paulo botando esse forró acima da média e, nós aqui, vamos passar em baixo mais uma vez. Que vocês não estão li-gando pra música nordestina. Vocês estão ligando pra música de tudo quanto é canto, menos pra música nordestina. Vão dizer que lá em São Paulo estão fazendo o novo forró nordestino”.

TODOS nós vimos esse fenômeno, mas isso foi de alguma valia pra o forró raiz?

ISSO aí aconteceu e foi bom demais e aí, despertou o forró pé-de-serra de novo e, todo mundo, começou a arengar e as bandas co-meçaram a dizer que eram banda de forró tal: Matruz com Leite, Forró Aquários e in-ventaram mil e uma bandas. Aí pronto. Eles foram benéficos pra nós. Então eu não fico com raiva deles (forró eletrônico) porque ali dentro tem muito músico bom que toca para ganhar o seu sustento. Tá entendendo meu irmão? Então eles ajudaram a gente e ajudam até hoje e estão aí dizendo que tocam forró e a gente sabe que não toca, mas vamos le-vando tudo irmanados e vai dando certo.

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Pois bem...

Ó Santa Luzia

Ainda adolescente, motivado pela for-mação religiosa de Dona Cristina e Seu Teobaldo, esperava o ano inteiro pela Festa de Santa Luzia. Do rito re-

ligioso às atividades sociais – mistura do reli-gioso com o profano –, era o melhor período do ano, já de férias da Escola Estadual Morei-ra Dias, no bairro Doze Anos. Naquela época, sem a necessidade de “heróis” ou “heroínas” da educação, cumpria-se rigorosamente o ca-lendário letivo. Na sala de aula, o compromis-so firmado com os colegas para o encontro na Catedral ou na “Praça da Rádio Rural” (Vigário Antônio Joaquim). Todos devotos da santa padroeira. Roupa nova, comprada com meses de antecedência, mas guardada para o grande momento, era finalmente tirada do baú, já cheirando a naftalina, mas que dava um “char-me” especial para as dez noites de festa. A noite começava com a novena. Igreja lotada. Depois, descia os degraus da Catedral de San-ta Luzia para um giro na área das barraquinhas instaladas ao redor do Mercado Público Cen-tral, que hoje recebe o nome de Mercado Pú-blico Manoel Teobaldo dos Santos, meu Pai. Os jogos de “azar”, como o bazar de seu An-tônio Bedel, eram tão inocentes quanto diver-tidos. Eu não arriscava nada, pois os trocados no bolso eram para a merenda na volta para casa. Em seguida, o passeio pela Vigário An-tônio Joaquim, onde dividia a atenção entre a paquera inocente e o show da Rádio Rural (990kHz), com os radialistas Seu Mané e Du-arte Neto e a música da hora do The Pop Som, depois Elo Musical, dos irmãos Hubener e Pir-rita. A disputa pela “A Mais Bela Voz” era um capítulo a parte, maravilhoso. E a procissão de 13 de dezembro, com um mar de gente, um esplendor. Lembranças vivas de um passado que não volta nunca mais, porém, alimenta o espírito da devoção à Santa dos Olhos, que serve para aceitar – e entender – as mudanças

de hoje na festa da padroeira dos mossoroen-ses. O sentimento de amor, fé e gratidão per-manece intocável e ainda ecoado pela voz do padre Américo: “Mossoró, com alegria, saúda a Santa Luzia.”

CÉSAR SANTOS *

*César Santos – é jornalista e diretor da Santos Editora • email: [email protected]

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Uma estrela discretaMárcio Mossoró é considerado um dos principais nomes do Braga, clube que mais cresce em Portugal, mas procura ser humilde, discreto e caseiro

Qual é o estereótipo de um jogador de futebol? Roupas folgadas, brincos, co-lares, muita marra, pouca cultura, falas com muitas gírias e cercado de “maria-chuteiras”? Pode até ser, mas não quan-

do o jogador em questão é Márcio Mossoró, o meia do Sporting Clube de Braga, um dos times de elite do futebol português. Com um comportamento discreto, humildade, avesso a baladas, evangélico e sem roupas típicas de jogador, ele dificilmente seria apontado por quem não o conhece como atleta de futebol, pois pro-cura fugir ao máximo do estilo “boleirão”.

Além disso, não se atraiu pelas inúmeras “maria-chuteiras” que o procuraram por conta da fama. Ele é casado com a namorada da juventude, que conheceu bem antes da fama e do prestígio que hoje possui. Com a esposa Alline, possui um filho: Nikolas, de cinco anos, a quem Márcio dedica a maior parte de sua atenção diária. “Meu maior lazer é estar com meu filho”, resu-me o jogador, revelando que a saudade aperta em dias de partidas em que tem concentração ou viagens. “Li-go de vez em quando para ele, se não ele chora. Eu também fico muito sentido”, confessa.

Apesar de toda essa humildade, ele é visto como algo acima de uma pessoa normal pela torcida do Bra-ga, clube que defende há quatro anos. O futebol por-tuguês sempre teve uma linha divisória muito clara. De um lado, ficavam os três times que têm chances de título (Porto, Benfica e Sporting de Lisboa), do outro lado o resto dos clubes.

Mas o Braga, que era visto como um pequenino há

cerca de dez anos, quebrou esse parâmetro justamen-te nos últimos quatro anos, ultrapassando o Sporting de Lisboa em resultados e se estabelecendo no grupo dos melhores clubes de Portugal. Além disso, partici-pou de duas edições da Liga dos Campeões nos últimos três anos, competição que o clube nunca havia parti-cipado em seus noventa anos de história.

E Márcio Mossoró é um dos poucos remanescentes desde o início dessa reviravolta. Sendo assim, seu no-me é gritado intensamente nos jogos. Pela cidade, onde ele passa são pedidos inúmeros autógrafos e fotos. Além disso, recebe diversos convites, por todas as partes.

E, em meio a essa fama e prestígio, o jogador diz “tentar levar uma vida normal” e explica esse reco-nhecimento de forma simples. “Não é nada demais, sou uma pessoa normal. Como o Braga mudou muito nesses últimos anos, é normal que o povo me reconhe-ça. Mas isso não quer dizer nada. É normal no mundo do futebol”, justifica, ao ser perguntando se sente fa-moso no país.

Essa simplicidade também é vista no dia a dia do Sporting Braga. Ele é conhecido por ser um jogador que integraliza o grupo, não procura problemas e é muito esforçado. Além disso, está sempre avesso a brigas.

Para Marquinhos Mossoró, irmão mais velho do jogador, e que o visitou entre outubro e novembro, Márcio Mossoró é tão tranquilo que precisa se impor. “Ele é muito bonzinho, sorridente. Mesmo que esteja achando ruim alguma coisa, ele procura evitar atritos. Sempre falo para ele se impor um pouco mais, pois no mundo do futebol existe muita gente querendo tirar proveito de pessoas assim. Ele tem que mostrar suas opiniões, saber dizer não em algumas coisas”, acon-selha o irmão, que atualmente trabalha como gerente de futebol, mas já jogou em vários clubes brasilei-ros.

Em Braga, Mossoró inclusive já passou por situa-ções como nitidamente pagar preço por produto/ser-viço bem maior do que deveria, porque as pessoas se aproveitaram do fato de se tratar de um jogador fa-moso. “Tem que dizer não uma hora dessas e ponto final”, reclama Marquinhos Mossoró. “E no time que joga, tem que aproveitar o seu prestígio para opinar nas diversas situações. Fazer com que a idolatria se torne também liderança”.

POR: CARLOS GUERRA JR.

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O PRESIDENTE, A TORCIDA E O TREINADOR

Para o presidente do Braga, António Rodrigues, Márcio Mossoró é “um jogador invendável e inegociá-vel”. A torcida o define como mito e canta frequente-mente o grito “E ninguém para o Mossoró, ia, ia, ô”. Mas para o treinador José Peseiro, que chegou no início da temporada, trata-se apenas de um bom reserva.

O jogador se acostumou a ser considerado insubs-tituível desde que chegou ao Braga. Seu status de meia titular, dono da camisa 8, sempre foi praticamente in-questionável. Entretanto, desde a derrota para o Cluj, clube romeno, em setembro, o atleta se tornou reserva na equipe de José Peseiro.

O treinador, por enquanto, vem mantendo o prestí-gio com a diretoria do clube, mas a opção de colocar Mossoró no banco de reservas tem causado muitos questionamentos por parte da torcida.

A segunda derrota de virada para o Manchester Uni-ted, que foi decisiva para a não classificação do time na Liga dos Campeões, pesou bastante para as críticas ao técnico. E o assunto Mossoró é o número 1 nas reclama-ções. Na segunda partida diante do Manchester, em que o time estava vencendo por 1 a 0 e deixou os ingleses marcarem três gols nos 12 minutos finais, os xingamen-tos pedindo Mossoró eram intensos. Teve gente até que tentou jogar objetos no treinador, algo incomum na Eu-ropa. A entrada dele só aconteceu depois do segundo gol do Manchester, aos 38 minutos do segundo tempo.

Mossoró, como de hábito, procura evitar polêmica, mas não entende os motivos que fazem o técnico optar por colocá-lo no banco de reservas, já que tem sido considerado o destaque da equipe em algumas partidas em que é titular e ainda foi escolhido o melhor jogador do país em março deste ano, pelo Sindicato dos Joga-dores Profissionais de Futebol. O Sindicato é o órgão português que gere diversas questões da carreira dos jogadores do país e faz uma importante premiação men-sal, para escolher os destaques.

Ainda em março, o Jornal Público, um dos mais populares e respeitados de Portugal, descreveu a im-

portância do mossoroense na edição do dia 27 do re-ferido mês. “Um lance em que a inteligência de Mos-soró esteve a serviço do futebol. O brasileiro leu rapi-damente a situação e, quando se esperava que paras-se a bola no peito, optou por um cabeceamento, que teve a virtude de sobrevoar toda a gente e acabar den-tro da baliza. A partir daí, o Sporting Braga estava na situação em que se sente normalmente mais confortá-vel e o segundo golo não demorou, fruto de uma assis-tência primorosa de Mossoró”, publicou o diário após a vitória do Braga por 2 a 1 sobre o Acadêmica de Coimbra, que colocou a equipe na liderança do Cam-peonato Português pela primeira vez na temporada 2011-2012.

“Acredito que posso contribuir, como sempre fiz, desde que cheguei ao Braga, mas a decisão final é do treinador”, comenta o jogador, não escondendo, porém, uma certa frustração com o banco de reservas. “O que mais estranhei foi que ele me disse que sou o jogador mais importante da equipe e depois me coloca no ban-co nas principais partidas”, estranha.

O meio-campista já estava cogitando deixar o Braga, antes do início da temporada vigente. O objetivo inicial é retornar ao Brasil, mas ele possui contrato até 2014 e, o presidente, não aceita liberá-lo sem o pagamento da multa rescisória de 15 milhões de euros.

O banco de reservas é um fator que intensifica esse desejo, mas a liberação não é algo tão simples. “O pre-sidente é taxativo em dizer que sou inegociável e que não me deixa jogar em outro clube português. Para outro país, ele não é tão inflexível, mas só aceita se pagar a multa integral”, comenta Márcio Mossoró. “Ou-tro dia um clube chegou oferecendo dois milhões e o presidente não aceita conversar”, complementa.

Mas o desejo de sair não chega a ser intenso. Ele se sente muito à vontade na cidade e no clube. Além disso, tem como meta a conquista de um título oficial, já que a equipe ficou inúmeras vezes “no quase”. “Já fomos vice da Liga Europa e do Campeonato Português, mas chega de tanto vice. Quero mesmo é conquistar um tí-tulo pelo Braga”, confessa.

A torcedora do Braga Jéssica Miranda resume a im-portância de Márcio Mossoró para o clube. “Sem dúvida um dos melhores jogadores da história do grande Sporting Clube do Braga, adorado por todos os adeptos braguistas e muito elogiado pela imprensa portuguesa. ‘E ninguém para o Mossoró, ia, ia, ô’ é a música mais cantada no es-tádio quando o Braga joga, é a maneira que os torcedores mostram a insatisfação com a ausência constante do jo-gador Márcio Mossoró em campo. Tal manifestação mos-tra que este grande jogador ganhou o coração de muitos com o valor futebolístico que mostrou no Braga durante os últimos quatro anos. Os torcedores devem ao Mossoró um grande respeito por todas as conquistas nunca antes conseguidas, e também pelo próprio respeito que agora todos os outros times têm por nós, tratando-se de um verdadeiro Guerreiro do Minho (província onde fica loca-lizada Braga) e que todos esperam continuar a dar alegria e orgulho”, disse a torcedora, agradecendo a oportunida-de de poder falar sobre o ídolo.

Márcio Mossoró, no aquecimento antes de jogo pela Uefa Champions League

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“ELE MERECE UMA ESTáTUA”, DIZ O ROUPEIRO

A humildade de Márcio Mossoró é percebida na ação dele na vida do garoto Marcos Heronildes, então rou-peiro do Baraúnas. Márcio realizou treinos no time de Mossoró, durante as férias do meio do ano e percebeu o esforço do rapaz. Com isso, conseguiu uma vaga para o jovem no Braga. E Marcos, de 19 anos, foi acolhido na casa do ídolo, onde recebeu um quarto próprio e bas-tante confortável.

“Ele estava lá nos treinamentos do Baraúnas, aí per-cebeu que eu tratava bem os jogadores, que me esfor-çava para conservar as chuteiras de todos eles. Daí, começou a dizer que ia me levar para o Braga, mas eu pensava que era brincadeira. De repente, ele mandou eu tirar meu passaporte e depois enviou as passagens. Fiquei sem acreditar”, conta o rapaz.

Antes de conhecer pessoalmente Márcio Mossoró, o roupeiro diz que tinha uma admiração por ele, além de ter amizade com os três irmãos do jogador, já que todos passaram pelo Baraúnas. Pedrinho joga no Leão desde 2010, Zezinho é gerente de futebol e já realizou outras funções no clube nos últimos cinco anos e Marquinhos jogou no Tricolor ano passado.

E Marquinhos, como é conhecido o roupeiro do Braga-B, conta que Márcio Mossoró o trata como um filho. O jogador não faz diferenciação no tratamento entre o roupeiro e o restante da família, além de não

exigir que o jovem use o dinheiro que recebe para gas-tar em casa.

“Acho que é muito difícil nos dias de hoje, alguém pegar uma pessoa já criada e levar para sua casa, para morar com sua família. Então, eu só tenho a agradecer por demais a esse tratamento que eles têm comigo. Márcio e Alline são meus pais aqui e Nick meu irmão. Nunca imaginei conhecer pessoas tão maravilhosas em minha vida”, comentou.

Marquinhos confessa: não imaginava que Márcio Mossoró contava com tanto respeito e fama em Portugal. Segundo ele, todos conhecem bastante o jogador na cidade de Braga e, quando o atleta é visto nas ruas, causa euforia aos torcedores. Por isso, é comum que o jogador seja parado para fotos e autógrafos no dia a dia.

“Eu nunca imaginei que ele tivesse tanta moral aqui em Portugal. Ele é muito famoso e tem credi-bilidade total com o presidente do Braga. É um jo-gador que vai ficar marcado eternamente na histó-ria do clube. Na sala de troféus, tem foto dele. Em todo lugar tem foto dele. Merece que façam uma estátua, pois é o maior ídolo do clube”, comentou Marquinhos, que vai retornar ao Baraúnas no final do ano. “A situação financeira para roupeiro aqui, já que sou do time B, não é muito diferente do Ba-raúnas, que agora vai melhorar, porque vai jogar a Série C. Então, eu vou voltar, mas a experiência está sendo incrível. Só tenho que agradecer a Már-cio Mossoró por essa oportunidade”, declarou, lem-brando sobretudo a oportunidade de ter conhecido Cristiano Ronaldo.

Atuando pelo time do Braga no Campeonato Português

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A passagem de Márcio Mossoró pelos campos de Mossoró foi muito pequena. Ainda juvenil, o jogador foi levado da Escolinha do Israel, localizada no bairro do Alto São Manoel, para o Ferroviário, clube da cidade de Fortaleza. No Ferrão, se profissionalizou aos 18 anos, em 2001. Depois ainda atuou pelo Santa Catarina, clu-be que disputava a segunda divisão do Campeonato Catarinense.

Nos campos de Santa Catarina chamou a atenção de empresários, que o levaram ao Paulista de Jundiaí-SP ainda em 2002. Como era jovem, o jogador teve poucas oportunidades no início da passagem pelo clu-be. Entretanto, surgiu de vez no momento mais impor-tante. Transformou-se na referência do time na Copa do Brasil de 2005, em que o Paulista se tornou cam-peão.

“O Fluminense já se sentia campeão, porque ia en-frentar um time pequeno na final. As faixas já estavam prontas para os jogadores deles, mas a festa foi feita pelo Paulista, que tinha um time muito preparado e coeso”, lembra Márcio Mossoró, que saiu levantado pelos companheiros de time, após o título, e era o craque e capitão da equipe.

O jogador recebeu inúmeras propostas, devido ao sucesso. Ele aceitou a oferta do Internacional. Em Por-to Alegre, Márcio Mossoró esteve entre 2005 e 2008. Mossoró não se firmou como titular, mas era sempre um jogador útil. Em dois anos, atuou em 58 partidas e marcou cinco gols, além de ter conquistado a Liberta-dores em 2006 e a Recopa Sul-Americana em 2007.

No final de 2006, ficou fora da relação dos convoca-dos para o Mundial Interclubes, que foi vencido pelo Colorado. Essa exclusão arruinou a relação entre o jo-gador e o técnico Abel Braga. Por isso, o atleta foi em-prestado depois de seis meses ao Marítimo, de Portu-gal.

O Marítimo foi o quinto colocado no Campeonato Português de 2007/2008 e o jogador foi o grande des-

taque da equipe. Como o Marítimo não possuía dinhei-ro suficiente para comprá-lo junto ao Internacional, o Braga entrou na negociação e adquiriu o atleta por qua-tro anos, para o início de um projeto de revolução do Braga, que havia sido apenas o oitavo colocado na tem-porada anterior.

Márcio teve alguns problemas de contusão em seu início no Braga, mas se recuperou e se firmou como um dos ídolos do clube e líderes do projeto, que está fun-cionando. E como está funcionando!

O fato de nunca ter jogado em Mossoró intensifica o desejo do atleta em defender a camisa do seu time do coração: o Baraúnas. Márcio não esconde que é torcedor fanático da equipe e inclusive acompanha todos os jogos que pode, ao lado do filho Nick e do ex-roupeiro leonino, Marcos Heronildes.

“Nick já é Baraúnas apaixonado. É paixão de pai para filho”, brinca Márcio Mossoró.

A família de Márcio Mossoró é tradicionalmente tricolor. E uma prova dessa ligação com o Baraúnas é que o pai deles, seu Geraldo, chegou a se dizer en-vergonhado com o filho mais velho, Marquinhos Mos-soró, porque ele optou em jogar no rival Potiguar, depois de ter sido pouco aproveitado no Tricolor, em

meados da década de 90, no início da carreira de Mar-quinhos.

“Para ele, não importava se eu tivesse jogando ou não. O que ele queria mesmo era que eu ficasse no Ba-raúnas para sempre”, comenta Marquinhos.

Seu Geraldo, porém, ficou mais aliviado porque Marquinhos esqueceu a mágoa do Baraúnas e encerrou a carreira no clube em 2011. O pai deles ainda pode festejar o Tricolor torcendo também pelos filhos, já que Zezinho e Pedrinho continuam trabalhando no Leão. Zezinho segue como gerente de futebol e o meio-campista Pedrinho tem contrato até 2014. Agora, é só esperar alguns anos e ver Márcio com a camisa do Baraúnas.

MáRCIO NãO SE PROFISSIONALIZOU EM MOSSORó

ÚLTIMAS JOGADAS SERãO PELO BARAÚNAS

Márcio com o filho antes de entrar em campo

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Sob o sol escaldante do sertão, um acessório pra lá de simples pode, sim, fazer a diferença. Aliado a um protetor solar dos bons e àqueles óculos escuros, está formada a vestimenta quase oficial, do neo-sertanejo, ideal para amenizar os efeitos causticantes dos raios solares.

POR: RAILDON LUCENA

chapéu

ao bonéde courodo

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Em pleno semiárido nordestino, o boné tem essa função protetora. Mas, a peça é bem mais relevante do que isso. O município de Caicó, situado a 280km de Natal, é hoje o segundo produtor nacional de boné. Ficando atrás somente de Apucarana, no Estado do Paraná. A capital do Seridó chegou a sediar a Expoboné, em 2010, evento nacional que atraiu os olhares do Brasil para os rincões seridoenses. Além da troca de experi-

ências entre os empresários do segmento, a Expoboné gerou um volume de negócios da ordem de R$ 1 milhão.

Mas, antes de falar um pouco mais sobre os aspectos econômicos do boné, é bom voltar no tempo para saber, afinal, como toda essa história começou.

DO COURO AO TECIDOOs vaqueiros seridoenses, desbravadores do sertão, precisavam se proteger do sol e dos espi-

nhos da mata caatinga. Eram os chamados “tropeiros”. A confecção de chapéus de couro acabou emergindo diante dessa necessidade, além da produção de roupas e outros acessórios de couro. Essa tradição ecoa até os dias de hoje. As vaquejadas ainda incorporam esses elementos clássicos, como reminiscências daquela época.

Em meados da década de 80, o boné, como conhecemos, enfim, chegou a Caicó. O produto vinha de São Paulo e de Caruaru/PE. O boné pernambucano era confeccionado em tecido sem dublagem, o bico era de papelão, na parte traseira havia um elástico e a pintura era feita à mão. Os símbolos regionais eram retratados nessas peças, vendidas nas vaquejadas, junto aos chapéus de couro, produzidos em Caicó.

As chapelarias estavam em alta, mas com a base produtiva local focada na cotonicultura, logo a produção de boné ganhou força. Uma inserção bastante natural, tendo em vista a necessidade de atualizar a tradição do chapéu de couro para o novo público emergente. O boné assumia seu papel no mundo da moda, em meados dos fetichistas anos 80. E quem, diacho, não iria querer se atualizar?

Como não existiam lojas de acessórios para bonés em Caicó, os aviamentos eram adquiridos em Caruaru/PE, Campina Grande/PB e Santa Cruz do Capibaribe/PE. O bico e o regulador vinham de Apucarana/PR. Essas bases deram margem para formação do circuito produtivo do boné que hoje é forte e integra os municípios de Caicó, Serra Negra do Norte e São José do Seridó.

Geraldo dos Santos produz chapéus de couro há 40 anos, em Caicó

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NEGóCIO QUE FAZ A CABEçAO espírito empreendedor do seridoense foi prepon-

derante para impulsionar a produção regional de bonés. Os números são impressionantes. A região do Seridó conta, hoje, com 80 empresas que geram, em média, 30 empregos diretos. Cada funcionário produz cerca de 1000 peças por mês. O que representa uma produção de 2 milhões e 400 mil bonés mensais. Ou seja, o negó-cio é lucrativo e sustenta muita gente.

De olho na Copa do Mundo da Fifa, o setor bonelei-ro já está se organizando. O torneio de futebol será uma excelente oportunidade de negócios, através da produ-ção maciça de bonés promocionais. O Sebrae pretende auxiliar os micro e pequenos empresários desse seg-mento com realização de rodadas de negócios e desfiles personalizados, aproveitando muito bem esse filão.

Para o empresário Francisco das Chagas Sena de Medeiros, a Copa do Mundo vai proporcionar oportu-nidades incríveis para o segmento, levando o boné se-ridoense para todos os recantos do planeta. “Esperamos que apareçam oportunidades de negócios. Estamos preparados com produtos de alta qualidade e traba-lhando com o diferencial do marketing”, completou.

Essa organização da indústria boneleira já vem sen-do feita através do Arranjo Produtivo Local (APL) que conta com a participação das empresas da região. Tam-bém integram essa APL o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN), a Associação Seridoense dos Fabricantes de Bonés, o Sebrae a as prefeituras. As empresas participantes da APL recebem ações de consultoria, capacitações gerenciais e financeiras, aná-lise de custo e possibilidade de acesso a mercado. É uma forma e tanto de atualizar os empresários sobre as tendências do mercado, promover a capacitação dos funcionários e incentivar a adoção de novas técnicas para melhorar o produto.

HERóIS DA RESISTêNCIA

Apesar do sucesso do boné, há quem ainda resista na produção de chapéus de couro. O senhor Geraldo dos Santos produz chapéus de couro há 40 anos, em Caicó.

Ele utiliza como matéria-prima o couro de carneiro ou de bode, adquirido em Caicó ou em Cabaceiras/PB. Os seus principais clientes vêm de Juazeiro (CE) e Caruaru (PE).

Segundo ele, o chapéu de couro tem tudo a ver com o forró, não esse industrial que toca por aí, atualmente. O autêntico pé-de-serra. “A admiração dos nordestinos por Luís Gonzaga e Dominguinhos faz com que sempre tenhamos encomendas de chapéus, utilizados pelos reis do forró”, completou Geraldo.

Seguindo essa premissa, o lançamento do filme “Gonzaga – De Pai Para Filho”, do diretor Breno Silvei-ra, bem que poderia impulsionar a produção de chapéus de couro no Brasil. Ecos da pós-modernidade onde a tradição convive, muito bem, com o que há de mais o moderno. A comoção ocasionada pelo filme pode, quem sabe, gerar uma série de artigos inspirados no “Rei do Baião”, que em 2012 comemorou o seu centenário. Se-ria o retorno triunfal do chapéu de couro?

Linha de produção de indústria de bonés: um negócio lucrativo que movimenta a economia do Seridó

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POR: JOSÉ DE PAIVA REBOUÇAS

A MORTE COMO INIMIGA

Acampanha de Jailson Bento foi uma das melhores que ele já fez. Só não contava com uma inimiga impiedosa, a morte. Tudo estava certinho como manda a cartilha. A propaganda, os apoios e a participação

popular, o que o tornava favorito, mesmo sendo da opo-sição.

É obvio que tudo isso pode não passar de superstição, mau agouro ou coisa desse tipo, mas que há muita coin-cidência, ninguém duvida disso. Parece que a dita cuja caminhou contrária a seu projeto só pelo capricho de fazer injustiça. Começou deixando recado. Logo cedo, antes de Jailson decidir disputar o cargo, foi avisado da morte de um velho amigo e apoiador. Francisco Hélin-ton Parente, 65 anos, conhecido por todos como Beba Parente, era um ilustre filho de Exu, no sertão de Per-nambuco, bem no pé da Serra do Araripe. Era gerente do Parque Aza Branca, último patrimônio deixado por Luiz Gonzaga, o rei do baião, nascido naquelas terras. Um homem de estima e de muita confiança de Jailson que foi levado num dia em que o sertão nublou de tris-teza.

O candidato sofreu a perda do amigo, como ainda sofre, mas nunca desconfiou que esse aconteci-mento fosse apenas um dos episódios drásticos de sua trajetória recente. Jailson fora prefeito por um manda-to e pensava em retornar à chefia do executivo com a ajuda dos amigos. Contava com os ilustres, como o Be-ba, mas também tinha do seu lado os Alencar, outra gente importante e responsável pelo desenvolvimento do Exu. Os Alencar, da mesma árvore da heroína brasi-leira Bárbara de Alencar, nascida ali mesmo naquelas plagas, e do ilustríssimo escritor cearense José de Alen-car. Os Gonzagas, da família de Luiz, também tinham simpatia por ele que foi um dos grandes incentivadores e apoiadores da cultura gonzaguiana.

Jailson é um dos tantos que teve a oportunidade de ver Luiz Gonzaga arrastar as sandálias pelas ruas de Exu. Ainda ganhou dele um terno de futebol que o tor-nou ainda mais exuense, por poder cumprir a tradição de que todo filho da cidade tem de ter uma história com o rei do baião. Mais não era tudo: ele teve o avô, Chico Bento, citado numa das músicas do velho Lua e, isso, o tornava ilustre, mas não um besta, pelo contrário: o homem se fez um grande populista e, por conseguinte, candidato. Vem desse contexto, histórico e familiar, grande parte da coragem de continuar político, porque dinheiro ele nunca teve.

O descendente da família Bento, embora tenha sido prefeito, nunca conquistou posses. Só comprova um salário mínimo como funcionário público, mora na mes-ma casa que pode comprar faz tempo e anda num des-ses carros dos mais populares. Isso, talvez, seja o que o torna mais próximo do povo pobre do Exu. Conhece tudo pelo nome e vai tomar café e jogar conversa fora

com quem lhe der cabimento. Foi inclusive num desses passeios que ele começou a desconfiar da traição.

Partiu cedo, no sábado, véspera da eleição, para visitar Raimundo Izá, morador da zona rural, mas bateu em porta vazia. Izá tinha ido à feira. Antes de chegar de volta na cidade, o visitante recebeu a notícia: Izá morreu. No caminho para Exu, Izá, forte feito um gar-rote, sentiu o ataque nos peitos e caiu pronto. Morreu na estrada sem direito a reclamar de nada. Um golpe para o candidato que além de perder um velho amigo de prosa, seguia para o pleito com um voto a menos. Obvio que, na altura dos acontecimentos, não era essa a sua lembrança. Amigo é amigo, independente de voto, embora a situação tenha sido fatídica.

Jailson se preparava para o velório quando foi infor-mado do inusitado. Toinho, outro que gostava de ver de quando em vez, também partira, assim, sem dizer por que. A notícia foi um tiro. Perder um amigo já é ruim, agora perder dois no mesmo dia é assombração. E per-der era um verbo indigesto àquelas alturas.

Pensou um pouco em tudo isso, mas não podia se dar ao luxo. Domingo era a eleição e ele precisava votar e pedir voto até o final do dia, que quase não chega. Jailson contava com seu retorno ao comando do muni-cípio, mas não desconfiava do estrago da inimiga. Quan-do terminou a apuração é que se deu conta do golpe. Faltaram dois votos para a sua vitória. Um que fosse deixaria a eleição empatada e ele, por ser mais velho, levaria o pleito e seria prefeito. Teve 10.022 pessoas do seu lado, contra 10.023 do seu oponente, prefeito e candidato à reeleição, Léo Saraiva. Trágica coincidên-cia, duas pelo menos, mas já era tarde e não havia o que dizer: destino é destino e ele ainda tinha dois enterros para acompanhar.

Jailson Bento perdeu a eleição em Exu (PE) por ironias da morte

Crônica-reportagem•

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“Comandado por militares dos EUA, um campo aéreo brasileiro em Natal se torna a encruzilhada mundial do período da guerra”. Com essas palavras de abertura, a prestigiosa revista Life dedicou, na edição de 6 de setembro de 1943, seis páginas a uma reportagem, ricamente ilustrada, sobre a ro-tina dos soldados norte-americanos na capital potiguar durante a Segunda

Guerra Mundial. Não era para menos: um ano antes, o Departamento de Guerra dos EUA classificara Natal como “um dos quatro pontos mais estratégicos do mundo”, no mesmo nível de Suez, Gibraltar e Bósforo.

De fato, a posição geográfica do litoral potiguar – ponto mais próximo entre Amé-rica e África – permitia o controle militar do Oceano Atlântico, o que lhe transformou em ponto crucial durante o conflito. A presença dos soldados americanos mudou a cidade para sempre: a pacata capital, que contava com cerca de 40 mil habitantes e ia apenas da Ribeira ao atual Aeroclube, viu-se de repente “invadida” por um imen-so contingente militar que chegou a 10 mil soldados e ficou na cidade entre 1941 e 1947. O impacto foi imenso e duradouro.

Testemunha ocular da época, o comerciante Antônio Figueiredo Cavalcanti, nas-cido em 1933, é taxativo: “Natal só é Natal por causa daquele período, que trouxe um avanço muito grande”. Para se ter uma ideia, o Rio Grande do Norte foi o primei-ro lugar da América Latina a ter uma fábrica da Coca-Cola, a quarta do mundo, construída especialmente para atender aos militares. O natalense aprovou a novida-

Sobreviventes da geração coca-cola

Sobreviventes da geração coca-cola

Sobreviventes Mais de 67 anos

depois do fim da

Segunda Guerra

Mundial, fomos procurar o que

restou da influência

norte-americana,

responsável pela

implantação do

Trampolim da Vitória

POR: FÁBIO ARAÚJO

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de, claro. Outros costumes “modernos”, como mascar chicletes, também chegaram aqui primeiro. “Muita gente trabalhava na base e levava Coca-cola pra casa”.

“Seu Figueiredo”, como é conhecido, nunca se esqueceu das noites escuras em que todos os irmãos se juntavam no quarto sob a luz de uma única vela – a escuridão era imposta por causa do risco de ataques alemães. “A gente colocava a vela embai-xo de um alguidar (bacia de barro) para a claridade não subir. A luz ficava só no chão”, conta. O medo era alimentado por notícias como “o iminente ataque de uma esqua-drilha alemã vinda de Dacar, no Senegal”, que eram transmitidas pelo sistema de autofalantes nos postes montados por Luiz Romão nas ruas da cidade. Felizmente, a informação se provou falsa. “Era como estar na zona de guerra, pessoas desmaia-vam, não saiam de casa. Teve gente que saiu correndo e não voltou até hoje”, diver-te-se Figueiredo, dono de uma loja de eletrodomésticos na rua das Virgens, Ribeira, onde atua há 40 anos.

Ele se lembra da pista construída para fazer a ligação da cidade com a base aérea de Parnamirim. Foi a primeira do estado com uso de asfalto e correspondia às atuais avenidas Hermes da Fonseca, Salgado Filho e a BR-101. “Na época, mal dava para passar dois carros. Depois é que alargaram”. Do traçado original sobrou muito pou-co; dois trechos da marginal da BR, um em frente à fábrica da Kero-Kero e outro nas proximidades da Avenida Maria Lacerda, este ameaçado por obras realizadas pelo DNIT.

Um capítulo à parte eram os cabarés da Ribeira, points preferidos dos gringos para as agitadas noites dos finais de semana. Nomes que marcaram época e adquiram grande status na cidade, como Rita Loura, Maria Boa, Zéfa Paula. “Todas mulheres muito bonitas. Já havia cabarés antes dos americanos, mas eles cresceram muito durante a guerra. Depois, com o tempo, fecharam todos”.

O antigo Grande Hotel também vivia cheio, com grande movimento de oficiais e autoridades de vários países. A lista de famosos que passaram por Natal na época inclui o arcebispo de Nova York, dom Francis J. Spellman; o príncipe Bernard, da Holanda; o presidente do Paraguai, Higinio Morringo; as primeiras-damas dos Es-tados Unidos e de Formosa; o embaixador britânico, Noel Cherles (embaixador do Reino Unido no Brasil); o ministro das Relações Exteriores da China, T. V. Soong; atores como Humphrey Bogart e Clark Gable e músicos do quilate de Glenn Miller e Al Johnson.

Foi uma época em que o dinheiro circulava fartamente em Natal, com efeitos negativos e positivos. “Muitos engraxates de rua aprenderam inglês e diziam ‘goo-dshine, myfriend’, pois os americanos adoravam manter suas botas bem brilhosas. Eu tinha vontade de fazer isso também, pois via vários deles ganhar dinheiro e com-prar até bicicleta, mas minha mãe não deixava, dizia que era coisa de marginal”, lembra Figueiredo. Ao mesmo tempo, muitos “bandoleiros” vinham de fora atraídos pela movimentação. E o custo de vida aumentou muito na cidade. O comerciante lembra que uma dúzia de ovos aumentou de 100 para 500 réis.

“Natal só é Natal por causa daquele período, que trouxe um avanço muito grande”

Antônio Figueiredo Testemunha ocular da época

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Mais de 67 anos

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norte-americana,

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AS MATINêS – Outro integrante da nossa pri-meira “geração Coca-Cola” que guarda na memória as impressões e lembranças da época é Dinarte Bezerra de Andrade, 80 anos, tipógrafo aposentado. “A gente ia no domingo para as matinês e via o pessoal bem vestido. Todo mundo ganhava o dinheiro que os galegos despe-javam aqui. Não só bares e restaurantes, mas todos os fornecedores. Os engraxates viviam bem, ganhavam igual a gerente de loja e saíam de táxi com as namora-das”, atesta. Dinarte tinha uma irmã que trabalhava para a Pan Air e um irmão que era funcionário da Base Aérea.

Ele lembra que muitos natalenses criaram a família vendendo verduras para os americanos. “O pagamento era em dólar mesmo e era preciso trocar por mil-réis e depois cruzeiros, as moedas nacionais da época. No Grande Hotel funcionava uma casa de câmbio. Nos cas-sinos, frequentados principalmente pelos oficiais, tam-bém se podia trocar o dinheiro”, acrescenta.

Para efeito de comparação, Dinarte afirma que, an-tes dos americanos chegarem, quem tivesse uma nota de 500 mil-réis já era automaticamente considerado suspeito de ter participado do assalto ao Banco do Bra-sil, durante a Intentona Comunista de 1935. “Isso mu-dou com a guerra, pois o dinheiro apareceu, ficou far-to”.

Apesar dos benefícios, “seu” Dinarte lembra que muita gente tinha rixa contra os militares por motivos, digamos, pessoais. “Era porque eles perdiam as namo-radas para os americanos! Mas houve poucos casamen-tos. Lembro apenas de uma enteada de Kerginaldo Cavalcanti que se mudou para os EUA e não voltou mais”. Depois da guerra, conta ele, houve uma queda grande na economia. Muita gente foi embora da cidade

Tipógrafo aposentado Dinarte Bezerra, 80 anos, ia para as matinês todos os domingos

e poucos dos que permaneceram se deram bem.Aproveitando o boom econômico, Dinarte come-

çou a trabalhar cedo e diz que teve apenas infância e velhice, pois a juventude foi dedicada à labuta. “Papai era militar e se aposentou em 1943, quando comprou a tipografia Santo Antônio, na Ribeira, vi-zinha do Beco da Quarentena. Eu ia lá e comecei a gostar daquilo. O resultado foi que trabalhei 44 anos da minha vida nesse ramo. A Ribeira era uma festa naquela época, com os melhores bares e lojas da cidade”, conta.

Joan

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CAPITãO SOUZA: DE NATAL A MONTE CASTELOHoje, com 88 anos, o militar da reserva Severino

Gomes de Souza, conhecido como Capitão Souza, asse-gura que a Guerra chegou muito mais perto do Rio Grande do Norte do que se pensa. Destacado para a vigilância da então distante praia de Ponta Negra, ele garante ter presenciado combate entre um submarino alemão e um avião americano Catilina.

“Estávamos em regime de guerra, dentro de um buraco na praia, cobertos com lonas. Nossa presença era necessária porque os alemães poderiam querer sa-botar a base americana em Parnamirim, usando o rio Pium para se aproximar. O Catalina estava no horizon-te e, de repente, o submarino emergiu e abriu fogo”, conta.

Capitão Souza não sabe se a aeronave foi avariada, mas lembra que ela voltou para a Rampa, às margens do rio Potengi, onde os aviões americanos ficavam. “O submarino submergiu e desapareceu. Tempos depois, descobri que o episódio havia sido fotografado pelos americanos. O submarino tinha a identificação U-517. Em outra ocasião, também vi um bote de borracha com o cadáver de um aviador americano em avançado esta-do de decomposição, que deve ter caído em alto-mar”, diz.

O militar presenciou os dois lados da guerra. Incor-porado ao Exército em novembro de 1941, acompanhou de perto a presença americana em Natal. E, em junho de 1944, já como Terceiro Sargento, foi designado para o 1º Regimento de Infantaria da Força Expedicionária Brasileira (FEB). “Passamos dez dias no Recife, fomos de lá para o Rio de Janeiro e finalmente para a Itália. Saímos no dia 22 de junho de 1944, à meia noite. Éramos 301 norte-rio-grandenses, com 616 pernambucanos”, relembra. No total, a FEB tinha 25 mil homens.

Em solo italiano, Capitão Souza juntou-se ao 5º Exér-cito e participou dos dois ataques a Monte Castelo. “O primeiro foi um insucesso, mas no segundo nós tomamos o monte. Depois, partimos em perseguição aos alemães e combatemos novamente em Zocca”, diz. Foram cerca de dez meses na Guerra, com patrulhas constantes.

Quando a guerra acabou, o capitão estava em Pia-cenza, norte da Itália. “Era maio de 1945 e eu tomei o primeiro e único pileque da minha vida. Continuamos lá como tropa de ocupação, mantendo a ordem no pa-ís. Nossa tarefa mais importante era impedir represá-lias contra os italianos acusados de colaborar com os alemães”, afirma, fazendo questão de citar os antigos companheiros de farda: Cleantho, Alcindo, Seabra, Barbosa....

A NATAL DE 40 – Capitão Souza lembra o con-texto da Natal da época, que recebeu os militares ame-ricanos. “Era uma capital provinciana, com talvez 40 e poucos mil habitantes. Não havia vida noturna nenhu-ma. Os americanos causaram um impacto enorme, fa-zendo também a cidade inchar com uma grande popu-lação flutuante, que veio para as obras da base. Como

não havia transporte público, os próprios americanos levavam os trabalhadores para o canteiro de obras”, destaca Souza.

De acordo com ele, nessa época quase toda a popu-lação estava empregada. Quem não trabalhava para os “gringos” ia para o Exército. “O efetivo no Nordeste passou de 12 mil para 65 mil nesse período, sem falar nos quadros da Marinha, que também cresceram”, diz.

Como militar, Souza afirma que tinha quase nenhum contato com os visitantes. “Apenas socialmente, nos clubes e nas ruas”. Houve progresso econômico acen-tuado, mas os preços subiam, porque tudo passou a custar ‘um dólar’. Suprimentos comuns faltavam porque a demanda aumentou muito”, assegura. Capitão Souza foi para a reserva em 1973 e hoje reside na Zona Sul de Natal.

Joan

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Estudioso do período americano em Natal e secre-tário da Fundação Rampa, o empresário Augusto Ma-ranhão começou a se interessar pelo tema quando ser-viu o Exército na ilha de Fernando de Noronha, que também serviu como ponto de apoio aos americanos durante a guerra. Hoje, ele mantém em sua empresa um acervo com relíquias da época e sonha em viabilizar a reforma da sede da Fundação para fazer um museu sobre a presença dos EUA na capital.

“A Segunda Guerra é um tema empolgante por ter sido o último evento verdadeiramente mundial. Depois houve apenas conflitos de fronteiras, com a questão Israel/Palestina. Getúlio Vargas teve grande visão ao saber se posicionar na hora certa, ao lado das nações que trariam a indústria para o Brasil”, opina. A implan-tação da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, foi um dos ganhos com decisão de entrar no conflito ao lado dos Aliados.

Nas palavras de Augusto Maranhão, além de ter sido o melhor ponto estratégico para o embarque de suprimentos para a África, Europa e Ásia (“até a China recebeu material saído daqui”), Natal foi essencial tam-bém nas negociações políticas.

“Em 28 de janeiro de 1943, a Conferência do Poten-gi reuniu, aqui, os presidentes Roosevelt e Vargas, que selaram ali o envio das tropas brasileiras para a Guerra. Para o Brasil, participar do conflito foi um divisor de águas, o marco zero para a industrialização de um país ainda agrícola. Natal teve a maior base dos EUA, que também marcaram presença no Amapá, Pará, Ceará,

AS MEMóRIAS DE UMA NATAL DE GUERRA

Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Santa Catarina”, informa o empresário.

Maranhão diz que a presença das tropas estrangei-ras – estacionadas e em trânsito – mudou economica-mente a cidade. “A quarta fábrica da Coca-Cola do mun-do foi implantada aqui. Antes só havia nos EUA, Ingla-terra e Canadá. Hambúrguer e chiclete chegaram aqui primeiro. O dia a dia mudou, a cidade se tornou mais liberal. A Natal vanguardista que surgiu desde os anos 60, com um povo mais aberto e esclarecido, é fruto desse período”, define.

Hoje em dia, a cidade ainda guarda marcos da presença americana. A Rampa, construção às mar-gens do rio Potengi, onde os hidroaviões desciam durante a presença dos EUA, está abandonada. O Grande Hotel, na Ribeira, onde o movimento era in-tenso no período, hoje abriga um Fórum. E da antiga “Parnamirim Road”, primeira estrada asfaltada do Estado, construída pelos americanos para melhorar o acesso da cidade à base, ainda restam trechos do seu traçado original.

Segundo Maranhão, os membros da Fundação Ram-pa – criada em 2001 para preservar a história da avia-ção no RN – estão adquirindo, com recursos próprios, materiais da época. “Pretendemos restaurar o espaço cultural da Rampa para colocar o acervo, que já totali-za 300 peças, em exposição. O interesse pelo assunto está voltando a crescer e a opinião pública já pressiona os governantes a tomar providências, inclusive a res-tauração do prédio da Rampa”, afirma.

O empresário Augusto Maranhão é um estudioso do período americano em Natal

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Ponto de Vista

Nova a cada instante, a poesia

Sempre que um poeta é indagado sobre seu fazer poético, surge a pergunta: Como, ou quando, você se descobriu poeta? Às vezes: O que é a poesia

para você? Perguntas recorrentes. Márcio-André, poeta e contista carioca, no artigo A origem da Poesia, diz: “A poesia e a arte não surgiram num momento específico, mas sur-gem a cada instante e com ela o homem...”. Essa afirmação do poeta multifacetado me faz lembrar um poema de Vicente Vitoriano, ar-tista potiguar também de muitas faces: Eu me despedaço. Não continuo. / Eu sou novo a ca-da instante./ Morro e nasço./ Morro e nasço./ De uma linha para outra que eu escrevo/ Eu morro e nasço. Respondemos, então, as duas perguntas: O poeta descobre-se poeta a cada instante. E cada instante é novo. E a poesia faz nascer o homem, ou renascer. É vital.

O homem e a poesia morrem e nascem a cada instante e nesse perpétuo renascer o no-vo se impõe. Ao renascer, existe um ovo a ser quebrado, uma nova casca a ser retirada para a luz chegar e deflagrar vida. Como disse Márcio-André, a poesia e a arte não surgiram em um momento específico, estão sempre surgindo e com ela o homem (e o poeta). Con-cordando com ele, permito-me apenas uma inversão: o homem é sempre outro, e por isso a poesia, a arte, renova-se, transcende. É cla-ro que existe o pensamento coletivo de cada época, do qual não podemos nos furtar, daí o enfeixamento da literatura em escolas literá-rias. Mas cada poeta, assim como cada pessoa humana, é de seu tempo, porém o assimila a seu modo. A seu modo prepara o pão nosso de cada dia de sua compartilhada existência.

A poesia é um processo de releitura, do mundo, da alma de alguém, de uma alma em outra alma. Revela-nos Mário de Sá-Carneiro, no Poema 7: Eu não sou nem sou o outro,/ Sou qualquer coisa de intermédio:/ Pilar da ponte

de tédio/ Que vai de mim para o outro. Eu não sou eu nem sou o outro porque sou todos, e ao ser todos, matematicamente, uno conjun-tos. Há uma ponte entre nós e a vida flui sob ela, comumente, com tédio ou em festa, le-vando cada um. Por isso um poema antigo não é velho. Ao ler um poema, o leitor novo, tendo o livro de data tão pretérita, passa a lê-lo com os elos do seu tempo. O túnel entre épocas se abre, haverá um poema novo.

Temos que pensar ainda na própria natu-reza da poesia, em sua capacidade de inquie-tar. A poesia pode inquietar tanto que o mes-mo poema, lido pela mesma pessoa, incansa-velmente, é novo a cada instante. Quem não se lembra do velho ditado “Em boca calada não entra mosquito”? Porque se o espaço pa-ra a poesia for aberto, ela, poesia-mosquito, entra sem ser chamada. Faz rir ou chorar. En-gasga. Provoca. A síntese é sua maior aliada. Para que tanta palavra se basta a palavra cer-ta? Qual é a palavra certa? Poeta e leitor tor-nam-se seletivos, a poesia ensina a exigência. Mas também a premência. A permanente von-tade de ler versos.

O leitor de poesia não desiste de tê-la em livro e alma. O que não pode ocorrer é poeta desistir do seu poema. Fabrício Carpinejar, no artigo “Por que não se lê poesia?”, comenta que, ao entrevistá-lo, muitas vezes perguntam quando escreverá um romance. Diante de um poeta de inegáveis qualidades, toma-se o par-tido da prosa, vendo-a como superior à poesia. Ao responder que não pretende escrever ro-mances, diz perceber claramente o constran-gimento do interlocutor. Carpinejar visita ou-tros gêneros literários, notadamente a crôni-ca, mas a poesia é seu habitat. Corpo pequeno, nela cabem todos os romances. Todos os re-nascimentos. Quando nasce o poeta? O que é poesia? Basta isso: são novos a cada instante. Morrem e nascem. Morrem e nascem.

ANChELLA MONTE FERNANdES RiBEiRO dANTAS *

*Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas – é cearense-potiguar. Formou-se em Letras e especializou-se em Educação (leitura de imagem) pela UFRN. Publi-cou: Passagem (poesia, obra coletiva- 1976), ATO (poesia, obra coletiva/ geração mimeógrafo-1978) e, em criação “solo”, os seguintes livros, também de po-esia: A Trama da Aranha (2001, Sebo Vermelho), Temas Roubados (2006, Sebo Vermelho) e Pesos & Penas (2011, Sebo Vermelho). Faz parte das antologias As 14 mais da Poesia Potiguar (2007, org. Abimael Silva) e Presença da Mulher na Literatura do Rio Grande do norte (org. Zelma Furtado e Kacianni Ferreira). Nas revistas Preá e Oeste publicou contos.

O leitor de poesia não desiste de tê-la em livro e alma. O que não pode ocorrer é poeta desistir do seu poema."

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Eles são pessoas comuns; dormiram no anonimato e acordaram com a rotina alterada depois que um vídeo ganhou dimensões inesperadas na rede mundial de computadores

Você já imaginou dormir no anonimato, cur-tindo o dia a dia da vida de uma pessoa normal e, por acaso, acordar conhecido por milhões de pessoas, ser o assunto de todas as rodas de conversa e mais, andar

na rua e ser reconhecido por terceiros? Pois se você está na rede, cuidado, isso pode acontecer a qualquer momento. Pelo menos foi dessa forma, inesperadamen-te, que os dois personagens que vamos mostrar mais abaixo se tornaram fenômenos das multidões.

O primeiro fator a se entender, no entanto, é que essas celebridades estão longe das telonas, dos rádios e meios tradicionais de comunicação. Eles emergiram da virtualidade. Foi na Internet que os passos não pla-nejados desses “famosos” foram traçados. O segundo fator é que nada foi pirotecnicamente produzido, ou seja, eles não contaram com aula de dança, canto, ora-tório, teatro ou qualquer outra expressão artística, eles apenas foram espontâneos e criativos.

O terceiro e talvez o fator mais importante é que eles continuam sua vida normal, a fama instantânea não os fizeram mudar de profissão ou mesmo acarreta-ram grandes mudanças na vida como um todo. Não há fórmula certa para conseguir emplacar um vídeo na internet. O que se sabe ao certo é que a criatividade e a espontaneidade é um ponto em comum a todos os vídeos que “bombaram” na rede.

São artefatos de poucos minutos. Por sinal, propor-cional ao tempo que dura a fama desses “stars”. A úni-ca coisa que não é modesta na história deles é a dimen-são que eles conseguem atingir em pouco tempo. Por exemplo, você tem noção de quantos anos um artista renomado, cantores com longa trajetória, gasta para atingir um público de 10 milhões de pessoas?

Pois um garoto de apenas 12 anos, sem sair da sua casa, beira as 11 milhões de visualizações de um vídeo de apenas 3 minutos postado no YouTube. Todo o esfor-ço que o Dheymerson Lima fez, na verdade, foi brincar dublando uma canção típica para crianças. No tempo

POR: HIGO LIMA

por acasoCelebridade

livre da escola, ele colocou uma câmera caseira na co-zinha da sua casa, focou seu rosto, ligou o som do com-putador com a canção cuja letra insistentemente repe-te o trecho “e o pintinho piu, e o pintinho piu, e o pinti-nho...” e, postou no site.

Simples e, inesperadamente, o vídeo caiu nas graças dos internautas. Um acesso, que depois foi comparti-lhado nas redes sociais, ou indicado a mais um amigo, que indicou para mais um terceiro, que curtiu a posta-gem, que foi vista por mais um leque de pessoas e, de repente, o curtíssimo vídeo que fora postado em 27 de setembro de 2011, completou um mês ultrapassando a marca de 2,3 milhões de acessos.

O pai, Elias Santos Farias, tomou um susto. “Ele ouviu essa música no celular de um colega meu e pediu para passar para o Pen Drive. Quando chegou em casa repassou para o computador. Todas as vezes que eu passava por ele, ele tava cantarolando, mas sequer ima-ginei que fosse gravar”, relata o pai.

A postagem ganhou resposta em vídeo de outros internautas de outras partes do Brasil, que também fizeram postagem parodiando a canção e dialogando com o cearense Dheymerson. Uma semana depois, o Programa do Gugu já destaca a postagem como uma das mais vistas na rede. Isso foi só o pontapé inicial para uma sucessão de atrações que tomou de conta da vida do garoto. “Tive um susto quando vi os amigos comentando do vídeo. Achei que ia ficar só por aqui mesmo, mas a ficha começou a cair porque as emissoras nacionais começaram a nos procurar”, aponta.

Em pouco tempo, Dheymerson estava agendando entrevista para a Rede Record, Rede TV, SBT, canais de TV a Cabo e chegou ao ponto de receber a equipe do programa Profissão Repórter, da Rede Globo, coman-dado pelo jornalista Caco Barcelos, em casa para uma edição especial do programa que mostrou o dia a dia dessas celebridades da internet. Foram matérias em

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jornais impressos, participação em programas de rádio, convites para participar de eventos e, até mesmo a cam-panha política nas eleições municipais de 2012 pegou carona na fama do “Pintinho Piu”. Diversos candidatos produziram jingles parodiando a letra da canção.

E o que mudou na vida do garoto? Tudo! Uma brin-cadeira que se tornou coisa séria dentro de casa. De-pois do susto, o pai e a mãe Eliana Lima Faria conver-saram com o filho a fim de cuidar e ajustar a situação em casa. Para mais uma surpresa do Elias, Dheymer-son – filho único – decidiu que queria aproveitar o momento e estender os “quinze minutos de fama”. A família pegou carona e hoje se desdobra para dar assistência à criança.

O pai, por exemplo, abandonou o emprego de car-teira assinada como motorista em uma padaria para buscar apoios e agenciar o filho. Atualmente, ele luta para conseguir produzir um CD infantil devido “a gran-de procura que temos de pessoas convidando para que ele participe de eventos”, diz Elias. O último passo de Dheymerson foi a participação no programa Astros, do SBT, cuja descrição da atração visa “caçar e premiar a nova estrela da música nacional”.

E o garoto cearense está no páreo. Ele agora busca uma segunda chance através de uma votação na inter-net para a disputa que irá escolher a atração mais vo-tada. “É um sonho para ele porque é uma chance de ganhar a produção de um CD infantil”, repassa o pai.

A vOZ DA EDUCAçãOO fator “surpresa” também é a palavra que define a

dimensão recebida pelo vídeo da professora Amanda Gurgel com seu discurso realista e incisivo ao desnudar a realidade do professor da rede pública de ensino. Para contextualizar, Amanda participava de uma Audi-ência Pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte para discutir questões relacionadas à Educa-ção.

Na bancada oficial estavam deputados representan-do a Casa, além da professora Betânia Ramalho, titular da Secretaria de Estado da Educação e Cultura (SEEC). Depois que todos expuseram seus posicionamentos, a professora pediu a palavra e, surpresa: iniciou suas palavras expondo as cifras do seu contracheque (à épo-ca, R$ 930) que, segundo ela: “não pagaria sequer as indumentárias para os senhores [os que estavam na mesa] estarem aqui [na audiência]”.

O vídeo foi o pontapé inicial de um discurso que expôs as “feridas”, sem cerimônia, do ofício de ensinar justamente para os gestores da Educação. A diferença da professora Amanda Gurgel para o exemplo do cea-rense acima é que a produção do vídeo não foi feita por ela. Na verdade, ela sequer sabia que estava sendo filmada enquanto falava. A surpresa mesmo veio quatro dias depois quando o “percurso formiguinha” transfor-mou o vídeo no mais novo viral da internet.

Ela garante que o discurso não foi premeditado: “construí a fala na hora mesmo, depois que eu ouvi a explanação das autoridades”, garantiu. E, ainda mais inesperadamente, sua fala começou a se espalhar e receber apoio de professores e pessoas comuns de todas as partes do Brasil. Os convites, claro, não faltaram. Além do assédio da imprensa local, ela deu entrevista para as principais emissoras do país e ainda foi uma das principais convidadas do programa Domingão do Faus-tão, uma das principais atrações dominical da Rede Globo, para comentar o sucesso.

Até o dia 20 de novembro deste ano, a postagem do vídeo no YouTube já havia ultrapassado a cifra dos 2,3 milhões de acesso e mais de 11.800 comentários.

Amanda sempre fez questão de ponderar o efeito

avalanche de sua fala. Em entrevistas, sempre destacou que gostaria que toda a repercussão se concentrasse ao seu discurso – com foco na luta pela educação – e não no apelo à sua imagem. Porém, o uso da imagem da professora potiguar foi inevitável, uma vez que sur-giram perfis falsos no micro blog Twitter após o estou-ro do vídeo. A professora se tornou uma pessoa pública, sendo convidada para participar de eventos – como pa-lestrante – e logo se cercou de uma assessora, receben-do página na internet, contas nas redes sociais e afins.

Amanda é professora de Língua Portuguesa e está dentro da sala de aula desde 2002, um ano após ingres-sar no Ensino Superior, quando iniciou sua carreia dan-do aula no Cursinho do DCE. À época da Audiência, ela estava lotada na rede municipal de Natal, mas encabe-çando o movimento grevista em curso.

O vídeo da professora Amanda Gurgel defendendo a educação se tornou viral na internet e a levou para a Câmara dos Vereadores

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FAMA COM DATA DE vALIDADEA internet está na nossa vida quase que de forma

indissociável, haja vista a consolidação de uma socie-dade cada vez mais fortalecida em plataformas de co-municação e amplo apelo da imagem. Porém, especia-listas alertam para o cuidado com o inverso: a vida e o cotidiano imerso na virtualidade de forma a perder os limites da exposição.

“É natural que todos queiram ser percebidos. De certa forma, a internet facilitou a atração de novos olha-res para a nossa individualidade, tornando-nos cada vez mais integrados ao nosso meio”, diz a psicóloga Nádia Vanderlânia Dias, ao alertar para os cuidados com o excesso: “até que ponto o meu eu precisa ser visto e exposto na rede? Os internautas devem pensar duas vezes antes de postar qualquer conteúdo porque, não esqueçamos, depois que cai na rede, qualquer um, sobretudo aqueles que nem conhecemos, poderá nos ver em qualquer momento”.

A internet é uma plataforma razoavelmente nova e a sua disseminação nas camadas mais populares da

população começa a se ramificar na mesma velocidade que os seus usuários descobrem os seus mistérios, al-cançam os seus fetiches. Portanto, é inevitável que os desavisados acabem vitimados dos perigos da rede.

Para evitar isso, o psicólogo Fred de Sousa aponta a família como o melhor meio para evitar os danos e, recomenda ele, aproveitar os “quinze minutos de fama”: “existem dois pontos que devem ser medidos. De um lado temos aqueles usuários que têm uma estrutura familiar e uma personalidade bem definida; já no outro ponto, há aqueles que carecem dos dois fatores”.

Para o primeiro, Fred é otimista e diz não haver problema quando a pessoa usa do momento para tirar bons proveitos, desde que “ela saiba que aquilo é mo-mentâneo e não necessariamente irá fazer parte do cotidiano dela”. Isso é importante porque, segundo ele, evita que o usuário que caiu na rede descarte a possi-bilidade de uma depressão, ou mesmo necessidade excessiva de visibilidade.

Já para o segundo caso, a família deve estar próxima. No caso dos mais jovens, é importante que ela acompa-nhe o que está sendo feito pelos filhos na rede. “Não se pode esquecer que essa ‘fama’ tem data de validade e é preciso ter cautela para analisar tudo de novo que está acontecendo na sua vida para poder ponderar os pontos”, alerta Fred de Sousa.

O professor Eugênio Bucci, da Escola de Comunica-ções e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), aponta que a personalidade nascida do dia para a noite é da natureza da indústria do entretenimento. “O que faz de uma celebridade instantânea ou não é a capaci-dade de abastecer a condição de celebridade por mais ou por menos tempo”, atesta.

E essa capacidade de segurar a sua “fama”, na ver-dade, é uma luta que nem sempre prossegue. Enquan-to a professora Amanda Gurgel conseguiu estender a sua voz de um simples vídeo na internet para o cenário político – defendendo a sua bandeira – o garoto Dhey-merson Lima continua com o seu pai tentando emplacar o sucesso no seu cotidiano. O segundo vídeo do cearen-se (O pintinho piu 2 "novo" (a véia do pintinho piu) a volta) não conseguiu alavancar a mesma repercussão. Postado em janeiro deste ano, chegou ao meio de no-vembro com pouco mais de 135 mil visualizações.

A repercussão da postagem ganhou outras vozes e ecoou através do compartilhamento de grandes nomes do cenário nacional. É o caso do músico Gilberto Gil e Zélia Ducan que comentaram sobre o vídeo no seu mi-croblog. Até mesmo a professora Betânia Ramalho, secretária de Educação, reconheceu em entrevista o realismo das palavras da professora. “É uma situação que assola a educação e ela colocou com muita realida-de esse quadro”, justificou a gestora.

O vídeo de Amanda foi postado no YouTube no dia 10 de maio de 2011. E, pouco mais de um ano depois,

os passos da professora foram alargados. Ela entrou na disputa por uma vaga na Câmara dos Vereadores de Natal e, não só foi eleita, como também se consagrou a vereadora mais votada em números absolutos da his-tória da capital.

Filiada ao Partido Socialista dos Trabalhadores Uni-ficados (PSTU), Amanda angariou a confiança de quase 33 mil eleitores que, com ela, ajudaram a puxar outros dois candidatos da coligação PSTU-PSol. “Vou levar a minha voz, a voz da Educação, para dentro da Câmara”, garante.

dheymerson Lima dublou o ‘Pintinho Piu’ e agora tenta emplacar uma carreira depois de conseguir quase 11 milhões de visualizações

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Percorremos, em dois dias, o sertão-berço do rei do baião, Luiz Gonzaga, e descobrimos que, além de mito da música brasileira, ele foi o homem mais generoso que pisou pelo sertão; mais que artista, Gonzaga foi o maior coração do Nordeste.

POR: JOSÉ DE PAIVA REBOUÇAS

100 anos do mito e

do homem

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Não há luar como este do sertão. A modinha sertaneja criada por João Pernambuco e o maranhense Catullo da Paixão Cearen-se se tornou uma verdade universal. Luiz Gonzaga, que sabia disso, cantou e de-

cantou essa canção até torná-la outro hino nordestino. Com um talento nato de transformar tudo que cantava em ouro, Gonzaga, que também era Lua, refez o Nor-deste com a sua voz. Nos 100 anos de seu nascimento, o pernambucano do século 20 não só firmou-se como a maior referência de nordestinidade do mundo, como também devolveu ao homem sofrido da caatinga a iden-tidade perdida com o tempo.

Foi o retorno às suas origens que tornou Gonzaga a estrela do Nordeste. Sem saber, ele concretizou a pre-missa do maior escritor russo da história e um dos maio-res do mundo, Leon Tolstói: canta a tua aldeia e serás universal. Ao perceber que os ritmos estrangeiros não lhe dariam futuro, foi buscar em suas origens a inspira-ção para compor a sua ópera do sertão, uma espécie de crônica musicada que determinou o sucesso enquanto artista, mas também a sua missão como defensor das origens sertanejas. Isso tudo determinou a construção

do ídolo, entretanto, ao pisar o chão de Exu para exalar o clima gonzagueano, nos deparamos com algo mais forte que a própria música: o Gonzaga humano, que também foi mitificado, mas de outra maneira: pela sua bondade e generosidade.

DE SERTãO A SERTãO – De Mossoró até Exu, no Pernambuco, beira os 500 quilômetros sertão adentro. Uma estrada viva que vai se construindo em cada verso musicado pelo maior ídolo da música nor-destina. A paisagem ressequida da caatinga esconde milhões de vidas entre os organismos xerófilos, imagens comuns retratadas pela xilogravura dos mestres catin-gueiros. 2012 é ano de seca, de sofrimento para o homem do campo que vê seu gado morrendo de sede e fome, que também não sabe se terá o de comer mais tarde. Porém, ao contrário do retrato cantado na Triste Parti-da, o sertanejo tem motivos para estar em festa. É ano do centenário de Luiz Gonzaga, Rei do Baião.

Logo nos primeiros quilômetros da viagem, perce-bemos como é forte a imagem do Rei do Baião. Bastá-vamos, ao pedir informação na estrada, informar sobre o nosso destino que, ao perceber o carro da reporta-

No dia 13 de Dezembro, uma sexta-feira, nasce,

na fazenda Caiçara, terras do barão de Exu, o segundo dos nove fi lhos do casal Januário José dos Santos e Ana Batista de Jesus, que na pia batismal da matriz de Exu recebe o nome de Luiz (por ser o dia de Santa Luzia) Gonzaga (por sugestão do vigário) Nascimento (por ter nascido em dezembro, também mês de nascimento de Jesus Cristo).

Nasce no dia 05 de Janeiro, Humberto Cavalcanti Teixeira

Luiz Gonzaga, com apenas 8 (oito) anos de idade substitui um sanfoneiro em festa

tradicional na fazenda Caiçara, no Araripe, Exu, a pedido de amigos do pai. Canta e toca a noite inteira e, pela primeira vez, recebe o que hoje se chamaria cachê; o dinheiro - 20$000 (vinte mil réis). Antes mesmo de completar 16 anos, "Luiz de Januário", "Lula" ou Luiz Gonzaga já é nome conhecido no Araripe e em toda a redondeza, como Canoa Brava, Viração, Bodocó e Rancharia.

1912 1915

1920

CRONOLOGIA DA vIDA DE LUIZ GONZAGAHouve uma grande cheia e o rio Brígida subiu de nível, inundando os arredores. A casa de Januário foi atingida,

encheu de água, obrigando a família a se mudar. Foram morar no povoado do Araripe, na Fazenda Várzea Grande. A pedido do coronel Manoel Ayres de Alencar, (Sr. Ayres) chefe político local, Luiz, já um caboclo taludo, vai com este a Ouricuri para tomar conta de cavalo. Chegando lá vê um fole Kock de oito baixos, marca Veado, pelo qual fi ca louco e passa a amolar o coronel por causa dele. No mês seguinte, repetindo a viagem, o político concorda em pagar a metade dos 120 mil réis do fole, desde que Luiz arque com o resto, o que fez sem muita difi culdade, pois a essa altura já estava ganhando tanto ou mais que o pai, para tocar.

1924

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gem, o informante compreendia a nossa peregrinação. “Terra de Luiz Gonzaga”, diziam. Na medida em que avançávamos, íamos descobrindoo quanto o sertão se transformou e ainda assim, era o sertão de Luiz. Pastos vazios, rios sem água, gado morto na estrada denun-ciavam a estiagem brusca que se alastra feito uma serpente sobre o dorso do sertão; contudo, por todas as cidades uma linha de contentamento. Anúncio de festas, feiras lotadas e gente falando alto com toda a sua nordestinidade, uma prova do avanço político dos últimos dez anos.

Em mais de cinco horas de viagem, cortamos um dos pedaços mais emblemáticos do Nordeste. Na Paraíba cruzamos as cidades de São João do Rio do Peixe, terra das águas milagrosas do Brejo das Frei-ras, e a belíssima Cajazeiras, no extremo ocidente paraibano. Entramos no Ceará pela microrregião de Barro, mesorregião do Sul Cearense, com uma cida-dezinha do mesmo nome (Barro), localizada um pou-co antes de Milagres e suas gigantescas linhas de transmissão da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf). Entrando pela cidade de 30 mil habitantes, cortamos caminho para Missão Velha,

Barbalha, Juazeiro do Norte e Crato, última cidade do Ceará antes de entrar no Estado de Pernambuco. Cariri e microrregião do Araripina, terra da gipsita e das florestas petrificadas. Nesse momento, o Nor-deste gonzaguiano se reestrutura em nossas cabeças e as placas de sinalização começam a explicar muitas palavras das músicas ouvidas desde o tempo de me-nino. Quase todas cidades: Rancharia, Salgueiro, Bodocó...

Na descida da serra do Araripe, a mata atlân-tica da Floresta Nacional do Araripe-Apodi confunde o sertão. 39 milhões de hectares de mata virgem deixam o clima ameno e resfriado. Depois das curvas perigosas ladeira abaixo, uma reta interminável impacienta e es-tica o tempo. Parece que nunca chega. Uma pequena curva e outra reta a perder de vista. Quase 14h e, nem eu nem Francisco Chagas, o fotógrafo, havíamos almo-çado, quando avistamos, em frente a um posto de fis-calização da Polícia Militar, um restaurante caseiro, coisa muito simples, mas com um ar sertanejo adequa-do para a excursão. Nem imaginávamos que ali, naque-le pequeno lugar, começaríamos a contar a história de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

Início real de sua vida artística, quando

tocou seu primeiro "samba" ganhando dinheiro. Começou também a estudar no grupo de escoteiros de um sargento da polícia do Rio de Janeiro chamado Aprígio. Seu amigo Gilberto Ayres, fi lho do Cel. Ayres, o convenceu a mudar-se para a cidade, deixando o Araripe. Hospedaram-se na casa de Dona Vitalina e o amigo Gilberto foi seu primeiro empresário.

Conhece Nazarena, por quem se

apaixona e com quem namora às escondidas. Rejeitado pelo pai da moça, de família importante, vai tirar satisfações da desfeita armado com uma faquinha, após uns goles de cana. Leva uma surra de Santana, e foge de casa para o Crato, no Ceará, onde vende sua sanfoninha de 8 baixos.

1926 1929 Luiz Gonzaga aumenta sua idade para sentar praça no Exército, na cidade de Fortaleza. Com o advento da Revolução de 30, segue em missão militar pelo Brasil

como soldado Nascimento. Mestre Januário consegue reaver a sanfona vendida no Crato por 80 mil réis, através de um amigo, o Sr. José Lindolfo.

1930

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O SOLDADO, A COZINHEIRA E O BANCáRIOMal desci do carro e um PM fardado me deu boas-

vindas. Parecia que me esperava. Provando um aperi-tivo e conversando com outros três sujeitos numa mesa ao lado. Um deles bêbado às quedas. Lá de dentro se apresentou a dona do estabelecimento, Maria José, co-nhecida como Dona Chuta, que também parecia prepa-rada para atender os visitantes. Levou-nos para a cozi-nha e foi debulhando o rosário enquanto nos preparava o almoço. Já estávamos no município de Exu, sertão pernambucano, há poucos quilômetros da cidade onde Luiz nasceu e viveu sua meninice e seus últimos dias. Ali mesmo, começamos a ouvir as primeiras histórias e definir um novo perfil do filho de Januário.

Dona Chuta só encontrou Luiz Gonzaga duas vezes, uma delas foi no meio da rua. Ela passou por ele e não teve coragem de cumprimentá-lo. A outra foi num mo-mento muito delicado. Era setembro de 1983, um ano tão seco quanto este que vivemos. Gonzaga chegou em Exu trazendo um caminhão carregado de feiras para distribuir com os pobres, uma delas foi para dona Chu-ta. “Recebi minha feira das mãos dele, foi uma bênção que chegou na hora certa”, comenta.

Mário, o soldado, foi funcionário da extinta Tele-comunicações de Pernambuco (TELPE) e era quem

Por não conhecer a escala musical,

é reprovado num concurso para músico numa unidade do exército, em Minas Gerais. Vira soldado-corneteiro e ganha o apelido de “bico de aço”.

Gonzaga aprende a tocar sanfona

de 120 baixos em Minas Gerais, com um soldado de polícia chamado Domingos Ambrósio. Para treinar, adquire uma sanfona de 48 baixos e aproveita as folgas da caserna para tocar em festas.

1933 1936

atendia Luiz Gonzaga quando ele precisava falar com seu povo no Rio de Janeiro, na época em que telefone era um bem público. “Ganhei dele uma ‘caixinha’ (gor-jeta) que era três tantos o valor da ligação”, disse o PM. Lá de fora, um dos três sujeitos se aproximou e contou a sua. Era Antônio Juarez, o “Tuba”. Ele era funcionário do extinto Banco do Estado de Pernam-buco (BANDEPE) e uma das pessoas que atendia Luiz Gonzaga no Exu. Por conta disso, foi convidado pelo Rei a fazer sua contabilidade no Parque Aza Branca, propriedade onde Luiz morava e mantinha uma pou-sada. “‘Caba feio’”, era como Luiz me chamava, “‘Vá almoçar lá em casa pra gente conversar’”, repetiu o ex-funcionário.

Tuba foi contemporâneo e colega de trabalho de outro ilustre artista da música brasileira, Santanna, o Cantador. Santanna era gerente de contas do Bandepe e responsável pela conta 0001 que pertencia a Gonzaga, um dos responsáveis por levar a agência para Exu. A admiração pelo Rei transformou-se em grande amizade, tanto que ele participou de vários shows seus, fazendo a abertura e, em seguida, fazendo vocal. Hoje, Santan-na, ao lado de Dominguinhos, é considerado outro her-deiro do forró autêntico de Luiz Gonzaga.

Dona Chuta, a mulher que recebeu uma feira de Luiz Gonzaga;Mário, o soldado que já foi atendente do velho Lua.

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Luiz Gonzaga dá baixa das Forças Armadas, impulsionado por um decreto que proibia para os soldados um engajamento superior

a dez anos no Exército. Desembarca no Rio com bilhetes comprados para Recife, de navio, de onde pretendia voltar de trem para o Exu. Enquanto aguardava a chegada do navio que o levaria ao Recife, resolve conhecer o Mangue, o bairro boêmio vizinho. E lá, com sua sanfona Honner branca, faz sucesso tocando valsas, tangos, choros, foxtrotes e outros ritmos da época. Através de um músico amigo, o baiano Xavier Pinheiro, casado com uma portuguesa, Gonzaga vai morar no morro de São Carlos, à época tranqüilo reduto português no Rio.

1939

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A POUSADA RIO BRíGIDA E A CIDADE DO EXUAo entrar na cidade do Exu, percebemos um pou-

co mais da dimensão da importância de Luiz Gonza-ga para aquela terra. O posto de combustível, a far-mácia, a funerária, a sorveteria e até as pousadas levam o nome ou fazem referência ao Rei. As refe-rências, na verdade, são todas da própria região, mas como foi imortalizada nas mais de 600 músicas gravadas pelo mestre da sanfona, é difícil separar. A pousada onde ficamos hospedados leva o nome de Rio Brígida, nome do rio que nasce em Exu e desagua no São Francisco, banhando 15 outros municípios numa extensão de 15 mil quilômetros quadrados. Era desse rio que Januário e Santana, pais de Luiz, tiravam a água do dia a dia e foi nas suas margens que, na década de 1920, eles se esconderam por, três dias, do bando de Lampião que diziam que ia passar pela fazenda Araripe no rumo de Juazeiro, o que nun-ca aconteceu.

A pousada simples no Centro da cidade é uma re-ferência para os visitantes, muitos, principalmente às vésperas do centenário do rei. Todo mundo se pre-parava para a maior festa da história da cidade desde que Luiz Gonzaga construiu o parque Aza Branca, na década de 80, com seu retorno ao município de forma

mais efetiva. Por essas alturas, todas as acomodações da cidade estavam alugadas para a semana do 13 de dezembro, data de aniversário de nascimento do rei, além de algumas casas alugadas a preços exorbitan-tes, entre R$ 7 mil e R$ 12 mil pela temporada.

O evento se organizou para ser grande, mas basta-va um olhar rasante para perceber que nem o povo nem o Município tinham se preparado para aquilo tu-do. Não que fosse novidade, porque todo ano a festa é grande, mas por nunca terem se dado conta da dimen-são do filho ilustre. A impressão, compartilhada por Ana, dona da pensão e outros exuenses, é que o Muni-cípio não se interessa ou não sabe usufruir do potencial turístico e econômico deixado por Gonzaga. Mesmo com toda a atração e a imprensa do país inteiro volta-da para o lugar, tudo caminha lentamente, sem monu-mentos e sem atrativos, como se tudo fosse meramen-te virtual. As únicas referências feitas pela prefeitura é uma praça na entrada da zona urbana, apelidada de “pirulito” por causa do busto do Rei instalado dentro de uma estrutura redonda, e um uma estátua de barro no trevo para a fazenda Araripe que, dizem as fofocas, custou 800 reais.

Embora conhecida nacionalmente, Exu ainda expõe, timidamente a imagem de Luiz Gonzaga

Praça em homenagem ao Rei do Baião é única referência material feita pelo poder público

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Como outros artistas disputa à duras penas um lugar ao Sol. Toca todo tipo de música, de Blues a

Foxtrotes; imita artistas famosos da época, como Manezinho Araújo, Augusto Calheiros e Antenógenes Silva. Começa a apresentar-se em programas de rádio, como calouro. Luiz Gonzaga modifica o seu repertório, pressionado por estudantes cearenses, e consegue tirar nota máxima no programa Calouros em desfile, de Ary Barroso, na Rádio Tupi, executando a música Vira e Mexe, um “xamego” (chorinho) lá do seu pé-de-serra. Pouco tempo depois vai trabalhar com Zé do Norte no programa A hora sertaneja, na Rádio Transmissora. Chega ao Rio seu irmão José Januário Gonzaga (Zé Gonzaga), fugindo da seca devastadora e trazendo um pedido de ajuda por parte de Santana. Zé Gonzaga passa a morar com o irmão.

1940 5 de março. Data da primeira participação de Luiz Gonzaga numa gravação da Victor, atuando como sanfoneiro da dupla Genésio Arruda e Januário França, na “cena cômica” A viagem de Genésio. Seu talento chama a atenção de Ernesto Augusto Matos, chefe do setor de

vendas da Victor. E no dia 14 de março Luiz Gonzaga grava, assinando pela primeira vez como artista principal, e exclusivo da Victor, quatro músicas que são lançadas em dois 78 rotações. É publicada a primeira reportagem sobre Luiz Gonzaga na revista carioca Vitrine, com o título Luiz Gonzaga, o virtuoso do acordeom. Ainda em 41, Gonzaga grava mais dois 78 rotações. O sucesso havia chegado, e Gonzaga já era chamado como “o maior sanfoneiro do nordeste, e até do Brasil”. Foi quando apareceu Dino, violonista de sete cordas que tinha a mania de apelidar todo mundo. Ao ver a cara redonda de Luiz Gonzaga Dino imediatamente o chamou de Lua.

Nasce em Garanhuns José Domingos de Morais que viria a ser o sanfoneiro Dominguinhos, de quem Luiz Gonzaga se tornou um segundo pai e que o tratava como "pai impostor".

1941

Dominguinhos

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JOQUINHA GONZAGA, O SOBRINHO DO REI

A primeira visita do dia foi ao sobrinho de Luiz Gon-zaga. Joquinha Gonzaga é o último parente direto do Rei que ainda vive em Exu, mesmo tendo nascido no Rio de Janeiro. Sanfoneiro dos bons começou a acom-panhar o tio em 1975, ficando de 1981 até 1989 no grupo principal.

Era final da tarde e nós chegamos à casa de Joquinha minutos depois de ele ter chegado de Recife, de um show. Viagem maior do que a nossa, de mais de 600 quilômetros. Aparentava muito desgaste físico, mas outro cansaço chamou-nos a atenção. Nos últimos tem-pos a quantidade de jornalistas lhe procurando para falar o mesmo assunto modificou sua rotina e lhe pro-vocou um pouco de enfado. Mesmo assim nos recebera com a espontaneidade que lhe fora possível.

No sofá da sala, na companhia da sua esposa Nice, muito gentil, Joquinha contou particu-laridades do Rei. “Gonzaga conversava com qualquer um como se fosse da família, por isso, ficaram de seu lado gente boa e gente ruim”, revelou o sobrinho, norteando dois assuntos reveladores sobre Gonzaga: que ele dava tudo que tinha ao povo e que acabou morrendo pobre.

Joquinha também não escondeu o desgosto que a família tinha de He-lena, mulher de Luiz. Segundo ele, no final da década de 1940, o Rei levou sua família composta pelo seu pai Januário, sua mãe San-tana, suas irmãs Muniz (mãe de Joquinha), Geni, Socorro e Chiquinha Gonzaga (que depois se tornou uma refe-rência da sanfona) e seus irmãos Aluízio, Zé Gonza-ga e Severino Gonzaga pa-ra morar com ele no Rio de

Janeiro. Januário voltou logo para o Exu, mas as mulhe-res ficaram morando num quartinho dos fundos do apartamento do casal, no bairro Maria das Graças, re-gião do Méia. Como Luiz vivia no mundo, a mãe e as tias ficavam se submetendo aos gostos e desgostos de He-lena e de sua mãe que também moravam no apartamen-to. “Minha mãe contava que quando tio Luiz chegava, Helena fazia enredo e ele ainda brigava com elas”, dis-se Joquinha.

Quando elas não aguentaram mais é que Luiz resol-veu comprar o sítio Santa Cruz da Serra e formar o primeiro núcleo nordestino do Sul, abrigando o resto da família e construindo um pedaço do Nordeste no Rio de Janeiro. “Lá tinha festa com frequência, casamentos,

batizados e tio Luiz sempre estava lá”, disse Joqui-nha. “Luiz Gonzaga era uma pessoa normal

que não se abalava com o que as pessoas achavam dele e não tinha noção do poder que tinha”, completou.

(Veja mais no site: www.defato.com)

Joquinha Gonzaga tocou 14 anos com o tio Luiz Gonzaga

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Inspirado no sanfoneiro catarinense Pedro Raimundo, Gonzagão passa a se apresentar vestido de nordestino.

Consegue então o que desejava. Grava seu primeiro disco tocando e cantando, a mazurca Dança Mariquinha, parceria com Miguel Lima. Querendo dar um rumo mais nordestino para suas composições, procura o maestro e compositor

Lauro Maia, porém, ele apresenta-lhe o cunhado, o advogado cearense Humberto Cavalcanti Teixeira, com quem Luiz Gonzaga viria a compor vários clássicos.

No dia 22 de setembro, nasce de uma relação com a cantora Odaléia Guedes dos Santos o Seu fi lho Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior.

1943 1945

Gonzaguinha

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Pelas contas de Priscila Vicente dos Santos, no dia 21 de novembro ela completou 90 anos, mas pe-lo Exu a conversa é outra. Há quem diga que ela já beira os 100 faz tempo. A desconfiança não é para menos, Priscila viu quando Gonzaga, ainda menino, saiu dizendo que ia tocar no Crato e só voltou 16 anos depois. Embora seja uma peça fundamental na contação da história de Luiz, ela foi uma das poucas pessoas que não recebeu uma pontinha da herança do Rei. Mora numa casinha comprada com a ajuda da família e dos amigos e vive sob os cuidados de duas pessoas que se revezam. Quando nem um nem outro está, Priscila fica sozinha, sentadinha numa cadeira no terraço da cozinha esperando o tempo passar. Coisa difícil para quem passou por um sécu-lo com tanta lucidez.

O olhar cansado, um pouco triste, denuncia o tempo, mas a voz encanta pela delicadeza. Parece uma menina falando. A claridade da memória dessa senhora é outra surpresa. Lembra-se de tudo e con-ta como se tivesse sido ontem. Ri quando se lembrou da surra que Santana deu em Luiz quando ele se meteu a brigador e recorda que pediu para que ela parasse. “Bata nele não mãe Santana”, repete jogan-do o olhar para uma distância inalcançável.

Conta Priscila que tinha de 6 para 9 anos quando sua mãe morreu e ela, que morava pelo Araripe, ficou vivendo na casa de Santana. No filme “Gonzaga – de pai pra filho” Priscila está numa rede quando o me-nino Luiz vai saindo pela porta. Ela é a única que o vê e pergunta aonde ele vai. Mas ao contrário do que mostra na película, ela recorda que o fujão ainda passou uns oito dias amuado e sem querer trocar de roupa antes de empreitar a fuga. Outra aparição dessa personagem no longa-metragem é quando Gonzaguinha vai ao Exu em busca do pai que está em crise na carreira. Ela intervém para que Luiz tenha mais paciência com o filho e ajuda na reapro-

ximação. “Gonzaguinha foi muito querido. Ele tam-bém foi uma criatura que foi dos meus braços e ele dizia que eu era a pessoa mais importante da família Gonzaga”, diz sorrindo.

Gonzaguinha tinha sua razão. Priscila dedicou sua vida a cuidar de sua família, inclusive no Rio de Ja-neiro. Ficou lá até perto dos 40 anos, quando precisou voltar para cuidar de uma irmã. Do sítio Santa Cruz da Serra recorda das festas e dos vários artistas que conheceu como Carlos Galhardo, Orlando Silva, Eli-zete Cardoso, Emilinha Borba e tantos outros que iam para o aniversário de Luiz Gonzaga. O tempo era de festa e é assim que ela se lembra do Rei que, para ela, era mesmo que um irmão. “Luiz foi um chefe de fa-mília que não deixava faltar nada”, completa. Sua pior lembrança de Gonzaga é dos dias que ficou com ele no Hospital Santa Luzia no Recife. “Quando a gente pensava que daquele estado ele não se levantava mais, deixava a gente muito arrasada”, finalizou.

(Veja mais no site: www.defato.com)

Priscila cresceu com Luiz Gonzaga e esteve ao seu lado até a morte

A MENINA CENTENáRIA

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Depois de receber a visita de Santana,

Gonzaga volta à sua terra, Exu, após 16 anos ausente. No retorno para o Rio, passa pela primeira vez no Recife, participando de vários programas de rádio e muitas festas. Nesse momento conhece Sivuca, Nelson Ferreira, Capiba e Zé Dantas, estudante de medicina, músico por vocação, apaixonado pela cultura nordestina.

Luiz Gonzaga grava em março o 78 rpm que se tornaria um clássico da música brasileira: a toada Asa Branca, sua terceira parceria com Humberto Teixeira,

inspirado no repertório de tradição oral nordestina. A partir desse ano, Luiz Gonzaga adota o chapéu de couro semelhante ao usado por Lampião, a quem tinha verdadeira admiração. Num domingo de julho, Gonzaga conhece na Rádio Nacional, a contadora Helena das Neves Cavalcanti, e a contrata para ser sua secretária. Casa-se com ela em 1948.

1946 1947 Aproveitando uma folga entre as gravações,

Luiz Gonzaga leva a esposa e sogra para conhecerem o Araripe, e sua terra Exu. Porém, grande violência que marcava a disputa entre as famílias Sampaio e Alencar ameaçava sua família, ligada aos Alencar. Preocupado, Gonzaga aluga uma casa no Crato, para onde leva seus pais e irmãos, enquanto preparava a mudança de sua família para o RJ, o que ocorreu ainda em 49.

1949

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O vAQUEIRO DO REINós já tínhamos visto Zé Praxedes na casa de Mun-

dica no dia anterior, mas só soubemos que era ele quan-do fomos visitar a casa de Januário no Parque Aza Bran-ca, na saída de Exu para a fazenda Araripe. Um negro médio de olhos caídos, mas de riso frouxo. Contando 80 anos, trabalhou como vaqueiro de Luiz Gonzaga du-rante 21 anos, de 1968 até 1989, ano de sua morte.

Começou a função ainda na fazenda Araripe, indo para o sítio Itamaragi, hoje Parque Aza Branca. No co-meço, cuidava de um sítio de banana e de umas vaqui-nhas, mas logo o rebanho aumentou chegando a mais de 100 cabeças de gado, ovelha e cabra. “Funcionário de seu Luiz não passava fome”, enfatiza, lembrando da bondade do patrão que costumava andar a cavalo, jun-tar e contar seus bichos. Também fazia comércio e che-gou a montar um frigorífico para uma irmã. “Seu Luiz sofreu muito para chegar aonde chegou”, relata no va-zio.

Hoje, Zé Praxedes é o guia na casinha onde morou Januário, no Parque, e do mausoléu do Rei. Vive por ali atendendo as pessoas que vão conhecer o local e ter o prazer de conversar com alguém que teve tanta impor-tância para o sanfoneiro da asa branca.

(Veja mais n(Veja mais no site: www.defato.com) efato.com)

Zé Praxedes cuidava do gado e dos cavalos do Rei Luiz

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Em janeiro, o médico formando Zé Dantas

chega ao Rio, a fi m de prestar residência no Hospital dos Servidores, para alegria de Gonzaga, que vai esperá-lo na plataforma da estação de trem. Em junho lança a música A dança da moda, parceria com Zé Dantas que retratava a febre nacional pelo baião.

1950 Luiz Gonzaga já era o consagrado ‘Rei do Baião’, e o advogado Humberto Teixeira o ‘Doutor do Baião’! Em maio Luiz

Gonzaga sofre um grave acidente de carro.

1951

Em março deste ano encerrou seu contrato com a Rádio Nacional e fi rmou um novo com a Rádio Mayrink Veiga,

mesmo ofi cialmente vinculado à Rádio Cultura de São Paulo. Nesse tempo, leva para tocar com ele os mossoroenses João Mossoró e Hermelinda, que tinham sido levados para o RJ por seu irmão, Oséias Lopes, hoje Carlos André.

Trio Mossoró

Luiz Gonzaga e Helena adotam uma menina: Rosa Maria, a Rosinha.

1952

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O parque Aza Branca, grifado assim mesmo com Z, foi iniciado pelo próprio Luiz Gonzaga que, retor-nando a Exu, teve a ideia de criar esse espaço cul-tural, dotando-o com objetos pessoais, tanto pró-prios, como de seu pai, o sanfoneiro Januário. É um espaço muito grande com diversas construções, in-cluindo a residência onde ele morou no Exu. Uma casa enorme cheia de quartos e um sótão que só alguns poucos têm acesso. Decorada de forma sim-ples e rústica, a construção ao estilo sertanejo tem uma cozinha enorme, um alpendre arrodeando as áreas comuns, muita planta e muitos quadros. Fazem parte da decoração ainda alguns objetos que perten-ceram ao cangaceiro Lampião, ídolo de Luiz Gonza-ga.

O Museu do Gonzagão é outro atrativo do local porque traz a marca de seu caráter, cultor de raízes e nordestino assumido. Ali deixaria a melhor parte de sua história, marcada por grandes mudanças, pelejas e o sucesso conhecido de todos. Parte da

história de Luiz está contada nos objetos expostos no pequeno espaço, incluindo suas sanfonas brancas e seus títulos de cidadão que inclui três dos seis dados a ele no Rio Grande do Norte: Natal, Caicó e Caraúbas. Tudo muito protegido, inclusive das foto-grafias. Nossa equipe só teve direito de fotografar quatro objetos, o que limitou bruscamente a visão sobre as lembranças físicas do rei. É comum equipes da imprensa voltarem da porta do Parque, mesmo as vindas do Recife, quando sabem da limitação.

No mesmo espaço, está a casa de Januário, um lugarzinho pequeno e com poucos objetos e, logo do lado, a última casa do rei. O mausoléu contendo os restos mortais de Luiz Gonzaga e Helena, Januário e Santana, foram removidos para lá depois de pron-to. Todo esse trabalho foi continuado por Gonzagui-na depois da morte do pai, mas como ele morreu de um acidente de carro em abril de 1991, ficou sob o comando de Rosinha, a filha adotiva de Luiz com Helena.

Casa da fazenda Aza Branca ainda está do jeitinho que Gonzaga e Helena deixaram

Mausoléu guarda restos mortais do Rei do Baião, de Helena, Januário e Santana

A ÚLTIMA CASA DE LUIZFR

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Luiz Gonzaga grava seus

primeiros discos compactos de 45 rpm. Também neste mesmo ano gravou o seu primeiro LP de 10 polegadas, 33 rpm, pela RCA Victor. Uma Compilação dos disco de 78 RPM. Luiz Gonzaga apresenta o trio formado por Marines, Abdias e Chiquinho, que ficou conhecido como Patrulha de Choque Luiz Gonzaga.

Já no Sertão Pernambucano, em Serrita, nas Caatingas do sítio Lages, era encontrado morto, no dia 08 do mês de Julho, o vaqueiro Raimundo Jacó, primo de Luiz Gonzaga, fato que depois viria a originar a Missa do Vaqueiro.

Luiz Gonzaga reencontra Neném, mais tarde Dominguinhos, aos 14 anos, no Rio de Janeiro. Gonzagão convida Jackson do Pandeiro e sua mulher

Almira, para morarem no Rio de Janeiro. Fariam grande sucesso com seus cocos e são considerados o lado urbano da música nordestina, enquanto Gonzaga seria o agreste.

1955

Raimundo Jacó

1954 A Lei 1544/56, de

autoria do então Deputado Federal Humberto Cavalcanti Teixeira, que limita a execução de músicas estrangeiras no Brasil é aprovada. A cantora japonesa Keiko Ikuta grava as músicas Baião de Dois e Paraíba.

1956

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contexto dezembro de 201250

A vENDA DO PARQUE

Foi uma grande polêmica quando Rosinha Gonzaga vendeu o Parque Aza Branca em 1993. Dizem que gen-te do Rio de Janeiro queria comprar o local, mas, pre-ocupado com a decisão, José Alves de Alencar, conhe-cido na região como Zito, um grande amigo de Luiz, resolveu comprar e deixar o patrimônio nas mãos dos exuenses. Com a morte de Zito em 1999, assumiu o amigo Beba Parente, que também morreu em março deste ano.

De acordo com os jornais Folha de Exu e Diário de Pernambuco, a história do Parque Aza Branca começou em 1964 quando Luiz Gonzaga comprou as terras do sítio Itamaragi. A ideia era transformar o lugar não só na moradia em Exu, mas fazer dali um local que reunis-se o acervo (o Museu Luiz Gonzaga), lugar para shows dos amigos e duas pousadas.

A construção começou no final da década de 1970. Após a morte do Rei do Baião, em 1989, Gonzaguinha assumiu a administração. O músico morreu dois anos depois, em um acidente de carro no Paraná. Com isso, o parque ficou sob a responsabilidade de Dona Helena, que continuou morando na casa de Luiz Gonzaga mes-mo após a separação, ocorrida por volta de 1987. Ela morreu no quarto do casal, em 1993, de problemas do

Parque Aza Branca foi vendido por família de Gonzaga a família de Exu

coração. Após a morte da mãe, Rosinha Gonzaga vendeu o parque.

Agora, o neto de Luiz, Daniel Gonzaga, que tem 12,5% das ações do Parque, que herdou do pai Gonza-guinha, está fazendo um abaixo-assinado e pedindo a desapropriação da área e solicita ao governo de Per-nambuco que o transforme num patrimônio imaterial do Estado. Em documento publicado recentemente, Daniel defende que o governo assuma a responsabili-dade pela manutenção da memória do avô. “O Parque Aza Branca, a derradeira residência, hoje é a meca de estudiosos da vida e da obra de Gonzaga. É um polo antropológico único e insubstituível, que contém suas pegadas, seus motes de criação, seu entorno, suas re-ferências e que, justamente pela distância, por si só demonstra as dificuldades encontradas em idos de 1930 para percorrer a distância entre o anonimato e a fama”, diz um trecho da petição enviada ao governo.

Ele também afirma que tem o apoio de Rosinha. “Ela fica tímida em falar sobre o assunto, pela responsabili-dade em relação à venda da parte dela. Ela me disse que, se fosse em outra época, jamais teria vendido. Mas foi por problemas pessoais, financeiros, que ela se des-fez do parque”, lamenta Daniel.

Começa o apogeu da Bossa Nova

com João Gilberto, Tom Jobin, Vinícius e outros. O movimento cresce com adesão de Carlos Lira, Roberto Menescal, Baden e outros mais. Luiz Gonzaga por sua vez gravou seu primeiro LP de 12 polegadas, 33 rpm. Pela RCA Victor. XAMEGO

11 de junho: morre Santana,

vitimada pela doença de Chagas, no Rio de Janeiro. 05 de novembro: Januário, aos 71 anos, casa-se com Maria Raimunda de Jesus, 32 anos, no Exu. Gonzaga participa, gratuitamente, da campanha de Jânio Quadros à Presidência da República.

Luiz Gonzaga entra para a Maçonaria.

Neste ano compõe com Lourival Silva e grava Alvorada de Paz, em homenagem ao então Presidente Jânio Quadros. Conheceu pessoalmente José Marcolino - o Zé Marcolino, de quem gravaria depois várias obras. Gonzaguinha vai morar com o pai em Cocotá, Rio de Janeiro. Luiz Gonzaga torna-se maçom, e sofre outro acidente de carro, ferindo gravemente o seu olho direito.

1958 1960 1961 11 de março: morre

Zé Dantas, aos 41 anos. Luiz Gonzaga conhece João Silva.

1962

De sua parceria com Nelson

Barbalho grava A Morte do Vaqueiro no mesmo ano conhece o poeta popular cearense Patativa do Assaré.

1963

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Entrar na fazenda Araripe, onde Luiz Gonzaga viveu quando menino, é voltar no tempo. As terras do Barão do Araripe não são apenas o berço do Rei do Baião, mas de uma parte da história do Brasil. Há 600 metros do centro do povoado que tem pouco mais de 20 casas, nasceu a heroína e revolucionária brasileira Bárbara de Alencar (1760 – 1832) que lutou na Revolução Per-nambucana (1817) e na Confederação do Equador (1824), movimentos emancipalistas contra a continui-dade dos portugueses na administração direta. Mãe dos também revolucionários José Martiniano Pereira de Alencar, Tristão Gonçalves e Carlos José dos Santos, era ainda avó do escritor e político cearense José de Alencar, autor de O Guarani e do célebre Iracema.

Luiz Gonzaga nasceu numa casinha de taipa que já não existe mais, praticamente no terreiro da casa onde nasceu Bárbara de Alencar. Na época, a cons-trução rústica era a casa de Ana Florinda Carvalho de Alencar (Dona Neném) e João Batista Moreira de

Alencar, que vieram a ser os seus padrinhos. Ainda criança, Luiz foi levado pelos pais para a fazenda Araripe para morar em outra casinha de taipa que foi reconstruída recentemente. Foi justamente nes-ta casa, hoje com a cor amarela, que, em 1946, Luiz reencontrou seus pais após 16 anos, o que retratou depois na música “Respeita Januário”. O lugar era tão pobre que nos dias que ele ficou por lá teve de dormir na casa da fazenda dos Alencar. Vendo a si-tuação, Luiz consegue provimentos para construir

A vila do Araripe foi onde Luiz viveu toda sua meninice até fugir para Fortaleza em 1930

Amparo Alencar mostra fechadura que pode ter sido da casa onde Luiz Nasceu

A FAZENDA ARARIPE

Casa onde Gonzaga reencontrou os pais na década de 40

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Grava a composição A Triste Partida de

Patativa do Assaré. O sucesso é total principalmente junto ao nordestino que vive no Sul. Grava também, no LP O Sanfoneiro do Povo de Deus a primeira composição de Gonzaguinha, "Lembrança de Primavera".

1964 Sinval Sá lança o livro O Sanfoneiro

do Riacho da Brígida - Vida e Andanças de Luiz Gonzaga - O Rei do Baião. O sanfoneiro é impedido de cantar no festival FIC 66, a música São os do Norte Que Vêm, de Capiba e Ariano Suassuna.

1966 Um pouco fora de destaque no cenário musical, Luiz Gonzaga viu seu nome novamente em ascensão depois que, neste ano,

Carlos Imperial espalhou no Rio de Janeiro que o conjunto Inglês The Beatles acabara de gravar a música Asa Branca. Não era verdade, mas foi o que bastou para que Gonzaga voltasse às manchetes. Luiz Gonzaga é destaque na 1ª edição da Revista Veja, em 11 de setembro, com a matéria Gonzaga: a volta do Baião. Luiz Gonzaga conhece Edelzuíta Rabelo numa festa junina em Caruaru.

1968

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uma casa para os pais no começo da vila e que ainda é preservada.

O sítio Araripe é a parte mais bonita da viagem porque, além de ter o espírito de duas épocas impor-tantes para o Brasil, está bem preservado e o povo é receptivo. No comando está Amparo Alencar, outra alma doce que não se cansa de contar a história de sua terra. Amparo é a guardiã dos bens gonzaguea-nos no lugar onde ele nasceu, assim como da memó-ria da família Alencar. Foi ela quem reconstruiu e transformou a casa de Bárbara de Alencar num me-morial aberto ao público. Mandou fazer um monu-mento no lugar onde o rei nasceu, preparou home-nagem para o seu centenário e fez da casa um ver-dadeiro antiquário de peças raras e históricas da história pernambucana. Além de tudo isso, recebeu, recentemente, um fole que pertenceu a Januário pa-ra completar a fortuna de seu acervo.

Lança o LP "O Canto Jovem de Luiz Gonzaga". Em Londres Caetano Veloso grava Asa

Branca, assim como Sérgio Mendes e seu Brasil 77. É o ano do primeiro contato do então desconhecido Fagner com Luiz Gonzaga, no Rio. Foi também do ano de 1971 que, por iniciativa do Padre João Câncio, com o apoio do cantor Luiz Gonzaga e pelo poeta Pedro Bandeira, famoso repentista do Cariri, realizou-se a primeira Missa do vaqueiro, no sítio Lages, na cidade de Serrita, em pleno sertão Pernambucano.

Deixa a RCA Victor e passa para a Odeon, por um breve espaço

de tempo, embalado pelo sucesso reconquistado. Tenta lançar sua candidatura a deputado Federal pelo então MDB, mas desiste logo da idéia, quando sentiu que os votos que obteria seria em troca de favores. Inezita Barroso grava Asa Branca como também o cantor grego Demis Roussos, sob nome de White Wings, com letra em inglês.

É construído o Parque Nacional do Vaqueiro, e criada em 24 de Outubro desse mesmo ano a Associação dos Vaqueiros do

Alto Sertão Pernambucano.

Luiz Gonzaga reencontra Edelzuíta, o grande amor da fase final de sua vida.

www.luizluagonzaga.mus.br Livro: O sanfoneiro do Riacho da Brígida (Sinval Sá)Livro: A Saga de Luiz Gonzaga (Dominique Dreyfus)Livro: Luiz Gonzaga e o RN (Kydelmir Dantas)Filme: Gonzaga – de pai pra filho

1971 1973 1974

1975

Para saber mais sobre Luiz Gonzaga:

O OUTRO LUIZ GONZAGA

O RETORNO A MOSSORóO CORAçãO DE LUIZ

Quando Gonzaga desapareceu, após acompanhar o exército onde sentou praça em 1930, logo que fugiu de casa, e depois ir para o Rio de Janeiro, Santana, sua mãe, chegou a pensar que ele tivesse morrido, tanto tempo passou sem dar notícias. Foram 16 anos de si-lêncio. Nesse meio tempo, nasceu outro filho que, em homenagem ao desaparecido foi batizado com o nome de Luiz. Era, dos irmãos de Gonzaga, o que a família de Amparo Alencar mais gostava por ser prestativo e esperto. Quando o Rei voltou em 46, Santana teve de tomar uma atitude e o registrou com o nome de Aloísio, mas todo mundo continuou chamando o rapaz de Lui-zinho.

Voltamos de Exu com a sensação de que esse lugar nunca mais sairá de nós. Ficou impregnada em nossas lembranças a história do Rei Luiz Gonzaga, não apenas como a ideia do artista, mas também do homem. Em todos os lugares que visitamos alguém tinha uma his-tória para contar dele, quase todas para dizer que ele deu algo a alguém ou que fez um favor qualquer. Luiz era ídolo no Exu não por causa da música que, since-ramente, parece nunca ter sido a preferência do povo de lá, mas pela sua bondade e generosidade e por dei-xar um legado tão importante a ponto de colocar Exu, uma cidadezinha de 30 mil habitantes, em destaque no mapa da cultura brasileira.

Surpreendente a revelação de Amparo Alencar. Segundo ela, Luiz morreu pobre e dependeu dos outros para manter-se no hospital em Recife. E não foi apenas por ter o baião sido superado por outros estilos, mas por Luiz ter repartido tudo que tinha com a família e ajudado a todo mundo, até a quem não conhecia. “Luiz deu sanfona a todo mundo aqui da região e não media esforços para ajudar aos outros, seja como fosse”, diz ela, lembrando de sua generosidade com o próximo.

Joquinha Gonzaga reclamava que os músicos de Gonzaga não tinham cachê definido e que, quase sem-pre, ganhavam pouco, mas seu tio vivia fazendo festa de graça para quem não podia pagar. Não é a toa que muitos artistas do forró nordestino foram fruto do cui-dado de Luiz Gonzaga, começando por Dominguinhos, que ele tomou pra si desde os 13 anos, mas também Oswaldinho, Fágner, Jackson do Pandeiro, Chiquinha Gonzaga, Zé Gonzaga, Waldonys, Alcimar Monteiro e tantos mais que hoje são reflexo do trabalho, paciência e cuidado de Luiz, Rei do Baião.

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O Projeto Minerva dedica um especial à obra de Luiz Gonzaga. Neste mesmo ano grava seu

primeiro compacto simples de 33 rpm pelo selo Jangada, com a música Samarica Parteira de Zé Dantas. A música ocupou as duas faces do disco.

Em Fortaleza, depois de ser literalmente atropelado pêlos seus fãs e por fiéis da igreja, Luiz Gonzaga canta

para o Papa João Paulo II. Recebe do sumo pontífice a expressão - Obrigado Cantador. Foi um dos mais emocionantes e gratificantes momentos da vida do sanfoneiro.

Lança o disco 70 anos de sanfona e simpatia.

Luiz Gonzaga participa do festival de música brasileira na França, Couleurs Brésil, evento

que inaugura o programa dos anos Brasil-França 86-88. O LP Forró de Cabo a Rabo, deu a Luiz Gonzaga dois discos de ouro.

A RCA Victor presta-lhe significativa homenagem pelo marco de seus 40 anos

de carreira, com o lançamento do disco A Festa. Grava Junto com Gonzaguinha o Disco Descanso em Casa, Moro no Mundo. Os dois fizeram juntos incríveis apresentações por todo Brasil.

Gonzaga recebe o primeiro disco de Ouro com o LP Danado de Bom, no qual tinha João Silva por principal parceiro. Gonzaga

recebe o Prêmio Shell. Luiz Gonzaga canta no disco de Gal Costa - Profana em uma faixa em homenagem a Jackson do Pandeiro. Grava seu primeiro LP com o Cearense Raimundo Fagner.

Morre o compositor, advogado e instrumentista Humberto Teixeira.

E Luiz Gonzaga grava o Disco Eu e Meu Pai em homenagem a Januário.

Atendendo convite da cantora Nazaré Pereira, viaja para a França

apresentando-se em Paris no teatro Bobinot. A partir desse ano, Luiz Gonzaga passa a assinar como Gonzagão quase todos os seus disco, forma como havia sido chamado por ocasião de sua turnê com Gonzaguinha.

A RCA Victor lança uma

caixa luxuosa com cinco LPs, batizada de 50 Anos de Chão. Fagner produz o segundo LP de encontro com o Rei. Luiz Gonzaga assina contrato com a gravadora Copacabana, que lançaria seus últimos quatro LPs. Em junho pede o desquite, separa-se de Helena, e assume o relacionamento com Edelzuíta Rabelo.

1976 1980

1983

1986

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1979

1982

É agraciado com o troféu Nipper de Ouro. Além dele, somente o cantor Nelson

Gonçalves recebe tal troféu no Brasil.

1985

1988

Grava seu primeiro LP pela Copacabana, seguidos de mais três LPs, que seriam os últimos de sua carreira. No dia 06 de Junho, Luiz Gonzaga sobe pela última vez num palco, com o auxílio de uma cadeira de rodas. A platéia presente no teatro Guararapes

no Centro de Convenções no Recife não podia prever que não mais veria o Velho Lua. Ao lado de Dominguinhos, Gonzaguinha, Alceu Valença e vários outros amigos e parceiros, e desobedecendo às ordens médicas. Luiz Gonzaga morreu no dia 02 de Agosto de 1989, às 05.15hs, no Hospital Santa Joana, no Recife, onde dera entrada havia 42 dias. Seu corpo foi velado na Assembléia Legislativa do Estado e o Governo de Pernambuco decretou luto oficial por três dias.

1989

No dia 13 de dezembro, Gonzaguinha, Fagner, Elba Ramalho, Domiguinhos, Joãozinho do Exu e Joquinha Gonzaga cantam à meia noite parabéns para Luiz Gonzaga, em Show realizado em Exu. Nesse mesmo dia, pela manhã, foi inaugurado em Exu por Domiguinhos e Gonzaguinha o Museu do Gonzagão

A última homenagem

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Muitas vezes restritas a periferias da cidade de Mossoró, as rezadeiras sobrevivem ao crescimento urbano, prometendo o fim de enfermidades como o ‘mau olhado’, ‘espinhela caída’, mazelas do corpo e da alma.

POR: IZAÍRA THALITA

seu doutô’‘Reza forte,

Damiana Maria da Conceição, 78 anos, não sabe ler e nem escrever, mas não esquece o que aprendeu ainda criança com a mãe, quando a via curar as pessoas

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‘Ô de casa! É aqui que mora Dona Damiana, a reza-deira?’

‘É a minha mãe’, diz Sandra Maria, convidando a desconhecida mulher a entrar na sua casa, espaço pe-queno e com um corredor escuro que no final se ilumi-na com uma luz forte que vem do quintal, este amplo, cheio de plantas, onde dona Damiana está a estender roupas. Ela já sabe que se trata de alguém em busca de uma cura. Abre o sorriso e, de pronto, manda a visita se sentar em um dos tamboretes encostados à parede da casa e já se dirige a uma árvore onde retira dos galhos um ramo de folhas bem verdes. Concentrada e já com o semblante sério no rosto, senta-se ao lado da mulher que vai dizendo de sua indisposição e dores. “É espi-nhela caída!”, vai logo dando o diagnóstico.

Entra na casa e traz um barbante onde mede de um ombro a outro e depois, do pescoço ao umbigo. Leva a mulher para a “passadeira” da porta e começa uma reza silenciosa, balbuciada e de difícil compreensão, passando o ramo no corpo da mulher, levantando as suas mãos espalmadas sobre a cabeça dela que, por sua vez, fecha os olhos e em silêncio segue cada orientação da rezadeira: entra e sai, fica de costas, senta-se, fica de pé até que a cura termina. Dona Damiana pega no-vamente o barbante marcado e mostra para a mulher que ela já está melhor da espinhela caída. Depois pede para ela voltar mais dois dias para completar a cura com a reza.

Damiana Maria da Conceição, 78 anos, nove filhos, natural de Almino Afonso, há muitos anos residindo em Mossoró, não sabe ler e nem escrever, mas não esque-ce o que aprendeu ainda criança com a mãe, quando a via curar as pessoas. Sempre fez a cura, em muitas crianças com “ventre caído”, “quebranto ou mau olha-do”, mazelas que deixam o recém-nascido ou bebê, es-morecido, com disenterias e indisposição.

“Quem põe o quebranto em criança é sempre uma mulher. Homem não coloca mau olhado porque tem cinco Salomão no peito”, conta ela, sem dar explica-ções ou se preocupar com um sentido “racional” do que está dizendo. Da mesma maneira, responde quan-do perguntada por que tem de fazer a cura de espi-nhela caída na passadeira da última porta da casa: “Porque é assim que tem que ser”. E pronto. Não está dentro de uma lógica racional entender as coisas místicas porque é nesse campo em que as rezadeiras atuam.

Damiana Maria é uma das rezadeiras de Mossoró, prova da resistência de uma tradição que não se perde completamente com o passar dos anos, mesmo que a maioria delas não esteja transmitindo para novas gera-ções da família o dom da reza. No grande bairro de Santo Antônio, o segundo mais populoso de Mossoró, é onde Dona Damiana está, mas não só ela. Por ser um dos bairros periféricos da cidade, ainda é possível en-contrar, a partir de indicações dos moradores, mais dessas mulheres que mantêm viva a reza, hoje um pou-co camuflada pelo crescimento urbano.

O fato de uma certa invisibilidade das rezadeiras no meio urbano de Mossoró ainda está, de certo modo, atrelado ao preconceito de que a “reza” está no campo de ações que muitas religiões não aprovam, de que se trata de uma coisa “do mal”, uma concepção equivoca-da que por vezes, faz com que a própria família não aceite que as rezadeiras continuem atendendo às pes-soas em casa.

“Já tentei entrar pra lei de crente, mas eu não con-sigo deixar a reza. Eu me sinto bem, as pessoas se sen-tem bem e eu não deixo mais! Podem falar que eu sou macumbeira, eu não ligo. Meu dom vem de Deus, só ele pode curar, mas eu tenho fé e acredito na cura”, conta Damiana.

O CORPO COMUNICA A reza de Rita Maria de Souza, 79 anos, lhe foi pas-

sada pela mãe. Depois de anos atendendo às pessoas, Ritinha como é conhecida, havia deixado de rezar pela falta de saúde. Quando as pessoas perguntavam se ela rezava ainda, logo os familiares diziam que não. Mas quando ela sente que pode rezar, faz a cura.

Ritinha realiza a reza mais tradicional, com ramo de folhas e que promove uma cura de todo o corpo, numa única reza. Tem um contato firme de suas mãos com a pessoa que pede a cura, segura firme pelos pulsos, cru-za os braços do paciente sobre a cabeça, faz força para levantar o corpo, põe os dedos sobre as têmporas onde a dor de cabeça é mais frequente e reza baixo, concen-trada, uníssona. Ao final, percebe-se que dona Ritinha está fisicamente cansada, empreendeu esforço físico e mental que desagrada aos familiares.

“Sempre peço a pessoa que venha completar a cura, pois do contrário, aquela energia fica em mim, eu ado-eço”, conta Ritinha referindo-se ao ritual de curar três dias seguidos.

Ritinha realiza a reza mais tradicional, com ramo de folhas e que promove uma cura de todo o corpo, numa única reza. Tem um contato firme de suas mãos com a

Mas, não teria alguém na família que quisesse re-ceber a reza?

Dona Ritinha revela que ninguém vai receber sua reza, as filhas não acreditam e não têm interesse de receber essa herança espiritual. “Quando eu morrer, a reza morre comigo”, ressalta.

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A QUALQUER HORADurante todo o dia, seja quem for que bate à porta

de dona Inês Araújo, 43 anos, na rua Riachuelo, bairro Santo Antônio, têm a atenção que necessita. Seja lá o que for que ela estiver fazendo, para tudo: o feijão co-zinhando no fogo ou a refeição posta no prato. O movi-mento em sua porta, de pessoas vindas de todas as partes da cidade, a maioria, pessoas desconhecidas, mas que sabem da reza forte de dona Inês, chega a fazer uma fila de espera na antessala da casa pequena. Em seu quarto de costura que fica na área externa da casa, vai chamando um a um. Mas ela não é como as rezadei-ras que utilizam galhos para a cura. Aos 8 anos conta que percebeu um dom diferente para a cura através das orações e desejou ser freira, se ofereceu a um conven-to na adolescência:

“A madre disse que eu esperasse para ver se era isso que queria e me disse que eu teria muitos filhos. Acredito que ela não falava dos filhos da carne, mas de todos aqueles que consigo ajudar com minhas preces”, conta.

Casou, constituiu família, mas sempre muito cató-lica, se encontrou no movimento carismático. “Minhas orações são cristãs, é o Pai Nosso, a Ave Maria, o terço da misericórdia e enquanto rezo, penso na dor da pes-soa, sinto tudo o que ela sente naquele momento. Se a pessoa estiver chorando por dentro, eu choro também”, conta.

Acompanhado da esposa e com a filha recém-nasci-da nos braços, Emery Costa Júnior chega para pedir que dona Inês reze na pequena Maria Fernanda, mas também em todos da família.

“Acredito muito no dom da cura através da oração.

Dona Inês reza com fé, com o terço na mão, sempre que possível a gente vem aqui, conversa com ela, pede ora-ções. Veja que a casa dela é sempre cheia, não tem dia que não seja assim”, conta Emery Júnior.

De pronto, ela interrompe e diz:“Antes me sentia muito angustiada porque não sabia

se fazer isso era considerado bom, até que Frei Damião em um encontro que tive com ele, me disse que eu continuasse e nunca mais parei. Não quero imitar nin-guém, rezo do jeito que sei e com o dom que Deus me deu. De mim, só emana amor”, completa.

COBREIRO Só CURA COM REZA Cobreiro é uma das doenças que muitas pessoas acreditam que só a rezadeira pode curar. O cobreiro é uma

doença de pele que deixa um rastro pelo corpo da pessoa, há ainda a crença de que se não for curado pela reza-deira ou benzedeira, se o rastro chegar a se encontrar, a pessoa morre.

Rosanilton Lima mora em Pau dos Ferros, região do Alto Oeste potiguar, onde percebe que a reza tem presen-ça. Ele conta que foi criado indo, quando criança, às rezadeiras, por vezes curado pela própria mãe. Hoje, pro-fessor da educação básica, ainda vê isso muito forte na sua família, com familiares que trocam o saber médico pelo da curadeira.

Recentemente ele teve o famoso cobreiro:“Quando surgiu a doença eu procurei o posto de saúde, as pessoas começaram a dizer que eu estava no lugar

errado, que cobreiro tinha que ser curado com a reza. Muitos colegas questionaram se iria procurar essa ajuda, pelo fato de já ter um nível de escolaridade, de ter embasamento, e que eu não deveria dar ouvidos à crença. Procurei o médico que recomendou um tratamento de cinco dias, mas também procurei um senhor no Sítio Fle-chas, no município de José da Penha, seu Miguel Calixto. Ele olhou com seriedade e afirmou que iria matar o cobreiro, rezou em mim fazendo uns traços com o lápis no meu corpo, matando o cobreiro. Já estava há duas noites sem dormir, a queimadura na pele, passando gelo para diminuir a dor, e o benzedeiro garantiu que dormi-ria bem. Ainda recomendou que voltasse caso o cobreiro passasse de onde ele colocou os traços. Com medica-mentos e com a cura, fiquei bom do cobreiro 15 dias depois”, conta.

Quando perguntado sobre o que o curou, o professor afirma que os dois:“Eu acredito na reza. O ser humano é mítico por natureza, lida com essa força espiritual, acredita em um ser

supremo e, mesmo que eu acredite na ciência, como pesquisador, acho que nós temos de ter esse apoio espiritu-al”, afirma.

Inês Araújo, 43 anos: atende a qualquer hora do dia ou da noite

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vOZ DA EXPERIêNCIANo Planalto 13 de Maio, zona leste de Mossoró,

dona Clinária ou Kinara como é mais conhecida, é a rezadeira mais conhecida. Na sabedoria dos seus 94 anos, recebe as pessoas para realizar todo o tipo de cura, reza que aprendeu com a sua mãe, dona Joana Sofia.

“Na época, as pessoas eram curadas assim mesmo. A gente que morava no sítio curava tudo com reza”, lembra ela. Das filhas mulheres, só Dona Kinara herdou a reza e afirma que também não passou pra ninguém. “Não tenho a quem ensinar, os mais novos não querem”, diz.

Chega uma mulher em busca de alívio de fortes do-res de cabeça e que acha que está com quebranto. De-vagar, vai até a frente da casa e colhe um ramo de pinhão, planta que segundo ela ajuda no trabalho de afastar

Dona Kinara herdou a reza e afirma que também não passou pra ninguém

todas as doenças. E logo começa a reza em voz alta, mas de difícil compreensão ao se escutar a primeira vez:

“Deus quando andou no mundo, todo o mal ele curou: A ‘arca’, o ‘vento’. ‘Espinhela caída’ Jesus cristo levan-tou. Curo-te pela frente, senhor são Vicente, curo-te por trás senhor São Brás. Cristo vive, Cristo reina, Cris-to reinará, nenhum mal te pegará. Doença e todo o mal, sai de ti, sai de tuas carnes, sai da belezura, sai da for-mosura, pai nosso..., ave maria... e salve rainha”.

Com o ramo de pinhão murcho nas mãos, dona Ki-nara olha pra mulher: “Botaram olhado na senhora e forte viu?”.

Agradecida, a mulher se vai satisfeita. Dona Kinara, volta a assistir televisão, na sala da casa. Mais duas crianças seriam rezadas naquele mesmo dia.

SABERES

O professor e doutor em Antropologia José Glebson Vieira, que atualmente, entre outras atribuições, leciona a disciplina de Saberes e Tradição Oral no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Uern, fala sobre como a tradição da reza está sendo transformada, mas continua viva e não deve desaparecer:

CONTEXTO – Professor, o senhor acha que a rezadeira, ou mesma a reza como cura, está acabando?

JOSÉ GLEBSON – Acho que não. Acredito que está ha-

“A reza não desaparecerá, mas está sendo transformada”vendo uma transformação bem considerável, da própria percepção do que é essa cura. Hoje, a medicina tem apon-tado para novas possibilidades de cura, que em muitos casos não desconsidera esse aspecto espiritual, e tem ain-da surgido outras possibilidades de cura por diversas reli-giões. Se pensarmos que em determinadas religiões, colo-car um copo de água em cima da televisão para ser aben-çoado pelo pastor ou pelo padre para a cura das pessoas e elas acreditam que essa água cura, pode-se perceber que é ainda a força da reza, da oração que opera. Hoje temos

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um cardápio religioso muito amplo, uma oferta diversifi-cada e dentre estes, tem um estilo um pouco mais antigo que é próprio e muito semelhante à benzedura. Concordo que o fato dessa transmissão ter tido um certo impacto é, sobretudo, o fato dessa oferta maior de religiões que con-tribui, inclusive, para que se construa a imagem negativa da benzedura, embora, para muitas pessoas, a reza conti-nue sendo uma opção e continuam a recorrer à rezadeira ou benzedeira para resolv2er problemas simples como o “mau olhado”, “o cobreiro”, “a espinhela caída” e etc. A reza é colocada como uma alternativa à medicina tradicio-nal. Eu não vejo um fim das rezadeiras, mas acredito que essa tradição está se redefinindo. Hoje, você pode ter um pouco mais de dificuldade de encontrar aquela pessoa que é apenas rezadeira, mas pode-se ter hoje uma rezadeira que é mãe de santo ou que é filha de santo e que faz esse trabalho. Talvez até se sofistique mais os instrumentos ri-tuais. Pensando melhor sobre isso, podemos afirmar que não tem essa possibilidade de a reza estar se acabando porque a ideia de ‘reza forte’ está muito presente. Os fiéis acreditam muito em reza forte, independente de se ter um trabalho individual que é o trabalho das rezadeiras, mas se tem nos rituais de cura nas igrejas também tem pessoas que são conhecidas e produzem pela reza forte.

DE ONDE veio a origem da rezadeira que utiliza o ramo de folhas para a cura?

NÃO saberia lhe dizer a origem específica, mas a própria posição que os Xamãs tinham e têm nas sociedades indí-genas onde se tem, na pajelança, uma reza muito forte em que essas pessoas são iniciadas dentro de uma especiali-dade ritual, capaz de em uma reza produzir várias curas. Mas também se percebe a mesma característica nas reli-giões afro, em que o uso de determinadas poções, de pala-vras, que é uma característica fundamental da reza, a ora-lidade, as palavras, promovem a cura. Muitas benzedeiras começam a praticar essa benzedura depois que são cura-das, ou de uma história pessoal e voltando a falar sobre a influência indígena, o Xamã, antes de curar tem de ser curado, a benzedeira também. Não saberia te dizer se de-corre de uma herança indígena, acho que é um pouco in-dígena, um pouco negro e também um pouco cristão porque se você observar as palavras das rezadeiras, a linguagem é cristã, fala em Nossa Senhor, Jesus Cristo, Espírito San-to, mesclado com a força da natureza ou do espírito que são um pouco herança indígena e afro.

AS REZADEIRAS não costumam pronunciar em voz al-ta a reza e nem explicam. Por quê?

MUITAS não passam a reza. O que é interessante é que ela só repassa a reza em quem confia e nesse sentido se percebe um pouco essa crise da transmissão da reza, pois ela é da tradição da oralidade, não se tem uma cartilha ensinando a rezar. A reza é ação na palavra e ação mágica, de estar articulando vários elementos ligados ao sobrena-tural.

MAS se não está sendo repassada, o que se pode dizer sobre o futuro desta forma de reza?

TEM uma característica destas pessoas que você en-trevistou que certamente em outras não aconteceu isso. Há um certo contexto mais amplo de oferta maior de pos-sibilidades de cura, mas que não são responsáveis por um desaparecimento das rezadeiras. Em outros espaços, as rezadeiras continuam muito presentes na vida das pessoas. Tem algumas que quando despertam para a reza já sabem

que não irão transmitir a ninguém. O que é importante colocar é que nem sempre a reza se dá por uma transmis-são familiar, de mãe para filha, ou neta. Existem aquelas pessoas que aprendem sozinhas a rezar, algumas desen-volvem esse dom, outras transmitem a um parente, mas não é simplesmente hereditário. Não se pode avaliar se a rezadeira está deixando de existir pela ausência de uma única forma de transmissão porque existem várias formas. Aqui a dinâmica em Mossoró pode ser um pouco distinta de outras cidades onde a rezadeira é uma figura conhecida e muito acionada.

QUAL a importância de se pesquisar esse universo das rezadeiras?

É MUITO importante porque se tem a produção de um saber que é extremamente válido e eficaz simbolicamente, onde se percebe a relação entre os sujeitos com o sobre-natural. E a reza é um dos momentos em que as pessoas reconstroem o seu sentido de vida e de pensar na própria vida, mas também na cura, além da relação com o sagrado. Tem-se o agente que é a rezadeira ou benzedeira, há o aspecto pragmático da reza e há um conjunto de represen-tações. Tem-se, portanto, uma dimensão social fundamen-tal ali. Embora que seja aquela pessoa que esteja rezando, mas há ali uma dimensão social e coletiva dessa reza. A reza só faz sentido porque existe uma força coletiva em torno dela, que acredita na reza e daí a qualidade de se compreender esse mundo, de como elas estão se relacio-nando com o sagrado, além de uma produção de um conhe-cimento que é transmitido, é fundamental. A benzedura é uma forma de ciência, no sentido de se lidar com o sagrado e de como se especializa nele.

José Glebson Vieira

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Saúde em Ação

O Mundo dos Esportes no País de Mossoró

Como profissional de Educação Física e viciado em esportes, costumo ob-servar o potencial esportivo de nos-sa cidade e vejo hoje um momento

de ouro para a prática esportiva, porém pou-co explorado por uma grande parcela da po-pulação. Considero um bom momento não apenas devido às iniciativas públicas, mas também devido às iniciativas que podemos chamar de governanças, onde os amantes dos esportes arregaçam as mangas e desenvol-vem um projeto para captar novos adeptos, seja através da formação de grupos e asso-ciações ou através do simples aproveitamen-to dos espaços públicos enfim, me refiro ao tal do “quer vim, venha...” (como diria o ma-tuto) que às vezes funciona muito bem.

Fazendo uma lista rápida dos esportes ho-je praticados espontaneamente pela cidade e me desculpem, pois com certeza esquece-rei de alguns: futebol, basquete, handball, volley, tênis, corrida, ciclismo (speed, dirt bike, downhill, mountain bike, bmx), natação, artes marciais (jiu-jítsu, taekwondo, muai thai, boxe, capoeira), parkour, skate, long bo-ard, patins, rappel, escalada, slack line, vôo livre, corrida de aventura, motocross, sem esquecer o potencial do litoral (wind surf, surf, kite surf, stand up paddle e bodyboard). Também poderíamos ter outros como remo e kayak, fazendo uso do potencial das águas da região Oeste do estado, ou corrida de orientação, arvorismo e caving (exploração de cavernas), com a formação do Parque Na-cional da Furna Feia.

Os problemas são diversos, os motivos pelos quais muitos deixam de praticar seu esporte preferido ou não procuram por algo novo também são. Mas na vida temos que ser proativos e encontrar soluções e não escavar problemas antigos. A emoção de alcançar uma meta, superar limites do nosso corpo, quebrar paradigmas, superar expectativas é

algo que nos ajuda a sermos humanos me-lhores e a lidar com nossos problemas pes-soais com mais serenidade. Em se falando de saúde, o movimento é hoje um dos grandes pilares do nosso desenvolvimento, estando relacionado à melhora da saúde mental atra-vés da socialização, da promoção de desafios, da interação com o próprio corpo, bem como a prevenção e tratamento de muitas doenças crônico-degenerativas, acelera o metabolis-mo, retarda o envelhecimento, desenvolve capacidades físicas e muitos mais. Está es-perando o que para voltar a se mexer?

Grupos e lugares onde você pode se enga-jar em Mossoró:

• Grupo Oeste Escalada (oesteescalada.blogspot.com): escalada indoor e outdoor, rapel e slack line;

• Grupo Trilheiros Mossoró (facebook): especia-lizado em trilhas de bike;

• Grupo Rapel e Trilha (facebook): especializados em trekking e prática de Rapel;

• Praça dos Esportes (Av. Rio Branco): futebol, vôlei, basquete, tênis e corrida de rua;

• Praça do Teatro Municipal: ponto de encontro de grupos de ciclismo, capoeira e corrida de rua;

• Pista de Bicicross (Conjunto Ulrick Graff, Cos-ta e Silva. Próximo ao IFRN);

Quer divulgar seu grupo me manda um twiter: @Costa_fit

COSTA JúNiOR*

* Educador Físico (CREF: 1014g/RN) e Personal Trainer – Twitter: @costa_fit

A emoção de alcançar uma meta, superar limites do nosso corpo, quebrar paradigmas, superar expectativas é algo que nos ajuda a ser humanos melhores..."

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No meio da caatinga paraibana, uma estância de águas termais guarda segredos milagrosos de cura, além de um retorno ao bucólico passado sertanejo.

POR: JOSÉ DE PAIVA REBOUÇAS DO BREJO DAS FREITAS/PB

O poder radioativo das águas das Freiras da Paraíba

Turismo•

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Quem vê o sorriso de seu José de Souza Lima, o Delegado, como é conhecido, nem desconfia a idade que ele tem. En-xuto e disposto, o velho guardião se passa por um cinquentão sem dificuldades, mas na identidade a história é outra. De-legado nasceu em 1941 e, portanto, tem 71 anos bem vividos.

E não é força de expressão. Ao longo desse tempo, arrumou três mulheres e fez filhos em cada uma delas. São seis ao todo.

A receita do homem é nunca beber álcool, nunca fumar e trabalhar todo dia, de preferência com alguma atividade física. Mas há quem des-confie de um milagre. Delegado é o cuidador da Estância Brejo das Freiras, localizada no município de São João do Rio do Peixe, na Paraíba, a 230 km de Mossoró e que, segundo a lenda e alguns estudos científicos, possui uma fonte de água milagrosa ou, no mínimo, com extraordinário poder de cura. O local é tão respeitado que dizem que até a lama tem propriedades medi-cinais.

“Nasci e me criei tomando dessa água”, explica o funcionário que acre-dita piamente no poder curativo da água. Ele é responsável pela parte mais valiosa do hotel-fazenda: a própria fonte que jorra sem parar a uma tem-peratura de 40 graus. O local paradisíaco no meio do sertão virou patrimô-nio do Estado e é cuidado com toda a mística e tradição possível. Delegado é responsável por abastecer as piscinas e liberar a água dos chuveiros e banheiras para as pessoas que buscam tratamento ou, simplesmente, usam o local como balneário.

Parece inusitado? Não para as pessoas que convivem diretamente com esse fenômeno. Delegado garante ter visto muitas pessoas importantes chegarem em estado de lástima e saírem curadas após alguns dias de tra-tamento. E ele não é o único a afirmar. Josineide da Silva Souza, de 45 anos, tem a pele de uma adolescente e também não duvida do poder divino da água das freiras. Ela trabalha no local há apenas dois anos e conta muitos casos de tratamentos que parecem absurdos. Obviamente que eles guardam sigilo dos nomes e das patologias por uma questão de ética, mas nas re-dondezas de São João, todo mundo sabe dos recebedores das graças quan-do se vão.

Independente do poder milagroso, a Estância Brejo das Freiras é um oásis em plena caatinga. Por ter água abundante, o local possui muito verde. O hotel não é de luxo, mas o clima em que ele está inserido é um convite ao bucólico. Uma experiência que ultrapassa qualquer lenda pela reaproximação com o sertão profundo. A estrutura já não funciona como antigamente. Os chalés foram fechados e da estrutura geral, uma parte está desativada, mas ainda assim é bem cuidada e convidativa. Além disso, o hotel-fazenda possui piscinas e banheiras termais, restaurante especia-lizado em comidas típicas, quadras, salão de jogos, playground, capela, ampla área verde para caminhadas e contemplação e outras delícias para quem procura fugir da vida moderna e sentir o tempo parar por alguns instantes.

delegado exibe um sorriso de quem tem muita vida ainda para viver... e bebe da água que lhe permite ficar jovem por mais tempo

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O nome Brejo das Freiras foi dado ao lugar por ter pertencido às freiras do Convento da Glória do Recife, que o adquiriram por doação dos Jesuítas.

Nos fins do século 19, o clínico sertanejo Fausto Meira de Vasconcelos despertou a atenção para as vir-tudes terapêuticas das águas de Brejo das Freiras, mas só em 1922, no governo de Solon de Lucena, é que se buscou comprovar o poder das águas termais que bro-tavam no lugar. Isso porque, a área seria invadida pelo açude de Pilões que deixaria o Brejo mergulhado nas profundezas. O governador Solon pediu ao então pre-sidente da república, Epitácio Pessoa, um exame deta-lhado das águas, de forma que viesse a justificar o sal-vamento das fontes termais.

Para isso, foram designados os professores Lafaye-te e Sá Benevides que fizeram os exames completos no Laboratório Bromatológico do Rio de Janeiro e consta-taram tratar-se de uma água dominantemente cloro-bicarbonatada sódica, atestando toda a fama dada à fonte e garantindo o seu salvamento.

De acordo com estudo, as águas de Brejo das Frei-ras saponificam as gorduras, limpando completamen-te a pele quando aplicadas em banhos. Suas proprie-dades terapêuticas são conhecidas na dispepsia e,

UMA HISTóRIA DE TRêS SÉCULOSprincipalmente, na síndrome de Reichmann, pela vir-tude inexcedível de neutralizarem o excesso de ácido clorídrico em vista da reação alcalina pelo bicarbo-nato de sódio que contêm, aumentando o suco gás-trico, auxiliando as digestões; nas gastralgias produ-zem considerável ação sedativa; atuam mais sobre o sangue, aumentando-lhe em pequena quantidade a dosagem de bicarbonato de sódio, de modo que con-tribuem prodigiosamente para a sua fácil oxigenação, ou melhor, hematose ao nível dos alvéolos pulmona-res; é manifesta ainda a ação dessas águas sobre o estado da bílis porque embaraçam a produção exa-gerada de colesterina, resultando assim sério obstá-culo à formação de cálculos biliares.

Em síntese, os estudos afirmaram que as águas termo-minerais de Brejo das Freiras devem ser pres-critas na cura de dispepsia, litiase biliar, reumatismo, artrites, escrófula, linfatismo, clorose, anemia, de todas as dermatoses, chagas atônicas, fraturas dolorosas e de lenta consolidação, luxações etc. Só são contraindi-cadas na tuberculose pulmonar. Outra observação é que as águas só possuem o poder curativo ainda quen-te, quando saem da fonte. Depois que esfriam perdem muito o seu valor e sofrem modificações químicas.

Kallyne Amaro e Aldemira Santos

aproveitam os momentos de folga

para usar o Brejo como balneário

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A ideia de rede e compartilhamento desde sempre é desenvolvida pelo Homem. Nas relações coletivas, os indivíduos se apresentam como elo

dinâmico do espaço social. Com o passar do tempo, algumas práticas sociais se transfor-mam e se moldam às necessidades da época. Os seres humanos aprendem a identificar po-tencialidades do outro e fazem dispor a cola-boração que gera resultados positivos.

Os primatas aprenderam a dividir espaço com o pensamento em rede, quando nas suas experiências elaboravam uma dinâmica de trabalho configurada na relação de maneira integrativa. Ao dividir espaço nas árvores – ajudando-se mutuamente – eles dispunham de uma comunicação que já esbouçava essa incorporação solidária no perfil coletivo, des-sas experiências compartilhadas na busca de efetivação da comunicabilidade. Como resul-tante dessas relações, surgiu os instrumentos de trabalho na agricultura, a facilitação no trato da comunicação interpessoal, a elabora-ção de espaços coletivos para o lazer, a cons-trução cultural dos traços identitários de cada povo; enfim, com a tecnologia da inteligência as redes foram se consolidando no cenário ci-vilizatório. Tempos mais tarde, essa consoli-dação de inteligências, dentre elas a tecnoló-gica, transforma completamente o mundo em rede.

Outra tecnologia, a industrial, tornou-se aliada da ciência. Os valores passaram a ser construídos na perspectiva de que o cenário deveria ser ampliado com o caráter massivo. Essa proposta se desenrola em meio a guerras e ataques entre nações, quando outra rede se formava: das estratégias militares. No seio da sociedade, os espaços eram utilizados para o ataque e revide de (re)ações. Cessaram o uso da pólvora e deram início a outro tipo de con-fronto mundial, dessa vez utilizando-se de uma ferramenta criada na disputa das estra-tégias militares: a rede mundial de computa-dores.

Cadastro. Login. Enviar. Três etapas de

compartilhamento que substituiu a expressão “Preparar, atirar, fogo!” O cenário digital vir-tualizado expressa inequivocamente a capa-cidade humana em construir alternativas co-municacionais para desenvolver o pensamen-to em rede. O homem moderno já não dispõe de tempo para subir nas árvores, mas não re-jeita a possibilidade de utilizar-se do seu tem-po para solidificar a interação junto àqueles que corroboram com a mesma sistemática do pensar. Entre a ‘selva digital’ e a realidade convencional há uma floresta em rede que discute a sustentabilidade social e o poder dessa comunicação. Resta saber em que rede nos comunicamos. Transforma-se a social em tecnológica? Ou aplica-se a digital na intera-ção virtualizada da vida real? A resposta será formulada individualmente, mas enquanto não nos chegam os resultados vou mergulhar na minha rede.

* Jornalista (PB 4830JP) e professor do Curso de Direito da UERN Email: [email protected]

a ideia de rede social sempre existiu nas relações humanas, não

sendo apenas na atualidade que esse instrumento se estabelece em sociedade; antes, a rede social se conjugava com outras formas de comunicar – da escrita à televisão.

pensar que as redes sociais humanas ficarão estáticas ao

mundo digital é fragilizar a potência mental dos indivíduos. É inegável que no futuro outras formas de compartilhamento de rede surgirão e provocarão mudanças nas estruturas atuais.

a evolução transformadora das redes sociais poderá

operar-se no mesmo plano digital, contudo a sistemática de ação poderá não ser estrategicamente idêntica a que se processa na atualidade – prever o futuro nesse caso é tarefa quase impossível.

SIM

NÃO

TALVEZ

ConTXTextualizando

As várias fases da rede: do social ao tecnológicoKiLdARE GOMES*

Entre a ‘selva digital’ e a realidade convencional há uma floresta em rede que discute a sustentabilidade social e o poder dessa comunicação"

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Cozinha prática

Risoto de aspargos: o par perfeito da carne vermelha

Entrei na onda do risoto, tenho que ad-mitir. Já tive medo dele em outra épo-ca. Medo de passar do ponto, de em-papar, de não ter sabor, de engordar

horrores, mas hoje acho que é um curinga, in-dispensável na cozinha. Ele pode ser a estrela da festa como o Risoto de Curry ou um simples coadjuvante. Mas coadjuvante também recebe oscar, certo?! E esse risoto de aspargos ganhou o "Selo Biscoito" de melhor acompanhamento de carne vermelha.

Quando se fala de carne vermelha, a gente já associa a um sabor mais forte e marcante e por isso o acompanhamento não pode competir, tem que complementar ou até suavizar o sabor principal. Por isso sempre acompanhamos com arroz branco ou massa. Esse risoto acompanha com charme uma carne forte sem perder a gra-ça e sem passar despercebido.

Propaganda feita, vamos ao que interessa: os ingredientes para 2!

1 xícara de arroz carnaroli ou arbório6 aspargos verdes frescos (Curiosidade: As-

pargo não é legume, é flor, e tem baixa caloria! Que Maravilha! Quando for comprar prefira os bem verdes e de caule mais fino que são mais tenros)

1/2 cebola pequena em cubinhos1 colher (sopa) de azeite 1/2 colher (sopa) de manteiga1/2 xícara de vinho branco 1 saquinho de "Meu Segredo" ou 1/2 caldo

Knorr de Legumes 750ml de água 30g de parmesão ralado na horasal e pimenta preta a gostoDica da Angel: Para começar retire delicada-

mente uma fina camada da pele dos aspargos. De preferência use um descascador ao invés da faca para não desperdiçar nada. Não descasque as pontinhas.

Corte as pontas (aproximadamente 4 dedos) e reserve. Descarte a parte mais branquinha do finalzinho do talo que normalmente é mais fi-

brosa. Sem exageros, não deve passar de 2 de-dos. Corte os talos em rodelas de aproximada-mente 1 dedo de espessura.

Coloque a água para ferver e acrescente o caldo de legumes. Nem sempre utilizaremos todo o caldo, vai depender do grão do arroz e da chama do fogão. Caldo dissolvido, deixe em fo-go baixo para manter quentinho.

Em uma panela esquente em fogo alto o azei-te e a manteiga, junte a cebola e deixe fritar até ficar transparente. Junte as rodelas de aspargos e deixe refogar por 1 minuto. Acrescente o arroz e deixe refogar (mexendo sempre) por 2 minu-tos.

Despeje o vinho e mexa até secar. Assim que tiver evaporado o vinho, acrescente uma concha do caldo de legumes e as pontas dos aspargos. Mexa delicadamente para não quebrar as pon-tinhas. Quando essa concha de caldo tiver eva-porado, retire as pontas dos aspargos e reser-ve.

Acrescente as conchas de caldo uma a uma sempre mexendo e sempre esperando que uma seque antes de acrescentar a outra. Esse é o segredo do risoto cremoso. Enquanto a gente mexe, o amido do grão vai se soltando e forman-do aquele creminho delícia. E se você coloca a água toda de uma vez a parte de fora do grão vai ficar muito mole e o centro meio cru.

Depois da terceira concha, comece a provar o arroz que estará pronto quando o grão estiver firme, porém sem aquele "pontinho branco" no meio.

Quando estiver no ponto, acerte o sal, se for preciso, e acrescente um pouco de pimenta mo-ída na hora. Desligue o fogo e acrescente o par-mesão. As receitas originais pedem que se acres-cente mais uma colher de manteiga para finali-zar, esse processo chama-se mantecare e dá mais brilho e sabor ao risoto. Mas eu venho pulando essa fase, pois não sinto tanta diferença no sabor e sei que manteiga a menos é sempre bem-vin-do à saúde. Experimente e escolha seu sabor preferido!

ANGELiNA TAVARES*

*Personal Chef, formada pela Universidade Potiguar – E-mail: [email protected] / (84) 8852-5488

Prontinho!! Sirva e

acrescente as pontinhas de aspargo! Ah! Também cai bem com um

Camarão Provençal!

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contexto dezembro de 2012 65

d Parque AZA BRANCA (Exu – PE) www.parqueazabranca.com.br/

d Museu Fonográfico Luiz Gonzaga (Campina Grande – PB) http://www.museuluizgonzaga.com.br/

d Museu do vaqueiro – Fazenda Bonfim (São José do Mipibu – RN) http://www.forrodalua.com.br/

d Memorial Luiz Gonzaga (Recife – PE) http://www.recife.pe.gov.br/mlg/gui/Memorial.php

Kydelmir Dantas*

Especial GONZAGÃO

• Queixumes (Henrique Brito – Noel Rosa) – – 1945

• Meu Padrim (Frei Marcelino) – 1960.

• Jesus Sertanejo (Jandhuy Finizola) – 1977.

•Ovo de Codorna (Severino Ramos) – 1972.

•Ranchinho de Paia (Chico Elion) – 1981.

•Renascença (Celso da Silveira – Onildo Almeida) - s/d.

PLAY-LiST

Passeio cultural

Luiz Gonzaga em filmes

*Kydelmir Dantas é (*) Pesquisador, poeta e cordelista; de Nova Floresta – PB, radicado em Mossoró – RN.

contexto indica

(Composições de autores potiguares)

Nenhum outro artista brasileiro foi tão homenageado no seu centenário que nem o 'Gênio da Música Popular Nordesti-na' e um dos maiores nomes da MPB. LUIZ GONZAGA que levou o Nordeste pro Mundo, através do 'BAIÃO' e que bem que merece todas as homenagens. Um bom exemplo deste reconhecimento é o filme GONZAGA: DE PAI PRA FILHO; mais do que um filme é uma História de vidas paralelas e unidas pelos laços de sangue e da música.

A biografia do Rei do Baião já foi escrita de diver-sas maneiras em prosa e verso; umas mais e outras menos completas. Desde 1952 até este ano do seu Centenário, 2012, muita coi-sa boa saiu e outras virão, com certeza. A primeira foi Luiz Gonzaga e outras poe-sias. São Paulo, Continental Artes Gráficas Ltda, 1952, do poeta potiguar ZEPRA-XEDI; a de maior conhecimento do público é O Sanfoneiro do Riacho da Brígida - com 4 edições só no ano do seu lan-çamento e, hoje, na 8ª edição, do jornalista SINVAL SÁ; depois vieram cordéis, monografias, dissertações, douto-rados, ‘saites’, blogs, etc. Além dos acima citados, indicamos também:

d Luiz Gonzaga: o matuto que conquistou o Mundo GILDSON OLIVEIRA – 1991.

d vida de viajante: A Saga de Luiz GonzagaDOMINIQUE DREYFUS - 1997.

d Gonzagão e Gonzaguinha: uma história brasileira REGINA ECHEVERRIA - 2006.

d Porque o Rei é Imortal JOSÉ NOBRE DE MEDEIROS & ANTONIO COSTA – 2011.

d Luiz Gonzaga e o Rio Grande do NorteKYDELMIR DANTAS – 2012.

Livros

d E O MUNDO SE DIvERTE (1948) Direção: Mário Del Rio - Produção: Maristela-Filmes.

d É COM ESSE QUE EU vOU (1948) Direção: José Carlos Burle Produção: Atlântida. Cinematográfica.

d O COMPRADOR DE FAZENDAS (1951) Direção: Alberto Pieralisi Produção: Companhia Cinematográfica Maristela.

d HOJE O GALO SOU EU! (1957) Direção: Aluízio T. Carvalho - Produção: L.Lupovici.

d CHAPÉU DE COURO (1978) Direção: Salo Felzen - Produção: Edmar Tomy.

d LUIZ GONZAGA, A LUZ DOS SERTÕES (documentário) - Direção: Rose Maria Produção: Anselmo Alves.

d GONZAGA – DE PAI PRA FILHO (2012) Direção: Breno Silveira - Produção: Márcia Braga.

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Rubens Lemos Filho

Crise de afeto

Para os padrões de Natal, o homem representava um magnata. Bem-sucedido para seu proveito e dos herdeiros. Nada parecia lhe faltar no

apartamento do hospital. Plano de saúde VIP, atendimento em tempo real, equipe extra de massagistas, fisioterapeutas, enfermeiros e cuidadores.

Impressionava o aparato. Os doentes em estado regular, acompanhantes, visitantes, curiosos e até flanelinhas proprietários in-formais das ruas sem lei, comentavam a co-pia genérica do Sírio Libanês de São Paulo (que entra no currículo dos bacanas palum-bos).

Grave o estado de saúde do nonagenário e o médico (mantido no anonimato por pedido ético), experiente, prescreveu a medicação devida e, apesar do tempo de jaleco, estranhou tanta estrutura em torno do cidadão resigna-do e simples, apesar da dinheirama.

Um homem de semblante bovino e pensa-mento ontem. Uma filha, falante, surgia sempre, com uma disciplina militar e prontidão para qual-quer eventualidade. O que o médico precisasse fora da estrutura hospitalar e do plano, o dinhei-ro cobria, custasse o que custasse.

O tratamento, lento pela idade do doente, foi dando resultado, o médico viu a progressão do quadro clínico na análise dos exames con-tínuos e na reação do senhor, sempre calado e de uma tristeza nada proporcional ao seu patrimônio e saldo bancário.

A filha, quando aparecia, conferia o desem-penho da equipe extra, escolhida como Telê Santana selecionou seus craques de 1982, sorria orgulhosa e repetia ao médico: o que fosse necessário, seria feito. Dinheiro jamais faltaria.

O doente, silente, foi melhorando, medi-cação fazendo efeito, perícia médica funcio-nando e força-tarefa bem remunerada agindo 24 horas por dia. O velhinho ficou bom. Esta-va curado.

O médico chamou a família no dia da al-

ta e compareceram a filha e líder operacional e mais três irmãos. Foi anunciada a libera-ção e detalhado o tratamento seguinte. Fo-ram exigidos todos os cuidados em função da idade do homem, sempre sério e olhando ao vazio.

O médico anotou a receita em letra que só agente da CIA e balconista sabem ler (eis um mistério da fé) e foi interrompido pela filha antes de encerrar sua missão.

“Doutor, não poupe. O que for preciso, o meu pai terá. Se for preciso buscar remédio, impor-taremos do estrangeiro. Vamos buscar dos Es-tados Unidos, se for preciso”, ela disse com au-toridade sumária, sem imaginar réplicas.

Angustiado desde o início do tratamento, o médico que tem fígado e é ser humano (os da Velha Guarda são mais sensíveis e menos empinados), pisou no acelerador do desabafo e bateu no verbo como um Rodrigo Minotauro curador.

Nem sei se pigarreou, mas a verdade, ele disse, com força e sem medo de perder o clien-te: “Tem um remédio que eu não posso pres-crever por mais que eu queira. Vocês deem ao seu pai, de seis em seis horas, como se fosse um antibiótico, o maior remédio que ele pre-cisa tomar e só vocês podem dar: carinho.”

Costumo dizer que a geração dos avós é melhor que a dos pais que é melhor que a dos filhos que é melhor ainda que a dos netos atu-ais. Amigo a gente escolhe, parente ruim vem de mala sem alça.

Ele, o médico, me contou que a filha ficou pálida e os outros três, envergonhados. Saíram cabisbaixos sem pronunciar nem o hino do Bangu. Ou do Madureira do tempo de Isaias, Jair e Lelé. Quem sabe Ex Mailove, hit risível de Gaby Amarantos.

O velho, mudo, como chegou no interna-mento. Conhecer sua meninada melhor do que ele, ninguém. Sei com diploma o que é falta de atenção e solidariedade. Na história em que vivi, presente, desesperado e aflito, a da minha avó, ela não teve alta. O afeto está morto.

Rubens Lemos Filho é jornalista desde 1988. Foi repórter e editor dos principais veículos de comunicação de Natal, secretário de Estado de Comunicação Social e hoje é coordenador de Comunicação Social da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte / Twitter: @RubensLemos, e-mail: [email protected]

Costumo dizer que a geração dos avós é melhor que a dos pais que é melhor que a dos filhos que é melhor ainda que a dos netos atuais."

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No centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, fomos até o sertão de Exu para descobrir algo mais importante que sua própria música.

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