Contextualização Da Obra Bakhtin

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Contextualização da obra Iniciando os trabalhos de 2013, o primeiro encontro do nosso grupo de pesquisa dedicou-se à discussão de “O discurso no romance”. Escrito em 1934-35, o texto foi publicado após a morte do autor, em 1975, juntamente com outros ensaios escritos por Bakhtin entre 1924 e 1941, com um anexo em 1973. Dentre os exemplares trazidos pelos colegas, havia o original em russo, a tradução francesa – aliás, a primeira tradução da obra, feita por Daria Olivier em 1978 – e a tradução brasileira. A partir da diversidade dos volumes, pudemos fazer comparações das traduções com a obra original, além de compreender melhor sua recepção no contexto acadêmico de cada país. Duas observações feitas pela profa. Sheila, a partir de sua leitura do original em russo, abrem o debate. Em primeiro lugar, ela destacou que a essência do ensaio é a crítica à estilística tradicional, bem como a proposta de uma estilística sociológica, capaz de fazer uma aliança entre a estilística e a prosa. Na introdução russa, a metaestilística figura-se como um elemento central. Em seguida, ela salientou um importante interlocutor de Bakhtin na época, citado pelo autor em passagens do texto. Trata-se de Vinogradov, um grande teórico russo, opositor das ideias bakhtinianas, ainda pouco conhecido no Brasil. Ainda no tocante à contextualização do ensaio, nossos colegas Inti e Artur chamaram a atenção para o momento histórico pelo qual passava a Rússia na época: a ascensão de Stalin e o projeto de unificação da língua nacional. Um dos maiores motivos de repressão da época era a transgressão da norma linguística vigente e imposta pelo governo. Compreendendo que a língua é dotada de aspectos ideológicos, controlar o uso da língua foi uma media opressora adotadas pelas forças políticas da época. Antes de o stalinismo ser instaurado, Rosalvo afirmou que havia um debate aberto na esfera acadêmica e entre os intelectuais russo. Sendo assim, o marxismo não foi a única força que moveu as teorias críticas ao socialismo, mas também a tentativa de ocidentalização da inteligensia russa – que fez discussões sobre a vida social e a arte da geração de 1860. A ideologia – conceito-chave para a tese do Rosalvo - já havia começado a ser estudada. Características importantes da obra Ao longo dos encontros, e mesmo por meio de leituras individuais que fazemos para nossas pesquisa, acabamos observando as relações (dialógicas!) entre as obras do Círculo de Bakhtin de diversos modos: entre os textos dos autores que formavam o Círculo, na resposta dos autores bakhtinianos à teoria formalista e a outros teóricos, e nas próprias obras de Bakhtin ao longo do tempo – considerando a sua longevidade em relação aos demais. Na inserção da Simone, pudemos notar que alguns conceitos já trabalhados emProblemas da Obra de Dostoievski são retomados, como a questão da orientação do discurso (para o seu próprio

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discussões acerca de Bakthin

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Page 1: Contextualização Da Obra Bakhtin

Contextualização da obra

Iniciando os trabalhos de 2013, o primeiro encontro do nosso grupo de

pesquisa dedicou-se à discussão de “O discurso no romance”. Escrito

em 1934-35, o texto foi publicado após a morte do autor, em 1975,

juntamente com outros ensaios escritos por Bakhtin entre 1924 e

1941, com um anexo em 1973.

Dentre os exemplares trazidos pelos colegas, havia o original em

russo, a tradução francesa – aliás, a primeira tradução da obra, feita

por Daria Olivier em 1978 – e a tradução brasileira. A partir da

diversidade dos volumes, pudemos fazer comparações das traduções

com a obra original, além de compreender melhor sua recepção no

contexto acadêmico de cada país.

Duas observações feitas pela profa. Sheila, a partir de sua leitura do

original em russo, abrem o debate. Em primeiro lugar, ela destacou

que a essência do ensaio é a crítica à estilística tradicional, bem como

a proposta de uma estilística sociológica, capaz de fazer uma aliança

entre a estilística e a prosa. Na introdução russa, a metaestilística

figura-se como um elemento central. Em seguida, ela salientou um

importante interlocutor de Bakhtin na época, citado pelo autor em

passagens do texto. Trata-se de Vinogradov, um grande teórico russo,

opositor das ideias bakhtinianas, ainda pouco conhecido no Brasil.

Ainda no tocante à contextualização do ensaio, nossos colegas Inti e

Artur chamaram a atenção para o momento histórico pelo qual

passava a Rússia na época: a ascensão de Stalin e o projeto de

unificação da língua nacional. Um dos maiores motivos de repressão

da época era a transgressão da norma linguística vigente e imposta

pelo governo. Compreendendo que a língua é dotada de aspectos

ideológicos, controlar o uso da língua foi uma media opressora

adotadas pelas forças políticas da época.

Antes de o stalinismo ser instaurado, Rosalvo afirmou que havia um

debate aberto na esfera acadêmica e entre os intelectuais russo.

Sendo assim, o marxismo não foi a única força que moveu as teorias

críticas ao socialismo, mas também a tentativa de ocidentalização da

inteligensia russa – que fez discussões sobre a vida social e a arte da

geração de 1860. A ideologia – conceito-chave para a tese do Rosalvo

-  já havia começado a ser estudada.

Características importantes da obra

Ao longo dos encontros, e mesmo por meio de leituras individuais que

fazemos para nossas pesquisa, acabamos observando as relações

(dialógicas!) entre as obras do Círculo de Bakhtin de diversos modos:

entre os textos dos autores que formavam o Círculo, na resposta dos

autores bakhtinianos à teoria formalista e a outros teóricos, e nas

próprias obras de Bakhtin ao longo do tempo – considerando a sua

longevidade em relação aos demais.

Na inserção da Simone, pudemos notar que alguns conceitos já

trabalhados emProblemas da Obra de Dostoievski são retomados,

como a questão da orientação do discurso (para o seu próprio objeto

ou para o discurso de outrem). Além disso, Simone lembrou-nos de

que a proposta da ausência de ruptura entre os aspectos ideológicos e

formais também é apresentada em Marxismo e Filosofia da

linguagem (Volochínov, 1928). A complementaridade entre Bakhtin,

Medevdev e Volochínov torna-se cada vez mais evidente para nós e a

leitura das obras passam a constituir um processo complexo ao

pesquisador, como bem relatou a Arlete.

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Mais questões de tradução

A discussão voltou-se para a presença de alguns termos e suas

respectivas traduções. Na versão em português, Artur indicou a

presença do termo ‘multilinguismo’ que encontramos como

‘polylinguisme’ na versão francesa. Vimos que os termos traduzidos

em português estão em concordância com os termos do russo e os

autores optaram pelo prefixo ‘pluri’: ‘plurilinguismo’, ‘purilingue’,

‘plurivocal’. No francês há uma certa variação no emprego dos

prefixos.

O plurilinguismo pode levar-nos a pensar na existência de diferentes

línguas no romance, “assim como em Tolstói em que há páginas e

páginas em francês”, esclareceu Sheila. No entanto, parece que a

ideia central de Bakhtin é da pluralidade de discursos, um conceito

mais amplo.

Fechando as questões de tradução, no russo, a palavra utilizada para

designar língua e linguagem é a mesma – iazyk – , o que pode causar

desencontros epistemológicos na língua de recepção da obra. No

entanto, Sheila optou por traduzir o termo como ‘linguagem’, quando

se tratava da “linguagem poética”.

Conceitos-chave

Desenvolvendo seus conceitos-chave, Bakhtin olhava para uma

questão nacional, como discutimos na contextualização da obra, mas

também olhava para uma noção mais universal. Sheila acrescentou

que sua teoria possui um alcance maior do que a questão da língua (o

russo). Da mesma forma, apesar de criar uma teoria do romance, a

partir de análises específicas, a proposta teórica de Bakhtin aplica-se

ao discurso, ou seja, ele formulou uma teoria do discurso.

O dialogismo é certamente um dos conceitos mais contundentes

trabalhados até o momento em O discurso no romance. Bakhtin

observa a relação entre enunciado e mundo, exatamente onde entram

as relações dialógicas. O discurso e sua relação com os discursos

anteriores e a inseparabilidade do discurso com a sua realidade sócio-

histórica são conceitos que Bakhtin desenvolverá potencialmente ao

longo deste texto e outros.

Encerro retomando a fala da Sheila sobre a análise proposta por

Bakhtin. Esse modo de análise não foi criado hibridamente pelo autor.

Pode-se dizer que o traço distintivo da análise bakhtiniana é a

percepção sobre as relações dialógicas. No entanto, deve-se

reconhecer que Bakhtin fundou uma verdadeira teoria do romance.