Contraponto Nº 94

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP ANO 14 N 0 94 Setembro 2014

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Setembro 2014

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP

ANO 14 N0 94 Setembro 2014

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CONTRAPONTO2 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

PUCPontifícia Universidade católica

de sÃo PaUloPUc-sP

reitor

vice-reitor

Pró-reitora de Graduação

Pró-reitor comunitário

facUldade de filosofia,comUnicaçÃo, letras e artes

faficla

diretormárcio alves da fonseca

diretora adjuntaregiane miranda nakagawa

chefe do departamento de Jornalismovaldir mengardo

suplentelaís Guaraldo

coordenador do Jornalismomilton Pelegrini

vice-coordenador do Jornalismofrancisco chagas câmelo

c o n t r a Ponto

conselho editorialHamilton octavio de souza, José arbex Jr.,

marcos cripa e Pollyana ferrari

comitê laboratorialluiz carlos ramos, rachel Balsalobre, salomon cytrynowicz, Wladyr nader

editorJosé arbex Jr.

ombudsmanHamilton octavio de souza

secretária de redaçãoandressa vilela e victoria azevedo

secretária de produçãoBia avila

editor de fotografialeonardo m. macedo

PUC

E D I T O R I A L

SUMÁRIO

capa: Beatriz morroneproximidade do mercado ver-o-Peso, Belém (Pa)

caosnacantareira Um avião a cada dois minutos pág. 3

política PUC-SP reflete o múltiplo quadro eleitoral pág. 4

eleições A corrida presidencial pelos olhos da mídia pág. 6

pec215 Lei ameaça direitos indígenas pág. 8

cultura Os dois lados do funk ostentação pág. 9

amazônia Entre árvores, rios e ribeirinhos pág. 10

ensaiofotográfico Relato de viagem pág. 12

showdafé Inauguração do Templo de Salomão provoca controvérsias pág. 14

tuca Símbolo de resistência pág. 16

memória Comissão da Verdade da PUC-SP produz relatório parcial pág. 18

orçamento Sob pressão social, governo concede 10% do PIB.............. pág. 19

grandeguerra 100 anos de um conflito inacabado pág. 20

resenha “Nascendo aos 90 anos” pág. 22

crônica Transcendência pág. 22

antena Violência policial marca reintegração de posse em SP pág. 23

nicolausevcenko Adeus a um grande amigo pág. 24

simetria design Gráfico – projeto/editoraçãoWladimir senise – fone: 2309.6321

contraPonto é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da PUc-sP.

rua monte alegre 984 – PerdizesceP 05.014-901 – são Paulo – sP

fone: 3670.8205

número 94 – setembro de 2014

cill Press Gráfica e editorafone: 993.583.533

Fale com a gente

envie suas sugestões, críticas, comentários: [email protected]

A política da homofobiaMais um caso de homofobia terminou com a morte de um jovem no país. No dia 10 de

setembro João Antônio Donati, de 18 anos, foi encontrado morto em um terreno abandonado na cidade de Inhumas, localizada em Goiás. Diversos protestos em solidariedade à família e em prol da causa LGBT* foram marcados por todo país e a pauta da criminalização da homofobia voltou à tona nas redes sociais. João não é o primeiro e, infelizmente, não será o último jovem a ser assassinado por homofobia. As opressões que a população LGBT* sofre diariamente só serão de fato combatidas se políticas públicas eficazes forem implantadas a nível nacional.

De acordo com o levantamento divulgado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presi-dência da República (SDH-PR) em julho de 2012, foram denunciadas 6809 violações de direitos humanos contra LGBT*s de janeiro a dezembro de 2011. Dentre os casos registrados, 42,5% se tratam de violência psicológica, 22,5% de discriminação e 15,9% de violação física.

Analisando os dados, podemos perceber que a homofobia no Brasil é estrutural, de modo que exclui qualquer tipo de sexualidade diferente da considerada ‘’normal’’, a heterossexual. Gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros são vistos como doentes e dignos de correção e de violência, desde familiar até institucional, como os dados atestam. A falta de políticas públicas de proteção e inclusão da população LGBT*, aliada à falta de políticas para negros, pardos e pobres, só corrobora para o aumento da violência contra quem foge ao padrão heteronormativo.

No âmbito da política, a homofobia também é estampada: em 2012 o governo federal ela-borou um material destinado ao combate da homofobia nas escolas públicas, mais conhecido pela bancada evangélica como ‘’kit gay’’, vetado pela presidente Dilma, que não quis contrariar os setores mais conservadores e nem avançar no que diz respeito ao combate às opressões. Já no ano passado o projeto de lei que permite que psicólogos tratem a homossexualidade, co-nhecido como ‘’cura gay’’, ganhou forças e foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, ironicamente comandada pelo deputado Marco Feliciano (PSC-SP). O PL, que passaria por outras duas Comissões, foi arquivado e esse retrocesso aos direitos LGBT*s foi freado.

Em 2014 o cenário permanece o mesmo, apenas um dos candidatos à presidência apresenta seguramente a pauta LGBT* como básica e essencial. Luciana Genro (PSOL) carrega em seu plano de governo diversos eixos referentes ao combate à homofobia. Todos os outros ou nem chegam a abordar a questão ou não dão a devida ênfase. A candidata Marina Silva (PSB), por exemplo, retirou de seu programa tópicos que apoiavam a legalização do casamento igualitário no Brasil, permitindo a união entre pessoas do mesmo sexo, e que defendiam o projeto de lei em tramitação no Congresso que criminaliza a homofobia, depois de críticas da bancada evangélica.

Enquanto materiais escolares que visam o combate à homofobia forem vetados, projetos de lei que compactuam com as opressões aos LGBT*s ganharem forças e candidatos perpetuarem a lógica homofóbica, continuaremos assistindo gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros sendo discriminados, violentados, mortos e tendo seus direitos cerceados e invalidados. Já estamos em 2014 e a pauta LGBT* ainda grita por atenção e por espaço no campo político e eleitoral.

EXPEDIENTE

ERRAMOS: No Editorial da última edição, contraponto afirmou que os três jovens israelenses supostamente assassinados por militantes do Hamas eram soldados,

quando eram estudantes e não desempenhavam funções militares.

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

Por Gabriel soares e talitha arruda

Caos na CantareiraCONTRAPONTO

Construído em 1985, o ae-roporto de Guarulhos foi

projetado para ser o maior do Brasil e também para desafogar o tráfego aéreo de passageiros e cargas do eixo sudeste do país. Atualmente conta com mais de 31 milhões de passageiro s por ano e transporta cerca de 500 mil toneladas de carga anuais. Com projeto desenvolvido na gestão Gei-sel e instalado ao lado da reserva da Cantareira, o aeroporto fora, desde sua inauguração, um problema para os moradores da região de Guarulhos, município da grande São Paulo.

GRU, sigla pela qual é conhe-cido hoje, foi inaugurado em 20 de janeiro de 1985 e sua construção causou diversos protestos tanto de ambientalistas como de moradores da região. Após a reação da comu-nidade e a busca por entendimentos, obteve-se na época um desvio de 7 km na rota dos aviões, evitando-se, assim, que sobrevoassem a Reserva Florestal. Durante a construção do aeroporto foi apresentado um Estudo de Impacto Ambiental, e estabele-ceram-se normas, mas nenhuma foi cumprida. Com a alteração implantada em maio de 2000 as aeronaves volta-ram a sobrevoar o Parque Estadual da Cantareira, o que desencadeou outra discussão, com desfecho positivo em 2002: um novo desvio foi realizado e a tranquilidade retomada, porém sem a formalização de um documento junto à aeronáutica, o que facilitou a volta da rota indesejada, no fim de 2013.

A serra da Cantareira é uma das últimas áreas de reserva ambiental em São Paulo, considerada local de preservação primordial pela FAO ONU – Food and Agriculture Organization – (Organização de Comida e Agricultura das Nações Unidas) e foi tombada como patrimônio público. Além de sofrer com desmatamento, a serra vem sendo alvo do transtorno com os aviões desde dezembro do ano passado, quando voltou a ser rota de pousos e decolagens do aeroporto de Cumbica.

“Eu vou dormir ouvindo avião, acordo ouvindo avião” é o que disse a jornalista e in-tegrante do movimento SOS Cantareira, Isabel Raposo. Ao Contraponto Isabel mostra sua frustração e indignação com o governo do esta-do, que pratica descaso com a área preservada: “A Cantareira já sofre pelos desmatamentos e pela insistência do governo do estado de São Paulo em construir o trecho norte do rodoanel, que come a floresta pelas bordas e trará terríveis impactos também aos bairros lindeiros, os quais a rodovia corta.”

Outros moradores também sentem o impacto da passagem ininterrupta de aviões na área: “Eu estou muito irritado, nervoso, com

2 minutos. Mas eles não são os únicos prejudicados. Além do aumento da poluição sonora, os animais sofrem com a emissão de poluentes, bem como toda flora da reserva, pois o Monóxido de Carbono é um gás toxico tanto para humanos, quanto para animais e plantas da reserva. “Desde o ruído em uma área silenciosa até a emissão de poluentes. O primeiro afeta a vida sil-vestre, que também se movimenta por sons próprios, por exemplo; o segundo também, assim como afeta a vegeta-ção. A Cantareira já sofre os efeitos da poluição de SP e acaba por absorvê-los. A presença dos aviões representa uma sobrecarga de poluentes, e a mata tem um limite de absorção.” – Completa Isabel, a respeito dos à reserva.

No Rio de Janeiro já ocorreu algo semelhante na reserva da Tijuca, onde o movimento aeroportuário do Santos Dumont incomodou moradores das áreas próximas que conseguiram junto à Infraero a alteração na rota dos aviões que passavam por ali.

Outro Lado – O Chefe do trá-fego aéreo do DECEA, Derick Moreira Baum, disse também ao G1, que o ob-jetivo do projeto é reduzir trajetórias, emissão de CO2, diminuir os tempos de voos e gastos de combustíveis, e que o projeto já foi implantado em São Paulo e Rio de Janeiro - locais que concentram mais de 50% do trafego aéreo do país.

No entanto, Baum afirma já estar estudando uma solução para o problema da Cantareira: “Temos

que identificar onde está o ruído, onde está o problema do impacto e aí nós vamos reestudar essas trajetórias. Sem onerar a empresa aérea, sem onerar o passageiro, mas resolver esse impacto, esse efeito colateral que tenha surgi-do por um grupo de moradores, para questão ambiental” diz.

Mesmo assim, o site de notícias diz que a solução pode levar até seis meses para sair, enquanto isso quem mora na região, vai ter que conviver com os barulhentos aviões.

Um avião a cada dois minUtosAnimais que têm o seu habitat na reserva ambiental sofrem com o

barulho produzido pelas rotas de aviões

falta de apetite, tenho crise de choro de vez em quando e eu estou atribuindo isso aos aviões”, revela Fábio Mascritti, analista de TI, ao site de notícias G1. Já Décio Dantas, ex-piloto afirma que escolheu viver no local por se tratar de uma área tranquila e sem sons de aviões.

A jornalista Isabel também reitera o tra-balho do projeto SOS Cantareira para, senão acabar com o dano, atenua-lo: “Em primeiro lugar buscando um diálogo junto ao DECEA - Departamento de Controle do Espaço Aéreo - para esclarecer a importância de preservar a Cantareira, além disso, estamos envidando es-forços junto às esferas políticas e, se necessário, iremos à jurídica. Também buscamos sensibilizar e mobilizar a sociedade civil para esta causa justa e verdadeira. Proteger a Cantareira não é só uma questão ambiental. É questão de sobrevivência. Deveria ser preocupação de todos.” Também há uma petição pública online que pede a mudança da rota. O senador Eduardo Suplicy entregou tal petição ao ministro da defesa, Celso Amorim, e ao comandante da aeronáutica, Jiriti Salto.

Enquanto isso os moradores convivem com a realidade e o barulho de um avião a cada

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“Proteger a Cantareira não é só uma questão ambiental.

é questão de sobrevivênCia”

(isabel raPoso, Jornalista e ativista do sos Cantareira)

Tráfego de e para o aeroporto de Cumbica ameaça equilíbrio ambiental

Cantareira pede socorro: é preciso atitudes eficientes

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CONTRAPONTO4 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

Por letícia Peixouto, mariana Presqueliare e rafael Paiva

PUc-sP reflete o múltiPlo qUadro eleitoral

A política é sempre um tema carregado de negatividade e que causa aversão

em boa parte dos brasileiros, que a enxergam como uma mera formalidade, ainda que neces-sária. Seguidos escândalos envolvendo inúmeros deputados, senadores e governantes a nível municipal, estadual e federal desencorajam a crença em um maquinário repleto de falhas. Isso faz com que apenas a cada dois anos discussões mais acaloradas venham à tona, embora super-ficialmente e a contragosto de grande parte da população.

As eleições presidenciais estão se aproxi-mando e há muito não se via uma disputa tão acirrada e equilibrada entre três candidatos: a atual presidente Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores - PT), Aécio Neves (Partido da So-cial Democracia Brasileira - PSDB) e Marina Silva (Partido Socialista Brasileiro - PSB).

Essa tríade foge da tradicional dualidade que costuma se repetir a cada quatro anos, entre os candidatos do PT e do PSDB, criando uma enorme indecisão em muitos eleitores, principalmente dentre os que votam a partir do critério de uso útil do voto, o que significa descartar concorrentes com chances remotas de vitória. As opiniões se dividem e provocam alterações constantes nas pesquisas divulgadas pela grande mídia.

Ringue aberto – O período eleitoral brasileiro é marcado pelas trocas de farpas es-candalosas, por coligações questionáveis e pelo tradicional jogo de cena. No pleito presidencial, a situação caminha na mesma direção. Com o iní-cio do horário político e dos debates nas maiores emissoras do país, as acusações trocadas entre os candidatos andam a todo o vapor. A amplitude das ofensas cresce à medida que novas pesquisas são divulgadas e o limite da sua extensão ainda não é visível.

É comum escutar nos discursos dos pre-sidenciáveis frases como “fulano busca atender às vontades da elite”, “cicrana é a marca do retrocesso na política nacional”, “a população está infeliz com o mandato da atual presidente”, dentre outras expressões típicas desse embate. Assim como não soa estranho o excesso de com-parações feitas com candidatos que, por motivos específicos, não agradaram grande parte da sociedade brasileira em momentos passados.

A busca por minutos a mais de exposição em frente às câmeras e por um apoio contínuo nas decisões em âmbito federal faz com que haja coligações frágeis e efêmeras, as quais deixam os cidadãos do país desiludidos e perplexos com os rumos da política. Um caso que evidencia esse fato, é que ao mesmo tempo em que se utiliza de todos os métodos para desmoralizar o PT e o PSDB na campanha à Presidência da República, o PSB os apoia, respectivamente, nas disputas estaduais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Do mesmo modo, o PT e o PMDB, dois partidos gigantes que estão

Contraponto ouviu a opinião dos puquianos

Em entrevista ao Contraponto, o profes-sor do Departamento de Política da PUC-SP, Rafa-el Araújo, disse que ainda existe uma incompre-ensão da população e um grau de afastamento da realidade em relação à escolha dos candidatos, “Você deve entender os políticos. Toda oposição tem a expectativa de um representante ideal que não existe. O político ideal não vai conseguir go-vernar”. Segundo ele, é preciso entender quais tipos de mudanças são possíveis de serem feitas. “Quando eu escolho votar no governo, é porque eu acompanho seu desenvolvimento e entendo que as mudanças feitas não foram poucas, e não é o que se esperava, mas sei que é impossível fazer muito mais do que isso”.

Ao ser questionado sobre os candidatos à presidência, Rafael diz que a governabilidade se dá através de uma estrutura partidária. De-terminados perfis eleitorais, como o de Marina, comprometem a atuação da engrenagem racio-nal que faz o Estado funcionar. A desvantagem da representante do PSB em relação aos outros candidatos é a de não ter uma estrutura. Além disso, ele afirma que “quando se tem um dis-curso fundamentalista como o dela, a pessoa não estará aberta a se render a essa estrutura. A associação de Marina com um pensamento religioso é muito perigosa”.

As faces da PUC – A PUC-SP é reconheci-

da pela participação política ativa de seus alunos e por sua contínua luta pela democracia. Seja

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PolíticaCONTRAPONTO

unidos para a manutenção de Dilma e Michel Temer (vice-presidente) nos cargos atuais, brigam de modo severo nas outras disputas.

Novo cenário – A queda do avião respon-sável pela morte do ex-candidato à Presidência da República Eduardo Campos, que concorria pelo PSB, provocou uma mudança drástica no cenário eleitoral de 2014. Após o ocorrido, a então vice de Campos, Marina Silva, assumiu a posição na corrida política junto com Dilma e Aécio.

A comoção em torno da tragédia envolven-do Campos veio seguida de inúmeros questiona-mentos em relação à possível alteração da escolha dos eleitores. Faltando menos de 30 dias para os brasileiros irem às urnas, o número de pessoas que ainda mantém distância dos debates políticos e se consideram indecisas permanece grande.

Marina Silva conseguiu quebrar a divisão acirrada entre PT e PSDB ao atrair novos votos e tornar-se uma terceira via para os sufragistas insatisfeitos com os grandes partidos. Segundo o índice Datafolha divulgado no dia 10/09, a candidata tem 33% das intenções de voto e está na segunda colocação, enquanto Dilma Rousseff, líder da pesquisa, conta com 36%. Aécio Neves se mantém na terceira posição com 15% do eleitorado, seguido por Pastor Everaldo (PSC), Eduardo Jorge (PV), Luciana Genro (PSOL), José Maria (PSTU), Rui Costa Pimenta (PCO), José Maria Eymael (PSDC), Levy Fidelix (PRTB) e Mauro Iasi (PCB).

“voCê deve entender os PolítiCos. toda oPosição tem a exPeCtativa de um rePresentante ideal que não existe. o

PolítiCo ideal não vai Conseguir governar”

(rafael araúJo)

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

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durante a ditadura militar, em que a instituição foi um importante cenário de combate contra o regime totalitário, ou na atual tentativa de manter o histórico democrático da Universidade por parte dos estudantes, a Pontifícia é palco de um amplo debate político e ideológico.

A comunidade puquiana tão heterogênea e historicamente engajada, quando questionada a respeito das suas intenções de voto, apresentou as mais diferentes justificativas em defesa das suas escolhas.

“Meu candidato é o Aécio. Eu já sou tucano há muitos anos, então acompanho o programa

do partido, tudo mais, e teve a entrevista dele no Jornal Nacional e achei que foi excelente, vou até compartilhar no Facebook a entrevista. Então fica mais por convicção partidária, acompanhamento da vida pública da pessoa, ele já foi governador de Minas, tem experiência administrativa. E por convicções minhas mesmo, partidárias já de muitos anos.”

(Professor Everaldo Cambler – Direito)

“Eu ainda não me decidi, mas eu voto em par-tido, não voto em pessoas. Eu vou escolher

um candidato de um partido que tenha como bandeira a construção de um Brasil socialista.”

(Professor Rodrigo Priolli – Direito)

“Votarei na Marina, porque eu sempre gostei das propostas dela e também pelo fato dela

ser a ‘menos pior’ dentre os candidatos – apesar de não conhecer muito bem o partido em que ela está.”

(Luciana, estudante de Psicologia Social)

“Apesar da Dilma não ter feito um governo muito bom, temo que haja uma frente de

direita representativa e religiosa numa possível vitória da Marina Silva.”

(Marcela, estudante de Psicologia)

“Não sinto empatia com nenhum dos candi-datos e não concordo com muitas coisas que

eles falam.” (voto branco) (Cristiana, estudante de Psicologia)

“Voto no Aécio, pois ele é o candidato mais capaz de reunir uma equipe qualificada e

preparada para conduzir os rumos do país.” (Lucas, mestrando em Direitos Humanos)

“Houve muito mais melhorias nos últimos doze anos de governo do que um dia foi a nossa

esquerda ante o mandato do PSDB, portanto voto na Dilma.”

(Fábio, mestrando em Linguística)

“Meu voto será na Dilma, porque acredito que desde o mandato do presidente Lula há uma

construção de projeto voltada para as classes populares. Ademais, neste governo, a autonomia das pessoas está sendo promovida por meio das

políticas sociais. Desse modo, acredito que o processo deve ser continuado.”

(Maria Emaculada, doutoranda em Ciências Sociais)

“Dentro dos limites, a população está tendo uma qualidade de vida melhor do que em

momentos anteriores, voto na Dilma.” (Camila, estudante de Direito)

“Voto na Luciana Genro, pois ela pensa nas minorias e pretende romper com certas

estruturas opressoras e negativas. Os alunos da PUC não costumam refletir muito sobre questões ideológicas, sendo que grande parte tem um pensamento político conservador e reacionário. Diante disso, poucos são os que participam po-liticamente em movimentos estudantis.”

(Fernanda, estudante de Direito)

Essas foram algumas das opiniões ex-pressas nas entrevistas realizadas, entretanto, é importante ressaltar que boa parte das pessoas ainda não escolheu seu candidato. Uma possível justificativa para isso é dada por meio das mudan-ças no panorama político atual. Outra resposta que se repetiu consideravelmente e que merece destaque é o voto em nulo/branco pela apatia ou incompatibilidade de ideias com as propostas disponíveis.

Graças também a essa convicção por parte do corpo social da PUC-SP, alguns candidatos, que são taxados de “nanicos” e desvalorizados por parte da mídia tradicional, foram citados como os postulantes com os melhores argumen-tos. O destaque fica por conta do número de menções que a concorrente pelo PSOL, Luciana Genro, teve entre os eleitores da universidade.

Por constituir um simulacro da sociedade brasileira, tendo em vista que há em seu quadro discente pessoas dos quatro cantos do país, é evidenciado que o apoio aos candidatos não é linear em lugar algum, independentemente de onde venham, o que façam, ou a que curso pertençam seus eleitores.

A ampliação da possibilidade de opinar sobre um determinado candidato, suas propostas políticas e histórico partidário se dá pela cada vez maior inserção das redes sociais e comunidades voltadas aos aspectos eleitorais. Seja por trans-missões ao vivo, bate-papos ou comentários, a falta de informação não é uma justificativa plausível para os leigos da política. Os debates iniciados nas redes movem e atraem um número maior de pessoas, assim como se distanciam de modo gradativo do pouco acesso às questões públicas nacionais, como ocorria anos atrás. Permite também que as opiniões se construam sob aparatos mais sólidos, já que os diferentes pontos de vista, os quais vão dos mais conserva-dores aos mais liberais, conseguiram aumentar seu alcance.

Por outro lado, é imprescindível considerar que informações carregadas de tendencionismo ou inverdades também podem ter tal alcance. Logo, é necessário que os eleitores investiguem previamente a origem das fontes e a veracidade do que leem ou ouvem, para que estejam cientes das reais propostas de seus candidatos. Mais do que isso, também é preciso que, nos anos con-seguintes, haja o acompanhamento das ações dos políticos e a introdução de uma constante discussão acerca do que é prometido versus o que é cumprido.

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

Por leonardo sanchez

No dia 5 de outubro os brasileiros irão às urnas escolher seus candidatos

para presidente da república, governador, sena-dor e deputados estadual e federal. O período que antecede as eleições é responsável por apre-sentar ao eleitorado as propostas de governo de cada partido. O votante encontra, dessa maneira, um leque de opções, cuja pluralidade é peça fundamental para a sustentação de qualquer democracia. Elemento influente na formação da opinião pública, a imprensa tem um peso indiscu-tível em períodos eleitorais como o de 2014.

A temporada eleitoral desse ano é atípica. A crise de representatividade que afeta a popula-ção nessas eleições parece contaminar também muitos veículos de comunicação, que ainda precisam lidar com as reviravoltas nas campanhas dos presidenciáveis. A internet tem um prestígio nunca visto, servindo de espaço constante para o debate público, mas também para a evolução da publicidade em torno dos partidos. As manifesta-ções de junho de 2013 e os outros movimentos sociais que as sucederam deixaram a população impaciente e desconfiada, tanto com a classe política quanto com a classe jornalística. Todos esses fatores contribuíram para uma temporada de críticas ferrenhas à postura da grande mídia, críticas essas que se intensificaram com a disputa presidencial de outubro.

De acordo com José Salvador Faro, profes-sor dos cursos de Jornalismo da Pontifícia Univer-sidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Uni-versidade Metodista, “existe uma desconfiança e um descrédito de setores amplos da sociedade em relação às posturas institucional e política dos grandes veículos e redes de comunicação”. Para ele, essa situação traria um resultado positivo, no qual a busca pela imparcialidade e credibilidade pela imprensa representaria um benefício ao debate político e também à “percepção que os eleitores têm das candidaturas e do processo eleitoral”. Quanto à crise de representatividade, Faro afirma que “a inviabilidade de uma candida-tura conservadora, nos moldes do PSDB, parece consolidada, o que apagou a possibilidade de que a grande mídia tivesse um candidato seu”. Marina Silva (PSB), então, poderia “perfeitamente ocupar o lugar de uma candidatura que contenha o petismo”.

Para entender melhor o posicionamento seguido pela imprensa em 2014, um grupo de pesquisadores do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), sediado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, criou o website Manchetômetro, responsável por analisar a cobertura da mídia nessas eleições. Sem filiação partidária, o projeto reúne gráficos e outras informações sobre a produção jornalística da Folha de São Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo e do Jornal Nacional durante o período eleitoral. No caso dos veículos impressos, o es-tudo contempla as capas de suas edições desde o início do ano. “O método de estudo empregado é a análise de valência, que é avaliada levando

a corrida Presidencial Pelos olhos da mídia

Veículos de comunicação apresentam coberturas polêmicas nas eleições de 2014

em conta a seguinte pergunta: essa manchete ou chamada, e o texto que a acompanha, é positiva, negativa, neutra ou ambivalente para a imagem do candidato, partido, pessoa ou governo a qual faz referência? Assim, não se trata de estabel-ecer se o que está sendo noticiado é verdadeiro ou falso, mas sim avaliar o significado daquela informação para a imagem do objeto do texto”, explica a página do Manchetômetro.

Ao observar os gráficos publicados pelo LEMEP, fica clara a falta de proporcionalidade na hora de abordar os três principais presidenciáveis. Enquanto Dilma Rousseff (PT) é a personagem mais recorrente dos jornais estudados, sua imagem é também a mais citada de maneira negativa, quando comparada à quantidade de textos neutros ou positivos que recebe. Pode-se dizer que, por ser a atual presidente, é natural que exista uma maior margem de críticas a ela. O problema, porém, é que as observações positivas de Rousseff são muito mais enxutas que aquelas recebidas por Aécio Neves (PSDB), Marina Silva e o falecido Eduardo Campos (PSB). Isso gerou

um desnível escandaloso entre os pólos positivo e negativo da petista, que não é observado quanto aos outros presidenciáveis. Entre os jornais im-pressos, aquele que se posicionou mais radical-mente contra Dilma Rousseff foi o Estado de São Paulo, com mais do que o dobro de manchetes negativas se comparado à Folha e O Globo.

Jornal Nacional – Dentre os representan-tes da elite midiática brasileira, o Jornal Nacional, telejornal de maior alcance do país, vêm sendo o grande alvo de críticas dessas eleições, após a exibição de entrevistas feitas com os principais candidatos à presidência: Aécio Neves, Dilma Rousseff, Marina Silva, Pastor Everaldo (PSC) e também Eduardo Campos. De acordo com o Manchetômetro, a presidente teve um tempo de críticas nove vezes maior que o concedido ao segundo presidenciável mais censurado, Campos. A dona de casa Cláudia Araújo, ao ser questionada sobre o programa, acredita que seus apresentadores sejam muito parciais, tendo maior afinidade com o candidato tucano Aécio

EleiçõesCONTRAPONTO

Caricatura de Aécio Neves (esq.), Marina Silva (centro) e Dilma Rousseff (dir.) retratados em sua juventude

Gráfico no Manchetômetro

mostra disparidade na abordagem de candidatos à

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“o que estamos aComPanhando é um ProCesso eleitoral ComPlexo, Pois envolve diretamente Posições morais e

religiosas devido à influênCia dos evangéliCos nestas eleições”

(vera luCia miChalany Chaia, Coordenadora do núCleo de estudos em arte, mídia e PolítiCa da PuC-sP)

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De todas as entrevistas realizadas pelo Jornal Nacional, aquela com a presidente Dilma Rousseff foi a mais polemizada. Segundo alguns telespectadores, a Rede Globo teria assumido na noite de 18 de agosto uma posição anti-petista, acompanhada de um tom agressivo e desrespeitoso. Não somente alvos de críticas, os apresentadores William Bonner e Patrícia Poeta inspiraram também diversas piadas de ampla circulação na internet. Dividida, a opinião pú-blica fez com que o assunto fosse um dos mais comentados na página brasileira da rede social Twitter naquela semana.

Ao comparar as entrevistas entre Aécio Neves, Dilma Rousseff e Marina Silva, fica evidente um menor número de perguntas acompanhado de uma maior quantidade de interrupções nas conversas com as candidatas do PT e PSB. Analisar sem levar em conta as circunstâncias, no entanto, é leviano, uma vez que a postura individual de cada presidenciável influencia nos rumos de cada entrevista e também no comportamento dos jornalistas. Já o tempo consideravelmente maior levado para dirigir perguntas à Dilma e à Marina é, por sua vez, uma característica desequilibrada.

Convidada a participar também do Jornal da Globo, Rousseff recusou o pedido, ao contrá-rio do que fez sua adversária Marina Silva, que também teria sido enfrentada com rigidez pela emissora na série promovida pelo Jornal Nacional. O Manchetômetro afirma que a candidata do PSB foi a única dentre os três principais presidenci-áveis a não protagonizar qualquer reportagem negativa no programa.

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Neves. “Eu acho que a Globo faz o possível pra deixar a Dilma em maus lençóis”, completou sobre a polêmica em torno da conversa entre os âncoras e a petista. De acordo com o Manche-tômetro, porém, o representante do PSDB foi o único candidato sem qualquer menção favorável no telejornal desde o início do período eleitoral oficial, em 6 de julho.

A estudante Paula Serra, que também acompanhou as entrevistas feitas com os pre-sidenciáveis, discordou da dona de casa: “Eles (William Bonner e Patrícia Poeta) foram parciais não no sentido de favorecer certo candidato ou partido, mas no de não fazer uma entrevista quadradinha, com as mesmas perguntas para todos. Cada um tem uma ferida diferente para ser cutucada”. A estudante acredita ainda que o comportamento invasivo com Dilma Rousseff foi conseqüência de uma atitude defensiva tomada pela presidente, não de uma maior rigidez por parte dos âncoras, que “cortaram Dilma para tentar mudar o assunto, algo que precisavam fazer por causa do tempo”.

Para rebater as críticas recebidas antes mesmo de entrevistar Rousseff, Marina e Pastor Everaldo, o jornalista William Bonner publicou em uma rede social a seguinte mensagem: “Em todas as entrevistas, fiz e farei as perguntas que os candidatos prefeririam não ter que ouvir. As-suntos que lhes são desconfortáveis, incômodos. Assuntos que eles não abordam na propaganda eleitoral, obviamente. São assuntos de interesse jornalístico, são assuntos que o eleitor deve conhecer”.

Parcialidade – Para explicar a situação, Vera Lucia Michalany Chaia, coordenadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (NEAMP) do curso de Ciências Sociais da PUC-SP, relatou ao Contraponto que a mídia sempre se colocou a favor ou mais frequentemente contra alguma candidatura. “Nestas eleições o posicio-namento da mídia é ser contra a presidente Dilma Rousseff e contra o PT”, disse. Sobre a represen-tante do PSB, Vera Chaia declarou que “Marina Silva ainda é uma incógnita para alguns meios de comunicação, mas estamos acompanhando, em alguns casos, a desconstrução da imagem desta candidata, questionando o significado da ‘nova política’”. Em relação a programas como o Jornal Nacional, a coordenadora do NEAMP disse que apesar de cautelosas por serem co-missões públicas, emissoras de rádio e televisão assumem um posicionamento político que “apa-rece exatamente na condução de entrevistas e nos debates”. Questionada sobre a tentativa de imparcialidade contemplada no Brasil, Vera Chaia respondeu: “Na minha avaliação é fun-damental que a imprensa escrita se posicione a favor de determinadas candidaturas. Algumas revistas e alguns jornais, pelo tipo de cobertura jornalística, possuem posições políticas, mas não são explícitas”.

Outra ferramenta criada para auxiliar o eleitor é a plataforma Eleição Transparente, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI). “O portal Eleição Transparente é or-ganizado pela ABRAJI com a ajuda de empresas de mídia e tecnologia que costumam ser alvos de processos de supressão de informações em período eleitoral”, descreve o site do projeto. Prezando a liberdade de expressão, a página apresenta infográficos que mostram os candi-datos que abriram processos contra o conteúdo veiculado por empresas de informação. A pla-taforma ainda detalha a cidade na qual a ação foi aberta e contra quem. Entre os candidatos à presidência, os nomes registrados pelo portal são os de Dilma Rousseff, Marina Silva e Luciana Genro (PSOL), que teriam ido à justiça a fim de contestar publicações das empresas Google e IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística).

Descrita pela cientista social Vera Chaia como um “processo eleitoral complexo”, a corrida presidencial de 2014 tem sido mol-dada tanto pelos próprios partidos quanto pela mídia e pelo eleitorado. Se por um lado a internet se alia a veículos tradicionais como a televisão e o jornal a fim de noticiar as pau-tas definidas pela grande mídia brasileira, ela também serve como espaço para a criação de plataformas inovadoras, como é o caso dos sites Manchetômetro e Eleição Transparente. A esfera digital ainda permite que candidatos com menos intenções de voto, negligenciados pela grande mídia, conquistem seu espaço, entrando em contato direto com o eleitor.

O importante papel encarnado pelas redes sociais como local de debate político evidencia uma maior contestação por parte do votante, que não mais “engole” tudo aquilo que lê, vê e ouve nos veículos de comunicação. Ainda para Chaia, “o eleitorado brasileiro amadureceu e acompanha a cobertura jornalística com maior desconfiança”. Agora basta esperar até outubro e observar o tamanho do impacto que a mudança no pensamento do brasileiro gerará nas eleições. Isso se a mudança realmente existir.

A coluna “Tempo da Globo por Pergunta” foi obtida após cronometrar e somar os tempos utilizados pelos apresentadores para cada questão. O resultado foi então dividido pela quantidade de perguntas feitas, chegando aos números aproximados da tabela

Dilma Rousseff é recebida no Jornal Nacional para entrevista que acabou sendo alvo de críticas do público

“PareCe natural que esse sentimento de desConfiança e desCrédito se volte Para a globo em vista da Presença dominante

que ela tem no Cenário do Jornalismo”

(José salvador faro, Professor dos Cursos de Jornalismo da PuC-sP e da universidade metodista)

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

Por andré neves sampaio Povos originários correm o risco de perder suas terras para o capital privado

lei ameaça direitos indígenas

Foram os primeiros habitantes do país e hoje lutam para garantir um pequeno

pedaço de terra para manter seus costumes e se proteger da sociedade pós-moderna e sua ganância econômica. Os índios sofrem cada vez mais para garantir seu pedaço de terra frente ao crescimento desenfreado do modelo econômico brasileiro, que é abastecido pelo agronegócio. Para expandir a produção, os ruralistas preten-dem usufruir das terras indígenas, áreas remanes-centes de quilombos e unidades de conservação, além de áreas já griladas em assentamentos da reforma agrária passíveis de “legalização”.

Para facilitar esse mecanismo irregular, em 2003, o então deputado federal Almir Sá, do PPB/RR, apresentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215), que altera a aprovação do processo de demarcação de terras indígenas pelo Estado brasileiro, retirando-o do poder executivo e transformando-o em competência exclusiva do Congresso Nacional.

A PEC 215 interfere em dois artigos da Constituição Federal: o 49, que estabelece as competências do Congresso Nacional, e o 231, que tem como um de seus temas o reconhe-cimento dos direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

Segundo Tica Miami, coordenadora da campanha da Amazônia do Greenpeace Brasil, o principal objetivo do projeto é abrir essas áre-as aos grandes interesses econômicos e tirar os índios do caminho quando eles representarem entraves a expansão do agronegócio .

“A proposta fere o princípio constitucio-nal da separação dos poderes. Segundo juristas, por esse motivo, a PEC 215 não poderia nem mesmo ser apresentada. A demarcação das Terras Indígenas é um procedimento meramente administrativo, que apenas reconhece o direito originário (pré-existente) dos povos indígenas às suas terras”, afirma Tica.

O que é uma terra Indígena? – Segundo

a Fundação Nacional do Índio (Funai), uma terra indígena é uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por um ou mais povos indígenas, e que são utilizadas para suas atividades produtivas, além de ser imprescindível a preservação dos recursos ambientais para seu bem-estar e necessária à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Trata-se de um tipo específico de posse, de nature-za originária e coletiva, que não se confunde com o conceito civilista de propriedade privada.

O direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional configura-se como um direito originário e, consequentemente, o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas se reveste de natureza meramen-te declaratória. Portanto, a área indígena não é criada por ato constitutivo, e sim reconhecida a partir de requisitos técnicos e legais.

De acordo com a FUNAI existem 462 terras indígenas no Brasil, localizadas principalmente no bioma amazônico, representando 12% do território nacional.

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Segundo Tica, a Funai e outros órgãos governamentais responsáveis por garantir os di-reitos e a segurança dos povos tradicionais estão omissos durante o processo, o que tem feito com que grupos indígenas entrem em estado de guer-ra pela defesa e integridade dos seus territórios, agravando os conflitos de terra na região

Ofensiva Ruralista – Caso o projeto seja

aprovado, a FUNAI perderia parte de sua auto-nomia, ficando sob custódia do Congresso. Além desta atribuição, o projeto propõe a revisão das terras indígenas já demarcadas, ameaçando comu-nidades que hoje têm suas terras garantidas.

O modelo agrícola brasileiro sustenta grande parte da economia nacional. Em busca de novas terras produtivas, ruralistas violam leis federais para dar continuidade a sua produção, com aprovação tácita do governo federal, que por sua vez, está interessado nos resultados gerados pelo agronegócio.

“O modelo perseguido pelo Brasil tem colocado a Amazônia como ‘motor do desenvol-vimento econômico’ do país. Isso significa que a região é vista principalmente como uma fonte inesgotável de recursos naturais e energéticos a ser explorada até a exaustão. Essa visão se traduz na investida de interesses econômicos sobre as terras públicas do país, com fortes impactos à floresta e aos seus povos”, completa a ambientalista.

No entanto, a bancada ruralista alega que o projeto dará segurança jurídica para o produtor rural continuar sua atividade.

Atualização do processo – Mesmo

após inúmeras manifestações contrárias à PEC 215 o Congresso Nacional continua ignorando a voz dos índios. A última manobra da Comissão

Especial que analisa a PEC foi a convocação de audiências públicas Brasil afora por deputados que representam os interesses do agronegócio. Após os primeiros encontros serem realizados, organizações indígenas voltaram a fazer críticas ao processo e decidiram não comparecer às próximas audiências, como forma de deslegitimá-las.

A bancada ruralista, porém, faz pouco caso dessas manifestações contrárias à PEC e segue em frente com a tramitação da proposta. Do outro lado da moeda, organizações indígenas estão mobilizadas , e como não são ouvidas, pretendem fazer de tudo para atrapalhar o an-damento do processo.

Um fato curioso do processo é que de-putados ruralistas compõem 72% da comissão especial da PEC. Dos 21 deputados federais indicados como membros titulares do processo, ao menos 15 são membros ou aliados da Frente Parlamentar Agropecuária. Entre os demais depu-tados, apenas cinco certamente farão frente ao pleito ruralista de transferir do Executivo para o Legislativo a aprovação ou não das demarcações e homologações de terras indígenas.

A PEC 215 é um projeto totalmente pla-nejado para privilegiar o Agronegócio. Caso seja sancionado, eles terão “carta branca” para fazer o que bem entendem no país. É uma afronta aos direito humanos. Mesmo que os povos indíge-nas estejam mobilizados, dispostos a lutar pela causa, o poder dos ruralistas em parceria com o governo federal é muito forte.

“Essa investida traduz-se numa feroz disputa pelo que restou do território nacional e de seus recursos naturais após sucessivos ciclos de avanço predatório da fronteira econômica”, finaliza Tica.

Os Kaiapó são uma das etnias que mais lutam contra a PEC 215

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

Por maria eduarda Gulman, mariana castro, nicole Gasparini

e vinícius lima

os dois lados do fUnk ostentação

Com batidas envolventes, forte apelo sexual e letras que são uma crônica do

dia a dia na periferia, o funk ostentação vem agi-tando em massa a juventude brasileira, atingindo desde o mais pobre morador do Capão Redondo até o mais rico morador do Jardins.

Influenciados pelo hip-hop americano, os Mc’s do funk ostentação compõem músicas que tratam da sua realidade. Versos como “É, nóis tem o que nóis quer, nóis tem carro, nóis tem moto, dinheiro e muita mulher”, do Bonde do Canguru ou “Vida é ter um Hyundai e uma Hornet/ 10 mil pra gastar, Rolex e Juliet”, do Mc Danado, exemplificam o consumo e a exposição de marcas de “luxo” que norteiam as letras dos jovens cantores. Porém, como será que esses refrões milionários chegam aos ouvidos de quem os escuta? Como o garoto da periferia enxerga o funk ostentação? E o jovem do bairro nobre?

Para a classe alta, o funk ostentação é apenas um ritmo para dançar; ela não se sente parte da realidade citada na música. Contudo, para o menino que não tem “10 mil pra gastar”, essas frases podem gerar resultados adversos. O jovem da periferia que cresce sem auxílio, sem estudo e com poucas chances de conseguir um bom emprego acaba por deixar nos sonhos a chance de ter sua Hyundai e sua Hornet.

Wellington, 16 anos, interno na Fundação Casa, explica, enquanto faz o ritmo da batida com a palma da mão, “a mensagem do funk ostentação é a de que as pessoas da periferia também têm direito de ter carro e a moto do ano, a roupa da moda e o dinheiro... Infelizmente, os recursos que temos para chegar a essas coisas são poucos, aí compensa mais ir para o crime. Só que depois de tudo isso eu penso: de que adianta ter carro, moto e dinheiro e não ter liberdade?”.

Compartilhando do pensamento de Wellington, o funkeiro Mc Japinha, ao ser ques-tionado sobre a influência que a sua música teria na ida de um menino para o crime, revela: “Nas minhas letras eu canto tudo aquilo que um dia eu posso chegar a ter. Cada um pode arrumar emprego e ganhar dinheiro da melhor forma possível, mas entrar pro crime é uma escolha”.

No sistema econômico vigente, o con-sumo constante torna-se necessário para que o indivíduo se sinta integrado à sociedade. Contudo, a periferia sempre ficou à margem desta realidade. Foi com a influência do funk e das ideias propagadas pela grande mídia que os jovens moradores viram uma oportunidade de

O “batidão” da periferia seduz os jovens, mas seus efeitos variam de acordo com a classe social

buscar esta inserção. Segundo Silvana Urbani, presidente do Instituto Papel De Menino, ONG que faz acompanhamento e reintegração social com internos da Fundação Casa, “o funk osten-tação, junto com a grande mídia, são os grandes responsáveis por colocar na cabeça do menino da periferia que ele tem que ter o carro do ano e andar com roupa de marca”.

Essa influência da mídia e do funk na vida dos jovens reflete na ocorrência de manifesta-ções como o “rolezinho”. Neste caso, turmas de jovens da periferia entravam em shoppings cantando funk. É quando eles assumem uma identidade periférica, tão negada pelos shopping

centers, que o paraíso do consumo torna-se o inferno da opressão e da violência. Exemplo disso foi a morte de um dos organizadores dos “rolezinhos”, o adolescente Lucas Lima, 18, na cobertura do evento. Isso mostra que a elite ainda não está pronta para dividir os seus espaços e compartilhar sua exclusividade.

Mas não é de hoje que a classe alta paulis-tana vem temendo a adesão da periferia em seus hábitos culturais. A prefeitura sempre controlou o que vem das comunidades, reprimindo o baru-lho, o baile funk, os carros, até chegar ao ponto de “proibir” que pessoas de classes sociais mais baixas frequentassem o shopping.

Seja em Alphaville ou “all favela”, ado-lescente é adolescente. Eles querem usar roupas que o valorizem, querem ver e ser vistos. O po-der do funk ostentação está em abranger, pela primeira vez, essas diferentes camadas sociais. É, entretanto, um reflexo de grandes campa-nhas publicitárias que associam o consumo a uma idéia utópica de felicidade. Será que ter a “nave do ano” é mesmo sinônimo de uma vida bem sucedida? Como diz a música de Julinho Matarassi e Gutemberg, “mexa o popozão, mas também a cabeça”.

CulturaCONTRAPONTO

“nas minhas letras eu Canto tudo aquilo que um dia eu Posso Chegar a ter”

(mC JaPinha, 20 anos e funkeiro)

Funk You (Poeta Sérgio Vaz)

“Não curto funk ostentação, mas – “bara bara berê, berê...”, “Eu quero tchu, eu quero tcha...”, “Delícia, delícia, assim você me mata, ai se eu te pego...”, “Vou beber ate cair”, “As mina pira” –, não me parecem nenhuma obra prima da música brasileira. Sabe o que todas essas músicas e todas as outras tem em comum, inclusive o samba e a MPB? São todas filhas da falência do ensino público de qualidade. A única diferença é que o funk ostentação é música de preto da favela, do morro, da periferia, é mais fácil criticar. Onde já se viu pobre cantar, né não? Não curto funk ostentação, nem curto preconceito. E quer saber? “Não olha para o lado que quem está passando é o bonde, se ficar de caozada, a porrada come.”

Ensaio Telerj, realizado pela Mídia NINJA, em 8 de abril de 2014

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(silvana urbani)

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CONTRAPONTO10 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

Por Beatriz morrone e victoria azevedo

entre árvores, rios e ribeirinhosEstudantes de jornalismo relatam as experiências vividas durante

12 dias no Pará

Belas paisagens, enorme biodiversidade e, principalmente, os vastos aspectos

culturais presentes na região amazônica foram suficientes para despertar a curiosidade das 3 es-tudantes de jornalismo, Beatriz, Nicole e Victoria, em busca de novas experiências jornalísticas e fotográficas. A ideia pareceu ainda mais interes-sante quando Victoria encontrou a oportunidade perfeita para consolidá-la: o curso “A imagem do desconhecido: dos filmes de viagem aos filmes etnográficos”, que aconteceria durante uma semana no “Centro Cultural B-arco”, em São Paulo. Nele, os cineastas Luiz Adriano Daminello e Jorge Bodanzki ministrariam uma introdução ao “Projeto Nortear”, definido por Luiz como “uma experiência e realização audiovisual e fotográfica, em viagem de barco pelo Rio Amazonas”.

O grupo formado em São Paulo, integrado por aproximadamente 15 pessoas com os mais variados objetivos, profissões e expectativas, pegou carona na embarcação do “XVIII Encontro Internacional IFNOPAP”, proposta acadêmico-científica realizada por universidades do Pará. O objetivo dessa edição do projeto foi estudar aspectos sociais, culturais e naturais do Oeste do Pará, mais especificamente dos municípios de Oriximiná e Santarém. Durante uma viagem de 10 dias pelos rios Amazonas e Trombetas, os participantes assistiram a palestras e se envolve-ram com questões típicas da região.

Dia 30/07 – Depois de três horas e meia de viagem, chegamos a Belém. O clima quente e abafado era bem diferente do que havíamos deixado em São Paulo. Do aeroporto, pegamos um táxi para o hotel onde dormiríamos, que ficava no bairro Cidade Velha. Era um antigo casarão bem preservado, com características da arquitetura colonial, época em que Belém viveu seu auge econômico. Depois de deixarmos nos-sas bagagens, fomos andando até o Mercado Ver-o-Peso, ponto turístico da cidade. Ficamos encantadas com a paisagem que encontramos. Nas barraquinhas, eram vendidos produtos como peixes, frutas e artesanatos. A barraca de ervas medicinais foi a que mais nos chamou a atenção. Suas divertidas vendedoras nos apresentaram remédios para todos as dores e doenças possíveis, além de soluções e simpatias que prometiam abrir bons caminhos, afastar mau-olhado, impul-sionar os negócios e até mesmo atrair um amor verdadeiro. Segundo elas, era “tiro e queda”. Decidimos pagar para ver e saímos de lá com as sacolas abarrotadas de frasquinhos.

Depois de experimentarmos a tradicional tapioca paraense, caminhamos em direção à Es-tação das Docas, outro importante ponto turístico de Belém. O local tinha passado por um recente processo de revitalização e se tornara um dos lu-gares mais visitados da cidade, cheio de agradáveis bares e restaurantes. Lá, provamos outras comidas típicas da região, como o vatapá, o pato no tucupi, tacacá e de sobremesa, sorvete “Carimbó”, feito com castanha-do-pará e doce de cupuaçu.

À noite, fomos ao “Bar D’Noca” ouvir o bom samba da cantora paraense Gigi Furtado. O passeio cheio de boa música, risadas e cantoria durou pouco, já que no dia seguinte partiríamos cedo rumo à Oriximiná.

Dia 31/07 – Acordamos cedinho para terminar de arrumar as malas e tomar nosso último banho quente dos próximos dias, já que no barco os chuveiros seriam abastecidos com água do rio. Depois de muita correria, entramos no táxi e ficamos paradas num trânsito sem fim. A rádio anunciava greve dos comerciantes do Ver-o-Peso, que, indignados com a falta de assis-tência do governo, paralisaram as ruas próximas ao mercado - inclusive a que nos daria acesso ao porto onde o barco nos aguardava. Com medo de nos atrasarmos, descemos do táxi e fomos a pé, carregando toda a bagagem, até o “Amazon Star”. A embarcação tem capacidade para pouco mais de 700 pessoas, mas acomodaria aproxima-damente 150 nessa viagem.

Teoricamente, o barco partiria pontual-mente às nove horas da manhã. Conseguimos chegar com certa antecedência, acomodamos nossas redes no primeiro convés e esperamos. Quando percebemos, já havia se passado mais de três horas e ainda estávamos em Belém. Descobrimos, então, que um grupo de italia-nos que ministraria palestras durante a viagem estava atrasado. Chegaram quase às sete horas da noite, quando finalmente partimos. As luzes da Estação das Docas, cada vez mais distantes, estavam lindas refletidas no rio.

Dia 1/08 – Acordamos com o barulho da tripulação. O relógio marcava quase sete

horas da manhã, o céu já estava claro e eles, cantando – nos próximos dias, seríamos sempre acordadas por esses rapazes, que conversavam sem se importar com os que estavam dormindo. Nós, irritadas, pedíamos silêncio, mas de nada adiantava.

Passamos pelo Estreito de Breves, local onde vivem famílias ribeirinhas organizadas em pequenas comunidades. Descobrimos que aquela é uma das regiões mais pobres do Pará, onde a assistência do governo é muito deficitária, quan-do não, nula. No caminho, vários barquinhos (chamados de “pôpôpô”, por conta do barulho de seus motores) se aproximavam do “Amazon Star”. Neles estavam, principalmente, crianças e jovens. Muitos viajantes arremessavam sacos plásticos cheios de roupas e alimentos no rio para que pegassem. Alguns deles se aproximavam para tentar vender mercadorias, como camarão e peixe.

No fim da tarde, por volta das cinco horas, entramos no rio Amazonas, que nos recebeu com um lindo por do sol. Nesse primeiro dia de navegação, embora estivessem acontecendo diversas palestras do IFNOPAP, preferimos ficar conversando com as pessoas do barco e admiran-do a paisagem, tão nova e cativante. Toda noite aconteciam eventos culturais, como a leitura dramática do grupo de contadores de história, performances musicais e dançantes.

Dia 2/08 – No segundo dia de navegação, já mais acostumadas com a nova rotina, partici-pamos de algumas palestras e oficinas. Os temas variavam desde literatura até geologia, sempre permeando questões relativas à Amazônia. Além das palestras, em muitos momentos ficávamos

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As populações ribeirinhas do Estreito de Breves têm o extrativismo e a pesca como principais fontes de renda

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11CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

deitadas nas redes conversando, conhecendo as pessoas que viajavam conosco e observando a paisagem - agora que estávamos no rio Amazo-nas, perto de uma das margens, mal conseguía-mos enxergar a outra.

Dia 3/08 – Chegamos a Oriximiná, cidade bem simples e pequena, às seis horas da manhã. Acordamos e fomos a uma padaria tomar um bom café da manhã, já que nos últimos dias não tínha-mos nos alimentado muito bem. A comida servida no barco era bem diferente da que estávamos acostumadas, mais gordurosa e temperada. Nesse dia aconteceria o Círio Fluvial em homenagem a Santo Antônio, padroeiro da cidade.

Com nossos colegas do Projeto Nortear, visitamos onde eram fabricadas as velas que são jogadas no rio, para iluminar a festa. Nesse ano, foram montadas aproximadamente 5000 velas, enfeitadas com papel colorido e pregadas sobre madeira. Depois, fomos de barco à comunidade de Aimím, onde as embarcações estavam sendo adornadas para saírem em direção a Oriximiná.

Dia 5/08 – Acordamos muito cedo, às 6 horas da manhã. Duas lanchas nos esperavam para nos levar à comunidade quilombola da “Pancada”, que ficava a três horas de Ori-ximiná. O dia estava muito bonito, céu azul e sol forte. Seguimos pelos rios Trombetas, Erepecurú e, depois de passarmos em frente a algumas comunidades, finalmente chegamos ao rio Jaracuarú, braço do Erepecurú, onde se encontrava nosso destino.

Na comunidade, conversamos com os seus “fundadores”: um casal, que já perdeu a conta da idade que tem. Parte de seus numero-sos filhos, netos e bisnetos morava no local. De cara, um simpático papagaio atraiu as curiosas lentes do grupo. Tudo era fotografado. Acredi-tamos, até, que tamanha “fotografação” tenha causado certo desconforto aos locais, que não têm acesso a tecnologias como câmeras, compu-tadores e internet. Mesmo assim, fomos muito bem recebidos.

Conversamos por algum tempo com as jovens de lá, muitas com filhos pequenos nos

com um guia local o que faríamos naquele dia: em um barco, ele nos levaria a praias próximas dali e à “Floresta Encantada”, vegetação alagada que permite um passeio de canoa por cima da copa das árvores.

A praia do Pindobal era paradisíaca. Água azul clarinha, calor agradável, água de coco ge-lada. Escolhemos almoçar por lá: um delicioso peixe tambaqui. A Victoria, que até então não gostava de peixe, saiu de lá adorando. Partimos então para a floresta, na região do Lago Verde. Chegamos, largamos o barco a motor e pega-mos a canoa. O Sergio, nosso guia, nos levou a remo para um passeio inesquecível. Saímos de lá maravilhadas.

Fomos logo conhecer a pousada da queri-da Dona Madá, onde dormiríamos naquela noite. Descansamos, tomamos banho e fomos jantar no centrinho. Mais uma refeição repleta de boas conversas e risadas com os amigos.

Dia 07/08 – Acordamos e fomos rapida-mente conhecer a Ilha do Amor, onde ficamos por pouco tempo. Voltamos para o centrinho, onde almoçamos um delicioso peixe filhote. Chegamos a Santarém e fomos assistir aos mú-sicos que viajavam conosco e se apresentavam na cidade. Alguns carimbós depois, o “Amazon Star” partiu rumo à Belém.

Dia 08/08 – Passamos o dia inteiro nave-gando. Assistimos a algumas palestras e partici-pamos de uma divertida oficina de música com instrumentos indígenas.

À noite, aconteceu a festa de encerramen-to do evento. O clima de despedida não atrapa-lhou a animação dos navegantes. Aconteceram apresentações divertidas, que revelaram novos cantores e dançarinos.

Dia 09/08 – Chegamos a Belém pela manhã. Nos despedimos de nossos novos ami-gos e fomos ao hostel onde dormiríamos na-quela noite. Bagagens alojadas, fomos passear. Depois de mais uma refeição na Estação das Docas, fomos andar pela Cidade Velha, onde passamos em frente à Casa da Onze Janelas e ao Forte do Castelo. Como estavam fechados, não pudemos entrar.

Tínhamos combinado com nossos ami-gos de nos encontrarmos para jantar e dançar noite adentro no bar Palafitas, que ficava de frente para a Baía de Guajará. Lá, mais uma vez, nos divertimos com o samba de Gigi Fur-tado. Assim que o show terminou, decidimos aproveitar o jazz de um bar próximo dali, o Espaço Cultural Boiúna. A luz da lua, cheia naquela ocasião, tornou a noite entre amigos ainda mais especial.

Dia 10/08 – Pela manhã fomos passear pela Praça da República. Aos domingos, acontece uma grande feira de artesanatos ali. Comprinhas feitas, fomos até o tradicional Teatro da Paz, onde participamos de uma visita guiada. Ficamos impressionadas com a riqueza de detalhes em seu interior. Por sorte, conseguimos até conhecer o salão dos espetáculos, quase sempre fechado para visitação.

Depois de um último almoço entre amigos, passeamos pelo bairro de Nazaré, região nobre e tradicional de Belém. Voltamos ao hostel, onde o taxi nos aguardava para nos levar ao aeroporto. A tristeza da despedida se misturava com a vontade de, em breve, retornar à cidade.

Um pouco antes de começar o Círio, saí-mos de barco um pouco mais à frente para con-seguirmos enxergar cada detalhe do espetáculo. No caminho, presenciamos o mais colorido pôr do sol da viagem. Com o céu já escuro, começou o Círio. As luzes dos barcos e das velas sobre o rio formavam uma paisagem maravilhosa. Depois de algum tempo, assistimos a um show de fogos de artifício, que durou mais de quarenta minutos.

Quando descemos do barco, a cidade estava lotada, mal conseguíamos andar nas ruas da praça central. Como estávamos com muita fome, fomos a uma pizzaria que havia lá perto e nos sentamos em uma mesa do lado de fora, pra vermos o movimento. Brindamos com vinho, comemos e voltamos para o barco.

Dia 4/08 – Nesse dia, resolvemos andar por Oriximiná para conhecer um pouco da cidade. Vi-sitamos a praça central, que ainda tinha resquícios da festança da noite anterior, a igreja de Santo Antônio e conversamos com alguns moradores locais. À tarde, combinamos com alguns colegas do barco de visitar um igarapé, que ficava no sítio do prefeito de Oriximiná. O grupo de trinta pesso-as percorreu o trajeto mata adentro na caçamba de uma caminhonete. Passamos a tarde por lá e, quando o sol já ia se pôr, voltamos ao barco.

À noite, fomos tomar banho em um hotel, cujo simpático dono havia oferecido duchas de graça aos que estavam no barco, já que a água do porto era muito suja. Depois, fomos assistir à programação cultural que acontecia na praça central, com direito a ca-rimbó e performances de um rapaz fantasiado de Boto Cor-de-Rosa, famoso personagem folclórico local.

braços. Apesar de tímidas, a conversa fluiu bem e elas foram, aos poucos, ficando mais à vontade com a nossa presença. As diferentes realidades ficaram muito evidentes com a pergunta que foi dirigida a uma de nós: “E a senhora, tem filhos?”. A maternidade aos 15 e 18 anos, para elas, pareceu ser algo muito mais comum do que para nós.

Logo depois fomos a uma cachoeira. Guiadas por aqueles espertos e serelepes meninos, a trilha mata adentro pareceu um pouco mais fácil. Finalmente chegamos. A cachoeira era famosa, pois acreditava-se que quanto mais barulho fosse feito em seu en-torno, mais forte a água cairia. A água limpa e cristalina, na temperatura perfeita para mais um dia de forte calor, convidava a todos para um mergulho.

Voltamos para almoçar. A comida feita pelos moradores da comunidade já nos aguarda-va. Depois, fomos convidadas para uma partida de futebol entre meninas. O jogo, infelizmente, durou pouco. Tínhamos que ir, o “Amazon Star” partiria naquela noite. A despedida foi triste, sabíamos que nunca mais nos comunicaríamos, tampouco nos veríamos.

Dia 06/08 – Depois de 12 horas de nave-gação, chegamos a Santarém, município visivel-mente mais urbanizado que Oriximiná. Tomamos um café da manhã reforçado e partimos para Alter do Chão, um dos distritos da cidade, con-siderado “o Caribe brasileiro”. O trajeto durou 30 minutos de táxi.

A paisagem era mesmo maravilhosa. O centrinho, com restaurantes e barracas de ar-tesanato, um charme. Fomos logo combinando

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Cenário na chegada do Rio AmazonasOs “fundadores” da comunidade

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CONTRAPONTO12 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

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Relato de viagemCONTRAPONTO

ensaio fotográfico

Por victoria azevedo e Beatriz morrone

Na viagem de 12 dias pela Amazônia paraense, as

alunas de jornalismo, Beatriz, Ni-cole e Victoria puderam conhecer aspectos naturais, sociais e culturais da região, além de explorá-los em enriquecedoras experiências jor-nalísticas e audiovisuais. Durante os nove dias navegando pelos rios Trombetas e Amazonas, visitaram os municípios de Belém, Oriximiná, Santarém e um de seus distritos, Al-ter do Chão. Participaram do projeto audiovisual “Nortear”, organizado por um centro cultural paulistano, que aconteceu em parceria com o XVII IFNOPAP, congresso realizado por universidades do Pará. O “cam-pus flutuante”, como é chamado, tem como objetivo discutir questões relacionadas à região Amazônica, além de promover troca de saberes e experiências entre os participantes do projeto e os moradores dos locais visitados. Da viagem, as meninas trouxeram novos conhecimentos, boas amizades, inúmeras memórias e as fotos reproduzidas abaixo.

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CONTRAPONTO14 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

Por mariana Presqueliare e vinícius lima

São Paulo recebe o mais novo símbolo evangélico do país

inaUgUração do temPlo de salomão Provoca controvérsias

Na movimentada Avenida Celso Garcia, local das famosas lojas de roupas do

Brás e históricos bares de esquina que tocam sam-ba, o Bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, inaugurou na quinta-feira do dia 31 de Julho, a faraônica réplica do Templo de Salomão que, segundo a Bíblia hebraica, foi a primeira cátedra de Jerusalém.

No tradicional bairro de imigrantes e operários, Macedo construiu sua indústria reli-giosa. Com 126 metros de comprimento, 104 de largura e mais de 100 mil metros quadrados, o Templo de Salomão supera a Basílica de Apa-recida do Norte, considerada até então, um dos maiores espaços religiosos do mundo e a maior construção religiosa do país.

Com a estrutura de um megaevento, cujo anfitrião é o bispo-empresário, o Templo é palco para o culto que se assemelha à uma encenação da Broadway: iluminação impecável, um pastor como protagonista e fiéis emocionados aplau-dindo a todo momento os seus feitos, quase um personagem bíblico, trajando talit e um quipá. A incógnita deixada pelo bispo com a sua nova empreitada religiosa é sobre a mudança drástica do rumo da simbologia de sua igreja. Ao apro-priar-se de figuras judaicas como as sete velas e o menorá, e com a aparência de um rabino, o líder da igreja gera uma dúvida sobre o rumo da teologia neopentecostal.

A inauguração do templo teve grande repercussão na mídia. A Folha Universal, jor-nal semanal da Igreja Universal, publicou uma matéria que faz referência à cobertura de ou-tros veículos de comunicação sobre o evento do dia 31, nela é citado “Naquele dia, horas antes do evento acontecer, as manchetes dos jornais e portais da internet traziam acusações infundadas.” O texto acompanha manchetes como “Megatemplo abrirá nesta quinta sem aval dos bombeiros (Folha de São Paulo)” e “MP apura suspeita de irregularidades na cons-trução do Templo de Salomão (G1)”. No jornal também, foi publicado um caderno especial de 14 páginas em homenagem ao local, com depoimentos de políticos e pessoas da mídia sobre o primeiro dia de culto.

Mercado Religioso – Ao possuir um

patrimônio estimado em 2 bilhões de reais, o fun-dador da Igreja Universal conquista um número de seguidores cada vez mais elevado em todas as regiões do país. Não satisfeito com os núme-ros exorbitantes de fiéis ao redor do Brasil, que aumentam junto a suas mais de 200 franquias da igreja, “Macedo criou o parque temático da Igreja neopentecostal brasileira, a Disneyland gospel”, como disse o pastor, teólogo e membro do conselho editorial do Le Monde Diplomatique Brasil, Ariovaldo Ramos em entrevista ao Con-traponto.

Após sua inauguração, o templo perma-

necerá fechado por tempo indeterminado para visitantes sem credencial. A entrada apenas será feita mediante apresentação de convites ou com acompanhamento de caravanas que saem do centro da cidade, cujo preço é de 45 reais.

Edir Macedo gastou aproximadamente 685 milhões de reais para construir o templo que acomoda 10.000 pessoas. Os números soam assustadores, mas o dinheiro retornará em um piscar de olhos: apenas com os 45 reais de cada fiel para comparecer à gigante réplica no Brás, o bispo lucrará 450 mil reais por dia. A cada 24 horas, o grande espaço

da Universal recebe um evento que preenche toda a casa. Em menos de dois anos, apenas com o dinheiro da condução dos fiéis, Edir vai cobrir o gasto com a obra. Além da caravana, existem também os serviços oferecidos pela igreja como fotografias e souvenirs. Segundo Ângela, recepcionista e atendente do Templo, “Diariamente, saem ônibus do Rio de Janeiro, Minas e de todos os estados nesse período de inauguração, mas os 45 reais vão totalmente para a empresa terceirizada que realiza os transportes, nada vai para a conta da igreja ou do bispo.”.

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Show da féCONTRAPONTO

Fachada do Templo de Salomão, no bairro do Brás

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de Santo Amaro, sempre fui aos encontros, vou aos cultos pelo menos três vezes por semana”, disse ela em entrevista. “Na própria Universal, eles já credenciam a gente”. Sobre o valor dos ingressos, ela diz não se preocupar “poderia ser mais barato sim, porque o ônibus nos leva daqui até o Brás, não é muito longe, mas até se fosse mais caro, eu daria um jeito de ir, pois a fé fala mais alto.”. O que a desagradou foi a grande burocracia e os inúmeros detectores de metal “Eram muitos, para ir em qualquer lugar tem que passar pelo detector. Não pode nem estar mascando chiclete. Temos que deixar os pertences no guarda volume.” Além disso, ficara muito distante do altar. Só era possível enxergar o bispo por meio dos dois telões em cada lateral. Sua primeira impressão no interior do templo foi de espanto diante da grandiosidade “é tudo muito bonito e chique”.

Célia, que se converteu à religião há 15 anos, diz acreditar na veracidade dos milagres “toda segunda eu faço corrente na João Dias, já passei por muitos problemas e depois que entrei na igreja, tive vários livramentos, sinto a conexão com Deus e tudo melhora”. Foi esse sentimento que diz ter tido ao entrar no templo e conta que é isso que leva tantos fiéis até lá: o poder da cura presente, mais do que em qualquer outro lugar. Para continuar frequentando durante o mês, ela pretende fechar pacote com as caravanas.

Contradições – Por conta de passagens da Bíblia que contradizem a ostentação e a necessidade do templo, muitos teólogos e pastores evangélicos são contra a construção da imensa obra. “Quando Jesus visse o tem-plo que a Universal construiu, ele iria mandar derrubar, sem dúvida.” Diz o pastor, teólogo

e criador do Fórum Cristão de Profissionais, Ed René Kivitz.

Frequentadora da Igreja Universal há um ano, Patrícia, que faz parte do grupo de evangeli-zação e oração da Igreja, diz que sentiu uma ener-gia diferente quando entrou no local, “nem se compara a outras igrejas.” Disse também que viu “muitos conhecidos e parentes se converterem por causa do templo, depois que eles entraram lá, mudaram de vida.” Porém, adverte “temos que tomar cuidado para não irmos adorar ao templo, temos que ir até lá para adorar a Deus.”.

Para Ed René, quando questionado sobre os efeitos do templo na grande massa evangé-lica brasileira, ele diz “o templo só vai afastar os fiéis do verdadeiro evangelho de amor e simplicidade”. Ariovaldo Ramos também explica as suas consequências diante dos líderes neopen-tecostais, “o templo causará muita inveja, não duvido que, em alguns anos haja uma disputa de megatemplos entre as igrejas”.

Também é colocada em xeque a enorme quantidade de regras a serem cumpridas para frequentar o local. Quando questionado sobre as normas, Edir Macedo explica à Folha Univer-sal “O Templo de Salomão não é para turismo, não é para passeio, não é para encontro com outras pessoas. O Templo de Salomão é para o encontro com Deus”. Ainda sobre as regras, Elaine Lobato, frequentadora do Templo, diz “A preparação, que acontece antes de você entrar, faz com que se deligue de tudo e pense apenas em Deus. Por isso, toda organização e as regras só me beneficiaram, pois me aproximaram mais de Deus.”.

Já para Joabe Santos, o templo entra em conflito com o evangelho em vários pontos: primeiro, ele diz que, “a fé, no sentido simples, nunca pode ser para o benefício próprio, mas para o benefício do outro. Edir usa a fé para o seu bem e estimula os seus seguidores a fazerem o mesmo”, ele também diz que “Edir Macedo explora o que tem de mais sagrado nas Escrituras, a ‘fé dos pequeninos’ e que a experiência com espiritual com Deus tem nada a ver com bens materiais, mas sim com uma relação de amor com Deus”.

Política se sobrepõe à fé – Estavam presentes na inauguração do megatemplo a presidenta Dilma Rousseff, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, o governador Geraldo Alckmin e vereadores da cidade. Com o início da corrida presidencial e das propagandas eleitorais, o intuito dos concorrentes é conquistar a simpatia dos fiéis da igreja evangélica, estimados em mais de 1,8 milhões pelo IBGE.

O PRB, Partido Republicano Brasileiro, também fundado por Edir Macedo, representa a igreja Universal nas bancadas eleitorais. Possuin-do alianças com o PT e apoiando a reeleição de Alckmin pelo PSDB, o feito conclui a hegemonia do pastor também em área política. O poder de Macedo sobre uma vertente religiosa, uma emissora de televisão e agora a popularização do partido político, coloca em voga a discussão sobre a real existência de um Estado laico no país.

A questão que gera discussões é a possí-vel influência dos líderes evangélicos na escolha eleitoral de seus seguidores, a presença da igreja na mídia pode levar a fé até as urnas, como ocorreu com o pastor Everaldo, pré-candidato à presidência da república e Marco Feliciano, um dos maiores nomes da bancada evangélica conservadora.

Edir Macedo, além de líder religioso é empreendedor. Proprietário da Rede Record de comunicação, possui o maior tempo de progra-mação na TV, superando Silas Malafaia e Valde-miro Santiago. Sobre o aumento dos cultos na mídia brasileira, o pastor, teólogo e filósofo Joabe Santos disse em entrevista “Os testemunhos te-levisivos sempre mostram pessoas que estavam na ‘lama’ em termos financeiros e que deram a volta por cima depois que compraram o produto vendido pela Igreja Universal – a benção. Qual é a diferença entre estes testemunhos e campa-nhas publicitárias para vender apartamentos ou carros?”.

Mesmo tendo que pagar uma taxa para assistirem ao culto diário, os fiéis não desanimam. Após enfrentarem dificuldades para adquirir o in-gresso, que esgota-se rapidamente, eles encaram a fila de espera para entrarem no templo com a naturalidade de quem vai ao parque de diversões. O espantoso diante da grande movimentação dos cristãos frequentadores da Igreja Universal é que sua maioria vive em uma realidade distante da grandiosidade e riqueza encontrada no santuá-rio. Mesmo com problemas financeiros, a fé que depositam nas palavras de Macedo ainda fala mais alto. Influenciados pelo pastor que prega a salvação por meio de doações em dinheiro, os seguidores fazem de tudo para garantir seu espaço no céu. Com 10.000 pessoas por culto para arrecadar o dízimo, Macedo pede durante a celebração para cada um depositar sua quantia em envelopes dourados.

Célia Góis deixou em casa seus três pri-mos para ir ao templo de Salomão. Aposentada, porém ainda trabalhando para complementar a renda insuficiente, não deixou de conhecer o local. “Eu frequentei bastante tempo a Catedral

“quando Jesus visse o temPlo que a universal Construiu, ele iria mandar derrubar, sem dúvida.”

(Pastor, teólogo e Criador do fórum Cristão de Profissionais, ed rené kivitz)

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Quando se pensa em teatro na cidade de São Paulo,

lembra-se do Tuca (Teatro da Universi-dade Católica), pertencente a PUC-SP (Pontíficia Universidade Católica de São Paulo), fundado no ano de 1965. O Tuca nasceu da vontade política da comunidade em construir um grande au-ditório com o objetivo de difundir a arte nos meios universitários e nas camadas sociais de baixa renda que não tinham acesso ao teatro. O primeiro passo foi a preparação de um projeto arquitetônico que interagisse harmonicamente com as outras construções da PUC, em estilo ne-ocolonial. Foi construído durante quatro anos e assinado por Benedito Calixto de Jesus Neto, arquiteto especializado em construções religiosas.

O nome Tuca é originado de um grupo de estudantes atores, que se reu-niam como teatro universitário. Após a idealização de construir um grande palco, pela PUC, o Departamento Cultural do Diretório Central dos Estudantes contra-tou grandes nomes do mercado teatral e televisivo: Roberto Freire para o cargo de diretor-geral; Silnei Siqueira para diretor de atores e José Armando Ferrara para cenografia. Com o apoio financeiro da Secretaria do Estado, surgiu o “Teatro Universitário da Católica”, deixando assim de ser chamado de Auditório Tibiriçá, seu nome original.

A inauguração do teatro, em 1965, foi marcada pela apresentação da peça Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto. O tex-to foi escolhido pois reunia diversas razões ao seu favor: seu autor era brasileiro, tratava de um tema da realidade social, ia ao encontro da ideologia estudantil e poderia congregar um grande número de atores. O texto Morte e Vida Severina, cujo título é uma alusão ao sofrimento enfrentado pelo personagem princiapl, Severino, foi escrito entre 1954 e 1955, ano em que foi publicado. O livro apresenta um poema dramático, que relata a dura trajetória de um migrante nordestino (retirante) em busca de uma vida mais fácil e favorável no litoral. É uma peça de teatro em versos. O autor resgata uma forma popular – os versos curtos – para tratar de um assunto que atingia particu-larmente o povo nordestino: a seca.

O período histórico da peça retrata os anos 1950 e se caracteriza na história brasileira pelo desenvolvimentismo do governo do presidente Juscelino Kubitscheck. Trata-se de um período de grande entusiasmo cultural e intelectual, que atinge o campo da literatura em autores como Guimarães Rosa e Clarice Lispector, além do próprio João Cabral.

A montagem da peça envolveu vários setores da universidade. Alunos de geografia, le-tras, direto e psicologia contribuíram substancial-mente com seus conhecimentos em cada área. O espetáculo foi musicado por ninguém menos

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Por Juliana venturi tahamtani Teatro da PUC-SP é um marco cultural e político para a cidade e para o país

símbolo de resistênciaTuca

CONTRAPONTO

que Chico Buarque, estudante da faculdade de arquitetura e urbanismo da USP, que naquela época participava com frequência dos ensaios. Em entrevista para a revista do Tuca, a Poramdu-bas, em setembro de 1980, Chico declarou que “Morte e vida foi para mim um grande impulso profissional. O João Cabral deve ter achado chocante a ideia de musicar o seu poema, que é muito seco, e o espetáculo adocicava um pouco. (...) Para elaborar a música eu lembro que ia na casa de um pesquisador e ouvia muita coisa que não conhecia. Foi a primeira pesquisa musical que fiz sobre músicas do Nordeste”.

O marco incendiado – Na década de 80 o Tuca sofreu dois incêndios, fazendo com que quase tudo fosse destruído. Dois anos depois foi reaberto, porém, devido a falta de recursos, mes-mo com o apoio de empresários, autoridades, ar-tistas, intelectuais, além de orgãos do Governo, o teatro funcionou em condições precárias até o ano de 2002 – mesmo após ter sido tombado como Patrimônio Histórico de São Paulo, em 1998.

Em 2003, com o apoio do Banco do Bra-desco e outras instituições privadas, além do apoio

e aprovação do Ministério da Cultura, o Tuca foi finalmente reconstruído. Atualmente, o teatro principal, que também conta com um teatro de arena, possui 672 lugares, com profundidade do palco de 14,11m e boca de cena de 13,10m. Além disso, o teatro oferece cursos teatrais: Formação de Atores; Criação e desenho de figurinos teatrais e moda; Teatro para crianças; iniciação teatral e Teatro para facilitar a comunicação.

O Tuca e a Ditadura Militar – Du-rante a ditadura Militar, o Tuca foi palco de importantes manifestações políticas, desempe-nhando um grande papel no contexto histó-rico brasileiro,servindo os interesses culturais, educacionais, artísticos, políticos e sociais da universidade e da população paulista. O Tuca contribuiu ativamente no processo de redemo-cratização, que aconteceria depois do fim do período ditatorial.

As ideias de renovação da cultura iriam se chocar com as barreiras estabelecidas pelo Ato Institucional Nº 5 (AI-5) a partir de 1968, que dava totais poderes ao governo e retirava dos cidadãos todos os seus direitos. Muitos cantores,

Fundado em 1965, teatro nasceu da vontade da comunidade e foi, alvo da ira da ditadura

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referência para setores organizados da sociedade que resistiram à ditadura. O que justifica seu tombamento em 1998 como Patrimônio Histó-rico de São Paulo

O Acervo e seus objetivos – Preocupado em preservar, valorizar e compartilhar parte de sua história, o Tuca criou em 2005 o Centro de Documentação e Memória (CDM). Desde o início de suas atividades, o centro adota procedimen-tos sistemáticos de preservação, tratamento e difusão de seu acervo documental, que inclui vasto material sobre espetáculos consagrados apresentados nos palcos deste teatro.

Em 2010, com o apoio da Lei Federal de In-centivo à Cultura e o patrocínio do Banco Safra, o CDM Tuca sofreu adequações físicas para receber equipamentos e materiais adequados à conserva-ção de documentos de importância social.

Ainda em 2011, uma parceria com a Im-prensa Oficial do Estado de São Paulo possibilitou o desenvolvimento do projeto de digitalização de parte substancial do acervo, aumentando as possibilidades de preservação e difusão de séries expressivas de cartazes teatrais, fotografias e, sobretudo, dos processos administrativos que permeiam a execução dos espetáculos nos palcos do teatro.

O acesso aos arquivos do teatro permite a revelação de conteúdos e tendências culturais e sociais, por meio da análise da natureza e perfil dos espetáculos musicais e teatrais, dos eventos cien-tíficos e políticos, dos atos e manifestações que aconteceram no teatro universitário da católica.

O Tuca veio para ficar – Dia 22 de se-tembro, é a data em que o Tuca comemora 46 anos e junto com esse evento acontece a inau-guração do CDM e a Exposição de Cartazes e documentos de peças, shows e eventos políticos que marcaram sua história.

Parte da história das artes cênicas e sho-ws da cidade de São Paulo e a total história dos 46 anos do Tuca está devidamente catalogada e disponível para a população para consultas, pesquisa ou apenas para saber o que de mais expressivo aconteceu nos palcos de um dos mais tradicionais teatros brasileiros.

O Tuca, além de manter uma programação que contribui com o crescimento cultural de São Paulo, reforça esse compromisso com a implanta-ção do CDM e com a abertura da Exposição de car-tazes das peças e shows que por lá passaram.

Em abril de 1965, cartazes espalhados pelo campus da PUC anunciavam: “O Tuca vem aí” e veio pra ficar!

“O Tuca foi importantíssimo a nível pes-soal, no sentido que foi a primeira vez que eu tomei consciência da importância do trabalho coletivo. Isso me marcou até hoje, porque fazer música é muitas vezes um ofício que sem que-rer te conduz a um individualismo, por ser um trabalho solitário, e pode te distorcer como ser humano. Em termos de trabalho universitário, o Tuca, quando surgiu, era a única perspectiva de trabalho integrado dentro da Universidade. O grupo foi muito importante, porque, até 1968, quando estacou tudo de novo, surgiram novos grupos, a partir do Tuca. Eu peguei a Universi-dade antes do Golpe de 64 e nesse tempo havia exposições, grêmio, discussão política. Depois de 64 a Universidade caiu num marasmo durante um ano e pouco, sendo que o Tuca foi o primeiro sinal de vida cultural universitária.”, destacou Chico Buarque para a Poramdubas.

compositores, atores e jornalistas foram “convi-dados” a deixar o Brasil. A repressão à produção cultural perseguia qualquer idéia que pudesse ser interpretada como contrária aos militares, mesmo que não tivesse conteúdo diretamente político. Por conta disso, os militares chegaram a prender, sequestrar, torturar e exilar artistas e intelectuais.

A resistência artística, assim como a cen-sura, tiveram diferentes fases durante o regime militar. Os primeiros anos depois do golpe foram de relativa liberdade de expressão. A censura tinha seus limites, refletindo a linha do ambíguo e moderado marechal Castello Branco. Com o endurecimento do regime, após 1968, a resis-tência cultural passou a viver maus momentos. Funcionários da Divisão de Censura de Diversões Públicas da Polícia Federal se instalaram nas reda-ções dos principais jornais e revistas, controlando tudo o que estava para ser publicado. Vira e mexe o espaço de notícias acabava preenchido por receitas culinárias e versos de Camões em

sinal de protesto aos conteúdos que haviam sido censurados. A fúria do aparato repressivo resultou em teatros destruídos, no sequestro e interrogatório de compositores e escritores.

A cassação dos direitos políticos e culturais influenciaram no teatro a manifestação da censu-ra através dos movimentos artísticos .Os teatros universitários eram também prejudicados pela desagregação do movimento estudantil.

Entre 1969 e 1974, o espaço Tuca começou a receber a apresentação de vários artistas de alto nível, que contribuírampara a educação e a abertura de um movimento contra a censura. Espetáculos musicais e teatrais expressivos fizeram parte da programação do teatro levando ao palco artistas como Elis Regina, Caetano Veloso, Chico Buarque, Vinícius de Moraes, Gianfrancisco Guarnierie e Fernanda Montenegro, que em muitas ocasiões lutaram contra a censura no período militar.

O grande significado de acontecimentos artísticos, atos públicos e cerimônias promovidas no local,transformaram o teatro da PUC-SP uma

“o tuCa foi imPortantíssimo a nível Pessoal, no sentido que foi a Primeira vez que eu tomei ConsCiênCia da imPortânCia

do trabalho Coletivo. isso me marCou até hoJe, Porque fazer músiCa é muitas vezes um ofíCio que sem querer te Conduz a um individualismo, Por ser um trabalho solitário, e Pode te

distorCer Como ser humano (...)”

(ChiCo buarque de holanda)

Além de peças de teatro e shows, o Tuca também oferece espaço para debates, artes e assembléias

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

Por andressa vilela

comissão da verdade da PUc-sP ProdUz relatório Parcial

Com pouco mais de um ano de trabalho, a pesquisa avança na luta por restabelicimento da verdade e justiça

No dia 27 de agosto, o Conselho Universitário da

PUC-SP (Consun) aprovou o relatório parcial elaborado pela Comissão da Verdade Nadir Gouvêa Kfouri, perten-cente à universidade. A pesquisa da Comissão tem sido elaborada desde o dia em que a mesma foi criada, por Ato Conjunto da reitoria, em junho de 2013. Desde então, a equipe formada por professores/as, alunos/as e um representante da Fundação São Paulo, tem procurado resgatar a importância do papel desempenhado pela univer-sidade durante o período da ditadura civil-militar, tempo em que a PUC-SP foi um verdadeiro pólo de resistência ao regime vigente.

Segundo o documento entre-gue ao Consun, alguns momentos em particular são de suma importância na reconstituição desta história, como o Movimento Estudantil nos anos de 1968/69, a assimilação e inclusão de professores e alunos perseguidos em outras universidades, a recepção de eventos proibidos, a experiência das comissões paritárias, entre outros. O relatório, portanto, é dividido em três sessões principais: A PUC-SP na déca-da de 60; a PUC-SP nas décadas de 70 e 80 e a importância cultural e política do Teatro da Universidade Católica de São Paulo, o TUCA, à época.

Para Rosalina de Santa Cruz Lei-te, professora da casa e pesquisadora da Comissão, o objetivo do projeto é, além de reconstituir a história da univer-sidade, elucidar a luta por democracia na PUC-SP atualmente. Ainda segundo ela, é de extrema importância que a Comissão Nadir Gouvêa Kfouri tenha convênio com as Co-missões Estadual e Nacional da Verdade, que são dois celeiros de intensa pesquisa e que possuem reconhecimento nacional e internacional.

O Relatório – Dentro da primeira sessão, o relatório parcial faz um rápido panorama de episódios marcantes para o Movimento Estu-dantil da PUC-SP, além de dedicar um tópico aos cinco estudantes mortos e desaparecidos que pertenciam à faculdade. Conforme consta no documento, quatro desses alunos faziam parte da Ação Libertadora Nacional (ALN) e um do Partido Comunista do Brasil (PC do B). Seus nomes vêm acompanhados de informações sobre sua vida acadêmica e militante, para que não se esqueça de quem eles foram e do legado que deixaram.

Já na segunda parte do relatório, são listados os nomes dos professores e professoras perseguidos ou demitidos por outras universi-dades, em virtude de questões políticas, que a PUC-SP acolheu. Entre eles/as, estão Florestan Fernandes, Paulo Freire e Octavio Ianni. Con-

forme escrito no documento, “a universidade ofereceu-lhes contrato de trabalho e, em con-trapartida, recebeu sua importante atuação na formação de estudantes, na colaboração com o quadro docente e na elevação da qualidade acadêmica da instituição”.

Nesse sentido, a PUC-SP não foi um local de acolhimento somente de militantes persegui-dos pelo regime ditatorial, mas também de even-tos que, à época, eram absolutamente proibidos. O III Encontro Nacional dos Estudantes (ENE) e o Primeiro Congresso Brasileiro Pela Anistia são exemplos disso.

O primeiro evento carrega consigo alta importância na resistência tocada pela PUC-SP. Foi durante o III ENE, em 22 de setembro de 1977, que o campus da Rua Monte Alegre foi invadido mediante violenta ação policial, encabeçada pelo Coronel Erasmo Dias. Segundo o relatório, “bom-bas tóxicas e inflamáveis, cassetetes elétricos e tanques de guerra” foram utilizados contra os es-tudantes que se reuniam. “Os policiais rasgaram cartazes, agrediram os estudantes que estavam na mesa do ato e encurralaram aqueles que ten-tavam furar o cerco policial”, prossegue o relato.

Descreve-se, então, que cerca de 900 pessoas foram levadas de ônibus até o Batalhão Tobias de Aguiar, sendo parte delas conduzida à sede do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Posteriormente, 37 estudantes foram indiciados na Lei de Segurança Nacional, entre eles, seis pertencen-tes à PUC-SP. Oficialmente, a polícia reconheceu 19 casos de ferimentos, sendo 18 mulheres e 1 homem. Entre as mulheres, os casos mais graves: duas alunas que permaneceram cerca de um mês no hospital, com queima-duras sérias. Do ponto de vista dos danos materiais, praticamente toda a mobília e equipamento do campus foram destruídos nessa ação.

No ano seguinte, em novembro de 78, a PUC-SP sediou as principais atividades do que seria o primeiro mo-vimento nacional unificado contra a di-tadura, o Congresso Brasileiro da Anis-tia, durante a gestão da reitora Profª Nadir Kfouri. A partir do encontro, a campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita cresceu e se intensificou por todo o país. Conforme o relatório, “entre os grupos de trabalho que contaram com intensa participação durante o evento, a imprensa destacou a mesa constituída pelo grupo sobre a questão dos mortos e desaparecidos, [...] que contou com a presença de mais de 200 familiares e no qual várias denúncias vieram a público”.

Em relação ao TUCA, o do-cumento tratou de evidenciar que o teatro ocupou um “lugar de criação cultural de vanguarda, de protagonis-

mo do movimento estudantil e de militância de diversos movimentos de resistência”. O relatório perpassa pela articulação do Grupo TUCA, assim como pela organização de sua primeira estreia: “Morte e vida Severina”, além de ressaltar que o Teatro também promoveu inúmeros shows de MPB e sediou, em 1968, o III Festival Interna-cional da Canção, promovido pela Rede Globo. Destacam-se também os incêndios que afetaram o local em 1984.

Hoje, após mais de um ano de trabalho, o balanço que a professora Rosalina de Santa Cruz faz é positivo. Segundo ela, o projeto recebeu um apoio maior do que o esperado inicialmente e ainda há muito o que fazer, já que a duração da Comissão é de dois anos, conforme o Ato inaugural. Para Rosalina, a missão do projeto não é simplesmente reconstituir fatos, mas sim pensar no futuro, “pois o aparato repressivo que servia aos militares 50 anos atrás ainda não foi desmantelado”. Nesse sentido, é necessário fortalecer o movimento por memória, verdade e justiça. Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça.

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Nadir Kfouri, então reitora da PUC-SP, enfrenta o coronel Erasmo Dias (ao

centro), após a invasão do campus pela polícia militar, em 1977 (foto abaixo)

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Por thiago munhoz

sob Pressão social, governo concede 10% do Pib Para a edUcação

Quero acreditar que o governo invista mesmo 10% do PIB em Educação o

mais rápido possível”, confessa Hamilton Octavio de Souza, docente do curso de jornalismo da PUC-SP. No final do mês de junho, a presidenta Dilma Rousseff sancionou, sem vetos, o novo Plano Nacional de Ensino (PNE). Desde a Consti-tuinte de 1986, ocorreram deliberações por parte de movimentos sociais e entidades da Educação com o objetivo de aumentar o investimento na educação brasileira. Esse novo plano tem como objetivo abarcar essas questões e demais projetos relacionados à área. Hoje o orçamento da União destinado ao ensino é entre 3 a 6% do PIB (Pro-duto Interno Bruto), e, com a nova política em vigor, será 10%.

Para atingir a meta, os mecanismos de captação e destinação de verbas educacionais têm que se tornar mais eficientes. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), responsável pelo repasse das verbas públicas educacionais, deve aumentar sua arrecadação por meio de novas medidas, junto do Salário Educação, que é uma contribuição social proveniente de empresas privadas. O ór-gão é de natureza contábil, de âmbito estadual e divide recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios vinculados à educação de acordo com o custo-aluno obtido em cada estado. Em 2013, por exemplo, o valor aluno ano da Fundeb foi de R$2.243,71.

O professor de jornalismo econômico acredita que o governo necessita retirar mais recursos “de algum lugar”. Poderia ser do “su-perávit primário”, conta reservada para o paga-mento de juros aos rentistas da dívida pública, ou através de outras medidas, como o imposto sobre grandes fortunas ou das remessas de lucro para o exterior. “É preciso tirar um pouco daqueles que estão acumulando rendas e riquezas sem maior contrapartida para a grande maioria do povo brasileiro”.

Entretanto, tais medidas afrontam o modelo econômico dominante, que favorece o capital financeiro. O governo, para chegar aos 10%, tem que se posicionar favoravelmente aos interesses do país como um todo, e não de uma minoria abastada. Como Hamilton acredita, garantir uma melhora na educação só depende da vontade política.

Uma possibilidade para incrementar os recursos na educação é com o Fundo Social oriundo da exploração petrolífera. Conforme previsto, uma taxa dos recursos provenientes da extração do pré-sal, junto com royalties, será investida em saúde e educação. Em entrevista para o veículo Brasil de Fato, o engenheiro Paulo Metri analisa a questão e acredita que a Libra não deveria ser leiloada, mas sim dada à Petrobrás para esta assinar um contrato de partilha de bens com a União e se comprometer a remeter 80% do lucro líquido para o Fundo Social, o que

Apesar de avanços, lei beneficia empresas privadas

“nenhuma empresa privada fará”. Em outras palavras, com esse leilão a parte destinada para a saúde e educação são pequenas e servem como formas de iludir o público brasileiro, enquanto o que vale mesmo é a riqueza produzida para os concessionários das jazidas.

De acordo com Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o que vai dar força ao PNE é a capacidade da população de cobrar do governo como uma meta. Em entrevista para o jornal Entrementes, da Unifesp, Cara, além de garantir ao povo essa responsabilidade de fiscalizador, atribui um papel fundamental à imprensa brasileira. “É preciso que a imprensa se preocupe com o PNE, não nessa vertente míope de que é preciso mais recursos ou é preciso mais gestão, como se as duas coisas fossem separadas”, afirma na matéria.

Sem dúvida a imprensa tem o dever de comunicar ao povo novidades de relevância nacional. Professor Hamilton sinaliza que a co-bertura da mídia sobre a situação da educação é sempre fragmentada e superficial. “Existe consenso nacional de que a educação deva ser prioridade, que é preciso investir muito mais; mas, quando se fala em utilização dos recursos públicos, a grande mídia comercial-empresarial-corporativa defende a aplicação desses recursos em escolas privadas, em parcerias com o ensino privado”, diz o docente.

Em contrapartida, meios de comunicação alternativos tentam tratar da educação de modo

menos raso. Estes, junto dos sindicatos de traba-lhadores e movimentos sociais populares, defen-dem e analisam a possibilidade da universalização de um ensino público de qualidade. Em outras palavras, criticam o modo com que a grande mídia e o governo tratam a educação brasileira, e delimitam meios com que a verba pública possa criar um novo sistema de ensino de amplo acesso e alto padrão. Para tanto, prescrevem políticas contra-hegemônicas, tal como imposto sobre grandes fortunas e as demais medidas mencio-nadas por Hamilton.

Para difundir de modo completo o projeto, o Ministério da Educação junto dos demais ór-gãos relacionados ao ensino, desenvolveu o livro “Planejando a Próxima Década - Conhecendo as 20 Metas do Plano Nacional de Educação”. Nele determinou que o PNE procurará, até 2024, reduzir a desigualdade de acesso e permanência em ambiente escolar, além de proporcionar uma melhor qualificação profissional. “Os países que conseguiram universalizar o ensino básico e médio investiram mais de 10% do PIB durante pelo menos duas décadas”. Também afirmou que todos os estudos mostram que o Brasil precisa investir muito, durante anos, para a universali-zação do ensino público, aumentar o índice de escolaridade da população e melhorar a qualida-de do ensino, nos vários níveis. Isso implica em qualificar melhor os professores, criar carreiras e aumentar os salários.

OrçamentoCONTRAPONTO

“é PreCiso tirar um PouCo daqueles que

estão aCumulando rendas e riquezas sem maior

ContraPartida Para a grande maioria do Povo

brasileiro”

“O Plano Nacional de Ensino pretende reduzir a desigualdade de acesso a permanência em ambiente escolar

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CONTRAPONTO20 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

Por Bia avila, manoella smith, marina campos, natalie majolo

e leonardo sanchez

100 anos de Um conflito inacabadoOficialmente, as batalhas terminaram em 1918, com a assinatura do

Tratado de Versalhes, mas seus reflexos perduram

Há cem anos começava um dos confli-tos que marcaria a história do século

XX. Em julho de 1914, as grandes potências europeias se dividiram em duas coalizões: a Tríplice Aliança (Itália, Império Austro-Húngaro e Alemanha) e a Tríplice Entente (França, Rússia e Reino Unido). Durante quatro longos anos, a população viu, horrorizada, uma guerra sem precedentes. O desenvolvimento da tecnologia trouxe um armamento novo para os campos de batalha, como tanques de guerra e aviões, que surpreendiam no alcance e na precisão contra seus alvos. A segunda (e mais longa) fase do con-flito foi caracterizada pela guerra em trincheiras - soldados ficavam por semanas abrigados em túneis enquanto atacavam o inimigo, passando fome e morrendo das mais diversas doenças. Os números da época ainda impressionam: mais de 60 milhões de homens participaram da Grande Guerra. O número de mortos chegou a 9 milhões e mais de 20 milhões ficaram feridos, muitos deles mutilados. As explosões de bombas arrasaram campos e indústrias, causando um prejuízo econômico enorme, principalmente na Europa. Encerrada em 1918, as consequências do embate permaneceram até o século XXI, no qual ainda ecoam. “Muitas das características da nossa época foram forjadas pelos quatro anos da loucura que tomou conta do mundo entre 1914-1918. Penso no conflito como um catali-sador de uma enorme quantidade de mudanças que iriam ocorrer de uma forma ou de outra. A maneira exata em que elas ocorreram é que foi definida pelo conflito – em especial pela sua escala e brutalidade”, opina Gustavo Corrêa Mirapalheta, doutor em Finanças e professor de Relações Internacionais da ESPM.

Com o término da guerra e a vitória da Tríplice Entente, os tratados de paz tinham que abarcar algumas mudanças geopolíticas impor-tantes que ocorreram, – principalmente com o desmoronamento dos Impérios Alemão, Austro-Húngaro, Russo e Otomano, que resultaram na criação de vários países. O primeiro acordo assi-nado que abordava as questões do Oriente Médio foi o Sykes-Picot, que dividia a região em duas esferas de influência: uma francesa e outra inglesa. O discurso era que os árabes eram incapazes de se autogovernar, visto que estavam acostumados com o domínio Otomano. A verdadeira intenção era criar regimes que fossem dependentes das grandes potências, principalmente da Grã-Bre-tanha, e explorar o petróleo da região. “Este acordo foi resultado do entendimento de que um forte aliado militar seria necessário para levar adiante a campanha militar na região”, observa Mirapalheta. Em paralelo, os britânicos afirmavam a Declaração de Belfourt, cuja intenção era des-membrar o poder Otomano - que compreendia os territórios da Síria (que na época incorporava a região do Líbano), da Mesopotâmia, da Palestina, da Transjordânia, parte da Península Arábica e da Turquia. O acordo apoiava o movimento sionista e a criação de um estado judaico na região onde encontra-se hoje a Palestina e Israel. A Declaração,

além de contrariar os desejos das comunidades palestinas, representou uma negação à sua própria nacionalidade e, para Gustavo, o ato não é em si a raiz dos conflitos que se perpetuam na região até hoje, mas “foi outro elemento que catalisou algo que iria ocorrer de um jeito ou de outro - neste caso, a criação do estado de Israel”.

As novas divisões territoriais começavam a se delinear. A Síria ficou sob controle francês e foi dividida em duas províncias, uma dando origem ao atual Líbano. O líder do clã Hashemita e da revolta árabe contra os Otomanos, Feisal, ganhou a Mesopotâmia (região que, em 1920, tornou-se o Iraque). Seu irmão Abdullah foi estabelecido na Transjordânia (atual Jordânia), cuja existência foi criada para harmonizar a Declaração de Balfour com o prometido suporte à criação de estados árabes independentes na região. O professor de Relações Internacionais aponta que os Estados foram criados a partir de interesses britânicos ou franceses e, portanto, a coesão interna nunca foi natural e dependia de regimes artificiais para se sustentar. “Estas fraturas aparecem hoje nos conflitos internos do Iraque e na constante in-tervenção da Síria no Líbano”, ele acrescenta. A Turquia emergiu como um dos únicos Estados re-almente independentes no pós-guerra. Liderando o Movimento Nacional Turco, Mustafa Kemal, um oficial do exército, conseguiu derrotar as forças da Tríplice Entente e proclamou a nova Repúbli-ca, liberta de influências das grandes potências. “Na minha opinião, os ingleses já sabiam que os Turcos, quando motivados, eram capazes de resistir à ataques, e uma nova batalha custaria muito caro”, opina o professor. Além disso, o regime turco tinha um modelo modernizador, afastando a Turquia das ambições imperiais do

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estilo Otomano, ou seja, a nação não aparenta-va desejo de disputar os países que os ingleses controlavam no Oriente Médio.

Ascensão dos EUA e do Japão – Duran-te todo o século XIX, a nação que se destacou como potência hegemônica foi a Inglaterra. Donos da maior produção industrial do século, os britânicos dominavam as rotas de comércio em escala global e tinham um controle marítimo incomparável ao de qualquer outra nação. Esse período em que a autoridade inglesa se estendia a todos os continentes ficou conhecido como Pax Britannica, ou Paz Britânica, e foi marcado por ser relativamente pacífico.

Em meados do século XX, os Estados Uni-dos já começavam a despontar como uma das grandes potências mundiais. Em 1918, com o fim da Grande Guerra, a Europa estava destruída tan-to física quanto economicamente, o que permitiu a consolidação da influência estadunidense. Com sua produção industrial diminuída e seu poderio bélico fatigado, a Inglaterra, assim como as ou-tras nações envolvidas no conflito, recorreram a empréstimos volumosos vindos dos Estados Uni-dos. A indústria na Grã-Bretanha, que sustentou o controle britânico por décadas, perdeu grande parte de seu mercado consumidor, que recorreu à produção norte-americana ou, em casos como o Brasil, fundou suas primeiras fábricas.

No oriente, o Império do Japão teve papel significativo na Guerra, assegurando o controle da Tríplice Entente nos oceanos Pacífico e Índico. Graças à sua participação no conflito, a nação asiática acabou sendo reconhecida como uma potência e sua influência sobre seu continente foi expandida.

Grande GuerraCONTRAPONTO

Os campos da comuna francesa de Belleau, perto de Paris, formaram o cenário de uma das principais batalhas da Primeira Guerra. Ocorrido em junho de 1918, o combate foi responsável pelo maior número de baixas do exército americano até então

“muitas das CaraCterístiCas da nossa éPoCa foram forJadas Pelos quatro anos da louCura que tomou Conta do mundo entre

1914-1918. Penso no Conflito Como um Catalisador de uma enorme quantidade de mudanças que iriam oCorrer de uma forma ou de outra.

a maneira exata em que elas oCorreram é que foi definida Pelo Conflito – em esPeCial Pela sua esCala e brutalidade”

(gustavo Corrêa miraPalheta)

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21CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

Grande Guerra foi justamente “o início da mu-dança da Europa para a América e Ásia do centro decisório da política internacional. A preeminên-cia dos Estados Unidos, no hemisfério ocidental, e do Japão, no hemisfério oriental, começou a ser percebida, ainda que desdenhada, ao final do conflito na conferência de Versalhes”. No caso dos Estados Unidos, essa situação acarretaria em sua ascensão como potência hegemônica no fim do século XX, com a Guerra Fria. Para os japoneses, o aumento de seu poder geraria uma participação ativa e decisiva ao lado da Alemanha e Itália na Segunda Guerra Mundial.

Revolução Socialista – A Rússia do século XX era o celeiro da Europa de um povo faminto. Cercada de contrastes e formada por um mosaico cultural, talvez tenha sido o país que mais sofreu com a Primeira Guerra. Desprepara-da, em um conflito que introduziu armas novas como a aviação, as armas químicas e os tanques, em 1916 a Rússia já contava milhões de mortos e mutilados. A Guerra não provocou a Revolução, mas certamente foi um agravante.

Na época, cerca de 80% da população russa era rural e o crescimento industrial já era notável. Entretanto, a propriedade encontrava-se predominantemente na mão da nobreza fundiá-ria. A fome entre a população era praticamente em sua totalidade com a chegada da Guerra. No dia internacional da mulher de 1917, a população saía às ruas de São Petersburgo (então chamada de Petrogrado) e gritava por “paz, pão e terra!”: pão para os operários, terra para os camponeses e paz para o povo russo. Os soldados que tinham como missão reprimi-los, juntaram-se a eles. Poucos dias depois o Czar renunciaria e a revo-

da guerra, na Inglaterra, levou rapidamente ao direito ao voto, ao trabalho e à independência pessoal e financeira do público feminino. Isto trouxe efeitos profundos na forma como as de-mocracias ocidentais passaram a ser geridas.

Essa consequência da Primeira Guerra re-flete na sociedade atual. O professor Mirapalheta acredita que a economia é o fundamento das regras sociais e que, devido à grande evolução

tecnológica durante o século XIX, essas mudanças iriam acontecer de qualquer forma. Entre elas, estava a ascensão da mulher na sociedade. “Não tenho como precisar, mas se tivesse que ‘chutar’ diria que ela acelerou o processo de inserção da mulher na sociedade, como um participante ativo (do ponto de vista político e econômico) em pelo menos 20 anos”, disse ele.

Apesar disso, não é possível afirmar que as mulheres conquista-ram todos os direitos reivindicados nessa primeira onda do feminismo. As ditas conquistas foram obtidas de maneira distinta e em momentos distintos nos diversos países. “No caso dos direitos das mulheres, mais uma vez me vem à mente que a tecnologia e seus efeitos na econo-mia são os fatores que dirigem uma sociedade”, afirma Gustavo nova-mente. Segundo ele, o clima para a integração feminina na sociedade já existia na primeira metade do século

XX (as duas guerras mundiais garantiram isso). Contudo, o fator que realmente colocou as relações entre os sexos em pé de igualdade de fato, segundo Gustavo, foi a invenção da pílula. Com essa inovação tecnológica o poder do ho-mem de decidir quando a mulher engravidaria inverteu-se e possibilitou a implementação das mudanças que vemos hoje.

A Primeira Guerra Mundial pôs fim à belle époque – período em que a Europa foi tomada por um clima intelectual e artístico, sem grandes preocupações - além de acelerar e desen-cadear uma série de mudanças que alteraram de forma permanente o cenário político, econômico e social do mundo. Mirapalheta acredita que as lideranças políticas não tinham noção do que seria o conflito e “esta dicotomia entre o mo-delo e a realidade levou sem sombra de dúvida às irresponsáveis decisões de julho de 1914”. A guerra foi apenas o começo de um dos séculos mais conturbados da história, que influenciou de maneira direta movimentos fascistas, a Segunda Guerra e a Guerra Fria. Muitas das características do mundo contemporâneo foram forjadas pelos quatro anos de loucuras que tomaram conta do mundo. A Grande Guerra foi a mãe das guerras do século XX e XXI.

vencido a guerra, a onda socialista espalhou-se por toda a Europa e foi reprimida com rapidez igualitária.

Em 1922 a Rússia passou a se chamar União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e voltou-se para o crescimento interno. Rica em recursos minerais e naturais, logo tornou-se uma potência industrial e bélica nas mãos do gerenciamento stalinista. Com a explosão da Segunda Guerra, o bloco socialista lutou ao lado do símbolo do capitalismo, os Estados Unidos, para derrotar a Alemanha Nazista.

Primeira onda feminista – A maior con-sequência da Primeira Guerra no campo social foi causada pela ausência dos homens nas atividades do cotidiano, o que gerou um vácuo no poder que foi preenchido pelas minorias que, durante e depois do conflito, obtiveram, mantiveram e expandiram os seus direitos. Um exemplo típico dessa situação é o espaço conquistado pelas mu-lheres no ambiente produtivo devido à enorme quantidade de homens que foram deslocados para as frentes de combate. Tal situação, ao final

“não tenho Como PreCisar, mas se tivesse que ‘Chutar’ diria que ela aCelerou o ProCesso de inserção da mulher na soCiedade, Como

um PartiCiPante ativo (do Ponto de vista PolítiCo e eConômiCo) em Pelo menos 20 anos”

(Professor miraPalheta)

Mapa da Europa antes da Primeira Guerra Mundial (à dir.). Consequências geográficas do conflito são mostrados na imagem (à

esq.), marcada pelo surgimento de novos países

Após 1918, o Japão tomou posse de extensões alemãs no Pacífico e sua autoridade sobre a Ásia fez com que em 1931, a Manchúria, região no nordeste da China, fosse invadida, situação que se manteve até o fim da Segunda Guerra Mundial e ainda hoje gera antipatia entre japoneses e chineses.

De acordo com o professor Gustavo Cor-rêa Mirapalheta, a maior consequência política da

lução democrático burguesa foi instaurada com o governo provisório. Somente em novembro a revolução socialista colocaria os bolcheviques no poder e então a Rússia sairia da guerra.

Após a revolução, o país passou por uma Guerra Civil (1918-1921) que separou os con-trarrevolucionários do exército branco, apoiados pelos EUA, Inglaterra, França e Japão, do exército vermelho, composto pelos bolcheviques. Tendo

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CONTRAPONTO22 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

Em Memórias de minhas putas tris-tes, sua primeira obra fictícia, ao

seus plenos 51 anos de idade, Gabriel Garcia Marquez conta historia de um desiludido jor-nalista de 90 anos. A trama se desenrola em uma província colombiana em 1930. Cansado de sua longa vida monótona, que pratica-mente se resumiu em frequentar concertos de músicas clássicas, escrever suas previsíveis crônicas dominicais e ficar pulando de bordel em bordel para satisfazer seus desejo sexuais, o jornalista resolve se meter em mais uma “aventura” completamente insana.

Ao completar 90 anos o velhote resolve se presentear com “uma noite de amor louco com uma adolescente virgem” e apela para Rosa das Barcas, dona de um dos bordéis da cidade e amiga de longa data. No início da madrugada, o solteirão mais velho da cidade se dirige ao bordel para encontrar a menina de 15 anos que sua amiga havia arranjado.

Ao encontrar a tão sonhada ado-lescente, desnuda e dormindo na cama do quarto `a sua espera, o personagem tem uma reação totalmente diferente do esperado. Se apaixona pela menina a ponto de não conseguir tocá-la e inclusive a batiza com um nome: Delgadina. A partir daí o jornalista cria uma fantasia com a menina e sua vida, que antes era cinza, fica colorida e a velhice passa a ser o menor dos seus problemas.

Te escrevo sem saber quem tu és, mas na esperança de um dia te encontrar. Te escrevo pra buscar

sanidade em mim, ou pelo menos conviver em paz com minhas loucuras. Não consigo sequer te imaginar. Tua forma não passa de um borrão que compõe meu acervo de não-imagens. Ainda assim, te escrevo querendo encontrar em mim mais do que há hoje.

Te escrevo sem pudores. Pra ti, sou toda nua. E sou também tudo o que há de inquietante e indiscreto nesse instante. Em um segundo, porém, já não sou mais. Sou agora o choro da agonia pré-existente. A pulsação de um coração cansado e abatido, gigante e também todo nu. Meu coração me descreve e se te escrevo é por-que, mesmo sem te conhecer, meus batimentos te chamam.

E à procura de sanidade, já me perdi de novo. Porque tantas luzes na cidade não podem ter, senão, esse intuito. Te procuro por todas elas ou finjo te procurar porque na verdade eu quero mesmo é o sossego de um colo quente. Mas bebo uma cerveja gelada e quando dou por mim, acordo ao lado de alguém de mãos também frias e olhar vazio.

Acordo querendo te escrever e te escre-vo porque sei que existe em ti algum pecado desconhecido. Alguma coisa inexistente, que não procura em mim qualquer resquício de hu-manidade. Mas, se ainda os tenho, é porque te escrevo. E se te escrevo é porque meu corpo ousa dançar uma música inaudível para qualquer outra pessoa. Mas ainda sem saber quem és tu, sei que ouves a mesma música

que eu danço, desenfreadamente, por todos os cantos de mim. Num ritmo acelerado, sou eu mesma as luzes da cidade. Sou também as buzinas, sire-nes, outdoors e placas de motel. Sou o pecado, a nudez, a paixão, a violência e os vícios. E te procuro em cada uma dessas coisas. E me desenho em cada uma dessas coisas.

Deito no teu colo inexistente e todas as palavras jamais vomitadas por mim, emergem num milésimo de segundo. Se tu colo físico fosse, forma-ríamos um bom par de valsa. Mas, por enquanto, só te escrevo. E te escrevo pra dizer que qualquer sanidade jamais será alcançada. Mas que a utopia dos poetas continua sendo o catalisador da existência humana.

Te escrevo porque te amo, em-bora, na verdade, eu saiba que nunca vou te conhecer. E se tua silhueta sequer compõe meu acervo imagético, é porque deves continuar existindo em mim utopicamente.

Te escrevo porque fazes parte do meu acervo cósmico. E se sou as luzes da cidade, se sou nua, se sou coração e se sou instantes, tu és, então, tudo.

Gabriel Marques fomenta uma reflexão sobre a vida no envelhecimento, na solidão, na lucidez e obviamente, no amor. Um velho que passou a maior parte de sua vida nos prostíbulos colombianos se apai-xona por uma menina que poderia ser sua bisneta. O personagem volta no tempo, parece um adolescente que encontra seu primeiro amor. Noites sem dormir, expirações na rotina, boa relação com os jovens da redação. Tudo muda!

As descrições físicas ganham destaque, prin-cipalmente quando o narrador descreve Delgadina. Adjetivos e metáforas e contribuem para aproximar o leitor da obra.

Sem dúvida nenhuma a obra é muito maior do que as 100 páginas que a constituem. O leitor se familiariza coma vida do senhor e embarca em um imprevisível romance além de se questionar sobre sua atual situação social/amorosa.

“nascendo aos 90 anos”

transcendência

Por andré neves sampaio

Por andressa vilela

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MeMórias de Minhas putas tristes Autor: GAbriel GArciA MArquez

editorA: record, 2005, 132 páGinAs

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23CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

Por Bia avila

■ Violência policial marca reintegração de posse em SP

Cerca de 200 famílias foram obrigadas a deixar uma ocupação, localizada em um prédio abandonado há mais de dez anos no centro de São Paulo. A reintegração de posse foi marcada pela violência policial: diante da resistência dos moradores, policiais jogaram bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha, in-clusive dentro do prédio enquanto grávidas, crianças e idosos estavam lá dentro.

O prédio do antigo hotel Aquários estava ocupado há pelo menos seis meses quando os moradores receberam a notícia que teriam que deixar a propriedade. A decisão foi da juíza Maria Fernanda Belli, da 25ª Vara Cível do Foro Central. A reintegração foi mar-cada para o dia 16 de setembro, e a Justiça requisitou o apoio da PM durante a ação. Pela manhã, os policiais chegaram ao local e pediram para todos saírem imediatamente, o que foi contestado pelos ocupantes, pois não teriam tempo de pegar seus pertences. Houve confronto entre os policiais e os moradores, deixando ao menos três feridos, entre elas uma criança, uma grávida e dois policiais. Além disso, ruas foram bloqueadas, um ônibus foi queimado e cerca de 70 pessoas foram presas.

■ Cantareira: parte do volume morto pode acabar em outubro

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) anunciou que a primeira parte do volume morto do Sistema Can-tareira pode acabar no dia 27 de outubro. A crise hídrica vai afetar mais de 8 milhões de pessoas na Grande São Paulo.

O comitê anticrise da Sabesp calculou que, para que a água do sistema fique disponível para a população até 30 de novembro, seria neces-sário 51 milhões de metros cúbicos.

Apesar dos dados alarmantes, em nota, a Sabesp afirmou que o “volume é su-ficiente para o abastecimento até março de 2015, no ponto alto do período das chuvas” e que os cálculos se basearam em projeções pes s im i s ta s , considerando pouca entrada de água.

Documentos obtidos pela CPI da Sabesb da Câmara Municipal de São Paulo mostram que as perdas de água no sistema de abastecimento da empresa giram em torno de 32% desde 2010 - ou seja, a cada três litros captados pela represa, um é disperdiçado. Há questionamentos sobre a infraestrutura das tubulações e da rede de distribuição.

■ Hoje eu quero voltar sozinho representará Brasil no Oscar

Marta Suplicy, ministra da Cultura, anunciou durante evento na Cine-mateca Brasileira que o longa-metragem de Daniel Ribeiro, Hoje eu

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quero voltar sozinho, representará o país no Oscar 2015 na categoria de melhor filme estrangeiro. O filme concorrerá a uma vaga na seleção dos cinco melhores que vão à premiação do ano que vem. Os finalistas devem ser anunciados em janeiro.

O filme conta a história de Leonardo (interpretado por Ghilherme Lobo), um adolescente homossexual com deficiência visual. No longa, o protagonista tenta mostrar para os pais superprotetores que, mesmo cego, consegue ser independente. Ao mesmo tempo, o jovem se apaixona por seu amigo Gabriel (Fabio Audi) e tem que lidar com a descoberta da própria sexualidade, além de precisar suportar o bullying dos colegas da escola.

Hoje eu quero voltar sozinho já faturou o prêmio da Federação da Crítica Internacional (Fipresci), na seção Panorama do Festival de Berlim. O filme foi bem recebido pelos críticos do festival e foi bem aplaudido no final da sessão.

■ Ciclovias são aprovadas por 88% dos paulistanos

Pesquisa realizada pelo Ibope, a pedido da Rede Nossa Sâo Pau-lo, mostrou que 88% da popu-lação paulis-tana apoia a implantação das ciclovias em São Paulo. O prefeito Fer-nando Haddad (PT) já declarou que pretende construir 400 km de ciclovias até o final de sua gestão, em 2016.

Até agora, 78,3 km de ciclovias foram entregues para a cidade, em avenidas como Brigadeiro Faria Lima e Henrique Schaumann.

A mesma pesquisa ainda mostrou que 90% dos entrevistados mostra-ram apoio a ampliação das faixas de ônibus. Até agora, já são 358 km de faixas para os ônibus desde a posse de Haddad. Para 71% dos entrevistados, o trânsito melhorou com essas medidas.

Durante evento da Rede Nossa São Paulo, o prefeito se declarou surpreso com os resultados da pesquisa e afirmou que sua gestão procura um equilíbrio entre os diferentes tipos de transporte: “Não se trata de ser contra o transporte individual motorizado, se trata de equilíbrio entre o pedestre, o ciclista, o usuário do transporte público, seja ônibus ou trem, e o transporte motorizado individual. Isso que nós estamos tentando para a cidade de São Paulo”, declarou.

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Ação violenta da polícia militar no centro de São Paulo

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CONTRAPONTO24 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Setembro 2014

todos que se recordam do Nicolau é o fato de que suas aulas eram abarrotadas de estudantes. Ele era capaz de transmitir à audiência a paixão pelo conhecimento da cultura como algo vivo, dinâmico, contraditório, repleto de possibilidades transformadoras.

Em contrapartida, no trato das coisas co-tidianas - incluindo manutenção de uma agenda atualizada, papeis burocráticos, contas a pagar e os infinitos pequenos aborrecimentos diários -, Nicolau era um desastre absoluto. Sorte dele poder contar com estrutura montada pela com-panheira de todas as horas Cristina Carletti. Certa vez, por exemplo, chegou à sua casa alarmado, e disse a Cristina que um “carro estranho, algo parecido com uma perua Kombi” tinha batido em seu próprio carro, num ponto da marginal Tietê de São Paulo. A tal “perua Kombi”, viu-se depois, era nada menos que uma Mercedes Benz conversível.

Em outra ocasião, após um jantar na pizzaria Castelões, situada no Brás (São Paulo) – adorada por ele como uma espécie de Meca gastronômica –, Nicolau disse que tinha perdido a chave do carro. Depois de muito tempo procuran-do por todos os lugares possíveis e impossíveis, ele se deu conta de que a chave esteve, o tempo todo, num bolso interno de sua jaqueta.

Aos seus amigos, aliás, causou uma certa estranheza, não a nomeação ao cargo de chefe de um departamento de Harvard – mais do que justificada, do ponto de vista da competência intelectual –, mas o fato de Nicolau tê-lo aceito. Ninguém conseguia imaginá-lo com uma planilha nas mãos, com a responsabilidade de planejar a grade curricular de vários professores durante

adeUs a Um grande amigo (*)

A gente tem vergonha histórica por ter sido um país por um longo tempo

dominado por analfabetos. Há um preconceito de que analfabetismo é sinônimo de ignorân-cia. Essa visão distorcida prevalece: as pessoas que pertencem à cultura oral até procuram disfarçar o fato de não conseguirem ler ou es-crever. É uma lástima, porque essa cultura oral tem riqueza milenar. Por ter tido uma popu-lação isolada durante muito tempo no sertão, o Brasil preservou ali grande parte do tesouro cultural da Idade Média, que vinha de milênios da cultura oral, que se extinguiu na Europa, mas em grande parte continua aqui com seus mitos, representações simbólicas, tradições. É um tesouro de valor pouco reconhecido e apre-ciado. Qualquer pesquisador estrangeiro tem muito mais desprendimento para compreender a riqueza dessa tradição oral do que as partes mais educadas da nossa população.”

O historiador Nicolau Sevcenko, autor do afirmação acima, não está mais entre nós. Faleceu em 13 de agosto, vítima de um infarto cardíaco fulminante, aos 61 anos. O trecho faz parte de uma entrevista por ele concedida a Caros Amigos, no início de 2014, publicada no fascículo sobre “Canudos” da coleção Revoltas Populares. Na entrevista, Nicolau retoma o tema central de seu livro Literatura como missão, resultado de seu trabalho de doutorado na Universidade de São Paulo, tão bem descrito pelo também historiador Elias Thomé Saliba, amigo de longa data:

“Em 1981, Nicolau defendeu sua tese de doutorado, em sessão histórica, que contou com a presença de Sérgio Buarque de Holanda na sua última aparição pública, pouco antes do seu falecimento. (...) Com olhares simultâneos – um na história social e outro na história da cultura –, Sevcenko propunha uma análise original das consciências polarizadas de Euclides da Cunha e Lima Barreto, demonstrando brilhantemente o quanto a literatura transformou-se naquele ‘testemunho triste, porém sublime, dos homens que foram vencidos pelos fatos.’”

Nicolau era um crítico arguto da história da cultura, capaz de identificar, nos menores gestos e modos de expressão, costumes, formas de percepção e relações (os “tesouros” a que se refere) que são o resultado de desenvolvimentos de séculos e milênios de trocas entre as mais diver-sas sociedades. Falava com entusiasmo e alegria de suas não raro surpreendentes “descobertas”. Seu olhar era generoso, e por isso crítico das perspectivas mesquinhas adotadas pelas elites ao falar dos “analfabetos”. Nicolau, um erudito sob qualquer ponto de vista, nada tinha que ver com a “torre de marfim” construída pela academia, a partir da qual os intelectuais tradicionais produzem tratados sobre como vive “o povo”.

Seu talento como intelectual e pesqui-sador foi reconhecido em escala internacional. Professor nas mais importantes universidades brasileiras (incluindo USP, Unicamp e PUC) e na Universidade de Londres, acabou sendo no-meado chefe de um departamento de Harvard, referência planetária de qualidade de pesquisa universitária. Nos últimos anos, dividia o seu tempo entre as aulas na USP e em Harvard. Uma das primeiras características notadas por

José arbex Jr.

todo o semestre. Nicolau era, sobretudo – e qua-se que exclusivamente – pesquisador, professor e, ninguém é perfeito, torcedor do Santos Futebol Clube (seria muito melhor se corintiano, é óbvio). Tudo, menos um burocrata.

E era também um grande amigo. Adorava reunir a turma toda em sua casa, na companhia de um número quase infinito de gatos, promo-ver jantares, falar de banalidades a noite inteira, dar muita risada entre bons pratos – adorava, em especial, leitão à pururuca –, cervejas e vi-nhos, sempre ao som de trilhas sonoras criadas por Cristina, que incluíam de rock a – porque não? – Cauby Peixoto, passando pelos mais variados gêneros contemporâneos. É muito, muito estranho imaginar que a criatura já não está entre nós.

Com a palavra, novamente, Elias Thomé Saliba: “Afável, generoso, solícito, sempre bem-humorado, trabalhador infatigável, dificilmente conseguia dizer “não” quando solicitado – e sempre foram muitas as solicitações. Havia nele um coração de criança, que conservava sempre aquela possibilidade de se surpreender com a vida e de enxergar o passado como uma criança vê as primeiras imagens que chegam aos seus olhos. Seu desaparecimento precoce é, para nós, a perda de um amigo e do mais formidável dos nossos interlocutores intelectuais. O que é quase nada diante da perda irreparável para a historio-grafia e para a cultura brasileira de um dos mais brilhantes dos seus historiadores.”

Adeus, Nicolau

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Ex-professor da PUC foi expoente, no Brasil, de uma vertente que confere centralidade ao estudo da produção literária e cultural

como ferramenta para compreender a história

Nicolau Sevcenko (1952-2014)

CONTRAPONTO

(*) Artigo originalmente publicado na revista Caros Amigos