Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

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ANYSSA CRISTINA FERREIRA

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Monografia para o trabalho de conclusão de curso do bacharelado em Design - Comunicação Visual pelo Centro Universitário Senac, em 2011. Um estudo sobre as relações e possíveis contribuições da arte conceitual para a prática e desenvolvimento do design contemporâneo.

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ANYSSA CRISTINA FERREIRA

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ANYSSA CRISTINA FERREIRA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Graduação

em Design – Comunicação Visual, do Centro Universitário SENAC,

como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel.

ORIENTADOR: PROF. VITOR MIZAEL

São Paulo,

2011

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À minha família, por estar sempre ao meu lado.

A Allyson, pelo apoio e ajuda essenciais.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Fabrizio Poltronieri pela inspiração e orientação na pesquisa.

Ao Prof. Vitor Mizael pela orientação e direcionamento do projeto.

A toda minha família, em especial meus pais Izabel e Antonio, meu irmão

Glenarison e minha tia Amélia, que sempre procuraram ajudar e apoiar

como fosse possível em todos os momentos.

A Allyson Souza, que em nossas discussões sobre design me ajudou em

minha evolução, além de sempre ter estado ao meu lado neste caminho.

Aos meus colegas e amigos, pelas dicas, questionamentos, informações,

apoio, e pelos momentos de concentração e distração.

A Thaís Castanheira pela ajuda com a revisão do texto em inglês.

A todos os professores do Centro Universitário SENAC que contribuíram

não só para este trabalho, mas para minha formação como designer e como

pessoa.

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“O intelecto pouco importa na

estrada da descoberta. Há um vão na

consciência – chame-o de intuição, ou

como queira – e a solução vem, e não

sabemos de onde ou por quê.”

Albert Einstein

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RESUMO

Este trabalho busca investigar as possíveis contribuições que a arte

conceitual pode proporcionar ao design contemporâneo. Analisando o

desenvolvimento histórico, os fundamentos em que ambas as áreas estão

estruturadas e suas respectivas práticas, foram desenvolvidas reflexões

acerca das características das experiências por elas geradas. A partir disso

foram procurados caminhos que respondessem como o design poderia ser

pensado para gerar uma experiência mais efetiva que vise desencadear

reflexões e percepções nos usuários e, simultaneamente, propor novas

perspectivas acerca do próprio design. Considerando todos os aspectos

que compõem a prática da atividade, o design foi apresentado sob um

prisma mais aberto ao mundo, onde tudo pode ser e ter design, em uma

comunicação permeada de significado, múltiplas interpretações e interação

em um jogo imaginativo, em prol de uma experiência transformadora

através do qual se ganha liberdade e autonomia.

Palavras chave: Design Contemporâneo, Arte Conceitual, Experiência

Transformadora.

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ABSTRACT

This works aims investigating the possible contributions that conceptual

art may provide to the contemporary design. After analyzing the historical

development – elements where both areas are structured at and their

respective use – reflections where developed around the experience’s

characteristics generated by them. After that, paths where searched

to answer how design could be elaborated to create more effective

experience, focusing the initiation of reflections and perception on users

and, simultaneously, bringing new perspectives on the design itself. Taking

into consideration all the aspects that bring the practice of activity to life,

the design was presented under an world opened prism, where anything

can be and have design, in a communication permeated with meanings,

several interpretation and interaction inside an imaginative game, aiming

a transforming experience through which one can gain freedom and

autonomy.

Keywords: Contemporary Design, Conceptual Art, Transforming

Experience.

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LISTA DE FIGURAS

Fig. 1 - Uma e três cadeiras. Joseph Kosuth, 1965. 28

Fonte: http://uploads4.wikipaintings.org/images/joseph-kosuth/one-and-three-chairs.jpg.

Acesso em 17/11/11.

Fig. 2 - Projeto para Wall Drawing 630 e Wall Drawing 631. 29

Fonte : http://edwardlifson.blogspot.com/2008/06/do-

it-yourself-sol-lewitt-wall-drawings.html

Acesso em 17/11/11.

Fig. 3 - Wall Drawing 630 e Wall Drawing 631 29

Fonte : http://edwardlifson.blogspot.com/2008/06/do-

it-yourself-sol-lewitt-wall-drawings.html

Acesso em 17/11/11.

Fig. 4 - Beach Culture. Edição especial No-Emigre-Fonts, 1990 33

Foto: Anton Corbijn

Fonte: http://www.davidcarsondesign.com/?dcdc=top/n&r=1&dirf=works.

Acesso em 15/05/11.

Fig. 5 - Beach Culture. Sculpturer Darrin Pappas, 1991 34

Foto: David Carson

Fonte: http://www.davidcarsondesign.com/?dcdc=top/n&r=1&dirf=works.

Acesso em 15/05/11.

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Fig. 6 - Ray Gun. Hot for teacher 34

Foto: David Carson

Fonte: http://www.davidcarsondesign.com/?dcdc=top/n&r=1&dirf=works.

Acesso em 15/05/11.

Fig. 7 - Waldemar Cordeiro, Idéia Visível, 1956 36

Fonte: http://www.geifco.org/actionart/actionart03/

entidades_03/exposiciones/sofia/imagenes/7.jpg

Acesso em 20/11/11.

Fig. 8 - Waldemar Cordeiro. O Beijo, 1967 36

Fonte: http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/

arquivosanexos/0077560010130605343001307459455.jpg

Acesso em 20/11/11.

Fig. 9 - Lygia Clark,. Bicho. 38

Fonte: http://barogaleria.com/wp-content/uploads/2011/03/LClark_bicho2site.jpg

Acesso em 20/11/11.

Fig. 10 - Lygia Clark,. Bicho. 38

Fonte: http://achadosdailha.files.wordpress.com/2011/11/clark-lygia-bicho.jpg

Acesso em 20/11/11.

Fig. 11 - Lygia CLark. Caminhando, 1964 39

Fonte: http://www.geifco.org/actionart/actionart03/

entidades_03/exposiciones/sofia/imagenes/17.jpg

Acesso em 20/11/11.

Fig. 12 - Hélio Oiticica. Nildo da Mangueira, com Parangolé, 1964 . 40

Fonte: http://modernidadeartes.blogspot.com/2009/11/

arte-contemporanea-vanguardoide_28.html

Acesso em 20/11/11.

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Fig. 13 - Hélio Oiticica Parangolé P 08 Capa 05 ; P 05 Capa 02;

P 25 Capa 21; P 04 Capa 01. 40

Imagem do filme H.O. de Ivan Cardoso, 1979.

Catálogo Hélio Oiticica. The Body of Color, 2007, p. 317

Fonte: http://www.southernperspectives.net/region/latin-

america/decoloniality-in-latin-american-art

Acesso em 20/11/11.

Fig. 14 - Hélio Oiticica. Parangolé. 40

Fonte: http://zoolander52.tripod.com/theartsection3.10/id1.html

Acesso em 20/11/11.

Fig. 15 - Nelson Leirner. Série Assim é se Lhe Parece, 2003 42

Fonte: http://cenaabertadotcom.files.wordpress.com/2011/09/sdc15973.jpg

Acesso em 20/11/11.

Fig. 16 - Nelson Leirner. Figurativismo Abstrato, 2004 42

Fonte: http://jameswagner.com/mt_archives/LeirerNelsonstickers.jpg

Acesso em 20/11/11.

Fig. 17 - Nelson Leirner. Maracanã, 2003 43

Fonte: http://jameswagner.com/mt_archives/LeirnerNelson.jpg

Acesso em 20/11/11.

Fig. 18 - Cildo Meireles - Inserções em circuitos ideológicos

Projeto Cédula 43

Fonte: http://db-artmag.com/cms/upload/62/onview/biennale/40_meireles2.jpg

Acesso em 20/11/11.

Fig. 19 - Cildo Meireles - Inserções em circuitos ideológicos

Projeto Coca Cola 43

Fonte: http://sinstendhal.tumblr.com/post/8645973502/

cildo-meireles-insercoes-em-circuitos

Acesso em 20/11/11.

Fig. 20 - Ray Gun nº54, Março de 1998. Capa do Radiohead. 52

Fonte: http://www.citizeninsane.eu/media/m1998-03RayGun-01.jpg

Acesso em 17/05/11.

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Fig. 21 - Livro The Architecture of Patterns. 52

Fonte: http://aap.cornell.edu/Private/images/workimage_salomon_full.jpg

Acesso em 20/11/11.

Fig. 22 - Ray Gun nº43, Fevereiro de 1997. Capa do Nine Inch Nails 53

Fonte: httphttp://www.versionindustries.com/blog/2009/05/09/ray-gunmagazine-

the-arg-advertising-at-large/.

Acesso em 17/05/11.

Fig. 23 - CD The Fragile, Nine Inch Nails. 53

Fotografia e Design por David Carson

Fonte: http://www.designartculture.com/wp-content/

uploads/2011/03/nine-inch-nails-the-fragile-art.jpg

Acesso em 20/11/11.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 19

1| INTERFACES ENTRE ARTE E DESIGN 23

1.1| RELAÇÕES ENTRE ARTE CONCEITUAL E DESIGN

CONTEMPORÂNEO 24

1.2| CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS

ENTRE ARTE CONCEITUAL E DESIGN CONTEMPORÂNEO 30

1.3| RELAÇÕES ENTRE ARTE E DESIGN NO CENÁRIO NACIONAL 35

2| AS EXPERIÊNCIAS DA ARTE E DO DESIGN 45

2.1| ABERTURA E INTERAÇÃO 47

3| CONTRIBUIÇÕES DA ARTE PARA O DESIGN 49

3.1| DESIGN COMO AGENTE E VEÍCULO DA FRUIÇÃO IMAGINATIVA 51

CONSIDERAÇÕES FINAIS 57

REFERÊNCIAS 59

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INTRODUÇÃO

Uma das questões mais debatidas atualmente no campo do design é

acerca de suas relações com a arte, quais os pontos de convergência e de

divergência, quais os limites e intersecções entre os dois. Design e arte se

desenvolveram paralelamente influenciando um ao outro, principalmente

no ultimo século onde movimentos artísticos modernos e pós-modernos

coexistiram com um design cada vez mais definido como atividade e

consciente de si (MEGGS e PURVIS, 2009).

Um destes movimentos artísticos em especial me chamou a atenção por

sua postura mais próxima ao design. A arte conceitual, movimento surgido

por volta da década de 60, baseou-se nas ideias de Marcel Duchamp para

desenvolver um tipo de arte que se preocupava mais em apresentar ideias

a respeito da natureza da arte do que fazer explorações formais e estéticas,

utilizando-se de projetos e sistemas como processos criativos.

O design contemporâneo tende a um equilíbrio entre a sobriedade e a

intemperança, porém corre o risco de se engessar, perder o espírito de

experimentação. Basear-se na arte que é a busca pelo novo sempre foi o

que o design fez para se renovar. A arte conceitual se diferencia por ser uma

espécie de meta linguagem, discutir a respeito de si, e espelhar-se nisto

pode ser uma boa forma de se pensar um design melhor.

Este foco nas ideias que são inerentes à arte conceitual também pode

mostrar ao design como projetar experiências mais completas em vez de

objetos vazios de experiências construtivas. Da mesma forma, o design

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pode se tornar mais aberto ao admitir e incorporar em seus projetos o

imprevisto e o acaso como elementos transformadores e ampliadores de

possibilidades.

De qualquer forma, com a proximidade cada vez mais evidente entre arte e

tecnologia e ciência, antigos paradigmas são superados em prol da evolução

de ambos os lados, assim a arte conceitual e o design podem desenvolver

diálogos que sejam benéficos para os dois.

No primeiro capítulo “Interfaces entre arte e design” tracei uma linha de

desenvolvimento das duas áreas, paralelamente ao longo da história. Da

origem etimológica dos termos arte e design até os primeiros diálogos entre

ambos, traçando as relações, convergências e divergências, inclusive no

cenário nacional.

Já no segundo capítulo, procurei analisar “As experiências da Arte e do

Design”, de acordo com ideias de Kant e Schiller apresentadas por Benedito

Nunes, sobre as dimensões da experiência, fontes de conhecimento e

impulso lúdico. Trato ainda da abertura da obra e a interação por ela gerada.

A partir destes conceitos, no terceiro capítulo “Contribuições da Arte para

o Design” fiz uma comparação das experiências da arte conceitual e do

design contemporâneo de acordo com estes fatores, e uma análise dos

métodos e trabalhos de David Carson, como exemplo de designer que fez

experimentações aproximadas à experiência gerada pela arte conceitual.

Toda esta pesquisa foi baseada em seleção, leitura e análise de material

bibliográfico, alguns sugeridos pelo professor orientador, outros selecionados

por mim conforme a demanda da pesquisa. Com esta primeira fase

totalmente focada em uma exploração teórica, o maior desafio foi conseguir

condensar ideias tão complexas, às vezes complementares e outras vezes

totalmente opostas, em algo concreto e viável, levando em conta questões

que sempre condicionam a prática do design atualmente.

Parti de um assunto (a arte conceitual) do qual não possuía conhecimento

algum. Apesar de encontrar algumas dificuldades acredito que consegui

compreender com certa profundidade a proposta deste tipo de arte. Sua

relação muito próxima com o design fez com que o trabalho se desenvolvesse

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em torno de discussões estruturais, para que fosse possível entender as

diferenças e possibilidades que existiam entre os dois.

Arte, tecnologia e design flertam desde que surgiram, vivem momentos

de harmonia e de desacordo. Porém, quando se unem geram frutos que

modificam a forma como vemos a sociedade, cultura e ciência. O ato de criar

é inerente a todas estas áreas. E cabe a nós, como participantes deste meio

a responsabilidade de buscar um desenvolvimento cada vez melhor.

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1| INTERFACES ENTRE ARTE E DESIGN

Design, termo inglês, derivado do latim signum, é o nome que usamos

atualmente (embora não seja uma unanimidade) para nos referirmos a uma

atividade que vem ganhando cada vez mais espaço em nossa sociedade

e, consequentemente, vem sendo tema de inúmeras discussões. Uma das

questões mais debatidas atualmente é a relação que o design mantém com

a arte (FLUSSER, 2010).

Houve um momento em que o homo sapiens sapiens aprendeu a representar

suas ideias com signos – desenhos, palavras, números – abrindo assim

infinitas possibilidades, entre elas o registro, a comunicação e a expressão

de seus desejos, pensamentos e sentimentos. Foi esta atitude que permitiu

que o homem entendesse que ele era capaz de codificar e decodificar o mundo

de acordo com sua necessidade e vontade. Esta descoberta viabilizou, entre

outras coisas, o surgimento da Arte, o da Escrita e o da Ciência e deu início

àquilo que chamamos de História (MEGGS e PURVIS, 2009).

Revolução semelhante à da escrita, que permitiu ao homem o

armazenamento de conhecimento, encontramos na invenção da impressão

tipográfica, aperfeiçoada por Gutenberg, que viabilizou a disseminação

em massa deste conhecimento e que consequentemente exigiu uma

geração de profissionais mais qualificados tecnicamente. Mais tarde, a

revolução industrial gerou uma necessidade de uma produção de peças

gráficas mais impactantes e atraentes, que se sobressaíssem às demais.

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Anúncios e cartazes dominavam a demanda de impressões tipográficas, o

que exigiu também uma revolução no desenho das fontes, que deixaram de

ser signos fonéticos e se tornaram visuais. A tecnologia avançava rumo à

mecanização da impressão, à fotografia, às grandes indústrias, enquanto

a arte e o design tentavam se adaptar às novidades e possibilidades deste

novo mundo (ibidem).

1.1| RELAÇÕES ENTRE ARTE CONCEITUAL E DESIGN CONTEMPORÂNEO

A arte e a ciência (técnica), em particular, tinham uma relação estreita desde

sua origem. Nunes (1991:17) demonstra que suas raízes etimológicas

evoluíram do mesmo conceito:

Ars, artis, palavra latina da qual a nossa derivou, corresponde ao grego

tékne, que significa todo e qualquer meio apto à obtenção de determinado

fim, e que é o que se contém na ideia genérica de arte.

Nesta definição, podemos perceber que o que une estes dois conceitos é a

ideia de um fazer criativo e artificial. Ou seja, tanto a arte quanto a técnica

almejam a criação de novas concepções que venham solucionar questões

práticas, intelectuais e espirituais da vida do ser humano através do uso de

artifícios que burlem as leis da natureza. Contudo, ao longo da história, arte

e ciência tornaram-se opostos.

Os termos design, macchina, tecnica, ars e arte estão estreitamente

ligados entre si, nenhum deles é pensável sem os outros e todos têm a sua

origem na mesma visão existencial do mundo. Todavia esta correspondência

interna foi negada durante séculos (pelo menos desde o Renascimento).

A cultura burguesa moderna fez uma nítida separação entre o mundo

das Artes e o mundo da técnica e das máquinas, pelo que a cultura foi

cindida em dois ramos que se excluem mutuamente: o ramo científico,

quantificável e ‘duro’, e o artístico, qualificativo e “flexível”. Esta divisão

perniciosa começou a torna-se insustentável por volta do fim do século XIX

(FLUSSER, 2010:11).

O mundo todo começou a se transformar no final do século XIX,

principalmente nos campos das Artes e da Ciência. A humanidade entraria

no período chamado de Modernidade, que se caracterizaria por uma grande

mudança geral de pensamento. Nas artes a visão de mundo objetiva já não

satisfazia as necessidades das emergentes vanguardas europeias.

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Alimentados por estas questões, juntamente com os horrores da guerra

e os avanços tecnológicos e industriais, alguns artistas procuravam por

uma nova linguagem estética que lhes permitisse tratar das questões

culturais, econômicas e sociais. Alguns destes movimentos influenciaram

profundamente o desenvolvimento da linguagem gráfica e comunicação

visual. “A evolução do design gráfico do século XX está intimamente ligada

à pintura, poesia e arquitetura modernas.” (MEGGS e PURVIS, 2009:315)

Com o esgotamento “daquilo que era dito”, ou seja, dos temas que até então

haviam sido predominantes os motivos religiosos, retratos, paisagens e até

naturezas mortas, a arte finalmente tomou uma postura formalista. Disto

resultaram movimentos artísticos que procuravam uma abordagem nova

da forma. Nunes (1991:78) define esta postura como

formalismo, que é a afirmação da autossuficiência estética da forma,

abstratamente considerada, como toda aquela relação sensível capaz de,

por si só, constituir-se em fonte de prazer desinteressado, e de justificar, em

função desse prazer adequado à nossa capacidade sensível, a comunicação

dos mais diversos conteúdos pelas diferentes artes. O formalismo, portanto,

na acepção ampla, que é a que estamos considerando, inverte a tese do

conteudismo, anteriormente exposta: aqui a forma é mais relevante do

que o significado, sempre anestético, acrescentado a uma entidade que

se basta, devido ao efeito imediato que exerce sobre a sensibilidade.

Assim, ritmo e simetria, proporção, harmonia, unidade na variedade, são

entidades provedoras de impressões estéticas, que sustentam as sutilezas

da expressão artística propriamente dita.

Em termos de linguagem, as vanguardas modernistas logo chegaram

a limites de exploração das formas. Com a evolução das técnicas de

reprodução de imagens, o advento da fotografia, do cinema e da televisão e

até da impressão, da ciência e tecnologia em geral experiências e vivências

que antes seriam impossíveis, tornaram-se parte do cotidiano. O grande

acesso da massa a todos esses tipos de novos estímulos fez com que a

magia da imagem e de todas as outras sensações estéticas começasse

a se tornar cada vez mais comum, e por consequência, cada vez menos

mágica. Frente a este novo contexto, a arte formalista começou então a ser

vista como mero exercício estético.

Na nossa época, temos um ambiente drasticamente mais rico com relação

à experiência. Uma pessoa pode voar em torno da Terra em questão de

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horas ou dias, não meses. Temos o cinema, a televisão a cores, assim como

o espetáculo fabricado de luzes de Las Vegas, ou os arranha-céus de Nova

York. O mundo todo está ai para ser visto, e o mundo todo pode assistir

de suas salas de estar o homem andando na lua. Certamente não se pode

esperar que a arte, ou os objetos de pintura e escultura possam competir

com isso em termos de experiência? (KOSUTH, 2006: 223)

Outros movimentos e artistas começaram a partir para outra busca. Logo,

começaram a surgir críticas, no sentido de questionar sobre como esta arte

formalista poderia acrescentar algo a vida das pessoas, a sociedade e a

cultura em geral. A crítica formalista é considerada apenas “uma análise

dos atributos físicos em particular, que por acaso existem em um contexto

morfológico” (ibidem: 216), ou seja, uma crítica preocupada apenas com as

questões estéticas de objetos, cujas quais só se podem fazer juízos de gosto.

Em objeção a esta vertente formalista, logo surgiram outros movimentos,

como o dadaísmo que foi o que buscou mais intensamente uma postura

mais crítica, reagindo fortemente à guerra, à decadência da sociedade

europeia, à superficialidade, à fé cega no progresso e às convenções morais

de um continente em convulsão. Denominavam-se um movimento antiarte,

valendo-se do protesto, do choque, do absurdo e da aleatoriedade para

questionar a própria arte e alcançar assim a total liberdade. Uma figura

em especial abalou novamente as recém-formadas estruturas da arte. Foi

Marcel Duchamp, que já havia desenvolvido obras com influências cubistas

e futuristas, o primeiro a levar a arte a questionar suas funções em prol de

uma liberdade (MEGGS e PURVIS, 2009).

Isso significa que a natureza da arte mudou de uma questão de morfologia

para uma questão de função. Essa mudança – de “aparência” para

“concepção” – foi o começo da arte “moderna” e o começo da arte

“Conceitual”. Toda arte (depois de Duchamp) é conceitual (por natureza),

porque a arte só existe conceitualmente (KOSUTH, 2006: 217).

Para Duchamp, “arte e vida eram processos que combinavam probabilidade

aleatória e escolha intencional” (MEGGS e PURVIS, 2009:327) e esta

combinação era usada para transmitir ideias que causassem uma reflexão

ao público. Ao pintar um bigode em uma representação da Monalisa,

Duchamp não desfere um ataque ao quadro de Da Vinci, mas transmite

uma ideia de crítica à tradição. Marcel Duchamp plantou assim as raízes do

que mais tarde viria a ser chamado de arte conceitual.

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Todas estas transformações pelas quais o mundo estava passando durante

o século XX também serviram para que as pessoas percebessem que havia

a necessidade da instituição efetiva de uma atividade mais abrangente que

organizasse, estruturasse e ainda assim refletisse todas estas questões de

forma prática em suas vidas.

Há muito tempo já existia a tipografia, o projeto de livros e cartazes, mas

foi somente em 1922 que William Addison Dwiggins, um designer de

livros e aluno de Goudy, cunhou o termo Design Gráfico para descrever sua

profissão, que já começava a abranger novos campos como o de identidades

visuais (MEGGS e PURVIS, 2009). Assim, o Design começou a se tornar

uma área independente, ao conseguir unir a objetividade da técnica e a

expressão artística:

A palavra design inseriu-se nesta brecha e fez de ponte entre os dois

ramos, na medida em que o termo exprime uma conexão interna entre

arte e técnica. Por isso, na época contemporânea, design indica, grosso

modo, o lugar em que a arte e a técnica (juntamente com suas respectivas

modalidades científicas e críticas) coincidem de comum acordo e abrem

caminho a uma nova forma de cultura (FLUSSER, 2010:11).

Com as evoluções tecnológicas cada vez mais inseridas no cotidiano das

pessoas, o design passou a ter um papel mais importante na indústria, no

comércio, na cultura e sociedade em geral. Tão logo começou a se estabelecer,

o design passou a compartilhar os mesmo questionamentos da arte. Assim

como a objetividade dos temas simples e a superficialidade das explorações

estéticas já não serviam à arte, os designers começaram a procurar em

seus trabalhos não mais a mera informação narrativa ou ilustrativa, e sim a

expressão de ideias e conceitos. (MEGGS e PURVIS, 2009).

Este desconforto com as situações da arte e do design, gerado após

os grandes acontecimentos do século XX, teve como consequência o

desenvolvimento, a partir da década de 50, de um novo pensamento

que afirmava a necessidade de uma fundamentação conceitual na base

de qualquer atividade criativa. Nas artes, surgiu a arte conceitual, cujas

raízes nasceram da obra de Duchamp, que só anos mais tarde pode ser

efetivamente compreendida e desenvolvida por uma nova geração de

artistas (KOSUTH, 2006). “A ideia se torna a máquina que faz a arte”

(LEWITT, 2006: 176).

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Joseph Kosuth, artista conceitual norte-americano nascido em 1945 em

Ohio, estudou belas artes em Nova York. Empenhou-se em entender a arte

de Duchamp e desenvolveu vários trabalhos conceituais. Um dos mais

conhecidos é a obra “Uma e três cadeiras” (Fig. 1) de 1965, que contrapõe

uma fotografia de uma cadeira, o objeto cadeira e uma definição de cadeira

do dicionário (KOSUTH, 2006). A justaposição das “cadeiras” nos faz

refletir como um único conceito pode ser representado em três linguagens

diferentes, cada uma com suas particularidades e nos apresenta um

paradoxo: quantas cadeiras estamos vendo? Esta exploração no sentido

semântico dos conceitos é bem característica de Kosuth.

Sol LeWitt também desenvolveu trabalhos minimalistas e de arte conceitual.

Afirmava que o artista deve seguir sua premissa inicial e seu projeto

mecanicamente, evitando a subjetividade. Novas ideias que surgissem pelo

caminho não deveriam interferir no curso do projeto, mas serem usadas

para novos trabalhos. Ele desenvolvia também trabalhos seriais (Fig. 2), que

eram projetos que geravam uma sequência de trabalhos a partir de uma

ideia (LEWITT, 2006).

Fig. 1 - Uma e três cadeiras. Joseph Kosuth, 1965.

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Fig. 2 - Projeto para Wall Drawing 630 e Wall Drawing 631 (juntos à esquerda, em duas versões) e Wall Drawing 684A (à direita, em baixo).

Fig. 3 - Wall Drawing 630 e Wall Drawing 631 sendo executados por estudantes de arte, para exposição na galeria MASS MoCA, nos EUA em 2008.

O design não demorou a mais uma vez inspirar-se na arte, que agora estava

cada vez mais disponível e acessível como referência. A atividade que havia

surgido para dar formas à matéria agora visava dar formas às ideias.

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1.2| CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE ARTE CONCEITUAL E DESIGN CONTEMPORÂNEO

De fato, com os limites entre as duas áreas cada vez mais indefinidos e

próximos, é cada vez mais comum o surgimento de trabalhos híbridos. Mas

ainda assim existem características que são particulares à arte e ao design,

senão não haveria sentido em haver uma separação entre os dois.

Consideremos, para isto, os objetivos de cada um. A arte conceitual busca

refletir sobre a própria natureza da arte, ou seja, está voltada para si. Assim,

cada trabalho de arte se torna uma proposição analítica (cuja validade

depende exclusivamente dos símbolos que ela contém) a respeito da arte.

Uma obra de arte é uma tautologia na medida em que é uma apresentação

da intenção do artista, isto é, ela está dizendo que aquela obra de arte

particular é arte, o que significa que ela é uma definição de arte (KOSUTH,

2006:218).

Podemos entender a problemática da arte contemporânea sob uma posição

mais radical, onde “em cada obra de arte que se produz está em jogo o

destino da arte; em cada uma delas o artista arrisca-se a matá-la ou a fazê-

la existir” (NUNES, 1991:120).

Sendo a arte um modo de conhecimento que “é sua própria realidade

e seu próprio fim” (FUENTES, 2006:23), encontramos a diferença

fundamental: as ideias que o design informa não são suas. O design é

veículo da informação, toma posse de mensagens demandadas por uma

necessidade de comunicação específica, e as informa e comunica através

de um processo de síntese. No design o objetivo maior é sempre ser o meio

pelo qual é enviada uma mensagem, codificar e decodificar, traduzir ideias e

conceitos em uma linguagem visual sempre pensando em um outro, isto é,

o design é feito de alguém para alguém (ibidem).

A primeira semelhança que podemos notar entre ambos é que, tanto na

arte conceitual como no design, o trabalho só se desenvolve através de

métodos. Joan Costa (apud FUENTES, 2006:15) coloca que:

Etimologicamente, um método é um caminho em direção ao objetivo, uma

ação eficaz, uma ‘linha guia’ ou guideline. [...] Dispor de um conjunto

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de métodos é dispor de critérios que permitam, em cada bifurcação, em

cada encruzilhada mental, optar pelo melhor caminho, por aquele que, em

princípio, deve conduzir o mais diretamente possível à solução mais efetiva.

Tanto a arte conceitual quanto o design gráfico baseiam sua práticas nos

métodos, estabelecendo assim um plano ou projeto que definirá quais os

procedimentos a serem executados para se alcançar o objetivo desejado. E

em ambos os casos existe o debate da mesma problemática, a da superação

dos métodos sobre as técnicas, do pensar e do fazer e da confusão que

muitas vezes se faz entre os dois. Novamente Joan Costa observa que:

Entretanto, muitos ainda confundem os métodos com as técnicas, quando

na realidade os métodos servem para a estratégia de pensar e planejar, e

as técnicas servem para “fazer”. Nesta confusão também se influi a crença

de que a criatividade se trata de um estalo mágico, genial, de uma ideia que

surge na cabeça de alguns designers privilegiados (COSTA apud FUENTES,

2006:15).

O design não é, portanto, uma atividade de pura criação instantânea. Sua

prática depende da metodologia que vai dar todo o suporte e sustentação ao

ato criativo. E esta é também a principal diferença entre a arte convencional

e a arte conceitual, antes do produto final, o que interessa é a ideia inicial e

os métodos utilizados.

Assim, na arte conceitual o principal valor estará na qualidade da ideia e das

possíveis reflexões que esta poderá gerar nos indivíduos.

O objetivo do artista que lida com arte conceitual é tornar seu trabalho

mentalmente interessante para o expectador, e por isso ele normalmente

quer que o trabalho fique emocionalmente seco. Entretanto, não há

nenhuma razão para supor que o artista conceitual pretenda entediar o

observador. Apenas a expectativa de um impacto emocional, com o qual

uma pessoa condicionada à arte expressionista está acostumada, impediria

o observador de perceber essa arte [conceitual]. (LEWITT, 2006: 177)

Segundo esta observação de Sol LeWitt, podemos perceber que, apesar de

ser uma retomada do conteúdo como elemento primordial, ao contrário da

forma de arte tradicional, a arte conceitual não tem a emoção ou a estética

incorporadas a seu impulso inicial. No entanto, isto não significa que elas

sejam inexistentes ou desnecessárias, ou até mesmo evitadas.

Page 34: Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

32

Quando um artista usa forma de Arte Conceitual, isso significa que todo o

planejamento e tomadas de decisões são feitos de antemão, e a execução é

um assunto perfunctório (LEWITT, 2006: 176).

Este aspecto demonstra também uma ideia de reprodutibilidade da

arte, quebrando o paradigma da obra de arte única, objeto de desejo e de

consumo. A arte conceitual, portanto, não visa gerar obras de arte, no

sentido de objetos, mas pretende encontrar meios para suscitar reflexões e

novas ideias, que podem ou não se materializar em objetos.

O design contemporâneo procede de maneira semelhante. A partir de uma

ideia elabora-se um projeto que será desenvolvido e executado. Porém,

apesar de não existir uma forma de projeto padrão adotado universalmente

ou mesmo normas unânimes que delimitem a forma como um designer deve

proceder em seu trabalho, algumas diretrizes são mais aceitas atualmente.

Um projeto de design contemporâneo geralmente segue etapas como, por

exemplo, brieffing, pesquisas (de histórico, público, concorrência, mercado),

análise, concepção, execução, produção, implantação e acompanhamento

(FUENTES, 2006). Este modelo visa uma facilidade para que o

desenvolvimento de um projeto seja feito de forma mais ágil e eficiente.

Porém, precisamos estar atentos para percebermos até que ponto estes

modelos estão nos ajudando e melhorando o processo de concepção ou

apenas os utilizamos pelo conforto de não precisarmos pensar em novos

métodos que abram novas possibilidades em vez de limitar e condicionar o

resultado antes mesmo do início do projeto.

Assim, a definição da metodologia a ser seguida fica condicionada a alguns

fatores mais práticos, como tempo disponível, viabilidade de execução,

habilidade do designer; e outros fatores mais flexíveis como a criatividade

e predisposição do designer para experimentação de métodos não

convencionais.

Em algumas vertentes do design, como o Estilo Internacional, movimento

surgido na suíça nos anos 50, a comunicação deveria ser clara, simples,

objetiva, sem nenhum tipo de expressão subjetiva ou ruídos na mensagem

comunicada. Com influências da Bauhaus e do DeStijl este estilo prosperou

por mais de duas décadas. Um de seus grandes expoentes foi o suiço

Max Bill, que mais tarde viria a fundar a escola de design de Ulm, onde

Page 35: Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

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estudaria Alexandre Wollner. Teria também grande influência sobre o

estabelecimento do design e também da arte concreta no Brasil (MEGGS

e PURVIS, 2009).

Já outros movimentos, como os poetas gráficos da Europa (décadas de

1970 e 80) propunham uma expressão mais emocional e comprometida do

designer, projetando suas ideias e sentimentos pessoais sobre a mensagem

comunicada. Com o advento da informática na rotina do designer, muitas

explorações técnicas e estéticas passaram a ser feitas (ibidem).

Tratando-se de experimentações, o trabalho de David Carson é um exemplo.

Surfista profissional norte-americano, formado em Sociologia, Carson fez

apenas um workshop de duas semanas em design gráfico na Universidade

Fig. 4 - Beach Culture. Edição especial No-Emigre-Fonts, 1990

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Fig. 5 - Beach Culture. Sculpturer Darrin Pappas, 1991 (Foto: David Carson)

Fig. 6 - Ray Gun. Hot for teacher. Artigo sobre rock stars que se apaixonaram por

suas professoras.

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35

do Arizona. Destacou-se profissionalmente diagramando revistas como a

Beach Culture (figuras 4 e 5) e Ray Gun (figura 6) nos anos 80 e 90. Ele

não criou projetos gráficos convencionais, focados em legibilidade, clareza

ou outras regras vigentes no mercado editorial, como apontam Meggs

e Purvis (2009), Blackwell e Carson (1995). Carson priorizava em seu

trabalho sobretudo a expressão, tanto estética quanto conceitual, exigindo

do usuário que decifrasse cada página para, não necessariamente entender,

mas apreender os significados das coisas. Cada letra, foto, ruído ou espaço

em branco, cada signo traz consigo uma carga expressiva que contribui,

acrescenta ou até mesmo modifica o significado da mensagem original. O

todo se torna mais que a soma das partes.

1.3| RELAÇÕES ENTRE ARTE E DESIGN NO CENÁRIO NACIONAL

Em 1952, o grupo Ruptura composto por Geraldo de Barros e Waldemar

Cordeiro e outros artistas, realiza uma exposição de mesmo nome no

Museu de Arte Moderna – MAM em São Paulo, considerada como o início

oficial da arte concreta brasileira. Esta forma de arte é herdeira de conceitos

desenvolvidos pelo grupo DeStijl de Piet Modrian e Theo van Doesburg, bem

como dos ideais da Bauhaus e de Max Bill e sua escola em Ulm, busca um

ideal formal de clareza e exatidão em representações estritamente plásticas,

opondo-se a qualquer tipo de figurativismo, bem como o abstracionismo,

pois para os concretos abstrair ainda é uma forma de representar o mundo.

Assim, pontos, linhas, planos e cores não representam nada, são apenas

elementos plásticos, ou seja, concretos (ITAÚ CULTURAL, 2010, online).

Além do grupo Ruptura também se destaca no Rio de Janeiro o grupo Frente,

que realizou sua primeira exposição em 1954. Diferentemente do grupo

paulistano, os cariocas tinham uma postura mais livre, onde havia uma

diversidade na exploração de estilos, técnicas e materiais. Entre os artistas

do grupo destacam-se Lygia Clark e Hélio Oiticica, que mais tarde também

viriam a integrar o grupo Neoconcreto (ITAÚ CULTURAL, 2010, online).

Tanto Waldemar Cordeiro, quanto Lygia Clark e Hélio Oiticica acabam se

afastando do rigor concretista. Por volta da década de 60, cada um ao seu

modo, estes artistas se voltam para uma arte mais inserida na realidade e

no cotidiano.

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É o início de uma noção de um tipo de arte mais voltado aos conceitos e

linguagem, à realidade do que à forma. Paralelamente, vários artistas

brasileiros começam a desenvolver trabalhos que se aproximam do tipo de

arte conceitual.

Waldemar Cordeiro passa a criar a partir de objetos do cotidiano e de

sucata. Ao entrar em contato com a Pop Art norte-america desenvolve

o conceito de Arte Concreta Semântica. Observa que a arte, até então

predominantemente abstrata, e cuja maior expressão considerava ser o

Fig. 7 - Waldemar Cordeiro, Idéia Visível, 1956

Fig. 8 - Waldemar Cordeiro. O Beijo, 1967

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Concretismo, estava agora em busca de uma nova reflexão da realidade,

não como o figurativismo que já havia sido superado, mas como um novo

humanismo. Waldemar, em 1965, observa que:

Redimensionando o domínio da imagem com respeito ao do conceito,

estruturada a linguagem visual de acordo com as necessidades

comunicativas do homem moderno nas condições da revolução industrial,

a arte de vanguarda engaja-se agora na luta por um novo humanismo

(CORDEIRO, 2006: 108).

No final da década de 60 realiza as primeiras pesquisas sobre arte

computacional e introduz o uso de computador na arte no Brasil. É

considerado um dos pioneiros internacionais desse tipo de arte (ITAÚ

CULTURAL, 2010, online).

Lygia Clark, com a série Bichos, iniciada em 1960 sua obra atinge um novo

nível. Lygia eleva a obra de arte ao status de jogo e o expectador ao status

de participante. Segundo Lygia em seu texto onde explica a série Bichos:

É um organismo vivo, uma obra essencialmente atuante. Entre você e ele se

estabelece uma integração total, existencial. Na relação que se estabelece

entre você e o “Bicho” não há passividade, nem sua nem dele (CLARK,

2009a, online).

Com esta série, Lygia Clark torna-se uma das pioneiras da arte participativa

mundial. As dobradiças tornam a obra aberta. Pode ser montada de qualquer

forma que não perde sua essência. E o participante é inserido como peça

importante no jogo artístico.

Porém, já em 1963 dá outro grande salto. Concebe Caminhando, obra

que consiste em uma fita de Moebius (uma tira de papel que tem suas

duas pontas coladas após uma torção) que é cortada no sentido de seu

comprimento em uma tira fina que só acaba quando acaba a própria fita

de Moebius. A arte deixa de estar em um objeto. A experiência artística

extrapola a matéria, já não está contida em nada nem mediada por coisas,

existe apenas na ação e na vivência misturada com a vida.

Page 40: Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

38Fig. 10 - Lygia Clark,. Bicho.

Fig. 9 - Lygia Clark,. Bicho.

Page 41: Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

39

Que se passa então de tão importante com o ready-made? Nele, encontramos

ainda, apesar de tudo, toda transferência do sujeito ao objeto, separação

de um e de outro. Com o ready-made, o homem ainda tem a necessidade

de um suporte para revelar sua expressividade interior. Mas isso já não é

mais necessário hoje, pois a poesia se exprime diretamente no ato de fazer

(CLARK, 2009b, online).

Lygia chega então à noção de obra anônima, onde o artista não tem controle

sobre como a arte se concretiza, pois a existência da arte dependerá do

outro, de sua participação, de sua ação e interferência.

Fig. 11 - Lygia CLark. Caminhando, 1964

Page 42: Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

40

Hélio Oiticica também desenvolve obras que somente se baseiam na

participação e vivência. Após a morte de seu pai, Hélio começa a frequentar o

morro e a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Entusiasmado

pelo samba, torna-se passista e integra-se na comunidade do morro da

mangueira (PROJETO HÉLIO OITICICA, 2010, online). Em 1964 nascem

os parangolés:

A partir de uma cena marcante presenciada em rua da Zona Norte do

Rio e Janeiro, Oiticica vê uma espécie de construção improvisada por um

mendigo com estacas de madeira, cordões e outros materiais; em um

pedaço de juta consegue ler a palavra “Parangolé” e passa a designar

como tal, obras que está desenvolvendo naquele momento (PROJETO

HÉLIO OITICICA, 2010, online).

Fig. 13 - Hélio Oiticica Parangolé P 08 Capa 05 - Mangueira, 1965; P 05 Capa 02, 1965; P 25 Capa 21- Nininha Xoxoba, 1968; P 04 Capa 01, 1964.

Fig. 14 - Hélio Oiticica. Parangolé.

Fig. 12 - Hélio Oiticica. Nildo da Mangueira, com Parangolé, 1964 .

Page 43: Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

41

Os parangolés eram feitos de materiais comuns e corriqueiros como

lonas e tecidos, em forma de capas, bandeiras ou tendas, em um ritual

de manifestação cultural coletiva de dança, poesia, música e cores. (ITAÚ

CULTURAL, 2010, online).

Em 1965, durante a exposição Opinião 65 no Museu de Arte Moderna

do Rio de Janeiro Oiticica e seus parangolés protagonizaram uma grande

polêmica. O artista e um grupo de passistas da Mangueira usando os

parangolés foram proibidos de desfilar nas dependências do museu.

Revoltado, Hélio se retira então da exposição e desfila pelo jardim do museu,

onde é ovacionado pelos artistas, jornalistas, críticos e público presente.

Oiticica falece em 1980. Desde 1999, quando foi inaugurado o Centro de

Arte Hélio Oiticica com uma grande exposição retrospectiva que percorreu

a Europa e os Estados Unidos, já foram feitas mais 39 exposições no Brasil

e 51 no exterior (PROJETO HÉLIO OITICICA, 2010, online).

Nelson Leirner no início de sua carreira estudou engenharia têxtil nos

Estados Unidos. De volta ao Brasil, estudou pintura. Mas foi em 1966,

quando fundou o Grupo Rex, com Wesley Duke Lee, Geraldo de Barros,

Carlos Fajardo, José Resende e Frederico Nasser, que seu trabalho ganhou

projeção, ganhando prêmio na Bienal de Tokio. Tinham até seu prórpio

jornal, chamado Rex Time (lê-se time mesmo, e não táime). O grupo durou

apenas um ano, mas fez proposições importantes. Em 1967 finalizou

suas atividades com a Exposição-Não-Exposição, um happening – do

inglês acontecimento, uma ação artística em que o público-participante é

protagonista – onde as pessoas que fossem visitar a exposição poderiam

levar as obras, isto é, se estivessem dispostas a arrancá-las de seus

suportes (LEIRNER, 2010, online). Esta ação se opôs radicalmente ao

paradigma da redoma de cristal em que os museus se encontram, onde as

obras não podem nem ao menos ser tocadas.

No mesmo ano, envia ao 4º Salão de Arte Moderna de Brasília um porco

empalhado. Após a “obra” ser aceita para o salão, Nelson publica textos

questionando a aceitação da obra pelo júri (LEIRNER, 2010, online).

Mais recentemente Nelson Leirner se dedica a desenvolver instalações

compostas pela apropriação de objetos corriqueiros e sua recomposição e

combinação para gerar novos significados. Na série Mapas, mapas-múndi

são sobrepostos e preenchidos com stickers (adesivos) de personagens

Page 44: Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

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infantis, encontrados em práticamente todas as bancas de jornais e

papelaria. Notamos uma grande relação com o design, no sentido não só do

uso de produtos de design – como os mapas e os stickers – como na forma

de usar estes elementos para gerar significados. Já a série Hobby, são

instalações compostas por bonecos, estátuas, e uma variedade de outros

colecionáveis. Ele se apropria destes elementos cotidianos de produção em

série para criar cenas de desfiles e jogos de futebol, até missas e guerras.

Atualmente tem uma carreira muito reconhecida internacionalmente.

Fig. 15 - Nelson Leirner. Série Assim é se Lhe Parece, 2003

Fig. 16 - Nelson Leirner. Figurativismo Abstrato

(2004)

Page 45: Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

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Cildo Meireles também começou a desenvolver trabalhos que exploravam

os objetos industrializados produzidos em série. Porém, seu trabalho tinha

um cunho muito mais político. Na década de 70 desenvolve as Inserções

em circuitos ideológicos com o Projeto Coca-Cola e o Projeto Cédula, onde

Cildo imprimia frases subversivas em branco nas garrafas retornáveis de

refrigerante que só se tornavam visíveis quando fossem cheias novamente

e carimbadas nas notas de dinheiro, que voltavam à circulação normal após

a intervenção (ITAÚ CULTURAL, 2010, online).

Fig. 17 - Nelson Leirner. Maracanã (2003)

Fig. 18 - Cildo Meireles - Inserções em circuitos ideológicos Projeto Cédula

Fig. 19 - Cildo Meireles - Inserções em circuitos ideológicos Projeto Coca Cola

Page 46: Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

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Ao invés de fazer o público ir até a obra ele leva a obra até o público. Uma

arte que se insere no sistema para criticá-lo e questioná-lo. Ao interferir

com a arte em um meio específico do design, como as embalagens e as

cédulas de dinheiro, Cildo demonstra como a arte pode se usar do design, e

vice-versa, em prol de uma ação conceitual. É o segundo artista brasileiro a

ter uma exposição retrospectiva na Tate Modern em Londres, 2008, que no

ano anterior expôs obras de Hélio Oiticica (ITAÚ CULTURAL, 2010, online).

Por estes exemplos citados, percebemos que, após o concretismo, durante

as décadas de 60 e 70, o Brasil tinha um cenário artístico muito aquecido

e produtivo no que havia de mais avançado no universo da arte: a arte

conceitual, em toda sua pluralidade, que não pode ser classificada por estilo

ou semelhanças entre as obras.

No Brasil, esta arte tinha várias vezes um cunho político, ou ao menos,

questionador para a sociedade. Isto fez com que a arte se infiltrasse nos

sistemas e processos comuns do cotidiano das pessoas para levar suas

mensagens. Daí surge um ponto forte de convergência, onde a arte se

associa e faz uso do poder de comunicação, disseminação, circulação,

designação e organização do design para expandir seu alcance e horizontes.

Esta diversidade e qualidade de experimentações, em vários sentidos

acabaram por se tornar referência até mesmo internacional, e influenciou

muito do que temos atualmente não só em termos de artes plásticas, mas

desde o cinema até arte computacional, e principalmente, o design gráfico.

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2| AS EXPERIÊNCIAS DA ARTE E DO DESIGN

Consideremos então o processo criativo sob esta perspectiva: uma ideia que

dispara métodos e técnicas, que geram resultado. Nunes (1991) explica

que, segundo Aristóteles, os processos criativos humanos (como a arte e o

design) geram objetos contingentes e artificiais, através de uma dinâmica

entre matéria e forma. A matéria (do grego hylé, que significa madeira ou

material) é estofo, simples potência ou possibilidade, mas que necessita de

uma forma (morphe), uma ideia que a determine e molde.

Do ponto de vista crítico de Kant, são duas as fontes do conhecimento: a

Sensibilidade e o Entendimento. Por meio da Sensibilidade é que percebemos

o mundo de acordo com os nossos sentidos. O Entendimento é responsável

pela geração de conceitos objetivos. Portanto, para Kant, só alcançamos

uma experiência efetiva de conhecimento quando as percepções se ajustam

a conceitos e, por outro lado, os conceitos nos remetem a experiências

sensíveis. A faculdade mental responsável pela intermediação entre as

percepções e os conceitos é a Imaginação.

Trata-se, diz o próprio Kant, de um jogo da imaginação com as

representações ou intuições, jogo esse que, utilizando livremente as

representações ou intuições em face da ordem do Entendimento, nem

infringe a sua estrutura, nem está subordinado a um de seus conceitos.

(NUNES, 1991:51).

Page 48: Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

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Este jogo da imaginação busca uma livre harmonização entre aquilo que

percebemos e aquilo que entendemos.

Friedrich Schiller aprofundou-se nestas ideias de Kant. Admite a existência

de um impulso lúdico, que se exerce acima das necessidades básicas da

vida, apresentando-se, sobretudo, como um jogo estético.

Força eminentemente livre, o jogo estético neutraliza tanto o rigor das

formas abstratas, produzidas pelo intelecto, quando a imediatidade das

sensações passageiras, e, “dando forma à matéria e realidade à forma”,

liberta o homem do jugo da Natureza exterior e das exigências racionais

exclusivistas (ibidem: 55).

Não só a arte como o design também se utiliza deste jogo em sua prática.

Temos uma visão dividida da vida, visão que muito bem pode ter sido

necessária para a solução de problemas físicos, mecanicamente, mas hoje

chegou a ser o principal obstáculo para resolver os problemas criados pela

mecanização. Ao desenhar, esta dificuldade aparece como a separação

entre o racional e o intuitivo, entre o prático e o criativo. Mas um rápido

estudo sobre o modo como trabalham e pensam os mais famosos artistas,

engenheiros, cientistas, designers, etc., sugere que todos têm algo em

comum: encontraram formas de enganar esta divisão, de combinar a

razão com a imaginação, de ser tanto criativos como práticos, de saber

quando é racional ser irracional e quando é racional trabalhar através da

experiência. A essência do design é conciliar o que parece oposto. Resolver

as contradições. Para tanto, há de se confiar no próprio sistema nervoso,

na própria inspiração incontrolável, na sua mente-corpo. (JONES apud

FUENTES, 2006: 113).

Tanto no processo de criação, quanto no usufruto do produto final, é gerada

uma experiência. Segundo Nunes (1991:13):

Kant admite três modalidades de experiência: a cognoscitiva (do

conhecimento intelectual propriamente dito), inseparável dos conceitos,

mediante os quais formamos ideias das coisas e de suas relações; a prática,

relativa aos fins morais que procuramos atingir na vida; e a experiência

estética, fundamentada na intuição ou no sentimento dos objetos que nos

satisfazem, independentemente da natureza real que possuem.

Cada experiência é composta por elementos destas três dimensões, cada

um a seu modo contribuindo para a efetividade da experiência como um todo.

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2.1| ABERTURA E INTERAÇÃO

A arte e o design, ao abandonarem a tradicional prática fundamentada

em estilos, convenções e tendências visuais libertaram-se das restrições

impostas à criação desde a concepção de um trabalho, impondo rótulos

baseados em critérios como os materiais e técnicas empregados e a

semelhança com outros trabalhos, o que não é suficiente para classificar ou

julgar o valor da arte, como Kosuth (2006) afirma.

Umberto Eco (1991:41) propõe que:

A poética da obra “aberta” tende, como diz Pousseur a promover no

interprete ‘atos de liberdade consciente’, pô-lo como centro ativo de uma

rede de relações inesgotáveis, entre as quais ele instaura sua própria

forma, sem ser determinado por uma necessidade que lhe prescreva os

modos definitivos de organização da obra fruída.

Esta transformação do público (aquele que assiste) em usuário (aquele

que usufrui) gera uma abertura nos projetos, torna a obra um campo de

possibilidades. Ela pode permitir uma abertura desde um nível mais básico,

das interpretações e entendimentos possíveis, que praticamente tudo

possui, pois é impossível para alguém que cria algo ter o controle absoluto

sobre a experiência que será gerada, até uma intervenção mais efetiva, que

exija uma ação consciente e autônoma de modificação ou colaboração.

As aberturas às possibilidades podem se dar de várias maneiras. Pode-se

escolher não finalizar a obra ou produto, mas fornecer pistas ou até mesmo

instruções para que outras pessoas possam deduzir como executar ou

modificar a ideia original. Pode-se projetar um sistema colaborativo ou um

programa que dependerá da interação e contribuição dos outros. O design

pode projetar diferentes modalidades de jogo, que vão gerar diferentes

experiências ricas estética e intelectualmente.

Como exemplo destes níveis e formas de abertura, podemos citar a

obra de David Carson, que apresenta a abertura na fase metodológica,

incorporando elementos e processos não previstos a sua produção; e no

produto gerado, onde o usuário participa do projeto ao desvendar e jogar

com os significados propostos. Lygia Clark já atua de maneira diferente.

Em seus processos define a ideia e a executa, de forma que o usuário-

Page 50: Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

participante terá liberdade para modificar a forma do objeto. Cildo Meireles

incorpora a abertura, por exemplo, ao fazer arte com objetos que estão em

circulação nos sistemas econômicos da sociedade. Ele não pode prever Até

onde suas garrafas chegarão, ou quando suas cédulas serão tiradas de

circulação ou rasgadas.

O fato é que, todos estes artistas ou designers se utilizam de situações as

quais a maioria das pessoas tenta controlar ou prever, para criar projetos

(sejam de arte ou design) que contém um pouco da vida em si, para prover

experiências de algum modo construtivas para os usuários.

Page 51: Contribuições da Arte Conceitual para o Design Contemporâneo - Vol. 1 Monografia

49

3| CONTRIBUIÇÕES DA ARTE PARA O DESIGN

Analisando especificamente a experiência gerada pela arte conceitual,

desde a concepção de um projeto até o efeito da obra sobre o público

podemos perceber que:

• Sendo a função básica da arte conceitual apresentar-se como proposição

a respeito do que o artista considera arte, temos então uma experiência

tautológica, ou seja, onde a arte exprime uma ideia sobre arte. Esta

posição metalinguística da arte conceitual procura entender os próprios

fundamentos expandindo assim seu domínio.

• Como a arte conceitual não se baseia em modelos metodológicos ou

procedimentais, os projetos são abertos, dependentes da ideia a ser

trabalhada. Podem ser elaborados sistemas, programas, fórmulas, ou

quaisquer outros métodos que melhor atendam as premissas da ideia

inicial. Assim, os processos de concepção são considerados tão artísticos

quanto a obra final. Sol LeWitt, fala sobre o processo de concepção em

seus trabalhos:

A própria ideia, mesmo no caso de não se tornar algo visível, é um trabalho

de arte tanto quanto qualquer produto terminado. Todos os passos

intermediários – rabiscos, rascunhos, desenhos, trabalho malsucedido,

modelos, estudos, pensamentos, conversas – interessam. Os passos

que mostram o processo de pensamento do artista às vezes são mais

interessantes do que o produto final (LEWITT, 2006: 179).

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50

• Como aponta LeWitt, a obra resultante deste processo também é

aberta, já que a percepção (como ele denomina a percepção sensível e o

entendimento) apresenta possibilidades diferentes a todos, inclusive ao

próprio artista.

Não é muito importante com o que o trabalho de arte se parece. Ele precisa

se parecer com alguma coisa se tem uma forma física. Seja qual for a forma

que possua no final, ele deve começar com uma ideia. É com o processo

de concepção e realização que o artista está envolvido. Uma vez que tenha

recebido do artista sua realidade física, o trabalho está aberto para a

percepção de todos, inclusive do artista (ibidem: 178).

• O público deixa então de ser um elemento passivo, com função meramente

contemplativa, e passa a ser peça fundamental no processo de criação,

com o papel ativo de ampliar as dimensões cognitivas e estéticas da

experiência, condicionado ao seu próprio repertório e consciência.

• O efeito da experiência deixa de ser meramente reativo (de resposta)

e passa a ser interativo (de troca, mutualidade), um verdadeiro jogo

imaginativo, onde o usuário joga com a obra, com o artista e com os

outros, ampliando o alcance da arte.

• Quanto à estética, ela se torna um elemento gerado indiretamente pelo

processo de entendimento do conceito artístico. Em vez do tradicional

fluxo: percepção > estética, temos percepção > entendimento >

estética. Com os conceitos e a estética intrincados em um mesmo

processo temos uma experiência mais rica.

Analisando sob a mesma perspectiva a experiência do design contemporâneo

em geral, desde o projeto até os efeitos por ele causados, verificamos que:

• A função primordial do design é demandada antes de tudo por uma

necessidade de comunicação. Assim, muitas vezes abdica-se das

explorações e questionamentos em torno das estruturas e fundamentos

do design em nome de uma comunicação mais prática. A metalinguagem

no design é tida como secundária.

• A determinação dos métodos é feita levando-se em consideração estas

questões práticas. Muitas vezes, seguem-se paradigmas que tanto podem

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51

ajudar otimizando os processos quanto podem condicionar a criação e os

caminhos do projeto à propriedades não desejadas.

• Os produtos gerados pelo design apresentam uma linha geral de

comunicação, mais clara e objetiva, e podem oferecer caminhos paralelos

de entendimento e percepção. Este grau de abertura de possibilidades

pode variar bastante.

• Ao ter contato com um objeto de design, muitas vezes são oferecidas as

possibilidades da mente pode escolher seguir o caminho mais curto para a

compreensão da mensagem ou aceitar jogar, estética e intelectualmente,

decodificando a mensagem e seus signos, capturando o sentido da

mensagem.

• A estética é gerada pelo entendimento do designer, que a transformará

em um elemento a ser percebido pelo usuário diretamente. A percepção

estética é paralela ao entendimento das ideias.

Considerando ambas as experiências, observamos o quanto o design

parece ser bem mais condicionado a fatores externos, pois a arte no geral

já alcançou um alto grau de autonomia, histórica e socialmente. A arte

conceitual é um movimento relativamente recente e, apesar de o design

sempre ter buscado se espelhar nas evoluções da arte desde que surgiu,

ainda não conseguiu incorporar efetivamente em sua estrutura esta riqueza

da experiência e jogo intelectual e estético presente principalmente na arte

conceitual. Porém, seria possível existir um design que se libertasse destes

condicionamentos, em prol de uma experiência tão rica quanto a da arte

conceitual, para designer e usuário, de forma viável?

3.1| DESIGN COMO AGENTE E VEÍCULO DA FRUIÇÃO IMAGINATIVA

Para responder à pergunta anterior, proponho uma análise mais

aprofundada sobre o trabalho de David Carson, sob os mesmos aspectos

em que foram analisadas as experiências da arte conceitual e do design

anteriormente.

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Fig. 20 - Ray Gun nº54, Março de 1998. Capa do Radiohead.

Fig. 21 - Livro The Architecture of Patterns.

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53

Fig. 22 - Ray Gun nº43, Fevereiro de 1997. Capa do Nine Inch Nails

Fig. 23 - CD The Fragile, Nine Inch Nails. Fotografia e Design por David Carson

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54

• Assim como todo projeto de design, os trabalhos de Carson possuem

função comunicativa. A primeira vista, parece dificultar a comunicação

propositalmente, mas a comunicação existe, apesar de algumas vezes

exigir certo esforço do usuário.

• Porém, ao mesmo tempo em que expressa, a mensagem também

questiona ao design sobre seus princípios e limites. Comunica e

paralelamente procura expandir fronteiras e propor novas visões do

design. Linguagem e metalinguagem se misturam.

• Carson afirma que, como não havia estudado design aprofundadamente

quando começou a trabalhar, não conhecia as normas do bom design

e procurou fazer suas próprias explorações, portanto não houve

paradigmas que limitassem sua criação. O fato é que, em seus projetos

ele busca incorporar experiências, sejam expressões pessoais, obras

do acaso e imprevistos, entre muitas outras possibilidades. E cada

elemento contribuirá para o significado e impressão geral (BLACKWELL

e CARSON, 1995).

• Assim, os trabalhos de Carson chegam ao público com um alto grau de

abertura. As figuras 11 e 12 são capas da revista Ray Gun. Percebemos

que apesar de o nome das bandas não estar completo, desde que

tenhamos o mínimo de referência sobre elas conseguimos entender.

Entramos então em uma segunda análise, de que esta incompletude não

é casual. Cabe a nós não só decodificar como também decifrar o que está

implícito.

• Ao entrarmos em contato com as formas, cores e outros signos, temos

uma reação estética. Contudo, ao decifrarmos a mensagem abaixo desta

superfície, novamente temos o deleite estético. Assim temos um fluxo de

experiência mais completo: percepção > estética > entendimento >

estética.

Analisando e comparando os fatores que condicionam estas experiências,

podemos concluir que a resposta para a pergunta feita anteriormente é sim.

O exemplo de David Carson nos mostra que há viabilidade na prática de um

design que gere experiências mais ricas. Assim como a análise dos artistas

conceituais e suas obras demonstra que, não só existe esta proximidade

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entre a arte conceitual e o design, como existe também colaboração entre

as áreas. Trocam-se métodos, técnicas, conselhos e ideias, que influenciam

os processos e projetos gerados.

Porém, copiar o modelo de Carson ou dos artistas conceituais não nos

levaria a atingir este objetivo, pois a resposta que procuramos não se

encontra no produto final. É necessário entender como cada processo

funciona para sermos capazes de desenvolver nossos próprios métodos, de

acordo com nossa realidade. Para isso é preciso uma dose de ousadia, não

simplesmente ao escolher uma fonte ou cor, mas ao nos posicionarmos,

para que seja possível abrir-se para as opções que podem parecer as mais

improváveis, mas que na verdade, podem se revelar grandes ideias.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O design, ao longo de toda a sua história sempre encontrou na arte uma

fonte de renovação, sempre se espelhando nos caminhos que a arte trilhava

para revigorar-se não só criativa como reflexivamente. Contudo, há um

momento em nossa história recente em que a arte, em sua eterna busca

pela ampliação de sua área de conhecimento, deu grandes passos em

direção a explorações das áreas relacionadas à linguagem e dos conceitos,

ultrapassando a barreira dos olhos e atingindo nossa reflexão, aproximando

a arte do cotidiano e dos sistemas sociais, consequentemente, do design. A

recente arte conceitual com essa proximidade tem muito a contribuir para

o design contemporâneo que ainda não foi explorado como nas formas de

arte anteriores.

Alguns aspectos específicos cooperam para estas contribuições. Podemos

perceber que ao abrir o projeto para que haja uma incorporação de

possibilidades imprevisíveis (sejam geradas pelo acaso ou pelos outros)

conseguimos alcançar espaços inexplorados, tanto na comunicação a ser

efetuada quanto nos domínios estruturais do design gráfico.

Entender e questionar os fundamentos e fronteiras da atividade que

exercemos também é essencial para que haja evolução, não só do designer

como profissional, mas também do design como uma disciplina.

É preciso então pensar o design de uma nova forma. O designer tem não

só uma função de definir e prever o futuro, mas de prover possibilidades e

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58

tornar-se mais consciente dos processos aos quais está envolvido e suas

propriedades e consequências.

Da mesma forma, é preciso pensar em uma experiência interativa, onde

quando o usuário entra em contato com experiências de design que

forneçam um desafio, ele passa a jogar com o design, provocando uma troca,

e assim ele é estimulado a desenvolver-se intelectual e esteticamente e em

contraponto a fazer o mesmo com seu ambiente, expandindo os significados

da mensagem para si e para os outros.

Este jogo de imaginação (entre conceitos e percepções) é a atividade que

permite a evolução. Com uma prática do design fundamentada em uma

comunicação de vários níveis, ela deixa de ser supérflua e passa a ser mais

estimulante.

Ao espelhar-se na arte conceitual e absorver estes conceitos, a principal

contribuição é com relação à experiência gerada. Através da abertura, da

dinâmica entre entendimento e estética, do jogo e de um questionamento,

a experiência gerada torna-se não só mais efetiva como transformadora.

Seja uma modificação de um ponto de vista, ou uma nova consciência

sobre algo, a intenção é que, ao entrar em contato com a arte, a pessoa seja

transformada. E é nesta experiência transformadora que está na plenitude

da arte conceitual. O design ao buscar esta experiência potencializa seu

efeito comunicativo e transforma não só o mundo como as pessoas ao seu

redor, instigando o desenvolvimento de pensamentos e ações.

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