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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS NEOLATINAS
CONTEXTOS FAVORECEDORES DAS ESTRATÉGIAS DE RETOMADA
E APAGAMENTO DO OBJETO DIRETO ANAFÓRICO
NO ESPANHOL DE VALÊNCIA
Júlia Cheble Puertas
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2018
CONTEXTOS FAVORECEDORES DAS ESTRATÉGIAS DE RETOMADA E APAGAMENTO DO OBJETO DIRETO
ANAFÓRICO NO ESPANHOL DE VALÊNCIA
Júlia Cheble Puertas
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
Rio de Janeiro Fevereiro de 2018
Contextos favorecedores das estratégias de retomada e apagamento
do objeto direto anafórico no espanhol de Valência
Orientadora: Professora Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a
obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas. Examinada por: Presidente, Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold - UFRJ Profa. Dra. Adriana Leitão Martins – UFRJ Profa. Dra. Fernanda de Carvalho Rodrigues – UFRJ Profa. Dra. Carolina Parrini Ferreira – UFSC, Suplente Profa. Dra. Virgínia Sita Farias – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro Fevereiro de 2018
RESUMO
CONTEXTOS FAVORECEDORES DAS ESTRATÉGIAS DE RETOMADA
E APAGAMENTO DO OBJETO DIRETO ANAFÓRICO
NO ESPANHOL DE VALÊNCIA
Júlia Cheble Puertas
Orientadora: Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
PUERTAS, Júlia Cheble. Contextos favorecedores das estratégias de retomada e apagamento
do objeto direto anafórico no espanhol de Valência. Rio de Janeiro, 2018. Dissertação
(Mestrado em Língua Espanhola) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
A presente pesquisa se insere no âmbito da Linguística Gerativa e visa à investigação da
retomada e do apagamento do objeto direto anafórico no espanhol de Valência, levando em
conta os traços de animacidade, definitude e especificidade. Temos como objetivo geral
levantar o número de retomadas e apagamentos encontrados nas entrevistas analisadas e como
objetivo principal verificar a influência dos traços [+/-] animado, [+/-] definido e [+/-]
específico na retomada e no apagamento do objeto direto anafórico. Postulamos duas hipóteses
para esta pesquisa: (1) há uma maior produtividade, na variedade de espanhol analisada, da
correlação dos traços [+] animado, [+] definido e [+] específico e a retomada do objeto direto
anafórico por clítico; e (2) há uma correlação entre os traços [-] animado, [-] definido e [-]
específico e o apagamento do objeto direto, ou seja, a não retomada. Nesse sentido, aplicamos
como metodologia a análise de oito entrevistas transcritas do corpus PRESEEA (Proyecto para
el estudio sciolingüístico del español de España y de América) e fizemos um levantamento
quantitativo das retomadas e apagamentos, levando em conta a natureza dos traços do referente
e a influência desses traços na retomada por clítico ou no apagamento do objeto direto
anafórico. Para a análise das entrevistas, contamos com o auxílio do programa WordSmith Tools
(versão 7). A partir da análise dos dados, pudemos observar que, enquanto o traço de definitude
se mostrou relevante para a retomada por clítico, o traço de animacidade se mostrou relevante
para o apagamento.
Palavras-chave: retomada; apagamento; clíticos; espanhol de Valência; traços; Gerativismo.
RESUMEN
CONTEXTOS FAVORECEDORES DE LAS ESTRATEGIAS DE REALIZACIÓN
Y NO REALIZACIÓN DEL OBJETO DIRECTO ANAFÓRICO
EN EL ESPAÑOL DE VALENCIA
Júlia Cheble Puertas
Orientadora: Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
PUERTAS, Júlia Cheble. Contextos favorecedores das estratégias de retomada e apagamento
do objeto direto anafórico no espanhol de Valência. Rio de Janeiro, 2018. Dissertação
(Mestrado em Língua Espanhola) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
La presente investigación se inserta en el ámbito de la lingüística generativa y busca la
investigación de la realización por clítico y de la no realización del objeto directo anafórico en
el español de Valencia, teniendo en cuenta los rasgos de especificidad, definitud y animacidad.
Tenemos como objetivo general levantar el número de realización por clítico y de la no
realización encontrados en las entrevistas analizadas y como objetivo principal, verificar la
influencia de los rasgos [+/-] animado, [+/-] definido y [+/-] específico en la realización por
clítico y de la no realización del objeto directo anafórico. Por eso, las hipótesis que asumimos
son: (1) hay una correlación de los rasgos [+] animado, [+] definido y [+] específico y la
realización por clítico del objeto directo anafórico; y (2) hay una correlación entre los rasgos [-
] animado, [-] definido y [-] específico y la no realización del objeto directo. En este sentido,
aplicamos como metodología el análisis de ocho entrevistas transcritas del corpus PRESEEA
(Proyecto para el estudio sociolingüístico del español de España y de América) y se hizo un
levantamiento cuantitativo de las realizaciones por clíticos y de las no realizaciones, teniendo
en cuenta la naturaleza de los rasgos del referente y la influencia de esos rasgos en la realización
por clítico o en la no realización del objeto directo anafórico. Para el análisis de las entrevistas,
utilizamos el programa WordSmith Tools (versión 7). A partir del análisis de los datos, pudimos
observar que mientras el rasgo de definitud parece influir en la realización por clítico, el rasgo
de animacidad parece influir en la no realización.
Palabras clave: realización; no realización; clíticos; español de Valencia; rasgos;
Generativismo.
ABSTRACT
CONTEXTS FAVORING THE STRATEGIES FOR THE RESUMPTION AND
ERASURE THE DIRECT ANAFORIC OBJECT IN THE SPANISH OF VALENCIA
Júlia Cheble Puertas
Orientadora: Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
PUERTAS, Júlia Cheble. Contextos favorecedores das estratégias de retomada e apagamento
do objeto direto anafórico no espanhol de Valência. Rio de Janeiro, 2018. Dissertação
(Mestrado em Língua Espanhola) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
The present research is part of generative linguistics and aims to investigate the resumption and
erasure of the direct anaphoric object in the Spanish of Valencia, taking into account the features
of animacy, definiteness and specificity. We have as general objective to raise the number of
retakes and erasures found in the analyzed interviews and as main objective, to verify the
influence of the features [+/-] animate, [+/-] definite and [+/-] specific in the resumption and
erasure of the direct anaphoric object. We postulate two hypotheses, for this research: (1) there
is a higher productivity, in the Spanish variety analyzed, of the correlation of the [+] animate,
[+] definite and [+] specific features and the resumption of the direct anaphoric object by clitic;
and (2) there is a correlation between the [-] animate, [-] definite and [-] specific features and
the erasure of the direct object, that is, the unresolved object. In this sense, we applied as a
methodology the analysis of eight transcribed interviews from the PRESEEA corpus (Proyecto
para el estudio sociolingüístico del español de España y de América) and a quantitative survey
of the resumption and erasure was made, taking into account the nature of the features of the
referent and the influence of these features in the resumption by clitic or in the erasure of the
direct anaphoric object. For the analysis of the interviews, we have the help of the program
WordSmith Tools (version 7). From the analysis of the data, we could observe that while the
definiteness trait was relevant for erasure, the trace of animacy was shown to be relevant for
erasure.
Keywords: resumption; erasure; clitics; Spanish of Valencia; feature; Gerativism.
AGRADECIMENTOS
A vida nos presenteia pessoas e momentos. Eu agradeço imensamente a ela por ter me
presenteado todos vocês e todos os momentos vividos até aqui. A vida e os momentos bons,
como esse, devem ser compartilhados. Por isso, com todo o meu amor e carinho, agradeço a
todos vocês.
Aos meus pais, por todo amor, dedicação e cuidado que me foram oferecidos nesses 24
anos de vida. À minha mãe, Mônica, por seu imenso cuidado, dedicação, amor, pelos melhores
conselhos, por acompanhar as minhas noites mal dormidas e também por tentar me acalmar
sempre. Obrigada por ser minha mãe e minha amiga. Ao meu pai, Alberto, por sempre ter
prezado pelo meu melhor, por me incentivar sempre e me ensinar a não me acomodar com as
situações da vida, sempre buscando o meu melhor. Obrigada por ser meu pai e amigo. Sem
vocês, nada disso seria possível, por isso, a vocês, o maior agradecimento do mundo.
Aos meus avós, por serem exemplos a serem seguidos e por serem “meus pais com
açúcar”. À minha avó Aciléa, por sempre estar presente, querer me agradar, por todas as
conversas, por se preocupar comigo, fazer os meus dias mais felizes e ser uma das minhas
maiores fãs. Obrigada por ser minha avó, sou muito grata por todos os ensinamentos e,
principalmente, por todo amor que você me oferece dia a dia. Ao meu avô João, pois, mesmo
não o tendo conhecido, sinto sua presença e sei que, com certeza, carrego algo dele na pessoa
em que me tornei. Aos meus avós da Espanha (“mis abuelitos”), vovó Irene e vovô Faustino,
por terem influenciado imensamente a minha escolha profissional e, principalmente, pela
herança do espanhol, que carrego comigo no coração, no sangue e, agora, profissionalmente.
Mesmo longe, sinto vocês pertinho de mim. Obrigada por todo o apoio e por acreditarem que
eu realmente sou boa no que eu faço. A vocês, o meu “muito obrigada!”.
Aos meus tios e padrinhos, José Jorge e Sandra. Ao meu dindo, Zé, por ser um padrinho
carinhoso, amoroso, que sempre me faz rir. É sempre bom estar com você. À minha dinda,
Sandra, por me tratar como uma filha, me incentivar, querer o meu bem e tornar todos os
momentos especiais. Agradeço aos meus pais por terem feito a melhor escolha de padrinhos,
não poderia ter melhores.
A uma grande amiga, minha irmã de coração, parceira de todos as horas. Carol, obrigada
por estar sempre comigo, me apoiando nos bons e nos maus momentos. Espero que todos na
vida tenham a oportunidade de viver uma amizade como a nossa. Muito obrigada por tudo.
Às minhas primas, por todo apoio dado nesse último ano de mestrado e por me
mostrarem que a vida pode ser mais feliz e leve. Obrigada por me arrancarem grandes risadas
e por me apoiarem sempre.
Às minhas companheiras e amigas de faculdade: Isabella, obrigada pelo
companheirismo no mestrado, pela amizade de sempre e pelo incentivo diário; Thainá, obrigada
por ser essa amiga especial e carinhosa que você é; Juju, obrigada por, mesmo de longe, se fazer
presente e pela amizade. Espero que continuemos assim, umas torcendo pelas outras. Agradeço
à UFRJ e à Faculdade de Letras por, há seis anos, ter me apresentado vocês.
À Renata, que sempre foi generosa comigo e compartilhou suas experiências e
conhecimentos. Obrigada por tudo.
À minha orientadora, Mercedes, por compartilhar seus inúmeros conhecimentos,
acreditar em mim, me apoiar sempre e ser a mãezona que é para os seus orientandos. Obrigada
por confiar no meu trabalho.
À CAPES, pela bolsa concedida, que permitiu que eu me dedicasse ao desenvolvimento
desta pesquisa
À UFRJ, instituição da qual fui aluna nos últimos anos, e ao CLAC, projeto em que pude
atuar como professora, pela experiência enriquecedora.
Agradeço a todos que, de alguma forma, estiveram presentes. À minha família, meus
tios e tias, meus primos, meus amigos (do prédio e do colégio Marista), aos professores do
colégio Vôo livre e do colégio Marista São José, aos professores do curso de inglês, do curso
de espanhol e, principalmente, aos da UFRJ, que me foram essenciais para a realização desta
dissertação. A todos, o meu “muito obrigada!”.
A verdadeira viagem de descobrimento
não consiste em procurar novas paisagens,
mas em ter novos olhos...
Marcel Proust
LISTA DE FIGURAS Figura 1: Esquema do processo de aquisição de linguagem.....................................................21
Figura 2: Esquema do somatório de princípios inatos e dos dados..........................................22
Figura 3: Esquema dos traços, suas naturezas binárias e funções............................................49
Figura 4: Mapa político da Espanha e suas comunidades autônomas......................................62
Figura 5: Mapa da Comunidade Valenciana.............................................................................63
Figura 6: Página de busca do programa WordSmith Tools.......................................................67
Figura 7: Página dos resultados gerados a partir da página de busca do programa WordSmith
Tools..........................................................................................................................................68
LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Total de ocorrências de retomada por clítico e apagamento...................................71
Gráfico 2: Retomada por clíticos e os tipos de clíticos encontrados........................................74
Gráfico 3: As ocorrências de retomada por clítico e os traços do referente.............................75
Gráfico 4: As ocorrências de não retomada (apagamento) e os traços do referente.................94
LISTA DE QUADROS Quadro 1: Sistema pronominal do espanhol: formas tônicas e átonas (HERNÁNDEZ
ALONSO, 1986:460)................................................................................................................39
Quadro 2 Pronomes átonos de objeto direto e objeto indireto de 3ª pessoa (ALARCOS
LLORACH, 2010: 250)............................................................................................................40
Quadro 3: Perfil dos informantes das 4 entrevistas selecionadas do sexo feminino.................66
Quadro 4: Perfil dos informantes das 4 entrevistas selecionadas do sexo masculino...............66
LISTA DE TABELAS Tabela 1: Total de ocorrências de retomada por clítico e apagamento.....................................71
Tabela 2: Comparação de ocorrências de retomada e apagamento e os traços de
animacidade..............................................................................................................................72
Tabela 3: Comparação de ocorrências de retomada e apagamento e os traços de definitude...73
Tabela 4: Comparação de ocorrências de retomada e apagamento e os traços de
especificidade............................................................................................................................73
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ALFAL – X Congreso Internacional de la Asociación de Lingüística y Filología de la América
Latina
CIMAS – Centro de Información y Materiales Sociolingüísticos
DAL – Dispositivo de Aquisição de Linguagem
E – Entrevistador
FL – Faculdade da Linguagem
GP – Gramática Particular
GU – Gramática Universal
I – Informante
NGLE – Nueva Gramática de la Lengua Española
PM – Programa Minimalista
PRESEEA – Proyecto para el estudio sociolingüístico del español de España y de América
PRESEVAL – Proyecto para el estudio sociolingüístico del español de Valencia
RAE – Real Academia Española
SJ – Subjuntivo
SN – Sintagma Nominal
Val. Es. Co. – Valencia Español Coloquial
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 15 CAPÍTULO 1 – A ARQUITETURA DA LINGUAGEM ................................................... 19
1.1. A NOÇÃO DE CONHECIMENTO LINGUÍSTICO ................................................... 19 1.2. OS TRAÇOS LINGUÍSTICOS E O SISTEMA COMPUTACIONAL ....................... 28 1.3. A NOÇÃO DE REFERENCIALIDADE ..................................................................... 30
CAPÍTULO 2 – O SISTEMA PRONOMINAL DO ESPANHOL ..................................... 38 2.1. SEGUNDO A GRAMÁTICA NORMATIVA.............................................................. 38 2.2. SEGUNDO OS ESTUDOS DESCRITIVOS ................................................................ 42 2.3. OS TRAÇOS E OS CONTEXTOS ANAFÓRICOS DE RETOMADA ...................... 48
2.3.1. Traço de animacidade ............................................................................................. 50 2.3.2. Traço de definitude ................................................................................................. 52 2.3.3. Traço de especificidade .......................................................................................... 58
CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA....................................................................................... 61 3.1. CORPUS ........................................................................................................................ 61 3.2. A VARIEDADE DO ESPANHOL DE VALÊNCIA ................................................... 62 3.3. PERFIL DOS INFORMANTES ................................................................................... 65 3.4. ANÁLISE DOS DADOS .............................................................................................. 67
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS ............................................ 71 4.1. RETOMADA POR CLÍTICO ....................................................................................... 73
4.1.1. Traço de animacidade ............................................................................................. 75 4.1.2. Traço de definitude ................................................................................................. 81 4.1.3. Traço de especificidade .......................................................................................... 88
4.2. APAGAMENTO ........................................................................................................... 93 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 100 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 104
15
INTRODUÇÃO
A natureza da linguagem, no âmbito da Linguística Gerativa, é um dos assuntos principais
trabalhados por essa teoria, principalmente no que se refere à aquisição de linguagem. De
acordo com essa teoria, a linguagem seria uma propriedade exclusiva da natureza humana
desenvolvida a partir da herança biológica presente em cada indivíduo. Todos os indivíduos
nasceriam com um dispositivo inato, nomeado de Gramática Universal (GU), cuja finalidade é
adquirir linguagem. A GU seria composta por princípios linguísticos universais que permitiriam
a aquisição de linguagem a partir da exposição do indivíduo aos dados de uma língua, ou seja,
ao input linguístico. De acordo com Chomsky (1988), a GU englobaria os princípios universais
responsáveis pela aquisição de linguagem. Baseado nessa visão universalista de linguagem, ou seja, de que há princípios inatos e
comuns a todos os indivíduos, Sigurðsson (2004) argumenta a favor da uniformidade, assim
como Chomsky (2001), que também defende que a língua é uniforme, mas traz subsídios para
assumir que as línguas fazem diferentes seleções de elementos de um grupo de características
universais. Sendo assim, para esta dissertação, assumimos o postulado de Sigurðsson (op. cit.),
que, por sua vez, defende a uniformidade das línguas, mas argumenta pela presença de
categorias sintáticas que são silenciadas na fonética, sendo esse silenciamento tratado como
uma opcionalidade de acordo com a marcação de traços.
Ainda com relação à Teoria Gerativa, nos baseamos na nova vertente dessa teoria, o
chamado Programa Minimalista (PM). De acordo com Chomsky (1999), a composição
computacional da Gramática Particular (GP) de um indivíduo é fruto da interação entre a GU e
o input (GU + input = GP). Portanto, o falante da língua espanhola possui diferentes estratégias
de realização de objeto direto anafórico de 3a pessoa, mas nem todas as estratégias que estão
disponíveis são produtivas, como vemos na análise dos dados. O objetivo desta dissertação foi o de investigar se há influência dos traços [+/-] animado,
[+/-] definido e [+/-] específico1 na retomada por clítico e no apagamento do objeto direto
anafórico de 3a pessoa na variedade analisada. Portanto, questões relacionadas com o sistema
pronominal, ponto principal da nossa dissertação, podem ser influenciadas a partir da seleção
dos traços pelo sistema computacional, fazendo com que as estratégias de realização, mais
1 É importante frisar que não analisamos os três traços juntos em um mesmo exemplo. Sendo assim, primeiro analisamos o traço de animacidade, seguido do de definitude e, por fim, o de especificidade.
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especificamente, a retomada por clítico e o apagamento possam depender da marcação de um
traço.
Outra noção importante para a nossa dissertação é a de referencialidade. Segundo a
abordagem da Gramática Gerativa, há representações que abarcam os elementos realizados e a
anáfora2 é um deles. A referencialidade se configura pela obrigação da presença de um referente,
elemento que possui um conteúdo informacional compartilhado. Entendemos, portanto, que as
anáforas são expressões que fazem referência a situações anafóricas, além de considerarmos o
termo “processamento anafórico” (MAIA, 1997). Ademais dos elementos realizados, também nos detemos, nesta dissertação, na estratégia
de apagamento do objeto direto, ou seja, na não realização fonética da posição de objeto direto
de 3a pessoa. Na Teoria Gerativa, o elemento anaforizado que não apresenta um referente
realizado foneticamente é chamado de categoria vazia. No entanto, seguindo os postulados de
Chomsky (1999), não consideramos as categorias vazias como simples ausências, visto que
uma categoria vazia é linguisticamente real e possui uma matriz fonológica.
Levando em conta o conceito de referencialidade, nos baseamos na Teoria da
Centralização, de Ariel (1990), apresentada por Leitão, Ribeiro e Maia (2012). Essa teoria se
caracteriza pelo fato de considerar os referentes mais destacados, que seriam os melhor
identificados, como mais acessíveis à retomada, enquanto que a identificação e a recuperação
dos outros referentes, menos destacados, seriam mais custosas.
A partir dessa abordagem teórica, a nossa pesquisa descreve e explica a retomada e o
apagamento do objeto direto anafórico do espanhol de Valência. O espanhol, de acordo com
Campos (1999) e Fernández Soriano (1999), é uma língua que retoma seus referentes,
majoritariamente, pelos clíticos, sendo essa, segundo as autoras, a estratégia mais produtiva.
Ainda de acordo com as autoras, o traço [+] específico condicionaria a retomada por um clítico.
Além dessa estratégia, outra possível é o apagamento (FERNÁNDEZ SORIANO, 1999;
CAMPOS, 1999). De acordo com as autoras, os traços [-] definidos e [-] específicos
licenciariam o apagamento do objeto direto. No espanhol, a estratégia de apagamento do objeto direto é licenciada em alguns
contextos, como o contexto de pergunta e resposta e o de proximidade. Com relação ao
apagamento em diferentes variedades do espanhol, seguimos os estudos de Suñer & Yépez
(1988), Landa (1993), Arruda (2002) e Simões (2015), que postulam que os traços [+/-] definido
e [-] animado condicionariam o apagamento nas variedades estudadas por eles, levando em
2 Anáfora, na Teoria da Ligação (CHOMSKY, 1999), se refere a pronomes recíprocos e reflexivos. Nesta dissertação, não vamos tratar disso.
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consideração os traços de animacidade, definitude e especificidade. Esses traços são levados
em conta nesta pesquisa, já que consideramos que eles não possuem somente uma natureza
semântica. Tais traços exercem repercussão na sintaxe (LAGE, 2010) e, desse modo, podem
repercutir na realização e no apagamento do objeto direto em outras variedades do espanhol
(SUÑER & YÉPEZ, 1988; LANDA, 1993; FERNÁNDEZ SORIANO, 1999; ARRUDA, 2002;
SIMÕES, 2015). Para esta dissertação, nos centramos nos estudos de von Heusinger & Kaiser (2002),
Lopes (2006) e Lage (2010) para o traço de animacidade. Segundo von Heusinger & Kaiser
(op. cit.), esse traço se configura como uma característica lexical das expressões linguísticas
que descrevem uma propriedade do referente. Lopes (op. cit.) compartilha da mesma asserção
de Lage (op. cit.) ao assumir que a animacidade seria um traço semântico com repercussão na
sintaxe. Além disso, a animacidade seria, de acordo com Lopes (op. cit.), um traço intrínseco a
itens lexicais e interpretações semânticas computadas composicionalmente a partir de um
conjunto de diferentes traços da sentença, obedecendo à escala hierárquica homem > animal >
planta > objeto, apresentada por Lage (op. cit.). O traço de definitude, por sua vez, depende da natureza do determinante. Laca (1999) e
Leonetti (1999b) postulam que os determinantes, no espanhol, antecedem um nome comum e
englobam, além de artigos, os pronomes demonstrativos, os possessivos, os quantificadores e
também uma série restrita de elementos léxicos cuja semântica está denominada como
identidade ou quantidade, como, por exemplo: otro, diversos, diferentes, numerosos,
innumerables. Leonetti (op. cit.) argumenta que o traço de definitude indica que o referente é
identificado pelo receptor. Com relação ao traço de especificidade, partimos dos estudos de Leonetti (1999a). A
noção de especificidade é fundamental, como menciona o autor, para a descrição adequada das
interpretações dos SNs definidos e indefinidos. Um SN é considerado específico quando é
utilizado por um falante para se referir a uma entidade determinada na qual esteja pensando.
Isto é, de acordo com o autor, o fator decisivo para que haja uma nomeação de algo como
específico não é o conhecimento ou a capacidade que o falante possui para identificar objetos,
mas sim a função do falante de se comunicar e deixar claro que ele pretende fazer referência a
uma entidade determinada. A partir do que foi exposto, as hipóteses aventadas foram: (1) haveria uma correlação
entre os traços [+] animado, [+] definido e [+] específico e a retomada do objeto direto anafórico
por clíticos; e (2) haveria uma correlação entre os traços [-] animado, [-] definido e [-] específico
e a não retomada do objeto direto.
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Para testar ditas hipóteses, analisamos oito entrevistas transcritas do corpus do Proyecto
para el estudio sociolingüístico del español de España y de América (PRESEEA) da variedade
de Valência, com o auxílio do programa WordSmith Tools (versão 7). A fim de alcançar o objetivo proposto e testar as hipóteses formuladas, esta dissertação
se organiza da seguinte forma: o capítulo 1 apresenta uma revisão dos pressupostos gerativistas
levados em conta na nossa dissertação; o capítulo 2 trata do sistema pronominal do espanhol e
dos traços que possuem alguma repercussão na retomada e no apagamento, além de apresentar
uma pequena revisão de características geográficas e linguísticas da região de Valência; o
capítulo 3 se centra na metodologia e no detalhamento das informações das entrevistas
analisadas; no capítulo 4, são apresentadas a descrição e a interpretação dos resultados da
análise dos dados; e, por fim, nas considerações finais, apresentamos nossas conclusões sobre
a influência dos traços de animacidade, definitude e especificidade na retomada por clítico e no
apagamento do objeto direto no espanhol de Valência.
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CAPÍTULO 1
A ARQUITETURA DA LINGUAGEM
Neste primeiro capítulo, apresentamos os pressupostos teóricos da Gramática Gerativa que
dão suporte às hipóteses assumidas nesta dissertação. Primeiro, tratamos de alguns conceitos,
como: conhecimento linguístico, uniformidade, língua-E e língua-I. Tratamos também da noção
de traço, noção de especial interesse para o tema desta dissertação. Além disso, cotejamos as
propostas de Chomsky (2001) e Sigurðsson (2004) no que diz respeito aos conceitos de
seletividade e uniformidade. Por fim, abordamos a noção de referencialidade na Gramática
Gerativa a partir dos estudos de Chomsky (1999) e Eguren & Fernández Soriano (2004), bem
como o conceito de categoria vazia, relevante para o tema que estudamos.
1.1. A NOÇÃO DE CONHECIMENTO LINGUÍSTICO
A Teoria Gerativa desenvolve um trabalho de cunho biológico/mentalista, visando a
compreender os mecanismos envolvidos na linguagem, além de se ocupar da descrição de
propriedades abstratas que envolvem o eixo mente/cérebro. Mais especificamente, a Linguística
Gerativa se configura como a ciência dedicada à parcela cognitiva da linguagem humana, já que,
segundo essa teoria, a linguagem faz parte da composição interna de todo ser humano. Isto é, a
linguagem se apresenta como objeto natural, como um componente da mente humana.
Fodor (1983) postula que a mente humana estaria constituída de diversos módulos
especializados na realização de funções específicas, ou seja, a mente se configura como um
“conjunto de inteligências” (módulos) especializadas e controladas por suas próprias regras,
como a linguagem, a memória, a visão, etc. Essa noção se opõe à hipótese da uniformidade da
mente, que defende que haveria uma espécie de inteligência única e indivisível, isto é, que a
mente humana seria uma ferramenta única e com diversas utilidades, usada para a resolução de
qualquer função cognitiva. Sendo assim, Fodor (op. cit.), em seus estudos, assume uma posição
contrária à ideia de que a mente humana é uma ferramenta única e com muitas utilidades
(uniformidade da mente).
Na concepção defendida por Fodor (op. cit.), os módulos da mente se subdividem em
módulos menores, chamados de submódulos. É importante ressaltarmos aqui que a cognição
humana e, mais especificamente, a língua não possui seções isoladas e totalmente independentes.
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Na verdade, todos os módulos e submódulos da mente trabalham de forma integrada e
interdependente, em um processo de dinamismo e interação.
No módulo da linguagem, temos, segundo Fodor (1983), no total, seis submódulos: o
fonológico, o morfológico, o lexical, o sintático, o semântico e o pragmático. Destacamos os
conceitos dos dois submódulos levados em consideração nesta dissertação: o sintático e o
semântico. Interessa-nos, particularmente, esses dois submódulos, posto que nos permitiram,
através das representações, observar se a restrição na seleção de um traço semântico tem
repercussão em uma determinada seleção de forma sintática.
O submódulo sintático se configura como algo infinito, visto que, a partir do nosso
conhecimento sintático, somos capazes de produzir um número infinito de sintagmas. Sendo
assim, cada frase criada é considerada inédita, já que não chega perto de nenhuma produção antes
dita por nós ou por outro falante. Já o submódulo semântico se dedica a criar e identificar
significados em expressões linguísticas, como, por exemplo, palavras, frases e sintagmas. Além
dessa importante função, esse submódulo é responsável pela nossa percepção de relações de
significado, ou seja, nem tudo que é produzido pelo falante no uso de uma língua é diretamente
codificado em palavras ou frases.
Numa perspectiva inatista, somente nós, seres humanos, possuímos uma dotação genética,
ou seja, um dispositivo inato que se destina especificamente à aquisição e, consequentemente, ao
uso da linguagem. Esse dispositivo, conhecido como dispositivo inato de aquisição de linguagem
(DAL), ofereceria os mecanismos para a concretização biológica da Faculdade da Linguagem
(FL), denominada pela Teoria Gerativa como Gramática Universal (GU). Sendo assim, a
aquisição de linguagem, de acordo com o Gerativismo, ocorre a partir da exposição do indivíduo
ao input. Isto é, através da exposição aos dados de uma língua. A partir da exposição aos dados
linguísticos, a GU do falante seria acionada, gerando, assim, uma gramática final, que seria a
Gramática Particular (GP). Podemos, a seguir, observar um esquema retirado e adaptado de
Radford (2004:11).
21
Experience of L
(input) . Language Faculty3 (Faculdade da Linguagem – GU) .
Grammar of L (Gramática Particular)
Figura 1: Esquema do processo de aquisição de linguagem.
No que tange à visão racionalista da linguagem, Chomsky (1988) se propôs a
compreender e explicar como um indivíduo que fala uma determinada língua desenvolve um
sistema de conhecimento representado na mente/cérebro. Para isso, postulou quatro perguntas
que norteiam o programa de investigação da Gramática Gerativa:
(i) Qual é esse sistema de conhecimento? O que existe na mente/cérebro do falante de
inglês, espanhol ou japonês?;
(ii) Como surge esse sistema de conhecimento mente/cérebro?
(iii) Como é utilizado esse conhecimento na fala (ou em sistemas secundários tais como
a escrita)?;
(iv) Quais são os mecanismos físicos que servem de base para esse sistema de
conhecimentos e o uso desses conhecimentos?;
(CHOMSKY, 1988:4)4
A primeira pergunta formulada por Chomsky (op. cit.) faz menção às partes que formam
o conhecimento da linguagem e como esse conhecimento se aplica. Chomsky (op. cit.) afirma,
com relação à primeira pergunta, que é necessário levar em conta os princípios inatos e, além
disso, os parâmetros definidos pela exposição aos dados de uma língua (input). A GU, como já
adiantamos no início deste capítulo, é descrita como o conjunto de princípios que regem a FL.
Diferentemente da GU, a GP é gerada da interação entre a GU e os dados aos quais o indivíduo
foi exposto. Tais dados de entrada seriam selecionados e organizados na mente/cérebro do
indivíduo. Sendo assim, é possível entender, seguindo a perspectiva da Gramática Gerativa, que
um indivíduo adquire uma língua particular, seja ela o inglês, o espanhol ou até mesmo o
3 A FL é exclusiva dos seres humanos, com poucas exceções (algum distúrbio de linguagem). 4 A versão do texto de Chomsky (1988) que utilizamos nesta dissertação está em espanhol. Logo, as perguntas presentes aqui (em português) foram traduzidas por nós durante a elaboração desta dissertação.
22
japonês, guiado pela GU, que é engatilhada pelos dados linguísticos aos quais o falante foi
exposto.
A segunda pergunta está relacionada ao problema de Platão, também chamado de
problema da Pobreza de Estímulo. O problema de Platão possui esse nome, pois o filósofo
Platão ilustrou esse problema a partir do primeiro experimento psicológico de que se tem
notícia. Tal experimento foi elaborado por Sócrates e demonstrou que um escravo de Mênon5,
sem instrução escolar, aplicou os princípios da geometria ao responder a algumas perguntas
feitas por seu amo. Esse experimento incitou um questionamento: Como o escravo sem
instrução prévia é capaz de resolver teoremas matemáticos, mais especificamente, da
geometria?
Com o intuito de responder o questionamento, Platão postulou que o conhecimento prévio
do escravo surgia na mente/cérebro acionado por meio de perguntas que lhe foram feitas.
Levando em conta os pressupostos da Gramática Gerativa, a resposta para esse questionamento
está no fato de que alguns aspectos do conhecimento são inatos e determinados pela herança
biológica humana. Desse modo, o conhecimento linguístico é fruto do somatório de princípios
inatos e da exposição (ainda que breve e limitada) do indivíduo à língua. Esse somatório pode
ser responsável pela competência linguística dos seres humanos, conforme podemos ver no
esquema a seguir. Nessa representação, vemos que a soma dos dados presentes na GU e do
input resulta na GP do falante, como já demonstramos no esquema da figura 1.
GU + DADOS (interação social) = GP
Figura 2: Esquema do somatório de princípios inatos e dos dados.6
No que tange à terceira pergunta, Chomsky (1988) postula que o conhecimento
linguístico (competência) difere da noção de habilidade linguística (desempenho). A
competência linguística faz menção aos princípios inatos à mente e comuns a todos os
indivíduos, que, quando expostos aos dados da língua, particularizam os princípios, fazendo
5 Um homem de família da cidade de Farsalo. 6 Nosso esquema.
23
com que seja possível a aquisição da língua. Em contrapartida, a noção de desempenho, ponto
de interesse da terceira questão formulada por Chomsky (1988), está ligada à fixação de um
parâmetro e condiz com a forma como esse conhecimento linguístico é colocado em prática.
Esse desempenho pode ser aprimorado a qualquer momento por meio de cursos ou até mesmo
interrompido sem haver prejuízo do conhecimento linguístico já adquirido. Podemos observar
essa explicação a partir do exemplo proposto por Chomsky (op. cit.) na seguinte citação.
Tomemos dos individuos que tengan exactamente el mismo conocimiento del español: la pronunciación, cómo entienden el significado de las palabras, la comprensión de la estructura de la oración, etc., todo es idéntico. Sin embargo, estos dos individuos pueden diferir – y característicamente diferirán mucho – en su capacidad de usar la lengua. El uno puede que sea un gran poeta, y el segundo puede usar una lengua perfectamente pedestre y expresarse en clisés. Por características dos individuos que comparten el mismo conocimiento de un mismo idioma se inclinaran a decir cosas muy diferentes en ocasiones dadas. De aquí que sea difícil comprender cómo se puede identificar el conocimiento con la destreza y aún menos con la disposición al comportamiento. Además, la destreza puede mejorar sin que se altere el conocimiento. (CHOMSKY, 1988:7-8)7
No exemplo dado por Chomsky (op. cit.) na citação, podemos ver que os dois indivíduos
possuem um mesmo conhecimento linguístico, ou seja, o mesmo momento de maturação. O
que diferencia esses dois indivíduos é o desempenho, já que um deles possui um uso da língua
mais formal e o outro um mais coloquial. Por mais que possuam o mesmo conhecimento
linguístico, podem se expressar de maneiras diferentes de acordo com a situação à qual eles
estejam expostos.
A terceira pergunta, além de abordar as noções de competência e desempenho, também
aborda dois problemas postulados por Chomsky (op. cit.): o problema de percepção e o
problema de produção. O primeiro se refere à forma como interpretamos o que escutamos ou
lemos. Já o segundo se refere ao que dizemos e à razão pela qual o dizemos. Esse último
problema também é chamado de problema de Descartes e trata do aspecto criativo da
linguagem. Descartes e seus discípulos observaram que o uso da linguagem é constantemente
inovador, livre do controle de estímulos externos, coerente e apropriado às situações. A partir
7 Tradução nossa: Tomemos dois indivíduos que tenham exatamente o mesmo conhecimento do espanhol: a pronúncia, como entendem o significado das palavras, a compreensão da estrutura da oração, etc., tudo é idêntico. Porém, esses dois indivíduos podem se diferenciar – e caracteristicamente irão se diferenciar muito – em sua capacidade de usar a língua. Um pode ser um grande poeta, e o segundo pode usar uma língua coloquial e se expressar com gírias. Por características, dois indivíduos que compartilham o mesmo conhecimento de um mesmo idioma estarão inclinados a dizer coisas muito diferentes em determinadas ocasiões. Logo, é difícil compreender como podemos equiparar o conhecimento com a habilidade e, menos ainda, com a disposição ao comportamento. Além disso, a habilidade pode melhorar sem alterar o conhecimento.
24
dessa asserção, Chomsky (1988) retoma o argumento de Descartes, no qual há a conclusão de
que os homens são capazes de criar/compreender um número infinito de expressões linguísticas
a partir de um número finito de regras, que são estabelecidas pelos princípios inatos e pelos
parâmetros da língua. E, por fim, no que diz respeito à quarta pergunta, Chomsky (op. cit.)
deixa claro que essa questão é relativamente nova e que sua resposta dependerá do avanço dos
estudos do cérebro.
Das perguntas propostas por Chomsky (op. cit.), destacamos, para esta dissertação, as que
fazem parte do primeiro ponto: Qual é esse sistema de conhecimento? O que existe na
mente/cérebro do falante de inglês, espanhol ou japonês? Partimos dessa questão central, que
envolve a organização da FL quando ocorre a aquisição de uma língua, já que a descrição dos
dados de uma língua fornece evidências a respeito da organização dos diferentes submódulos.
Ao descrever dados de falantes adultos, descrevemos os dados linguísticos que constituem uma
GP.
Tratando, especificamente, do nosso estudo, visamos a descrever e explicar o fenômeno
sintático que opera na distribuição argumental e que nos permite entender de que forma o
sistema de conhecimento de um falante de espanhol de Valência licencia a realização (ou não)
do objeto anafórico por clítico8. O licenciamento do objeto anafórico nulo pode fornecer
evidências sobre a configuração do sistema de conhecimento de um falante de espanhol de
Valência, uma vez que levamos em conta a combinação e a disposição dos mesmos na
computação sintática. Ao descrever os contextos de realização ou não do objeto direto
anafórico, pretendemos investigar possíveis regularidades na produção dos falantes de espanhol
dessa variedade, considerando a influência dos traços de animacidade, definitude e
especificidade.
Chomsky (2001), numa visão universalista da linguagem, propõe que todas as línguas
naturais teriam acesso a todos os traços disponíveis na GU. Sigurðsson (2004), em seu trabalho,
traz o argumento de que o pensamento de Chomsky (op. cit.) acerca das noções de uniformidade
e seletividade é paradoxal. De acordo com Chomsky (op. cit.), as línguas são uniformes (L-
UNIFORMITY). Por outro lado, o autor também assume que as línguas fazem diferentes
seleções de elementos de um conjunto de características universais (L-SELECTION), como
podemos ver na citação a seguir.
8 É relevante lembrar aqui que a não realização do objeto direto anafórico também é conhecida como o fenômeno do objeto nulo.
25
FL [i.e. Faculty of Language] specifies the features F that are available to fix each particular language L... We adopt the conventional assumption that L makes a one-time selection [FL] from F. These are the features that enter into L; others can be disregarded in the use of L. (CHOMSKY, 2001:10)9
Dentre as possibilidades de representação, Sigurðsson (2004) postula que a uniformidade
é a única forma possível. No entanto, argumenta a favor de que as línguas possuem em comum
o que o autor chama de “silêncio” (silence), que faz referência às categorias presentes na
sintaxe, mas que são silenciadas na fonética. Sendo assim, os indivíduos são dotados de
estruturas e elementos sintáticos inatos, ressaltando a importância da opcionalidade de
realização fonológica desses traços, posto que os traços estão sempre presentes na
mente/cérebro do falante, mas podem ter repercussão fonológica ou não.
Levando esse pressuposto em consideração, Sigurðsson (op. cit.) afirma que a
opcionalidade ou não da repercussão fonológica de alguns traços – que segundo o autor e
Chomsky (op. cit.) são universais – é resultado das possíveis diferenças que existem entre as
línguas. Tal opcionalidade é tratada pelo autor como “Princípio do Silêncio” (do inglês, Silence
Principle). Sigurðsson (op. cit.) defende, portanto, a uniformidade dos traços a partir de
diferenças visíveis entre línguas (diferenças paramétricas), que podem ser explicadas pela
possível opcionalidade na repercussão dos traços. Para retratar dita assunção, o autor traz os
seguintes exemplos, comparando o subjuntivo no inglês (1) e no islandês (2).
(1) a. The Police insisted that he tell the truth.
b. The Police insisted that he should tell the truth.10
(2) a. Pétur vonaðist til að hún byði sér / honum.
b. Peter hoped for that she invited. SJ11 SELF / him.
c. Peter hoped that she would invite him.12
(SIGURðSSON, 2004:240)
9 Tradução nossa: FL [Faculdade da linguagem] especifica os traços F que estão disponíveis para fixar cada língua particular L... Nós adotamos a assunção convencional de que L faz uma seleção única de F. Esses são os traços que entram em L; outros podem ser desconsiderados no uso de L. 10 Tradução nossa: a. A Polícia insistiu que ele diga a verdade. b. A Polícia insistiu que ele deveria falar a verdade. 11 Sigla para subjuntivo. 12 Tradução nossa: b. Peter esperava que ela o convidasse. c. Peter esperava que ela o convidaria.
26
Sigurðsson (2004) afirma que, no inglês, não há subjuntivo flexionado, já que o
subjuntivo se assemelha ao infinitivo, mas, ainda assim, é um modo considerado sintático, como
podemos perceber tanto no exemplo (1a) quanto em exemplos chamados pelo autor de menos
formais, como (1b). O islandês, por ter o subjuntivo flexionado, que é utilizado em contextos
como os dos exemplos (1a) e (1b), difere do inglês. Além disso, o islandês possui outras formas
de subjuntivo, como podemos ver nos exemplos (2a), (2b) e (2c). Sendo assim, apesar de
possuir o subjuntivo dito sintático, a flexão do subjuntivo é silenciada foneticamente no inglês,
o que não ocorre no islandês.
Nesta dissertação, trazemos os casos de retomada por clítico (3a) e de apagamento (3b),
ambos exemplos da variedade do espanhol de Madri (SIMÕES, 2015). Assim, investigamos se,
na região de Valência, o pronome clítico para a retomada do objeto direto anafórico é ou não
silenciado, levando em conta os traços de animacidade, definitude e especificidade.
(3) a. I: en Ginebra / pues yo entiendo el francés a mí me hablas en francés y yo te entiendo
// y entonces no no realmente no lo hablo pero sí lo entiendo (...) (SIMÕES, 2015:143)
b. E: y los estudios ¿seguirías con la idea de hacer oposiciones o no?
I: yo creo que sí porque yo creo que en mi casa aburrida / o a lo mejor no haría Ø / yo
realmente hago oposiciones para tener un trabajo seguro / porque para mí la seguridad
es muy importante / (...) (SIMÕES, 2015:139)
No exemplo (3a), observamos que há a realização da retomada do referente “el francés”
pelo clítico masculino singular lo, não havendo, portanto, a opcionalidade do silenciamento de
dito referente, levando em conta a natureza dos traços do mesmo: [-] animado, [+] definido e
[+] específico. Em contrapartida, o exemplo (3b) demonstra que os traços [-] animado, [-]
definido e [-] específico do referente condicionam o apagamento do referente. Nesta
dissertação, a estratégia de realização por clítico ou apagamento do objeto direto anafórico
parece ser uma evidência do silenciamento ou não do traço. Tal assunção é de extrema
importância para o entendimento do comportamento desses traços, que estão caracterizando o
sistema pronominal das línguas, nos interessando, particularmente, o espanhol de Valência.
Em se tratando da configuração das línguas naturais, segundo Chomsky (1986), tais
línguas naturais fazem parte de um fenômeno que possui duas dimensões: uma dimensão
individual e cognitiva e uma dimensão coletiva e sociocultural. Sendo assim, podemos entender
o termo “língua” de duas formas: língua como faculdade cognitiva e língua como código
27
linguístico. A primeira forma se refere ao conhecimento linguístico de um indivíduo acerca de
uma língua, ao que faz com que esse indivíduo produza e compreenda enunciados da sua língua
particular. A segunda faz referência ao código linguístico existente em uma determinada
comunidade, isto é, a língua é o léxico e tudo o que nela está contido ou que dela é derivado.
A fim de resolver esse problema e amenizar a confusão que o termo “língua” pode gerar,
Chomsky (1986) propôs duas classificações teóricas: Língua-I e Língua-E. O primeiro termo
se refere à língua de forma cognitiva e o segundo termo faz referencia à língua como fenômeno
social. De acordo com o autor, Língua-I traz uma dimensão mental/subjetiva ou cognitiva do
fenômeno da linguagem, em que “I” assume a proposição de interna, individual e intensional
(individual, interior). Já Língua-E pode se referir à dimensão sociocultural/objetiva das línguas,
em que “E” significa externa e extensional (coletiva, exterior).
Um dos interesses da Linguística Gerativa, no que tange à concepção de língua, é
descrever em que consiste a Língua-I, posto que esse termo compreende os princípios que
existem na mente/cérebro do indivíduo e que fazem com que ele produza e compreenda uma
determinada língua, ou seja, a GP. Tendo em vista que os princípios não são adquiridos e já
fazem parte do nosso pacote genético, um indivíduo dispõe de um amplo leque de
conhecimentos, como podemos observar nos seguintes exemplos.
(4) a. John is too angry to talk (to Mary).13
b. John climbed the mountain.
(CHOMSKY, 2009:9)
Nos exemplos representados por (4a) e (4b), podemos ter duas interpretações para cada
uma das sentenças, tendo em vista a Língua-I de um indivíduo. No exemplo (4a), podemos
entender que John é a pessoa com quem se deve falar, se a informação to Mary estiver ausente.
No entanto, também podemos interpretar que John é quem efetua a fala, caso a informação to
Mary esteja presente. No exemplo (4b), também temos duas interpretações. Por um lado,
quando se diz em inglês que John climbed the mountain, inferimos que John subiu a montanha,
enquanto que, por outro lado, também se pode dizer em inglês que John climbed down, ou seja,
que John desceu a montanha. Esses casos listados em (4) evidenciam particularidades do inglês
que ilustram a capacidade de cada indivíduo representar os princípios da Língua-I.
13 Tradução nossa: a. John está bravo demais para falar (com Mary). b. John escalou a montanha.
28
Sendo assim, na acepção de Língua-I, uma língua é entendida como parte do sistema
cognitivo humano. Nesta dissertação, nos dedicamos a compreender e analisar as regras que
regem a gramática adulta de falantes do espanhol de Valência (Língua-I), mais especificamente
no que diz respeito aos tipos de retomada do objeto direto anafórico, levando em consideração
os traços já mencionados (animacidade, definitude e especificidade).
1.2. OS TRAÇOS LINGUÍSTICOS E O SISTEMA COMPUTACIONAL
Com o intuito de demonstrar a natureza universal dos traços, Chomsky & Hale (1968)
retomam a ideia de Bloomfield (1942) de que um conjunto de traços distintivos poderia ser
aplicável a qualquer fonema, posto que os segmentos fonéticos são construídos a partir de
unidades atômicas menores indissociáveis, conhecidas como traços. Para a Gramática Gerativa,
essas unidades atômicas indissociáveis são partículas que trazem informações linguísticas
escolhidas pelo sistema computacional (CHOMSKY, 1999; CARVALHO, 2012), que, por sua
vez, se configura como um sistema de princípios que opera recursivamente sobre os itens do
léxico e sobre as expressões complexas formadas a partir desses itens, que também se mostram
como um dos componentes da linguagem humana.
Os traços lidos pelo sistema computacional seriam legíveis pelo sistema de desempenho
em todas as línguas. A nossa dissertação tem como um de seus objetivos investigar os traços de
animacidade, definitude e especificidade presentes no referente retomado ou não por clíticos.
Os itens lexicais aos quais os traços precisam estar associados, a natureza desses traços e
a interpretabilidade que vão apresentar na sintaxe definirão os valores dos parâmetros de uma
língua. Chomsky (1999) define três diferentes tipos de traços: os semânticos, os fonológicos e
os formais.
Os traços semânticos assumem os valores de significado disponíveis no léxico e
transmitem o conteúdo semântico do item lexical que leva os traços à FL. Além disso, são de
extrema importância para a interface com o sistema conceitual-intencional, sendo, portanto,
inacessíveis no decorrer da derivação.
Nesta dissertação, é importante ressaltarmos que há traços semânticos que são intrínsecos
a itens lexicais, como é o caso do traço de animacidade, que, ademais de se configurar como
um traço semântico, pode também ser codificado no sistema sintático. Outro ponto relevante
com relação aos traços semânticos reside no fato de que as chamadas interpretações semânticas
são computadas a partir de um conjunto de diferentes traços na derivação. Esse é o caso de
outros traços semânticos levados em consideração, como os traços de definitude e
29
especificidade, que dependem de uma dada estrutura sintática, como o tipo de predicado,
estrutura do sujeito, objeto, etc.
Diferentemente dos traços semânticos, os traços fonológicos são relevantes para o sistema
articulatório-perceptual e determinam o conteúdo fonético dos itens lexicais, sendo acessíveis
somente após o Spell-out14. E, por fim, os traços formais são acessados pelo sistema
computacional e apresentam diferenças que se refletem na derivação, sendo gênero, pessoa,
número e caso estrutural alguns desses traços. Tais traços também são conhecidos como traços
phi (φ).
Os traços φ, por exemplo, constituem inteiramente a operação Agree, sem, no entanto,
estabelecer sua natureza ou determinar, de forma mais substancial, sua composição. A operação
Agree, também conhecida como correspondência entre os traços, segundo Carvalho (2012),
apaga traços ilegíveis durante a valoração de traços formais de um elemento nominal pela
identidade de traços formais do mesmo tipo de um núcleo funcional.
Em 1995, com a obra Minimalist Program, Chomsky formula, com base na teoria dos
princípios e parâmetros e, em particular, dos princípios da economia da derivação e da
representação, a estrutura minimalista. De acordo com o autor, o PM interpreta a GU como um
sistema computacional único, com derivações impulsionadas por propriedades morfológicas,
fazendo com que a variação das línguas seja um processo restrito.
Levando em consideração ditas informações, um dos objetivos do PM é reduzir ao
máximo as unidades, os níveis, as operações e os princípios da teoria linguística, ou seja, um
dos seus objetivos é postular somente a existência de unidades, níveis, operações e princípios
que sejam conceitualmente necessários. Ademais, de acordo com Chomsky (1999), o PM
atribui uma particular importância ao lugar e ao papel da linguagem na mente humana,
fornecendo expressões que podem ser usadas pelo ser humano para falar sobre o mundo,
descrever, referir, perguntar, exprimir, se comunicar com outras pessoas, articular pensamentos
para si e tudo mais que a linguagem nos permita fazer.
No PM, Chomsky (op. cit.) postula que os níveis de representação da FL são a Forma
Fonética e a Forma Lógica, que fazem, respectivamente, interface com os sistemas sensório-
motor e de pensamento. Partindo do ponto de vista minimalista, o conceito de parâmetro se
relaciona ao contexto de traço (CHOMSKY, 1999). De acordo com Chomsky (op. cit.), o
parâmetro, no PM, pode ser entendido como um feixe de traços fixados. Para esta dissertação,
14 Spell-out se refere ao termo em inglês que significa “dividir”, “separar”. Trata, mais especificamente, do momento em que a derivação é dividida em duas partes: a informação que se direciona para a Forma Fonética e a informação que se direciona para a Forma Lógica.
30
a valoração dos traços de animacidade, definitude e especificidade dependeria da fixação que o
parâmetro receberia nas diversas línguas, ou seja, [+] e [-] animado, [+] e [-] definido e [+] e
[-] específico.
Desse modo, podemos entender que a composição computacional da GP de um falante é
reflexo da presença ou ausência de um determinado item na produção linguística dele. Sendo
assim, o falante de espanhol tem, à sua disposição, diferentes estratégias de realização do objeto
direto. No entanto, há uma grande diferença entre estar disponível e ser produtivo, já que estar
disponível não significa que todas as estratégias sejam produtivas no espanhol de Valência.
O traço selecionado pelo sistema computacional pode influenciar as questões que
envolvem o sistema pronominal do espanhol, pois, dependendo da marcação do traço, poderá
ocorrer o apagamento ou a retomada do referente por clíticos. Por esse motivo, as categorias
funcionais e a verificação desses traços podem ser fundamentais para a análise do nosso
corpus com relação à realização ou não do objeto direto anafórico.
A realização ou apagamento do traço dependeria, segundo o PM, do movimento de
constituintes, já que esse movimento gera a checagem das informações presentes em um feixe
de traços. Sendo assim, para que haja uma operação linguística realizada com sucesso, ou seja,
para que o elemento seja checado e pareado, é necessário que haja movimento. Traços que não
estão presentes no léxico não podem ser interpretados e, consequentemente, checados.
A noção de traço, como pudemos ver, é de extrema importância para a Gramática
Gerativa, permeando os estudos gerativistas desde a sua origem, já que os traços especificam
propriedades fonológicas, sintáticas e semânticas de uma língua (CARVALHO, 2012). Assim
sendo, discutimos, nesta dissertação, que a diferença nas estratégias de realização ou não do
objeto direto anafórico pode ser diretamente motivada pela valoração dos traços de
animacidade, definitude e especificidade do referente, que, por sua vez, serão melhor
trabalhados no capítulo 2, mais especificamente, na seção 2.3. Assumimos, portanto, que a
marcação dos traços de animacidade, definitude e especificidade do referente pode ter motivado
a seleção de diferentes tipos de estratégias de retomada do objeto direto anafórico na produção
de falantes do espanhol de Valência.
1.3. A NOÇÃO DE REFERENCIALIDADE
Uma das exigências da referencialidade, assunto principal desta seção, é a presença de
um referente, isto é, um elemento com o mesmo conteúdo informacional compartilhado. Sendo
31
assim, o conceito de anáfora será especificado, porque tal noção é muito ampla e é tratada por
diferentes abordagens, como veremos a seguir.
Segundo o dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, o termo “anáfora” é derivado do
grego anaphora (“ação de repetir”) e possui duas acepções: (1) a repetição de uma palavra ou
grupo de palavras no início de duas ou mais frases sucessivas; ou (2) o processo pelo qual um
termo gramatical retoma a referência de um sintagma anteriormente utilizado na mesma frase.
Ao tratar da anáfora em uma visão mais normativa, Perini (2009) propõe que essas
expressões fazem referência a situações anafóricas. Para esse autor, as situações anafóricas são
estruturas que ocorrem perto de uma estrutura paralela quando os elementos comuns às duas
estruturas são totalmente ou até mesmo parcialmente omitidos em uma delas, como no seguinte
exemplo.
(5) A: Você fez o exercício?
B: Fiz.
(PERINI, 2009:57)
Como podemos perceber no exemplo (5), o substantivo “exercício” é omitido na resposta
de B. Portanto, de acordo com o autor, a forma “fiz” está em situação anafórica, já que o verbo
“fazer” exige a presença de um objeto direto, que, no caso do exemplo em questão, seria o
substantivo “exercício”. Na Gramática Gerativa, o critério estabelecido para identificar uma
anáfora é o de que o referente deve C-comandar a anáfora. Sendo assim, a anáfora C-comandada
por um DP deve possuir o mesmo índice referencial, não sendo suficiente que a anáfora seja C-
comandada por um DP qualquer. Seguindo esse princípio, o referente deve estar dentro de um
certo domínio denominado categoria de regência, que depende da presença da anáfora, do
regente da anáfora e de um sujeito independente da anáfora.
De acordo com Chomsky (1999), as anáforas, que incluem os pronomes recíprocos e os
pronomes reflexivos, exigem um referente que as ligue. Nessa concepção, as anáforas se
diferenciam bastante dos pronomes, já que os mesmos podem ter ou não antecedentes que os
liguem, não sendo obrigatória a presença de um antecedente. Segundo o autor, em inglês e em
outras línguas, o antecedente de uma anáfora necessita ser local em relação à anáfora, ou seja,
precisa respeitar a Condição A da Teoria da Ligação. Na hipótese de que o domínio local é o
mesmo para a Condição A e para a Condição B, Chomsky (op. cit.) prevê que existe uma
complementaridade entre pronomes e anáforas. Para esta dissertação, assumimos essa regra, já
32
que, como podemos observar no exemplo (6a), a frase agramatical se converte em gramatical
quando o pronome ligado foi substituído pela anáfora himself.
(6) a. *John criticized him.
b. John criticized himself.15
(CHOMSKY, 1999:151-152)
Diferentemente da anáfora, os pronomes podem ou não ter um antecedente, não sendo
obrigatória a presença do mesmo. Outra característica dos pronomes é a de que, se houver um
antecedente, ele não deve estar correlacionado ao pronome dentro do seu domínio, mas sim fora
dele16. Tal característica presente tanto nas anáforas quanto nos pronomes é a categoria de
regência, dada a distribuição complementar que existe entre esses dois elementos referenciais.
Os pronomes reflexivos e recíprocos seriam os elementos que possuem o traço
[+ anáfora]. Segundo Eguren e Fernández Soriano (2004), esses elementos possuem,
obrigatoriamente, um referente no contexto oracional, além de apresentarem menos traços
gramaticais (traços de gênero e número) e também uma carência de referência intrínseca, como
se observa nos exemplos abaixo.
(7) a. Juan se quiere a sí mismo.
b. Juan y María se escriben el uno al otro.
(EGUREN & FERNÁNDEZ SORIANO, 2004:139)
Já os elementos que possuem o traço [+ pronominal] são os pronomes pessoais não
reflexivos, que apresentam os traços de gênero, número, pessoa, entre outros. Ademais, podem
ter um antecedente no contexto linguístico (8a), um antecedente extralinguístico (8b), ou até
mesmo um antecedente dêitico (8c), como se pode observar nos exemplos a seguir.
(8) a. Juan cree que lo admiran.
b. En esta película ella es Grace Kelly.
c. Ha sido él.
(EGUREN & FERNÁNDEZ SORIANO, 2004: 139)
15 Tradução nossa: (6) a. John criticou ele. b. John criticou a si mesmo. 16 Na Gramática Gerativa, essa operação recebe o nome de C-comandar.
33
E por fim, as expressões-R possuem autonomia referencial, ou seja, não precisam de um
referente e, em caso de que haja um antecedente, ele não é capaz de C-comandar as expressões-
R em nenhum domínio. De acordo com os princípios da Teoria da Ligação, uma anáfora deve
estar ligada em sua categoria de regência, isto é, deve ser C-comandada por um elemento que
possua o mesmo índice referencial. Por outro lado, um pronome tem que estar livre em sua
categoria de regência, ou seja, não deve ser C-comandado por um elemento que carregue o
mesmo índice referencial que o seu.
As expressões referenciais, além de apresentarem independência referencial, possuem
traços gramaticais e semânticos. Essas expressões podem ser representadas pelos nomes
próprios ou comuns encabeçados por um determinante. Sendo assim, os SNs presentes nos
exemplos em (9) se referem a eles mesmos, ou seja, apresentam sua própria referência e fazem
referência a um objeto presente no mundo, como podemos observar nos exemplos apresentados
a seguir.
(9) a. Él miraba a Juan.
b. Él cree que [Pedro miraba a Juan].
(EGUREN & FERNÁNDEZ SORIANO, 2004:141)
Os diferentes itens referenciais que fazem parte do escopo de uma língua natural,
retratados no exemplo (9), atuam na diferenciação dos elementos que ocupam a posição de
argumento interno com a função de objeto direto. Essa diferenciação dos itens é importante,
pois os elementos que ocupam a posição de objeto direto são diferentes, visto que são
categorizados de acordo com o modo como aparecem na referência. De acordo com Raposo
(1998), tanto a anáfora quanto o pronome da Teoria da Ligação são representados por pronomes
na Gramática Tradicional. Os clíticos seriam classificados, na Teoria da Ligação, como
pronomes e não como anáforas. Em nossa dissertação, levamos em conta essa acepção. Sendo
assim, nosso objeto de estudo é o processamento anafórico, do qual vamos tratar a seguir.
De acordo com os estudos de Maia (1997), o processamento anafórico investiga dois
temas principais. O primeiro diz respeito à relação entre a forma anafórica retomada e a
memória de trabalho, pois a retomada pode ser executada por várias formas. Essa memória de
trabalho entraria em questão no sentido de que, no momento da compreensão de uma sentença
com retomada, a ativação ou a reativação do referente na nossa mente pode gerar maior ou
34
menor custo para a memória de trabalho. O outro tema entre os dois principais trata das
restrições sintáticas referentes à Teoria da Ligação, proposta por Chomsky (1981).
Com relação a esses estudos, Leitão, Ribeiro e Maia (2012) apresentam a escala de
acessibilidade proposta por Ariel (1990), que se baseia no fato de que referentes mais
destacados são referentes mais acessíveis. Sendo assim, a Teoria da Centralização liga os
diferentes tipos de retomada com custos de processamento também distintos. De acordo com
os autores, SNs definidos condicionariam uma representação mais detalhada e, desse modo,
possuiriam um alto custo de processamento, enquanto que os pronomes, que não possuem
autonomia referencial e chamam uma representação baseada, normalmente, nos traços de
número, gênero, pessoa e animacidade, seriam processados de maneira menos custosa.
De acordo com Leitão, Ribeiro e Maia (op. cit.), existem muitos estudos que investigam
o processamento anafórico e como ocorrem determinados processos, sendo cada estudo
responsável por focalizar em um determinado fator, deixando de lado outros. Segundo os
autores, Chomsky (1981) focou seus estudos nas relações anafóricas intrassentenciais,
geralmente observando como a Teoria da Ligação influi no processamento. Por outro lado,
outros estudos se dedicam às relações anafóricas interssentenciais, em que podem contar tanto
fatores estruturais e gramaticais quanto fatores semânticos. Sendo assim, enquanto o fator
tratado no exemplo (9a) faz referência ao processamento anafórico intersentencial, isto é, ao
processamento no qual a retomada e o referente ocupam orações diferentes, no segundo caso,
representado pelo exemplo (9b), há restrições que atuam no processamento anafórico
intrasentencial, isto é, no processamento em que a retomada e o referente ocupam a mesma
oração ou estão em orações encaixadas. Para esta dissertação, levaremos em conta o
processamento anafórico intrassentencial.
Ainda com relação à referencialidade, Leitão, Ribeiro e Maia (op. cit.) apresentam a
hipótese da Carga Informacional. Essa hipótese expressa que, quando há uma retomada
anafórica que não adiciona informação nova, o referente é facilmente identificado por ser
destacado discursivamente, ocorrendo, assim, um maior custo de processamento na
identificação da correferência. De acordo com essa hipótese, a distância semântica entre as
retomadas anafóricas e a representação dos seus respectivos referentes no enunciado anterior
influencia no processamento informacional do indivíduo. Quando há retomadas mais gerais, a
carga informacional é menor em relação à carga de nomes repetidos, por exemplo.
35
Nosso estudo sobre a realização ou não do objeto direto anafórico no espanhol de
Valência está centrado nos elementos anaforizados que podem apresentar o mesmo traço do
referente, como nos exemplos17 a seguir.
(10) a. “(...) se quedaba mi padre solo con mi hermana la mayor / entonces / eeh reuní a mis
hermanos / porque nadie hablaba ni decía nada / y los reuní...”
b. “(...) o sea mi madre tuvo al último con cuarenta y cuatro / eh/ la niñez con mis
hermanos y todo eso la recuerdo muy bien...”
No exemplo (10a), o referente “mis hermanos” apresenta os traços [+] animado, [+]
definido e [+] específico, já que se trata de um referente humano, encabeçado por um
determinante forte (um possessivo), que, por sua vez, agrega uma interpretação [+] específica
ao referente. Considerando os traços do referente, observamos que o clítico “los”, utilizado para
retomar “mis hermanos”, possui os mesmos traços desse referente, configurando-se, portanto,
como um elemento anaforizado. O mesmo ocorre com o exemplo (10b), cujo referente [-]
animado, [+] definido e [+] específico faz com que o clítico “la”, que retoma o referente “la
niñez”, possua os mesmos traços e se caracterize, também, como um elemento anaforizado,
como no exemplo (10a).
Raposo (1998) afirma que uma categoria vazia não é uma “simples ausência”, já que uma
ausência não possui propriedades diferenciadas. Considerando dita asserção, não podemos
tratar as categorias vazias como simples ausências, posto que, de acordo com o autor, uma
categoria vazia é uma categoria linguística real com uma matriz gramatical, mas sem matriz
fonológica.
Com relação à categoria vazia no chinês, Huang (1984) diferencia as categorias vazias
nas posições de sujeito e objeto direto, sendo essa última a que nos interessa para esta
dissertação. O autor compara as categorias vazias do chinês com as de outras línguas, como o
inglês, o espanhol, o francês, o italiano e o português. O autor determina que, no chinês, uma
categoria vazia em posição de objeto, por possuir o seu referente fixado no discurso, é
considerada uma variável. Segundo o autor, o inglês exige que o elemento topicalizado seja
expresso, mas outras línguas, como é o caso do chinês, admitem tópico nulo. Assim, Huang
(op. cit.) defende que a categoria vazia na posição de objeto deve ser considerada, como já foi
dito, uma variável. No entanto, outros trabalhos, como o de Cyrino (1997), demonstram o
17 Exemplos retirados do corpus utilizado nesta dissertação (entrevista VALE_M22_035).
36
contrário, já que a autora determina que línguas como o quéchua, o português do Brasil e o
italiano possuem objetos nulos que não podem ser considerados variáveis.
Na Teoria Gerativa, a noção de categoria vazia é proposta para dar conta desses
elementos. Apresentamos, a seguir, os elementos não realizados, ou seja, os elementos
anaforizados com referente foneticamente não realizado. Os elementos referenciais estão
ligados às categorias vazias, que, de acordo com Chomsky (1999), são quatro. Tais categorias
vazias estão representadas em (11) e entram na seguinte tipologia
(11) a. Vestígio de NP é [+anáfora, -pronominal].
b. Pro é [- anáfora, +pronominal]
c. Vestígio de operador (variável) é [-anáfora, -pronominal]
d. PRO é [+anáfora, +pronominal]
(CHOMSKY, 1999:84)
Sendo assim, Chomsky (op. cit.) admite que as categorias de expressões nominais podem
ou não ser realizadas: as anáforas podem ser lexicais ou vestígios de NP ou PRO. Chomsky
(op. cit.) propõe que o vestígio de NP é não referencial, pro possui as propriedades de um
pronome e as variáveis, que podem ser substituídas no que tange à posição das expressões-R,
são referenciais. A relação existente entre o vestígio de NP e o seu referente é, segundo o autor,
basicamente a mesma presente entre uma anáfora e o seu referente, já que, em ambos os casos,
o referente tem que C-comandar o vestígio, assim como outras condições estruturais precisam
ser seguidas, como podemos observar nos exemplos em (12).
37
(12) a. i. John hurt himself
ii. John was hurt t
b. i. *himself thought [John seems to be intelligent]
ii. *t thought [John seems that is raining]
c. i. *John decided [himself left early]
ii. *John was decided [t to leave early]18
(CHOMSKY, 1999:85)
Como vimos anteriormente na seção 1.1., a primeira pergunta proposta por Chomsky
(1988) – Qual é este sistema de conhecimento? O que existe na mente/cérebro do falante de
inglês, espanhol ou japonês? – diz respeito ao conhecimento da linguagem e como esse
conhecimento se aplica. Nesse sentido, a anáfora (na acepção que assumimos aqui) faz parte do
conhecimento linguístico (L1) dos falantes de espanhol de Valência. Vimos, na seção 1.2. desta
dissertação, que traços são os valores e as informações que se encontram codificados no léxico
de uma língua natural. Sendo assim, cada item do léxico é, na verdade, um composto de traços
e tais traços podem ter influência na seleção de estratégias de retomada, tema desta dissertação.
No próximo capítulo, apresentamos um panorama do sistema pronominal do espanhol, além de
especificar os diferentes traços levados em conta para a análise dos dados.
18 Tradução nossa: (12) a. i. John se feriu. ii. John foi ferido t. b. i. *si próprio pensou [(que) o John parece ser inteligente] ii. *t pensou [(que) o John parece que expl está a chover] c. i. *John decidiu [(que) si próprio sairia cedo] ii. *John foi decidido [t sair cedo]
38
CAPÍTULO 2
O SISTEMA PRONOMINAL DO ESPANHOL
Neste capítulo, apresentamos algumas descrições do sistema pronominal do espanhol,
objeto do nosso estudo, a partir de diferentes abordagens. Primeiramente, tratamos tal sistema
a partir da Gramática Normativa e, depois, apresentamos estudos descritivos, já que esse tema
é bastante pesquisado. Além disso, tratamos, mais especificamente, do sistema pronominal do
espanhol de Valência. Por fim, discorremos sobre a correlação entre traços do referente –
animacidade, definitude e especificidade – e a seleção das estratégias de retomada por clítico e
apagamento, posto que esses traços parecem apresentar repercussão em ditas estratégias.
2.1. SEGUNDO A GRAMÁTICA NORMATIVA
Alarcos Llorach (2010), assim como Hernández Alonso (1986), postulam que o pronome,
apesar de possuir a mesma função do nome na oração, não pode substituí-lo, já que, de acordo
com os autores, o nome funciona como termo nuclear no sintagma, além de poder ser
determinado por qualquer termo adjacente. O pronome, diferentemente do que foi dito acerca
do nome, é determinado por poucos elementos, que, por sua vez, indicam certas características,
como identidade, singularidade e pluralidade, sendo o pronome bastante limitado.
Ainda de acordo com Alarcos Llorach (2010:246), os pronomes pessoais no espanhol se
dividiriam em dois grupos: os substantivos pessoais, também chamados de pronomes tônicos,
e as partículas átonas, também chamadas de pronomes átonos, que se unem ao verbo. É
relevante ressaltarmos que, nesta dissertação, assumimos a nomenclatura de clíticos para nos
referirmos aos pronomes átonos.
O primeiro grupo, segundo o autor, se configura como um grupo de palavras autônomas,
que exercem sozinhas uma função no enunciado. Por outro lado, as partículas átonas, que
formam o segundo grupo, nunca se encontram sozinhas, sempre aparecem em conjunto com
um verbo, tanto nos casos de próclise, quando estão separadas do verbo (“Se figuran”19), quanto
nos casos de ênclise, em que estão ligadas ao verbo (“Figúranse”20).
19 (ALARCOS LLORACH, 2010:246) 20 (ALARCOS LLORACH, 2010:246)
39
Os pronomes tônicos, chamados de substantivos pessoais por Alarcos Llorach (2010),
normalmente fazem referência a entidades na situação de fala e os pronomes átonos, chamados
pelo autor de partículas átonas, fazem referência a outros elementos presentes no contexto
linguístico, ou seja, a palavras citadas anteriormente (anáfora) ou a palavras que ainda serão
mencionadas (catáfora).
Os pronomes pessoais, no espanhol, além de serem divididos em dois grupos, como já foi
dito anteriormente, possuem diversas formas de expressão, como retrata Hernández Alonso
(1986) no seguinte quadro, no qual há uma divisão de dois tipos de pronomes tônicos e três
tipos de pronomes átonos.
SUJEITO (tônico)
OBJ. DIRETO (átono)
REFLEXIVO (átono)
OBJ. INDIRETO
(átono)
FORMAS TÔNICAS PARA
TODO COMPLEMENTO
SINGULAR REFLEXIVO
1a pessoa o Yo me me me mí (conmigo)
2a pessoa o Tú te te te ti (contigo)
3a pessoa - Mas. o
Él
lo
se
le (se)
él – sí
- Fem. o Ella la se le (se) ella – sí
- Neutro o Ello lo se le (se) ello (consigo)
PLURAL 1a pessoa o
nosotros
(-as) nos nos nos nosotros (-as)
2a pessoa o
vosotros
(-as)
os
os
os
vosotros (-as)
3a pessoa o
ellos (-as)
los las se les
(se) ellos – sí ellas – si
Quadro 1: Sistema pronominal do espanhol: formas tônicas e átonas (HERNÁNDEZ ALONSO, 1986:460).
O pronome sujeito ou pronome tônico, primeira categoria retratada no quadro, é, segundo
Gili Gaya (1970), pouco utilizado no espanhol, já que, de acordo com o autor, a desinência do
verbo conjugado supriria a necessidade da expressão desse pronome. Diferentemente do que
ocorre com o espanhol, o inglês e o francês necessitam da presença do pronome sujeito, pois
40
não possuem a desinência do verbo tão marcada, salvo os casos em que o pronome aparece
junto ao verbo.
Além dessas formas de pronome tônico, Gili Gaya (1970) destaca outro tipo de forma
tônica, que aparece na última coluna do quadro 1. De acordo com o autor, essas formas tônicas
são termos de uma preposição e, por isso, necessitam que essa preposição os acompanhe. Além
disso, podem fazer referência ao objeto direto, indireto ou circunstancial.
As formas átonas, apresentadas nas três colunas do meio do quadro, aparecem sempre
sem preposição. Alarcos Llorach (2010) postula que os pronomes átonos exercem, de forma
exclusiva, as funções de complemento direto e complemento indireto. Dessa forma, de acordo
com o autor, os pronomes átonos seriam dependentes e poderiam ser interpretados como
indicadores funcionais e de implementação do verbo.
Para esta dissertação, nos interessam, particularmente, os pronomes átonos de objeto
direto de 3a pessoa. De acordo com Gili Gaya (op. cit.), os pronomes átonos de 3a pessoa
conservam características herdadas dos casos latinos acusativo e dativo. Os pronomes lo, la,
los, las para o complemento direto (acusativo) e le, les (se) para o complemento indireto
(dativo), como ilustrado no quadro 2. De acordo com o autor, esse comportamento se conservou
na “América Hispânica” ou, pelo menos, em grande parte dela. É importante observar a
nomenclatura utilizada pelo autor, na qual há uma espécie de uniformização das diferentes
variedades existentes dentro do pacote chamado de “América Hispânica”, ou seja, o autor não
discute e nem esclarece o que ele considera como “América Hispânica”.
Objeto Direto Objeto Indireto
Masc. Fem. Neutro (Sem gênero)
Singular lo la lo le
Plural los las lo les
Quadro 2: Pronomes átonos de objeto direto e objeto indireto de 3a pessoa (ALARCOS LLORACH, 2010: 250).
Ainda com relação aos pronomes átonos de 3a pessoa, Gili Gaya (op. cit.) afirma que,
na Espanha e, mais especificamente, em Castilha, houve alterações da categoria gramatical de
caso na fala corrente, que, por sua vez, se repetiu, posteriormente, na língua literária. Isso gerou,
segundo o autor, uma “confusão” na distinção do gênero masculino e feminino no caso dativo,
cujas formas (le, les) não fazem menção ao gênero, sendo, portanto, únicas, enquanto que, no
caso acusativo, há uma distinção para cada um dos gêneros. Apresentamos, a seguir, um
41
fragmento no qual Gili Gaya (1970) faz uma crítica à Gramática Normativa da Real Academia
Española (RAE).
Esta cuestión del leísmo y el laísmo ha suscitado discusiones desde hace mucho tiempo entre los gramáticos españoles. La Academia transige con el empleo de le como acusativo masculino de persona, a diferencia de lo, que sería acusativo de cosa. Según esto, la oración busco a Juan y no lo encuentro, puede expresarse diciendo busco a Juan y no le encuentro, sino precisamente busco un libro y no lo encuentro, por tratarse aquí de un complemento directo de cosa. En nuestra opinión, esta tolerancia académica representa bien el promedio del uso literario español en nuestro tiempo, y puede aceptarse como norma, lo cual no quiere decir que no abunden en la misma lengua literaria los ejemplos de leísmo y laísmo que rebasan con mucho este criterio restrictivo, pero al fin y al cabo transaccional entre el uso que corresponde al origen de estos pronombres y la dispersión de su empleo efectivo en la lengua hablada. En las últimas ediciones de su Gramática (246 c), la Academia Española mantiene la norma mencionada, pero, movida sin duda por la autoridad que en este aspecto del idioma significa el uso hispanoamericano, recomienda a los escritores que se atengan a la norma etimológica, esto es: lo, la, siempre acusativos y le siempre dativo, procurando evitar, en lo posible, aun el empleo de le como acusativo masculino de persona (GILI GAYA, 1970:233-234).21
Na citação anterior, podemos observar que a Gramática Normativa da RAE, mencionada
por Gili Gaya (op. cit.), trata do sistema pronominal do espanhol a partir de um olhar mais
generalizador, visto que não descreve com muitos detalhes e com dados os casos de leísmo,
laísmo e loísmo. Esses casos, por não obedecerem à norma, se resumem ao “uso
hispanoamericano” e são tratados como erros, meras simplificações ou até mesmo usos
marginalizados.
Gili Gaya (op. cit.), como forma de controlar o pensamento normativo da RAE, traz
usos de leísmo, laísmo e loísmo em regiões como Andaluzia, Aragão e Castilla la Nueva, o que
não deixa de ser um olhar centralizador e, em parte, generalizador, visto que o autor não
contempla outras variedades do espanhol, limitando-se ao espanhol peninsular. Nesse ponto, a
gramática de Gili Gaya (op. cit.) traz um pensamento menos tradicional que a gramática da
21 Tradução nossa: Essa questão de leísmo e laísmo gerou discussões de longa data entre os gramáticos espanhóis. A Academia transige com o uso de le como acusativo masculino de pessoa, diferentemente do lo, que seria acusativo de coisa. Sendo assim, a frase busco a Juan y no lo encuentro pode ser expressada por busco a Juan y no le encuentro, mas sim precisamente busco a un libro y no lo encuentro, por se tratar aqui de um complemento direto de coisa. Na nossa opinião, essa tolerância acadêmica representa bem a média do uso literário espanhol em nosso tempo, e pode ser aceito como norma, o que não significa que não abundem na mesma língua literária exemplos de leísmo e laísmo que excedem em muito esse critério restritivo, mas ao fim e a cabo transacional entre o uso que corresponde à origem desse pronome e à dispersão do seu emprego efetivo na língua falada. Nas últimas edições da sua gramática, a Academia Espanhola mantém a norma mencionada, mas movida, sem dúvidas, pela autoridade que, nesse aspecto do idioma, significa o uso hispano-americano, recomenda aos escritores que se atentem à norma etimológica, isto é: lo e la sempre acusativos e le sempre dativo, procurando evitar, no possível, mesmo no emprego de le como acusativo masculino de pessoa.
42
RAE, mas ainda fica muito limitada em relação a outros trabalhos voltados para descrição de
dados, que também foram comentados mais adiante.
2.2. SEGUNDO OS ESTUDOS DESCRITIVOS Os estudos sobre o sistema pronominal do espanhol descrevem os clíticos como formas
átonas dos pronomes pessoais do caso oblíquo, mas a distribuição dos clíticos muda de acordo
com as línguas. Fernández Soriano (1999) assume que o espanhol é uma língua na qual
prevalece o preenchimento dos argumentos por clíticos.
O sistema pronominal é um assunto recorrente nos estudos de espanhol, sendo estudado
por autoras como Fernández Ordoñez (1999) e Silva-Corvalán (2008). Para esta dissertação,
destacamos duas classificações do sistema pronominal do espanhol que têm se mostrado
produtivas nos estudos: o sistema casual e o sistema referencial.
Destacamos, inicialmente, a análise dos clíticos em espanhol pela tipologia proposta por
Fernández Ordoñez (op. cit.). A autora confirma a afirmação de Gili Gaya (1970) de que os
pronomes pessoais de 3ª pessoa do espanhol conservam, parcialmente, o sistema casual latino.
Sendo assim, as formas tônicas do espanhol él, ella, ello derivam dos demonstrativos latinos
ille, illa, illud, as formas átonas lo, la, los, las para objeto direto derivam do acusativo illum,
illam, illud e o pronome le para objeto indireto deriva do dativo illi. Tal sistema, portanto,
distinguiria o caso dativo e o caso acusativo.
Para esta dissertação, dentro do sistema pronominal do espanhol, apresentado na seção
2.1., o que nos interessa é o sistema pronominal de 3ª pessoa, que, segundo Fernández Ordoñez
(op. cit.), se configura como o sistema que distingue caso. O uso desse sistema, conhecido como
sistema etimológico, desempenha a função de distinguir o caso dativo do caso acusativo, que
derivam dos casos latinos, como mencionamos anteriormente.
Além do uso do sistema dito etimológico, há o sistema conhecido como referencial, que
se caracteriza pelo uso dos pronomes átonos de 3ª pessoa para os casos em que a seleção do
pronome não é determinada pela posição ou função sintática do referente. Esses usos são
chamados, de acordo com a autora, de leísmo, laísmo e loísmo.
(13) a. ¿Conoces a Juan? Sí, le conozco hace tiempo.
b. Cuando vi a Pepa, la di su regalo.
c. Cuando recojo a los niños del colegio, los llevo la merienda.
(FERNÁNDEZ ORDOÑEZ, 1999: 1319-1320)
43
Ainda de acordo com Fernández Ordoñez (1999), a Gramática Normativa define o
fenômeno leísmo como o uso da forma le no lugar de lo (ou, em determinados e raros casos, no
lugar de la) para se referir ao objeto direto, como podemos ver no exemplo (13a). O fenômeno
laísmo, por sua vez, de acordo com a autora, se configura como o uso de la no lugar de le para
o dativo com referente feminino, normalmente pessoal, como no exemplo (13b), porém há casos
com referente de objeto não animado, referente a uma “coisa”, tanto no singular quanto no
plural. Esse fenômeno, de acordo com Fernández Ordoñez (op. cit.), é menos difundido que o
leísmo, sendo mais comum nos usos no singular do que no plural. Já o loísmo, segundo a mesma
autora, se apresenta como o uso menos comum de todos os outros casos de usos pronominais.
Esse fenômeno consiste no uso de lo no lugar de le para o dativo com referente masculino ou
neutro, como podemos ver no exemplo (13c)22.
Fernández Ordoñez (op. cit.), em seu trabalho, expõe as principais características do
sistema referencial do espanhol, que, segundo a autora, é baseado, exclusivamente, nas
propriedades inerentes do referente, desconsiderando a posição e a função sintática que o
elemento ocupa na oração. O sistema referencial é empregado em uma grande área peninsular
que compreende os territórios do ocidente e centro de Castilha, situados ao sul da Cordilheira
Cantábrica até La Mancha, que, por sua vez, faz fronteira com Valência, variedade levada em
conta nas análises desta dissertação. Ainda de acordo com a autora, áreas de fronteira convivem
com um estado de transição, no qual coexiste o sistema baseado em caso e o sistema referencial.
O sistema referencial, assim como o sistema baseado na marcação de caso, possui
procedimentos formais de manifestar diferentes graus de transitividade semântica na oração.
Com relação ao sistema baseado no caso, se destaca o valor semântico da oposição formal entre
dativo e acusativo. Já no sistema referencial, a perda da distinção de caso não implica na
ausência de procedimentos para manifestar o diferente grau de transitividade alcançado por
cada oração.
Na abordagem de Silva-Corvalán (2008), o sistema de clíticos se dividiria em casual e
referencial. O sistema casual desempenharia a função gramatical, ou seja, se ocuparia da
22 Como podemos observar, a visão dos fenômenos leísmo, laísmo e loísmo de Fernández Ordoñez (op. cit.) é completamente distinta da visão de Gili Gaya (op. cit.), já que não trata esses usos como “confusão”, partindo de um olhar mais generalizador e centralizador. Ressaltamos que não trataremos desses fenômenos nesta dissertação para resguardar o nosso objetivo de investigar a realização ou não do objeto direto anafórico no espanhol de Valência. Por esse motivo, neste momento, só iremos contabilizar se houver algum caso, sem pretensão de explicações mais profundas.
44
distinção entre caso acusativo e dativo, como veremos no exemplo (14). Nesse sistema, o clítico
le é usado para o caso dativo (14c) e os clíticos la/lo para o caso acusativo (14a) e (14b).
(14) Sistema Casual
a. Lo/la conocí ayer (a él/ella).
b. Lo puse en el estante (el libro).
c. Le dijeron que fuera el martes (a ella).
(SILVA-CORVALÁN, 2008:178)
Já o sistema referencial, diferentemente do casual, seria resultado das características do
objeto referido em si ou da sua denominação linguística. De acordo a autora, os clíticos de 3a
pessoa não obedecem à função sintática do sintagma, mas sim às características de gênero e
animacidade do referente. Sendo, portanto, uma oposição de gênero, na qual o clítico le se refere
ao gênero masculino (15a) e (15b) e o clítico la ao gênero feminino (15c).
Ainda no que tange ao sistema referencial, a realização do clítico pode sofrer influência
do traço de animacidade do referente a ser retomado, isto é, o sistema referencial leva em conta
os traços [+] e [-] animado. Esse traço e a seleção do objeto direto foram mais bem trabalhados
adiante.
(15) Sistema Referencial
a. Le conocí ayer (a él/ella).
b. Le puse en el estante (el libro).
c. La dijeron que fuera el martes (a ella).
(SILVA-CORVALÁN, 2008:178)
Como vimos anteriormente, tanto no estudo de Fernández Ordoñez (1999) quanto no
estudo de Silva-Corvalán (2008), há uma asserção de que o sistema pronominal de 3a pessoa do
espanhol é dividido em dois sistemas: o sistema pronominal casual e o sistema pronominal
referencial. Considerando tal divisão, compartilhamos com as autoras a ideia de que a falta de
distinção de caso poderia provocar uma possível reorganização das possibilidades selecionadas
dentro do sistema pronominal. Fernández Ordoñez (op. cit.) chama essa reorganização do
paradigma pronominal de leísmo, laísmo e loísmo.
A reorganização ocorre em algumas gramáticas do espanhol, embora o uso dos clíticos,
no sistema pronominal do espanhol, se mantenha estável. Como exemplo dessas gramáticas,
45
citamos o sistema pronominal do espanhol paraguaio e do espanhol equatoriano, que passam
por um processo de simplificação do sistema pronominal (FERNÁNDEZ ORDOÑEZ, 1999).
De acordo com Palacios (2008), o guarani, língua indígena falada nessa região, influi no
sistema de clíticos do espanhol falado em tal região, já que essa língua indígena apresenta uma
falta de marcas morfológicas de gênero ou caso e também de um sistema átono, gerando, no
sistema pronominal do espanhol, uma inclinação ao uso de uma única forma pronominal, o
clítico le, para o objeto direto e indireto. Isto é, o sistema do espanhol do Paraguai, segundo a
autora, não distingue caso, gênero e número na marcação do objeto.
No que concerne ao espanhol falado no Equador, mais precisamente, o falado em Quito,
Palacios (op. cit.) afirma que há a coexistência de três sistemas pronominais: o sistema
etimológico, o sistema simplificado leísta, sem distinção de caso ou gênero, e, por fim, o
sistema simplificado loísta que utiliza a forma le para o objeto direto animado sem distinguir o
gênero e o pronome lo para objetos diretos inanimados sem distinguir gênero também. O
quéchua, língua indígena falada na região dos Andes e da Amazônia, seria, de acordo com
Palacios (op. cit.), responsável pela simplificação do sistema pronominal do espanhol de Quito,
já que essa língua indígena não produz a gramaticalização de gênero e não possui,
diferentemente do espanhol, um sistema pronominal átono.
O estudo de Silva-Corvalán (2008), embora tenha sido feito em outro quadro teórico, tem
especial relevância para esta dissertação, pois apresenta o trabalho de Klein (1979), no qual o
autor afirma que o sistema referencial está muito mais difundido na região de Valladodid que
em outras regiões como Soria e Logroño (ambas regiões da Espanha). Para Silva-Corvalán (op.
cit.), o leísmo mais frequente é aquele com referentes inanimados de gênero masculino. Além
do estudo de Klein (1979), Silva-Corvalán (op. cit.) apresenta o estudo de Quilis et al. (1985),
que traz materiais analisados da fala culta de Madri. Ao analisar esse material, os autores
constataram que, além dos usos etimológico (chamado também de casual), e referencial, há uma
variante loísta, não muito frequente, que é o uso de lo com objeto indireto, como vemos nos
exemplos (16):
(16) a. Lo puede dar más compañía [al padre].
b. Pero eso sí que no lo doy ninguna importancia.
(SILVA-CORVALÁN, 2008:182)
O uso dos pronomes átonos de 3ª pessoa no sistema referencial representa um aumento
na presença dos clíticos. Em áreas que distinguem caso, a expressão do pronome é possível em
46
situações em que essa expressão está muito restrita. Nessas zonas, enquanto os nomes com
traços específicos ou de leitura genérica necessitam sempre ser retomados por um pronome
acusativo, como em (17), os nomes com traços não específicos e com interpretação partitiva ou
existencial podem ou não ser retomados por clítico acusativo, como podemos ver nos exemplos
em (18). Os exemplos (18a) e (18b) não possuem a interpretação [+] específica, porque possuem
nomes sem determinantes, e (18c) e (18d) são quantificados de referência não específica,
ocorrendo, portanto, nesses casos, o apagamento do objeto direto, diferentemente do que ocorre
com os exemplos em (17), que apresentam a retomada por clítico.
(17) a. ¿Conoces a mi primo? No, no lo conozco.
b. ¿Haz visto a un niño que lleva un anorak azul? Acabo de verlo pasar.
c. Las ballenas escasean cada vez más y es difícil encontrarlas en el mar.
d. Si me compro un coche, pienso usarlo todos los días.
e. He traído el mismo juguete para todos. Repártelo.
(FERNÁNDEZ ORDOÑEZ, 1999:1380)
(18) a. ¿Compraste {patatas/cerveza}? Si, ø compré para que ø tuvieras en casa.
b. ¿Tienes café? Aquí no encuentro ø.
c. ¿Tenéis algo de café? Lo siento, no tenemos ø.
d. ¿Compraste algún regalo? Sí compre ø, aunque con poca convicción.
(FERNÁNDEZ ORDOÑEZ, 1999: 1380)
Em áreas em que não se distingue caso, como as regiões peninsulares de Valladolid, Soria
e Logroño, de acordo com Fernández Ordoñez (1999), ainda que a possibilidade de ocultar os
pronomes também exista, é mais frequente o uso dos clíticos, mesmo que o referente seja um
nome sem determinante, como em (19a) e (19b), ou quantificado de traço não específico, como
em (19c) e (19d).
(19) a. Algunas echábamos azúcar, otras pues no echaban nada porque si no lo tenían...
b. ¿Hay médico en el pueblo? – Siempre le ha habido.
c. ¿Hay una comida típica? – No, no la hay.
d. Dinero no ø daban. Hombre, daban algo de dinero, el que lo tenía, pues también se
lo daba. El que no lo tenía, pues ya te compraba el hombre la cama y eso.
(FERNÁNDEZ ORDOÑEZ, 1999:1381)
47
O apagamento do clítico também é chamado, nesta dissertação, de processamento
anafórico, como já foi detalhado no primeiro capítulo. Dentre as diversas formas de anáforas,
esta dissertação se dedica às pronominais, que ocorrem quando um pronome anafórico (clítico)
é omitido, porém sua ideia ainda pode ser recuperada.
Em espanhol, há duas diferentes formas de expressões pronominais anafóricas: o
pronome nulo em posição de sujeito e o pronome nulo em posição de objeto (ALONSO-
OVALE & D’INTRONO, 2001). Nesta dissertação, tratamos do segundo tipo de anáfora
pronominal. De acordo com os autores, o clítico apagado é considerado anafórico quando ele
faz menção a um referente, sendo a relação entre o clítico e o referente chamada de
correferencial. Além disso, os autores postulam que o espanhol permite o apagamento do
argumento em posição de sujeito e objeto.
Embora pouco frequente no espanhol, o objeto nulo ocorre em alguns contextos. Segundo
a Nueva Gramática de la Lengua Española (NGLE), de 2010, a ocorrência do apagamento está
ligada a critérios sintáticos, ao se referir a um elemento tácito no qual o referente está
lexicalizado na oração antecedente, e a critérios lexicais também.
Alguns autores como Fernández Soriano (1999) e Campos (1999) postulam que, na língua
espanhola, é necessária a presença de um clítico para retomar um SN [+] específico. No entanto,
tratando-se de um SN [-] específico e [-] definido, o apagamento seria licenciado, como
podemos observar nos seguintes exemplos.
(20) a. ¿Compraste flores?
Sí, compré ø. / Sí, *las compré.
b. ¿Compraste las flores?
Si, compré ø*. / Sí, las compré. (CAMPOS, 1999: 1530)
Os trabalhos de Campos (1999) e Fernández Soriano (1999) consideram o espanhol uma
língua que necessita da presença do clítico para retomar objeto anafórico em função acusativa
quando o SN for encabeçado por um determinante, sendo ele [+] definido ou [-] definido. Com
relação a algumas variedades, nas quais a possibilidade da não retomada por clítico é mais
ampla, temos o espanhol do País Basco (LANDA, 1993) e o espanhol de Quito (SUÑER &
YÉPEZ, 1988). A não retomada do objeto no espanhol do País Basco, segundo Landa (1993),
não estaria restrita a casos com referentes sem determinantes, podendo ocorrer em caso de
48
referentes com determinantes, referentes [+/-] definidos e também quando o referente é um SN
quantificado, como nos exemplos apresentados pela autora.
(21) a. – Compraste el regalo?
– Sí, lo compré.
– Sí, ø compré.
b. – ¿Compraste algunos regalos?
– Sí, ø compré.
(LANDA, 1993:132-133)
Ainda com relação ao espanhol do País Basco, de acordo com Landa (op. cit.), os objetos
nulos ocorrem, em sua maioria, com referentes [-] animados, mas também seria possível com
referentes [+] animados. Já no espanhol de Quito, de acordo com Suñer & Yépez (1988), o
apagamento do objeto estaria licenciado com referentes [+] definido e [+] animado.
2.3. OS TRAÇOS E OS CONTEXTOS ANAFÓRICOS DE RETOMADA Como forma de dialogar com o que já foi dito no capítulo 1 sobre os traços e levando em
conta a Gramática Gerativa, iremos detalhar, nesta seção, os critérios de interpretação que
seguimos para a nossa dissertação, apresentando suas particularidades e discutindo como elas
se relacionam entre si e se há essa interação. Os traços de animacidade, definitude e
especificidade, também chamados de categorias referenciais, determinam e restringem a forma
como nos referimos aos objetos. Essas categorias são semânticas por natureza, mas mostram
comprovada relevância na sintaxe e morfossintaxe (VON HEUSINGER & KAISER, 2003;
LAGE, 2010). A seguir, trazemos o seguinte esquema apresentado por von Heusinger & Kaiser
(2003:43), no qual os autores especificam o modelo de referência dos traços levados em conta
nesta dissertação.
49
Expressão Æ Modelo do discurso
/ Referente do discurso Æ
“mundo” /
referentes /
objetos [+] animado
[-] animado
[+] definido
[-] definido
[+] específico
[-] específico
Figura 3: Esquema dos traços, suas naturezas binárias e funções.
Nesse esquema, podemos observar que o traço de animacidade se apresenta como uma
propriedade de uma expressão, o traço de definitude se caracteriza como um objeto do discurso
e a especificidade funciona, puramente, como uma categoria referencial. Levaremos em conta
os traços de animacidade, definitude e especificidade, pois, de acordo com Cyrino (1997), esses
traços podem ser relevantes para a realização da estratégia de retomada por clítico.
De acordo com Lopes (2006), há traços de duas naturezas: os traços não-interpretáveis
(traços formais) e os traços interpretáveis, como os traços de animacidade, definitude e
especificidade, que definimos no parágrafo anterior. Segundo a autora, há traços intrínsecos a
itens lexicais, como é o caso do traço de animacidade, por exemplo. Diferentemente do que
ocorre com o traço de animacidade, há outros traços que dependem de outras estruturas da
sentença, já que não são marcados de forma intrínseca, como é o caso do traço de especificidade,
por exemplo. Podemos comprovar tal proposta nos seguintes exemplos.
(22) a. O menino da quitanda está doente.
b. Menino brinca de carrinho.
(LOPES, 2006:162)
O substantivo “menino”, presente nas orações (22a) e (22b), possui o traço [+] animado
intrínseco ao item lexical, por esse motivo, a interpretação é [+] animada tanto no exemplo
(22a) quanto no (22b). No entanto, a interpretação do traço de especificidade depende do
predicado da oração. A oração (22a) possui uma interpretação [+] específica, já que o SN
contém um complemento “da quitanda”, especificando o referente, enquanto que o exemplo
(22b), por não possuir elementos na oração que determinem uma interpretação [+] específica,
é um caso de SN [-] específico.
50
2.3.1. Traço de animacidade
O traço de animacidade é um conceito primário presente em qualquer sistema cognitivo.
Lage (2013) apresenta o estudo de um biolinguista alemão, Lenneberg (1967), que foi o
pioneiro na pesquisa de características do desenvolvimento neuronal relacionado à linguagem.
Além desse estudo, Lage (op. cit.) apresenta a pesquisa de um zoólogo austríaco, Lorenz (1949),
que, antes mesmo de Lenneberg (op. cit.), examinou patos e gansos no momento de seus
nascimentos, ou seja, o momento em que eles saíram do ovo. Ao analisar esses animais, o
zoólogo verificou que havia uma resposta instintiva que não ocorria a partir de nenhum tipo de
condicionamento externo ou aprendizagem. De acordo com Lorenz (op. cit.), diversos
indivíduos, incluindo os pesquisados por ele, já estariam, desde o nascimento, predispostos e
preparados para lidar com a sobrevivência, seguindo o comportamento da mãe ou do pai.
Segundo Lage (op. cit.), o traço de animacidade não faz parte apenas da cognição humana,
já que seres de outras espécies também o possuem. Nesse sentido, o controle e a percepção do
traço de animacidade parece estar presente desde o nascimento como algo instintivo da espécie,
ocorrendo, espontaneamente, sem nenhum tipo de condicionamento desencadeador, o que não
acontece com o desenvolvimento da linguagem, por exemplo.
No que concerne à linguagem, o traço de animacidade deixa de ser genuinamente um
conceito físico somente, como vimos anteriormente, e passa a ter relação com os elementos
sentenciais. Esse traço, na linguagem, se configura como uma propriedade dos referentes
nominais e pode influenciar, assim como outros traços, diferentes fenômenos em diversas
línguas.
Do ponto de vista linguístico, von Heusinger & Kaiser (2003) tratam do traço de
animacidade como uma característica lexical das expressões linguísticas que descrevem alguma
propriedade do referente. Apesar de tratarmos da animacidade no âmbito linguístico, esse meio
e o meio biológico, do qual tratamos no início desta subseção, se misturam, já que alguns
autores utilizam escalas hierárquicas23 que levam em conta questões ontológicas para o conceito
de animacidade, como observamos nas escalas representadas a seguir.
23 Cabe destacar que, na análise dos dados, levamos em conta somente a escala (A) humano > animado > inanimado, de von Heusinger & Kaiser (2003), já que essa escala é mais genérica e, por isso, abrange mais exemplos que a escala de Lage (2010), representada por (B).
51
Escalas de Animacidade
(A) humano > animado > inanimado
(VON HEUSINGER & KAISER, 2003:43)
(B) homem > animal > planta > objeto
(LAGE, 2010:216)
Como já dissemos anteriormente, o nosso objetivo é olhar para o traço de animacidade
linguisticamente. Por isso, é importante entendermos como funcionam esses traços em
diferentes fenômenos linguísticos em diferentes línguas. No espanhol, por exemplo, o objeto
direto que é antecedido pela preposição a dependeria da marcação do traço [+] animado
(LEONETTI, 1999a), como podemos constatar nos seguintes exemplos.
(23) a. Vimos a unas mujeres en la plaza.
b. Necesitan a un electricista en el departamento B.
c. Sería estupendo si contrataran a un ayudante.
(LEONETTI, 1999a:866)
Nos exemplos em (23), todos os SNs são considerados [+] animados e são antecedidos
pela preposição a. Em nossa análise, não iremos nos deter em outras informações linguísticas
que não os traços de animacidade, definitude e especificidade na retomada e no apagamento do
objeto direto. Desse modo, não analisamos, por exemplo, se os referentes que possuem o traço
[+] animado são antecedidos ou não pela preposição a.
Estudos como o de Arruda (2012) propõem que o traço de animacidade teria relevância
na realização ou não do objeto direto anafórico por clítico nas variedades do espanhol da
Argentina e do espanhol peninsular (ARRUDA, 2012). Arruda (op. cit.) verificou que, no
espanhol argentino24, o traço [-] animado favoreceu a ocorrência da não retomada. Para a nossa
dissertação, nos interessa, particularmente, esse ponto, já que investigamos a influência desse
e de outros traços na realização ou não do objeto direto anafórico no espanhol de Valência.
A animacidade também desempenha um papel em línguas como o persa e o búlgaro, que
possuem a animacidade presente na flexão e na relação de concordância (feita pelos traços
24 Arruda (2012) não especifica a que cidade ou região da Argentina o seu trabalho faz menção.
52
formais), assim como ocorre com o japonês (SUGISAKI, 2007). Em persa, por exemplo,
sujeitos inanimados no plural aparecem com morfologia de concordância de singular. Em outras
línguas, como o russo e o híndi-uru25, a animacidade aparece nas manifestações morfológicas
de Caso, se relacionando diretamente à concordância verbal. Além disso, o híndi-urdu utiliza o
dativo para marcar objetos diretos animados (LAGE, 2010:216). A partir da interpretação desse
traço em diferentes línguas, assumimos, de acordo com Lage (2010), que o traço de
animacidade não seria apenas um traço semântico, já que possui relevância na sintaxe também: O tema é de grande interesse para o estudo do léxico, como também da arquitetura da linguagem, pois apesar de animacidade parecer ser uma propriedade semântica, portanto interpretada depois da computação dos traços sintáticos, há envolvimento desta propriedade com concordância verbal e com Caso. (LAGE, 2010:216)
Em seu estudo, Lage (op. cit.) considera esse traço como um traço formal, do tipo phi,
[+/-] animado, ou seja, um traço que está presente prematuramente no léxico, antes do Spell-
out. Por se tratar de um traço phi, para essa autora, o traço de animacidade estaria presente,
como um princípio, em todas as línguas, nas operações sintáticas através da relação de
concordância verbal e da noção de Caso (caso estrutural), como vimos na citação anterior.
2.3.2. Traço de definitude
A expressão do traço de definitude está diretamente ligada à categoria dos determinantes
(LEONETTI, 1999b; LACA, 1999). De acordo com Leonetti (1999b), a classe dos
determinantes é, relativamente, mais atual comparada a outras como a de verbos ou
concordância, por exemplo. A noção de determinante permite uma simplificação da descrição
gramatical. Para que um elemento seja considerado um determinante, ele deve possuir algumas
características, como: pertencer a um paradigma restrito; contribuir para a interpretação do SN,
indicando traços dêiticos, referenciais ou quantificadores; estar, normalmente, em uma posição
pronominal e mais externa, dentro do SN; tornar possível que um nome (no singular) possa
aparecer como sujeito pré-verbal em espanhol; e concordar, normalmente, em gênero e número
com o núcleo nominal ao qual está ligado.
A categoria dos determinantes parece variar de uma língua para outra. No entanto,
segundo Leonetti (op. cit.), todas as línguas parecem apresentar algumas das unidades que
compõe os determinantes na configuração do sintagma. Por se tratar, como já foi dito
25 Língua indo-ariana, sendo o híndi a língua oficial da Índia e o urdu a língua nacional do Paquistão e uma das línguas da Índia (LAGE, 2010:216).
53
anteriormente, de uma categoria que indica dêiticos, referenciais ou quantificadores, os
determinantes estão intrinsecamente ligados a operações de referência e de quantificação e, por
consequência, relacionam as expressões linguísticas com as entidades extralinguísticas
representadas pelas mesmas, os chamados referentes.
Os referentes, de acordo com o autor, são constituídos de material linguístico e são
armazenados na memória do falante, configurando-se como representações mentais. À medida
que o discurso avança, o referente vai se modificando e se atualizando. Sendo assim, o autor
entende referentes, figurativamente, como “arquivos” mentais que possuem a informação
linguística disponível acerca de uma entidade, podendo se moldar ao discurso.
Ao fazer alusão ao conceito de determinante e “arquivos” mentais, Leonetti (1999b)
aproxima tal conceito da ideia de referencialidade e anáfora, trabalhada, nesta dissertação, no
capítulo 1. Logo, quando um referente novo, não mencionado anteriormente, é introduzido no
discurso, há a abertura de um novo “arquivo”. Contudo, a anáfora de um elemento já
mencionado no discurso faz com que, mesmo não estando expresso foneticamente, o falante
acesse um “arquivo” preexistente, podendo esse “arquivo” ser mais acessível na memória ou
não.
Como já foi dito anteriormente, os determinantes possuem a função de tornar possível a
referência e a quantificação dos SNs. No entanto, os substantivos sozinhos não são capazes de
exercer essa função. Em espanhol, quando é empregado um nome próprio, o falante consegue
fazer referência a uma entidade determinada sem a necessidade da presença de nenhum
determinante. Isso é válido, de acordo com Leonetti (op. cit.), somente para os nomes próprios,
já que são elementos que possuem características referenciais intrínsecas. O mesmo não ocorre
com nomes comuns e expressões nominais compostas de nomes comuns e complementos ou
modificadores, posto que essas entidades não possuem referência, nem expressam ideia de
quantificação por si próprias. Em suma, os SNs sem determinantes expressam propriedades que
definem conjuntos de objetos, sem especificar nenhuma referência ou quantificação.
Leonetti (op. cit.) apresenta duas das principais classificações dos determinantes: a
primeira separa determinantes identificadores (determinantes no sentido estrito) dos
quantificadores e a segunda opõe os determinantes definidos (“fortes”) aos indefinidos
(“fracos”). Levando em consideração a primeira classificação, determinantes identificadores
seriam os artigos definidos, os demonstrativos e os possessivos, considerando, para esses
últimos elementos, a natureza átona e tônica dos possessivos no espanhol, de maneira que são
determinantes os possessivos átonos, ou seja, mi, mis, tu, tus, su, sus, nuestro/a, nuestros/as,
54
vuestro/a e vuestros/as. O restante das unidades é considerado, pelo autor, como
quantificadores.
A segunda classificação denomina como determinantes “fortes” as unidades que
apresentam a possibilidade de envolver a totalidade de elementos de um conjunto (que pode
estar restrito ou não pelo contexto de uso), sendo considerados determinantes “fortes” os
mesmos elementos da classificação de determinantes anterior (artigos definidos, possessivos e
demonstrativos) e também alguns elementos que não eram considerados, como os
quantificadores universais todos, cada e ambos. Já os determinantes “fracos” se caracterizam
por serem indefinidos e por não expressarem a totalidade das entidades às quais o falante se
refere. São determinantes “fracos” os numerais, o artigo indefinido e alguns quantificadores
como algún, muchos, bastantes.
A distinção “forte”/“fraco” está presente na sintaxe, principalmente nas restrições de
distribuição que caracterizam os determinantes e os quantificadores universais (“fortes”) em
relação aos indefinidos (“fracos”). Os determinantes “fracos”, por possuírem natureza
indefinida e não possibilitarem a identificação do referente, não permitem a recuperação de
referentes já mencionados no discurso. Recuperando a ideia de Leonetti (1999b) sobre
“arquivos”, já mencionada anteriormente, quando um SN é encabeçado por um determinante
“fraco", o falante, ao interpretá-lo, é obrigado a abrir um novo “arquivo” que ofereça uma
representação mental do objeto, ao invés de recuperar um “arquivo” já existente. Por essa razão,
os determinantes “fracos” oferecem uma informação nova, diferentemente dos determinantes
“fortes”, que, por sua vez, encabeçam um SN já existente e acessível para o receptor.
Sendo assim, os SNs encabeçados por um determinante “fraco” carecem de propriedades
anafóricas, o que não ocorre com os SNs encabeçados por um determinante “forte”, como
podemos observar nos seguintes exemplos.
(24) a. una nota manuscrita.
b. las notas manuscritas.
c. tú nota manuscrita.
(LEONETTI, 1999b:47)
No exemplo (24a), o SN “nota manuscrita” é encabeçado pelo artigo indefinido “una”,
um determinante “fraco”, que, de acordo com Leonetti (op. cit.), não faz menção a nenhuma
informação existente no discurso. Diferentemente do que ocorre com os exemplos (24b) e
(24b), que fazem ou podem fazer menção a uma informação conhecida pelo falante. De acordo
55
com o autor, o traço de definitude indica que o referente do SN é identificado pelo receptor no
contexto de uso. As expressões definidas, portanto, não envolvem um conhecimento prévio do
objeto pelo receptor, mas sim uma identificação do referente pelo mesmo, ou seja, a
possibilidade da construção de uma representação mental desse objeto pelo receptor.
Para o autor, o traço de definitude obedece a uma condição de unicidade, ou seja, o
referente deve ser o único objeto ao qual se refere a descrição do SN pelo contexto, sendo o SN
definido o responsável pela identificação do referente sem ambiguidade. Segundo o autor, essa
é a condição mínima que as expressões definidas devem seguir, como podemos ver no seguinte
exemplo, no qual a condição de unicidade faz com que o falante leve em conta certos tipos de
informações contextuais.
(25) a. La hermana de Claudia está enferma.
b. No le convencía este cuadro.
(LEONETTI, 1999b:39)
No exemplo (25a), a expressão “hermana de Claudia” se diferencia de qualquer outro
referente possível no contexto da sentença, o traço [+] definido faz com que o receptor acredite
que só há uma pessoa (com essa descrição) à qual o falante pretende se referir. No exemplo
(25b), o demonstrativo também faz com que haja uma única interpretação de a que quadro o
falante quer se referir. Em suma, a informação que o receptor precisa recuperar para que o
referente seja identificado pode estar no SN definido, no contexto linguístico anterior, na
situação de fala ou também no conhecimento de mundo dos falantes.
Von Heusinger & Kaiser (2003) assumem que o traço de definitude é uma propriedade
discursiva que indica que o referente pode ser identificado com um item do discurso já
mencionado quando esse referente é associado a uma expressão definida. Sendo assim, a
definitude não expressa a identificação do referente (“no mundo”), mas sim a familiaridade em
uma estrutura do discurso. Além do contraste entre definido e indefinido, os autores assumem,
assim como no caso da animacidade, uma escala feita por Aissen (2000).
Escala de definitude
Pronome pessoal > nome próprio > NP definido > NP indefinido
(VON HEUSINGER & KAISER, 2003:44)
56
De acordo com os autores, em determinados casos, como o das anáforas, essa escala é
dividida em duas partes: as expressões [+] definidas e as [-] definidas, como podemos observar
em (26). Uma expressão [+] definida é acessível no caso de uma anáfora, mesmo no escopo de
uma expressão negativa (ou com outros operadores), como podemos ver na escala representada
em (26) e nos exemplos em (27).
(26) Acessibilidade da anáfora e a escala de definitude
pronome pessoal > nome próprio > NP definido
[+] definido
NP indefinido
[-] definido
L L acessível mesmo em caso de negação não acessível em caso de negação
(VON HEUSINGER & KAISER, 2003:45)
(27) a. Sam did not see a car. #It was a Porsche.
b. Sam did not see the car. It was a Porsche.26
(VON HEUSINGER & KAISER, 2003:45)
Ao compararmos os dois exemplos, percebemos que, no exemplo (27a), a sentença “It
was a Porsche” é considerada fora de contexto, já que o SN é [-] definido, sendo, portanto,
impossível recuperar a informação de que tipo de carro era. No caso do exemplo (27b), mesmo
se tratando de uma sentença negativa, o SN [+] definido permite que o receptor da sentença
acesse a informação, sendo assim, a sentença “It was a Porsche” não está fora do contexto.
Os exemplos em (28), apresentados por Leonetti (1999b), demonstram que o artigo
definido, os demonstrativos e os pronomes pessoais se referem a propriedades já mencionadas
no discurso, mostrando uma informação já conhecida pelo receptor, ou seja, assim como já
tratamos, o determinante deve seguir a condição de unicidade.
26 Tradução nossa: (27) a. Sam não viu um carro. # Era um Porsche. b. Sam não viu o carro. Era um Porsche.
57
(28) a. Estamos cerca de donde la encontraron.
b. No he leído ese artículo.
c. Llevas la camisa sucia.
(LEONETTI, 1999b:38)
Seja a identificação da informação imediata ou passível de inferências do receptor para
que ele recupere a informação contextual, o traço de definitude mostra que o referente do SN
pode ser identificado em um determinado contexto, como nos exemplos em (28).
No entanto, a identificação do referente em um determinado contexto depende, segundo
Brucart (1999), da leitura verbal existente, já que, de acordo com o autor, há dois tipos de leitura
verbal do argumento: a delimitada e a não delimitada. Assim, é essencial que seja levada em
consideração a intenção do falante, já que, mesmo que o referente seja encabeçado por um
determinante “forte”, o que, normalmente, condicionaria uma leitura delimitada do argumento,
se o falante pretende fazer menção a uma entidade não delimitada, a leitura será não delimitada
e poderá ocasionar em um possível apagamento do objeto direto, configurando-se como um
caso de apagamento licenciado.
Com relação à distinção entre numeral e artigo indefinido, o autor postula que o numeral
possui um conteúdo cardinal, de estimação numérica, e que o artigo possui um conteúdo de
indeterminação do referente. No exemplo (29), un recebe uma leitura indefinida, já que o autor
não concorda em tratá-lo como um numeral, trazendo, assim, uma interpretação [-] definida
para a sentença.
(29) Sólo un hombre puede ayudarnos.
(LEONETTI, 1999a:836)
Assim como já foi citado anteriormente no trabalho de von Heusinger & Kaiser (2003),
o artigo indefinido possui a sua interpretação afetada pela negação, o que não ocorre com o
artigo definido. Essa ausência de interpretação do referente seria um fator que causaria uma
ideia de existência ou não do SN indefinido. Para que a interpretação de existência seja mantida,
o contexto deve favorecer uma interpretação referencial, como podemos ver nos seguintes
exemplos.
58
(30) a. A esas horas no pudieron encontrar un taxi. (= ningún taxi)
b. A esas horas no pudieron encontrar el taxi. (≠ ningún taxi)
(LEONETTI, 1999a:841)
Por esse motivo, o autor afirma que os SNs definidos seriam referenciais e os SNs
indefinidos ou quantificados não seriam. Portanto, para esta dissertação, nos baseamos na
classificação de Leonetti (1999b).
2.3.3. Traço de especificidade
A noção de especificidade é bem complexa, já que são possíveis três sentidos diferentes
para a interpretação desse traço. A especificidade, de acordo com os estudos de Leonetti
(1999a), além de ser de extrema importância para a descrição adequada das interpretações dos
SNs definidos e indefinidos, também estabelece corretamente a distribuição sintática, além de
explicar muitos fenômenos gramaticais.
O primeiro sentido destaca que um SN é considerado específico quando o falante de
uma língua o utiliza para se referir a uma entidade determinada em que ele esteja pensando. Em
um primeiro momento, de acordo com essa concepção, há uma tendência a identificar como
específico a referência de objetos conhecidos pelo falante. No entanto, o fator decisivo para
identificar a especificidade, do ponto de vista linguístico, não é o simples fato de conhecer e
identificar objetos, mas sim a intenção do falante de se referir a uma entidade determinada na
comunicação.
Podemos observar esse fato no exemplo (31), no qual, mesmo que o receptor seja capaz
de identificar ou não o referente, a interpretação do sujeito indefinido “Un amigo tuyo” é,
imediatamente, [+] específica. Podemos perceber, ao interpretar a sentença (31), que, mesmo
tendo um sujeito indefinido, a sentença ganha uma interpretação [+] específica. Ainda que o
falante não conheça o amigo referido, ele parece se referir a um referente específico.
(31) Un amigo tuyo te está esperando abajo.
(LEONETTI, 1999:858)
O segundo sentido apresentado por Leonetti (op. cit.) é o que está ligado ao que ele chama
de propriedade de âmbito. Segundo o autor, um SN é específico quando a interpretação é
independente da presença de quantificadores e infere a existência de um referente
individualizado. Voltando ao exemplo (31), percebemos que, assim como na primeira
59
concepção, ao seguir o sentido de propriedade de âmbito, o exemplo (31) também é considerado
específico, já que é possível a formação de uma paráfrase “Hay un amigo tuyo que te está
esperando abajo”.
O terceiro sentido apresentado pelo autor trata de especificidade como um termo
basicamente discursivo. Assim como na segunda noção, é independente de operadores, porém
se difere dessa segunda noção por ser independente também de relações de âmbito. Sendo
assim, há, nesse sentido, uma identificação da interpretação específica com a partitiva, na qual
há uma quantificação sobre um conjunto de elementos já conhecidos e delimitados pelo
contexto.
Apesar de apresentar essas três concepções acerca do traço de especificidade, Leonetti
(1999a) afirma que irá empregar a noção de especificidade baseada no primeiro dos sentidos
apresentados, que, segundo ele, é o mais intuitivo, ou seja, o de que um SN seria considerado
específico quando, ao usá-lo, o falante dê a entender que se refere a um objeto ou entidade
determinada. Para esta dissertação, assim como o autor, iremos utilizar a primeira concepção
de especificidade apresentada.
Ao se referir ao traço [-] específico, o autor postula que, quando se menciona um referente
hipotético, possível, não individualizado ou ainda inexistente no momento da fala, como no
exemplo “Ocurrirá una desgracia”, o SN estabeleceria uma condição sobre referentes possíveis
sem dirigir o destinatário a nenhum deles em particular. No entanto, os SNs encabeçados pelo
artigo definido recebem interpretação [-] específica quando esse sintagma é usado para
referentes hipotéticos ou futuros, que não podem ser identificados e que talvez não existam no
momento da enunciação.
No que se refere aos SNs encabeçados pelo artigo indefinido, segundo Leonetti (op. cit.),
o referente poderia ser retomado por um pronome definido, como em (32b). Nesse exemplo, o
clítico retoma o SN indefinido “un caso de corrupción”, que aparece em (32a). O autor postula
que, por conta do traço [-] definido desse artigo, os SNs encabeçados tendem a receber uma
interpretação [-] específica.
(32) a. Han denunciado un caso de corrupción en el juzgado no. 3.
b. Parece que lo ha descubierto un periodista.
(LEONETTI, 1999a:838)
De acordo com Leonetti (op. cit.), o mais natural, no caso de SNs indefinidos, é uma
interpretação [-] específica, como podemos ver nos exemplos em (32) e, no caso de SNs
60
definidos, ao contrário, a interpretação costuma ser [+] específica. O artigo definido introduz
um referente acessível e identificável, que favorece a interpretação específica do sintagma e faz
necessária a presença de marcas gramaticais explícitas quando se pretende indicar a
interpretação contrária, que seria a [-] específica. Por outro lado, devido à natureza dos artigos
indefinidos, há uma tendência de interpretação [-] específica na ausência de indicadores
gramaticais explícitos ou de informação contextual relevante.
No exemplo (33a), apresentado pelo autor, o SN possui uma quantidade mínima de
informação. Nessa sentença, o artigo definido la e o artigo indefinido una parecem sugerir uma
interpretação do sintagma [+] específica e [-] específica, respectivamente. Já em (33b), a
presença de uma relativa no subjuntivo traz uma interpretação [-] específica, tanto com SN
indefinido quanto com SN definido.
(33) a. Ana también quería ver {la/una} película.
b. Ana dice que quiere ver {la/una} película que elijamos nosotros.
(LEONETTI, 1999a:861)
Neste capítulo, nos detivemos na descrição do sistema pronominal do espanhol, trazendo,
mais especificamente, estudos que, a partir de dados, descreveram diferentes variedades do
espanhol. Também neste capítulo, tratamos do estudo do espanhol de Valência, mostrando o
histórico da região e do seu uso linguístico, principalmente com relação aos pronomes. Além
disso, apresentamos os traços e a sua relação com a realização ou não do objeto direto anafórico,
baseando-nos em estudos anteriores que levaram em consideração esses traços para a análise
da realização ou não do objeto direto. Para esta dissertação, assumimos, como hipótese de
pesquisa, que os traços [-] animado, [-] definido e [-] específico favoreceriam o apagamento do
objeto direto, enquanto que os traços [+] animado, [+] definido e [+] específico, ao contrário,
favoreceriam a retomada do objeto direto por clítico na variedade analisada.
61
CAPÍTULO 3
METODOLOGIA
Neste capítulo, tratamos de aspectos relativos à nossa amostra e à metodologia utilizada
na análise dos dados. Portanto, abordamos questões sobre a amostra, que está composta por
entrevistas orais da variedade do espanhol de Valência provenientes do Proyecto
sociolingüístico para el estudio del español de España y de América (PRESEEA) e
especificamos o tipo de programa que utilizamos para a análise quantitativa e as variáveis da
nossa análise.
3.1. CORPUS O PRESEEA surgiu no ano de 1993, durante o X Congreso Internacional de la Asociación
de Lingüística y Filología de la América Latina (ALFAL), a partir de uma reunião da comissão
de sociolinguística da ALFAL. O projeto foi criado com o intuito de oferecer um corpus oral
de língua espanhola representativo da sua variedade geográfica e social.
Esse corpus é resultado do trabalho de mais de 40 equipes de pesquisa e do trabalho
coordenado de pesquisadores com uma metodologia comum, que reuniu um banco de materiais
para aplicação com fins educativos e tecnológicos. Dentre essas 40 equipes, está o Proyecto
sociolingüístico para el estudio del español de Valencia (PRESSEVAL), que foi criado em
1996 no grupo Valencia Español Coloquial (Val. Es. Co.), tendo como principal objetivo
identificar os traços característicos do espanhol falado na região de Valência a partir da
participação da comissão sociolinguística da ALFAL em 1994 e 1996.
Cada grupo que participou da elaboração do corpus do PRESEEA precisava seguir
diretrizes gerais básicas para assegurar as garantias que um corpus necessita ter. Para isso, seria
necessário obedecer às seguintes tarefas: 1) a elaboração de uma metodologia sociolinguística
básica, de maneira que todos os centros associados voluntariamente ao projeto e que,
consequentemente, se comprometiam a enviar os materiais seguissem essa metodologia, para
que pudesse ocorrer a reunião de dados homogêneos e passíveis de comparação; e 2) a reunião
do corpus, que consistiria no envio dos materiais recolhidos pelos centros associados ao Centro
de Información y Materiales Sociolingüísticos (CIMAS).
62
O acesso ao PRESEEA é muito simples, já que podemos encontrá-lo disponível online.
O corpus é, portanto, utilizado em muitas pesquisas e permite o estudo de diferentes variedades
do espanhol. Os materiais disponíveis no PRESEEA e, consequentemente, no PRESSEVAL
podem ser consultados sem nenhum custo, sendo destinados, exclusivamente, ao uso em
pesquisas, não podendo servir para uso comercial.
As entrevistas transcritas utilizadas podem ser consultadas sem nenhum pagamento. É
importante ressaltar aqui que as transcrições não foram feitas por nós, dado que, ao acessar o
PRESEEA, já estão disponíveis as transcrições das entrevistas e a data de tais transcrições
(quadros 3 e 4). O PRESEEA disponibiliza o áudio das entrevistas, mas não por completo,
portanto não utilizamos os áudios das entrevistas.
3.2. A VARIEDADE DO ESPANHOL DE VALÊNCIA O sistema político espanhol é organizado de acordo com o sistema dos estados de
autonomias. As regiões chamadas comunidades autônomas possuem governo próprio e língua
própria, como podemos ver na figura 4. Sendo assim, em grande parte dessas comunidades, o
espanhol convive com outras línguas consideradas oficiais, como é o caso do catalão, do galego
e do euskera (ou vasco), favorecendo o bilinguismo.
Figura 4: Mapa político da Espanha e suas comunidades autônomas.
Extraída de www.gifex.com/fullsize2/2009-12-02-11298/Mapa-Poltico-de-Espaa.html
Grosjean (1994) postula que bilíngues são pessoas que utilizam duas ou mais línguas ou
dialetos no seu cotidiano. O contato linguístico de origem histórico na Espanha remonta a finais
do século XV e leva inevitavelmente ao bilinguismo que existe hoje em algumas comunidades
autônomas. De acordo com López (2009), a Comunidade Autônoma de Valência é composta
63
por três províncias: Valência, Castellón e Alicante, sendo a cidade de Valência a capital
administrativa e a sede do Parlamento e do Governo Autônomo, como podemos constatar na
figura 5:
Figura 5: Mapa da Comunidade Valenciana.
Extraída de www.infolaso.com/geografia/114-geografia-de-espana/945-datos-basicos-de-la-comunidad-valenciana.html
A Comunidade Valenciana, segundo Casanova (2001), apresenta historicamente duas
línguas: o espanhol, subdividido em dois dialetos (o castelhano-aragonês, também chamado de
xurro, de base aragonesa, que faz parte da parte norte da Comunidade Valenciana e o
castelhano-murciano, também chamado de murciano, de base castelhana, que cobre as zonas
da parte sul); e o catalão, histórica e popularmente conhecido como valenciano, que se
caracteriza como um dialeto catalão que pertence ao grupo ocidental junto ao leridano, ao
tortosino e ao ribagorzano27.
Segundo Briz (2004), os dados oficiais da Consejería de Cultura, Educación y Ciencia
(1990) e os dados de enquetes sobre o uso do valenciano (1992, 1995) apontam que a situação
linguística da Comunidade Valenciana se caracteriza pelo uso do espanhol na comunicação
entre grupos e do valenciano na comunicação familiar e de amigos. Nesse sentido, o espanhol
era, majoritariamente, usado no âmbito de trabalho e em outras situações comunicativas.
Essa diferença de uso das duas línguas ocorre pelo fato de o espanhol ser a variedade de
prestígio, de maior valor instrumental e de ascensão social, utilizada em textos escritos e em
registros orais mais formais, enquanto que o valenciano era considerado uma língua de uso mais
27 De acordo com Briz (op. cit.), há, nessa região, uma situação de bilinguismo social, já que existem zonas que utilizam exclusivamente o castelhano.
64
próprio e quase exclusivo de interação familiar ou de contextos comunicativos específicos,
como os casos de comunicação imediata.
Ainda de acordo com o autor, hoje em dia, o uso do espanhol ou do valenciano ocorre
segundo a situação comunicativa. Os parâmetros comunicativos ou de situação são os que
marcam com mais frequência o uso do espanhol ou do valenciano. O predomínio do espanhol
no âmbito oral (ainda mais no escrito) já não é tanto uma questão de prestígio social como era
antigamente. O valenciano, por sua vez, é uma modalidade mais valorizada afetivamente e de
uso mais frequente dentro de um grupo, com um ligeiro aumento no uso em âmbitos formais.
No que tange aos estudos do sistema pronominal do espanhol de Valência, Blas Arroyo
(1994) afirma que há uma falta de estudos sobre o espanhol falado em regiões bilíngues
espanholas, como é o caso de Valência. Sendo assim, o autor postula que há uma impressão de
que, nessas regiões, se utilize o sistema ortodoxo dos pronomes, de acordo com o sistema
etimológico-casual.
No que se refere à utilização dos pronomes átonos de 3a pessoa, Blas Arroyo (op. cit.)
defende o fato de a Comunidade Valenciana utilizar os pronomes lo/le para expressar o objeto
direto masculino relativo a uma pessoa, nomeando essa variável de leísmo de pessoa. Além
desse uso, há também a utilização dos pronomes lo/le para expressar o objeto direto masculino
relativo a um objeto (não animado), nomeado como leísmo de coisa. Por fim, há o uso dos
pronomes le/la para expressar o objeto indireto de pessoa feminino, nomeado de laísmo28.
Blas Arroyo (op. cit.) afirma que, em regiões bilíngues, costuma ocorrer um “desvio” do
sistema etimológico pronominal, já que os falantes bilíngues, ao fazerem uso de duas
gramáticas, complementariam a gramática de uma língua com a gramática da outra. Sendo
assim, uma complementação da gramática do espanhol pela gramática do valenciano. É
importante voltarmos aqui para o que foi tratado no início deste capítulo. Gramáticas
consideram o uso não etimológico como algo marginalizado, simples e, como Blas Arroyo (op.
cit.) se referiu, um desvio, o que torna o olhar para o sistema pronominal do espanhol mais
centralizador e generalizador, não respeitando, muitas vezes, algumas diferenças.
Ao tratar dessa possível interferência do valenciano no espanhol, Blas Arroyo (op. cit.)
argumenta que o valenciano segue o mesmo sistema do catalão, que, por sua vez, segue o
sistema etimológico-casual29, no qual se distingue formas de objeto direto e objeto indireto,
28 É importante ressaltarmos que, para esta dissertação, não nos ocuparemos do objeto indireto. 29 Apesar de não levarmos em conta o fator do bilinguismo local para a análise dos dados, acreditamos que não haveria grande interferência nas estratégias de realização, pois o catalão utiliza o sistema etimológico, assim como o valenciano.
65
como vimos no início do capítulo. Blas Arroyo (1994), para detalhar o sistema pronominal do
catalão, menciona o estudo de Badía (1962), que postula que o catalão possui quatro
representações de pronomes, alguns podendo assumir diferentes formas, dependendo da
situação na oração: el (e lo, ‘l, l’) para masculino singular; la (e l’) para feminino singular; els
(e los, ‘ls) para masculino plural; e les para feminino plural em função de objeto direto. Para a
função de objeto indireto, a língua catalã possui duas formas: li para ambos os gêneros no
singular e els (e los, ‘ls) para ambos os gêneros no plural.
3.3. PERFIL DOS INFORMANTES Os dados da nossa dissertação se compõem de oito entrevistas orais transcritas do
PRESEEA de Valência, sendo quatro entrevistas de informantes do sexo feminino (quadro 3)
e as outras quatro de informantes do sexo masculino (quadro 4). Essas entrevistas apresentam
informantes de diferentes idades, níveis de escolaridade e profissões.
No quadro 3, podemos observar o perfil dos informantes30 e algumas informações
técnicas das oito entrevistas utilizadas, como a duração da entrevista, a data em que foi realizada
a sua transcrição.
30 Apesar de apresentarmos aqui as informações sociolinguísticas dos informantes, tais dados não vão ser levados em conta no processo de análise dos dados obtidos.
66
Entrevista 1 Entrevista 2 Entrevista 3 Entrevista 4
Duração 41 minutos 34 minutos 33 minutos 39 minutos
Número de palavras 13.809 13.695 8.732 14.556
Data da gravação 01/12/1996 01/05/2001 01/01/1999 01/12/1998
Data da transcrição 01/03/1997 01/06/2001 01/03/1999 01/03/1999
Idade 43 anos 50 anos 31 anos 58 anos
Nível de escolaridade31
Alto Médio Alto Alto
Profissão Professora Administrativa Contratada em
um centro escolar
Professora
Origem Valência Valência Valência Valência
Quadro 3: Perfil dos informantes das 4 entrevistas selecionadas do sexo feminino.
Entrevista 5 Entrevista 6 Entrevista 7 Entrevista 8
Duração 36 minutos 30 minutos 40 minutos 34 minutos
Número de palavras 16.241 13.525 13.828 10.472
Data da gravação 03/01/2001 12/01/2004 01/01/2002 01/12/1999
Data da transcrição 06/03/2001 03/01/2005 01/03/2003 01/03/2000
Idade 66 anos 24 anos 46 anos 24 anos
Nível de escolaridade Baixo Baixo Baixo Alto
Profissão Mecânico
aposentado Padeiro
Bate-chapa de automóveis
Agente de vendas
Origem Valência Valência Valência Valência
Quadro 4: Perfil dos informantes das 4 entrevistas selecionadas do sexo masculino.
31 Segundo o projeto PRESEEA, o nível de escolaridade é dividido em três grupos: 1. Nível baixo / enseñaza primaria; 2. Nível médio / primarios e secundarios completos; e 3. Nível alto / estudios universitarios o de enseñanza superior.
67
3.4. ANÁLISE DOS DADOS Para a análise das oito entrevistas de Valência, obtidas através do PRESEEA, nos
centramos em um trabalho de linguística de corpus, uma ciência empírica que utiliza
ferramentas tecnológicas, como o computador, por exemplo, para o armazenamento, tratamento
e análise da língua em uso. Para isso, fizemos uso de um programa de análise lexical chamado
WordSmith Tools (versão 7.0)32, criado por Mike Scott, da Universidade de Liverpool,
publicado pela Oxford University Press e distribuído pela WordWideWeb.
Para a análise das oito entrevistas transcritas selecionadas por nós, utilizamos a
ferramenta Concord do programa WordSmith Tools, que é feita para a análise lexical, já que
cria concordâncias das palavras de busca (lista de palavras em contexto, lista de agrupamentos
lexicais), além de mostrar onde o item lexical aparece no corpus. Para que o programa possa
rodar o texto, é importante que ele esteja em formato txt., as entrevistas baixadas no PRESEEA
já estão nesse formato. Na figura 6, apresentamos o print screen da página de busca da
ferramenta Concord do programa WordSmith Tools e, em seguida, na figura 7, está a página
com os resultados gerados a partir das buscas das entrevistas:
Figura 6: Página de busca do programa WordSmith Tools.
32 A licença desse programa utilizado para análise dos dados é paga e foi disponibilizada pela Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold.
68
Figura 7: Página dos resultados gerados a partir da página de busca do programa WordSmith Tools.
Se faz necessário esclarecer que utilizamos o programa WordSmith Tools para selecionar
os casos, separar as ocorrências e quantificar os dados. A análise qualitativa foi feita
manualmente, ou seja, os traços de animacidade, definitude e especificidade do referente não
foram analisados pelo programa, assim como os casos de apagamento foram selecionados
manualmente, já que seria impossível encontrar casos de objeto nulo no programa.
Ressaltamos que o número total de ocorrências foi estabelecido após o descarte de alguns
dados de retomada, totalizando 272 dados descartados. Desses 272 dados de retomada, foram
descartados os seguintes tipos: (A) dados produzidos pelo entrevistador; (B) construções de uso
cristalizado; (C) dados de referente oracional; e (D) dados de duplicação. A seguir,
apresentamos alguns exemplos de cada tipo de retomada que descartamos.
69
A. “E: imagínate que tu hermano fuera una persona de esas / ¿cómo lo convencerías o qué
le dirías para que no lo hiciera?”
B. “he sido pues la más rebelde o sea / he sido rebelde como supongo que toda la gente con
veinte años / con veintiún años he hecho locuras pero locuras / y mi y mis padres // pues
me lo ha me lo han dicho mira no hagas esto porque no sé qué / porque tú piensa en ti /
estudia lo normal que te digan unos padres porque es lo normal / y he hecho el loco pero
lo he hecho / entonces te rebelas contra eso / y luego pasa el tiempo / y ves que tenían
razón / es mi experiencia es esa / que tenían razón / que / son tus padres / y a no ser que
sean unos padres / que de todo hay ¿no? / pero a no ser que sean unos padres // pues yo
qué sé que no estén bien de la cabeza / lo normal es que quieran tu bien entonces yo que
pienso que es un problema”
C. “I: ¡bueno! / pues lo primero que haría era pues pagar el coche / pagar tapar muchos
agujeros // eso es lo primero que haría / dar / de todo / pasar todo lo que no puedo
hacer ahora lo haría // sin pasarme tampoco / pero lo primero qu haría era tapar los
agujeros / los más importantes…”
D. “¿como lo veo el futuro? / buf home / pues lo veo bien / ¡yo qué sé! pues que va todo
va va evolucionando conforme / va pasando el tiempo hay más cosas / hay más más ¡yo
qué sé! / ¿qué podría decirte? E: pero y en el mundo / ¿cómo ves el futuro de la
humanidad?
A nossa pesquisa pretende trazer variáveis qualitativas obtidas mediante a seleção dos
dados e a análise manual dos traços do referente e variáveis quantitativas, pois trazemos não
somente aspectos mensuráveis, mas também aspectos definidos descritivamente, como os
traços que favorecem ou não o processo de retomada ou apagamento do objeto direto anafórico.
A variável independente da nossa dissertação são os traços, pois parecem constituir um fator
determinante para que ocorra a realização ou a não realização do objeto direto no espanhol de
Valência. Já a variável dependente da nossa dissertação são o objeto direto foneticamente
apagado e os clíticos, tendo em vista que são o resultado da manipulação da variável
independente.
Neste capítulo, apresentamos o corpus utilizado na análise desta dissertação, assim como
descrevemos algumas características sociolinguísticas do mesmo, ao apresentarmos o perfil dos
70
informantes. Além disso, especificamos alguns aspectos geográficos e linguísticos da região de
Valência e apresentamos o programa que nos auxiliou na contabilização das ocorrências de
clíticos nas entrevistas selecionadas e analisadas. Por fim, detalhamos alguns casos que foram
descartados na nossa análise.
71
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS
Neste capítulo, apresentamos a análise dos dados levantados do corpus de falantes de
espanhol da região de Valência. Como já foi detalhado no capítulo anterior, utilizamos oito
entrevistas transcritas do corpus PRESEEA da região de Valência com o objetivo de analisar
quantitativa e qualitativamente a realização do objeto direto anafórico por clítico e o
apagamento, levando em consideração os traços de animacidade, definitude e especificidade do
referente. Este capítulo está organizado em duas seções: uma que trata dos resultados de
retomada por clítico e outra que se dedica às ocorrências de apagamento. Antes de tratar, mais
especificamente, da retomada e do apagamento nos dados analisados, apresentamos, a seguir, a
tabela e o gráfico geral de dados de retomada e de apagamento encontrados nas oito entrevistas
analisadas.
Tabela 1: Total de ocorrências de retomada por clítico e apagamento.
Gráfico 1: Total de ocorrências de retomada por clítico e apagamento.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
RETOMADA APAGAMENTO
TOTAL DE OCORRÊNCIAS
RETOMADA
APAGAMENTO
352 ocorrências 5 ocorrências
72
Para analisar, separadamente, os traços do referente dentro do número total de ocorrências
de retomada e apagamento, tipificamos seis grupos de traços binários. Os grupos estão listados
a seguir.
(1) [+] animado
(2) [-] animado
(3) [+] definido
(4) [-] definido
(5) [+] específico
(6) [-] específico
A influência dos traços do referente na retomada por clítico ou no apagamento foi
estudada por muitos autores (SUÑER & YÉPEZ, 1988; LANDA, 1993; FERNÁNDEZ
SORIANO, 1999; ARRUDA, 2002; SIMÕES, 2015) para diversas variedades do espanhol. No
entanto, em todos esses trabalhos, é unânime a asserção de que o espanhol, no geral, é uma
língua com prevalência da estratégia de retomada por clítico. No caso dos dados analisados
nesta dissertação, foi visível o número comprovadamente maior de ocorrências de estratégia de
retomada por clítico em relação ao número de ocorrências de apagamento, como pudemos
constatar na tabela 1. A seguir, apresentamos os pares de traços [+/-] animado, [+/-] definido e
[+/-] específico, que foram analisados separadamente como forma de comparar a natureza
binária dos traços na realização do objeto, começando pelo traço de animacidade, seguido do
traço de definitude e, por fim, o de especificidade.
Tabela 2: Comparação de ocorrências de retomada e apagamento e os traços de animacidade.
TRAÇO DE ANIMACIDADE
DO REFERENTE
RETOMADA POR CLÍTICO APAGAMENTO
[+] animado 92 oc./ 352 oc. 0 oc./ 5 oc.
[-] animado 260 oc./ 352 oc. 5 oc./ 5 oc.
73
Tabela 3: Comparação de ocorrências de retomada e apagamento e os traços de definitude.
Tabela 4: Comparação de ocorrências de retomada e apagamento e os traços de especificidade.
É importante frisar, considerando os três grupos destacados, que tanto na estratégia de
retomada quanto na de apagamento, realizamos a análise separando os três grupos em traços de
natureza binária, isto é, os pares [+/-] animado, [+/-] definido e [+/-] específico. Sendo assim,
a parcela total de ocorrências de retomada e apagamento foi dividida entre cada par binário de
ocorrências, tendo em vista que cada exemplo encontrado se encaixou em três dos seis pares de
traços. Dentre os seis pares de traços, um referente deveria, obrigatoriamente, satisfazer as
exigências para ser classificado entre um dos traços dos pares [+/-] animado, [+/-] definido e
[+/-] específico, como podemos observar nas tabelas 2, 3 e 4.
A seguir, detalhamos os exemplos de ocorrências de retomada encontradas e seus
respectivos traços. Para a análise dos traços dos referentes, utilizamos os estudos de von
Heusinger & Kaiser (2003), Lopes (2006), Lage (2010, 2013) e Arruda (2012) para o traço de
animacidade, Laca (1999) e Leonetti (1999a, 1999b) para o traço de definitude e Leonetti
(1999a) para o traço de especificidade.
4.1. RETOMADA POR CLÍTICO Como já destacamos anteriormente, a retomada por clítico é considerada a opção de
realização pronominal mais utilizada por falantes de espanhol de diferentes variedades
TRAÇO DE DEFINITUDE
DO REFERENTE
RETOMADA POR CLÍTICO APAGAMENTO
[+] definido 241 oc./ 352 oc. 3 oc./ 5 oc.
[-] definido 111 oc./ 352 oc. 2 oc./ 5 oc.
TRAÇO DE ESPECIFICIDADE
DO REFERENTE
RETOMADA POR CLÍTICO APAGAMENTO
[+] específico 161 oc./ 352 oc. 2 oc./ 5 oc.
[-] específico 191 oc./ 352 oc. 3 oc. / 5 oc.
74
(FERNÁNDEZ SORIANO, 1999). Nossa análise revelou que a retomada por clítico também
foi a estratégia mais produtiva na variedade de Valência. No entanto, o ponto principal da nossa
análise foi relacionar a retomada e o apagamento aos traços de animacidade, definitude e
especificidade, já que, como pudemos ver no capítulo 2, esses traços estariam diretamente
ligados à retomada do objeto, que, no nosso caso, é o objeto direto (CYRINO, 1997).
Ressaltamos que a análise foi dividida pelos pronomes clíticos utilizados para a retomada
do objeto direto, levando em consideração o sistema casual ou etimológico do espanhol, ou
seja, foram contabilizadas as retomadas pelos clíticos la, las, lo, los, como podemos ver no
gráfico 2.
Gráfico 2: Retomada por clíticos e os tipos de clíticos encontrados.
No gráfico 2, podemos ver a divisão do total de dados encontrados (352 dados) de acordo
com os pronomes clíticos em função de objeto direto anafórico. Após a leitura do gráfico,
podemos ver um uso majoritário do pronome lo para a retomada (151 dados/352), seguido da
retomada pelo clítico feminino no singular la (107 dados/352). Com a retomada por clíticos no
plural, houve um maior número de retomada com o clítico masculino los (63 dados/352) e a
estratégia menos utilizada foi a de retomada pelo clítico feminino las (41 dados/352).
Considerando os seis grupos destacados anteriormente e os seus respectivos traços
binários, totalizamos 352 dados de retomada, que foram divididos por cada par de traços
analisado separadamente. Com base na análise dos traços binários levados em conta nesta
0
20
40
60
80
100
120
140
160
LO LA LOS LAS
41,06%
29,9%
17,6%
11,45%
75
dissertação, elaboramos o seguinte gráfico que ilustra a correlação entre os traços [+/-] animado,
[+/-] definido e [+/-] específico e a retomada pelo clítico.
Gráfico 3: As ocorrências de retomada por clítico e os traços do referente.
Como podemos observar no gráfico 3, há uma maior ocorrência de retomada por clítico
em sentenças com referente [-] animado, seguido de ocorrências com referente [+] definido e
[-] específico. Esses traços se mostraram mais produtivos, considerando o escopo de análise
desta dissertação, já que foram os resultados mais expressivos de retomada que obtivemos. Em
contrapartida, o traço que menos se mostrou produtivo para a retomada por clítico foi o traço
de animacidade de natureza [+], seguido do traço [-] definido e do traço [+] específico. É
importante ressaltar que, comparando cada traço de natureza [+] com cada traço de natureza
[-], observamos que o traço de animacidade apresentou uma diferença maior, mas, ainda assim,
pouco expressiva entre os seus traços binários, ou seja, [+] animado e [-] animado. Por outro
lado, o traço de especificidade foi o que demonstrou um maior equilíbrio na comparação
numérica de retomada por clítico na variedade analisada nesta dissertação.
4.1.1. Traço de animacidade
Para a classificação do traço de animacidade dos exemplos analisados, seguimos os
estudos de von Heusinger & Kaiser (2003) e Lage (2010). Em outros estudos com dados, como
o de Arruda (2012) sobre a variedade do espanhol da Argentina, o traço de animacidade se
mostrou determinante para a realização ou não do objeto direto anafórico. Por esse motivo,
0
50
100
150
200
250
300
Animado Definido Específico
[+]
[-]26,14% (92/352)
73,86%(260/352) 68,47%
(241/352)
31,53%(111/352)
45,45%(160/352)
54,55%(192/352)
76
analisamos esse traço e a sua relação com a retomada ou não do objeto direto nesta dissertação.
Apesar de termos encontrado um grande número de retomada com referente [+] animado, o
maior número das ocorrências de retomada se deu com antecedentes [-] animado, como
podemos observar nos exemplos. A seguir, apresentamos alguns exemplos de retomada com
referente [+] animado, contexto no qual esperávamos encontrar mais ocorrências de retomada
em comparação ao traço [-] animado.
Referentes [+] animados
(34a). “(...) o sea ¿un hermano gemelo? / pues tratar de conocerlo o sea...”
(34b). “es porque mi actual marido que fue mi primer novio / fuera pero yo con él / estaba
muy a gusto / me encontraba mejor que con y eso es ha sido mi infancia / no conozco nada
más / así que / bueno / íbamos a veranear a la Cañada / allí fue donde lo conocí...”
Os dois primeiros exemplos (34a) e (34b) apresentam a retomada do referente “un
hermano gemelo” e “mi marido” pelo clítico masculino singular acusativo de 3a pessoa lo.
Levando em consideração a escala hierárquica de von Heusinger & Kaiser (2003), apresentada
no capítulo 2, o referente “um hermano gemelo” estaria na extremidade [+] humana da escala,
já que “hermano” é um SN que faz menção a um ser humano, um homem, mais especificamente.
De acordo com Lage (2010), quanto [+] humano for o referente, maior será o grau de
referencialidade que ele apresentará e, por isso, maior será a chance de que seja retomado por
um clítico.
O mesmo ocorre com o exemplo (34b), que possui o referente “mi actual marido”, sendo
o SN “marido”, assim como “hermano”, um item que ocupa o ponto [+] humano da escala
hierárquica (VON HEUSINGER & KAISER, 2003:43), fazendo com que a sua interpretação
seja [+] animada. Além dos motivos citados anteriormente, para determinar se um referente é
considerado [+] animado, levamos em consideração, na análise dos dados, que o traço de
animacidade, diferentemente de outros traços, está intrínseco a alguns SNs, devido à sua
natureza semântica (LOPES, 2006). Desse modo, nos baseando nesses critérios, podemos
considerar que os SNs presentes nos exemplos (34a) e (34b) são [+] animados.
77
(34c). “(...) de hecho mi hija mayor / pues sí/ tres o cuatro ocasiones me vino bebidita
bebida a casa / eso que la notas que llega y dices / ¡madre mía! está como va / y entonces la
ves empiezas a hablar...”
(34d). “(...) yo actualmente tengo una ecuatoriana que vive bueno no la tengo yo / la tiene
mi tía...”
Os referentes dos exemplos (34c) e (34d) são retomados por um clítico feminino singular
acusativo de 3a pessoa la. O referente “mi hija mayor”, do exemplo (34c), possui um SN [+]
humano e, consequentemente, [+] animado, considerando a escala de von Heusinger & Kaiser
(2003), assim como ocorre com os dois primeiros exemplos. Além disso, assim como nos
exemplos (34a) e (34b), o traço [+] animado é intrínseco ao item lexical “hija”, considerando o
postulado e o exemplo (22) de Lopes (2006), apresentado no capítulo 2 (p. 49) desta dissertação.
A autora se refere ao SN “menino”, que, assim como o SN “hija” em questão, possui
intrinsecamente o traço [+] animado.
No entanto, apesar de o traço de animacidade ser intrínseco a alguns itens lexicais
(LOPES, 2006), como já foi dito anteriormente, podemos pensar em uma gradação para esse
traço. Essa gradação se faz necessária, porque o item lexical “ecuatoriana” se configura como
um adjetivo pátrio, podendo, em um primeiro momento, assumir uma interpretação [-] animada.
Esse fato ocorre graças à natureza do item lexical, que, por se tratar de um adjetivo pátrio,
necessita do contexto para que haja uma interpretação completa e coerente.
Ao analisarmos o exemplo (34d), levando em conta o contexto, não hesitamos em
classificar o adjetivo “ecuatoriana” como [+] animado. No entanto, pensamos na gradação
falada anteriormente, porque temos plena noção de que, para analisar esse dado, não olhamos
unicamente para o item lexical “ecuatoriana”, como foi feito em outros exemplos em que o
traço de animacidade estava mais evidente. Se isso fosse feito na análise do exemplo em
questão, a interpretação [+] animada poderia ser comprometida, visto que o referente
“ecuatoriana” podia estar se referindo a uma praia, por exemplo, ou até mesmo a um objeto que
veio desse país.
Pensando nisso, a gradação é observada, baseada nos postulados de Lopes (2006) acerca
do traço de animacidade, já que o referente “ecuatoriana” não possui intrinsecamente esse traço,
diferentemente do que ocorre com referentes como o do exemplo (34c), em que o traço de
animacidade já faz parte da essência semântica do SN “hija”. Por isso, Lopes (op. cit.)
78
diferencia os traços de animacidade e especificidade, já que o primeiro não depende do contexto
para a sua interpretação e o segundo sim.
Ao analisarmos o exemplo (34c), pudemos constatar que, em alguns casos, o traço de
animacidade poderia se aproximar do traço de especificidade. Observamos que,
prototipicamente, o traço de animacidade parece ser independente do contexto, contudo, para a
interpretação de alguns referentes, o contexto pode ser necessário, assim como ocorre com o
traço de especificidade, quando a presença do contexto ou de uma informação prévia é capaz
de atestar a interpretação do traço pretendido, como ocorre no exemplo (34c).
(34e). “(...) pues no me acaben de apañar a mí los toros / no es una cosa que me agrade
verlos allí correr para arriba y para abajo...”
(34f). “(...) cuando oigo hablar a los extranjeros y no los entiendo / me siento muy mal / o
sea me gustaría saber idiomas...”
Os seguintes exemplos (34e) e (34f) possuem os referentes retomados pelo clítico
masculino plural los. A sentença (34e) possui o SN “toros” como referente. Levando em conta
a escala hierárquica von Heusinger & Kaiser (2003), animais são [-] humanos que os homens.
No entanto, os animais possuem o traço [+] animado se comparados a plantas e objetos.
Portanto, consideramos, nesta dissertação, o SN “toros”, como [+] animado. Também
considerando a escala de von Heusinger & Kaiser (op. cit.), o referente do exemplo (34f)
“extranjeros” é um SN que se refere a pessoas que nasceram em outros países, sendo, portanto,
um referente [+] humano e, consequentemente, [+] animado.
(34g). “(...) el sábado por la mañana salí un rato por ahí / por la tarde estuve en casa de unas
amigas viéndolas porque una de ellas había estado mala y no me había enterado yo...”
(34h). “mi tiempo libre // vamos a ver // para mí lo primordial es mi familia / de toda la vida
/ lo tengo claro // entonces / mi tiempo libre es dedicarlo a mis hijas por la tarde / o sea si
me las tengo que acompañar o lo que sea / tengo una ya independizada / se ha ido a vivir
con su novio // entonces disfruto…”
Os exemplos (34g) e (34h) retomam o referente pelo clítico feminino plural las. No
exemplo (34g), assim como em outros exemplos anteriores, o referente “unas amigas” apresenta
o SN “amigas” que, de acordo com Lopes (2006), já possui o traço [+] animado intrínseco,
79
sendo, portanto, o referente “unas amigas” [+] animado. O mesmo ocorre com o exemplo (34h),
em que o referente “mis hijas” apresenta o SN “hijas”, que, assim como o SN “amigas”, possui,
em sua natureza semântica, o traço [+] animado. Diferentemente do exemplo (34c), tanto o
exemplo (34g) quanto o (34h) não dependem do contexto para que se possa chegar à
interpretação do traço de animacidade. Além disso, outro fator que condiciona a interpretação
[+] animada desses referentes é a escala hierárquica (VON HEUSINGER & KAISER, 2003:
43), posto que os dois SNs, tanto “amigas” quanto “hijas” estão no ponto [+] humano dessa
escala.
Referentes [-] animados
As ocorrências de referentes [-] animados (35), como já adiantamos na tabela 2, foram
superiores em número às ocorrências de referentes [+] animados (34). Diferentemente do que
ocorre com os exemplos em (34), os exemplos em (35) possuem referentes com interpretação
[-] animada, pois esses referentes se encontram no último ponto da gradação da escala
hierárquica de von Heusinger & Kaiser (2003). Tais referentes não possuem a interpretação [+]
animada intrínseca ao item lexical (LOPES, 2006), nem a interpretação [+] animada passível
de identificação de qualquer indivíduo (LAGE, 2010).
(35a) “(...) recurrieron a los padres / ¡ché! ¡mira! / sale este problema / vamos a solucionarlo
/ y los padres y los hermanos solucionaron el problema.”
(35b) E: Muy bien / y del día de tu primera communión / qué recuerdas?
I: Muy bonito / Muy bien / Muy bien / lo celebramos en el club…
Nos exemplos (35a) e (35b), encontramos a estratégia de retomada por clítico masculino
singular. No exemplo (35a), o referente “este problema” possui uma interpretação [-] animada.
Esse SN se encaixa na escala de von Heusinger & Kaiser (op. cit.) (humano > animado >
inanimado) de maneira que “problema” estaria no ponto inanimado, já que não se trata de um
referente humano, nem animado. O mesmo ocorre com o exemplo (35b), que possui o traço
[-] animado intrínseco ao item lexical “día”. Assim como no exemplo (35a), o SN “día” está na
escala de von Heusinger & Kaiser (op. cit.) como inanimado, sendo, portanto, [-] animado.
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(35c) “(...) pues la tortilla de patata para cenar / la hago así a menudo porque / me sala
buenísima...”
(35d) “(...) la niñez con mis hermanos y todo eso la recuerdo muy bien / muy bien porque /
en fin / íbamos al colegio...”
O exemplo (35c) possui o referente “la tortilla de patatas”, comida típica espanhola, e,
assim como os exemplos (35a) e (35b), possui a interpretação [-] animada, pois, conforme a
hierarquia de von Heusinger & Kaiser (2003), o SN “tortilla de patatas” é inanimado. O mesmo
se aplica ao exemplo (35d), que se refere a uma época da vida e não a um ser animado, sendo
assim, considerando Lopes (2006), o SN “la niñez” não possui o traço [+] animado intrínseco
ao item lexical, como ocorre com o SN “menino”, por exemplo.
(35e) E: “Muy bien / pues como tienes experiencia // cómo organizarías una fiesta familiar
en casa? Imagínate que vais a celebrar un cumpleaños algo / allí en el chalet cómo / lo
organizarías todo?”
I: “Sí, lo organizo yo sola (…)”
(35f) “(...) leo prensa económica / el prensa normal / y algún libro que otro los libros algunos
me se atraviesan / pero / al final me los leo...”
O exemplo (35e) é [-] animado por apresentar no referente o SN “cumpleaños”, estando
esse SN no último ponto da escala de von Heusinger & Kaiser (op. cit.). O mesmo ocorre com
o exemplo (35f), no qual o referente “los libros” possui o SN “libros”, que, assim como no caso
do exemplo (35e), se trata de um objeto que está no último lugar da escala de von Heusinger &
Kaiser (op. cit.), apresentando, assim como o exemplo (35e), o traço [-] animado.
(35g) “(...) entonces en mi vida/ o sea las horas que me quedan libres después de mi trabajo
/ pues / no quiero encasillarlas porque las he encasillado...”
(35h) “(...) ¡uy! Yo es más las fiestas siempre las organizo yo / las familiares y de amigos
siempre me tocan a mí...”
Os exemplos (35g) e (35h) possuem o referente retomado pelo clítico feminino plural las.
Tanto o referente “las horas”, do exemplo (35g), quanto o referente “las fiestas”, do exemplo
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(35h), possuem, intrinsecamente, o traço [-] animado, considerando o que postula Lopes (2006)
ao afirmar que o traço de animacidade está intrínseco a itens lexicais, sendo esse traço [+]
animado ou [-] animado de acordo com o item lexical em questão.
Os próximos exemplos se referem à análise do traço de definitude, que também parece
ser relevante para a seleção da estratégia de retomada do objeto direto por clítico. Esse traço
está diretamente ligado a outro traço que parece ser igualmente relevante – o traço de
especificidade –, como veremos a seguir.
4.1.2. Traço de definitude
Seguimos, para a análise do traço de definitude, os estudos de Laca (1999) e Leonetti
(1999b), que especificaram a importância do determinante para a classificação do traço [+/-]
definido. Para a nossa análise, consideramos a classificação de determinantes “fortes” e
“fracos”, proposta por Leonetti (op. cit.), que, de forma geral, classifica os determinantes
“fortes” como [+] definidos e os determinantes “fracos” como [-] definidos.
Os exemplos apresentados a seguir representam a noção de definitude exposta no capítulo
2, em que von Heusinger & Kaiser (2003) afirmam que esse traço aproximaria o referente de
um item do discurso já mencionado pelo falante quando é associado a um determinante com
natureza [+] definida, reforçando a íntima relação entre determinantes e o traço de definitude.
Referentes [+] definidos
(36a) “(...) se me ha pinchado la bicicleta / ¡hala! Hijo ven conmigo/ vamos a arreglarla
¿eh? / porque para que supiera que si se ha roto hay que arreglarla...”
(36b) “aquí en Valencia no estaba la Telecomunicaciones de imagen y sonido y me fui
hacerla a Gandía porque aquí en Valencia no había...”
Nos exemplos (36a) e (36b), os referentes são retomados pelo clítico feminino singular
la. No exemplo (36a), o SN “bicicleta” é encabeçado pelo artigo definido la, que, seguindo a
concepção de Leonetti (op. cit.), é um determinante “forte”, sendo assim, o referente “la
bicicleta” é interpretado como [+] definido. O exemplo (36b) possui o referente
“Telecomunicaciones de imagen y sonido”, que é encabeçado, assim como no exemplo (36a),
por um determinante classificado como “forte”, já que se trata de um artigo definido, trazendo,
assim, uma interpretação [+] definida para o referente.
82
(36c) “(...) yo me parece que estamos viviendo en una región que es algo de resurrección /
¿eh? porque Valencia pues me parece que resurge siempre / aunque la quieran hundir...”
(36d) “(…)para tirar la pastilla pa la levadura // pa que venga el pan / y y vas y calculas
cinco minutos / la sacas // la metes dentro la máquina y empiezas a pesar // y luego lo pones
en post // unas post unas maderas / pa que se haga bueno las pelotas // y empiezas a
hacerlo…”
Os exemplos (36c) e (36d) têm referentes retomados pelo clítico masculino singular lo.
Em espanhol, como já destacamos no capítulo 2, os determinantes possuem a função de trazer
a referência e a quantificação do SN à tona, já que os substantivos sem a presença do
determinante não são capazes de exercer a função de referencialidade e quantificação. Portanto,
o espanhol se configura como uma língua que exige que um referente seja encabeçado por um
determinante.
No entanto, os casos de nomes próprios funcionam de maneira distinta, já que, como
também já apresentamos no capítulo 2, essas entidades possuem características referenciais
intrínsecas, que fazem com que o falante possa fazer referência a uma entidade determinada
sem que haja a necessidade de um determinante (LACA, 1999; LEONETTI, 1999b).
Por se tratar de um nome próprio, o referente do exemplo (36c), “Valencia”, não é
encabeçado por determinantes de nenhuma natureza, ou seja, nem determinantes “fortes”, nem
“fracos”. Pelas razões elencadas no parágrafo anterior, o referente “Valencia”, por nomear uma
cidade espanhola, se configura como um nome próprio e, consequentemente, é considerado [+]
definido, pois possui a referencialidade própria à sua natureza sintática, fazendo com que,
mesmo sem a presença do determinante, o falante possa identificar uma entidade determinada,
o que, em casos de substantivos comuns, geraria uma interpretação [-] definida.
O referente do exemplo (36d), “el pan”, é encabeçado, assim como outros exemplos
analisados, pelo artigo definido el. Levando em conta a classificação de Leonetti (1999b), o
artigo definido é considerado um determinante “forte” e, como apresentado anteriormente, os
determinantes estão diretamente ligados ao traço de definitude. Tendo em vista tais asserções,
o referente “el pan” é considerado [+] definido.
83
(36e) (...) y además a mi padre le encantaba los museos y me trague todos los museos / hasta
los de la guerra / entonces vamos me los conozco / pero los he visto con él...”
(36f) “(...) y en verdad nadie te ha preparado para educar a esos hijos / ni para criarlos ni
para nada o sea / de lo que has ido viendo...”
Os exemplos (36e) e (36f) têm o referente retomado pelo clítico masculino plural los. O
referente do exemplo (36e), “los museos”, é encabeçado, assim como os exemplos anteriores,
(36a) e (36d), por um artigo definido, só que, dessa vez, por um artigo definido masculino no
plural, que também é classificado como [+] definido, já que é, segundo Leonetti (1999b) um
determinante “forte”. Outro exemplo que possui o referente encabeçado por um determinante
“forte” é o SN “hijos”, do exemplo (36f), que é encabeçado pelo demonstrativo “esos”. Leonetti
(op. cit.), em sua classificação, considera os demonstrativos como determinantes “fortes”, ou
seja, unidades que envolvem todos os elementos de um conjunto, restritos ou não pelo contexto,
obedecendo à condição de unicidade e, assim, configurando o SN “hijos” como [+] definido.
(36g) (...) las cosas hay que saber gastárselas / o sea / dar con la mano derecha pero /
recogiendo con la mano izquierda...”
(36h) (...) las mejores condiciones ese dormitorio / luego viene una cocina / que tampoco
son muy grandes las cocinas / como las de ahora / con en comparación con los pisos antiguos
las tenían más pequeñas...”
Os exemplos (36g) e (36h) apresentam os referentes “las cosas” e “las cocinas”,
respectivamente. Tanto o SN “cosas” quanto o SN “cocinas”, ambos encabeçados pelo artigo
definido feminino plural las, possuem uma leitura [+] definida, pois os dois referentes são
encabeçados por um determinante “forte”, que, no caso, é o artigo definido. Como adiantamos
no capítulo 2 e nos parágrafos anteriores, para que um referente possa ser considerado [+]
definido, ele deve obedecer à condição de unicidade. Essa condição faz com que a descrição do
SN se refira a um único referente no contexto. Ainda de acordo com Leonetti (op. cit.), o
significado do artigo definido não deixa de ser a própria condição de unicidade, ou seja, o artigo
definido é uma garantia de que o referente é passível de identificação e se configura como a
única entidade existente e relevante no contexto de uso que obedeça às condições apresentadas
pelo conteúdo descritivo do SN. Portanto, levando em conta tal explicação, os referentes
84
“cosas” e “cocinas” são classificados como [+] definidos por serem encabeçado por
determinantes “fortes”, que obedecem à condição de unicidade.
Referentes [-] definidos
Como já foi apresentado anteriormente, a interpretação [-] definida se diferencia da
interpretação [+] definida pelo fato de, segundo Leonetti (1999b), os determinantes indefinidos
(“fracos”) não encabeçarem uma propriedade já considerada pelo falante no momento de fala
ou identificada pelo contexto. Em virtude disso, de acordo com o autor, os SNs acompanhados
de artigos indefinidos, numerais e quantificadores não universais (algún, muchos, bastantes)
são passíveis de interpretação [-] definida.
Além dessas, outras entidades que possuem leitura [-] definida são os referentes sem
determinantes, dado que, como já vimos antes, os únicos SNs que podem não vir acompanhados
de um determinante e, ainda assim, recebem leitura [+] definida são os nomes próprios, que
possuem uma referencialidade intrínseca. Podemos observar alguns exemplos de referentes [-]
definidos a seguir.
(37a) “(...) si la pieza nueva vale nueve mil / aunque le cueste un poco más / se le pone una
pieza nueva que siempre es nueva / no tienes que andar reparándosela...”
(37b) “(...) porque yo tengo una compañera que es de Salamanca / y está estudian bueno ha
estudiado en Salamanca y ahora está viviendo aqui porque aprobó unas oposiciones y bueno
la destinaron aquí y está viviendo aquí ahora...”
Os exemplos (37a) e (37b) possuem os referentes “una pieza nueva” e “una compañera”,
respectivamente, sendo ambos retomados pelo clítico feminino singular la. O referente do
exemplo (37a) é considerado [-] definido, pois o SN “pieza nueva” é encabeçado pelo artigo
indefinido una, considerado por Leonetti (op. cit.) um determinante “fraco”. Assim como no
exemplo (37a), no exemplo (37b), o SN “compañera” é encabeçado também pelo artigo
indefinido una, sendo considerado também [-] definido.
É importante destacar que os referentes dos exemplos (36) foram classificados como [+]
definidos, porque levamos em consideração a natureza dos determinantes, sendo todos os
referentes encabeçados por determinantes “fortes”. Nos exemplos (37), a classificação [-]
definida também é influenciada pelo tipo de determinante utilizado, já que, em quase todos os
dados, encontramos referentes encabeçados por determinantes “fracos” e, quando não eram
85
encabeçados por esse tipo de determinante, o que encontramos foi a ausência de determinantes
com substantivos comuns, o que também geraria a interpretação [-] definida. No capítulo 2,
tratamos, mais especificamente, da diferença entre determinantes definidos ou “fortes” e
determinantes indefinidos ou “fracos”. Para que fique claro, retomamos, neste momento, tais
classificações a fim de entender melhor a atribuição do traço de definitude no caso de cada
referente analisado.
(37c) “(...) un servicio social que sea / de no de no preocuparme mucho como estoy
trabajando tampoco hacer muchas horas / ni que me quite mucho tiempo sino / que sea
sencillo / de hacerlo nueve meses y se acabó...”
(37d) “(...) la barrera de entrada del hotel la barrera que se abre / de los coches lo que era un
teléfono funicular jamás lo averigue ¿eh?...
Os exemplos (37c) e (37d) têm como referentes “un servicio social” e “un teléfono
funicular”, respectivamente, sendo os dois retomados pelo clítico masculino singular lo. Tanto
o SN “servicio social”, em (37c), quanto o SN “teléfono funicular”, em (37d), são encabeçados
pelo artigo indefinido masculino singular un, que, de acordo com Leonetti (1999b), se configura
como um determinante “fraco”, trazendo, assim, uma interpretação [-] definida para os dois
referentes. Esse traço [-] definido é atribuído a esses SNs por se tratarem de referentes, como
já foi dito, encabeçados por um determinante “fraco”, que, por sua vez, apresenta uma natureza
indefinida e não permite a identificação e a recuperação do referente pelo falante,
diferentemente do que ocorre nos exemplos (36), com os referentes encabeçados por
determinantes “fortes”, que são recuperados e identificados, recebendo uma interpretação [+]
definida.
Apesar de tanto os numerais quanto os artigos indefinidos serem considerados
determinantes “fracos” que condicionam uma interpretação [-] definida, é importante
diferenciarmos bem essas duas categorias de determinantes, já que, dependendo da semântica,
un, encontrado nos exemplos (37c) e (37d), pode ser considerado um artigo indefinido ou um
numeral.
Para que se diferenciem essas duas categorias, Leonetti (op. cit.) argumenta que, enquanto
o numeral apresenta um conteúdo cardinal de estimação numérica, o artigo indefinido possui
um conteúdo de indeterminação do referente. Embora as duas categorias de determinantes
condicionem a interpretação [-] definida, no caso dos exemplos analisados anteriormente, (37c)
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e (37d), levando em conta a função do numeral e a do artigo indefinido, entendemos que os
referentes são encabeçados pelo un que funciona como artigo indefinido, conforme foi descrito.
(37e) “(...) no que entren ilegales para que la gente los explote yo es es que eso no lo llego a
entender...”
(37f) “(...) esa empresa traía coches de Barcelona aquí / para reconstruirlos y venderlos / y
/ yo cogía por la noche el tren...”
Nos exemplos (37e) e (37f), os referentes “ilegales” e “coches de Barcelona” são
retomados pelo clítico masculino plural los. Tanto o SN “ilegales” quanto o SN “coches de
Barcelona” não são encabeçados por nenhum determinante. Como já nos referimos
anteriormente, Laca (1999) e Leonetti (1999b) defendem a necessidade de que substantivos
comuns, como é o caso de “ilegales” e “coches de Barcelona”, sejam encabeçados por um
determinante, já que os determinantes, em espanhol, precedem um nome comum ou um grupo
nominal formado pelo nome e os seus modificadores ou complementos.
Diferentemente do que ocorre com os nomes próprios, que possuem referência intrínseca,
sendo, portanto, independentes da presença de um determinante, como já apresentamos
anteriormente, os nomes comuns precisam ser encabeçados por um determinante ou
quantificador. De acordo com Leonetti (op. cit.), os nomes comuns ou grupos nominais que não
têm a presença de determinantes expressam somente propriedades que permitem definir um
conjunto de entidades, sem que haja uma especificação de nenhuma operação referencial ou de
quantificação.
Portanto, levando em conta tais acepções e os exemplos (37e) e (37f), os referentes
“ilegales” e “coches de Barcelona” são considerados [-] definidos, já que não possuem o
determinante, não havendo, assim, a expressão de entidades referenciais ou quantificadas.
Outro ponto a ser comentado com relação aos exemplos (37e) e (37f) é que os exemplos estão
no plural e isso faz com que, de acordo com Leonetti (1999a), haja uma ideia de generalização,
reforçando a interpretação [-] definida dos referentes, já verificada, anteriormente, pela ausência
do determinante.
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(37g). “(...) yo muchas cosas no las podía hacer ni las podia decir/ pore so a lo mejor ahora
cuando me salgo de trabajo…”
(37h). “(...) pero plantas / cuatro plantas // antes tenía más me entretenía más eso / ahora ya
/ he ido retirándolas...”
Os exemplos (37g) e (37h) apresentam referente retomado pelo clítico feminino plural
las. O referente do exemplo (37g) é encabeçado por um determinante “fraco”. Nesse exemplo,
o SN “cosas” é encabeçado pelo quantificador “muchas”, sendo, portanto, [-] definido. No
exemplo (37h), o SN “plantas” é encabeçado por um outro determinante “fraco”, o numeral
“cuatro”, sendo, de acordo com o autor, [-] definido também.
Antes de olharmos para as ocorrências de acordo com o traço de especificidade,
gostaríamos de destacar o posicionamento de alguns estudos acerca da relação entre os traços
de definitude e especificidade. De acordo com a NGLE (2010:291), os traços de definitude e
especificidade seriam independentes, pois, enquanto o traço de definitude se caracteriza pela
informação que o falante atribui ao ouvinte, o traço de especificidade depende, em grande parte,
do conhecimento do falante e do modo como apresenta a informação.
Embora a NGLE (op. cit.) defenda a natureza independente dos traços de definitude e
especificidade, também afirma que esses traços estariam diretamente relacionados, já que um
parece condicionar, em determinados casos, a interpretação do outro. Sendo assim, a NGLE
(op. cit.) afirma que os SNs [+] definidos tendem a ser [+] específicos, mas que, em alguns
casos, podem receber interpretação [-] específica.
Ainda no que tange à relação existente entre esses traços, Leonetti (1999a) afirma, assim
como a NGLE (op. cit.), que os traços de definitude e especificidade são independentes, já que
a interpretação [+] específica de um referente pode ser atribuída a um elemento tanto [+]
definido quanto [-] definido. No entanto, ainda que esses traços sejam independentes, o autor
também afirma que existe uma tendência a que os sintagmas [-] definidos sejam também [-]
específicos e que os sintagmas [+] definidos sejam [+] específicos, considerando, portanto, que
tais traços possuem uma íntima relação. Nesta dissertação, nos alinhamos com essa visão, ou
seja, acreditamos que esses traços estão intimamente relacionados e que, dependendo do caso,
chegam, realmente, a condicionar a interpretação de um traço em detrimento do outro.
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4.1.3. Traço de especificidade
Para a análise do traço de especificidade, seguimos o postulado teórico de Leonetti
(1999a), segundo o qual um SN seria interpretado como [+] específico quando o falante, no ato
de fala, parece se referir a um objeto determinado, específico, independente de conhecer ou não
o objeto em questão. Sendo assim, a interpretação do traço de especificidade depende do
contexto, apesar de sofrer, em alguns casos, a influência do traço de definitude, como vimos
anteriormente. A seguir, apresentamos alguns exemplos retirados do nosso corpus que possuem
o traço [+] específico.
Referentes [+] específicos
(38a) “(...) de los últimos antes de la guerra / del vintisiete o del vintiocho // ya tiene mirador
a la calle / ya ti ya tiene mirador / no es de los de balcón / tiene balcón y mirador // y // tiene
eso / tiene esas cuatro / una / dos / tres / cuatro / habitaciones / que de una yo he tenido en
una el dormitorio y ahora he puesto el comedor / y lo que es el comedor de la casa lo hemos
dejao de sala / porque está al lao de la cocina / entonces allí comemos / cenamos / pero que
vamos / que / cuando éramos los seis en casa / seis hablo / porque / he tenido diez años una
sobrina mía…”
(38b) “(…) yo tengo sobrinos / tengo eeh amigos de los sobrinos tal / que preparando
oposiciones / no preparando oposiciones / se plantan en una edad / que ya es un poco para
para hacerse un programa de vida / más más o menos seguro / y no se lo han hecho / yo el
principal problema que veo en la juventud es que tienen una insegurida / tremenda / en cuanto
a su futuro / porque no ven la forma de colocarse a trabajar / menos en un lugar fijo / como
no hagan una oposición / cuando van a hacer oposición…”
A sentença (38a) possui o referente “comedor de la casa” encabeçado por um artigo
definido masculino singular “el”, sendo, portanto, [+] definido. Além de ser [+] definido, o SN
“comedor” é acompanhado pelo complemento “de la casa”, que faz com que a interpretação
seja [+] específica, já que, de acordo com Leonetti (1999a), o falante, ao empregar um
complemento para o SN, parece se referir a uma entidade específica do discurso, o que
explicaria, nesse caso, a interpretação [+] específica.
Já no exemplo (38b), diferentemente do exemplo (38a), o referente “un programa de vida”
é encabeçado pelo artigo indefinido masculino singular “un”, sendo [-] definido, fato esse que,
de acordo com Leonetti (op. cit.), condicionaria, em alguns casos, uma interpretação [-]
89
específica. No entanto, pelo fato de o SN “programa” estar acompanhado de um complemento,
“de vida”, a interpretação se torna [+] específica, visto que o falante parece se referir a um
programa específico, um programa de vida.
Apesar da íntima relação existente na natureza interpretativa desses traços, nesses
exemplos, tais traços estão dissociados, já que, levando em conta o contexto e os complementos
do SN, o traço de especificidade não é condicionado pelo traço de definitude. Cabe destacar
que não podemos ignorar que parece existir uma gradação dentro das interpretações [+/-]
específicas, já que, se o exemplo (38a), ao invés de ser encabeçado por um artigo indefinido
(“un programa de vida”), fosse encabeçado por um artigo definido (“el programa de vida”), a
sua interpretação seria ainda mais específica do que já é. Para esta dissertação, consideramos
tanto o caso de (38a) quanto o de (38b) como [+] específicos.
(38c) “(...) yo cuando fui en el año noventa y dos tenían una televisión de treinta y dos
pulgadas que aquí en mi casa no la teníamos.”
(38d) “(...) bueno de hecho tengo dos mesas familiares de esas / que las ponemos y somos
hasta veintidós y veintitrés...”
Nos exemplos (38b), (38c) e (38d), o traço de definitude dos referentes não condicionou
a interpretação do traço de especificidade, já que, assim como no exemplo (38b), os exemplos
(38c) e (38d) têm SNs encabeçados por um determinante de interpretação [-] definida, ou, como
nos referimos na classificação de Leonetti (1999b), um determinante “fraco”, mas, ainda assim,
são interpretados como [+] específicos.
No exemplo (38c), o SN “televisión” é encabeçado pelo artigo indefinido “uma”, sendo,
portanto, como já adiantamos, [-] definido. No entanto, recebe uma interpretação [+] específica
graças aos elementos que acompanham esse SN (“de treinta y dos pulgadas”), que fazem com
que possamos interpretar que o falante parece se referir a uma televisão específica, passível de
ser reconhecida no discurso. No exemplo (38d), o SN “mesas” é também encabeçado por um
determinante “fraco”, de acordo com a classificação de Leonetti (op. cit.), que, nesse caso, é o
numeral “dos”. Como no exemplo (38c), o SN de (38d) possui um traço [-] definido, mas,
também como nesse mesmo exemplo, esse SN é acompanhado de elementos que fazem com
que a interpretação, apesar de tender a uma leitura [-] específica, por conta do determinante, se
torne [+] específica, já que é acompanhado do advérbio “familiares”, que traz a interpretação
de que não é qualquer “mesa”, mas sim a dos familiares.
90
(38e) “(...) mi tiempo libre es dedicarlo a mis hijas por la tarde / o sea si me las tengo que
acompañar o lo que sea...”
(38f) “(…) vamos a ver // yo vivo aquí actualmente por mi padre que sé que él aquí pues
tiene / en la Cañada / pasar un invierno él pues sería dejarlo encerrao…”
Os SNs dos exemplos (38e) e (38f) são encabeçados por um possessivo, sendo, portanto,
casos de referente [+] definido, posto que, de acordo com Leonetti (1999b), os possessivos
átonos, como os dos exemplos (38e) e (38f), são considerados determinantes “fortes”. Com
relação ao traço de especificidade, em todos os exemplos encabeçados por um possessivo, entre
os dados analisados por nós, a interpretação foi [+] específica, pois o falante, ao empregar um
possessivo, se refere a algo específico. No exemplo (38e), por exemplo, a informante não está
se referindo a quaisquer filhas, mas sim às suas filhas. O mesmo ocorre com o exemplo (38f),
em que a informante se refere ao seu pai, sendo uma referência específica. Nesse caso, todos os
casos encabeçados por um possessivo em nossa análise foram considerados [+] específicos.
(38g). “(...) entonces la verdad que la masificación en las universidades no la he vivido /
gracias a dios o por desgracia...”
(38h). I: los alumnos no me gustan no me gustan nada / yo todos los años a los por reyes les
pido / a los Reyes / alumnos nuevos / pero nunca me los traen / nunca…”
No caso do exemplo (38g), o referente “la masificación en las universidades” está
encabeçado por um artigo definido feminino singular la, enquanto que, no exemplo (38h), o
referente “alumnos nuevos” não é encabeçado por nenhum determinante, nem “forte”, nem
“fraco”. No entanto, apesar de ter interpretações diferentes no que tange ao traço de definitude,
sendo o exemplo (38g) [+] definido e o exemplo (38h) [-] definido, os dois exemplos possuem
uma interpretação [+] específica, já que, assim como os exemplos (38a) e (38b), eles possuem
complementos que especificam o SN. No exemplo (38g), o complemento “en las universidades”
especifica o SN “la masificación” e, no exemplo (38h), o complemento “nuevos” especifica o
SN “alumnos”, sendo os dois exemplos casos de referente [+] específico. Logo, o exemplo
(38h) acabou se configurando como um dos casos em que a interpretação de definitude não
influenciou a interpretação de especificidade, assim como já havíamos constatado nos exemplos
(38b), (38c) e (38d).
91
Referentes [-] específicos
(39a) “(...) me iba a Barcelona cogía un coche me lo traía / y eso en aquel tiempo / eeh me
dejaba en un día...”
(39b) “"(...) y recuerdo el traje Blanco / todo de encajitos / cosiditos a mano / que había
hecho mi madre con una amiga / que todavía tengo guardado un trozo / un pedazo que se
ha medio roto pero lo guardo...”
Nesses exemplos em (39), foram diferentes razões que motivaram a interpretação [-]
específica do referente. Levando em conta a íntima relação entre os traços de definitude e
especificidade, temos os exemplos prototipicamente [-] específicos, sendo esses os que
possuem uma interpretação [-] definida quando não estão acompanhados de algum
complemento que especifique a que grupo o falante está se referindo, o que faz com que a
interpretação seja também [-] específica, como é o caso dos exemplos (39a) e (39b). No
exemplo (39a), o SN “coche” é encabeçado pelo artigo indefinido “un” e, no exemplo (39b), o
SN “pedazo” também é encabeçado pelo artigo indefinido “un”, sendo também [-] específico.
(39c) “luego viene una cocina / que tampoco son muy grandes las cocinas / como las de
ahora / como en comparación con los pisos antiguos las tenían más pequeñas / no me la he
reformado / me la voy a reformar ahora / me la voy a hacer más grande...”
(39d) “dejaría de trabajar en lo mío me pondría iría a una escuela de dibujo me gusta pintar
/ me gustaría / trabajé de pequeño en lo de pintura / y es una cosa que la tengo ahí...”
O mesmo ocorre com os exemplos (39c) e (39d). Os SNs "cocina" e "cosa" são
encabeçados pelo artigo indefinido feminino singular “una” e possuem, portanto, uma
interpretação [-] definida. De acordo com o que propõe Leonetti (1999b), são também
considerados [-] específicos pelo fato de não possuírem nenhum complemento que especifique
o referente, fazendo com que o falante pareça estar se referindo a qualquer cozinha ou a
qualquer coisa, sem que haja nenhum tipo de especificação.
92
(39e) “(...) y luego bato unos huevos / no los bato mucho porque dicen que si los bates
demasiado no sale tan buena / los bates los engañas un poco / metes las patatas...”
(39f) “E: Sonia puede contarte que aquí hay cientos de alumnos en el bar / ¿qué hacemos
con ellos?
I:¡ey! Pues/ una cartita ya casa / tirarlos / yo eso lo veo mal...”
Tanto o exemplo (39e) quanto o exemplo (39f) possuem referentes retomados pelo clítico
masculino plural “los”. No entanto, o exemplo (39e) possui o SN “huevos”, encabeçado pelo
artigo indefinido masculino no plural “unos”, fazendo com que a interpretação seja [-]
específica, já que não há nenhum elemento especificando o SN em questão. Já no exemplo
(39f), o referente “alumnos” não é encabeçado por nenhum determinante, sendo, assim como o
exemplo anterior, um caso de referente [-] definido e também de interpretação [-] específica,
visto que não possui nenhum complemento que o especifique.
(39g) “(...) vamos a ver / bastante más sincera de lo que hemos sido nosotros / hablo por mi
/ con cincuenta y siete años y en mi juventud / yo muchas cosas no las podía hacer ni las
podía decir...”
(39h) “me gusta mucho leer / pero soy un poco / no sé si anárquica leyendo y haciendo las
cosas porque / a mi me gusta hacer las cosas y terminarlas / pero arrastrarlas durante mucho
tiempo / no soy demasiado capaz...”
Nos exemplos (39g) e (39h), os referentes “muchas cosas” e “las cosas”, respectivamente,
são retomados pelo clítico feminino plural acusativo de 3a pessoa “las”. No exemplo (39g), o
SN “cosas” é encabeçado por um determinante “fraco”, o quantificador “muchas”, sendo, de
acordo com Leonetti (1999b), [-] definido. A sua interpretação é também [-] específica, por não
possuir um complemento especificando o SN e também pelo fato de a interpretação [-] definida
condicionar, nesse caso, a interpretação [-] específica, como já vimos anteriormente. Já no
exemplo (39h), o SN “cosas” é encabeçado pelo artigo definido feminino singular “las”, sendo
[+] definido. No entanto, apesar de ser [+] definido, como ele não possui nenhum complemento
ou predicativo que especifique o SN, a interpretação é [-] específica.
Outro ponto que condiciona o traço [-] específico é a ideia de generalização causada pelo
plural, como aponta Leonetti (1999a). Nesse sentido, além de o referente do exemplo (39e) ser
93
encabeçado pelo artigo indefinido “unos”, o plural intensifica a interpretação [-] específica que
o determinante já traz para o SN. O mesmo ocorre com o exemplo (39g), que, além de ser
encabeçado por outro determinante “fraco” (“muchas”) e possuir, de acordo com Leonetti
(1999b), um caráter [-] definido, o que condiciona uma interpretação [-] específica, também é
marcado pelo plural, que intensifica essa interpretação, assim como ocorre no exemplo (39h).
No entanto, no exemplo (39h), diferentemente dos outros dois, o SN “cosas” está
encabeçado por um determinante “forte”, o artigo definido “las”, sendo o plural o fator que
condicionou a interpretação [-] específica, dado que, como já foi dito, traz uma ideia de
generalização, fazendo com que prevaleça a interpretação [-] específica. Além desse fator, outro
ponto que condiciona, em um segundo momento, a interpretação [-] específica é o fato de que
o SN “cosas” possui uma referência intrínseca de uma interpretação pouco específica, o que
ocorre também no exemplo (39d), porém, nesse caso, encabeçado por um artigo indefinido
“una”.
Na próxima seção, trazemos os exemplos de apagamento do objeto direto encontrados na
análise dos dados, levando também em consideração os traços de animacidade, definitude e
especificidade, assim como fizemos com os casos de retomada por clítico. Além disso, vamos
procurar entender se os casos encontrados são licenciados pela literatura ou não na variedade
do espanhol de Valência.
4.2. APAGAMENTO Estudos como o de Fernández Soriano (1999) propõem que o espanhol possui uma
tendência à preferência pela retomada por clíticos, como já vimos anteriormente. Porém, há,
em algumas variedades dessa língua e em alguns contextos específicos, a possibilidade de não
retomada. De acordo com Fernández Soriano (op. cit.) e Campos (1999), no espanhol, em geral,
o objeto nulo se restringiria a referentes sem determinantes, ou seja, [-] definidos e [-]
específicos.
Levando ainda em consideração o estudo de Landa (1993) sobre o espanhol do País
Basco, a autora prevê que o maior número de ocorrências de apagamento aconteceria, nessa
região, com referentes [-] animados. Outros estudos, como o de Arruda (2012), afirmam que a
não retomada, no espanhol da Argentina, também seria influenciada pelo traço [-] animado do
referente. Por isso, nossa hipótese, considerando os estudos de Landa (op. cit.), Fernández
94
Soriano (op. cit.) e Arruda (op. cit.), seria de que o apagamento do objeto direto anafórico
poderia ocorrer com referentes [-] animados, [-] definidos e [-] específicos.
Nas oito entrevistas analisadas, encontramos cinco ocorrências33 de apagamento do
objeto direto anafórico. Assim como fizemos com o total de ocorrências de dados de retomada,
tipificamos os cinco dados em três grupos de traços, que, por sua vez, se dividem em traços
binários [+/-] animado, [+/-] definido e [+/-] específico. Podemos ver, no seguinte gráfico, a
quantidade de ocorrências de apagamento e os traços encontrados para tal fenômeno.
Gráfico 4: As ocorrências de não retomada (apagamento) e os traços do referente.
Apesar de a diferença numérica ser pequena com relação ao apagamento e os traços de
definitude e especificidade, o resultado das ocorrências com traço definido nos surpreendeu, já
que encontramos mais casos de apagamento com traço [+] definido do que com traço [-]
definido, o que não era esperado. Os traços de animacidade e especificidade confirmaram o que
esperávamos para esses traços e a sua relação com o apagamento, visto que o traço [-] específico
obteve um maior número de ocorrências comparado ao traço [+] específico. Porém, o traço que
nos chamou mais a atenção foi o traço de animacidade, visto que não foi encontrado nenhum
dado de apagamento com traço [+] animado, fazendo com que o traço [-] animado pareça ser
um fator que favorece a estratégia de apagamento no universo de dados analisados.
33 É importante ressaltar que as cinco ocorrências de apagamento encontradas não estavam em uma mesma entrevista, sendo cada um desses casos de apagamento encontrados em diferentes entrevistas analisadas.
0
1
2
3
4
5
6
Animado Definido Específico
[+]
[-]
100%(5/5)
60%(3/5)
40%(2/5)
40% (2/5)
60% (3/5)
95
O objeto nulo seria, assim como ocorre com alguns casos de retomada por clítico,
condicionado pelo tipo de encabeçamento do referente, já que, segundo Leonetti (1999b), os
referentes encabeçados por um determinante “fraco” favoreceriam a estratégia do objeto nulo
no espanhol. Considerando essa asserção, o autor considera tanto a categoria numeral quanto a
categoria dos artigos indefinidos como [-] definidas, por se tratarem de determinantes “fracos”.
Tendo em vista tal contexto, encontramos, a partir da análise dos dados, dois casos considerados
[-] definidos pela natureza do encabeçamento do referente, um caso encabeçado por um numeral
e outro encabeçado por um artigo indefinido. A seguir, apresentamos os dois exemplos
encontrados de interpretação [-] definida.
(40a) “(…) reparto / soy más feliz dando que recibiendo / quinientos millones? Vamos a
ver Ø reparto / pues somos seis hermanos…”
No exemplo (40a), temos o numeral “quinientos”, que faz com que a interpretação, como
já foi dito, seja [-] definida, o que poderia favorecer, portanto, a ocorrência do objeto nulo. Com
relação ao traço de especificidade, nesse exemplo, há o condicionamento desse traço a partir da
definitude, já que o referente possui o traço [-] definido e não há nenhum complemento ou
predicativo que faça indicação de que se trata de uma referência específica, tendo, assim, uma
interpretação [-] específica. No que tange ao traço de animacidade, considerando os estudos de
von Heusinger & Kaiser (2003), Lopes (2006) e Lage (2010), acontece o mesmo, pois, por se
tratar de um referente não animado, o referente possui uma interpretação [-] animada.
(40b) “(…) entonces me ofrecieron una jefatura de estudios en comisión de servicios en
Aldaya // y Ø acepté // pensé que bueno que posía estar bien…”
No exemplo (40b), o referente é encabeçado pelo artigo indefinido “una”. No entanto,
diferentemente do que foi dito com relação ao exemplo (40a), o referente do exemplo em
questão ganha uma interpretação [+] específica, já que possui um complemento (“de estudios”)
que especifica o SN “jefatura”, fazendo com que a interpretação seja [+] específica, de acordo
com Leonetti (1999a). O traço de animacidade, assim como nos exemplos anteriores, é [-]
animado.
Simões (2015), ao analisar o espanhol de Montevidéu e o espanhol de Madri, concluiu
que o objeto nulo com referentes encabeçados por um determinante definido ([+] definido) –
96
artigos definidos, demonstrativos e possessivos – seriam contextos desfavorecedores para a
ocorrência do objeto nulo.
Entendemos que o número de casos encontrados no corpus analisado para esta dissertação
é bastante reduzido para propor uma generalização dos resultados que se estenderia às demais
variedades. Entretanto, nossos resultados nos permitem sugerir que, na variedade de Valência,
ao contrário das variedades de Montevidéu e Madri, o traço [+] definido foi favorecedor das
ocorrências de apagamento. Em todo o caso, insistimos na necessidade de aumentar o número
de dados para confirmar tais tendências.
(40c) “(….) vamos a ver / la droga / eeh / sí que les he hablado mucho de ella / claro / por
supesto ¿argumentos que / Ø hubiera utilizado? Pues que Ø utilicé / pues nada…”
(40d) E: y quién os trae la leña?
I: quién no la trae? / pues un provedor // un hombre nos Ø trae.
(40e) “(…) calculas más o menos / para tirar la pastilla para la levadura // para que venga
el pan / y y vas / y calculas cinco minutos / la sacas // la metes dentro de la máquina y
empiezas a pesar Ø.”
Considerando o estudo de Brucart (1999), das três ocorrências de objeto nulo com
referente encabeçado por um artigo definido – (40c), (40d) e (40e) –, dois estariam licenciados
– (40c) e (40d) –, já que, de acordo com o autor, existiria uma diferença de leitura verbal, sendo
essa leitura dividida em duas outras: a leitura delimitada e a não delimitada do argumento. Isso
faz com que a intenção do falante seja levada em consideração, visto que, quando o falante
pretende fazer menção a uma entidade não delimitada, mesmo sendo essa entidade encabeçada
por um determinante “forte” (ou seja, um artigo definido, um demonstrativo ou um possessivo),
poderá ocorrer, então, o licenciamento do objeto nulo, como podemos observar no seguinte
exemplo.
(41) “El chocolate no puede ser el motivo de urticaria, porque hace meses que no come Ø.”
(BRUCART, 1999:2803)
Nesse exemplo, o referente “chocolate”, apesar de estar encabeçado pelo artigo definido
“el”, não parece fazer menção a uma entidade delimitada, ou seja, o falante, ao empregar o SN
“el chocolate”, não estaria se referindo a nenhum chocolate em específico, mesmo fazendo uso
97
do artigo definido. Esse fato, de acordo com Brucart (op. cit.), licencia o apagamento do objeto
no espanhol.
Tendo em vista dita afirmação, nos exemplos (40c) e (40d), ainda que os referentes “la
droga” e “la leña” sejam encabeçados pelo artigo definido “la”, sendo, de acordo com a
classificação de Laca (1999) e Leonetti (1999b), referentes [+] definidos, o apagamento parece
indicar que o falante não fazia referência a um SN delimitado ou contável, mas sim ao tipo de
natureza, categoria de SN. O mesmo não ocorre com o exemplo (40e), no qual o falante parece
se referir a algo delimitado, posto que faz uso do complemento “para levadura”, não sendo,
portanto, um apagamento licenciado, conforme o postulado de Brucart (1999).
Embora o exemplo (40e) não seja licenciado no que diz respeito à afirmação de Brucart
(op. cit.), ele pode ser licenciado por outros motivos, já que a distância entre o referente e o
apagamento poderia ser um fator que condicionaria o falante a apagar ou não o objeto, sendo
que, quanto mais próximo o referente da posição do apagamento, maior a possibilidade da não
retomada por clítico. Já os exemplos (40b) e (40c), além de serem licenciados pela diferença de
leitura delimitada e não delimitada do argumento, outro fator que também reforçaria o
licenciamento do apagamento nesses casos seria o contexto de pergunta e resposta presente nos
dois exemplos, visto que, em tais contextos, o apagamento seria licenciado no espanhol.
Com relação aos outros traços dos exemplos (40c), (40d) e (40e), visto que já demos conta
do traço de definitude, podemos observar que tanto o exemplo (40c) quanto o exemplo (40d)
possuem o traço [-] específico, já que o falante não faz uso de nenhum complemento ou
predicativo e, assim, não parece se referir a uma entidade específica. Além disso, no exemplo
(40c), há a retomada do referente “la droga” pelo clítico “la” na sentença anterior e depois há o
apagamento. O mesmo ocorre com o exemplo (40d), no qual o falante retoma o referente “la
leña” através do clítico “la” na primeira sentença e o apaga na segunda.
Já o exemplo (40e), diferentemente dos outros dois exemplos, possui o traço [+]
específico, porque, como já foi dito anteriormente, há o uso de um complemento “para
levadura”, que faz com que a interpretação seja [+] específica, posto que o falante parece se
referir a “una pastilla” específica, “la pastilla para levadura”. Quanto ao traço de animacidade,
os três exemplos possuem o traço [-] animado, já que não fazem menção a seres animados.
Todos os exemplos apresentados possuem o traço [-] animado, o que faz com que possamos
propor que o traço de animacidade parece ser um fator que condiciona a realização ou não do
objeto direto por clítico no universo de dados analisados para esta dissertação.
Após a análise das ocorrências de apagamento encontradas, podemos constatar que todos
os dados de apagamento estariam licenciados, já que os dados encontrados estariam
98
encabeçados por um determinante [-] definido ou, segundo Brucart (op. cit.), seriam casos em
que a intenção do falante seria levada em conta, assim como o contexto de pergunta e resposta
e a proximidade, fatores esses que licenciariam a ocorrência dos casos de apagamento
encontrados no escopo de dados analisados da variedade do espanhol de Valência.
Conforme alguns estudos citados no capítulo 2 no que diz respeito às diferentes
variedades do espanhol e a possibilidade de ocorrência de objeto nulo, podemos propor, levando
em conta o universo, ainda que pequeno, de dados desta dissertação, que o espanhol de Valência
se aproxima dos estudos de Suñer & Yépez (1988) e Landa (1993) sobre as variedades do
espanhol de Quito e do espanhol do País Basco, respectivamente. De acordo com esses autores,
o objeto nulo no espanhol, mais especificamente nessas variedades em questão, ocorre quando
o referente é [-] animado e também quando encabeçados por um determinante. Esclarecemos
que há outras possibilidades de ocorrência de objeto nulo nessas variedades, como
especificamos no capítulo 2. No entanto, chamamos a atenção, neste momento, para os critérios
que se mostram iguais nessas variedades.
Em nossos dados, foram contabilizadas ocorrências de apagamento com referentes [+/-]
definidos, [+/-] específicos e [-] animados, não sendo encontrada nenhuma ocorrência de
apagamento com referente [+] animado. É importante ressaltar que Fernández Soriano (1999)
não levava em consideração o traço de animacidade em seus estudos.
Nesse sentido, nossa análise vai em contra do que a autora postula com relação aos traços
de definitude e especificidade no espanhol como um todo, já que, segundo ela, o objeto nulo só
aconteceria com referentes [-] definidos e [-] específicos, sendo a retomada por clíticos
obrigatória quando os referentes fossem [+] específicos, como apresentado no exemplo (20), de
Campos (1999), que foi apresentado no capítulo 2 (p. 47).
Em nossos dados, as cinco ocorrências de apagamento levantadas apresentavam
referentes [-] animados encabeçados por um determinante. Sendo assim, os resultados
encontrados se distanciam de descrições levadas em conta no início desta dissertação, como a
de Campos (op. cit.), por exemplo, que limita a ocorrência de objeto nulo no espanhol como
um todo a referentes encabeçados por um determinante. Portanto, os cinco casos de objeto nulo
(ou apagamento) encontrados no universo de oito entrevistas transcritas do espanhol de
Valência estão licenciados, levando em conta os estudos de Suñer & Yépez (op. cit.), Landa
(op. cit.) e Brucart (1999), posto que esses autores já descreveram esse cenário para a ocorrência
do objeto nulo em outras variedades do espanhol.
Sendo assim, a variedade do espanhol de Valência parece seguir o padrão de outras
variedades ao retomar o objeto direto anafórico por clíticos, apresentando um maior número de
99
retomadas com referentes [-] animados, [+] definidos e [-] específicos. Com relação ao
apagamento, a variedade de Valência parece licenciá-lo quando o referente é [-] animado, [+]
definido e [-] específico. Portanto, embora o número de dados tenha sido reduzido, o traço de
animacidade parece ser favorecedor das ocorrências de objeto nulo, enquanto que o traço de
definitude parece ser o que motiva a retomada por clítico, fazendo com que o determinante
tenha um papel muito importante nessa classificação, já que o traço de definitude é, em sua
maioria, delimitado pelo tipo de determinante que antecede o referente.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação se dedicou ao estudo do objeto direto anafórico na variedade do espanhol
de Valência, mais especificamente a influência dos traços de animacidade, definitude,
especificidade na seleção das estratégias de realização do objeto, já que esses traços, como foi
descrito por alguns estudos (SUÑER & YÉPEZ, 1988; LANDA, 1993; CAMPOS, 1999;
ARRUDA, 2002), parecem ser relevantes para retomada ou apagamento do objeto direto
anafórico em outras variedades do espanhol.
Baseamos nosso estudo nos pressupostos da Gramática Gerativa, principalmente no que
foi proposto na versão mais recente da teoria, o Programa Minimalista (PM) (CHOMSKY,
1999). Seguindo os pressupostos dessa teoria, consideramos a linguagem como um sistema da
mente formado por um conjunto de princípios inatos que orientam todas as línguas, sendo a
Gramática Universal (GU) o estágio inicial da linguagem.
Levando em conta a Teoria Gerativa e a sua concepção de língua, a língua-I passa a ser o
interesse principal dessa teoria, posto que faz menção ao conjunto de conhecimentos
linguísticos de um indivíduo sobre uma língua, fazendo com que o mesmo produza e
compreenda infinitas expressões linguísticas da língua em seu entorno. Essa concepção de
língua é também de nosso interesse.
Outro conceito que seguimos, nesta dissertação, é o conceito de traço. Para a Teoria
Gerativa, os traços trazem informações linguísticas eleitas pelo sistema computacional, sendo
esse sistema composto por princípios que operam nos itens do léxico. (CHOMSKY, 1995;
CARVALHO, 2012). De acordo com Chomsky (1999), os traços processados pelo sistema
computacional estariam presentes em todas as línguas, se configurando como princípios por
serem universais. Portanto, o traço selecionado pelo sistema computacional parece influenciar
em questões presentes no sistema pronominal do espanhol, posto que, de acordo com a análise
dos dados, dependendo da marcação do traço, o falante produz o apagamento ou a retomada do
objeto direto anafórico de 3a pessoa pelo clítico.
Nosso objetivo foi o de investigar se haveria influência dos traços [+/-] animado, [+/-]
definido e [+/-] específico na retomada por clítico e na não retomada do objeto direto anafórico
de 3a pessoa na variedade de espanhol analisada. Para dar conta do que foi proposto, analisamos
um total de oito entrevistas transcritas de falantes do espanhol de Valência, retiradas do corpus
PRESEEA.
Estudos como o de Fernández Soriano (1999) propõem que o espanhol seria uma língua
na qual o traço [+] específico do referente condicionaria a necessidade da retomada por um
101
clítico, ao mesmo tempo que a não retomada seria fruto do referente com traço [-] específico.
Além disso, consideramos, para a formulação das hipóteses, a Teoria da Centralização, que
considera os referentes mais destacados, melhor identificados, mais acessíveis à retomada,
enquanto que a identificação dos outros referentes, menos destacados, seria mais custosa.
Levando em conta esses trabalhos, nossas hipóteses foram: (1) haveria uma correlação entre os
traços [+] animado, [+] definido e [+] específico e a retomada do objeto direto anafórico por
clíticos; (2) haveria uma correlação entre os traços [-] animado, [-] definido e [-] específico e a
não retomada do objeto direto.
A análise quantitativa revelou que, no universo de dados analisados da variedade de
Valência, houve um maior uso da estratégia de retomada do objeto direto anafórico por clítico,
confirmando outra asserção de Fernández Soriano (1999), a de que o espanhol, no geral, seria
uma língua em que prevalece a estratégia de retomada por clítico.
A estratégia de retomada do objeto direto anafórico por clítico ocorreu, majoritariamente,
quando os referentes apresentaram os seguintes traços: [-] animado, [+] definido e [-]
específico. Contrariando, portanto, a Teoria da Centralização e a nossa hipótese no que diz
respeito à relação entre a retomada e os traços de animacidade e especificidade
Como nossa hipótese se baseou no estudo de Fernández Soriano (op. cit.), nosso resultado
vai em contra do que a autora postulou para a estratégia de retomada de objeto direto no
espanhol e a relação com o traço de especificidade. Além, também, de se opor à assunção de
Arruda (2002), no que tange à influência do traço de animacidade na realização do objeto direto
no espanhol da Argentina, visto que, de acordo com a autora, o traço [+] animado favoreceria
a retomada do objeto por clítico, o que não se confirmou nos nossos dados, considerando o
número majoritário de retomada com traço [-] animado.
Para que pudéssemos confirmar nossas hipóteses, decidimos ressaltar os tipos de traços
que se destacaram quantitativamente, ou seja, os que tiveram uma maior ocorrência, já que
encontramos, em nossa análise, todos os tipos de traços ([+/-] animado, [+/-] definido e [+/-]
específico) nos dados de estratégia de retomada do objeto direto por clítico.
A partir da análise dos nossos dados, a presença de um determinante acompanhando o
referente pareceu condicionar a retomada por clíticos no espanhol da variedade analisada, sendo
poucos os casos em que o referente não encabeçado por um determinante foi retomado. No
entanto, no espanhol, há referentes que não necessitam de determinante, já que possuem o traço
de definitude intrínseco, como é o caso de nomes próprios. Por esse motivo, houve um maior
número de retomadas com referentes [+] definidos, posto que esse traço está diretamente ligado
à presença ou não do determinante e, consequentemente à sua natureza (LEONETTI, 1999b).
102
Portanto, pudemos refutar a hipótese de que haveria uma correlação entre os traços [+]
animado, [+] definido e [+] específico e a retomada do objeto direto por clítico, já que
encontramos casos de retomada com esses traços, mas também encontramos casos com os
traços [-] animado, [-] definido e [-] específico, sendo os traços [-] animado e [-] específico,
diferentemente do que acreditávamos, os mais produtivos, considerando o universo de
entrevistas analisadas dessa região, junto com o traço [+] definido, que, por sua vez, confirmou
a nossa hipótese.
Com relação à não realização do objeto direto anafórico, nos baseamos nos estudos de
Suñer & Yépez (1988), Landa (1993) e Arruda (2002) para as suas respectivas variedades, o
espanhol de Quito, do País Basco e da Argentina. Nesses estudos, os autores postulam que há
determinados traços e contextos que favorecem a omissão do objeto nas variedades em questão.
Assim como ocorreu com os casos de retomada, a partir da análise dos dados, pudemos
refutar a hipótese de que haveria uma correlação entre os traços [-] animado, [-] definido e [-]
específico e o apagamento do objeto direto nas entrevistas analisadas do espanhol de Valência,
posto que foram encontrados casos de apagamento com esses traços, mas também casos com
traços [+] definido e [+] específico, sendo os traços mais produtivos que encontramos para o
apagamento nessa variedade os traços [-] animado, [+] definido, [-] específico. Sendo assim, o
único traço que não seguiu a nossa hipótese com relação ao apagamento foi o traço de
definitude.
Levando em conta esses estudos e a análise dos dados, observamos que o traço [-]
animado do referente parece motivar o apagamento do objeto direto no espanhol da região de
Valência, visto que não encontramos nenhum caso de apagamento com referente [+] animado.
Ainda com relação ao traço de animacidade, pudemos confirmar o pressuposto de Lage (2010)
de que o traço de animacidade não seria somente semântico, já que ele parece interferir em
algumas operações sintáticas, como é o caso do apagamento, levando em conta a análise feita
nesta dissertação. Além do traço de animacidade, nossa análise também mostrou que os outros
traços analisados nesta dissertação obedeceram essa mesma tendência, ou seja, a tendência de
serem traços semânticos que têm repercussão na sintaxe, posto que, se não houvesse essa
repercussão, não haveria interferência desses traços na retomada e no apagamento do objeto
direto nessa região, o que demonstramos a partir da análise dos nossos dados.
Ainda no que se refere ao apagamento, é importante chamarmos a atenção para o fato de
que as cinco ocorrências encontradas de apagamento estariam licenciadas. Dois dos exemplos
encontrados estão licenciados pelo postulado de Brucart (1999) acerca da diferença de leitura
verbal e, no caso dos outros três exemplos, os contextos que licenciariam o apagamento seriam
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a proximidade entre o referente e o apagamento, confirmando a hipótese da Carga
Informacional, apresentada por Leitão, Ribeiro e Maia (2012), e também o contexto de pergunta
e resposta.
Apesar de não ser o objetivo da nossa dissertação, achamos relevante citar que não foi
encontrado nenhum caso de leísmo e laísmo nas entrevistas analisadas, indo em contra do que
Blas Arroyo (1994) postulou com relação ao espanhol falado em Valência, já que, segundo o
autor, essa região produziria o leísmo de pessoa, leísmo de coisa e laísmo. O autor entende esse
“desvio”, como ele chama, como consequência da natureza bilíngue dessa região, o que não
levamos em conta para a análise. Portanto, assumimos, a partir dos nossos dados, que o
espanhol de Valência parece seguir o sistema pronominal casual.
Sendo assim, concluímos, aqui, que a diferença nas estratégias de realização por clítico
ou não parece, realmente, estar motivada pela valoração dos traços de animacidade, definitude
e especificidade do referente, corroborando estudos como os de Suñer & Yépez (1988), Landa
(1993), Fernández Soriano (1999) e Arruda (2002) e também confirmando a natureza sintática
que esses traços possuem, apesar de serem considerados traços semânticos. Dessa maneira,
confirmamos que a opcionalidade da marcação dos traços de animacidade, definitude e
especificidade do referente parecem motivar a seleção dos diferentes tipos de estratégias de
realização ou não do objeto direto anafórico no espanhol de falantes de Valência.
Esperamos, desse modo, que esta pesquisa tenha sido relevante para a descrição de uma
variedade do espanhol ainda pouco descrita. Esta dissertação reafirmou resultados de estudos
como o de Fernández Soriano (1999), já que confirmamos que o espanhol parece preferir a
estratégia de retomada por clíticos. Também reafirmamos resultados de Suñer & Yépez (op.
cit.), Landa (op. cit.), Fernández Soriano (op. cit.) e Arruda (op. cit.), que, independentemente
da natureza dos traços, afirmam que esses traços apresentam comprovada influência nos
fenômenos de retomada e apagamento, fato que confirmamos, nesta dissertação, para o escopo
de dados analisados do espanhol de Valência. Por outro lado, nossos resultados vão em contra
da afirmação de Blas Arroyo (op. cit.) de que há produção de leísmo na região de Valência, já
que, ao contrário do que postula o autor, não encontramos nenhum caso de leísmo nas
entrevistas dessa região.
Nosso intuito foi realizar uma pesquisa que contribua com a descrição do espanhol e possa
promover um maior estudo de diferentes variedades dessa língua. Futuramente, pretendemos
ampliar o nosso escopo de análise, aumentando a quantidade de entrevistas analisadas e
comparando, possivelmente, com uma língua que tenha um comportamento pronominal
diferente, como o português, por exemplo.
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