CONTRIBUTO PARA A MELHORIA DO DESEMPENHO...

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Coimbra, Portugal, 2012 CONTRIBUTO PARA A MELHORIA DO DESEMPENHO TÉRMICO DAS PAREDES DE TAIPA João P. B. Pereira 1 * e J. J. Correia da Silva 2 1: Escola de Ciências e Tecnologia Universidade de Évora Apartado 94, 7002-554 Évora e-mail: [email protected] 2: Escola de Ciências e Tecnologia Universidade de Évora Apartado 94, 7002-554 Évora e-mail: [email protected] Palavras-chave: Construção em terra, taipa, eficiência energética Resumo: O uso da construção em terra remonta ao início da nossa civilização. Nas regiões do Alentejo e do Algarve existe ainda um grande número de edifícios com paredes em taipa, mas esta tecnologia tem vindo a cair em desuso desde meados do século passado. A construção em terra é altamente sustentável, já que a terra per si é um material 100% reutilizável e pode ser facilmente encontrado em quase todos os lugares do mundo. Os edifícios com paredes em taipa apresentam uma elevada inércia térmica o que, dadas as características climáticas de Portugal, beneficia o seu comportamento térmico. No entanto, seria desejável que a condutibilidade térmica da taipa fosse menor. As preocupações ambientais relativas ao consumo energético, associado ao conforto na habitação, e ao fabrico, transporte e aplicação dos materiais utilizados na construção, levou-nos a procurar novas soluções de tipologias construtivas em terra. Atendendo a estes aspetos e à melhoria da eficiência energética das habitações, neste trabalho são apresentados os resultados dos ensaios realizados em laboratório sobre novas soluções de construção em terra. O local selecionado para a recolha de amostras de terra foi Serpa. Foi feita a caracterização geotécnica do material terra e preparadas diversas composições com a incorporação de argila expandida e de regranulado de cortiça expandida. A argila expandida e o regranulado de cortiça expandida também foram escolhidos por serem isolantes térmicos produzidos a partir de matérias primas disponíveis nas regiões do Alentejo e do Algarve, regiões do nosso país com maior aptência para o uso da taipa. De maneira a caracterizar as diferentes composições sob o ponto de vista mecânico e do desempenho térmico, foram fabricados cubos com 10 cm de aresta e ensaiados de modo a se calcular a sua resistência à compressão e a sua condutibilidade térmica. Os resultados obtidos mostraram que a utilização deste tipo de tipologias construtivas em terra com a incorporação de argila expandida e de regranulado de cortiça expandida permite aumentar o seu desempenho, fazendo que seja possível adaptar esta tipologia às necessidades dos dias de hoje, nomeadamente às exigências estabelecidas pelo Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios (RCCTE). Os resultados desta investigação têm aplicabilidade, com as devidas adaptações, tanto em construções em taipa como em construções em adobe.

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Coimbra, Portugal, 2012

CONTRIBUTO PARA A MELHORIA DO DESEMPENHO TÉRMICO DAS

PAREDES DE TAIPA

João P. B. Pereira1* e J. J. Correia da Silva2

1: Escola de Ciências e Tecnologia Universidade de Évora

Apartado 94, 7002-554 Évora e-mail: [email protected]

2: Escola de Ciências e Tecnologia

Universidade de Évora Apartado 94, 7002-554 Évora

e-mail: [email protected]

Palavras-chave: Construção em terra, taipa, eficiência energética

Resumo: O uso da construção em terra remonta ao início da nossa civilização. Nas regiões do Alentejo e do Algarve existe ainda um grande número de edifícios com paredes em taipa, mas esta tecnologia tem vindo a cair em desuso desde meados do século passado. A construção em terra é altamente sustentável, já que a terra per si é um material 100% reutilizável e pode ser facilmente encontrado em quase todos os lugares do mundo. Os edifícios com paredes em taipa apresentam uma elevada inércia térmica o que, dadas as características climáticas de Portugal, beneficia o seu comportamento térmico. No entanto, seria desejável que a condutibilidade térmica da taipa fosse menor. As preocupações ambientais relativas ao consumo energético, associado ao conforto na habitação, e ao fabrico, transporte e aplicação dos materiais utilizados na construção, levou-nos a procurar novas soluções de tipologias construtivas em terra. Atendendo a estes aspetos e à melhoria da eficiência energética das habitações, neste trabalho são apresentados os resultados dos ensaios realizados em laboratório sobre novas soluções de construção em terra. O local selecionado para a recolha de amostras de terra foi Serpa. Foi feita a caracterização geotécnica do material terra e preparadas diversas composições com a incorporação de argila expandida e de regranulado de cortiça expandida. A argila expandida e o regranulado de cortiça expandida também foram escolhidos por serem isolantes térmicos produzidos a partir de matérias primas disponíveis nas regiões do Alentejo e do Algarve, regiões do nosso país com maior aptência para o uso da taipa. De maneira a caracterizar as diferentes composições sob o ponto de vista mecânico e do desempenho térmico, foram fabricados cubos com 10 cm de aresta e ensaiados de modo a se calcular a sua resistência à compressão e a sua condutibilidade térmica. Os resultados obtidos mostraram que a utilização deste tipo de tipologias construtivas em terra com a incorporação de argila expandida e de regranulado de cortiça expandida permite aumentar o seu desempenho, fazendo que seja possível adaptar esta tipologia às necessidades dos dias de hoje, nomeadamente às exigências estabelecidas pelo Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios (RCCTE). Os resultados desta investigação têm aplicabilidade, com as devidas adaptações, tanto em construções em taipa como em construções em adobe.

João P. B. Pereira, J. J. Correia da Silva

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1. INTRODUÇÃO

A construção em terra remonta à época das primeiras sociedades sedentárias agrícolas. As suas qualidades são notáveis, nomeadamente a sua durabilidade já que ainda existem construções em terra construídas há mais de 3000 anos. Numa época em que a sustentabilidade está na ordem do dia, a construção em terra satisfaz de forma notável os seus princípios, nomeadamente: a construção em terra é 100% reutilizável, tem uma baixa incorporação de energia, a sua durabilidade é elevada, a terra é um material local e não requer qualquer transformação. Além disso, dada a sua elevada massa térmica, confere elevada inércia térmica às edificações, tornando-se uma solução construtiva particularmente adequada a climas caraterizados por elevadas amplitudes térmicas. Em Portugal, a construção em terra e em particular a edificação incorporando paredes de taipa abunda nas regiões do Alentejo e do Algarve. A construção em taipa tem, no entanto, vindo a cair em desuso, principalmente a partir de meados do século passado. Atualmente, escasseiam os mestres desta arte, correndo-se o risco de se perder a sabedoria essencial para a seleção do solo, controlo do seu teor de humidade e execução do trabalho propriamente dito: essencialmente a colocação e compressão da terra no espaço entre taipais. Entretanto, o Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios [1] coloca exigências, nomeadamente ao nível da limitação do consumo nominal de energia durante a estação de aquecimento que as construções em taipa têm dificuldade em cumprir. O principal objetivo deste trabalho é contribuir para a melhoria do desempenho térmico das paredes em taipa, através do estudo de soluções que permitam diminuir a sua condutibilidade térmica. Considerou-se a adição à terra de dois isolantes térmicos, sendo um de origem vegetal e o outro de origem mineral. Como isolante térmico de origem vegetal, foi considerado o regranulado de cortiça e como isolante térmico de origem mineral foi considerada a argila expandida, materiais que são produzidos a partir de matérias primas que abundam na região. A incorporação destes materiais na terra foi efectuada com consideração de diferentas granulometrias e de diferentes percentagens de forma a estudar de que forma poderia ser diminuída a condutibilidade térmica da taipa sem que fosse comprometida a sua resistência à compressão. Quanto ao solo para o trabalho em causa, a escolha recaiu na região de Serpa, visto aí abundarem construções em terra crua e, em particular, a qualidade deste solo ser excelente. Através do ensaio de provetes cúbicos com 10 cm de aresta, foram determinadas as propriedades físicas consideradas mais relevantes, para o fim em vista, tendo sido seguidas as prescrições contidas em trabalhos efectuados neste domínio e normas que abordam ensaios deste tipo [2][3].

2. DESENVOLVIMENTO

Para o trabalho em causa foram escolhidos dois tipos de materiais provenientes da região: o regranulado de cortiça expandida e o granulado de argila expandida. O regranulado de cortiça expandida é um produto que é aproveitado da cortiça menos nobre (desperdícios) e que irá ser utilizado na mistura em diferentes percentagens no solo e em dois tipos de granulometria. O segundo material, a argila expandida é um produto obtido da argila por expansão a alta temperatura. Ambos são bons isolantes térmicos de origem natural. Na falta de manuais de boas práticas portugueses onde se pudesse consultar quais as propriedades mecânicas adequadas para as paredes de edifícios em taipa, vimo-nos obrigados a recorrer à documentos de países onde a construção em terra é mais comum. Assim, para o presente estudo tivemos em consideração as normas neozelandesas [4][5][6] e um documento de referência espanhol [7]. Foi com base nestes documentos que se estabeleceu a resistência à compressão uni-axial mínima exigível.

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3. CARATERIZAÇÃO GEOTÉNICA E FÍSICA DO SOLO

Para se verificar a aptidão do solo para a construção de taipa, há que caracterizar primeiro o solo quanto às suas propriedades físicas e geotécnicas. Para essa caracterização utilizaram-se as Normas Portuguesas e as especificações LNEC, assim como as indicações contidas no livro “Construção em Terra” [3]. Foi assim obtido o teor de água no solo quando efectuada a recolha, o teor de matéria orgânica, a análise granulométrica do solo, os limites de consistência e liquidez e por fim o ensaio Proctor para se obter o ponto de teor de água ótimo.

3.1 Propriedade geotécnicas do solo em estudo

Além dos ensaios físicos e geotécnicos, Houben e Hubert [8] apresentam os ensaios tradicionais que passam pelo contacto visual para determinação da cor do solo, avaliando-se assim a quantidade de matéria orgânica existente no solo, a existência de areias feldspáticas, areias quartzosas e a presença de óxidos de ferro nas argilas. Através do teste do cheiro é possível identificar também a existência de matéria orgânica, exemplo de húmus que potencia o aquecimento e facilita o humedecimento do solo. O teste do tato permite verificar se um determinado solo é arenoso ou se, pelo contrário, é um solo plástico ou viscoso, devido à quantidade de argila que torna a superfície da amostra pegajosa. O teste do brilho também permite avaliar se o solo é argiloso: uma amostra de solo humedecido, apresentará uma superfície de corte brilhante se houver predominância de argila. Como estes, há outros testes que eram antigamente usados pelos mestres da construção em terra, visto que, então, não era viável a análise do solo em laboratório antes de se efetuar qualquer construção para avaliação da sua qualidade, nomeadamente a consistência após compactação e secagem. Neste trabalho, este tipo de análise não foi efetuado, visto se terem efetuado os ensaios físicos e geotécnicos que permitem que a caracterização seja efetuada com menor margem de erro. Existem autores que se baseiam no triângulo de Feret, onde se introduzem as percentagens que o solo possui de areia, silte e argila, para obtenção de um ponto, cuja localização no trângulo carateriza o solo. Assim, é possível definir se o solo tem condições para a construção em terra, neste caso taipa, o que acontecerá se o referido ponto se situar no interior de uma zona pré-definida [9], como se mostra na Figura 1. No caso estudado, estamos na presença de um solo com 58% de cascalho, 18% de areia, 14% de silte e 10% de argila. Se não considerarmos o cascalho e se fizermos corresponder os restantes 42% de areia, silte e argila a 100%, teremos que 18% de areia corresponde a 43%, 14% de silte corresponde a 33% e, por último, 10% de argila corresponde a 24% no referido triângulo (Figura 1). Com estes valores obtemos assim um ponto de interseção do solo em estudo que, neste caso, cai dentro da zona pré-definida para taipa [9], como podemos observar na Figura 1.

Figura 1. Triângulo de Feret: zona para uso de blocos (mancha escura) e zona para uso taipa

(mancha clara que inclui a mancha escura)

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3.2 Análise granulométrica

A análise granulométrica permite a classificação do solo. Para esse efeito, vamos utilizar a norma ASTM D 2487-85 (Classificação Unificada) específica para fins de engenharia. Esta classificação define o tipo de solo presente. Neste caso como estamos na presença de um solo grosso - pois mais de 50% da massa (neste caso 75%) passa no peneiro 75mm - assim como se pode dizer que estamos na presença de uma areia - pois mais de 50% da massa passa no peneiro de 4,75mm, ou seja, passa aproximadamente 56% como se pode verificar no gráfico granulometrico abaixo. Esta areia é com finos, pois mais de 12% passa no peneiro de 75µm ou seja 24%. Através do LL (limite de liquidez), LP (limite de plasticidade) e do IP (Índice de plasticidade), obtemos assim um solo com finos CL-ML, dependendo do tipo de argila presente neste. Como os finos não são orgânicos (a matéria orgânica tem uma percentagem de 0,96%) logo os símbolos do grupo unem-se e estamos na presença de um SC-SM e de acordo com a norma estamos na presença de um solo argilo-siltoso com cascalho.

Figura 2. Gráfico da curva granulométrica do solo em estudo

3.3 Propriedades físicas do solo (resistência à compressão)

No caso dos ensaios para determinação da resistência à compressão uni-axial dos provetes, foi tida em conta a norma ASTM D 1633 - 00 para que a velocidade aplicada nos ensaios se ajustasse aos intervalos de tempo de leituras. Estes ensaios foram realizados aos 21 dias de cura assim como aos 28 dias de cura para que se pudesse verificar se havia ou não alteração significativa da resistência. Ficou comprovado que tal aumento de resistência mecânica existe. Assim, neste artigo, apresentam-se apenas os resultados obtidos nos ensaios realizados aos 28 dias de cura, tendo sempre como comparação os provetes de 100% de solo (taipa) e com as diferentes adições e diferentes tipos de materiais. Podemos visualizar na Figura 3 que os provetes de solo com as diferentes percentagens de argila expandida em nada são inferiores, no que diz respeito à resistência à compressão, e até

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pelo contrário são superiores à resistência dos provetes constituídos apenas por solo, isto para os casos de percentagens de argila expandida de 10%, 15% e 20%.

Figura 3. Ensaios de compressão uni-axial em provetes com adição de argila expandida 2-4

Figura 4. Ensaios de compressão uni-axial em provetes com adição de regranulado de cortiça

expandida 2-10

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Figura 5. Ensaios de compressão uni-axial em provetes com adição de regranulado de cortiça

expandida 3-5

No caso dos provetes com mistura de regranulado de cortiça conforme aumenta a percentagem adicionada ao solo a resistência do conjunto diminui, diminuindo também esta última com o aumento da granulometria de 3-5 para 2-10 (Figuras 4 e 5). Nas tabelas 1 e 2 apresentam-se os valores mínimos da resistência mecânica que a taipa deverá possuir, segundo a norma neozelandesa NZS 4297 [4] e segundo o documento de referência espanhol [6].

Tabela 1. Valor de resistência para a taipa NZS 4297 [4]

Parâmetro de resistência Valor [MPa]

Resistência à compressão (por flexão ou compressão simples) 0,50

Resistência ao corte da terra 0,08 Resistência à tração por flexão 0,10

Tabela 2. Resistência à compressão para o adobe e taipa em função do tipo de estabilização [6]

Tipo de estabilização Taipa (MPa)

Adobe (MPa)

Baixa resistência 0,60 0,75 Média resistência 1,20 1,50 Sem

estabilização Alta resistência 1,80 2,25 Dosagem baixa 3,00 3,75 Dosagem média 4,80 6,00

Estabilização com cimento

Portland Dosagem alta 6,60 8,25 Dosagem baixa 2,40 3,00 Dosagem média 3,50 4,40

Estabilização com cal e cimento Dosagem alta 4,80 6,00

Dosagem baixa 1,80 2,25 Dosagem média 2,40 3,00 Estabilização

com cal Dosagem alta 3,60 4,50

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3.4 Comportamento térmico

A condutibilidade térmica (λ) de um material é uma propriedade fundamental para a caraterização do seu comportamento térmico. A condutibilidade térmica pode ser medida in situ ou em laboratório. Há vários métodos para a sua determinação em laboratório. Neste trabalho, a condutibilidade térmica foi medida em provetes idênticos aos utilizados para a execução dos ensaios para determinação da resistência à compressão. A condutibilidade térmica foi medida com um aparelho ISOMET 2104, da Applied Precision, que é mostrado na Figura 6. Para além da condutibilidade térmica, este equipamento permite a determinação da difusividade térmica e da capacidade térmica volumétrica. Neste trabalho apenas foi considerada a condutibilidade térmica dos provetes. O aparelho ISOMET 2104 permite a utilização de diversos tipos de sondas com diferentes gamas de leitura. Todas as leituras da condutibilidade térmica foram efectuadas com a sonda plana API 210412 (Tabela 1). O equipamento permite a recalibração das sondas usando materiais de referência e leva cerca de 15 minutos para efectuar cada determinação da condutibilidade térmica. Os valores da condutibilidade térmica são armazenados na memória do aparelho e podem ser transferido para um computador através de um interface de série RS 232.

Figura 6. Aparelho de medição ISOMET 2104.

Tabela 3. Característica da sonda plana utilizada para a determinação laboratorial da condutibilidade

térmica dos provetes deste trabalho. Tipo de Sonda Condutibilidade térmica

(W/m.ºC) Capacidade térmica

volumétrica (J/m3.ºC1) Temperatura

Sonda plana API 210412 0,30 a 2,00 1,5x106 a 4,0x106 -15°C a +50°C

A sonda plana cilíndrica utilizada nas determinações da condutibilidade térmica dos provetes tem 60 mm de diâmetro (Figura 7), o que obriga a que os provetes tenham dimensões superiores.

Figura 7. Esquema da sonda plana e sonda sobre um provete de solo.

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As medições da condutibilidade térmica foram efectuadas no provete segundo os três eixos X, Y e Z; ao eixo Y correspondem as leituras realizadas na face A (Figuras 7, 8 e 9). Esta é a face em que as leituras são realizadas perpendicularmente às camadas de compactação. As faces B e C correspondem, respetivamente, aos eixos X e Z como se pode ver na Figura 8 e são ambas perpendiculares às camadas de compressão. Das faces perpendiculares às camadas de compactação, as faces mais regulares, por possuírem menor número de cavidades foram definidas como faces B. Em cada face dos provetes foram efectuados 3 leituras.

Figura 8. Orientação das leituras nos provetes

Figura 9. Determinação da condutibilidade térmica nas diferentes faces de um provete.

3.5 Comportamento térmico do solo

Como a condutibilidade térmica pode variar de amostra para amostra do mesmo material (heterogeneidade, grau de compactação, granulometria) foram realizadas várias determinações dessa propriedade para vários provetes de solo. Assim, para além da caracterização física e geológica, achou-se pertinente caracterizar também a condutibilidade térmica dos provetes de solo, o que permite ter uma condutibilidade térmica de referência em relação aos provetes com adição de outros componentes, i.e., com regranulado de cortiça expandida e com argila expandida; isto permite avaliar a melhoria do comportamento térmico dos provetes com adição de outros componentes, o que constitui um dos objectivos deste trabalho, ou seja, verificar se é possível melhorar as características térmicas dos provetes de forma a obter um coeficiente de transmissão térmica mais baixo. A partir das várias medições, obteve-se uma condutibilidade térmica média, segundo o eixo X, de 1,08 W/m.ºC, com um desvio padrão de 0,11, como se pode observar na Tabela 4.

Face C – eixo Z

Face B – eixo X

Face A – eixo Y

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Numa parede de taipa, o fluxo de calor processa-se segundo a horizontal, portanto perpendicularmente à direção segundo a qual se procede à compactação. Assim, devemos considerar os valores da condutibilidade térmica obtidos para os eixos X ou Z, que são os eixos perpendiculares à direção da compactação. Os valores da condutibilidade térmica obtidos para estes dois eixos são análogos, pelo que se consideraram os valores segundo o eixo X por este eixo corresponder às faces B, que por apresentarem menos heterogeneidades nos dão maiores garantias de fiabilidade.

Tabela 4. Condutibilidade térmica nos provetes de solo segundo o eixo X (valores médios). Provetes λ (W/m.ºC)

100% solo Provete 1 1,01 ± 0,06 100% solo Provete 2 1,06 ± 0,11 100% solo Provete 3 1,15 ± 0,13 100% solo Provete 4 1,16 ± 0,02 Média da condutibilidade 1,08 ± 0,11

3.6 Comportamento térmico do solo com adição de argila expandida 2-4

Nesta subsecção do trabalho vamos apresentar a condutibilidade térmica dos diferentes provetes com diferente percentagem de argila expandida de granulometria 2-4. Os valores apresentados da condutibilidade térmica apresentados, é a média das médias das diferentes leituras nos provetes do mesmo tipo, segundo o eixo X.

Tabela 5. Condutibilidade térmica nos provetes de solo e argila expandida 2-4 segundo o eixo X (valores médios).

Provetes λ(W/m.ºC) 100% Solo 1,08 ± 0,11 Solo + 10 % Argila Expandida 2-4 1,04 ± 0,66 Solo + 15 % Argila Expandida 2-4 0,93 ± 0,15 Solo + 20 % Argila Expandida 2-4 0,94 ± 0,08 Solo + 25 % Argila Expandida 2-4 0,79 ± 0,15

Como resultado da adição de argila expandida nas diferentes percentagens no solo, obtemos assim uma diminuição significativa da condutibilidade térmica: de 1,08 W/m.ºC para 0,79 W/m.ºC conforme visualizamos na tabela 5.

3.7 Comportamento térmico do solo com adição de regranulado de cortiça expandida 2-10

Nesta subsecção do trabalho apresentamos os valores da condutibilidade térmica de provetes com adição de regranulado de cortiça 2-10. Os ensaios de condutibilidade térmica nestes provetes foram efectuados como tinha acontecido com os provetes anteriores com 100% solo (taipa) e de solo com cortiça expandida, ou seja, segundo os três eixos, X, Y e Z. Como na argila expandida chegou-se à conclusão que os resultados que se devia ter em conta são os resultados segundo o eixo X. As medição neste eixo são semelhantes ao sentido do fluxo térmico de uma parede.

João P. B. Pereira, J. J. Correia da Silva

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Tabela 6. Condutibilidade térmica nos provetes de solo e solo mais regranulado de cortiça expandida 2-10 segundo o eixo X (valores médios)

Provetes λ(W/m.ºC) 100% Solo 1,08 ± 0,11 Solo + 10 % Cortiça Expandida 2-10 0,91 ± 0,11 Solo + 15 % Cortiça Expandida 2-10 0,73 ± 0,14 Solo + 20 % Cortiça Expandida 2-10 0,66 ± 0,15 Solo + 25 % Cortiça Expandida 2-10 0,56 ± 0,16

No caso dos provetes de regranulado de cortiça expandida 2-10 com 25% misturado no solo, a condutibilidade térmica diminui para 0,56 W/m.ºC com um desvio padrão de 0,15.

3.8 Comportamento térmico da mistura solo/regranulado de cortiça expandida 3-5

Os valores da condutibilidade térmica medida nos provetes de regranulado de cortiça expandida 3-5 diminuem ligeiramente em comparação com os valores obtidos nos provetes com 25% de argila expandida 2-4; contudo, a sua resistência à compressão é cerca de metade. Também neste caso são apresentados os valores da condutibiidade témica segundo o eixo X.

Tabela 7. Condutibilidade térmica nos provetes de solo sem e com adição de regranulado de cortiça expandida 3-5, segundo o eixo X (valores médios)

Provetes λ(W/m.ºC) 100% Solo 1,08 ± 0,11 Solo + 10 % Cortiça Expandida 3-5 1,04 ± 0,12 Solo + 15 % Cortiça Expandida 3-5 0,83 ± 0,11 Solo + 20 % Cortiça Expandida 3-5 0,66 ± 0,15 Solo + 25 % Cortiça Expandida 3-5 0,44 ± 0,13

4. CONCLUSÃO

Segundo o RCCTE [1], o valor do coeficiente de transmissão térmica de referência dos elementos opacos e verticais da envolvente exterior, em zona I1, é igual a 0,70 W/m2.°C. Vamos comparar este valor com os obtidos através dos ensaios efetuados. Para se fazer essa comparação vamos determinar o coeficiente de transmissão térmica (U) correspondente a uma parede de taipa com 0,60 m de espessura com reboco com 0,02m de espessura, tanto pelo interior como pelo exterior. Considerando que o reboco é executado com argamassa bastarda, temos que s respetiva condutibilidade térmica é λ=0,8 W/m.°C (quadro I.2 pagina I.7) ITE50 [10], Como valores das resistências térmicas superficiais interior e exterior, consideraram-se os valores indicados pelo RCCTE [1], ou seja, Rse=0,04 m2.°C/W e Rsi=0,13 m2.°C/W, respetivamente. Note-se que, através dos ensaios efetuados, se obteve um valor da condutibilidade térmica da amostra de solo igual a 1,08 W/m.°C (Tabela 4), valor muito próximo do indicado no ITE50 (Quadro I.2 da página I.9) [10] que para a taipa é λ=1,1 W/m.°C. Seguindo a metodologia descrita, obtemos para a parede de taipa constituída apenas por solo e reboco o valor U=1,29 W/m2.°C. Neste caso em concreto estamos abaixo do valor definido, pelo RCCTE [1], como coeficiente de transmissão térmica máximo para a zona climática I1 em elementos verticais exteriores que é U=1,8 W/m2.°C, mas estamos acima do valor de referência U=0,70 W/m2.°C. Os materiais adicionados ao solo têm no caso da argila expandida uma condutibilidade térmica de λ=0,11 W/m.°C e no caso do regranulado de cortiça expandida este valor é de λ=0,04025 W/m.°C, dados fornecidos pelos respectivos fabricantes.

João P. B. Pereira, J. J. Correia da Silva

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Para uma adição de 25% de argila expandida 2-4 no solo obtivemos um λ=0,79 W/m.°C com o qual se obteve um coeficiente térmico global da parede de U=1,02 W/m2.°C. Com provetes de 25% regranulado de cortiça expandida 2-10 obtemos como coeficiente de transmissão térmica da parede U=0,77 W/m2.°C, valor já próximo do valor de referência para elementos verticais em zona climática I1 [1]. Para uma adição de 25% de regranulado de cortiça expandida 3-5, obtivemos λ=0,44 W/m.°C (Tabela 7) com o qual se obteve um coeficiente de transmissão térmica da parede U=0,63 W/m2.°C, valor já inferior ao valor de referência U=0,70 W/m2.°C. Tendo em atenção a resistência à compressão, se adotássemos o conteúdo da norma NZS 4297 [4], todas as soluções estudadas teriam resistência à compressão satisfatória, pelo que seria de optar pela solução de solo com 25% de regranulado de cortiça 3-5, solução a que corresponde um coeficiente de transmissão térmica U=0,63 W/m2.°C. No entanto, sendo mais exigentes os valores indicados por Delgado e Guerrero [7], parece preferível considerar o valor 1,2 MPa, como valor mínimo para a resistência à compressão. Este valor corresponde a taipa sem estabilização com média resistência. Verifica-se então nem todas as soluções ensaiadas satisfazem esta condição. Com esta condicionante, das soluções ensaiadas aquela que conduz ao menor valor do coeficiente de transmissão térmica da parede de taipa sem deixar de satisfazer o valor considerado como mínimo admissível para a resistência à compressão é a solução de solo com 20% de regranulado de cortiça 2-10, para a qual obtivemos U=0,89 W/m2.°C e uma resistência à compressão de 1,33 MPa. Comparando esta última solução com a constituída por solo sem adição de isolante térmico, verificamos que o coeficiente de transmissão térmica da solução de taipa constituída por solo com regranulado de cortiça é igual a 69% do coeficiente de transmissão térmica da solução de taipa constituída apenas por solo, pelo que é possível obter uma redução substancial.

REFERÊNCIAS

[1] Decreto-Lei n.º 80/2006 – “Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edíficios (RCCTE)”, Lisboa: Diário da Républica, I Série A, n.º 67, (2006).

[2] M. Hall e Y. Djerbid, “Rammed earth sample production: context, recommendations and consistency”, em Construction and Building Materials, Elsevier, pp. 281–286, (2004).

[3] F. P. Torgal, R. M. Eires e S. Jalali, Construção em Terra, Guimarães: Universidade do Minho, (2009).

[4] NZS 4297, Engineering Design of Earth Buildings, Wellington: Standards New Zealand, (1998). [5] NZS 4298, Materials and Workmanship For Earth Buildings, Wellington: Standards New Zealand,

(1998). [6] NZS 4299, Earth Buildings not Requiring Specific Design, Wellington: Standards New Zealand,

(1998). [7] M. Delgado e I. Guerrero, Earth building in Spain, Departamento de Construcción y Vias Rurales

- Escuela Técnica Superior de Ingenieros Agrónomos: Universidad Politécnica de Madrid, (2006). [8] H. Houben e G. Hubert, Traité de Construction en Terre, Marseille: Editions Parenthèses, (2006). [9] E. Moran, Uso del Terrocemento en la Construcción de Vivienda de Bajo Costo, Quito:

Faculdade de Ingeneria Civil - Pontifica Universidade Catolica del Equador, (1984). [10] C. A. Pina dos Santos e L. Matias, ITE50 - Coeficientes de Transmissão Térmica de Elementos

da Envolvente dos Edificios, Lisboa: LNEC, (2006).