Contrabaixistas no mundo - Revista Backstage · Bob James, Randy Brecker, Steve Gadd, Dave Liebman,...

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28 www.backstage.com.br INSTRUMENTOS Jorge Pescara é artista-solo exclusivo da Jazz Station Records e contrabaixista com Ithamara Koorax. É autor do livro Dicionário Brasileiro de Contrabaixo Elétrico P Contrabaixistas no mundo A partir desta edição, faremos uma breve, porém concisa pesquisa sobre os contrabaixistas mundialmente famosos, mas que não são norte- americanos... isso porque os mais badalados pela mídia around the world são justamente nossos amigos das terras do Tio Sam. Nada contra, mas muitas vezes temos excelentes instrumentistas em outras paragens e que pouco ou quase nada são comentados. Africanos - Parte I - ara se ter uma idéia do que estou falando, observem que quando Jaco Pastorius apareceu para o mundo em 1976 com seu álbum-solo (homônimo), juntando fretless, harmô- nicos, fraseados de bebop, etc, diversos outros baixistas já brilhavam pelos palcos. Estou criticando Jaco? Uma heresia? Não, meu caro leitor. Pastorius foi um “monstro’ de técnica + feeling + musi- calidade = gênio, porém, Percy Jones, baixista britânico do grupo fusion Brand X (apenas para citar um exemplo) já era um tremendo virtuose no baixo fretless, usando muitos harmônicos e com domí- nio total da técnica em discos de 1974!!! Ou seja, dois anos antes de Pastorius! E por que ninguém conta isto com ênfase? Por causa da mídia, jovem rapaz... É por isso que estou aqui propondo uma justa homenagem aos mais badalados baixistas de outras terras. Mas lembre-se, apenas citarei os de “projeção internacional”, sem me ater aos de projeção apenas naci- onal ou local, pois faltariam páginas e tempo para pesquisar tudo isso. Em “pro- jeção internacional” quero dizer sobre aqueles que gravaram e excursionaram com artistas mundialmente famosos, além de possuírem discos solo consagra- dos e lançados no mercado internacional (Europa, Ásia e América), sendo conhe- cidos pelo nome, sonoridade e técnica. Desculpem-me se vier a falha omitir al- gum nome. Vamos à África... Continente com 30 milhões de quilô- metros quadrados divididos em quase 40 países banhados por quatro mares distin- tos. Com esta configuração, a velha his- tória da África negra nunca foi verda- deiramente escrita, mas ao invés, tem sido passada de geração em geração via oral. No oeste da África, por exemplo, os griots, membros de uma casta de músi- cos, relatam o avanço da história de seu povo por meio da música. É impossível, entretanto, saber exatamente como a África formou-se historicamente. Ar- queologia e genealogia (incluindo pes- quisas de DNA) dão-nos algumas pistas, como fez a história dos povos e nações que travaram contato com a África no passado. Está claro que muitas culturas trocaram de lugar dentro da própria Áfri- ca, entre povos africanos e não-africanos, e ainda que a música africana foi infec- A sonoridade básica jazz bass e precision predomina na maioria dos contrabaixos gravados na música pop e folclórica africana. Poucos efeitos são empregados pelas mesmas razões, porém a riqueza rítmica/ melódica das linhas e grooves africanos impressiona

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Jorge Pescara é artista-solo exclusivo da Jazz

Station Records e contrabaixista com Ithamara

Koorax. É autor do livro Dicionário Brasileiro de

Contrabaixo Elétrico

P

Contrabaixistasno mundo

A partir desta edição,faremos uma breve,porém concisapesquisa sobre oscontrabaixistasmundialmentefamosos, mas que nãosão norte-americanos... issoporque os maisbadalados pela mídiaaround the world sãojustamente nossosamigos das terras doTio Sam. Nada contra,mas muitas vezestemos excelentesinstrumentistas emoutras paragens e quepouco ou quase nadasão comentados.

Africanos- Parte I -

ara se ter uma idéia do que estoufalando, observem que quandoJaco Pastorius apareceu para o

mundo em 1976 com seu álbum-solo(homônimo), juntando fretless, harmô-nicos, fraseados de bebop, etc, diversosoutros baixistas já brilhavam pelos palcos.Estou criticando Jaco? Uma heresia?Não, meu caro leitor. Pastorius foi um“monstro’ de técnica + feeling + musi-calidade = gênio, porém, Percy Jones,baixista britânico do grupo fusion BrandX (apenas para citar um exemplo) já eraum tremendo virtuose no baixo fretless,

usando muitos harmônicos e com domí-nio total da técnica em discos de 1974!!!Ou seja, dois anos antes de Pastorius! Epor que ninguém conta isto com ênfase?Por causa da mídia, jovem rapaz... É porisso que estou aqui propondo uma justahomenagem aos mais badalados baixistasde outras terras. Mas lembre-se, apenascitarei os de “projeção internacional”,sem me ater aos de projeção apenas naci-onal ou local, pois faltariam páginas etempo para pesquisar tudo isso. Em “pro-jeção internacional” quero dizer sobreaqueles que gravaram e excursionaram

com artistas mundialmente famosos,além de possuírem discos solo consagra-dos e lançados no mercado internacional(Europa, Ásia e América), sendo conhe-cidos pelo nome, sonoridade e técnica.Desculpem-me se vier a falha omitir al-gum nome. Vamos à África...

Continente com 30 milhões de quilô-metros quadrados divididos em quase 40países banhados por quatro mares distin-tos. Com esta configuração, a velha his-tória da África negra nunca foi verda-deiramente escrita, mas ao invés, temsido passada de geração em geração via

oral. No oeste da África, por exemplo, osgriots, membros de uma casta de músi-cos, relatam o avanço da história de seupovo por meio da música. É impossível,entretanto, saber exatamente como aÁfrica formou-se historicamente. Ar-queologia e genealogia (incluindo pes-quisas de DNA) dão-nos algumas pistas,como fez a história dos povos e naçõesque travaram contato com a África nopassado. Está claro que muitas culturastrocaram de lugar dentro da própria Áfri-ca, entre povos africanos e não-africanos,e ainda que a música africana foi infec-

A sonoridade básica jazz bass e precision predomina namaioria dos contrabaixos gravados na música pop efolclórica africana. Poucos efeitos são empregados

pelas mesmas razões, porém a riqueza rítmica/melódica das linhas e grooves africanos impressiona

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tada e enriquecida por estss trocas, tantoquanto os povos que os contataram. Ou-tros fatores influenciaram a música afri-cana com o passar do tempo. Para ci-tar alguns: pressões por causa deguerras, invasões, migrações, novasreligiões, além de mudanças e pro-blemas climáticos, populacionais,ecológicos e econômicos. De umaperspectiva geográfica e cultural, o de-serto do Saara tem sido uma importantelinha divisória na África. Este vasto e ári-do deserto, a partir do Sudão, no extremonorte oriental do continente, até aMauritânia no norte ocidental, tem es-sencialmente dividido o continente tan-to quanto as pessoas ao redor, entre aÁfrica negra no sul e o agora norte árabe.O ano de 1994 marcou o final da era co-lonial na África. O continente inteiro,incluindo a África do Sul, é agora inde-pendente (excluindo uns poucos encla-

ves es-panhóis emMarrocos e acontínua ocu-pação francesa,portuguesa e es-panhola de diver-sos grupos de ilhas na costa africana).Os países africanos são agora bem estabe-lecidos, embora a herança do colo-nialismo e da exploração, combinadoscom pressões econômicas, ecológicas e

populacionais, cause progressivas fric-ções, migrações cruzando fronteiras, etc,com fortes efeitos culturais.

Os Contrabaixistasmais FamososComo era de se esperar em um conti-

nente pobre em termos financeiros (em-bora rico em folclore), os instrumentosnão são os mais modernos do mundo. Asonoridade básica jazz bass e precision

predomina na maioria dos contrabaixosgravados na música pop e folclórica afri-cana. Poucos efeitos são empregados pe-las mesmas razões, porém a riqueza rítmi-ca/melódica das linhas e grooves africa-nos impressiona. Estilos como High Life,Batuque, Mbqanga, Tsaba-Tsaba, Marabi,Kwela, Juju, Gnawa, Soukous, Rhumba,Zouk, Rai, Jive, Semba e outros são ex-pressivamente orientados pelo contra-baixo. Exemplificaremos, agora, alguns

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dos mais conhecidos artistas das 4 cordasgraves no continente:

CAMARÕESArmand Sabal-Lecco (Paul Simmon,

Brecker Brothers, Wah Wah Watson, Her-bie Hancock, Don Grusin, The BreckerBrothers, Vanessa Willians, Paul Carrack,Peter Gabriel, Carole King, Manu Dibango,Lady Smith Black Mambazzo, John Pati-tucci, Stanley Clarke, David Lee Roth (ex-Van Halen) e o brasileiro João Bosco.

Um dos mais renomados baixistas afri-canos, Sabal-Lecco começou no contra-baixo aos 14 anos formando a bandaOgogoro, em Paris, onde residia com suafamília de diplomatas. Em 1986, chamoua atenção internacional ao participar dosfestivais europeus de jazz com a bandafusion Xamahal, com o irmão Felix nabateria, após juntar-se a Manu DibangoBand gravando diversos álbuns e excur-sionando durante quatro anos pelo mun-do. Em 1989 seu grande passo foi ingres-sar no grupo que acompanhava PaulSimon, onde permanece até a atualida-de. Desde então, Armand grava e excur-siona com gigantes da indústria musical.

Richard Bona (Zawinul Syndicate,Bob James, Randy Brecker, Steve Gadd,Dave Liebman, Salif Keita, além dos bra-sileiros Djavan e Lenine).

Chamado por uns de “O Sting africa-no” por sua finèsse melódica, reconheci-do por outros como “O Jaco africano” porsua habilidade e destreza técnicas nocontrabaixo, o baixista, compositor evocalista Richard Bona combina em

quatro álbuns-solo influên-cias rítmicas africanas (afrobeat e folclóricas) com rit-mos latinos, jazz, bossa no-va, pop e funk. Um verda-deiro artista na acepção dapalavra, Bona faz parte dopequeno clube dos mais re-conhecidos baixistas dehoje. Nascido em 1967 noEast Cameroon, começou aatuar em público aos 5 anoscantando na igreja do bairro onde residia,junto com sua mãe e irmãs. Na adolescência,mudou-se com a família para Paris, onde des-pontou localmente no contrabaixo. Em 1995,transferiu-se para Nova Iorque, onde traba-lhou com diversos artistas internacionalmen-te conhecidos: Paul Cimo, Harry Belafonte,Queen Latifah, Larry Coryell, Mike Stern,Pat Metheny, Joe Zawinul, Herbie Hancock,Chick Corea, Bob James, Cecil Taylor, MikeManierie, Biréli Lagrène, Billy Cobham, JoeSample, Kenny Garrett, Salif Keita, BranfordMarsalis, David Sanborn, Regina Carter,Bobby McFerrin e Randy Brecker.

Etienne M’Bappe/Camarões (JoeZawinul, Ultramarine)

Camaronês de nascimento, residindoem Paris, onde se tornou famoso com ogrupo fusion Ultramarine. Gravou eexcursionou, também com Joe Zawinul.

ÁFRICA DO SULBakithi Kumalo (Paul Simmon,

Chaka Khan, Cyndi Lauper, LaurieAndersson, Gloria Estefan, John Secada,Harry Belafonte, solo)

Nascido em Johannes-burg, o baixista composi-tor e vocalista Bakithi Ku-malo teve uma exposiçãoprematura à vida musical.Abandonado pelo pai, pas-sou a apresentar-se com amãe em igrejas próximasao Soweto. Aos 7 anos jáfazia parte da banda dotio. Aos 10, excursionoupor um ano e meio com o

Zululand praticando o instrumento dia-riamente. Com a reputação e prestígiosadquiridos, Bakithi fez incontáveis ses-sões de gravação nacional neste período.Em 1985, Paul Simon chamou-o para inte-grar a banda que gravaria e excursionariacom o Graceland álbum. Após o disco ganharo Grammy daquele mesmo ano, sua visibili-dade na indústria musical americana dispa-rou da noite para o dia, passando a integrar osgrupos que gravaram e excursionaram comgrandes nomes da música pop.

Joseph Makwela (Paul Simon, ManuDibango, Papa Wemba, Makgona TsholeBand, Mahotella Queens)

O baixista sul-africano iniciou no gru-po Makgona Tshole Band nos anos 60.Convidado por Paul Simmon (um aman-te da sonoridade e dos grooves docontrabaixo africano) para gravar algu-mas faixas do disco Graceland, tornou-sefamoso, vindo a participar ativamente dogrupo Mahotela Queens, em 1984.

SENEGALHabib Faye (Peter Gabriel, Papa

Wemba, Yossou Ndour)Despontou em 1975 com artistas

senegaleses. Após mudar-se para Parisnos anos 80, Habib ampliou suas frontei-ras de trabalho gravando e excursionan-do com vários nomes da música africana.Gravou alguns singles com Peter Gabriel.Lançou recentemente um disco em ho-menagem a Jaco pastorius.

Um dos mais renomados baixistas africanos, Sabal-Lecco começou no contrabaixo aos 14 anos formando

a banda Ogogoro, em Paris. Em 1986, chamou aatenção internacional ao participar dos festivaiseuropeus de jazz com a banda fusion Xamahal

Ken Okulolo

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ZIMBÁBUEAllan Mwale (Thomas Mapfumo)Baixista do Zimbábue, cujas raízes fortes

dos ritmos africanos perduraram durantesua carreira em grooves concisos e potentes.

NIGÉRIAKen Okulolo (King Sunny Ade, Kotoja,

West African HighLife Band, NigerianBrothers, Monomono, Victor Olaiya)

O baixista, vocalista e produtor KenOkulolo é um dos poucos artistas africa-nos da atualidade com influências tãoprofundas da cultura, tradição e ritmosnigerianos. Sua primeira exposição aomercado mundial foi durante a tour ame-ricana de King Sunny Ade, em 1985.Eleito cinco vezes consecutivas como omelhor contrabaixista nigeriano, Ken for-mou uma cartela recheada de gravaçõese produções em estúdios, desde então.

Okulolo faz parte de uma família de músi-cos e dançarinos do grupo étnico Urhoboe recebeu sua educação em escolas demissionários anglicanos. Desde cedo foiinfluenciado também pela programaçãodos rádios locais com jazz, afro-cuban,rythm & blues e música tradicional do

Congo. Após uma breve passagem nabanda do tio (Miller Okulolo), Ken passoupara a banda de Dr Victor Olaiva. Nosanos 70, formou, ao lado do vocalista JoniHaastrup, o lendário grupo Monomono.Posteriormente, Ken Okulolo formou ogrupo pop Kotoja, que, com três discoslançados, mistura jazz, funk, highlife,afro-beat e juju dentro de um caldeirãoanimado em seus shows. Recentemente,para satisfazer a demanda por música afri-cana no mercado, deu início a mais doisprojetos: a West African Highlife Band eo acústico The Nigerian Brothers.

Com isso, fechamos a parte africana.Aguarde a próxima edição com novo ca-pítulo desta pequena jornada, ok?

Paz Profunda!

O baixista, vocalista eprodutor Ken Okulolo éum dos poucos artistasafricanos da atualidade

com influências tãoprofundas da cultura,

tradição e ritmosnigerianos