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1 Contrato Social Hobbesiano em Comunidades Virtuais Autoria: Rony Rodrigues Correia, Sheyla Natalia de Medeiros, Carlo Gabriel Porto Bellini Resumo — As teorias contratualistas tentam explicar as relações entre indivíduos, de forma a possibilitar a vida em sociedade e garantir o equilíbrio social. Especificamente, Thomas Hobbes propõe a existência de um contrato social estabelecido, onde poder comum, agência, consentimento e razão estão presentes. O presente artigo pretende verificar se os elementos do contrato social hobbesiano surgem no âmbito das comunidades virtuais. Consideradas um novo foco de agrupamento social, as comunidades virtuais revelam motivações e comportamentos inovadores. Partindo de um caso empírico que estimulou a interação em redes sociais, verificou-se que o contrato social hobbesiano surge nesse contexto, com seus elementos básicos. Palavras-chave: contrato social, comunidades virtuais, Hobbes

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Contrato Social Hobbesiano em Comunidades Virtuais  

Autoria: Rony Rodrigues Correia, Sheyla Natalia de Medeiros, Carlo Gabriel Porto Bellini  

Resumo — As teorias contratualistas tentam explicar as relações entre indivíduos, de forma a possibilitar a vida em sociedade e garantir o equilíbrio social. Especificamente, Thomas Hobbes propõe a existência de um contrato social estabelecido, onde poder comum, agência, consentimento e razão estão presentes. O presente artigo pretende verificar se os elementos do contrato social hobbesiano surgem no âmbito das comunidades virtuais. Consideradas um novo foco de agrupamento social, as comunidades virtuais revelam motivações e comportamentos inovadores. Partindo de um caso empírico que estimulou a interação em redes sociais, verificou-se que o contrato social hobbesiano surge nesse contexto, com seus elementos básicos. Palavras-chave: contrato social, comunidades virtuais, Hobbes  

 

 

 

 

 

 

   

 

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I. INTRODUÇÃO

Há diversas abordagens sobre o contrato social. Numa compilação sobre o tema, Krischke

(1993) faz uma separação entre contratualismo clássico e contemporâneo. No primeiro, estariam inseridas as ideias de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau; no segundo, os conhecidos John Rawls e David Gauthier. Portanto, o grupo clássico teria sido formado entre os séculos XVII e XVIII e o grupo contemporâneo no século XX.

Mesmo com o advento das teorias contemporâneas, o debate envolvendo o contratualismo clássico não se esgotou. Segundo Krischke (1993) ainda são discutidos sua utilização na prática e no conhecimento político, o ideal da razão como orientação para o comportamento político e o acordo entre os indivíduos como fundamento da legitimidade do Estado. Sobre os dois últimos tópicos, Hobbes (2008), em sua magnum opus Leviatã (1651), trata do assunto de maneira racionalista, mostrando a natureza humana, seus conflitos e quais seriam as leis naturais que fizeram surgir os contratos sociais.

No contexto mais recente, Kozinets (2010) revela que nossos mundos sociais estão se tornando digitais. Como consequência, cientistas sociais percebem que para entender a sociedade deve-se seguir as atividades e encontros sociais na Internet por meio das comunicações mediadas tecnologicamente. Especificamente, as comunidades virtuais, como definidas por Rheingold (1993), são o foco de diversos estudos. Para Abfalter et al (2012), entender a dinâmica das comunidades virtuais tem se tornado um importante tema para pesquisa.

Assim, é necessária a validação das teorias do contrato social no emergente nicho das comunidades virtuais. O objetivo deste artigo é verificar o estabelecimento do contrato social, como postulado por Thomas Hobbes, em comunidades virtuais, através da busca inicial de conteúdo comum.

A próxima seção do artigo traz à tona alguns aspectos definidos da teoria hobbesiana, apresentando conceituações básicas, como o estado de natureza, a commonwealth e sua relação com teorias de agenciamento e também a presença da razão no contrato social. Na seção posterior, apresenta-se o contexto das comunidades virtuais, sendo abordadas suas motivações, estímulos, comportamentos e tipologias. O método da netnografia, utilizado na presente pesquisa também é apresentado nessa seção. Por fim, questões acerca do caso empírico, coleta, análise e discussão de dados empíricos são apresentadas.

II. O CONTRATO SOCIAL HOBBESIANO

Alguns autores concordam que Thomas Hobbes não é um autor fácil de ser entendido. Baumgold (2008), por exemplo, alerta que o processo de composição dos seus trabalhos é idiossincrático, decorrente do fato de Hobbes produzir suas obras de forma serial, com conteúdos e argumentos sobrepostos, cuja prática era comum à época. Também a controvérsia sobre a ligação das suas principais obras – Elementos de Direito Natural e Político (1640), Sobre o Cidadão - De Cive (1642) e Leviatã (1651) – põe em questão se a teoria hobbesiana é encorpada ou fragmentada.

A ontologia e a epistemologia materialista da tese hobbesiana são fonte dos paradoxos envolvendo suas proposições (Springborg, 2009), mesmo que, por vezes, os autores tentem artificializar a retirada desses paradoxos, quer seja por tratamento das obras como um trabalho evolutivo ou extirpação das suas inconsistências por meio de análise filosófica. Para Springborg (2009), esses paradoxos podem ser deliberativos/subversivos quando é utilizada a estratégia do reductio ad absurdum em retórica; ou sistêmico inevitável, quando alguns conceitos são perpassados por toda a sua extensão.

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A. O Estado de Natureza

Pelo exposto, percebe-se que existe uma complexidade em definir o contrato social

hobbesiano. O primeiro conceito a ser revisado seria o estado de natureza. Para Hobbes (2008), esse estado é anterior à constituição da sociedade civil e dos elementos referentes ao governo na mesma. Nele, todos os seres humanos estão em guerra sem definir quem possui o direito sobre os recursos, cada um reivindicando para si o que lhe é direito sem abrir mão para os outros. É o Bellum omnium contra omnes – a guerra de todos os homens contra todos os homens.

Alguns estudos tentam demonstrar que, de fato, o estado de natureza é inerente ao ser humano. Ao observar a existência de pouca evidência histórica sobre o tema, Powell e Wilson (2008) realizam um experimento de laboratório que tenta sugerir que pode haver o estado de natureza hobbesiano, utilizando como paradigma o dilema do prisioneiro do equilíbrio de Nash. Tal experimento possui três fundamentações: criar o estado de natureza indicado por Hobbes, observar o nível de eficiência econômica que os indivíduos alcançam e testar a conjectura de Buchanan de que as pessoas unanimemente concordam com um contrato social em vez de que com a trapaça.

Alexander (2001) sugere que o dilema social envolvido no estado de natureza é algo relacionado entre grupos e não indivíduos. O autor assume que dois indivíduos que tenham entrado em acordo pertencem ao mesmo grupo, portanto a competição que trata o estado da natureza é vista como atores sendo representados por grupos concordantes em vez de indivíduos. Assim, esse artifício elimina a necessidade de representar as interações entre agentes como um jogo variável, como é o caso das analogias nashianas.

Uma abordagem semelhante para tratar o contrato social e a exemplificação do estado de natureza é realizada por Yurdusev (2006). Baseada no capítulo XIII do Leviatã, em que Hobbes (2008) relata que o estado de natureza ocorre entre pessoas de autoridade soberana, a argumentação é levada para o âmbito das relações internacionais e o estado da natureza é visto entre nações e não entre indivíduos.

Inclusive, o adjetivo “hobbesiano” é usado, em relações internacionais, para definir a falta de autoridade e cooperação, onde desordem é a regra e ordem é a exceção. Aqui, os atores sempre tentam maximizar seus próprios interesses às custas dos interesses dos outros e a paz é temporária e só pode ser mantida se houver um poder hegemônico, ou se o saldo do poder for garantido. Observa-se então que, no ambiente das relações internacionais, o estado de natureza é suportável.

A prática do contrato social também é aplicada em outras áreas do conhecimento. Sjovaag (2010) apresenta o conceito de contrato social jornalístico, como uma metáfora utilizada para descrever a missão democrática da imprensa. Aproveitando a inexistência de estudos exploratórios sobre o contrato social por acadêmicos de mídias e comunicação, o autor reflete sobre argumentos filosóficos que deram suporte à teoria, quais sejam: a liberdade, a propriedade, a religião e a lei. Argumenta-se que a teoria tenta negar a perda de liberdade do homem na transição do estado de natureza para a união civil; defender sistemas de regramento; argumentar em favor de comportamentos legais e morais; e defender a obediência civil, a ordem democrática e os direitos de propriedade.

B. Commonwealth

Outra analogia do contrato social, conforme definido por Hobbes, é levada aos grupos de

multinacionais e suas relações com a sociedade. Palmer (2001) compara empresas multinacionais com o indivíduo hobbesiano, caracterizado como auto-interessado, racional e

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egoísta. Aqui, surge outro conceito referente ao contrato social: a commonwealth. Ela pode ser definida como um mecanismo necessário para o estabelecimento de um governo contratual estável, cuja metáfora é apresentada por Palmer (2001) como a espada da soberania.

Tal conceito parece ser uma exigência do contrato social definido por Hobbes (2008). Na commonwealth, um direito é transferido para um homem ou assembleia de homens. Segundo Bandura (2001), ser um agente é fazer as coisas acontecerem intencionalmente pela ação de alguém. A agência incorpora doação, sistemas de crenças, capacidades autorreguladoras e funções e estruturas distribuídas pelas quais a influência pessoal é exercitada, ao contrário de residir numa entidade discreta em um local particular. Portanto, commonwealth e teorias de agenciamento estão ligadas.

Alguns autores fazem crítica à teoria de Hobbes em relação às relações entre indivíduos, afirmando que ele tem sido acusado de prover uma filosofia política que ameaça a liberdade individual (Van Mill, 2002) e que ele é um dos adversários mais ardentes da democracia participativa (Trotter, 2006).

Nesse sentido, Tralau (2011) tenta mostrar que as hipóteses que apontam Hobbes como defensor da liberdade de consciência estariam falsas, supondo que isso seria uma falta de entendimento sobre o autor e que o próprio não haveria intencionado isso.

Em contrapartida, Van Mill (2002) apresenta uma tese para defender que o conceito de liberdade está presente na commonwealth hobbesiana. Elabora-se um argumento sobre que censura e manutenção da paz devem ser aplicadas pela razão e não pela força. A afirmação de Hobbes de que não fomos encaixados para a sociedade significaria dizer que o ser humano precisa de educação para viver nela e que o poder deve se preocupar com a educação. Assim, não haveria lugar para o poder coercitivo e a sugestão de que o absolutismo de Hobbes não lida com a liberdade seria falsa.

O absolutismo de Hobbes é um contraponto de ideias. Baumgold (2009) alerta que as novas teorias contratualistas rejeitam esse conceito, porém apresentam um paradoxo semelhante ao de Hobbes. Se as pessoas escolhem sua constituição de poder preferida, como essa fica sendo a única possível? O paradoxo é o mesmo apresentado pelo absolutismo hobbesiano, onde se afirma que a legitimidade da autoridade está no consentimento, porém a soberania é necessariamente absoluta.

C. Razão

Para Sadler (2009), a filosofia política de Hobbes é possível devido à utilização da razão. Hobbes tenta entender, articular e resolver a ameaça de conflito e violência, que é a razão humana, pela própria razão. Não são as paixões somente, mas também a razão, que instauram a guerra de todos contra todos.

Razão para Hobbes é traçar inferências, que tomam várias formas, variando o grau de rigor e simplicidade. Porém, nem todos os seres humanos possuem ou empregam a razão no seu sentido estrito na mesma extensão. Sadler (2009) considera a razão indispensável para a vida política. Há um amplo uso da razão por meio das capacidades humanas mentais que conduzem os seres humanos às leis da razão e do contrato social e esse sentido mais amplo reflete a confiança de Hobbes em uma noção mais livre de razão, que poderia ser chamada de racionalidade em geral.

Existe uma relação entre a razão e as paixões hobbesianas. Para Limongi (1994), essa relação não é, necessariamente, conflitante. A natureza das paixões humanas é tão intensa que somente um poder coercitivo seria capaz de impor ordem à sua multiplicidade de formas. A razão é disposta de duas formas para servir à paixão: a primeira trata do discurso mental, que se forma através do encadeamento de imagens, gerando um tipo de sabedoria, chamada

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prudência; e também há o discurso verbal, que conecta nomes ou apelações para formar o pilar da ciência ou razão.

Hirata (2010) realiza um exame das relações entre causa e efeito na teoria de Hobbes. É definido um aspecto restritivo do conceito de razão, através da representação da causalidade de eventos. Assim, sem a mediação do conceito de causa, a razão não teria um espaço limítrofe e um evento poderia ser concebido tanto num momento como em outro qualquer. Isto equivale a dizer que seu início seria inimaginável e, portanto, todo evento deve ser representado no espaço e no tempo, acompanhado de sua causa e através de razões limitadas.

Uzan-Milofsky (2009) propõe derrubar a tese de David Gauthier e Ned McClennen de que podemos mudar nossa lógica de racionalidade da deliberação para a cooperação. A ideia chave destes é que é melhor ser um aderente sincero às concordâncias de princípios, práticas e instituições sociais do que um ator individual. A racionalidade deve ser voltada para maximizar os benefícios duais em vez de individuais.

Porém, Uzan-Milofsky (2009) argumenta que sofisticação é sempre o melhor modo racional de deliberação. Em níveis intrapessoais e interpessoais, sofisticação é estrategicamente melhor do que determinação/resolução. O autor conclui que indivíduos são aptos a serem determinados e determinação pode ser mais racional do que sofisticação. Porém, determinação não é um modo natural de deliberação. Determinação não é um conceito independente de racionalidade. Esse pensamento está de acordo com a natureza humana, conforme apresentado por Hobbes.

III. COMUNIDADES VIRTUAIS

Um dos conceitos precursores das comunidades virtuais foi apresentado por Rheingold (1993, p.10): “agregações sociais que emergem da Internet quando pessoas suficientes conduzem longas discussões públicas, com suficiente sentimento humano para formar redes de relacionamentos pessoais no ciberespaço”. Assim, tais comunidades são observadas como novos espaços para a interação social.

A partir desse prisma, diversos trabalhos propuseram expandir o conceito ou aplicá-los a contextos específicos. Bellini e Vargas (2003) consideram o termo comunidade controverso e preferem a alcunha de comunidades mediadas pela Internet. Tal opção deve-se a confusões com o termo virtual, pois este não é restrito à Internet e se faz necessário utilizar o termo correto para o contexto específico.

Já Janzik e Raasch (2011) preferem o termo comunidade online. Eles alertam que as comunidades online têm-se estabelecido como redes sociais e plataformas de conhecimento e se tornado uma importante fonte para a troca de informação e experiência. Seu estudo direciona-se para o fenômeno de mercados comerciais já maduros. Dentre as suas contribuições, os autores apontam os motivos que levam um usuário a participar de comunidades online.

Na presente pesquisa, utilizar-se-ão todos os termos, em consonância ao modo como são empregados nas leituras de base.

A. Motivações e Estímulos

Motivação surge a partir da interação entre os motivos (fatores individuais) e os incentivos (fatores situacionais). Além disso, pode surgir de forma intrínseca ou extrínseca (Janzik e Raasch, 2011). Motivação de forma intrínseca surge de uma direção, percebida por um indivíduo, partindo para um estado de satisfação inerente e não foca no resultado de uma atividade. Em contrapartida, a motivação extrínseca é baseada em incentivos externos ligados ao resultado diferençável de uma ação.

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Segundo Janzik e Raasch (2011), na maioria dos estudos sobre motivação em comunidades virtuais, a motivação intrínseca tem sido considerada um direcionador nuclear de participação e contribuição, o que resultaria em implicações práticas e teóricas. Foram identificados, ainda, que os principais motivadores intrínsecos são: diversão e satisfação, autodeterminação e identificação comunitária.

Koh et al (2007) acredita que muitas organizações que eram tradicionalmente offline, com reuniões presenciais e atividades de equipe, agora tomam a forma de comunidades virtuais. Com isso, eles apresentam um quadro teórico que define o encorajamento da participação de usuários em comunidades virtuais.

Os direcionadores de estímulos de participação em comunidades virtuais são: envolvimento dos líderes das comunidades, interação offline, utilidade e qualidade da infra-estrutura de tecnologia da informação. A proposta desses direcionadores foi baseada em estudos prévios realizados por Koh et al (2007), que consistiam em perspectivas sociais e técnicas, envolvendo comunicação, motivação, liderança e tecnologia.

A fim de responder quais direcionadores são mais suscetíveis a estimular uma comunidade virtual, Koh et al (2007) realizaram uma pesquisa de campo com 77 comunidades virtuais na Coreia. Observou-se que a atividade de postagem é influenciada pela interação offline e que a atividade de visualização é afetada pela utilidade percebida.

B. Comportamentos e Tipologias

Henri e Pudelko (2003) identificam quatro tipos de comunidades virtuais. Comunidades de interesse são formadas para coletar informações sobre um tópico de interesse comum e também para a troca de conhecimento sobre o tema. Comunidades orientadas por objetivos formam-se para produzir um resultado específico; geralmente esse tipo de comunidade produz artefatos comissionados por um ou vários condutores. Comunidades de aprendizagem servem para encaminhar atividades pedagógicas conduzidas por um instrutor, sendo a participação condicionada à realização de um projeto coletivo. Por fim, comunidades de prática são ganchos para comunidades existentes e físicas de profissionais ou interessados em um ofício; neste tipo, ocorre desenvolvimento da prática profissional por meio do compartilhamento de conhecimento entre os membros.

No âmbito das comunidades virtuais, uma nova preocupação surge quando se supõe o comportamento online e sua relação com tecnologias de informação e comunicação. Para Jones (1997), deve ser conduzida uma ciberarqueologia, método inspirado na arqueologia tradicional, que pesquisa como artefatos culturais desempenham um papel em restringir a configuração de comunidades virtuais, devido aos limites de processamento cognitivo humano.

A interação em comunidades virtuais tem forte influência na vida dos seus usuários. Segundo Liu (2011), esse impacto resulta na necessidade de investigação dos valores que compõem o sistema de crenças de seus participantes. Realizando entrevistas em profundidade e o método Q-Sort, que consiste em relações entre opiniões ou impressões, o autor descobre que existem três categorias para os valores: plataforma de conhecimento, redes de entusiastas e solução de problemas.

Com o intuito de expandir a compreensão sobre as necessidades dos membros de comunidades virtuais num contexto voltado para viagens de turismo, Wang e Fesenmaier (2004) estendem e testam empiricamente um quadro conceitual sobre as relações entre as necessidades dos membros e o seu nível de participação na comunidade virtual.

Além disso, foram explorados os efeitos da duração de filiação sobre o nível de participação e o papel das diferenças demográficas. Os resultados mostraram que necessidades sociais e hedônicas apresentam efeitos positivos no nível de participação, ao

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passo que necessidades funcionais apresentam efeitos negativos. O status de filiação do membro influencia também o nível de participação, e as características demográficas desempenham um papel importante no tocante às necessidades dos membros e participação nas comunidades.

O nível de participação na comunidade também é estudado como fenômeno de interesse. Kozinets (1999) propõe uma classificação relacionada aos membros das comunidades, verificando laços sociais com a comunidade e a auto-centralidade das atividades relacionadas a ela. Assim, os usuários são agrupados em: sociáveis (minglers), devotos (devotees), turistas (tourists) e hospedeiros (insiders).

Brandtzaeg e Heim (2011) realizam um estudo sobre o perfil de membros de redes sociais virtuais na Noruega. Além de encontrarem os tipos apresentados por Kozinets (1999), renomeados na mesma ordem � socializadores (socialisers), debatedores (debaters), espreitadores (lurkers) e ativos (actives) �, os autores também apresentam o membro esporádico (sporadics). Este grupo realiza visitas à comunidade somente de tempos em tempos, sem frequência definida, possui um baixo nível de participação e está nas redes para propósitos informativos e de contato.

Com o objetivo de reduzir problemas de sociabilidade em comunidades virtuais, Matzat (2010) realizou um estudo com 26 comunidades virtuais sobre as relações entre interações online e offline. Verificou-se que o comportamento em comunidades virtuais é reflexo da densidade da rede social formada, que provê oportunidades para a aplicação de controle social. Dessa maneira, indivíduos inseridos em redes densas percebem que comportamentos antissociais geralmente minam sua reputação social e são sancionados por ação coordenada. Exemplos típicos de comportamentos antissociais seriam: falta de confiança entre membros, comportamento parasita e falta de filiação estável. Tais problemas também aumentam as chances de fracasso da comunidade virtual.

Diversos estudos estão interessados na qualidade das relações entre os membros de uma comunidade virtual. Ao analisar a lealdade do consumidor no ambiente de jogos online, Lin et al (2008) verificam que existe uma relação positiva desta com satisfação e compromisso. Por sua vez, satisfação é influenciada por status de poder virtual, comportamento de interação relacional, utilitários de incentivo e aprimoramento de recursos da comunidade. E o compromisso é incrementado pelo status de poder virtual, comportamento de interação relacional e utilitários de incentivo.

Também foram verificadas as influências do gênero sobre satisfação e compromisso. Neste caso, a lealdade à comunidade foi mais fortemente influenciada pela satisfação em homens do que em mulheres, ao passo que o compromisso influenciou mais fortemente a lealdade em mulheres do que em homens. O autor percebe que homens com baixa satisfação e mulheres com pouco compromisso, tendem a não permanecer no tipo de comunidades pesquisadas.

C. Netnografia: Vivenciando as Comunidades Virtuais

Para Kozinets (1998, 1999, 2002), netnografia é um novo método qualitativo de pesquisa que adapta as técnicas de pesquisa etnográfica para estudar culturas e comunidades que surgem através de comunicação mediada por computador, ou seja, a netnografia é vista como uma etnografia adaptada ao estudo de comunidades online (Kozinetes, 2002). Love (2011) acrescenta que este é um método baseado nas habilidades de mídias sociais para o estudo de comunidades virtuais. Langer e Beckman (2005) revelam que, como método, a netnografia é mais rápida, simples e possui menor custo se comparada à etnografia tradicional, capaz de nos fornecer informações a cerca dos simbolismos, significados e padrões dos usuários de comunidades virtuais. Bowler (2010) corrobora com a definição de Kozinets sobre

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netnografia e acrescenta que, hoje, a Internet é um local de grande importância para investigações, dado o número crescente de pessoas que fazem uso de comunidades virtuais. É importante mencionar que, segundo Hine (2000) a netnografia não substitui a etnografia, mas leva o foco para a tecnologia.

Uma das vantagens desse método, apontadas por Braunsberger e Buckler (2009), são os comportamentos virtuais de interesse, tais como troca de ideias e informações que ocorre em um ambiente natural escolhido pelo próprio usuário. Por este motivo fornece aos pesquisadores insights genuínos sobre seus comportamentos. É dito por Langer e Beckman (2005) que o método permite que o pesquisador, de maneira secreta e discreta, obtenha insights profundos acerca das motivações, preocupações e inquietações dos membros das comunidades virtuais. De fato, temos que as interações entre os membros da comunidade virtual, segundo De Valck et al (2009), podem ser observadas em um contexto que não é criado nem dirigido pelo pesquisador, permitindo espreitar a troca natural de informações durante as 24 horas do dia. Outra vantagem adicional, mencionada por O’Reilly et al (2007), é a possibilidade que o pesquisador tem de voltar aos dados qualitativos originais em qualquer momento durante a análise, pois o conjunto de dados é inerentemente transcrito.

De acordo com Kozinets (2002) o estudo da comunicação online através da netnografia é utilizado para compreender as atitudes, percepções imagens e sentimentos dos usuários. Kozinets (1998, 1999) aponta que a Internet oferece mais oportunidades para a participação dos grupos sociais, colaborando para a criação de comunidades virtuais, a fim de afirmar o poder social, para reivindicar símbolos e modos de vida que sejam significativos para os usuários, como indivíduos, e também para a comunidade, como um todo. Pesquisas de opinião convencionais muitas vezes oferecem pouco ao pesquisador, pois os participantes podem opinar de forma precipitada, somente por obrigação ou deturpar avaliações de experiência. Por esse motivo, Mkono (2012) sugere o uso da netnografia que permite aos pesquisadores acessarem contas altamente pessoais das experiências vividas através de comentários postados em comunidades virtuais, mais propensos a oferecer opiniões sinceras.

A netnografia, para Bowler (2010), refere-se a uma série de métodos de pesquisa online que se relacionam adaptando-se ao estudo das comunidades e culturas criadas a partir da comunicação mediada por computador. É através dessa interação que se torna possível uma discussão entre os usuários, e a partir desta o desenvolvimento de um estudo que permita uma análise focal acerca do tema, visto que a obtenção das informações é considerada mais objetiva (Braunsberger e Buckler, 2009). Na netnografia, para Garcia et al (2009), o ambiente de interação direta com os participantes é substituído pelos dados da tela do computador que são, em grande parte, textuais, mas podem também incluir combinações de componentes textuais, visuais, orais e cinéticos.

Na netnografia, pode-se encontrar, segundo Kozinets (2010), duas abordagens distintas de pesquisa. Um vasto número de pesquisadores tem realizado netnografia de culturas e comunidades virtuais puramente observacionais, na qual o pesquisador é um tipo especializado de observador � um lurker. No entanto, outros têm enfatizado uma abordagem mais participativa, na qual o pesquisador atua plenamente como um membro da comunidade virtual. Esta última abordagem é mais próxima aos padrões tradicionais etnográficos, devido ao seu envolvimento prolongado e profunda imersão.

É dito por Garcia et al (2009) que a mistura atual de mundos online e offline requer dos pesquisadores a incorporação da comunicação mediada por computador no estudo, procedimentos de abordagem e interação com o sujeito da pesquisa: deve ser desenvolvida a habilidade de análise de dados textuais e visuais; aprender a gerir a identidade, devido à possibilidade de anonimato; e aprender a aplicar os princípios de proteção onde o contexto não é face a face.

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IV. CASO E MÉTODO

O caso empírico de que trata o artigo refere-se à expressão de opiniões sobre um tema que gera conflitos na sociedade atual brasileira: a execução, através de aparelhos portáteis de mídia digital, de músicas em nível sonoro alto no transporte coletivo público. Em matéria veiculada sobre o assunto, Figueiredo (2012) relata que vem crescendo o número de reclamações de pessoas incomodadas pelo som alto em ônibus públicos, o que gera conflito entre passageiros.

A reação a essa prática ocorre por meio de dois movimentos sociais. O primeiro deles é a criação de leis municipais. Segundo o jornal Zero Hora (2012), o plenário da Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou, em 22 de dezembro de 2011, projeto de lei que determina que rádios, celulares e demais tocadores de música do tipo MP3 e MP4 só poderão ser utilizados com fones de ouvidos e o usuário que desobedecer ficará sujeito a multa. Também foram criadas campanhas de conscientização do usuário (Figura 1).

Figura 1. Campanha de conscientização na cidade de Porto Alegre. Fonte: Estadão (2012).

Outras leis em vários municípios foram criadas. Mais recentemente, ao ser veiculado na Internet que o município de São Sebastião, no litoral do estado de São Paulo, havia aprovado lei que expulsaria do ônibus o passageiro que estivesse escutando música alta (Estadão, 2012), o microblog Twitter registrou cerca de 716 citações sobre o assunto no dia 08 de fevereiro de 2012. Aí surge o segundo movimento social decorrente do tema: a expressão de opiniões em comunidades virtuais.

Segundo Lea e Spears (1992), há uma paralinguagem que permite a transmissão de informações sociais em comunidades virtuais. Portanto, as comunicações realizadas em comunidades virtuais possuem um aspecto social inerente e devem ser estudadas como fenômeno.

Rocha e Montardo (2005) apresentam a netnografia como alternativa metodológica de pesquisa científica no campo da comunicação a partir da constatação de que muitos objetos de estudo localizam-se no ciberespaço. Por isso, e as importâncias da netnografia, já apresentadas no contexto das comunidades virtuais, aplicou-se este método como busca para o contrato social hobbesiano.

A. Coleta de Dados

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A entrée, conforme definida por Kozinets (2002), foi realizada nas principais redes sociais virtuais em voga (Twitter, Facebook, Google+) e também através da visita em websites de notícias e blogs que abordassem o assunto e permitissem a interação através de comentários dos leitores.

A coleta dos depoimentos foi auxiliada pela ferramenta BrandViewer, mas não se limitando a ela. Seu funcionamento consiste em pesquisar um termo preestabelecido em diversos locais da Internet e monitor o fluxo de comentários. No caso presente, pesquisaram-se os termos “SOM ALTO” e “ÔNIBUS”.

A ferramenta utilizada pesquisou os comentários disponíveis em algumas redes sociais (Twitter, Google+), websites de compartilhamento de vídeos (YouTube), notícias veiculadas na Internet que permitiam comentários e também ferramentas de blogs (Wordpress e Blogger). Abordou-se o período de 15 de dezembro de 2011 a 15 de fevereiro de 2012, coletando-se 3.874 relatos (Figura 2). A identidade dos usuários é preservada.

Figura 2. Distribuição de comentários por comunidade virtual. Fonte: Coleta de dados com a ferramenta BrandViewer.

B. Análise de Dados

Com o registro dos comentários e opiniões acerca do tema do som alto em ônibus, realizou-se análise de conteúdo, conforme estabelecido por Bardin (1977): pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

A técnica de análise categórica aplicada à análise de conteúdo consiste em operações de corte dos textos em unidades, havendo em seguida a classificação dessas unidades em categorias, segundo combinações analógicas. Essa técnica mostra-se ideal para o contexto de comunidades virtuais por ser eficaz quando se aplica ao discurso direto e simples (Bardin, 1977). As categorias utilizadas foram: renúncia/consentimento, transferência/agência e razão/justificativa, conforme explicitadas na próxima seção.

V. DISCUSSÃO

Lopes (1979) acredita que o contrato social hobbesiano é esclarecido quando se determina que cada homem pactua com cada homem para instituir um poder comum – a commonwealth. Sendo este o cerne da questão, o autor apresenta uma fórmula explícita para verificar o estabelecimento do contrato social. No contexto do presente artigo, foram utilizados os movimentos propostos por Lopes (1979), além da razão, conforme apresentada por Sadler (2009), para verificar o contrato social em comunidades virtuais.

A. Renúncia e Consentimento

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O primeiro movimento definido por Lopes (1979) é a renúncia. Neste estado, há um medo mútuo dos atores da sociedade e tal sentimento é amenizado quanto maior for o número daqueles que se unirem em favor de um auxílio mútuo. Nas comunidades virtuais, os usuários tentam estabelecer esse pacto através de proposições de movimentos sociais ou organização de protestos:

• Blog, 27/01/2010: “Vamos reivindicar as empresas de transportes coletivos, para que mantenham a ordem dentro de seus veículos para o cidadão, cliente, passageiro possam ter o mínimo de satisfação, nesse sistema de transporte que já não é o dos sonhos de todo brasileiro.” • Comentário em Notícia, 14/04/2011: “Pessoal, vamos 'fazer barulho' para que este tipo de barulho insuportável acabe! ” • Blog, 14/06/2011: “Estou organizando um abaixo-assinado e vamos conseguir acabar com essa baderna dentro dos coletivos.” • Twitter, 09/02/2012: “Vamos deixar o orgulho carioca de lado e importar essa iniciativa paulista.” Ao parafrasear Hobbes, Lopes (1979) define consentimento como as vontades de muitos

concorrendo para uma e mesma ação ou efeito. Assim, como Van Mill (2002) aborda, existe uma censura em Hobbes, mas que a mesma é consentida, em favor da manutenção da paz. Em comunidades virtuais, as pessoas concordam em renúncia à total liberdade dos seres humanos em favor do equilíbrio social por meio da sugestão de proibições:

• Blog, 02/01/2011: “Tem que proibir mesmo, pois ninguém é obrigado a ouvir músicas irritantes.” • Blog, 08/12/2011: “Olá, pelo que percebi, a grande maioria não compactua com pessoas que usam de uma chamada liberdade para incomodarem as demais. Procurei esse assunto, justamente por sentir-me incomodado com a falta de educação desses tais.” • Twitter, 04/02/2012: “#LeisQueDeveriamExistir Proibido carroceiros com som alto no ônibus!” • Twitter, 10/02/2012: “Acho justo os ônibus colocarem que é proibido som alto ;D” B. Transferência e Agência

O movimento de transferência é parte da commonwealth. Aqui, existe uma cessão de

poder para estabelecimento de uma segurança pessoal. Tal transferência é estabelecida pela agência humana. Mesmo concordando que existem problemas em determinar o seu conceito, Ahearn (2001, p.112) define agência como “a capacidade mediada socioculturalmente para agir”.

Assim, de acordo com o pensamento de Palmer (2001) de que as teorias do contrato social envolvem pessoas com agência, interesse e razão, observa-se que a transferência é estabelecida por meio da tentativa de intermediação do poder para quem se julga de direito. Assim, transferência e agência, no contexto das comunidades virtuais caracterizam-se pela tentativa dos usuários em ditar quem seria responsável pelo cumprimento das leis e autoridade:

• Blog, 20/12/2010: “Eu acho que uma das funções dos motoristas ou cobradores seria coibir essa disputa de sons entre alguns moleques mal-educados (se um aumenta o volume, o outro aumenta ainda mais), mas parecem que eles têm mêdo e fingem que não estão ouvindo... Vamos respeitar a lei municipal, só isso!”

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• Blog, 04/03/2011: “O Cobrador deveria funcionar como um fiscal para que todos tenham uma viagem tranquila, sem aparelhos emitindo sons... Esses dias tinha umas 3 pessoas com o som alto ligado, cada uma escutando uma música diferente. Fala sério, é um desrespeito com os outros passageiros do ônibus.” • Blog, 03/01/2012: “E se no ônibus estiverem você, o motorista, o cobrador e mais três DJs inconsequentes com o volume de seus sonzinhos ridículos no último volume? Como farás para denunciá-los sem riscos? Complicado, não? Esse 156 receberá mensagem de texto? Isso é tarefa do motorista e cobrador e não do povo.” • Blog, 04/01/2012: “Vc tem razão, acaba o denunciante descendo do ônibus, isto se não for agredido. Fiscalização é para fiscais.” C. Razão e Justificativa

Para Alvarez (2010), os elementos da razão prática consistem em premissas e conclusões.

O autor relata que, para muitos filósofos contemporâneos, a primeira premissa na razão prática são enunciados do tipo “Eu quero φ”.

Dear (2010) acredita que a razão em Hobbes consiste em substituir a autoridade inexplicável de Deus pela autoridade do poder civil, revelando que a realidade social da razão consiste somente em julgamento autorizado.

Chambers (2009) ao analisar a construção da razão pública em Hobbes, observa que não existe uma maneira de sentenciar julgamentos privados que são divergentes no estado de natureza. Isto porque a natureza, em si, não oferece um padrão comum de conceitos de bem ou mal. Ainda mais precisamente, o conceito de bem ou mal tanto está ligado a julgamentos individuais do que é o bem, como também a conceitos de autopreservação.

Portanto, mesmo concordando que Hobbes determina que a diferença de opinião pode causar agitação civil, Chambers (2009) avalia que Hobbes não vê a diferença de opinião causada pelo erro ou má intenção. Para o autor, a solução do problema seria determinar um padrão de bem ou mal através da desistência dos conceitos privados.

O próprio Hobbes (2008, p.20) afirma que “o uso e finalidade da razão não é descobrir a soma, e a verdade de uma, ou várias consequências, afastadas das primeiras definições, e das estabelecidas significações de nomes, mas começar por estas e seguir de uma consequência para outra”.

No ambiente das comunidades virtuais, a razão aparece por meio das justificativas que os usuários necessitam fornecer para chegar às mesmas conclusões do que está sendo exposto. Assim, aqueles que concordam com o proposto, tendem a fornecer suas próprias premissas.

• Notícia, 07/06/2011: “Isso está corretíssimo. O seu direito termina quando começa o do outro, então ouça no fone de ouvido!!” • Blog, 03/11/2011: “O som dentro do ônibus é uma questão de saúde - atrapalha o sossego e os ouvidos dos outros - de educação - é uma tremenda falta de educação dos maloqueiros que ouvem som alto lá dentro - e de segurança - pois são sempre maloqueiros que ouvem essas (palavra imprópria) de música no ônibus. Apoio à iniciativa!!” • Blog, 03/01/2011: “Essa aberração deve ser proibida mesmo! Gosto musical cada um tem o seu... Quer ouvir música alta, ouça em casa, no ônibus muitas vezes tem pessoas de idade, pessoas doentes ou simplesmente pessoas que não suportam certos excessos... Sou totalmente a favor... Cadê a enquete, eu quero votar!!!” • Facebook, 24/12/2011: “Que bom saber que alguém está fazendo algo sobre essa tortura que estamos tendo que suportar...”

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VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contrato social hobbesiano tem sido amplamente estudado e aplicado em diversas áreas do conhecimento e contextos de aplicação. Entretanto, no âmbito emergente das comunidades virtuais, onde novos tipos de relações sociais são estabelecidos, este tema ainda não foi muito explorado.

Foram apresentados os principais elementos que compõem o contrato social, segundo Hobbes. Também foram contextualizadas as comunidades virtuais e o método qualitativo para a busca de inferências nesse ambiente � a netnografia.

A partir dos movimentos propostos por Lopes (1979), verificou-se que as comunidades virtuais apresentam elementos compositores, como renúncia, transferência e uso da razão. Por meio de análise de conteúdo, foram verificados e apresentados exemplos de que esses conceitos estão inseridos no espaço das comunidades virtuais.

O presente artigo contribuiu para o entendimento da aplicação do contrato social nas relações humanas dentro das comunidades virtuais. Foi inovador quanto à aplicação do método netnográfico para explicar comportamentos descritos na perspectiva hobbesiana.

Entre as limitações desta pesquisa está a aplicação dos conceitos de agência no contrato social, uma vez que este tema é pouco explorado e, portanto, ainda um tanto inóspito. A relação entre a commonwealth e agência é sugerida através do movimento de transferência. Outra limitação diz respeito aos fatores considerados como componentes do contrato social: renúncia/consentimento, transferência/agência e razão/justificativa. Futuras pesquisas poderão elencar outros fatores a fim de verificar o estabelecimento do contrato social hobbesiano em comunidades virtuais, caso existam. REFERÊNCIAS ABFALTER, D. et al. Sense of virtual community: A follow up on its measurement. Computers in Human Behavior, v. 28. n. 2, p.400-404, 2012. AHEARN, L.M. Language and Agency. Annual Review of Anthropology, v.30, p.109-37, 2001. ALEXANDER, J. M. Group Dynamics in the State of Nature. Erkenntnis, v. 55, p.169–182, 2001. ALVAREZ, M. Reasons for action and practical reasoning. Ratio, v. 23, n. 4, p.355-373, 2010. BANDURA, A. Social cognitive theory: An agentic perspective. Annual Review of Psychology, v. 52, p.1-26, 2001. BARDIN, L. L'Analyse de Contenu. Paris: Quadrige, 1977. BAUMGOLD, D. The Difficulties of Hobbes Interpretation. Political Theory, v. 36, n. 6, p. 827-855, 2008. BAUMGOLD, D. Hobbesian Absolutism and the Paradox of Modern Contractarianism. European Journal of Political Theory, v. 8, n. 2, p.207-228, 2009.

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