Contraponto Nº97

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP ANO 15 N 0 97 Março 2015

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Abril de 2015

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP

ANO 15 N0 97 Março 2015

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CONTRAPONTO2 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

PUCPontifícia Universidade católica

de sÃo PaUloPUc-sP

reitor

vice-reitor

Pró-reitora de Graduação

Pró-reitor comunitário

facUldade de filosofia,comUnicaçÃo, letras e artes

faficla

diretormárcio alves da fonseca

diretora adjuntaregiane miranda nakagawa

chefe do departamento de Jornalismovaldir mengardo

coordenador do Jornalismomilton Pelegrini

vice-coordenador do Jornalismofrancisco chagas camêlo

c o n t r a Ponto

conselho editorialHamilton octavio de souza, José arbex Jr.,

marcos cripa e Pollyana ferrari

comitê laboratorialluiz carlos ramos, rachel Balsalobre, salomon cytrynowicz, Wladyr nader

editorJosé arbex Jr.

ombudsmanHamilton octávio de souza

secretárias de redaçãomariana castro e maria eduarda Gulman

secretária de produçãoBia avila

editor de fotografialeonardo m. macedo

PUC

E D I T O R I A L

SUMÁRIOcapa: diego Gutierrez(foto de fundo)

Bruna scavuzzi (fotos manifestação)

revoltas Manifestações ganham as ruas pág. 3

educação Menos desigualdade, mais conteúdo pág. 6

prouni Coletivo reivindica melhorias pág. 7

islamofobia “Je suis Humano” pág. 8

imigração Soy loco por ti, América pág. 10

ensaiofotográfico Hermanos del Sur pág. 12

amazônia A realidade que inspira as lendas ribeirinhas pág. 14

cultura “Eu quero ver o Ilú passar” pág. 16

“mãesdemaio” Democracia para quem? pág. 17

baixaria Diante da crise, o que resta é apelar para a audiência pág. 18

internacional Qual será o destino da Havana? pág. 19

cultura O movimento da arte pág. 20

resenha “Da minha terra à terra” pág. 22

crônica Olhos de persiana pág. 22

antena 15 de março de 2015: um dia para refletir pág. 23

esporte Em meio a crise, futebol brasileiro busca se reinventar pág. 24

simetria design Gráfico – projeto/editoraçãoWladimir senise – fone: 2309.6321

contraPonto é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da PUc-sP.

rua monte alegre 984 – PerdizesceP 05.014-901 – são Paulo – sP

fone: 3670.8205

número 97 – março de 2015

cill Press Gráfica e editorafone: 993.583.533

Fale com a gente

envie suas sugestões, críticas, comentários: [email protected]

Não vamos deixar que a PUC morraDemissão de professores, corte do subsídio alimentação, aumento abusivo das mensalidades,

perseguição política a estudantes e professores, fechamento de turmas, mercantilização do ensino e falta de diálogo com a comunidade. Entre outros, esses são os sintomas que estão levando a história e o ensino de qualidade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ao fim.

A mazela que aos poucos desfalece a comunidade puquiana, é causada pela Fundação São Paulo (Fundasp), mantenedora da Universidade, que há muito tempo deixou a filantropia e o projeto de universidade socialmente referenciada para trás e em troca adotou a lógica do lucro. O ensino como mercadoria veio acompanhado da precarização do trabalho dos pro-fessores e funcionários, componentes vitais para a PUC-SP. Aos poucos, a estrutura interna e acadêmica da universidade é destruída e cada vez mais os estudantes sentem brutalmente os efeitos colaterais.

A crise financeira da PUC-SP é uma das desculpas da Fundasp para tentar justificar o aumento das mensalidades, que como uma febre só sobe a cada ano. Em decorrência disso, muitos estudantes não resistiram O índice de evasão é enorme. Os cursos que não geram retorno financeiro para a mantenedora estão sendo fechados e mais uma vez a produção de conhecimento em áreas importantíssimas para a sociedade perde para o lucro. Está mais do que claro que o projeto imposto pela Fundação é tornar a PUC-SP uma empresa cada vez mais lucrativa. Com mais espaços para parcerias com bancos e empresas privadas e menos espaço para o acesso e permanência estudantil.

Em 2006, a demissão em massa de professores e a criação do Conselho Administrativo (Consad), que acima de outros órgãos toma todas as decisões financeiras da universidade, indicava que o quadro ficaria ainda mais sombrio. Dito e feito. Em 2012, o golpe quase fatal arquitetado pela Fundasp, levou à perda daquilo que era a característica de resistência da universidade: a democracia. A escolha da comunidade puquiana nas eleições para reitoria foi ignorada e a imposição de Anna Cintra, terceira colocada na votação, enquanto reitora fez com que nosso estado piorasse e deixasse uma ferida aberta na história de luta da universidade que sempre escolheu sua reitoria. Mesmo durante os anos de chumbo, elegeu Nadir Gouvêa Kfouri como reitora por meio de eleições diretas.

Mesmo com dificuldades, o movimento estudantil teve forças para dar um sopro que reanimou a universidade. A ocupação legítima da reitoria em março desse ano, com todas as reinvindicações para combater a crise, foi recebida de forma truculenta e criminalizadora pela Fundação, que ao negar o diálogo aberto e direto, não hesitou em organizar a entrada da Polícia Militar no campus, que felizmente não aconteceu.

A PUC-SP está em decadência. A democracia perde para a burocracia nos departamentos de curso e nas instâncias superiores. Mas, apesar de tudo, a situação é reversível por meio da luta unitária entre estudantes, professores e funcionários. Por meio da resistência, das mobilizações e discussões sobre o projeto de universidade que queremos. Como gritaram os estudantes, lamentando a morte da democracia e a falta de diálogo: “Demitam a Fundação, os professores não!”. Afinal, a PUC é nossa e não deixaremos que ela morra.

EXPEDIENTE

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

Por Bruna scavuzzi, fernando oliveira, Paulo Yamamoto e cesar rota

RevoltasCONTRAPONTO

Grandes mobilizações não aconte-cem por acaso. Tanto a “Diretas Já!” e o “Fora Collor”, duas

das maiores (ou mais divulgadas pela mídia) mobilizações brasileiras, foram consequências de paradigmas nacionais que obviamente não agradaram a maioria dos cidadãos.

As manifestações de sexta-feira (dia 13/03) e domingo (dia 15/03) tampouco foram simples atos de catarse momentânea. É preciso expor, pois, todo o panorama político que resul-tou em tantas reivindicações variadas (até mesmo opostas). Apenas desta forma o público de ambos os dias será melhor compreendido.

De junho de 2013 à março de 2015: o panorama político protagonista da revolta brasileira.

O vendedor Danilo Carçola foi um dos que compareceram à manifestação do dia 15 de mar-ço (domingo) para protestar contra o governo. O que o distinguiu das outras pessoas ali presentes foi o fato de fazer parte de um grupo a favor de uma intervenção militar provisória. Segundo ele, somente com a saída da Dilma Rousseff seria possível salvar a democracia e acabar com a corrupção.”Não estamos aqui pedindo apenas o impeachment da Dilma, estamos aqui pedindo uma intervenção militar para que acabe de uma vez por todas com toda a corrupção.”

Ainda que nem todos da multidão pen-sassem como Danilo sobre a participação militar no movimento, a grande maioria achava que a saída da presidente seria necessária para a me-lhoria do país. Todavia, muitas pessoas quando questionadas se gostariam de ser representadas por algum outro partido, se orgulhavam em apoiar o argumento apartidário duvidoso sobre o qual o ato havia se estabelecido.

A bandeira apartidária havia sido posta em cheque dias antes da manifestação, quando o maior partido de oposição ao governo, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), emitiu uma nota em solidariedade. Mais que isso, o ex-candidato a presidência da república e atual presidente nacional do partido, Aécio Neves, publicou em sua página oficial do Facebook um vídeo, através do qual convocou o povo a parti-cipar do “dia que vai ser lembrado para sempre como o dia da democracia”. O senador voltou à rede social para dizer que “após refletir muito, optou por não estar nas ruas no domingo, para deixar claro quem foi o grande protagonista da manifestação.”

Aécio certamente se referiu ao povo quan-do disse “grande protagonista”. No entanto, mesmo que os manifestantes tenham se vanglo-riado pela autonomia política do ato, a disputa que acontece há algum tempo nos bastidores - entre oposicionistas e adeptos ao governo- é que, de fato, comandou todo o primeiro ato dessa peça que promete uma continuação.

As jornadas de junho de 2013 foram um marco. Encabeçadas pelo Movimento Passe Livre (MPL), apesar de terem sido feitas inicialmente com o objetivo de reduzir a tarifa do transporte

da insatisfação da população. Nesse sentido, a crise econômica e a investigação de corrupção da Petrobrás apareceram para ajudar o PSDB.

As promessas da segunda campanha eleitoral ainda não foram cumpridas e, mesmo o segundo mandato sendo recente, a insatisfação é significativa. A política desenvolvimentista de reindustrialização do país fracassa desde o pri-meiro mandato, a crise das commodities bateu à porta e, desta forma, tornou-se necessário medi-das de austeridade. Tanto a burguesia industrial, quanto a esquerda, portanto, não se sentem suficientemente contempladas pelo governo.

Como se o reajuste fiscal não fosse o bastante para descontentar a população, um dos maiores casos de corrupção foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal (PF): a lavagem de dinheiro e a forma-ção de cartel em órgãos públicos, em especial a Petrobras.

Apesar da investigação citar nomes que pertencem a partidos políticos variados, o Partido dos Trabalhadores foi o mais afetado, tanto pelo seu histórico de corrupção durante o governo Lula, quanto pelos esforços do PSDB que, mesmo sendo um dos envolvidos, não deixou de utilizar o caso em seu favor.

A opinião da paisagista Sandra (preferiu não revelar o sobrenome), 44 anos, foi um exem-plo de como as investigações de corrupção não afetaram a reputação oposicionista no eleitorado. “Não confio no Michel Temer, no PMDB e nem no PSDB, mas eu acredito que é melhor que a Dilma. A Dilma e o Lula articulam demais e vão dar um jeito da investigação da Petrobras acabar

Manifestações ganhaM as ruas

Protestos na Av. Paulista refletem conflitos políticos no país

coletivo, reuniram reivindicações variadas como o fim da corrupção, o cancelamento da Copa do Mundo no Brasil, mais investimento nos setores públicos e melhores salários. Tudo isso resultou, em sua maioria, de uma soma de indignação e “share’s” do evento através do Facebook. O MPL, indiretamente, introduziu à população brasileira a força de comoção das redes sociais, principalmente após lograr a redução da tarifa e forçar um pronunciamento da presidente Dilma Rousseff, que prometeu em rede nacional uma reforma política.

Após conversar com representantes dos movimentos sociais da época sobre o projeto da reforma, a presidente propôs ao Congresso Nacional a realização de um plebiscito sobre cinco temas considerados centrais: financiamento de campanhas, coligações partidárias, definição do sistema eleitoral, suplentes de senador e voto secreto no congresso. A proposta, no entanto, foi barrada pela oposição, o que resultou em um prolongamento do caso até o segundo mandato de Dilma, após a vitória do PT em 2014.

O último período de eleições se resumiu em uma disputa acirrada entre PT e PSDB. Para muitos repetiu-se apenas um clichê político do país, entre-tanto, se comparada com os 56,05% de 2010, a reeleição da presidente com 51,64% dos votos, representou o descontentamento dos eleitores para com o governo petista, além de também revelar uma população extremamente dividida.

A vitória pode ter escapado entre os dedos da oposição dessa vez, mas os números praticamente garantiram um sucesso futuro, desde que, obviamente, houvesse a manutenção

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Professores do Estado de São Paulo declararam greve após assemblêia no

vão do MASP

Manifestantes seguem pela Av. Paulista em direção a Praça da República no

protesto organizado pela CUT

13 de março

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em pizza”. Ela também afirmou ter conhecimen-to que ambos os partidos, o PSDB e o do vice, estavam sendo investigados pela participação no desvio de dinheiro da Petrobras.

O apoio de Sandra aos outros partidos, a despeito de considerá-los corruptos, demonstra o quanto trabalharam para criar um sentimento de ódio pelo governo atual através da grande mídia. Aécio Neves certamente escondeu que todo o panorama político vivenciado desde 2013 foi aproveitado pela grande mídia. Este pode ter sido o real protagonista das manifestações.

Descontentes com o quadro político nacional, brasileiros vão às ruas mostrar sua irritação.

O povo e a luta – Uma palavra sobre o dia 13/03: Dois dias antes, na sexta-feira(13), as frentes trabalhistas e de esquerda protesta-ram em prol, principalmente, da legitimidade democrática perante o pedido de impeachment por grande parte dos brasileiros. Pautas como reforma política, melhores condições de trabalho, ampliação de direitos e proteção da Petrobras fo-ram amplamente discutidas. O ato foi organizado pela CUT (Central Única dos Trabalhadores). “É hora de nos unirmos e não de nos separarmos. A reforma política não beneficia somente os professores ou uma classe, mas todos os traba-lhadores e cidadãos e é por isto que devemos lutar “, explicou uma das protestantes, Marise Tavares, professora de educação física.

Em meio a multidão e munido apenas de um guarda-chuva, o secretário dos Direitos Humanos de São Paulo, Eduardo Suplicy, quando perguntado sobre a reforma política resumiu-a no ponto que considerou mais importante: a transparência nas campanhas eleitorais. “Sou a favor de acabar com as doações de empresas privadas para os partidos e candidatos. Sou a favor de limitar a quantia que cada pessoa física pode doar a uma quantia razoável, eu mesmo propus R$ 1700,00 por pleito.” Para ele os can-didatos deveriam expor em seus respectivos sites as contribuições recebidas para suas campanhas. A pauta levantada pelo ex-senador de fato fez parte da proposta de reforma apresentada pelo PT, derrubada pela oposição em 2013.

Além disso, os protestantes também ficaram insatisfeitos com as consequências em relação às medidas de austeridade, cobrando iniciativas das suas devidas instâncias: a greve geral dos professores do estado, organizada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), foi declarada em plena passeata.

Os professores reivindicaram o reajuste salarial para a categoria, escolas em melhores condições, o reestabelecimento de verbas que foram cortadas, abertura das classes que foram fechadas, salas de aula que não sofressem com a superlotação, a aplicação da jornada do piso e a revogação da chamada “duzentena”. “Du-zentos dias que foram impedidos de dar aula”, como declarou o professor de biologia e também militante da CUT, Ítalo Rubben. “O governo do Estado provocou uma série de retrocessos na educação”.

Outras reivindicações minoritárias tam-bém se engajaram em meio às principais questões postas em pauta no dia 13. O PCO (Partido da Causa Operária) reivindicava o fim da Polícia Mili-tar em São Paulo. “No lugar deles deveria impor a criação de grandes assembleias de moradores de um mesmo bairro ou uma mesma rua. Conselhos para que todos os membros possam resolver seus

Os integrantes do ato contra o governo, em sua maioria influenciados pela dimensão proporcionada por uma ampla

divulgação dos grandes veículos de comunicação como também pelo esmagador fluxo propagandístico causado nas redes sociais, principalmente pelos organizadores do evento como o Vem Pra Rua, Movimento Brasil Livre (MBL) e Revoltados Online, encabeçaram cerca de 210 mil pessoas às ruas. Caracterizados com as cores da bandeira nacional, os manifestantes expuseram seus pensamentos de desprezo com relação ao partido vigente no poder através de cartazes e placas como “Fora bandiDilma”, “Dilma pede pra sair” e “Basta! Lula na cadeia” além de queixas sobre as recentes relações internacionais brasileiras.

A aproximação político-econômica com Cuba foi uma das carac-terísticas da política internacional mais criticadas, pois, para os manifestantes, fragiliza e aproxima o país da tendência esquerdista de Fidel Castro. Os motivos para as críticas são diversos: para Vanderlei Reis, funcionário da SABESP, tal tentativa seria uma forma de unificar países da América Latina para a criação de um bloco econômico semelhante ao europeu, contudo um pacto realizado com nações, consideradas por ele comunistas, seria um grande risco à democracia nacional. Por outro lado, Cristian, analista da Mercedes Benz, faz uma outra leitura na qual o Brasil deixou de investir em seu próprio país para se preocupar com a infraestrutura dos outros, como a questão dos portos cubanos.

E as reclamações não pararam: subsídios criados durante o governo petista como, por exemplo, o Bolsa Família são veemente condenados. Para Mariano Ibañez, “o povo não pode aceitar que o governo dê para os pobres apenas recursos, sem gerar provisões para isso. O correto, segundo ele, seria o Estado construir uma estrutura capaz de disponibilizar trabalho para as pessoas na qual possam gerar seu próprio dinheiro e não acabar na acomodação”.

Não foram só vendedores, administradores e funcionários públicos que foram às ruas no dia 15, celebridades também compareceram ao protesto, declarando seu apoio. Com direito de cantar o hino brasileiro, o qual foi tocado periodicamente para transmitir a sensação de patriotismo, Wanessa Ca-margo tomou conta de um dos carros de som localizados ao longo da Avenida Paulista. Sua presença sensibilizou o público, que a acompanhou a todo o momento.

O ex-jogador de futebol e agora empresário, Ronaldo Luis Nazário de Lima, também compareceu. Ele estava devidamente “uniformizado de oposição”, com uma camiseta estampada “A culpa não é minha. Eu votei no Aécio”. Para não ficar de fora, Paulinho da Força também se fez presente diante da população, contudo, sua recepção não foi tão acalorada quanto a dos outros famosos e, sob xingamentos e vaias, saiu escoltado do protesto. Quando perguntado sobre o motivo do repúdio, nem ao menos citou seu apoio ao Lula e a Dilma durante sua carreira política, apenas declarou não saber ao certo. “mas acho que a população está muito chateada com a política atual, então eu acho normal este tipo de revolta”.

Lamentavelmente, a Ditadura Militar se tornou um tema bastante recorrente entre os integrantes no evento. Sob o mesmo discurso positivista de “ordem e progresso”, os movimentos solicitando a intervenção militar tiveram o apoio de parte dos paulistanos. Mesmo sabendo que, havendo uma intervenção, o risco de uma nova ditadura como a iniciada em 64 seria real, os argumentos a favor são os mais variados embora a maioria não saiba de fato como foi a ditadura.

“Sim, eu tinha consciência. Mas algum ex-presidente da República Militar saiu tão milionário quanto os presidentes que tivermos até agora?” Micilda Reis, motorista, afirma que apesar de tanto os gover-nantes militares quanto os civis terem saído impunes, estes conseguiram destruir a nossa única empresa decente, a Petrobrás. “Uma consciência melhor do que nos aconteceu. Nós sempre aprendemos com a história. É uma forma de não repetir os erros e alguém tem que fazer alguma coisa.” Mesmo sabendo que essa seria uma forma totalitária de resolver as coisas, o administrador público, Mariano, também mostra sua empatia pelos militares ao dizer que são os únicos que possuem a condição de solucionar os problemas da corrupção, já que destituem da força, podendo retirar tal governo adulterado.

Tais reivindicações pedindo por auxílio dos militares recordam cenas na história do Brasil que se assemelham as ocasionadas no domingo, correlacionando o papel da mídia nessas situações.

A cobertura realizada pela grande mídia, especialmente a televisiva, incentivou incessantemente a população a protestar contra o governo. A Rede Globo, por exemplo, a cada 40 minutos interrompia sua programação para informar os telespectadores sobre o protesto. Tal atitude relembra a conhecida Marcha Da Família Com Deus pela Liberdade, ocorrida em 1964, que também rendeu atentos olhares pelos meios de comunicação. Os desdobramentos do acontecimento tanto naquela época como no domingo nos remete a uma convergência muito próxima aos momentos antecedentes da instau-ração da ditadura no Brasil. O sentimento nacionalista, a indignação com a liderança do país e sua consequente retirada são uma das características percebidas entre os dois eventos, demonstrando que mesmo após 21 anos de um governo autori-tário, provedor de torturas e censuras múltiplas, a população ainda não amadureceu o suficiente. As manifestações do dia 13, por exemplo, não re-ceberam uma vigilância apropriada pelos veículos de comunicação, já que também era considerada como sendo um importante evento mesmo que a favor da atual administração.

Quase no fim da tarde, um pequeno tumulto perto da estação de metrô Consolação chamou a atenção. A Polícia Militar prendeu um gru-po punk-skinhead que, apesar de ter aparecido em apoio à manifestação, foi julgado por aqueles que presenciaram a prisão, sofrendo agressões verbais por todo percurso até o departamento policial mais próximo. Fora este caso, o evento foi considerado pacífico, tanto pela imprensa, quanto pelos que lá estiveram.

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Mulheres caracterizadas de verde e amarelo protestam no dia 15

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“Na nossa manifestação só tem homens de bem!”

Um grupo de 20 pessoas foi detido na Avenida Paulista durante a manifestação. A maioria dos integrantes usavam camisetas pretas que os identificavam como “Carecas do Subúrbio”. Nacionalis-tas, extremistas e conservadores, os carecas seguem vertentes de grupos punks e skinheads desde a década de 80, quando se juntaram pela primeira vez em São Paulo.

Entre os objetos apreendidos com o grupo, a Polícia Militar encontrou um soco-inglês, 37 morteiros, uma máquina de choque e sprays de pimenta. Os carecas foram escoltados para o Corpo de Bombeiros da rua da Consolação pela falta de um posto policial mais próximo e acessível.

Parte dos manifestantes, cheios de revolta e indignação, acompanharam todo percurso em direção à rua da Consolação. Desinformados, os chamavam de “Black Blocs” e “petralhas”. Os Carecas, que provavelmente haviam compareci-do ao ato para apoiar a população ali presente, escutavam xingamentos e frases hostis dos mais variados. “Vocês deveriam ser fuzilados junto com o Lula e com a Dilma!”, berrava um dos que acompanhavam a ação. “Ei, polícia, libera esses petralhas aqui pra eles verem o que a população faz!”, gritava outro. “Na nossa manifestação só tem homens de bem!”. Em vários momentos a PM teve de intervir para que não ocorresse algum tipo de violência física ou linchamento público.

É irônico pensar que exatamente aqueles que deveriam agir de acordo com seus discursos pró-democracia optaram por atitudes que beiraram a barbárie. A postura necessária naquele momento seria contrária a de intolerância e a de “justiça pelas próprias mãos”, pois além de tirar toda a credi-bilidade de uma manifestação considerada pacífica, tais atitudes só fomentam a desordem e matam aos poucos o sistema democrático sob o qual vivemos.

Grupo de punk-skinhead sendo preso durante a passeata de

domingo

problemas de uma forma pacífica e justa, o que não ocorre em âmbito policial”, diz Tiago Araújo, militante do PCO.

Antes de ambos os protestos serem re-alizados, a especulação de que o Partido dos Trabalhadores e sindicatos estariam financiando a manifestação de sexta-feira não agradou os inte-grantes desta, pois também estavam insatisfeitos com a política governamental, sobretudo no que se refere à inconstante taxa inflacionária, a exacer-bada corrupção e o crescente preço da gasolina. Não obstante, reconhecem os poucos direitos conquistados ao longo do governo petista.

Por outro lado, os rumores de que os manifestantes haviam sido subornados foi uma das poucas informações noticiadas pela grande mídia sobre o ato. Essa atitude representa uma clara postura política contra a permanência pe-tista no governo, o que consequentemente leva as massas influenciáveis a não considerarem as reivindicações do dia 13, além de priorizar os inte-resses dessas empresas de comunicação mesmo que eles atendam apenas a uma minoria.

De modo geral, os paulistanos que fo-ram às ruas em ambos os dias representaram a população brasileira, tanto na indignação, quanto nas sugestões quase antagônicas de intervenção na crise vigente no país. Antagonis-mos que são reflexos da batalha entre governo e oposição; PT e PSDB. Dilma está em cheque e terá que responder aos anseios de mudança; os organizadores do evento do dia 15 já planejam outra manifestação, e o segundo ato dessa peça dependerá da oposição conseguir derrubá-la ou não da corda bamba sobre a qual vem, a mãos trêmulas, dirigindo o país.

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Grupo a favor da intervenção militar durante

o protesto de domingo

A aproximação entre o atual governo e Cuba foi muito criticada durante o ato

Críticas ao governo petista foram expostas em cartazes durante a manifestação de domingo

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

Por Karine sena, maria eduarda Gulman,

marina campos e Pedro suaide

A educação brasileira passa por um momento conturbado.

A indústria educacional crescente tem o lucro como objetivo principal. Sem mais buscar pessoas formadas intelectualmen-te, os profissionais e responsáveis da área muitas vezes querem apenas “formar” pessoas para terem sucesso no mercado de trabalho.

A partir da ditadura no Brasil, o vestibular passou a ser eliminatório, logo, competitivo. Para isso, foram criados os cursinhos onde transformam os alunos em máquinas, entulhando suas cabeças de conteúdos que irão aplicar em apenas um dia de prova. A folha de papel em que está o diploma, passou a ser um objeto para a ascensão social, obtendo assim um mercado do diploma, que atualmente está institucionalizado, e não um mercado do conhecimento.

Greves de professores em busca de melhorias e salários dignos, faculdades pri-vadas com péssima estrutura, desigualdade na seleção dos alunos que conseguem entrar nas universidades, escolas públicas com qualidade precária. Há um buraco só-cio-educacional deixado pelo governo que precisa ser preenchido. Com o objetivo de melhorar esse modo de educação vigente no Brasil, um grupo de estudantes da PUC-SP se organizou e criou o Cursinho Popular dos Alunos da PUC, visando um modo de educação mais igualitário e com conteúdo. Como defendido por Pedro Muniz, es-tudante do quarto ano de direito da Pontifícia, “as ambições do cursinho é acabar com ele. Acredito que um sistema educacional onde ainda existam cursinhos está fadado ao fracasso.“

O projeto iniciou no ano de 1997 sobre forte influência do movimento negro e dos estu-dantes do CACS (Centro Acadêmico de Ciências Sociais), diante da análise de que pretos e pobres não tinham seu espaço dentro da universidade. Muniz explicou que o principal objetivo do cursinho é trazer uma educação emancipadora para os estudantes e também fazer com que alunos que não tiveram uma boa oportunidade na educação possam ingressar em uma univer-sidade particular.

Todavia, essa mesma universidade – Pontifícia Universidade Católica – vive uma crise não apenas econômica como frisado pela reitora Anna Cintra, mas também uma crise po-lítica. Defendido por Muniz, “a gestão da atual reitora além de estar deslocada do que pensa a comunidade da PUC (professores, funcionários e estudantes), vem criminalizando ou silenciando setores que lutam e constroem outro modelo educacional”. Na prática, as atitudes de Anna Cintra estão na contramão a praticamente tudo que os organizadores do Cursinho defendem, ou seja, uma educação participativa, democrática, horizontal, crítica e acessível.

O Cursinho não recebe nenhum patrocínio ou verba fixa, os estudantes não pagam mensa-

Menos desigualdade, Mais conteúdoCursinho Popular dos Alunos da PUC visa educação emancipadora

para os estudantes

lidade, nem taxa de inscrição. Ainda segundo o estudante de direito, “temos uma excelente relação com a Xerox do CACS que recebe as folhas doadas e nos fornece impressões de graça. Outros Centros Acadêmicos nos dão dinheiro para comprarmos, por exemplo, microondas e geladeira para os estudantes utilizarem.”

Os professores são todos voluntários/mi-litantes que acreditam em outro modelo educa-cional. Fazem parte professores aposentados, mestres, graduados, e aqueles que ainda estão cursando a graduação. Realiza-se uma conversa com o futuro professor, o que tem sido suficiente nesses quase 20 anos de existência.

Além disso, atualmente conta com 180 estudantes inscritos, divididos em três salas de 60

alunos. Estes fazem a inscrição, são entrevistados e preenchem uma fi-cha socioeconômica. Pedro explica: “Realizamos esse processo uma vez que na entrevista conhecemos um pouco mais sobre a história de vida e família desse estudante. A ficha socioeconômica é usada para selecionar os estudantes de baixa renda caso haja uma procura acima da suportada pelo cursinho.”

Com as aulas acontecendo aos sábados, um problema veio à tona. Através da ficha socio-econômica, os organizadores perceberam que era preciso um espaço para que os alunos que tivessem filhos pudessem deixar suas crianças. Mônica Ramos, estudante de letras explicou em nome dos criadores da creche, que “a ideia surgiu com a demanda do cursinho, começaram a notar a necessidade de uma creche para poder atender parte dos alunos”, e acrescenta, “como é uma creche popular ela vai atender a comuni-

dade puquiana, que envolve alunos, funcioná-rios e alunos do cursinho popular.”

A ideia, como explicou Mônica, é que não seja um depósito de crianças, e sim que seja um espaço educativo para trabalhar com elas e fazer com que as pessoas que trabalhem nesse espaço – não necessariamente alunos de pedagogia ou letras – possam também aprender. Um dos objeti-vos dessa iniciativa é que aumente a incidência de alunos no cursinho popular, porque muitos são os pais que deixam de cursar uma universidade por não ter com quem deixar os filhos.

Ações como a implementação do Cur-sinho Popular dos Alunos da PUC têm que ser levadas a sério e acolhidas pela sociedade. Assim, alunos como Yasmin Souza de 19 anos tem a oportunidade de cursar uma universidade, “se não fosse pelo cursinho eu provalvemente pararia completamente os estudos“. Ou também para ajudar o Paulo Henrique de 16 anos que ficou sabendo do cursinho pelos colegas de classe, e afirma confiante: “quero começar logo as aulas e pretendo passar em uma faculdade federal e cursar direito“.

A precária educação brasileira tem muito que melhorar, obviamente. Há um mercado do diploma que deve ser quebrado, cotas devem ser mais bem aplicadas, e a desigualdade social de ensino não deve mais existir. Todas essas melho-rias não podem ficar só na utopia.

A educação deve ser fundamentada, com conteúdo e igualitária, para que assim não exista mais competitividade no ingresso de universi-dade, em que o objetivo não é aprender e sim vencer o outro para obter sucesso econômico e ascensão social no futuro.

EducaçãoCONTRAPONTO

Aula inaugural do cursinho popular dos alunos da PUC-SP

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“Acredito que um sistemA educAcionAl onde AindA

existAm cursinhos está fAdAdo Ao frAcAsso”

“se não fosse pelo cursinho eu

provAlvemente pArAriA completAmente os estudos”

(YAsmin souzA)

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

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“Uma das reivindicações do ProUni-se é a agilidade no processo de seleção dos estudantes, que chegam a ingressar na PUC com dois

meses de atraso”

Por letícia Peixouto, mariana Presqueliare, rafael Paiva

e rafael santos

coletivo reivindica Melhorias

O Programa Universidade para Todos (Prouni) é um programa social ins-

tituído durante o governo Lula, em 2005, cujo objetivo principal é o de democratizar o acesso ao ensino superior por meio da concessão de bolsas de estudo a alunos que não podem arcar com os custos de uma graduação em uma uni-versidade privada.

Os estudantes devem prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para concor-rerem às bolsas concedidas semestralmente, que podem ser em regime integral (100%) ou parcial (50%). Segundo últimos dados divulgados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), já fo-ram concedidos 1.497.180 benefícios, dos quais 562.551 estão ativos atualmente.

Os requisitos básicos para ser candidato ao Prouni são: ter cursado ensino médio em escola pública ou privada na condição de bolsista inte-gral, ter renda familiar mensal de até 1,5 salário mínimo para receber auxílio integral, ou renda familiar de até três salários mínimos para o auxílio parcial, e não ter concluído antes nenhum curso de ensino superior.

As universidades participantes do progra-ma recebem incentivos fiscais, como a isenção de impostos federais, em troca do consentimento das bolsas. Para o Governo, o Prouni funciona como uma maneira de, a curto prazo, promover o acesso de estudantes de baixa renda ao ensino superior e com gastos drasticamente reduzidos se comparados à criação de vagas em universidades públicas. A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) foi uma das instituições que aderiu ao programa.

A PUC, de acordo com os critérios deter-minados pelo MEC, fornece uma bolsa para cada nove alunos pagantes da turma e é a responsável pela verificação de todos os dados fornecidos pelo estudante. Diferente de outras instituições, a Universidade não disponibiliza bolsas parciais por meio desse programa, apenas as integrais.

A inserção dos bolsistas do Prouni na Co-munidade Acadêmica ocorre, sobretudo, graças às atividades desenvolvidas pelo Projeto Univer-sitário de Suporte ao Estudante, o ProUni-se!, criado em 2011, que procura sanar grande parte das dificuldades encontradas por esses alunos ao longo do período letivo.

O grupo, composto por discentes, pro-move reuniões periódicas para a resolução de problemas, mantém os estudantes informados por meio das redes sociais (página no Facebook e blog), elabora um manual específico anual que é fornecido aos calouros no dia da matrícula e realiza parcerias com órgãos internos do estabele-cimento de ensino e com a sociedade em geral.

Nas últimas semanas, em virtude da pressão feita por diversos coletivos, a Fundação São Paulo (FUNDASP), Mantenedora da PUC-SP, decidiu abrir um edital para conceder aos estudantes oriundos do Prouni o Subsídio-Alimentação de 100%. Isso marca a reconquista de um importante direito para a comunidade, haja vista que este já existiu em outros tempos e está cada vez mais raro obter auxílio dos mantenedores da Pontifícia.

Dificuldades financeiras e burocracias da universidade são empecilhos para bolsistas

Apesar da isenção da mensalidade, os estudantes bolsistas enfrentam obstáculos financeiros para investir nas necessidades aca-dêmicas. Segundo as estudantes Nadja Aguiar e Aline Ferreira, ambas de 26 anos, em entrevista ao Contraponto, os alunos pontuam problemas em arcar com as despesas universitárias, o atraso da educação pública, que reflete no desempe-nho acadêmico, e a interação com os colegas de turma. “Nós recebemos algumas demandas pelo grupo [nas redes sociais], como dificulda-des iniciais de se manter na PUC, por questões financeiras, como alimentação, transporte, cópias etc.”, disseram elas.

A estudante prounista do quarto ano de Psicologia, Letícia Aparecida Lucas, 21, fala dos empecilhos de estudar em período integral. “Nós [estudantes de psicologia] não temos muitas possibilidades para obtenção de renda, porque passamos o dia inteiro na PUC, o que dificulta a procura por estágios remunerados”, explicou.

Casos extremos de necessidades financei-ras já foram relatados por estudantes no grupo do coletivo. “Uma aluna postou no grupo, que fazia faxina para ganhar uma grana, porque se não conseguisse nada, precisaria abandonar o curso. Ela faz psicologia, e como o curso é inte-gral, há uma grande dificuldade para conseguir trabalho”, comentaram.

Até 2013, eram fornecidas 25 bolsas alimentação para estudantes carentes, no en-tanto, esse subsídio foi cortado em 2014. Os estudantes se mobilizaram para solicitar não só o retorno do subsídio, mas também o aumento de subvenções oferecidas. Em 2015, 700 bolsas foram disponibilizadas.

No ano em que a lei que deu origem ao Prouni completa dez anos, o programa que ofe-rece bolsas parciais e integrais em universidades particulares de ensino ainda é objeto de discus-são por muitos alunos. É colocado em debate a existência do preconceito direcionado a bolsistas nos campus universitários.

A aluna de economia Nadja Aguiar diz que o número de bolsistas que já sofreram discriminação na Universidade é considerável, principalmente quando se trata do atendimento da própria institui-ção. De acordo com a estudante, os atendimentos dos setores da PUC devem melhorar, “muitas pessoas reclamam do tratamento recebido no Setor de Bolsas”. Além disso, ela afirma que falta um local onde os alunos possam recorrer diante desses acontecimentos, “que a universidade assu-ma seus deveres, como no caso da COLAP, que é a Comissão Local de Acompanhamento do Prouni, comissão composta por representantes discentes, docentes e da instituição, tais representantes devem ser eleitos por seus pares”.

O problema em questão é que na PUC só existe eleição para representantes discentes por-que os próprios alunos elaboram todo o processo, “discutimos muito no Setor de Bolsas para que possamos eleger nossos representantes”, como é dito por Nadja. Durante as eleições do ano passado, modelos de cartazes, folhetos e emails foram criados a fim de uma maior divulgação, porém não houve nenhum tipo de anúncio aos alunos por conta da falta de verba.

O histórico democrático da PUC-SP nos permite acreditar que a horizontalidade da uni-versidade recai sobre todos. Porém, ao contrário do que se imagina, a recente mercantilização da instituição gera questionamentos que não se restringem apenas ao âmbito acadêmico. Ainda minoria, os estudantes de baixa renda enfrentam a diminuição do número de bolsas por conta da crise que assola a Pontifícia. Esse fator de precarização da quantidade de participantes do programa diminui drasticamente a frequência de alunos de diferentes meios sociais, pelo qual a universidade sempre foi reconhecida. Em resposta, a elitização torna-se cada vez maior e mais perceptível, seja pelo aumento do valor das mensalidades, das refeições e até mesmo das festas, restringindo a efetiva participação dos estudantes durante o período acadêmico.

ProuniCONTRAPONTO

“Em alguns casos, alunos relatam dificuldades iniciais em acompanhar as aulas,

em decorrência do atraso da escola pública”

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

Por lu sudré, laís martins, Pedro Prata, leonardo m. Bianchi e

Ulisses lopresti figueiredo

Interpretações generalizadas da ação terrorista contra o jornal Charlie Hebdo fomentam preconceito contra população

muçulmana na Europa

“Je suis huMano”

No dia 07 de janeiro, as atenções e coberturas jornalísticas interna-

cionais se direcionaram à França. O jornal francês Charlie Hebdo, conhecido por suas charges e publicações satíricas, foi alvo de um atentado terrorista. Os irmãos Said e Chérif Kouachi, armados com fuzis, invadiram a sede do periódico e assassinaram 12 pessoas. Entre elas, chargistas, jornalistas e humoristas que trabalhavam no jornal. Os irmãos, adeptos ao islamismo, colocaram o ato como um protesto contra publicações do Charlie Hebdo conside-radas ultrajantes à religião islâmica.

A frase “Je suis Charlie” (Eu sou Char-lie) foi primeira página dos jornais e aclamada em protestos de solidariedade ao periódico em diversos países. O episódio fez com que a bandeira pela paz e contra o terrorismo viesse à tona. Mas, contraditoriamente, o crescente discurso de ódio ao mundo islâmico e a sistemática criminalização e retirada de direitos da população islâmica que vive nos países europeus evidencia a generalização e descriminação contra os imigrantes.

É preciso analisar e questionar qual o conceito de terrorismo construído ao longo da história. Há a estimativa de que 8% a 10% da população francesa seja islâmica, ou seja, aproximadamente 6 milhões de pessoas. O ato terrorista é injustificável, mas é preciso ponderar que foi cometido por 2 pessoas, auxiliada por um terceiro. É justo que milhões de pessoas sejam perseguidas e criminalizadas por ele? Para Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, há um conceito hegemônico de novo terrorismo que se acentuou após o 11 de setembro, no qual o terrorismo islâmico é inserido e assim classificado como irracional e caótico. “O que acontece é uma generalização. A partir do momento que dois jovens cometem os assassinatos, saem na rua com seus fuzis e gritam: “Allah Akbar” (Deus a grande). Pron-to, a conexão está feita e o ato é atribuido ao islamismo”, comenta Nasser.

Em episódios como esse, a representa-ção política da religião é colocada em cheque. Os atos da Ku Klux Klan, por exemplo, não são relacionados à religião protestante no geral. Segundo Nasser, “quando as ações terroristas são de grupos de direita, as in-terpretações são individualizadas. O sujeito é louco, perturbado. Quando são atribuídas ao mundo Islâmico é algo planejado, que tem um projeto por trás e todos são responsáveis”. Principalmente após o 11 de setembro, os Estados Unidos financiam o combate ao terrorismo, gerando um verdadeiro mercado financeiro ao redor da questão, impondo também emendas constitucionais invasivas como o ato patriótico, que atribui poderes

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IslamofobiaCONTRAPONTO

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praticamente ilimitados aos órgãos da polícia e agências de espionagem.

Apesar de todo o aparato e discurso americano, os cinco países que concentram cerca de 75% dos atentados terroristas no mundo são o Iraque, Síria, Paquistão, Afega-nistão e Nigéria. Grande parte dos ataques

são coordenados pelos Estados Unidos, com o apoio de países europeus. Nasser oferece um dado que evidencia as “investidas” esta-

dunidenses: de 1980 para cá contabilizam-se, entre inter-venções militares, ocupações e ataques, 15 ações coordenadas pelos Estados Unidos, das quais 14 ocorreram em estados islâmicos. “De 18 mil mortos em atentados terroristas no ano de 2013, 85% foram no mundo islâmico. Ou seja, 85% de vítimas de atentados terro-ristas no mundo foram islâmi-cos, e não ocidentais. Quem

está sob ataque é o mundo islâmico e não o ocidente”, pontua Reginaldo Nasser.

O atentado da Charlie Hebdo também promoveu o exemplo claro da imparciali-dade da grande mídia. No mesmo dia do ataque à França, houve um atentado que matou 50 pessoas no Iêmen, na mesma semana 50 pessoas morreram em um aten-tado terrorista no Líbano, nenhum desses atos foram tão discutidos pela grande mídia como o assassinato dos 11 franceses em Paris. A discrepância fica ainda maior se citarmos “O massacre de baga”. Entre 3 e 7 de janeiro aconteceram assassinatos em sé-rie, supostamente arquitetados pelo grupo terrorista Boko Haram, na região de Baga, Nigéria. Os ataques deixaram cerca de 2.000 desaparecidos mas a mídia continuava a dar foco total na Charlie Hebdo. Nasser cita o fato da maioria das agências de notícias do mundo serem ocidentais como um ponto importante para o negligenciamento aos ataques no mundo muçulmano por parte das grandes mídias, e afirma que, em com-paração com a Nigéria, “a França é uma grande potência, tem recursos militares, recursos econômicos. A fragilidade de uma grande potência adquire repercussão”.

Capa do Charlie Hebdo (9/11/2011

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

Liberdade de expressão – Com o aten-tado ao Charlie Hebdo, o debate entorno da liberdade de expressão veio a tona. A questão chegou ao Brasil por meio de visões ideológicas diferentes, que se entrecruzaram, e muitas vezes deixaram a desejar na tentativa de construir um diálogo sólido sobre o terrorismo e islamofobia, que acabou se mostrando extremamente su-perficial. Por conta disso, o jornal Contraponto entrevistou a cartunista Laerte Coutinho para esclarecer o seu ponto de vista acerca do modo como a imprensa tratou o tema.

Sobre os limites da liberdade de expres-são, Laerte expõe ser a favor de uma liber-dade plena, e afirma que “limitar o humor, é o mesmo que limitar o pensamento”. Ao comentar especificamente o caso do Charlie Hebdo, a cartunista considera importante ponderar que a liberdade de expressão e a laicidade permeiam a cultura francesa, e não enxerga islamofobia nas publicações da revista francesa. “Se analisarmos o contexto social europeu, por mais odiosas que sejam, não são islamofóbicas. Os muçulmanos são os menos citados”, comenta.

Ainda assim, Laerte acredita que a liber-dade de expressão plena deve se sujeitar às consequências. O direito de falar o que bem entende, também permite que sejam tomadas ações judiciais, caso o alvo se sinta lesado, ou até mesmo que o autor da crítica tenha come-tido algum tipo de crime ou apologia.

A cartunista também questionou a liga-ção da religião como sendo a principal causa do ataque. “Os terroristas não defendem a religião. Os irmãos envolvidos não estavam se importando com a defesa de Maomé, isso é apenas um jogo de poder e dinheiro. O isla-mismo está sendo usado como molho nesse banquete de horror”, ressalta.

Laerte, uma das cartunistas mais respei-tadas do Brasil, afirma que, “o atentado foi um horror, e promoveu repulsa geral, tanto que 3 milhões de pessoas, muçulmanos ou não, foram às ruas francesas protestar”. Po-rém, o que não se pode esquecer é que todas as ações geram reações, e desde que essas sejam legalmente permitidas, fazem parte da liberdade de expressão, de demonstrar repúdio ou apoio a qualquer causa ou veículo comunicacional. O que aconteceu após o las-timável atentado ao Charlie Hebdo evidenciou o preconceito contra o mundo muçulmano enraizado na Europa.

É preciso deixar claro que a ação cometida por dois praticantes da religião islâmica, não corresponde e nem representa o islamismo como um todo. A cobertura espetacularizada da mídia, perpetuando esteriótipos negativos sobre o islã, puniu a todos os islâmicos que vivem na Franca, aqueles que não cometeram nenhuma ação de ódio. Dessa forma, o atentado não atingiu apenas os 12 profissionais france-ses, atingiu também os islâmicos ao redor do mundo. Que a sociedade não escolha a quem se solidariza, enquanto oprime os demais. Não somos apenas Charlie, somos humanos.

Charge feita em menção aos ataques do Charlie Hebdo

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Carregado de generalizações perigosas, o ataque cria a conjuntura ideal para a Frente Nacional disseminar seu discurso altamente islamofóbico que, infelizmente, deverá ser ouvido por franceses atentos e temerosos de outro ataque similar ao ocorrido em janeiro deste ano. Caso Le Pen vença as eleições, tere-mos, certamente, que manter olhares atentos sobre as políticas sociais da candidata, que poderá vir a atingir diretamente a comunidade muçulmana que reside hoje na França.

A população muçulmana na França – Originária de territórios colonizados, tais como Mali, Argélia e Tunísia, a população muçulmana da França é moradora da periferia das grandes cidades do país, com emprego concentrado na área industrial. O sentimento de rejeição aos muçulmanos se dá por um longo processo histórico, que remonta à si-tuação de Metrópole e Colônia que a França mantinha com inúmeros países.

Ao longo do último século, vários episó-dios ocorreram e interferiram nos sentimentos nacionais da população desses países que se encontravam em posição de colonizador e co-lonizado. Um exemplo é a relação entre França e Argélia. Durante a ocupação francesa, um milhão de argelinos foram mortos, tentando se opôr à invasão de seu país. Por outro lado, quando a Argélia se tornou independente, mi-lhares de argelinos saíram às ruas de Paris para comemorar. O resultado foi um episódio de ódio, no qual muitos franceses, apoiado por au-toridades, mataram aqueles que comemoravam e jogaram seus corpos no Sena. A dominação de um país sobre o outro é algo que deixa marcas na sociedade e que atravessam décadas. O sentimento de rejeição por parte dos franceses é reflexo de episódios como esse.

A generalização faz com que as palavras “islamismo” ou “muçulmano” sejam vincula-das, enraizando o preconceito, a uma infini-dade de ideias relacionadas ao terrorismo, às armas e autoritarismo. Esse jogo de ideias não é feito apenas pelos governos que combatem o terrorismo, mas até mesmo pelos próprios gru-pos terroristas, com a finalidade de consolidar seu poder. “Os terroristas que fizeram o ataque ao Charlie Hebdo mataram os cartunistas e, ao invés de fugirem, se exibiram pela cidade. A publicidade é muito forte e aumenta o poder (dos grupos). Também serve como recrutamen-to da juventude”, observa Nasser.

A sociedade muçulmana na França não está e nem deve ser vinculada ao terrorismo. Querem ter uma vida normal como todos os outros franceses que não seguem sua reli-gião. Mas há também os grupos terroristas, que trabalham recrutando pessoas. Diferente do que se pensa, o recrutamento não é tão expressivo na sociedade mas sim dentro das prisões. Nos presídios, os detentos procuram proteção e a encontram nos grupos mafiosos ou terroristas. De acordo com o professor de relações internacionais, há uma estimativa de que entre todos os terroristas surgidos nas penitenciarias francesas cerca de 20% a 25% tiveram de se converter primeiro ao islamismo. Ou seja, eles não são terroristas porque são is-lâmicos. Tornaram-se terroristas ao buscarem proteção nesses poderes paralelos.

O cenário que o atentado ao Charlie Hebdo expõe é um jogo de poder que oprime tanto a população muçulmana na Europa quanto a do Oriente Médio. Após o episódio, uma rádio conseguiu entrevistar um dos irmãos responsáveis pelo atentado ao Charlie Hebdo. Para ele, a morte dos cartunistas não fora um assassinato mas sim vingança por todas as mortes que a França causou nos países islâmi-cos. A afirmação mostra que as ações não tem como base apenas a religião. O Islã é utilizado

como um pretexto. Conforme as ofensivas militares estadunidenses e dos estados euro-peus avançam sob o Oriente Médio, os grupos extremistas, isolados, buscam fundamentar seus ataques e recrutar mais pessoas.

O primeiro turno das eleições depar-tamentais que ocorreu na França no final do mês de março, demonstra um quadro ao qual devemos nos atentar. A UMP-UDI, de Nicolas Sarkozy, obteve 32% dos votos. Em seguida, Marine Le Pen, a frente do partido de extre-ma-direita Frente Nacional, obteve 25% dos votos, O Partido Socialista, do atual presidente François Hollande, ficou em terceiro com 22% dos votos. O fato de Le Pen ter conquistado segundo lugar evidencia um abrandamento do discurso da extrema-direita, tendo alcan-çado um público não-usual ao partido. O fato de que os homens por trás dos ataques ao Charlie Hebdo eram muçulmanos só fortalece a retórica de direitistas radicais como Le Pen.

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CONTRAPONTO10 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

Por leonardo sanchez, marianna rodrigues e

Yoanna dimitrios

soy loco por ti, aMéricaPelo segundo ano consecutivo, um mexicano faturou o Oscar de

Melhor Direção, e reacendeu o debate sobre a situação dos latino- americanos nos Estados Unidos

No clássico cinematográfico Amor Su-blime Amor de 1961, a portoriquenha

Anita já dizia: “a vida é boa na América, desde que você seja branco”. Hoje, 54 anos após o lançamento do musical, a presença hispânica nos Estados Unidos se solidificou, mas ainda traz consigo diversos problemas de ordem política, econômica e principalmente social. É verdade que os latinos compõem uma grande parcela da população estadunidense, mas estes ainda não estão igualitariamente inseridos em sua so-ciedade. Muitas vezes em situação irregular, os hispânicos lidam diariamente com o preconceito, sendo marginalizados no mercado de trabalho e em sua formação, o que torna este grupo vulne-rável à pobreza e à estagnação social.

Recentemente, o debate em torno da situação dos latino-americanos voltou à tona. Isso porque a 87ª cerimônia de entrega do Oscar, que ocorreu em fevereiro em Los Angeles, teve como grande vencedor o filme Birdman. Apesar de ser uma produção estadunidense, as 4 esta-tuetas que o longa conquistou foram destinadas a mexicanos. Enquanto Emmanuel Lubeski levou o prêmio de melhor fotografia pelo segundo ano consecutivo, Alejandro González Iñarritú acei-tou os Oscars de Melhor Filme, Melhor Roteiro Original e Melhor Direção. Ao anunciar a vitória de Iñarritú em uma das categorias, o ator Sean Penn brincou: “Quem deu o green card (Cartão de Residência Permanente nos Estados Unidos) para esse filho da…?”. Houve quem levou o comentário na brincadeira, como o próprio di-retor de Birdman. Outros, porém, a entenderam como xenofobia. Politicamente correta ou não, a declaração efervesceu o debate em torno da situação dos latinos no país.

No México – Desde a década de 1970, o fluxo migratório do México para os Estados Unidos aumentou drasticamente, trazendo consigo uma grande quantidade de imigrantes ilegais para o país. Dentre as principais causas deste movimento estão as péssimas condições de vida que o México apre-sentava no passado, além da atração pela riqueza da maior potência econômica mundial. Os ‘braceros’, mão-de-obra não-especializada, são os principais viajantes, em busca de trabalhos temporários.

A polêmica, entretanto, gira em torno da situação irregular dos imigrantes, que inclusive dá margem para o tráfico humano. Homens, mulheres e até mesmo crianças se arriscam todos os dias tentando atravessar a fronteira à procura de uma vida melhor. O governo estadunidense tenta cada vez mais evitar esse tipo de travessia pelos 3.141 quilômetros de extensão da divisa, por meio de monitoração contínua e até mesmo cercas de segurança. Com isso, porém, rotas cada vez mais perigosas estão sendo utilizadas pelos “coiotes”, os intermediários do tráfico humano. Dentre as principais causas de morte desses gru-pos, estão a fome, sede e exaustão.

Esse fluxo migratório resultou em um boom demográfico ocorrido na porção seten-

trional do México. Hoje, cerca de 20% dos me-xicanos já vivem no extremo norte do país, sendo que em 1990 essa porcentagem era de apenas 15%. Se esse ritmo continuar, em cerca de 25 anos quase 40% da população estará vivendo ali. Essa concentração de pessoas, no entanto, não foi ocasionada somente por mexicanos, mas por imigrantes de toda a América Latina, prin-cipalmente Porto Rico, Cuba e El Salvador, que têm por objetivo atravessar a fronteira. Este fato, vinculado à vinda de quase 2.000 multinacionais para o norte do país, gerou desenvolvimento na área e fez com que o número de migrações, nos dias de hoje, finalmente começasse a diminuir.

Nos Estados Unidos – De acordo com o es-critório de censo dos Estados Unidos (Bureau of the Census), os estados do sudoeste do país chegam a ter mais de 25% de sua população composta por hispânicos. A prestadora de serviços Pew Resear-ch Center diz que muitas regiões metropolitanas importantes têm forte presença latina: em Miami, esse grupo representa cerca de 65% da população, enquanto quase metade dos habitantes de Los

Angeles e Albuquerque são latino-americanos. Nova York também é um dos principais destinos de mexicanos, cubanos e tantos outros: cerca de 25% dos moradores da Grande Maçã são latinos, contra 15% na capital Washington. No total, esse grupo étnico representa 17% dos estadunidenses, de acordo com pesquisa feita em 2013. É uma po-pulação com quase 54 milhões de membros. Estes, se fazem presentes em uma outra pesquisa: a de pobreza. De toda a população carente dos Estados Unidos, mais de 25% são hispânicos.

Atualmente, existem 11 milhões de imi-grantes ilegais nos Estados Unidos. Um projeto de reforma nas leis de imigração, proposto por Bara-ck Obama nas eleições de 2008, pretende mudar a situação de pelo menos 5 milhões deles.

A primeira medida relacionada ao tema foi tomada pelo presidente no início de 2012, com a criação do programa DACA (Ato Diferido para a Chegada de Crianças, na sigla em inglês), que permite que jovens imigrantes com menos de 16 anos ganhem documentos de permissão tempo-rária de dois anos no país. Em seguida, o projeto da reforma foi enviado para o Senado, onde foi

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prisioneiros delA sem nos Apercebermos”

(cAssiAno terrA, professor dA pucsp

que ministrA o curso de especiAlizAção diálogos

entre cinemA, filosofiA e humAnidAdes)

Cena do filme Amor Sublime Amor. No centro, a atriz Rita Moreno interpreta a canção América, na qual um grupo de porto-riquenhos

contesta a idealização feita dos Estados Unidos

O mexicano Alejandro Gonzáles Iñarritú na cerimônia do Oscar em 2015,

mostrando as três estatuetas que recebeu pelo filme Birdman

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11CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

aprovado. Assim, cerca de 600 mil clandestinos ganharam autorizações temporárias para trabalhar. Contudo, a área republicana do Congresso mante-ve as medidas bloqueadas por aproximadamente um ano, até que o presidente resolveu seguir de modo unilateral e anunciou que elas começariam a funcionar a partir de novembro de 2014.

O dia 18 de fevereiro de 2015 foi esco-lhido para ser o início da aplicação prática das alterações. Nele, um grupo de 300 mil imigran-tes deveria ter começado a se inscrever em um programa que permitiria que eles trabalhassem e estudassem nos Estados Unidos, sem o perigo de deportação. No final de 2014, porém, um processo movido por 26 estados conseguiu sus-pender as medidas. Michael McCaul, procurador e governador do Texas, declarou, na época, que as atitudes de Obama são institucionais, além de ameaçarem a democracia. No processo, a principal alegação é que um presidente não pode mudar o sistema de imigração por decreto, sem a participação do Congresso. O caso aguarda uma análise da justiça para decidir se o seu caráter é ou não constitucional. Enquanto isso, as medidas continuam paralisadas.

Apesar de forte oposição, o projeto tem o apoio de 38% da população e da secretaria nor-te-americana de relações exteriores. “Apenas o Congresso pode concluir essa medida, aprovando uma reforma bipartidária que mantém famílias unidas, que trata todas as pessoas com dignida-de e compaixão, que defende o primado da lei, que protege as nossas fronteiras e a segurança nacional e que tira da sombra milhões de pessoas lutadoras”, declarou Hillary Clinton, ex-secretária de Estado, que é a favor da aprovação da inicia-tiva. Para o governo mexicano, as medidas vão beneficiar um número significativo de latinos. Já para os grupos de apoio aos imigrantes, consi-derar o projeto como uma reforma é exagero, sendo este apenas um começo.

Dentre os principais pontos do decreto, está a possibilidade de imigrantes ilegais solicita-rem permissões de trabalho válidas por três anos. Para isso, é necessário morar nos Estados Unidos há pelo menos cinco anos e ter um filho com ci-

dadania estadunidense ou com uma autorização de residência permanente. Outra condição é não poder ter uma ficha criminal. Além disso, trabalha-dores qualificados e cientistas terão incentivo do governo para conseguir o visto. Essa medida pode beneficiar mais de 500.000 pessoas. Imigrantes ilegais que chegaram no país até 2010 e eram crianças na época, não podem ser deportados na regra que vigora desde 2007. Os imigrantes ilegais que chegaram depois de janeiro de 2014 ou que forem considerados perigosos serão deportados. O governo estadunidense ainda afirma que a segu-rança será reforçada na fronteira com o México, o que terá como consequência um aumento salarial para os oficiais de imigração.

No cinema – Quando criou a personagem Panchito em 1944, em meio à Segunda Guerra Mundial e às vésperas da Guerra Fria, Walt Disney mal podia imaginar que dois mexicanos, Alfonso Cuarón e Alejandro González Iñarritú, ganhariam o prêmio de Melhor Direção no Oscar de 2014 e 2015, cerimônia da qual o estadunidense já saiu com 26 estatuetas. Desde a década de 1940 muita coisa mudou na indústria cinematográfica norte- americana. O que antes tinha motivação política ganhou apreço artístico e abriu espaço para os hispânicos na cultura dos Estados Unidos.

Existem hoje nomes latinos de extrema importância para a indústria cinematográfica. Res-ponsáveis por grandes sucessos de crítica e arreca-damento, artistas como os mexicanos Guillermo del Toro e Gael García Bernal ou o portoriquenho Joaquin Phoenix, são apenas alguns dos repre-sentantes hispânicos nos estúdios de Hollywood. O problema, porém, é que essa lista permanece limitada e estagnada. Os latino-americanos que a frequentam continuam os mesmos há anos: não há nítida renovação e o caminho para chegar ao topo costuma ser mais difícil para estes do que para estadunidenses, australianos e europeus.

Para o professor Cassiano Terra, que mi-nistra o curso de especialização Diálogos entre Cinema, Filosofia e Humanidades na PUC-SP, o cinema latinoamericano sempre produziu ótimos filmes. O problema, porém, está na falta

de um sólido mercado nacional, principalmente no Brasil, o que impacta na projeção que a ci-nematografia latina e seus representantes têm no resto do mundo. “Os filmes que se oferecem aos brasileiros não são produzidos pelos, com e para os brasileiros, salvo uma parcela seletíssima de público”, disse. Ainda de acordo com ele, as películas que alcançam sucesso normalmente são “bastante televisivas” e “pouco dialogam com a vida da maior parte das pessoas no país.”

Outro fator bastante negativo na sétima arte é o retrato feito dos latinos: muitas vezes, sua representação se limita aos estereótipos. Ser pobre, subempregado, fervorosamente católico e em situ-ação ilegal muitas vezes é condição para a existência de hispânicos nos elencos dos filmes. Há ainda o fator sexual, rotineiramente associado às mulheres latinas. Essa tendência marginaliza ainda mais essa população, não somente no ramo artístico.

Cassiano Terra afirma que esses estereóti-pos estão relacionados a uma lógica de domina-dor e dominado. “Há uma ideologia que liga a cultura eurocêntrica à racionalidade, ao domínio racional, e as outras culturas ‘colonizadas’ ao corpo, como algo inferior e a ser dominado pela ‘razão’”. Para o professor, essa lógica já está en-raizada na população: “os filmes são feitos com dinheiro de certo público para esse mesmo certo público consumir, o que torna natural que o herói seja membro desse público. O problema é que a venda desses filmes nos chega praticamente como uma imposição e a ideologia se tornou dominante a ponto de nós mesmos sermos pri-sioneiros dela sem nos apercebermos”.

Os latino-americanos, enquanto isso, já pro-varam seu talento faz tempo a porto riquenha Rita Moreno, na década de 1970, se tornou membro do seleto grupo de 12 artistas intitulados EGOTs, que reune aqueles que já venceram os quatro principais prêmios da indústria de entretenimento estadu-nidense (Emmy, Grammy, Oscar e Tony). Mesmo assim, os hispânicos continuam recebendo pouco espaço na área: desde que Moreno venceu o Aca-demy Awards pelo já mencionado Amor Sublime Amor, apenas outras 7 atrizes latino-americanas, incluindo a brasileira Fernanda Montenegro, fo-ram indicadas na categoria. Dessas, a queniana nascida no México Lupita Nyong’o foi a única a levar a estatueta, em 2014. Nesse mesmo ano, Alfonso Cuarón fez história ao se tornar o primeiro latino-americano a ganhar por Melhor Direção. Na cerimônia seguinte do Academy Awards, em 2015, Alejandro González Iñarritú, conquistou mais um prêmio na categoria para o México.

A solução não somente para a baixa influ-ência do cinema latino-americano mas também para os estereótipos a ele relacionados seria, primeiramente, cativar os próprios latinos. “Não é possível pensar em expansão externa sem con-quistar, antes, o mercado interno”, afirmou Cas-siano Terra. O professor complementa dizendo que é preciso “tomar vergonha na cara e deixar de ter vergonha da própria cultura.”

A indústria cinematográfica estaduni-dense está em constante mudança. As últimas características que vem absorvendo, mesmo que timidamente, fazem com que os estrangeiros ganhem cada vez mais espaço nela. Há 5 anos um diretor natural do país não ganha um Oscar, por exemplo. Os latinos são grandes beneficiários desse desprendimento do conservadorismo e protecionismo antes observados na sétima arte. Resta esperar para saber se essa tendência se solidifica e, junto dela, uma negação dos este-reótipos latinos.

¿ Tu hablas español?Um levantamento realizado pelo Escritório do Censo Norte-americano constatou que o espanhol

é o idioma estrangeiro mais falado nos Estados Unidos e que quase metade dessa população está concentrada na Califórnia. Atualmente, 17% da população estadunidense é hispânica, o suficiente para os Estado Unidos ser o 5º lugar na lista de países hispânicos do mundo. As previsões do especialista Humberto López Morales indicam que em 2050 ele se torne o primeiro país da lista e que nascerão 2,5 hispanoamericanos por minuto.

Foto feita na fronteira dos Estados Unidos com

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Diego, na Califórnia,

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mexicana de Tijuana

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Hermanos del surCONTRAPONTO

ensaio fotográfico

Por diego Gutierrez e andré sampaio

Chegou! Finalmente chegou a hora da viagem! Depois de um

ano de trabalho, juntando cada merecido centavo de nossos respectivos empregos, conseguimos concretizar a vontade que já nos dominava há anos, uma “Trip” pela Argentina e Uruguai.

Em janeiro de 2015 partimos rumo as mais aguardadas aventuras. Nosso primeiro destino? A famosa Patagônia argentina, que por sinal, foi absurdamente incrível! Melhor ainda no verão, quando os dias rendem muito mais, com raios solares ilu-minando aquelas paisagens de cair o queixo até às 22hrs.

Logo após explorarmos uma das partes mais selvagens do país, fomos rumo ao norte, onde cidades com aquele típico jeitão europeu nos esperavam. Córdoba, Buenos Aires e logo em seguida a vizinha Montevideo, nos faziam imaginar que estávamos em filiais espanholas em ple-na América Latina, com uma arquitetura típica, costumes e estilos de vida muito similares aos europeus.

A parte final da viagem e também a mais aguardada por nós era o litoral uru-guaio. Começamos pela pequena Punta del Diablo, pertinho do Chuí, na fronteira com o Brasil. Uma praia boa pro surf que lembrava muito o litoral catarinense, com paisagens inóspitas e estilão caiçara.

Logo em seguida, de carona na ca-çamba de três caminhonetes, chegamos ao Cabo Polônio, o lugar mais fascinante de toda a viagem! Uma vila hippie-alter-nativa cercada por dunas e pela imensidão do atlântico sul, que de hora em vez nos presenteava com ondas perfeitas e gol-finhos por todo o lado. Sem luz elétrica, sem carros, sem nada de luxo, porém com muita energia humana, que sem dúvidas, transformavam a ``vibe`` do lugar em algo quase utópico. O Polônio com toda a sua mística e exotismo é um daqueles lugares que você nunca esquece e sai de lá com a certeza de que voltará um dia.

Nossa última parada foi a badalada e famosa Punta del Este, que de início soou completamente paradoxal comparado aos últimos destinos uruguaios, pela quantidade de ricaços, cassinos e baladas que transfor-mavam a cidade numa verdadeira Miami do cone sul. Embora nosso orçamento já não nos permitisse tais extravagâncias as quais são naturais em Punta, aproveitamos a ci-dade no estilo mochileiro mesmo, surfando na Praia Brava e fotografando um pôr do sol de tirar o fôlego, encerrando a viagem com chave de ouro.

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Centro - Montevidéo

Tango na Boca, Buenos Aires

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Playa Ramirez - Montevidéo

Parrilla Uruguaya - Mercado del Puerto - Montevidéo

Cerro Campanário - Patagônia

Villa la Angostura - Argentina

Cabo Polônio - Uruguai

Hostel Viejo Lobo - Cabo Polônio - Uruguai

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

Por maria eduarda Gulman e Giovanna fabbri

Quebrando barreiras e expectativas, comunidade aposta no desenvolvimento baseado na tradição e na educação

a realidade que inspira as lendas ribeirinhas

Finalmente, depois de duas horas navegando por entre as águas es-

curas do rio Negro, nasce, discretamente, a filha de uma das maiores florestas equato-riais do mundo. Por detrás de uma gigante e magricela árvore amazonense, ressurge a tímida Comunidade do Tumbira, localizada no município de Iranduba (AM). Na copa das árvores, uma escandalosa orquestra dos corrupiões amarelos comunica as boas-vindas a uma vida simples e inocente no interior do Amazonas.

Apesar de todas as dificuldades da via-gem – superlotação, desconforto e suor para entrar e sair da lancha - o clima é de alegria e solidariedade por entre os nativos. Portando cestas que transbordavam alimentos, crian-ças, idosos, homens e mulheres tentavam se acomodar nos estreitos bancos do simples barco. A ânsia de se chegar em casa ou visitar um ente querido extrapola todo e qualquer outro sentimento. Mais conhecido como o apertado expresso Charlote, esse meio de transporte privado é o mais procurado na região, com saídas de uma à duas vezes na semana, apenas. Depois de sobrecarregada a lancha, vida ribeirinha e manaura por fim se confundem.

Família ribeirinha – A aproximada-mente 40Km de Manaus, o que mais encan-ta é o grande abismo entre dois diferentes modos de vida. A correria da vida urbana manauara contrasta com o estilo de vida das famílias à beira do rio Negro. Simplicidade, rusticidade, trabalhos manuais, divisão das tarefas domésticas e sossego marcam o dia-a-dia do povoado. A paz que é transmitida pela umidade do ar faz com que os moradores do Tumbira levem a vida de um jeito sereno e leve. A cooperação e a preocupação com o todo são princípios que se mantém vivos na comunidade. Hoje, graças ao incentivo e ao encorajamento dado pelo governo estadual, a preocupação com o meio ambiente se revela também um preceito ribeirinho.

Em um ambiente atípico para mora-dores de grandes centros urbanos, Tumbira é composta por aproximadamente 40 famílias, sendo a calorosa família Garrido uma das mais conhecidas da região, por terem agarrado com unhas e dentes os planos de ação da ONG Fundação Amazonas Sustentável, que atua no local. Descendentes da união de portugueses e indígenas, a família atualmente é guiada por um alegre casal: Nadia Garrido, uma forte mulher, da pele parda e cabelo muito escuro;

e Roberto Brito de Mendonça, 40 anos, de coração grande, filho direto da floresta e apai-xonado pelos mistérios do Curupira.

Sendo essa família muito querida na comunidade, sua casa fica localizada na parte central do Tumbira, além também da pousada da família ser no primeiro piso, fazendo com que haja uma grande movimentação princi-palmente no cômodo da sala e da cozinha. Ao longo do dia entram e saem diversos amigos, vizinhos e familiares que se sentem em casa ao deitarem na rede ou apanhar um pedaço de bolo e beber um gole de café. Roberto e Nadia são pais de 2 filhos, porém a família é grande. Sobrinhos, cunhados, genros, noras, agregados, dão volume aos Garrido que abrem as portas de casa à todos que a necessitarem.

Desenvolvimento na floresta – Ini-cialmente, a região fazia parte de uma APA (Área de Proteção Ambiental). Entretanto, o projeto se mostrou ineficiente quanto à proteção da região e desenvolvimento das comunidades. “Para o meio ambiente ser pre-servado tem que valorizar os nativos”, defen-de Roberto. Com isso, em setembro de 2007 foram criadas pelo governo estadual, então governador Omar Aziz, as Reservas Florestais. Elas tinham como objetivo proteger as cabe-ceiras dos rios e distribuir o Programa Bolsa Floresta - uma recompensa direta em troca da conservação da floresta - para estimular o desenvolvimento de outras atividades.

Esse projeto, na época, acabou ge-rando certo impacto nas comunidades. Havia desconfiança e preocupação quanto

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Pai e filha às margens do rio Negro

Menina no “expresso Charlote” Roberto (à dir.) e seus irmãos

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15CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

Renato, sobrinho de RobertoNascer do sol no Tumbira

“pArA o meio Ambiente ser

preservAdo, tem que vAlorizAr

os nAtivos”

oportunidade”, revela Roberto, e completa: “para ter mudança, principalmente quanto a questão da educação, tem que apostar no futuro. De 100 pessoas, 10 acreditaram nas promessas. Eu fui uma delas”.

Além do lugar estratégico, o esforço de Roberto, atrelado ao interesse de muitos outros nativos em desenvolver o local - re-sultando na doação de um lote de terra para o projeto - foram motivos para Tumbira se tornar o núcleo de outras 19 comunidades beneficiadas. “Se outras comunidades não cresceram como essa, foi pela falta de gestão dos próprios nativos, porque oportunidade teve e ainda tem”, assinala Roberto.

A chegada da ONG Fundação Ama-zonas Sustentável se deu em 2009, com a finalidade de administrar o Bolsa Floresta.

Duas comunidades em torno do Rio Negro foram escolhidas como seu palco principal de ação: Tumbira e Assy Manana. Esses núcleos receberam suporte para o desenvolvimento e crescimento sustentável ao serem oferecidos cursos técnicos, estrutura para uma escola, posto de saúde, escritório e dormitórios. Além de empregos, tais como transportador, merendeiro, professor, entre outros.

Mudanças no estilo de vida – Há quatro anos eletricidade, água encanada e internet eram desconhecidas, assim como uma vida independente da exploração da floresta. Extrativismo era até então a atividade mais comum dos ribeirinhos. Nos igarapés, os atravessadores – ou mais conhecidos como pirangueiros – se aproveitavam dos

cortava madeira, mas essa era a tradição, na época nem me importava. Mas hoje respeito minha casa. Cresci na floresta, e ela merece ser bem tratada”, revela Roberto emociona-do. O ribeirinho atualmente trabalha com pesca, carpintaria, artesanato, manutenção e logística da escola e de sua pousada. Esta últi-ma promoveu um rico intercâmbio cultural, o que significou para os nativos o conhecimento de novas realidades através do encontro com pesquisadores, biólogos e turistas de todas as partes do globo.

A educação também se beneficiou. Inês Alencar, diretora da escola desde 2009 e nativa de Manaus, afirma que “as famílias passaram a dar mais importância para os estudos. Nesses últimos anos cresceu radi-calmente o número de jovens matriculados nos Ensinos Fundamental I e II, assim como nas faculdades. Entretanto, ainda há muito a se fazer. São apenas 80 matriculados no Tumbira”. Além de educadora, Inês também é mãe de primeira viagem. A diretora confessa que não tem intenções de voltar para a vida urbana, principalmente por querer educar seu filho próximo a natureza.

As mudanças transformaram e melho-raram a qualidade de vida dos ribeirinhos, porém, sem modificar a essência desse tipo de vida. A pureza do povo local permanece explícita tanto nas dormidas em redes, viagens em canoas e a churrascos nas praias aos do-mingos, quanto nas tradicionais partidas de futebol misto aos domingos e nos infaltáveis festejos religiosos.

Os jogos são uma forma de unir os ribeirinhos. Meninas e meninos de todas as idades jogam nos times de suas respectivas comunidades vestindo a devida camisa que a FAS ofereceu a eles. Os campeonatos são organizados pelos próprios nativos fazendo com que ocorra um intercâmbio amistoso entre eles. Roberto explica: “o campeonato é uma tradição aqui na Reserva desde o tempo do meu pai. O futebol passa o conhecimento da amizade, da união, do trabalho em grupo”. O campeonato começa em março e prolonga até setembro quando o vencedor é premiado com uma vaca ou um boi que fará parte do churrasco de domingo.

A vida simples ribeirinha tenta ao má-ximo permanecer verdadeira à sua essência. Apesar da instalação de bancos e do intercâm-bio com estrangeiros, os moradores à beira do rio Negro não esquecem suas origens e sabem muito bem para onde querem ir. Admiram o desenvolvimento de sua casa - a floresta - sem esquecer de quem vive na selva.

“Passamos a ter esperança de uma vida cada vez melhor. Que no futuro a gente possa amadurecer ainda mais. Eu vivi o cres-cimento, e passo esse saber para eles. Ficaria muito feliz se meus meninos trabalhassem e continuassem a morar aqui. Nada melhor que um nativo para associar desenvolvimento sustentável e cultura”. Recostado no canto da mesa, com as mãos apoiadas sob o queixo e pensamentos longínquos – quiçá num futuro próximo – Roberto canta para os filhos.

ao desenvolvimento. Durante a instalação do programa, oficinas e assembleias eram oferecidas na comunidade do Saracá. Com o intuito de gerar mais dinâmica, os respon-sáveis pelo projeto resolveram sortear outra comunidade. Para sorte dos nativos, Tumbira foi a escolhida.

Na época, como revela Roberto, o pre-sidente dessa comunidade fora contra, não acreditou nas promessas. Tendo consciência disso, o ribeirinho da pele queimada tomou frente da causa ao perceber que Tumbira tinha chance de se tornar o núcleo de conservação e sustentabilidade da Reserva Florestal, “havia a necessidade de alguém apostar no futuro, caso contrário nossa comunidade ficaria para trás. Assim, passei a liderar, apostar e estimu-lar as pessoas a terem outra visão: a de uma

baixos custos e compravam de 100 a 200 tábuas de madeira com o objetivo de vender e superfaturar em cima de um terceiro. Na época, devido a questão do pagamento em dinheiro vivo, essa prática era considerada benéfica para os nativos, “quando a gente vive sem ter oportunidade ou conhecimento, não sabemos julgar se é bom ou se é ruim. Depois da criação da reserva, a fiscalização logo proibiu essa prática contra producente”, explica Roberto.

Após o estímulo ao exercício de novas atividades – como a carpintaria – a noção de que é possível aproveitar e valorizar as ma-térias primas pairou sobre as comunidades, assim como a consciência dos danos causados pela intensa exploração. “Eu percebia que o Curupira se zangava comigo quando eu

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Por ana lourenço, Beatriz nogueira, maria eduarda Gulman e

mariana castroAs mulheres do bloco ilú obá de min lutam por visibilidade: no

carnaval e em todos os outros dias do ano

“eu quero ver o Ilú passar”

Há dez anos, o estressante barulho da metrópole paulistana dá lugar,

na sexta-feira de carnaval, ao batuque das mulheres do Ilú Obá De Min. O ritmo lembra muito o do maracatu, do coco e do jongo, e celebra a cultura afro-brasileira mantendo um diálogo cultural constante com o continente africano. O bloco foi criado em 2004 e seu nome, do dialeto africano, traduz sua virtude: mãos femininas que tocam tambor para o rei Xangô.

Beth Beli, pesquisadora de ritmos afri-canos do candomblé e defensora do feminis-mo, fundou o renomado bloco dedicado à divindade, junto à Adriana Aragão e as outras filhas de Xangô (orixá da justiça): Negra Duda e Mãe Dida, além da contribuição das produ-toras culturais Sandra Campos e Sonia Leite. Após decidirem o nome e os ideais do bloco, divulgaram as oficinas que aconteceriam no Centro Cultural do Jabaquara, fazendo com que outras mulheres pudessem participar. Era composto, inicialmente, por 50 mulheres, sen-do muitas delas dançarinas, arte educadoras, pesquisadoras ou até mesmo curiosas sobre o assunto.

Ao ser questionada sobre os obstáculos na formação do bloco, Beli explicou que, além das dificuldades em encontrar espaço para as reuniões e confecção das roupas, também é um desafio colocar muitas mulheres tocando tambor na rua, principalmente para orixás. Muitas vezes há intervenção policial e diversas burocracias para dificultar o acesso da mulher à cidade. Apesar disso, Beth não desanima: “Eu acho que as mulheres que se reuniram e se reúnem até hoje sabem muito bem o que querem. Mulher quando sabe o que quer, sabe mesmo.”

Após compartilharem, nas oficinas, os princípios, as músicas e as danças que compõem o bloco, as mulheres decidiram começar os ensaios. Eles ocorrem em espaços públicos, como defendido por Beth: “O ob-jetivo de fazer os ensaios em lugar público é uma questão política de ocupar esses lugares. É um direito nosso”. Hoje, os ensaios aconte-cem no Vale do Anhangabaú aos sábados, e aos domingos em cima do Viaduto do Chá, localizações estratégicas para dar visibilidade ao bloco, visto que são espaços centrais e de grande movimentação populacional.

No carnaval de 2013, o bloco enfeitou as ruas da capital paulista com o enredo “As Yabás – as Deusas do Axé”. Já em 2014, teve destaque o tema “Nega Duda e o samba de Roda do Recôncavo Baiano – Patrimô-nio Imaterial da Humanidade.” Neste ano, 2015, a escritora Carolina Maria de Jesus foi homenageada. Ela, que superou a miséria, o analfabetismo e o sofrimento herdado de seus parentes para se aventurar na cidade

CulturaCONTRAPONTO

grande, é um grande exemplo feminino. São símbolos como esses que as idealizadoras do bloco buscam para construir um enredo que empondere as mulheres. São quase 190 mulheres que, juntas, rufam os tambores e ecoam a força do Ilú Obá De Min, recons-truindo a visão da sociedade frente à cultura negra e à mulher.

Apesar de haver homens nas danças, a coordenação e a grande massa que com-põe o bloco são femininas. Os tambores dos blocos tradicionais do carnaval brasileiro são ocupados, principalmente, por homens e, desta forma, o espaço da mulher fica restrito à dança em que a nudez é evidenciada. Por isso, é tão importante que a mulher promova este tipo de intervenção cultural, ocupando a cidade e mostrando sua força.

A mulher no carnaval – Durante o ano inteiro, a mulher é vítima de assédios e tem seu corpo violado diariamente, seja por olhares, palavras ou atos. O carnaval é estere-otipado como a época do ano em que tudo é permitido e, entre festas, bebida e multidão, essa realidade parece se atenuar: o número de estupros e abusos se eleva assustadoramen-te. Aparentemente, os homens confundem uma certa sensação de “libertinagem”, que é associada ao carnaval, com uma distorção grave de questões éticas que muitos dizem defender nos outros dias do ano.

As mulheres se tornam alvo de beijos a força, passadas de mão, puxões de cabelo, entre outros atos que violam seu corpo e sua dignidade. A sensação de vulnerabilidade é tanta que, segundo uma pesquisa realizada pelo site Think Olga, nove entre dez mulheres já disseram ter trocado de roupa ou deixado de fazer algo por medo de assédio. Não im-porta se é carnaval: esta assustadora realidade não pode ser mascarada.

É por isso que, neste ano, um anúncio publicitário da marca de cerveja Skol causou tanta polêmica. A campanha espalhava pela cidade frases como “Esqueci o ‘não’ em casa” e “Topo antes de saber a pergunta”. Internautas demonstraram sua revolta nas redes sociais, alegando que a propaganda incentivava o assédio às mulheres.

Frente às estatísticas que comprovam o aumento da violência neste período, é importante a conscientização da sociedade a respeito dos limites de tais festividades. A empresa se pronunciou, justificando que a ação publicitária tinha como objetivo a ideia de aceitar os convites da vida e aproveitar os bons momentos, e se redimiu, substituindo os anúncios por frases mais claras como “Não deu jogo? Tire o time de campo” e “Quando um não quer, o outro vai dançar”.

A educação e a arte são as ferramentas essenciais para que a denigração da imagem da mulher se extingua da sociedade patriarcal em que ainda vivemos. O sucesso e impor-tância do Ilú se dão pelo uso inteligente da arte como instrumento para dar espaço e voz a mulher. Beth Beli, ao ser questionada sobre os assédios no carnaval, surpreende a todos com a sua resposta: “Nunca soube de assédios no bloco”. Esta conquista se deve à reflexão e ao debate que o projeto propõe na questão da mulher. A força delas transparece no bloco. Todas elas se sentem parte, pela primeira vez, de algo. Parte de um grupo, parte da sociedade.

O aumento dessa visibilidade é o que se deseja para o mundo. Que o encantamento do Ilú Obá de Min, com o som dos tambores, a sabedoria das mulheres e a exaltação da cultura afro-brasileira, permeie não apenas no carnaval mas em todos os outros dias do ano e em todas as esferas da sociedade.

Beth Beli: uma das fundadoras do bloco e mulher de luta

A ferramenta de transformação usada pelas mãos femininas que compõem o Ilú

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Por Gabriela amaral, Giovanna fabbri, Heloísa corrêa e lara castelo

deMocracia para queM?Para que nunca sejam esquecidos e reproduzidos, a luta ddo grupo

contra crimes da democracia ganha força e repercussão

Fruto da coragem e em prol da justi-ça, a Comissão da Verdade da De-

mocracia “Mães de Maio” conseguiu, no dia 20 de fevereiro deste ano, espaço institucional na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Este feito não teria ocorrido sem a iniciativa do ex-deputado federal Adriano Diogo e sem o apoio da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e da Comissão Espe-cial de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Pela primeira vez na história da hu-manidade foi criada uma comissão que lida diretamente com violações aos direitos huma-nos cometidas por um Estado democrático. Essa entidade deverá examinar o massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, os mais de 490 assassinatos cometidos na periferia de São Paulo, Santos e Guarulhos, em 2006 - no episódio conhecido como “Crimes de Maio” - além dos mais de 50 mil homicídios injustos que acontecem a cada ano no país. Ao mesmo tempo em que os mortos tem cor e CEP definidos, os assassinos destes têm nome, sobrenome e profissão. Ninguém é invisível.

Essa Comissão, que leva o nome em reconhecimento pela luta de diversas mães após o episódio ocorrido em 2006, surgiu “não de uma decisão do Estado, mas sim, da união das “Mães de Maio” com 21 entidades da sociedade civil”, explica Dario de Negrei-ros, Coordenador de Reparação psíquica e pesquisa da Comissão de Anistia. Sua criação deve-se não somente ao intuito de examinar, esclarecer e denunciar casos de grave violação dos direitos humanos cometidos pelo Estado no período democrático (após 1985), mas como também pelo viés de sensibilizar a opi-nião pública e desnaturalizar esse fato.

Para estabelecer seu funcionamento efetivo, a Comissão é dividida em vários grupos temáticos organizados por entidades da sociedade civil, fora dois consultores res-ponsáveis pelas pesquisas desses temas. Além disso, acontecem conselhos deliberativos com o intuito de juntar forças, provas e apurar novos casos. Após essas realizações , o grupo “Mães de Maio” ganha forca social, legitimi-dade e de maneira mais ampla ganha meios de perseguir seus ideais democráticos.

Débora Maria da Silva, uma das “Mães de Maio”, foi a primeira a dar à luz a essa luta e, consequentemente, a essa Comissão. Emocionada, ela revela, “depois de sete dias internada devido ao sofrimento de minha perda, meu filho apareceu pedindo para eu ir para luta”. O movimento começou após 40 dias da morte de seu e de outros filhos das periferias do estado de SP. “Eu achava que conhecia a justiça quando entreguei a boa conduta do meu filho para o Ministério

Público. Porém, assim que o promotor falou que para ele não servia de nada a declaração, percebi que a justiça não nos representava, e começamos (mães) a procurar umas às ou-tras”, conta Débora.

Assim como a Comissão de Anistia (2001) e a Comissão sobre Mortos e Desapa-recidos da secretaria dos Direitos Humanos (1995), essa comissão sobre os crimes da democracia pretende igualmente ter uma cadeira permanente na Assembleia, uma vez que não se trata de um período específico de pesquisas.

“Mães de Maio” marca, portanto, a concretização da transição dos fundamentos da Comissão da Verdade no período ditatorial para o atual. Isto é, ela extrapola os crimes militares, ampliando a abordagem para todos considerados de leso à humanidade. Sobre esse tema, Débora enfatiza: “Se houvesse punição aos torturadores no passado, não haveria chacina na democracia. As histórias nesse país se repetem. Os laudos do passado são as resis-tências seguidas de morte do presente”.

Como prova, segundo uma reporta-gem feita pelo jornal Estado de S. Paulo, o uso de força letal pela PM tende ao cresci-mento neste ano. Fato este, que já acon-tecera de 2013 para 2014, no qual o uso

desta aumentou em 77%. Segundo o ouvidor da Secretaria de Segurança Pública, esse acréscimo advém princi-palmente da descrença dos policiais em relação às punições. O perigo da impunidade recai tanto sobre os policiais acusados, quanto sobre os agentes da lei, já que muitos dos crimes não chegam nem a ser investi-gados em razão do Ministério Público valer-se do arquivamento dos casos. Conforme o ex-deputado Adriano Diogo, “Nosso maior obstáculo é o tempo. É uma afronta do Brasil não investigar o passado. Os crimes eram até reconhecidos, mas nunca oficiali-zados ou responsabilizados”.

É em função disso, que uma das bandeiras da “Mães de Maio” é a reforma do judiciário seguido de desmilitarização da PM. “Uma mata e outra encobre. Discutir o judiciário é até prioritário”, aponta Débora. Para ela, a militarização faz parte do legado de violência que a sociedade carrega desde a ditadura. Isso acarreta na agressivida-de não só policial mas como também cívica, uma vez que as ações repressoras do Estado causam reações nos civis também seguidas de violência.

Assim como assinala Negreiros, fica claro que mesmo a pena de morte não sendo legalizada no Brasil, acontece algo muito pior. Diferentemente daquela, aqui não há direito a um julgamento, mas sim, execução sumá-ria, no qual mata-se gratuitamente. “Daqui a cem anos o grande fato histórico da nossa época será esse, um massacre pelo Estado de uma certa camada da população. O nível de morte é equivalente ao de uma sociedade em guerra”, conclui o coordenador.

É, portanto, urgente a necessidade de discutir uma plena reforma no judiciário. Seguindo esta linha, Débora ressalta, “vemos todos os dias várias mães e mulheres vítimas de uma doença oportunista, na qual reina a impunidade. É preciso reconhecer que ela continua e se repete. O único diferencial do presente pro passado é que sabíamos identi-ficar nosso inimigo. O inimigo na democracia é invisível e mais covarde, porque se esconde atrás de um carro preto”.

“Mães de Maio”CONTRAPONTO

“os lAudos do pAssAdo são

As resistênciAs seguidAs de

morte do presente”

Lançamento do relatório da Comissão da Verdade “Rubens

Paiva” (Débora ao centro)

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

Por maria eduarda Gulman rodrigues, talitha arruda e laura Jabur Zemella

diante da crise, o que resta é apelar para a audiência

Ambição por lucro faz a televisão brasileira perder o limite

A maior parte do material que a imprensa oferece ao público tem

algum tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é indireta, que distorce a rea-lidade. É uma realidade artificial, não real, irreal, criada e desenvolvida pela imprensa e apresentada no lugar da realidade real.”. Após diversas pesquisas e estudos, que resul-taram em seu livro Padrões de manipulação na grande imprensa, o sociólogo e jornalista Perseu Abramo pôde afirmar – além de diver-sas outras certezas, que, atualmente os fatos transmitidos para a sociedade são distorcidos conforme a ideologia da imprensa e por mo-tivos econômicos, ou até mesmo ocultados para os mesmos e, com isso, manipula-se a opinião pública.

A televisão brasileira do século XX passa por um momento de transmissão de inutilida-des e superficialidades, além de informações claramente manipuladas. Desta forma, seus telespectadores permanecem como mario-netes de grandes nomes como o da família Marinho, família Abravanel, entre outras, que monopolizam as informações, em busca de poder político e econômico.

Ao expor sua opinião sobre a demo-cracia na transmissão das informações rela-cionada ao viés político, o jornalista, sociólogo e político Laurindo Leal Filho afirmou em uma reportagem para o site da Carta Maior: “Constata-se uma grave falha da democracia ao exigir que governantes eleitos pelo voto popular sejam obrigados a se dirigir à socie-dade através de meios privados, controlados por minorias que os querem ver apeados do poder”, e completou: “é preciso tomar a iniciativa e buscar canais despoluídos para que as mensagens cheguem ao público sem ruídos.”. Ou seja, para que exista uma opinião pública limpa, sem a intervenção da grande mídia, é necessário o fim do monopólio da mesma nos meios de comunicação.

Busca por uma mídia mais democrá-tica – Com base nisso, as eleições para presi-dência em 2014 trouxeram à tona um assunto que parecia estar engavetado: a regulação da mídia. Projeto elaborado pelo ex-presidente Luiz Inácio da Silva, tinha proposta de nor-matizar o setor de radiodifusão e também da possibilidade da criação de um Conselho para regular o conteúdo de rádio e televisão.

Com algumas modificações, a atual presidente Dilma Roussef anunciou que irá realizar a regulação econômica da mídia no seu segundo mandato, com o intuito de evitar monopólios e oligopólios dos princi-pais grupos que hoje controlam os meios de comunicação. Afirmou que sua proposta não

é interferir na liberdade de expressão e con-trolar conteúdo, mas garantir a pluralidade de opiniões de maneira regulamentada.

A partir da regulação da mídia, o controle da mesma não estaria restrito às principais famílias (Abravanel, Marinho, Civita, Frias) ligadas aos meios de comunicação, mas a uma série de normas em que estes meios teriam de se adaptar para continuarem existin-do. Isso daria espaço para que outras opiniões à respeito de política, economia e sociedade, sejam divulgadas de maneira legítima, sem controle fundado em apenas uma direção.

Espetáculo televisivo – Além de toda esta polêmica em relação a regulamentação da mídia, outra falha na mídia brasileira é o modo de transmissão do real. Sem mais lugar para atuar, a veracidade passou a ser exceção e teve que dar lugar a algo considerado mais importante hoje em dia: a audiência. É devido a ela que a maioria (fugindo de generaliza-ções) dos órgãos comunicativos passaram a fazer da programação um espetáculo, cujo objetivo é suavizar acontecimentos, omitir relatos que agridem o Estado, reprimir o sur-gimento de formadores de opinião, ideias, ou

seja, entreter, por meio da comédia e sátira, todos os milhões de brasi-leiros que se sentem refugiados na tela colorida após uma maratona exaustiva do dia-a-dia.

Big Brother Brasil, da Glo-bo, Agora é Tarde, da Band, The Noite, do SBT, são exemplos de programas que mostram a pro-porção incalculável que a televisão brasileira está tomando ao corro-borar com atitudes que afetam a sociedade como um todo. Um exemplo é o apresentador do

programa Agora é Tarde, Rafinha Bastos, que aplaudiu e repetiu frases, sem pudor, ditas por seu convidado, Alexandre Frota, em maio de 2014, mas que foi reprisado no começo de 2015 – sem o menor medo ou constrangimento – sobre o dia em que “comeu” uma mãe de santo.

Após a enorme repercussão do caso, principalmente nas redes sociais, o próprio apresentador tentou esclarecer o ocorrido, dizendo que a história contada por Frota não é verídica e que a mesma faz parte do seu show de humor. Porém, no momento da entrevista, Alexandre Frota afirmou: “É um espetáculo de humor, um espetáculo biográfico, bem autoral” e acrescentou, “sou eu contando histórias que aconteceram na minha vida”, ou seja, suas falas mostram claramente que o ator e comediante fez apologia ao estupro em rede nacional.

Não só com o episódio de Frota, e tão pouco apenas no programa Agora é Tarde, é possível perceber atitudes agressoras a grupos sociais, como os homossexuais, transgêneros, negros, moradores da perife-ria e mulheres. A agressão verbal está pre-sente em diversos programas da televisão brasileira de maneira natural, como se não houvesse nenhum equívoco nessas atitudes. E isso se reflete na sociedade brasileira como um todo: injúrias são cometidas diariamente em todas as suas formas de preconceito, passando totalmente despercebidas sem que ocorra alguma providência a fim de reverter essas práticas.

As grandes emissoras brasileiras per-dem muitas vezes o limite de exposição dos grupos minoritários ao representá-los de for-ma distorcida do real. Como consta no artigo 5 da Constituição Federal, é direito de todo cidadão manifestar suas ideias e pensamen-tos, sem censura. Todavia, a exposição de uma opinião individual pode ofender e oprimir uma pessoa ou um grupo, momento esse que fere a dignidade e crença do outro.

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

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Por Karine sena, lu sudré, mariana castro e Paula diniz

qual será o destino de havana?A reaproximação diplomática entre Estados Unidos e Cuba

possibilita a criação de um novo mercado de consumo na ilha, além da difusão de valores liberais

Em dezembro de 2014, 52 anos após a proibição de atividades co-

merciais entre Cuba e Estados Unidos, foram retomadas as relações diplomáticas entre os dois países. O episódio da “crise dos mísseis”, durante a Guerra Fria, marcou o isolamento do berço do capitalismo contra a recente ilha socialista – que se manteria firme em sua estrutura até os dias de hoje. Entretanto, a saída do presidente Fidel Castro do governo cubano e a entrada de seu irmão, Raúl Castro, na presidência, somada a reeleição de Barack Obama, fizeram com que uma possível rea-proximação se concretizasse.

A libertação do preso político Alan Gross pelo país cubano e a dos três últimos componentes do grupo Cinco Cubanos pelos Estados Unidos, sinalizaram o novo capítulo da relação entre os países. As conversas entre Havana e Washington foram iniciadas com o objetivo da flexibilização do bloqueio econômico e comercial, imposto à ilha pela potência estadunidense dois anos após a Revolução Cubana.

Neste novo cenário, serão autorizadas vendas e exportações de bens e serviços dos EUA para Cuba, assim como bens de até US$ 400 poderão ser importados de Cuba. Além disso, os Estados Unidos voltarão a ter em-baixada em Havana, viagens de americanos a Cuba serão facilitadas, e se iniciarão novos esforços para melhorar o acesso de Cuba a telecomunicação e internet. As motivações e consequências do fim do embargo entre os dois países, entretanto, são muito mais complexas e podem trazer transformações históricas a longo prazo.

Diferente do que muitos pensam, re-atar as relações diplomáticas não significa o fim da hostilidade do governo estadunidense perante outros países da América Latina. A Venezuela, por exemplo, recentemente foi alvo de Obama em mais sanções como o congelamento de bens e restrições de vistos de autoridades venezuelanas. Os embargos à Cuba também estão longe do fim. A ilha, anteriormente em sua história, contava com um forte laço político com os Estados Unidos, que tinha o direito de intervenção no país assegurado pela Emenda Platt. Entretanto, no período de lutas por melhorias na condição de vida cubana e durante o governo de John Kennedy, as relações políticas entre os dois países se estremeceram permanentemente. Ambos se tornaram ainda mais distantes com a Invasão da Baía dos Porcos, que ocorreu em 1961, quando uma série de exilados cubanos, incentivados pelo governo estaduniense e contrários à Fidel Castro, entraram em ação com o objetivo de depor o regime socialista.

O fracasso da operação fez com que Cuba se aproximasse ainda mais da URSS e, em 1962, recebesse seu primeiro embargo econômico, comercial e financeiro.

O que muitos questionam é se o fato da reintegração entre os dois países representa um avanço do capitalismo, já que a pequena ilha socialista, comparada com a maior potên-cia capitalista, teria menos força de controle dos meios de comunicação e maior acesso de informação dos cidadãos para o resto do mundo, considerado mais avançado. Segun-do Rodrigo Medina, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), “o reestabelecimento de relações diplomáticas, se desacompanhado de medidas concretas de estabelecimento si-métrico de relações econômicas, financeiras e comerciais, não alterará o quadro em que me-didas coercitivas e ilegais (às luzes do direito internacional) perpetradas por décadas, sigam prejudicando o desenvolvimento do país e afetando o bem-estar do povo cubano”.

É preciso pontuar quais são os inte-resses estadunienses em torno da retomada de relações diplomáticas com Cuba. Medina acredita que a predisposição do poder Exe-cutivo dos Estados Unidos em reestabelecer estas relações com a ilha é proveniente da pressão que grandes companias estaduniden-ses passaram a fazer sobre a Casa Branca e sobre Congresso. Empresas como a Apple e a Coca Cola, entre outras, antes mesmo de um pronunciamento formal, veicularam a possibilidade de reaproximação. A postura das empresas evidencia que há muito interesse econômico na abertura de um novo mercado consumidor.

Mas, com a intensa divulgação dos valores capitalistas em Cuba, como Raúl Castro conseguirá manter a declaração, feita em plena Assembleia Nacional Cubana, de que o projeto de sociedade socialista não terá fim em Havana? Para Medina, apesar de Cuba ser uma ilha a 150km do Imperialismo, a abertura econômica não significa o fim do socialismo na ilha e, desse modo, é preciso diferenciar o caso cubano do caso chinês. “A China abdicou do processo ideológico para adentrar na espiral de consumo da economia internacional. A entrada de Cuba no mercado de consumo implicará um ônus em termos de projeto ideológico, mas não acredito que o regime cubano irá abdicar dele”, ressalta Medina.

De acordo com o professor de Rela-ções Internacionais, a retomada das relações diplomáticas tende a aprofundar a difusão de valores estadunidenses na ilha, impactando, principalmente, a juventude. “Os jovens cubanos passarão a ter acesso a alguns itens de consumo de massa, que fazem parte da chamada revolução tecnológica, incluindo a rede mundial de computadores, por meio de smartphones”, afirma Medina, complemen-tando que o governo de Cuba terá que lidar com uma gama de liberdades muito maiores e também com novo tipo de exercício da cidadania. “Claro que o governo Cubano também terá que lidar com a contrapropa-ganda, porque os valores propagandeados pela indústria de consumo de massa equivo-cadamente correlacionam o capitalismo com liberdade”, explica.

InternacionalCONTRAPONTO

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CONTRAPONTO20 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

Por Beatriz nogueira, Bruna mondeck, Guilherme Prado lopes, nicole Wey

Gasparini e victoria azevedo

o MoviMento da arteCom curadoria de Felipe Chaimovich e Inês Bógea, exposição

liga as artes plásticas à dança contemporânea

O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), situado no Parque do

Ibirapuera, e a São Paulo Companhia de Dança realizam a mostra “Museu Dançante”, que en-volve a interação entre bailarinos e 38 obras de arte que exploram os movimentos. Com curado-ria de Felipe Chaimovich, a exposição aborda a liberdade corporal e os códigos sociais.

A mostra permite o envolvimento com o público que pode tocar, entrar, subir, descer, pisar ou deitar em algumas obras – além de in-teragir com os dançarinos da companhia.

Não existe palco nem plateia: público e bailarino compartilham do mesmo espaço e, jun-tos, tornam-se uma mesma coisa. Desse modo, o espectador passa a se ver como agente da criação artística. Entre as peças expostas estão obras de artistas renomados como Hélio Oiticica, Mina Schendel, Abraham Palatnik e Sergio Camargo. A mostra fica em cartaz até 21 de junho e sua entrada é gratuita. No site do MAM é possível escutar “audioguias” sobre a exposição e suas obras, tanto em português como em inglês.

Se a ideia de Felipe era relacionar os dan-çarinos às obras do museu, era de se esperar que a coreografia do Museu Dançante tivesse a ver com os três elementos que caracterizam as atuais obras da mostra: gravidade, desequilíbrio e flutuação. Foi essa a proposta que Chaimovich fez a sua amiga e antiga colega da Folha de São Paulo, Inês Bógea, atual diretora da São Paulo Companhia de Dança. Misturando-se entre as esculturas, desenhos, instalações e filmes, os dançarinos também motivam o público a se mexer e a interagir com o espaço. “Fomos con-vidados pelo MAM, que em parceria com a Inês, elaborou essa ideia de criar um espetáculo que transformasse o corpo do bailarino em uma obra de arte, onde as pessoas pudessem tocar”, conta Rafael Gomes, coreógrafo da segunda parte da apresentação.

O Museu Dançante conta com duas core-ografias durante a sua duração, uma criada pelo também aluno da Companhia, Rafael Gomes e outra por Kleber Matheus, que também é cenógrafo. Segundo Rafael “a ideia do proje-to foi pegar todas as obras do museu em que houvesse movimento e colocar os dançarinos juntos a elas, como se também fossem uma obra de arte”.

Enquanto a primeira parte da performan-ce, desenvolvida por Kleber, é mais forte, invoca movimentos duros e música dramática, o final da apresentação é suavizado pela coreografia de Rafael que preferiu também agradar às crian-

ças: “fiz algo que remetesse aos sonhos, que chamasse a atenção das crianças, mas que não fosse um espetáculo bobo; queria que os ado-lescentes e os adultos também se lembrassem de sua infância. E as almofadas dão uma ideia mais aconchegante para o cenário”. Por outro lado, ele exalta a parte “pop” e a “pegada dançante” de sua coreografia que traz à tona o urbano, com o grafite e o cotidiano mecânico da população das cidades. O coreógrafo ainda explica que o seu ato busca tirar a seriedade da primeira parte e descontrair, “por isso a ideia da valsa com as senhoras idosas. Eu queria que se parecesse com pedaços de sonhos das pessoas. A música toca muito rápido, porque no sonho é tudo assim: uma hora você está na balada com amigos, outra hora você está no quarto com a namorada…”. Ele também acrescenta sobre o figurino, “a pantufa de personagens de desenho animado também era para descontrair, assim como o jeans da roupa, a ideia do ‘blue jeans’ ”.

O público aos poucos percebe que a exposição é diferente daquelas encontradas nos museus tradicionais. O primeiro elemento significativo para que isso ocorra é o cenário, idealizado pela arquiteta Marta Bógea, irmã da diretora da Companhia. Na Sala Paulo Figueiredo, figuras geométricas e a princípio sem definição recepcionam o olhar de quem assiste. A presença da madeira clara remete a um ambiente de acon-chego, e após uma surpresa, é possível perceber que as figuras compõe uma tradicional sala de estar. Conforme o público passa de um ambiente para o outro, ele é capaz de captar a presença dos três elementos e logo torna compreensível a ideia da idealizadora da cenografia. Cada elemento do cenário em conjunto com as obras e com os bailarinos vai remeter a esses elementos.

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Na entrevista em que Felipe Chaimovich concedeu ao programa Hoje Tem da TV Gazeta ele pontua as obras principais. Na gravidade ele cita o telhado. Já no desequilíbrio, a máquina curatorial, que é um sistema no qual giram pai-néis em torno de um eixo, incitando o público a se mover e a tocar a obra, o que gera outro olhar sobre a exposição em si. É o que conta também a diretora da exposição: “Um lugar onde pouca gente fica é o meio da máquina, o encontro das quatros portas. Aonde você não bate e vê tudo girando. É um lugar lindo de ver”.

Ademais, na flutuação, Felipe fala do grande amontoado de papeis que dão a ideia de um grande travesseiro que surge conforme o ar entra nele e a partir disso o movimento do grande travesseiro faz um simples e lindo espetáculo de se apreciar.

Além da presença das obras interativas, acontece também a projeção em vídeo do repor-tório da companhia, o que incita mais uma vez o público a participar do espetáculo e romper com os padrões antes encontrados nos museus.

Durante o projeto, um grande desafio para os bailarinos foi a mudança de sua relação com o público. Em entrevista, a diretora da São Paulo Companhia de Dança afirmou que diferen-temente do que ocorre em um palco, no Museu Dançante o bailarino consegue enxergar o olhar do público durante as apresentações. Contudo, afirma que essa conexão é estabelecida por meio dos ensaios: “É um desafio todos os dias, por isso é um processo de trabalho”.

Segundo Rafael Gomes, os bailarinos, assim como a plateia, têm uma dificuldade de se aproximar um do outro. Eles têm medo de machucar a plateia, e ela não compreende que é possível os tocar, que eles não estão tão dis-tantes como ocorre no palco. Não há limitações

CulturaCONTRAPONTO

“um espetáculo que trAnsformAsse o corpo

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21CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

“A ideiA é provocAr!”(inês bógeA)

de interação entre o público e os bailarinos, e o papel de espectador é dividido por ambos. A plateia se torna parte do espetáculo e é elemento fundamental para que a apresentação ocorra.

Devido a esse medo que os espectadores têm de chegar perto dos artistas, Inês diz que é dever do bailarino fazer com que eles se sintam mais livres. O dançarino deve levá-los pelos espa-ços do MAM, acompanhá-los e não os deixar so-zinhos, pois o público ainda não sabe como ir até esses diferentes lugares do museu -- sem estra-nhar e sem se sentir incomodado com a presença tão intimista dos bailarinos. O paradigma de um museu como uma estrutura que não permite a interação do público é rompida, transformando-o em um local de intensas relações.

Os espectadores devem voltar ao Museu buscando lugares mais ousados para assistir e interagir com a apresentação. Inês insiste para que a plateia retorne a exposição, pois nenhum espetáculo será o mesmo: “cada experiência será nova”.

A proposta do Museu Dançante permite que a dança seja vista pela sociedade de uma outra maneira. E, quando igualada às artes ex-postas em um museu tradicional, a dança passa a ser mais valorizada, divulgada e respeitada como a arte que é.

Realizamos uma entrevista com um dos bailarinos da São Paulo Companhia de Dança, Cauê Frias, de 21 anos. Cauê começou a dançar

com 7 anos de idade, em 2001 e desde então nunca mais parou. Ele nos contou que começou a enxergar uma possibilidade de escolher o ballet como carreira quando possuía 13 anos, pois percebeu que as pessoas realmente acre-ditavam em algum talento, todavia disse que essa arte sempre esteve dentro dele. Passados dois anos e meio estudando ballet na Nova Zelândia, ele se formou e conquistou uma oferta de estágio. Além de ser bailarino, está cursando gestão de turismo no Instituto Federal de São Paulo.

Perguntamos para Cauê como foi a expe-riência de dançar em um local diferente do palco, as dificuldades e desafios encontrados. Ele nos disse que foi uma experiência bem bacana e que se sentiu estranho de imediato, pois é algo distin-to e inovador para os bailarinos, que não estão acostumados a estar em um espaço menor e tão próximo do público: “(...) vendo o rosto de cada um, as expressões, principalmente daqueles leigos sobre o assunto, você consegue ver na cara deles a surpresa de ver o que a dança realmente é”.

A maior dificuldade encontrada por ele foi o tempo de ensaio, pois os bailarinos tiveram duas semanas para ensaiarem na sala da com-panhia e apenas uma no MAM, tendo que se adaptar rapidamente ao espaço do museu.

Assim como a maioria dos que escolheram a dança como profissão, ele passou por muito preconceito, principalmente na escola, já que a

grande maioria das pessoas ainda tem imbuído em suas mentes que o ballet é uma arte exclusiva para mulheres. Durante a entrevista pergunta-mos também para ele como a arte da dança é tratada no Brasil e a sua situação no momento: “Atualmente, eu diria que na crise que o país está enfrentando, muitos programas, principalmente da área da cultura, tiveram suas verbas cortadas imensamente e algumas companhias de dança já fecharam por falta de recursos do mês passado. Os brasileiros não tem o costume de cultivar a cultura em geral”.

Outra tarefa que os dançarinos tiveram foi abandonar o tradicional palco italiano e se apropriar do palco de arena. Mesmo tendo par-ticipado do desfile da marca Uma no São Paulo Fashion Week de Inverno/2014, a experiência proposta pelo MAM foi diferente.

Os bailarinos convidam o público a mes-clar seu movimento com os deles, a partilhar sua história. Inês diz que “ o palco explodiu e que na verdade a plateia esta dentro do palco (...) As pa-redes caíram!”. Toda essa explosão, além de nos proporcionar outro entendimento, permite que sintamos a respiração e o cansaço dos artistas. Ela possibilita o contato direto entre seus corpos e os de quem está perto, anulando as tradicionais seriedade e intocabilidade impostas à arte.

Uma das obras expostas no MAM é uma série de cadeiras de praia para três pessoas. No momento em que os dançarinos se misturavam e a plateia brincava nas cadeiras, era impossível distinguir quem era bailarino e quem era público. Ocorre um convite sincero e sorridente por parte da Companhia aos espectadores, uma libertação que ela propicia e que em alguns momentos chega a levar o público a integrar diretamente a coreografia. “Quando isso acontece com a plateia e o publico, um nutre o outro. A plateia vai começando a perceber que pode ser diferen-

te. Mas ainda existe uma cerimônia quando se fala de arte. Eu fico falando ‘Pode tocar!’, ‘Pode ficar!’ e ‘Faça como eles!’ ” comenta a diretora, que ainda esclarece ser o propósito da performance essa brincadeira mis-turada a dança: “A ideia é provocar!”, diz Inês Bógea.

Perguntamos à Bógea sobre o processo de transferência do palco convencional para o espaço do MAM e ela respondeu: “É um outro desafio e uma outra postura corporal, porque quando você dança no palco, distante,

você tem que projetar para uma distância muito maior. É uma outra energia”. A aproximação oferecida é tão intensa que entre as apresen-tações coreografadas por Kleber e Rafael, o público presencia a troca de gelatinas (material que dá cor às luzes), a fixação de holofotes e o surgimento de dezenas de almofadas azuis que nos conduzem às nuvens idealizadas pela Companhia, tal situação que numa apresentação tradicional aconteceria atrás das cortinas.

Durante a entrevista, Inês Bógea citou di-versas vezes a busca dos coreógrafos em dialogar com os elementos da exposição para provocar no corpo de quem está vendo uma nova percepção das obras e também do seu próprio corpo. Ela ter-mina nossa conversa com uma pergunta: “como é que seu corpo está quando você está fruindo uma obra de arte dentro do museu?”. Para responder a essa pergunta ela convida todos os leitores a participarem dessa experiência intimista e única que ainda dá tempo de ser vivida.

Banner: Museu Dançante

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A diretora Inês Bógea e Rafael Gomes coreógrafo da Companhia

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CONTRAPONTO22 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

O relato de um homem sensível às questões de seu tempo, com

um olhar para o lado mais belo, ou mais abalado, da dignidade humana. Isso é o que o leitor encontrará em Da minha terra à Terra, biografia do Sebastião Salgado, escrita por Isabelle Francq. Esta obra nos conta a trajetória profissional de Salgado, um dos mais renomados fotojornalistas da atualidade, mas narra também, de forma íntima, sua história pessoal. Uma história de militância, fuga, compaixão pelo ho-mem, consciência dos males da humanida-de, amor pela família e pelo mundo.

Nascido em uma fazenda de Minas Gerais em 1944, se mudou para Vitória quando tinha quinze anos para terminar os estudos. Foi no Espírito Santo que ingressou na militância jovem de esquerda. Estudou Economia, casou-se com Lélia aos vinte anos e, quando a ditadura foi instaurada, fugiu para a França. Lá fez doutorado em Economia, trabalhou para empresas gran-des. Mas a fotografia falou mais alto.

A fotografia de Salgado reflete a sua história de vida. Em Êxodos, por exemplo, ele registrou a marcha de milhares de pessoas, seja daquelas fugindo de guerras, seja daquelas se deslocando para os grandes centros produtivos industriais. Muitas atravessavam milhares de quilômetros de estradas, florestas e deser-tos. Fotografou a miséria nos campos de refugiados, a devastação das guerras. Ele se identificou com essas pessoas porque ele mesmo teve

O toque do celular a despertou. Sua primeira vontade, ao acordar no susto, era pressionar uma tecla que impedis-

se o celular de repetir o maldoso ato, mas sem ter outra alternativa, encarou sua realidade. Pelo menos não era o alarme estridente da-quele relógio antigo que abandonará há algum tempo. Abriu seus olhos com a mesma dificuldade com que se abre uma persiana velha e enferrujada.

Levantou. Olhou para seu gato – que enfrentava aquele mesmo árduo abre e fecha de olhos pelo qual havia acabado de passar – e se espreguiçou. Desvirou seu par de chinelos e lembrou que seu pai sempre dizia que deixar os chinelos virados para baixo lhe traria azar. Na medida em que a preguiça lhe permitiu, deixou um sorriso escapar. Sabia que tanto a sorte quanto o azar de-pendiam de muito mais do que uma Havaiana velha.

Olhou para o gato de novo. Não perdeu muito ali, pois sabia que o bichano tinha a feliz opção de per-manecer como estava. Dito e feito. Trocou de posição e fechou suas pequenas persianas com uma facilidade admirável. Seguiu seu ritual. Escovou os dentes, tomou seu café preto, sem açúcar. Tirou seu pijama cinza, apagado, e depois de um banho gelado, os trocou por uma regata vermelha, por uma calça jeans e um par de sapatilhas. Colocou seus brincos de pérolas. Cá entre nós, era bijuteria, mas lhe disseram uma vez que os mesmos lhe davam um charme.

Chegou ao trabalho e tomou outro café. Forte. Agora, contra sua vontade, com muito açúcar. Nem tudo é como a gente quer. A luz da tela do computador a cansava. Sua vó costumava comentar que estava com a “vista cansada”. Talvez fosse isso que ela estivesse

sentindo. Não só em relação a vista, mas em relação a tudo. Vai ver ela sentia pelos olhos. Perdeu a conta de quantas pessoas falaram que conseguiam a decifrar só de olhar para eles. Não entendia como isso era possível, afinal, nem ela mesmo alcançava tal proeza.

Gastava boa parte de seu tempo olhando dentro dos olhos dos outros. Achava que ninguém dava o devido valor para o ritmo do olhar. Para as retinas trê-mulas, que vão de um lado para o outro, perdidas, procurando caminhos. Durante a volta pra casa, em meio a pensamentos que também estavam perdidos, observou os inúmeros carros na principal avenida da cidade. Seus faróis também eram como olhos. Paralisados pelo tráfego, não com-binavam muito com aqueles que gostava de observar. Nem com os seus.

Foi um dia comum. Não viu (ou sen-tiu) nada que a deixasse maravilhada. Não viu o que(m) queria ver. Não sentiu o que(m) queria sentir. A luz dos seus olhos queria anoitecer, enquanto o gato provavelmente

estaria na gandaia. Não o invejou. Queria estar ali, onde estava, com a esperança que seus olhos não dessem trabalho na manhã seguinte. Sua vontade era enxergar aquele clarão, um tanto quando intimidador, sem querer fechar os olhos e voltar para seu esconderijo. Planejava abri-los como uma grande janela de madeira, de uma vez só. Estava ansiosa para sair da inércia e sentir tudo que o destino planejara, de uma vez só. Mesmo o destino sendo, por muitas vezes, intimidador e claro demais.

de fugir de seu país. Sabia o que era a tristeza de deixar tudo para trás, o sentimento de não ter pátria. Afinal, quando já estava na França, os militares negaram seu visto e ele, por um tempo, se tornou um despatriado.

Sebastião veio de uma família humilde do Brasil, por isso sempre se identificou com as pessoas mais pobres do planeta. Ele insistia em ver a dignida-de em cada ser humano que cruzasse seu caminho. Fossem os garimpeiros em Serra Pelada, que ele fotografou para o livro Trabalhadores, fossem as populações autóctones da Cordilheira dos Andes, registradas em Outras Américas. Ele fazia questão que seus fotografados lhe vissem como um seme-lhante, um pertencente da mesma tribo, porque só assim conseguia gravar sua verdadeira natureza.

Salgado acabou por conhecer lugares into-cados, onde pode finalmente entender o ritmo do tempo. Talvez por isso, não tinha pressa em realizar suas reportagens. Elas duraram de cinco a oito anos para serem produzidas. Ele simplesmente levava o tempo que achava necessário. Para Êxodos, onde fotografou os lugares inóspitos do planeta, levou oito anos fotografando. As imagens são magníficas, resultado do trabalho de alguém que soube entrar

em comunhão com a Terra, amá-la profundamente.Bela, digna, humana. Uma história inerente à história da huma-

nidade, com contemplação da natureza e da dignidade do homem. Não há um leitor que lerá sobre a vida de Sebastião Salgado e não tirará uma lição para melhorar a própria vida. Uma lição que só mostra uma coisa: o amor acima de tudo.

“da Minha terra à terra”

olhos de persiana

Por Pedro de souza Prata

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Da minha terra à terra Autor: IsAbelle FrAncq

edItorA: PArAlelA, 2013, 176 PágInAs

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23CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

Por Gabriel collet

■ 15 de março de 2015: um dia para refletir

No dia 13 de Março de 2015, segundo as pesquisas, mais de um milhão de pessoas em todo o Brasil saíram as ruas a favor do Impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff que completava seu segundo mandato há dois meses.

A manifestação, causou enorme adesão das rede sociais, principalmente das páginas no facebook ‘’Brasil Livre’’ e “Movimento Vem pra Rua”, que tiveram mais de 300 mil confirmados cada uma. O protesto, foi originado pelas redes e foi ganhando adesão no mês de fevereiro. Situações como a crise de energia em fevereiro, escândalos envolvendo o Pe-trolão e o Partido dos Trabalhadores aumentaram as adesões nas redes. No dia 15, apenas dois politicos responderam ao movimento, o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e Miguel Rossetto Secretaria-Geral da Presidência. Entre as justificativas dos participantes no protesto, há principalmente corrupção e melhorias nos setores publicos como educação e saúde. O protesto foi pacífico e o próxima encontro está maracada para dia 12 de Abril.

■ Sai a lista dos envolvidos na Operação Lava Jato

No dia 06 de março, sexta feira, o ministro Teori Zavascki, do Supre-mo Tribunal Federal (STF) determinou a abertura de 28 inqué-ritos para investigar 47 políticos suspeitos de envolvimento no esquema de desvios na Petrobras, conhecido como “Petrolão”, desmantelado pela “Operação Lava Jato” da Polícia Federal. A lista cita os senadores e deputados que possam estar envolvidos com o recebimento de propina da estatal. Nomes conhecidos da lista são: Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Fernando Collor de Mello e Eduardo Cunha.

■ Quando o dólar chega a 3 reais

A moeda americana encerrou a quarta- feira do dia (4) cotada a R$ 2,98 atingindo o maior valor em 11 anos, desde 2003. Quem apostou na alta, ganhou 23% em menos de 5 meses. A Bovespa fechou em queda influenciada por tensões políticas. Segundo a agência Reuters, operadores também têm dúvidas sobre os programa de intervenções diárias no câmbio, marcado para durar até pelo menos o fim deste mês. O ministro do Plane-jamento, Nelson Barbosa, afirmou que a recente depreciação cambial “corrige” em parte a apreciação que aconteceu nos últimos anos e não mostra descontrole.

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■ Carnaval marcado pelo machismo

Em meio a folia na qual o Brasil se preparou para o Carnaval de todo ano, duas campanhas publicitárias no carnaval foram alvo de intenso machismo. Primeiramente o Ministério da Justiça com o slogan “Bebeu, perdeu”; no qual incita em sua capa que mulheres que bebem “perdem” e os acontecimentos ocorridos posteriormente são culpa de suas bebidas. Em seguida, a Skol com o “Esqueci o ‘não’ em casa”. As duas campanhas foram retiradas de circulação após manifestação de diversas pessoas nas redes sociais. Em nota, a Ambev se desculpou, agradeceu os comentários postados e informou que a campanha tinha como objetivo aceitar os convites da vida e aproveitar os bons momentos. Em período de caranval no qual os números de estupro aumentam, campanhas como essas, apenas induzem o ser humano a prática desses atos.

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Cartaz da Campanha da

Skol “´squeci o ‘não’ em casa”: causa polêmica

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Moeda estadunidense alcança valor após 11 anos

Avenida Paulista tomada por manifestantes no ato

Campanha do Ministério da Justiça: “Bebeu, perdeu”

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Campanhas publicitárias que incitam o machismo

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CONTRAPONTO24 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Março 2015

torcidas organizadas, para que elas protejam os dirigentes se necessário.

Nos anos 1980, a Inglaterra sofria com um panorama de violência nos estádios muito pior que o brasileiro. No entanto, os hooligans (torce-dores organizados britânicos) foram combatidos. Na temporada 2012-2013, o país prendeu 2.456 torcedores, que ainda foram banidos dos está-dios. Para assegurar que o torcedor não entrará no estádio, de acordo com o delito cometido, ele tem que ficar de 3 a 10 anos, após cumprir sua pena na prisão, indo à delegacia durante toda

eM Meio a crise, futebol brasileiro busca se reinventar

A estrutura de poder do futebol está toda corrompida, desde a FIFA [Fe-

deração Internacional de Futebol] até as federa-ções”. A negativa constatação sobre o esporte mais popular do mundo é feita por Mário Marra, comentarista esportivo da rádio CBN e dos canais ESPN. Contudo, o jornalista, que cedeu entrevis-ta ao Contraponto, crê que iniciativas como os setores de torcida mista e a proposta de punir clubes endividados com perda de pontos podem ajudar a mudar este panorama.

Agravados por denúncias de corrupção nas federações, os problemas financeiros dos times brasileiros têm se tornado insustentáveis. O sucesso mineiro nos campos, por exemplo, conquistou-se sob o ônus de uma grande dívida com o governo. O débito do Atlético-MG, atual campeão da Copa do Brasil, está na casa dos R$ 284,2 milhões, o maior do Brasil. Já o arquirrival Cruzeiro – apesar de dever “apenas” R$ 19,8 milhões – viu sua dívida crescer assustadores 151% no último ano.

“Não é só ‘bater’, é necessário ver a situ-ação dos clubes também. Não quero defender, mas há clubes que já estão no Refis [Programa de Recuperação Fiscal]”, declara Marra. Além do Refis, no qual algumas equipes já estão encaixa-das para financiar as dívidas, recentemente, a presidente Dilma Rousseff assinou uma medida provisória que estabelece o controle da quitação das dívidas e o parcelamento delas em até 20 anos, para que os times possam ter maior pla-nejamento financeiro.

A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) divulgou, ainda, no dia 9 de março, um regulamen-to batizado de “fair play trabalhista”, que regulariza questões de ordens econômicas e esportivas válidas para o Campeonato Brasileiro 2015. Clubes que estiverem devendo salários, por exemplo, perderão pontos na classificação. “Acho a ideia muito legal, mas penso que alguma coisa pode emperrar ou algo pode dar errado. Talvez a medida provisória possa não ser aprovada ou eles vão tentar mudar alguma coisa...”, receia Mário.

Não se pode isentar também os torcedores da responsabilidade pela crise financeira do fute-bol brasileiro. Pressionando os times por títulos e contratações, o fair play fica em segundo plano. Como os clubes do Brasil são administrados de forma passional, a pulsão emotiva se sobrepõe à razão e os cartolas invertem as prioridades. Marra lembra que, para diminuir as dívidas em 2014, o Flamengo abdicou na luta por títulos e jogou limpo com sua enorme torcida, preparando-a para alguns anos de reestruturação.

Brigas entre torcidas – Entretanto, a corrupção e os problemas do futebol não são exclusivos aos grandes figurões. Em vertentes me-nores do esporte, como as torcidas organizadas, também há desmoralização. Bandidos usam a proteção que o futebol dá para cometerem crimes, e ninguém paga por isso. As torcidas organizadas, em sua essência, não são facções criminosas, con-tudo marginais se camuflam no meio delas. Para piorar a situação, a CBF e os times parecem pouco se empenhar para mudar esse aspecto. De acordo com Mário, “o clube está sempre pensando em alimentar o jogo do poder”, quando protege as

Por João abel e Pedro suaide

a duração dos jogos de seu time. Quando o time ou a seleção in-glesa joga fora do país, o criminoso tem de entregar seu passaporte na delegacia cinco dias antes da partida.

Boas iniciativas – Uma das iniciativas mais recentes para ten-tar conter os problemas das torcidas organiza-das é a criação de seto-res para torcida mista. Aplicada com sucesso

em uma partida entre Grêmio e Internacional, a ideia é reunir torcedores adversários num mes-mo espaço do estádio para incorporar o espírito esportivo e a rivalidade sadia. “Acho essa cultura [da torcida mista] muito legal, até para o turismo. São Paulo é uma cidade que atrai gente do Brasil inteiro. É justo que esses ‘turistas’ também pos-sam participar do evento”, declara Marra.

Projetos como o “Bom Senso FC”, que vem promovendo discussões e protestos no meio futebolístico, e o “Para um Futebol Melhor”, que incentiva programas de sócios torcedores, atuam em contraponto às grandes empresas e corporações do futebol, buscando mudar o pa-norama que é deplorável atualmente. Para Mário, uma das soluções seria o investimento em ligas independentes, como a maioria da Europa já faz. “Mas acho que o Brasil ainda está distante deste modelo”, pondera o jornalista.

Já diz a dito celebre: “Aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei”. Como quase todos os car-tolas brasileiros jogam o jogo da cumplicidade e da camaradagem, infelizmente, este cenário não parece estar próximo de se metamorfosear. Entretanto, o importante é que o espaço para debates sobre o futebol brasileiro tem aumen-tado e iniciativas para melhorar o esporte são sempre bem-vindas.

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Especialista acredita que setores de torcida mista e punição de clubes endividados são boas iniciativas

EsporteCONTRAPONTO

Problemas também nas quadras

Em fevereiro de 2014, o Banco do Brasil suspendeu o patrocínio da CBV, entidade máxima do vôlei brasileiro, por denúncias da CGU (Controladoria Geral da União). A investigação indica existência de ilegalidades na gestão financeira da instituição, que contou substancialmente com verba pública, na última administração de Ary Graça, hoje presidente da FIVB (Federação Internacional de Voleibol).

As suspeitas começaram quando a CGU encontrou indícios de irregularidades em contratos de 2010 com a empresa SMP Consultoria Esportiva, que tem 99% dos seus rendimentos em posse de Marcos Pina. O dirigente atuou oficialmente na CBV entre 1997 e 2000 e, em 2013 se tornou supe-rintendente da mesma instituição, até renunciar ao cargo após as denúncias da ESPN em 2014. Outro nome apontado pelas investigações é Fábio Azevedo, braço direito de Ary Graça na FIVB e sócio da S4G, outra empresa com contratos em investigação.

O Banco do Brasil impôs uma série de medidas administrativas à nova gestão da CBV para que o mesmo retomasse o contrato, como ocorreu no início de 2015, impedindo que o segundo esporte mais popular do Brasil perdesse seu maior patrocinador.

Por ananda Portela e leonardo Bianchi

Torcida mista no clássico gaúcho em

2015 (acima)

“Estrutura corrompida” Mário Marra,

comentarista de esporte