CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CURSO DE LETRAS ESPANHOL/PORTUGUES KELLY CRISTINA DO PRADO LEITE CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução comentada TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

CURSO DE LETRAS ESPANHOL/PORTUGUES

KELLY CRISTINA DO PRADO LEITE

CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI:

Tradução comentada

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

CURITIBA

2013

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KELLY CRISTINA DO PRADO LEITE

CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI:

Tradução comentada

Monografia apresentada ao Curso de Gradução de Letras da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Estudos da Tradução.

Orientadora: Profª. Drª. Nylcéa Thereza de Siqueira Pedra

CURITIBA

2013

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CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI:

TRADUÇÃO COMENTADA

KELLY CRISTINA DO PRADO LEITE

Trabalho de conclusão de curso submetido à banca examinadora designada pelo Colegiado do Curso de Letras da Universidade Federal do Paraná, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título em Bacharel em Estudos da Tradução.

Aprovado em ____ de ______________ de 2013.

Por:

Profª. Drª. Nylcéa Thereza de Siqueira Pedra

Prof. Francisco Javier Calvo del Olmo

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À memória da minha querida amiga,

professora e orientadora Terumi Koto,

que deixou saudades.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por ter me proporcionado a honra de fazer parte

deste aprendizado.

Aos meus pais, a quem devo tudo o que sou, agradeço a força e o encorajamento,

principalmente nos momentos mais difíceis quando eu já tinha pensado em desistir.

Ao meu marido, Junior, e a meus filhos Bruno, Lucas e Giovana, pela paciência e

por todos os momentos que foram deixados de lado para que eu pudesse realizar

meu sonho.

À minha querida amiga Solange Elisabeth Abril pelo companheirismo e amizade

durante a nossa longa caminhada, que com certeza, não termina aqui.

À Profª. Drª. Teresa Cristina Wachowicz pelas deliciosas aulas de língua portuguesa.

À Profª. Drª. Patrícia da Silva Cardoso por ter me apresentado ao grande poeta

Fernando Pessoa.

À Profª. Regina Amélia Darriba Rodríguez pelo apoio e pela amizade durante todos

estes anos.

À Profª. Drª. Karine Marielly Rocha da Cunha por ter me iniciado no maravilhoso

mundo da língua italiana.

À Profª. Drª. Nylcéa Thereza de Siqueira Pedra por ter me acolhido na última hora e

por ter me ajudado muito a finalizar esta jornada.

Enfim, agradeço a todos os meus amigos e colegas que, direta ou indiretamente,

estiveram presentes durante todo o tempo. Àqueles que acreditaram em mim, muito

obrigada!

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RESUMO

Este trabalho apresenta algumas questões sobre as dificuldades encontradas durante a elaboração da tradução para o português do conto Los novios, de Mario Benedetti, escritor uruguaio do século XX, considerado pela crítica como um dos escritores mais importantes da América Latina. O objetivo é buscar elementos facilitadores para o trabalho de tradução literária. Para isso, foi elaborada uma breve apresentação do autor para que se pudesse apreender o seu estilo literário, além da tradução comentada.

Palavras-chave: Mario Benedetti. Conto. Tradução. Dificuldade.

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RESUMEN

Este trabajo presenta algunas cuestiones sobre las dificultades encontradas durante la preparación de la traducción al portugués del cuento Los novios, de Mario Benedetti, escritor uruguayo del siglo XX, considerado por la crítica como uno de los escritores más importantes de América Latina. El objetivo es la búsqueda de facilitadores para el trabajo de traducción literaria. Para eso, se ha desarrollado una breve presentación del autor para que se pueda captar su estilo literario, además del resumen comentado.

Palabras clave: Mario Benedetti. Cuento. Tradución. Dificultad.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 8

2 SOBRE MARIO BENEDETTI .......................................................................... 9

3 RESUMO DO CONTO LOS NOVIOS ........................................................... 12

4 TRADUÇÃO DO CONTO LOS NOVIOS ....................................................... 14

5 COMENTÁRIOS SOBRE A TRADUÇÃO ...................................................... 32

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 37

7 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 38

8 ANEXO .......................................................................................................... 39

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1 INTRODUÇÃO

A tradução literária é um desafio e um trabalho desgastante, mas é também

uma maneira formidável de se aprofundar em um texto, pois para que o processo de

tradução possa ser iniciado, é preciso, antes de tudo, um conhecimento prévio sobre

o autor, o tempo e a língua nos quais foi escrito, a cultura do país, etc. Ou seja,

antes mesmo de iniciar uma tradução, o tradutor deve passar por um processo de

aprendizagem e muito estudo.

A presente monografia apresenta como tema a tradução comentada do conto

Los novios, de Mario Benedetti, autor uruguaio de importante relevância no universo

literário da América Latina. O objetivo é buscar soluções para problemas com os

quais se depara durante o processo tradutório.

Antes de iniciar a tradução propriamente dita, será feito um estudo sobre o

autor: em que contexto escreveu, qual era a situação do Uruguai na época, em que

se baseavam suas críticas, que experiências teve no exílio e no retorno a seu país.

Este estudo é importante para que se compreenda o estilo do autor, um ponto

fundamental para que o tradutor consiga manter, no momento da ―versão‖ de uma

língua para outra, o máximo possível da intenção daquele.

O tradutor deve ter em mente que ―é impossível resgatar integralmente as

intenções do autor, exatamente porque essas intenções e esse universo serão

sempre, inevitavelmente, nossa visão daquilo que possam ter sido.‖ (ARROJO,

2003, p. 40). Ainda assim, este deve considerar todos os aspectos relevantes no

texto original, fazendo uma leitura minuciosa do texto e analisando-o criticamente

para que se possa garantir uma boa tradução.

Após a apresentação da tradução, serão abordados alguns problemas

encontrados durante o desenvolvimento da mesma e será feita uma análise destes

pontos, com argumentos que justifiquem as escolhas feitas.

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2 SOBRE MARIO BENEDETTI

―El autor no sale a la búsqueda de cualquier lector, sino a la búsqueda de sus cómplices, o sea de sus iguales, de sus pares […] La complicidad de dos individualismos nunca puede llegar a una integración tan duradera como la solidaridad de dos participantes que comparten una misma consciencia social.‖

Mario Benedetti (BENEDETTI, 1977, p. 103)

Mario Benedetti foi um escritor que marcou uma geração. Sua obra literária é

vasta e diversificada, composta de poemas, contos, crônicas, ensaios, romances,

peças de teatro e músicas.

Considerado pelos críticos literários uma das mais importantes figuras

literárias da América Latina, fez parte de uma geração crítica que tinha como

objetivo estimular a formação literária da juventude e criar uma identidade para a

literatura uruguaia. Foi um intelectual comprometido, um homem do seu tempo que

nunca fechou os olhos para o que via e que falava sobre o que via. Benedetti foi a

voz do povo uruguaio e, com certeza, o mais montevideano de todos os escritores

uruguaios, pois escreveu para o seu povo, sobre o seu povo, sobre a sua realidade.

Seu principal objetivo foi aproximar o leitor do autor, procurando estabelecer

uma relação na qual o leitor pudesse sentir-se parte de um diálogo com o autor,

desenvolvendo, assim, um processo recíproco de confiança e interação. Por isso é

chamado por alguns especialistas de ―autor comunicante‖. Esta relação somente foi

possível devido à ―el lenguaje accesible, la sencillez sintáctica y la modalidad

expresiva y estilística cercana al registro conversacional‖1. Mas isso não significa

que, para alcançar este propósito, sua estratégia tenha sido a de facilitar a leitura.

Ao contrário, segundo palavras do próprio Benedetti em um ensaio, ―cuando uno

quiere a alguien es lógico que procure elevarlo y no disminuirlo, abrirle los ojos y no

cubrírselos con una venda.‖ (BENEDETTI, 1982, p. 90)

Benedetti foi um dos destaques da ―Geração de 45‖, um grupo de intelectuais

uruguaios que surgiu entre 1945 e 1950, com um enfoque crítico e uma participação

marcante nos assuntos políticos, sociais e culturais da época. Foi fundamental para

a identidade intelectual uruguaia, pois seus textos demonstravam a insatisfação

sobre a imagem que tinha sido construída a respeito do seu país na década de

1940, quando ficou conhecido como a ―Suíça Americana‖ ou, como diziam os

1 MATAIX, Remedios. Mario Benedetti: un autor comunicante. Disponível em:

<http://www.cervantesvirtual.com/bib/bib_autor/mariobenedetti/pcuartonivel>. Acesso em: 13 ago. 2013.

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próprios uruguaios, ―como el Uruguay no hay‖. Nesta época, o Uruguai estava

estabilizado economicamente devido às exportações de produtos manufaturados e

pecuários para a Europa durante a segunda guerra mundial. Porém, a partir da

década de 1950 começa uma queda na economia, o que resulta em desemprego,

inflação e confrontos internos entre partidos e forças armadas. É diante deste

contexto que os integrantes da ―Geração de 45‖ escrevem suas obras, falando sobre

a desilusão nos fatos cotidianos, a preocupação com a vida urbana e a crítica social.

Já nos seus primeiros anos como escritor, Benedetti demonstrou uma

capacidade excepcional de observação do comportamento social e uma afinidade

com os temas da cidade e do urbano. Seus textos falam sobre uma realidade que

era a sua. Seus personagens eram de classe média, a classe à qual ele pertencia e

conhecia. Sobre isso disse Benedetti:

No he hecho una misión complaciente, la clase media es a la que yo pertenezco y conozco bien sus entretelones, sus virtudes y sus defectos, entonces me muevo con mucha más propiedad. Por respeto a los obreros, no pongo obreros en mis obras. Me es más fácil poner oligarcas, yo tengo una visión más crítica y más contacto, he trabajado en muchos diarios y he tenido contacto con los propietarios.

2

Benedetti foi também mais um dos escritores atingidos pela ditadura. Devido

às suas posições políticas, deixou o Uruguai em 1973. Seu exílio começou na

Argentina, mas lá permaneceu por pouco tempo, pois era a época de López Veja,

Ministro do governo Perón, que tinha uma lista com os nomes de pessoas (dentre

elas Benedetti) que deveriam deixar o país, caso contrário seriam mortos. Da

Argentina foi para o Peru, onde trabalhou em um jornal escrevendo artigos sobre

literatura, já que uma das condições de ter conseguido este trabalho foi a de não

escrever sobre política. De lá foi deportado a Cuba, porém de lá não conseguia

comunicar-se com sua família, por isso resolveu partir para a Espanha, onde ficou

até 1983.

Durante o período de exílio, nunca deixou de se preocupar com a situação de

seu país. Preocupava-se com a ditadura, a crise econômica, a morte de alguns

amigos, mas a experiência do exílio o fez pensar em algo maior, o fez transformar-se

em outra pessoa, mais atento às questões do mundo e não somente ao Uruguai.

Benedetti transformou-se em um cidadão do mundo.

2 Entrevista de Mario Benedetti a Sanjuana Martínez, Babab nº 1, Madrid, março 2000.

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Ainda antes de retornar ao Uruguai, Benedetti ―inventa‖ a palavra desexílio,

que representa a noção de uma experiência quando se retorna ao país natal, onde

as lembranças entram em conflito com uma nova realidade. Esta palavra foi usada

pela primeira vez em um romance de 1982, intitulado Primavera con una esquina

rota, e, depois, como título de um artigo publicado no jornal El País:

La nostalgia suele ser un rasgo determinante del exilio, pero no debe descartarse que la contranostalgia lo sea del desexilio. Así como la patria no es una bandera ni un himno, sino la suma aproximada de nuestras infancias, nuestros cielos, nuestros amigos, nuestros maestros, nuestros amores, nuestras calles, nuestras cocinas, nuestras canciones, nuestros libros, nuestro lenguaje y nuestro sol, así también el país (y sobre todo el pueblo) que nos acoge nos va contagiando fervores, odios, hábitos, palabras, gestos, paisajes, tradiciones, rebeldías, y llega un momento (más aún si el exilio se prolonga) en que nos convertimos en un curioso empalme de culturas, de presencias, de sueños. Junto con una concreta esperanza de regreso, junto con la sensación inequívoca de que la vieja nostalgia se hace noción de patria, puede que vislumbremos que el sitio será ocupado por la contranostalgia, o sea, la nostalgia de lo que hoy tenemos y vamos a dejar: la curiosa nostalgia del exilio en plena patria. (BENEDETTI, 1983)

O exílio o forçou a deixar seu país, mas através da palavra cultivou a sua

memória e a do seu povo. Sua obra está repleta de reflexões de um ―desexilado‖

que busca reconstruir a sua identidade depois de ter passado anos distante do seu

país.

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3 RESUMO DO CONTO LOS NOVIOS

O conto “Los novios” (Anexo, página 41) está entre os 19 contos que

compõem o livro Montevideanos, publicado em 1959, e da antologia Cuentos

(realizada pelo próprio autor), com a primeira edição em 1982.

Nos contos de Montevideanos, Benedetti retrata o típico montevideano,

pessoas de classe média que trabalham normalmente, com pouco tempo para o

lazer, em um país cujo período econômico é crítico e diminui a diferença entre as

classes.

“Los novios” é um dos contos mais extensos do livro, dividido em seis

capítulos que relatam os detalhes do relacionamento entre Rodolfo e Maria Júlia. O

narrador aparece em primeira pessoa (Rodolfo), sendo assim, o foco narrativo

centra-se em seus passos e pensamentos.

Neste conto o narrador-protagonista conta sobre a sua vida desde a infância

(passada no interior) até a idade adulta (em Montevidéu). O tempo da ação está no

passado, mas a narração está no presente. Rodolfo narra no estilo relato de

memória, começando pela infância, mais precisamente quando teve o primeiro

contato com Maria Júlia. Ela é uma menina marcada pela fraude que o pai aplicou

em um banco e pelo seu posterior suicídio. Por isso, não se relaciona com as

demais crianças do lugar, exceto com Rodolfo, já que seu pai não aceita as regras

da sociedade preconceituosa. Ela, porém, é uma criança ardilosa e, num dos seus

encontros com Rodolfo diz que eles são namorados. Alguns anos depois, o pai de

Rodolfo vende o seu armazém e a família se muda para a capital, Montevidéu. Lá o

pai acaba conhecendo um vigarista que arma um plano para roubar todas as

economias da família. Depois da desgraça, o pai entra em depressão e acaba

morrendo. Rodolfo e Maria Júlia, que estavam afastados desde a mudança, se

reencontram no enterro e retomam seu namoro. Para Maria Júlia, os dois agora têm

algo que os une: seu pai era um fraudador e o pai de Rodolfo tinha sido enganado.

Os anos passam e os dois continuam namorando, porém é uma relação muito

singular, sem entusiasmo. Rodolfo se conforma com as visitas semanais e as idas

ao cinema e Maria Júlia parece não se importar com sua falta de comprometimento.

Entretanto, o aparecimento de Marta, uma antiga conhecida de Rodolfo, faz

com que ocorra uma mudança na situação. Os dois começam um romance, o que

faz com que Rodolfo experimente novas sensações e emoções nunca antes vividas

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com Maria Júlia. O narrador não explica o fim do romance com Marta, que na

verdade era muito mais físico do que sentimental. Seu único comentário é que ele

continuava a encontrar-se com Maria Júlia neste meio tempo e que Marta acaba

casando-se com outra pessoa.

O desfecho do enredo é improvável. Rodolfo acaba descobrindo que durante

todos aqueles anos tinha sido enganado por Maria Júlia; que tudo não passava de

um plano de vingança sobre aquele povo que a tinha ignorado. Ela queria apenas ter

em suas mãos alguém que representasse aquelas famílias que a rejeitaram no

passado. Mas Maria Júlia não contava com a presença de Marta e tudo o que esta

poderia proporcionar a Rodolfo. Quando Maria Júlia percebe que Rodolfo está

mudado, tenta se afastar, aceitando o convite de uma amiga para viajar para Buenos

Aires. Porém, Rodolfo, com um ódio contido por anos, percebe que este é o

momento certo para inverter a situação e diz que ela não deve viajar, pois quer se

casar com ela.

Com este final, Benedetti atinge o leitor com a crua realidade, na qual o ódio

contido prevalece sobre o amor. Afinal, como diz o dito popular, ―entre o amor e o

ódio a linha é muito tênue‖. Como em grande parte dos seus contos, através de

palavras aparentemente simples e inocentes, Benedetti faz com que o leitor seja

cúmplice, tenha dúvidas e, segundo o próprio autor, “trata del interés que despierta

toda experiencia humana auténtica” (BENEDETTI, 1981, p. 209). Em cada conto

Benedetti cria uma história que conquista o leitor e o faz pensar, refletir, sofrer, rir.

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4 TRADUÇÃO DO CONTO LOS NOVIOS

Os namorados

1

No começo eu a cumprimentava da minha calçada e ela me respondia com um

gesto nervoso e rápido. Depois seguia saltitando, tamborilando os dedos nas

paredes e, ao chegar na esquina, desaparecia sem olhar para trás. Desde o começo

gostei do seu rosto comprido, sua agilidade desdenhosa, seu impressionante blazer

azul que parecia de menino. Maria Júlia tinha mais sardas na bochecha esquerda do

que na direita. Sempre estava se movimentando e parecia ansiosa para divertir-se.

Mas, quando foi isso? Meu pai já tinha aberto o armazém e minha mãe colocava o

gramofone para tocar e copiar a letra de Melenita de Oro3 enquanto eu esfriava meu

traseiro em um dos cinco degraus de mármore que davam para os fundos da casa;

Antônia Pereira, a professora particular das segundas, quartas e sextas, riscava com

caneta vermelha os exercícios errados e às vezes, resmungava: ―Meu Deus, doze

anos e você ainda não sabe o que é um denominador comum!‖. Doze anos. Sendo

assim estávamos em 1924.

Nós morávamos na rua principal. Mas toda a Avenida 18 de Julio em um vilarejo

com poucas quadras é pouca coisa. Na hora da sesta eu era o único que não

dormia. Se olhasse pela persiana, às vezes passavam uns entediantes 15 minutos

sem que nenhum ser vivente passasse pela rua. Nem mesmo o cachorro do senhor

Comissário que, segundo dizia a negra Eusébia, era muito menos cachorro que o

senhor Comissário.

Geralmente eu não perdia tempo nessa inércia contemplativa; depois do almoço eu

ia ao sótão e, ao invés de estudar o denominador comum, lia Júlio Verne como um

louco. Lia sentado no chão, inclinado incomodamente para frente, com a possível

consequência de cãibras na panturrilha ou um aperto muscular no estômago. Mas

isso não importava. Além do mais, era um prazer fechar a porta que me comunicava

com o mundo e com minha mãe. Não que eu fosse um solitário por vocação,

também não era por vergonha ou ressentimento. Era somente um prazer dispor de

algumas horas para mim mesmo, construir uma intimidade com estas paredes

3 Tango composto em 1922, recitado pela primeira vez pela atriz Manolita Poli na obra de teatro

―Milonguita‖ de Samuel Linning. Nova discografia de Osvaldo Pugliese. Letra de Samuel Linning, musica de Carlos Vicente Geroni Flores.

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brancas ásperas e acomodar-me em uma fresta de sol, cuidando, claro, de que

Verne ficasse na sombra.

A doce preguiça e o compacto silêncio destas tardes eram aliviados por vozes muito

distantes, gritos que eram quase sussurros, ruídos indecifráveis, e também buzinas

tão roucas como nunca mais voltei a ouvir. Diante de mim o céu estava quieto, sem

uma nuvem, como se fosse outra parede. Às vezes esta monotonia celeste me

deixava com as pálpebras pesadas e minha cabeça acabava inclinada para o lado,

pelo menos até encontrar uma parede e encher minha orelha de pó de cal.

Não guardo uma nostalgia excessiva da minha infância. Ao invés disso, conservo

uma lembrança melancólica deste sótão vazio, sem móveis nem prateleiras, com

suas paredes toscas, seu céu incandescente e suas lajotas cor beterraba

desbotadas.

A solidão é uma substituta precária da amizade. Eu não tinha muitos amigos. Os

gêmeos Aramburu, o filho do farmacêutico Vieytes, Tito Lagomarsino, os primos

Alberto e Washington Cardona vinham com frequência a minha casa, já que nossas

mães mantinham uma antiga relação cheia de hábitos comuns, de fofocas

atravessadas, de comunhões partilhadas. Assim como hoje se fala de profissionais

que compartilham o mesmo ofício, em 1924 as mulheres de uma capital estadual se

sentiam amigas devido ao seu encontro em um único acontecimento histórico: o da

primeira comunhão. Confessar, por exemplo: ―Elvira, Teresa e eu tomamos juntas a

primeira comunhão‖, significava, pura e simplesmente, que um vínculo quase

indestrutível as unia e, se alguma vez, por um azar do destino, que poderia tomar a

forma de uma viagem repentina ou uma paixão avassaladora, uma companheira de

comunhão se afastava do grupo, sua atitude impensada era imediatamente incluída

na lista das piores traições.

Que nossas mães fossem amigas e se beijassem todas as vezes que se

encontravam na praça, no Clube Uruguai, na Galeria Gutiérrez no suave entardecer

dos dias de receber o salário, não era suficiente para fazer com que seus filhos

tivessem uma boa convivência. Qualquer um de nós que acompanhasse a sua mãe

em alguma das visitas semanais, depois de dizer um respeitoso: ―Estou bem, e a

senhora, dona Encarnação?‖, ia automaticamente aos fundos para brincar com os

filhos da dona da casa. Brincar significava, na maioria das vezes, apedrejar-se por

entre as árvores ou, em outras ocasiões, terminar em uma briga, rolando na terra,

com os bolsos rasgados e as lapelas amarrotadas. Se eu não brigava com mais

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frequência, era por medo de que Maria Júlia ficasse sabendo. Por cima de suas

sardas, Maria Júlia observava o mundo com um sorriso de satisfeita compreensão e,

o curioso, era que esta compreensão incluía também o time dos adultos.

Era um ano mais nova do que eu; porém, quando falava com ela, tinha que dominar

previamente este sopro de timidez que atrapalhava minha relação com meus pais,

com Antônia Pereira, com os mais velhos em geral.

Ela morava na Rua Treinta y Tres, a quatro quadras da praça, mas passava com

muita frequência (pelo menos três vezes durante a tarde) pela porta do armazém.

Pelo menos era o que minha mãe e Eusébio tinham ouvido falar, mas a morte de

seus pais era um tema proibido. O Tito Logomarsino investigou para mim a versão

que circulava na cozinha da sua casa: que o pai, antigo funcionário da Sucursal do

Banco República, tinha falsificado quatro assinaturas e tinha se suicidado antes que

qualquer pessoa tivesse descoberto o modesto golpe de vinte e cinco mil pesos. De

acordo com a mesma fonte de rumores, pouco depois ―a mãe morreu de desgosto‖.

Existiam, por isso, dois tipos de sentimentos muito diferentes, quase contraditórios,

nas relações do povo com Maria Júlia: a pena e o desprezo. Ela era filha de um

fraudador, estava, portanto, desonrada. Sendo assim, não era uma companhia

especialmente desejável, nem mesmo uma colega aceitável nas brincadeiras das

meninas naquela cidade pequena. Por outro lado, era uma inocente, e esta teoria

tinha sido convenientemente difundida pelo padre Agostinho, um sacerdote

barrigudo e galego4, que aproveitava suas grandiosas recomendações de piedade

para exagerar sobre o suicida, ―um ímpio que nunca tinha pisado na porta da casa

de Deus‖. O resultado desta dualidade era que as boas famílias estavam sempre

dispostas a sorrir para Maria Júlia quando a encontravam na rua, inclusive a passar

a mão nos seus cabelos desarrumados, e depois murmurar: ―Coitadinha, ela não

tem culpa‖. Com isso cumpriam sua cota cristã de misericórdia e, assim, juntavam

forças para quando chegasse a hora de fechar as portas de todas as casas para ela,

afastá-la de todos os grupos infantis e fazê-la sentir que estava marcada.

2

4 Espanhol emigrado.

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Se dependesse somente da minha mãe, tenho certeza de que não teria me

encontrado tanto com Maria Júlia. Minha mãe tinha uma capacidade normal de pena

e compreensão; não era o que Eusébia chamava de coração de pedra, mas uma

escrava das convenções e dos hábitos daquela orgulhosa elite de donos de

armazéns, farmacêuticos, lojistas, bancários, funcionários públicos. Mas o assunto

também dependia do meu pai, que apesar de ser um mal-humorado, um tímido, um

neurastênico, não suportava estas variações hipócritas da injustiça. Claro que na

sua paixão pelo correto, havia também um quê de teimosia; ninguém estava muito

certo com relação a este indeterminado limite no qual ele deixava de ser

exclusivamente digno para ser, também, simplesmente teimoso.

Bastou, porém, que no breve espaço de um jantar, minha mãe refletisse sobre o

receio com que a aristocracia do povo via a presença da filha do fraudador, para que

meu pai se colocasse automaticamente do lado da pequenina.

E ali terminou a minha solidão. Não a solidão dolorosa e amargurada que depois se

converteria no mal permanente dos meus trinta anos, mas a solidão atraente e

buscada, a solidão exclusiva que todas as tardes me esperava no sótão, este reduto

ao qual chegava a pulsação tranquila da sesta do povo, a sesta total. A este domínio

de minha primeira, penetrante intimidade, teve acesso um dia o blazer azul de Maria

Júlia. E Maria Júlia, claro.

Mas o blazer azul foi o que mais me impressionou: todo seu contorno ressaltava

sobre a cal das paredes e até mesmo parecia estar inscrito em uma auréola celeste,

de limites confusos.

Ela chegou uma tarde, autorizada pelo meu pai para brincar comigo, e a

emocionante novidade de tê-la ali, associada à preocupação de disfarçar minha

timidez, não me deixaram compreender, em um primeiro momento, a hesitação que

isso significava. Porque Maria Júlia penetrou em uma terra conquistada e ali se

instalou, como se seus direitos sobre o sótão fossem equivalentes aos meus,

quando na verdade ela era uma recém chegada e eu, ao contrário, tinha demorado

um ano e meio imaginando com todos os seus detalhes aquela espécie de refúgio

intocável, onde cada mancha na parede tinha um contorno que representava alguma

coisa para mim: o rosto de um velho contrabandista, o perfil de um cachorro sem

orelhas, a proa de uma caravela. No fundo, a invasão de Maria Júlia repercutiu

somente sobre as paredes reais, o céu, a janela real. Assim como estes países

provisoriamente conquistados que, pelas costas do invasor, continuam mantendo

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sigilosamente suas tradições, também eu preservava, em protegido segredo, tudo o

que eu havia imaginado sobre o sótão, o meu sótão. Maria Júlia podia olhar as

paredes, mas não podia ver o que representava cada mancha; podia, talvez, escutar

o céu, mas não sabia reconhecer naquele silêncio o chamado longínquo das

buzinas, os suavizados fragmentos dos gritos. Às vezes, só para confirmar a

manutenção da minha área privada, perguntava o que poderia representar esta ou

aquela mancha. Ela olhava as paredes com os olhos bem abertos e, então, com a

voz de quem dita uma lei, dizia com breve certeza: ―É uma cabeça de cavalo‖, e

ainda que eu soubesse que na verdade era uma cabeça de cachorro sem orelhas,

não deixava que em minha boca se formasse um só sorriso de presunção ou

desprezo.

Mas nem todo aquele tempo foi tomado por seus ares de dominação ou minha

estratégia de dominado. Em certas ocasiões, Maria Júlia deixava escapar sem

querer alguma confidência. Creio que no fundo do seu inquieto orgulho, ela

reconhecia em mim a dignidade e o direito de ser seu primeiro confidente. ―Eu sei

que em toda a cidade me olham como a um ser estranho. E sabe por quê? Porque

meu pai aplicou uma fraudezinha no Banco e depois se matou.‖ Assim chamava a

fraude: não fraude, mas fraudezinha. Falava com uma naturalidade cuidadosamente

elaborada, como se no lugar de mortes e delitos estivesse falando de brinquedos e

aniversários. ―Minha tia sempre diz que o que as pessoas desaprovam no meu pai

não é a fraudezinha, mas o suicídio.‖

Este tema me deixava muito confuso. Em casa não tínhamos o hábito de chamar as

coisas pelo seu nome. A arma preferida da minha mãe era o rodeio; meu pai, por

outro lado, usava e abusava do silêncio lunático. Por isso, sabe-se lá por que, o

certo é que eu não tinha o costume da franqueza, assim, não podia responder de

imediato quando Maria Júlia me premiava com perguntas como esta: ―E você, o que

acha? O suicídio é uma covardia?‖ Onze anos. Tinha onze anos e perguntava isso.

Claro, me obrigava a pensar. Às vezes, quando ela ia embora e eu ficava sozinho,

começava a pensar apreensiva, trabalhosamente, e depois de meia hora não tinha

conseguido solucionar nenhum problema de metafísica infantil; ao contrário, tinha

conseguido uma dor de cabeça literalmente adulta.

Enfim, não conseguia imaginar o suicídio. Nem mesmo a morte absoluta. Mas, pelo

menos, a morte era alguma coisa que um dia chegava, alguma coisa não buscada.

O suicídio, ao contrário, era sentir o gosto por este impotente, repulsivo nada, e isso

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19

era horrível, quase uma loucura. Que esta loucura fosse mesmo assim uma ousadia,

ou simplesmente covardia, significava para mim um problema somente secundário.

Não pense, porém, que éramos criaturas anormais, destes pequenos monstros que

em qualquer época e em qualquer família se levantam de repente para perturbar o

sistema e as tradições da infância, raras sementes que ao invés de brincar com

bonecas ou jogar peão, extraem raízes quadradas ou conversam sobre deduções.

Não. Somente agora aqueles temas sérios adquirem para mim uma importância que

então não tiveram; somente meus contatos posteriores com o mistério ou a morte

concedem uma aura de morte ou mistério a nossos diálogos de então. Quando eu

tinha doze anos e ela onze, o suicídio, o nada, e outras coisas não menos

assustadoras, representavam somente uma breve interrupção na leitura ou na

brincadeira.

A imagem esclarecedora chegou num sábado à tarde, não no meu sótão, mas na

praça. Eu vinha com a minha mãe da Galeria Gutiérrez; Maria Júlia ia com a sua tia

até lá. Em frente ao busto de Artigas5, minha mãe e a sua tia se cumprimentaram e

todos paramos. Era uma experiência nova, essa de a gente se ver e falar em

público. Na verdade, somente se ver. Enquanto as mulheres falavam, ela e eu

permanecemos calados e quietos, como dois objetos. Naquele momento não

entendi bem. Eu era tímido, isso era óbvio, mas ela? De repente a tia nos olhou e

disse à minha mãe: ―Viu, Dona Amélia? São inseparáveis.‖ Maldita brincadeira que

ela fez com minha mãe. ―Sim, são bons companheiros‖, concordou angustiada. Mas

a outra não era tão fácil de enrolar: ―Muito mais que bons companheiros, são

realmente inseparáveis.‖ E acrescentou depois com uma piscadela de terna

cumplicidade: ―Quem sabe, hein, dona Amélia, o que acontecerá no futuro?‖ Toda a

área do pescoço ao redor do blazer azul ficou cheia de manchas vermelhas. Eu senti

um súbito calor nas orelhas. Mas a essa altura já soava outra vez a voz áspera e, no

entanto super confiante: ―Olha, dona Amélia, como estão vermelhos.‖ Então minha

mãe beliscou meu ombro e disse: ―Vamos.‖ Todos dissemos até logo, mas eu olhava

fixamente para o busto de Artigas. Somente depois, quando minha mãe e eu

entramos na Farmácia Brignole para comprar cal mentolada, somente então entendi

que tinha adquirido uma certeza.

5 José Gervasio Artigas (Montevidéu, 19 de Junho de 1764 — Ibiray, 23 de Setembro de 1850). Foi

um político e militar uruguaio, sendo o herói nacional de seu país. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Artigas>. Acesso em 01 nov 2013.

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20

Assim, o que aconteceu dois dias depois, no sótão, foi apenas uma simples

confirmação. Eu estava lendo Bertoldo, Bertoldino y Cacaseno6, mas não ria. Nunca

rio quando leio em voz baixa. De repente levantei os olhos e encontrei o olhar de

Maria Júlia. Notei que ela mordia o lábio superior. Sorriu nervosa para mim. ―Você

não consegue ler, não é?‖ Eu conseguia ler, claro. Mas não sei o que aconteceu que

não neguei e balancei a cabeça. ―E você sabe por quê?‖ Fiquei imóvel, esperando.

―Porque somos namorados.‖ Eu fechei o livro e deixei-o de lado. Depois, suspirei.

3

―Um homem direito.‖, disse Amilcar Arredondo, apontando para o caixão. Eu queria

levantar a cabeça e olhá-lo, somente para ver como era, como brilhava o rosto

impenetrável do homem que tinha arruinado e feito meu pai adoecer.

―A mudança não deu certo. Uma dessas pessoas acostumadas com a sua cidade.

Tiraram-no dali e logo viram: acabou.‖ Agora sim o olhei. Neste momento acendi o

cigarro do seu Plácido, meu padrinho, e seu rosto estava quase tão penitente quanto

arrogante. ―Droga, que merda‖, resmunguei, e Arredondo, que captou pelo menos o

meu olhar, aproximou-se e colocou a mão na minha nuca.

―Você precisa aceitar, Rodolfo. Precisa aprender sobre a coragem do teu pobre pai.‖

As coisas que temos que ouvir. A coragem do meu pobre pai.

Afinal de contas, o que importava Arredondo. Era um patife, como tantos outros,

daqui ou do interior. Tinha visto de cara o ponto fraco do meu pai. Ou talvez não.

Talvez desde o começo meu pai estivesse consciente de que este salafrário seria a

sua ruína. Um patife como tantos outros. Nem todas as vítimas morriam. Meu pai,

por outro lado (calado, como sempre), morreu.

Tinha um fundo de verdade nesta falta de adaptação à mudança. Em Montevidéu,

meu pai ficava entediado. Já não tinha mercadorias para estender sobre o mostrador

gasto, nem velhas clientes que revisassem o mostruário de grinaldas, nem

solteironas para comprar retrós. Durante trinta anos cobiçou o descanso com

modesta devoção; assim que conseguiu, ficou imóvel, com o olhar perdido, cada vez

mais dentro de si mesmo.

6 Bertoldo, Bertoldino y Cacaseno é o título de três contos muito populares escritos por Julio César

Croce (os dois primeiros) e Adriano Banchieri (o último), publicados pela primeira vez em uma edição única em 1620. Estes relatos retomam contos antigos, em particular a disputa entre Salomão e Marcolfo, que datam da Idade Média (tradução minha). Disponível em: <http://es.wikipedia.org/wiki/Bertoldo,_Bertoldino_y_Cacaseno>. Acesso em 01/Nov 2013.

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21

Eu conseguia compreendê-lo. Minha mãe, não. Ela, quinze dias depois de

descrever sua saudade da vida no interior, quinze dias depois de repetir e repetir

que a cidade grande a estava sufocando, já tinha feito amizades: enérgicas

senhoras de binóculos e busto horizontal, fervorosamente dedicadas às fofocas e à

beneficência, tranquilas porque seus filhos participavam da Sagrada Família e seus

maridos do Clube de Bocha, sempre mais dispostas a perdoar os excrementos de

suas cachorrinhas do que responder às suas empregadas domésticas, boas donas

de casa que esperavam de porta em porta para comentar, com aterrorizados

movimentos de sobrancelhas e lábios, o eficaz vaivém das três ou quatro atrevidas

do bairro.

Minha mãe não podia entender, porque ela sempre foi excessivamente sociável,

mas eu sim podia entender o meu pai. Sem necessidade de me esforçar, somente

através do simples recurso de exagerar até o ridículo minhas primeiras reações,

minha própria falta de adaptação à mudança.

Depois que o senhor Silberberg comprou o armazém, começou um período que

parecia uma festa. Minha mãe falava muito durante as refeições, fazendo projetos,

acomodando móveis imaginários, desenhando futuros tapetes. Meu pai sorria. Mas

era um sorriso sem alegria, o rosto cordial, desanimado, de um homem que se retira

do trabalho sem odiá-lo, simplesmente porque chegou a hora do descanso. Lá, no

interior, ainda o mantinham a atividade do último inventário, as despedidas dos

amigos, o começo do seu sucessor. Depois, em Montevidéu, quando alugamos o

apartamento da Rua Cerro Largo, meu pai se entregou, creio que deve ter pensado

que sua vida não tinha mais sentido.

Eu às vezes me aproximava dele e começava a conversar. Tentei levá-lo ao futebol,

ao cinema, ou simplesmente para passear. Ele aceitava somente o último desses

convites, uma vez a cada dez, e íamos ao Prado, em um ruidoso bonde elétrico de

La Comercial7. Durante o trajeto ia tão calado que algum otimista poderia pensar que

ele estava distraído pelo espetáculo das pessoas, do trânsito, das ruas com densas

alamedas. Mas na realidade ele não observava nada. Deixava-se levar,

simplesmente. E somente por carinho por mim, para que eu acreditasse que ele

estava se distraindo, para que eu me sentisse verdadeiramente influente, seguro de

mim mesmo, naturalmente poderoso.

7 La Comercial – Bairro em Montevidéu, próximo ao centro da cidade.

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22

Em algumas tardes, depois de caminhar um pouco por entre as árvores, sentava-se

em um banco e me fazia algumas perguntas que pensava serem pessoais, mas,

como nunca eram, me machucava. ―Bom, agora que você já tem vinte anos, agora

que já vota e é um homem, o que te preocupa?‖ Minha resposta não importava. Ele

não estava mesmo prestando atenção. Formulando a pergunta, tinha cumprido seu

papel, e não era de bater duas vezes na mesma tecla.

Quando Arredondo apareceu, com o projeto de aplicar vantajosamente os poucos

mil pesos obtidos com a venda do armazém, mais outros poucos que meu pai tinha

em títulos, mais um seguro em meu nome que venceria em pouco tempo, quando

Arredondo apareceu com todas as suas falsas cartas na manga, estava tudo pronto

para recebê-lo. Meu pai se deixou convencer com uma expressão de incredulidade

que em qualquer outro homem seria de aborrecimento. Nesta noite, depois do jantar,

enquanto minha mãe estava na cozinha, perguntei a ele: ―Você não vê a cara de

cretino e aproveitador que ele tem?‖ ―Possivelmente‖, ele disse e acabou por aí. Não

houve outro comentário. Simplesmente, quatro dias mais tarde, aceitou o plano de

Arredondo, que recebeu a notícia com um sorriso de orelha a orelha e uns olhos que

sem querer vendiam sua alma. Na verdade, ele não conseguia acreditar em

tamanha sorte.

Tudo fracassou, naturalmente: desde as ações da Fiecosa até os empréstimos em

cadeia. Minha mãe gritou incansavelmente durante quatro horas, depois desmaiou.

Nem bem se recuperou, começou a censurar meu pai desde a manhã até a noite

sobre o infeliz investimento. Talvez ele não tenha contado com esta ladainha. Talvez

tenha confiado em derrotar de uma vez por todas a sua intuição. O certo é que a

falência o consumiu, o desfez, literalmente acabou com ele. Quando minha mãe se

deu conta de que a hora da censura tinha passado, o médico já tinha pronunciado a

palavra trombose.

Agora meu pai estava ali, perto de Arredondo e perto de mim. Eu tinha uma tristeza

que excedia o ânimo, uma tristeza que era também corporal. Olhava para minhas

mãos e elas também estavam sujas de tristeza. Até este momento eu tinha ouvido a

palavra triste e o coração tinha me preenchido com uma onda romântica, de uma

agradável melancolia. Mas isso era outra coisa. Sentia-me triste e pesado, triste e

vazio. A tristeza, agora que me afetava, era muito mais asfixiante, pegajosa, uma

coisa fria que ninguém consegue tirar do rosto, dos pulmões, do estômago. Talvez

eu tenha desejado para ele uma vida melhor. Melhor não é a palavra certa. Queria a

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23

sua vida tivesse tido uma paixão revigorante, um ódio estimulante, sei lá, alguma

coisa que tivesse colocado nos seus olhos esse mínimo de energia que parece

indispensável para que alguém se sinta possuidor de um pouco de verdade.

Nós tivemos certo afeto, com certeza. E o que mais? Provavelmente não soubemos

nada um do outro. Uma incapacidade de comunicação nos tinha mantido a uma

distância prudente, adiando para sempre a troca leal, generosa, para a qual, por

outros motivos, estávamos bem abastecidos. Agora ele estava ali, rígido, nem em

paz, nem definitivamente morto, e toda consideração agora era inútil, pelo menos

tão inútil quanto pode parecer uma brilhante alegação quando já se venceu sem

remédio o último dos recursos.

Abri os olhos e Arredondo não estava. Respirei com alívio. Porém, tinha uma mão

apoiada em meu ombro. Uma mão leve, ou, pelo menos, que se empenhava em não

pesar. Eu não estava em condições de adivinhar, de fazer suposições, por isso

pensei em um nome, somente um nome. Afinal de contas, era muito estranho que

pensasse em Maria Júlia, mas talvez fosse pelo cansaço. Não a via desde antes de

que nos mudamos para a capital. No entanto, era ela. Primeiro peguei a sua mão,

depois sentei-a ao meu lado, no sofá. Não chorava. ―Uma delicadeza da sua parte‖,

pensei, e me senti profundamente ridículo. Entre a tristeza foi-se abrindo um pouco

de afeto, de infância compartilhada. Maria Júlia, então. Parecia mais tranquila. E

mais alta, claro. E talvez menos segura de si. E com menos sardas. E sem o blazer

azul.

Durante um bom tempo, esteve calada. Seu olhar não era a moeda corrente de

pêsames. Evidentemente, me examinava a fundo, mas também houve um vestígio

de carinho, de coisa recuperada, de memória precisa.

Foi a partir desse momento que me senti melhor.

4

Na casa da Rua Dante, eu me sentava sempre na mesma cadeira, em frente ao

mesmo quadro alegórico (uma mulher nua, com o rosto pálido puro olhos, que surgia

intacta de uma terrível fogueira, na qual havia inúmeras chamas com cabeças de

monstros) e tamborilava os dedos no mesmo friso da mesa de carvalho. Eu chegava

às nove da noite e geralmente era a tia quem me recebia, sempre impecavelmente

vestida de preto, com uma renda no peito que insinuava uma área inevitavelmente

flácida, riscada de veios quase arroxeados e com duas verrugas simétricas que

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24

contribuíam para desfavorecer o sentido estético de Deus ou pelo menos o dos seus

representantes no ato de criar corpos ao acaso.

―Menina, teu namorado chegou‖, dizia a tia, virando a cabeça para trás e

pronunciando o ―vê‖ curto8 como só conseguem fazer alguns professores do

primário. Do seu quarto, Maria Júlia gritava: ―Já vou, Rodolfo‖, e então começavam a

correr os inevitáveis quinze minutos de monólogo exterior, durante os quais a

senhora me sobrecarregava de perguntas sobre o meu trabalho, sobre política,

sobre bois perdidos.

Na verdade, ela não precisava das minhas respostas. Com um só pigarro sabia dar

um tema por encerrado, e assim, quase sem que a respiração tivesse um impacto

sobre a inofensiva articulação, encontrava algo de pecaminoso em tudo o que caía

no seu campo de observação, do seu conhecimento, da sua fantasia, o que não era,

com certeza, considerável, nem mesmo pensado, mas possuía, em contrapartida,

uma ativa disposição para acabar em um boato e revitalizá-lo.

Maria Júlia aparecia, enfim. ―Não é verdade que ela está uma beleza hoje?‖,

perguntava a tia e eu ficava automaticamente mergulhado em um silêncio no qual se

diluíam todos os meus cumprimentos. A beleza era uma moça de vinte e oito anos

que começava a perder sua expressão infantil sem ter adquirido outra como

substituta, com mais plenitude, com os cabelos curtos e soltos, os braços nus e um

vestido simples, com apenas uma cor (geralmente verde escuro ou marrom), com

um prendedor de cores vivas e um cinto largo, com fivela dourada.

Dava-me a mão, retirando-a em seguida. Depois sentava-se na cadeira número

dois, a que tinha o estofado manchado. Então a tia me dizia: ―Com licença, Rodolfo.‖

Corria com uma velocidade que parecia impossível de ser freada, pelo menos até a

cozinha, mas na verdade parava na sala ao lado de onde começava a sua vigilância,

disposta a aparecer no espaço entre o segundo e o terceiro beijo.

A medida de precaução não era necessária, já que a sobrinha sabia se defender; e

se defendia. Não precisamente com censuras ou falsos pudores, nem mesmo com

uma forçada aversão. Sua defesa era mais sutil do que tudo isso, algo que talvez

pudesse ser qualificado como uma significativa resistência à emoção, ou como a

intenção de contemplar de fora todo o transporte sentimental no qual ela mesma

estivesse envolvida. Por exemplo: para beijar nunca fechava os olhos. Por outro

8 No original refere-se à palavra novio (namorado). ―Ve‖ curto ou labiodental, conforme aprovou a

Real Academia Española.

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25

lado, se estávamos em pé e abraçados, eu sabia que ela, por cima dos meus

ombros, se olhava no espelho da parede. Seu lema parecia ter sido: ―Não se

entregar‖, sempre que esta não entrega se referisse a algo mais que ao

imperturbável corpo.

Exceto isso, não tinha resistência. Entregava-me suas mãos (―de pianista‖, dizia a

tia), se prestava docilmente às minhas carícias, inclusive revelava certo prazer

quando eu passava a mão pelos cabelos, agora muito mais escuros que a palha de

vassoura. Mas o pior é que esta atitude estava impedindo algo mais importante; que

eu mesmo me sentisse parte daquele quadro de cenas que deveriam ser de amor.

Conversávamos, também. Ela se referia com frequência a um tema que era o seu

predileto: a morte do meu pai. Claro que não se detinha na morte e retrocedia ainda

mais, até chegar a Arredondo e sua ingênua, previsível, armadilha. Parecia pensar

que a palavra fraude nos fazia sócios, colegas, companheiros, sei lá. Seu pai tinha

sido um fraudador; o meu tinha sido enganado. Em seu entusiasmo em tratar deste

assunto, Maria Júlia parecia querer me convencer de que ela e eu (já que a

desonestidade tinha tocado tanto ao seu pai quanto ao meu) éramos como filhos da

fraude. ―Quando aplicaram aquela fraudezinha no teu pai‖, dizia referindo-se ao

plano de Arredondo e utilizava o mesmo diminutivo que já tinha usado, dezessete

anos atrás, no sótão, ao me contar o motivo daquele suicídio.

Terças e quintas eram noites de visita, mas aos sábados íamos ao cinema. Os três.

Não sei por que a tia nunca se sentava ao lado de Maria Júlia, mas ao meu lado.

Talvez, com o objetivo de cumprir sua missão. Dali a visibilidade era maior. De

qualquer forma, sua proximidade não era o que se pode dizer um prazer. Tinha um

suspiro hesitante que sempre terminava em tosse asmática, e, mais ainda, naqueles

casos nos quais o filme apelava às melhores reservas sentimentais do espectador, a

tia chorava com um soluço quase elétrico que provocava um tremor desagradável

nos encostos ao redor. Felizmente, Maria Júlia não participava desta permeabilidade

à emoção. Podia aparecer na tela a mais comovente das cenas, desde uma simples

avó rodeada pelos seus netos encantadores, até o fantasma da tuberculose

provocando tosses premonitórias em uma noite de núpcias; as boas senhoras da

plateia assoavam seus narizes quando o belo tenente não voltava da guerra aos

amantes braços da sua esposa grávida. Tudo podia ser extremamente comovente;

porém, quando acendiam as luzes, era mais do que provável que Maria Júlia tivesse

seus olhos brilhantes, porém secos, e que, além disso, formulasse seu comentário

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26

indispensável: ―Que coisa. Não posso esquecer de que não estão vivendo, mas

representando.‖

Em minhas relações com Maria Júlia, com a tia, com a casa inteira, havia barreiras

que eu nunca poderia atravessar, disso eu tinha certeza. Nunca cheguei a saber o

que exatamente pretendiam de mim. A tia sempre me fazia propaganda de Maria

Júlia (seu penteado, seus dotes, suas sobremesas), no melhor estilo das sogras do

Centenário, mas nunca manifestava pressa nem preocupação com respeito ao

casamento. A sobrinha, de sua parte, não fazia preparativos. Quando as de Corrales

ou as de Uslenghi9, que às vezes saíam da casa da Rua Dante no exato momento

da minha chegada, faziam alguma piada sobre ―o enxoval‖, ela somente dizia:

―Ainda temos tempo para pensar, muito tempo‖. Eu às vezes tinha a impressão de

que as duas mulheres me consideravam como algo muito seguro, e isso me

incomodava apenas em parte, pois no mais profundo de mim mesmo tinha que

reconhecer que era isso mesmo, que eu era um candidato muito seguro.

Tinha minhas dúvidas, claro. Sempre as tive. Principalmente dúvidas sobre meus

próprios sentimentos. Eu amava Maria Júlia? Mais claramente, amava-a para me

casar com ela? Talvez minha teoria e minha versão do amor fossem rudimentares,

mas de qualquer modo todos têm seus sonhos e nos sonhos ninguém é rudimentar.

Porém, eu precisava dela, e esta necessidade era evidente de diversos modos: por

exemplo, quando eu passava vários dias sem vê-la sentia um mal-estar, uma

estranha agitação que desacomodava os sucessivos níveis e compartimentos da

minha vida diária. Aqui e ali me aconteciam coisas que eu sabia de antemão que em

Maria Júlia não encontrariam outro eco, outra repercussão, que um simples

comentário, tanto educado quanto sincero. Mesmo assim, precisava falar com ela,

precisava saber que ela estava julgando minhas ações e minhas reações, que era

minha testemunha, enfim. Chegava terça-feira, chegava quinta-feira, e quando,

sentados frente a frente na sala de jantar, eu começava a falar sobre minhas

modestas aventuras, a sensação de necessidade diminuía somente em olhar nos

olhos dela.

Havia, além disso, o desejo. Meu desejo. Ela não tinha estas preocupações. Para

minhas mãos era uma mulher, a mulher talvez. É muito provável que a primeira

mulher que tocamos possa chegar a converter-se na unidade de desejo para o resto

9 Sobrenomes cumuns no Uruguai.

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27

de nossos dias e, acima de tudo, de nossas noites. Eu desejava Maria Júlia, mas

quando? Como? Não saberia que ela beijava de olhos abertos se eu, a meu tempo,

não tivesse aberto os meus.

Certa vez minha mãe me disse algo que me perturbou: ―Não se esqueça de me

avisar o dia que Maria Júlia te fizer feliz.‖ Mas, naturalmente, minha mãe nunca a

tinha suportado.

5

No dia em que completei trinta e sete anos, encontrei-me com o Tito Lagomarsino

no ponto de ônibus Mercedes y Río Branco. Estava feliz porque Marta, a filha de

Nélida Roldão, tinha passado em uma prova muito difícil. A verdade é que

caminhamos até a Avenida Dieciocho y Ejido, e ali estavam Nélida e a garota. Há

uns cinco anos eu não via Marta. Parabenizei-a por seu sucesso e, então, ela contou

como tinha caído seu batom em plena prova e como ela e o presidente da mesa

tinham se abaixado ao mesmo tempo para pegá-lo, e como tinham se olhado por

debaixo da mesa: ―Eu acho que o pobre coitado me salvou somente para que eu

não contasse aos outros professores como estava ridículo lá embaixo, com a peruca

torta sobre a orelha.‖

De repente, percebi que eu estava rindo, e quase me assustei. Parecia o riso de

outra pessoa, o riso de algum sortudo, possuidor de uma vida plena, altamente

satisfatória, diria quase triunfante. Não é certo rir com o sorriso alheio, por isso,

imediatamente fiquei sério e desconcertado. Marta, ao contrário, parecia muito

segura de si mesma e de sua piada, e na terceira olhada percebi que ela era

simpática, linda, doce, alegre, inteligente, etc. Quando Tito falou algo sobre uma

entrevista na qual precisava comparecer às três e quinze, e precisei ir embora e dei

a mão a Marta, prometi firmemente a mim mesmo que voltaria a vê-la, sem

testemunhas para intermediar.

Somente dois meses depois pude cumprir minha promessa. Encontrei Marta em um

café, em frente à Universidade. Ficamos conversando por exatamente uma hora e

meia. Outra vez sorri com o sorriso de outro, mas desta vez me preocupei menos.

Em uma hora e meia eu soube sobre ela, e ela sobre mim, muito mais do que foi

possível em todas as confidências trocadas com Maria Júlia em nossos anos de

namoro e noivado. Foi tudo tão fluido, tão espontâneo, tão natural, que não nos

pareceu estranho que de repente minha mão estivesse sobre a sua mão, que nos

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28

olhássemos nos olhos como dois adolescentes e dois bobos. Ainda menos esquisito

pareceu quando uma semana depois dormimos juntos e que pela primeira vez se

cumpriu o desejo de meu pai e me senti naturalmente poderoso.

Devo reconhecer que Marta era, acima de tudo, um corpo, mas como tal não tinha

excesso. Bem, em Marta o espírito não atrapalhava em nada, visto que se adaptava

esplendidamente à sua perfeita embalagem. Tê-la junto a mim, apertada ou

relaxadamente, passar minhas mãos em qualquer área de sua pele, era sempre

uma experiência fortificante, uma transfusão de otimismo e de fé. Durante as

primeiras vezes presenciei, com uma espécie de ingênuo assombro, a comprovação

de quão insuficiente podia ser minha primitiva unidade de desejo; mas rapidamente

aprendi a multiplicá-la.

Era maravilhoso que minhas mãos, minhas simples e inexperientes mãos de

sempre, a primeira vista pudessem tornar-se tão eficazes, tão ativas, tão criadoras.

Havia finalmente uma carne que respondia, uma pele com a qual era possível

dialogar. Marta nunca me perguntava sobre minha namorada. Perdão. Agora me

lembro que me perguntou: ―Alguma vez você dormiu com ela?‖ Respondi que não,

com a voz tão alta que eu mesmo fiquei surpreso. Minha negação soou como uma

rejeição, quase como um exorcismo. Primeiro Marta sorriu divertida, mas depois me

olhou com uma piedosa surpresa.

Por fim, faltei algumas quintas-feiras à Rua Dante. Por parte de Maria Júlia não

houve reclamações nem repreensões. Somente a tia me dedicou uma longa

advertência sobre a monotonia que conduz ao pecado. Basicamente, eu estava

totalmente de acordo.

6

A tia me alcançou a xícara. Como sempre, com pouco açúcar. Remexi lentamente o

café com a colherzinha imitação de prata peruana. Como sempre, queimei os dedos.

Há anos tinham tirado o quadro com a fogueira simbólica e a mulher puro olhos. Em

seu lugar tinham pendurado um desses calendários suíços que têm um Janeiro 1952

com imponentes montanhas cuidadosamente cobertas de neve e delicadas casinhas

às quais falta somente dar corda para que toquem seu Stille Nacht (Noite Feliz). As

cadeiras tinham sido revestidas com um tecido com franjas, verde e cinza, que não

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29

combinavam com a variante americana de estilo inglês com a qual tinha sido

projetada a sala de jantar.

Nem mesmo a tia era a mesma. Não usava mais o encaixe peitoral. Um cachecol de

fibra sintética e lã rodeava agora seu pescoço de galinha. O olhar era pálido e

suplicante. Quando a mão direita levava a xícara aos lábios, a esquerda tremia e

fazia tilintar sonoramente a colherzinha sobre o pires. Há alguns meses já me

tratava por você e tinha suspendido seus elogios sobre as habilidades domésticas

da sobrinha.

Não tinha perdido o costume de perguntar, mas agora a estrutura do interrogatório

era o caos em estado de pureza. Uma série de perguntas podia incluir, por exemplo,

especulações sobre a próxima greve do transporte, sobre a data das minhas férias

anuais, sobre uma receita de ravióli de milho que minha mãe guardava como um

tesouro.

Numa certa quinta-feira, olhou nos meus olhos com uma centelha de amargura.

Então, com o paciente desdém de alguém que guardou por muito tempo uma moeda

e de repente percebe que esta perdeu todo seu valor, deixou escapar uma

revelação: ―Nos enganamos com você, Rodolfo. Maria Júlia pensou que poderia

dominá-lo para sempre. Mas foi você quem nos enganou. Ajudado pelo tempo,

claro.‖

A confissão não me pareceu totalmente estranha. Era como se, sem dizer a mim

mesmo, eu tivesse consciência de que este tinha sido meu melhor recurso. E era a

tia quem tinha visto! E não somente visto, como também pronunciado. Por mera

formalidade, perguntei o que ela queria dizer, mas ela já tinha retornado à sua

confusão mental e somente se considerou obrigada a acrescentar: ―É terrível como

aumentaram os preços da lavanderia. Não se pode mais viver.‖

Agora não falava nada. Simplesmente fazia ruído com a boca quando sorvia o café e

também quando não o sorvia. Para mim, não havia dúvidas. Maria Júlia, filha de um

fraudador, tinha por sua vez me enganado. Sua fraude tinha sido nutrida de

recordações infantis, de compreensão quando meu pai morreu, de paciência sem

reclamações durante tantos anos de namoro, de afetuosa passividade frente às

minhas mostras de carícias. Sua fraude consistia em ter cercado nossas relações de

substitutos adequados para o amor e o desejo como que para me fazer acreditar

que nós tínhamos sido realmente namorados por quatro décadas, destorcidas agora

na memória pelo insano castigo e o grande aborrecimento. A fraude tinha sido,

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30

analisando-a melhor, uma vingança contra aquela cidade de poucas quadras que a

tinha marcado, que a tinha desprezado e, o pior de tudo, que a tinha tolerado. Sem

perceber, eu era a representação desse povo, tinha me convertido em uma espécie

de símbolo. Agora, somente agora, eu conseguia refazer todo o cálculo, todo o

plano, desde a estudada declaração no sótão (―E você sabe por quê? Porque somos

namorados‖) até o exagerado interesse pela palhaçada de Arredondo, desde a

amistosa mão sobre meu ombro na última jornada junto a meu pai, até nossos vinte

anos de pobres beijos na sala de jantar. Era evidente que a base do seu cálculo

tinham sido minha timidez e sua paciência. Embora Maria Júlia nunca tenha feito

qualquer reclamação, embora nunca tenha me censurado sobre o tempo prolongado

de nossas relações, esteve sempre entusiadamente certa de que eu não tomaria a

iniciativa, nem para me casar nem para romper.

Este, acima de tudo, tinha sido seu trunfo: minha ignorância permitia vingar-se em

mim a injustiça de todos, mas, além disso, permitia reduzir-me a zero, arruinar a

minha vida para sempre. Claro que Maria Júlia não tinha contado com Marta. Talvez

seu único erro de cálculo. Ah, foram poucos meses. Marta está agora em Paisandu,

casada com Teófilo Carrerasa, arquiteto e empreiteiro. Mas estes poucos meses

valeram (Deus a abençoe) para que ela realizasse a sua obra, sua admirável obra

de salvar um condenado, de fazer render os sentidos (meus sentidos) muito acima

do seu valor de avaliação. Porque, evidentemente, nisso Maria Júlia tinha perdido o

controle: tinha me avaliado muito baixo.

Aparentemente, tudo permaneceu igual, mas a sua suprimida, indecisa virgindade

conseguiu perceber que minhas mãos já não eram as mesmas, e, também, que sua

indiferença tinha começado a provocar em mim um indício de repulsa. Uma

novidade. Por outro lado, já era tarde para qualquer transformação (até beijava com

os olhos fechados), mas não para que ela sentisse que alguma decisão se

aproximava. Para mim, ao contrário, ainda não era tarde. Absolutamente.

Devolvi a xícara à senhora, e ela disse: ―Está esfriando. Sempre esfria a esta hora.‖

Depois se levantou e me deixou sozinho. Cinco minutos depois Maria Júlia

apareceu, Maria Júlia de quarenta anos, minha namorada. Sentou-se ao meu lado,

mostrou e manifestou seu profundo cansaço, piscou quatro vezes seguidas. Sua

mão estava pousada sobre o canto da mesa de carvalho; tinha uma espécie de

urticária, estas manchas de insuficiência hepática que aparecem quando come

frituras.

Page 32: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

31

Falava de suas amigas, as de Uslenghi: ―Gladis quer que eu a acompanhe a Buenos

Aires. O que você acha?‖ Senti que a odiava com uma fúria quase implacável. Senti

que não precisava dela, que nunca mais precisaria. Senti que Maria Júlia tinha me

livrado de um enorme pesadelo, de uma repugnante pressão sobre minha indefesa,

desarticulada consciência.

―O que você acha?‖, repetiu com voz de condenada. E estava certa, estava

condenada. A liberdade tinha suas vantagens, mas agora (agora que ela estava

segura do meu afastamento, desconcertada pela minha rejeição), muito melhor que

a liberdade era a retaliação. Por isso decidi dizer com toda naturalidade, como se

falasse do tempo ou do trabalho: ―Não, é melhor que você não vá. Assim você vai se

preparando. Quero que nos casemos em meados de julho.‖

Engoli a saliva e, ao mesmo tempo, me senti feliz, me senti miserável. A fraudezinha

estava feita.

(1958)

Page 33: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

32

5 COMENTÁRIOS SOBRE A TRADUÇÃO

―Penetra surdamente no reino das palavras.10

(Carlos Drummond de Andrade)

A citação acima, de Drummond, está em uma poesia, mas poderia explicar

exatamente o que um tradutor deve fazer quando tem pela frente um texto literário:

penetrar, mergulhar no reino das palavras.

Segundo vários escritores, críticos e teóricos da tradução, a tradução literária

sempre representa uma descaracterização do ―texto original‖. Alguns dizem que

traduzir é praticamente impossível. Ao se encarar pela primeira vez um texto

literário, se descobre que esta afirmação não está totalmente errada. Sim, é claro

que traduzir é possível, mas é também uma tarefa muito difícil.

A atividade tradutória não possui fórmulas mágicas. Antes de tudo, como diz

Rosemary Arrojo, ―aprender a traduzir significa necessariamente aprender a ler‖

(ARROJO, 2003, p. 76). Ou seja, o tradutor deve ser capaz de apreender o

significado do ―texto original‖, levando em conta o contexto no qual foi produzido

este texto, para poder produzir um novo texto, na língua de chegada. Por isso,

traduzir não é apenas o ato de transportar as palavras de uma língua pra outra, é

antes uma ―translação‖:

…una teoría de la translación requiere como partida doble una teoría de la producción textual: en primer lugar, como teoría general que analice las condiciones de la producción de un texto de partida y, en segundo lugar, como teoría específica que analice las condiciones de la producción de un texto meta (de una translación). (REISS-VERMEER, 1996, p. 14)

Sendo assim, a produção do texto traduzido seria igual à produção do ―texto

original‖, pois, se aquele será destinado a um leitor que não tem acesso ao texto na

língua original, então, será um novo texto de partida para outro tipo de leitor.

Ao selecionar o conto ―Los novios‖, de Mario Benedetti, foram encontradas

várias oportunidades de desenvolver a ―translação‖. Como se trata de um autor com

um estilo definido, com uma linguagem simples, mas ao mesmo tempo profunda,

sempre com um fundo psicológico, foi necessário desenvolver um texto que

representasse este mesmo estilo, transformando-o, porém, em um texto de fácil

acesso ao leitor de língua portuguesa.

10

DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Em Procura da poesia.

Page 34: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

33

A primeira dificuldade encontrada foi no título do conto. O termo novios, em

espanhol, pode ser traduzido ao português como: namorados, noivos,

companheiros. Em uma primeira versão, optou-se pelo termo ―noivos‖, por entender

que era um termo definido, porém, ao analisar o conto por inteiro, a escolha final foi

o termo ―namorados‖, pois quando aparece pela primeira vez no texto original, em

uma conversa entre Rodolfo e Maria Julia, os dois personagens ainda são crianças,

o que não justificaria o termo ―noivos‖.

“No podés leer, ¿verdad?” Yo podía leer, claro. Pero me dio no sé qué contradecirla y meneé la cabeza. “¿Y sabés por qué?” Quedé inmóvil, esperando. “Porque somos novios.” Yo cerré el libro y lo dejé al costado. Después, suspiré. (BENEDETTI, 1991, p. 87-88) ―Você não consegue ler, não é?‖ Eu conseguia ler, claro. Mas não sei o que aconteceu que não neguei e balancei a cabeça. ―E você sabe por quê?‖ Fiquei imóvel, esperando. ―Porque somos namorados.‖ Eu fechei o livro e deixei-o de lado. Depois, suspirei.

Outra dificuldade encontrada, agora no campo lexical, é o fato de não haver

uma diferença tão marcada entre o espanhol escrito e o falado como ocorre no

português brasileiro. Quando um leitor despreocupado lê o texto original, pode supor

que Benedetti era um autor que usava termos refinados e que seu texto é destinado

a um publico mais culto. Porém, ao analisar o seu estilo e seus próprios comentários

a respeito da sua obra, entendeu-se que seria necessário optar por um tipo de

registro mais simples, o que significava deixar de lado a tradução ―literal‖ de vários

termos ou até mesmo frases do conto. Por exemplo:

Que nuestras madres fueran amigas y se besuquearan toda vez que se encontraban en la plaza, en el Club Uruguay, en los Grandes Almacenes Gutiérrez, en la afelpada penumbra de sus días de recibo, no alcanzaba para decretar una gentil convivencia entre los más ilustres de sus vástagos. (BENEDETTI, 1991, p. 82)

Uma tradução literal seria:

Que nossas mães fossem amigas e se beijassem todas as vezes em que se encontravam na praça, no Clube Uruguai, na Galeria Gutiérrez, no crepúsculo luxuoso dos seus dias de receber o salário, não era suficiente para deliberar uma gentil convivência entre os mais ilustres dos seus descendentes.

Mas esta não seria uma boa escolha para o leitor brasileiro, pois está repleta

de termos que não fazem parte da linguagem coloquial. Por isso a opção final foi:

Page 35: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

34

Que nossas mães fossem amigas e se beijassem todas as vezes que se encontravam na praça, no Clube Uruguai, na Galeria Gutiérrez no suave entardecer dos dias de receber o salário, não era suficiente para fazer com que seus filhos tivessem uma boa convivência.

Outra preocupação no momento da tradução foi a de definir o posicionamento

dos adjetivos. Neste caso, tanto no português como no espanhol a posição do

adjetivo é variável, ainda que, como regra geral, o mais comum seja depois do

substantivo. É preciso recordar que os adjetivos podem ser classificados em

qualificadores e classificadores. Os classificadores podem ser usados tanto depois

como antes do substantivo. Quando posicionados antes, produzem um efeito de

subjetividade e, por isso, são mais frequentes em textos literários. Quanto aos

adjetivos qualificadores, seu posicionamento também pode ser livre, porém é preciso

verificar que isso poderá resultar em uma alteração de sentido.

No caso desta tradução, buscou-se manter o posicionamento do adjetivo de

acordo com o texto original, ainda que em alguns casos fosse necessária a inversão

para que o texto não parecesse ―estranho‖ ao leitor brasileiro.

La dulce modorra, el compacto silencio de esas tardes, estaban aliviados por voces lejanísimas, gritos que eran casi susurros, ruidos indescifrables, y también unas bocinas tan gangosas como después no he vuelto a escuchar. (BENEDETTI, 1991, p. 81) A doce preguiça e o compacto silêncio destas tardes eram aliviados por vozes longínquas (muito distantes), gritos que eram quase sussurros, ruídos indecifráveis, e também buzinas tão roucas como nunca mais voltei a ouvir.

Nos casos acima, o posicionamento do adjetivo é anteposto, pois confere um

valor mais reforçativo e afetivo ao substantivo. Além disso, o adjetivo ―doce‖ é um

qualificador e, se for colocado depois do substantivo, altera o sentido do texto.

Pero el saco azul fue lo que más me impresionó: todo su contorno resaltaba sobre la cal de las paredes y hasta parecía estar inscripto en un halo celeste, de vacilantes límites. (BENEDETTI, 1991, p. 87) Mas o blazer azul foi o que mais me impressionou: todo seu contorno ressaltava sobre a cal das paredes e até mesmo parecia estar inscrito em uma auréola celeste, de limites confusos.

Já nos termos destacados acima, optou-se pela inversão do posicionamento

do adjetivo, pois seria a ordem mais usada no português.

Com relação a nomes próprios, não existe uma regra que defina de devem ou

não ser traduzidos. Neste caso, ―é preciso estar atento para a existência ou não de

Page 36: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

35

uma forma consagrada em português para determinados nomes próprios‖11 Como os

nomes próprios são similares em português e espanhol, optou-se apenas, quando

possível, por adequá-los à regra gramatical portuguesa com relação à acentuação

(como de ―María Julia‖ para Maria Júlia) ou pela aproximação fonética, como em

―Nélida Roldán‖ para Nélida Roldão. Esta decisão foi tomada depois de muita

hesitação, pois este é um fator muito importante quando se pensa no público do

texto que está sendo traduzido. A pergunta é: a tradução dos nomes próprios

resultaria numa perda para o leitor? Não quando os nomes já possuem tradução

para o português. Então, partindo deste princípio, as escolhas foram feitas conforme

explicado acima.

Para nomes de ruas e lugares, foi usado o mesmo artifício dos nomes

próprios, exceto nos nomes de ruas, pois além de indicarem uma localização exata,

não atrapalham o leitor durante a leitura:

El día en que cumplí treinta y siete años, me encontré con el Tito Lagomarsino en Mercedes y Río Branco. Estaba feliz porque Marta, la hija de Nélida Roldán, había salvado un examen monstruo. Lo cierto fue que caminamos hasta Dieciocho y Ejido, y allí estaban Nélida y la muchacha. (BENEDETTI, 1991, p. 96) No dia em que completei trinta e sete anos, encontrei-me com o Tito Lagomarsino na parada de ônibus Mercedes y Río Branco. Estava feliz porque Marta, a filha de Nélida Roldão, tinha passado em uma prova muito difícil. A verdade é que caminhamos até a Avenida Dieciocho y Ejido, e ali estavam Nélida e a garota.

Nos exemplos destacados acima, optou-se por não traduzir os nomes, mas

foram acrescentadas explicações (sublinhadas), pois o leitor poderia não entender o

significado das referências.

Outro ponto a ser pensado foi a questão do tipo de tratamento que se dá aos

pais. No texto original, o narrador trata, na maioria das vezes o pai por ―viejo‖ e a

mão por ―mamá‖. No caso do português brasileiro, existem vários termos de

tratamento, que diferem de acordo com a região do país e a faixa etária das

pessoas: no Nordeste, é comum dizer ―painho‖ e ―mainha‖, as pessoas mais velhas

utilizam ―papai‖ e ―mamãe‖. O termo ―meu velho‖ também é usado, porém com

menos freqüência. Para a tradução, foi feita a escolha mais comum, para que o

leitor pudesse se identificar com o narrador; portanto, foram usados, em todas as

entradas, os termos ―meu pai‖ e ―minha mãe‖: 11

Disponível em: <http://efpa.com.br/telas/espaco/normas_padronizacao/default.asp>. Acesso em 20

nov 2013.

Page 37: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

36

El viejo ya había puesto la mercería y mamá hacía marchar el fonógrafo para copiar la letra de Melenita de Oro, mientras yo enfriaba mi trasero sobre alguno de los cinco escalones de mármol que daban al fondo... (BENEDETTI, 1991, p. 80) Meu pai já tinha fechado o armazém e minha mãe colocava o gramofone para tocar e para copiar a letra de Melenita de Oro enquanto eu esfriava meu traseiro em um dos cinco degraus de mármore que davam para os fundos da casa....

Por fim, para os casos nos quais o leitor pudesse sentir algum ―desconforto‖

ou não pudesse identificar a referência, a escolha foi pela inclusão de notas de

rodapé, o que resolve o problema e não interfere no texto.

“Nena, llegó tu novio”, decía la tía, volviendo la cabeza hacia el fondo y pronunciando la ve corta como sólo consiguen hacerlo ciertas maestras de primer grado. (BENEDETTI, 1991, p. 92) ―Menina, teu namorado chegou‖, dizia a tia, virando a cabeça para trás e pronunciando o ―vê‖ curto

nota como só conseguem fazer alguns professores

do primário. Nota: No original refere-se à palavra novio (namorado). ―Ve‖ curto ou labiodental, conforme aprovou a Real Academia Española.

Page 38: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

37

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o desenvolvimento deste trabalho, foi possível confirmar um fato há

muito discutido: é impossível ser totalmente fiel em uma tradução. Porém, foi

também possível verificar que o ato tradutório não é impossível.

Ao desenvolver o texto da tradução, foi considerado não somente o texto

original, mas o público ao qual seria destinada a tradução. Foi com base neste

público que foram feitas as escolhas quando surgiram os problemas de tradução. O

público alvo deveria sentir-se confortável durante a leitura e o texto foi produzido de

maneira a evitar ao máximo qualquer tipo de ―estranhamento‖.

Constatou-se que, em alguns casos, a tradução não é viável, como nomes de

ruas, por exemplo. Neste caso, optou-se por manter os termos na língua original,

levando em consideração que, nos casos que o leitor pudesse ter algum tipo de

dúvida com relação à referência, esta deveria ser explicada sucintamente dentro do

próprio texto ou utilizando o recurso de notas de rodapé.

Deve-se considerar que os problemas apontados neste trabalho são apenas

alguns exemplos com os quais um tradutor pode se deparar durante o

desenvolvimento do seu texto. Para cada língua existem vários outros tipos de

problemas que deverão ser analisados e discutidos para que se possa definir a

melhor maneira de resolvê-los, de forma que as escolhas possam ser justificadas.

Page 39: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

38

7 REFERÊNCIAS

ARROJO, Rosemary. Oficina de tradução: a teoria na prática. Editora Ática. São Paulo, 2003, p.76.

BENEDETTI, Mario. Cuentos. Alianza Editorial. Madrid, 1991.

_____. El desexilio. El Pais. Madrid, 18.04.1983.

_____. La cultura, ese blanco móvil (1982), in El ejercicio del criterio. Alfaguara. Madrid 1995, p. 90.

_____. Letras de Emergencia.Editorial Nueva Imagem, México D.F. 1975.

REISS, Katharina; VERMEER, Hans J. Fundamentos para una Teoría Funcional de la

Traducción. Trad. por Sandra García Reina e Celia Matín de Léon. Madrid: Ediciones Akal,

1996.

RÓNAI, Paulo. Escola de tradutores. Editora Nova Fronteira. 5. Ed. Rio de Janeiro, 1987

TRAVAGLIA, Neuza Gonçalves. Tradução e retextualização: a tradução numa perspectiva textual. Edufu. Minas Gerais,2003.

Page 40: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

39

8 ANEXO

LOS NOVIOS

1

Al principio yo la saludaba desde mi vereda y ella me respondía con un ademán

nervioso e instantáneo. Después se iba a los saltos, golpeando las paredes con los

nudillos, y, al llegar a la esquina, desaparecía sin mirar hacia atrás. Desde el

comienzo me gustaron su cara larga, su desdeñosa agilidad, su impresionante saco

azul que más bien parecía de muchacho. María Julia tenía más pecas en la mejilla

izquierda que en la derecha. Siempre estaba en movimiento y parecía encarnizada

en divertirse. También tenía trenzas, unas trenzas color paja de escoba que le

gustaba usar caídas hacia el frente.

Pero, ¿cuándo fue eso? El viejo ya había puesto la mercería y mamá hacía marchar

el fonógrafo para copiar la letra de Melenita de Oro, mientras yo enfriaba mi trasero

sobre alguno de los cinco escalones de mármol que daban al fondo; Antonia

Pereyra, la maestra particular de los lunes, miércoles y viernes, trazaba una

insultante raya roja sobre mi inocente quebrado violeta, y a veces rezongaba: ―¡Ay,

Jesús, doce años y no sabe lo que es un común denominador!‖ Doce años. De

modo que era en 1924.

Vivíamos en la calle principal. Pero toda avenida 18 de julio en un pueblo de

ochenta manzanas, es bien poca cosa. A la hora de la siesta yo era el único que no

dormía. Si miraba a través de la celosía, transcurría a veces un bochornoso cuarto

de hora sin que ningún ser viviente pasase por la calle. Ni siquiera el perro del señor

Comisario, que, según decía y repetía la negra Eusebia, era mucho menos perro

que el señor Comisario.

Por lo general, yo no perdía tiempo en esa inercia contemplativa; después del

almuerzo me iba al altillo y, en lugar de estudiar el común denominador, leía como

un poseído a Julio Verne. Leía sentado en el suelo, incómodamente tirado hacia

adelante, con la prevista consecuencia de unos alegres calambres en las pantorrillas

o una opresión muscular en el estómago. Bueno, qué importaba. Después de todo,

era un placer cerrar la puerta que me comunicaba con el mundo y con mamá, no

porque yo fuera un solitario vocacional, ni siquiera por vergüenza o resentimiento.

Tan sólo era un disfrute disponer de dos horas para mí mismo, construirme una

Page 41: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

40

intimidad entre esas paredes rugosamente blancas, y acomodarme en la franja de

sol, cuidando, claro, de que Verne permaneciera en la sombra.

La dulce modorra, el compacto silencio de esas tardes, estaban aliviados por voces

lejanísimas, gritos que eran casi susurros, ruidos indescifrables, y también unas

bocinas tan gangosas como después no he vuelto a escuchar. Frente a mí el cielo

estaba quieto, sin una nube, como otra pared. A veces esa monotonía celeste me

ponía los párpados pesados y mi cabeza acababa por inclinarse hacia un costado,

por lo menos hasta que encontraba la pared y el polvo de cal me llenaba la oreja.

No guardo una excesiva nostalgia de mi infancia. Conservo en cambio un

melancólico recuerdo de ese altillo vacío, sin muebles ni estanterías, con sus toscas

paredes, su cielo incandescente y sus baldosas de un desvaído color remolacha.

La soledad es un precario sucedáneo de la amistad. Yo no tenía amigos. Los

mellizos de Aramburu, el hijo del boticario Vieytes, el Tito Lagomarsino, los primos

Alberto y Washington Cardona, venían a menudo a casa, ya que sus madres y la

mía mantenían una antigua relación llena de hábitos comunes, de chismes

cruzados, de comuniones compartidas. Así como hoy se habla de profesionales de

la misma promoción, en 1924 las mujeres de una capital departamental se sentían

amigas a partir de su encuentro en un solo nivel histórico: el de la primera comunión.

Confesar, por ejemplo: ―Con Elvira y con Teresa tomamos juntas la primera

comunión‖, significaba, lisa y llanamente, que a las tres las unía un vínculo casi

indestructible, y si alguna vez, por un imprevisto azar que podía tomar la forma de un

viaje repentino o una pasión avasallante, una compañera de comunión se apartaba

del grupo, de inmediato su descomedida actitud era incorporada a la lista de las más

increíbles traiciones.

Que nuestras madres fueran amigas y se besuquearan toda vez que se encontraban

en la plaza, en el Club Uruguay, en los Grandes Almacenes Gutiérrez, en la afelpada

penumbra de sus días de recibo, no alcanzaba para decretar una gentil convivencia

entre los más ilustres de sus vástagos. Cualquiera de nosotros que acompañase a la

madre en alguna de sus visitas semanales, después de pronunciar un respetuoso:

―Yo bien, ¿y usted, doña Encarnación? ―, pasaba automáticamente al fondo a jugar

con los hijos de la dueña de casa. Jugar significaba las más de las veces apedrearse

de árbol a árbol, o, en mejores ocasiones, acabar a las trompadas, revolcados en la

tierra, los bolsillos desgarrados y las solapas definitivamente mustias. Si yo no me

peleaba con más asiduidad era por temor a que María Julia se enterase. Por encima

Page 42: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

41

de sus pecas, María Julia contemplaba el mundo con una sonrisa de satisfecha

comprensión, y lo curioso era que esa comprensión abarcaba también al equipo de

adultos.

Era un año menor que yo; sin embargo, cuando le hablaba tenía que sobreponerme

previamente a esa misma bocanada de timidez que complicaba mis relaciones con

los viejos, con Antonia Pereyra, con los respetables en general.

Ella vivía en la calle Treinta y Tres, a cuatro cuadras de la plaza, pero pasaba muy a

menudo (por lo menos, tres veces en la tarde) por la puerta de la mercería. Eso al

menos había oído decir a Mamá y a Eusebia, pero la muerte de sus padres era un

tema prohibido. El Tito Lagomarsino me procuró la versión que circulaba en la

cocina de su casa: que el padre, antiguo empleado de la Sucursal del Banco

República, había falsificado cuatro firmas y se había suicidado antes de que nadie

hubiera descubierto la módica estafa de veinticinco mil pesos. Según la misma

fuente de rumores, poco después ―la madre había muerto de dolor‖.

Había, por lo tanto, dos sentimientos muy diversos, casi contradictorios, en las

relaciones del pueblo con María Julia: la lástima y el desprecio. Era la hija de un

estafador, estaba por lo tanto deshonrada. De modo que no resultaba una compañía

especialmente deseable, ni siquiera una aceptable camarada de juegos para el

renglón hijas en aquel reducido mercado departamental. No obstante ello, era una

inocente, y esta teoría había sido convenientemente difundida por el padre Agustín,

un sacerdote panzón y gallego, que aprovechaba sus engoladas recomendaciones

de piedad para cargar las tintas sobre el suicida, ―un impío que jamás había pisado

los umbrales de la casa de Dios‖. El resultado de esa dualidad era que las buenas

familias estaban siempre dispuestas a sonreírle a María Julia cuando la encontraban

en la calle, incluso a pasarle la mano sobre el pelo en desorden y después

murmurar: ―Pobrecita, ella no tiene la culpa. ― Con eso quedaba cumplida la cuota de

cristiana misericordia, y a la vez se ahorraban fuerzas para cuando llegara la hora de

cerrarle las puertas de todas las casas, apartarla de todas las cofradías infantiles y

hacerle sentir que estaba algo así como marcada.

Page 43: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

42

2

Si hubiera dependido sólo de mi madre, estoy seguro de que no habría podido

verme a menudo con María Julia. Mi madre tenía una normal capacidad de lástima y

de comprensión; no constituía lo que Eusebia llamaba un corazón petrificado, pero

era sin embargo una esclava de las convenciones y los ritos de aquella orgullosa

éste de almacenemos, boticarios, tenderos, bancarios, empleados públicos. Pero el

asunto también dependía de mi padre, que si bien podía ser un malhumorado, un

tímido, un neurasténico, de ningún modo soportaba esas variantes semicanallescas

de la injusticia. Claro que en su pasión por lo correcto, había también un destello de

terquedad; uno no podía estar muy seguro en cuanto a ese impreciso límite en que

él dejaba de ser exclusivamente digno, para ser, además, simplemente porfiado.

Bastó, por lo tanto, que en el curso de una cena, mamá dejara constancia de la

aprensión con que la aristocracia del pueblo miraba la presencia de la hija del

estafador, para que el viejo se pusiera automáticamente de parte de la chiquilina.

Y allí terminó mi soledad. No la soledad angustiosa y amarga que después iba a

convertirse en mal endémico de mis treinta años, sino la soledad atrayente y

buscada, la soledad exclusiva que todas las tardes me esperaba en el altillo, ese

reducto hasta el que llegaba el pulso tranquilo de la siesta del pueblo, de la siesta

total. A ese feudo de mi primera, entrañable intimidad, tuvo acceso un día el saco

azul de María Julia. Y María Julia, claro. Pero el saco azul fue lo que más me

impresionó: todo su contorno resaltaba sobre la cal de las paredes y hasta parecía

estar inscripto en un halo celeste, de vacilantes límites.

Ella llegó una tarde, autorizada por mi padre para jugar conmigo, y la encandilante

novedad de tenerla allí, agregada a la preocupación de doblegar mi timidez no me

dejaron comprender, en un primer momento, la claudicación que eso significaba.

Porque María Julia penetró en tierra conquistada y allí se instaló, como si sus

derechos sobre el altillo fueran equivalentes a los míos, cuando en verdad ella era

una recién llegada y yo en cambio había demorado un año y medio en imaginar en

todos sus detalles aquella especie de refugio inexpugnable, del que cada mancha en

la pared tenía un contorno que para mí representaba algo: la cara de un viejo

contrabandista, el perfil de un perro sin orejas, la proa de un bergantín. En rigor, la

invasión de María Julia sólo tuvo efecto sobre las paredes reales, el cielo azul, la

ventana real. Como esos países provisoriamente subyugados, que, por debajo de

las botas del invasor, mantienen una subterránea vivencia de sus tradiciones, así

Page 44: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

43

preservaba yo, en vigilado secreto, todo cuanto había imaginado respecto el altillo, a

mi altillo. María Julia podía mirar las paredes, pero no podía ver qué representaba

cada mancha; podía tal vez, escuchar el cielo, pero no sabía reconocer en aquel

silencio la llamada lejana de las bocinas, los amortiguados fragmentos de los gritos.

A veces, nada más que para confirmar el mantenimiento de mi zona privada, le

preguntaba qué podía representar esta o aquella mancha. Ella miraba la pared con

ojos bien abiertos, y luego, con voz de quien dicta una ley, se expedía con lacónica

certeza: ―Es una cabeza de caballo‖, y aunque yo sabía que en realidad era una

cabeza de perro sin orejas, no por eso dejaba que en mi boca se formara ni una sola

sonrisa de presunción o de desprecio.

Pero no todo aquel período estuvo colmado por sus aires de dominadora o mi

estrategia de dominado. En alguna ocasión María Julia dejaba caer imprevistamente

alguna confidencia. Creo que en el fondo de su nervioso orgullo, ella me reconocía

el rango y el derecho de ser su primer y único confidente. ―Yo sé que en todo el

pueblo me miran como un bicho raro. ¿Y sabés por qué? Porque papá hizo un

calotito en el Banco y después se mató. ―Así llamaba a la estafa: no calote sino

calotito. Lo decía con una naturalidad cuidadosamente fabricada, como si en lugar

de muertes y delitos estuviera hablando de juguetes o navidades. ―Tía dice siempre

que lo que la gente le reprocha a papá, no es el calotito sino el suicidio‖.

A mí el tema me dejaba bastante confuso. En casa no existía el hábito de llamar a

las cosas por su nombre. El arma preferida de mamá era el rodeo; el viejo, en

cambio, usaba y abusaba del silencio alunado. Por eso, o quién sabe por qué, lo

cierto era que yo no tenía la costumbre de la franqueza, así que no podía responder

de inmediato cuando María Julia me apremiaba con preguntas como ésta: ¿Vos qué

pensás? El suicidio, ¿es una cobardía?‖ Once años. Tenía once años y preguntaba

eso. Claro, me obligaba a interrogarme. A veces, cuando ella se iba y yo me

quedaba solo, me ponía a pensar tensamente, trabajosamente, y al cabo de media

hora no había conseguido solucionar ningún problema de metafísica infantil, pero en

cambio había logrado un dolor de cabeza estrictamente adulto.

En definitiva no podía imaginar el suicidio. Tampoco la muerte lisa y llana. Pero por

lo menos la muerte era algo que un día llegaba, algo no buscado. El suicidio, en

cambio, era sentir gusto por esa estéril, repugnante nada, y eso era horrible, casi

una locura. Que esa locura fuese asimismo arrojo, o simplemente cobardía,

significaba para mí un problema sólo secundario.

Page 45: CONTO LOS NOVIOS, DE MARIO BENEDETTI: Tradução

44

No vaya a pensarse, sin embargo, que fuéramos criaturas anormales, de esos

pequeños monstruos que en cualquier época y en cualquier familia se alzan de

pronto para trastrocar el sistema y los ritos de la infancia, raros engendras que en

vez de jugar con muñecas o con trompos, extraen mentalmente raíces cuadradas o

conversan sobre silogismos. No. Sólo ahora aquellos temas solemnes adquieren

para mí una importancia que entonces no tuvieron; sólo mis posteriores contactos

con el misterio o la muerte, otorgan una aureola de muerte o de misterio a nuestros

diálogos de entonces. Cuando yo tenía doce años y ella once, el suicidio, la nada, y

otros rubros no menos sobrecogedores, sólo representaban una breve interrupción

en la lectura o en el juego.

La imagen esclarecedora llegó un sábado de tarde, no en mi altillo sino en la plaza.

Yo venía con mi madre de los Grandes Almacenes Gutiérrez. Frente al busto de

Artigas, mi madre y su tía se saludaron y todos nos detuvimos. Era una experiencia

nueva, vernos y hablamos en público. En realidad, sólo vernos. Mientras las mujeres

hablaban, ella y yo permanecimos callados y quietos, como dos artefactos. En el

momento no comprendí bien. Yo era tímido, eso estaba claro, pero, ¿y ella? De

pronto, la tía nos miró y le dijo a mi madre: ―¿Vio, doña Amelia? Son inseparables‖.

Maldita la gracia que le hizo a mi madre. ―Sí, son buenos compañeros‖, asintió con

angustia. Pero a la otra no la desviaban así como así. ―Mucho más que buenos

compañeros, son realmente inseparables.‖ Y agregó después con un guiño de

empalagoso complicidad: ―¿Quién sabe, eh, doña Amelia, qué pasará en el futuro? ―

Toda la zona del pescuezo que bordeaba el saco azul, quedó roja a manchones. Yo

sentí un imprevisto calor en las orejas. Pero a esa altura ya sonaba otra vez la voz

áspera y sin embargo confianzuda: ―Mire, doña Amelia, cómo se ponen colorados.‖

Entonces mamá me atenazó el hombro y dijo: ―Vamos.‖ Todos dijimos adiós, pero yo

miraba fijo el busto de Artigas. Sólo después, cuando mamá y yo entramos en la

Farmacia Brignole a comprar creta mentolada, sólo entonces me di cuenta de que

había adquirido una certeza.

De modo que dos días después, en el altillo, lo que pasó fue una mera confirmación.

Yo leía Bertoldo, Bertoldino y Cacaseno; era divertido, pero no me reía. Nunca pude

reírme cuando leo en voz baja. De pronto levanté los ojos y encontré la mirada de

María Julia. Vi que se mordía el labio superior. Me sonrió, nerviosa. ―No podés leer,

¿verdad?‖ Yo podía leer, claro. Pero me dio no sé qué contradecirla y meneé la

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cabeza. ―¿Y sabés por qué?‖ Quedé inmóvil, esperando. ―Porque somos novios‖. Yo

cerré el libro y lo dejé al costado. Después, suspiré.

3

―Un hombre derecho‖, dijo Amílcar Arredondo, señalando el cajón. Yo hubiera

querido levantar la cabeza y mirarlo, nada más que para ver cómo era eso, cómo

lucía el rostro imperturbable del hombre que había arruinado y enfermado al viejo.

No le sentó el trasplante. Una de esas personas acostumbradas a su pueblo. Lo

sacaron de allí y ya vieron: se acabó. ―Ahora sí lo miré. En ese momento encendía el

cigarrillo de don Plácido, mi padrino, y su rostro estaba casi tan compungido como

ufano. Puta, qué asco‖, murmuré, y Arredondo, que captó por lo menos mi mirada,

se acercó a ponerme una mano en la nuca. ―Hay que resignarse, Rodolfo. Hay que

aprender del coraje de tu pobre viejo.‖ Las cosas que hay que oír. El coraje de mi

pobre viejo. Después de todo, qué importaba Arredondo. Era un canallita, como

tantos otros, de aquí o del Interior. Al vicio le había visto enseguida el lado flaco. O

quizá desde el principio el viejo fue consciente de que este avivado iba a ser su

ruina. Un canallita como tantos otros. No todas las víctimas se morían. El viejo, en

cambio (callado, como siempre) se murió.

Algo de cierto había en eso de la falta de adaptación al trasplante. En

Montevideo, el viejo se aburría. Ya no había piezas de género que extender sobre el

gastado mostrador, ni viejas clientas que revisaran el muestrario de festones, ni

solteronas que compraran sedalina. Durante treinta años había anhelado el

descanso con modesto fervor, una vez que lo había obtenido, se había quedado

inmóvil, con los ojos lejanos, cada vez más incrustado en sí mismo.

Yo podía comprenderlo. Mamá, no. Ella, a los quince días de pormenorizar su

nostalgia de la vida pueblerina, a los quince días de repetir y repetir que la ciudad le

resultaba asfixiante, ya había conseguido amistades: dinámicas señoras de

impertinentes y busto horizontal, dedicadas fervorosamente al chisme y a la

beneficencia, tranquilas porque sus hijos concurrían a la Sagrada Familia y sus

maridos al Club de Bochas, siempre mejor dispuestas a perdonar los excrementos

de sus perritas que las contestaciones de sus sirvientas, buenas amas de casa que

se esperaban de zaguán en zaguán para comentar, con aterrorizados movimientos

de cejas y de labios, el eficacísimo vaivén de las tres o cuatro pizpiretas del barrio.

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Mamá no podía comprenderlo, porque ella siempre fue patológicamente sociable,

pero yo sí podía entender al viejo. Sin necesidad de esforzarme, sólo mediante el

fácil recurso de exagerar hasta la caricatura mis primeras reacciones, mi propio

desacomodamiento ante el trasplante.

Después que don Silberberg compró la mercería, vino un período que pareció de

fiesta. Mamá hablaba abundantemente en las comidas, haciendo proyectos,

acomodando imaginarios muebles, diseñando futuras alfombras. Papá sonreía. Pero

era una sonrisa sin alegría, la mueca amable, desanimada, de un hombre que se

retira del trabajo sin odiarlo, simplemente porque le llegó la hora del descanso. Allá,

en el pueblo, todavía lo sostenía la actividad del último inventario, las despedidas de

los amigos, la puesta en marcha de su sucesor. Luego, en Montevideo, cuando

alquilamos el apartamento de la calle Cerro Largo, el viejo se desarmó, creo que

debe haber pensado que su vida se había quedado sin motivo y sin sostén.

Yo a veces me le acercaba y trataba de hablarle. Quise llevarlo al fútbol, al cine,

a pasear simplemente. Sólo me aceptaba la última de esas invitaciones, una vez

cada diez, y nos íbamos al Prado, en un ruidoso tranvía de La Comercial. En el

trayecto iba tan callado, que algún optimista le hubiera creído nada más que

absorbido por el espectáculo de la gente, del tránsito de las calles con tupida

arboleda. Pero en realidad él no miraba nada. Se dejaba llevar, simplemente. Y sólo

por afecto hacia mí, a fin de que yo creyese que él se estaba distrayendo, a fin de

que yo me sintiera verdaderamente influyente, seguro de mí mismo,

vocacionalmente poderoso.

Alguna tarde, después de caminar un rato entre los árboles, se sentaba en un

banco y me dirigía alguna pregunta que quería ser personal y, como nunca llegaba a

serlo, me dolía. ―Y bueno, ahora que tenés veinte años, ahora que ya votás y sos un

hombre, ¿qué es lo que te preocupa?‖ Mi respuesta no importaba. Tampoco él

estaba demasiado atento. Formulando la pregunta, había cumplido, y no era cosa de

golpear dos veces en la misma conciencia.

Cuando apareció Arredondo, con el proyecto de colocar ventajosamente los

pocos miles de pesos obtenidos con la venta de la mercería, más otros pocos que el

viejo tenía en títulos, más un seguro a mi nombre que vencía en esos meses,

cuando apareció Arredondo con todas sus falsas cartas en la mano, todo estaba

maduro para recibirlo. El viejo se dejó convencer con una expresión de incredulidad

que en cualquier otro hubiera sido de fastidio. Esa noche, después de la cena,

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47

mientras mamá estaba en la cocina, le pregunté: ―¿No le ves cara de cretino, de

vividor?‖ ―Posiblemente‖, dijo, y se acabó. No hubo otro comentario. Simplemente,

cuatro días más tarde, hubo la aceptación del plan Arredondo, quien recibió la

noticia con una sonrisa de oreja a oreja y unos ojos que inadvertidamente

subastaban su alma. En realidad, no podía creer en tanta dicha.

Todo falló, naturalmente: desde las acciones de Fiecosa hasta los préstamos en

cadena. Mamá gritó tenazmente durante cuatro horas, después tuvo un colapso. No

bien se recuperó, empezó a reprocharle al viejo de la mañana a la noche la

desgraciada inversión. Quizá el viejo no había contado con esa cantinela. Quizá

había confiado en derrotar por una sola vez a su intuición. Lo cierto fue que el

derrumbe lo consumió, lo deshizo, literalmente acabó con él. Cuando mamá se dio

cuenta de que la hora del reproche había pasado, el médico ya había pronunciado la

palabra trombosis.

Ahora el viejo estaba allí, junto a Arredondo y junto a mí. Yo tenía una tristeza

que excedía el ánimo, una tristeza que también era corporal. Me miraba las manos y

éstas también estaban sucias de tristeza. Hasta ese momento yo había oído decir

―triste‖ y el corazón se me había llenado de una oleada romántica, de una agradable

melancolía. Pero esto era otra cosa. Me sentía triste y pesado, triste y vacío. La

tristeza, ahora que la tocaba, era algo más bien asfixiante, pegajoso, una cosa fría

que uno no podía sacarse de la cara, de los pulmones, del estómago. Quizá yo

habría deseado para él una vida mejor. Mejor no es tampoco la palabra. Que su vida

hubiera tenido una pasión vitalizadora, un odio estimulante, qué sé yo, algo que le

hubiera puesto en los ojos ese mínimo de energía que parece indispensable para

sentirse poseedor de una rebanada de verdad.

Nos habíamos tenido afecto, era cierto. ¿Y eso qué? Probablemente no

habíamos sabido nada el uno del otro. Una incapacidad de comunicación nos había

mantenido a prudente distancia, postergando siempre el intercambio franco,

generoso, para el cual, por otras razones, estábamos bien dotados. Ahora él estaba

allí, rígido, ni siquiera en paz, ni siquiera definitivamente muerto, y toda

consideración era ya inútil, por lo menos tan inútil como puede parecer un brillante

alegato cuando ya ha vencido sin remedio la última de las prórrogas.

Abrí los ojos y Arredondo no estaba. Respiré con alivio. Sin embargo, había una

mano apoyada en mi hombro. Una mano liviana, o, por lo menos, que se afanaba en

no pesar. Yo no estaba en disposición de adivinar, de hacer pronósticos, de modo

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48

que pensé en un nombre, un solo nombre. Después de todo, era bastante insólito

que pensase en María Julia, pero acaso se debiese al cansancio. No la veía desde

antes de que bajáramos a la capital. Sin embargo, era ella. Primero tomé su mano,

después la senté a mi lado, en el sofá. No lloraba. ―Una fina atención de su parte‖,

pensé, y me sentí profundamente ridículo. En la tristeza se fue abriendo paso una

cuña de afecto, de infancia compartida. María Julia, entonces. Parecía más

tranquila. Y más alta, claro. Y quizá menos segura de sí. Y con menos pecas. Y sin

el saco azul.

Durante un buen rato, estuvo callada. Su mirada no era la corriente moneda de

pésame. Evidentemente, me investigaba a fondo, pero hubo además algún

parpadeo de cariño, de cosa recuperada, de precisa memoria.

Fue a partir de ese momento que me sentí mejor.

4

En la casa de la calle Dante, yo me sentaba siempre en la misma silla, frente al

mismo cuadro alegórico (una mujer desnuda, con un pálido rostro puro ojos, que

surgía intacta de una terrible hoguera, en la que había innumerables llamas con

cabezas de monstruos) y hacía repiquetear los dedos en la misma veta de la mesa

de roble. Yo llegaba a las nueve de la noche y por lo común me recibía la tía, vestida

siempre de impecable negro, con un encaje pectoral que dejaba entrever una zona

ineluctablemente fláccida surcada de venitas casi violáceas y con dos verrugas

simétricas que contribuían a dejar malparado el sentido estético de Dios o por lo

menos el de sus vicarios en el acto de crear cuerpos al azar.

―Nena, llegó tu novio‖, decía la tía, volviendo la cabeza hacia el fondo y

pronunciando la ve corta como sólo consiguen hacerlo ciertas maestras de primer

grado. Desde su cuarto, María Julia gritaba: ―Ya voy, Rodolfo‖, y entonces

comenzaban a correr los inevitables quince minutos de monólogo exterior, durante

los cuales la señora me abrumaba a preguntas acerca de mi trabajo, de política, de

bueyes perdidos.

En realidad, ella no tenía necesidad de mis respuestas. Con una sola carraspera

sabía dar un tema por clausurado, y así, casi sin que el respiro tuviese una

repercusión en el inocuo encaje, encontrar algo de pecaminoso en todo cuanto caía

en la órbita de su observación, de su conocimiento, de su fantasía, la cual no era,

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por cierto, abundante, ni siquiera concentrada, pero incluía en cambio una activa

disposición para desglosar el chisme y revitalizarlo.

María Julia comparecía, al fin: ―¿Verdad que hoy está hecha un primor?‖,

preguntaba la tía y yo quedaba automáticamente sumido en un silencio en el que se

diluían todos mis cumplidos. El primor era una muchacha de veintiocho años, que

empezaba a perder su expresión infantil sin haber adquirido aún otra sucedáneo, de

mayor plenitud, con el pelo corto y suelto, los brazos desnudos y un vestido con un

prendedor de colores vivos y un cinturón ancho, liso, de un solo tono generalmente

verde oscuro o marrón), con hebilla dorada.

Me daba la mano, retirándola en seguida. Después se sentaba en la silla número

dos, la que tenía manchado el tapizado. Entonces la tía me decía: ―Con tu permiso,

Rodolfo.‖ Arrancaba con un impulso que parecía imposible de ser frenado por lo

menos hasta la cocina, pero en realidad se detenía en la habitación contigua, desde

donde iniciaba su vigilancia, dispuesta a aparecer en el espacio que mediaba entre

el segundo beso y el tercero.

La medida de precaución era más vale innecesaria, ya que la sobrina sabía

defenderse; y se defendía. No precisamente con reproches o con falsos pudores, ni

siquiera con un amanerado desamor. Su defensa era más sutil que todo eso, algo

que quizá podía calificarse como una denodada resistencia a la emoción, o como el

designio de contemplar desde fuera todo transporte sentimental en el que ella misma

estuviese implicada. Por ejemplo: para besar nunca cerraba los ojos. Por otra parte,

si estábamos de pie y abrazados, yo tenía conciencia de que ella, por encima de mi

hombro, se miraba en el espejo de la pared. Su divisa podría haber sido: ―No

entregarse‖, siempre que esa no entrega se hubiera referido a algo más que al

sosegado cuerpo.

Aparte de eso, no oponía resistencia. Me abandonaba sus manos (―de pianista‖

decía la tía), se prestaba mansamente a mis caricias, incluso revelaba cierto placer

cuando yo le pasaba una mano por el pelo, ahora bastante más oscuro que la paja

de escoba. Pero lo peor de todo era que esa actitud estaba impidiendo algo más

importante: que yo mismo me sintiera inscripto en aquel marco de escenas que

debían ser de amor.

Hablábamos, también. Ella se refería con frecuencia a un tema que era de su

predilección: la muerte de mi viejo. Claro que no se detenía en la muerte y retrocedía

más aún, hasta llegar a Arredondo y su ingenua, previsible, trampa. Parecía

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entender que la palabra estafa nos hacía socios, colegas, camaradas qué sé yo. Su

padre había sido estafador; el mío había sido estafado. Con su entusiasmo en tratar

este asunto, María Julia parecía querer inculcarme la convicción de que ella y yo (ya

que la deshonestidad había rozado tanto a su padre como al mío) éramos algo así

como hijos de la estafa. ―Cuando a tu papá le hicieron el calotito‖, decía refiriéndose

al plan Arredondo y empleaba el mismo diminutivo que había usado, diecisiete años

atrás, en el altillo, al narrarme los motivos de aquel suicidio.

Martes y jueves eran noches de visita, pero los sábados íbamos al cine. Los tres.

No sé por qué la tía no se sentaba nunca junto a María Luisa, sino junto a mí. Quizá,

a los efectos de cumplir su guardia, desde allí la visibilidad era mejor. De todos

modos, su proximidad no era lo que se dice un placer. Había un suspiro entrecortado

que siempre terminaba en tos asmática, y, más aún, en aquellos casos en que el film

apelaba a las mejores reservas sentimentales del espectador, la tía lloraba con un

hipo casi eléctrico que provocaba un desagradable temblor en varios respaldos a la

redonda. Afortunadamente María Julia no participaba de esa permeabilidad a la

emoción. En la pantalla podía aparecer la más estremecedora de las escenas,

desde una simple abuelita rodeada de nietos inefables, hasta el fantasma de la

tuberculosis provocando toses premonitorias en una noche de bodas; las buenas

mujeres de la platea podían sonar sus narices cuando el apuesto teniente no volvía

de la guerra a los amantes brazos de su novia encinta. Todo podía ser

extremadamente conmovedor; sin embargo, al encenderse las luces, era más que

seguro que María Julia tendría sus ojos brillantes pero secos, y, además, que

formularía su comentario de rigor: ―Qué cosa. Nunca puedo olvidarme de que no

están viviendo, sino representando.‖

En mis relaciones con María Julia, con la tía, con la casa entera, había barreras

que yo nunca podría atravesar, de eso estaba seguro. Jamás llegaría a saber qué se

pretendía exactamente de mí. La tía siempre me hacía propaganda de María Julia

(su peinado, sus labores, sus postres) en el mejor estilo de las suegras del

Centenario, pero nunca manifestaba urgencia ni preocupación respecto al

casamiento. La sobrina, por su parte, no hacía preparativos. Cuando las de Corrales

o las de Uslenghi, que a veces abandonaban la casa de la calle Dante en el preciso

momento de mi arribo, le hacían alguna broma sobre ―el ajuar‖, ella sólo decía: ―Ya

habrá tiempo de pensar, ya habrá tiempo. ―Yo a veces tenía la impresión de que las

dos mujeres me consideraban como algo demasiado seguro, y eso sólo en parte me

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fastidiaba, ya que en el fondo más infalible de mí mismo tenía que reconocer que era

cierto que yo era un candidato demasiado seguro.

Tenía mis dudas, claro. Siempre las tuve. Sobre todo dudas acerca de mis

propios sentimientos. ¿Quería yo a María Julia? Más claramente, ¿la quería como

para hacerla mi mujer? Quizá mi teoría y mi versión del amor fueran rudimentarias,

pero de todas maneras uno tiene sus sueños y en los sueños uno amas es

rudimentario. Bueno, ella no se correspondía con esos sueños. Yo la necesitaba, sin

embargo, y esa necesidad se hacía patente de muy diversos modos: por ejemplo,

cuando pasaba varios días sin verla me entraba una desazón, una extraña inquietud

que iba desacomodando los sucesivos niveles y compartimientos de mi vida diaria.

Aquí y allá me ocurrían cosas de las que yo sabía por adelantado que en María Julia

no hallarían otro eco, otra repercusión, que un simple comentario, tan bien educado

como insincero. Pese a todo, tenía que hablar con ella, tenía que saber que ella

estaba juzgando mis acciones y mis reacciones, que era mi testigo, al fin. Llegaba el

martes, llegaba el jueves, y cuando sentados frente a frente en el comedor, yo

comenzaba a hablar de mis modestas peripecias, la sensación de necesidad se me

diluía sólo con ver sus ojos.

Estaba, asimismo, el deseo. Mi deseo. Ella no tenía esas preocupaciones. Para

mis manos era mujer, la mujer tal vez. Es bastante probable que la primera mujer

que tocamos pueda llegar a convertirse en la unidad de deseo para el resto de

nuestros días, y sobre todo, de nuestras noches. Yo deseaba a María Julia, pero

¿cuándo?, pero ¿cómo? No habría podido darme cuenta de que ella besaba con los

ojos abiertos, si yo, a mi vez, no hubiera abierto los míos.

En cierta oportunidad mi madre me dijo algo que me molestó: ―No te olvides de

avisarme el día en que María Julia te haga feliz. ― Pero, naturalmente, mi madre

nunca la había podido tragar.

5

El día en que cumplí treinta y siete años, me encontré con el Tito Lagomarsino

en Mercedes y Río Branco. Estaba feliz porque Marta, la hija de Nélida Roldán,

había salvado un examen monstruo. Lo cierto fue que caminamos hasta Dieciocho y

Ejido, y allí estaban Nélida y la muchacha. Hacía como cinco años que yo no veía a

Marta. La felicité por su éxito y ella contó entonces cómo se le había caído el lápiz

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de labios en pleno examen y cómo ella y el presidente de la mesa se habían

agachado al mismo tiempo para recogerlo, y cómo se habían mirado por debajo de

la mesa: ―Yo creo que el pobre tipo me salvó nada más que para que yo no les

contara a los profesores lo ridículo que quedaba allá abajo, con la peluca ladeada

sobre la oreja.‖

De pronto me sentí reír, y casi me asusté. Parecía la risa de otro, la risa de algún

ser afortunado, poseedor de una vida plena, altamente satisfactoria, casi diría

triunfante. No es conveniente reírse con una risa ajena, así que de inmediato me

quedé serio y desconcertado. Marta, en cambio, parecía muy segura de sí misma y

de su anécdota, y a la tercera mirada me di cuenta de que era simpática, linda,

dulce, alegre, inteligente, etc. Cuando Tito mencionó no sé qué entrevista para la

que estaban citados a las tres y cuarto, y yo tuve que separarme y le di la mano a

Marta, me prometí solemnemente volver a verla, sin testigos de estorbo.

Sólo dos meses después pude cumplir mi promesa. Encontré a Marta en un

café, frente a la Universidad. Estuvimos hablando exactamente una hora y media.

De nuevo reí con la risa del otro, pero esa vez me preocupó menos. En la hora y

media supe yo de ella, y ella de mí, mucho más de lo que hubiera podido caber en

todas las conferencias intercambiadas con María Julia en nuestros años de noviazgo

y costumbre. Todo fue tan fluido, tan espontáneo, tan natural, que a ninguno de los

dos nos pareció nada raro que de pronto mi mano estuviera en su mano, que nos

miráramos a los ojos como dos adolescentes o dos tontos. Menos extraño pudo

parecer que una semana después nos acostáramos juntos y que por primera vez se

cumpliera el deseo de mi padre y me sintiera vocacionalmente poderoso.

Hay que reconocer que Marta era, sobre todo, un cuerpo, pero como tal no tenía

desperdicio. Ahora bien, en Marta el espíritu no molestaba para nada, puesto que se

adaptaba espléndidamente al impecable envase. Tenerla abrazada, estrecha o

laxamente, pasar mis manos por cualquier zona de su piel, era siempre una

experiencia tonificante, una transfusión de optimismo y de fe. En las primeras veces

asistí, con una especie de ingenuo asombro, a la comprobación de cuán insuficiente

podía ser mi primitiva unidad de deseo; pero pronto aprendí a multiplicarla.

Era casi maravilloso que mis manos, mis vulgares e inhábiles manos de siempre,

de buenas a primeras pudieran volverse tan eficaces, tan activas, tan creadoras.

Había por fin una carne que respondía, una piel con la que era posible dialogar.

Marta no me preguntaba nunca por mi novia. Perdón. Ahora me acuerdo que me

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interrogó: ―¿Alguna vez te acostaste con ella?‖ Respondí que no, en voz tan alta que

yo mismo quedé sorprendido. Mi negativa sonó como un rechazo, casi como un

exorcismo. Marta primero sonrió divertida, luego me miró con piadoso estupor.

En definitiva falté algún jueves a la calle Dante. De parte de María Julia no hubo

admoniciones ni reproches. Sólo la tía me consagró una larga advertencia sobre el

tedio que conduce al pecado. En lo sustancial, estuve totalmente de acuerdo.

6

La tía me alcanzó el pocillo. Como siempre, poca azúcar. Revolví lentamente el

café con la cucharita imitación plata peruana. Como siempre, me quemé los dedos.

Hacía dos años que habían quitado el cuadro con la hoguera simbólica y la

mujer puro ojos. En su lugar habían colgado uno de esos almanaques suizos que

tienen un Enero 1952 con asombrosas montañas pulcramente nevadas y primorosas

casitas a las que sólo falta darles cuerda para que entonen su Stille Nacht, Las sillas

habían sido retapizadas con una tela a franjas, verdes y grises, que no coincidía con

la variante criolla de estilo inglés en que había sido concebido el comedor.

Tampoco la tía permanecía invariable. No más encaje pectoral. Una bufandita de

dacrón y lana rodeaba el pescuezo de gallina. La mirada era pálida y llorosa.

Cuando la mano derecha llevaba a los labios el pocillo, la izquierda temblaba y hacía

tintinear sonoramente la cucharita sobre el plato. Hacía ya algunos meses que me

trataba de usted y había suspendido sus elogios acerca de las habilidades

domésticas de la sobrina.

No había perdido la costumbre de preguntar, pero ahora la estructura del

interrogatorio era el caos en estado de pureza. Una serie de preguntas podía incluir,

pongamos por caso, averiguaciones sobre la próxima huelga del transporte, sobre la

fecha de mi licencia anual, sobre una receta de ravioles de choclo que mi madre

guardaba como un tesoro.

El otro jueves me había mirado en los ojos con una chispa de amargura. Luego,

con la resignada displicencia de alguien que ha guardado mucho tiempo una

moneda y de pronto se da cuenta de que la misma ha perdido todo su valor, me

había soltado la revelación: Nos equivocamos con usted, Rodolfo. María Julia creyó

que podía dominarlo para siempre. Pero es usted quien ha ganado. Ayudado por el

tiempo, claro‖.

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La confesión no me había sonado del todo extraña. Era como si, sin decírmelo a

mí mismo, yo hubiese tenido conciencia de que ése había sido mi mejor recurso. ¡Y

era la tía quien lo había visto! Y no sólo visto, sino pronunciado. Por mero

formulismo, le pregunté qué había querido decir, pero ya ella se había reintegrado a

su anarquía mental, y solamente se consideró obligada a agregar: ―Es horrible cómo

han subido los precios del lavadero. No se puede vivir‖.

Ahora no decía nada. Simplemente hacía ruido con la boca cuando sorbía el

café y aun cuando no lo sorbía. Para mí, no había dudas. María Julia, hija de un

estafador, me había a su vez estafado a mí, hijo de un estafado. Su estafa se había

nutrido de recuerdos infantiles, de comprensión cuando la muerte del viejo, de

paciencia sin reclamos durante tantos años de noviazgo, de afectuosa pasividad

frente a mi muestrario de caricias. Su estafa consistía en haber rodeado nuestras

relaciones de suficientes sucedáneos del amor y del deseo como para hacerme

creer que ella y yo habíamos sido realmente novios a través de cuatro lustros,

deformados ahora en la memoria por la malsana corrección y el largo aburrimiento.

La estafa había sido, analizándola mejor, una venganza contra aquel pueblo de

ochenta manzanas que la había señalado, que la había despreciado y, lo peor de

todo, que la había tolerado. Sin buscarlo, yo había asumido la representación de ese

pueblo, me había convertido en una especie de símbolo. Ahora, sólo ahora podía

reconstruirse todo el cálculo, todo el planteo, desde la estudiada declaración del

altillo (―¿Y sabés porqué? Porque somos novios‖) hasta el exagerado interés por la

cretinada de Arredondo, desde la amistosa mano sobre mi hombro en la última

jornada junto al viejo, hasta nuestros veinte años de pobres besos en el comedor.

Era evidente que los soportes de su cálculo habían sido mi timidez y su paciencia. Si

bien María Julia no había hecho jamás ningún reclamo, si bien no me había

recriminado nunca la prolongación de nuestras relaciones, había estado siempre

fanáticamente segura de que yo no tomaría la iniciativa ni para casarme ni para

romper.

Ésta, sobre todo, había sido su carta de triunfo: mi cortedad le permitía vengarse

en mí de la injusticia de todos, pero, además, le permitía reducirme a cero, aniquilar

mi vida para siempre. Claro que María Julia no había contado con Marta. Tal vez su

único error de cálculo. Oh, fueron pocos meses. Marta está ahora en Paysandú,

casada con Teófilo Carreras, arquitecto y contratista. Pero esos pocos meses le

alcanzaron a ella (Dios la bendiga) para realizar su obra, su admirable obra de salvar

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a un condenado, de hacer rendir los sentidos (mis sentidos) muy por encima de su

valor de tasación. Porque, evidentemente, en eso a María Julia se le había ido la

mano: me había tasado demasiado bajo.

Aparentemente, todo había seguido igual, pero su reseca, perpleja virginidad

había sabido registrar que mis manos no eran ya las mismas, y, también, que su

pasividad había empezado a provocar en mí un amago de asco. Toda una novedad.

Por otra parte, ya era tarde para cualquier transformación (hasta besaba con los ojos

cerrados) pero no lo era para que ella intuyese que alguna decisión se aproximaba.

Para mí, en cambio, todavía no era tarde. En absoluto.

Le devolví el pocillo a la señora, y ella dijo: ―Está refrescando. Siempre refresca

a esta hora‖. Después se levantó y me dejó solo. A los cinco minutos apareció María

Julia, María Julia de cuarenta años, mi novia. Se sentó junto a mí, me mostró y

demostró su profundo cansancio, parpadeó cuatro veces seguidas. Su mano estaba

posada sobre el ángulo de la mesa de roble; tenía una especie de urticaria, esos

lamparones de insuficiencia hepática que le vienen cuando come frituras.

Hablaba de sus amigas, las de Uslenghi: ―Gladys quiere que la acompañe a

Buenos Aires. ¿A vos qué te parece?‖ Sentí que la odiaba con un poder casi

inagotable. Sentí que no la necesitaba, que nunca más la necesitaría. Sentí que

Marta me había limpiado de una monstruosa pesadilla, de una asquerosa presión

sobre mi inerme, desarticulada conciencia.

―¿A vos qué te parece?‖, repitió con voz de condenada. Y era cierto, estaba

condenada. La libertad tenía sus ventajas, pero ahora (ahora que ella estaba segura

de mi alejamiento, desconcertada por mi rechazo) mucho mejor que la libertad era el

desquite. De modo que decidí decírselo con toda naturalidad, como si hablara del

tiempo o del trabajo. ―No, mejor no vayas. Así te vas aprontando. Quiero que nos

casemos a mediados de julio‖.

Tragué saliva y, simultáneamente, me sentí feliz, me sentí miserable. El calotito

estaba realizado.

(1958)