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Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS. Porto Alegre, 2016. p.523-535. <www.ephispucrs.com.br>. CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DO PROTESTANTISMO DE MISSÃO CONTRIBUTIONS TO THE STUDY OF MISSION PROTESTANTISM Paulo Henrique Silva Vianna 1 Graduado em História pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Estudante do Programa de Pós-graduação em História da UFSM (PPGH-UFSM), Mestrado [email protected] RESUMO A seguinte pesquisa tem como ponto inicial o interesse pela Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e sua presença na cidade de Santa Maria-RS. Fundada por missionários estadunidenses que chegaram ao Brasil em 1889 a denominação passou a desenvolver suas atividades em Santa Maria no ano de 1900. O andamento da pesquisa tem levado a compreender que o campo religioso brasileiro passou por uma significativa reconfiguração no século XIX, processo que contou com a intervenção de diversos missionários norte-americanos que chegaram ao país com o objetivo de promover a conversão de nacionais ao protestantismo. A presença desses missionários e seus trabalhos resultaram na inserção de diversas igrejas em território nacional, denominações que correspondem ao “protestantismo de missão”. Utilizando de diversas estratégias e transitando em meios aos diversos campos que constituíam a sociedade brasileira no século XIX, os agentes protestantes viabilizaram seus trabalhos e sua presença em território nacional. Em decorrência da investigação percebeu-se que o estudo das igrejas protestantes/ evangélicas e sua presença no Rio Grande do Sul necessita ser ampliado. Compreendendo que as religiões se caracterizam como estruturas capazes de construir a experiência dos sujeitos e conduzir suas ações em meio a sociedade, pretende-se apresentar algumas contribuições que auxiliem nas reflexões envolvendo a presença dos protestantes na sociedade brasileira. Palavras-chave: Igreja Episcopal. Protestantismo de missão. Missionários estadunidenses. ABSTRACT The following research has as its starting point the interest in the Episcopal Anglican Church of Brazil and its presence in the city of Santa Maria, RS. Founded by American missionaries who arrived in Brazil in 1889, the denomination started to develop its activities in Santa Maria in 1900. The progress of the research has led to understand that the Brazilian religious field went through a significant reconfiguration in the nineteenth century, a process that included the intervention of many north American missionaries who arrived in the country aiming to promote the conversion of national people to Protestantism. The presence of these missionaries and their work resulted in the inclusion of several churches in the country, denominations of the "Mission of Protestantism". Using many strategies and going through the several fields that formed the Brazilian society in the nineteenth century, the Protestant agents made possible their work and their presence in the country. As a result of the investigation it was realized that the study of Protestant/Evangelical Churches and their presence in the state of Rio Grande do Sul needs to be expanded. Understanding that religions are characterized as structures capable of build the experience of individuals and conduct their actions in the middle of the society, it is intended to present some contributions that help to understand the reflections involving the presence of Protestants in the Brazilian society. Keywords: Episcopal Church. Mission Protestantism. American missionaries. 1 Orientadora Profª. Drª. Beatriz Teixeira Weber. Professora Titular do Departamento de História e do PPGH- UFSM.

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Porto Alegre, 2016. p.523-535. <www.ephispucrs.com.br>.

CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DO PROTESTANTISMO

DE MISSÃO

CONTRIBUTIONS TO THE STUDY OF MISSION PROTESTANTISM

Paulo Henrique Silva Vianna1

Graduado em História pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Estudante do Programa de Pós-graduação em História da UFSM (PPGH-UFSM), Mestrado

[email protected]

RESUMO

A seguinte pesquisa tem como ponto inicial o interesse pela Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e sua presença

na cidade de Santa Maria-RS. Fundada por missionários estadunidenses que chegaram ao Brasil em 1889 a

denominação passou a desenvolver suas atividades em Santa Maria no ano de 1900. O andamento da pesquisa

tem levado a compreender que o campo religioso brasileiro passou por uma significativa reconfiguração no

século XIX, processo que contou com a intervenção de diversos missionários norte-americanos que chegaram ao

país com o objetivo de promover a conversão de nacionais ao protestantismo. A presença desses missionários e

seus trabalhos resultaram na inserção de diversas igrejas em território nacional, denominações que correspondem

ao “protestantismo de missão”. Utilizando de diversas estratégias e transitando em meios aos diversos campos

que constituíam a sociedade brasileira no século XIX, os agentes protestantes viabilizaram seus trabalhos e sua

presença em território nacional. Em decorrência da investigação percebeu-se que o estudo das igrejas

protestantes/ evangélicas e sua presença no Rio Grande do Sul necessita ser ampliado. Compreendendo que as

religiões se caracterizam como estruturas capazes de construir a experiência dos sujeitos e conduzir suas ações

em meio a sociedade, pretende-se apresentar algumas contribuições que auxiliem nas reflexões envolvendo a

presença dos protestantes na sociedade brasileira.

Palavras-chave: Igreja Episcopal. Protestantismo de missão. Missionários estadunidenses.

ABSTRACT

The following research has as its starting point the interest in the Episcopal Anglican Church of Brazil and its

presence in the city of Santa Maria, RS. Founded by American missionaries who arrived in Brazil in 1889, the

denomination started to develop its activities in Santa Maria in 1900. The progress of the research has led to

understand that the Brazilian religious field went through a significant reconfiguration in the nineteenth century,

a process that included the intervention of many north American missionaries who arrived in the country aiming

to promote the conversion of national people to Protestantism. The presence of these missionaries and their work

resulted in the inclusion of several churches in the country, denominations of the "Mission of Protestantism".

Using many strategies and going through the several fields that formed the Brazilian society in the nineteenth

century, the Protestant agents made possible their work and their presence in the country. As a result of the

investigation it was realized that the study of Protestant/Evangelical Churches and their presence in the state of

Rio Grande do Sul needs to be expanded. Understanding that religions are characterized as structures capable of

build the experience of individuals and conduct their actions in the middle of the society, it is intended to present

some contributions that help to understand the reflections involving the presence of Protestants in the Brazilian

society.

Keywords: Episcopal Church. Mission Protestantism. American missionaries.

1 Orientadora Profª. Drª. Beatriz Teixeira Weber. Professora Titular do Departamento de História e do PPGH-

UFSM.

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Introdução

No ano de 1899 chegaram a cidade de Santa Maria, região central do Rio Grande do

Sul, dois missionários estadunidenses vinculados à Igreja Protestante Episcopal dos Estados

Unidos da América. Sua chegada a esta cidade se constituiu como ponto inicial para a

elaboração da pesquisa que vem sendo desenvolvida. Inicialmente buscava-se identificar

algumas das estratégias utilizadas pelos missionários para que pudessem efetivar sua inserção

no campo religioso santa-mariense. Contudo, percebeu-se que os agentes estiveram inseridos

em uma série de temas que precisavam ser abordados para que a assumisse caráter mais

consistente. Neste sentido, realizou-se um trabalho de revisão bibliográfica, por meio do qual

foram abordadas questões relacionadas ao campo religioso do século XIX com ênfase na

presença de agentes acatólicos e protestantes. A proposta resultou no Trabalho de Conclusão

de Graduação apresentado pelo autor ao junto ao curso de História da Universidade Federal

de Santa Maria, ao final do primeiro semestre do corrente ano (2016).

Em termos gerais, o seguinte trabalho aborda a presença de agentes que pertenceram

ao protestantismo de missão e aspectos de sua atuação em meio ao campo religioso brasileiro.

Partindo do interesse pela presença da igreja Episcopal, buscou-se evidenciar algumas das

ações empreendidas pelos agentes para que pudessem viabilizar seus trabalhos religiosos em

meio ao território nacional. Para melhor delimitar o objeto de estudo serão apresentadas

categorias que possibilitam a identificação de especificidades entre os diferentes matizes de

protestantismo encontrados no Brasil, assim como auxiliam em sua compreensão. Após, serão

apresentadas algumas características que envolveram o campo religioso do século XIX e que

estiveram relacionadas com a presença de agentes protestantes. Serão também referenciadas

ações desenvolvidas por missionários a fim de demonstrar o desenvolvimento de seus

trabalhos e suas escolhas em meio a sua atividade.

Diversidade no protestantismo e o caso da Igreja Episcopal Brasileira

(Igreja Episcopal Anglicana do Brasil)

Para o estudo do protestantismo torna-se interessante compreender que esta

perspectiva religiosa é também marcada pela diversidade. Cinco categorias podem ser

utilizadas para caracterizar as igrejas que se originaram a partir da Reforma Religiosa do

século XVI, ainda que surgidas por meio de desdobramentos. As categorias são as seguintes:

protestantismo de imigração, protestantismo de missão, pentecostalismo, neopentecostalismo

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e transconfessionalidade protestante (DREHER, 2002).

A categoria chamada protestantismo de imigração corresponde a presença de igrejas

organizadas por acatólicos e protestantes existentes no Brasil desde o século XIX. Ao se

referir a esta categoria faz-se referência a presença dos imigrantes ingleses anglicanos,

chegados ao Brasil a partir da abertura dos portos em 1808, às comunidades religiosas

formadas por meio da chegada massiva de imigrantes protestantes, entre os quais, os luteranos

de 1824, e também a outros grupos de imigrantes que organizaram suas comunidades

religiosas. O protestantismo de missão, por sua vez, foi estabelecido permanentemente em

1855 com a chegada de um missionário escocês autônomo chamado Robert Reid Kalley e sua

esposa. Anos antes, 1836, metodistas haviam tentado instituir uma obra missionária, mas

acabaram por retornar aos Estados Unidos. A categoria, portanto, corresponde a presença de

algumas denominações protestantes que chegaram ao Brasil com o objetivo de promover a

adesão de nacionais ao protestantismo. O movimento resultou na presença das igrejas

congregacional, presbiteriana, metodista, batista e igreja episcopal2 em território brasileiro.

Em sua maioria, as missões foram enviadas por igrejas estadunidenses (MENDONÇA;

VELASQUES FILHO, 1990; DREHER, 2002).

A respeito das categorias protestantismo de imigração e protestantismo de missão

cabem algumas considerações. Ao tratar das igrejas organizadas por imigrantes

estadunidenses no estado de São Paulo, Émile Léonard escreveu que não tiveram insistência

em atrair para elas os brasileiros, o que seria uma característica comum aos membros de todas

as colônias estrangeiras. Após, o autor complementou que essas igrejas locais não

demonstraram muita preocupação com a evangelização do país, mas que a pedido de alguns

de seus membros missionários foram enviados ao Brasil (LÉONARD, 2002, p. 86). Dreher,

ao referir-se ao protestantismo de imigração considerou que o conceito não é dos mais

adequados, quando colocado em oposição ao protestantismo de missão. O autor entende que

comunidades de imigrantes teriam recebido missionários oriundos de Casas de Missão que

possuíam influências “tão presentes quanto” entre os missionários do protestantismo de

missão (DREHER, 2002, p. 120). De acordo com essas referências, pode-se perceber que

ambos os conceitos não devem ser tomados como categorias estanques. Os fenômenos

2Existem algumas divergências quanto a alguns grupos. É possível que alguns autores considerem que entre as

denominações formadas a partir do protestantismo de missão estejam incluídos os adventistas (DREHER, 2002,

p. 120). Antonio Gouvêa Mendonça e Prócoro Velasques Filho afirmam que em boa parte da literatura

encontrada sobre as religiões no Brasil, os grupos adventista, mórmons, testemunhas de Jeová e ciência cristã são

identificados como protestantes. Entretanto, Mendonça e Velasques Filho entendem que apesar desses grupos

terem se originado a partir do protestantismo, ou em meio a uma cultura protestante, se encontrariam distantes do

protestantismo. Sendo assim, defendem que não deveriam ser incluídos em estudos que abordem o cristianismo

reformado (MENDONÇA; VELASQUES FILHO, p. 22, 1990).

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protestantismo de missão e protestantismo de imigração mantiveram relações em meio ao

campo religioso nacional. Este é um estudo inicial e se reconhece que um maior número de

leituras deverá ser incorporado para que a discussão adquira maior consistência, contudo se

achou pertinente apresentar essa problemática.

A Igreja Episcopal, cujo interesse resultou neste trabalho, também possui uma série de

particularidades que devem ser levadas em consideração. Segundo o sistema de classificação

ainda adotado, os episcopais estão incluídos no protestantismo de missão. Porém, deve-se ter

em mente que essa denominação originou-se a partir da presença da Igreja Anglicana nos

Estados Unidos e esta possui algumas problemáticas quanto a sua configuração3. Atualmente,

a Igreja Episcopal organizada no Brasil chama-se Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e está

integrada a uma rede composta por igrejas de diversos países que preservam a herança da

Reforma Inglesa, chamada Comunhão Anglicana4 (MENDONÇA, 2005; CALVANI, 2005).

A presença dos ingleses anglicanos no Brasil data do início do XIX e a Igreja

Episcopal resultou do trabalho de missionários estadunidenses. É preciso dizer também que

japoneses que imigraram para o país pertenciam à Igreja Anglicana do Japão, chamada Santa

Igreja Católica do Japão. Essas correntes se aproximaram a partir da década de 1950 e as

paróquias inglesas e japonesas foram incorporadas à Igreja Episcopal. A Igreja Episcopal

Anglicana do Brasil, atualmente, é, portanto, uma instituição que engloba o protestantismo de

missão, o protestantismo de imigração e faz parte da Comunhão Anglicana. Atualmente, a

Igreja Episcopal é também conhecida como Igreja Anglicana. Entretanto, para o recorte deste

trabalho optou-se por abordar apenas a face que corresponde ao protestantismo de missão

(CALVANI, 2005).

Os temas que abarcam o pentecostalismo, neopentecostalismo e

transconfessionalidade protestante possuem seus desdobramentos já no século XX e neste

3Igreja Anglicana (Church of England) recusa o título de protestante. A atual configuração da instituição resulta

da Reforma Religiosa, mas reuniu internamente aspectos do protestantismo e da tradição católica. Em seu

interior, a denominação possui alas que se aproximam mais de uma ou de outra perspectiva religiosa, contudo, a

Igreja da Inglaterra mantém sua unidade. Buscando o equilíbrio entre as tradições pré-reforma e o protestantismo

a instituição tornou-se uma espécie de “via média” (CALVANI, 2005, p. 38). Mendonça apresenta a Reforma em

três ramos: anglicano, luterano e calvinista. Com a ressalva feita para a Igreja da Inglaterra, as igrejas

protestantes seriam aquelas que se originaram na Reforma e possuem desdobramentos em outras denominações

que mantiveram os princípios gerais do movimento. Seriam, portanto, as igrejas luteranas, presbiterianas,

metodistas, congregacionais e batistas. Estas últimas, as batistas, também resistem ao conceito “protestante”

considerando suas raízes históricas, mas para Mendonça, elas são integrantes do protestantismo (MENDONÇA,

2005). Sendo assim, ao se tratar das Igrejas luterana, congregacional, presbiteriana, metodista e episcopal se

manteve o uso do conceito “protestante”, por seu uso instrumental, apesar da problemática (MENDONÇA;

VELASQUES FILHO, 1990). 4As igrejas que fazem parte dessa proposta se relacionam através de processos de consulta e companheirismo,

são chamadas “províncias”, reconhecem a primazia de honra do arcebispo de Cantuária (mais antiga diocese da

Inglaterra) entre outros aspectos (MENDONÇA, 2005; CALVANI, 2005).

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trabalho buscou-se privilegiar a conjuntura do século XIX. Porém, é pertinente saber que o

pentecostalismo passou a se fazer presente em território nacional a partir de 1910. Iniciando

por São Paulo e Belém, hoje é representado por diversas denominações entre elas a Igreja

Evangélica Assembleia de Deus e a Congregação Cristã do Brasil. As igrejas que fazem parte

do neopentecostalismo surgiram a partir da década de 1970. Entre as denominações

neopentecostais se pode fazer referência a Igreja Universal do Reino de Deus. A

transconfessionalidade protestante, por sua vez, apresenta duas perspectivas. Pode ser

pecebida como uma espécie de reação das “igrejas de missão”, ao buscarem o distanciamento

de uma perspectiva colonialista, por um lado. Por outro, é identificada em setores do

protestantismo de imigração e do protestantismo de missão que influenciados pela Teologia

da Libertação (DREHER, 2002).

Transformações no campo religioso no século XIX e a presença de missionários

protestantes

Fazendo parte de uma significativa reconfiguração do campo religioso no século XIX,

quando diversos agentes acatólicos buscaram sua inserção e uma área de atuação no espaço

social brasileiro, chegaram a Porto Alegre em 21 de abril de 1890, capital da Província do Rio

Grande do Sul, dois missionários estadunidenses vinculados à Igreja Protestante Episcopal

dos Estados Unidos da América. Recém-formados pelo Seminário Teológico de Virgínia e

movidos pelo espírito evangelístico, característico das igrejas protestantes norte-americanas

na segunda metade do século XIX, James Watson Morris e Lucien Lee Kinsolving haviam

partido de Newport News no dia primeiro de setembro de 1889. Ao chegarem ao Brasil,

desembarcaram no Rio de Janeiro, passaram por Santos, Cruzeiro (cidade paulista no Vale do

Paraíba) e São Paulo, para, então, chegarem ao Rio Grande do Sul (CALVANI, 2005;

KICKHÖFEL, 1995).

No Rio Grande do Sul Morris e Kinsolving, em conjunto com outros missionários e

agentes nacionais, organizaram a Igreja Protestante Episcopal dos Estados Unidos do Brasil5,

mais tarde chamada de Igreja Episcopal Brasileira. Tendo desenvolvido trabalhos em diversas

5A Igreja recebeu diversas nomenclaturas ao longo de sua história e, ao que se pode entender, as mudanças no

nome acompanharam os rumos tomados pela instituição. A declaração de princípios de 1893 chama o distrito

missionário de Igreja Protestante Episcopal no Estado do Rio Grande do Sul. Mais tarde, em 1895, foram

aprovados a primeira constituição e os primeiros cânones da Igreja Protestante Episcopal no Sul dos Estados

Unidos do Brasil. Em 1897, foi aprovada a remoção da palavra “sul”, ficando, portanto, Igreja Protestante

Episcopal dos Estados Unidos do Brasil. Em 1900, o concílio aprovou a troca do nome para Igreja Episcopal

Brasileira. Hoje a denominação se chama Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (KICKHÖFEL, 1995;

KICKHÖFEL, 2000).

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localidades como Porto Alegre, Viamão, Pelotas, Rio Grande, Santa Rita do Rio dos Sinos,

Jaguarão, São José do Norte, em 1899 dirigiram-se para o interior estabelecendo formalmente,

em 1900, na cidade de Santa Maria, seu primeiro trabalho na região central. Em 1908 a

denominação chegou ao Rio de Janeiro, no ano de 1920 a São Paulo e Santa Catarina

(KICKHÖFEL, 1995; MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990).

No momento de sua chegada ao Brasil os congregacionais, presbiterianos, batistas e

metodistas já desenvolviam trabalhos de missão. Acompanhar algumas das trajetórias desses

missionários possibilita identificar alguns dos limites, e possibilidades, existentes para os

protestantes que estiveram presentes no Brasil do século XIX. Contudo, a presença dos

protestantes e acatólicos em território nacional esteve sujeita a uma série de variáveis cuja

configuração possibilitou sua inserção.

Entre os séculos XVI e XVII houveram duas tentativas fracassadas de estabelecimento

do protestantismo no Brasil. A primeira correspondeu aos protestantes franceses que se

estabeleceram no Rio de janeiro entre 1555 e 1560 e a segunda aos protestantes holandeses

que chegaram ao Nordeste entre 1630 e 1654. Após a expulsão dos holandeses, a presença dos

protestantes só foi permitida a partir das transformações que ocorreram com a chegada da

família real, acontecimento que resultou na abertura dos portos e na assinatura do Tratado de

Comércio e Navegação. Foi, portanto, no século XIX que os acatólicos e protestantes

estabeleceram-se de fato. Em um primeiro momento como consequência dos acordos

firmados com a Inglaterra e, posteriormente, através do incentivo à imigração europeia,

particularmente alemã. Outro elemento protestante existente no Brasil do século XIX

correspondeu a presença de agentes da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira e da

Sociedade Bíblica Americana. Em decorrência da distribuição de Bíblias e, por vezes, da

evangelização, sua atividade focos de protestantismo teriam sido formados em algumas

regiões (LÉONARD, 2002; MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990).

A partir da segunda metade do novecentos chegaram ao Brasil os primeiros

missionários que se dedicaram a divulgação do protestantismo de forma mais sistemática. A

este segundo impulso chama-se “protestantismo missionário” ou “protestantismo de missão” e

através dele foram instaladas, em território brasileiro, a Igreja Congregacional (1858),

Presbiteriana (1862), Batista (1881), Metodista (1886) e a Igreja Episcopal6 (1890)

(LÉONARD, 2002; MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990). A Igreja Congregacional

6A Igreja Batista e a Episcopal não se identificam como protestantes, porém, são inseridas pelos pesquisadores

entre as Igrejas que compõem o protestantismo de missão. O termo “protestante”, neste sentido, assume caráter

consensual de sentido genérico e técnico (MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990).

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procede do trabalho missionário desenvolvido pelo médico escocês Robert Reid Kalley em

conjunto com sua esposa. As demais resultaram do trabalho de protestantes estadunidenses.

Essas denominações possuíam um sistema teológico mais ou menos uniforme, que suprimia

algumas particularidades denominacionais, e estiveram apoiadas no princípio da conversão.

Possuíam como objetivo a salvação individual, pautadas na ética do trabalho e na disciplina

moral (MENDONÇA, 2005).

Os anglicanos e os luteranos participaram do processo que correspondeu às tímidas

mudanças em direção à liberdade de culto que iniciaram com a chegada a família real ao

Brasil, que resultou na abertura dos portos aos estrangeiros, 1808, e no Tratado de Comércio e

Navegação, 1810. Essa mudança gerou a expectativa de uma maior presença e circulação de

estrangeiros na colônia, o que possibilitou a criação de uma legislação que tratasse dos não

católicos e seus respectivos cultos. Entretanto, a liberdade religiosa deste período, não lhes

autorizava a expor suas convicções religiosas em público ou a nacionais, a construírem

templos com a aparência externa de um templo religioso, a participarem das decisões políticas

e seus casamentos não eram reconhecidos como legítimos (MAFRA, 2001). Apesar das

restrições que proibiam a oferta de seus bens de salvação por parte dos protestantes e

acatólicos, até o final do século XIX todas as denominações protestantes, tradicionais ou

históricas, haviam se estabelecido no Brasil (MENDONÇA, 2005, p. 52).

Tendo sua inserção efetivada por meio da atuação de Robert Reid Kalley e Sarah

Poulton Kalley, o “protestantismo de missão” desenvolveu-se no decorrer do século XIX.

Apesar dos elementos culturais que poderiam ter criado estruturas de aceitação para a

mensagem bíblica anunciada pelos missionários, e os casos de conversão espontânea

possíveis, por meio da leitura individual da Bíblia, pode-se perceber que a inserção dessas

denominações esteve sujeita às diversas estratégias utilizadas pelos agentes no decorrer de

seus trabalhos. Sendo assim, um olhar sobre a trajetória dos agentes permite identificar as

ações desenvolvidas para que pudessem atingir seus objetivos (LÉONARD, 2002;

MENDONÇA, 2005; KICKHÖFEL, 1995).

O missionário e médico escocês Robert Kalley chegou ao Rio de Janeiro em 10 de

maio de 1855, a convite do pastor presbiteriano, Rev. James Cooley Fletcher. Este era o

representante das Sociedades Bíblicas Britânica e Americana na capital do Império, diretor da

União Cristã Americana de Jovens, agente da Sociedade dos Amigos do Marujo, secretário da

delegação dos Estados Unidos e passou a compor a membresia do Instituto Histórico

Brasileiro. O posto de secretário da delegação dos Estados Unidos abria as portas do Palácio

Imperial para o reverendo, colocando-o em contato com dom Pedro II. Robert Kalley, por sua

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vez, não se tratava de um agente menos expressivo. O médico escocês havia imigrado para a

Ilha da Madeira por motivos relacionados à saúde de sua esposa e lá, em 1838, organizou uma

obra de evangelização em conjunto com a oferta de assistência médica alcançando milhares

de adeptos. Tendo sido convidado por Fletcher, Kalley veio ao Brasil para auxiliar na

distribuição das Bíblias e deu início a um trabalho de difusão da fé protestante sob a

perspectiva do congregacionalismo7. Trabalho que contou com a atividade de portugueses que

o haviam acompanhado até o Brasil (LÉONARD, 2002; MENDONÇA; VELASQUES

FILHO, 1990).

O missionário escocês optou por uma atuação moderada, como se buscasse sua

segurança e a de seus adeptos8. O agente buscou proximidade com lideranças importantes e

fixou moradia na cidade de Petrópolis, local onde alugou a casa de verão que pertencia ao

embaixador dos Estados Unidos. Neste local recebia visitas do Imperador dom Pedro II,

reunia crianças inglesas e alemãs, e adultos portugueses. Entre suas estratégias, Kalley

utilizou da imprensa e manteve no Rio de Janeiro agentes que vendiam Bíblias e organizavam

pequenas reuniões religiosas em locais particulares. Em 1858, ou seja, três anos após seu

desembarque no Brasil Imperial, realizou o batismo do primeiro brasileiro “que pertenceu,

nos tempos modernos, a uma igreja protestante, Pedro Nolasco de Andrade”. Essa data marca

a fundação Igreja Evangélica no Rio de Janeiro, mais tarde chamada de Igreja Evangélica

Fluminense (LÉONARD, 2002, p. 58; MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990).

Os presbiterianos surgiram no Brasil a partir da chegada do missionário Ashbel Green

Simonton, em 18599. Desenvolvendo-se principalmente na Província de São Paulo, a igreja

fundada no Rio de Janeiro, em 1862, caracterizou-se como a denominação que mais cresceu

no Brasil ao longo do XIX. Dotada de um aspecto visionário a presença do Reverendo Ashbel

Logo trouxe inquietação para Robert Kalley. Enquanto o médico escocês aconselhava ao

7O congregacionalismo corresponde ao ramo calvinista das Igrejas livres da Inglaterra e se distingue das Igrejas

presbiterianas por praticar a democracia de forma direta e afirmar a autonomia das igrejas locais. O

congregacionalismo é um ramo das igrejas reformadas, herdeiras da Reforma na Suíça, e suas igrejas estão

filiadas à Aliança Mundial de Igrejas Reformadas (MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990). 8O trabalho desenvolvido por Kalley passou por perseguições religiosas na Ilha da Madeira. Após as

experiências desagradáveis em Funchal o agente pareceu manter cuidado para não expor seus novos convertidos.

O missionário escreveu: “Lembra-te, escrevia ele a um de seus colaboradores, das Suas palavras (do Senhor):

Sede sábios como uma serpente e simples como pombas. Tenha cuidado dos padres e das irmãs de caridade”. A

postura cautelosa de Robert Kalley foi considerada excessiva por outros missionários (LÉONARD, 2002, p. 56 –

57). 9A presença dos presbiterianos resulta de duas missões vindas dos Estados Unidos. A junta de Nova York enviou

Ashbel G. Simonton, e o Comitê de Neshville, a partir de 1870, foi responsável pelo envio de muitos

missionários. Os presbiterianos sofreram baixas em razão das mortes decorrentes da febre amarela, que vitimou

missionários e missionárias, mesmo assim atuaram nas frentes da evangelização conversionista e na educação. A

primeira resultou em inúmeras comunidades espalhadas pela zona rural das Províncias de São Paulo e de Minas

e a segunda na fundação em 1870 da Escola Americana, em São Paulo, hoje Universidade Mackenzie, e diversos

outros colégios em distintas províncias (MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990).

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presbiteriano que trabalhasse com discrição, Simonton acreditava que suas intenções

deveriam ser expostas a todos. Entretanto, o estadunidense esteve limitado por seu capital

cultural, uma vez que não possuía familiaridade com a língua falada no Brasil, o que lhe

impediu de trabalhar em meio aos nacionais por determinado período de tempo (LÉONARD,

2002; MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990).

Ashbel Simonton iniciou seus trabalhos entre os anglo-saxões da capital como capelão

em navios, realizando casamentos ou pregando nas cidades sempre na língua inglesa. Em

1860, passou a ser auxiliado por sua irmã e pelo Rev. Blackford, seu cunhado. No período

entre dezembro de 1860 a março de 1861, o agente viajou por colônias de anglo-saxões e de

alemães10 e distribuiu Bíblias. A oferta de trabalhos religiosos entre os nacionais iniciou

oficialmente em 19 de maio de 1861, ao realizar no Rio de Janeiro seu primeiro culto em

português. Organizados em pequenas reuniões, semelhantes às promovidas por Kalley, os

cultos também contavam com a presença de colaboradores e fiéis do missionário escocês. Em

12 de janeiro de 1862, mais de dois anos após sua chegada ao Brasil, Simonton realizou o

batismo de seus primeiros convertidos, “um comerciante vindo de Nova York e um foguista

da marinha portuguesa” (LÉONARD, 2002, p. 62).

Ao perceberem que o trabalho no Rio de Janeiro parecia limitado, e uma concorrência

para igreja organizada por Robert Kalley, os missionários presbiterianos buscaram transferir

seus trabalhos para São Paulo e arredores. Para esse fim, teriam estado motivados pela

presença de alemães protestantes instalados na região. A sede da missão permaneceu no Rio

de Janeiro sob a supervisão de Simonton, mas Blackford instalou-se em São Paulo, local em

que foi recebido por W. D. Pitt, um americano que era um dos colaboradores de Kalley.

Composto inicialmente por estrangeiros, o trabalho missionário dos presbiterianos obteve uma

importante expansão entre os nacionais por meio da atuação de um ex-padre convertido ao

protestantismo (LÉONARD, 2002).

Nascido em São Paulo, em 1822, José Manoel da Costa Santos tornou-se padre em

1845, sob o nome de José Manoel da Conceição. Desde cedo, o agente estabeleceu relações

com protestantes estrangeiros e essa proximidade teria lhe rendido o gosto pela leitura bíblica

e por obras como a “História Sagrada do Antigo e Novo Testamento”, publicado no Rio de

Janeiro por uma editora protestante. Essa influência aos poucos lhe conferiu o apelido de

“padre protestante” e também a desconfiança das autoridades diocesanas, que buscavam

10Nas viagens que realizou pela província de São Paulo, entre dezembro de 1860 e março de 1861, os

missionários já se mostrava mais ativo que os predecessores. Nesse período visitou colônias dos anglo-saxões e

de alemães. A pedido desses últimos, promoveu a vinda de um missionário presbiteriano de origem alemã,

Francis J. C. Schneider. Durante esse período, Ashbel também distribuía Bíblias (LÉONARD, 2002).

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transferi-lo com frequência a fim de minimizar sua influência sobre os fieis. Conceição foi

encontrado pelo Rev. Blackford que ficou atraído pela fama do “padre protestante”. Batizado

na Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, em 1864, Conceição passou a contribuir para o

desenvolvimento do trabalho missionário e retornou a todos os locais onde havia trabalhado

como sacerdote. Suas viagens não se constituíam através de um plano organizado em

conjunto com os missionários estadunidenses. O trabalho desenvolvido pelo pastor Conceição

foi o responsável por formar uma base para o protestantismo naquela Província. As ações do

ex-padre resultaram na conversão de famílias inteiras e na abertura de fronteiras para a

expansão de suas igrejas (LÉONARD, 2002).

A chegada de missionários permaneceu ao longo do século XIX. Em 1836, os

metodistas não haviam conseguido efetivar seu trabalho missionário, mas a partir de 1886,

através de Junius E. Newman, John J. Ransom, J. W. Koger e James L. Kennedy, sua presença

no campo religioso foi estabelecida. Assim como os presbiterianos que fundaram em 1870 a

Escola Americana em São Paulo, transformada na Universidade Mackenzie, e diversos

colégios espalhados pelas províncias. Os metodistas, batistas e episcopais também fundaram

escolas. Os batistas, por sua vez, instalaram-se no Brasil com a chegada dos missionários

William Bagby e Zacarias Taylor, em 1881. Assim como os metodistas, os batistas instalaram-

se de início nos centros urbanos, situação que lhes proporcionou um crescimento lento no qual

esteve envolvido, entre os outros motivos possivelmente, a presença da Igreja Católica

Romana nas cidades. Apesar do crescimento lento entre os primeiros anos de seu trabalho

após a instituição da República, em 1889, os batistas obtiveram uma expansão significativa e,

ao longo do século XX, atingiram maior crescimento diante das demais igrejas de missão

(MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990; KICKHÖFEL, 1995).

Tendo observado elementos que compuseram a trajetória de alguns agentes

protestantes e algumas das ações desenvolvidas para que possibilitassem a realização de seu

trabalho religioso, percebe-se que a inserção do protestantismo no Brasil ocorreu por diversas

vias. Utilizando da distribuição de Bíblias, pregando em casas de particulares, buscando o

apoio de agentes influentes, organizando cultos ou criando escolas, os protestantes

viabilizaram sua presença no campo religioso brasileiro. Partindo da hipótese de que agentes

podem ser considerados representativos11 de fenômenos conjunturais comuns a outros

11 Karsburg (2015) entende que a análise de biografias e de trajetórias possuem diferenças. A biografia costuma

abordar a análise do sujeito por toda a sua vida, mas que seja privilegiado um ou outro recorte temporal. A

análise de trajetória, por outro lado, não possui implícita essa condição. O pesquisar chama a atenção para a

importância de se mostrar como outros sujeitos poderiam atuar de modo semelhante ao indivíduo analisado (ao

tratar da biografia). Dessa maneira, pode-se identificar as similaridades existentes entre os agentes, revelar suas

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agentes, pode-se perceber que os missionários da Igreja Episcopal possuíam características

comuns aos agentes de outras denominações. Entre essas, estaria a característica “evangelical”

de sua perspectiva teológica. O evangelicalismo enfatizava a experiência religiosa emocional

como sinônimo da conversão e essa perspectiva estava diretamente vinculada aos movimentos

de reavivamento que ocorreram na Inglaterra e nos Estados Unidos ao longo daquele século.

Essa tendência teria sido predominante entre as denominações que compõem o protestantismo

de missão que chegaram ao Brasil (MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990).

Considerações finais

Partindo do interesse pela Igreja Episcopal Anglicana e sua presença no Brasil,

chegou-se a uma bibliografia que apresenta diversos agentes históricos que desenvolveram

suas atividades em meio ao campo religioso do século XIX. Através das obras pode-se

identificar que a inserção do protestantismo de missão no Brasil se deu de diversas maneiras.

Até 1808, a entrada de protestantes não era permitida nos domínios portugueses na América.

Depois de poucas décadas, missionários percorriam o espaço social e promoviam conversões

de famílias inteiras ao protestantismo.

Esses agentes não possuíam direitos legais para atuarem em meio ao campo religioso,

uma vez que a liberdade encontrada não lhes garantia o direito a divulgação de suas

perspectivas religiosas. Entretanto, mesmo havendo encontrado limites legais para sua

atuação, os missionários criaram diversas comunidades antes que a República houvesse sido

proclamada em 1889. Ainda que o campo jurídico impusesse limitações ao campo religioso,

este seguia lógicas próprias e, por consequência, criava novas demandas em meio a sociedade.

A inserção do protestantismo de missão em meio ao campo religioso não seguiu uma

única proposta de ação. Aspectos envolvendo estratégias individuais e coletivas, relações

interpessoais, trocas e disputas em meio aos campos religioso, político e econômico estiveram

relacionados. A trajetória dos agentes e suas escolhas permite acompanhar os limites e

possibilidades encontrados em meio a esse processo. Neste sentido a análise das estratégias

utilizadas pelos sujeitos e suas trajetórias mostrou-se uma alternativa interessante para o

estudo do protestantismo de missão.

A pesquisa encontra-se em andamento, mas percebe-se que a produção historiográfica

singularidades e estabelecer relações. Outro aspecto, corresponde a noção de representatividade dos sujeitos. Os

agentes podem ser considerados representativos de um grupo, proposta que pode revelar aspectos dinâmicos e

específicos dos indivíduos em meio a transformações mais amplas.

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sobre as igrejas de missão é ainda pouco expressiva no Rio Grande do Sul. Dada a presença

significativa das igrejas protestantes no Brasil, entende-se que as discussões devem

ultrapassar as leituras relacionadas à Reforma Protestante e à presença calvinista na colônia

portuguesa. Uma vez que os diversos protestantismos, enquanto estruturas religiosas, estão

atuantes em meio ao campo religioso brasileiro ajudando a construir a experiência dos sujeitos

e a conduzir suas ações em meio a sociedade (OLIVEIRA, 2011). Nesse sentido, acreditou-se

que ao se levantar a problemática, apresentar algumas discussões envolvendo possibilidades

metodológicas e também categorias de análise, se está apresentando uma contribuição aos

interessados no estudo do protestantismo de missão.

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