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CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 1
19 de Setembro – Aula 1 e 2
Apresentação. Início da matéria sobre o contrato de compra e venda.
PROF. PEDRO EIRÓ – AULA DE MESTRADO
O contrato de compra e venda é um contrato oneroso, uma vez que existe, através de um
nexo de equivalência, uma equivalência entre os sacríficios e os benefícios para ambas
as partes. As obrigações são independentes (art. 428.º CC), mas não tem de ser
equivalentes. O preço é composto por um cariz subjectivo que é dado pelo vendedor e
por um cariz objectivo que é dado pelo mercado.
Se de acordo com o mercado um determinado bem encontra-se avaliado em um milhão
de euros e o vendedor decide vendê-lo por dez euros, ainda assim estamos face a um
contrato de compra e venda? É necessário analisar o animus das partes a fim de apurar
se estamos face a uma doação ou não. Nestes casos, estamos face a um negócio misto
(compra e venda e doação).
Ao contrário do que se encontrava consagrado no Código de Seabra que procedia à
referência a ‘’coisa’’ como sendo objecto do contrato de compra e venda, actuamente o
art. 874º CC consagra (e bem!) que o que se compra e vende são direitos, que podem
incidir ou não sobre uma coisa. São os direitos que são objecto do contrato de compra e
venda, tendo estes como caracteristica o facto de serem patrimoniais, ou seja,
susceptiveis de avaliação pecuniária. O art. 874º CC refere que se ‘’transmite a
propriedade de uma coisa’’, sendo que neste caso está a fazer referência ao direito de
propriedade, que como se sabe é o direito real máxime.
CONTRATOS CIVIS – PROFESSOR PEDRO EIRÓ
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
MESTRADO FORENSE
2013/2014
COMPRA & VENDA
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Nem sempre o contrato de compra e venda implica a entrega da coisa, sendo esta a
razão pelo qual o art. 874.º CC não se refere a tal como efeito essencial da compra e
venda. Tal sucede nos casos em que se encontre em causa a transmissão da posição
contratual, o direito à imagem, o direito real de usufruto, títulos de crédito, direitos de
autor, etc.
O art. 939.º CC consagra que se deve aplicar o regime da compra e venda a outros
contratos onerosos, nomeadamente ao escambo ou troca e ainda nos casos de hipoteca e
penhor.
Nos termos do art. 879.º CC consagram-se os efeitos essenciais da compra e venda. Ao
contrário da entrega da coisa que pode nem sempre ocorrer (como já se verificou), o
preço pode não ter de ser pago após a celebração do contrato, uma vez que já foi pago
anteriormente, mas terá sempre de se verificar. A al. a) do art. 879.º CC refere-se ao
efeito translativo do contrato de compra e venda, mas é necessário conjugar este art.
com o art. 408º e 409º e atender às ‘’excepções’’ de reserva de propriedade (art. 409.º) e
às do n.º 2 do art. 408.º: a causa do efeito translativo assenta na celebração válida e
eficaz do contrato, pelo que mesmos nos casos referidos como ‘’excepções’’ trata-se
apenas de uma questão de tempo e não de causalidade.
Quando não se encontra em causa um direito real, e consequentemente não existe
qualquer coisa, existe à mesma um contrato real quoad effectum?
Segundo o PROF. PEDRO EIRÓ é necessário proceder à uma interpretação ampla do
que se entende por contrato real quoad effectum. Deste modo, entende-se por contrato
real quoad effectum aquele que produz o efeito transaltivo do direito, isto é, em que se
transmite a titularidade do direito.
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Sinalagmas entre os Efeitos Essenciais da Compra e Venda:
Entre o efeito translativo (al. a)) e a obrigação de pagamento do preço (al. c))
existe um sinalagma genético que se traduz no facto de a obrigação de
pagamento do preço só nascer no momento em que se transmite a propriedade
do direito.
Entre a obrigação de entrega da coisa (al. b)) e a obrigação de pagamento do
preço (al. c)) existe um sinalagma funcional com expressão no art. 428.º CC:
enquanto não se entregar a coisa (quando ela exista!), o comprador pode se
recusar a pagar o preço.
A obrigação de entrega da coisa (quando exista!) encontra os seus termos de
funcionamento regulados no art. 885.º CC, tendo para o efeito um regime diferente do
regime geral aplicável ao cumprimento e não cumprimento das obrigações, devendo-se
tal ao art. 428.º CC.
SISTEMA DO TÍTULO
– PORTUGAL (CIVIL)
SISTEMA DO MODO –
ALEMANHA
SISTEMA DO TÍTULO
E DO MODO –
BRASIL & PORTUGAL
(COMERCIAL)
A eficácia real opera por
efeito do contrato, ou seja,
basta a celebração válida e
eficaz do contrato de
compra e venda. É apenas
necessário o título
aquisitivo. Tratam-se de
negócios causais em que o
registo não é aquisitivo,
salvo nos casos de
aquisição tabular.
No caso de se tratar de um
bem móvel é necessário
que ocorra a traditio; no
caso de se tratar de um
bem imóvel é necessário
proceder ao regime.
Além da celebração válida
e eficaz do contrato é
necessário que ocorra a
traditio (bem móvel) ou o
registo (bem imóvel). No
caso de estarmos face a
acções nominativas é
necessário proceder ao seu
endosso; no caso de se
estarmos face a acções ao
portador é necessário
proceder à sua traditio.
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Ao contrário do que o PROF. MENEZES LEITÃO afirma ao dizer que não existem
vendas obrigatórias em Portugal, o PROF. PEDRO EIRÓ discorda, afirmando a sua
existência no caso dos valores mobiliários.
Note-se que o não cumprimento da obrigação de pagar o preço não perturba o efeito
translativo: os direitos reais tem se se encontrar establizados porque implicam com
todos, nomeadamente com terceiros; por sua vez, os direitos de crédito apenas têm
influência entre as partes. Trata-se de uma protecção da comunidade jurídica.
A solução estabelecida no art. 884.º CC, contrariamente ao que sucede no art. 753.º,
887.º, 888.º. 902.º e 992.º, não passa pela redução proporcional: sempre que se reduz o
valor da coisa a transmitir, regra geral, reduz-se proporcionalmene; contudo, na compra
e venda no que toca a avaliação de um bem parte-se do princípio que para o comprador,
em rigor, receber metade da coisa não tem necessariamente de ter um valor
proporcional.
PROF. PEDRO EIRÓ – AULAS DE LICENCIATURA
Existe contrato de compra e venda sempre que se transmite um direito (patrimonial)
mediante o pagamento de um preço (elemento essencial da compra e venda)
O Preço é uma avaliação subjectiva, mas o mercado dá a este o seu cariz objectivo.
▲ Se eu transmito o meu Código Civil por 20 euros à Maria, sabendo que o mesmo
vale 30 euros, só por ela ser minha amiga não se está face a um contrato de compra e
venda mas sim uma doação existe uma liberalidade, só vendo por 20euros porque ela
é minha amiga. Contudo se o transmitir porque preciso mesmo do dinheiro e a Maria
não dá 30euros neste caso já existe uma compra e venda.
O Objecto da Compra e Venda é um Direito Subjectivo.
▲ O Paradigma da Compra e Venda é transmitirem-se direitos de propriedade.
Nos termos do art. 879º al. b), um dos efeitos essenciais da compra e venda é a
obrigação de entregar a coisa contudo tal pode não acontecer ex: direito de crédito.
Nos termos do art. 874º, o que se vende são direitos subjectivos (não coisas)
mediante um preço!
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Nos termos do art. 874º, o objecto imediato da compra e venda é sempre um direito que
pode incidir ou não sobre coisas.
Qual é o regime do escambo ou troca?
Aplica-se o regime da compra e venda, devido ao art. 939º (atenção ao art. 892º). Nos
termos do art. 939º, as regras da compra e venda aplicam-se:
A contratos onde se alienam bens (troca)
A contratos com encargos (hipoteca e penhor)
Interpretação do art. 904º: ‘’à venda de coisa alheia como sendo própria’’ – pode
compreender uma de duas situações
Bens futuros (art. 408º/2)
Venda nula nos termos do art. 280º por impossibilidade legal do objecto
▲ nas regras do penhor é difícil encontrar a solução do penhor de bem alheio.
▲ da conjugação do art. 874º com o art. 939º resultam dois artigos importantes
relativos à compra e venda.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – o9. 10. 2003 (Documento 1)
Nos termos do art. 792º estabelece-se o risco.
Na Compra e Venda quando foi transferido o risco?
O Contrato de Compra e Venda é um contrato real quoad effectum e obrigacional quoad
effectum.
Nos termos do art. 879º estabelecem-se os efeitos essenciais da compra e venda, sendo
que na al. b) estabelece-se como efeito essencial a entrega da coisa vendida. Contudo tal
pode não acontecer (não existe essa obrigação para o vendedor), como por exemplo nos
casos de cessão de créditos ou da posição contratual não são direitos reais.
Situações de Compra e Venda de Direitos Reais em que não há a entrega da coisa:
Casos em que o comprador era o arrendatário – já é possuidor
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Situações de compra e venda de um direito real de propriedade em que a coisa
não está em poder do vendedor, não nascendo deste modo a obrigação para o
vendedor de entrega da coisa.
Pelo princípio da autonomia privada a coisa pode não ser entregue por acordo
das partes, ou seja estas podem combinar que não há a obrigação de o vendedor
de entregar a coisa porque o comprador a vai buscar.
Situações de compra e venda de um direito real de propriedade em que a coisa
está em poder do vendedor e combina-se que o vendedor nunca irá entregar a
coisa ao comprador. Exemplo: quadro da Mona Lisa na posse do vendedor e o
comprador aceita que esta fica em exposição no Museu do Louvre.
Prof. Pedro Eiró: a compra e venda não aceita a referida situação. Não é
uma compra e venda mas sim um negócio atípico, ao abrigo do Princípio
da Autonomia Privada, com lacunas e aplicação das regras da compra e
venda.
A situação referida no exemplo é lícita? Não se sabe se é legalmente
admissível. A compra e venda implica sempre que a natureza do direito
permita a entrega da coisa ao comprador.
Nos termos do art. 879º al. c) consagra-se como um dos efeitos essenciais da compra e
venda o pagamento do preço, sendo que este efeito só não se verifica quando o preço já
foi pago anteriormente. É uma situação diferente da constante na al. b) do mesmo
artigo, uma vez que esta pode mesmo não se verificar. Por sua vez, o preço tem de
existir sempre, podendo é já ter sido pago antes.
Nos termos do art. 874º consagra-se que a compra e venda é o contrato pelo qual se
transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito (art. 879º al. a) – a transmissão
da propriedade da coisa ou da titularidade do direito), mediante um preço (art. 879º al.
c) – a obrigação de pagar o preço) faz todo o sentido que o artigo 874º que consagra a
noção de compra e venda não se refira à obrigação de entrega coisa uma vez que esta
pode mesmo não existir como já foi referido.
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Ou seja, na compra e venda existe o efeito translativo e o preço tem de ser pago sendo
estes os elementos que fazem parte da noção de compra e venda consagrada no art.
874º.
O que é um contrato real quoad effectum?
É um contrato que produz efeitos reais.
Transmitindo-se, por compra e venda, um direito que não é real, o contrato de compra
e venda é real quoad effectum?
A única coisa que resulta do contrato de compra e venda é a transmissão da titularidade
do direito (art. 879º al. a)) que efeito é este?
Na opinião do Prof. Menezes Leitão não existem, no direito português, vendas
obrigatórias, ou seja não existe na compra e venda apenas a criação de obrigações.
Quer na legislação quer na doutrina muitas vezes trata-se a parte pelo todo: se o objecto
da compra e venda é um direito real a compra e venda é real quoad effectum, não
existindo venda obrigatória (≠ venda real).
Na opinião do Prof. Pedro Eiró, quando o Prof. Menezes Leitão refere o facto se não se
admitir a venda obrigatória ele está apenas a referir-se às situações em que o objecto da
compra e venda é um direito real. Quando o objecto da compra e venda não é um direito
real pode ocorrer a venda obrigatória.
E se quisermos abranger todas as compras e vendas, mesmo sem direitos reais?
Efeito real quoad effectum: só quando o objecto da compra e venda são direitos
reais. Quando o objecto da compra e venda não é um direito real não existe o
efeito real quoad effectum.
A eficácia real em sentido amplo corresponde à transmissão da titularidade do
direito em causa (art. 879º al. a). Direito que passa de uma esfera jurídica para
outra.
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O Efeito real corresponde a uma transmissão da titularidade do direito, eficácia externa
das obrigações torna todos os outros obrigados passivamente de não perturbar o
exercício daquele direito.
O art. 879º al. a) encontra-se relacionado com o art. 408º.
Quando no Acórdão se diz ‘’A compra e venda tem (…) natureza real quoad effectum,
operando-se neste sentido a transmissão da propriedade, em regra, por mero efeito do
contrato (…) conquanto do mesmo tipo de negócio resultem também os efeitos
obrigacionais da entrega da coisa e do pagamento do preço (…) não ficando todavia, a
verificação do efeito real dependente do cumprimento destas obrigações’’ significa
que o efeito translativo (real ou não) não depende, em regra, do cumprimento de
qualquer dos efeitos obrigacionais.
O art. 408º/2 não é uma excepção face ao nº1 do mesmo artigo: quando está em causa o
direito real máximo de propriedade o efeito translativo ocorre por mero efeito do
contrato.
Em que momento?
Mesmos nos casos do artigo 408º/2 (existe uma diferença temporal) o momento não
deixa de ser o momento da celebração do contrato. Os contratos de compra e venda são
reais quoad effectum, ocorrendo o efeito translativo por mero efeito da celebração do
contrato.
▲ Obrigação de Entrega da Coisa: segue as regras gerais da compra e venda quanto ao
lugar e tempo. Obrigação de Pagamento do Preço: é diferente.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 18. 09. 2003 (Documento 2)
A Compra e Venda é um contrato consensual quoad constitutionem, ou seja o critério é
o da constituição do contrato.
Para o contrato estar constituído/celebrado basta o acordo das partes ou exige-se a
traditio?
Segundo o Acórdão basta o acordo das partes, uma vez que a não entrega material da
coisa não implica com a celebração do contrato.
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A compra e venda não é um contrato real quoad constitutionem devido ao facto de a
entrega da coisa não ser efeito essencial (art. 879º al. b)). Podemos ter um contrato de
compra e venda celebrado ainda que sem a entrega da coisa.
Ao contrário do que sucede no direito alemão em que é necessário a entrega da coisa, o
ordenamento jurídico português consagra uma modalidade diferente.
O Efeito translativo no direito português ocorre por mero efeito do contrato, contudo
esse efeito pode não ser imediato à celebração do contrato (art. 408º/2).
O Efeito real produz-se pela celebração do contrato. O momento da produção de efeitos
é em regra o momento da celebração mas há a excepção constante do art. 408º/2.
Depois de analisar os vários sistemas estudar a venda de ação (Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça – 13. 05. 2008 (Documento 3))
Nos termos do art. 879º al. a) consagra-se o efeito translativo do direito.
Sistema de Transmissão do Direito Real
Sistema de Título: basta a celebração valida e eficaz do contrato
Sistema de Modo: basta a entrega da coisa
Sistema de Título e Modo: é necessário
Contrato de compra e venda (título)
Realização de formalidades essenciais (modo)
Traditio (bens móveis)
Registo (bens imóveis)
É diferente dos contratos reais quod constitutionem
O contrato já se encontra celebrado
No Direito Alemão vigora o Sistema de Modo. Os contratos são contratos promessa em
vez de verdadeiros contratos de compra e venda? Trata-se de uma compra e venda
meramente obrigacional, não tendo valor real uma vez que não existe efeito translativo
(art. 879º al. a). O vendedor tem a obrigação de transmitir a propriedade, uma vez que
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ele não é transmitida pela celebração do contrato. No sistema de modo existe um registo
constitutivo.
No sistema de título, para ocorrer a celebração do contrato é necessário apenas o acordo
das partes para a sua celebração contrato consensual.
O Prof. Carvalho Fernandes defende a teoria dos efeitos prático jurídicos.
O Comprador quer adquirir a titularidade/propriedade do bem, sendo que neste caso o
efeito jurídico assenta na consciência de se estar a vincular juridicamente a este.
No sistema de título os contratos quanto à constituição são meramente consensuais. Não
se exige a entrega da coisa porque o efeito real se produza.
O Sistema de Título encontra-se relacionado com o Princípio da Consensualidade, ou
seja consiste no facto de a manifestação da vontade assentar apenas no consenso entre
as partes.
É necessário distinguir entre contratos causais e abstratos:
Contratos Consensuais: existe uma justa causa de aquisição
Contratos Abstratos: Exemplo: cheque enquanto ordem de pagamento não é
discutida.
É o melhor para o direito comercial uma vez que cumpre melhor o Princípio da
Celeridade. Ou seja, existe no Direito Comercial sendo: (1) menor a exigência
de forma; (2) princípio da abstração; (3) internacionalização
Nota: título de crédito letras e livranças não são um negócio
Um Negócio Abstrato não é um negócio sem causa (todos os negócios têm uma
causa) – há negócios em que a causa interfere para efeitos mas na abstração em
regra não se pode identificar a causa.
Nos negócios causais, a causa tem de ser explicada para que o efeito se produza.
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No Sistema de Modo, em regra, só depois do registo é que ocorre a produção de efeitos
reais.
No Sistema de Título, existe o Princípio da Causalidade e da Publicidade Declarativa.
No Direito Comercial as coisas funcionam de um modo diferente Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça – 13. 05. 2008 (Documento 3).
O Referido Acórdão defende que na compra e venda de ações só o contrato não
transfere a titularidade de ações. Consagra-se assim um sistema de título e de modo,
sendo que este último, ou seja o modo, apoia-se no título válido (não é bem um negócio
abstrato).
A Compra e Venda de Ações encontra-se consagrada no Código dos Valores
Mobiliários. Vigora, como já se referiu, um sistema de título e de modo, sendo de ter
atenção que o modo não é forma do contrato.
▲ é incorrecto dizer ‘’no sistema jurídico português vigora o sistema de título’’
No Direito Civil Português vigora o Sistema de Título
No Direito Comercial Português vigora o Sistema de Título e de Modo
Nos termos do art. 879º al. a) o contrato de compra e venda produz o efeito translativo,
salvo exista reserva de propriedade sendo que neste caso mais tarde irá ocorrer o efeito
translativo a menos que a condição não se verifique.
Havendo um contrato designado de compra e venda mas sem efeito translativo é de
desconfiar uma vez que a implica a não obrigação de entrega da coisa.
Nos termos do art. 880º, em relação a coisa futura que nunca chegue a ser presente:
O efeito translativo não ocorre nem existe a obrigação de entrega da coisa nem
do pagamento do preço
Existe um caracter aleatório de obrigação de pagar o preço.
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Nos termos do art. 880º, não se esta face a um contrato de compra e venda (‘’Na
venda’’ – não se fala em compra e venda – ‘’Se as partes atribuírem ao contrato’’).
Tratam-se de realidades em que o direito incide sobre uma coisa.
Efeitos Obrigacionais – art. 879º al. b) c)
Nos termos do art. 879º al. b) há casos em que pode não se verificar a entrega da coisa
(já visto nas aulas anteriores, por exemplo direitos de crédito). Além de tal o art. 874º
não se refere à entrega da coisa.
Nos termos do art. 882º consagra-se o conteúdo da obrigação de entrega.
As partes quando celebram o contrato de compra e venda podem limitar o conteúdo do
mesmo. Tal resposta implica com a compra e venda de coisas defeituosas, ou seja
implica com o equilíbrio contratual.
Formas de o vendedor violar a obrigação de entrega:
Não cumpre de todo o contrato
Entrega realidade diferente da que foi combinado entregar aparentemente
cumpriu a obrigação mas cumpriu mal.
Problema: quando não há coincidência temporal entre a celebração do contrato e a sua
entrega.
Nos termos do art. 882º, não se trata diretamente do problema do risco, estando contudo
assente que contempla situações em que o tempo da venda coincide com o momento da
celebração do contrato. Exceção: coisas futuras ou indeterminadas.
Nos termos do art. 882º/1, quanto às coisas específicas qual é o momento:
Momento da celebração do contrato? Não é
Momento da transmissão do direito. Prof. Raul Ventura indica que nestes casos
ocorre quando uma coisa futura passa a presente, e uma coisa indeterminada a
determinada ocorrendo então a produção do efeito translativo consagrado no art.
408º/2.
Momento da Entrega
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A doutrina entende que não pode ser no momento da entrega, tem de ser num momento
anterior. Ou seja, é no momento da transmissão do direito.
Nas situações sem coincidência temporal, presume-se a responsabilidade do vendedor,
nos termos do art. 799º, existindo ainda o dever instrumento da compra e venda, dever
de custódia.
Nos termos do art. 882º/2:
Partes integrantes
Interesse exclusivo que abrange as partes componentes
Não abrange as partes acessórias
Frutos pendentes no momento da celebração
Os frutos percebidos entre o momento da celebração e o momento da entrega ou do
cumprimento da obrigação de entrega são necessários de entregar tal como acontece
quanto aos frutos pendentes?
Os Frutos percebidos podem compreender frutos naturais ou civis (rendas).
Existe ou não a obrigação de entrega dos frutos percebidos? O comprador já é titular do
direito no momento da celebração do contrato, pelo que os frutos percebidos devem ser
entregues – tal resulta não da obrigação de entrega da coisa, mas sim dos direitos do
proprietário.
Nos termos do art. 882º, não se encontram abrangidos:
Parte integrante da coisa após a venda
Frutos produzidos pela coisa depois da celebração do contrato (Prof. Pedro
Albuquerque)
Nestes dois casos não existe a obrigação de entrega da coisa, pois eles já são do
comprador que é o proprietário desde a celebração do contrato.
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Documentos
O legislador quer que o comprador possa exercer e beneficiar do conteúdo do direito
adquirido. Interessa o resultado da obrigação.
Os documentos, nos termos do art. 882º/3, respeitam à relação entre a coisa e o direito.
Tal abrange o documento essencial para a própria entrega da coisa? Neste caso não se
aplica o art. 882º/2, mas sim o nº1.
Os documentos probatórios do contrato consubstanciam um dever acessório de entrega
resultante da boa fé.
Embalagem
Exemplo: botija de gás embalagem necessária para a entrega do bem mas não é
objeto do contrato, cabendo por isso ao comprador a sua posterior devolução.
Com o cumprimento do objeto de entrega opera-se a transmissão da posse para o
comprador. Nos termos do art. 1264º e se não ocorrer a entrega da coisa?
A posse transmite-se por:
Via da entrega da coisa
Constituto possessório: se por qualquer motivo o vendedor não entregar a coisa
ele é detentor e o comprador possuidor.
Reações do comprador quanto ao incumprimento da entrega – dois tipos de ações:
Arroga-se da sua situação de proprietário – reação ao direito real de propriedade,
agindo contra o vendedor ou terceiro o que permite que o contrato de compra e
venda se mantenha intacto
Ação de incumprimento de uma obrigação
Efeitos Obrigacionais – art. 879º al. c)
Esta obrigação pode não existir como efeito, por exemplo nas situações em que o preço
já se encontra pago antes da celebração do contrato.
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Esta al. c) difere da al. b). Na al. b) a entrega da coisa pode mesmo nunca existir
(direitos de crédito), enquanto na al. c), o preço tem de ser sempre pago pode é ter sido
antes da celebração do contrato.
Em relação ao pagamento do preço, a primeira questão assenta em saber que obrigação
é esta em termos de classificações das obrigações: não tem sido admitida a possibilidade
do preço não ser uma quantia pecuniária, pelo que é regulado nos termos do art. 550º e
ss – o preço é em dinheiro.
Nos termos do art. 1544º do Código de Seabra estabelecia-se ‘’a pagar por ela certo
preço em dinheiro’’ – no actual Código Vigente esta ideia não é tão clara, uma vez que
não fala que o preço tem de ser pago em dinheiro.
Tal não significa que o comprador não possa satisfazer tal prestação pecuniária através
do outro modo, sendo valido o acordo celebrado entre o comprador e o vendedor depois
da celebração do contrato em que se acorda que em vez de se pagar uma determinada
quantia pecuniária se acorda a entrega de outro bem utilizando neste caso, por exemplo,
a figura da dação em cumprimento.
O que não podem é aquando da celebração do contrato dizer-se que se transmite o
direito mas acorda-se a entrega do bem.
Existem três efeitos essenciais da compra venda previstos no art. 879º: como se
relacionam entre si?
Nos termos do art. 885º, o legislador ao contrário do que fez com a obrigação de entrega
da coisa (é regulada pelas regras gerais das obrigações), a obrigação de pagamento do
preço prevista no art. 885º constitui uma excepção ao regime gera do cumprimento
consagrado no art. 774º (domicilio do credor).
Se as partes não tiverem estipulado que a entrega da coisa se fazia no domicílio do
credor, ou os usos não o estipularem, aplica-se o regime do art. 885º, que consagra que
o preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa. Tal relaciona-se com
a excepção de não cumprimento. Entre o pagamento do preço e a entrega da coisa
(quando ela existir) existe um sinalagma.
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Em que termos a transmissão da titularidade do direito (art. 879º al. a)) se encontra
relacionada com os efeitos essenciais do art. 879º al. b) e c), ou seja em que termos é o
primeiro fundamento dos segundos?
Num contrato com reserva de propriedade existe a obrigação de entrega da coisa? Sim,
podebasta as partes combinarem. Uma coisa é a reserva da propriedade, outra são as
obrigações (al. b) e c)) pelo que se pode aplicar o regime geral consagrado no art. 428º,
ou seja a excepção de não cumprimento (não se tem de entregar em coisa enquanto não
se pagar o preço)? Pode ser, mas não está absolutamente certo.
Ponto assente é que o art. 879º al. a) é fundamento da al. b) e c) mas onde está a base
legal de tal consagrada?
Uma coisa é saber quando nasce a obrigação e outra coisa é decidir-se quando a
obrigação que já nasceu tem de ser cumprida. Tratam-se de dois problemas diferentes.
Aplicando a excepção de não cumprimento, pressuposto é a existência da obrigação.
Contudo, o que se verifica na situação em análise a forma como a compra e vendaesta
programada os efeitos da al. b) e c) só serem constituídos quando se verificar o efeito
translativo previsto na al. a).
O efeito translativo se já ocorreu à partida já nasceu a obrigação de pagar o preço. A
base legal de tal encontra-se no art. 874º (transmissão do direito e pagamento do preço).
Inelutavelmente o contrato de compra e venda assenta na transmissão de um direito e
consagra a obrigação de pagar o preço: uma é consequência da outra.
Nos termos do art. 879º, a al. a) faz a nascer as obrigações, enquanto que as al. b) e c)
são relativas ao cumprimento das obrigações, podendo ocorrer a excepção de não
cumprimento.
Segundo o Prof. Menezes Leitão no art. 879º existem dois sinalagmas:
Al. a) e al. c): existe um sinalagma genético, ou seja a al. a) faz nascer a
obrigação.
Al. b) e c): existe um sinalagma funcional, não se relaciona com a criação da
obrigação, mas sim com a execução das obrigações. Funciona de modo a
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ninguém ser obrigado a cumprir uma restrição a que está obrigado enquanto não
for cumprida a obrigação para com ele.
Nota: existindo uma situação de cláusula de reserva de propriedade, não ocorrendo a
transmissão da propriedade enquanto não se pagar o preço, mas não estando o devedor
obrigado a pagar o preço enquanto não ocorrer o efeito translativo como se resolve a
situação?
A verdade é que nas situações de reserva de propriedade combina-se o momento do
efeito translativo do direito que coincide com o pagamento do preço.
Quanto à compra e venda, sem reserva de propriedade, o que se retira da noção e da
técnica jurídica utilizada pelo legislador no art. 879º?
A obrigação quer de entrega da coisa quer de pagamento do preço só surge na esfera
jurídica do comprador e do devedor com o efeito translativo do direito. Ou seja, não se
discute a excepção de não cumprimento antes da obrigação nascer, o que significa que o
comprador não tem de pagar o preço antes de adquirir o direito não se trata de
excepção de não cumprimento, mas sim de ainda não ter nascido a obrigação na sua
esfera jurídica.
Nascendo a obrigação, o comprador tem duas hipóteses:
A coisa já foi entregue? Tem de pagar o preço
A coisa ainda não foi entregue? Pode invocar a excepção de não cumprimento
Porque é que o vendedor tem a obrigação de entregar a coisa? Porque vendeu, ou seja a
compra e venda é a fonte desta obrigação.
O efeito transmissivo também faz nascer do vendedor a obrigação de entrega da coisa
(quando ela existe), sendo que se o preço ainda não foi pago ele poderá invocar a
excepção de não cumprimento consagrada no art. 428º.
Entrega da coisa: tem de estar completa (imagine-se a complexidade de uma máquina –
não basta entregar, é necessário montar; entrega por fases – só está completa na última
fase).
O art. 886º tem a seguinte importância:
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Dá uma prevalência ao efeito real ou transmissivo face aos efeitos obrigacionais
– reforça-se a ideia de que o efeito transmissivo, se for um efeito real puro e
duro, prevalece sobre os efeitos obrigacionais. mesmo não sendo cumprida a
obrigação de pagar o preço, o efeito transmissivo ou real mantém-se. Razões:
Estabilidade das situações jurídicas reais prevalece sobre as anomalias
nas situações obrigacionais razão principal segundo o Prof. Pedro Eiró
Prof. Calvão e Silva: com esta regra, acaba-se por se proteger os
mutuantes dos compradores.
Nos termos do art. 883º, quanto à determinação do preço, este pode não estar fixado. É
necessário ainda ter em consideração o art. 400º quanto à fixação da obrigação por parte
de terceiro.
Nos termos do art. 883º, o pressuposto é o preço não estar fixado por entidade publica
nem as partes nada o estipularem, pelo que segundo este artigo existem três regras:
Preço que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato
(prevalece sob o critério seguinte)
Preço do mercado ou da bolsa no momento do contrato
Recurso a juízos de equidade
Regra para a compra e venda civil (art. 456º do Código Comercial - não
se refere a equidade)
Nos termos do art. 883º/2, se as partes se repercutirem ao justo preço aplica-se o
disposto no nº1.
Nos termos do art. 400º é necessário saber como o mesmo se compatibiliza com o art.
280º, podendo ter problemas ao nível da determinabilidade.
Em sede de compra e venda, a doutrina tem entendido não quadra com a compra e
venda uma cláusula tipo ‘’pago-te o que o vendedor/terceiro disser’’. Um contrato como
uma cláusula deste género será uma compra e venda? Parece que não, é um contrato
atípico. Mas tal cláusula compatibiliza-se com o art. 280º?
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Em termos de compra e venda, o art. 400º acaba como critério último da equidade,
sendo a equidade a justiça do caso concreto. Na compra e venda só se colocava em
causa a equidade se não existisse nenhum critério que fizesse que não se conseguisse
aplicar a equidade.
Na compra e venda tal suceder, não é impossível, mas é muito difícil uma vez que existe
sempre um indicio que vai permitir um terceiro raciocinar o pagamento do preço em
termos de equidade, sendo tal indicio a aquisição do direito. Olha-se para o direito
transmitido e equaciona-se o preço.
Ou seja, o art. 400º na compra e venda tem sempre a contrapartida da aquisição do
direito o que permitira a aplicação do critério da equidade sem problemas do art. 280º.
A remissão para o art. 400º é pacifica e aplica-se sem problema, não havendo nenhuma
situação que justifique a aplicação da nulidade do art. 280º.
Interpretação do art. 400º/2:
Tem se entendido que tal se aplica a qualquer perturbação ou incorrecção no
processo de determinação do preço. Tem-se dado um âmbito genérico. Tanto se
aplica se o terceiro não determinou o preço ou se o terceiro determinou de
acordo com uma má aplicação dos critérios fixados pelas partes. Nestes casos,
aplica-se em primeiro lugar, os critérios fixados pelas partes e na falta destes dos
critérios estabelecidos no art. 883º.
Excepção: art. 466º do Código Comercial consagra-se que as partes
colocam a determinação do preço ao arbítrio de um terceiro. Deixa de ser
um poder discricionário e passa a ser um poder arbitrário. Sendo assim, o
tribunal não tem hipótese de verificar a utilização do critério.
Nos termos do art. 884º, consagra-se uma possibilidade de redução do preço. Coloca-se
a questão de saber como se determina o preço da parte reduzida.
Partes podem prever essa hipótese e aplica-se tal
E se tal previsão não tiver sido descriminada? Nos termos do art. 884º/2, a
determinação é feita por meio de avaliação. Tal é muito curioso se compararmos
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com outros preceitos que tratam de situações em que existe redução do objecto,
como por exemplo:
art. 791º (impossibilidade parcial do cumprimento da obrigação) que
consagra um critério de proporcionalidade;
art. 887º e 888º que consagra que uma venda assente em todas as arvores
assentes num pomar e determina-se o preço X por arvore sendo tudo
proporcional;
art. 902º que se refere dentro da venda de bens alheios (modalidade
especial da compra e venda) em que se chega à conclusão que uma parte
do objecto é alheia consagrando-se um critério de proporcionalidade;
art. 992º (contrato de sociedade), que nos termos do nº1 os sócios
participam nos lucros e perdas da sociedade segundo a proporção das
respectivas entradas aplicando-se então mais uma vez um critério
proporcional.
Interpretação do art. 884º/2:
Tem se defendido que ao remeter-se para o meio de avaliação que foi afastado o critério
da proporcionalidade. Razão: se o comprador recebe metade daquilo que foi objecto da
compra e venda, as utilidades que retira de metade do objecto podem ser ou não metade
daquilo que o objecto é. É um critério mais fiel à realidade. Mas porque é que é a
excepção e não a regra?
Relaciona-se com a natureza da compra e venda, nomeadamente com o facto de
o mesmo ser oneroso. Tem de existir um equilíbrio entre as duas prestações
(equivalência). A ideia é que o comprador e o vendedor depois do contrato
achem que o conteúdo das suas esferas jurídicas se mantem ou aumentem. O
caracter oneroso, segundo o Prof. Pedro Eiró, representa que o comprador tem
de entender depois da compra e venda, que a sua esfera jurídica ficou
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equivalente em termos patrimoniais. Se não o achar é porque não se celebrou
uma compra e venda.
A parte que merce maior protecção é a do comprador, uma vez que o vendedor
tem o domínio da coisa, do direito transmitido. Deste modo, as modalidades de
compra e venda são regimes protectores mais do comprador do que o vendedor.
Regimes mais intensos quanto maior for o desequilíbrio entre as prestações.
Exemplo: compra e venda de coisa defeituosa uma vez que se quebra a
equivalência objectiva entre as prestações; venda de bens alheios, sendo o
comprador um bocadinho mais protegido do que o vendedor, embora o vendedor
também possa desconhecer que o bem não é seu é mais natural o comprador não
tenha conhecimento nenhum sobre a situação.
Nos termos do art. 878º, consagra as despesas do contrato.
Regra: as despesas do contrato e outras acessórias ficam a cargo do comprador.
Despesas inerentes à celebração do contrato, e não de guarda ou de
embalagem da coisa uma vez que tais são da responsabilidade do
vendedor.
Acessórias como o transporte do notário para um sitio qualquer (pagar o
táxi cabe ao comprador)
Despesas provocadas pelo contrato, mas não inerentes ao mesmo, ou se combina
de maneira diferente ou correm por conta do vendedor.
Classificação do Contrato de Compra e Venda
1. Contrato Típico e Nominado
2. Contrato Oneroso
Equivalência entre os sacrifícios e benefícios sempre presente, nomeadamente no preço,
sendo este o valor (justo) da coisa. Sendo que justo é aquele que o comprador acha que
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merece a aquisição daquele direito, e que o valor pelo que o vendedor naquele caso está
disposto a perder aquele direito – cada contrato tem a justiça interna.
Teorias das Vontades fizeram surgir a celebre frase ‘’quem diz contratual diz justo’’ –
ideia de justiça interna do contrato, estando as partes em condições de exercer a
autonomia privada.
E quanto aos valores de mercado? Se toda a comunidade achar que vale 1milhão, se o A
vender a B por € 1 o que prevalece? Qual a influencia dos valores de mercado? Sendo
um preço de favor não se esta face a uma compra e venda mas sim a uma doação.
Segundo o Prof. Pedro Eiró, é necessário avaliar o animus do comprador e do vendedor.
Chegando à conclusão que as partes acharam que o preço era justo então estamos face a
uma compra e venda.
O valor do mercado pode indiciar preços de favor. Se existir um valor muito longe do
preço de mercado pode-se chegar à conclusão que o preço é de favor não se esta face a
uma compra e venda. Mas se as partes entenderam que quiseram fazer daquele preço em
termos de equivalência estamos face a uma compra e venda.
3. Sinalagmático
Existem dois sinalagmas: genético e funcional.
É necessário ter atenção ao regime particular do art. 886º e do art. 880º/2.
4. Consensual e não formal
Existe a excepção do art. 875º.
5. Consensual e não real quanto à constituição
Referido à cerca do efeito real. O único ponto a merecer alguma dúvida é saber se as
partes podem acordar numa compra e venda que o vendedor que tem a posse da coisa
não entregue nunca a coisa ao comprador. Prof Pedro Eiró tem as maiores das dúvidas
que tal seja uma compra e venda e que seja legal.
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6. Contrato Real Quoad Effectum
É necessário atender a duas questões:
É possível adoptar a linguagem de direitos reais a direitos não reais? O art, 79º
al. a) suporta tal.
Situações do art. 408º/2 e do art. 409º não excepcionam a eficácia real de um
contrato, uma vez que apenas regulam o momento em que o efeito se produz e
não a causa.
7. Comutativo ou Aleatório
Em regra, é comutativo. Contudo, existem duas situações consagradas no art. 880º/2 no
art. 881º:
Nos termos do art. 880º, consagra-se a compra e venda de bens futuros. Ambos
os números tem duas realidades substancialmente distintas:
Nº1: se o bem futuro nunca se tornar presente não existe nenhum efeito
da compra e venda que se produza. O chamado comprador não adquire o
direito, o vendedor não tem de lhe entregar a coisa e o comprador não
tem de pagar o preço. Então que contrato é este? Prof. Raul Ventura: isto
que se chama de compra e venda de bem futuro é um contrato de
formação – está se a formar um contrato de compra e venda se o bem se
tornar presente nascendo todos os efeitos do art. 879º.
Nº2: o legislador opta por dizer ‘’se as partes atribuírem ao contrato’’
(não diz que é um contrato de compra e venda). Ou seja, se este contrato
que as partes celebram e de que nasce a obrigação de pagar o preço
discute-se se é um contrato de compra e venda. Prof. Raúl Ventura: diz
que não se trata de uma compra e venda se não existir a transmissão do
direito, sendo este o grande efeito da compra e venda. O resto da
doutrina diz que é uma compra e venda sob condição, o problema é a
condição incidir sobre o elemento essencial da compra e venda ou seja o
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da transmissão do direito. Mas para a doutrina que entende que é uma
compra e venda estamos face a uma que possui um caracter aleatório.
Nos termos do art. 881º existe uma presunção de aleatoriedade. Imagine-se o
caso de o vendedor dizer que vende x direito pelo preço x mas não sabe se é
titular do direito – é um caso de titularidade incerta. De seguida, no momento de
celebração do contrato há que verificar se o vendedor era titular do direito. Se
sim, então tudo bem sim; se não, o direito não é transmitido mas o preço é
devido. Prof. Raúl Ventura: não é uma compra e venda, mas sim um contrato
atípico. Para a doutrina que ache que é um contrato de compra e venda estamos
face a um exemplo de compra e venda aleatória.
PROFESSOR MENEZES LEITÃO
1. Noção e Aspectos Gerais
Contrato de Compra e Venda no Código Civil: art. 874º a 939º (Livro II – Direito das
Obrigações).
Contrato de Compra e Venda no Código Comercial: art. 463º a 476º
Nos termos do art. 874º, compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a
propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.
A compra e venda consiste essencialmente na transmissão de um direito contra o
pagamento de uma quantia pecuniária, constituindo economicamente a troca de
uma mercadoria por dinheiro.
Embora o CC refira como exemplo paradigmático de transmissão de um direito a
transferência da propriedade, a compra e venda não se restringe apenas a esta situação
(transferência da propriedade) podendo abranger:
A transmissão de qualquer outro direito real (exemplo: trespasse de usufruto
(art. 1444º) quando realizado a título oneroso constitui uma compra e venda)
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E inclusivamente de direitos que não sejam reais. Exemplo:
direitos sobre valores mobiliários,
direitos de propriedade industrial,
direitos de propriedade intelectual (direitos de autor),
direitos de crédito,
Cessão de créditos (art. 577º e ss) quando feita onerosamente é
qualificada como compra e venda
direitos potestativos, ou situações jurídicas complexas, como a posição
contratual ou as universalidades de direito.
O trespasse de estabelecimento comercial ou industrial (art.
1112º/1 al. a)) constitui juridicamente uma compra e venda.
Alienação da herança ou de quinhão hereditário (art. 2124º e ss)
quando realizada a título oneroso constitui uma compra e venda.
O que não constitui compra e venda:
Assunção de dívida efectuada onerosamente, uma vez que a lei considera esta
como um contrato translativo de direitos, mas não de obrigações.
A transmissão de outras situações que não possam ser consideradas como
direitos subjectivos do alienante, estando-se nesse caso perante tipos contratuais
diferentes. Exemplo: não constituirão compra e venda, ainda que por vezes
sejam denominadas como tal na pratica situações como:
A venda de Informações
A venda de segredos
A venda de produtos financeiros
E a impropriamente designada ‘’venda de jogadores de futebol’’?
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A ‘’venda de jogadores de futebol’’ constitui uma cessão da posição contratual a título
oneroso, pelo que poderá enquanto tal ser qualificada como compra e venda.
Em relação à simples posse, uma vez que esta não constitui um direito
subjectivo não poderá ser objecto de compra e venda uma vez que a sua
transmissão não corresponde à transmissão de um direito.
▲ sendo um contrato translativo e direitos, a compra e venda pressupõe ainda a
existência de uma contrapartida pecuniária para essa transmissão.
Se não existir qualquer contrapartida, o contrato é qualificável como doação (art.
940º).
Se a contrapartida não consistir numa quantia pecuniária o contrato já não
constitui uma compra e venda mas antes um contrato de escambo ou troca.
Contrato de Escambo ou de Troca: inicialmente era previsto no art.
1592º do CC de 1867, mandando o art. 1594º aplicar-lhe as regras da
compra e venda, excepto na parte relativa ao preço.
Actualmente o contrato de escambo ou de troca deixou de estar previsto
no CC, embora continuem a ser-lhe aplicáveis as regras da compra e
venda por força do art. 939º.
O contrato de escambo ou de troca continua a ser previsto pelo art. 480º
do Código Comercial.
2. Características Qualificativas do Contrato de Compra e Venda
2.1.A Compra e Venda como Contrato Nominado e Típico
Compra e Venda enquanto contrato nominado: a lei reconhece o contrato de compra e
venda como categoria jurídica.
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Compra e Venda enquanto contrato típico: a lei estabelece para o contrato de compra e
venda um regime, quer no âmbito do Direito Civil (art. 874º), quer no âmbito do Direito
Comercial (art. 463º e ss). Encontra-se ainda um regime especial para a venda de bens
de consumo (Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril alterado pelo Decreto Lei 84/2008, de
21 de Maio).
2.2.A Compra e Venda como contrato primordialmente não formal
A compra e venda é, regra geral, um contrato não formal (art. 219º) ainda que a lei por
vezes o sujeite a forma especial (exemplo: compra e venda de bens imóveis (art. 875º)).
2.3.A Compra e Venda como contrato consensual
Compra e Venda enquanto contrato consensual (≠ real quoad constitutionem): a lei
prevê expressamente a existência de uma obrigação de entrega por parte do vendedor
(art. 879º b)) o que significa que não associa a constituição do contrato à entrega da
coisa, admitindo a sua vigência antes de a coisa ser entregue. Efectivamente é o acordo
das partes que determina a formação do contrato, não dependendo esta nem da entrega
da coisa, nem do pagamento do preço respectivo.
Ao abrigo da autonomia privada as partes podem estipular a compra e venda como
contrato real quoad constitutionem, designadamente dependendo da traditio reio ou da
traditio pretii?
A Doutrina Italiana tem entendido tendencionalmente que sim, considerando não serem
propriamente contratos consensuais as vendas através de aparelhos automáticos ou as
vendas em estabelecimento self servisse. Efectivamente da mesma forma que as partes
podem estipular uma forma convencional não exigida por lei para a celebração do
contrato (art. 223º) parece admissível que possam igualmente fazer depender a sua
constituição da existência da tradição da coisa ou do preço.
Prof. Menezes Leitão: duvida que os exemplos referidos representem coisa diferente
que a normal celebração do contrato consensual através de declaração tácita. Não parece
existir nenhum contrato real quoad constitutionem na compra e venda com pré
pagamento, uma vez que a celebração do contrato de realiza com a solicitação do
produto, havendo apenas a imposição de que o preço seja pago antes da sua entrega.
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2.4.A Compra e Venda como contrato obrigacional e real quoad effectum
A Compra e Venda é:
Em primeiro lugar, um contrato obrigacional uma vez que determina a
constituição de duas obrigações:
A obrigação de entregar a coisa (art. 879º b))
A obrigação de pagar o preço (art. 879º c))
Por outro lado, um contrato real quoad effectum uma vez que produz a
transmissão de direitos reais (art. 879º a))
2.5.A Compra e Venda como Contrato Oneroso
Compra e Venda enquanto contrato oneroso: no contrato e compra e venda existe uma
contrapartida pecuniária em relação à transmissão dos bens, importando assim
sacrifícios económicos para ambas as partes.
No entanto, a compra e venda não exige que ocorra necessariamente uma equivalência
de valores entre o direito transmitido e o preço respectivo, não deixando por isso de se
aplicar as regras da compra e venda se o comprador consegue descontos significativos
em virtude das boas relações que possui com o vendedor.
▲ Se a intenção das partes é atribuir efectivamente um enriquecimento ao alienante
(aquisições de baixo valor por elevado preço em leilões com fins sociais) ou ao
adquirente (alienação de bens por preço simbólico ou muito inferior ao valor de
mercado, com fins de liberalidade) a situação já não corresponde a uma verdadeira
compra e venda mas antes a um contrato misto (indirecto) de venda e doação.
2.6.A Compra e Venda como contrato sinalagmático
Sendo oneroso, o contrato de compra e venda é também um contrato sinalagmático:
uma vez que as obrigações do vendedor e do comprador constituem-se tendo
cada uma a sua causa na outra (sinalagma genético),
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o que determina que permaneçam ligadas durante a fase de execução do
contrato, não podendo uma ser realizada se a outra o não for (sinalagma
funcional)
Deste modo, aplicam-se à compra e venda as regras relativas ao sinalagma contratual
com a excepção:
do não cumprimento (art. 428º e ss),
a caducidade do contrato por impossibilidade de uma das prestações (art.
795º/1)
a resolução por incumprimento (art. 801º/2) (nota: atenção ao regime especial
do art. 886º)
2.7.A Compra e Venda como contrato normalmente comutativo, sendo por
vezes aleatório
Compra e Venda enquanto, normalmente, um contrato comutativo: ambas as atribuições
patrimoniais se apresentam como certas, não se verificando incerteza nem quanto à sua
existência nem quando ao seu conteúdo.
Compra e Venda enquanto, em certos casos, um contrato aleatório:
venda de bens futuros, frutos pendentes e partes componentes e integrantes, a
que as partes atribuem esse caracter (art. 880º/2)
venda de bens de existência ou titularidade incerta (art. 881º)
venda de herança ou de quinhão hereditário (art. 2124º e ss)
a venda de herança ou de quinhão hereditário sem especificação dos bens
constitui nitidamente um contrato aleatório, já que o vendedor não
responde pelos bens existentes na herança, mas apenas pela sua
qualidade de herdeiro (art. 2127º) e o comprador sucede integralmente
nos encargos da herança (art. 2128º).
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venda de expectativas.
2.8. A Compra e Venda como contrato de execução instantânea
Compra e Venda enquanto contrato de execução instantânea: quer em relação à
obrigação de entrega, quer em relação à obrigação de pagamento do preço, o seu
conteúdo e extensão não é delimitado em função do tempo. Essa situação ocorre mesmo
na venda a prestações dado que apesar do seu fraccionamento em diversos períodos de
tempo, este, apenas determina a forma de realização da prestação, não influenciando o
seu conteúdo e extensão.
▲ São contratos de execução continuada os contratos de fornecimento, como o
fornecimento de gás ou de electricidade: a sua natureza específica justifica, porem, que
não os configuremos como verdadeiras compras e vendas, parecendo antes tratar-se de
contratos atípicos, ainda que afins da compra e venda.
3. Forma do Contrato de Compra e Venda
Nos termos do art. 219º, a compra e venda é um contrato essencialmente consensual,
uma vez que regra geral não é estabelecida nenhuma forma especial para o
contrato de compra e venda.
Contudo, como cada regra tem a sua excepção, esta regra referente à forma do contrato
de compra e venda é objecto de múltiplas excepções (excepção mais importante
referente à compra e venda de imóveis).
Nos termos do art. 875º, determina-se que, sem prejuízo do disposto em lei especial, o
contrato de compra e venda de imóveis só é válido quando for celebrado por
escritura pública ou documento particular autenticadoesta regra é extensiva a
todos os actos que importem reconhecimento, constituição, modificação, divisão ou
extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão
sobre coisas imóveis e aos actos de alienação, repúdio e renúncia de herança ou legado,
de que façam parte coisas imóveis.
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Esta regra sofre duas excepções constantes de lei especial, em que a compra e venda de
imóveis pode ser celebrada por simples documento particular:
Situação de compra e venda com mútuo, com ou sem hipoteca, referente a
prédio urbano destinado a habitação, ou fracção autónoma para o mesmo fim
desde que o mutuante seja uma instituição de crédito autorizada a conceder
crédito à habitação (art. 1º e 2º/1 do DL 255/93, de 15 de Julho)
Procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis, constante
do DL 263-A/2007, de 23 de Julho e da Portaria 794-B/2007, de 23 de Julho,
que abrange a compra e venda (art. 2º al. a) do DL 263-A/2007)
Nos termos do art. 8º/3 DL 263-A/2007, os negócios jurídicos celebrados
nos termos deste DL encontram-se dispensados de formalização por
escritura publica quando esta seja obrigatória nos termos gerais. Neste
caso os interessados iniciam o procedimento formulando o seu pedido
junto do serviço do registo competente, manifestando a sua opção por
um dos meios do contrato (art. 6º), sendo o serviço de registo que
procede à elaboração dos documentos que titulam os negócios de acordo
com o modelo previamente escolhido pelos interessados (art. 8º/1 al. b))
Contrato de compra e venda de direito real de habitação periódica: deve ser celebrado
por declaração das partes no certificado predial, com reconhecimento presencial da
assinatura do alienante (art. 12º do DL 275/93, de 5 de Agosto, na redacção do DL
180/99, de 22 de Maio).
Transmissão de certos direitos: por vezes, exige-se mesmo escritura pública. Exemplo:
transmissão total e definitiva do direito de autor (art. 44º CDADC).
Quando tem por objecto certos bens móveis, a compra e venda é por vezes sujeita a
forma escrita. Exemplo:
Alienação de herança ou quinhão hereditário, quando não abranja bens sujeitos a
alienação por escritura publica ou documento particular autenticado
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Estabelecimento comercial
Quotas de sociedades
Alienação de direitos sobre bens industriais
Direitos emergentes de patentes
Modelos de utilidade
Registos de modelos
Desenhos industriais
Registo de marcas
Contrato de compra e venda de navios: exige-se o reconhecimento presencial da
assinatura dos outorgantes no documento escrito pelo qual se procede à venda
▲ é exigida a redução a escrito do contrato de compra e venda em diversas situações,
por razoes de protecção do consumidor (exemplo: venda a domicilio).
Fora dos casos indicados, a compra e venda não necessita de revestir forma especial.
Devido a tal, a compra e venda de bens móveis sujeitos a registo (caso dos automóveis)
não esta sujeita a qualquer forma especial.
↳ nem era necessário o legislador dizer, uma vez que se sabe que os bens móveis
sujeitos a registo não perdem a natureza de móveis, mas o art. 205º/2 consagra
expressamente que às coisas móveis sujeitas a registo é aplicável o disposto o regime
das coisas móveis em tudo o que não seja especialmente regulado.
▲ Sempre que a Compra e Venda seja sujeita a forma, a omissão desta acarretará a
nulidade do negócio jurídico (art. 220º). Em certos casos a compra e venda vai para
além da forma especial e pode obrigar à realização de certas formalidades. (exemplo:
nos actos que envolvem a transmissão da propriedade de prédios urbanos e fracções
autónomas, é necessário que se faça prova da correspondente autorização de utilização
perante a entidade que celebra a escritura ou autêntica o documento).
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Nos actos de transmissão de imóveis é obrigatória a referencia ao respectivo alvará, com
indicação do numero e data da emissão ou da sua isenção, sendo que no caso e prédios
submetidos ao regime de propriedade horizontal deve ser especificado se a autorização
de utilização se refere ao prédio ou à fracção autónoma a transmitir. A apresentação
deste documento é dispensada se a existência dessa autorização tiver sido anotada no
registo predial e o prédio não tiver sofrido alterações. A omissão desta formalidade não
acarreta a nulidade do contrato, mas constitui contra ordenação, podendo determinar a
aplicação de coimas ou outras sanções acessórias.
Outra formalidade é a exigida pelo princípio da legitimação, instituído no art. 9º/1 do
Código do Registo Predial que estabelece que os factos de que resulte a transmissão de
direitos ou a constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os
bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou
contra a qual se constitui o encargo. São apenas exceptuados:
A partilha, a expropriação, a venda executiva, a penhora, o arresto, a declaração
de insolvência e outras providencias que afectem a livre disposição dos imóveis.
Aos actos de transmissão ou oneração por quem tenha adquirido no mesmo dia
os bens transmitidos ou onerados
Casos de urgência devidamente justificada por perigo de vida dos outorgantes
(art. 9º/2 Código do Registo Predial).
Tratando-se de prédio situado em área onde não tenha vigorado o registo obrigatório, o
primeiro acto de transmissão posterior a 1 de Outubro de 1984 pode ser titulado sem a
exigência prevista no nº1 se for exibido documento comprovativo, ou feita justificação
simultânea, do direito da pessoa de quem se adquire (art. 9º/3 Código do Registo
Predial).
A Sanção para essa omissão não é a nulidade do negócio, uma vez que se coloca apenas
um problema de legitimação formal e não de legitimação substantiva. Apenas o agente
que a outorgar esta sujeito a sanções.
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4. Efeitos Essenciais
4.1.Generalidades
Nos termos do art. 879º estabelece-se:
‘’A Compra e Venda tem como efeitos essenciais:’’
a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito
b) A obrigação de entregar a coisa
c) A obrigação de pagar o preço.
Interpretação (segundo o Prof. Menezes Leitão) do art. 879º: a compra e venda é um
contrato pelo qual se transmite uma coisa ou um direito contra o recebimento de uma
quantia em dinheiro (preço). O resultado final do negócio constituirá:
Na aquisição por parte do comprador do direito de propriedade sobre o bem
vendido, à qual acrescerá como efeito subordinado a aquisição da posse,
Na aquisição por parte do vendedor do direito e propriedade sobre determinadas
espécies monetárias.
A compra e venda só se encontra definitivamente executada quando se verificarem estas
duas alterações na situação jurídica patrimonial dos contraentes.
Contudo, o art. 874º vem estabelecer dois processos técnicos distintos para a obtenção
desse mesmo resultado:
Em relação à aquisição da posse da coisa vendida, a lei socorre-se do
instrumento da constituição de obrigações, quer por parte do comprador, quer
por parte do vendedor, apenas considerando definitiva a aquisição apos o
cumprimento das mesmas.
Em relação à aquisição da propriedade sobre o bem vendido, esse processo deixa
de ser utilizado, dispensando a lei, pelo menos na venda de coisa específica, o
cumprimento da obrigação, considerando a aquisição da propriedade como uma
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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simples consequência automática da celebração do contrato (art. 879º a) e
408º/1).
Em suma, não há assim no âmbito da compra e venda o surgimento de uma obrigação
de dare em sentido técnico, verificando-se o efeito translativo automaticamente com a
perfeição o acordo contratual.
Deste modo, é necessário distinguir no contrato de compra e venda entre os seguintes
efeitos:
Um efeito real: a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do
direito
Dois efeitos obrigacionais: constituição das obrigações de entregar a coisa e de
pagar o preço.
4.2.O Efeito Real
4.2.1. A Adopção dos Princípios da Consensualidade e da Causalidade
no Direito Português
Um dos efeitos essenciais da compra e venda é a transmissão da propriedade da coisa ou
da titularidade do direito (é essencial à compra e venda a alienação de um direito, ou
seja uma aquisição derivada do mesmo – se as partes convencionarem a aquisição
originária de um direito pelo adquirente não se está perante uma compra e venda.
Contudo, não é obstáculo a que a compra e venda abranja hipóteses de aquisição
derivada constitutiva como a constituição de direitos reais menores).
Para a constituição ou transmissão do direito real basta, normalmente, o acordo das
partes, pelo que a celebração do contrato de compra e venda acarreta logo a
transferência da propriedade (art. 879º a) e art. 408º/1).
A transferência ou a constituição do direito real é consequentemente imediata ou
instantânea: logo no momento da celebração do contrato, o adquirente torna-se titular do
direito objecto desse mesmo contrato.
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Princípio da Consensualidade: ao contrário do que se sucede com os efeitos
obrigacionais, que exigem o posterior cumprimento das respectivas obrigações, o efeito
real verifica-se automaticamente no momento da formação do contrato, sendo por isso a
propriedade transmitida apenas com base no simples consenso, das partes, verificado
nesse momento.
Este princípio tem origem remota numa progressiva espiritualização da traditio
(entrega da coisa) verificada já no Direito Romano – neste direito, a
transferência da propriedade não dependia da celebração do contrato de compra
e venda uma vez que este tinha efeitos meramente obrigacionais, mas antes da
celebração de um segundo negócio posterior como a mancipatio, a in iure cessio,
mas principalmente a traditio.
Este segundo negócio implicava um acto real ou material, correspondente à
entrega física do bem pelo tradens. Posteriormente admitiu-se que em lugar de
ser real ou material, a traditio pudesse ser apenas simbólica (entrega das chaves,
entrega dos documentos ou do titulo da propriedade) ou mesmo ficta (traditio
brevi manu e do constituto possessório).
Esta evolução abriu caminho a que no antigo Direito Francês se admitisse a
estipulação, nos contratos de compra e venda, de clausulas instituindo a traditio
ficta ou traditio feinte, com a clausula de dessaisinesaisine, ou e constituto e
precário, pela qual o vendedor declarava logo no momento da celebração do
contrato que abdicava já da propriedade e da posse a favor do comprador,
ficando apenas como possuidor precário da coisa até à sua entrega.
Posteriormente considerou-se mesmo que se deveria presumir a estipulação
dessa traditio feinte, mesmo sem qualquer declaração das partes, o que implicou
considerar-se o modus adquirendi como compreendido no próprio titulus. Esta
evolução levou a que se passasse a atribuir à traditio valor meramente teórico,
dado que na prática passava a ser a vontade das partes o factor determinante para
a transmissão do direito real.
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Posteriormente, a escola do jusnaturalismo racionalista (Grotus Puffendorf)
encarregou-se de teorizar dogmaticamente esta nova concepção, consagrando o
princípio de que a vontade das partes, manifestada através do contrato, é só por
si suficiente para produzir o efeito real CC Francês de 1804 recolheu o
princípio da consensualidade, vindo este a ser reconhecido por outros códigos,
por ele influenciados (código italiano e código de Seabra – actual 408º/1).
Contudo, não é, no entanto, o sistema do título único vigente no Direito Comparado,
tendo que se efectuar a contraposição com outros sistemas existentes:
Sistema do título e modo (vigente na Áustria e na Espanha): para que o efeito
real se produza, é necessária a presença simultânea de um titulos et modus
adquirendi, ou seja, não basta que exista uma justa causa ou fundamento
jurídico de aquisição (como o contrato de compra e venda), sendo ainda
necessária a realização de um segundo acto de transmissão (como a traditio ou o
registo).
Sistema de transmissão causal de direitos reais, dado que embora o
negócio causal e transmissão sejam dois negócios distintos, a validade da
transmissão depende do negocio causal. Deste modo o titulo so por si é
insuficiente para produzir o efeito real exigindo necessariamente um
modo. Mas também o modo de aquisição só por si é insuficiente,
pressupondo igualmente um titulo. Por isso a realização da traditio so
permite transmitir o direito real se tiver sido precedida de um negocio
jurídico que fundamente essa transmissão (compra e venda ter sido
celebrado apenas), o negocio terá valor meramente obrigacional, sem
produzir efeitos reais.
▲ nos direitos que utilizam o sistema de título vigora, pelo contrario, o
principio da consensualidade, segundo o qual a constituição ou transferência dos
direitos reais depende apenas da existência de um titulo de aquisição, ou seja, de um
acto pelo qual se revela a vontade de adquirir e transmitir em virtude de uma causa
reconhecida pelo direito. Este título é só por si suficiente para produzir o efeito real,
pelo que a transmissão da propriedade se verifica logo com a celebração do contrato de
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compra e venda, não sendo qualquer acto posterior e entrega ou outra formalidade,
como o registo por exemplo.
Sistema de Modo: a produção do efeito real depende apenas do modus
adquirendi, não sendo necessário um titulo de aquisição.
Sistema do Código Civil Alemão: o contrato de compra e venda tem
valor meramente obrigacional, não produzindo qualquer efeito real. No
direito alemão, para que o comprador passe a ser proprietário do bem
vendido é necessário:
se o referido bem for uma coisa móvel, um segundo acordo de
transmissão (acordo abstracto translativo) seguido da traditio ou
da entrega da coisa;
se o bem vendido for uma coisa imóvel, exige-se também um
novo acordo de transmissão – igualmente um acordo abstracto
translativo – e ainda a inscrição nos registos da propriedade.
▲ há quem diga que neste sistema é seguido o princípio da
separação, segundo o qual a celebração do contrato de alienação
não coincide com a disposição.
O Princípio da Consensualidade tem grandes vantagens, em virtude da forma simples
como se procede à transmissão dos direitos reais, fundando-se apenas na vontade das
partes (em vez de a fazer depender de posteriores formalidades).
Ligado ao Princípio da Consensualidade está o Princípio da Causalidade, segundo o
qual a existência de uma justa causa de aquisição é sempre necessária para que o direito
real se constitua ou transmita.
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Vigora o Princípio da Causalidade no sistema do titulo, em virtude de a transmissão
do direito real depender exclusivamente do negócio transmissivo, e no sistema do titulo
e modo, dada a conexão causal entre o titulo e o modo. Diferentemente, o sistema de
modo regula-se pelo princípio oposto (Princípio da Abstracção) segundo o qual os
vícios do negocio causal não podem afectar a transferência da propriedade.
Efectivamente, no sistema do modo uma vez transferida a propriedade, a sua
recuperação so pode ser obtida através de uma acção de enriquecimento sem causa.
Nos termos do art. 408º/1, a transferência dos direitos reais sobre coisa determinada dá
se por mero efeito do contrato, o que naturalmente implica consagrar em pleno o
sistema do título, sujeitando-se assim a transmissão da propriedade aos referidos
princípios da consensualidade e da causalidade.
Em Portugal, deste modo, consagra-se a concretização do contrato de compra e venda
no âmbito da venda real. Ou seja, o adquirente apos a celebração do contrato adquire
imediatamente a propriedade da coisa vendida que pode imediatamente opor erga
omnes, no caso dos bens não sujeitos a registo, ficando, no caso dos bens sujeitos a
registo essa oponibilidade a terceiros dependente do cumprimento do ónus registral.
4.2.2. Apreciação da Possibilidade que existirem excepções em relação
a esses princípios
Nos termos do art. 408º/1, ao consagrar o sistema do título refere simultaneamente a
possibilidade de existência de excepções a esse sistema ‘’previstas na lei’’.
(Questão) a lei admite a possibilidade de transferência da propriedade não estar sujeita
a princípios da consensualidade e da causalidade?
(Se) Resposta Afirmativa: concluía-se que ao lado da venda real, o nosso direito
reconheceria também o outro tipo de venda, existente nos sistemas do título e
modo e do modo venda obrigatória.
Venda Obrigatória: modelo original do contrato no âmbito do direito
romano e hoje existe no direito alemão, austríaco, espanhol e brasileiro,
sendo também discutida a sua admissibilidade no direito italiano.
Caracteriza-se essencialmente pelo facto de o contrato de compra e
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venda nunca produzir efeitos reais, apenas tendo por função a
constituição de obrigações, resultando assim a transferência da
propriedade de um segundo acto, que o vendedor se obriga a praticar, o
qual produz os efeitos reais. Exemplo: pela compra e venda a
propriedade não é transferida. Apenas o vendedor obriga-se a transferi-la
e o comprador a pagar o preço. O vendedor pratica então um segundo
acto a transferir a propriedade que, no caso das coisas móveis, se
concretiza com a tradição e, no caso das coisas imóveis, com o registo.
‘’excepções previstas na lei’’ (art. 408º/1): deixa em aberto a possibilidade de se
reconhecer hipóteses de venda obrigatória, designadamente nos casos em que a
transferência da propriedade venha a ser temporalmente dissociada da celebração do
contrato.
No nosso direito ocorrem dois tipos de situações em que se verifica uma dissociação
entre a celebração do contrato e a transmissão da propriedade:
Quando a lei procede a uma separação, mesmo que meramente cronológica,
entre o momento em que se verifica a conclusão do contrato e o momento em
que ocorre o fenómeno translativo.
Apesar da transferência da propriedade ser sempre resultante do contrato
é manifesto que por vezes essa transmissão sucede em momento
posterior ao da sua celebração (art. 408º/2 – refere expressamente alguns
dos momentos em que a transmissão se verifica).
Casos de:
Venda de coisas indeterminadas (coisas genéricas ou em
alternativa): a transmissão da propriedade dá-se no momento em
que ocorre a determinação da coisa com conhecimento de ambas
as partes (art. 408º/2), salvo se se tratar de coisa genérica em que
a transferência da propriedade dá-se no momento da concentração
da obrigação (art. 540º e 541º)
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Venda de bens futuros, frutos naturais ou partes componentes ou
integrantes de uma coisa
Venda de bens futuros (art. 880º) a transferência da
propriedade ocorre no momento em que a coisa é
adquirida pelo alienante.
Venda de frutos naturais ou de partes componentes ou
integrantes de uma coisa a transferência da propriedade
verifica-se no momento da colheita ou separação (art.
880)
Venda com reserva de propriedade: a aquisição integral da
propriedade apenas ocorre no momento do pagamento do preço
ou do evento em relação ao qual as partes determinaram essa
verificação (art. 409º).
Nota: não se inclui a venda sob condição suspensiva ou a termo
inicial em que é no momento da verificação da condição ou do
vencimento do termo que se verifica a transferência da
propriedade. Efectivamente nestes casos não é apenas a
transferência da propriedade que é diferida para esse momento
mas todos os efeitos do negócio jurídico.
Quando o fenómeno translativo não se pode verificar por um impedimento
originário (venda de coisa alheia).
Venda de coisa alheia (art. 892º e ss) em que o fenómeno translativo não
se poe verificar em virtude de o vendedor não ser efectivamente o
proprietário do bem vendido. Ocorre uma dissociação entre a
transmissão da propriedade e o contrato de compra e venda, ainda que
essa dissociação seja resultante de um valor negativo atribuído por lei ao
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negócio jurídico (art. 892º) que só pode ser sanado através da aquisição
da propriedade (art. 895º) que constitui precisamente uma obrigação para
o vendedor (art. 897º).
Em todos os referidos casos o fenómeno translativo é transferido para momento
posterior, mas não fica dependente do cumprimento de uma obrigação de transferir
(dare) em sentido técnico.
Ainda que possam surgir obrigações associadas a essa transmissão, não são elas que
produzem o efeito translativo, mas antes este vem a ocorrer automaticamente em
consequência da verificação de um facto posterior. Esse facto concretiza em definitivo
uma atribuição patrimonial que já tinha sido provisoriamente estabelecida com a
celebração do contrato, entre o alienante e o adquirente.
Deste modo, mesmo nas hipóteses em que a venda possui uma eficácia translativa não
imediata ou dependente da eventual verificação de certos actos ou factos a verdade é
que o contrato integra sempre um esquema negocial translativo, situação distinta da
venda obrigatória presente no direito romano e no actual direito alemão. Deste modo,
pode afirmar-se a inexistência no Direito Português da figura da venda obrigatória.
4.2.3. A publicidade da transmissão da propriedade
A Compra e Venda corresponde a um facto aquisitivo de direitos reais.
Consequentemente, se estes direitos reais respeitarem a bens imoveis ou a moveis
sujeitos a registo, a compra e venda terá que ser registada (art. 2º a) do Código do
Registo Predial e art. 11º/1 a) do Código de Registo e Bens Móveis) sob pena de não ser
oponível a terceiros nem prevalecer contra uma eventual aquisição tabular,
desencadeada por uma segunda alienação do mesmo bem.
A imposição do registo resulta do facto de que sendo o direito real um direito absoluto
com eficácia erga omnes, é conveniente e útil que todos os parceiros interessados
possam conhecer a sua existência. Daí o princípio da publicidade que esta na base da
sujeição a registo.
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No sistema de modo, a cognoscibilidade do direito real é mesmo o interesse
fundamental para salvaguarda da segurança e celeridade do comercio jurídico,
vigorando uma situação de publicidade constitutiva: é o próprio registo que determina
a transmissão da propriedade.
No sistema de título (Portugal) atende-se aos interesses das partes, sacrificando-se o
interesse da segurança do comercio jurídico ao interesse da regularidade na constituição
do direito real.
Quanto à necessidade de publicidade adequada da transmissão do direito para defesa
dos interesses de terceiro e de segurança jurídica, tal publicidade será normalmente
declarativa e não constitutiva, sendo apenas uma condição de eficácia relativamente a
terceiros do direito real validamente constituído por mero efeito do contrato (art.
408º/1).
Deste modo, no nosso sistema, o registo tem valor meramente declarativo. A
publicidade apenas será constitutiva na hipótese de aquisição tabular, caso em que a
segunda venda que primeiro foi registada prevalece sobre a primeira.
Ao contrario do que sucede normalmente nos países que consagram o sistema de titulo,
não se institui em Portugal o principio da posse vale titulo, que permitiria fazer
funcionar também uma hipótese de publicidade constitutiva em relação às coisas moveis
não registáveis, baseada na traditio do bem. Tal implica ter o nosso sistema optado por
uma aplicação quase irrestrita dos princípios da consensualidade e da causalidade
fazendo assim prevalecer o interesse do proprietário em detrimento da proteção de
terceiro de boa fé.
4.2.4. O risco no contrato de compra e venda
O facto de a transferência da propriedade ocorrer logo no momento da celebração do
contrato atribui um importante beneficio ao comprador, uma vez que, tornando-se ele
logo proprietário da coisa vendida e não apenas credor do vendedor relativamente à sua
entrega, deixa de estar sujeito ao concurso de credores no património do vendedor em
relação a essa coisa (art. 604º/1), uma vez que tendo sobre ela a propriedade, que é
direito pleno e exclusivo (art. 1305º/1) tem também a melhor das garantias.
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Contudo, se o comprador adquire esse beneficio é justo que suporte também os riscos
inerentes e que, portanto, seja igualmente ele a suportar o prejuízo caso a coisa se
deteriore ou pereça apos a transmissão da propriedade.
Associada à transferência da propriedade encontra-se a transferência do risco, nos
termos do art. 796º/1: a partir do momento em que é celebrado o contrato de compra e
venda, mesmo que ainda não tenham sido cumpridas as obrigações resultantes do
contrato, o risco fica a cargo do comprador (art. 796º/1).
Exepção: tal situação não ocorrerá se a coisa tiver continuado em poder do
alienante, em consequência de termo estabelecido a seu favor, caso em que a
transferência do risco so se verifica com o vencimento do termo ou a entrega da
coisa, salvo a hipótese de o vendedor entrar em mora, o que produz a inversão
do risco (art. 796º/2)
Na hipótese de ter sido aposta uma condição ao contrato:
Se a condição for resolutiva, o risco corre por contra do adquirente se a
coisa lhe tiver sido entregue
Se a condição for suspensiva, o risco corre por contra do alienante
durante a pendencia da condição (art. 796º/3).
4.3.Os Efeitos Obrigacionais
4.3.1. O Dever de Entregar a Coisa
Em relação ao vendedor, a obrigação que surge através do contrato de compra e venda
reconduz-se essencialmente ao dever de entregar a coisa.
Além de (1) se efectuar a transmissão da propriedade por mero efeito do contrato, é (2)
atribuído ao comprador um direito de credito à entrega da coisa pelo vendedor, o qual
concorre com a ação de reivindicação (art. 1311º) que pode exercer enquanto
proprietário da coisa.
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O Cumprimento da obrigação de entrega corresponde a um acto material, a tradição
física ou simbólica do bem, que permite ao comprador:
A sua apreensão física móveis
Aquisição do gozo sobre ele imóveis
Devido ao cumprimento da obrigação de entrega, verifica-se a atribuição da posse da
coisa entregue ao comprador (art. 1263º al. b) a qual pode ocorrer previamente com a
verificação do constituto possessório (art. 1263º al. c) e 1264º).
▲ Prof. Romano Martinez: é duvidoso se quando após a venda o vendedor não procede
à entrega imediata do bem, se deve presumir a verificação do constituto possessório,
permanecendo o vendedor como detentor, ou se deve antes presumir a manutenção da
posse no vendedor. Face à concepção objectivista de posse (art. 1251º) parece que
sempre que o vendedor exerça o poder de facto correspondente terá posse, apenas
passando à situação de detentor se for convencionado que passará a possuir em nome do
comprador (art. 1253º al. c))
No caso de a coisa vendida já estar na posse do comprador, ou de a venda respeitar a
direitos sobre coisas incorpóreas, nem sequer a entrega se torna necessária, o que
demonstra que sendo esta obrigação um efeito legalmente obrigatório do contrato não
constitui um elemento essencial do contrato de compra e venda.
Em relação ao objecto da obrigação de entrega tal corresponde em primeiro lugar à
coisa comprada. Contudo é necessário distinguir:
Venda de coisa específica: o vendedor apenas pode cumprir entregando ao
comprador a coisa que foi objecto da venda, não a podendo substituir, mesmo
que essa substituição não acarretasse prejuízo para o comprador.
Art. 882º/1: a coisa (específica) deve ser entregue no estado em que se
encontrava ao tempo da venda, fazendo assim recair sobre o vendedor
um dever especifico relativamente à custódia da coisa, dever que ele
deve executar com a diligência de um bom pai de família, nos termos
gerais (art. 799º/2 e art. 487º/2).
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Caso a coisa se venha a deteriorar, adquirindo vícios ou perdendo
qualidades, entre o momento da venda e o da entrega, presume-se existir
responsabilidade pelo vendedor por incumprimento dessa obrigação (art.
918º), respondendo ele por esse incumprimento a menos que demonstre
que a deterioração não precede de culpa sua (art. 799º/1).
Venda de coisa genérica: o vendedor pode cumprir o contrato, entregando ao
comprador qualquer coisa dentro do género.
Aplica-se o disposto no art. 539º e ss, bem como as regras relativas à
determinação da prestação constantes no art. 400º.
O vendedor terá que entregar as coisas correspondentes à qualidade e
qualidade convencionada no contrato de compra e venda e devera
escolher coisas de qualidade média, a menos que tenha sido
convencionado o contrario. O desrespeito destas regras determinara a
aplicação do regime do incumprimento das obrigações nos termos do art.
918º.
Nos termos do art. 882º/2, a obrigação de entrega abrange, salvo estipulação em
contrario, alem da própria coisa comprada, as suas partes integrantes, os frutos
pendentes e os documentos relativos à coisa ou direito.
Deste modo, não é licito ao vendedor, apos a venda, proceder à separação de coisas
moveis que se encontrem ligadas materialmente ao prédio vendido com caracter de
permanência ou proceder à colheita de frutos pendentes ou ainda conservar quaisquer
documentos relativos à coisa ou direito. Excetua-se a hipótese de tal ter sido
convencionado ou no caso dos documentos estes contiverem outras matérias de
interesse para o vendedor, caso em que ele poderá entregar apenas publica forma da
parte respeitantes à coisa ou direto que foi objecto a venda u fotocopia de igual valor.
▲ Em Itália tem sido questionada se a obrigação de entrega das partes integrantes
deveria (1) limitar-se às existentes ao tempo da venda, ou (2) abranger ainda as que
tenham sido acrescentadas posteriormente a esse momento. A doutrina tem se inclinado
para a primeira posição.
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▲ Na doutrina italiana em relação aos documentos tem-se vindo a estabelecer a
seguinte distinção:
Documentos necessários para o exercício do direito alienado: o vendedor deve
não apenas entregar os que estão na sua posse mas ainda esforçar-se para os
obter para o comprador
Documentos probatórios da transferência: designadamente para efeitos de
registo, em que se considerar que a sua entrega deve ocorrer por força do
principio da boa fé
Documentos demonstrativos da titularidade originária do direito: vendedor deve
apenas entregar os que estão na sua posse.
Caso particular – documentos que obrigatoriamente devem acompanhar o uso da
coisa (livrete do automóvel e o titulo de registo de propriedade): considera-se
não apenas imperativa a sua entrega, mas também o seu incumprimento deve
determinar a resolução do contrato.
A obrigação de entrega pode ainda incluir outros objectos como por exemplo a
embalagem necessária ao acondicionamento do bem vendido, designadamente quando
se trate de bens sujeitos a risco ou deterioração ou perecimento com o transporte.
Em instrumentos internacionais, como por exemplo o art. 35º da Convenção de Viena
sobre a venda internacional de mercadorias (ainda não ratificada por Portugal) encontra-
se revista a inclusão da embalagem no âmbito da obrigação de entrega.
Em Portugal, tal inclusão deverá considerar-se estabelecida ou não consoante os usos
relativos a esses bens.
Solução mais frequente: bem já ser vendido dentro da embalagem (ex: venda de
um computador) ou esta ser fornecida acessoriamente (ex: entrega de sacos de
plástico na compra de mercadorias), podendo o comprador nestes casos
legitimamente exigir a sua entrega e decidir o posterior destino da embalagem.
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Noutros casos, a embalagem é necessária para a entrega do bem, mas não é
objecto do contrato, cabendo por isso ao comprador a sua posterior devolução
(ex: venda de gás em botijas).
Noutros casos, a embalagem pode ser objecto do contrato, mas o vendedor
acordar com o comprador a sua posterior reaquisição (exemplo: garrafas de
vidro).
A obrigação de entrega por parte do vendedor é sujeita as regras gerais quanto ao tempo
(art. 777º e ss) e lugar do cumprimento (art. 772º e ss).
Quanto ao tempo do cumprimento:
Se as partes não convencionarem prazo certo para a sua realização, o comprador
pode exigir a todo o tempo a entrega da coisa, assim como o vendedor pode a
todo o tempo proceder a essa entregar (art. 777º/1). O vendedor ficará nesse
caso constituído em mora com a interpelação do comprador (art. 805º/1).
Tendo sido convencionado prazo certo ou este resultar da lei, como acontece
com a venda comercial, o vendedor terá que entregar a coisa até ao fim desse
prazo sem o que incorrerá em mora (art. 805º/2 al. a)) podendo no entanto optar
pela antecipação do cumprimento, uma vez que o prazo se presume estipulado
em seu beneficio.
A obrigação de entrega da coisa vendida está sujeita ao prazo ordinário de prescrição de
vinte anos, nos termos do art. 309º.
Quanto ao Lugar do cumprimento: caso não haja qualquer estipulação das partes é
necessário distinguir consoante se trate de:
Coisas Móveis
Caso se trate de coisas determinadas, coisas genéricas a ser escolhidas de
um conjunto determinado, ou coisas a ser produzidas em certo lugar, nos
termos do art. 773º determina-se que a coisa deve ser entregue no lugar
em que se encontrava ao tempo da conclusão do negocio.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Nos restantes casos, a coisa deverá ser entregue no domicilio do
vendedor, nos termos do art. 772º.
Coisas Imóveis: naturalmente que a entrega física apenas poderá ocorrer no
lugar onde o imóvel se encontra devendo porém aplicar-se o critério supletivo
geral do domicilio do devedor (art. 772º) caso as partes determinem que essa
entrega será realizada apenas simbolicamente. O regime legal supletivo
caracteriza assim a entrega do vendedor essencialmente como uma obrigação de
colocação.
Em caso de não cumprimento da obrigação de entrega por parte do vendedor pode o
comprador, nos termos gerais, intentar contra o vendedor uma ação de cumprimento
(art. 817º e ss) que tratando-se de coisa determinada pode incluir a execução especifica
da obrigação (art. 827º).
O vendedor está igualmente sujeito a ter que indemnizar o comprador, pelos danos que
lhe causar o incumprimento da obrigação (art. 798º e ss) ou a mora no cumprimento
(art. 804º e ss). O comprador pode ainda se assim o entender resolver o contrato nos
termos do art. 801º/2.
4.3.2. Outros Deveres do Vendedor
Deveres específicos que extravasam a obrigação de entrega impostos ao vendedor:
Obrigação de emitir factura
O vendedor estará naturalmente sujeito aos deveres acessórios impostos pelo
princípio da boa fé (art. 762º/2 CC), os quais podem abranger deveres de
informação e de conselho ou de assistência pós venda.
caso de celebração de um negócio jurídico de consumo, ou seja, um
contrato entre um profissional e um consumidor, pelo qual se transmitem
bens ou direitos destinados a uso não profissional.
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4.3.3. O Dever de Pagar o Preço
Obrigação de pagar o preço, ou seja a previsão da entrega de uma quantia em dinheiro
ao vendedor como contrapartida da entrega da coisa por parte deste.
A obrigação de pagamento do preço corresponde a uma obrigação pecuniária sujeita
naturalmente ao regime do art. 550º e ss. A assunção desta obrigação no contrato de
compra e venda faz nascer na esfera do vendedor um direito de credito sobre o
comprador, ficando o vendedor apenas proprietário das espécies monetárias
correspondentes aquando do cumprimento da obrigação, através da realização da datio
pecuniae.
De acordo com as regras gerais sobre o objecto negocial (art. 280º/1) não é necessário
no contrato de compra e venda que o preço se encontre determinado no momento da
celebração do contrato, bastando que seja determinável.
A determinação do preço no momento do contrato pode resultar:
Da sua imposição por autoridade publica (preço de império)
Da sua fixação pelas partes
Hipóteses de determinabilidade ocorrerão:
Quando as partes fixem uma forma de o preço ser determinado
Essa forma pode consistir em deixar a determinação do preço a cargo de
uma das partes ou a terceiro, caso em que o art. 400º/1 estabelece que a
determinação não pode ser arbitrária, devendo ser feita segundo juízos de
equidade se outros critérios não tiverem sido estabelecidos. Nesse caso,
se a determinação não puder ser feita no tempo devido sê-lo-á pelo
tribunal, com base nos mesmos juízos.
Quando a lei supletivamente indique essa forma
Nos termos do art. 883º estabelece-se para:
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Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 51
As hipóteses em que as partes nada dizem sobre o preço – nº1
Caso de se referirem ao justo preço – nº2
▲ a norma do art. 883º é assim simultaneamente supletiva e interpretativa, uma vez que
se aplica não apenas como critério supletivo, quando as partes nada refiram sobre a
determinação do preço, mas também como critério interpretativo, quando as partes
façam referencia à expressão ‘’preço justo’’.
Ou seja, nos termos do art. 883º são indicados como critérios supletivos
sucessivamente:
1. O preço que o vendedor normalmente praticar á data da conclusão do contrato.
2. O preço do mercado ou da bolsa no momento do contrato e no lugar em que o
comprador deve cumprir.
O Primeiro Critério (1) prevalece sobre o Segundo Critério (2) pelo que se se tratar de
bens que o vendedor aliena regularmente é o preço por ele habitualmente praticado que
se considera como preço contratual, independentemente do preço do bem no mercado
ou bolsa ser diferente daquele.
Apenas no caso de não se tratar de bens que o vendedor aliena regularmente valerá
como preço supletivo o do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que
o comprador deve cumprir.
Caso nenhum desses critérios se possa aplicar ao preço será determinada pelo tribunal
segundo juízos de equidade, nos termos do art. 883º/1, in fine.
A Obrigação de pagamento do preço é sujeita a regras específicas quanto ao tempo e
lugar do cumprimento.
Tempo do Cumprimento: a menos que as partes estipulem em sentido
contrário, nos termos do art. 885º/1, o preço deve ser pago no momento da
entrega da coisa vendida.
Esta norma pressupõe naturalmente que a transmissão da propriedade já
se tenha verificado ou coincida com a entrega, uma vez que o preço
aparece como contrapartida dessa aquisição da propriedade. Deste modo
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se a entrega da coisa ocorrer antecipadamente a essa transmissão
naturalmente que não obrigará o comprador a pagar o preço.
A imposição do pagamento do preço no momento da entrega pressupõe
que nesse momento a obrigação do vendedor seja integralmente
cumprida. Deste modo, se a entrega for feita por fases, a prestação do
preço apenas deve ser efectuada aquando da realização da última entrega,
salvo se as partes convencionarem o preço em função da quantidade das
coisas vendidas, caso em que o vendedor terá legitimidade para exigir o
pagamento à medida em que for realizando as sucessivas entregas.
Lugar do Cumprimento da obrigação de pagamento do preço:
Se as partes nada tiverem estipulado, nos termos do art. 885º/1, o preço
deve ser pago no lugar da entrega da coisa vendida, o que impõe em
virtude de a lei fazer coincidir o cumprimento da obrigação de entrega
com o pagamento do preço (venda a ponto ou a contado).
Se as partes tiverem estipulado ou por força dos usos o pagamento do
preço não coincidir com o cumprimento da obrigação de entrega (venda
a crédito ou com espera de preço) o mesmo deverá ser pago no domicilio
que o credor tiver ao tempo do cumprimento nos termos do art. 885º/2.
Tal esta de acordo com a regra geral relativa às obrigações pecuniárias
previstas no art. 774º.
Segundo o Prof. Vaz Serra será aplicável igualmente nesta sede o
disposto no art. 775º o Prof. Menezes Leitão discorda: se está
em causa o domicilio do credor ao tempo do cumprimento não
terá relevância o facto de o credor mudar de domicilio apos a
constituição da obrigação.
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Nos termos do art. 309º, a obrigação de pagamento do preço é sujeita à prescrição
ordinária de vinte anos. Contudo, tratando-se de crédito de comerciantes pelos objectos
vendidos a quem não seja comerciante e não os destine ao seu comercio existe uma
prescrição presuntiva de dois anos, nos termos do art. 317º al. b).
A obrigação de pagamento do preço encontra-se colocada em nexo de reciprocidade
com a entrega da coisa, pelo que constituindo a compra e venda um contrato
sinalagmático, o não cumprimento da obrigação de pagamento do preço poderia dar
lugar à resolução do contrato por incumprimento nos termos do art. 801º/2.
Contudo, o art. 886º vem restringir consideravelmente essa faculdade quando refere que
‘’transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o
vendedor não pode, salvo convenção em contrario, resolver o contrato por falta do
pagamento do preço’’ no caso de ter sido definitivamente efectuada a atribuição
patrimonial do vendedor – através da transferência da propriedade e entrega do bem –
ele não poderá, em princípio, fazer reverter essa atribuição patrimonial por meio da
resolução por incumprimento, e reclamar por essa via a restituição do bem.
Deste modo, as suas ações contra o comprador ficam assim restringidas à ação de
cumprimento para cobrança do preço (art. 817º) e respetivos juros moratórios (art.
806º/1). Este regime explica-se em virtude de não ser muito conveniente por tornar
indefina a situação jurídica dos bens, admitir que a transmissão da propriedade pudesse
ser facilmente revertida, sempre que o adquirente faltasse ao pagamento do preço.
Situações em que a resolução do contrato por incumprimento da obrigação do
comprador é possível:
Haver convenção em contrário
Tal situação é admissível face à natureza supletiva do art. 886º. Da mesma forma que é
possível convencionar fundamentos contratuais para atribuição do direito de resolver o
contrato (art. 432º/1) e inclusivamente estipular uma modalidade de venda em que se
reconheça incondicionalmente ao vendedor essa faculdade num certo lapso de tempo
(art. 927º/1) nada impede as partes de estipular igualmente que o incumprimento da
obrigação de pagar o preço por parte do comprador constitua fundamento da resolução.
Nesse caso, em virtude da existência dessa clausula resolutiva expressa, serão
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derrogadas as restrições do art. 886º, sendo assim admissível a resolução por
incumprimento.
Ainda não ter sido entregue a coisa (mesmo que já tenha ocorrido a
transmissão da propriedade)
Apesar de já se ter transmitido a propriedade para o comprador, o contrato ainda não se
encontra totalmente executado, podendo até o vendedor recusar a entrega da coisa,
enquanto o comprador não satisfazer a obrigação da pagar o preço (art. 428º).
Consequentemente nada obsta à aplicação da resolução do contrato, em caso de se
verificar o incumprimento da obrigação de pagamento do preço, até porque tal se
apresenta preferível a prolongar artificialmente a suspensão da execução do contrato até
à cobertura coerciva do preço.
Ainda não ter ocorrido a transmissão da propriedade (mesmo que a coisa já
tenha sido entregue)
Nesta situação o bem já pode ter sido entregue ao comprador mas o vendedor, em
ordem a garantir a sua propriedade como forma de se assegurar contra o incumprimento
da outra parte reserva para si essa propriedade ate ocorrer esse cumprimento (art. 409º).
Nessa hipótese, e uma vez que o vendedor conserva a propriedade com fins de garantia,
poderá naturalmente em caso de incumprimento, proceder à resolução do contrato e
exigir a restituição do bem.
4.3.4. Outros Deveres do Comprador
Nos termos do art. 878º, as despesas do contrato e outras acessórias ficam a cargo do
comprador.
Despesas com o contrato: recaem sobre o comprador os encargos com a celebração do
contrato, abrangendo tanto:
Despesas emolumentares relativas à celebração do contrato em documento
autentico ou autenticado
Despesas relativas ao registo da transmissão
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Despesas acessórias
Encargos fiscais relativos à transmissão
Não se encontram abrangidas no âmbito do art. 878º as despesas relativas a actos de
execução do contrato:
Cumprimento das obrigações do vendedor e do comprador que deverão ficar a
cargo do respectivo devedor.
Deste modo, correm por conta do:
Vendedor as despesas relativas à guarda, embalagem, transporte e entrega da
coisa vendida
Comprador as despesas necessárias para o pagamento do preço.
26 de Setembro – Aula 3 e 4
ART. 876.º - VENDA DE COISA OU DIREITO LITIGIOSO
O art. 876.º CC remete para o art. 579.º do que se conclui, com base no n.º 3 desta
última norma, que quando falamos em direito litigioso estamos a falar da situação em
que alguém em causa a existência do direito.
O risco corre por por conta do comprador, uma vez que se visa proteger o vendedor o
que não é uma situação habitual. Tal deve-se ao facto de os fins especulativos
pertenceram ao comprador.
Quanto às consequências da violação do disposto no art. 876.º existem duas
consequências que resultam da conjugação do art. 876.º/2 e 3 e do art. 580.º:
i. Nulidade Atípica: a sua atipicidade deve-se ao facto de só uma das partes (neste
caso, o vendedor) a poder invocar. Se não se encontrasse consagrada esta
solução, muito possívelmente recorrer-se-ia à válvula de escape do nosso
sistema jurídico, ou seja, ao abuso de direito o que seria um enorme sarilho para
o vendedor que teria de provar que tal existiu.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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ii. Indemnização: esta indemnização é pelo interesse contratual negativo,
entendendo-se, à partida, que quando a ideia é atacar a validade do negócio, com
efeitos retroactivos, não faria sentido que fosse pelo interesse contratual
positivo.
E o dano indemnizável, qual é? Lucro Cessante? Dano Emergente? Ambos?
Depende. Falamos em Lucro Cessante quando o vendedor para proceder à
venda em causa ao comprador teve de prescindir de vender a outra pessoa por
um preço superior; falamos em dano emergente quando, estando em causa uma
coisa que tem de ser entregue, o vendedor teve de proceder a certos
comportamentos cuidadosos como o de guardar, conservar, entregar e/ou
transportar a coisa.
Deste modo, nos termos do art. 876.º/2 estamos face a uma obrigação de indemnização
pelo interesse contratual negativo (está em causa pedir uma indemnização pela
realização de um contrato nulo) em que o dano indemnizável é pelo lucro cessante e/ou
dano emergente consoante os casos.
Nos termos do art. 876.º procede-se a uma clara limitação da autonomia privada: o
legislador não gosta que as pessoas vendam algo a alguém que pode conduzir a um
litigio cominado com a nulidade.
Quanto o art. 579.º/1 afirma que ‘’se o processo decorrer na área em que exercem
habitualmente a sua actividade ou profissão’’ coloca-se a questão de saber o que se
entende por área. Quando o artigo fala em área está a falar no seu sentido literal, isto é,
onde o juiz efectivamente exerca a sua actividade. Se estiver em causa um juíz do STJ
então a área em questão respeita a qualquer parte de Portugal, uma vez que o STJ tem
jurisdição sobre todo o país.
Para finalizar, note-se que quanto o art. 579.º no n.º2 afirma que ‘’a cessão é efectuada
por interposta pessoa, quando é feita (…)’’ estamos face a uma presunção inilídivel de
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interposta pessoa: presume-se inilidivelmente que é interposta pessoa quem preencher
os requisitos na norma consagrados.
ART. 877.º - VENDA A FILHOS OU NETOS
Quanto um pai vende a um filho um apartamento por um preço baíxissimo estamos face
a um contrato misto de compra e venda e doação.
Numa doação com encargos, quando o danatário não cumpre é necessário atender ao
art. 966.º (resolução da doação), mas tal tem de se encontrar expressamente consagrado
no contrato, uma vez que, caso não esteja, a doação com encargos não é sinalagmática.
Entre a obrigação de pagar o preço e a obrigação de entrega da coisa existe um nexo
sinalagmática. Note-se que o art. 886.º amolga a condição resolutiva tácita.
Numa compra e venda verdadeira não se prejudicam herdeiros porque estamos face a
um contrato oneroso quanto aos efeitos do contrato, isto é, os sacríficios e os benefícios
para ambas as partes são equivalentes. Tal não incomoda os herdeiros porque o
património mantém-se igual, ao contrário do que acontece nas doações em que estas são
chamadas à colação.
A ratio do art. 877.º assenta em evitar que se realizem doações sob a capa de uma
compra e venda. É que o regime, em termos sucessórios, é diferente caso estejamos face
a um contrato de compra e venda ou a uma doação.
A violação do disposto no art. 877.º conduz a que a venda seja anulável: existe um
receio por parte do legislador que se pratiquem negócios simulados. O legislador não
tem nada contra as vendas de pais/avós a filhos/netos.
Poder-se-ia perguntar porque nestas situações existiu a necessidade por parte do
legislador para consagrar um regime especifico que assenta na anulabilidade do negócio
e não se decidiu pela aplicação do regime geral da simulação. A resposta assenta no
facto de hoje em dia já não se poder dizer que existiam verdadeiros vínculos de
sanguinidade, sendo que estes vínculos permitiam não se ter tantas cautelas quando se
fazia uma simulação. Além disso a prova de uma simulação é algo de uma enorme
dificuldade.
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Para evitar que se façam simulações, isto é doações sob a capa de compras e vendas, o
legislador, não tendo nada contra as compras e vendas entre pais/avos a filhos/neto,
decidiu que a melhor solução seria optar pelo consentimento.
O ART. 877.º ABRANGE A FIGURA DA INTERPOSTA PESSOA?
Ao contrário do que sucede no art. 876.º, o art. 877.º não fala nas vendas que são
realizadas por interposta pessoa.
Poder-se-ia dizer que a resposta a tal questão tem de ser negativa porque o art. 876.º é
uma norma excepcional e tendo por base o art. 11.º CC uma norma excepcional não
pode ser interpretada analogicamente. Contudo, aqui está se a aplicar analogicamente o
art. 579.º/2 e não o art. 876.º, pelo que não se está a proceder a uma interpretação
analogica de uma norma excepcional o que é proibido pelo nosso CC.
A DOUTRINA, no geral, considera que o art. 877.º abrange a figura da interposta
pessoa:
PROF. MENEZES LEITÃO e PROF. ANTUNES VARELA: a figura da
interposta pessoa deve ser aplicada no art. 877.º.
PROF. ROMANO MARTINEZ: estariamos face a uma situação de fraude à lei
se a figura da interposta pessoa não for aplicada ao art. 877.º
Mas porquê? FUNDAMENTOS DA (NÃO) APLICAÇÃO DA FIGURA DA
INTERPOSTA PESSOA NOS CASOS DO ART. 877.º:
PROF. GALVÃO TELLES: não se deve aplicar a figura da interposta pessoa
nos casos do art. 877.º. Não existe razão que justique a aplicação da interposta
no art. 877.º, uma vez que existe uma diferença substancial entre a norma do art.
876.º e a norma do art. 877.º: enquanto a primeira constitui uma norma de fundo,
a segunda constitui uma norma instrumental ou preventiva. O legislador não
gosta de vendas a pessoas que possam intervir no processo, mas não gosta nem
desgosta das vendas entre pais/avos a filhos/netos (é lhe indiferente); ele só quer
prevenir eventuais simulações. Não se está face a uma situação de lacuna.
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Ninguém aderiu a esta posição. Segundo o PROF. PEDRO EIRÓ esta
posição é sustentável pela ratio da norma.
PROF. RAÚL VENTURA/ANTUNES VARELA/MENEZES LEITÃO:
considera que se deve aplicar a figura da interposta pessoa nos casos do art.
877.º. O CC de 1867 referia-se a tal possibilidade, sendo que quando ocorreu a
transposição e se regulou a matéria da compra e venda, o legislador de 66
organizou a matéria de forma diferente e houve um esquecimento quanto à
aplicação desta figura ao regime em análise, tal como se encontrava previsto no
CC de 1867. Concorda-se que o art. 877.º consubstância uma norma de natureza
preventiva, ao contrário do que sucede com o art. 876.º que consubstância numa
norma de fundo, mas tendo por base a sua ratio leges não é todo incompativel tal
com a aplicação da figura da interposta pessoa. Há uma verdadeira lacuna que
deve ser intergrada nos termos do art. 10.º CC, procedendo-se à aplicação
analógica do art. 579.º.
Por fim, note-se quequando se pede que que os herdeiros ofereçam o seu consentimento
à alienação o que está verdadeiramente em causa é uma renúncia a um bem futuro, ou
seja trata-se de eles saberem que nunca vão herdar aquele bem.
Acórdão do STJ 14-05-1992
A proibição dos pais ou avós venderem aos filhos e netas sem o consentimento dos
outros filhos ou netos é uma regra que vem das ordenações filipinas e que constitui
especialidade do nosso direito que apenas passou para o ordenamento jurídico
brasileiro. O objectivo da proibição do art. 877.º assenta em evitar a prática de vendas
simuladas, sempre dificeis de provar, em prejuizo das legitimas dos descendentes.
D. Ferreira considerava que a natureza excepcional e restritiva do art. 1565.º do Código
de Seabra não abrangia descendentes por afinidida, como noras e genros.
O acórdão em análise considera que o art. 877.º:
Se aplica no caso de casamento das ‘’noras e genros’’ compradores ter sido
celebrado segundo o regime de comunhão geral de bens ou comunhão de bens
adquiridos;
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Não se aplica quanto às vendas feitas a enteado, pelo pradrastro com filhos, sem
o consentimento destes.
O art. 877.º tem uma natureza restritiva e excepcional o que exige inequivocamente a
existência de laços de parentescto entre o vendedor e o comprador ou pelo menos,
extensivamente, de outra ordem, mas com o seu cônjuge, sendo o casamento segundo o
regime de comunhão geral ou comunhão de bens adquiridos.
Deste modo, o acórdão conclui que a proibição de pais/avós a filhos/netos abrange:
Vendas a Filhos/Netos
Vendas feitas ao cônjuge do seu filho/neto casados em regime de comunhão
geral ou comunhão de bens adquiridos.
CASO PRÁTICO
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A pretende vender um imóvel a J, cônjuge de I, descendente de A. B e F já são
falecidos. Quem tem de dar consentimento para que a venda de A a J seja válida?
Com base no que foi referido no acórdão analisado, estamos face a uma situação que se
enquadra no âmbito de aplicação do art. 877.º, pelo que para ocorre a válida alienação
do imóvel por parte de A a J é necessário po consentimento, desde que I e J se
encontrem casados segundo o regime de comunhão geral ou comunhão de bens
adquiridos.
Quanto às pessoas que têm de dar o seu consentimento temos que:
Enquanto filhos de A têm de dar o seu consentimento: C e D (enquanto filhos de
A) e E e L (enquanto representantes de F, filho de B, filho de A, ambos já
falecidos) e N (nos termos do art. 1682.º-A quando esteja em causa a alienação
ou oneração de um imóvel tal carece do consentimento de ambos os cônjuges,
salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens. É necessário o
consentimento de N ao consentimento de L).
Enquanto irmão de I, H – QUERELA DOUTRINAL
PROF. VAZ SERRA: não é necessário que H dê o seu consentimento,
uma vez que a cabeça de estirpe já deu (D);
PROF. PEDRO EIRÓ, ANTUNES VARELA E MENEZES LEITÃO:
quem concorre directamente nas sucessões naturais é o H, pelo que faz
todo o sentido que ele tenha de dar o seu consentimento; visa não
beneficiar o I em relação ao J; C não concorre com I.
PROFESSOR MENEZES LEITÃO
PROIBIÇÕES DE VENDA: consubstância situações em que é vedada, por razões
atinentes às relações das partes entre si ou com o objecto negocial, a celebração do
contrato entre elas, admitindo-se, porém, a sua realização entre outros sujeitos.
I – VENDA DE COISA OU DIREITO LITIGIOSO
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Nos termos do art. 876.º/1 CC ‘’não podem ser compradores de coisa ou direito
litigioso, quer directamente, quer por interpoista pessoa, aqueles a quem a lei não
permite que seja feita a cessão de créditos ou direitos litigiosos, conforme se dispõe no
capítulo respectivo’’. Deste modo, através do art. 876.º CC procede-se a uma remissão
para a proibição de cessão de créditos e direitos litigiosos, prevista nos arts. 579.º e ss
CC.
COISAS OU DIREITOS LITIGIOSOS (art. 579.º/3): quando tiverem sido contestados
em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado.
O que significa contestação do direito? – DIVERGÊNCIA DOUTRINAL
PROF. BAPTISTA LOPES:para que o direito seja considerado contestado é
necessário que haja processo pendente, que verse sobre a coisa ou direito
vendido; que o reú tenha contestado a acção baseada no direito alienado, o que
não se verifica, por exemplo, se há confissão do réu ou a acção seguir à revelia
deste; e que a contestação tenha atacado a substância do direito.
PROF. RAÚL VENTURA: o direito é considerado litigioso a partir da
propositura da acçãoo, interpretando a palavra ‘’contestado’’ no sentido de
discutido ou submetido a juízo e ‘’qualquer interessado’’qualquer das pessoas
interessadas no direito, incluindo o seu titular, que assumirá na acção as vestes
de autor (e não o réu ou alguém legítimo para intervir no processo em oposição à
pretensão do autor).
O PROF. MENEZES LEITÃO concorda com esta posição:
efectivamente, a contestação do direito surge com a acção judicial, não
fazendo sentido que na sua pendência se permitisse a juízes, funcionários
da justiça ou mandatários, apenas por ainda não ter havido contestação.
Numa solução que já vem do antigo direito, nos termos do art. 579.º/1, a lei dispõe que
‘’a cessão de créditos ou outros direitos litigiosos feita, directamente ou por interposta
pessoa, a juízes ou magistrados judiciais é nula, se o processo decorrer na área em que
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exercem habitualmente a sua actividade ou profissão; é igualmente nula a cessão
desses créditos ou direitos feita a peritos ou outros auxiliares de justiça que tenham
intervenção no respectivo processo’’, disposição que é extensiva à venda de coisas. Nos
termos do art. 597.º/2 a lei proíbe igualmente a realização deste negócio por interposta
pessoa, considerando como tal tanto o cônjuge do inibido, como a pessoa de que este
seja herdeiro presumido e qualquer terceiro que tenha acordado com o inibido a
posterior transmissão da coisa ou do direito cedido.
Fora destes dois casos, a venda de coisas ou direitos litigiosos é plenamente admitida,
devendo processarse a substituição processual do vendedor pelo comprador. A
substituição opera através da habilitação (antigo art. 376.º CPC, actual art. 356.º CPC),
mas para evitar que a transmissão prejudique o decurso do projecto, a lei determina que,
até à substituição, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, produzindo a
sentença efeitos em relação ao adquirente, mesmo que este não intervenha no processo.
RAZÃO DESTA PROIBIÇÃO: receio de que as entidade referidas (juízes, magistrados
judiciais, peritos ou outros auxiliares de justiça) possam actuar com fins especulativos,
levando os titulares a vender-lhes os bens por baixo preço, a pretexto da sua influência
no processo. Tal justifica o facto de em certas situações se fazer cessar a proibição:
Nos termos do art.º 581.º CC dispõe-se que a proibição da cessão dos créditos ou
direitos litigiosos não tem lugar nos casos de:
a) De a cessão ser feita ao titular de um direito de preferência ou de remição
relativo ao direito cedido;
b) De a cessão se realizar para defesa de bens possuidos pelo cessionário (ex:
alienação ao arrendatário de um prédio em risco de execução)
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c) De a cessão se fizer ao credor em cumprimento do que lhe é devido (ex:
alienação em cumprimento de contrato promessa celebrado antes de o bem
passar a litiogioso).
Quanto às consequências de, não obstante a venda ser proibida, esta vir a ser realizada,
nos termos conjugados do art.º 580.º/1 e art. 876.º/2:
i. A venda é nula;
ii. Sujeita-se o comprador, nos termos gerais, à obrigação de reparar os danos
causados.
A nulidade, nos termos conjugados do art. 580.º/2 e art.º 876.º/3, não pode ser invocada
pelo comprador, uma vez que se tal fosse permitido o comprador celebraria um negócio
que poderia sempre declarar nulo se a operação especulativa não lhe ocorresse de
feição.
A nulidade em causa é estabelecida primordialmente no interesse do vendedor, que foi
sujeito à especulação do comprador ao vender em consequência do seu caracter litgioso
um bem por valor muito inferior ao seu valor real. Daí que seja atribuido ao vendedor,
além da invalidade do contrato, um direito à indemnização por todos os danos que a
atitude especulativa do comprador lhe causou. Esta indemnização, tendo por base a
celebração de uma compra e venda nula é, no entando, limitada ao interesse contratual
negativo (dano negativo: coloca-se na situação em que se estaria se não tivesse confiado
na celebração válida e eficaz do contrato), não abrangendo consequentemente o
interesse contratual positivo (dano positivo: coloca-se na situação em que se estaria se o
contrato tivesse sido válida e eficazmente celebrado).
PROF. ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ART. 876.º CC
As regras aplicáveis, quer quanto à noção de coisa ou direito litigioso, quer quanto à
indicação das pessoas a quem tais coisas ou direitos não podem ser transmitidos, quer
quanto às excepções admitidas são as dos art. 579.º e 581.º.
SANÇÃO DA NULIDADE: deve-se ao facto de na base da proibição legal se encontrar
uma razão de ordem pública. O comprador fica ainda obrigado, nos termos ferais, a
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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reparar os danos causados (art. 483.º e ss; art. 562.º e ss e art. 580.º), danos que se
medem pelo interesse contratual negativo.´
Como se encontra expresso no art. 579.º/2, a nulidade verifica-se, sendo a venda feita a
interposta pessoa, mesmo que não haja retransmissão para o verdadeiro comprador.
Basta a prova da interposição ou da presunção da sua existência.
O regime da nulidade encontra-se regulado nos art. 286.º e 289.º e seguintes. De
especial, o princípio de que o comprador não pode invocar a nulidade (art. 580.º/2), uma
vez que embora interessado na venda, entendeu-se que não tinha interesse atendível na
declaração de nulidade – o que de alguma forma agrava a sanção a que a lei pretendeu
sujeitá-lo com a nulidade do acto.
Não foram incluídos nesta norma alguns dos casos referidos no art. 849.º do Projecto
(1.º Revisão Ministerial) e no art. 2.º do Anteprojecto de Galvão Telles (compra feita
por aquele que vende bens alheios, quanto a esses mesmos bens, por exemplo).
II – VENDA A FILHOS OU NETOS
Nos termos do art. 877.º/1 dispõe-se que ‘’os pais e avós não podem vender a filhos ou
netos se os outros filhos ou netos não consentirem na venda; o consentimento dos
descendentes, quando não possa ser pretado ou seja recusado, é susceptível de
suprimento judicial’’.
Não obstante a proibição em análise, a venda vier a ser realizada será anulável, podendo
ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento dentro do prazo de
1 ano, a contar do conhecimento da celebração do contrato ou do termo de incapacidade
no caso de serem incapazes, segundo dispõe o art. 877.º/2.
ORIGEM DA PROIBIÇÃO: esta proibição de venda a descendentes tem fundas raízes
históricas no nosso Direito, uma vez que se encontra, quer nas Ordenações Filipinas,
quer no Código Civil de 1867.
RAZÃO DA PROIBIÇÃO: evitar que, sob a capa da compra e venda, se efectuassem
doações simuladas a favor de algum dos descendentes com o fim de evitar a sua
imputação nas respectivas quotas legitimárias, assim se prejudicando os restantes.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 66
É um facto que os restantes descendentes sempre poderiam reagir através da competente
acção de simulação (art. 240.º), mas as dificuldades de prova dos seus pressupostos
levaram o legislador a optar pela solução mais expedita de exigir o consentimento dos
descendentes, sem o que a venda poderia ser anulável.
O consentimento não está sujeito a forma especial (art. 219.º), mesmo que essa forma
venha a ser exigida para o contrato de compra e venda e pode inclusivamente ser
prestado tacitamente nos termos gerais (art. 217.º).
Esse consentimento pode, no entanto, ser objecto de suprimento pelo tribunal quando
seja recusado por algum descendentes ou quando não possa ser por ele prestado (ex:
descendente em causa ser incapaz, estar ausente ou estar impedido por outra causa).
Note-se que a proibição do art. 877.º apenas abrange a venda por pais a filhos e a venda
por avós a netos, ficando de fora a venda por bisavós a bisnetos nem a venda por filhos
ou netos a pais e avós, em que a questão da simulação não se colocará.
No caso de a venda ser realizada a filhos é de exigir o consentimento dos restantes
filhos, mas não dos netos, salvo se eles forem descendentes de um filho falecido, caso
em que serão chamados a dar o consentimento em substituição deste.
Se a venda for realizada a netos é de exigir o consentimento tanto dos filhos que
encabeçam a estirpe como dos netos que sejam irmãos do comprador.
Note-se que apesar de a lei não o referir expressamente, parece dever ser igualmente
abrangida pela disposição em análise a venda feita a descendentes através de interposta
pessoa.
Não parece que a proibição da venda a filhos ou netos se deva estender à troca, apesar
da remissão do art. 939.º, uma vez que em relação a ela não se colocam normalmente os
problemas de simulação, que estâo na base dessa proibição. Contudo, a lei é expressa no
sentido de que a proibição não abrange a dação em cumprimento feita pelo ascendente,
nos termos do art. 877.º/3.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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RATIO DO ART. 877.º/3: o legislador seguiu a posição da doutrina do PROF. CUNHA
GONÇAVES que sustentava que a semelhança entre a dação em pagamento e a venda é
mais aparente que real e em questão de incapacidade não se pode argumentar com
analogia. O PROF. MENEZES LEITÃO defende, contudo, que a solução é questionável
uma vez que as diferenças teóricas entre a dação em cumprimento e a venda não ilidem
o facto de a mesma possibilidade de simulação de doações se verificar nos dois
contratos.
PROF. ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ART. 877.º
A disposição em análise não têm paralelo na generalidade das legislações estrangeiras, a
não ser na brasileira. A sua fonte remota ao art. 1565.º do Código de 1867, que por sua
vez se inspira nas Ordenações Filipinas.
Não se faz referência à hipoteca, uma vez que ela se encontra abrangida pela disposição
genéridica do art. 939.º, e substituiu-se a intervenção dio conselho de família pelo
suprimento judicial. O suprimento pode ser obtido em dois casos:
i. Quando não for possível prestar consentimento (ex: incapacidade, ausência,
impedimento de facto ou qualquer outra causa impeditiva).
ii. Quando o consentimento tiver sido recusado.
RATIO DA PROIBIÇÃO: visa-se evitar uma simulação, dificil de provar, em prejuizo
das legitimas dos descendentes. Os pais doariam bens aos filhos, sob a forma de venda,
para estes nao imputarem nas suas quotas legitimárias os valores recebidos e assim
prejudicarem os outros herdeiros.
CASOS ‘’NORMAIS’’ DE
SIMULAÇÃO
VENDA SIMULADA FEITA A
DESCENDENTES
o contraente interessado na futura
destruição do negócio guarda em regra
consigo provas do vício do acto
O ascendente procurará, pelo contrário,
destruir todos os indicios de simulação.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Limita-se a proibição aos pais e avós por ser dentro destes limites (e já não entre
bisavós e bisnetos) que a simulação é mais de recear. Facilmente compreende-se a razão
por que se não estende a proibição à venda realizada por filhos a pais ou por netos a
avós
Nos termos do art. 877.º/1 consagram-se duas hipóteses:
i. OS PAIS VENDEREM AOS FILHOS: nestes casos é necessário o
consentimento dos outros filhos, mas não, em princípio, o consentimento dos
netos. Os pais são os cabeça de estirpe e as pessoas imediatemente interessadas
em evitar diminuições simuladas das legítimas. Somente se algum filho tiver
falecido, é que passa tal filho, para este efeito, a ser representado pelos seus
descendentes.
ii. OS AVÓS VENDEREM AOS NETOS: sendo feita a venda a um neto, e
existem filhos que representam outras estirpes, são as cabeças dessas estirpes, e,
portanto, os filhos que devem dar o seu consentimento, e não os netos, filhos
desses filhos. O que parece de exigir, conjuntamente, é o consentimento dos
irmãos do comprador.
A sanção resultante da falta do consentimento ou do respectivo suprimento judicial é a
da anulabilidade, a que são aplicáveis as disposições dos art. 285.º e ss, com as
modificações constantes no art. 877.º/2
Quanto ao ÓNUS DA PROVA DO CONSENTIMENTO DOS OUTROS FILHOS OU
NETOS – QUERELA DOUTRINAL
PROF. BAPTISTA LOPES: cabe ao vendedor;
PROF. MÁRIO BRITO: cabe ao comprador;
ANTUNES VARELA E RAÚL VENTURA: tratando-se de uma acção de
anulação, é evidente que cabe aos autores o ónus de alegação da prova dos
factos constitutivos do seu direito (potestativo) de anulação.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Note-se que a dação em cumprimento referida no art. 877.º/3 supoe a existencia de uma
divida do pai ou avô ao filho ou ao neto, o que basta para afastar a possível simulação
do acto.
Quanto ao ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA PROBIÇÃO DO ART. 877.º, este aplica-se
tanto:
às vendas de natureza cível, como às vendas de indole comercial,
designadamente à cessão onerosa de posições sociais em determinadas
sociedades comerciais, feita pelo pai a um ou mais filhos sem o consentimento
de um outro.
À venda directamente feita por pais ou avós a filhos ou netos, como a efectuada
por interposta pessoa, visto nenhuma razão séria haver para distinguir entre uma
e outra. Não há, todavida, razão para considerar como interposta pessoa a
sociedade comercial, constituída pelo pai e alguns dos filhos, a quem aquele
tenha vendido alguns bens seus com o consentimento de outros filhos, sem
prejuízo da prova directa da simulação alegada pelo requerente da nulidade.
Traduzindo-se a anulação da venda prevista no art. 877.º na imposição de um
verdadeiro ónus que recai sobre o pai ou o avô vendedor, esse ónus só pode referir-se a
quem, na altura da venda, já tenha sido reconhecido como filho.
Por fim, a adjudicação de bens na acção da divisão da coisa comum não integra a figura
da compra e venda para o efeito do disposto no art. 877.º.
3 de Outubro – Aula 5 e 6
ART. 880.º - BENS FUTUROS, FRUTOS PENDENTES E PARTES
COMPONENTES OU INTEGRANTES
Tal como na venda de bem alheio, na venda de bem futuro o vendendor está a vender
um bem alheio. A diferença entre estes dois institutos assenta no tratamento que se dá
ao direito.
Na venda de bem futuro, trata-se o direito como sendo futuro, isto é, a nenhuma das
partes ‘’passa pela cabeça’’ que aquele contrato produza a transmissão directa do bem.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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O contrário sucede na venda de bem alheio, em que se trata o bem como sendo presente
e próprio.
O contrato promessa de compra e venda de coisa/bem alheio considera-se válido: o
problema da venda de bem alheio não é entre as partes, mas trata-se sim da repercussão
dos efeitos desse contrato na esfera jurídica do titular do direito que está a ser
transmitido. Existe um conflito entre os dois titulares do direito. Coloca-se a questão de
saber como tal se conjuga com o efeito translativo da compra venda presente no artigo
879.º al. a). Este problema não existe na venda de bem futuro porque o comprado trata o
direito como sendo futuro.
Não se aplica ao contrato promessa o regime da venda de bem alheio, apesar de o artigo
410.º (‘’à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis
as disposições legais relativas ao contrato prometido’’ – o n.º1 procede a uma
equiparação entre o regime aplicável ao contrato promessa e ao contrato definitivo). O
contrato promessa de venda de bem alheio tem uma eficácia meramente obrigacional,
sendo discutível a situação em que a tal é atribuída eficácia real.
EFICÁCIA REAL DO CONTRATO
PROMESSA
EFICÁCIA REAL DA COMPRA E
VENDA
Em ambos existe um direito real a ser transmitido
Direito real de aquisição: não cria nem
transmite nenhum direito real de gozo. O
promitente que beneficia da natureza real
vê nascer na sua esfera jurídica ex nove
um direito real de aquisição.
Direito real de propriedade
Imaginemos uma situação em que está em causa a compra e venda de uma determinada
fraccção pertencente a ‘’C’’: se ‘’A’’ diz que a fraccção é de ‘’C’’ mas que a vai
adquirir estamos face à venda de um bem futuro; se ‘’A’’ diz que a fraccção é sua
estamos face a uma venda de um bem alheio.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Nos termos do artigo 880.º/2 existe uma presunção de interpretação. O artigo 237.º
apenas se aplica se após toda a actividade interpretativa o interprete chegar à conclusão
acerca do qual dos dois sentidos é o mais adequado. Existindo uma presunção é esta a
aplicável.
‘’Aprendendo Latim’’: rei é o plural de rex (coisa); speratae corresponde a coisa
esperada; emptio rei speratae significa compra da coisa esperada.
ARTIGO 880.º/1 ARTIGO 880.º/2
Emptio Rei Speratae – Venda da Coisa
Esperada (existe uma esperança
fundamentada; uma ‘’expectativa
jurídica’’; o comprador não compra uma
esperança: ele compra uma coisa que lhe é
esperada)
Emptio Spes – Venda de Esperança (o
comprador paga pela espança; ele já
comprou; a esperança é o objecto; não é
uma coisa futura)
Há quem entenda e defenda que mesmo nos casos do artigo 880.º/1 existe uma incerteza
que se traduz no facto de saber se o bem futuro se torna presente, o que tem de certo
modo o seu grau de aleatoriedade.
Note-se que a terminoligia utilizada no artigo 880.º/1 é de bem (e não de coisa). Um
bem pode assentar em direitos futuros (que não incidem sobre uma coisa futura;
exemplo: venda de um crédito futuro) ou em coisas futuras (exemplo: transmite-se um
direito sobre uma coisa futura).
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Deste modo, atendendo ao exposto, o artigo 880.º/1 pode comportar as seguintes
realidades:
DIREITOS FUTUROS
COISAS FUTURAS LATO SENSU
COISAS FUTURAS STRICTO SENSU
Coisas que se enquadram no âmbito de aplicação do artigo 211.º
Coisas que toda a gente considera como futuras: aquelas que não
existem (não se percebem a omissão do artigo 211.º quanto a tal)
COISAS NÃO AUTONOMIZÁVEIS (exemplos: frutos pendentes),
mas que serão DESTACADAS (o celebre exemplo do painel de ajulejos
em que tal é constituído pela parte integrante mas que será destacada o
que consubstância uma coisa futura ver acórdão da cortiça). Note-se
que a autonomização pode ser jurídica ou física (exemplo: no caso da
cortiça de um sobreiro, este mantém-se no local).
Note-se que não é essencial para que estejamos face a um contrato de compra e venda
que o efeito translativo se produza imediatamente a seguir à celebração do contrato: o
efeito translativo é um efeito essencial, mas poderá ocorrer mais tarde (artigo 408.º/2 e
artigo 409.º). Mesmo que o direito não se transmita no momento do contrato o que
interessa é que venha a existir.
O PROF. ROMANO MARTINEZ considera que a venda de bem futuro consagrada no
artigo 880.º/1 consubstância um negócio sob condição (leia-se evento futuro e incerto)
suspensiva, ou seja um facto complexo de produção sucessiva que já se começou a
produzo. A verificação da condição suspensiva torna o negócio eficaz. Condições
implicam com a eficácia do negócio (não com a sua validade). Quando a condição se
O DIREITO
TRANSMITE-SE
QUANDO O
VENDEDOR O
TRANSMITE
PARA O
COMPRADOR
O DIREITO
TRANSMITE.SE
QUANDO A
COISA SE
TORNA
AUTÓNOMA –
ARTIGO 408.º/2
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verificar o vendedor adquire o direito e automaticamente transmite-se o direito para o
comprador.
O PROF. PEDRO EIRÓ discorda da posição anterior, defendendo, para o efeito, que
quer a condiçã quer o termo são cláusulas acessórias do contrato, e não essenciais.
Sendo cláusulas acessórias não definem os tipos negociais. O negócio atípico por
definição não tem definição pelo que a condição poderia ser essencial. A existência do
direito a transmitir define o tipo de compra e venda. Como poderá existir uma condição
suspensiva sobre um contrato de compra e venda que incida sobre um dos elementos
essenciais da compra venda (existência do direito ou da coisa)? Deste modo, isto não
pode ser uma cláusula acessória. No minimo é uma condição altamente imprópria: não
pode incidir sobre os elementos essenciais da compra e venda. O defensor da teoria
agora criticada designa como condição uma realidade técnico jurídica que não
consubstância uma condição. Note-se que o negócio tem de ser classificado no
momento em que é celebrado.
O PROF. MENEZES LEITÃO, numa das passagens do seu manual, refere-se ‘’E
também (…) efeito futuro e incerto’’, ou seja, é verdade que uma condição
normalmente é um facto futuro e incerto, ou seja um facto circunstancial que se verifica
ou não, e não é uma obrigação. Contudo, tal não é um argumento decisivo: condição
potestativa, isto é, a verificação ou não do facto depende da vontade das partes ou de
terceiro.
Ponto assente é o de que não se pode falar em condição sob algo que incide sobre um
dos elementos essenciais de um contrato típico.
O PROF. MENEZES LEITÃO considera que esta situação se poderá enquadrar na
modalidade especial de venda obrigatória: defende que no direito civil não parece
admissivel vendas que só criem efeitos obrigacionais, isto é, compra e vendas que criam
apenas meras obrigações (exemplo: tornar o bem presente).
Por sua vez, o PROF. PEDRO EIRÓ E O PROF. RAUL VENTURA defendem que tal
consubstância um contrato em formação, isto é, há um negócio que se encontra
incompleto e ficará completo quando o bem futuro se tornar presente e só nesta
situação.
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Note-se que nenhuma das posições referidas funcionará para as situações consagradas
no artigo 880.º/2. Neste âmbito, o PROF. MENEZES LEITÃO defende que estamos
face a uma compra e venda que tem como objecto uma esperança. O PROF. PEDRO
EIRÓ admite ficar perplexo com tal posição, questionando como é que uma esperança
pode ser objecto de uma compra e venda.
Contudo, a verdade é a de que enquanto nos termos do artigo 880.º/1 podemos chegar à
conclusão de que não existe a verificação, pelo menos imediata, de nenhum dos efeitos
da compra e venda consagrados no artigo 879.º, nos termos do artigo 880.º/2 existe
lugar, pelo menos, ao pagamento do preço (‘’acaba por ser mais compra e venda do que
o n.º1’’).
Deste modo, volta-se à questão base e que ao primeiro contacto deixa uma enorme
preplexidade: como é que uma compra e venda pode ter como objecto uma esperança?
Tanto o PROF. ANTUNES VARELA como o PROF. MENEZES LEITÃO fogem de
certo modo à resposta, afirmando apenas que numa primeira fase existe uma esperança
que, numa segunda fase, se transforma/torna num bem/coisa. Segundo o PROF. RAÚL
VENTURA ao contrário do que sucede no n.º1 do artigo 880.º, no n.º2 estamos face a
um contrato completo porque há já um efeito produzido: obrigação de pagar o preço.
Coloca-se então a questão de saber face a que contrato é que estamos. Não estamos face
a um contrato de compra e venda uma vez que não basta a verificação da obrigação de
entrega daquilo que as partes designaram como preço: o efeito translativo é muito
importante, tem de existir um direito transmitido. Há um contrato definitivo, mas que
tem uma natureza jurídica diferente do contrato de compra e venda.
Note-se ainda, a fim de reforçar a tese que o n.º2 do artigo 880.º não se consubstância
um contrato de compra e venda, a própria letra da norma em análise refere-se apenas e
só a ‘’contrato’’.
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Para finalizar, coloca-se a questão de saber se adquirindo o vendedor o bem futuro,
tornando-se este presente, se o suposto comprador não o adquirir a indemnização faz-se
de acordo com qual interesse?
PROF. RAUL VENTURA E PROF. ROMANO MARTINEZ: interesse
contratual negativo
PROF. MENEZES LEITÃO e PROF. PEDRO ALBUQUERQUE: interesse
contratual positivo, uma vez que o contrato é válido, isto é, estamos face a uma
obrigação emergente de um contrato válido.
PROFESSOR MENEZES LEITÃO
I – VENDA DE BENS FUTUROS, DE FRUTOS PENDENTES E DE PARTES
COMPONENTES OU INTEGRANTES DE UMA COISA
SITUAÇÕES EM QUE EXISTE VENDA DE BENS FUTUROS:
i. Quando o vendedor aliena bens que não existem ao tempo da declaração
negocial (ex: venda de uma fracção autónoma de um edifício ainda por
construir);
ii. Quando o vendedor aliena bens que não estão em seu poder (ex: venda dos
peixes que vier a pescar nesse dia no lago);
iii. Quando o vendedor aliena bens a que ele não tem direito (ex: um agricultor
vende os cereais que lhe virão a ser fornecidos por outro agricultor).
Venda de frutos pendentes, partes componentes ou integrantes de uma coisa estas
entidades podem ser incluídas num conceito amplo de coisa futura, que abranja também
as coisas ainda não autónomas de outras coisas, mas que destas irão ser separadas.
A autonomização no âmbito do art. 880.º CC, por um lado, da venda de bens futuros e,
por outro lado, da venda de frutos pendentes, partes componentes ou integrantes de uma
coisa, justifica-se em virtude do art. 408.º/2 que estabelece a transferência da
propriedade em momentos diferentes:
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VENDA DE BENS FUTUROS a transferência da propriedade ocorre no
momento da aquisição pelo alienante;
VENDA DE FRUTOS PENDENTES, PARTES COMPONENTES OU
INTEGRANTES a transferência da propriedade ocorre apenas no momento
da colheira ou separação.
PROF. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES: o conceito de coisa futura do
art. 211.º encontra-se incompleto, uma vez que nele se incluem ainda as
coisas inexistentes e as coisas ainda não autónomas. De notar que as
partes integrantes ou componentes referidas no art. 880.º são apenas que
irão ser separadas do prédio por negócio próprio, pelo que a aquisição de
elevadores para futura incorporação no prédio não cabe manifestamente
nesta disposição.
Contrariamente ao que sucede na venda de coisa alheia (art. 892.º), nenhuma das partes
ignora que a coisa não pertence ao alienante, ainda que haja necessariamente a
expectativa de ela vir a integrar, no futuro, o seu património. É sempre essencial à
compra e venda a existência de uma aquisição derivada do direito a partir do vendedor,
pelo que não se poderá aplicar o art. 880.º sempre que as partes convencionem que a
transferência da propriedade se realizará a título originário ou directamente da esfera de
um terceiro para o comprador.
Nesse caso, a transferência da propriedade não ocorre imediatamente, pelo que a lei faz
surgir, a cargo do vendedor, uma obrigação de ‘’exercer as diligências necessárias para
que o comprador adquira os bens vendidos, segundo o que foi estipulado ou resultar das
circunstâncias do contrato’’. Deste modo, o vendedor estará obrigado a adquirir o bem
vendido, após o que a transferência da propriedade se processará automaticamente para
o comprador, em virtude da anterior celebração do contrato de compra e venda (art.
408.º/2).
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Se deixar de cumprir essa obrigação responderá perante o comprador por
incumprimento (art. 798.º).
INDEMNIZAÇÃO POR QUAL INTERESSE CONTRATUAL? – DIVERGÊNCIA
DOUTRINAL
PROF. MENEZES LEITÃO: estando em causa uma obrigação emergente de um
contrato validamente celebrado, essa indemnização será pelo interesse contratual
positivo.
PROF. RAU VENTURA: defende que estamos face a uma indemnização pelo
interesse contratual negativo, uma vez que considera a venda de bens futuros
como um contrato incompleto, antes de se verificar a transferência da
propriedade.
Contudo, se se tornar impossível proceder a essa aquisição total ou parcialmente, por
facto que não seja imputável ao vendedor, o resultado será a extinção da obrigação ou o
cumprimento parcial, casos em que, respectivamente, o vendedor perderá o direito à
contraprestação (art. 795.º/1), ou verá esta ser proporcialmente reduzida (art. 793.º/1).
Deste modo, o risco é atribuido ao vendedor, uma vez que não se está perante uma
hipotese de aplicação do art. 796.º, em virtude de a propriedade não ter sido transmitida
para o comprador.
Nos termos do art. 880.º/2, a venda de bens futuros poderá ser clausulada como contrato
aleatório, caso em que o objecto da venda é a mera esperança de aquisição das coisas
(ex: alguém vender a futura produção de laranjas do seu pomar, independentemente de
esta ocorrer ou não). Nesse caso, uma vez que o objecto do negócio é a própria
esperança, o comprador está obrigado a pagar o preço, ainda que a transmissão dos bens
não chegue a verificar-se (ex: a colheita se vir a perder por poluição ou condições
climatéricas irregulares).
VENDA DE BENS FUTUROS ≠ VENDA DE ESPERANÇAS
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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A diferença entre estas vendas reside no facto de na venda de esperanças existir uma
atribuição ao comprador do risco de não se verificar a transmissão da propriedade
clausulada no contrato. Uma vez que essa atribuição envolve uma derrogação às regras
normais de distribuição do risco, tem-se entendido que deve ser expressamente
clausulada. Assim, se na venda de bens futuros as partes nada estipularem sobre o
regime do risco, o contrato será qualificado como rei speratae e não como emptio spes
(venda de esperanças).
Nos termos do art. 880.º/2, a venda de esperanças é um contrato aleatório, uma vez que
o comprador tem sempre que pagar o preço, mas não tem a certeza de existir qualquer
correspectivo patrimonial nesse contrato, uma vez que corre porsua conta e risco a
verificação ou não da transmissão da propriedade. A doutrina no geral considera que o
caracter aleatório não obsta à qualificação como compra e venda, uma vez que, esta por
vezes revesta essas caracteristicas. Contudo, segundo o PROF. RAUL VENTURA o
elemento aleatório impede a qualificação do contrato como compra e venda.
NATUREZA DA VENDA DE BENS FUTUROS – DIVERGÊNCIA DOUTRINAL
DOUTRINA DEFENDIDA PELO PROF. RAUL VENTURA: negócio
incompleto ou em via de formação, na medida em que o consenso das partes
seria insuficiente para produzir a transmissão da propriedade, enquanto faltasse a
coisa, apenas se concluindo o negócio com a aquisição pelo vendedor.
DOUTRINA DEFENDIDA PELO PROF. ROMANO MARTINEZ: negócio sob
a condição suspensiva de os bens passarem para a disponibilidade do venedor.
POSIÇÃO DOMINANTE NA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
ITALIANA: modalidade especial de venda obrigatória, uma vez que o vendedor
se obriga, com caracter definitivo, a realizar o que for necessário para que se
possa verificar a aquisição da propriedade pelo comprador.
OPINIÃO DO PROF. MENEZES LEITÃO QUANTO A ESTAS POSIÇÕES
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QUANTO ÀS DUAS PRIMEIRAS: considera que as duas primeiras posições
são de todo incorrectas: apenas se amplicam à emptio rei sperate, sendo
insusceptivel de traduzir a natureza da emptio spei, há que se nesta o comprador
deve sempre pagar o preço, haja ou não transmissão dos bens, não se pode falar
em negócio incompleto, nem em negócio sujeito a condição. Contudo, estas
qualificações não se podem considerar correctas em relação à emptio rei
speratae: esta não é um negócio incompleto, uma vez que o consenso relativo ao
contrato encontra-se integralmente formado, sendo com base nele que se vai
verificar a futura produção do efeito real, sem necessidade de outras declarações.
E também não é um negócio sob condição, uma vez que a aquisição da
propriedade pelo vendedor corresponde a uma obrigação por este assumida, não
se verificando assim a subordinação dos efeitos do negócio a um efeito futuro e
incerto.
QUANTO À ULTIMA: a venda de bens futuros não constitui uma modalide
especifica de venda obrigatória, no sentido em que esta figura é entendida no
âmbito do Direito alemão, na medida em que, conforme se referiu, a celebração
do contrato já integra o esquema negocial translativo, que não fica dependente
de uma segunda atribuição patrimonial a realizar pelo vendedor. É, no entanto,
manifesto que aqui surge uma obrigação para o vendedor, de cujo cumprimento
vai depender a realização do efeito da transmissão previsto no contrato. Esta
caracterização é comum tanto à emptio rei speratae como em relação à emptio
spes, apenas se diferenciando porque nesta última o comprador assume ainda o
risco da não verificação do efeito translativo. Deste modo, e com a ressalva
inciial, esta é a qualificação mais adequada segundo o autor.
PROF. ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ART. 880.º
COISA FUTURA ≠ COISA ALHEIA
Mas a coisa alheia pode ser considerada como futura pelos contraentes – art. 893.º.
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COISAS FUTURAS: são aquelas que não estão no poder do disponente ou a que este
não tem direito ao tempo da declaração negocial. Podem ser coisas inexistentes (ex:
venda de coisa que o vendedor construirá ou fabricará; frutos futuros), mas também
podem as coisas existir e pertencer a terceiros, sendo que, neste caso, para que a coisa
seja havida como futura é necessário que o contrato se realize na perspectiva/suposição
de que ela vem a entrar no património do alienante – emptio rei speratae. Faltando esse
pressuposto negocial, e pertencendo a coisa alienada a terceiro, a VENDA É DE COISA
ALHEIA e não de coisa futura.
EXEMPLOS
VENDA DE COISA FUTURA EXISTENTE NO PATRIMÓNIO DE
TERCEIRO: venda, por um comerciante, de mercadoriais ainda pertencentes ao
fornecedor;
VENDA DE COISA EXISTENTE IN RERUM NATURA, MAS NÃO
PERTENCENTE A TERCEIRO: caçador que vende a caça antes de a ocupar;
pescador que vende o peixe antes o pescar.
NÃO É VENDA DE COISA FUTURA A ALIENAÇÃO DE CRÉDITO
SUJEITO A CONDIÇÃO SUSPENSIVA OU DERIVADO DE UM
CONTRATO ALEATÓRIO: revenda de um bilhete de lotaria feita pelo
primeiro adquirente.
Nos termos do art. 880.º/1 procede-se a uma equiparação entre a venda de bens futuros
e a venda de frutos pendentes ou de partes componentes ou integrantes de uma coisa.
Tal relaciona-se com o efeito de determinação do momento em que se verifica a
transferência da propriedade nos termos do art. 408.º/2.
Nos termos do art. 880.º/1 lança-se sobre o vendedor a obrigação de realizar as
diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos, prevendo os
casos em que, para a consumação do negócio, com o ingresso da coisa vendida no
património do vendedor, seja necessária uma actividade deste:
Se o vendedor vendeu coisa alheia como futura deve procurar adquiri-la;
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Se o vendedor vendeu uma res nullis, deve procurar ocupá-la;
Se o vendedor vendeu uma parte componente, uma parte integrante ou frutos
pendentes, deve separá-las ou colhê-los;
Se não o fizer, torna-se impossível o cumprimento da obrigação de entrega, e, conforme
haja ou não cupla da sua parte, aplicarar-se-ão as regras do não cumprimento culposto
(art. 798.º e ss) ou do não cumprimento não imputável ao devedor (art. 7990.º)
A forma como há-de proceder o vendedor pode ser convencionada ou pode resultar das
circunstâncias do contrato (art. 880.º/1 in fine).
Quanto aos frutos pendentes, os contraentes podem convencionar que as tarefas
necessárias à produção (mas já não as respeitantes à colheita) fiquem a cargo do
vendedor ou vice-versa, por exemplo.
IMPOSSIBILIDADE NÃO CULPOSA DO CUMPRIMENTO
REGRA: da impossibilidade não culposa do cumprimento (ex: coisa futura não
chegou a ser construída ou fabricada; os frutos pendentes não chegaram a criar-
se ou a amadurecer) resulta, em princípio, a extinção da obrigação, ficando a
outra parte desonerada e, se já tiver realizado a sua prestação, com direito de
pedir a sua restituição (art. 795.º). O contrato torna-se definitivamente
incompleto.
EXCEPÇÃO:é necessário atender ao n.º 2 do art. 880.º que admite que as partes
atribuam ao contrato caracter aleatório (emptio speti). Ou seja, por vontade dos
contraentes, não há direito à restituição do que houver sido prestador pelo
comprador; e, se este não pagou o preço, é obrigado a fazê-lo, não obstante a
impossibilidade do cumprimento por parte do venedor e a não verificação da
transferência da propriedade ou do direito. O objecto da compra e venda
consiste, numa primeira fase da relação contratual, na chance ou spes que o
comprador adquire; e numa segunda fase, pode consistir na coisa futura
entretanto surgida. Estes casos têm hoje uma aplicação prática bastante reduzida.
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IMPOSSIBILIDADE CULPOSA DO CUMPRIMENTO
REGRA:o vendedor terá que indemnizar o comprador dos danos que ele haja sofrido.
Se, pelo contrário o contrato se vier a completar, a venda produzirá os seus efeitos, não
ex tunc, mas ex nunc.
24 de Outubro – Aula 7 e 8
ART. 881.º - BENS DE EXISTÊNCIA OU TITULARIDADE INCERTA
Nos termos do artigo 881.º encontra-se consagrada uma presunção de aleatoriedade.
Contudo, a grande questão assenta em saber em que momento é devido o preço. Para
responder à questão colocada é necessário saber se o direito incide ou não sobre uma
coisa.
O ‘’tema’’ do preço desdobra-se em duas grandes vertentes: (1) constituição da
obrigação, e (2) vencimento da obrigação. A obrigação já está constituida, mas vence-se
no momento em que ocorre a entrega da coisa, nos termos do artigo 885.º.
Num contrato aleatória, o nascimento da obrigação de pagar o preço não depende da
transmissão do direito aquisitivo. A obrigação de pagar o preço nasce como
contrapartida da aquisição do direito transmitido - isto traduz o caracter oneroso. Nos
termos do artigo 881.º, o nascimento da obrigação de pagar o preço não depende da
aquisição do direito. É um risco que nasce no momento da constituição da obrigação.
Deste modo, se o direito ..
INCIDE SOBRE UMA COISA: é necessário conjugar o artigo 881.º com o
artigo 885.º. O efeito imediato traduz-se na obrigação de pagar o preço. Mas
quando é que o comprador tem de a cumprir? Para determinar o momento em
que ocorre o vencimento do preço é necessário analisar a situação de incerteza,
que termina quando:
Se chega à conclusão que a coisa não existe: o vencimento do preço
ocorre neste momento, pelo que é necessário pagar logo, neste momento,
o preço.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Se chega à conclusão de que a coisa existe: atendendo ao artigo 885.º, o
pagamento do preço terá de ocorrer quando a coisa for entregue. Poder-
se-ia colocar a questão de saber qual o sentido desta diferenciação de
regimes aplicáveis, ou seja, porque não pagar o preço logo no momento
em que se chega à conclusão que a coisa existe. A resposta é simples: se
o comprador procedesse ao pagamento logo nesse momento não poderia,
se necessário, fazer funcionar a excepção de não cumprimento
consagrada no artigo 428.º.
NÃO INCIDE SOBRE UMA COISA: neste caso, coloca-se a questão de saber
se constituida a obrigação desde quando é que se terá de a cumprir. O artigo
885.º não tem aqui âmbito de aplicação, uma vez que não estamos face a uma
coisa. Ou seja, é necessário pagar o preço logo. Não existindo prazo ter-se-á de
pagar o preço no momento em que for interpelado pelo vendedor.
CASO PRÁTICO
Imagine-se que no dia 1 de Março é celebrado, quanto a bens de existência ou
titularidade incerta, o contrato consagrado no artigo 881.º, com caracter de
aleatoriedade. No dia 5 de Março o comprador fica a saber que o direito existe. No
dia 7 de Março o comprador informa o vendedor de que o direito existe - Fim da
situação de incerteza para ambas as partes. Coloca-se a questão de saber desde
quando é que o comprador se tornou titular/proprietário do direito?
O efeito translativo é consequência da celebração do contrato (real quoad effectum), nos
termos do artigo 879.º al. a). O comprador e o vendedor colocam em causa se o direito
que está a ser transmitido existe na esfera jurídica do vendedor no momento da
celebração do contrato. A resposta encontra-se consagrada no já mencionado artigo
879.º al. a): automaticamente ocorre a transmissão para o comprador, mas este ainda
não o sabe. O comprador apenas descobriu no dia 5 de Março que era titular do direito
desde dia 1 de Março (‘’os recém nascidos também são titulares de direitos, mas não o
sabem’’). Mas, nestes casos por conta de quem corre o risco?
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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E se, dia 5 de Março, o comprador descobre que no dia 1 de Março o direito não
existia na esfera jurídica do vendedor, tendo só passado a integrar tal no dia 2 de
Março?
Neste caso, não ocorreu a transmissão do direito, uma vez que no dia 1 de Março o
vendedor não era titular do direito. Não existe transmissão do direito, pelo que terão de
celebrar um novo contrato. PERGUNTA DE EXAME!
Por fim, sendo o contrato comutativo e existindo a titularidade do direito desde dia 1 de
Março, o preço só terá de ser pago depois de o comprador ser interpelado, sendo de
salientar que seria de má fé cobrar juros de mora desde dia 1 de Março.
ART. 887.º a ART. 891.º - VENDA DE COISAS SUJEITAS A CONTAGEM,
PESAGEM OU MEDIÇÃO
Em primeiro lugar é necessário proceder à definição do objecto. No âmbito de aplicação
deste tipo de vendas encontram-se inseridas as coisas determinadas (≠ coisas genéricas),
específicas e presentes. A este regime não se aplica o regime do erro, o que tem como
utilidade afastar o erro como causa de invalidade do contrato. Aquilo que resulta da
contagem, pesagem ou medição impõe-se.
Quanto à influência do preço:
REGRA: é a modalidade consagrada no artigo 887.º, o que significa que a
mudança do objecto corresponde uma mudança do preço;
EXCEPÇÃO: é a modalidade consagrada no artigo 888.º, o que significa que
com a mudança do objecto não se muda automaticamente o preço, depende da
situação concreta (n.º2 do artigo 888.º).
O acórdão estudado referente a esta matéria e que se pronúncia sobre a (não) aplicação
do erro neste regime acaba por concluir que nas situações que se enquadram no âmbito
de aplicação deste regime de venda não se pode invocar erro nem cumprimento
defeituoso.
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Quanto ao risco, no contrato promessa, por exemplo, de mercadorias, define-se o
objecto, mas com a transmissão da propriedade aplica-se o regime do artigo 796.º,
adquirindo o comprador a propriedade no momento da celebração do contrato. Não está
em causa uma venda de coisa genérica: nestes casos, só quando a coisa se tornar
específica é que a transmissão da propriedade ocorre, nos termos do artigo 408.º/2.
CASO PRÁTICO
Por acordo, ‘’A’’ vende a ‘’B’’ 30 cadeiras que se encontram num armazém, a um
preço de 40euros/cada, o que no total satisfaz o preço de 1200euros. ‘’B’’ possui
uma empresa de eventos, dizendo a ‘’A’’ que queria as cadeiras para um
importante almoço em que estariam, certamente, presentes mais de 20 pessoas. O
contrato foi submetido ao regime do artigo 887.º. Na ida ao armazém, após a
contagem das cadeiras existentes no mesmo, verifica-se que só existiam 20
cadeiras.
Neste caso, atendendo ao regime consagrado no artigo 887.º seria ‘’devido o preço
proporcional ao número’’ de cadeiras. Contudo, para ‘’B’’, as 20 cadeiras não têm
qualquer utilidade, pois, de facto, e tal como acordado, seriam necessárias mais de 20
cadeiras. Coloca-se então a questão de saber é possível compatibilizar com o regime do
artigo 887.º o regime do erro. Ora, as partes não querem afastar e todo e qualquer erro.
As partes podem delimitar o erro que querem afastar. Neste caso, as partes delimitaram
que seria de 30 cadeiras.
Deste modo, qual será o regime a aplicar: o constante no artigo 251.º ou o constante no
artigo 252.º/2?
ARTIGO 251.º ARTIGO 252.º/2
É necessário provar duas coisas:
(1) Congnoscibilidade da Essencialidade
(2) Essencialidade do Erro
É necessário provar:
(1) Que o Erro é sobre a Base do Negócio
(2) Que o Erro é Bilateral
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No caso seria mais simples provar que o erro incide no âmbito de aplicação do artigo
252.º/2.
E se, chegando ao armazém, existissem 40 cadeiras?
Perante tal situação, ‘’B’’ poderia fazer uma de duas coisas:
Aplicando o regime consagrado no artigo 887.º, que estabelece a regra do preço
proporcional ao número, neste caso, de cadeiras, pagaria o valor das 40 cadeiras,
isto é, 1600 euros, ou
Resolveria o contrato nos termos do artigo 891.º, uma vez que ‘’o preço devido
por aplicação do artigo 887.º excede o proporcional à quantidade desclarada em
mais de um vigésimo deste’’ (o preço correspondente a 30 cadeiras seria de
1200 euros, pelo que um vigésimo deste valor, isto é 5%, corresponde a 60
euros; tendo ‘’B’’ de pagar por 40 cadeiras 1600 euros verifica-se que este
requisito se encontra verificado).
Imagine-se que, em vez de submeter o presente contrato ao regime do artigo 887.º,
as partes submeteram o contrato ao regime do artigo 888.º. Tendo as partes
acordado e consagrado no contrato que o objecto da compra e venda seriam no
mínimo 30 cadeiras, chegando ao armazém existem apenas 20 cadeiras.
Neste caso, já não poderemos recorrer ao critério da proporcionalidade do preço ao
número consagrado no artigo 887.º, que se fosse aplicável corresponderia a ‘’B’’ ter de
pagar o montante de 880 euros (20cadeiras X 40 euros), em vez de 1200 euros
(30cadeiras X 40 euros).
Aplicando o critério do artigo 888.º, existindo 20 cadeiras e se a quantidade efectiva não
diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, ‘’B’’ terá de pagar o preço
correspondente a 30 cadeiras.
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Cálculos:
29 – 20 = 9 (só este número de cadeiras será descontado ao preço)
9 X 40 = 360
1200 – 360 = 840
A ‘’banda’’ (leia-se imagem) não serve apenas para verificar se mexeu no preço, mas
também como se mexe.
QUERELA DOUTRINAL:
PROF. ANTUNES VARELA: desconta apenas o valor das 9 cadeiras.
PROF. LUÍS MENEZES LEITÃO: desconta o valor das 10 cadeiras.
PROF. PEDRO EIRÓ: segue a posição do PROF. ANTUNES VARELA, uma
vez que a posição do segundo autor é igual à consagrada no artigo 888.º.
Nos termos do artigo 889.º consagra-se o mecanismo da compensação, sendo que esta
apenas se faz pelo menor número da diferença. A grande problemática que este artigo
levanta é a de saber o que se entende por coisas homogéneas QUERELA
DOUTRINAL:
PROF. RAÚL VENTURA: entende por coisas homogeneas as coisas que forem
da mesma natureza, idênticas e com o mesmo valor.
PROF. ANTUNES VARELA e PROF. LUÍS MENEZES LEITÃO: o artigo
889.º aplica-se a coisas do mesmo genero, mas não da mesma espécie, pelo que
não tem o mesmo preço.
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Note-se ainda que o PROF. ANTUNES VARELA defende a aplicação do artigo 888.º/2
a questões do preço, procedendo para tal a uma aplicação analógica.
PROFESSOR MENEZES LEITÃO
I – VENDA DE BENS DE EXISTÊNCIA OU TITULARIDADE INCERTA
Em princípio, apenas poderão ser objecto de venda de coisas que existem e pertencem
ao vendedor, uma vez que se a venda disser respeito a coisas inexistentes o contrato é
nulo por impossibilidade física ou legal do objecto (artigo 280.º/1), nulidade que
também se verifica se as coisas não pertencerem ao vendedor (artigo 892.º).
Contudo, se se venderem bens de existência ou titularidade incerta e no contrato se fizer
menção dessa incerta, o contrato é válido, nos termos do artigo 881.º. Essa incerta
constitui um estado subjectivo, que tem que se verificar em relação a ambas as partes.
Exemplo: alguém vende um tesouro que se supõe estar enterrado em determinado
terreno, mencionando a incerteza da existência do referido tesouro.
Existe uma presunção legal de que as partes quiseram celebrar um contrato aleatório,
pelo que será devido o preço ainda que os bens não existam ou não pertençam ao
vendedor, nos termos do artigo 881.º. As partes podem elidir essa presunção, recusando
ao contrato natureza aleatóri, caso em que o preço só será devido no caso de os bens
existirem e pertencerem ao vendedor.
VENDA DE BENS DE EXISTÊNCIA OU TITULARIDADE INCERTA
≠
VENDA DE BENS FUTUROS
A venda de bens de existência ou titularidade incerta não toma por base a expectativa de
uma futura aquisição ou autonomização da coisa no património do vendedor, mas antes
a incerteza de uma situação presente, relativa à existência ou à titularidade do bem
objecto de venda.
VENDA DE BENS DE EXISTÊNCIA OU TITULARIDADE INCERTA
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 89
≠
VENDA DE BENS ALHEIOS NULA
Na venda de bens de existência ou titularidade incerta, o vendedor não celebra o
contrato na qualidade de proprietário da coisa, excluindo assim qualquer garantia
relativamente a essa situação. Por esse motivo, não existe na venda de bens de
existência ou titularidade incerta nenhuma obrigação de o vendedor praticar os actos
necessários para que o comprador adquira os bens vendidos (artigo 880.º e 897.º), nem
sequer qualquer obrigação de esclarecer a situação de incerteza existente no momento
da celebração do contrato. O vendedor ficará apenas constituído, como é regra geral, no
dever de entregar a coisa, se e quando se comprar que esta existe e/ou lhe pertence.
Se, como a lei presume, a venda de bens de existência ou titularidade incerta tiver sido
celebrada como contrato aleatório, o preço é devido pelo comprador, ainda que os bens
não existam ou não pertençam ao vendedor. Mas quando é que é devido esse preço? Na
opinião do PROF. MENEZES LEITÃO, o preço é devido logo no momento da
celebração do contrato e não apenas no momento em que se conhece a efectiva situação
dos bens: desde a celebração do contrato, o comprador constitui-se nessa obrigação, a
qual em relação a ele não fica dependente da resolução de qualquer incerteza.
Se as partes recusarem ao contrato natureza aleatória, a obrigação de pagar o preço fica
dependente do cumprimento da obrigação de entrega como é regra geral (artigo
885.º/1). Assim, o comprador apenas ficará definitivamente constituído na obrigação de
pagar o preço após a resolução da situação de incerteza em relação à coisa, podendo nos
termos gerais recusar o cumprimento da obrigação, enquanto o vendedor não lhe
efectuar a sua entrega (excepção de não cumprimento – artigo 428.º).
PROF. ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ART. 881.º
Estabelece-se neste preceito a presunção de que, fazendo o contrato menção da
incerteza acerca da existência ou titularidade dos bens vendidos, as partes lhe quiseram
atribuir natureza aleatória. É uma presunção que conduz à aplicação do regime prescrito
no artigo 880.º/2, ou seja, à obrigatoriedade do pagamento do preço por parte do
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 90
comprador, não obstante este não adquirir o direito comprado. Trata-se de uma mera
presunção que pode ser afastada pelas partes, não sendo necessária uma recusa expressa.
Ou seja, basta que a menção de incerteza seja feita em termos que as partes não
quiseram atribuir ao contrato caracter aleatório.
II – VENDA DE COISAS SUJEITAS A CONTAGEM, PESAGEM E MEDIÇÃO
A venda de coisas sujeitas a contagem , pesagem e meição consiste numa venda de
coisas determinadas, dado que a obrigação só está determinada quanto ao género e
qualidade (artigo 539.º). Não se aplica este regime se as parte se limitam a comprar
20kg de maças ou acordam no fornecimento de tantos kilowatts de electricidade. Já
será, no entanto, aplicavel o regime do artigo 887.º e seguintes se as partes acordam na
venda de um determinado saco de mças, que indicam conter 20kg, ma vez que nessa
caso há se estará perante uma venda de coisas específicas, ainda que sujeita a pesagem,
sendo a essa situação que se refere esta modalidade específica de venda.
Note-se ainda, que nos termos do artigo 427.º CCom dispõem-se que as coisas não
vendidas ou a esmo ou por partida inteira, mas por conta, peso ou medida, são a risco do
vendedor até que sejam contadas, pesadas ou medidas, salvo se a contagem, pesagem ou
medição se não faz por culpa do comprador. Ou seja, nesta norma estabelece-se um
regime diferente de risco da venda a conta, peso ou medida em relação à venda a esmo
ou por partida inteira (artigo 472.º Ccom: ‘’haver-se-á por feita a venda a esmo ou
partida inteira quando as coisas forem vendidas por um só preço determinado, sem
atenção à conta, peso ou medida dos objectos, ou quando se atender a qualquer destes
elementos unicamente para determinar a quantia do preço’’ e ‘’em relação à venda por
conta, peso ou medida, quando a fazenda se entrega, sem se contar, pesar ou medir, a
tradição para o comprador supre a conta, o peso ou a medida’’). O regime do risco aqui
estabelecido corre contra o vendedor, o que faz supor que esta disposição se refere a
vendas genéricas, sujeitas a essa regra (artigo 541.º), e não à venda de coisas
determinadas, sujeitas a contagem, pesagem ou medição, que é a situação referida nos
artigos 887.º e seguintes. Deste modo, conclui-se pela inexistência de regime específico
no âmbito do Direito Comercial para esta situação, valendo, por isso, também aqui o
regime civil (artigo 3.º CCom) – posição do PROF. MENEZES LEITÃO, ROMANO
MARTINEZ E RAUL VENTURA.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Ao contrário do que sucede na venda de coisas genéricas, em que a indicação da
quantidade se torna necessária à própria perfeição do contrato, no âmbito da venda de
coisas específicas não é necessária a indicação no contrato de qualquer quantidade, uma
vez que a simples individualização da coisa já é, só por si, suficiente para determinar o
objecto da venda. Pode, porém, acontecer que as partes resolvam também no âmbito da
venda de coisas determinadas, acrescentar no contrato a referência à quantidade da
venda, quer para efeitos de melhor descrição do bem vendido, quer para efeitos de
determinação do seu preço (esta situação ocorre especialmente na venda de bens
imóveis, nomeadamente na de terrenos, em que é usual referir a área correspondente ao
objecto da venda: por este motivo, os artigos 1537.º e seguintes do Código Italiano,
onde se encontra o regime correspondente aos artigos 887.º e seguintes do nosso
Código, apenas se referem a bens imóveis; esta situação pode ainda ocorrer, por
exemplo, na venda de um conjunto de cordas, indicando-se a quantidade de metros do
mesmo).
Essa referência das partes à quantidade dos bens vendidos vai implicar uma futura
operação de contagem, pesagem ou medição, a qual coloca o problema de
eventualmente se verificar uma discrepância entre a referência contratual e o resultado
da operação de contagem, pesagem ou medição. Uma vez que s eestá perante coisas
determinadas e não de coisas genéricas, a venda considera-se concluída antes da
operação de contagem, pesagem ou medição, logo com a celebração do contrato,
adquirindo assim o comprador imediatamente a propriedade dos bens vendidos (artigo
408.º/1), suportando consequentemente o risco pela sua perda ou deterioração (artigo
796.º/1), pelo que a discrepância apenas pode ter reflexos para efeitos de apuramento do
preço devido.
Os efeitos dessa discreância são diferentes consoante o preço da venda tenha sido:
ESTABELECIDO EM FUNÇÃO DE UM TANTO POR CADA UNIDADE
VENDIDA (VENDA AD MENSURAM OU POR MEDIDA): o artigo 887.º
determina que, independentemente da quantidade referida no contrato, o que o
comprador deve é o preço proporcional ao número, peso ou medida real das
coisas vendidas.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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ESTABELECIDO PARA O CONJUNTO DE COISAS VENDIDAS (VENDA
AD CORPUS OU A CORPO): o artigo 888.º determina que o comprador deve o
preço declarado, mesmo que a indicação da quantidade referida no contrato não
tenha correspondência com a realidade, a menos que a divergência entre a
quantidade real e a declarada seja superior a um vigésimo desta, caso em que o
preço não sofrerá redução ou aumento proporcional (na totalidade e não apenas
na parte que excede um vigésimo).
PROF. RAUL VENTURA: pode acontecer a ocorrência simultânea das duas situações,
como na hipótese de alguém declarar vender um prédio, que mede 1 há por 100.000
euros à razão de 1.000 euros m2. Neste caso, só pela interpretação do negócio poderá
concluir-se que as partes tiverem em consideração um preço global, que explicariam
pela indicação do preço unitário ou antes um preço unitário que multiplicaram para
obter o preço global, sendo essa interpretação que permitirá descobrir o regime
aplicável.
O remédio que a lei prevê para essa discrepância entre a quantidade de coisas vendidas
e a que é declarada no contrato éa correcção do preço estabelecido, correcção essa que
se verifica sempre que a venda por medida (artigo 887.º), mas que só ocorre se a
discrepância for superior a 5% na venda a corpo (artigo 888.º).
RATIO DA DISCREPÂNCIA: na venda a corpo, o facto de as partes não terem
indicado um preço unitário, mas um preço global leva a supor que a sua vontade se
formou essencialmente em relação a esse preço global, sendo incidental a referência à
quantidade, peso ou medida das coisas vendidas; pelo contrário, na venda por medida,
o facto de as partes fazerem referência directa ao preço unitário leva a supor que a
vontade das partes é fazer o preço corresponder à efectiva quantidade, peso ou medida
das coisas entregues.
O direito ao recebimento da diferença de preço pode ser, no entanto, excluído se ocorrer
compensação entre faltas e excessos e na medida em que essa compensação se verificar,
nos termos do artigo 889.º que dispõe ‘’quando se vender por um só preço uma
pluralidade de coisas determinadas e homogéneas, com indicação do preço e medida de
cada uma delas, e se declarar quantidade inferior à real quanto a alguma ou algumas e
superior a outra ou outras, far-se-á compensação entre as faltas e os excessos até ao
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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limite da sua concorrência’’. Quando o conjunto de coisas vendidas abrange mais do
que uma categoria e a discrepância na referência se caracterizar por faltar parte de uma
das categorias e haver excesso quanto às outras, as faltas e os excessos compensam-se.
Exemplo (PROF. BAPTISTA LOPES): vende-se uma adega de vinho, contendo 50
pipas de vinho tinto e 50 de vinho branco, quando no fim se verifica que a adega há
antes 40 pipas de vinho tinto e 60 pipas de vinho branco. Neste caso, não tem o
vendedor que corrigir a discrepância, uma vez que o excesso de uma das categorias
compensa a falta da outra. Na medida em que se opera a compensação, naturalmente
que deixam as partes de poder exigir a diferença de preço, ainda que a discrepância da
quantidade de uma ou ambas ultrapasse um vigésimop em relação à declarada,
conforme referido no artigo 888.º/2 – QUERELA DOUTRINAL
PROF. ANTUNES VARELA: pode haver neste caso aplicação da diferença de
preço proporcional, no caso de ‘’efectuado o encontro, se alegar e provar que a
diferença entre o preço global fixado e o preço que resultaria dos preços
unitários que os contraentes tiveram ou deveriam ter em vista excede um
vigésimo daquele, deve permitir-se, por analogia com o caso versado no preceito
anterior, o aumento ou redução proporcional do preço’’. O professor invoca em
abono desta solução a proximidade com o artigo 1540.º CC italiano, que a
consagra expressamente e que ‘’atender apenas, em casos deste tipo, à diferença
e ao excesso de quantidade das coisas, sem considerar a sua diferença de valor,
seria consagrar uma verdadeira fonte de injustiças que não esteve no pensamento
da lei’’;
PROF. BAPTISTA LOPES: considera intencional a não adopção da solução do
CC italiano, e que não se justifica adoptar neste caso a solução do artigo 888.º/2,
uma vez que a vontade das partes se forma sobre o preço global e não há
prejuízo, uma vez que o se perde numa das categorias ganha-se na outra.
PROF. LUÍS MENEZES LEITÃO: concorda com a posição anterior,
uma vez que na sua opinião, efectiavamente a norma do artigo 889.º
pretende restringir a aplicação do artigo 888.º/2, precisamente na medida
da compensação entre as duas categorias. Esta norma só se aplicará
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 94
assim se, depois de efectuada a compensação subsistir uma diferença de
um vigésimo entre a quantidade declarada e a efectivamente vendida.
O direito ao recebimento da diferença de preço tem que ser exigido num prazo
relativamente curto, já que a lei determina a sua caducidade dentro de 6 meses ou 1 ano
a contar da entrega da coisa, consoante esta seja móvel ou imóvel, salvo se a diferença
só se tornar exigível em momento posterior à sua entrega, dado que nesse caso o prazo
contar-se-á a partir desse momento (artigo 890.º/1). No entando, se a venda for de
coisas que hajam de ser transportadas de um lugar para outro, o prazo reportado à data
da entrega só começa a correr no dia em que o comprador as receber.
Nos termos do artigo 891.º prevê-se ainda que tanto na venda a medida como na venda
a corpo, o comprador possa resolver o contrato, sempre que seja obrigado a pagar ao
vendedor uma diferença de preço superior a um vigésimo do preço declarado, direito
que só não surge se tiver ocorrido dolo do comprador, ou seja se o comprador não tiver
efectuado sugestão ou artificio com intenção ou consciência de manter em erro o
vendedor ou não tiver dissimulado o erro deste (artigo 253.º). Este direito caduca no
entanto, no prazo de 3 meses a contar da data em que o vendedor exigir esse esxcesso.
A resolução aqui prevista está naturalmente sujeita às regras gerais dos artigos 432.º e
seguintes.
O regime dos artigos 887.º e seguintes não excluir a aplicação do regime do erro, caso
se verifiquem os seus pressupostos. Assim, se for essencial para o declarante que a coisa
vendida tenha a quantidade declarada e a outra parte conhecia ou não podia ignorar essa
essencialidade, cabe à parte a anulação do contrato nos termos gerais (artigo 251.º e
247.º).
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ART. 887.º a 891.º
i. ARTIGO 887.º
A hipotese prevista é a da venda ter por objecto coisas determinadas e fixar-se o preço
por unidade (venda por medida). É, quanto aos imóveis a chamada venda mensuram
(por oposição à venda ad corpus).
O conflito por surgir, se forem indicadas quantidades diferentes das que constituem o
objecto do contrato, e surge principalmente quando se indica um preço global que não
coincide com o produto da quantidade, peso ou medida real pelo preço fixado por cada
unidade.
Exemplo1: vende-se o vinho duma adega a 200.00€ a pipa, mas indica-se a existência
de 20 pipas quando, na realidade existem apenas 19. O preço devido é o correspondente
a estas 19 pipas e não às 20 indicadas. Sendo o preço global 40 000.00€, o preço será
corrigido para 38 000.00€.
Em consequência da aplicação deste critério pode o comprador ser lesado, se a
existência, na realidade, for muito superior à indicada no contrato, pois este acaba por
comprar mais do que pretendia e julgava ter adquirido. Para obviar a este inconveniente,
o artigo 891.º atribui-lhe o direito de resolução, se o preço devido, por aplicação do
artigo 887.º, exceder o proporcional à quantidade declarada em mais de um vigésimo
deste, e o vendedor exigir esse excesso.
A hipotese tratada no artigo 887.º não é a de o vendedor ter entregue coisa
quantitativamente diferente da que constitiu objecto do contrato: nesse caso, haverá
cumprimento defeituoso do contrato sujeito a outras regras. Do que se trata é de o
objecto do contrato, que foi inteiramente entregue, não se ajustar à indicação, ao juízo
ou cálculo que sobre ele fizeram ambas as partes ou uma delas. E foi para este tipo de
casos que se adoptou, em princípio, o regime próprio do erro de cálculo, rectificando o
preço global em função da quantidade real e do preço de cálculo fixado pelos
interessados e evitando deste modo a anulação de contratos em que o erro sofrido pelos
contraentes não é, por via de regra, essencial.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 96
ii. ARTIGO 888.º
O caso previsto correpondente na venda de imóveis (especialmente de prédios rústicos)
à venda ad corpus, difere do estabelecido no artigo 887.º. Não se fixa agora o prçeo por
unidade, mas sim um preço global, embora se indique o número, peso ou medida da
coisa vendida,
Exemplo: aliena-se uma vasilha de vinho por 200.00€, com a indicação de que essa
vasilha contém 500 litros ou vende-se uma adega de vinho por 100 000.00€, com a
declaração que nela existem 50 pipas. Em qualquer das hipóteses, o preço devido é o
global, embora a medida indicada não corresponda à realidade.
De facto, de as partes não terem indicado o preço unitário extrai-se a conclusão de que
elas formaram a sua vontade sobre o prçeo e a coisa globalmente consideradas, sendo
apenas incidental a referência à quantidade, peso ou medida das coisas vendidas.
Nos termos do seu n.º2, atenua-se as consequências da aplicação do critério adoptado,
atribuindo, quer ao vendedor, quer ao comprador, se a quantidade efectiva diferir da
declarada em mais de um vigésimo desta, o direito a um aumento ou redução
proporcional do preço. No primeiro caso será o da vasilha conter mais de 525 litros ou
menos de 475; no segundo caso o na adega existirem mais de 52 pipas e meia ou menos
de 47 e meia. Para que haja direito ao aumento ou à redução do preço é necessário,
porém, que se tenha indicado ou declarado o número, peso ou medida das coisas
vendias.
Além destes direitos, o artigo 891.º confere ao comprador o direito de resolver o
contrato, se o preço devido exceder o proporcional à quantidade declarada em mais de
um vigésimo e o vendedor exigir esse excesso.
Exemplo: o vendedor aliena um prédio que diz ter 100 m2, por 1000. Verifica-se
posteriormente que o prédio vendido tem apenas 90 m2. A redução do preço pode ser
pedida nos termos do n.º2 deste artigo, assim como poderá ser pedida a resolução do
contrato pelo comprador, nos termos do artigo 891.º, se se verificar, por hipótese, que o
prédio media 115 m2 e o vendedor viesse exigir o excesso do preço.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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No caso de existir, efectivamente, diferença entre a quantidade efectiva e a declarada
em mais de um vigésimo desta (seja para mais ou para menos), cabe naturalmente
perguntar se o aumento ou redução do preço previstos na lei se detsinam nesse caso a
cobrir toda a diferença entre a quantidade declarada e quantidade real ou apenas a
diferença que exceda o vigésimo tolerado na disposição. Na opinião do PROFESSOR
ANTUNES VARELA, parece que a solução mais razoável ou harmónica com a ratio
legis é a segunda, considerando a diferença até ao vigésimo da quantidade declarada
como uma espécie de carência imposta supletivamente às partes pela lei.
Note-se que a disposição do n.º2 da norma em análise não reveste caracter imperativo,
visto não assentar em razões de interesse público, sem prejuízo do disposto no artigo
282.º.
iii. ARTIGO 889.º
Interessa no âmbito deste artigo a circunstância de o objecto da compra e venda ser
constituído por uma pluralidade de coisas determinadas e homogenas, com a fixação de
um preço único. É preciso que se trate de um so contrato e não de duas vendas distintas.
Exemplo: vende-se por 10 000.00€ o milho e o centeio existentes num celeiro e declara-
se que há nele 100 arrobas de milho e outras 100 de centeio. Se pela pesagem se
verificar que há de milho 85 e de centeio 112, haverá que compensar a falta do milho
com o excesso de centeio até ao limite da sua concorrência. Não se poderá, portanto,
considerando aplicável ao milho o disposto no n.º 2 do artigo anterior reduzir o preço
deste. E também não haverá, no caso mencionado, aumento ou redução do preço global,
dado o disposto no n.º1 daquele mesmo artigo.
Far-se-á antes a compensação entre a vantagem proveniente do excesso e o prejuízo
derivado da falta. Contudo, se efectuado o encontro, se alegar e provar que a diferença
entre o preço global fixado e o preço que resultaria dos preços unitários que os
contraentes tiveram ou deveriam ter em vista excede um vigésimo daquele, deve
permitir-se, por analogia com o caso versado no artigo anterior, o aumento ou redução
proporcional do preço.
Atender apenas, em casos deste tipo, à diferença o ao excesso da quantidade das coisas,
sem considerar a sua diferença de valor, seria consagrar uma verdadeira fonte de
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 98
injustiças, que não esteve no pensamento da lei. Parte-se obviamente neste raciocinio da
ideia de que, não obstante a fixação de um só preço (global), os contraentes tiveram em
mente ou deviam ter tido o prçeo unitário de cada coisa e de que as coisas homogénas a
que a lei se refere são as coisas do mesmo género (parcelas do mesmo ou de diferentes
prédios rústicos, andares do mesmo ou de diferentes edificios, cereais ou materiais de
construção existentes no mesmo ou em diferentes armazens do mesmo dono, etc.), mas
não necessariamente da mesma espécie (≠ PROF. RAUL VENTURA)
iv. ARTIGO 890.º
O artigo 887.º e o artigo 888.º/2 consagram os casos de direito ao recebimento da
diferença de preço: estabelece-se para eles o regime da caducidade, e não o da
prescrição contra o que se propunha no Anteprojecto de Galvão Telles.
Consequentemente não existe suspensão nem interrupção dos respectivos prazos (artigo
328.º).
Os prazos de caducidade são de 6 meses ou de um ano, consoante a coisa for móvel ou
imóvel. Estes prazos contam-se, em princípio, a partir da entrega da coisa vendida; mas
se o direito à diferença só se tornar exigivel depois da entrega, só a partir deste
momento se começaram a contar. É o que se verifica quando se fizer a contagem,
pesagem ou medição, não no momento da entrega, mas em momento posterior, ou se
convencionar um prazo para o cumprimento da obrigação. Os prazos são curtos de
modo a evitar que se protele por muito tempo a situação de incerteza sobre os termos do
contrato.
O n.º2 do artigo 890.º prevê ainda um outro caso em que o prazo de caducidade de 6
meses só começa a correr num momento posterior à entrega: devendo a coisa ou coisas
vendidas ser transportadas de um lugar para outro, é havido como momento da entrega
o do recebimento da mercadoria. Tem perfeita justificação o aparente desvio de critérios
entre este n.º2 do artigo 890.º e o artigo 790.º, relativo ao problema do risco. É que a
contagem do prazo para o exercício do direito de exigir a diferença do preço só se
compreende a partir do momento em que o comprador recebe as coisas e pode, assim,
aperceber-se do erro havido.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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v. ARTIGO 891.º
O direito de resolução é conferido exclusivamente ao comprador. O vendedor, no caso
do artigo 887.º, apenas npode exigir ao comprador o preço proporcional ao número,
peso ou medida real das coisas vendidas, haja diferença ou excesso, e, no caso do n.º2
do artigo 888.º, apenas pode exigir o aumento proporcional do preço. A resolução é,
portanto, conferida em atenção aos encargos imprevistos que o comprador assumiu, em
consequência de um erro. Pode o comprador não estar preparado para suportar um
encargo superior ao montante previsto, não sendo razoável impor-lho para além de certo
limite. Tanto mais quanto é certo que, na generalidade dos casos de que trata esta
secção, a responsabilidade do erro é do vendedor e não do comprador.
Não importa que o erro seja culposo. Só se o comprador tiver procedido com dolo, ou
seja, com intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o outro contraente
(artigo 253.º) é que o n.º1 lhe coarcta tal direito.
O direito à resolução, quer se trate da hipotese prevista no n.º2 do artigo 888.º, quer da
contemplada no artigo 887.º, só é conferido ao comprador se houver um aumento do
preço superior a uma vigésima parte do preço declarado e o vendedor exigir esse
excesso.
O direito de resolução está sujeito a caducidade (artigo 328.º e seguintes) e não a
prescrição, tal como o direito à diferença do preço referido no artigo anterior. O prazo
de caducidade é de 3 meses, mas só começa a contar-se quando o vendedor exigir o
excesso por escrito.
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31 de Outubro – Aula 9 e 10
ART. 892.º a 904.º - VENDA DE BENS ALHEIOS
Quando se fala em venda de coisa alheia tal designa uma situação em que se procede à
alienação de um direito de outrem como sendo próprio (conjugação do artigo 892.º com
o artigo 904.º). A lei, para estas situações, determina a nulidade.
Esta venda pressupõe que um dos sujeitos esteja de boa fé, ou seja, que não saiba que o
bem é alheio ao vendedor. Segundo o PROF. MENEZES CORDEIRO é necessário que
seja uma boa fé subjecticva, ou seja, de acordo com uma interpretação sistemática,
estejamos face a uma boa fé ética e não psicológica, ou seja, o comprador deve
desconhecer sem culpa.
Contudo, existe também a possibilidade de o comprador poder estar convencido de que
o bem pertence ao vendedor e, por sua vez, o vendedor poder estar convencido de que o
bem lhe pertence. Nestas situações, porque é que o contrato é nulo?
É necessário confrontar o regime da venda de bem alheio com o regime consagrado no
artigo 280.º. Por um lado, procede-se à concretização do artigo 280.º e, por outro lado,
existe uma impossibilidade legal do objecto.
E se se celebrasse um contrato de compra e venda de bem alheio em que nem o
vendedor nem o comprador estão de boa fé? Coloca-se a questão de saber se nestas
situações, em que nenhuma das partes se encontra de boa fé, faz sentido aplicar o
regime consagrado no artigo 892.º e ss. A resposta é negativa, uma vez que o regime
expressamente consagrado no artigo 892.º a 904.º visa proteger aquele que se encontra
de boa fé. Nestes casos, existem duas hipóteses:
A primeira hipotese corresponde a solução mais fundamentada que se traduz em
o contrato ser nulo por impossibilidade legal do objecto, nos termos do artigo
280.º;
A segunda hipotese traduz uma certa predisposição para salvar o contrato,
considerando-o como uma venda de bem futuro.
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Outra questão que importa desde já esclarecer assenta em saber se se deve considerar
válida uma venda de coisa genérica alheia. Não se vê razão para não o ser, na medida
em que com o contrato de compra e venda de coisa genérica não se transmite a
titularidade da coisa: tal só ocorre quando a coisa se torna específica, nos termos do
artigo 408.º/2. O regime consagrado no artigo 892.º e ss implica uma venda de coisa
alheia especifica, determinada e presente.
Quanto ao contrato promessa de compra e venda de bem alheio é necessário fazer um
breve raciocinio antes:
i. O bem alheio foi tratado como sendo presente ou futuro (neste último caso, ver
regime do artigo 880.º);
ii. O promitente vendedor promete vender um direito alheio como sendo seu
iii. Válido se afastar a execução específica? Em princípio, o contrato promessa sde
bem alheio sujeito a execução específica é nulo.
PROF. PEDRO EIRÓ: no direito privado existe a autonomia privada, ou seja não se
pode presseguir todo e qualquer contrato. O contrato promessa de venda de bem alheio
pode ser válido, sendo que se não estiver sujeito à execução específica e o contrato
definitivo não poder ser celebrado aplica-se o regime do incumprimento. Não se (pode)
aplica o regime da execução específica porque a sentença estaria a substituir uma
declaração negocial nula, desclaração essa do vendedor que não é o titular do direito
(venda de bem alheio). Ao contrato promessa de venda de bem alheio deve ser desde
logo aplicado o regime do artigo 892.º e ss, uma vez que existe uma obrigação de
convalidação que assegura desde logo a realização do contrato.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 102
O regime da venda de bens alheios pode aplicar-se às seguintes situações?
1. Actuação de um representante sem poderes (artigo 268.º), sendo que
posteriormente é negada a ratificação? Existe uma venda de bem alheio
efectivamente, mas aplica-se o seu regime?
2. No âmbito da gestão de negócios, um gestor vende um bem do dono da
gestão, sendo que este último não a aprova.
3. No âmbito do mandato, o mandatário, em cumprimento do mandato, vende
um bem do mandante e este não cumpre o disposto no artigo 1180.º a
1182.º.
Quanto ao Mandato e à Gestão de Negócios, o regime da venda de bem alheio é
aplicável desde que se trate, por um lado, de um mandato sem representação e, por outro
lado, de uma gestão não representativa: em ambas as situações o bem é tratado como
próprio
Quanto à Representação sem Poderes, sendo uma representação, o representante
representa-se a representar o outro. O representado age através do representante.
Aplica-se o artigo 268.º, uma vez que o direito alheio, por definição, não é tratado como
bem do representante. Note-se que esta solução não é comumente aceite na doutrina:
QUERELA DOUTRINAL
PROF. ROMANO MARTINEZ: aplica-se à representação sem poderes o regime
da venda de bem alheio presente no artigo 892.º.
PROF. PEDRO EIRÓ: aplica-se à representação sem poderes o regime presente
no artigo 268.º
PROF. MENEZES LEITÃO: não se aplica o regime da venda de bem alheio
presente no artigo 892.º, uma vez que o direito não é tratado pelo representante
como um bem próprio.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 103
Acórdão STJ 18-06-2009: existe uma venda de bem alheio. O artigo 892.º e ss consagra
uma panópila de actuações. Após a venda do bem alheio, o comprador adquire a
propriedade por outro meio que a compra e venda (há situações no direito em que as
soluções não são justas: visa-se uma tutela da aparência da titularidade do direito,
devido a razões que não se prendem com a justiça, mas sim com a segurança).
Situações, no nosso ordenamento jurídico, que representam uma manifestão da tutela da
aprência da titularidade do direito: artigo 291.º, 293.º, aquisição tabular, etc. Ou seja,
existem situações específicas, como é o caso do artigo 291.º, que visam proteger o
adquirente, não se aplicando nestes casos o regime do artigo 892.º e ss.
O regime constante no artigo 892.º, não abrange casos em que embora o alienante não
fosse titular do direito alienado, o adquirente é protegido devido à aplicação de alguns
institutos, embora exista, efectivamente, uma venda de bem alheio.
Tal é semelhante à situação em que um pai aliena um bem do filho. Vendendo um bem
alheio não se aplica o regime do artigo 892.º e ss, mas sim as regras da responsabilidade
parental. Nesta situação é necessário em primeiro lugar atender ao artigo 1892.º e
verificar se existe ou não autorização para a venda daquele bem. Em caso negativo é
necessário atender ao regime do artigo 1893.º. Note-se que o artigo 1892.º levanta dois
problemas:
1. PROBLEMA DE LEGITIMIDADE: Verificar se a pessoa que actuou não tinha
legimidade para actuar
2. PROBLEMA DE PREENCHIMENTO DE REQUISITOS: O ‘’pai’’, em
concreto, preencheu ou não os requisitos específicos para a legitimidade, isto é,
(1) autorização do tribunal e (2) autorização do outro cônjuge/’’pai/mãe’’ do
filho.
Quanto à situação do verdadeiro proprietário, o acto de compra e venda de bem alheio
face ao verdadeiro proprietário é uma rex eteralis, ou seja é uma venda entre
outras/alheia, o que equivale a dizer que ‘’o proprietário não tem nada a ver com isso’’.
A consequência imediata do negócio de venda de bem alheio para o proprietário é a
ineficácia.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Coloca-se a questão de saber qual seria a melhor protecção para o verdadeiro
proprietário: a nulidade ou a ineficácia? A resposta assenta na ineficácia, uma vez que
se a consequência fosse a nulidade, aquele poderia perder o seu direito devido à
protecção de terceiros presente no artigo 291.º.
O que é que o verdadeiro proprietário, após ter conhecimento da venda de um bem de
que ele é titular, pode fazer?
Acção de reivindicação da coisa a terceiro, quando aquele (terceiro) esteja na
posse da coisa;
Acção de defesa da posse;
Pode dispor do bem que foi vendido, uma vez que ele é o verdadeiro proprietário
e aquela venda é lhe ineficaz;
Acção de declaração de ineficácia daquele negócio com reconhecimento da
propriedade (neste caso, a causa de pedir é a venda de bem alheio ineficaz).
Uma questão que se tem colocado na doutrina é a de saber se para instaurar uma acção
de declaração de nulidade, o verdadeiro proprietário pode ser considerado, nos termos
do artigo 286.º, como interessado.
Entende-se por interessado a pessoa em cuja esfere jurídica o acto produz efeitos, pelo
que se é interessado no destino acto. Contudo, o acto ineficaz não produz efeitos
directos ou indirectos para o verdadeiro proprietário. É indiferente se o acto se mantém
na esfera jurídica ou se é destruído. O titular do direito tem alguma vantagem adicional
em invocar a nulidade face à ineficácia? QUERELA DOUTRINAL
PROF. PEDRO EIRÓ, RAUL VENTURA E ROMANO MARTINEZ: o
verdadeiro proprietário tem legitimidade para instaurar uma acção de nulidade.
Na petição inicial de declaração de ineficácia da existência do direito de
propriedade invoca a venda de bem alheio que é ineficaz face a ele. A ineficácia
face ao proprietário resulta da nulidade da venda de bem alheio. O negócio é
ineficaz porque é nulo. A ineficácia depende da nulidade, sendo esta (nulidade)
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 105
prioritária face aquela (ineficácia). Além disso, seria sem grande sentido conferir
legitimidade ao proprietário para pedir declaração de ineficácia e não de
nulidade.
PROF. ANTUNES VARELA E MENEZES LEITÃO: o verdadeiro proprietário
não tem legitimidade, uma vez que não é interessado no âmbito do artigo 286.º.
O verdadeiro proprietário tem legitimidade para pedir a declaração de ineficácia,
logo não tem legitimidade para requerer a declaração de nulidade, sendo que se
pedir a declaração de nulidade o tribunal terá de lhe dar a declaração de
ineficácia (o PROF. ANTUNES VARELA no âmbito desta matéria é muito
formalista).
NOTA: no Acórdão (16) a tese interpretativa do artigo 286.º aí concebida (na página
10) seria motivo de chumbo numa oral com o PROF. PEDRO EIRÓ‼
O legislador civil decidiu culminar para a venda de bem alheio esta nulidade atípica, na
opinião do PROF. GALVÃO TELLES, devido a fundamentalmente três motivos (para
mais desenvolvimento ver: BMJ 83-GALVÃO TELLES):
1. Sendo nulo é mais nítido ao olhos dos leigos/não juristas;
2. Existe uma diminuição do perigo de aparências enganosas, isto é, o vendedor
comporta-se como proprietário e os terceiros acreditam;
3. Não se estimulam desonestos e desaventureiros a tentativas de intromissão na
esfera alheia.
No Direito Romano e, mais recentemente, no Direito Alemão e no Direito Comercial,
não é seguido a solução da nulidade na venda de bem alheio. A verdade é que no Direito
Alemão da compra e venda resultam apenas efeitos obrigacionais, enquanto que no
Direito Civil Português a compra e venda possui uma eficácia real que se traduz no seu
efeito translativo. Existindo um conflito de titulares do direito é bom colocar ordem na
casa. O legislador português preocupa-se com a estabilidade das coisas. Por fim, no
Direito Comercial o que interessa é a circulação dos bens.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Na venda de bem alheio estamos face a uma nulidade de consumo interno, isto é, uma
nulidade que está virada para o comprador e vendedor, uma vez que para o verdadeiro
proprietário o negócio é ineficaz. Tal impede que se produzam os seguintes efeitos:
Impede o efeito translativo automático, protegendo o verdadeiro proprietário;
Quanto ao conteúdo da relação jurídica, mais concretamente os direitos e
deveres (o resto é a paisagem). Obrigação complexa: que tipo de deveres
existem? Deveres principais, acessórios, etc: a relação jurídica complexa não se
limita a um direito e aum dever (artigo 397.º). Deste modo, segundo FRADA, o
facto de ser nulo impede a produção dos deveres principais do contrato;
A nulidade não impede todos os efeitos, apenas os principais: impede a criação
do dever de entregar a coisa e/ou de pagar o preço.
Note-se que a inoponibilidade do contrato não o torna válido: existe uma paralisação
dos efeitos. É inoponível a nulidade. Aquele que se faz valer da inoponibilidade diz que
para ele é válido.
O artigo 892.º levanta dois problemas:
REFERÊNCIA AO CONCEITO DE BOA FÉ: estamos face a uma boa fé
subjectiva e, na opinião do PROF. MENEZES CORDEIRO, ética: não basta ser
psicológica, tem de ser ética, ou seja, existe uma ignorância não culposa que a
coisa não pertence ao vendedor.
REFERÊNCIA AO CONCEITO DE DOLO: Existem duas possíveis
interpretações:
a) DOLO ENQUANTO CAUSA DO ERRO (PROF. PEDRO EIRÓ):
entende-se o dolo como causa do erro. É preciso que (1) o comprador
não saiba que o direito não pertence ao vendedor e que (2) não o tenha
convencido de tal – o PROF. ANTUNES VARELA é bastante exigente
neste campo, entendendo que se devem verificar estes dois requisitos.
Não basta, tal como expressamente consagra o artigo 253.º que apenas e
só alguém cause o erro em outrem. Existe uma maior protecção do
comprador.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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b) DOLO ENQUANTO MÁ FÉ (PROF. MENEZES CORDEIRO E
CÓDIGO DE SEABRA – ARTIGO 1565.º): reminescência do Código
de Seabra, sendo que a má fé assenta em o comprador saber que o bem
não pertence ao vendedor).
Sem esquecer o facto de o verdadeiro proprietário gozar de um regime especial, quem
tem legitimidade para arguir a nulidade da venda de bem alheio nos termos do artigo
286.º? Já se sabe que o legislador criou nesta matéria uma nulidade atípica, mas quão
atípica?
Qualquer interessado tem legitimidade para arguir a nulidade da compra e venda
de bem alheio (exemplo: credor do comprador)
A arguição da nulidade é tanto mais forte quanto a sua extensão a terceiros: subversão
do artigo 892.º. O legislador quis logo delimitar a figura da legitimidade ao falar em
oponibilidade? Quando se estuda as nulidades atípicas quem dá a medida? Tudo o que
não for afastado do regime especial é aplicado o regime geral.
INTERESSES DAS PARTES vs INTERESSES DE TERCEIROS
QUAIS DEVEM PREVALECER? – QUERELA DOUTRINAL
PROF. ANTUNES VARELA, MENEZES CORDEIRO, GALVÃO TELLES,
CARNDEIRO DE FRADA E ROMANO MARTINEZ: os terceiros interessados
podem arguir a nulidade. O artigo 892.º não proíbe/restringe legitimidade a
terceiros, pelo que se aplica a regra geral;
PROF. MENEZES LEITÃO: os terceiros interessados não podem arguir a
nulidade.
PROF. PEDRO EIRÓ: se o legislador não quisesse que terceiros invocassem a
nulidade dizia-o ou então estabelecia uma anulabilidade atípica.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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O Tribunal tem o dever de declarar oficiosamente a nulidade
Imagine-se que o comprador de boa fé exige ao vendedor a entrega da coisa. Ou vice-
versa: comprador culposo vs vendedor de boa fé. Vai-se para tribunal. O tribunal acaba
por perceber que estamos face a um caso de nulidade resultante de uma venda de bem
alheio, sem ninguém a invocar.
O tribunal não pode obrigar o vendedor a entregar a coisa ao comprador porque a coisa
não é dele. Deste modo, deve-se concluir que o tribunal pode conhecer oficiosamente a
nulidade, embora o PROF. MENEZES CORDEIRO discorde desta solução. Na opinião
do PROF. PEDRO EIRÓ quem defende que ele não pode conhecer oficiosamente a
nulidade está a fizer para o tribunal emitir uma sentença que não pode ser cumprida, ou
seja uma sentença contrária à realidade. Deste modo,
PROF. ANTUNES VARELA, RAÚL VENTURA, GALVÃO TELLES E
CARNEIRO DE FRADA: defensores que o tribunal pode conhecer
oficiosamente da nulidade da venda de bem alheio;
PROF. MENEZES LEITÃO, MENEZES CORDEIRO E ROMANO
MARTINEZ: defensores da tese oposta.
NOTA: o Acórdão (17-A) é um bom acórdão quanto à doutrina, mas tem o lapso de não
conter a doutrina do PROF. RAÚL VENTURA. Note-se ainda que o acórdão em causa
defende a tese contrária à que é comumente defendida na doutrina ou seja que (1) os
terceiros interessados não podem arguir a nulidade e que (2) o tribunal não pode
conhecer oficiosamente a nulidade da venda de bem alheio.
Se o comprador danificar a coisa com culpa aplica-se qual regime?
PROF. MENEZES CORDEIRO E CARNEIRO DE FRADA: artigo 1269.º;
PROF. ANTUNES VARELA, MENEZES LEITÃO E EIRÓ: artigo 894.º, uma
vez que estando o comprador convencido que é o titular não tem nenhum ónus
de guarda ou dever especial de cuidado.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Os artigos 895.º a 897.º representam a maior virtualidade deste regime. Existe a
concretização do princípio do favor negotti, que assenta numa obrigação de
convalidação: torna o negócio intocável por equilibrio. A obrigação de convalidação
aplica-se porque é possível repor o contrato em termos equilibrados pelas partes. O
artigo 897.º torna a obrigação de convalidação uma obrigação de meios. Note-se que
nos termos do artigo 896.º a alinea d) é a base do regime, sendo as três alienas
anteriores apenas concretização daquela. A obrigação de convalidação aqui presente é
equivalente ao disposto no artigo 880.º/1: o vendedor tem a obrigação de tornar o bem
presente.
A transmissão do direito, tal como ocorre na venda de bens futuros, ocorre ex nunc.
Quanto à indemnização presente no artigo 898.º e ss, além de ser necessário ler com
especial atenção as referidas normas, passa-se a enunciar breves caracteristicas das
mesmas:
Nos termos do artigo 898.º, existe uma concretização do regime geral do artigo
562.º e ss. Faz referência ao interesse contratual negativo e positivo, conforme o
caso. Exige que um dos contraentes seja doloso.
Nos termos do artigo 899.º, existe uma obrigação do vendedor indemnizar o
comprador de boa fé. É ao vendedor que cabe a garantia da sua legitimidade. A
indemnização é limitada. Trata-se de uma obrigação de indemnização de
responsabilidade obrigacional/contratual. Note-se que este artigo pressupoe dois
tipos de responsabilidade:
Objectiva: limitação do dano indemnizável;
Subjectiva: presunção de culpa nos termos do artigo 799.º, ou seja para
ao vendedor ser apenas aplicada a responsabilidade objectiva é
necessário que afaste esta presunção.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 110
Nos termos do artigo 900.º, existe uma obrigação de convalidação na parte final
do n.º1 e na parte final do n.º2. Tal visa evitar uma sobreposição de
indemnizações.
Nos termos do artigo 901.º (muito curioso!), o verdadeiro titular do direito já
entra aqui, mas mais uma vez existe uma protecção do comprador de boa fé. Da
conjugação do artigo 1273.º com o artigo 1279.º, quanto às benfeitorias, estas
são indemnizáveis ao possuidor de boa fé. Contudo, o legislador decidiu chamar
o vendedor e responsabilizá-lo face ao comprador. QUERELA DOUTRINAL:
PROF. ANTUNES VARELA: o vendedor é estranho a esta relação. Esta
relação é entre o comprador e o verdadeiro proprietário. Deste modo, o
que o artigo 901.º faz é o vendedor fazer de garante de uma obrigação à
qual só o proprietário da coisa está adstrito. Se o vendedor cumprir a
obrigação fica subrogado nos direitos do credor ao devedor principal.
PROF. MENEZES LEITÃO: existem dois co-devedores, sendo que
vendedor cumpre pelo que tem direito de regresso sobre o verdadeiro
proprietário.
Nos termos do artigo 902.º, é necessário não confundir com o regime do artigo
1408.º/2, uma vez que a este último regime não aplica a primeira norma.
Segundo o PROF. PEDRO EIRÓ o artigo 1408.º/2 visa aplicar efectivamente o
regime da venda de bem alheio, excepto o artigo 902.º. O artigo 902.º não se
aplica à compropriedade! O artigo 902.º aplica-se, por exemplo, numa situação
em que esteja em causa a venda de um edifício pertencente a X com um
logradouro pertencente a Y. Ou seja, numa situação em que X vende tanto o
edificio como o logradouro reduz-se o contrato parcialmente, vendendo-se
apenas o edificio do qual X é proprietario.
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Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 111
PROFESSOR LUÍS MENEZES LEITÃO
I - GENERALIDADES
Existe venda de bem alheios, sempre que o vendedor não tenha legitimidade para
realizar a venda, como sucede no caso de a coisa não lhe pertencer ou de o direito que
possui sobre ela não lhe permitir a sua alienação.
O regime da venda de bem alheio consagrada no artigo 892.º e seguintes baseia-se em
certa medda na antiga garantia contra a evicção, oriunda no Direito Romano e ainda
instituída nos artigos 1926.º e seguintes do CC Francês, 1483.º CC italiano e artigo
898.º e seguintes do CC de 1867. De acordo com esa configuração, o vendedor, em
consequência do contrato de compra e venda, garantiria ao comprador a posse pacífica
da coisa vendida, respondendo objectivamente se esta viesse a ser perturbada por uma
pretensão de natureza real apresentada por terceiro. O nosso legislador quis abolir
especificamente esta garantia, por entender que, uma vez instituída a nulidade da venda
de bens alheios (artigo 892.º), não se justificava responsabilizar autonomamente o
vendedor pelo facto de o comprador ser privado do gozo da coisa por terceiro, que a ela
tinha direito, através da imposição de uma garantia contra a evicção. No entando, pese
embora essa intenção, a verdade é que o regime da venda de bens alheios não deixa de
assentar no pressuposto de que a celebração do contrato de compra e venda garante ao
comprador a propriedade da coisa vendida, como se demonstra pelo facto de este
responder objectivamente pelos danos causados ao comprador de boa fé pela venda de
bens alheios (artigo 899.º), bem como em virtude do facto de a lei admitir a estipulação
de cláusulas de não garantia (artigo 903.º/2).
II – PRESSUPOSTOS DA VENDA DE BENS ALHEIOS
1. VENDA COMO PRÓPRIA DE UMA COISA ALHEIA ESPECÍFICA E
PRESENTE, FORA DO ÂMBITO DAS RELAÇÕES COMERCIAIS
Nos termos do artigo 892.º, o legislador considerou nula a venda de bens alheios,
sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar. Note-se que esta solução
não é absoluta, sendo que a nulidade não ocorre:
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 112
Se a venda tiver por objecto coisa futura, uma vez que nesse caso o artigo 893.º
manda aplicar antes o regime da venda de bens futuros, onde se considera válida
a obrigação assumida pelo vendedor (artigo 880.º);
Se está em causa uma venda de coisa genérica que não pertença ao vendedor,
sendo que não poderá naturalmente ser considerada nula, dado que para a sua
estipulação não é necessária a qualidade de proprietário do vendedor, ao tempo
da estipulação do contrato (artigo 539.º e seguinte);
Na compra e venda comercial, sendo que neste âmbito a lei considera
perfeitamente lícita a venda do que for propriedade de outrem (artigo 467.º/2
CCom).
⇓
Em todos estes casos recai, sobre o vendedor, a obrigação de aquisição e entrega ao
comprador das coisas que se comprometeu a vender, não sendo consequentemente
aplicável o regime da venda de bens alheios.
Nos termos do artigo 904.º, o regime da venda de bens alheios também não se aplica se
o vendedor não procede à venda da coisa como própria, mas a venda como alheia,
mesmo que não tenha legitimidade para o fazer. Exemplo: se alguém vende um prédio
em nome e outrem, sem poderes para o fazer (artigo 268.º), ou abusa dos seus poderes
de representação, no caso em que a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso
(artigo 269.º), o contrato é ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário se este não o
ratificar e nunca produz efeitos em relação ao representante, por este não ser parte do
negócio.
Deste modo, o regime da venda de bens alheios, instituído no artigo 892.º e seguintes,
apenas se poderá aplicar se for vendida como própria uma coisa alheia específica e
presente, fora o do âmbito das relações comerciais. Em todos os outros casos, não
poderá ser aplicado o regime da venda de bens alheios.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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É controvertida a questão de saber se o vendedor após a celebração da venda tornar a
vender a coisa a outrem, que regista primeito a sua aquisição. Nesse caso, uma vez que
o segundo adquirente acaba por se tornar proprietário da coisa, é manifesto que em
relação a ele não se pode sustentar a aplicação do regime da venda de bens alheios. No
entanto, a situação do primeito adquirente também não se enquadra no regime da venda
de bens alheios, uma vez que o bem pertence ao vendedor no momento em que foi
vendido – QUERELA DOUTRINAL
ALGUMA DOUTRINA (RUBINO): existe neste caso uma especifica
responsabilidade aquiliana do vendedor em relação ao primeiro contraente;
OUTRA DOUTRINA (BIANCA): é necessário aplicar o reime da garantia pela
evicção;
PARA OUTRA DOUTRINA (GORLA): a situação deverá ser qualificada como
uma responsabilidade contratual do vendedor por incumprimento da sua
obrigação de conservar a aquisição do primeiro comprador.
No entendimento do PROFESSOR MENEZES LEITÃO, a situação enquadrar-se-ia no
âmbito da garantia contra a evicção e dado que foi intenção do legislador substituir essa
garantia pelo regime da venda de bens alheios, parece que não será forçado defender a
aplicação analógica deste regime.
2. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE PARA A VENDA
O vendedor tem de carecer de legitimidade para efectuar a alienação em causa. Em
princípio, essa legitimidade apenas é atribuida ao proprietário, mas a lei por vezes
estende-a a outras entidades, como o credor pignoratício (credor cujo direito se encontra
garantido por um penhor), mediante prévia autorização judicial ou o Estado, no caso da
venda em execução dos bens do executado.
Sendo a venda celebrada por um representante do proprietario, nos limites dos poderes
que lhe competem, é o proprietario considerado como o verdadeiro sujeito do negócio
(artigo 258.º), pelo que naturalmente não se aplicará o regime em análise. Igualmente se
se vender uma coisa alheia no âmbito de uma representação sem poderes (artigo 268.º),
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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designadamente na gestão de negócios representativa (artigo 464.º a 471.º), não haverá
aplicação deste regime, cabendo ao comprador a possibilidade de revogar ou rejeitar o
negócio, enquanto o proprietário não o ratificar, salvo se no momento da celebração
conhecia a falta de poderes do represnetante (artigo 268.º/4).
Existirá a aplicação do regime da venda de bens alheios quando for vendida como
própria coisa alheia, ainda que no interesse do seu eitular, como sucede no mandato sem
representação para alienar (artigo 1180.º e seguintes) e na gestão de negócios não
representantiva (artigo 471.º), a menos que o titular do direito venha posteriormente a
regularizar a situação através da assunção das obrigações do vendedor ou da
transmissão para este do bem vendido (artigo 1182.º). Seguindo o entendimento do
PROFESSOR ROMANO MARTINEZ, o PROFESSOR MENEZES LEITÃO considera
que efectivamente, se o gestor de negócios ou o mandatário vendem a coisa como
própria, e uma vez que o comprador é estranho à sua relação com o proprietário, há que
aplicar o regime da venda de bens alheios, a menos que a situação venha ser
regularizada ao abrigo do artigo 1182.º
Mesmo faltando a legitimidade do vendedor, a lei em certos casos, por razões de tutela
da aparência ven considerar válida a alienação. Exemplo: venda de bens da herança
efectuada por herdeiro aparente a terceiro de boa fé (artigo 2076.º/2); venda d ebem
sujeito a registo efectuada a terceiro de boa fé por vendedor que adquiriu esse bem com
base em negócio nulo ou anulável (artigo 291.º); venda de bem sujeito a registo
efectuada pelo titular do registo a seu favor a comprador de boa fé, que procede ao
registo da sua aquisição nestas situações, naturalmente que a falta de legitimidade do
vendedor não impede a consideração como válido do negócio e daó que não se verifique
a aplicação da venda de bens alheios.
III – EFEITOS DA VENDA DE BENS ALHEIOS
1. NULIDADE DA VENDA E OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
O nosso legislador consagrou, por influência do direito francês, a solução da nulidade
da venda de bens alheios, tendo como fundamento que, sendo a venda um contrato
translativo da propriedade, a sua celebração por um não proprietário deveria acarretar a
nulidade do negócio.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Contudo, esta solução de nulidade neste regime tem pouco em comum com o regime
geral da nulidade.
Na venda de bens alheios intitui-se uma categoria de nulidade sujeita a um regime
especial, que se afasta das regras gerais, não apenas quanto à legitimidade para a sua
arguição (artigo 286.º), mas também quanto ao regime da obrigação de restituição
(artigo 289.º).
LEGITIMIDADE PARA ARGUIR A NULIDADE: é proibida a sua invocação
pela parte que estiver de má fé contra a outra de boa fé, sendo mesmo vedada em
qualquer caso ao vendedor a sua invocação sempre que o comprador esteja de
boa fé (artigo 892.º in fine)*. Relativamente a terceiros, não parece que eles
possam invocar a nulidade, uma vez que a sua instituição é claramente
estabelecida no interesse apenas das partes. Mesmo o verdadeiro proprietário
não terá legitimidade para invocar a nulidade, já que em relação a ele o contrato
será sempre ineficaz (artigo 406.º/2), pelo que ele será sempre admitido a
exercer a reivindicação (artigo 1311.º com excepção dos casos em que
ocorrer uma aquisição tabular ou a usucapião em benefício do comprador ou
quando a lei considere eficaz a alienação perante o verdadeiro proprietário), sem
ter que discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu na
venda. Também não parece que esta nulidade possa ser oficiosamente declarada
pelo tribunal, uma vez que tal redundaria numa forma de elidir as proibições da
sua invocação.
RATIO:* Se as suas partes procederam maliciosamente, sabendo ambas
que a res pertencia a terceiro, mas agindo como se assim não fosse,
nenhuma merece protecção, e qualquer delas pode obter a declaração
judicial da nulidade do contrato, com a consequente restituição do preço
pago, porque esse é o interesse da ordem jurídica. Se o comprador actuou
de boa fé, convicto de que o proprietário era o vendedor, então não
poderá este opor-lhe a nulidade, sem que importe que na sua parte tenha
havido boa fé também: o vendedor, ainda que haja ceelbrado o contrato
na ignorância do vício, deve racionalmente mantê-lo e sujeitar-se às suas
consequências. A acção de nulidade só será negada ao comprador e
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 116
concedida ao vendor na hipotese menos provável de má fé do primeiro e
boa fé do segundo.
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO: nos termos do artigo 894.º consagra-se um
regime bastante afastado d aobrigação de restituição por invalidade do negócio e
próximo da restituição por enriquecimento sem causa (artigo 479.º e 480.º), na
medida em que faz variar o conteúdo da obrigação de restituição, consoante
exista ou não boa fé do obrigado. Efectivamente, se o comprador estiver de má
fé, parece que por argumento a contrario do artigo 894.º/1, não poderá pedir a
restituição do preço da venda, mas apenas o enriquecimento do vendedor. Caso
o comprador esteja de boa fé, pode pedir a restituição do preço ‘’ainda que os
bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou tenham diminuido de valor por
qualquer outra causa’’.
A restrição da parte final do n.º1 é de dificil compreensão em sede de invalidade, uma
vez que, no ambito dos artigos 289.º e 290.º, uma situação deste tipo não impede o
comprador de exigir a restituição do preço, obrigando-o apenas a restituir
simultaneamente o valor correspondente à coisa recebida. O artigo 894.º só se
compreende por isso se se entender que, ao contrário do que resulta do artigo 289.º,
neste caso a restituição do comprador de boa fe fica exclusída ou limitada em virtude do
perecimento ou deterioração da coisa recebida. Trata-se da aplicação do limite do
enriquecimento (artigo 479.º/2) a esta restituição, o que é confirmado pelo artigo 894.º/2
ao se prever que, caso ocorra proveito para o comprador em virtude da perda ou
diminuição de valor dos bens, esse proveito deve ser abatido na restituição ou
indemnização a pagar pelo vendedor. A lei determina assim, para a parte que está de
boa fé, apenas a restituição do enriquecimento, obrigando a restituir o obtido à custa de
outrem para a parte de má fé, o que leva a concluir que o artigo 894.º determina uma
restituição por enriquecimento sem causa, que em tudo se harmoniza com os artigos
479.º e 480.º.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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TESE DO PROF. MENEZES CORDEIRO, CARNEIRO DE FRADA E MOTA
PINTO: considera aplicável o artigo 1269.º no ambito da venda de bens alheios,
restrigindo em consequencia a aplicação do artigo 894.º/1 se o comprador de boa fé
danificar com culpa os bens PROFESSOR MENEZES LEITÃO seguindo a posição
do PROFESSOR ANTUNES VARELA: quando aplica esta disposição, mesmo à perda
ou deterioração culposa dos bens por parte do comprador, por considerar que o
comprador tem neste caso uma protecção superior à que resultaria da sua simples
condição de possuidor de boa fé, e que não deve responder por tais eventos,m porque,
julgando que a coisa ou o direito lhe pertence, se não pode exigir dele os cuidados que
em regra se devem ter na guarda e preservaçãoo de coisa alheia. Efectivamente, ao
contrário do que sucede na posse (artigo 1269.º), no ambito do enriquecimento sem
causa o devedor de boa fé não responde pela perda ou deterioração culposa do objecto a
restituir, mas apenas pelo seu enriquecimento (artigo 479.º/2), só se lhe aplicando
aquela responsabilidade em caso de má fé (artigo 480.º). sendo assim, a solução legal é
distina da aplicação do regime da posse, não podendo aceitar-se uma interpretação
restritiva do artigo 494.º, baseada nesse regime.
2. EVENTUAL CONVALIDAÇÃO DO CONTRATO
A nulidade da venda de bens alheios pode ser sanada se se verificar a posterior
aquisição da propriedade pelo alienante – artigo 895.º. Sendo a coisa vendida como
própria o contrato só não produz o efeito translativo que o deveria caracterizar (artigo
879.º a)) em virtude de se verificar o impedimento originário de a coisa vendida não
pertencer ao vendedor. Desaparecido esse impedimento, não há motivo para deixar de
atribuir ao contrato os efeitos que estes originariamente deveria produzir. O artigo 895.º
determina a convalidação do contrato, com a consequente verificação da transferência
da propriedade.
Nos termos do artigo 896.º consagram-se algumas restrições à possibilidade de
convalidação da venda de bens alheios (situaçõe em que não ocorre a convalidação do
contrato)
Pedido judicial de declaração de nulidade do contrato, formulado por um dos
contraentes contra o outro; no entanto e conforme resulta do artigo 896.º/2 e do
artigo 892.º a invocação da nulidade não pode ser efetuada pelo vendedor contra
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o comprador de boa fé, nem pelo comprador doloso contra o vendedor de boa fé,
pelo que se o pedido judicial corresponder a alguma destas situações, a
convalidação do contrato não será impedida;
Restituição do preço ou pagamento de indemnização, no todo ou em parte, com
aceitação do credor;
Transacção entre os contraentes, na qual se reconheça a nulidade do contrato;
Declaração escrita, feita por um dos estipulantes ou outro, de que não quer o
contrato deixe de ser declarado nulo; no entanto e nos termos do artigo 896.º/2 e
892.º, essa declaração será irrelevante e não impedirá a convalidação do contrato
se vier a ser oposta pelo vendedor ao comprador de boa fé ou pelo comprador
doloso de voa fé.
Em suma, na venda de bens alheios estamos face a uma nulidade provisória, que pode
ser sanada mediante a aquisição da propriedade, salvo os casos do artigo 896.º.
Verificando-se a sanação da invalidade, o contrato produz imediatamente o seu efeito
translativo, ficando assim o comprador investido na titularidade do bem.
3. OBRIGAÇÃO DE CONVALIDAÇÃO
Em caso de boa fé do comprador, o vendedor é obrigado a sanar a ulidade da venda,
adquirindo a propriedade da coisa o direito vendido – artigo 897.º Quando o comprador
está de boa fé tem direito a que o efeito translativo, que não resultou automaticamente
da celeração do contrato, venha a ser postriormente produzido, adquirindo um direito de
crédito sobre o vendedor a que este proceda à aquisição do bem, o que determina a
convalidação do contrato e a consequente transmissão da propriedade para o comprador
– artigo 895.º. O cumprimento desta obrigação dependerá da concordância do titular do
direito, dado que, se este não puder ou não quiser proceder à alienação do bem, nada
poderá o vendedor fazer. A obrigação do vendedor só é cumprida se for ele proprio a
adquirir o bem. Se o vendedor proporcionar ao comprador a aquisição da propriedade
por outra via, a situação corresponderá antes a uma dação em cumprimento. Nos casos
em que o vendedor esteja obrigado á convalidação do contrato, o comprador poderá
solicitar judicialmente a declaração de nulidade do contrato apenas a título subsidiário.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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4. INDEMNIZAÇÃO
a) INDEMNIZAÇÃO POR QUALQUER DAS PARTES EM CASO
DE DOLO
Encontra-se consagrada no artigo 898.º, sendo que a expressão dolo encontra-se aqui
utilizada no mesmo sentido do que o referido no artigo 253.º e tambem designada ma fe,
nao pressupondo, por isso apenas o ilicito intencional, mas tambem o praticado com
negligencia consciente.
Esta aqui em causa a dissimulação do caracter alheio atraves do emprego desugestões
ou artificios com o fim de enganar ou manter em erro a outra parte. Estando esta de boa
fé, adquire por isso o direito a ser indemnizada pelos danos causados variando a
indemnização consoante a nulidade da venda de bens alheios tenha sido sanada ou nao:
Nulidade sanada: a indemnização toma por base os danos causados por o
contrato não ser ab initio valido, abrangendo assim o interesse contratual
positivo;
Nulidade não sanada: a indemnização limita-se aos danos que não ocorreriam se
o contrato não tivesse sido celebrado, ou seja ao interesse contratual negativo –
solução tipica da culpa in contrahendo (artigo 227.º). Sendo nulo o contrato não
se justifica qualquer interesse de cumprimento no ambito da indemnização.
Se não existir dolo de qualquer das partes, por ambas se encontrarem em erro sobre o
caracter alheio da coisa, naturalmente que nenhuma delas poderá ser responsabilizada
nos termos do artigo 898.º, mesmo que tenha actuado com culpa. Se a culpa pela
celebração da venda de bens alheios for do comprador, ele não será sujeito a qualquer
especie de responsabilidade. Se for do vendedor, a situaçao é enquadrada no ambito do
artigo 899.º.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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b) INDEMNIZAÇÃO PELO VENDEDOR AO COMPRADOR DE
BOA FÉ, COM FUNDAMENTO NA GARANTIA DA SUA
LEGITIMIDADE
Encontra-se consagrado no artigo 899.º, sendo que aqui se estabelece, em relação ao
vendedor, uma responsabilidade objectiva pelos danos causados ao comprador, a qual
não atribui uma reparação integral. O vendedor responde sempre objectivamente pelos
danos emergentes, mas não pelos lucros cessantes sofridos pelo comprador em virtude
da sua falta de legitimidade, desde que não tenham resultado despesas volumptuárias.
Em relação a estas, bem como aos lucros cessantes, a sua indemnização depende do
facto d eo vendedor ter actuado com dolo ou negligência. Quanto à questão de saber a
quem deve competir o ónus da prova da culpa do vendedor, parece que, estando em
causa o incumprimento de uma garantia, o vendedor deve-se presumir culpado nos
termos do artigo 799.º, pelo que a limitação da sua responsabilidade aos danos
emergentes não resultantes de despesas volumptuárias dependerá de ele ter elidido a
presunção que sobre ele recaia.
c) INDEMNIZAÇÃO PELO VENDEDOR AO COMPRADOR DE
BOA FÉ POR INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE
CONVALIDAR O CONTRATO
Em caso de boa fé do comprador, o vendedor é obrigado a sanar a nulidade da venda,
adquirindo a propriedade da coisa ou o direito vendido. Sendo esta uma obrigação como
qualquer outra (artigo 397.º), naturalmente que o vendedor estará sujeito, nos termos
gerais à responsabilidade obrigacional, em caso de incumprimento (artigo 798.º e ss),
impossibilidade culposa (artigo 801.º e ss) ou mora no cumprimento (artigo 804.º e ss).
Esta indemnização abrange naturalmente o interesse contratual positivo.
Nada impede o comprador de boa fe de exigir indemnização ao vendedor com este
fundamento o qual é cumulável com os fundamentos anteriormente referidos – artigo
900.º/1. Esta cumulação é excluida em relação à indemnização por lucros cessantes
resultantes de dolo do vendedor (artigo 898.º), admitindo-se ai apenas um concurso
alternativo de pretensões – artigo 900.º/2.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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5. GARANTIA DA RESTITUIÇÃO DAS BENFEITORIAS
Quanto às benfeitorias é necessário atender ao artigo 1273.º/1 e 2. Adquirindo o
comprador, na venda de bens alheios, a posse titulada do bem, terá direito assim,
independnetemente da sua boa ou má fé, a exigir do proprietário a restituição das
benfeitorias, necessárias ou úteis, que tenha feito na coisa, podendo ter inclusivamente
direito de retenção da coisa (artigo 754.º), salvo se estiver de má fé (artigo 756.º b)).
O direito do comprador ao reembolso das benfeitorias ocorre no âmbito das relações
proprietario possuidor, as quais o vendedor seria, em principio, estranho. O artigo 901.º
atribui ao comprador de boa fe a possibilidade de exigir, não apenas ao proprietario,
mas tambem ao vendedor, o seu direito ao reembolso das beifeitorias. Deste modo, o
vendedor tem que satisfazer o comprador, quando lhe for exigido, o reembolso das
benfeitorias que ele fez na coisa podendo posteriormente exercer contra o proprietario o
direito de regresso em relação a tudo o que houver pago, dado que é o proprietario que
adquire o beneficio correspondente as benfeitorias.
6. CASOS ESPECIAIS
a) VENDA DE BENS PARCIALMENTE ALHEIOS
Neste caso é necessário atender ao artigo 902.º que admite a possibilidade de o contrato
valer na parte restante por aplicação do artigo 292.º, determinado que nesse caso
aplicar-se-ão as disposições antecedentes quanto à parte nula e reduzir-se
proporcionalmente o preço estipulado.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Esta situação de venda de bens parcialmente alheios pode suceder nas seguintes
situações:
i. O vendedor aliena toda uma coisa, quando é apenas dono de uma parte material
da mesma. Exemplo: vendedor inclui na venda do seu edificio o logradouro
pertencente a um vizinho; vendedor abrange na venda de uma biblioteca alguns
livros pertencentes a terceiro verificou-se parte do efeito translativo que se
encontrava estipulado no contrato, o que constitui uma hipotese de invalidade
parcial, havendo que aplicar o artigo 292.º que determina que o negócio só será
totalmente nulo se s epuder concluir que ele não teria sido celebrado sem a parte
viciada (neste caso, seria aplicável o regime da venda de bens alheios). Caso se
admita a redução do negócio haverá que proceder a uma limitação da aplicação
desse regime à parte viciada, mantendo-se vigente o negócio quanto à parte
váçida, com uma redução do preço respectivo, redução essa que s eopera através
de uma diminuição da quantia devida na exacta medida em que não se verificou
o efeito translativo.
ii. O vendedor aliena toda a coisa, quando é dono apenas de uma quota abstracta da
mesma (compropriedade) – não se aplica o artigo 902.º, uma vez que o artigo
1408.º/2 considera neste caso integralmente aplicável o regime da venda de
coisa alheia.
b) VENDA DE COISA INDIVISA POR APENAS UM DOS SEUS
TITULARES
Exemplo: um dos co-titulares vende uma parte especificada ou a totalidade da coisa,
sem consentimento dos restantes. A lei exige a unanimidade dos co-titulares para os
actos de disposição sobre uma coisa indevisa, apenas permitindo a disposição isolada da
própria quota é manifesto que existirá falta de legitimidade (artigo 892.º), sempre que
um acto de disposição sobre a totalidade ou parte da coisa indivisa seja praticado sem o
consentimento dos restantes titulares. Deste modo o artigo 1408.º/2 consagra a
aplicação do regime da venda de bens alheios, existindo a consequente nulidade integral
do negócio (artigo 894.º), salvo se o vendedor vier a adquirir as quotas dos restantes
consortes (artigo 895.º).
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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7. RESTRIÇÕES CONVENCIONAIS AO REGIME DA VENDA DE BENS
ALHEIOS
Nos termos do artigo 902.º consagra-se a possibilidade de as partes, ao abrigo da
autonomia privada, estabelecerem um regime diferente de garantia contra a falta de
legitimidade do vendedor. Excepção: situação de o contraente a quem a convenção
aproveitaria houver actuado com dolo e de boa fé o outro estipulante, uma vez que nesse
caso não se esta´ra perante um efectivo exercício da autonomia privada. Haverá limites
à estipulação das partes já que, se a responsabilidade do vendedor por facto próprio for
totalmente excluída, tal constituirá uma cláusula de exclusão da responsabilidade,
proibida pelo artigo 809.º.
Uma das formas de derrogar a aplicação do regime da venda de bens alheios consiste na
cláusula em que o vendedor declara que não garante a sua legitimidade e não responde
ela evicção. Neste caso é de atender ao artigo 903.º, sendo consequentemente, essa
cláusula apenas se traduz numa exclusão da responsabilidade pelos danos, mas não
exonera o vendedor da obrigação de restituir integralmente o preço recebido, a
compensar com um eventual enriquecimento do comprador.
PROF. ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ARTIGO 892.º a
904.º
(Ver páginas 183 a 196)
12 de Novembro – Aula 11
ARTIGO 905.º a 912.º CC - VENDA DE BENS ONERADOS
Nos termos do artigo 905.º CC, entende-se por venda de bens onerados quando o
exercício normal da compra e venda tiver sido perturbado por um vício no direito, sendo
que o comprador, no momento em que celebra o contrato, não o conhece.
Se o comprador conhecer o conteúdo do direito tal como ele é e mesmo assim aceita
(com ónus ou limitação) não pode depois vir pedir a anulabilidade do contrato. O
contrato assegura por si só a justiça interna: o que é contratual é justo.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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No Acórdão da Relação de 22-04-2004, o Tribunal considerou que como o ónus se
encontrava registado não se justificava a aplicação do artigo 905.º CC.
Os ónus ou limitações que não excedam os limites normais inerentes ao direito da
mesma categoria não caem no âmbito de incidência e aplicação do artigo 905.º CC. O
artigo 905.º CC serve apenas para proteger o comprador que estava em erro sobre uma
circunstância daquele contrato e que consequentemente o tornou desiquilibrado. Quando
se refere na norma em análise ''excedam os limites normais inerentes aos direitos da
mesma categoria'' tal é uma manifestação lógica da aplicação desta norma.
Contudo, ambas as partes podem pedir a anulabilidade do contrato, se estiverem em
erro, nos termos do artigo 287.º CC com fundamento no artigo 251.ºCC. Não se pode
proteger o comprador de um limite que à partida abrangeria todos os compradores. Se a
limitação do direito resulta de uma norma geral e abstracta não faz sentido desproteger o
vendedor aplicando o regime do artigo 905.º CC.
Existindo um contrato promessa e desconhecendo-o o comprador, tal desiquilibra o
contrato para ele? Se o contrato promessa tiver apenas eficácia obrigacional, tal não
afecta em nada a posição do comprador, sendo apenas um problema entre o promitente
vendedor e o promitente comprador, salvo se aplicarmos a doutrina do terceiro
cúmplice. Se mesmo assim o comprador não gostar desta situação poderá tentar anular o
contrato, mas não pode aplicar o artigo 905.º CC.
Existindo a venda de um bem, sendo que esse bem está arrendado, o arrendamento
comprime a vertente de gozo que faz parte do direito de propriedade que o comprador
adquire, nos termos do artigo 1057.º CC. O arrendamento já seria o caso de uma
limitação que não é geral e abstracto para os direitos do comprador, pelo que se poderá
aplicar o regime consagrado no artigo 905.º e seguintes CC. O mesmo sucede caso
exista uma hipoteca.
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Deste modo, para a aplicação do artigo 905.ºe seguintes CC é necessária uma
compressão do direito, que não seja expectável ao comprador, sendo-lhe
oponível/eficaz. Só quando o afectar é que o comprador se encontra afectado,
nomeadamente no preço que pagou.
A pessoa quando compra o direito não o compra sem mais: a pessoa quer as faculdades,
os poderes, as vantagens que esse direito acarreta. Nos casos do artigo 905.º e seguintes
CC, o comprador comprou o direito mas com limitações (não decorrentes de normas
gerais e abstractas) que não são aceitáveis.
Existindo uma escritura pública, começa-se por consagrar que o bem ou direito é
vendido livre de ónus ou encargos. Mas esquecendo-se de se dizer isto, não há problema
porque é suposto que se vendam os bens livres de ónus ou encargos, porque quando se
está a comprar um direito está-se a comprá-lo com todas as faculdades que é suposto ter.
No acórdão que foi analisado, na escritura pública diz se que o bem é vendido livre de
ónus ou encargos, mas depois este é invocado. O Tribunal considerou tal uma enorme
confusão. O ónus encontrava-se registado, mas como não se percebe o conteúdo da
limitação o tribunal considerou que tal não era suficiente. Segundo o PROF. ANTUNES
VARELA, o facto de estar registado não preclude a aplicação destas normas, ou seja,
não basta estar registado. O que é o registo e o que é este tipo de venda? Não basta o
bem estar registado para impedir a aplicação do artigo 905.º e seguintes CC? A verdade
é que a secção do artigo 905.º e seguintes destina-se a proteger o comprador; o registo
por sua vez visa proteger terceiros. Existe alguma disfunção nesta relação. Deste modo,
não basta o ónus ou limitação estar registado para impedir a aplicação desta secção.
Note-se que não é requisito de relevância do erro, o erro ser indesculpável. Mas como é
que se reage a um erro indesculpável? O errante/comprador violou deveres de
diligência, logo se quiser anular o contrato poderá ter que indemnizar o vendedor
(responsabilidade civil), sendo que em casos limites poderemos ainda estar face a um
caso de abuso de direito.
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O artigo 905.º CC prevê a anulabilidade como consequência, sendo que é um regime
especial: prevê-se algumas especialidades que se verificam em basicamente dois
aspectos:
convalescência (artigo 906.º e 907.º)
Como é que se distingue da Confirmação (artigo 288.º CC)?
O que está em causa na aplicação no artigo 906.º e 907.º é que a pessoa estava
em erro sobre a limitação do bem, mas sendo extinto o ónus não existe qualquer
vício. Sendo extinto o ónus que justificação o comprador tem para não manter o
contrato? Se ele entretanto pediu a anulação pode se justificar já não querer a
convalescência, mas em situações normais não existirá razão para tal. A
convalescência é o poder de manter o negócio sem o vício, mas o negócio é o
mesmo.
redução do preço (artigo 911º)
Como se distingue da redução (artigo 292.º CC)?
A redução do artigo 292.º é a invalidada parcial do contrato; no artigo 911.º o
negócio mantém-se com todas as cláusulas, mas existe uma redução do preço de
modo a adaptar-se às limitações que o direito possui. O ónus da prova que
resulta do artigo 292.º favorece a redução do negócio por invalidada. Quem quer
impedir a redução é que terá de demonstrar que não teria celebrado o negócio
sem a parte viciada que agora está a ser expurgada. No artigo 911.º, o comprador
pode adoptar entre anular com fundamento no erro ou reduzir o preço. Do lado
do vendedor, perante um pedido de anulação pode tentar defender-se com a
redução, sendo que se conseguir provar que o comprador teria igualmente
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adquirido os bens por preço inferior, o comprador não tem qualquer argumento.
Parece que o vendedor pode excepcionar com a reduçao face a um pedido de
anulação. E se o comprador quiser apenas reduzir o preço para um milhão
(quando havia pago 2milhões), concordando com tal o tribunal, mas o vendedor
diz que por esse preço não vende e fica demonstrado que ele nunca teria vendido
se fosse por um milhão. QUERELA DOUTRINAL:
PROF. NUNO PINTO DE OLIVEIRA: não é admissível obrigar o
vendedor a vender nestas situações porque está em causa um aspecto
fundamental da autonomia privada que é a liberdade de não contratar. é
uma opinião minoritária.
Grande parte da doutrina: o vendedor está ‘’frito’’; o tribunal deverá
obrigar a redução do preço; o bem está vendido (isto funciona mesmo
que o vendedor estivesse de boa fé)
PROF. PEDRO EIRÓ: critério da protecção do comprador justifica esta
brutalidade face ao vendedor?
Quanto à obrigação de indemnizar, tal é muito semelhante à venda de bens alheios, com
algumas diferenças (artigo 909.º - não exclude despesas voluptuárias).
NOTA:Acórdão do STJ (19) - " só disparates". Acórdão (23) e (25) a - muitos bons
acórdãos!
PROFESSOR MENEZES LEITÃO
I – PRESSUPOSTOS DA VENDA DE BENS ONERADOS
A venda de bens onerados encontra-se consagrada no artigo 905.º, sendo que o
caracteriza é o facto de existir um ónus ou limitações no direito transmitido. Esse ónus
ou limitações constituem vícios do direito, afectando assim a situação jurídica e não as
qualidades fácticas da coisa. Contudo, para poderem determinar a aplicação do regime
da venda de bens onerados, esses ónus ou limitações têm que exceder os limites normais
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inerentes aos direitos da mesma categoria. Deste modo, não é qualquer ónus ou
limitação existente que permite a aplicação deste regime, mas apenas aqueles que
normalmente não se verificam aquando da transmissão deste tipo de direitos. Exemplos:
Direitos reais de gozo (usufruto, uso e habitação, servidões prediais, etc) ou de
garantia sobre a coisa vendida (consignação de rendimentos, penhor, hipoteca,
privilégios ou retenção);
Locação a outrem ou objecto de apreensão judicial (penhora, arresto,
arrolamento, etc.)
Bem objecto de expropriação por utilidade pública;
Restrições impostas aos bens por razões ambientais, artísticas, históricas,
servidões militares;
A coisa vendida infringir direitos intelectuais de outrem (direitos de autor ou a
propriedade industrial)
Existência de irregularidades jurídicas no bem vendido, que impeçam o gozo ou
a disposição deste pelo comprador, desde que a situação não seja por lei sujeita a
considerações especiais.
Não se aplicará às restrições derivadas das relações de vizinhança, às servidões legais
ou às restrições à edificabilidades impostas por planos directores por constituirem
limites normais aos direitos da mesma categoria!
A lei não contemplou a hipotese de o vendedor assegurar ao comprador a existência de
especiais vantagens jurídicas em relação à coisa, que excedam o normal nos direitos da
mesma categoria, mas que depois se verifica não existirem (exemplo: servidões activas
sobre o prédio vizinho, beneficios fiscais ou edificabilidade com certas caracteristicas):
DOUTRINA ITALIANA: aplicabilidade do regime da venda de bens onerados
por analogia;
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ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS:
PROFESSOR ANTUNES VARELA: Regima da venda de coisas
defeituosas;
PROFESSOR CARNEIRO DE FRADA: aplicação do regime geral do
incumprimento com as matizes impostas pela proximidade com a venda
de bens onerados;
PROFESSOR MENEZES LEITÃO: aplicação analógica do regime da
venda de bens onerados.
II – EFEITOS DA VENDA DE BENS ONERADOS
i. ANULABILIDADE DO CONTRATO POR ERRO OU DOLO
A lei estabelece para a venda de bens onerados um desvalor menos grave do que na
venda de bens alheios, não considerando o contrato nulo, mas apenas anulável.
Efectivamente o contrato é anulável, por erro ou dolo, desde que se verifiquem no caso
concreto os requisitos legais da anulabilidade:
Em caso de erro exige-se a essencialidade e a cognoscibilidade dessa
essencialidade do erro para o declaratário (artigo 251.º e 247.º).
Em caso de solo basta que o dolo tenha sido determinante da vontade do
declarante (artigo 254.º/1), salvo se provier de terceiro, caso em que se exige
igualmente que o destinatário conhecesse ou devesse conhecer a situação (artigo
254.º/2).
ii. EVENTUAL CONVALESCÊNCIA DO CONTRATO
Esta anulabilidade é objecto de uma regulação especial, uma vez que o artigo 906.º/1
admite que esta fique sanada se vierem a desaparecer por qualquer modo os ónus ou
limitações a que o direito estava sujeito. Existe um desvio do artigo 906.º/1 ao artigo
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288.º. A posterior extinção do ónus ou limitação retira ao comprador o interesse em
solicitar a anulação do negócio, pelo que estabelece automaticamente a sua
convalescência, em caso de ocorrer a extinção dos vícios do direito.
A solução é um tanto ou quanto artificial, na medida em que depende de a posição do
comprador não ter sido por alguma forma afectada em consequência dos vícios do
direito. A lei dispoe que a anulabilidade persiste se a existência dos onus ou limitações
já houver causado prejuízo ao comprador ou se este já tiver pedido em juízo a anulação
da compra e venda (artigo 906.º/2). Se o comprador solicitar em juizo a anulação da
compra e venda a anulabilidade subsiste, apesar da extinção dos onus ou limitações.
Parece, contudo, que, por analogia com o artigo 897.º/2, essa anulação do contrato pode
ser pedida a titulo subsidiário para a hipotese de o vendedor não realizar a expurgação
no prazo a que seja obrigado (artigo 907.º/1).
iii. OBRIGAÇÃO DE FAZER CONVALESCER O CONTRATO E DE
CANCELAMENTO DOS REGISTOS
A lei estabelece para o vendedor a obrigação de sanar a anulabilidade do contrato,
mediante a expurgação dos ónus ou limitações existentes (artigo 907.º/1). Pode assim o
comprador requerer em lugar da anulação do contrato a expurgação dos ónus ou
limitações. A obrigação de efectuar a expurgação depende naturalmente da existência de
erro do comprador relativamente à existência de ónus ou limitações, já que, se o
comprador tivesse conhecimento da existência desses ónus ou limitações, tal significaria
que o bem foi vendido nessas condições, tendo o seu preço sido fixado tomando em
consideração a desvalorização que os ónus ou limitações implicam.
Constituindo a expurgação uma obrigação do vendedor, cabe ao comprador exigir-lhe o
seu cumprimento, não lhe sendo permitido substituir-se ao vendedor nesse acto para
efeitos de exigir-lhe o posterior reembolso do que tivesse despendido. Nada impede,
porem, o comprador de proceder à expurgação à sua propria custa, se assim entender.
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iv. INDEMNIZAÇÃO
a) INDEMNIZAÇÃO EM CASO DE DOLO
Encontra-se prevista nos termos do artigo 908.º, sendo que a expressão ‘’dolo’’ nele
inserido possui o mesmo sentido daquele que consta no artigo 253.º e também
designada má fé, não pressupondo, por isso, apenas o ilicito intencional, mas também o
praticado com negligência consciente.
Está aqui em causa a dissimulação pelo vendedor dos ónus ou limitações existentes na
coisa através do emprego de sugestões ou meios artificiosos com o fim de enganar ou
manter em erro o comprador. Sendo anulado o contrato com esse fundamento, este
adquire o direito a ser indemnizado pelos danos causados, sendo a indemnização
limitada aos danos que não ocorreriam se o contrato não tivesse sido celebrado, ou seja,
ao interesse contratual negativo, o que mais uma vez constitui uma solução tipica da
culpa in contrahendo (artigo 227.º). Esta indemnização permite abranger tanto danos
emergentes como lucros cessantes, incluindo designadamente os prejuizos causados
pela privação do capital correspondente ao pagamento do preço, o facto de não ter
podido aplicar esse capital numa operação mais vantajosa, as despesas judiciais com a
acção de anulação, etc.
b) INDEMNIZAÇÃO EM CASO DE SIMPLES ERRO
Encontra-se consagrado no artigo 909.º, sendo o fundamento desta responsabilização o
pressuposto de o vendedor, no momento em que procede à venda do bem, dever
garantir, independentemente de culpa sua, que o bem vendido se encontra livre de ónus
ou encargos, respondendo pelos danos causados se tal não se verificar. O vendedor
responde sempre objectivamente pelos danos emergentes, mas não pelos lucros
cessantes, sofridos pelo comprador em virtude da aquisição do bem sujeito a ónus ou
limitações. Admite-se, ao contrário do que se estabeleceu no artigo 899.º, neste caso que
os danos emergentes abranjam a realização de despesas volumpturárias.
c) INDEMNIZAÇÃO POR INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
DE FAZER CONVALESCER O CONTRATO
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Sendo a obrigação de expurgação dos ónus ou limitações existentes uma obrigação
como qualquer outra (artigo 297.º), naturalmente que o vendedor estará sujeitos, nos
termos gerais, à responsabilidade obrigacional, em caso de incumprimento (artigo 798.º
e seguintes), impossibilidade culposa (artigo 801.º e seguintes) ou mora no
cumprimento (artigo 804.º e seguintes).
Nada impede, por isso, o comprador de exigir indemnização ao vendedor também com
este fundamento, o qual é cumulável com os fundamentos anteriormente referidos. O
artigo 910.º/1 admite efectivamente um conrcuso de pretensões neste âmbito. Esta
cumulação vem a ser excluída em relação à indemnização por lucros cessantes
resultantes de dolo do vendedor, nos termos do artigo 908.º, admitindo-se ai apenas um
concurso alternativo de pretensões dado que o artigo 900.º/2 estabelece que ‘’no caso
previsto no artigo 908.º, o comprador escolherá entre a indemnização dos lucros
cessantes pela celebração do contrato que veio a ser anulado e a dos lucros cessantes
pelo facto de não ser sanada a anulabilidade’’.
v. REDUÇÃO DO PREÇO
Tal encontra-se expressamente consagrado no artigo 911.º/1, ou seja a redução do preço
aparece assim como uma alternativa à anulação do contrato em consequência do erro ou
do dolo, estabelecida no artigo 905.º, alternativa essa que é imposta ao comprador
sempre que se possa comprovar que os ónus ou limitações não influiram na sua decisão
de adquirir o bem, mas apenas no preço que ele pagaria. Cabe assim ao vendedor,
confrontado com uma acção de anulação e pretendendo a subsistência do contrato, o
ónus de prova de que o comprador teria igualmente adquirido os bens por preço inferior.
Nada impede, porem, o comprador de solicitar imediatamente a redução do preço, caso
esteja apenas interessado nesta e não na anulação do contrato, podendo também efectuá-
la a título subsidiário para a hipotese de não proceder ao pedido de anulação do
contrato.
Nos termos do n.º2 do artigo 911.º, uma vez que a redução do preço aparece em
alternativa à anulação do contrato, exclui esta (artigo 905.º), bem como a obrigação de
fazer convalescer o contrato (artigo 907.º) e a indemnização pelo não cumprimento
dessa obrigação (artigo 910.º).
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Caberá assim apenas ao comprador, além da própria redução do preço, a indemnização,
que terá conteúdo variável, consoante exista dolo do vendedor (artigo 908.º) ou simples
erro (artigo 909.º).
vi. RESTRIÇÕES CONVENCIONAIS A ESTE REGIME
À semelhança do que sucede na venda de bens alheios, o artigo 912.º estabelece a
possibilidade de as partes, ao abrigo da sua autonomia privada, estabelecerem um
regime diferente de garantia contra a existência de ónus ou encargos no direito
transmitido, regime esse que pode naturalmente passar pelo aumento ou pela
diminuição dos termos legais dessa garantia, instituidos nos n.º1 e 3 do artigo 907.º
(obrigação de expurgação dos ónus ou limitações e de proceder ao cancelamento dos
registos), no artigo 909.º (indemnização em caso de simples erro) e no n.º1 do artigo
910.º (responsabilidade pelo não cumprimento da obrigação de fazer convaslescer o
contrato). Exceptuam-se, porém, a situação de o contraente a quem a convenção
aproveitaria houver actuado com dolo e de boa fé ou outro estipulante, uma vez que
nesse caso não estará perante um efectivo exercício da autonomia privada.
PROF. ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ARTIGO 905.º a
912.º
Ver páginas 196 a 204
21 de Novembro – Aula 12 e 13
VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS – ARTIGO 913.º a 922.º
Exemplo: A dirige-se a um relojoaria e quando entra, estando ao telefone, aponta para
um determinado objecto e, consequentemente, a empregada, que também se encontrava
ao telefone, pegando no objecto, diz-lhe o seu preço. A entrega duas notas de 50€ e,
após o pagamento, a empregada embrulha o objecto e entrega-o a A. Quando A chega a
casa e vai ter com a sua namorada diz-lhe ‘’olha o relógio que comprei querida’’.
Quando decide acertar as horas do relógio, o mesmo acende uma luz e a ‘’tocar a
música que passava na rádio oxigènio, cidade fm, etc.’’. Ao fim de um tempo, percebe
que o dito relógio apenas dava música e não horas. A namorada de A encontra-se
furiosa com a sua compra. Quid iuris?
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Acórdão da ‘’mota’’: resolveu-se com base em erro qualificado por dolo, mas tudo o
resto, na opinião do PROF. PEDRO EIRÓ, é uma enorme trapalhada.
Qual é a consequência da venda de coisas defeituosas? Reparação, substituição,
redução adequada do preço (e ''resolução'' - decreto lei da venda de bens de consumo).
Existe uma enorme QUERELA DOUTRINAL quanto à questão de saber se quando se
lê no artigo 905.º e 913.º ‘’anulação’’ se deve ler ‘’resolução’’. Qual é a justificação
para ser anulação ou resolução?
Quando estamos face a um caso de ANULAÇÃO tal significa que existiu um
problema até à formação do contrato, ou seja, existiu um erro na formação do
contrato que conduz à sua anulação. O vício já existe quando o contrato é
celebrado: é um vício genérico. O problema está na formação do contrato,
nascendo com este uma invalidade. Exemplo: o erro, sendo um vício genérico,
conduz à anulação do contrato.
A RESOLUÇÃO consubstância uma forma de dissolução do contrato, tendo de
estar expressamente prevista na lei ou no contrato. A resolução tem o seu campo
de actuação mais frequente em casos de incumprimento do contrato. Em
principio há o direito a extinguir um contrato devido a um incumprimento do
mesmo. Qual é o dever que o vendedor esta a violar que, nessas hipóteses que
estamos a falar, pode ter sido incumprido e que conduz à resolução? Qual é a
obrigação do vendedor que esta eventualmente ser incumprida e que justifica a
resolução? A obrigação de entrega, que pode ser violada de duas maneiras (1)
nao entrega nada, sendo que aqui não há cumprimento defeituoso, simplesmente
há incumprimeto; ou (2) entregou o que nao devia e estamos face a um caso de
cumprimento defeituoso.
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Deste modo, a primeira coisa a fazer é saber se o problema esta na formação (só se
pode falar em erro) ou na celebração (não se pode falar em erro).
Quando A se dirige há relojoaria pode dizer que:
‘’não foi isto que eu comprei’’ e neste caso estamos face a um problema que
se centra na entrega do objecto e que conduz a resolução;
‘’não era isto que eu queria’’ e neste caso estamos face a um problema na
formação do contrato que conduz a anulação.
Qual é o fundamento para podermos avaliar se existe um bom cumprimento na
obrigação de entrega ou se o problema esta na formação? Como se sabe se o
vendedor esta a cumprir bem a obrigação que nele impede de entregar a coisa
comprada e vendida?
Acórdão da relação de Coimbra (25-A): o que foi objecto do contrato? não será
fundamental para analisar o bom/mau cumprimento da entrega saber o que é que o
vendedor deveria entregar? Qual foi o objecto da compra e venda. A primeira
questão a saber é o que é que o vendedor se obrigou a entregar.
Existem duas situações de compra e venda em que, independentemente do caso
concreto, as características que o comprador pretende, fazem parte do conteúdo
vinculativo do contrato, sendo que se tais não existirem existe um problema de
incumprimento ou incumprimento defeituoso:
VENDA DE BENS GENÉRICOS: o género tem de ser definido de acordo
com as características.
VENDA DE COISA FUTURA OU COISA INDETERMINADA: a ratio
desta norma assenta em que? O contrato está celebrado mas existe o
problema de saber quando se transmite a propriedade (artigo 408.º/2); a ideia
do artigo 918.º é a de saber se estamos a vender uma coisa futura ou incerta
como é que ela se define se ainda nao existe? É necessário definir a coisa
com base nas suas características. Se nos chegar um bem que nao preenche
essas catracteristicas estamos face a um problema. O artigo 918.º
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compreende situações em que o vicio se verifica na obrigação de entrega
existindo um problema de incumprimento e nao de erro: tal é pacifico na
doutrina. A doutina não se entende é quanto à questão de saber se existindo
um problema que caia no âmbito de aplicação do artigo 918.º se pode aplicar
outros remédios que não a anulação, ou seja (1) a reparação, (2) a
substituição ou (3) a redução adequada do preço – QUERELA
DOUTRINAL:
PROF. ANTUNES VARELA & PROF. PEDRO EIRÓ: sim, uma
vez que a vantagem da aplicação do artigo 913.º e seguintes é a de
não se ficar pela anulação, permitindo a reparação, substituição ou a
redução adequada do preço, mantendo-se deste modo o negócio
(manifestação do princípio do favor negotti). Não se pede a anulação
do artigo 918.º porque o problema nao esta na formação, podendo-se
pedir uma das três coisas referidas anteriormente.
PROF. MENEZES LEITÃO: não, uma vez que o artigo 918.º visa
que às situações que se enquadram no seu âmbito de aplicação não se
aplique o regime do artigo 913.º e seguintes.
Em suma…
Em primeiro lugar é necessário saber o que é que as partes combinaram e o que é que o
vendedor tinha que entregar. Trata-se de uma questão de interpretação do do contrato.
Estando tal definido, é necessário apurar se se encontra a ser entregue o que foi
combinado. O problema que o PROF. ROMANO MARTINEZ colocou na sua tese de
doutoramento assentou no seguinte: o referido professor defende que quando se esta a
comprar e a vender coisas especificas as características normais daquele objecto
definem no em qualquer contrato. De acordo com a posição do referido professor, se
formos comprar uma coisa especifica, como um relógio, encontra-se assegurada uma
serie de caracteristicas, mesmo que nos nao as digamos. É um problema de resolução.
Parte da doutrina relevante, nomeadamente o PROF. CALVÃO DA SILVA, considera
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que ate se admite tal, uma vez que quem compra o relógio quer algo que indique as
horas, não sendo necessário dizê-lo. Em termos teóricos ate é aceitável, mas não foi
assiim que o Código Civil construiu a figura, porque, quer o artigo 905.º quer o artigo
913.º, são expressos a dizer que o negocio é anulavel por erro. Não se consegue aplicar
o regime do artigo 913.º e seguintes se não tiver existido erro do compradro: ele tem de
estar convenciodo de uma coisa que nao é a realidade, mas o erro não tem de ser
relevante. esta concepção parte de uma ideia tradicionalmente defendida, que assentava
em as coisas especificas definirem-se pelas suas características espacio temporais, ou
seja não são as qualidades, salvo se as partes combinarem o contrário. Existindo um
problema quando ao defeito da coisa e defenindo-se o objecto com base na configuração
espacio temporal, o problema encontra-se na formação e não na entrega do objecto.
As características que acabam por não se verificar podem ter um de três tratamentos:
1. A característica não pertence à coisa específica presente, que é só definida com
base nos elementos espacio temporais. O PROF ROMANO MARTINEZ
considera que está hipotese não existe. Sendo um caso de erro tal conduz à
anulação.
2. A característica define o objecto da compra e venda. Existe um incumprimento
da obrigação de entrega.
3. A caracteristica foi assegurada pelo vendedor. Aplicação do regime do artigo
921.º.
A única justificação possível para o facto de no diploma da venda de bens de consumo o
legislador ter adoptado como solução a resolução é tal ter tido ‘’mãozinha’’ do PROF.
ROMANO MARTINEZ: atente-se ao artigo 2.º alinea d) do Decreto-Lei n.º 67/2003,
que traduz, sem qualquer dúvida, a tese do referido professor, mas anexando a tal um
certo malaborismo que assenta em tal tratar-se de uma presunção.
Deste modo, existem dois regimes:
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1. O regime típico do erro que conduz à anulação do contrato;
2. O regime do incumprimento ou cumprimento defeituoso, que conduz a uma
acção creditória de cumprimento;
3. O regime da venda de coisas defeituosas, que conduz à reparação, substituição,
redução adequada do preço e anulação.
O regime da venda de coisa defeituosa, assente no artigo 913.º e seguintes é aplicado
sempre que:
1. Vício desvaloriza a coisa vendida;
2. Vício impede a realização do fim a que é destinada a coisa vendida;
3. Coisa vendida não possui as qualidades asseguradas pelo vendedor (neste caso,
o vendedor tem de se responsabilizar pela coisa, não bastando o dolo bonus
(exemplo: não se pode aplicar este regime com o fundamento de que a casa que
se comprou é fria no inverno e quente no verão, mesmo que o vendedor tenha
dito o contrário);
4. Coisa vendida não possui as qualidades necessárias asseguradas para a
realização do fim a que é destinada (neste caso, o defeito tem de perturbar o
exerício económico da coisa).
Tem de existir erro, mas não é necessário que este seja relevante!
Coloca-se ainda a questão de saber se existe alguma ordem necessária quanto à
reparação, substituição, redução adequada do preço e anulação – QUERELA
DOUTRINAL
PROF. ROMANO MARTINEZ: sim;
PROF. PEDRO EÍRO: não, o comprador pode pedir o que quiser, mas existe o
limite do abuso de direito (exercício em desiquilibrio).
Nos termos do artigo 914.º fala-se da reparação ou substituição da coisa. Enquanto neste
artigo fala-se em ‘’exigir’’ tal é muito diferente do que se encontra consagrado no artigo
907.º (‘’obrigado a sanar’’). Existe a dúvida quando este artigo se refere ‘’mas esta
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Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 139
obrigação’’, ou seja qual obrigação? Há uma que é evidente que é a substituição, sendo
que a dúvida coloca-se a saber se a obrigação de reparação também não existe nesta
parte final da norma – QUERELA DOUTRINAL E JURISPRUDENCIAL
PROF. PEDRO EIRÓ: a parte final do artigo 914.º só abrange a obrigação de
substituição;
OUTRA DOUTRINA: é alternativo, ou seja abrange quer a obrigação de
substituição quer a obrigação de reparação.
Nos termos do artigo 916.º e 917.º consagram-se dois prazos de caducidade. Estes
artigos, nomeadamente o último, referem-se à acção de anulação. É pacífica na
doutrina que os prazos previstos no artigo 917.º, para a acção de anulação, também se
aplicam por interpretação extensiva às acções que visam outros direitos. Comparando
com o artigo 921.º/4, que é uma norma que protege especialmente o comprador, os
prazos para interpretar acções ficaram substancialmente mais amplos que os da última.
Faz-se uma interpretação sistemática, que não possui qualquer problema de maioir.
No ACÓRDÃO (25-A) coloca-se uma questão que se relaciona com o modo de
exercício dos direitos. O referido acórdão explica – muito bem! – que o direito a anular
tem de ser reconhecido judicialmente (tem de se intentar uma acção), enquanto que os
outros direitos podem ser exercidos sem recurso a tribunal.
Note-se que embora se aplique os prazos do artigo 917.º para o exercício de direitos, tal
não se aplica quando se visa intentar uma acção judicial, estando tal pensado para um
caso de anulação.
O artigo 921.º é uma norma muito especial neste regime, uma vez que visa uma garantia
objectiva de certas situações, que se traduz numa protecção acrescida do comprador. No
Acórdão (das motas!) regula-se o ónus da prova do defeito: aplicando o artigo 921.º, o
comprador apenas tem que alegar e provar a existência do defeito, sendo que o que faz é
presumir. Tem de ser o vendedor, se se quiser eximir de responsabilidade, que tem de
demonstrar que (1) o defeito surgiu após a celebração do contrato, (2)
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 140
consequentemente após a entrega da coisa e (3) por má utilização do contrato:
verdadeira prova diabólica!
PROFESSOR MENEZES LEITÃO
I – GENERALIDADES
Há que proceder às seguinte distinção:
Se a venda é realizadam sendo a propriedade da coisa transmitida ao comprador,
e esra já é defeituosa ao tempo da celebração do contrato: situação de erro do
comprador ao adquirir a coisa com defeitos, sendo o contrato aanulável por erro
nos termos gerais (artigo 913.º e 905.º),
Se o defeito na coisa ocorre após a celebração do contrato e esta é entregue
nessas condições: situação de cumprimento defeituoso, se o defeito é imputável
ao vendedor (artigo 918.º) ou de risco, em princípio a cargo do vendedor
(796.º/1). É tambem considerada como incumprimento da obrigação de entrega
as situações de entrega da coisa defeituosa, nos casos em que a venda respeita a
coisa futura ou a coisa indeterminada de certo género (artigo 918.º).
efectivamente, uma vez que a coisa ainda não existe ou não está determinada no
momento da celebração do contrato de compra e venda, não pode haver erro do
comprador, ocorrendo antes uma situação de cumprumento defeituoso se for
entregue uma coisa com defeito.
Exemplos:
Comprador escolhe numa orivesaria um anel de brilhantes e posteriormente nele
descobre um risco, tem que demonstrar um erro seu para anular o negócio e tem
apenas direito à restituição do preço e a uma indemnização pelos danos
emergentes com base no interesse contratual negativo (artigo 909.º e 915.º);
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Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 141
Comprador limita-se a encomendar um anel de brilhantes à ourivesaria e o
venddor entrega um anel riscado, considera-se existir incumprimento defeituoso
do vendedor (artigo 918.º) e a indemnização abrange o interesse contratual
positivo.
II – PRESSUPOSTOS
É necessário atender ao artigo 913.º enconcontrando-se nele inseridas as seguintes
situações:
Vícios que desvalorizem a coisa;
Vícios que impelam a realização do fim a que é destinada;
Falta de qualidades asseguradas pelo vendedor;
Falta de qualidades necessárias à realização daquele fim.
Os pressupostos da aplicação do regime da venda de bens defeituosos são:
Ocorrencia de um defeito – a lei faz incluir assim neste ambito, quer os vicios da
coisa, quer a falta de qualidades asseguradas ou necesssárias. Parece que poderá
sustentar-se que a expressão vicios, tendo um conteudo pejorativo, abrangera as
caracteristicas da coisa que levam a que esta seja valorada negativamente,
enquanto que a falta de qualidades, embora não implicando a valoração negativa
da coisa, a coloca em desconformidade com o contrato;
Existência de determinadas repercussões desse defeito no âmbito do programa
contratual – para que os defeitos da coisa possam desencadear a aplicação do
regime da venda de coisas defeituosas torna-se necessários que eles se
repectutam no programa contratual, originando uma de três situações:
Desvalorização da coisa (refere-se às vícios) enquadra-se numa
concepção objectiva de defeito, resultando do facto de o vício implicar
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 142
que a coisa valha menos do que sucederia s enão o tivesse. Recusa-se a
aplicação deste regime quando a desvalorização seja insignificante.
Não correspondência com o que foi assegurado pelo vendedor (refere-se
à falta de qualidades) ocorre sempre que o vendedor tenha certificado
(expressa ou tacitamente) ao comprador a existência de certas qualidades
na coisa e esta certificação não corresponda à realidade, estando-se assim
também face a uma concepção objectiva de defeito.
Inadptidão para o fim a que é destinada (abrange as duas situações
referidas) corresponde a uma concepção subjectiva do defeito,
estando em causa as utilidades específicas que o comprador +pretende
que lhe sejam proporcionadas pela coisa. Esta indicação do fim tem de
ser aceite pelo vendedor, ainda que tal possa ocorrer tacitamente, sob
pena de, caso contrário entender-se que a coisa se destinaà função normal
das coisas da mesma natureza.
III – EFEITOS
1. ANULAÇÃO DO CONTRATO POR ERRO OU DOLO
Aplicação do artigo 905.º por remissão do artigo 913.º. o comprador que tiver adquirido
a coisa com defeito pode solicitar a anulação do contrato, por erro ou dolo, desde que se
verifiquem no caso concreto os requisitos legais da anulabilidade.
Em caso de erro: exige-se a essencialidade e a cognoscibilidade dessa
essencialidade do erro para o declaratário;
Em caso de dolo: basta que o dolo tenha sido determinante da vontade do
declarante, salvo se provier de terceiro, caso em que se exige igualmente que o
destinatário conhecesse ou devesse conhecer a situação.
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2. REPARAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO DA COISA
Encontra-se consagrada no artigo 914.º: obrigação de reparar os defeitos da coisa ou de
a substituir no caso de ser necessário, e esta tiver natureza fungível.
Ratio: farantia edilicia prestada pelo vendedor, no ambito da qual resulta que ele garante
tacitamente a inexistencia de defeitos no bem vendido, tendo assim que o reparar ou
substituir, salvo se naturalmente o vendedor tiver conhecimento do vicio ou da falta de
qualidades da coisa. Atendendo ao artigo 914.º in fine, o regime da garantia edilica nao
assenta numa responsabilidade objectiva do vendedor, mas apenas numa presunção de
culpa relativamente à venda da coisa com defeitos, que pode ser elidida mediante a
demonstração de que o vendedor se encontrava numa situação de desconhecimento não
culposo dos defeitos da coisa.
3. INDEMNIZAÇÃO
a) INDEMNIZAÇÃO EM CASO DE DOLO
Encontra-se consagrada no artigo 908.º por força da remissão do artigo 913.º in fine,
sendo que a expressão dolo encontra-se aqui utilizada no mesmo sentido do que o
referido no artigo 253.º e abrangendo a negligência consciente
Esta aqui em causa a dissimulação do caracter alheio atraves do emprego de sugestões
ou artificios no sentido de dissimular ao comprador os defeitos existentes na coisa – o
comprador adquire o direito à indemnização pelos danos causados, sendo o contrato
anulado.
Embora abranga danos emergentes e lucros cessantes, esta limitada aos danos que não
teriam ocorrido se o contrato não tivesse sido celebrado – interesse contratual negativo.
b) INDEMNIZAÇÃO EM CASO DE SIMPLES ERRO
Remissão do artigo 913.º para o artigo 909.º. abrange os danos emergentes (Incluindo as
despesas volumptuárias) mas não os lucros cessantes, resultantes da aquisição da coisa
com defeito.
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O artigo 915.º vem restringir as condições em que pode ser exigida essa indemnização:
ela tambem nao é devida nos casos em que o vendedor ignorava sem culpa o vicio ou a
falta de qualidades de que a coisa padece. Assim, em sede de venda de coisas
defeituosas, ja nao ha uma responsabilidade integralmente objectiva do vendedor pelos
danos causados ao comprador em resultado dos defeitos da coisa.
c) INDEMNIZAÇÃO POR INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
DE REPARAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO DA COISA
Nos termos do artigo 907.º, por remissão do artigo 913.º, o comprador pode pedir uma
indemnização ao vendedor pelo incumprimento da obrigação de reparação ou de
substituição da coisa oou por mora nesse cumprimento. O artigo 910.º/1 admite um
concurso de pretensões neste âmbito, sendo esta excluida, em relação à indemnização
por lucros cessantes resultantes de dolo do vendedor (artigo 908.º).
4. REDUÇÃO DO PREÇO
Aplicação do artigo 911.º/1 por remissão do artigo 913.º: esta acção constitui uma
alternativa à anulação do contrato em consequência do erro ou do dolo (artigo 905.º),
alternativa essa imposta ao comprador sempre que s epossa comprovar que os vícios ou
falta de qualidades de que a coisa padece não influiriam na sua decisão de adquirir o
bem, mas apenas no preço que estaria disposto a pagar por ele.
5. FORMA E PRAZOS DE EXERCÍCIO DO DIREITO
É necessário atender ao artigo 916.º: o comprador deve denunciar ao vendedor o vício
ou a falta de qualidades da coisa, excepto se este tiver actuado com dolo. Há, assim a
imposição ao comprador de um ónus de denúncia dos defeitos da coisa ao vendedor,
com o qual se visa permitir-lhe adqurir conhecimento dos defeitos da coisa vendida, que
poderia ignorar. Esse onus é apenas excluido em caso de dolo do vendedor, o que se
compreende uma vez que ele, atraves de sugestões ou artificios, dissiminou os defeitos
na coisa vendida, nada justifica que pudesse existir uma prebia denuncia desses efeitos.
Cabera ao comprador a prova de ter cumprido o onus da denuncia ou de que se verificou
o dolo por parte do vendedor..
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Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 145
Os prazos para denuncia dos defeitos variam consoante se trate de bens moveis ou
imoveis:
Bens moveis: prazo de 30 dias depois de conhecido o defeito e dentro de 6
meses apos a entrega da coisa – artigo 916.º/2;
Bens imoveis – prazo de 1 ano depois de conhecido o defeito e de 5 anos apos a
entrega da coisa – artigo 916.º/3
Estes prazos aplicam-se cumulativamente pelo que, se não for observado qualquer
deles, caducarão os direitos conferidos ao comprador que pressupoem a denuncia dos
defeitos. É no entanto de referir que, enquanto o prazo a contar da descoberta dos
defeitos vale independentemente para cada defeito e que portanto se ppode renovar
sempre que forem descobertos novos defeitos, o prazo a contar da entrega da coisa vale
para a generalidade dos defeitos da coisa. Para que esse prazo se inicie é necessária a
entrega material da coisa, uma vez que em caso de entrega simbolica ou formal o
comprador não ficará em condições de se aperceber dos defeitos da coisa.
Em caso de incumprimento destes prazos caducam todos os direitos conferidos ao
comprador em caso de simples erro, ou seja a anulação do contrato com esse
fundamento, a redução do preço, a reparação ou substituição e a indemnização em caso
de simples erro ou por incumprim ento da obrigação de reparação.
6. CLÁUSULAS DE EXCLUSÃO DA GARANTIA
Podem ser admitidas estipulações contrárias à garantia, a não ser que o vendedor tenha
procedido com dolo e as cláusulas contrárias aquelas normas visem beneficiá-lo – artigo
912.º.
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7. O REGIME DOS DEFEITOS SUPERVENIENTES E DOS DEFEITOS NA
VENDA DE COISA FUTURA OU NA VENDA DE COISA GENÉRICA
Nos termos do artigo 918.º, sempre que os defeitos da coisa não correspondam a vícios
da coisa específica comprada, já existentes no momento da venda, não é aplicável o
regime do artigo 913.º e seguintes. Deste modo, haverá que distinguir se os vicios na
coisa entregue são imputáveis ao vendedor ou não, devendo-se presumir a primeira
situação por força do artigo 799.º. sendo o vicio imputavel ao vendedor,e ste responde
pelos danos causados ao comprador (artigo 798.º e ss) podendo eele consequentemente
exigir a indemnização correspondente aos prejuizos resultantes da sua celebração (artigo
801.º). Demonstrando-se que os vicios não são imputaveis ao vendedor, existe uma
questa de risco pela perda ou deterioração da coisa, a qual corre por conta do comprador
nos casos de defeito superveniente e por conta do vendedor no caso de venda de coisa
futura ou de coisa genérica – artigo 408.º/2 e 540.º
8. GARANTIA DO BOM FUNCIONAMENTO
É necessário atender ao artigo 921.º que preve a denominada garantia de bom
funcionamento. Se da convenção das partes ou dos usos resulta uma garantia de bom
funcionamento, cabe ao vendedor reparar a coisa ou substitui-la quando a subjectituiçao
seja necessaria e a coisa tenha natureza fungivel independentemente de culpa sua ou de
erro do comprador. A garantia vigora pelo prazo estipulado no contrato ou imposto
pelos usos, sendo que na ausencia de tais estipulações aplica-se o prazo de 6 meses,
contados da entreda da coisa ou da sua efectiva recepção pelo comprador (coisas
objecto de transporte). Nestes casos, o defeito de funcionamento deve ser denunciado ao
vendedor, dentro do prazo de garantia e, salvo estipulação em contrario, ate 30 dias
depois de conhecido, caducando a acçao logo que finde o tempo para a denuncia sem o
comprador a ter efectuado ou passados 6 meses sobre a data em que a denucia for
efectuada.
Dado que se refere apenas ao vendedor, o artigo 921.º não abrange os casos em que a
garantia é prestada pelo fabricante, situação que é qualificada normalmente de
‘’promessa pública’’ ou de ‘’contrato unilateral de garantia’’.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Por sua vez, o comprador tem direito à reparação ou substituição da coisa,
independentemente de culpa do vendedor ou de erro do comprador, mas não à
anulabilidade do contrato ou redução do preço, nem à indemnização. Naturalmente que
nenhuma destas soluçõies ficará excluida, caso se verifiquem os respectivos
pressupostos, mas em relação à indemnização tem se colocado na doutrina italiana a
quetsão de saber se o ressarcimento dos danos causados pelo deficiente funcionamento
da coisa pode ser solictyado sem ser demonstrada a culpa do vendedor. Apesar de
alguma doutrina se pronunciar em sentido contrário, a maioria da doutrina responde
afirmativamente, considerando que o artigo 921.º consagra uma responsabilidade
especial do vendedor de natureza objectiva, que tem por base a assunção pelo vendedor
do risco relativo a dfeitos de funcionamento da coisa.
PROFESSOR ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ARTIGO
913.º A 922.º
Ver página 204 a 218.
VENDA A CONTENTO – ARTIGO 923.º E 924.º
Há quem trate esta modalidade de venda como sendo uma venda sujeita a condição, mas
tecnicamente/teoricamente tal consubstância uma termilogia errada, uma vez que não
existe uma condição verdadeiramente.
Quer o artigo 923.º, quer o artigo 924.º, ambos (1) consubstânciam uma venda a
contento, (2) ambos significam que a venda se faz por etapas e (3) ambos traduzem uma
manifestação do Princípio do Favor Negotti. Contudo, são diferentes!
1. ANÁLISE DO ARTIGO 923.º
Existe uma proposta de venda (não é um contrato de compra e venda!). As partes
combinarem celebrar um contrato nesta modalidade. O acordo entre as parte não é um
contrato de compra e venda: nao há transmissão do direito, não há obrigação de entregar
a coisa a titulo de vendedor e comprador e não há obrigação de pagar o preço. Do
acordo nascem uma proposta e consequentemente vários efeitos. O efeito do n.º 2 e 3 do
artigo 923.º nasce do acordo das partes.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 148
Nos termos do artigo 923.º/2, existe a consagração do valor do silêncio que em regra
não existe, nos termos do artigo 218.º. Aqui o valor do silêncio vale como aceitação.
Existe o prazo de aceitação, uma vez que não existe nenhuma proposta sem prazo. Não
é civilmente admissivel a existência de propostas sem prazo, uma vez que, caso
contrário, o proponente ficaria numa situação de sujeição eternamente, ou seja a
situação de (não) aceitação pela outra parte quanto à celebração do contrato. As
situações de sujeição, no direito privado, são muito fracas, porque ficam sujeitas a um
direito potestativo, sendo que seria inaceitável que o direito civil permitisse que estas
situações não fossem limitadas à partida, devido á protecção do sujeito que não pode
ficar nestas situações eternamente. O artigo 228.º delimita ao segundo quando o
proponente tem de aceitar. Coloca-se então a questão de saber a razão pela qual o artigo
923.º modificou a regra do artigo 228.º? Visa-se proteger o negócio que já se iniciou (já
existe um acordo entre as partes!).
Segundo o PROF. MENEZES LEITÃO, do artigo 923.º a 926.º, existe uma venda por
etapas, sendo a primeira um acordo entre as partes:
Existe um acordo (ao contrário do que sucede no artigo 228.º);
Do acordo nasce uma proposta, sendo portanto esta um dos efeitos daquele;
Nasce a obrigação de entrega para consulta;
Nasce o direito potestativo a aceitar (valor declarativo do silêncio ou aceitação
expressa).
Após tudo o que foi mencionado é que existe uma compra e venda. Existindo,
apenas, uma proposta de venda tal não se enquadra no âmbito de aplicação do artigo
923.º, uma vez que este artigo pressupoe um prévio acordo que é o que justifica a
proposta de venda. No artigo 923.º, aquele que será o comprador só se tornará o
verdadeiro proprietário da coisa no momento em que passar o prazo de aceitação
(caso não aceite antes!).
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 149
Existindo o acordo, mas o vendedor não cumprir o n.º3 do artigo 923.º (‘’a coisa
deve ser facultada ao comprador para exame’’), existe responsabilidade civil por
violação do acordo/contrato (▲ não é um contrato de compra e venda, mas é um
contrato (=acordo entre duas partes!).
ANÁLISE DO ARTIGO 924.º
Nestes casos, existe um contrato de compra e venda com direito à resolução. Esta norma
não parece uma condição, pois na verdade existe um poder arbitrário do comprador:
resolve o contrato se a coisa não lhe agradar. Ora, agradar ou não agradar é algo que
externamente é incontrolável. Não é sindicável. Existe uuma declaração de resolução
não fundada em incumprimento de coisa nenhuma, sendo que teoricamente poder-se-ia
discutir se tal consubstância uma resolução ou uma revogação unilateral (sim, existem
revogações unilaterais – artigo 406.º, por exemplo!). O legislador estabeleceu a
resolução com o intuito de aplicar o regime do artigo 432.º e seguintes (ao contrário do
que sucede no instituto da revogação, o regime da resolução é acompanhado de eficácia
retroactiva).
Em termos de risco, existe uma possível dificuldade que se traduz na seguinte
QUERELA DOUTRINAL:
PROF. ROMANO MARTINEZ: aplica o artigo 796.º/3;
PROF. PEDRO EIRÓ: aplica o artigo 796.º/1.
VENDA SUJEITA A PROVA – ARTIGO 925.º
A linguagem do artigo 925.º/1 é muito semelhante à do artigo 913.º: no fundo, o que
interessa é verificar se o bem vendido tem as caracteristicas objectivas que foram
acertadas entre as partes. A grande diferença com a venda de coisas defeituosas é a de
que as próprias partes sujeitaram a prova. É uma compra e venda feita por etapas: existe
a celebração do contrato do contrato, de seguida faz-se a prova e depois logo se vê.
No artigo 925.º já se encontram em causa caracteristicas objectivas, não existindo nada
de discricionariedade nem de arbitragem. São circunstâncias que são são susceptíveis de
serem jurisdicionalmente questionáveis/sindiciáveis.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Representa um caso de compra e venda celebrada sob condição, compra e venda esta
celebrada deste o primeiro momento, mas que se encontra instável. É necessário fazer
prova para ficar estabelizada. Pode ser uma condição suspensiva ou resolutiva
(influencia o regime do risco), como a própria norma o indica. Contudo, é uma
verdadeira condição, com eficácia retroactiva,
Nos termos do artigo 925.º/3, o legislador força a celebração do negócio, através da
estipulação do valor do silêncio.: as partes já entraram no processo tendente à
celebração do negócio, já passaram a primeira etapa.
Nos termos do artigo 926.º, consagra-se queem caso de dúvida sobre a modalidade de
venda que as partes escolherem, de entre as previstas estudadas naquela seccção,
presume-se que tenham adoptado o regime do artigo 923.º.
PROFESSOR MENEZES LEITÃO
I – GENERALIDADES
Nos termos do disposto no artigo 923.º consagram-se os casos específicos de vendas por
etapas: venda a contento e venda sujeita a prova em ambas as situações,
normalmente relativas a bens móveis, verifica-se a subordinação do contrato a uma
aprovação da coisa vendida por parte do comprador, da qual vai depender a sua efectiva
vigência. DIFERENÇAS:
VENDA A CONTENTO: o comprador reserva a faculdade de contratar ou de
resolver o contrato, consoante a apreciação subjectiva (gosto pessoal) que vier a
fazer do bem vendido;
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 151
VENDA SUJEITA A PROVA: encontra-se em causa uma avaliação objectiva
do comprador em relação às qualidades da coisa, em conformidade com um teste
a que esta será sujeita.
II – A PRIMEIRA MODALIDADE DE VENDA A CONTENTO
A primeira modalidade de venda a contento implica a estipulação de que a coisa
vendida terá que agradar ao comprador, correspodendo à tradicional cláusula ad gustum
(artigo 923.º). Este tipo de cláusula constitui uma reserva relativa à aceitação do
contrato de compra e venda, o que significa que, em virtude dessa cláusula, o acordo das
partes vem a ser qualificado como uma mera proposta de venda, ficando o vendedor
vinculado sem que o comprador o venha a estar. Deste modo, segundo o PROFESSOR
ANTUNES VARELA esta primeira modalide constitui um pacto de opção, na medida
que, enquanto uma das partes se encontra já vinculada, a outra tem a faculdade
discricionária de o aceitar ou não. A lei admite posteriormente a celebração do contrato
através do silêncio do comprador (artigo 218.º), uma vez que dispõe que a proposta se
considera aceita se o comprador não se pronunciar dentro do prazo de aceitação, nos
termos do artigo 228.º.
A coisa deve ser facultada ao comprador para exame (artigo 923.º/3), pelo que parece
que o prazo de aceitação não se poderá iniciar antes de a coisa ter sido entregue. A
entrega da coisa para exame constitui uma obrigação autónoma do vendedor, que o
comprador pode judicialmente exigir.
Caso o comprador durante o prazo estabelecido se pronuncie no sentido da rejeição do
contrato, a venda considerar-se-á como não celebrada. Uma vez que se trata de uma
questão de apreciação subjectiva ou gosto pessoal, o vendedor não necessita de indicar
qualquer motivo para proceder à rejeição do contrato.
Uma vez que a lei qualifica a situação como uma mera proposta de venda, naturalmente
que todos os efeitos do contrato (transmissão da propriedade, atribuição do risco ao
comprador, etc) só se verificarão com o decurso do prazo estabelecido, que confirmará a
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 152
sua intenção de adquirir nos termos do artigo 218.º, sendo até lá o comprador
considerado mero detentor precário.
III – A SEGUNDA MODALIDADE DE VENDA A CONTENTO
A segunda modalide de venda a contento corresponde à concessão de um direito de
resolução unilateral do contrato se a coisa não agradar ao comprador, o qual segue as
regras gerais, sendo portanto aplicáveis os artigos 432.º e seguintes. Não se trata da uma
condição resolutiva, uma vez que as partes não subordinam a resolução do negócio a um
acontecimento futuro e incerto, antes atribuem ao comprador o direito de resolver
unilateralmente o contrato se a coisa não lhe agradar.
Uma vez que a concessão ao comprador d eum direito de resolução unilateral não
impede que a propriedade se transmita (artigo 408.º/1), parece que correrá por sua conta
o risco da perda ou deterioração da coisa, verificada durante essse prazo (artigo 796.º/1).
Efectivamente, caso a coisa venha-se a perder ou a deteriorar, o comprador deixará de a
poder restituir ao vendedor, pelo que perde o direito de resolver o contrato (artigo
432.º/2).
IV – A VENDA SUJEITA A PROVA
O contrato não se tornará definitivo sem que o comprador averigue, atraves de um
prévio uso da coisa, que ela é idonea para o fim a que é destinada e tem as qualidades
asseguradas pelo vendedor.
O artigo 925.º qualifica a situação da venda sujeita a prova como uma venda
subordinada a condição (suspensiva ou resolutiva), consistindo a condição no facto de a
coisa vendida ser idónea para o fim a que é destinada e ter as qualidades asseguradas
pelo vendedor.
A qualificação como venda sujeita a condição não é isenta de controvérsia:
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 153
DOUTRINA FRANCESA: apesar da expressa qualificação legal da vente à
l’essai como venda sujeita a condição suspensiva, já se tem sustentado que a
situação é semelhante à da venda a contento, devendo por isso a venda sujeita a
prova ser antes qualificada como promessa unilateral de venda;
DOUTRINA ITALIANA: enquanto alguns autores aceitam a solução legal,
outros rejitam a qualificação da situação como verdadeira condição própria,
sustentando tratar-se antes de uma condição imprópra;
OUTROS: negam mesmo essa qualificação como condição, sustentando estar-se
antes perante uma categoria especifica de venda, cujos efeitos finais ficam
dependentes da verificação positiva de uma qualidade da coisa que a torna
adequada à sua utilização pelo alienante posição do PROFESSOR
MENEZES LEITÃO, justificando tal com o facto de os requisitos específicos da
venda sujeita a prova referidos nos artigos 925.º não se distinguem dos
requisitos gerais de conformidade da coisa, a que se refere o artigo 913.º. Há
apenas a acrescentar neste caso um especifico teste de conformidade, sem o qual
não se considera estar definitivamente concluído o contrato.
PROFESSOR ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ARTIGO
923.º A 926.º
ARTIGO 923.º
O que caracteriza a venda a contento é a faculdade discricionária, que tem o comprador,
de aceitar ou não a venda. Aceita-a, sela lhe agradar; rejeita-a, no caso contrário. O
comprador reserva-se inteira liberdade de dizer a última palavra: ficará ou não
vinculado conforme lhe aprouver. É soberano n a sua decisão, sendo que a ele cabe
resolver, discricionariamente, se o objecto possui ou não as qualidades necessárias, se
serve ou não aos seus fins.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 154
Nos termos do n.º1 considera-se a compra e venda feita com a reserva de a coisa agradar
ao comprador como uma proposta de venda. Não existe propriamente uma venda, mas
sim uma proposta de venda, porque o comprador ou melhor o destinatário dessa
proposta, não se vincula: falta a sua manifestação de vontade, que consitirá na futura
exteriorazão do seu juízo sobre a rex. Se o comprador disser e quando disser ao vender
que esta lhe convém, com isso adere à oferta e o contrato forma-se, como resultado do
encontro da proprosta e da aceitação.
A venda a contesto pode incidir sobre coisas imóveis, uma vez que não há nada na lei
que contrarie esta solução, embora na prática ela deva ser muitissimo pouco frequente
quanto aos imóveis.
Considerando a venda a contento, nesta primeira modalidade, como uma proposta de
venda, o vendedor fica vinculado à proporsta nos termos do n.º1 do artigo 228.º,
devendo a aceitação ou rejeição ser feita dentro dos prazos aí mencioinados.
Excepcionalmente, considera-se aceite a proposta se, tendo sido a coisa entregue ao
comprador, este não se pronunciar dentro dos prazos de aceitação. É um dos casos em
que o silêncio vale, popr força da lei, como uma declração negocial.
Embora ainda se esteja na fase de formação do contrato, enquanto o comprador e não
aceita e a aceitação não chega ao conhecimento do vendedor, há desde logo uma
obrigação contratual cujo cumprimento pode ser judicialmente exigido: a de a coisa ser
facultada ao comprador para exame.
A rejeição da compra, não estando sujeita a forma especial, pode ser feita por qualquer
dos meios de declaração previstos no artigo 217.º, inclusivamente por declaração tácita.
Tal como a lei o diz, a venda a contento, na sua primeira modalidade, constitui um caso
típico de opção: do contrato resulta a vinculação definitiva de uma das partes (no caso:
o vendedor), enquanto a outra se reserva a faculdade de aceitar ou declinar, conforme
mais lhe convier.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 155
ARTIGO 924.º
Esta segunda modalidade de venda a contento distingue-se da primeira no facto de o
negócio completar-se com a adesão do comprador, mas ete fica com o direito, se a coisa
não lhe agradar, de resolver unilateralmente o contrato com as consequências previstas
nos artigos 432.º e seguintes. Considera-se portanto celebrado o contrato e não apenas
feita uma proposta negocial. Fica no entanto ao arbitrio do comprador (sem que, contra
ele, se possa invocar alguma circunstância de natureza objectiva), resolver o negócio,
restituindo a coisa e recebendo o preço, se este tiver sido entregue.
Quanto aos prazos para o exercicio do direito de resolução, nos termos do n.º3, é
necessário atender, sucessivamente, ao que for estabelecido pelo contrato, pelos usos,
ou pelo vendedor, devendo este último ser um prazo razoável.
ARTIGO 925.º
Ao contrário da venda a contento, em que não são relevantes para a sua perfeição ou
resolução circunstâncias de natureza objectiva, mas somente a vontade do comprador,
na venda sujeita a prova são circunstancias objectivas, suceptiveis de apreciação
jurisdicional que condicionam o valor jurídico do acto.
Por acordo das partes a eficiência do contrato fica condicionada à objectiva idoneidade
da coisa para a satisfação do fim ou fins a que se destina e à existência, nela, das
qualidades asseguradas pelo vendedor. Melhor: fica condicionada ao resultado de um
exame a fazer, destinado a averiguar a aptidão do objecto. O valor da compra e venda
depende das conclusões a que conduzir esse exame, fiscalizável jurisidiconalmente. O
tribunal pode, aqui, censurar o veredicto do comprador e dasaprovar a rejeiçãoi que ela
tenha feito do objecto vendido. O acordo das partes envolve no período de formação ou
aperfeiçoamento do contrato, uma averiguação que em regra se faz nos preparativos ou
preliminares do negócio ou após a sua execução.
Tal como na venda a contento, nada obsta a que a venda sujeita a prova incida sobre
bens imóveis. E tanto pode ter por objecto coisas determinadas, como coisas genéricas
(desde que pertençam a um género limitado).
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 156
Nesta modalidade de venda considera-se o negócio como feito sob condição suspensiva,
ou se isso for convencionado sob condição resolutiva. Pode, portanto, o negócio revestir
duas modalidades, embora sempre sob condição. A determinação da modalidade que as
partes quiseram adoptar tem o maior interesse para a fixação do regime do contrato,
designadamente no que se refere ao risco pelo perecimento da coisa.
O facto que condiciona os efeitos da venda é a prova, a qual deve ser feita dentro do
prazo e segundo a modalidade (n.º2). No n.º3 estabelece-se uma presunção favorável à
eficiácia do contrato, no caso de não ser comunicado ao vendedor o resultado da prova
antes de expirar o prazo fixado para a realização desta.
A natureza da prova depende da natureza da coisa vendida: pode consistir em exames,
inspecções, análises, experiências de funcionamento, etc. Se a prova se torna impossível
por facto imputável ao comprador (que alienou, consumiu ou transformou a coisa) a
compra torna-se pura e simples desde o momento em que a impossibilidade se
verificou.
ARTIGO 926.º
RATIO: dada a enorme dificuldade de saber, muitas vezes, qual das modalidades aí
reguladas se ajusta melhor às intenções dos contraentres, julgou-se de toda a
conveniência formular a este respeito uma presunção, declarando que, em caso de
dúvida, se considera escolhida a primeira modalidade de venda a contento (proposta de
venda) por ser aquela que verosimilmente melhor realiza os desejos e os interesses das
partes no maior número de casos.
VENDA A RETRO – ARTIGO 927.º a 933.º
Poder-se-ia discutir se quando o artigo 927.º se refere a resolver estamos face ao
instituto da resolução verdadeiramente, contudo tal é uma discussão meramente teórica.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 157
No CC de 1867 não se permitia a venda a retro. A venda a retro distingue-se do
financiamento, na medida em que consubstância uma hipótese de se arranjar
financiamento, quando os bancos não estão a emprestar.
Exemplo: A encontra-se numa situação economicamente complicada, pelo que decide
vender a sua casa a B. Quando A se encontrar novamente numa situação económica
adequada devolve o dinheiro a B e este devolve-lhe a casa.
O instituto da venda a retro pode conduzir a dois problemas:
1. É um instituto semelhante ao pacto comissório: permite ao credor ficar com o
objecto da garantia, o que é proibido em todas as garantias reais. Este instituto
permite a ultrapassem do pacto comissório, na medida em que
2. É um instituto que supostamente poderia conduzir ou potenciar a usura.
Contudo, o CC com a norma do artigo 928.º/2 protegeu tal possibilidade (não na
primeira fase, mas sim na altura do exercício da resolução ‘’é igualmente nula,
quanto ao excesso, a cláusula que declare o vendedor obrigado a restituir, em
caso de resolução, preço superior ao fixado na venda’’).
A norma do artigo 930.º é diferente do artigo 436.º, na medida que permite que a
realização da escritura pública possa não ter a intervenção do comprador.
Coloca-se a questão de saber se o artigo 932.º é compatível com o artigo 435.º. Segundo
o PROF PEDRO EIRÓ E PROF. ANTUNES VARELA é necessário apurar se exisiu ou
não registo da cláusula a retro:
SIM: é oponível a terceiros, por aplicação do artigo 932.º;
NÃO: apenas poderá ser oponível a terceiros, desde que se verifiquem os
requisitos constantes no artigo 435.º.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 158
PROFESSOR MENEZES LEITÃO
A venda a retro consiste numa modalidade de venda em que a transmissão da
propriedade não se apresenta como definitiva, na medida em que o vendedor se reserva
a possibilidade de revaer o direito alienado, mediante a restituição do preço e o
reembolso das despesas feitas com a venda.
Na perspectiva das atribuições patrimoniais das partes, o contrato apresenta-se como
uma operação de financiamento na qual o pagamento do preço substitui a concessão de
um empréstimo pelo comprador ao vendedor e o exercício do direito de resolução por
este substitui o reembolso desse mesmo empréstimo, reembolso que se apresentou como
garantido, através da prévia atribuição da propriedade do comprador.
Em lugar da estipulação de uma garantia, que não permite a imediata aquisição da
propriedade em caso de incumprimento pelo devedor, as partes poderiam sempre
estipular uma venda a retro, transmitindo a propriedade para o credor, apenas a podendo
recuperar o devedor com o pagamento do crédito. Por esse motivo, o CC de 1867 veio
abolir a venda a retro. Sem qualquer necessidade, o CC actual veio reinstituir este
contrato, o que fez, no entanto, em termos tais que o tornaram sem qualquer relevância
prática. Efectivamente, para evitar a sua utilização com fins de garantia, o CC proibiu a
atribuiçao ao comprador de qualquer benefício como contrapartida da resolução,
tornando assim muito dificil que algum comprador aceite celebrar uma aquisição com
uma clausula a retro.
Apesar da previsão expressa da venda a retro pode questionar-se a sua admissibilidade,
em face da proibição do pacto comissório, quando não haja qualquer intenção de
transferir a propriedade contra o pagamento de um preço a receber, mas apenas a de
constituir uma garantia de pagamento de um crédito a favor do comprador (exemplo: a
obrigação de pagamento do preço ser declarada compensada com um crédito já
existente do comprador sobre o vendedor). Neste caso, estar-se-á perante uma
verdadeira alienação fiduciária em garantia, que é dificilmente compativel com a
proibição do pacto comissório.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 159
A cláusula a retro constitui uma estipulação do contrato de compra e venda, sendo por
isso sujeita à forma exigida para esse contrato.
Nos termos do disposto no artigo 927.º, o que caracteriza a venda a retro é o facto de ser
atribuida ao vendedor uma posição jurídica especifica que lhe permita resolver o
contrato e recuperar o bem. Contudo, existem limites legais quanto à estipulação do
prazo para a resolução, uma vez que o artigo 929.º determina que a resolução só pode
ser exercida no prazo de dois anos ou de cinco anos a contar da venda, consoante se
trate, respectivamente, de coisas móveis ou imóveis (artigo 929.º/1), prazo esse que se
considera reduzido a esses limites se for estipulado no âmbito superior (artigo 929.º/2).
A referencia legal à venda deve ser interpretada como abrangendo a celebração do
contrato, salvo se a transmissão da propriedade for diferida para momento posterior,
uma vez que nesse caso parece que o prazo apenas se pode iniciar a partir do momento
em que ocorre a transferência da propriedade.
A lei não foge aqui ao sistema da resolução por declaração (artigo 436.º), tendo essa
declaração natureza negocial, ainda que exija uma forma especial para a sua emissão,
que é a notificação judicial.
Nos termos do artigo 931.º determina-se que, salvo estipulação das partes em contrário,
a resolução se considerará sem efeito se, dentro do prazo de 15 dias após a notificação,
o vendedor não fizer ao comprador oferta real das importâncias liquidas que haja de
pagar-lhe a titulo de reembolso do preço e das despesas com o contrato e outras
acessórias. O reembolso do preço e das despesas com o contrato e outras acessórias vem
a constituir um ónus e não uma obrigação para o vendedor, uma vez que a sua omissão
leva apenas à ineficácia da resolução e não à responsabilidade por incumprimento.
Note-se que só se encontram em causa as despesas que o artigo 878.º faz recair sobre o
comprador e não as beifeitorias necessárias e úteis realizadas na coisa, não tendo o
vendedor que fazer também oferta real destas para efeito da resolução da venda a retro.
A lei determina que a cláusula a retro é oponivel a terceiros, desde que a venda tenha
por objecto coisa simóveis ou coisas móveis sujeito a registo e tenha sido registada –
artigo 932.º. Nos restantes casos terá eficácia meramente obrigacional.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Coloca-se a questão de saber como se exerce a cláusula a retro, no caso de o bem já ter
sido alienado a terceiro. Parece que, apesar de já ter ocorrido essa alienação, em caso de
resolução, é ao comprador que esta deve ser notificada, bem como é a ele que lhe deve
ser feita a oferta real do preço e despesas, devendo depois o vendedor opor ao
adquirente o seu direito e tendo este direito de reclamar do comprador o reembolso do
que lhe tiver pago.
Efectuada a resolução da venda a retro, a propriedade retorna à esfera jurídica do
vendedor. Contudo, a resolução processa-se sem eficácia retroactiva, pelo que a
propriedade é apenas adquirida ex nunc e consequentemente, os frutos que a coisa
produziu entre o momento da venda e o da resolução pertencem ao comprador. Sendo a
cláusula a retro oponivel a terceiros, os bens regressarão livres de quaisquer ónus ou
encargos com que o comprador tenha onerado os bens.
NATUREZA JURÍDICA:
GORLA, BARBERO E BARASSI: situação de propriedade temporária
revogável ou resolúvel;
LARENZ, RAI, GABRIELLI E CARPINO: transmissão da propriedade
associada a uma opção de compra ou a uma promessa unilateral de venda;
PROFESSOR MENEZES LEITÃO: direito de resolução do contrato pelo
vendedor (artigo 927.º), sendo que efectivamente o regime da venda a retro
harmoniza-se integralmente com o disposto nos artigos 432.º e seguintes,
podendo por isso, ser a cláusula a retro ser configurada como uma convenção
atributiva de um direito de resolução do contrato, a exercer ad nutum pelo
vendedor.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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PROFESSOR ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ARTIGO
227,º A 933.º
ARTIGO 227.º
A venda a retro ou a remir foi abolida pelo CC de 1867, uma vez que se entendeu que a
venda a retro encobria, na generalidade dos casos, um contrato de usura, em que a
possibilida de rescisão funcionava como garantia do cumprimento da obrigação
excessiva assumida pelo vendedor. Segundo o PROFESSOR GALVÃO TELLES, ‘’diz-
se que em muitos casos equivalerá praticamente a um empréstimo pignoratício ou
hipotecário com pacto comissório, em que o preço funcionará como capital mutuado, a
coisa vendida como objecto da garantia, e a transmissão da propriedade como cláusula
comissória, que em caso de não restituição do capital, pelo resgate, permitirá ao
mutuante (comprador) reter como seu o objecto, sem avaliação’’. Contudo, segundo o
mesmo autor, a venda a retro pode servir interesses sérios e legítimos, como o daquele
que, precisando de dinheiro, não queira todavia recorrer ao crédito, para não sentir o
peso de encargos, e não queira também despojar-se definitivamente dos bens,
conservando a esperança e o direito de os recuperar.
O exercício do direito de resolução tem como consequência a aplicação do disposto nos
artigos 432.º e seguintes, em tudo o que não estiver especialmente regulado nesta
secção. Os efeitos são, portanto, os da anulação ou declaração de nulidade do acto
(artigo 433.º). Nos termos do artigo 289.º/1, o comprador deve restituir a coisa
comprada e o vendedor deve restituir o preço. Durante a pendência do negócio, o
comprador é havido como possuidor de boa fé, sendo-lhe aplicáveis as disposições dos
artigos 1269.º e seguintes (artigo 289.º/3).
Se o vendedor não estiver em condições de restituir o preço, por circunstâncias não
imputáveis ao comprador, não pode resolver o contrato (artigo 432.º/2).
ARTIGO 928.º
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Proibem-se duas cláusulas:
i. A que atribui ao comprador, no caso de resolução, o direito a uma quantia em
dinheiro ou a outra vantagem, como contrapartida;
ii. A que obriga o vendedor a entregar um peço superior ao fixado para a venda.
Pretende-se evitar que a venda a remir encubra um negócio usurário, no qual o
comprador se aproveitasse da situação de necessidade em que eventualmente se
encontre o vendedor. Por isso, nada se opõe, dada a ratio da norma, a que se fixe para o
vendedor a obrigação de restituir um preço inferior ao recebido. Será hipotese rara, dada
a tendência da moeda para a sua desvalorização, e que por isso só se concebe quando a
desvalorização provavél da coisa exceda a da moeda. Com a restituição do preço, o
vendedor é responsável também pelo pagamento das despesas com o contrato e outras
acessórias. É uma obrigação contratual e não legal.
A nulidade das referidas cláusulas não afecta a validade da venda a remiri ou das
demais cláusulas do contrato (N.º1). No caso de se ter estipulado a restituição dum
preço superior, a nulidade diz respeito apenas ao excesso (n.º2).
ARTIGO 929.º
É a incerteza, quanto à sorte do contrato, que justifica o estabelecimento destes limites
de tempo para o exercício do direito de resolução; é ainda a conveniência de evitar que a
eficiácia real da cláusula, que perjudica a livre circulação dos bens, se protele por muito
tempo.
Os prazos fixados na lei são improrrogáveis (n.º2) e contam-se a partir da venda (n.º1 e
2). Se houver promessa de vensa, esta é, por irrelevante para esse efeito. Trata-se do de
prazos de caducidade e não de prescrição (artigo 298.º/2). Encontram-se sujeitos ao
regime dos artigos 328.º e seguintes.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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A fixação dum prazo pela lei afasta a possibilidade, conferida em termos gerais pelo
artigo 436.º/2, de a outra parte fixar um prazo razável para o exercício do direito.
Nada impede que, dentro dos prazos (resolutivos) legais estabelecidos, as partes fixem
um prazo (suspensivo) inicial, de modo a que a resolução do contrato não possa ser
exercida senão passado certo período (a fim de o comprador se assegurar do uso da
coisa durante um período mínimo).
ARTIGO 930.º
Não é admitida como forma de resolução a simples declaração à outra parte. A
disposição genérica do artigo 436.º/1 é afastada.
Feita a notificação judicial, sempre que se trate de venda de coisa imóvel, é necessária a
realização de uma escritura pública. Como se trata de um negócio unilateral (resolução)
e não de um novo contrato, como o que exigiria o pacto obrigacional ou o contrato
promessa de retrovenda, não é necessária a intervenção do comprador.
ARTIGO 931.º
As despesas com o contrato e outras acessórias são aquelas que o artigo 878.º coloca a
cargo do comprador. Embora o vendedor não tenha recebido tais importâncais, é justo
que as pague ele e não o comprador, uma vez que a resolução do negócio ocorre no
exclsuvio e por iniciativa do primeiro.
A obrigação do vendedor fazer a oferta real do preço e demais despesas ao comprador,
dentro dos quinze dias subsequentes à notificação não é imperativa. A caducidade só se
verifica no silêncio do contrato. Pode convencionar-se um prazo de caducidade superior
ou inferior a este. As partes tambem podem concordar, nao obstante o silencio do
contrato, na dilação do prazo legal, pois não há principios de ordem pública a
slavaguardar. Como regra supletiva fica a da necessidade da oferta real dos reembolsos
a que haja lugar, sob pena de caducidade do direito.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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As obrigações de restituição impostas aos contraentes pelo fim do resgate da coisa não
funcionam como obrigações sinalagmáticas, mas como obrigações subordinadas ou
sucessivas; a restituição da coiusa segue-se ao reembolso do preço e demais
importâncias.
Nem o comprador deve neste caso restituir os frutos entretanto percebidos da coisa nem
o vendedor os juros do preço.
A oferta real pode realizar-se pelas mais variadas formas, desde que não se reduza a
uma simples promessa d epagamento futuro e coloque, pelo contrário, o compreador em
condições de receber imediatamente as somas que lhe são devidas.
A oferta refere-se apenas às importâncias liquidas, ou seja, aquelas cujo montante seja
ou deva ser o conhecido do vendedor, visto não se compreender que ele devesse
oferecer desde logo o pagamento de despesas cujo volume desconheça sem culpa.
Quanto a estas importâncias iliquidas, não compreendidas na oferta real, o comprador
não goza, quando ao seu pagamento, da garantia dada pela propriedade da coisa, mas
gozará quanto a algumas delas do direito de retenção da coisa.
ARTIGO 932.º
O artigo 932.º tem de ser conjugado com o artigo 435,º. Na medida em que ambos são
aplicaveis na venda retro. Em princípio, a resolução dos contratos, ainda que
expressamente convencionada, como neste caso, não prejudica os direitos adquiridos
por terceiro. Se a coisa for alienada ou sobre ela se constituir um direito real não pode a
cláusula a retro afectar os direitos do subadquirente ou do titular do novo direito real.
A excepção a esta regra é o artigo 932.º: desde que a venda tenha por objecto coisas
imóveis ou coisas móveis sujeitas a registo, e tenha sifo registada a cláusula a retro, esta
é já oponivel a terceiros.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 165
ARTIGO 933.º
Não importa, para aplicação da doutrina desta norma, que a coisa seja vendida na sua
totalidade, que todos os consortes tenham alienado o seu direito. Se, por exemplo, a
coisa pertence a 3 pessoas e 2 delas vendem a sua quota, em conjunto, com a cláusula a
retro, a resolução, por força deste artigo, só poderá fazer-se com a intervenção dos dois
alienantes.
Esta disposição só é aplicável se a venda é feita em conjunto. Se um dos consortes
aliena a sua quota com a cláusula a retro e, por outro contrato, outro consorte aliena
também a sua, com a mesma cláusula, cada um dos alienantes pode resolver o seu
contrato sem intervenção do outro. Os negócios mantém entre si, independência, pois
não se vende coisa ou direito comum, mas sim quotas que pertencem exclusivamente
aos alienantes.
Durante o periodo em que se mantém a possibilidade de resolução, devem naturalmente
ser acautelados os interesses dos alienantes quanto ao seu eventual regresso à situação
de titulares da coisa ou do direito comum. Assim, se for requerida divisão da coisa
comum, quer pelo comprador, quer pelos restantes comproprietários, devem os
alienantes ser chamados a intervir na acção, para que nela possam defender os interesses
ligados à eventual resolução do contrato e ao seu consequente regresso à titularidade da
coisa ou do direito. Esta solução vale mesmo para o caso da alienação separada ou
independente de quotas.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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25 de Novembro – Aula 14
Exemplo: A arrenda a B o imóvel o proprietário do imóvel podem ser ambos (apenas
uma perspectiva de ler a frase!).
Diz-se ‘’dar de arrendamento’’ e ‘’tomar de arrendamento’’.
Nos termos do artigo 1022.º consagra-se a obrigação de proporcionar a outrem o gozo
de uma coisa, o que é diferente do que sucede na compra e venda em que existe a
transmissão da propriedade. No regime da locação está em causa um gozo temporário,
mediante uma retribuição. Um gozo temporário sem retribuição consubstância um
contrato de comodato. A retribuição na locação designa-se como aluguer, nos termos do
artigo 1038.º al. a).
A fonte da locação, e nomeadamente do arrendamento, em regra resulta da celebração
de um contrato, mas existem duas excepções:
1. Artigo 1793.º CC, em que, existindo problemas no âmbito do divórcio, o
tribuinal atribuir a casa de morada de família a um dos ex-conjuges;
2. Lei 7/2011 (Lei da União de Facto), em que, no artigo 4.º, se regulam os
aspectos relacionados com a casa de morada de família.
Nos termos do artigo 1038.º al. i) consagra-se como obrigação do locatário restrituir a
coisa locada findo o contrato de locação. Tal demonstra que o não se pode locar uma
coisa fungível ou consumível (‘’a coisa locada’’). O PROF. ROMANO MARTINEZ é
contra esta afirmação.
ARRENDAMENTO URBANO
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Ou seja,
Nos termos do art. 1022º, existem três elementos que definem o arrendamento típico:
Obrigação de proporcionar a outrem o gozo de uma coisa
O gozo ser temporário
Existência de uma retribuição
Sem retribuição, mas com a presença dos outros dois elementos, não se
está face a uma locação mas sim a um comodato.
A fonte da locação é o contrato, excepto nas situações de dissolução da união de facto e
na casa de morada de família (art. 1793º).
Pode ser locada uma coisa fungível (art. 207º) ou consumível (art. 208º)?
Nos termos do art. 1038º al. i) existe a obrigação por parte do locatário de restituir a
coisa locada findo o contrato. Note-se que este artigo diz ‘’a coisa locada’’, pelo que
não poderá ser outra do mesmo género – terá de devolver a mesma coisa.
Modalidades do Contrato de Locação
1. Arrendamento vs Aluguer – art. 1023º
Critério: depende do objecto do contrato de locação
Arrendamento: bens imóveis
Aluguer: bens móveis
Modalidades de Arrendamento
Arrendamento de Prédio Urbano vs Arrendamento de Prédio Rústico critério do
objecto
Arrendamento de Prédio Urbano Habitacional e Não Habitacional/ Prédio Rústico Rural
e Florestalcritério do fim
Arrendamento de Prédio Urbano
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Fins Habitacionais
Fins não Habitacionais
Arrendamento de Prédio Rústico
Rural: se o prédio se destinar à exploração agrícola ou pecuária
Florestal: se o prédio se destinar à exploração silvicultura
Arrendamento Misto (art. 1066º)
Tem como objecto um prédio em parte rústico e outra parte urbano
Enquadramento Legislativo
▲ Aluguer não tem um regime específico no CC, tendo sim legislação especial
Quanto ao Arrendamento – diplomas essenciais
Código Civil de 1966
As primeiras seis secçõesmantém-se iguais; a secção VII tratava do arrendamento rural;
a secção VIII tinha como epigrafe o arrendamento de prédios urbanos e outros rústicos
8 subsecções, sendo que as cinco primeiras encontrava-se centrada no arrendamento
urbano e as três últimos tratava das disposições gerais.
Decreto-lei 201/75, de 15 de Abril
Em 1975, surgiu o decreto Lei 201/75, de 15 de Abril. Nesta altura, o ambiente era
revolucionário, sendo que tudo terminou com o 25 de Novembro de 1975. Este decreto-
lei regulou o arrendamento rural, sendo o primeiro decreto lei a fazê-lo. Regulou-o
porque os problemas do arrendamento rural foram um dos grandes motivos da
revolução, sendo que esta foi composta essencialmente por três:uma dos primeiros
motivos relacionava-se com as guerras ultramarinas, uma segunda relacionada com a
democratização e a terceira foi a reforma agrária (o sul vivia momentos muito difíceis -
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 169
mais desenvolvimentos: ouvir músicas do Sérgio Godinho). O tema reforma agrária era
um dos grandes temas. É um diploma que tem certas curiosidades: retirou a matéria do
CC (a secção sétima do CC de 1966 desapareceu); no CC essa secção sétima tinha certa
de dezanove artigos, mas o decreto lei têm quarenta e oito artigos; actualmente o
arrendamento rural que tem por base o diploma de 1988 tem quarenta artigos. Portanto,
para que o interessa em matéria de locação é este o primeiro golpe que retira a matéria
do arrendamento rural do CC.
Historicamente, a Revolução de 75, teve a preocupação com a matéria rural. Regulou o
arrendamento rural e retirou-o no CC.
Actualmente o arrendamento rural a lei mais recente é de 88 e foi alterada em 99, ou
seja continua a ser um diploma com cerca de 40 artigos e a estar fora do CC
Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro de 1990 (RAU)
Em 1990 o clima política era muito mais calmo. Os nossos avós com grande
naturalidade viveram sempre na mesma casa (''casa dos avós): até 74 não existia
inflação, embora o país fosse muito pobre, existia uma classe que adquiria a riqueza por
via do trabalho, sendo que com as poupanças que tinha do trabalho investia em imóveis
com os seguintes objectivos: obter rendimento e com este rendimento fazer face à sua
velhice (não existia segurança social). Nesta altura, o mercado dos imóveis era um
mercado estável (se o inquilino pagasse as rendas o senhoria ficava muito contente).
Deste modo, existiam arrendamentos que duravam eternidades, havendo uma
estabilidade locatícia: os contratos eram vinculíssimos (apesar de os arrendamentos
poder durar a vida das pessoas tinham prazo: desde que o inquino cumprisse as suas
rendas, o contrato renova-se automaticamente, sem o senhorio poder fazer nada, uma
vez que só poderia colocar termo se existisse um incumprimento por parte do inquilino
ou em caso de necessidade de fazer obras), não existiam aumentos de rendas, etc.
Em 75 foi tudo nacionalizado (ao contrário do que sucede actualmente em que é tudo
reprivatizado). Em 74, o regime do arrendamento não foi modificado, mas as rendas
ficaram paralisadas, sendo que cada menos esta diminuía para o senhorio.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 170
Nos anos 80, politicamente a situação estava estável. No domínio do ''Cavasquistão''', a
sociedade ficou convencida de outra coisa: apareceu o celebre anúncio que ''quem casa
quer casa'', sendo que quase ninguém da geração do PROFESSOR EIRÓ arrendava
casa, porque preferiram estar a ''pagar a renda'' ao banco e no fim a casa ficava deles. É
evidente que o ambiente económico da altura proporcionava tal. Além disso, na época
do professor não existia qualquer problema em arranjar trabalho, pelo que existindo
dinheiro não havia qualquer problema em comprar casa através de empréstimo do
banco. O emprego era estável e localizado pelo que tudo indicava para a aquisição de
imóvel, através de financiamento dos bancos, que financiavam sem qualquer entrave.
Contudo, as pessoas começaram a reparar que as casas estavam todas a cair: desde 74
ninguém fez obra nos imóveis, pois só interessava propriedade horizontal e novas
construções.
O regime do arrendamento urbano que surgiu em 90, foi encomendado pelo
PROFESSOR DR. CAVACO SILVA, sendo que este diploma colocou o PROF.
ANTUNES VARELA enlouquecido. A feitura deste regime foi encomendado ao PROF.
MENEZES CORDEIRO, que embora quisesse ter ido mais além, politicamente não
teve condições para tal.
O preâmbulo deste diploma foi realizado pelo PROF. MENEZES CORDEIRO,
encontrando-se ''muitíssimo bem feito'', uma vez que estabelece a relação existente entre
o enquadramento social da época e o arrendamento urbano.Umas das coisas que se
retira do preâmbulo é a necessidade de dinamizar o arrendamento habitacional, que se
encontrava paralisado. Este diploma retirou a matéria do arrendamento urbano do CC.
Este RAU, em certa medida, não consegui resolver todos os problemas que vinham do
arrendamento, não conseguido todos os objectivos a que se tinha pressupostos.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 171
Quanto aos arrendamentos novos, no RAU, entre algumas novidades, existiu uma de
caracter bastante inovador: criou-se os contratos de duração limitada. Os contratos de
duração limitada para habitação, desde que celebrados pelo menos durante 5 anos,
permitia ao senhorio, após os cinco anos, colocar termo ao contrato, sem qualquer
justificação. Foi a primeira brecha no vinculísmo.
Em suma…
O Arrendamento Urbano tem problemas gravíssimos a partir de 75, misturando-se o
congelamento da renda com a inflação. Antes ninguém se procurou em actualizar as
rendas porque não se pensava na inflação. Depois da Revolução, os senhorios recebiam
rendas miseráveis devido à inflação, não tendo hipótese nenhuma de ter rendimentos
com os prédios.
O RAU foi um documento encomendado ao Prof. Menezes Cordeiro e que proveio do
Ministério das Obras Públicas.
Trata-se de um documento que engloba todo o regime do arrendamento urbano, tanto ao
nível substantivo como processual. A ideia era construir algo semelhante a um Código.
Retirou o arrendamento urbano do CC. A matéria do arrendamento urbano, sendo uma
matéria muito sensível, teria de ser alterada varias vezes pelo que não faria sentido estar
se a incluir no CC para depois se estar a alterar este.
Grande novidade: antes do RAU o arrendamento renova-se automaticamente e
vitaliciamente para o senhorio, a menos que existisse incumprimento. O RAU em 90
criou os contratos de locação limitada por 5anos. As partes chegavam ao fim dos 5anos
e o senhorio se quisesse poderia por termo ao contrato. Não era uma situação totalmente
equilibrada, havendo mais arrendatários do que senhorios, podendo os arrendatários
terminar os contratos a qualquer altura.
Arrendamentos Temporários e Rendas Actualizadas (quoeficientes novos todos os anos)
Não consegui, na constatação de todos, dinamizar o mercado de arrendamento.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Decreto-Lei 257/95, de 30 de Setembro
Permitiu que os arrendamentos comerciais também pudessem ser celebrados por prazo
de duração limitado (o que o RAU não permitia)
Cinco anos depois, o legislador, achando tão boa a ideia dos arrendamentos de duração
limitada, decidiu extendê-la aos arrendamentos não habitacionais, ou seja aos
arrendamentos para comércio ou indústria, dando também um toquezinho no que toca à
alteração das rendas (através de acordo entre as partes), etc.
Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro (Lei que institui o NRAU)
Mais uma vez a histórica política influenciou a matéria do arrendamento. 2004, foi o
ano em que o Governo do Dr. Durão Barosso foi substituído pelo Governo relâmpago
do Dr. Santana Lopes. Quando chegou ao governo, o Dr. Santana Lopes não perdeu as
características que o definiam: loucura e coragem. Encomendou ao PROF. MENEZES
CORDEIRO o projecto de 2004. Este projecto tinha quatro diplomas: alteração
legislativa; arrendamentos novos; normas transitórias; e arrendamentos antigos. Esse
diploma chamava-se RNAU (Regime dos Novos Arrendamentos Urbanos).
É muito curioso ver-se o ataque político que o Governo do Dr. Santana Lopes sofreu
devido ao regime do arrendamento urbano, nomeadamente quando aos arrendamentos
antigos (antes de 90). A negociação entre senhorios e arrendatários quanto ao regime
das rendas, que tanto foi atacado em 2004 é o que actualmente está em vigor. Entretanto
o Governo do Dr. Santana Lopes desapareceu devido ao Dr. Jorge Sampaio e vem o
Governo de Socrates.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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O partido socialista ganha as eleições com maioria absoluta e quando chega ao governo,
o ''louco do josé socrates'' decide cumprir o programa eleitoral, dizendo que tinham 100
dias para renovar a legislação do arrendamento. Não querendo o programa do PROF.
MENEZES CORDEIRO, colocou-se a questão de saber quem iria fazer tal. Saiu a fava
ao Dr. Eduardo Cabrita. Porquê?? Porque é que foi um secretário de estado adjunto a
quem coube isto? Quanto se sabe, este deputado foi um dos intervenientes contra ao
projecto do PROF. MENEZES CORDEIRO. Recorreu a uma docente óptima da FDL,
Paula Almeida Lourenço Surge a Lei 6/2006.
Ou seja…
O Governo permitiu ao Prof. Menezes Cordeio que preparasse diplomas sobre esta
matéria. Ele realizou tal, estavam quatro diplomas prontos para entrar em vigor mas
houve uma curiosidade interessante: havia um diploma principal com a epígrafe RNAU.
Ele pensou em estabelecer uma nova regulação para os novos arrendamentos urbanos
(regime dos novos arrendamentos urbanos). Tinha ainda um diploma transitório para
resolver a situação dos chamados arrendamentos urbanos antigos. Ao resolver a situação
dos arrendamentos antigos iria provocar uma convulsão. O Governo do Dr. Santana
Lopes e entrou em vigor o Governo do ‘’Eng.’’ José Sócrates. Este governo na
campanha eleitoral apresentou 90 medidas para 90dias, sendo que um dessas medidas
era a reformulação do arrendamento urbano. Ganhando as eleições chegou-se à seguinte
conclusão quanto a esta medida: ou incumpre-se o programa eleitoral ou cumpre-se. Ele
tentou cumprir o programa eleitoral mas tal foi desastroso conduzindo a uma reforma do
arrendamento urbano num prazo muito curto. O Grande autor do regime de 2006 foi o
Dr. Cabrita Neve (grande critico daquilo que o Prof. Menezes Cordeiro defendia).
Contudo, devido à Prof. Paula Pereira da Silva esta programou a reforma de 2006 e
evitou certas consequências que poderiam conduzir ainda a um resultado mais gravoso.
Surge a Lei 6º/2007 – inúmeros problemas técnico formais (devido à falta de tempo)
sendo publicada numa segunda-feira de carnaval tem três tipos:
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 174
Novo Regime do Arrendamento Urbano: publica-se um regime que
se aplica a todos os arrendamentos urbanos, o que inclui os antigos e
novos arrendamentos urbanos.
Artigo 1º (não se insere nem no capítulo I nem no Capítulo II
anomalia)
Capítulo I – alterações legislativas, nomeadamente as
relativas ao CC (altera-se este regressando ao CC a matéria do
arrendamento urbano). Quando o legislador analisa ao CC
este passa a contemplar 8 secções, sendo a 7º secção relativa
ao arrendamento urbano.
Capítulo II – Disposições Gerais, sendo que se refere a
matéria especifica do arrendamento urbano (matéria das
comunicações, despejo, determinação da renda)
Normas Transitórias: Posteriormente perceberam que havia um
problema de inserir todos no mesmo ‘’saco’’ programando, então,
normas transitórias. Existem dois capítulos: está em causa
arrendamentos antigos (leia-se até à entrada em vigor desta lei) e
arrendamentos celebrados depois da entrada em vigor. Nos
arrendamentos urbanos distingue os mais dos menos antigos
utilizando os diplomas anteriores. Para ele legislador, o mercado que
separa os arrendamentos antigos dos mais antigos.
Capítulo I – celebrados quando o RAU estava em vigor
Capítulo II – Regime Transitório para os arrendamentos
antigos para os mais antigos, ou seja aqueles celebrados até a
entrada em vigor do RAU e antes do DL 265/95. Neste
capítulo tentou resolver-se o problema das rendas dos
arrendamentos antigos. Não foi muito eficaz uma vez que
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 175
todo este esquema implicava a avaliação dos imóveis pelas
finanças (aumento do IMI, etc), pelo que os senhorios
ponderam o seguinte: os arrendatários, ao fim de alguns anos
começam a pagar mais, mas ele próprio também iriam pagar
mais ao fisco. Existia uma tentativa de resolução dos
arrendamentos antigos que não foi conseguida.
Normas Finais
O NRAU introduziu uma dicotomia que assentava em duas
alternativas: ou o arrendamento urbano é para fins habitacionais ou
então é para outros fins (não habitacionais). Esta lei, em ralação aos
arrendamentos activos, tem como elementos distintivos básicos o
RAU e o DL de 95, ou seja separa a regulação dos arrendamentos
urbanos consoante estejam ou não celebrados em 90 e os
arrendamentos não habitacionais consoante tenham sido ou não
celebrados antes da entrada em vigor do DL 95. Embora tenha
querido substituir o regime em vigor, nomeadamente no art. 60º)
(RAU – em vigor desde 90). Nomeadamente o art. 59º/3 produz a
maior perplexidade face aos juristas (norma sobre as normas
supletivas), faz que para a resolução de problemas de arrendamentos
antigos o RAU terá que à partira ser considerado.
Quanto ao CC, em relação às seis primeiras secções da locação só
alterou 6 ‘’pequenas coisas’’, tendo-se continuado a ter basicamente
o mesmo regime que existia desde de 1966. Contudo, esta lei aditou a
secção 7º tendo sido criadas uma série de regras que acabam no art.
1113º e recomeça no art. 1121º. Sabe-se agora que nesta altura se
pensou em fazer regressar ao CC o regime do arrendamento rural
(ainda bem que tal não aconteceu por um lado uma vez que seria
impossível em seis artigos (1114º a 1120º) ter-se o regime do
arrendamento rural). Quanto à secção 7º: a lei 6/2006 que constitui
um novo avanço na quebra do vinculísmo (contratos de arrendamento
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 176
urbano obrigatórios para o senhorio que só poderia terminar com eles
em caso de incumprimento do arrendatário, sendo que em 95’ tal foi
um pouco quebrado com os contratos de 5anos que eram bons para o
senhorio mas também maus uma vez que os arrendatários, desde que
realizassem um aviso prévio de 90 dias, poderia denunciar ou revogar
o contrato.
Existe um aumento da autonomia nova quanto aos contratos de
arrendamentos novos para fins não habitacionais (após 2006): as
partes poderiam combinar o que quisessem; quanto aos
arrendamentos para fins habitacionais continuou cheio de medo da
desprotecção do arrendatário (justifica-se no mercado?) fazendo-se
uma grande distinção nos arrendamentos para fins habitacionais (que
também era para os não habitacionais mas nós não nos devemos
preocupar porque se remete para a autonomia privada)
Contratos com Duração Limitada/determinada: 5anos (não
podem ser celebrados por menos de 5anos salvo certas
situações)
Contratos com Duração Ilimitada/indeterminada: o contrato
começava a funcionar sem prazo mas se o senhorio quisesse
denuncia-lo teria de fazê-lo com um aviso prévio de 5anos.
Mais vale celebrar o contrato com duração determinada de
5anos do que assim.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 177
Lei 31/2012, de 14 de Agosto que entrou em vigor em 12 de Novembro
(imposição da TROIKA)
Art. 1º (objecto da lei): dinamizar o mercado do arrendamento urbano,
através de três meios
Maior autonomia privada quanto à duração do contrato
Nos contratos antigos, que continuam a ser a maior preocupação,
existem dois meios
Reforçar a negociação entre as partes (ideia do Prof.
Menezes Cordeiro)
Facilitar a transição rápida para o novo regime
Relaciona-se com o funcionamento dos tribunais, que é um
desastre diga-se, consagrando o procedimento especial de despejo
(visa uma recolocação célere do locado no mercado de
arrendamento)
Prof. Pedro Eiró: estamos face a uma óptima lei embora não
resolve o problema constante do art. 1083º quanto à resolução e
não se saiba se o Balcão Nacional do Arrendamento irá
funcionar. Teoricamente esta lei é muito boa mas é necessário ver
na prática tal funciona.
Art. 2º (alterações ao CC): alterou-se 21 artigos do CC, três deles nas
primeiras seis secções (secção 4º - alterações relativas à extinção do
contrato por resolução (art. 1048º) e por caducidade (art. 1054º e 1055º))
e dezoito alterações na secção 7º (sete alterações nas subsecções
aplicáveis a todos os arrendamentos urbanos, dez alterações na secção do
arrendamento para fins habitacionais e uma alteração para os
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 178
arrendamentos sem fins habitacionais). O Prof. Pedro Eiró concorda com
todas as alterações
Art. 3º (alterações ao CPC): nomeadamente quanto ao despejo e ao
deferimento da desocupação de imóveis.
Art. 4º (alterações à Lei 6/2006): existem vinte e três alterações em
vários sítios, nomeadamente nas normas transitórias dos arrendamentos
antigos. Alterações profundíssimas verificaram-se quanto esquema do
aumento de rendas, ou seja o senhorio, actualmente, escreve uma carta ao
locatário a dizer que este tem uma renda de 100 e propõe uma renda de
2000; o arrendatário tem 30 dias para responder podendo (1) aceitar, (2)
renunciar ao contrato; (3) contrapropor; senhorio tem três dias para
pensar (1) aceita a contraproposta; (2) não aceitar a contraproposta e se
quiser extinguir o contrato terá de indemnizar o locatário sendo tal
correspondente a cinco anos entre a média da renda antiga e a renda que
se pretendia. Problema: é necessário que o locatário entregue o imóvel
para receber uma indemnização. Mas se não for para fins habitacionais é
necessário arranjar-se um novo arrendamento e a empresa muda-se para
outro lado. O que sucede se o senhorio não quiser pagar a indemnização?
É que se trata de uma indemnização gravíssima, porque por exemplo em
2004 era só de 1ano de rendas. Se o senhorio disser que não tem dinheiro
para a indemnização a renda será requalificada depois de uma analise do
locado pelas finanças. O arrendamento fica sujeito a um prazo de 2anos e
depois logo se vê (acabam-se os arrendamentos antigos)
Art. 5º - aditamento à Lei 6/2006. Matéria de processo civil de despejo.
Art. 15º-A a 15º/5 foram introduzidos
Art. 6º - sistematização da Lei 6/2006
Art. 7º (prazos) – muitos prazos foram reduzidos e existe o problema
quanto aos prazos que estão a correr
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Art. 8º - remete para diploma próprio que respeita à tributação das rendas
(…)
Art. 11º - contém uma disposição transitória.
Art. 13º - contém uma norma revogatório quanto a alguns preceitos da
Lei de 2006, CC e CPC
Art. 14º - mandou republicar não só o capítulo todo da locação, como
alguns títulos da Lei 2006 estudar esta matéria pela republicação, não
é preciso estar a ver todas as normas de outros diplomas
Art. 15º - entrada em vigor (12 de Novembro de 2012)
Em suma…
A lei 6/2006 manteve inalteradas as seis primeiras secções da locação, no CC. Existiram
oito alterações, mas apenas de pormenor ou de ortografia. A alteração está na secção
sétima (que anteriormente não existia no CC).
A ideia é liberalizar o mercado de arrendamento, aproximar a posição de senhorio e
locatário. O legislador, nos arrendamentos não habitacionais, levou esta ideia muito para
a frente (artigo 1108.º e seguintes): o que o legislador disse ''as partes que se entendam'',
mas não foi ao limite tendo ainda tido algumas hesitações quanto ao prazo do termo.
Deste modo, no arrendamento para fins não habitacionais vigorava o Princípio da
Autonomia da Privada.
Quanto aos arrendamentos para fins habitacionais, o legislador criou os contratos de
duração limitada e os contratos de duração ilimitada, querendo dar cabo do vinculísmo,
querendo não só nos contratos de duração limitada impedir a renovação ao fim do
prazo, existindo ainda a criação de uma cláusula de denúncia livre.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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O professor não sabe de onde surgiu o prazo de 5 anos, prazo tão mencionado no
NRAU: os contratos de duração limitada não podiam ser celebrados por mais de cinco
anos; os contratos de duração ilimitada podiam ser denunciados pelo senhorio, mas só
se o fizessem com um aviso prévio de 5 anos (norma mais sem sentido do NRAU).
A Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, colocou cobro a muitos dos problemas causados
pelo NRAU (2006), problemas esses que se deveram sobretudo, não a incompetência
técnica, mas sim a falta de tempo. Esta lei tem de ser analisada com o objectivo do seu
surgimento: foi forçada pela Troika. O objectivo encontra-se consagrado no artigo 1.º: a
ratio legis é dinamizar o mercado do arrendamento urbano (o professor Eiró acha isto
uma boa ideia desde há 20 anos):
maior autonomia privada quanto à duração do contrat
nos arrendamentos mais antigos existem duas soluções: (1) reforçar a
negociação entre as partes e (2) facilitar a transição rápida para o novo regime
acabar com o vinculísmo
A idade superior a 65 anos e uma incapacidade de ou superior a 60%, impede o
objectivo da lei em facilitar a transição rápida para o novo regime, uma vez que o
contrato daquela pessoa nunca irá ficar sujeito ao novo regime. Contudo, existe a
questão de saber como é que fica a situação da renda (artigo 36.º): cabe ao arrendatário
provar que não tem rendimentos para suportar a actualização da renda. Contudo, isto só
vale durante cinco anos, sendo que após esse prazo embora o senhorio não possa a
expulsar de casa, entra-se novamente na negociação da renda, sendo que aqui o
legislador já não permite a invocação da insuficiência económica. Quem vê as suas
rendas a serem actualizadas brutalmente, são aqueles arrendatários que quando
receberam a primeira carta do senhorio a ignoraram.
Este regime é um pouco duro: o arrendatário que invoca insuficiência económica, tem
de demonstrar ao senhorio, todos os anos, que a referida situação se mantém, pelo que
não pode o senhorio actualizar a renda, sendo que se não lhe entregar esse documento
das finanças perde este '''direito''. O arrendatário que não tinha insuficiência económica
no inicio, e não se pode opor, mas que agora tem está ''frito'' porque não pode fazer
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 181
nada. O PROF. PEDRO EIRÓ concorda com isto, na medida em que não é o senhorio
que tem que cuidar destas pessoas, sendo que quem tem de cuidar de tais é o Estado,
sob pena de existir um enorme sarilho.
Esta nova lei cria ainda o procedimento especial de despejo, visando-se uma célere
recolocação do locado no mercado do arrendamento). É um misto de acção de
condenação com acção executiva.
No total, esta lei alterou 21 artigos no CC: dezoito alterações na secção sétima (neste
caso, só uma foi no arrendamento para fins não habitacionais) e três alterações na
secção quatro.
5 e 14 de Dezembro – Aula 15 a 18
CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO
Analisando as regras gerais da locação (primeiras seis secções) não existe qualquer
regra sobre a celebração.
Quanto ao arrendamento urbano já existe normas sobre tal.
Forma (art. 1069º - alterado pela lei de 2012): desde sempre que o arrendamento
urbano foi um contrato formal (escritura pública para certos arrendamentos, a
partir de 90º houve uma confusão com a escritura pública e optou-se pela forma
escrita; RAU exigia forma escrita mas no art. 7º permitia-se que a ausência de
forma, que daria a nulidade, fosse ultrapassada através do recebido de venda; em
2006 estipulou no art. 1069º uma regra ‘’idiota’’ que assentava no contrato
celebrado ate 6meses não obedecia a qualquer forma sendo que a partir de
6meses exigia-se forma escrita problemas: (1) em 2006 criou-se os contratos
de duração indeterminada sendo que estes não sabendo o tempo que vai durar
deve obedecer a forma escrita ou não, sendo que toda a doutrina que se
pronunciou sobre isto, uma vez que tinha de ser denunciado com pré aviso de
5anos, tinha de observar a forma escrita; (2) nos termos do art. 1095º/3
consagrava os contratos especiais (a pessoa quer ter uma segunda casa de ferias,
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 182
quer ir fazer uma pós graduação em local X, etc.) pelo que estes podiam ser
celebrados pelo prazo que se quisesse desde que o fim especial seja exarado no
contrato, ora bem coloca-se o problema de imaginar um fim especial de 5meses
– pelo art. 1095º tinha de ser exarado mas se não é necessário forma escrita
porque não dura mais de 6meseses o que se faz?). A nova lei consagra a forma
escrita do contrato de arrendamento: ou é por escrito ou é nulo (não se pode
combater tal com o recibo de venda agora). Ou seja:
RAU: arrendatário podia demonstrar a existência da celebração do
contrato de arrendamento pela forma escrita, através de recibo de venda -
forma de ultrapassar o vício de forma que iria gerar a nulidade.
NRAU: o artigo 1069.º consagrava que os arrendamentos celebrados por
prazos inferiores a 6 meses não necessitam de adoptar forma escrita.
Maior disparate de sempre: os contratos de duração indeterminada
deviam adoptar forma escrita ou não? Não se sabia o tempo que o
contrato ia durar por definição. A doutrina, neste caso, entendia que
como se nestes casos só se podiam denunciar com um pré aviso de cinco
seria melhor adoptar a forma escrita. A celebração de um contrato de
arrendamento para férias por dois meses atendendo ao artigo 1095.º/3
previa-se que o limite mínimo (5anos) não se aplicasse às situações nele
consagrados (...) para fins especiais NELE EXARADOS. Mesmo sendo
por dois meses, a verdade é que tinha de se adotar a forma escrita porque
tinha de se exarar o fim no contrato.
Lei do Arrendamento Urbano 2012: o artigo 1069.º desapareceu e volta-
se às origens e os contratos terem de ser celebrados por escrito! Manteve-
se, como já sucedia desde 2006, a impossibilidade de afastar a nulidade
do contrato com apresentação do recibo de renda.
Conteúdo (art. 1070º remete para diploma especial DL 160/2006, de 8 de
Agosto que era suposto ter sido adoptado antes da entrada em vigor da Lei de
2012)
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Fim do Arrendamento Urbano (art. 1067º)
Fim Habitacional
Fim Não Habitacional (especificar – comercial, industrial, etc.)
Prazo (regra geral – art. 1025º e 1026º): o prazo da locação em geral tem os
limites consagrados nos referidos nas normas. Não se pode celebrar uma
locação, qualquer que ela seja, superior a 30anos (art. 2025º). Nos termos do art.
2006º consagra-se que uma regra supletiva. Quanto aos prazos do arrendamento
(para habitação) existem regras específicas:
Art. 1094º: contrato celebrado por tempo determinado ou indeterminada
(novidade de 2006)
Nº3: não se sabe qual foi a intenção das partes pelo que se
presume que era celebrado por tempo indeterminado Lei de
2012 – considera-se celebrado por um prazo certo de 2anos
Art. 1095º: consagrava que só se podia celebrar arrendamentos para
habitação por prazo certo com um mínimo de 5anos e um limite máximo
de 30 anos. Este regime foi alterado pela Lei de 2012 e desapareceu o
limite mínimo (novidade enorme e óptima). Deste modo ocorreu a
revogação do nº3 (ver problema desta norma na página anterior)
O art. 1110º/2 consagrava uma norma supletiva sendo que com a Lei de 2012 o
prazo de 10anos passou a ser 5anos. Desde 2006 que os arrendamentos para fins
não habitacionais apenas têm o prazo máximo de 30anos.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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EFEITOS DO CONTRATO – OBRIGAÇÕES DO LOCADOR E DO
LOCATÁRIO
1. OBRIGAÇÕES DO LOCADOR (art. 1031º e ss) – Corolário da Noção de
Locação
▲ Como esta matéria não foi alterada desde 1966 pode-se estudar tal, além do Manual
do Prof. Menezes Leitão, pelo Código Civil Anotado
Nos termos do art. 1031º estabelecem-se duas obrigações do locador (desenvolvidas até
ao art. 1307º)
a) Entregar ao locatário a coisa locada
Legislador, ao contrário do que fez na compra e venda e na doação, não
concretizou esta obrigação (terá de ser no caso concreta analisar qual o objecto).
Entre a Locação, a Compra e Venda e a Doação existe a diferença que justifica
as diferenças de regime: o locatário não adquire nenhum direito real, apenas
adquire um direito pessoa de gozo
Nos termos do art. 1302º a) e o art. 1033º al. a) e b) conclui-se que o locador não
se encontra obrigado a uma custódia da coisa vendida, uma vez que os efeitos da
locação são substancialmente distintos do da compra e venda. O locador é
responsável pelos vícios da coisa.
Pode ser simbólica (relaciona-se com o artigo 1263.º), sendo que a entrega pode
ser directa (pelo próprio locador ou por pelo senhorio) ou indirecta (por
terceiro).
O legislador diz claramente que tem de ser entregue, mas não concretizou nem o
como nem o quando.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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b) Assegurar-lhe o gozo da coisa para fins a que a coisa se destina
Por Exemplo, no comodato não existe esta obrigação uma vez que se está
face a um contrato gratuito ao que sucede na locação.
Embora seja uma obrigação de conteúdo positivo (é curioso comprarar
com o artigo 1033.º/1 in fine – correspectivo do comodato; enquanto o
comodato é um contrato gratuito em que o comodante não está a receber
nenhuma contrapartida, na locação existe o correspectivo de pagar o
preço), o seu cumprimento, normalmente basta-se com a abstenção do
locador (actuação negativa de não perturbar o gozo). Com a locação a
posse é transmitida, ficando a ser detentor da coisa o locatário. Ou seja
para assegurar o gozo basta que o locador não perturbe tal gozo (art.
1037º/2 –o locatário é que se defende contra perturbações da sua
detenção feitas por terceiros)
Prof. Romano Martinez: conclui pela existência, para o locador, de três deveres
principais:
Entregar a coisa locada sem vícios de direito (art. 1034º) nem defeitos (art.
1032º) que obstem à realização cabal do fim a que destina.
Abster de actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa (art. 1037º)
Realizar as reparações necessárias e pagar as despesas imprescindíveis à boa
conservação da coisa (art. 1036º)
Análise do corpo do art. 1032º
Vício que não lhe permitia realizar cabalmente o fim a que é destinada
(exemplo: aluguer de um motor que não funciona, arrendamento de um prédio
inabitável)
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Carecer de Qualidades Necessários ao Fim contratual (exemplo: exposição de
selos ou de fotografias em que se alugam selos de determinados coleccionares e
estes (selos) não apresentam os requisitos necessários para a exposição)
Carecer de Qualidades Asseguradas pelo Locador(exemplo: aluguer de um
motor ou veículo em que se garante uma determinada potência de tal e esse não
a atinge)
O interesse do art. 1032º assenta em consagrar as situações em que o contrato se
considera como não cumprido. Note-se que na compra e venda quando é vendida uma
coisa do defeito considera-se que tal deriva de erro. Por seu lado, na locação resolveu-se
estabelecer que se entrega ao locatário uma coisa para ele gozar e tal tem defeitos
conduz a um incumprimento do contrato.
Análise das alíneas do art. 1032º:
a) Se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar
que o desconhecia sem culpa dupla presunção contra o locador
Presume-se que o locador conhecia o defeito
Presume-se a culpa do locador
Ora, se o locador provar que não conhecia sem culpa o defeito o contrato considera-se
cumprido. Contudo, o Prof. Antunes Varelaafirma que não se encontra verificado a
obrigação do art. 1031º al. b), continuando o locador a entregar ao locatário uma coisa
que não serve para o fim do contrato de locação. Deste modo o locador não poderá pedir
uma indemnização nos termos do art. 1032º al. a) mas poderá pedir uma indemnização
por violação do art. 1031º al. b). Esta posição não é defendida pelo Prof. Menezes
Leitão nem pelo Prof. Pedro Eiró: se o legislador diz que ele prova o desconhecimento e
mesmo assim fosse obrigado a indemizar isso consubstânciava um caso de
responsabilidade objectiva, sendo que tal não parece estar no âmbito da norma. O
locador não fica obrigado a indemnizar o arrendatário, mas este, se quiser, pode pedir
uma redução da renda no caso, de por exemplo, uma divisão da casa ter-se tornado
impossível.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 187
b) Se o defeito surgir posteriormente à entrega, por culpa do locador
É raro porque normalmente depois da entrega não há forma de provocar
o defeito.
Embora esta matéria se encontre localizada no cumprimento da obrigação, nos termos
do art. 1035º consagra-se que tal não preclude a possibilidade de o locatário anular o
contrato com fundamento em erro (pensava que não tinha defeito e afinal tem), podendo
optar em vez da indemnização, pela extinção do contrato. Tal situação, a doutrina,
considera que não se aplica nos casos do art. 1032º al. b) (não há erro).
Em relação, ao art. 1302º, importa ainda salientar, que o art. 1040º e 1050º permitem
que o locatário reduza a renda ou resolva o contrato. Ou seja, o art, 1032º refere-se a
problemas de responsabilidade civil mantendo o contrato. Nos termos do art. 1050º
pode-se pedir a resolução existindo ainda a opção de reduzir a renda nos termos do art.
1040º.
Nos termos do art. 1033º, exclui-se a responsabilidade do locador (se se tiver chegado à
conclusão que este era responsável) em certas situações. Note-se que nos termos da
alinea a) quando se fala em ‘’quando celebrou o contrato ou recebeu a coisa’’ a ideia é
de que o locatário conhecia o defeito depois de celebrar o contrato, sendo que se ele
achar que o defeito consubstanciava um defeito do contrato então não o teria recebido;
se ele recebeu então é porque aceitou o incumprimento defeituoso.
Nos termos do art. 1034º consagram-se os vícios do direito, sendo necessário atender ao
nº2 uma vez que existe uma falta de cumprimento, esta regra tem uma redacção um
pouco ambígua mas pretende afastar a relevância de circunstancias de menor relevância
(exemplo: no arrendamento o locador diz que aquela casa é fresca no verão e quente no
inverno, mas depois chega-se à conclusão que é exactamente o contrário não existe
nenhum vício de direito relevante). No fundo utiliza-se a doutrina do art. 203º/3 (dolus
bónus). Ou seja, diferentemente do que sucedeu na compra e venda, aqui o legislador
diz que a consequência é o incumprimento. Para o legislador a locação de bem alheio é
válida, uma vez que não existe um conflito de direitos entre duas pessoas jurídicas que
se arrogam titulares do mesmo direito. O locatário não adquire um direito real, e muito
menos um direito de propriedade.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 188
Nos termos do art. 1036º e 1307º não existe qualquer problema teórica, a não ser o nº2
do art. 1307º.
Obrigação de Pagamento da Renda e Aluguer. Consequência da Mora do Locatário
Tempo e Lugar do Pagamento: art. 1039º (domicilio do locatário). O nº2 consagra uma
presunção contrária à do art. 779º, ou seja existe uma presunção de mora do credor. Ou
seja, a regra é a de que é no domicilio do credor, sendo que uma das funções
importantes do porteiro ou da porteira era receber as rendas.
Mora do Locatário: art. 1041º
Nos termos do art. 1041º/2 é necessário saber se cessa a indemnização do nº1 ou o
direito a qualquer indemnização. Este artigo pretende-se com a questão de saber se
existe ou não lugar a pagamento de juros de mora. Segundo o Professor PEDRO EIRÓ,
olhando para o artigo em análise, acha que o que não é devido é a obrigação agravada
dos 50% ou o direito à resolução. Contudo, não se conhece nenhuma jurisprudência que
aplique juros de mora nesse tempo (nem ninguém intenta acções neste momento).
Segundo o Professor Menezes Leitão esta norma extingue tudo. Segundo o Professor
Romano Martinez há lugar ao pagamento de juros de mora, mas no arrendamento
urbano existe uma norma consuetudinária que afasta o pagamento a juros de mora
(QUAL?? Não existe!).
A Doutrina e a Jurisprudência tem entendido que a pratica não é cobrar juros de mora
durante esses oito dias. Esta norma também se aplica ao arrendamento urbano e a
verdade é que o senhorio não tem impulso processual para propor uma acção para obter
juros de mora.
Segundo o Prof. Menezes Leitão não existem quaisquer juros de mora.
Na pratica é uma questão sem relevância quase nenhum mas mesmo assim não deixa de
ser controversa.
Imagine-se que o locatário não pagou o aluguer no prazo combinado. Passados 10 dias
ainda não pagou. Além de poder pedir a indemnização consagrada no art. 1041º/1 o
locador pretende acabar com o contrato. Em que termos poderá fazê-lo?
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Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 189
Primeiro é necessário transformar a mora em incumprimento definitivo para se poder
resolver o contrato (art. 801º/2).
Nos termos do art. 1047º a resolução poderá ser:
Judicial: cessa o direito à resolução se o locatário pagar as rendas
vincendas e a indemnização consagrada no art. 1041º/1
Extrajudicial: por aplicação do art. 1048º/4 remete-se para o art. 1084º/3
e 4 passando o prazo a ser de três meses.
Note-se que o art. 1048º/3 consagra ainda a aplicação dos números anteriores à falta de
pagamento de encargos e despesas que corram por conta do locatário.
Nos termos do art. 1048º/1 consagra-se que ‘’O Direito à Resolução do contrato por
falta de pagamento da renda ou aluguer caduca’’, mas não é correcto dizer caduca uma
vez que o direito foi exercido. Trata-se no fundo do direito à resolução deixar de
produzir efeitos. Existindo uma resolução judicial, o locatário pode impedir a resolução
pagando nos termos do artigo 1041.º/1.
Iremos agora analisar o Arrendamento Urbano
O art. 1075º/1 consagra uma disposição nova (o art. 19º do RAU consagrava que o
quantitativo da renda deveria ser fixado em escudos). Nos termos da norma ‘’A renda
corresponde a uma prestação pecuniária periódica’’ pelo que a sua relevância prática
assenta que pode ser estipulado que a renda seja paga em moeda que não seja a usada no
país (em vez de ser em euros pode ser em libras).
Nos termos do art. 1077º, grande novidade de 2006, consagra-se a actualização das
rendas. A partir de 90 os contratos celebrados ao abrigo do RAU já tinham uma
actualização da renda anual, acompanhando os quoeficientes a inflação. Em 2006 as
partes podem combinar o que quiser (princípio da autonomia privada) havendo ainda
um regime supletivo que é o das actualizações anuais.
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE
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Quando é que se vence a renda?
Nos termos do artigo 1039.º/1 vence-se no último dia da vigência do contrato ou do
período a que respeita.
Celebrando hoje um contrato de arrendamento urbano, para habitação por exemplo, que
montantes da renda se arrisca a que o senhorio exija? Nos termos do art. 1075º/2
consagra-se quando é que o senhorio poderá exigir a renda. E a caução? Esta não é uma
renda, mas sim uma garantia, que visa que as despesas com a água, electricidade, etc
sejam cumpridas uma vez o cumprimento de tais só é exigido passados dois meses. Ou
seja, de facto a caução não funciona como deve ser mas é para caucionar que quando a
locação se extingue há despesas que o locatário devia pagar mas se não paga o senhorio
pode socorrer-se da caução para fazer face a tais.
A ideia da caução, que agora os senhorios não exigem normalmente, o arrendatário
quando celebra um arrendamento urbano para habitação, terá de pagar nesse momento a
renda desse mês mais renda do mês seguinte mais caução. Muitas vezes utiliza-se a
caução para antecipar uma renda que se viria a vencer depois.
Actualmente o art. 1075º/2 está a ser, muitas vezes, afastado pela vontade das partes. O
Prof Pedro Eiró considera que esta norma serve para proteger o senhorio de uma
possível cessação do contrato de arrendamento de modo inesperado.
Resolução por Incumprimento (Arrendamento Urbano para Habitação)
É sempre necessário ter em consideração o prazo de 8 dias consagrado no art. 1041º/2.
Ou resolve-se ou pede-se a indemnização, sendo que se optarmos pela primeira via
pede-se a renda mais os juros de mora.
Existe uma ideia generalizada na sociedade de que a renda poderá ser paga até ao dia 8
de cada mês, embora o contrato diga dia 1. Ideia completamente errada devido às
seguintes razões
A verdade é que a renda se vence no dia 1 de cada mês, sendo que a partir desse
dia estão em mora.
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A contagem do prazo da mora faz com que se contem 8 dias com inicio no dia 2
de cada mês, sendo que o arrendatário ‘’poderá’’ pagar até à meia noite de dia 9
e não de dia 8.
E se passados esses 8 dias o arrendatário ainda não tiver pago a renda?
Nos termos do art. 1083º/1 fala-se em termos gerais pelo que será necessário apurar ate
que ponto as regras gerais são afastadas. Note-se que o Prof. Pedro Eiró não entende o
interesse, a relevância prática, da norma em análise. Tal deriva do facto do facto de o
regime especifico desta norma encontrar-se nos nº2 e ss.
Análise do art. 1083º nº2 e ss: aplicando o nº3 e 4 não é necessário transformar a mora
em incumprimento definitivo nos termos do art. 808º.
A resposta à questão poderá de ser de dois tipos:
Actua-se no momento, transformando a mora em incumprimento definitivo e
resolve-se com fundamento em alguma das al. do nº2 do art. 1083º (aplicando
sempre primeiro o nº1), sendo que tal norma consubstancia uma enumeração
exemplificativa. Esta norma é um desastre uma vez que consagrou uma
linguagem de Direito de Trabalho sendo que há comportamentos numa empresa
que justificam a extinção do contrato de trabalho mas há comportamentos no
seio do arrendamento que não justifica tal extinção. O legislador aproveitou o
projecto do Prof. Menezes Cordeiro sendo que em vez de incumprimento
referia-se a justa causa. Ou seja, se o arrendatário tiver umqa renda para cumprir
e já foi interpelado dever-se-á proceder à transformação da mora em
incumprimento definitvivo (visa dar utilidadade ao n.º1). Basta invocar o n.º1 ou
é necessário provar o corpo do n.º2. ou seja isto é aquele incumprimento que
torna inexigivel a manutenção do contrato de locação? O n.º2 refere-se às
situações de incumprimento agravado ou qualificado, não sendo por isso
qualquer incumprimento. O PROFESSOR PEDRO EIRÓ não entende a
utilidade do n.º1.
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Poder-se-á ainda aplicar o nº3 e 4, em que se analisa se o arrendatário fica dois
meses sem pagar a renda. Questão: a partir de quando se contam os dois meses,
ou seja a partir de dia 1 ou de dia 9? Se a renda é combinada para ser paga a dia
1, no dia 2 já existe mora (o Prof. Pedro Eiró concorda que neste caso até
deveria existir juros de mora) .Passado os dois meses resolve-se
extrajudicialmente. Contudo, como tal não é um contrato normal existe ainda o
nº3 do art. 1084: prazo de 1mês.
Nos termos do artigo 1084.º/2 estamos face a uma resolução extra judicial, sendo que se
o arrendatário não sair é necessário atender aos artigos 15.º e seguintes – procedimento
especial de despejo (‘’já não se vai para os tribuanis, vai-se para os balcões, sendo que
se isto funcionar é uma maravilha!’’). Nos termos do n.º3 e do n.º4 da mesma norma o
arrendatário pode opor-se, mas só se colocar fim à mora no prazo de 1 mes, apenas
podendo usar esta faculdade uma vez, antigamente este prazo eram de 3 meses, podendo
ele utilizar esta faculdade as vezes que quisesse.
Note-se que o art. 1084º ainda consagra como inovação em 2012 o nº4. Ou seja o
legislador neste momento entende que o atraso de 2 meses de uma renda demonstra
inilidívelmente que é inexigível ao senhorio manter ocontrato. Note-se que o senhorio
ainda tem a possibilidade de propor uma acção executiva segundo a Lei 2006 no seu art.
15º.
Note-se que o arrendatário merece protecção. Os interesses em causa, no arrendamento
urbano para habitação, para o senhorio é de cariz financeira, para o arrendatário é de
natureza de habitar a casa. Estes dois interesses substancialmente diferentes merecem
tratamento diferente havendo uma tendência para proteger a posição do arrendatário. O
que se discute desde 90’ é saber qual a medida da diferença, sendo que nos três
diplomas que desde ai existiram (90, 2006 e 2012) é de diminuir a protecção do
arrendatário uma vez que o senhorio, actualmente, encontra-se numa posição frágil. Que
os interesses são diferentes isso é verdade tal como também é que o arrendatário merece
uma protecção superior à do senhorio mas a medida da diferença é que se questiona.
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Analisemos agora outras obrigações
Obrigação de Restituição da Coisa Locada (art. 1043º a 1046º)
Mais do que a obrigação de restituição da coisa locada o legislador regula o dever de
custodia e de manutenção da coisa pelo arrendatário.
No fundo, o que esta em causa nos artigos em análise é a concretização não só da al. i)
do art. 1038º mas também da al. d).
Nos termos do art. 1043º/1 encontra-se presente a regra que o locatário é obrigado a
manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu. Depois o legislador ressalva as
deteriorações inerentes a uma prudente utilização. Mas mais importante é o nº2 que
consagra uma presunção ilidível de que a coisa se encontra em bom estado de
manutenção quando foi entregue ao locatário (se não está é bom que s eo diga no
contrato). Nesta situação o legislador desresponsabiliza o locatário de deteriorações
provenientes da utilização, não sendo responsável pelas deteriorações decorrentes de
causa natural ou do decurso do tempo.
Afirma-se que o art. 1043º não pretende regular os problemas do risco inerentes ao
direito de propriedade. Aqui regula-se deteriorações provenientes da utilização pelo
locatário.
Quanto ao art. 1044º é necessário atender que este segue o art. 1043º e irá
responsabilizar o locatário quando este não tiver conseguido ‘’safar-se’’ com esta
norma, por exemplo quando as deteriorações não se devem à utilização prudente
Comparar o art. 1044º com o 1269º em termos de ónus da prova: o art. 1044º
agrava a situação de ónus da prova do locatário comparando com o possuidor de
boa fé. Enquanto que no art. 1269º o possuidor só responde quando se deva a
causa culposa da sua parte, nos termos do art. 1044º terá de afastar a presunção
de a deterioração lhe ser por causa que lhe é imputável. Este agravamento em
ónus de prova relaciona-se com a ideia de que o locatário é um detentor em
nome de outrem. O locatário para afastar a responsabilidade tem de demonstrar
que a causa de deterioração não lhe é imputável.
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PROF. ANTUNES VARELA: Imputável significa apenas que tal foi por
causa devida a ele ou a terceiro, mas não se exige culpa. Se o locatário
não conseguir afastar a presunção que a deterioração se deveu a causa
que lhe é imputável a ele ou a terceiro, culposa ou não, então ele será
responsável.
PROF. PEREIRA COELHO: Considera que quando se diz imputável,
para além de ser uma utilização imprudente, terá de ser culposa; não se
justifica uma responsabilidade objectiva – PROFESSOR PEDRO EIRÓ
CONCORDA.
PROF. PINTO FURTADO: Reforça a posição do PROF. PEREIRA
COELHO, afirmando que seria injusta um responsabilidade objectiva -
razões
Agravando a responsabilidade do art. 1044º ajudava a que a
utilização por parte do locatário fosse prudente
Compara com a situação do comodatário e do depositário em que
não existe duvida que nestes casos existe uma responsabilidade
por culpa
Note-se que o art. 1045º regula-se situações em que já se venceu a obrigação de
restituição da coisa locada, uma vez que no arrendamento urbano é normal é que o
momento em que deve restituir a coisa local não coincida com o momento de extinção
do contrato, havendo um mês para o locatário entregar a coisa. É uma situação anómala,
uma vez que não existe coincidência entre a cessação do contrato de locação (que
justificava a obrigação de cuidar da coisa) com a entrega da coisa. Deste modo, o art.
1045º regula o período de tempo que se verifica entre a extinção e a restituição. A
consequência da mora na obrigação da restituição da coisa encontra-se consagrada no
nº2, sendo tais montantes (nº1 e nº2) pagos a título de indemnização. No arrendamento
tal situação é normal (artufi 1081.º a 1087.º): mantém-se o pagamento no mesmo
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montante da contrapartida, mas passa a ser uma indemnização pela utilização lícita da
coisa (e não renda – o contrato já cessou).
É controverso saber se a norma do art. 1045º/2 é imperativa, ou seja saber se num
contrato de arrendamento não é possível estabelecer-se uma cláusula penal se não se
restituir o bem depois de dever te lo feito?É possível aos contraentes combinarem quais
as consequências mais ou menos gravosas (em princípio, se forem menos nenhum
tribunal as ira questionar)?
PROF. MENEZES LEITÃO: não é uma norma imperativa, consagrando o
mínimo. Se se quiser poder-se-á estabelecer uma cláusula penal
JURISPRUDÊNCIA: é uma norma imperativa, sendo que o arrendatário tem
esta penalidade e acabou-se.
PROFESSOR PEDRO EIRÓ: em certas situações tal não é muito justo.
Nas situações de arrendamento urbano em que o contrato caduca por morte do
arrendatário, a pessoa que com ele vivia entende que pode continuar lá e o senhorio
entenda uma acção de reivindicação. Nesse tempo em que não se decide a questão nos
tribunais essa pessoa está lá a pagar o que e a título de que?
A tendência seria de aplicar o art. 1045º/2, mas como não esta em causa uma relação
locaticia (entre o ocupante e o senhorio nunca foi celebrado nenhum contrato de
locação) há quem entenda que não se pode aplicar a norma em análise.
ARTIGO 1072º (ALTERADO PELA NOVA LEI)
O locatário tem o poder de utilizar o bem locado (óbvio), só que do art. 1072º resulta o
dever de ele o utilizar pelo que não o cumprir poderá resultar um ‘’grande sarilho’’.
Se o locatário não utilizar o bem locado, nos termos do art. 1083º, poderá ver o contrato
ser resolvido. Normalmente esta situação ocorre mais nos prédios antigos do que nos
novos.
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Exemplo: arrendatário não habitacional – existe um problema no quadro electrico que
impede as máquinas próprias daquele comércio funcionar e el resolve abandonar o
local. Ele nunca mais lá volta. Ao fim de dois anos leva com uma acção de resolução
por não utilizar o local se o arrendatário não quisesse pagar as rendas podia não o
fazer invocando a excepção de não cumprimento enquanto o problema não estivesse
resolvido . O arrendatário deveria ter prevenido o senhorio desta situação.
Cada uma das decisões jurisprudências (colocadas no sítio da disciplina) enquadra
juridicamente esta situação:
Acórdão 2 – abuso de direito ‘’jurisprudência ignorante’’ que acha que tudo é
igual ao venire contra factum proprium. O senhorio deveria ter obras e não as
fez caso o arrendatário o tivesse prevenido e agora está a usar tal para um acto
ilícito.
Acórdão 3 – alarga o sinalagma (esta tese pode ser importante para o art. 1083º,
uma vez que a utilidade do nº1 deste artigo supostamente é dizer que se aplica
no arrendamento urbano o art. 808º)
Acórdão 4 – caso de força maior (embora eles mencionem o PROF. ANTUNES
VARELA a verdade é que o caso em que este aplica a noção de força maior
nada se relaciona com o caso do acórdão).
Acórdão 5 –acórdão negativista que nega qualquer das soluções anteriores
excepção de não cumprimento: quer para não pagar quer para não usar.
PROFESSOR PEDRO EIRÓ não concorda: o sinalagma do arrendamento liga
as duas obrigações principais (pagar a contrapartida vs utilização da coisa
locada). Teoricamente não é muito correcto estar-se a estender o sinalagma
PROF. PEDRO EIRÓ: Existe um dever de utilizar da coisa por parte do locatário mas
este não o pode fazer pelo que se aplica o art. 792º (Impossibilidade Objectiva
Temporária- não culposa e não imputável ao devedor). Não há consequências pelo
incumprimento do arrendatário. Este, se por um lado tem o direito de usar a coisa
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locada, pelo artigo 1072.º tem um lado passivo de poder dever em usar a coisa (não é
um poder funcional).
TÍTULO EXECUTIVO
Nos termos do artigo 14.º-A, quanto ao título executivo, consagra-se o direito a receber
o pagamento da renda que não foi paga, as rendas vincendas (que entretantanto se
venceram) e uma indemnização de 50%.
O problema processual é o de que existe uma opção que o senhorio tem de fazer,
podendo uma acção de condenação abranger tudo isto.
Existindo titulo executivo é necessário intentar uma acção de condenação? O senhorio,
nesse caso, escolhe o tipo de acção que quiser, podendo intentar uma acção executiva?
Segundo o PROFESSOR PEDRO EIRÓ: tem muitas dúvidas se na acção executiva
que se pode pedir aquilo que consta do contrato e da interpelação, tendo bastante
dúvidas se pode recair sobre os fiadores (eles não são objecto da interpelação).
As rendas que entretanto se venceram ou que se vencem no decurso da execução
encontram-se abrangidas pelo título de execução? O PROFESSOR PEDRO EIRÓ acha
que não. O referido professor considera ainda que o título executivo dá para os fiadores,
embora eles não seja objecto da interpelação, sendo contudo necessário pedir a
condenação quanto a estes. O senhorio pode intentar duas acções: uma que possui
aquilo que consta do título executivo e outra das rendas vincendas (se não constar do
título executivo).
CLASSIFICAÇÕES DO CONTRATO DE LOCAÇÃO
Oneroso (se fosse gratuito era comodato);
cumutativo (embora possa ser aleatório);
sinalagmático (proporcionar o gozo da coisa e pagar a retribuição);
formal quanto ao arrendamento urbano e arrendamento rural; outras locações
(sem regimes especiais) não é formal;
não é real quanto à constuição
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contrato de administração ou de disposição
Até 6 anos é um acto de administração ordinária; mais de 6 anos é um acto de
administração extraordinária.
A locação é um contrato real quanto aos efeitos, isto é classifique-se o direito do
arrendatário em utilizar a coisa como sendo um direito real ou meramente obrigacional
quanto aos efeitos?
PROFESSOR OLIVEIRA ASCENSÃO (só porque ainda não escreveu mais
sobre o assunto): direito real;
DOUTRINA MAIORITARIA: contrato meramente obrigacional
O argumento de que o arredamento é um direito real quoad effectum e retira a
conclusão de que o arrendatário é possuidor de um direito real, logo o contrato produziu
um efeito real vê o seu argumento ser ultrapassado. O arrendatário é um mero detentor
(artigo 1053.º alínea c)).
Segundo o PROFESSOR MENEZES CORDEIRO, o locatário possui em nome de
outrem se tivermos como referência o direito de propriedade; se tivermos como
referência não o direito de propriedade, mas o direito de utilizar o direito locado é
possuidor em nome alheio.
TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL DO LOCATÁRIO
Nos termos do artigo 1057.º, a venda não perturva a locação (emptio non follit
locatum). Esta norma possui várias ‘’indicações’’:
aplica-se a transmissão inter vivos e mortis causa;
obrigação do locador proporcionar o gozo (só pode fazer aquele que o teria não
fosse o contrato de locação) conduz a que no fundo a posição do locador so se
possa transmitir com a transmissão do direito com base no qual foi celebrado o
contrato de locação.
Para os defensores da eficácia real da locação: no fundo o direito do locatário é oponível
erga omnes,embora exista algum aspecto de sequela (manifestação parecda com a
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sequela dos direitos reais). o direito é oponível ao locador porque foi este que mudou de
pessoa. a doutrina olha e ve que o que passa è uma cessão de posição contratual
obrigatória por lei (para além deste caso, existe ainda cessão imposta por lei na
transmissão de estabelecimento estável).
Actualmente é mais ou menos pacífica que a posição do arrendatário é um direito de
credito e não um dieito real.
Quanto ao direito de preferência do arrendatário, coloca-se a questão de saber porque é
que o arrendatário haveria de se tornar proprietário.
Existindo dois arrendatários a quem se deve dar preferência:
PROFESSOR OLIVEIRA ASCENSÃO: os arrendatários não teriam direito de
preferência, uma vez que considera que tal direito não lhes deve ser atribuído;
PROFESSOR PEDRO ROMANO MARTINEZ E JURISPRUDÊNCIA: os
arrendatários devem ter direito de preferência; nos casos em que os edifícios
não se encontram construídos em propriedade horizontal e se tem de vender
tudo, ou seja a coisa em si, o legislador quer que os arrendatários tenham direito
de preferência na medida em que esta é a situação mais comum de existirem
preferentes.
Se formos pelas regras do pacto de preferência existe uma norma aplicável que em geral
correspondia ao antigo artigo 419.º RAU e que regula a pluralidade de preferentes. o
problema da lei 6/2006 assenta em se ter esquecido do artigo 419.º RAU.
Neste momento, teoricamente, nem o PROFESSOR PEDRO EIRÓ sabe o que dizer!
Em suma, para ‘’arrumar a matéria’’:
TRANSMISSÕES ENTRE VIVOS (atenção aos arrendamentos não
habitacionais): artigo 1059.º (remete para o artigo 424.º); artigo 1038.º al. f);
artigo 1049.º e artigo 1105.º (rendimentos de casa de morada de família);
arrendamentos não habitacionais – artigo 1112.º (permite a transmissão no
arrendamento no âmbito do trespasse), sendo que o senhorio tem direito de
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preferência em caso de trespasse (esse direito de preferência não é imperativo
podendo ser afastado por convenção);
TRANSMISSÃO POR MORTE: artigo 1106.º; em termos do regime geral da
locação artigo 1051.º al. d) e artigo 1059.º. a regra é a da instransmissibilidade;
restrições no artigo 1106.º e 1107.º
artigo 1106.º: natureza imperativa (as pessoas nele protegidas tem direito
a transmissão do arrendamento; pode se clausular a transmissibilidade
para outras pessoas aí não abrangidas mas não se pode impedir para
estas); transmitente (quem transmite) e qualquer arrendatário (não apenas
o primitivo arrendatário) – no RAU só se falava no promitivo proibindo-
se os restantes; actualmente acabou-se o vinculismo.