CONTRIBUTOS PARA UMA HERMENÊUTICA DA TRADIÇÃO...

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1 HUGO PHILIPPE HERRENSCHMIDT DA NAZARETH FERNANDES DE CERQUEIRA CONTRIBUTOS PARA UMA HERMENÊUTICA DA TRADIÇÃO NO MODERNISMO PORTUGUÊS ANTÓNIO VARELA E O LEGADO DO INVISÍVEL COMPOSIÇÃO, TRAÇADO E SIMBÓLICA DE UM ARQUITECTO À SOMBRA DE GIGANTES (1930-1940) Orientador: Professor Doutor Luís Conceição Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Departamento de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes Plásticas Lisboa 2009

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HUGO PHILIPPE HERRENSCHMIDT DA NAZARETH FERNANDES DE CERQUEIRA

CONTRIBUTOS PARA UMA HERMENÊUTICA DA TRADIÇÃO NO MODERNISMO PORTUGUÊS

ANTÓNIO VARELA E O LEGADO DO INVISÍVEL COMPOSIÇÃO, TRAÇADO E SIMBÓLICA DE UM ARQUITECTO À SOMBRA DE GIGANTES (1930-1940)

Orientador: Professor Doutor Luís Conceição

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Departamento de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes Plásticas

Lisboa

2009

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HUGO PHILIPPE HERRENSCHMIDT DA NAZARETH FERNANDES DE CERQUEIRA

CONTRIBUTOS PARA UMA HERMENÊUTICA DA TRADIÇÃO NO MODERNISMO PORTUGUÊS

ANTÓNIO VARELA E O LEGADO DO INVISÍVEL COMPOSIÇÃO, TRAÇADO E SIMBÓLICA DE UM ARQUITECTO À SOMBRA DE GIGANTES (1930-1940)

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Departamento de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes Plásticas

Lisboa

2009

Dissertação apresentada para a obtenção do Grau de Doutor em Urbanismo no Curso de 3º Ciclo em Urbanismo, conferido pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Orientador: Prof. Doutor Luis Conceição

3

 

 

 

 

 

 

 

Toute conscience est conscience perceptive.

Merleau-Ponty

Le visible et l’invisible  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Subir do Modelo à Matriz! Impostores os artistas que, a

breve trecho, se imobilizam nesse caminho. Mas eleitos os que

mergulham longe em direcção à lei original e se aproximam da

fonte secreta que alimenta toda a evolução. Esse lugar onde o

órgão central de todo o movimento no espaço e no tempo – quer

lhe chamemos coração ou cérebro da criação – anima todas as

funções, quem não quereria fazer dele a sua morada de artista?

Aí, no seio da Natureza, no fundo primordial da criação onde

jaz escondida a chave de todas as coisas?

Paul Klee

Théorie de l’Art Moderne

4

A Agostinho Fernandes

(1886-1972)

Industrial, editor e mecenas das Artes, sem o qual uma

parte preciosa do modernismo português não teria sido

possível, e em particular, como amigo e patrono de

António Varela e Almada Negreiros,

In Memoriam

4

Em dez anos de investigação foram numerosas as contribuições

para a elaboração final desta dissertação. Queremos aqui expressar o

nosso apreço pela partilha do conhecimento, das críticas e dos

encorajamentos que fomos acumulando ao longo deste tempo.

Agradecemos ao Prof. Doutor Arq. Mário Moutinho na sua

qualidade de Magnífico Reitor da Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias de Lisboa, e de Director do 3º Ciclo em

Urbanismo da mesma instituição, pela aceitação do tema proposto.

Agradecemos especialmente ao Prof. Doutor Arq. Luis

Conceição pela orientação deste trabalho, em torno da ideia de «acto

de libertação»…

Agradecemos ainda a valiosíssima ajuda das seguintes

personalidades e instituições:

Prof. Doutor Arq. Augusto Pereira Brandão (Presidente da

Academia Nacional de Belas Artes); António Valdemar (Vice-

Presidente da Academia Nacional de Belas Artes); Prof. Doutor José-

Augusto França (Academia Nacional de Belas Artes); Prof. Escultor

Joaquim Correia (Academia Nacional de Belas Artes); Prof.ª Doutora

Barbara Aniello; Prof.ª Doutora Arq.ª Lina Fernandes Pedro; Prof.

Doutor Arq. Miguel Santiago; Dr. Jorge Custódio; Eng. João

Magalhães Pereira; Prof. João Tavares; Jorge Morais; António Santos

Rocha (ANBA); Paula Santos (ANBA); Ana Paula Brito (ANBA);

Luisa Neves (ANBA); Dr.ª Fernanda Paiva Correia (Arquivo da

Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto); Fundação

Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna Azeredo Perdigão;

Biblioteca da Ordem dos Arquitectos; Prof. Manuel Gandra

Agradecimentos

5

(Biblioteca António Quadros / I.A.D.E.); Dr. Joel Cleto (Gabinete de

Arqueologia e História da Câmara Municipal de Matosinhos); Dr.

Hugo Cavaco (Câmara Municipal de Vila Real de Santo António);

Dr.ª Alda Temudo (Arquivo da Câmara Municipal de Vila Nova de

Gaia); Dr.ª Isaulinda Duarte (Arquivo da Câmara Municipal de Leiria)

Dr. José Gameiro (Centro de Documentação da Câmara Municipal de

Portimão); Dr. António Carvalho (Departamento de Cultura da

Câmara Municipal de Cascais); Arquivo Intermédio da Câmara

Municipal de Lisboa; Departamento Técnico e Urbanístico da Câmara

Municipal de Peniche; Arquivo Histórico da Câmara Municipal de

Abrantes; Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Leiria;

Biblioteca Municipal de Leiria; Biblioteca Municipal das Caldas da

Rainha; Joaquim Mexia Alves; Hotel das Termas de Monte Real;

Mestre Arq. Luís Morgado; Mestre Arq. Tiago Oliveira; Dr.ª

Conceição Barão; Sr. Gregório (in memoriam); Arq.ª Luísa Pereira

Pinto; Arq. Nuno Lagoa Antunes; Dr. Sande Freire; Vasco Cortes;

Madalena Ferrão; Paulo Cintra; Jaime Aschemann Palhinha (in

memoriam).

À Luisa Venturini pela leitura e revisão de texto.

Aos familiares de António Varela e em particular à Maria do

Céu Varela Pimentel de Figueiredo e à Joana Varela, pela

generosidade.

Em especial, ao Francisco Serpa e ao Paulo-Guilherme d’Eça

Leal, por toda a amizade e apoio ao longo destes anos.

À Su, ao João, e a meu Pai, incondicionalmente.

6

O tema António Varela e o legado do invisível – composição,

traçado e simbólica de um arquitecto à sombra de gigantes (1930-

1940) propõe uma interpretação para o caminho silencioso e um

pouco à margem deste arquitecto do primeiro modernismo português.

A complexidade da arquitectura portuguesa deste período deve

explicar-se mediante a própria contradição sentida no seio do debate

internacional entre Tradição e Modernidade. As tentativas de

superação desta dualidade manifestaram-se através da produção da

vanguarda artística e arquitectónica, encontrando algumas

repercussões no universo relativamente restrito do caso português e,

no caso da obra de Varela em particular, nos seus aspectos

funcionalistas, programáticos, tipológicos e simbólicos.

A produção arquitectónica do autor parece fundamentar-se em

torno de gestos arquetípicos que indiciam uma reflexão ontológica de

carácter hermético, centrada na arquetipologia platónico-pitagórica,

assumindo o papel de mecanismos mentais ordenadores da pré-

composição. As suas obras mais significativas manifestam esse

mesmo ideal poético através de estruturas sígnicas do espaço

projectado, com fundamento nos cânones da geometria e na indução

de um logos criador. Este processo revela uma reflexão estética nesta

personagem de transição e poderá explicar a sua interpretação pessoal

sobre a modernidade, alcançada através da via simbólica.

Palavras-chave:

composição; traçado; simbólica; tradição; modernismo.

Resumo

7

The theme Antonio Varela and the legacy of the invisible –

composition, layout and symbolic of an architect under the shadow of

giants (1930-1940) proposes an interpretation for this architect’s

silent path.

The complexity evidenced by architecture over this first

Portuguese modern art movement can be explained by the very

contradiction experienced within the international debate between

Tradition and Modernity. Attempts to overcome this duality

manifested through the production of “avant-garde” art and

architecture, and had some impact on the relatively small Portuguese

universe. In the specific case of Varela’s works, these are illustrated

by their functional, programmatic, typological and symbolic aspects.

The foundations for the artist’s architectural production evolve

around archetypal gestures denoting an ontological reflection of an

hermetic nature based upon the Platonic-Pythagorean archetypology,

which act as mental mechanisms processing the pre-composition

architectural design. His most significant works convey this same

poetic ideal throughout structures of signs in the space design,

supported by the canons of geometry and the induction of a creative

logos. For this transitional character, the process reveals the

architect’s concern and reflection on aesthetics, and may well explain

his own interpretation of modernity, achieved through the symbolic

path.

Keywords:

composition; layout; symbolic; tradition; modernism.

Abstract

8

Le thème Antonio Varela et l'héritage de l’invisible –

composition, tracé et symbolique d'un architecte à l'ombre de géants

(1930-1940) propose une interprétation sur la voie silencieuse de cet

architecte du modernisme portugais.

La complexité de l’architecture portugaise en cette période doit

s’expliquer de par la propre contradiction sentie au cœur du débat

international entre tradition et modernité. Les tentatives de

surpassement de cette dualité se manifestèrent dans la production de

l’avant-garde artistique et architecturale, avec un certain impact sur le

relativement faible milieu portugais de l’époque. Dans le cas précis

des œuvres de Varela, ce phénomène s’est traduit dans ses aspects

fonctionnels, programmatiques, typologiques et symboliques.

Les bases de sa production architecturale s'organisèrent tout

autour de gestes archétypaux qui dénoncent une réflexion

ontologique de nature hermétique et de base archétypologique

platonicienne et pythagoricienne, agissant comme des mécanismes

mentaux de pré-traitement compositif sur le concept architectural.

Ses plus importantes œuvres transmettent un idéal poétique à travers

des structures de signes qui semblent ressortir dans sa conception de

l'espace, soutenues par une géometrie cannonique et dans l'esprit d'un

logos créateur. Cette mise en œuvre annonce une réflexion esthétique

de la part de ce personnage de transition et pourrait même expliquer

son interprétation personelle sur la modernité, accomplie par la voie

symbolique.

Mots-clefs:

compositon; tracé; symbolique; tradition; modernité.

Résumé

9

A.C.C.M. – Arquivo da Câmara Municipal de Matosinhos.

A.E.G. ou AEG – Allgemeine Elektrizitäts-Gesellschaft

A.E.L. / AEL – Algarve Exportador Limitada

A.N.B.A. – Academia Nacional de Belas Artes

ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo

A.P.C.E.R. – Arquitectura Portuguesa Cerâmica e Edificação / Reunidas.

CDI/CM de Portimão – Centro de Documentação e Informação da Câmara Municipal de Portimão.

C.U.F. – Cooperativa União Fabril

C.T.T. – Correios, Telégrafos e Telefones

DGEMN – Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais

DGOTDU – Direcção-Geral de Ordenamento do Património e Desenvolvimento Urbano

DO.CO.MO.MO, ou Docomomo – Documentação e Conservação do Movimento Moderno

ESAP – Escola Superior e Artística do Porto

Fábrica de Matosinhos, ou fábrica da AEL – Fábrica nº6 da Algarve Exportador Limitada, Matosinhos.

FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

FBAUP – Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto

F.C.G. / C.A.M. – Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna

IAP XX – Inquérito à Arquitectura Portuguesa do Século XX

I.P.P.A.R. – Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico

OA – Ordem dos Arquitectos

S.N.B.A. – Sociedade Nacional de Belas Artes

S.N.I. – Secretariado Nacional de Informação

S.P.N. – Secretariado de Propaganda Nacional

UNESCO / ICOMOS – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization / International Council on Monuments and Sites

UNESP – Universidade Estadual Paulista

U.T.L. / F.A. – Universidade Técnica de Lisboa / Faculdade de Arquitectura

Φ – Phi

Abreviaturas e símbolos

10

 

Resumo

Abstract

Résumé

Abreviaturas e símbolos

Índice geral

Índice de quadros

Índice de figuras

INTRODUÇÃO

PRIMEIRA PARTE CONTEXTUALIZAÇÃO Capítulo 1 ASPECTOS IDEOLÓGICOS E MOVIMENTOS ARTÍSTICOS NA GÉNESE DA MODERNIDADE EUROPEIA

Capítulo 2 RUPTURAS E CONTINUIDADES NA GÉNESE DA MODERNIDADE PORTUGUESA

2.1. INTRODUÇÃO

2.2. A PRESENÇA DO SAUDOSISMO OITOCENTISTA

NA GÉNESE DA MODERNIDADE NACIONAL

2.3. A VANGUARDA ÓRFICA PORTUGUESA

2.4. OS ANOS 20: RUPTURAS ARTÍSTICAS E LITERÁRIAS NA IDADE DO “JAZZ

BAND”

2.5. DE PESSOA A ALMADA: “A INVENÇÃO DO DIA CLARO”

COMO LEGADO HERMÉTICO NA CONSTRUÇÃO DA MODERNIDADE

PORTUGUESA

SEGUNDA PARTE PERCURSO DE UM ARQUITECTO À SOMBRA DE GIGANTES Capítulo 3 FORMAÇÃO ACADÉMICA E CRIAÇÃO DE UMA IDENTIDADE CULTURAL

3.1. INTRODUÇÃO

3.2. LEIRIA E A ESCOLA DO PORTO

46  

ÍNDICE GERAL

68  

 

69  

97  

 

134  

 

135  

 

97  

 103  

 

106  

 111  

 116  

 

135  

 138  

 

15  

10  

 9  

14  

 8  

 7  

 6  

11

3.3. SOB O SIGNO DE ALMADA: LISBOA PELO CAMINHO DOS

“INDEPENDENTES”

3.3.1. Dos Salões de Outono ao Salão dos Independentes (1924-30)

3.3.2. À procura de um “espírito moderno”: alguns aspectos

sobre a reflexão teórica da arquitectura portuguesa da década

de Trinta

3.4. INDÍCIOS DE UMA INFLUÊNCIA FUNDAMENTAL:

A REINTEGRAÇÃO NEOPITAGÓRICA NA OBRA DE JORGE SEGURADO

Capítulo 4 A CONSTRUÇÃO DE UM “ESPÍRITO MODERNO” E A PARCERIA COM JORGE

SEGURADO

4.1. A ARQUITECTURA INDÚSTRIAL COMO VEÍCULO DA MODERNIDADE

4.1.1. Alguns contributos do paradigma industrial

para a construção da modernidade europeia

4.1.2. O paradigma industrial na arquitectura portuguesa

4.2. A CASA DA MOEDA COMO EXERCÍCIO DE UMA GERAÇÃO

4.3. OUTRAS OBRAS EM CONJUNTO: ENTRE REGIONALISMOS E PERSISTÊNCIAS

MODERNAS

4.3.1. A contextualização da acção urbanística dos Anos 30:

alguns aspectos teóricos sobre o caso português

4.3.2. O plano urbanístico da Praia do Cabedelo

4.3.3. A proposta para uma Cidade Olímpica no Campo Grande

e o concurso do Estádio Nacional

4.3.4. Alguns projectos de equipamento e habitação

Capítulo 5 DO MODERNISMO AO RACIONALISMO DOS ANOS 50 – MARCOS DE UM

PERCURSO

5.1. ENTRE “ESFORÇO DE ADAPTAÇÃO” E MODERNISMO:

ALGUMAS OBRAS DA DÉCADA DE 30 E DE 40.

5.2. REGIONALISMOS E RACIONALISMO MODERNO:

O CAMINHO DE UM “RESISTENTE” NA DÉCADA DE 50.

TERCEIRA PARTE O LEGADO DO INVISÍVEL: UMA INTERPRETAÇÃO DA OBRA DE

ANTÓNIO VARELA

Capítulo 6 A FÁBRICA DE MATOSINHOS COMO OBRA FUNDAMENTAL

6.1. INTRODUÇÃO

6.2. CONTEXTUALIZAÇÃO – O PARADIGMA OITOCENTISTA

167  

 

235  

 

236  

 

142  

 

142  

 148  

 

162  

 

168  

 168  

 

187  

 194  

 199  

 

207  

 

212  

 

236  

 

220  

 

201  

 206  

 

220  

 227  

 

241  

 

12

DAS FÁBRICAS CONSERVEIRAS: A PRIMEIRA GERAÇÃO

6.2.1. A primeira fase: 1880 -1930

6.2.2. O modelo adoptado do sector agrícola industrializado

6.2.3. Características das fábricas de conservas de peixe em lata

no início do século XX: o estabelecimento do modelo de

Opperman

6.2.4. Características espaciais e funcionamento geral

6.2.5. Sistema de produção

6.3. CONTEXTO, PROGRAMA E ORGANIZAÇÃO DE UM CONUNTO FABRIL

INOVADOR

6.3.1. A Algarve Exportador Limitada: caracterização

e estratégia de implementação urbana e territorial

6.3.2. Enquadramento histórico do projecto

6.3.3. Contextualização urbana

6.3.3.1. Origens do desenvolvimento urbano de Matosinhos

6.3.3.2. Contextualização urbana da Fábrica da Algarve

Exportador Limitada

6.3.4. Descrição da fábrica: as várias fases projectuais

6.3.4.1. Primeira fase: projecto da fábrica (1938)

6.3.4.2. Segunda fase: projecto dos armazéns de ampliação da

fábrica (1941)

6.3.4.3. Terceira fase: projecto de ampliação do edifício de apoio

(1946)

6.3.5. O modelo teórico do atelier ARS arquitectos (1946)

6.4. COMPOSIÇÃO, TRAÇADO E SIMBÓLICA: UMA INTERPRETAÇÃO

6.4.1. Introdução

6.4.2. Estudo dos princípios de composição da fábrica

6.4.2.1. Observação e considerações gerais

6.4.2.2. A bandeira do pórtico de entrada da administração

6.4.2.2.1. Estudo do cânone

6.4.2.2.2. Estudo do ícone

6.4.2.2.2.1. Simbologia da quadratura

6.4.2.2.2.2. Interpretação aritmológica da

bandeira do pórtico

6.4.2.3. Estudo geral do pórtico de entrada da administração

6.4.2.3.1. Sobre a questão da ubiquidade do centro

6.4.2.3.2. Estudo metrológico do pórtico

6.4.2.3.2.1. Método do pentágono

6.4.2.3.2.2. Método do duplo quadrado

6.4.2.4. Estudo geral da fábrica

244  

 247  

 252  

 

254  

 255  

 258  

 

258  

 262  

 264  

 264  

 

270  

 

290  

 291  

 293  

 

299  

 299  

 300  

 300  

 303  

 312  

 317  

 317  

 320  

 326  

 327  

 330  

 331  

 340  

 340  

 

268  

 

275  

 

13

6.4.2.4.1. Planta geral da fábrica

6.4.2.4.2. Alçado norte

6.4.2.4.3. Planta dos armazéns

6.4.2.4.4. Alçado dos armazéns

Capítulo 7 OUTRAS OBRAS À LUZ DE UMA MESMA INTERPRETAÇÃO

7.1. A PROPOSTA PARA O MERCADO DE COIMBRA (1937)

7.2. A FÁBRICA DA AFURADA (1941)

7.3. A CASA DE AGOSTINHO FERNANDES:

UMA APROXIMAÇÃO MEDITERRÂNICA À MODERNIDADE PORTUGUESA

(1938-42)

7.4. A CASA DA RUA DE ALCOLENA E A COLABORAÇÃO COM ALMADA

NEGREIROS:

MATURIDADE E CREPÚSCULO PARA UM NOVO “COMEÇAR” (1951-55)

CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIAS

Monografias

Dicionários, enciclopédias e antologias

Catálogos

Dissertações académicas

Artigos, actas, ensaios e publicações periódicas

Documentação electrónica

Índice onomástico

Apêndice I – Índice de obras do autor

Apêndice II – Arquivos consultados

Anexo I – Entrevista a António Varela, in Diário da Manhã, 6/09/1934

Anexo II – As sete máscaras, de José Manuel Ferrão, in Eros nº9, 1961

 

350  

 

391  

 

402  

 

417  

 

343  

 344  

 345  

 

352  

 356  

 363  

 

374  

 

403  

 410  

 411  

 411  

 412  

 416  

 

436  

 

433  

 437  

 440  

 

339  

 

14

 

Quadro 1 – Esquema comparativo entre Movimento Moderno e Nova Tradição.

Quadro 2 – Esquema comparativo entre o Movimento Moderno e a arquitectura

portuguesa dos Anos Trinta.

Quadro 3 – Esquema de funcionamento de uma conserveira.

Quadro 4 – Comparação entre os valores da progressão geométrica do Número de Ouro e

os valores observados nos três vãos do pórtico da fábrica da A.E.L. de Matosinhos.

Quadro 5 – Correspondência entre os valores absolutos da progressão geométrica do

Número de Ouro e os valores métricos relativos à diagonal do vão do pórico da A.E.L.

(segundo a fig. 286).

Índice de quadros

15

Fig. 1 – Thomas Cole, O sonho do arquitecto, 1840, óleo sobre tela. Toledo Museum of

Art, Ohio, E.U.A., in http://www.britannica.com/EBchecked/topic-art/125174/9550/The-

Architects-Dream-oil-painting-by-Thomas-Cole-1840, acedido a 7 de Março de 2007.

Fig. 2 – Pierre Puvis de Chavannes, Vigília de Santa Genoveva sobre a cidade, fresco,

Panteão de Paris (pormenor), 1898, in

http://www.allpaintings.org/v/Symbolism/Pierre+Puvis+de+Chavannes/Pierre+Puvis+de+

Chavannes+-+Santa+Genoveffa.jpg.html, acedido a 7 de Março de 2007.

Fig. 3 – Ludwig Mies van der Rohe, Projecto para um edifico de escritórios na

Friedrichstrasse, Berlim, 1919-21, in FRAMPTON, Kenneth, História crítica da

arquitectura moderna, ed. bras. Martins Fontes, São Paulo, 1997, p.194 [ed. original:

Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980].

Fig. 4 – Willem Dudok, Câmara Municipal de Hilversum, 1931, in BENÉVOLO,

Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, Editora Gustavo Gili,

Barcelona, 1996, p.486 [1ª ed.1974].

Fig. 5 – Gunnar Asplund, Biblioteca Municipal de Estocolmo, 1920-1928, fachada

principal, in GÖSSEL, Peter, e LEUTHÄUSER, Gabriele, Architecture in the Twentieth

Century, Ed. Taschen, Köln, 1991, p.133.

Fig. 6 – Gunnar Asplund, Biblioteca Municipal de Estocolmo, 1920-1928, planta, in

GÖSSEL, Peter, e LEUTHÄUSER, Gabriele, Architecture in the Twentieth Century, Ed.

Taschen, Köln, 1991, p.133.

Fig. 7 – Louis Sullivan, Merchants Bank, Grinnell, Iowa, E.U.A, 1914, (pórtico) in

BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, Editora Gustavo

Gili, Barcelona, 1996, p.261 [1ª ed.1974].

Fig. 8 – Joseph Maria Olbrich, Edifício da Secessão, Viena, 1898. in FRAMPTON,

Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, ed. bras. Martins Fontes, São Paulo,

1997, p.88 [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980].

Índice de figuras

16

Fig. 9 – Le Corbusier, Pavillon de l´Ésprit Nouveau, Éxposição das Artes Decorativas,

Paris, 1925, in GÖSSEL, Peter, e LEUTHÄUSER, Gabriele, Architecture in the Twentieth

Century, Ed. Taschen, Köln, 1991, p.167.

Fig. 10 – Pierre Patout e Joseph Bernard, Hotel d'un collectionneur, Exposição das

Artes Decorativas, Paris,1925, in http://textilum.wordpress.com/, acedido a 12 de Março

de 2007.

Fig. 11 – Bruno Taut, ilustração para Alpine Architektur, 1919, in ARGAN, Giulio Carlo,

El pasado en el presente: el revival en las artes plásticas, la arquitectura, el cine y el

teatro, Ed. Gustavo Gili, Barcelona, 1997, p.235.

Fig. 12 – Rudolf Steiner e Schid-Curtius, traçado regulador do primeiro Goetheanum,

1913, in ARGAN, Giulio Carlo, El pasado en el presente: el revival en las artes plásticas,

la arquitectura, el cine y el teatro, Ed. Gustavo Gili, Barcelona, 1997, p.213.

Fig. 13 – Peter Behrens, Dombauhütte, planta e alçados, Munique, 1919, in ARGAN,

Giulio Carlo, El pasado en el presente: el revival en las artes plásticas, la arquitectura, el

cine y el teatro, Ed. Gustavo Gili, Barcelona, 1997, p.234.

Fig. 14 – Lyonel Feininger, Catedral, Munique, 1919, (Manifesto da Bauhaus), in

BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, Editora Gustavo

Gili, Barcelona, 1996, p.434 [1ª ed.1974].

Fig. 15 – Jan Van Eyck, Santa Bárbara, in TAUT, Bruno, Die Städtkrone, 1919, in

ARGAN, Giulio Carlo, El pasado en el presente: el revival en las artes plásticas, la

arquitectura, el cine y el teatro, Ed. Gustavo Gili, Barcelona, 1997, p.231.

Fig. 16 – Robert Delaunay, Les fenêtres simultanées, 1912, óleo sobre tela, in

http://www.artnet.fr/artists/lotdetailpage.aspx?lot_id=551712DEE1C19E57, acedido a 12

de Março de 2007.

Fig. 17 – Peter Behrens, publicidade para a firma AEG, 1908, in

http://www.flickr.com/photos/gatochy/256025859/ acedido a 8 de Abril de 2007.

Fig. 18 – Peter Behrens, logotipo para a firma AEG, 1908, in PEVSNER, Nicolaus, The

Sources of Modern Architecture and Design, Thames and Hudson, Nova Iorque, 1995,

p.174 [1ª ed. 1968].

Fig. 19 – Peter Behrens, átrio da firma Hoechst, Frankfurt-am-Main,1920-24, in

http://www.flickr.com/photos/arkfinder/277654365/ acedido a 8 de Abril de 2007.

17

Fig. 20 – Oskar Strnad, Casa-modelo, Exposição da Deutscher Werknund, Viena, 1932,

in BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, Editora

Gustavo Gili, Barcelona, 1996, p.581 [1ª ed.1974].

Fig. 21 – Marcello Piacentini, Citta Universitaria, 1932-35, in FRAMPTON, Kenneth,

História crítica da arquitectura moderna, ed. bras. Martins Fontes, São Paulo, 1997, p.248

[ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980].

Fig. 22 – Giorgio De Chirico, O Enigma da hora, 1910-11, in

http://www.jacquesvlemaire.be/blog/?tag=fondation-de-chirico-rome, acedido a 18 de

Março de 2007.

Fig. 23 – Giovanni Muzio, apartamentos Ca' Brutta, Vila Moscova, Milão, 1923,

pormenor da fachada, in http://www.flickr.com/photos/gabrielescotti/2224195638/,

acedido a 20 de Março de 2007.

Fig. 24 – Giovanni Guerrini, Ernesto La Padula e Mario Romano, Palazzo della

Civiltá Italiana, Roma, 1937-1942. in

http://theartofmemory.blogspot.com/2007/03/antonionis-leclisse-architettura-e.html,

acedido a 12 de Abril de 2007

Fig. 25 – Giuseppe Vaccaro, Palazzo delle Poste e Telegrafi, Nápoles, 1931-36, fachada

de rua, in http://theartofmemory.blogspot.com/2007/03/antonionis-leclisse-architettura-

e.html, acedido a 12 de Abril de 2007.

Fig. 26 – Le Corbusier, Nature morte, 1920,óleo sobre tela, in CURTIS, William,

Modern Architecture since 1900, Phaidon Press Limited, 3ª ed. Londres, 1996, p.168 [1ª

ed. 1982].

Fig. 27 – Cercle et Carré, nº3, publicação do grupo homónimo, Paris, 1930, in

http://www.quimerabooks.com.ar/index.php?page=shop.product_details&category_id=8&

flypage=flypage.tpl&product_id=125&option=com_virtuemart&Itemid=1, acedido a 15

de Abril de 2007.

Fig. 28 – Joaquin Torres Garcia, A Tradição do Homem abstracto, (Doutrina

Construtivista), Montevideo, Uruguai,1938, in

http://www.torresgarcia.org.uy/categoria_42_1.html, acedido a 22 de Setembro de 2007.

Fig. 29 – Joaquin Torres Garcia, A Tradição do Homem abstracto, (Doutrina

Construtivista), Montevideo, Uruguai,1938, in

http://www.torresgarcia.org.uy/categoria_42_1.html, acedido a 22 de Setembro de 2007.

18

Fig. 30 – Adalberto Libera, Casa Curzio Malaparte, Capri, 1937-41, recuperado de

http://aru.londonmet.ac.uk/works/cospuden/ acedido a 30 de Outubro de 2007

Fig. 31 – Eduardo Viana, K4 Quadrado azul, 1916, óleo sobre tela, C.A.M. / F.C.G. in

http://www1.ci.uc.pt/artes/6spp/eduardo_viana.html, acedido a 16 de Janeiro de 2008.

Fig. 32 – Capa da publicação A Águia, nº4, 1912, órgão do movimento da Renascença

Portuguesa (capa de Correia Dias), in

http://dasmargensdorio.blogspot.com/2009_02_01_archive.html, acedido a 20 de Janeiro

de 2008.

Fig. 33 – Raul Lino, Casas Portuguesas – alguns apontamentos sobre o arquitectar de

casas simples, 1933, in IAP XX – Inquérito à Arquitectura do Século XX em Portugal,

[coord. Ana Tostões], Ordem dos Arquitectos, Lisboa, 2006, p.105.

Fig. 34 – N.º 1 da revista Orpheu, 1915, capa de José Pacheco, in

http://www.infopedia.pt/que_newsletter.jsp?id=50, acedido a 26 de Outubro de 2009.

Fig. 35 – Eduardo Viana, A revolta das bonecas, 1916, óleo sobre tela, C.A.M. / F.C.G.

in http://www1.ci.uc.pt/artes/6spp/eduardo_viana.html, acedido a 16 de Janeiro de 2008.

Fig. 36 – António Ferro, A Idade do Jazz-Band 1924, capa de Bernardo Marques, in

http://dobradosolhos.blogspot.com/2008_07_01_archive.html, acedido a 20 de Setembro

de 2008.

Fig. 37 – José de Almada Negreiros, ilustração para a capa do n. 1º da revista

Contemporânea, Maio de 1922, in SANTOS, José da Cruz [coord.], Agostinho Fernandes

– um industrial inovador, um coleccionador de arte, um homem de cultura – fotobiografia,

Portugália Editora S.A., Lisboa, 2000, p.165.

Fig. 38 – Revista Presença, nº1, Março de 1927, in

http://thecalibraria.blogspot.com/2009/03/presenca-revista-n-1.html, acedido a 7 de Abril

de 2009.

Fig. 39 – José de Almada Negreiros, A invenção do dia claro, capa. Exemplar de

António Varela / Espólio de António Varela.

Fig. 40 – Políptico de São Vicente de Fora, [atribuídos a] Nuno Gonçalves, aprox. 1460-

70 (Museu de Arte Antiga, Lisboa), in SEGURADO, Jorge, Painéis de S. Vicente e Infante

Santo, Editorial Notícias, Lisboa, 1984, p.133.

Fig. 41 – José de Almada Negreiros, estudo geométrico-simbólico sobre o políptico e sua

[pressuposta, segundo Almada] localização no altar de S.Vicente de Fora, segundo a

relação 9/10, in A chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de

19

Nuno Gonçalves, ensaio, 1950, p.11 [exemplar de António Varela, com dedicatória do

autor, ass. e dat.: Lx, 9-11-50]. Exemplar de António Varela / Espólio de António Varela.

Fig. 42 – José de Almada Negreiros, SW – Sudoeste, nº2, Outubro de 1935. Exemplar de

Agostinho Fernandes / Espólio de Alice da Nazareth Fernandes.

Fig. 43 – José de Almada Negreiros, Penta-Alfa, traçado em Começar, 1968-69

(pormenor, centro), fotografia do autor, átrio da F.C.G., 8 de Abril de 1997.

Fig. 44 – José de Almada Negreiros, Começar, 1968-69 (pormenor, lateral direita).

Fotografia do autor, átrio da F.C.G., 8 de Abril de 1997.

Fig. 45 – José de Almada Negreiros, o Ponto da Bauhütte, 1957, óleo sobre tela,

fotografia do autor, C.A.M. / F.C.G., 8 de Abril de 1997.

Fig. 46 – José de Almada Negreiros, Começar, 1968-69, fotografia do autor, átrio da

F.C.G., 8 de Abril de 1997.

Fig. 47 – Lino António, Nós, óleo sobre tela, 1923. Espólio de António Varela, fotografia

do autor, 11 de Março de 2009 (publicado in Athena, nº 1, 1934).

Fig. 48 – António Varela, Chiado, s.d., (anos 30). Espólio de António Varela, fotografia do

autor, 11 de Março de 2009.

Fig. 49 – António Varela, (extr. esq.) retrato de grupo frente à Escola Artística Soares dos

Reis, Porto, s.d. Espólio de António Varela, fotografia do autor, 11 de Março de 2009.

Fig. 50 – Eduardo Viana, Retrato do Arquitecto Varela,óleo sobre tela, s.d. Fotografia do

autor, C.A.M. / F.C.G., 20 de Maio de 2009.

Fig. 51 – António Varela, s.d. Espólio de António Varela, fotografia do autor, 11 de Março

de 2009.

Fig. 52 – António Varela, s.d. Espólio de António Varela, fotografia do autor, 11 de Março

de 2009.

Fig. 53 – Carlos Ramos, em colaboração com Jorge Segurado, Adelino Nunes e outros,

Liceu Júlio Henriques (actual José Falcão), Coimbra, 1929-30, in in IAP XX – Inquérito à

Arquitectura do Século XX em Portugal, [coord. Ana Tostões], Ordem dos Arquitectos,

Lisboa, 2006, p.180.

Fig. 54 – Jantar de homenagem a Almada Negreiros, 1941; sentados (da esq. p. a dir.):

Dário Martins, (?), José de Almada Negreiros, Agostinho Fernandes, Luis de Montalvor e

Jorge Barradas; em pé (da esq. p. a dir.): (?), Eduardo Viana, (?), Fernando Amado,

20

António Varela, Miguel Barrias e Diogo de Macedo (foto Cabral). in Espólio de António

Varela, fotografia do autor, 11 de Março de 2009. Ver ainda: Eduardo Viana: exposição

retrospectiva da obra do pintor, S.N.I., Lisboa, 1968.

Fig. 55 – Lino António, O mercado, guache, grafite e aguada sobre cartão, 1919, in

http://linoantonio.no.sapo.pt/GuaPt.html, acedido a 20 de Abril de 2009.

Fig. 56 – António Varela,,[s.t.]óleo sobre cartão, [s.d.]. Espólio de António Varela,

fotografia do autor, 21 de Outubro de 1999.

Fig. 57 – José de Almada Negreiros, Auto-retrato num grupo, 1925, óleo sobre tela.

Fotografia do autor, C.A.M. / F.C.G., 20 de Maio de 2009.

Fig. 58 – Expositores e amigos do Iº Salão dos Independentes, 1930, (da esq. p. a dir.):

Abel Manta, (?), Rui Gameiro, Arlindo Vicente, Luis Cristino da Silva, António Pedro,

Carlos Botelho, Diogo de Macedo, Jorge Tagarro, Ofélia Marques, Bernardo Marques,

Jorge Barradas, Carlos Duarte, Luis Teixeira, Olavo d’Eça Leal, Rui Santos e Carlos

Queirós, in FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XX (1911-1961),

Bertrand Editora, 3ª ed., Lisboa, 1991, p.198 [1ª ed. 1974].

Fig. 59 – Fotografia de grupo [1931], in RODOLFO, João de Sousa, Luís Cristino da

Silva e a Arquitectura Moderna em Portugal, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2002,

p.246.

Fig. 60 – Catálogo do I Salão dos Independentes, Lisboa, Maio de 1930. Arquivo

Biblioteca de Arte / F.C.G.

Fig. 61 – António Varela,[s.t.],aguarela e grafite sobre cartão, [s.d.]. Espólio de António

Varela, fotografia do autor, 21 de Outubro de 1999.

Fig. 62 – António Varela,,[s.t.]óleo sobre cartão, [s.d.]. Espólio de António Varela,

fotografia do autor, 21 de Outubro de 1999.

Fig. 63 – Jorge Segurado, Ante-projecto de uma habitação para o sr. Cunha Barros, in

Catálogo do I Salão dos Independentes, Lisboa, Maio de 1930. Arquivo F.C.G.

Fig. 64 – Carlos Ramos, Instituto Navarro de Paiva, Lisboa, 1931, in Arquitectura

Moderna Portuguesa 1920-1970, coord. de Ana Tostões, Ministério da Cultura / Instituto

Português do Património Arquitectónico – IPPAR, Lisboa, 2004.

Fig. 65 – Luís Cristino da Silva, Liceu Nacional Fialho de Almeida, Beja, 1930, alçado,

in Arquitectura Moderna Portuguesa 1920-1970, coord. de Ana Tostões, Ministério da

Cultura / Instituto Português do Património Arquitectónico – IPPAR, Lisboa, 2004, p.73.

21

Fig. 66 – Carlos Ramos, em colaboração com Jorge Segurado, Adelino Nunes, Liceu

Júlio Henriques (actual José Falcão), Coimbra, 1929-30, planta geral, in Arquitectura

Moderna Portuguesa 1920-1970, coord. de Ana Tostões, Ministério da Cultura / Instituto

Português do Património Arquitectónico – IPPAR, Lisboa, 2004, p.181.

Fig. 67 – Carlos Ramos (em colaboração com Jorge Segurado e Adelino Nunes), Liceu

Júlio Henriques (actual José Falcão), Coimbra, 1929-30, alçado, in id. ibid., p.180.

Fig. 68 – Adelino Nunes, Edifício do CTT da Figueira da Foz, 1931, in id. ibid., p.189.

Fig. 69 – Carlos Ramos, Pavilhão do rádio do Instituto Português de Oncologia, Lisboa,

1927-33, in FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XX (1911-1961),

Bertrand Editora, 3ª ed., Lisboa, 1991, p.231 [1ª ed. 1974].

Fig. 70 – Januário Godinho, estudo para os Armazéns frigoríficos de Massarelos, Porto,

1933, in Arquitectura Moderna Portuguesa 1920-1970, coord. de Ana Tostões, Ministério

da Cultura / Instituto Português do Património Arquitectónico – IPPAR, Lisboa, 2004,

p.185.

Fig. 71 – Luis Cristino da Silva, casa Vale florido, Estoril, 1930, in RODOLFO, João de

Sousa, Luís Cristino da Silva e a Arquitectura Moderna em Portugal, Publicações Dom

Quixote, Lisboa, 2002, p.83.

Fig. 72 – Francisco Keil do Amaral, A Arquitectura e a Vida, Editorial Cosmos, Lisboa,

1936, in Arquitectura Moderna Portuguesa 1920-1970, coord. de Ana Tostões, Ministério

da Cultura / Instituto Português do Património Arquitectónico – IPPAR, Lisboa, 2004,

p.123.

Fig. 73 – João Simões e Veloso Reis, Pavilhão da Vida Popular, Exposição do Mundo

Português, Lisboa, 1940, in id., ibid., p.119.

Fig. 74 – Revista do Sindicato Nacional dos Arquitectos, nº1, Fev.1938. Na capa: o

Pavilhão de Portugal na Exposição de Paris, da autoria de Keil do Amaral, 1936-39, in id.,

ibid., p.118.

Fig. 75 – Almada Negreiros, Mito-Alegoria-Símbolo, ensaio, 1948 [exemplar de António

Varela, com a dedicatória do autor no verso: “Ao António Varela a quem eu chamo

António como a meu irmão António”, ass. e dat.: Lx, 14-04-1948]. Espólio de António

Varela, fotografia do autor, 11 de Março de 2009.

Fig. 76 – Almada Negreiros, A chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo

da obra de Nuno Gonçalves, ensaio, 1950; exemplar de António Varela, com dedicatória

22

do autor, ass. e dat.: Lx, 9-11-50. Espólio de António Varela, fotografia do autor, 11 de

Março de 2009.

Fig. 77 – Almada Negreiros, Mito-Alegoria-Símbolo, ensaio, 1948 [exemplar de António

Varela, com a dedicatória do autor: “Ao António Varela a quem eu chamo António como a

meu irmão António”, ass. e dat.: Lx, 14-04-1948]. Espólio de António Varela, fotografia

do autor, 11 de Março de 2009 [pormenor].

Fig. 78 – Jorge Segurado, logotipo do Atelier Jorge Segurado [versão da década de

trinta], A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado.

Fig. 79 – Jorge Segurado, ex-libris, in SEGURADO, Jorge, Francisco d’Olanda, Edições

Excelsior, Lisboa, 1970.

Fig. 80 – Jorge Segurado, Capela de São Gabriel, Vendas Novas, 1951, vista de poente,

fotografia do autor, 7 de Abril de 2007.

Fig. 81 – Jorge Segurado, Capela de São Gabriel, Vendas Novas, 1951,o altar-mor e o

vitral de Almada Negreiros, fotografia do autor, 7 de Abril de 2007.

Fig. 82 – José de Almada Negreiros, postal ilustrado, estudo para o vitral da Anunciação

da Virgem, 1951 (Capela de S. Gabriel). Espólio de António Varela, fotografia do autor,

11 de Março de 2009.

Fig. 83 – Jorge Segurado, Capela de São Gabriel, Vendas Novas, 1951,vista de sul

fotografia do autor, 7 de Abril de 2007.

Fig. 84 – Jorge Segurado, Capela de São Gabriel, Vendas Novas, 1951, pormenor da

fachada, fotografia do autor, 7 de Abril de 2007.

Fig. 85 – António Varela e Jorge Segurado descendo o Chiado [s.d. – início da década de

30]. Espólio de António Varela, fotografia do autor, 11 de Março de 2009.

Fig. 86 – António Varela [ao centro] e Jorge Segurado [extr. esq.] na Brasileira do Rossio,

Rossio [s.d. – início da década de 30]. Espólio de António Varela, fotografia do autor, 11

de Março de 2009.

Fig. 87 – François Hennebique, Fábrica de Tourcoing, 1895, in PEVSNER, Nicolaus,

The Sources of Modern Architecture and Design, Thames and Hudson, Nova Iorque, 1995,

p.152 [1ª ed. 1968].

Fig. 88 – Auguste Perret, Garagem da rua Ponthieu, Paris, 1905, in BENÉVOLO,

Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, Editora Gustavo Gili,

Barcelona, 1996, p.356 [1ª ed.1974].

23

Fig. 89 – Tony Garnier, Matadouro de Lyon, 1917, in PEVSNER, Nicolaus, The Sources

of Modern Architecture and Design, Thames and Hudson, Nova Iorque, 1995, p.160 [1ª

ed. 1968].

Fig. 90 – Tony Garnier, Casas de dois pisos, [s.d.], in PEVSNER, Nicolaus, The Sources

of Modern Architecture and Design, Thames and Hudson, Nova Iorque, 1995, p.158 [1ª

ed. 1968].

Fig. 91 – Peter Behrens, Fábrica de turbinas da AEG, Berlin,1908, in BENÉVOLO,

Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, Editora Gustavo Gili,

Barcelona, 1996, p.404 [1ª ed.1974].

Fig. 92 – Walter Gropius, Adolf Meyer e Edouard Werner, edifico da fábrica Fagus,

Alfeld am Leine, 1910-1914, in BANHAM, Reyner, Theory and Design in the First

Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd,

Oxford, 1999, p.57 [1ª ed.1960].

Fig. 93 – Walter Gropius e Adolf Meier, fábrica-modelo e pavilhão da Deutscher

Werkbund, Exposição de Colónia, 1914, in BENÉVOLO, Leonardo, História de la

arquitectura moderna, 7ª edição, Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, p.411 [1ª

ed.1974].

Fig. 94 – Peter Behrens, Gesanstalt, Frankfurt-am-Main, 1910-11, in Arquitectura do

Movimento Moderno, Inventário DO.CO.MO.MO Ibérico, ed. Associação dos Arquitectos

Portugueses / Fundación Mies van der Rohe / DO.CO.MO.MO Ibérico, Lisboa /

Barcelona, 1998, p.261.

Fig. 95 – Hans Poelzig, fábrica de ácido sulfúrico, Luban, 1911-12, in GÖSSEL, Peter, e

LEUTHÄUSER, Gabriele, Architecture in the Twentieth Century, Ed. Taschen, Köln,

1991, p.96.

Fig. 96 – Erich Mendelsohn, Armazéns Schocken, Estugarda, 1926-28, in GÖSSEL,

Peter, e LEUTHÄUSER, Gabriele, Architecture in the Twentieth Century, Ed. Taschen,

Köln, 1991, p.134.

Fig. 97 – Erich Mendelsohn, central térmica da fábrica de têxteis Krasnoe Znamja,

Leningrado, 1925, in MAGISTRIS, Alessandro de, Erich Mendelsohn - Il construtivismo

leningradese e la Krasnoe Znamja, 1925, in Casabela, nº 651/652, diciembre 1997 /

gennaio 1998 – le fabbriche del novecento, p.41.

Fig. 98 –. Yakov Chernikov, die arkhitekturnye fantasil, Leningrado, 1933, in

MAGISTRIS, Alessandro de, Erich Mendelsohn - Il construtivismo leningradese e la

24

Krasnoe Znamja, 1925, in Casabela, nº 651/652, diciembre 1997 / gennaio 1998 – le

fabbriche del novecento, p.47.

Fig. 99 – António Sant’Elia, desenho, tinta e grafite sobre papel, 1914, in in

BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, Editora Gustavo

Gili, Barcelona, 1996, p.417[1ª ed.1974].

Fig. 100 – Wallis, Gilbert & Partners, Sede da Hoover, Londres, 1931-38, in

http://www.wam.umd.edu/~sheurich/honr289s/industrial architecture.html, acedido a 13

de Agosto de 1999.

Fig.101 – Carlos Ramos, edifício sede da agência Havas, Lisboa, 1921, in Arquitectura

Moderna Portuguesa 1920-1970, coord. de Ana Tostões, Ministério da Cultura / Instituto

Português do Património Arquitectónico – IPPAR, Lisboa, 2004, p.107.

Fig. 102 – Fábrica de Moagem do Caramujo, Cova da Piedade, Almada, 1896, in

FERNANDES, José Manuel, Arquitectura modernista em Portugal, Gradiva, 1993, p.24.

Fig. 103 – António Rodrigues da Silva Júnior, fábrica de cerveja Portugália, Lisboa,

1912-14, in http://coisapouca-07.blogspot.com/2009_08_01_archive.html, acedido a 8 de

Agosto de 2009.

Fig. 104 – José Marques da Silva, Armazéns Comerciais Nascimento, Porto, 1914, in

PORTAS, Nuno, A Arquitectura para Hoje seguido de Evolução da Arquitectura Moderna

em Portugal, Livros Horizonte, Lisboa, 2008, p.214 [Compilação de: A Arquitectura para

Hoje : 1ª ed. Augusto Sá da Costa, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1964, e de Arquitectura

Moderna em Portugal, originalmente publicado em ZEVI, Bruno, História da

Arquitectura Moderna, 1973].

Fig. 105 – Jorge Segurado, Casa da Moeda, edifício administrativo na Av. Dr. António

José de Almeida, Lisboa, 1933-37, in Arquitectura do Movimento Moderno, Inventário

DO.CO.MO.MO Ibérico, ed. Associação dos Arquitectos Portugueses / Fundación Mies

van der Rohe / DO.CO.MO.MO Ibérico, Lisboa / Barcelona, 1998, p.270.

Fig. 106 – Jorge Segurado, Casa da Moeda, maqueta do conjunto com vista sobre a

entrada do edifício fabril, Lisboa, 1933-37/ 1937-41, in FRANÇA, José-Augusto, A Arte

em Portugal no século XX (1911-1961), Bertrand Editora, 3ª ed., Lisboa, 1991, p.236 [1ª

ed. 1974].

Fig. 107 – Jorge Segurado, Casa da Moeda, entrada do edifício administrativo, planta da

instalação eléctrica, 1933, A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado, fotografia do autor, 28 de

Julho de 2009.

25

Fig. 108 – Jorge Segurado, Liceu Dona Felipa de Lencastre, 1932, in Arquitectura

Moderna Portuguesa 1920-1970, coord. de Ana Tostões, Ministério da Cultura / Instituto

Português do Património Arquitectónico – IPPAR, Lisboa, 2004, p.79 (pormenor).

Fig. 109 – Jorge Segurado, Casa da Moeda, entrada do edifício fabril,1937-41, in

FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XX (1911-1961), Bertrand

Editora, 3ª ed., Lisboa, 1991, p.236 [1ª ed. 1974].

Fig. 110 – Casa da Moeda, Planta de implantação do Arquivo da Casa da Moeda (s.d.) e

sobreposição com desenho do autor.

Fig. 111 – Casa da Moeda, pátio original, posteriormente ocupado pelo edifício do «Talhe

Doce», in Arquitectura do Movimento Moderno, Inventário DO.CO.MO.MO Ibérico, ed.

Associação dos Arquitectos Portugueses / Fundación Mies van der Rohe /

DO.CO.MO.MO Ibérico, Lisboa / Barcelona, 1998, p.271.

Fig. 112 – Jorge Segurado e António Varela, Plano Urbanístico para a Praia do

Cabedelo, Viana do Castelo, 1933. A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado, fotografia do

autor, 28 de Julho de 2009.

Fig. 113 – Jorge Segurado e António Varela, Plano Geral de distribuição de uma

Cidade Olímpica, Lisboa, Campo Grande, 1934, A.N.T.T, in

http://antt.dgarq.gov.pt/exposicoes-virtuais/documento-do-mes/um-espaco-uma-cidade-o-

desporto/, acedido a 30 de Julho de 2009.

Fig.114 – Jorge Segurado, António Varela, mecânico [?], e aviador Melo Rodrigues,

Alverca, 1934, in Espólio de António Varela, fotografia do autor, 11 de Março de 2009.

Fig. 115 – Jan Wils, Estádio de Amsterdão, 1928, in

http://en.nai.nl/exhibitions/webpresentations/picture_galleries/detail/_rp_left1_elementId/1

_281791, acedido a 22 de Julho de 2009.

Fig. 116 – Jorge Segurado e António Varela, Fragmento do Plano Geral de implantação

do estádio «A» (Estádio Nacional do Jamor), Lisboa, 1935. A.N.B.A., Arquivo Jorge

Segurado, fotografia do autor, 28 de Julho de 2009.

Fig. 117 – Jorge Segurado e António Varela, Perspectiva do Plano Geral do Novo

Estádio de Lisboa (Estádio Nacional do Jamor), Lisboa, 1935. Espólio de António Varela,

fotografia do autor, 18 de Novembro de 2009.

Fig. 118 – Jorge Segurado e António Varela, Estação de Fruticultura, Quinta das

Palmeiras e do Serrado, Caldas da Rainha, 1934-35, planta do piso térreo .A.N.B.A.,

Arquivo Jorge Segurado, fotografia do autor, 28 de Julho de 2009.

26

Fig. 119 – Jorge Segurado e António Varela, Estação de Fruticultura, Quinta das

Palmeiras e do Serrado, Caldas da Rainha, 1934-35, planta do 1º andar. A.N.B.A., Arquivo

Jorge Segurado, fotografia do autor, 28 de Julho de 2009.

Fig. 120 – Jorge Segurado e António Varela, Parque Infantil do Parque das

Necessidades,Lisboa, 1938. Planta do estudo prévio. A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado,

fotografia do autor, 28 de Julho de 2009.

Fig. 121 – Jorge Segurado e António Varela, Edifício da Misericórdia, Caldas da

Rainha, 1936. Planta de implantação. A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado, fotografia do

autor, 28 de Julho de 2009.

Fig. 122 – Jorge Segurado e António Varela, Edifício da Misericórida, Caldas da

Rainha, 1936. Alçado norte, in A Arquitectura Portuguesa e Cerâmicas e Edificação /

Reunidas, nº 74 (Maio de 1941).

Fig. 123 – Jorge Segurado e António Varela, Edifício da Misericórdia, Caldas da

Rainha, 1936. Alçado este, ibid.

Fig. 124 – Jorge Segurado e António Varela, Edifício da Misericórdia, Caldas da

Rainha, 1936. Planta do Piso térreo, ibid.

Fig. 125 – Jorge Segurado e António Varela, Edifício da Misericórdia, Caldas da

Rainha, 1936. Planta do 1º piso, ibid.

Fig. 126 – Jorge Segurado e António Varela, Clínica para o Dr. Indiveri Colucci, Paço

de Arcos, 1936-37. A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado, fotografia do autor, 28 de Julho de

2009 (pormenor).

Fig. 127 – Jorge Segurado e António Varela, Clínica para o Dr. Indiveri Colucci, Paço

de Arcos, 1936-37. Corte longitudinal. A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado, fotografia do

autor, 28 de Julho de 2009.

Fig. 128 – Jorge Segurado e António Varela, Clínica para o Dr. Indiveri Colucci, Paço

de Arcos, 1936-37. Alçado sul. A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado, fotografia do autor, 28

de Julho de 2009.

Fig. 129 – Jorge Segurado e António Varela, Clínica para o Dr. Indiveri Colucci, Paço

de Arcos, 1936-37. Alçado poente. A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado, fotografia do

autor, 28 de Julho de 2009.

Fig. 130 – Jorge Segurado e António Varela, Clínica para o Dr. Indiveri Colucci, Paço

de Arcos, 1936-37. Planta do piso térreo. A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado, fotografia do

autor, 28 de Julho de 2009.

27

Fig. 131 – Jorge Segurado e António Varela, Clínica para o Dr. Indiveri Colucci, Paço

de Arcos, 1936-37. Planta do 1º piso. A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado, fotografia do

autor, 28 de Julho de 2009.

Fig. 132 – Jorge Segurado e António Varela, Clínica para o Dr. Indiveri Colucci, Paço

de Arcos, 1936-37. Pormenorização da cozinha. A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado,

fotografia do autor, 28 de Julho de 2009.

Fig. 133 – Sociedade Industrial Metalúrgica, Caixilharia para a Clínica do Dr. Indiveri

Colucci. A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado, fotografia do autor, 28 de Julho de 2009.

Fig. 134 – Jorge Segurado e António Varela, Clínica para o Dr. Indiveri Colucci, Paço

de Arcos, 1936-37. Esquisso de Jorge Segurado. A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado,

fotografia do autor, 28 de Julho de 2009.

Fig. 135 – Jorge Segurado e António Varela, Remodelação da Farmácia Azevedo &

Filhos, Lisboa, 1933-37. Pormenorização ao nível da entrada, planta e alçado da rua.

A.N.B.A., Arquivo Jorge Segurado, fotografia do autor, 28 de Julho de 2009.

Fig. 136 – Jorge Segurado e António Varela, Remodelação da Farmácia Azevedo &

Filhos, Lisboa, 1933-3. (foto s.d.), in FERNANDES, José Manuel, e JANEIRO, Marta

Lurdes, Arquitectura modernista em Lisboa 1925-1940, C.M. Lisboa, Pelouro da Cultura,

Lisboa, 1991, p.87.

Fig. 137 – Jorge Segurado e António Varela, Remodelação da Farmácia Azevedo &

Filhos, Lisboa, 1933-37. (foto s.d.), in PORTAS, Nuno, A Arquitectura para Hoje seguido

de Evolução da Arquitectura Moderna em Portugal, Livros Horizonte, Lisboa, 2008,

p.224 [Compilação de: A Arquitectura para Hoje : 1ª ed. Augusto Sá da Costa, Livraria Sá

da Costa, Lisboa, 1964, e de Arquitectura Moderna em Portugal, originalmente publicado

em ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 1973].

Fig. 138 – António Varela, Ampliação do Hotel das Termas de Monte Real, 1939 [foto

s.d.], in FERNANDES, José Manuel, Arquitectura modernista em Portugal, Gradiva,

1993, p.122.

Fig. 139 – António Varela, remodelação do Mercado Municipal de Peniche, alçado

principal, 1940. Arquivo da C.M. de Peniche, fotografia do autor, 6 de Junho de 2009.

Fig. 140 – Mercado Municipal de Peniche, aspecto actual da cobertura em abóbadas.

Fotografia do autor, 10 de Setembro de 2007.

Fig. 141 – António Varela, remodelação do Mercado Diário de Abrantes, alçado

principal, 1948. Arquivo da C.M. de Abrantes.

28

Fig. 142 – Mercado Diário de Abrantes, aspecto actual. Fotografia do autor, 7 de Junho de

2009.

Fig. 143 – António Varela, remodelação do Teatro Pinheiro Chagas, Caldas da Rainha,

1939, foto s.d., in LINO, Mário, O Teatro Pinheiro Chagas e o Salão Ibéria – duas

memórias das Caldas, Ed. C.M. das Caldas da Rainha, Caldas da Rainha, 1997, capa.

Fig. 144 – O edifício original do Teatro Pinheiro Chagas, Caldas da Rainha, 1901, in

LINO, Mário, O Teatro Pinheiro Chagas e o Salão Ibéria – duas memórias das Caldas,

Ed. C.M. das Caldas da Rainha, Caldas da Rainha, 1997, p.5.

Fig. 145 – Grupo escolar frente a um dos acessos laterais do teatro, Pinheiro Chagas, in

LINO, Mário, O Teatro Pinheiro Chagas e o Salão Ibéria – duas memórias das Caldas,

Ed. C.M. das Caldas da Rainha, Caldas da Rainha, 1997, p.31.

Fig. 146 – António Varela, Ampliação do Hotel das Termas de Monte Real, 1939, planta

do piso térreo. Arquivo da C.M. de Leiria.

Fig. 147 – António Varela, Ampliação do Hotel das Termas de Monte Real, 1939, planta

de implantação. Arquivo da C.M. de Leiria.

Fig. 148 – Ernesto Korrodi, Hotel das Termas de Monte Real, 1925. Fachada de rua.

fotografia do autor, 7 de Julho de 2009.

Fig. 149 – António Varela, Ampliação do Hotel das Termas de Monte Real, 1939, alçado

sul. Arquivo da C.M. de Leiria.

Fig. 150 – António Varela, Casa de S. Francisco, Estoril, 1936. Vista geral da rua.

Fotografia do autor, 25 de Novembro de 2009.

Fig. 151 – António Varela, Casa de S. Francisco, Estoril, 1936. Alçado sul. Arquivo da

C.M. de Cascais.

Fig. 152 – António Varela, Casa de S. Francisco, Estoril, 1936. Planta do piso térreo.

Arquivo da C.M. de Cascais.

Fig. 153 – António Varela, Casa de S. Francisco, Estoril, 1936. Vista da entrada.

Fotografia do autor, 25 de Novembro de 2009.

Fig. 154 – António Varela, dispensário policlínico, estudo prévio; grafite sobre papel

(s.d.). Espólio de António Varela, fotografia do autor, 17 de Novembro de 2009.

Fig. 155 – António Varela, Casa França de Sousa (2ª versão), Praia das Maças, 1947.

Espólio de António Varela, fotografia do autor, 17 de Novembro de 2009.

29

Fig. 156 – António Varela, Palacete joanino, esboço, grafite sobre papel (s.d.). Espólio de

António Varela, fotografia do autor, 17 de Novembro de 2009.

Fig. 157 – António Varela, Mercado Municipal da Nazaré, planta do piso térreo, Nazaré,

1955. Espólio de António Varela, fotografia do autor, 17 de Novembro de 2009.

Fig. 158 – António Varela, Mercado Municipal da Nazaré, cortes, Nazaré, 1955. Espólio

de António Varela, fotografia do autor, 17 de Novembro de 2009.

Fig. 159 – António Varela, Matadouro Municipal da Nazaré, planta, Nazaré, 1959.

Espólio de António Varela, fotografia do autor, 17 de Novembro de 2009.

Fig. 160 – António Varela, Matadouro Municipal da Nazaré, cortes, Nazaré, 1959.

Espólio de António Varela, fotografia do autor, 17 de Novembro de 2009.

Fig. 161 – António Varela, Mercado de Minde, Minde, planta, anos 50. Espólio de

António Varela, fotografia do autor, 17 de Novembro de 2009.

Fig. 162 – António Varela, Mercado de Minde, Minde, alçado frontal, anos 50. Espólio de

António Varela, fotografia do autor, 17 de Novembro de 2009.

Fig. 163 – António Varela, Ampliação do parque de campismo do Monte Branco, Nazaré,

anos 50. Planta geral. Espólio de António Varela, fotografia do autor, 17 de Novembro de

2009.

Fig. 164 – António Varela, Ampliação do parque de campismo do Monte Branco, Nazaré,

anos 50. Alçado da entrada. Espólio de António Varela, fotografia do autor, 17 de

Novembro de 2009.

Fig. 165 – António Varela, Ampliação do parque de campismo do Monte Branco, Nazaré,

anos 50. Edifício da administração. Fotografia do autor, 17 de Novembro de 2009.

Fig. 166 – António Varela, Ampliação do parque de campismo do Monte Branco, Nazaré,

anos 50. Edifício da administração: planta, alçados e cortes. Espólio de António Varela,

fotografia do autor, 17 de Novembro de 2009.

Fig. 167 – António Varela, Ampliação do parque de campismo do Monte Branco, Nazaré,

anos 50. Balneário: planta, alçados e corte. Espólio de António Varela, fotografia do autor,

17 de Novembro de 2009.

Fig. 168 – António Varela, decoração de interiores do cinema Império. Aspecto actual da

bilheteira [foto de 2008]. Fotografia do autor, 4 de Março de 2008.

30

Fig. 169 – António Varela, decoração de interiores do Cinema Império (pormenor).

Fotografia do autor, 4 de Março de 2008.

Fig.170 – Lázaro Lozano, logótipo da empresa Algarve Exportador Limitada, (anos 30),

Publicidade da A.E.L. Espólio de Agostinho Fernandes.

Fig.171 – AEL, fachada da secção de fabrico, 1938. Fotografia do autor, 20 de Fevereiro

de 1999.

Fig.172 – Tóssain, ilustração publicitária para a revista Conservas, A.E.L, (anos 40).

Espólio de Agostinho Fernandes.

Fig.173 – Tóssain, ilustração publicitária para a revista Conservas, A.E.L. (anos 40).

Espólio de Agostinho Fernandes.

Fig. 174 – cartaz da exposição Arqueologia Industrial / Indústria conserveira, C.M. de

Matosinhos, 1989. Arquivo do Gabinete de Arqueologia da C.M. de Matosinhos.

Fig. 175 – Real Fábrica de Conservas de Matosinhos Lopes, Coelho Dias & Cª Lda, in

CORDEIRO, José M. Lopes, A indústria conserveira em Matosinhos – exposição de

arqueologia industrial, Câmara Municipal de Matosinhos, 1989, p.13.

Fig. 176 – Gravura da filial de Matosinhos da conserveira Brandão Gomes, ibid., p.22.

Fig.177 – Fábrica de conservas Feu y Hermanos, em Portimão; em cima: alçado da secção

de vazio (demolida); em baixo: secção de fabrico e armazéns de cheio. Arquivo do C.D.I.

da C.M. de Portimão.

Fig.178 – Fábrica de conservas Feu y Hermanos, Portimão; corte transversal com a rua, a

secção de fabrico, e o cais junto ao rio Arade. Arquivo do C.D.I. da C.M. de Portimão.

Fig.179 – Fábrica de conservas Feu y Hermanos, Portimão; planta geral e secção de vazio.

Arquivo do C.D.I. da C.M. de Portimão.

Fig.180 – Lázaro Lozano, ilustração publicitária para a Algarve Exportador

Limitada,1926, in Conservas, s/nº, Arquivo do Gabinete de Arqueologia da C.M. de

Matosinhos.

Fig.181 – Aspecto de parte da frota pesqueira da empresa Algarve Exportador Limitada,

sediada no porto de Leixões, [s.d.], in SANTOS, José da Cruz [coord.], Agostinho

Fernandes – um industrial inovador, um coleccionador de arte, um homem de cultura –

fotobiografia, Portugália Editora S.A., Lisboa, 2000, p.139.

31

Fig.182 – ilustração publicitária da Algarve Exportador Limitada para o mercado

francófono, (s.d.). Note-se a indicação dos seis unidades conserveiras da empresa, in

Conservas, s/nº, Arquivo do Gabinete de Arqueologia da C.M. de Matosinhos.

Fig.183 – Fábrica de Peniche da Algarve Exportador Limitada (Anos Vinte), com

remodelações posteriores de António Varela nos anos 40. Fotografia do autor, 20 de

Outubro de 1999.

Fig.184 – António Varela, planta de remodelação da fábrica da Algarve Exportador

Limitada de Lagos, 1942. Espólio de Jaime Aschemmann Palhinha, fotografia do autor, 10

de Fevereiro de 2000.

Fig.185 – António Varela, perspectiva da AEL a partir da entrada de gaveto junto à praça

Passos Manuel, 1938. Arquivo do Gabinete de Arqueologia da C.M. de Matosinhos.

Fotografia do autor, 14 de Fevereiro de 1999.

Fig.186 – Quarteirão da Fábrica nº6 da AEL e da Rainha do Sado, Matosinhos; vista para

sul; cruzamento da avenida da República com a rua Heróis de França. Fotografia do autor,

14 de Fevereiro de 1999.

Fig.187 – António Varela, Fábrica nº6 da AEL, perspectiva, 1938, in A Arquitectura

Portuguesa e Cerâmicas e Edificação / Reunidas, nº 40 (Julho de 1938).

Fig. 188 – Planta Projecção Horizontal de parte da Vila de Matosinhos, compreendida

entre a praia dos banhos e o forte do Queijo, da autoria de Licínio Guimarães, década de

1880, in CORDEIRO, José M. Lopes, A indústria conserveira em Matosinhos – exposição

de arqueologia industrial, Câmara Municipal de Matosinhos, 1989, p.11.

Fig.189 – Fábrica nº6 da AEL, vista para sudoeste sobre a praça Passos Manuel, com o

cruzamento da avenida da República com a rua Roberto Ivens. Ao fundo, o mar e o porto

de Leixões. Fotografia do autor, 14 de Fevereiro de 1999.

Fig.190 [à esq.] – Localização da fábrica: planta com sinalização das conserveiras e das

fábricas de conservas pelo sal de Matosinhos em 1937, in CORDEIRO, José M. Lopes, A

indústria conserveira em Matosinhos – exposição de arqueologia industrial, Câmara

Municipal de Matosinhos, 1989, p.61.

Fig. 191 – Fotografia aérea de 1996, s.d.

Fig. 192 – Fotografia aérea para norte do quarteirão formado pela AEL [1938] e a

conserveira Rainha do Sado [1941]. Ao centro, a Praça Passos Manuel no eixo da Avenida

da República; a poente, a praia de Matosinhos, in http//:maps.live.com, acedido a 6 de

Maio de 2008.

32

Fig. 193 – Fachada da secção de fabrico da AEL, em continuidade com o eixo da avenida

da República. Fotografia do autor, 14 de Fevereiro de 1999.

Fig.194 – AEL, vista da Praça Passos Manuel; em primeiro plano, a administração e a

habitação do encarregado no piso superior. Arquivo do Gabinete de Arqueologia da C.M.

de Matosinhos.

Fig.195 – Fotografia aérea para poente do quarteirão formado pela AEL [1938] e a

conserveira Rainha do Sado [1941] in http//:maps.live.com, acedido a 6 de Maio de 2008.

Fig.196 – AEL, interior da secção de fabrico, vista sobreelevada a partir da administração,

in Conservas de peixe, periódico, s/nº, 1946. Arquivo do Gabinete de Arqueologia da C.M.

de Matosinhos.

Fig.197 – Capa do periódico A arquitectura portuguesa e cerâmica e edificação reunidas,

nº40, Julho de 1938, e perspectiva de António Varela para a primeira versão da fábrica de

Matosinhos da AEL. Biblioteca da Ordem dos Arquitectos.

Fig.198 – AEL, interior da secção de fabrico, vista a partir da secção de cheio in

Conservas de peixe, periódico, s/nº, 1946. Arquivo do Gabinete de Arqueologia da C.M.

de Matosinhos.

Fig.199 – AEL, interior da secção de fabrico, vista sobreelevada a partir da administração,

in Conservas de peixe, periódico, s/nº, 1946. Arquivo do Gabinete de Arqueologia da C.M.

de Matosinhos.

Fig. 200 – António Varela, desenho perspectivado da AEL, 1938 [pormenor sobre a

entrada da administração], in A arquitectura portuguesa e cerâmica e edificação reunidas,

nº40, Julho de 1938, Biblioteca da Ordem dos Arquitectos.

Fig. 201 – AEL, vista da entrada de gaveto da administração [s.d., anos 40]. in Conservas

de peixe, periódico, s/nº, 1946. Arquivo do Gabinete de Arqueologia da C.M. de

Matosinhos.

Fig. 202 – Esquema de acessibilidades de Ernst Neufert, in NEUFERT, Ernst, Arte de

projectar em arquitectura, Ed. Gustavo Gili do Brasil, São Paulo, 11ª ed., 1996, p.280

[Architect’s data, segundo a 21ª alemã do original, Bauentwurfslehre, 1936].

Fig. 203 – AEL, (pormenor da planta geral) Fábrica de conservas Algarve Exportador

Limitada, Arquivo da C.M. de Matosinhos.

Fig.204 – AEL, secção de gerência, com vista sobre a secção de fabrico. Fotografia do

autor, 14 de Fevereiro de 1999.

33

Fig. 205 – AEL: organização do espaço interno da fábrica segundo o projecto original (o

tracejado é nosso) Fábrica de conservas Algarve Exportador Limitada, Arquivo da C.M.

de Matosinhos.

Fig. 206 – AEL, interior da secção de fabrico, vista sobreelevada a partir da açoteia [foto

de 1938], in Conservas de peixe, periódico, s/nº, 1946. Arquivo do Gabinete de

Arqueologia da C.M. de Matosinhos.

Fig. 207 – AEL, automatização do sistema em série, aspecto do produto final. Fotografia

de Nuno da Nazareth Fernandes, 1977.

Fig. 208 – AEL, interior da secção de fabrico, vista sobreelevada a partir da açoteia.

Fotografia de Nuno da Nazareth Fernandes, 1977.

Fig. 209 – AEL, interior da secção de fabrico, vista sobreelevada a partir da açoteia.

Fotografia do autor, 14 de Fevereiro de 1999.

Fig. 210 – AEL, armazém de cheio, com saída para a rua Roberto Ivens. Fotografia do

autor, 14 de Fevereiro de 1999.

Fig. 211 – AEL, «torre de vigia» e entrada da secção de vazio [s.d.], in PORTAS, Nuno, A

Arquitectura para Hoje seguido de Evolução da Arquitectura Moderna em Portugal,

Livros Horizonte, Lisboa, 2008, p.24 [Compilação de: A Arquitectura para Hoje : 1ª ed.

Augusto Sá da Costa, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1964, e de Arquitectura Moderna em

Portugal, originalmente publicado em ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna,

1973].

Fig. 212 – Álvaro Siza Vieira, desenho, caneta sobre papel,[s.d.], in Uma cidade assim,

Câmara Municipal de Matosinhos, [catálogo], Matosinhos, 1996, p.10.

Fig.213 – AEL, «torre de vigia» e secção de vazio. Fotografia do autor, 14 de Fevereiro

de 1999.

Fig. 214 – António Varela, acesso do armazém de vazio. Fábrica de conservas Algarve

Exportador Limitada, Arquivo da C.M. de Matosinhos, desenho nº9: corte longitudibal

(pormenor ).

Fig. 215 – Labayen e Aizpurua, Clubhouse, San Sebastian,Espanha, 1929. Planta, in

HITCHCOCK, Henry-Russell e JOHNSON, Philip, The International Style, W.W. Norton

Company, Nova Iorque, 1995, p.174 [ed. original: The International Style: Architecture

Since 1922, W.W. Norton Company, Nova Iorque, 1932].

Fig. 216 – Labayen e Aizpurua, Clubhouse, San Sebastian,Espanha, 1929. fotografia, in

HITCHCOCK, Henry-Russell e JOHNSON, Philip, The International Style, W.W. Norton

34

Company, Nova Iorque, 1995, p.174 [ed. original: The International Style: Architecture

Since 1922, W.W. Norton Company, Nova Iorque, 1932].

Fig. 217 – Yakov Chernikov, die arkhitekturnye fantasil, Leningrado, 1933, in

MAGISTRIS, Alessandro de, Erich Mendelsohn - Il construtivismo leningradese e la

Krasnoe Znamja, 1925, in Casabela, nº 651/652, diciembre 1997 / gennaio 1998 – le

fabbriche del novecento, p.47.

Fig. 218 – AEL, laje em consola na «torre de vigia». Fotografia do autor, 14 de Fevereiro

de 1999.

Fig. 219 – AEL, escada de acesso à «torre de vigia» na secção de vazio [foto de 1999].

Fotografia do autor, 14 de Fevereiro de 1999.

Fig.220 – AEL, entrada de serviço dos soldadores pela rua Heróis de França. Fotografia

do autor, 14 de Fevereiro de 1999.

Fig. 221 – AEL, seccção de fabrico: entrada de serviço pelo pátio. Fotografia do autor, 14

de Fevereiro de 1999.

Fig. 222 – AEL, garagem no fundo do pátio. Fotografia do autor, 14 de Fevereiro de 1999.

Fig. 223 – António Varela, A.E.L. de Matosinhos, creche (pormenor da planta geral),

Fábrica de conservas Algarve Exportador Limitada, 1938, Arquivo da C.M. de

Matosinhos, planta geral, desenho nº9.

Fig. 224 – AEL, pátio com acesso pela rua Heróis de França e entrada de serviço da

secção de fabrico. Fotografia do autor, 14 de Fevereiro de 1999.

Fig. 225 – António Varela, A.E.L. de Matosinhos, perspectiva (pormenor), 1938, in A

Arquitectura Portuguesa e Cerâmicas e Edificação / Reunidas, nº 40 (Julho de 1938).

Fig. 226 – António Varela, A.E.L. de Matosinhos, perspectiva (pormenor), 1938, in A

Arquitectura Portuguesa e Cerâmicas e Edificação / Reunidas, nº 40 (Julho de 1938).

Fig. 227 – António Varela, AEL de Matosinhos , Fábrica de conservas Algarve

Exportador Limitada, Arquivo da C.M. de Matosinhos, 1938, desenho nº3 (pormenor ).

Fig. 228 – António Varela, Fábrica de conservas Algarve Exportador Limitada, 1938,

Arquivo da C.M. de Matosinhos, desenho nº7 (pormenor ).

Fig. 229 – António Varela, Fábrica de conservas Algarve Exportador Limitada,

armazéns de ampliação, 1941, Arquivo da C.M. de Matosinhos, (pormenor ).

35

Fig. 230 – A fábrica de conservas Rainha do Sado, 1941,confinante com os armazéns da

AEL. Fotografia do autor, 14 de Fevereiro de 1999.

Fig. 231 – AEL, armazéns de ampliação da AEL, 1941, alçado sul. Fotografia do autor, 14

de Fevereiro de 1999.

Fig. 232 – AEL, ampliação do edifício de apoio, 1946. Fotografia do autor, 14 de

Fevereiro de 1999.

Fig. 233 – ARS arquitectos, modelo teórico de uma fábrica de conservas, in Conservas de

peixe, s/nº,1946.

Fig. 234 – AEL, pórtco de entrada da administração, foto de 1941, familiar de Agostinho

Fernandes. Espólio de Alice da Nazareth Fernandes.

Fig. 235 – AEL, entrada da administração [foto de 1946, familiar de Agostinho

Fernandes]. Espólio de Alice da Nazareth Fernandes.

Fig. 236 – AEL, pórtco de entrada da administração. Fotografia do autor, 14 de Fevereiro

de 1999.

Fig. 237 – Lázaro Lózano, AEL, primeiro logótipo da empresa, por cima da entrada da

administração. Fotografia do autor, 14 de Fevereiro de 1999.

Fig. 238 – Lázaro Lózano, AEL, segundo logótipo da empresa, na platibanda da fachada

da secção de fabrico. Fotografia do autor, 14 de Fevereiro de 1999.

Fig. 239 – Metrologia da bandeira do pórtico da administração. Fotografia do autor, 16 de

Fevereiro de 1999.

Fig. 240 – Metrologia da bandeira do pórtico da administração. Fotografia do autor, 16 de

Fevereiro de 1999.

Fig. 241 – Metrologia da vão do pórtico da administração. Fotografia do autor, 16 de

Fevereiro de 1999.

Fig.242 – AEL, estudo metrológico da bandeira do pórtico de entrada da administração,

com base no levantamento efectuado no local a 16 de Fevereiro de 1999. Estudo do autor.

Fig. 243 – AEL, vista frontal da bandeira do pórtico da administração. Estudo do autor.

Fig. 244 – António Varela, guache s/ papel (ass. “António Jorge”, s.d.). Espólio de

António Varela, fotografia do autor, 20 de Outubro de 1999.

36

Fig. 245 – Piet Mondrian, Composição com quatro linhas e cinza, óleo sobre tela, 1926,

in http://gotasdagua.blogspot.com/2006_07_01_archive.html, acedido a 19 de Maio de

2009.

Fig. 246 – Figura básica de uma estrutura geométrica polar. Estudo do autor.

Fig. 247 – Figura básica de uma estrutura geométrica recticular. Estudo do autor.

Fig. 248 – Piet Mondrian, composição com traços cinzentos, óleo sobre tela, 1918, in

DEICHER, Susanne, Piet Mondrian – 1872-1944 – construção sobre o vazio, Taschen,

Colónia, 1995, p.52.

Fig. 249 – As quatro chaves da quadratura e as quatro chaves da triangulação, in Les

quatorzes clés générales des marques des tailleurs de pierre (pormenor), in RZIHA,

Franz, Études sur les marques des tailleurs de pierre – La Géométrie secrète – l'histoire,

les rites & les symboles des Compagnons tailleurs de pierre du Saint-Empire Romain

Germanique & de la Grande Loge de Strasbourg, col. Voies Traditionnelles, coord. de

Jean-Pierre Bayard, Éditions de la Maisnie, Guy Trédaniel Éditeur / La Nef de Salomon,

Jean-Michel Mathonière Éditeur, Paris, 1993, prancha 68 [edição original alemã de 1883].

Fig. 250 – Divisão geomértrica do quadrado, id., ibid., p.49.

Fig. 251 – Princípio gráfico dos quadrados reduzidos ou quadratura reduzida, por

potencialização. id., ibid., p.49.

Fig. 252 – Princípio gráfico dos quadrados reduzidos ou quadratura reduzida, por

potencialização. id., ibid., p.49.

Fig. 253 – Princípio gráfico dos quadrados reduzidos ou quadratura reduzida, por

potencialização. id., ibid., p.49.

Fig. 254 – Princípio de rotação do quadrado de origem ou princípio de interpenetração

de quadrados da mesma dimensão, id., ibid., p.49.

Fig. 255 – Exemplo de progressão da quadratura combinada, id., ibid., p.50.

Fig. 256 – Exemplo de progressão da quadratura combinada, id., ibid., p.50.

Fig. 257 – Exemplo de progressão da quadratura combinada, id., ibid., p.50.

Fig. 258 – Exemplo de progressão da quadratura combinada, id., ibid., p.50.

Fig. 259 – Exemplo de progressão da quadratura combinada, id., ibid., p.50.

Fig. 260 – Princípio de redução, id., ibid., p.49.

37

Fig.260 – Princípio de rotação, id., ibid., p.49.

Fig.262 – Quadratura combinada de 1º grau, id., ibid., p.50.

Fig.263 – Quadratura combinada de 2º grau, id., ibid., prancha 3.

Fig. 264– Sobreposição da vista frontal da bandeira da fábrica da AEL na quadratura

combinada de 2º grau. Estudo do autor.

Fig. 265 – Esquema geométrico da sua caixilharia da bandeira da fábrica da AEL com base

na mesma matriz. Estudo do autor.

Fig. 266 – Disco funerário ou roda solar em osso de uma sepultura merovíngia em

Amailoux, in CHARBONNEAU-LASSAY, Louis, L'Ésotérisme de quelques symboles

géométriques chrétiens, Éditions Traditionnelles, Paris, 1985, p.16.

Fig. 267 – Grafite templário da torre de menagem do castelo de Chinon (1308) in id., ibid.,

p.16.

Fig. 268 – Grafite templário da torre de menagem do castelo de Chinon (1308) in id., ibid.,

p.16.

Fig. 269 – Grafite sobre pedra da antiga torre de menagem redonda de Loudun (Viena), in

id., ibid., p.19.

Fig. 270 – Decoração de uma das pedras da antiga Igreja de Ardin (St. André-sur-Sèvres)

segundo o princípio da quadratura reduzida, in id., ibid., p.18.

Fig. 271 – Grafite da Abadia de Seuilly (séc. XIV-XV), in id., ibid., p.17.

Fig. 272 – Pedra de Suèvres, período neolítico, desenho de Louis Charbonneaux-Lassay,

in id., ibid., p.10.

Fig. 273 – relação das unidades da bandeira da AEL com o quadrado mágico do Sol.

Estudo do autor.

Fig.274 – quadrado mágico do Sol ou de Ouro, in GANDRA, Manuel G., Da face oculta

do rosto da Europa – Prolegómenos a uma História Mítica de Portugal, Hugin, Lisboa,

1997, p.130.

Fig. 275 – Consagração de um altar dos cristãos primitivos, segundo Gérard de

Champeaux e Dom Sébastien Sterckx, in FREITAS, Lima de, 515 Le Iieu du mirroir – Art

et numérologie, Albin Michel, Paris, 1993, p.96.

38

Fig. 276 – Pormenor de All Saints Church, Hawkhurst, Kent, Grã-Bretanha, in

CHITHAM, Robert, La arquitectura histórica acotada e dibujada, Editorial Gustavo Gili,

Barcelona, 1982, p.109 [ed. original : Drawing for architects, The Architectural Press,

Londres, 1980].

Fig.277 – Estandarte de Las Navas de Tolosa, séc. XIII, Mosteiro de las Huelgas, Burgos,

Espanha, in DOMINGUES, José Garcia, Portugal e o Al-Andalus, biblioteca de estudos

árabes, Hugin, Lisboa, 1997, foto de capa.

Fig. 278 – Alçado do vão exterior da entrada da administração da fábrica: levantamento

cotado (em metros), do conjunto da bandeira, vão da porta e escadas, a partir da cota de

passeio da praça Passos Manuel. Estudo do autor.

Fig. 279 – Ideograma de Anu, deus do céu assírio, in ALVIELLA, Goblet d’, A Migração

dos Símbolos, Editora Pensamento, São Paulo, 1991, p.28.

Fig. 280 – Lima de Freitas, Traçado regulador da Vesica Piscis, tinta e aparo s/ papel,

s.d., in FREITAS, Lima de, Pintar o Sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitagorismo

e a Geometria Sagrada, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda,

Lisboa, 1990, p.161 [1ª Ed. 1977].

Fig. 281– Sobreposição do alçado do vão interior da entrada da administração da fábrica

no sistema da quadratura combinada de segundo grau. Estudo do autor.

Fig. 282 – Figura geométrica da bandeira, aumentada três vezes (razão 1/3). Estudo do

autor.

Fig. 283 – sobreposição tripla do alçado do pórtico de entrada da administração, da

quadratura combinada de segundo grau, do pentágono e do seu pentagrama potencializado,

com base no mesmo centro geométrico comum, correspondente ao centro do pórtico.

Estudo do autor.

Fig. 284 – relação da proporção áurea com as três medidas dos vãos, observados em

largura: a): largura do vão total da entrada; b): largura do vão da bandeira; c): largura do

vão da porta. Estudo do autor.

Fig. 285 – disposição dos módulos a), b) e c) por diversos segmentos do alçado do pórtico:

estudo dimensional aproximado, com margem de erro máxima observada inferior a 5%,

nomeadamente na relação do módulo c) com a altura da bandeira e na relação do módulo

b) com a largura do degrau de soleira. Note-se que o vão também é, na sua totalidade, um

duplo quadrado, ou rectângulo ½. Estudo do autor.

39

Fig. 286 – Verificação da proporção áurea no pórtico pelo método do duplo quadrado

(margem de erro: 3,2%, entre A’D’ segmento real e AD segmento geométrico). Estudo do

autor.

Fig. 287 – Progressão geométrico-aritmética do sistema ad quadratum e do traçado da

bandeira e do pórtico de entrada da administração com a planta geral da fábrica segundo o

projecto original de António Varela: os dois traçados em conjunto regulam os módulos da

composição da fábrica. Estudo do autor.

Fig. 288 – Progressão geométrico-aritmética do sistema ad quadratum e do traçado da

bandeira e do pórtico de entrada da administração, segundo o projecto original de António

Varela. Estudo do autor.

Fig. 289 – Alçado norte: correspondência do mesmo traçado com a métrica dos vãos e de

outros elementos desenhados, sobreposto à mesma escala da planta. Estudo do autor.

Fig. 290 – Continuidade do sistema ad quadratum na composição dos armazéns de 1941,

situados entre a AEL e a sua congénere, a Rainha do Sado. Estudo do autor.

Fig. 291 – Armazéns de 1941, vista do lado da rua Roberto Ivens, articulando-se em

continuidade com a fachada da 1ª fase (secção de cheio, 1938). Fotografia do autor, 14 de

Fevereiro de 1999.

Fig. 292 – António Varela, Fábrica de conservas Algarve Exportador Limitada,

armazéns de ampliação, 1941, Arquivo da C.M. de Matosinhos, (pormenor do alçado sul).

Fig. 293 – AEL, armazéns de 1941, alçado da rua Heróis de França, a poente :

correspondência com o sistema ad quadratum e a bandeira do pórtico da administração.

Estudo do autor.

Fig. 294 – Almada Negreiros, Auto-reminisciência, tinta e aparo sobre papel, com

dedicatória, ass. e dat.: Paris, [19]49. Espólio de António Varela, fotografia do autor, 21 de

Outubro de 1999.

Fig. 295 – António Varela, desenho, caneta sobre papel, s.d. Espólio de António Varela,

fotografia do autor, 21 de Outubro de 1999.

Fig. 296 – António Varela, Mercado de Coimbra, alçado nascente, 1937, in A.P.C.E./R,

n° 41, 3° série, Agosto de 1938.

Fig. 297 – António Varela, Mercado de Coimbra, corte longitudinal norte-sul, 1937, in

A.P.C.E./R, n° 41, 3° série, Agosto de 1938.

40

Fig. 298 – Mercado de Coimbra, planta, 1937 in A.P.C.E./R, n° 41, 3° série, Agosto de

1938, e sobreposição do sistema da quadratura combinada no 2º grau. Estudo do autor.

Fig. 299 – Mercado de Coimbra, alçado poente, 1937, inA.P.C.E./R, n° 41, 3° série,

Agosto de 1938 , e sobreposição do sistema da quadratura combinada no 2º grau tripartida.

Estudo do autor.

Fig. 300 – Mercado de Coimbra, alçado nascente, 1937, in A.P.C.E./R, n° 41, 3° série,

Agosto de 1938, e sobreposição do sistema da quadratura combinada no 2º grau tripartida:

o sistema parece regular os módulos da composição.

Fig. 301 – António Varela, fábrica de conservas de peixe de Manuel Pereira Júnior,

Afurada, Vila Nova de Gaia, 1941. Vista a partir do cais de desembarque (actualmente

demolido). O edifício em segundo plano é posterior e não faz parte do projecto original de

Varela. Fotografia do autor, 2 de Julho de 2000.

Fig. 302 –Eduardo Viana, O casebre e a fábrica, óleo sobre tela, Porto, s.d., (exposto em

1921), in Eduardo Viana 1881-1967, catálogo, Fundação de Serralves, Porto, 1992.

Fig. 303 – Fábrica de conservas de peixe de Manuel Pereira Júnior, Afurada, Vila Nova de

Gaia, 1941. Vista a partir da praia fluvial sobre a secção de administração. Fotografia do

autor, 2 de Julho de 2000.

Fig. 304 – Vista aérea da fábrica da Afurada, in http//:maps.live.com, acedido a 6 de Maio

de 2008.

Fig. 305 – António Varela, posto de tratamento de redes da Afurada. Fotografia do autor,

2 de Julho de 2000.

Fig. 306 – António Varela, projecto do posto de tratamento de redes da Afurada, 1941.

Arquivo da C.M. de Vila Nova de Gaia.

Fig. 307 – Fábrica de conservas de peixe de Manuel Pereira Júnior, Afurada, Vila Nova

de Gaia, 1941. Interior da secção de fabrico, área de limpeza do pescado. Fotografia do

autor, 2 de Julho de 2000.

Fig. 308 – Vista aérea da fábrica da Afurada, in http//:maps.live.com, acedido a 6 de Maio

de 2008 (pormenor).

Fig. 309 – Fábrica de conservas de peixe de Manuel Pereira Júnior, Afurada, Vila Nova de

Gaia, 1941. Fachada da administração e da secção de cheio. Fotografia do autor, 2 de

Julho de 2000.

41

Fig. 310 – Fábrica de conservas de peixe de Manuel Pereira Júnior, Afurada, Vila Nova de

Gaia, 1941. Vista a partir da margem norte da foz do Douro. Fotografia do autor, 3 de

Julho de 2000.

Fig. 311 – Fábrica de conservas de peixe de Manuel Pereira Júnior, Afurada, Vila Nova de

Gaia, 1941. Módulo da administração e da secção de cheio. Fotografia do autor, 2 de Julho

de 2000.

Fig. 312 – Fábrica de conservas de peixe de Manuel Pereira Júnior, Afurada, Vila Nova de

Gaia, 1941. O interior da secção de cheio em acesso directo com o cais fluvial. Fotografia

do autor, 2 de Julho de 2000.

Fig. 313 – Fábrica de conservas de peixe de Manuel Pereira Júnior, Afurada, Vila Nova de

Gaia, 1941. Vista do interior da secção de fabrico. Fotografia do autor, 2 de Julho de 2000.

Fig. 314 – José Malhoa, retrato de Agostinho Fernandes, pastel sobre papel, 1925, in

SANTOS, José da Cruz [coord.], Agostinho Fernandes – um industrial inovador, um

coleccionador de arte, um homem de cultura – fotobiografia, Portugália Editora S.A.,

Lisboa, 2000, p.7.

Fig. 315 – António Varela, marca (1), in Remodelação da fábrica da Algarve Exportador

Limitada de Lagos, 1942. (pormenor). Espólio de Jaime Aschemann Palhinha, fotografia

do autor, 10 de Fevereiro de 2000.

Fig. 316 – António Varela, marca (2), in Remodelação da fábrica da Algarve Exportador

Limitada de Lagos, 1942. (pormenor). Espólio de Jaime Aschemann Palhinha, fotografia

do autor, 10 de Fevereiro de 2000.

Fig. 317 – António Varela, Remodelação da fábrica da Algarve Exportador Limitada de

Lagos, 1942. (pormenor). Espólio de Jaime Aschemann Palhinha, fotografia do autor, 10

de Fevereiro de 2000.

Fig. 318 – António Varela, Mirante, 1ª fase. (foto s.d.). Espólio de Alice da Nazareth

Fernandes.

Fig. 319 – Alice da Nazareth Fernandes, óleo sobre cartão, 1934. Espólio de Alice da

Nazareth Fernandes.

Fig. 320 – Eduardo Viana, Olhão, c. de 1923, óleo sobre cartão (pormenor), in SANTOS,

José da Cruz [coord.], Agostinho Fernandes – um industrial inovador, um coleccionador

de arte, um homem de cultura – fotobiografia, Portugália Editora S.A., Lisboa, 2000, p.8.

Fig. 321 – António Varela, Mirante, 2ª fase [foto s.d. – início dos anos 40?]. Fotografia de

Eurico da Nazareth Fernandes. Espólio de Alice da Nazareth Fernandes.

42

Fig. 322 – Mirante, gaveto a norte. Fotografia do autor, 22 de Maio de 2008.

Fig. 323 – Mirante, planta do piso térreo. Desenho segundo levantamento do autor, Janeiro

de 1998.

Fig. 324 – Mirante, fachada noroeste . Desenho segundo levantamento do autor, Janeiro de

1998.

Fig. 325 – Mirante, fachada sudoeste. Desenho segundo levantamento do autor, Janeiro de

1998.

Fig. 326 – Mirante, fachada noroeste. Fotografia de Eurico da Nazareth Fernandes, 1943.

Espólio de Alice da Nazareth Fernandes.

Fig. 327 – António Varela, Mirante, 2ª fase, vista da Praia da Rocha, [foto s.d. – início

dos anos 40]. Fotografia de Eurico da Nazareth Fernandes. Espólio de Alice da Nazareth

Fernandes.

Fig. 328 – Eduardo Viana, Olhão, óleo sobre cartão. c. de 1923, in Eduardo Viana 1881-

1967, catálogo, Fundação de Serralves, Porto, 1992.

Fig. 329 – Mirante, planta do piso térreo e sobreposição do sistema da quadratura

combinada. Estudo do autor.

Fig. 330 – Mirante, «pala» do terraço central. Fotografia do autor, 22 de Maio de 2008.

Fig. 331 – Mirante, lareira da sala. Fotografia do autor, 22 de Maio de 2008.

Fig. 332 – Mirante, sobreposição do sistema da quadratura combinada com o alçado

sudoeste. Estudo do autor.

Fig. 333 – Mirante, sobreposição do sistema da quadratura combinada com o alçado

noroeste. Estudo do autor.

Fig. 334 – Mirante, vista parcial de nascente. Fotografia do autor, 22 de Maio de 2008.

Fig. 335 – Casa da Rua de Alcolena, a inscrição lapidar da frase de Paul Éluard: “La

maison s’éleva comme un arbre fleurit”. ©Fotografia de Paulo Cintra, Outubro de 2008.

(pormenor).

Fig. 336 – Casa da Rua de Alcolena, a inscrição lapidar, situad abaixo da anterior: “Arq.

António Varela 10 de Fevereiro de 1954”. ©Fotografia de Paulo Cintra, Outubro de 2008.

(pormenor).

43

Fig. 337 – António Amaral Paiva, Casa da Rua de Alcolena, o quinto elemento cerâmico.

©Fotografia de Paulo Cintra, Outubro de 2008. (pormenor).

Fig. 338 – Casa da Rua de Alcolena, vista da rua sobre a fachada sudoeste [foto s.d. – anos

50?]. Espólio de António Varela, fotografia do autor, 11 de Março de 2009.

Fig. 339 – José de Almada Negreirros, painéis de azulejaria no acesso à biblioteca de

José Manuel Ferrão. Fotografia de Paulo Cintra, Outubro de 2008.

Fig. 340 – António Amaral Paiva, Casa da Rua de Alcolena, o décimo elemento

cerâmico. ©Fotografia de Paulo Cintra, Outubro de 2008.

Fig. 341 – Casa da Rua de Alcolena, vista aérea, in in http//:maps.live.com, acedido a 6 de

Maio de 2008.

Fig. 342 – António Varela, Casa da Rua de Alcolena, implantação, in Rua de Alcolena –

lote 149 – moradia /Propriedade da Exma Snr. D. Maria da Piedade Mota Gomes, 1951.

Arquivo Intermédio da C.M. de Lisboa.

Fig. 343 – António Varela, Casa da Rua de Alcolena, tela final da cave, piso térreo e 1º

andar, in Rua de Alcolena – lote 149 – moradia /Propriedade da Exma Snr. D. Maria da

Piedade Mota Gomes, Telas finais, 1955, Arquivo Intermédio da C.M. de Lisboa.

Fig. 344 – António Varela, Casa da Rua de Alcolena, tela final do piso do terraço e

cobertura, in Rua de Alcolena – lote 149 – moradia /Propriedade da Exma Snr. D. Maria

da Piedade Mota Gomes, Telas finais, 1955, Arquivo Intermédio da C.M. de Lisboa.

Fig. 345 – António Varela, Casa da Rua de Alcolena, tela final dos alçados, in Rua de

Alcolena – lote 149 – moradia /Propriedade da Exma Snr. D. Maria da Piedade Mota

Gomes, Telas finais, 1955, Arquivo Intermédio da C.M. de Lisboa.

Fig. 346 – Casa da Rua de Alcolena, entrada principal com elementos cerâmicos e

escultura da autoria de Amaral Paiva. ©Fotografia de Paulo Cintra, Outubro de 2008.

Fig. 347 – Casa da Rua de Alcolena, escadas de acesso do terraço à cobertura.

©Fotografia de Paulo Cintra, Outubro de 2008.

Fig. 348 – Casa da Rua de Alcolena, vista parcial da fachada noroeste. ©Fotografia de

Paulo Cintra, Outubro de 2008.

Fig. 349 – Francisco Keil do Amaral, Casa Sousa Pinto, 1952, in Arquitectura Moderna

Portuguesa 1920-1970, coord. de Ana Tostões, Ministério da Cultura / Instituto Português

do Património Arquitectónico – IPPAR, Lisboa, 2004, p.315.

44

Fig. 350 – João Andresen, Casa Lino Gaspar, 1953-55, in Arquitectura Moderna

Portuguesa 1920-1970, coord. de Ana Tostões, Ministério da Cultura / Instituto Português

do Património Arquitectónico – IPPAR, Lisboa, 2004, p.314.

Fig. 351 – Casa da Rua de Alcolena, vista parcial da fachada Sudoeste. Em cima, o terraço

correspondente à bilioteca de José Manuel Ferrão [s.d]. Espólio de António Varela,

fotografia do autor, 11 de Março de 2009.

Fig. 352 – Casa da Rua de Alcolena, vista parcial da fachada Sudoeste. Fotografia de

©Paulo Cintra, Outubro de 2008.

Fig. 353 – Casa da Rua de Alcolena, vista parcial da entrada da garagem junto à rua.

Fotografia do autor, 30 de Março de 1999.

Fig. 354 – Casa da Rua de Alcolena, vista parcial a partir da rua. Espólio de António

Varela, fotografia do autor, 11 de Março de 2009.

Fig. 355 – Casa da Rua de Alcolena, três enigmáticas esculturas abstractas da autoria de

António Varela, assentes numa insólita base lapidar. ©Fotografia de Paulo Cintra, Outubro

de 2008.

Fig. 356 – Casa da Rua de Alcolena, uma das duas chaminès «gémeas» na cobertura.

Fotografia de Paulo Cintra, Outubro de 2008.

Fig. 357 – Casa da Rua de Alcolena, interpretação da planta do piso superior segundo o

método da quadratura combinada de 2º grau. Estudo do autor.

Fig. 358 – Casa da Rua de Alcolena, interpretação da planta de implantação de acordo

com o estudo prévio de António Varela segundo o método da quadratura combinada de 2º

grau e a sua potencialização. Espólio de José Manuel Ferrão. ©Fotografia de Paulo Cintra

(s.d). Estudo do autor.

Fig. 359 – Casa da Rua de Alcolena, corredor de acesso aos aposentos de José Manuel

Ferrão. ©Fotografia de Paulo Cintra, Outubro de 2008.

Fig. 360 – Casa da Rua de Alcolena, interpretação da planta do piso superior segundo a

progressão áurea do rectângulo Φ. Estudo do autor.

Fig. 361 – José de Almada Negreiros, vitral Eros e Psique, 400 x 50 [s.d.]. Museu da

Assembleia da República. ©Fotografia de Paulo Cintra, 2009.

Fig. 362 – Casa da Rua de Alcolena. Biblioteca de José Manuel Ferrão. ©Fotografia de

Paulo Cintra, Outubro de 2008.

45

Fig. 363 – Casa da Rua de Alcolena. Pórtico de Varela com escultura de Paiva. Por cima:

o «óculo-vórtice» de Varela. [foto de 2008]. Fotografia do autor, 8 de Maio de 2008.

Fig. 364 – Casa da Rua de Alcolena. O «óculo-vórtice» de Varela. Fotografia do autor, 8

de Maio de 2008.

Fig. 365 – Grafito de Lahore, (período mongol), com a legenda “ya Fattah” (“Aquele que

abre”, “o Iniciador”, segundo Sir George Birdwood, Postscriptum, in ALVIELLA, Goblet

d’, A Migração dos Símbolos, Editora Pensamento, São Paulo, 1991, p.19.

Fig. 366 – Casa da Rua de Alcolena. Interpretação das linhas de força da composição em

torno do «cubo» de Ferrão segundo a dinâmica do «óculo-vórtice», e o eixo diagonal

nascente-capela / poente-biblioteca. Estudo do autor.

Fig. 367 – Casa da Rua de Alcolena. Interpretação do «óculo-vórtice» de Varela segundo

o método da quadratura combinada de 2º grau. Estudo do autor.

Fig. 368 – Piso superior: corredor de acesso aos aposentos de José Manuel Ferrão.

©Fotografia de Paulo Cintra, Outubro de 2008.

Fig. 369 – Alçado Noroeste, interpretação geométrico-simbólica. Estudo do autor.

Fig. 370 – O «óculo-vórtice» de Varela, por cima de um pentagrama. ©Fotografia de

Paulo Cintra, Outubro de 2008.

Fig. 371 – Casa da Rua de Alcolena, terraço do piso superior, fachada sudoeste. Espólio

de António Varela, fotografia do autor, 11 de Março de 2009.

Em hors-texte:

Página 133: José de Almada Negreiros e António Varela, s.d. Espólio de António Varela.

Página p.237: António Varela ao estirador, ass. e dat. 1940. Espólio de António Varela.

Página p.404: António Varela, fotografia de exterior numa cadeira, s.d. Espólio de

António Varela.

46

I.  

 “Ce  n’est  pas  à  gratter  sans  fin  l’individu  qu’on  finit  par  rencontrer  l’homme.”1  

   André  Malraux  

Quem se restringir à bibliografia publicada pode concluir que a

História da Arquitectura Portuguesa da primeira metade do século XX está

praticamente definida: os períodos fundamentais compõem-se por traços

gerais, reagrupando gerações por escolas e tendências. A historiografia da

teoria e da crítica é marcada por variações entre o estilo académico das

Belas Artes e da cultura clássica em geral, e pelas tentativas mais

progressistas dos movimentos de renovação, na dualidade entre

modernidade e tradição. Mas a História tem por vezes a desvantagem de

fazer incidir sobre a verdade um nivelamento redutor, e, por consequência,

sobre o trajecto dos seus protagonistas: André Malraux disse uma vez que

preferia o Mito à História, porque a História parte de uma verdade para

chegar à mentira, enquanto que o Mito parte de uma mentira para chegar à

Verdade… e a «verdade» é que a «história», seja ela qual for, vai-se

reconstruindo sempre um pouco quando surge uma testemunha esquecida

que avança e diz: “Isso não foi bem assim, porque eu estive lá e vi…” de

modo que o testemunho, mesmo parcial e subjectivo, de um dado novo, de

uma «estória», pode ser suficiente para fazer reconsiderar parte de um

determinado contexto, não tanto pela forma ou o resultado da edificação

historiográfica, mas partindo dos fundamentos da sua «infra-estrutura», nos

seus «como» e «porquês», de um desenho que designa e que, por isso,

novamente sintetiza.

1 MALRAUX, André, Les noyers de l’Altenburg, Gallimard, Paris, 1997 [1ª ed., Lausanne, 1943].

INTRODUÇÃO

47

A tese que se propõe não pretende ser estrutural, ou mesmo

fracturante face a quadros mais «literais». Muito menos põe em causa as

bases fundamentais da «aventura» do modernismo português ou da sua

axiologia geral. Reintegra e expõe, talvez, considerações «quase laterais»

sobre a estrutura compositiva de um «quase anónimo» arquitecto

modernista português, de seu nome António Rodrigues Varela, que ao

contrário de outros colegas de profissão, amigos e próximos colaboradores

– de entre os quais se destacam as personalidades incontornáveis de

Almada Negreiros e Jorge Segurado –, não se «manifestou», não se

«promoveu», e, aparentemente, não «falou». Mas a obra que deixou é um

livro aberto a quem o quiser ler.

Se o autor assim o pretendeu, talvez nunca se venha a saber. Os

dados que ao longo de quase uma década fomos recolhendo sobre a sua

pessoa, embora reflictam uma personalidade bastante dinâmica e

empreendedora, são aparentemente mudos relativamente à sua concepção

do espaço e do exercício compositivo do desenho arquitectónico, que

somente através de alguns dos seus projectos e pinturas nos foi possível

observar. São estes exercícios de composição, de traçado e de simbólica,

com uma coerência metronómica, revelando uma enorme riqueza interior,

do ponto de vista estético, filosófico e esotérico. As conclusões a que

chegámos, devem-se à manifestação dessa coerência, dessa constância,

desse rigor sistémico, mas sobretudo desse mesmo «ideal poético», que

transparece em várias obras, lugares e programas aparentemente tão

díspares mas simultaneamente tão próximos no plano do imaginário, com

fundamento nos cânones da geometria e na indução de um logos criador.

Do ponto de vista factual, a estrada de Varela não foi feita, ao

contrário da aventura poético-geométrica de Almada, seu amigo e mestre –

que aqui consideramos quase como seu «irmão mais velho»2 –, de

2 Segundo uma dedicatória de José de Almada Negreiros: “Ao António Varela a quem eu chamo António como a meu irmão António” [manuscrito], in NEGREIROS, José de Almada, Mito-Alegoria-Símbolo: monólogo autodidacta na oficina de pintura, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1948 [exemplar de António Varela, com a dedicatória do autor, ass. e dat.: Lx, 14-04-1948].

48

manifestos «futuristas e tudo», das figuras danadas de um orfismo que se

anunciou como o arauto da alma lusa num Portugal que teimava em abrir-

se ao mundo, fechado nos espartilhos de uma escolástica conservadora do

qual Amadeu Souza Cardozo terá sido o primeiro «Prometeu». Também

não foi feita de conferências sobre o(s) modernismo(s), como em Pardal

Monteiro ou Carlos Ramos, ou de eruditos tratados sobre a simbólica dos

Painéis de Nuno Gonçalves, sobre os quais tanto Almada Negreiros como

Jorge Segurado, cada um a seu tempo, se aventuraram à descoberta de uma

«chave» da enigmática composição. Dos mistérios que lhes presidem, seja

numa tela, seja num – porque não – traçado de uma fábrica, Varela,

aparentemente, não se pronunciou – ou pelo menos não terá deixado grande

reflexão escrita3. Em vez disso, tal como Cassiano Branco, exprimiu-se

unicamente através do desenho, apropriando-se de lógicas geométricas,

para expandir um sonho, uma visão, um ideal moderno de «ser português»,

num universo quase pessoano, ancorado em profundas bases da tradição

hermética, tendo depois deixado as obras entregues a seu destino: o uso, o

tempo e a intemporalidade… Gesto tipicamente moderno, à época, essa

tentativa romântica de igualar o classicismo de um Parténon, tão caro a Le

Corbusier, ou na exortação das catedrais, num Peter Behrens em busca da

luz perfeita. Mas como o fez, fê-lo com a sabedoria somente igualável à de

seus mestres: da Bauhaus, soube compreender o idealismo, mais do que

algum modelo funcionalista de Gropius, e sem esquecer os ensinamentos de

Itten, mais próximos do Ver de Almada do que possa parecer à primeira

vista. Ao materializar o espírito, espiritualizou a matéria. E fê-lo sem

ninguém ver. Como diria Newton: “Se eu vi mais longe era porque estava

ao ombro de gigantes.”4

Quem era António Rodrigues Varela?

3 Ressalve-se uma entrevista concedida ao Diário da Manhã em 1934. V. Anexo I. 4 “If I have seen further it is by standing on ye shoulders of Giants.” NEWTON, Isaac, Correspondência para Hooke, 5 de Fevereiro de 1676. Convém referir que é nossa a paranomásia à sombra de gigantes» no que respeita ao sub-título do presente trabalho.

49

II.

Foi há mais de dez anos que pela primeira vez observámos a Fábrica

de Matosinhos5 da Algarve Exportador Limitada, onde pudemos constatar a

«assinatura» de António Varela, num exercício pessoal e autónomo, que

muito embora acreditemos ser fruto da influência e proximidade de

intelectos das figuras incontornáveis dos seus dois amigos e colaboradores

Almada Negreiros e Jorge Segurado, aí, «cara a cara com o mistério»,

como dizia Almada, o processo/projecto foi só dele; e se a maior obra de

Jorge Segurado terá sido a Casa da Moeda, já a Fábrica de Matosinhos terá

sido a sua.

Para além do facto de se ter evidenciado o seu modernismo de

vanguarda no panorama da arquitectura industrial portuguesa do século

XX, a sua maior qualidade, terá sido, talvez, a capacidade de revelar,

através da sua «chave», manifestada numa porta – o que já de si diz muito

das sua caracterização –, os mecanismos de pré-composição do autor, o seu

carácter iniciático, tal como na Vesica, abrindo outras «portas» e

permitindo o olhar de outras obras que se revelaram determinantes e

concorrentes no mesmo processo criativo. Em suma: são verdadeiras

«coincidências», não no sentido comum da palavra, de alusão à casualidade

das coisas, mas no verdadeiro sentido em que co-incidem na sua natureza

profunda, nas propriedades geométrico-simbólicas dos desenhos que

permitem a construção de uma hermenêutica espacial subjacente.

Em dez anos de investigação foram muitas as interrupções, e a

verdade é que aquilo que concluímos em 20006 foi fruto de uma pesquisa

que levou a dissertação que apresentámos para campos mais profundos do

que inicialmente teríamos esperado: de facto, o que nos propusemos a

analisar no contexto de um mestrado em Teoria de Arquitectura, residia na

5 Referimo-nos ao contexto de investigação que deu origem à nossa dissertação de Mestrado em Teoria de Arquitectura apresentada sob este estudo de caso : CERQUEIRA, Hugo Nazareth Fernandes de, Aspectos do Movimento Moderno na arquitectura da indústria conserveira: a Fábrica nº 6 da Algarve Exportador Limitada, Universidade Lusíada, Lisboa, 2000. 6 Idem, ibidem.

50

valorização da Fábrica de Matosinhos (da autoria do «pouco conhecido»

arquitecto António Varela), como primeira tentativa de edificação de uma

fábrica modernista em Portugal. Este argumento baseou-se

fundamentalmente na demonstração do seu carácter inovador no contexto

do programa industrial português, com base no modelo técnico-

funcionalista bauhausiano, e em termos gerais, referenciando valores

tipicamente modernos de «luz, ar e claridade», tão caros a Behrens e

Gropius, mas também na inovação contextual da própria indústria

conserveira portuguesa, no que respeita à aplicação do sistema «Massó»7,

que traduziu, na práctica e para a época (a década de 1930), a primeira

implementação de um sistema mecanizado em série e em cadeia

verdadeiramente modernizado, ao contrário do sistema artesanal dos

«largos telheiros industriais», herdados do modelo oitocentista da quinta ou

granja agrícola8. Deste modo, partindo de uma necessária pesquisa

histórico-geográfica sobre a evolução da indústria conserveira do século

XIX, viajámos ao longo do território nacional em busca dos exemplos

ainda existentes das fábricas conserveiras e, paralelamente, na análise

teórica dos modelos funcionalistas modernos veiculados pelas vanguardas

europeias do início do século XX, tendo chegado ao estudo da fábrica de

Matosinhos de Varela e à sua qualificação como modelo exemplar de

fábrica moderna, no contexto do «efémero modernismo»9 dos anos trinta no

âmbito geral da valorização da arquitectura portuguesa do século XX. Para

além da análise funcional e programática da obra10, esta valorização

também incidiu, numa primeira fase, na sua análise morfológica, no que

respeita a interpretação portuguesa do conceito de «modernismo», entre os

modelos da vanguarda do Movimento Moderno, que se começava a

estruturar com carácter doutrinário, a citação da influência «Art-Déco» e,

7 Idem, ibidem. Veja-se ainda a este respeito 5.3 e 6.2 do presente estudo. 8 Veja-se a este respeito 5.2.1.1. 9 Segundo a terminologia de Nuno Portas, in PORTAS, Nuno, A Arquitectura para Hoje seguido de Evolução da Arquitectura Moderna em Portugal, Livros Horizonte, Lisboa, 2008 [Compilação de : A Arquitectura para Hoje : 1ª ed. Augusto Sá da Costa, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1964, e de Arquitectura Moderna em Portugal, originalmente publicado em ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 1973]. 10 Veja-se a este respeito o Cap.5.

51

finalmente, os fenómenos de aculturação da modernidade expressos nas

reminiscências do pensamento clássico, assim como na monumentalidade

dos nacionalismos emergentes, naquilo que Henry-Russell Hitchcock

apelidou, à época, de «Nova Tradição»11.

Apesar de termos dado, a certa altura, o tema como circunscrito,

surgiu, durante o estudo do alçado da porta de entrada da secção de

administração da fábrica – espaço peculiar e inevitavelmente comparável à

entrada da Casa da Moeda –, a necessidade «quase vital» de compreender o

«porquê» do seu desenho, de tal modo particular e simultaneamente

abstracto, que nos levou à interrogação sobre a sua «legitimidade» no

conjunto: desenho simples que não simplista, produto do pensamento de

alguém que até então revelara, através da leitura da sua obra, uma

disciplina mental tipicamente moderna, rejeitando antigos métodos de

composição «beaux-artianos», sem espaço para concessões a uma qualquer

arbitrariedade ou gesto ornamental que se pudesse sobrepor à lógica

geométrico-combinatória manifestada na expressão da forma. E foi

precisamente do estudo do seu desenho, tanto do ponto de vista icónico,

como do ponto de vista canónico, que se foi revelando no seu propósito

simbólico: a materialização, num molde de cimento, daquilo que

poderemos agora apelidar – muito embora circunstancialmente –, de

«cânone de Varela»12, ou seja: a dupla utilização do rectângulo de ½ sobre

o sistema «Ad Quadratum», como elemento fundador dos mecanismos de

pré-composição, no que respeita toda a métrica da fábrica, mas de igual

modo estendendo-se a outras obras do autor, determinantes no seu percurso

e construídas no seu período mais produtivo (o «efémero modernismo» dos

Anos Trinta), e que poderemos designar como «a família simbólica»13.

11 Veja-se a este respeito o Cap.1. 12 Veja-se a este respeito o Cap.5 e 6. 13 Idem.

52

Na evidência de um nítido extravasamento de um tema proposto em

1998, entregue em 2000, e apreciado em 2003, julgámos, à data, a

generalização da questão do «cânone de Varela», no âmbito das outras

obras do autor, fora do contexto a que inicialmente nos propusemos

circunscrever, assim como para lá de capacidade temporal necessária a uma

devida e cuidada análise, e em igualdade de circunstâncias face ao estudo

do caso inicial (a Fábrica de Matosinhos). Ficou porém, lançada a hipótese

– a «mera hipótese» –, de um padrão que «teimava» parecer recorrente…

Julgamos, todavia, que a década passada sobre as nossas primeiras

impressões permitiu criar um prudente distanciamento crítico, que, no

entanto, em nada veio alterar as nossas primeiras conclusões: pelo

contrário, dos exemplos apresentados à data surgiram outras relações que

aqui apresentamos, num tronco comum.

Destas considerações também decorre a circunscrição da temática

que aqui se apresenta. E porque muito embora se possa «destilar» uma

«possível» monografia subjacente à presente dissertação, não pretende esta

ser – apesar de aparentemente sermos levados à sua interpretação –, uma

monografia exaustiva sobre a vida e as obras do autor. Considerámos a

estruturação deste trabalho em torno da análise e da interpretação

«possível» dos seus projectos mais relevantes, edificados ou não,

substituindo-se o mutismo do autor por uma análise directa da

documentação e da observação in situ. Usamos a expressão «mutismo do

autor», pela (inevitável) comparação com as significativas obras escritas, de

figuras de proa da sua geração, que também foram seus directos colegas de

trabalho e camaradas de percurso: se é justo considerar Jorge Segurado,

Almada Negreiros, Carlos Ramos, para além de Fernando Pessoa, José

Pacheco e demais fundadores da vanguarda artístico-literária das décadas

de 1920-30, como protagonistas e figuras históricas incontornáveis para a

compreensão da construção da modernidade portuguesa do século XX, e

pelo valor das suas obras e percursos individuais, também é justo

considerá-los pelas suas faculdades como divulgadores, pedagogos, poetas

53

ou ensaístas, tendo mobilizado mais do que uma geração em torno de

publicações como a Orpheu14, a Contemporânea15 ou a Presença16, entre

outras. Em suma: na construção da memória de um «futuro que tardava»,

pelo dom da palavra… e da palavra escrita. De modo que são vastos os

arquivos destes autênticos «gigantes» da arte portuguesa do século XX, que

se vão estruturando e, assim, contribuindo para essa mesma memória

futura, possibilitando análises literais sobre ensaios ou textos mais ou

menos dispersos onde também coube, como manifestação de inteligência, a

autocrítica, – ou a «auto-reminiscência», se quisermos empregar o termo

«órfico» de Almada (numa dedicatória de um quadro a António Varela)17.

São estas as razões fundadoras, as que repousam na profundidade dos

arquivos da memória, que nos levam a recorrer à expressão «mutismo do

autor» no que respeita ao silêncio de António Varela. Por simplesmente não

possuir faculdades de expressão literária que o levassem ao exercício da

escrita para além da «memória descritiva e justificativa», não seria alheio a

um profundo espírito crítico18, como se pode comprovar nos depoimentos

do próprio Segurado relativamente ao seu «precioso colaborador»19? Ou

porque, mais simplesmente, já existia alguém que o «fizesse», dentro dessa

«caixa fechada»20 mencionada pelo arquitecto, e da qual fazia parte,

juntamente com Almada Negreiros, Carlos Ramos, Adelino Nunes, Veloso

Reis, Gonçalo de Mello Breyner e o próprio Segurado?... Por ter falecido

relativamente jovem, terá passado ao lado de umas «memórias», à

semelhança de outros, ou terá preferido evitar para si próprio esse lugar-

comum, remetendo-se ao mutismo de alguém que raramente assinava os

seus próprios quadros e – segundo testemunhos próximos, – quase nunca

escrevia? Da dissolução do seu atelier em Lisboa, por altura do seu

falecimento, em 1962, fica um espólio magro, composto de desenhos

14 Veja-se a este respeito o Cap.2. 15 Idem. 16 Idem. 17 Veja-se a este respeito o Cap.6, fig. 294. 18 Veja-se a este respeito a entrevista concedida ao Diário da Manhã em 1934. V. Anexo. 19 Veja-se a este respeito o Cap.4. 20 Idem.

54

preparatórios relativos a pinturas e alguns livros e quadros com dedicatórias

de relevo; desenhos originais de concepção arquitectónica, alguns

poucos21… Pelo que fica a interrogação no ar. Sendo bem visto que neste

caminho entramos num domínio inteiramente especulativo, considerámos,

para o efeito deste estudo, que a questão biográfica assim como os

conteúdos da documentação escrita – embora, no seu caso, preciosa pela

sua raridade –, não poderia ser determinante para a compreensão das obras

que aqui se enquadram, preferindo-se a observação directa das casas,

portas, escadas ou janelas, ruínas, fábricas, fragmentos de quase nada,

interstícios da memória dispersa, mesmo daquelas que não se

materializaram e que por qualquer razão não «passaram do papel», mas que

por si só não deixam de ser essência de arquitectura, na convicção de que a

linguagem do desenho, como linguagem universal – e pela sua natureza

profunda –, designa, e que por isso, também ressalva, devolvendo-nos a

descodificação dos mecanismos mentais de uma consciência operativa.

É esse o legado do invisível.

III.  

Consideramos nesta última parte da introdução os aspectos essenciais

para uma correcta clarificação e justificação da problemática e da estrutura

do tema e do título proposto.

Convém referir que o título António Varela e o legado do invisível

foi-se desenhando, lenta e progressivamente, no decorrer do aprofundar da

nossa investigação, onde que chegámos à conclusão de uma tripla leitura de

significados da palavra «invisível»: em primeiro lugar, porque se trata de

um arquitecto que nunca foi estudado, tendo sido apenas mencionado

historicamente em relação a contextos de grupo, ou por associação à obra

de Jorge Segurado, tendo sido normalmente mencionado em «segundo

21 Veja-se a este respeito o Capítulo 5 e o Capítulo 7.

55

plano», no panorama geral da arquitectura modernista portuguesa. Do

mesmo modo, pouco se sabe da sua existência e mesmo os seus familiares

mais próximos, de quem nos fica um precioso testemunho, pouco sabiam

de um parente que pouco se deu a conhecer. Já referimos que este modo de

ser, «em silêncio», parece ter sido uma característica que o próprio cultivou

em vida, pautando-se por uma extrema descrição no que respeitava o seu

trabalho e a sua vida pessoal, o que necessariamente passou por uma certa

excentricidade à qual ficou associada a imagem de «artista solitário», o que

também poderá explicar a sua quase «invisibilidade histórica».

Nesta mesma linha «invisível» fica também o legado do seu espólio

pessoal: como anteriormente mencionámos, e ao contrário de outros

arquitectos, artistas e amigos de sua proximidade – referimo-nos

particularmente a Jorge Segurado, Carlos Ramos, Lino António, José de

Almada Negreiros e Eduardo Viana, entre outros –, António Varela não

deixou, aparentemente, quase nenhuma documentação gráfica ou

manuscrita que possa servir de base a uma estrutura narrativa propícia a

uma investigação e a uma recolha documental digna de relevo. Pelo

contrário, as circunstâncias algo misteriosas do destino do seu atelier na

cave da Avenida de Paris em Lisboa parecem associar-se a um desfecho

onde os testemunhos mencionam, vagamente, inundações, destruições e

outros dados que ironicamente parecem ter seguido o caminho do seu autor

no progressivo apagamento da sua «persona» no crepúsculo da sua

existência. Neste sentido, a figura do arquitecto parece perfilhar-se na

mitificação de alguns poetas e artistas modernistas que compõem o

«panteão nacional» da História da Arte Portuguesa do século XX, sendo

fácil a comparação com a imagem crepuscular de um Santa-Rita Pintor ou

de um José Manuel Ferrão22, onde a vontade de destruição das suas obras

às suas mortes parece ser um padrão comum. Desmistificando: também não

sabemos se tal foi o caso de Varela, mas parece ponto assente que o seu

espólio pessoal – que no seu caso não se resumiria ao desenho, incluindo

22 Veja-se a este respeito 7.4.

56

também à pintura – maioritariamente desapareceu com o autor, como se o

seu desejo confesso de ser sepultado numa vala comum se tivesse

prolongado à dissolução total da sua memória e à vontade de anonimato

sobre o trabalho de toda uma vida.

Este aspecto da invisibilidade – ou «quase» –, também parece

associar-se a sua obra construída, onde o «legado» – que aqui consideramos

como sinónimo de heritage23, terminologia saxónica ontologicamente

distinta do termo lusófono património –, parece chegar até à actualidade de

forma dispersa ou fragmentada. Convém referir que nesta questão não

estaremos certamente perante um caso isolado, sendo este aspecto de

invisibilidade bastante comum no que respeita a identificação, restauro e

conservação da arquitectura portuguesa do século XX e da própria

definição do conceito nominal de património, e que, salvo algumas

iniciativas recentes, vai-se «descobrindo», ou «revelando» consoante as

«circunstâncias» o permitem, mas do mesmo modo, e para efeitos do nosso

estudo, este carácter de «invisibilidade» (que por extensão, abrange o

conceito de património intelectual24), acentuou a ideia da necessidade de

construção de uma hermenêutica para a obra de Varela.

Por conseguinte, a adjectivação de «invisível» parece também

manifestar-se no partido compositivo da arquitectura do autor, onde a

determinação de opções formais parece revelar uma riqueza simbólica para

além do discurso de gramáticas generativas centradas em aparências

extrínsecas e diversas, que variam entre regionalismos, culturalismos e uma

raiz técnico-funcionalista moderna, e permite estabelecer relações «para lá»

da discussão dos estilos, centrando-se na essência da composição e na

metodologia de projecto, tendo como ferramenta essencial a análise

geométrica e as suas propriedades intrínsecas consoante cada caso de

estudo. Este aspecto final da «invisibilidade» permite-nos justificar o

quadro temático que precede o título. 23 Veja-se a este respeito as directivas actuais da UNESCO/ICOMOS, e ICOMOS – Portugal., em continuidade com os princípios fundados pela Carta de Veneza (1964). 24 Idem.

57

Deste modo, o pré-título Contributos para uma hermenêutica da

Tradição no Modernismo Português, determina o caso da obra do autor

numa temática geral e pretende enquadrar o nosso estudo na problemática

do «efémero modernismo» português que consideramos como um período

onde algumas questões parecem ainda por clarificar, dentro do quadro

ontológico mais vasto da dialéctica entre Tradição e Modernidade, onde,

correndo-se por vezes o perigo eminente da generalização, conviria

novamente perguntar: «que tradição» e «que modernidade»?

O estabelecimento desta problemática levou-nos a algumas questões

que considerámos relevantes, ou seja: de que modo se pode entender a

natureza dos mecanismos de composição de António Varela? Quais os

caminhos da interpretação da sua estética pessoal no contexto do

modernismo português e do pensamento moderno em geral? Qual seria o

seu posicionamento no debate aceso da época, entre Tradição e

Modernidade? Qual a sua relevância para a compreensão das suas obras e

como «espírito do seu tempo»? De que modo se pode entender esta

personagem de transição?

Em consequência destas questões, o sub-título Composição, traçado

e simbólica de um arquitecto à sombra de gigantes (1930-1940) pretende

sintetizar três critérios diferentes sobre aquilo que distinguimos como os

valores em presença, e que embora muitas vezes pareçam sobrepor-se,

convém diferenciar nas suas propriedades constituintes. Por extensão, esta

diferenciação de termos permitiu-nos ainda conceber uma axiologia de

valores de onde nasceu a estrutura analítica do estudo das obras que para o

efeito considerámos fundamentais. Por outro lado, devido à natureza

complexa do tema, optámos por restringir o horizonte temporal

maioritariamente à década de Trinta, visto ser este o período fundamental

deste estudo, coincidente com a produção arquitectónica de António Varela

dentro do quadro restrito do «efémero modernismo» português e, como

tudo leva a crer, o tempo de maturação em que o autor estabeleceu e

aplicou os seus princípios de projecto. Abrimos uma excepção à proposta

58

racionalista da casa da rua de Alcolena (1951-54), que neste caso se

apresenta mais como um momento isolado sob forma de «epílogo» no

trajecto curto mas intenso deste arquitecto modernista da primeira geração:

embora pertencente a outro momento histórico, consideramos, para efeito

deste estudo, que não constitui em si mesma a relevância da análise de um

quadro mais recente, mas sim um encontro do arquitecto no novo contexto

do racionalismo do pós-guerra, representado maioritariamente através de

uma nova geração surgida após o Congresso de 194825.

Ainda, a expressão um arquitecto à sombra de gigantes é uma

metáfora que ilustra a condição da invisibilidade pessoal de Varela –

aparentemente propositada pelo próprio –, o que implica a necessidade de

uma hermenêutica à sua obra e que também passa, inevitavelmente, pela

contextualização histórica sobre determinados aspectos teóricos

desenvolvidos pelos protagonistas da modernidade portuguesa, artística,

poético-literária e arquitectónica, que destacámos, não só devido à sua

importância como figuras históricas do modernismo português, mas

sobretudo pela proximidade e influência directa junto do autor. Mas os

«gigantes» também podem ser, à imagem da frase de Newton, os arquétipos

universais que são comuns a alguma da produção e reflexão pessoal mais

importante de Jorge Segurado e José de Almada Negreiros, em linha com a

«família simbólica» das obras de Varela, e no cultivo e interpretação

pessoal de um esoterismo próprio e que parece ter-se manifestado na

composição do espaço projectado.

25 Veja-se a este respeito as actas do 1º Congresso Nacional de Arquitectura, Maio/Junho 1948, Sindicato Nacional dos Arquitectos, 1948, [ed. fac-similada, Publicações Maitreya, 2008].

59

Deste modo, estruturou-se o estudo em três partes constituídas por

sete capítulos: uma primeira parte de necessária Contextualização, numa

relação da problemática entre tradição e modernidade, do geral para o

particular, no caso português. A segunda parte, Percurso de um arquitecto

à sombra de gigantes, inaugura uma leitura possível sobre o trajecto de

António Varela desde a sua aprendizagem à criação de uma identidade

cultural, que se prolonga na sua parceria profissional com Jorge Segurado

na procura complexa e por vezes contraditória de um «espírito moderno»,

durante os Anos Trinta, assim como no enquadramento de algumas obras

do seu trajecto pessoal. A última parte, O legado do «invisível»: uma

interpretação da obra de António Varela, constitui-se como uma

abordagem possível do que considerámos para o efeito as obras mais

notáveis do arquitecto, naquilo que designámos, e apenas

circunstancialmente para efeitos deste estudo, como «a família simbólica».

Convém ainda referir os conteúdos dos sete capítulos:

especificamente, o primeiro, Aspectos ideológicos e artísticos na

modernidade europeia, visa uma necessária contextualização da

problemática em foco, entre Tradição e Modernidade no contexto da

Europa no dealbar do século XX. Permite o retomar das consequências que

decorreram da tensão resultante entre os aspectos de continuidade e de

ruptura nos vários movimentos artísticos e arquitectónicos, mas também

políticos, económicos e sociais, que permitem compreender a modernidade

europeia, «para lá» do discurso restrito do Movimento Moderno. Neste

aspecto a necessidade de relação entre correntes ideológicas levou-nos ao

estudo de certos movimentos da História da Arte e do pensamento europeu,

que se prolonga e encontra ecos na História da Teoria da Arquitectura do

século XX. Nesse sentido a leitura de alguns autores de referência na

matéria afiguraram-se como fundamentais, entre as quais destacamos Erwin

60

Panovski26, Giulio Carlo Argan27, Maurízio28 e Marcello Fagiolo29, entre

outros, na área da História da Arte, e Siegfried Giedion30, Reyner

Banham31, Nicolaus Pevsner32, Henry-Russell Hitchcock33, Leonard

Holcombe Bucknell34, William Curtis35, Charles Jenks36, Pierre

Francastel37, Manfredo Tafuri38, Hanno-Walter Kruft39, Leonardo

Benévolo40, Kenneth Frampton41 e Françoise Choay42 na área da História,

Teoria e Crítica da Arquitectura e do Urbanismo do século XX. As diversas

leituras críticas mais recentes, entre as quais destacamos as de Josep Maria

26 PANOVSKY, Erwin, O Significado das Artes Visuais, Editorial Presença, Lisboa, 1989 [ed. original: Meaning in the Visual Arts, Doubleday Dell Publishing Group, Nova Iorque, 1955]. 27 ARGAN, Giulio Carlo, El pasado en el presente: el revival en las artes plásticas, la arquitectura, el cine y el teatro, Ed. Gustavo Gili, Barcelona, 1997, ARGAN, Giulio Carlo, Arte Moderna – Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos, Companhia das Letras, São Paulo, 1992 [ed. original Sansone Editore, Florença, 1988] e ARGAN, Giulio Carlo e FAGIOLO, Maurício, Guia de História da Arte, Editorial Estampa, 2ª ed., Lisboa, 1994 [1ª ed. 1992] [ed. original Sansone Editore, Florença, 1977]. 28 Idem, ibidem. 29 FAGIOLO, Marcello, La Catedral de Cristal: La Architectura del expressionismo y la “tradición esotérica”. In El pasado en el presente: el revival en las artes plásticas, la arquitectura, el cine y el teatro, Dir. de Giulio Carlo Argan, Ed. Gustavo Gilli, Barcelona, 1997, e ARGAN, Giulio Carlo e FAGIOLO, Maurício, Guia de História da Arte, Editorial Estampa, 2ª ed., Lisboa, 1994 [1ª ed. 1992] [ed. original Sansone Editore, Florença, 1977]. 30 GIEDION, Siegfried, Espaço, Tempo e Arquitectura – O Desenvolvimento de uma Nova Tradição, Martins Fontes, São Paulo, 2000 [ed. original: Raum, Zeit und Architektur, 1941 / ed. inglesa: Space, Time and Architecture – The Growth of a New Tradition, Harvard University Press, 1941]. 31 BANHAM, Reyner, Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd, Oxford, 1999, [1ª ed.1960]. 32 PEVSNER, Nicolaus, The Sources of Modern Architecture and Design, Thames and Hudson, Nova Iorque, 1995 [1ª ed. 1968]. 33 HITCHCOCK, Henry-Russell e JOHNSON, Philip, The International Style, W.W. Norton Company, Nova Iorque, 1995 [ed. original: The International Style: Architecture Since 1922, W.W. Norton Company, Nova Iorque, 1932]. 34 BUCKNELL, Leonard Holcombe, Industrial Architecture, C. G. Holme ed., The Studio Ltd / The Studio Publications, Londres / Nova Iorque, 1935. 35 CURTIS, William, Modern Architecture since 1900, Phaidon Press Limited, 3ª ed. Londres, 1996 [1ª ed. 1982]. 36 JENKS, Charles, Modern Movements, Penguin Books, Londres, 1973. 37 FRANCASTEL, Pierre, Arte e Técnica nos séculos XIX e XX, colecção Vida e Cultura, Edição Livros do Brasil, Lisboa. 38 TAFURI, Manfredo, Teorias e história da arquitectura, Editorial Presença, Lisboa, 2ª ed. 1988 [1ª ed. 1979], [ed. original: Teorie e Storia dell’Architettura, Gius Laterza & Figli, Roma, 1981]. 39 KRUFT, Hanno-Walter, Historia de la teoría de la arquitectura, Vol.2. Desde el siglo XIX hasta nuestros días, Alianza Editorial, Madrid, 1990 [ed. original : Geschiste der Architekturtheorie, C.H. Beck’sche Verlagbuchhandlung, Munique, 1985]. 40 BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, [1ª ed.1974]. 41 FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, ed. bras. Martins Fontes, São Paulo, 1997 [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980]. 42 CHOAY, Françoise, L’urbanisme, utopies et realités – une anthologie, Point, Paris, 1979, e idem, A Regra e o Modelo – sobre a teoria da arquitectura e do urbanismo, Caleidoscópio, Lisboa, 2007 [ed. orig. La Règle et le Modèle: Sur la théorie de l’architecture et de l’urbanisme, Seuil, Paris, 1980].

61

Montaner43, ajudaram-nos a contextualizar os temas, assim como a

clarificação das abordagens dos historiadores, teóricos e críticos que

anteriormente mencionámos, no que respeita a quadros de síntese

axiológica da História da Teoria de Arquitectura (maioritariamente

inaugurada com Kruft). No que respeita à Crítica de Arquitectura e o

aprofundamento filosófico das matérias abordadas, convém referir as

antologias de Kate Nesbitt44 e Neil Lach45 como suporte para o

esclarecimento de alguns temas que, embora não se constituindo como

estruturantes de todo o trabalho, permitiram criar linhas condutoras na

nossa análise discursiva. Convém esclarecer que importou-nos, antes de

mais, considerarmos os fenómenos de continuidade e de rupturas no

contexto estudado, e a posição complexa e por vezes contraditória dos

arquitectos portugueses face à modernidade, dentro da variedade das suas

interpretações e, no intuito de se conseguir enquadrar o caso particular de

António Varela, situando-se também no cerne desta problemática algumas

questões relativas às suas obras mais significativas.

O segundo capítulo, Rupturas e continuidades na génese da

modernidade portuguesa, faz convergir estas problemáticas dentro do

panorama nacional e inaugura a contextualização dos temas da vanguarda

portuguesa nas primeiras duas décadas do Século XX, nas questões de

ruptura e de continuidade dentro de um quadro de arquétipos em presença

no pensamento luso, mas ainda perfilhando-se em relação à acção artística,

teórica e literária de alguns núcleos artísticos que estimamos de maior

proximidade e influência sobre António Varela. Neste caso a menção a

Almada Negreiros e Fernando Pessoa afigura-se como inevitável, tendo em

conta as consequências da acção do pensamento de ambos, transmitido de

forma mais ou menos restrita à primeira geração moderna portuguesa e, em

particular, no caso de Almada, a um grupo muito restrito de arquitectos da 43 MONTANER, Josep Maria, Las formas del siglo XX, Ed. Gustavo Gili, Barcelona, 2002 [4ª ed.], e idem, Arquitectura e crítica, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 2007. 44 Theorizing a new agenda for architecture – An anthology of architectural theory 1965-1995, Kate Nesbitt Editor, Princeton Architectural Press, Nova Iorque, 1996. 45 Rethinking Architecture – a reader in cultural theory, Neil Lach Editor, Routlegde, Londres, 2000 [1ª ed. 1977].

62

vanguarda portuguesa. No que respeita a fontes, embora não se devam

esquecer certos eixos estruturantes com referências a autores estrangeiros, a

reflexão histórica, crítica e filosófica do pensamento português revelou-se

fundamental a partir do seu interior, o que se traduz nas leituras de obras de

Camilo Pessanha46, Teixeira de Pascoaes47, Sampaio Bruno48, Álvaro

Ribeiro49, José Marinho50, Fernando Pessoa51, José de Almada Negreiros52,

Francisco da Cunha Leão53, João Gaspar Simões54, António Quadros55 e

Artur Portela56, entre outros. No que se refere a uma antologia de base,

devemos grande parte da contextualização artística portuguesa à axiologia

histórica e à produção crítica de José-Augusto França57, assim como o

recentemente dado à estampa Diccionário de Fernando Pessoa e do

Modernismo Português58, como elemento complementar e de

aprofundamento sobre alguns temas da modernidade, movimentos e

protagonistas diversos.

46 PESSANHA, Camilo, Clepsidra, Ática, Ed. João de Castro Osório, Lisboa, 1945, 1956, [1a edição: Lusitânia, Ed. Ana de Castro Osório, Lisboa, 1920]. 47 PASCOAES, Teixeira de, Arte de Ser Português, Assírio & Alvim, 3ª ed., Lisboa, 1998 [1ª ed. 1998] [ed. original de 1915]. 48 BRUNO, José Pereira de Sampaio, A Ideia de Deus, Lello Editores, Lisboa, 1987 [1ª ed. 1902]. 49 RIBEIRO, Álvaro, A Razão Animada, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2009 [1ª ed. 1957]. 50 MARINHO, José Marinho, O Pensamento Filosófico de Leonardo Coimbra: introdução ao seu estudo, Porto, Livraria Figueirinhas, 1976 [1ª ed.1945]. 51 PESSOA, Fernando, Mensagem, Ática, 10ª ed., Lisboa, 1972 [1ª ed. Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1934]. Veja-se ainda a respeito do autor a antologia poética Fernando Pessoa – Obra Poética, Biblioteca Luso-Brasileira / Série Portuguesa, Editora José Aguilar Lda, Rio de Janeiro, 1960, entre outros. 52 NEGREIROS, José de Almada, A invenção do dia claro – escripta de uma só maneira para todas as espécies de orgulho, seguida das démarches para a Invenção e acompanhada das confidências mais íntimas e geraes / Ensaio para a iniciação dos portugueses na revelação da pintura / Com um retrato do autor por ele próprio, Editora Olisipo, Lisboa, 1921, idem, Ver, Editora Arcádia, Lisboa, 1982 [ed. original do autor, Lisboa, 1943], idem, Mito-Alegoria-Símbolo, 1948, idem, A chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves, 1950 e idem, SW – Sudoeste – cadernos de Almada Negreiros, n° 1-2-3, Setembro a Novembro de 1935, ed. SW, Lisboa, 1935. 53 LEÃO, Francisco da Cunha, O Enigma Português, 3ª ed., Guimarães Editores, Lisboa, 1992 [1ª ed. 1960]. 54 SIMÕES, João Gaspar, Vida e Obra de Fernando Pessoa: História de uma Geração, Vol. I e II, Livraria Bertrand, Lisboa, 1950. 55 QUADROS, António, Introdução a uma estética existencial, Lisboa, 1954, idem, Portugal – Razão e Mistério, Vol. I e II, Guimarães Editores, Lisboa, 1999 [1ª ed. de 1987], e idem, Fernando Pessoa – Vida, Personalidade e Génio, Publicações D. Quixote, Lisboa, 1992 [1ª Ed. 1984]. 56 PORTELA, Artur, Salazarismo e artes plásticas, Biblioteca Breve, Instituto da Cultura e da Língua Portuguesa / Divisão de Publicações, Lisboa, 1987 [1ª ed. 1982]. 57 FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XX (1911-1961), Bertrand Editora, 3ª ed., Lisboa, 1991 [1ª ed. 1974], idem, Almada: o português sem mestre, Estúdios Cor, Lisboa, 1974, e idem, Almada, Fundação Calouste Gulbenkian, ACARTE, Lisboa, 1985. 58 Diccionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, coordenação de Fernando Cabral Martins, Editorial Caminho, Lisboa, 2008.

63

O terceiro capítulo, Formação académica e criação de uma

identidade cultural, inaugura a segunda parte, essencialmente centrada na

figura de António Varela, e prolonga-se no capítulo seguinte, A construção

de um «espírito moderno» e a parceria com Jorge Segurado, centrado na

estreita colaboração entre os dois arquitectos durante a década de Trinta.

Esta parte do nosso trabalho é maioritariamente fruto da uma investigação

pessoal «no terreno», visto muito pouco ou nada se encontrar sobre a vida

de Varela. Esta pesquisa levou-nos a Leiria, a sua terra natal, mas centra-se

essencialmente nos dados que fomos recolhendo ao longo destes anos junto

dos familiares mais próximos que privaram directamente com o autor.

Convém ainda referir que valiosa parte da informação deste quadro

biográfico foi-nos completada por alguns colaboradores e colegas do meio

artístico e do ensino que privaram com o arquitecto. Este capítulo também

contextualiza a iniciativa moderna da década de trinta: assim, e no domínio

específico da arquitectura e do urbanismo português deste período, convém

referir as leituras fundamentais de Nuno Portas59, assim como de Margarida

Acciaiuoli60, José Manuel Fernandes61 e Pedro Vieira de Almeida62, entre

outros, e o recentemente levado a cabo Inquérito à Arquitectura

Portuguesa do Século XX63, assim como a leitura de alguma produção

crítica da época de Carlos Ramos64, Porfírio Pardal Monteiro65, Jorge

59 PORTAS, Nuno, A Arquitectura para Hoje seguido de Evolução da Arquitectura Moderna em Portugal, Livros Horizonte, Lisboa, 2008 [Compilação de : A Arquitectura para Hoje : 1ª ed. Augusto Sá da Costa, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1964, e de Arquitectura Moderna em Portugal, originalmente publicado em ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 1973]. 60 ACCIAIUOLI, Margarida, Exposições do Estado Novo 1934-1940, Livros Horizonte, Lisboa, 1998. 61 Veja-se a este respeito FERNANDES, José Manuel, Arquitectura modernista em Portugal, Gradiva, 1993, especificamente, sobre o período do modernismo português, integrado na evolução da arquitectura nacional da primeira metade do século XX, entre outros títulos do mesmo autor sobre a arquitectura moderna em geral. 62 ALMEIDA, Pedro Vieira de, A Arquitectura no Estado Novo, Livros Horizonte, Lisboa, 2002. 63 IAP XX – Inquérito à Arquitectura do Século XX em Portugal [coord. de Ana Tostões], Ordem dos Arquitectos, Lisboa, 2006. Veja-se ainda a este respeito Arquitectura Moderna Portuguesa 1920-1970, [coord. de Ana Tostões], Ministério da Cultura / Instituto Português do Património Arquitectónico – IPPAR, Lisboa, 2004. 64 RAMOS, Carlos, ARQUITECTURA, Um palácio da Academia Nacional das Belas Artes – MEMÓRIA ELUClDATIVA E JUSTIFICATIVA – Prova de Concurso para o lugar de professor da 4° cadeira da Escola de Belas Antes de Lisboa – 24 de Agosto de 1933 – Algumas palavras e o seu verdadeiro significado, in revista SW – Sudoeste, n° 3, Lisboa, Novembro de 1935. 65 MONTEIRO, Porfírio Pardal, Espírito Clássico – trecho da conferência realizada pelo arquitecto Pardal Monteiro na sociedade Nacional de Belas Artes, in SW-Sudoeste, n°3, Lisboa, Novembro de 1935.

64

Segurado66 e Francisco Keil do Amaral67. Julgámos ainda de pertinência

para este estudo, centrado em Varela, a referência da reflexão teórica de

Jorge Segurado68, nomeadamente a utilização de princípios neopitagóricos

em algumas das suas obras. Convém referir a este respeito que a

investigação levada a cabo em 2003 por Andreia Galvão69 sobre a obra e o

pensamento deste arquitecto permitiu-nos relacionar alguns dados que

foram possíveis cruzar com a análise sobre os mecanismos de composição

de Varela, de natureza neopitagórica, que avançámos em 2000 na nossa

dissertação de mestrado centrada na fábrica de Matosinhos. Sobre esta

matéria, o Capítulo 4 do presente estudo considera a participação de Varela

no contexto de «aprendizagem de uma geração» em torno do exercício

disciplinar do projecto e da edificação da Casa da Moeda, da autoria de

Jorge Segurado, pelo que o trabalho anteriormente citado foi-nos de útil

consulta, para além da referência a algumas obras desta dupla

Segurado/Varela que atingiram momentos notáveis nos Anos Trinta, quer

no domínio das propostas de urbanismo, quer no planeamento e no desenho

urbano, assim como na investigação tipológica que resultou na produção de

pequenos e médios equipamentos públicos. Do mesmo modo, dentro de um

contexto de relação, o quinto capítulo, Do modernismo ao racionalismo dos

Anos 50 – marcos de um percurso, evoca, tal como o título o indica, a

produção arquitectónica de Varela nas décadas de Trinta, Quarenta e

Cinquenta, desde a procura modernista às experiências regionalistas e ao

racionalismo moderno do pós-guerra, onde são testemunho alguns projectos

que atestam da vitalidade do autor, que aqui surge, já como um

«resistente», e noutro quadro geracional.

66 Veja-se a este respeito o espólio do arquitecto, em arquivo na Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa. 67 Sobre a obra teórica e pedagógica deste autor veja-se TOSTÕES, Ana, AMARAL, Francisco Pires Keil do, MOITA, Irisalva, [coord. geral], Keil do Amaral: o arquitecto e o humanista, Câmara Municipal de Lisboa / Pelouro da Cultura, Lisboa, 1999 [catálogo]. 68 SEGURADO, Jorge, Sinfonia do Degrau, Impressões da América do Norte, Soc. Nacional de Tipografia, Lisboa, 1940, idem, Francisco d’Olanda, Edições Excelsior, Lisboa, 1970, idem, Painéis de S. Vicente e Infante Santo, Editorial Notícias, Lisboa, 1984. 69 GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, Lisboa, 2003.

65

A terceira e última parte centra-se na produção pessoal de algumas

das obras mais notáveis de António Varela e constitui-se por dois capítulos:

o sexto, A Fábrica de Matosinhos como obra fundamental, é, tal como o

nome indica, centrado no estudo específico da unidade fabril da Algarve

Exportador Limitada, e retoma, aprofunda e relaciona num contexto mais

amplo a pesquisa que levámos a cabo em 2000, que consideramos, para

efeitos do presente estudo, como o momento de emancipação de António

Varela – de certo modo, a sua afirmação como arquitecto da sua geração –,

e porque assinala um momento alto na sua carreira, pode talvez considerar-

se, pelo seu pioneirismo, como uma das obras mais emblemáticas do

arquitecto. Para a sua compreensão houve necessidade de estudar a

evolução das tipologias arquitectónicas conserveiras, de modo a

devidamente enquadrar a acção de Varela no espaço e no tempo próprio, e

compreender a razão das suas opções de projecto, face ao programa de uma

indústria cujas instalações eram à época consideradas como obsoletas. Pela

sua importância capital, tanto no percurso do autor, como pela sua

exemplaridade e relevância no panorama histórico da arquitectura industrial

portuguesa do século XX, assim como pela sua complexidade e riqueza

interpretativa dos valores em presença, este longo capítulo subdivide-se em

três partes, das quais as duas últimas foram estruturadas com base na

abordagem de Jan Mukarovsky70: 1) o estudo do paradigma oitocentista das

tipologias conserveiras, que designámos por Contextualização; 2) a análise

funcional e urbana da unidade de Matosinhos, como momento histórico

inovador, em torno do conceito de Uso, e 3) a análise dos seus mecanismos

de composição, em torno do conceito de Representação, como leitura

interpretativa e simbólica, com especial relevância para outras obras do

autor.

70 Segundo PIZZA, António, A arquitectura das fábricas como Zeitstil da modernidade, in Cap. 5, Comércio y Indústria – Arquitectura do Movimento Moderno, Inventário DO.CO.MO.MO Ibérico, ed. Associação dos Arquitectos Portugueses/Fundação Mies van der Rohe/DO.CO.MO.MO Ibérico, 1998.

66

Este último mecanismo de análise retoma o método de Geoffrey

Broadbent71, subdividindo-se entre o processo da razão, no estudo de

análise canónica, e o processo da metáfora, no estudo de análise icónica,

sendo a interpretação simbólica e a abordagem fenomenológica comum a

ambos. Convém referir a respeito deste último ponto as leituras da

produção teórica de autores de referência como Carl Jung72, Marie-Louise

von Franz73, Mircea Eliade74, Matila Ghyka75, Maurice Merleau-Ponty76,

Gaston Bachelard77, Gilbert Durand78, Paul Ricoeur79, Henri Van Lier80,

Edgar Morin81, Fernand Schwarz82, Frédérik Tristan83, Lima de Freitas84,

Yvette Centeno85, Maurice Guingand86, René Guénon87, Louis

71 BROADBENT, Geoffrey, e al., Metodologia del diseño arquitectónico, Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1971, e BROADBENT, Geoffrey, Design in Architecture. Architecture and the Human Sciences, David Fulton Publishing, Londres, 1988. 72 JUNG, Carl Gustav, O Homem e os seus Símbolos, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1991 [ed. original: Man and his symbols, Dell Publisher, Nova Iorque, 1964]. 73 FRANZ, Marie-Louise von, Archetypal Dimensions of the Psyche, Shambhala Publications Inc., Boston, 1994. 74 ELIADE, Mircea, Traité d'histoire des religions, Payot, 1964, idem, Le sacré et le profane, Gallimard, 1965, idem, Le mythe de l’éternel retour. Archétypes et répétition, Paris, Gallimard, col. Idées, 1969. [ed. orig. col. Les Essais, 1949]. 75 GHYKA, Matila Costiesco, EI Numero de Oro – ritos y ritmos pitagóricos en el desarrolo de la civilización occidental, Vol. I e II, Editorial Poseidon, Barcelona, 3ª ed. 1978 [1ª ed. 1968], [ed. original: Le nombre d’or: I. Les rythmes – II. Les rites, Gallimard, Paris, 1931], idem, Estética de las proporciones en la naturaleza y en las artes, Ed. Poseidon, Barcelona, 1983. 76 MERLEAU-PONTY, Maurice, Phénoménologie de la perception, Galllimard, Paris, 1945, idem, Le visible et l'invisible, [texto estruturado por Claude Lefort], Gallimard, co. Bibliothèque des Idées, Paris, 1964, idem, L’Oeil et l’Esprit, Galllimard, Paris, 1967. 77 BACHELARD, Gaston, La poétique de l’espace, Presses Universitaires de France / Quadrige, Paris, 2004 [1ª ed. 1957]. 78 DURAND, Gilbert, Les structures anthropologiques de l'imaginaire – introduction à l'archétypologie générale, Dunod, Paris, 1992 [1ª ed. 1960], idem, Beaux-arts et archétypes – la religion de l’art, Presses Universitaires de France, Paris, 1989. 79 RICOEUR, Paul, A Metáfora viva, Rés-Editora, Porto, 1983 [ed. orig. 1975], idem, Teoria da interpretação, Edições 70, Lisboa, s.d. [ed. orig. 1975]. 80 LIER, Henri Van, L’animal signé, De Visscher, Gand, 1980. 81 MORIN, Edgar, Introdução ao Pensamento Complexo, Instituto Piaget, Lisboa, 2003, idem, O método V: A humanidade da humanidade – a identidade humana, Publicações Europa-América, Lisboa, 2003, e MORIN, Edgar, SCHWARZ, Fernand e DURAND, Gilbert, Mircea Eliade: O reencontro com o sagrado, Edições Nova Acrópole, Lisboa, 1993. 82 MORIN, Edgar, SCHWARZ, Fernand e DURAND, Gilbert, Mircea Eliade: O reencontro com o sagrado, Edições Nova Acrópole, Lisboa, 1993. 83 Idem, ibidem. 84 FREITAS, Lima de, Pintar o Sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitagorismo e a Geometria Sagrada, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1990 [1ª Ed. 1977], idem, Almada e o Número, Editora Soctip, Lisboa, 1990, idem, 515 Le Lieu du mirroir – Art et numérologie, Albin Michel, Paris, 1993. 85 CENTENO, Yvette, e FREITAS, Lima de, A simbólica do Espaço – Cidades, Ilhas, Jardins, Editorial Estampa, 1991. 86 GUINGAND, Maurice, L’or des Templiers, Robert Laffont, Paris, 1973. 87 GUÉNON, René, Aperçus sur l’Initiation, Éditions Traditionnelles, Paris, 1992, [1ª Ed. 1946], idem, La Grande Triade, Gallimard, 1986, [1ª Ed. 1946].

67

Charbonneau-Lassay88 e Luc Benoist89, entre outros, como fundamentais

para o aprofundamento de algumas temáticas em presença.

O sétimo e último capítulo, intitulado Outras obras à luz de uma

mesma interpretação, retoma, aprofunda e relaciona, à luz da mesma

metodologia do capítulo anterior, algumas das obras mais notáveis do

autor, que pela sua riqueza interpretativa e natureza simbólica reagrupámos

na sequência do estudo sobre a Fábrica de Matosinhos, e, para o efeito – e

apenas circunstancialmente, como antes referimos –, apelidámos de

«família simbólica» de Varela. Estas obras, embora de grande diversidade

tipológica e programática, permitem, naquilo que nos foi dado observar, um

reagrupamento possível dentro deste quadro temático e o estabelecimento

de um «fio condutor» sobre a composição, o traçado e a simbólica,

permitindo talvez – e por extensão –, uma percepção sobre o pensamento

artístico e arquitectónico de António Varela nos desígnios mais profundos

da psique.

88 CHARBONNEAU-LASSAY, Louis, L'Ésotérisme de quelques symboles géométriques chrétiens, Éditions Traditionnelles, Paris. 89 BENOIST, Luc, Signes, symboles et mythes, Presses Universitaires de France, Paris, 1975.

68

                                           

PRIMEIRA PARTE

CONTEXTUALIZAÇÃO  

69

Fig.  1  –  Thomas  Cole,  O  sonho  do  arquitecto,    

1840,  óleo  sobre  tela.    

69  

ASPECTOS IDEOLÓGICOS E MOVIMENTOS ARTÍSTICOS

NA GÉNESE DA MODERNIDADE EUROPEIA

Comentava Erwin Panovsky, em 1933, que uma das características

essenciais do espírito europeu seria a forma como destrói as coisas e depois

as reintegra sobre bases novas, rompendo com a tradição apenas para a ela

regressar segundo um ponto de vista completamente novo: “(…) e é isto

que produz os renascimentos, no verdadeiro sentido do termo… Assim,

cabe dizer que aquilo a que se pode chamar o problema dos fenómenos do

renascimento é um dos problemas centrais na história da cultura europeia”

(Tafuri, 1979)1.

Fruto das crises culturais que se prolongaram desde oitocentos, é

deste modo que se apresenta o panorama civilizacional da revolução

europeia do século XX: o período de relativa paz e tranquilidade de fim-

de-século viria a revelar-se como efémero, no ambiente de inquietação

pautado pelas ambições expansionistas latentes das velhas potências

europeias, forjadas no imaginário mítico dos nacionalismos de raiz

1 PANOVSKY, Erwin e SAXL, Fritz, Classical Mythology in Medieval Art, in Metropolitan Museum Studies, 1933, nº 2, pp.228-80, in TAFURI, Manfredo, Teorias e História da Arquitectura, Ed. Presença, Lisboa, 1988, pp.38-39 [Ed. orig. 1979].

CAPÍTULO 1

70

Fig.  2  –    Pierre  Puvis  de  Chavannes,  Vigília  de  Santa  Genoveva  sobre  a  cidade,  fresco  do  Panteão  de  Paris  (detalhe),  1898.  

romântica, em constante mutação até à Segunda Guerra Mundial. Apesar

do ideário positivo da Era da Máquina ter aberto a porta a algumas

rupturas, alguns aspectos fundamentais da cultura romântica irão perdurar

nos mitos nacionalistas e saudosistas do novo século, como valores

culturais de identidade e de singularidade, em paralelo com os valores

progressistas da modernidade.

Destes fenómenos de mudança resultariam várias dicotomias de

natureza ideológica, económica, social e artística, entre o individual e o

colectivo, o subjectivo e o objectivo, a produção artística e a

estandardização industrial, sob o pano de fundo dos debates entre Arte e

Técnica2, que ecoaram desde Ruskin e Viollet-le-Duc a Muthesius e Van

de Velde, inevitavelmente estendendo-se à procura de uma expressão entre

a Arte e Sociedade, sob o binómio Cultura/Civilização.

Mas se neste contexto feito de rupturas surgiram numerosas

tendências estéticas em reacção ao contexto artístico do fim do século,

revelando o cubismo e as vias fauvista e expressionista como

manifestações revolucionárias da entrada do século XX, será de não

esquecer que as raízes destes movimentos provinham do mesmo tronco

comum ao impressionismo e ao simbolismo [fig.2], cuja expressão advém

da exploração dos sentidos e do subconsciente:

“A abertura do século XX colocou, à partida, uma dialéctica entre racionalidade positivista, o primado da técnica em conflito com a arte e o «sentimento» de raiz simbolista. Este fenómeno será reverberado dentro do próprio Movimento Moderno, através da dialéctica entre expressionimo/funcionalismo e entre outras possíveis situações suas contemporâneas” (Frampton, 1997, p.194-195).

A I Guerra Mundial mudou drasticamente a face da Europa

obrigando-a a um violento despertar das consciências adormecidas por

séculos de status quo cultural. Com os ventos de mudança instaurava-se o

paradigma da modernidade, obrigando a um reequacionamento dos

valores, das qualidades e dos conteúdos da sociedade ocidental, sendo que

2 Veja-se a este respeito FRANCASTEL, Pierre, Arte e Técnica nos séculos XIX e XX, col. Vida e Cultura, Livros do Brasil, Lisboa, 1963.

71

Fig.  3  –    L.  Mies    van  der  Rohe,  Projecto  para  um  edifico    de  escritórios  na  Friedrichstrasse,    Berlim,  1919-­‐21.  

a cidade e a arquitectura deixaram de responder às necessidades sociais,

funcionais e técnicas do novo estilo de vida.

A ruptura proposta pelo Movimento Moderno exprimia a procura de

novos valores para o mundo, procura essa orientada para a universalidade e

a internacionalização, mas que era minoritária, tal como o movimento que

a gerou. Mas, paradoxalmente, se por um lado o Movimento Moderno

refutava os ícones da monumentalidade do passado, inversamente,

reinventava-se nos mitos do progresso, através das fábricas, dos arranha-

céus e dos silos industriais, verdadeiros ícones do Zeitgeist moderno e

símbolos da confiança na construção de um futuro marcado pela

mitificação da Era da Máquina, celebrada por Mies van der Rohe na sua

proposta para o concurso da Friedrichstrasse3 [fig.3] e culminando nos

«Nine Points on Monumentality»4, de Siegfried Giedion, em 1943.

Contudo, se, em certa medida, imperou esse esforço quase vital de

internacionalização de um discurso civilizacional em torno da ideia de uma

«nova era», a verdade é que os velhos valores culturais não só se

mantinham como se foram regenerando no período de entre guerras, sob o

termo que Henry-Russell Hitchcock viria a designar, em 1929, de «Nova

Tradição»5, e que surgiu em simultâneo com o Movimento Moderno.

Fundada no início do século através das propostas modernizadas dos

estilos historicistas/nacionalistas, vinha-se afirmando no período

compreendido entre a I e a II Guerra Mundial e reclamava os valores

culturais, étnicos e nacionalistas, através do imaginário romântico e

clássico, recuperados para a modernidade. Kenneth Frampton situa as

origens da «Nova Tradição» entre 1900 e 1914, definindo-a como um

3 FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Martins Fontes, São Paulo, 1997, pp.194-195. [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980]. 4 GIEDION, Siegfried, Space, Time & Architecture: the Growth of a New Tradition, 1941, Harvard University Press, 5th edition, 2003, e Mechanization Takes Command: a contribution to anonymous history, Oxford University Press, 1948. 5 FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Martins Fontes, São Paulo, 1997, pp.194-195 [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980].

72

“estilo historicista «conscientemente» modernizado”6, produto do

«espírito» de novecentos.

Por esta via, o Novecentismo, divulgado em Itália e na Catalunha

como Novocento e Noucentisme, pretendia, sob esta designação,

“(…)expressar as suas características particulares dentro de uma corrente comum. Tal como no caso do «Regresso à Terra», do «Classicismo Nórdico», do «Nacionalismo», ou do «Regresso à Ordem», no caso português. De todos, o Noucentisme teorizado por Eugénio d’Ors parece ter sido um dos projectos filosóficos e ideológicos com mais impacto, graças à divulgação que teve pela via de emanação do foco cultural de Paris” (Galvão, 2003, p.34).

Opera-se, deste modo, uma reacção à estandardização da

arquitectura veiculada pelas teses estritamente mecanicistas, assistindo-se,

em alguns países da Europa a partir de meados dos anos Vinte, a um

reposicionamento dos princípios clássicos, em matéria de composição e de

metodologia de projecto, em torno da “Nova Tradição”.

Do mesmo modo, se retomarmos os critérios estabelecidos por

António Pizza a respeito da dialéctica entre «Arte e Técnica»7 no seio do

Movimento Moderno, é possível reconsiderar as relações entre Cultura e

Civilização, que evoluíram, do primeiro pólo para o segundo, com o

movimento internacional dos modernistas, assim como entre o binómio

Criatividade e Racionalização, mas no sentido inverso, ou seja, perante

fenómenos culturais subjacentes aos regionalismos.

6 Idem, ibidem, pp.194-195. 7 Cf. PIZZA, António, A arquitectura das fábricas como Zeitstil da modernidade, in Cap. 5, Comércio y Indústria – Arquitectura do Movimento Moderno, in Inventário DO.CO.MO.MO Ibérico, ed. Associação dos Arquitectos Portugueses/Fundação Mies van der Rohe/DO.CO.MO.MO Ibérico, 1998, pp.260-266. Refira-se, a respeito deste tema, FRANCASTEL, Pierre, Arte e Técnica nos séculos XIX e XX, colecção Vida e Cultura, Edição Livros do Brasil, Lisboa [s.d.], [ed. original: Art et Technique aux XIXème et XXème Siècles, Éditions de Minuit, 1962].

73

Fig.  4  –  Willem  Dudok,  Câmara  Municipal    de  Hilversum,  1931.  

Quadro  1–  Esquema  comparativo  entre  Movimento  Moderno  e  Nova  Tradição.  

Tal significa que – retomando a tese modernista de, por um lado,

uma evolução de um estado de cultura para um estado de civilização e por

outro, de um estado de criatividade para um estado de racionalização –

assiste-se, em alguns países europeus a partir da década de 1920, a um

segundo movimento, no sentido inverso: a passagem de um

posicionamento civilizacional para um estado de cultura que se queria

regional. Esta tendência procurava estabelecer uma continuidade entre a

funcionalidade veiculada por uma modernidade «industrializada» e os

sistemas de experimentação de inspiração neoclássica, pelo que é possível

estabelecer a seguinte interpretação:

Tratando-se de um deslocamento de uma postura da vanguarda para

uma postura de experimentalismo, considera-se ainda – segundo Frampton

– que se deve a Henry-Russell Hitchcock, enquanto historiador, a

percepção da necessidade de se reconhecer a persistência de uma «tradição

residual»8, face à tendência modernista de reduzir toda a forma à

abstracção. No entanto, o mesmo autor refere:

“(...)o termo «Nova Tradição» por ele [Hitchcock] cunhado em 1929, numa tentativa de estabelecer uma distinção entre uma certa tendência conservadora e os novos pioneiros, é uma dessas designações das quais se pode dizer que ‘praticamente não passaram pelo teste do tempo”. Isto porque, segundo o próprio, as características e a cronologia atribuídas por Hitchcock a essa ‘nova tradição’ “eram vagas demais para obter aceitação geral” (Frampton, 1997, p.255).

8 Cf. FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Martins Fontes, São Paulo, 1997 [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980], p.255.

Movimento Moderno: Criatividade Racionalidade Cultura Civilização Vanguarda

Nova Tradição: Racionalidade Criatividade Civilização Cultura Experimentalismo

74

Fig.  6  –  Gunnar  Asplung,    Biblioteca  Municipal    de  Estocolmo,  1920-­‐1928,    planta.    

Fig.  5    –  Gunnar  Asplung,    Biblioteca  Municipal    de  Estocolmo,  1920-­‐1928,    fachada  principal  

Contudo, refere ainda Frampton que “a necessidade de tratar os

problemas colocados pela representação (ou pela sua ausência) aumentou

com o passar dos anos em vez de diminuir” (id., ibid., p.255), concluindo

que “De um modo geral, o termo [Nova Tradição] pode ser tomado como

comprovação da incapacidade de comunicação da forma abstracta” (id.,

ibid., p.255), remetendo para um apontamento de Hitchcock, escrito em

1958: “O historiador deve tentar oferecer algum tipo de explicação de

coisas como a Câmara de Estocolmo ou o Edifício Woolworth”(id., ibid.,

p.255)9.

Na perspectiva de reintegração dos princípios neoclássicos, poder-

se-iam, ainda, acrescentar exemplos como a Biblioteca Municipal de

Estocolmo [fig.5-6], de Asplund, o Gemeente Museum, em Haia, de

Berlage, ou ainda, num exercício «wrightiano» de reintegração dos

elementos construtivos tradicionais – neste caso, o tijolo –, a Câmara

Municipal de Hilversum [fig.4], de Willem Dudok, referenciada com

admiração na Moderna arquitectura holandesa10, difundida no meio

português por Keil do Amaral, em 1940.

Este ressurgir de princípios de composição tradicionalistas é, de

certa forma, ambíguo, encontrando-se patente em alguns exemplos do

proto-modernismo [fig.7], sendo certo que existe uma certa divergência

entre historiadores, no que respeita a sua contextualização na arquitectura

moderna produzida no fim da década de Vinte e sobretudo na década de

Trinta.

Para alguns autores, como Kenneth Frampton, a Nova Tradição

situa-se fora da directriz principal do Movimento Moderno, podendo ser

situada como um surgimento de “um estilo historicista conscientemente

modernizado” (id., ibid., p.255). Nesse sentido, retoma a herança do

neoclassicismo «pré-moderno» de Auguste Perret e de Tony Garnier. Para

9 Veja-se ainda a este respeito HITCHCOCK, Henry-Russell, Architecture: Nineteenth and Twentieth Centuries, Harmondsworth, 1958, in Pelican History of Art, [ed. cast.: Arquitectos de los siglos XIX e XX , ed. Cátedra, s.a, Madrid, 1981]. 10 AMARAL, Francisco Keil do, A Moderna Arquitectura Holandesa, in Cadernos da Seara Nova, Lisboa, 1943. V. infra, 3.3.2., notas 67-68 e fig.72.

75

Fig.  7  –  Louis  Sullivan,    Merchants  Bank,    Grinnell,  Iowa,  E.U.A,  1914,  (pórtico).  

outros, como Leonardo Benévolo, a questão revela-se mais matizada: para

este autor, o mesmo método que serviu, antes da I Guerra Mundial, para

desmantelar a tradição ecléctica, preparando o caminho ao Movimento

Moderno, poderá ter servido no sentido inverso, num segundo período do

pós-guerra (fim da década de Vinte e princípio de Trinta), para assimilar as

soluções formais do Movimento Moderno, integrando-as numa linha

tradicionalista11.

Tal significa que para alguns historiadores, aquilo que se pode

designar por «Nova Tradição» – à falta de uma melhor designação –, seria

uma corrente situada fora da modernidade, enquanto que, para outros, esta

vertente se assumiu como um experimentalismo e que se operou dentro da

modernidade.

A primeira visão é mais radical, apoiando-se essencialmente nos

modelos técnico-funcionalistas12 e nas teorias mecanicistas, rejeitando

quaisquer referências históricas: nesse sentido, a vanguarda negou o

passado, sendo um sistema de ruptura.

A segunda visão, mais ecléctica, apoiava-se no carácter e na

propriedade de flexibilidade interpretativa discutida no seio do próprio

Movimento Moderno: nesse sentido, ao momento de vanguarda, seguiu-se

o experimentalismo, sendo um sistema de continuidade.

Não se pode considerar que exista um consenso geral no que respeita

a esta problemática: constata-se, no entanto, que a evolução da

modernidade acompanhou uma variação dinâmica que se deslocou entre

momentos de vanguarda e momentos de experimentalismo eclético.

Alguns autores apontam como fundamental para a compreensão deste

problema a pertinência do espírito novecentista na primeira metade do

século XX, até à II Guerra Mundial, na consciência do seu papel social e

educativo, associando “a ideologia política à Arte e Arquitectura,

11 Cf. BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, p.581. 12 Veja-se a este respeito RODRIGUES, António Jacinto, A Bauhaus e o Ensino Artístico, Editorial Presença, Lisboa, 1989.

76

Fig.  8  –  Joseph  Maria  Olbrich,  Edifício  da  Secessão,    Viena,  1898.  

assegurando uma expressão cultural e visual global” (Galvão, 2003, p.35).

Do mesmo modo parecem justificar-se outras questões para além da

discussão ideológica e política, tal como a legitimação do estilo pelo

pragmatismo construtivo, da qual é exemplo a acesa discussão entre

Auguste Perret e o seu discípulo Le Corbusier sobre alguns possíveis

aspectos de coexistência entre moderno e tradição13.

Na mesma linha de raciocínio, e no que respeita o determinismo

entre estilo e estrutura, convém relembrar a atitude dos arquitectos

protagonistas da Secessão Vienense – e, mais tarde, sob a Deutscher

Werkbund: Otto Wagner, Joseph Maria Olbrich [fig.8], Joseph Hoffman

assim como os seus companheiros da Secessão – na gestão do paradoxo

entre o ideário progressista e uma expressão no passado pretensamente

dinâmica, que teve como resultado “a procura de uma clara simplificação

orgânica, visível tanto nas formas-volume como nos ornamentos” (id. ibid,

p.35).

Muito embora sem o carácter doutrinário dos seus predecessores, as

vias ideológicas que procuraram uma sintonia entre Arte e Arquitectura

através das Artes decorativas consubstanciaram-se, a partir dos Anos

Vinte, no estilo «Art Déco». Apesar de alguns autores terem considerado

que, sob este termo, aceite universalmente, se abrangeu uma multitude de

estilos decorativos que proliferaram no período de entre guerras14, parece

ter sido este, de algum modo, o herdeiro da Arte Nova – e com a mesma

componente simbolista, agora sob a influência da estética modernista

industrial. De um modo geral, a década de 1920 também prefigurava o

estilo da Paris cosmopolita, veículo do imaginário da era do «music-hall»

de Mistinguet e de Joséphine Baker. E com alguma fluidez de fronteiras

relativamente à vanguarda europeia, era aceite como o estilo dos Anos

13 “Este antagonismo remonta ao Salão de Outono de Paris de 1923. A dialéctica fundava-se na oposição entre o racionalismo clássico de Perret (derivante de um funcionalismo técnico oitocentista mas assumido como uma atitude de novecentos), contra algumas posições plástico-formalistas do funcionalismo de Le Corbusier.” In GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, nota 12, p.42. 14 Veja-se a este respeito ARWAS, Victor, Art Déco, London Academy Editions, 1976, p.5.

77

Fig.  10  –  Pierre  Patout  e  Joseph  Bernard,    Hotel  d'un  collectionneur,  Éxposição  das  Artes  Decorativas,  Paris,1925.  

Fig.9  –  Le  Corbusier,      Pavillon  de  l´Ésprit  Nouveau,  Éxposição  das  Artes  Decorativas,  Paris,1925.  

Vinte, dos «Ballets Russes», de Picasso, Léger, Braque, Mallet-Stevens,

Robert e Sónia Delaunay, entre muito outros.

Em 1925, a Exposição das Artes Decorativas de Paris, sob alguma

influência do tardo-cubismo e do secessionismo vienense, procurava

reunir, sob a mesma capa, trabalhos de algumas tendências das vanguardas

artísticas europeias, no meio de um estilo geral, maioritariamente eclético e

de qualidade diversa, sendo visível a oposição entre correntes que só

aparentemente não se antagonizavam, pautado pelo contraste de algumas

novas propostas dos modernistas mais radicais, no Pavillion de L’Esprit

Nouveau [fig. 9], de Le Corbusier e no Pavilhão soviético de Melnikov. No

entanto será preciso não esquecer que esta exposição, que teve bastante

divulgação a nível internacional, assinalou essencialmente o triunfo do

estilo «Art Déco» [fig.10], através da figura emblemática de

Mallet-Stevens, cuja obra encontrará na época alguma repercussão em

Portugal15.

Na arquitectura, o estilo Art Déco – embora sem carácter doutrinário

– foi, na realidade, um processo artístico característico dos «anos loucos»

da década, com a conotação,

“(…)simultaneamente algo conservadora e modernizante, (apelando sincreticamente a valores de composição e de monumentalidade tradicionalista, mas, ao mesmo tempo, recorrendo a um desenho e a uma temática renovadoras) e através dos quais se caldearam pouco a pouco valores modernos que iam sendo propostos por uma Bauhaus ou um Le Corbusier, branca e purista” (Fernandes, 1993, p.52).

A maior constante na arquitectura do estilo «Art Déco» baseava-se

na procura de uma simplificação geométrica das formas construtivas

através de uma planificação dos elementos decorativos das fachadas,

suavizando os volumes e o claro-escuro e realçando as linhas e as texturas.

Também os elementos construtivos de forma piramidal ou «denteado

escalonado» são características deste estilo, numa solução que pretendia

ser uma resposta de “lógica elementar e purista das linhas horizontais e

verticais ao que antes se exprimia em oblíquas ou curvas” (id, ibid. pp.58-

15 Veja-se a este respeito História da Arte Portuguesa, ed. Círculo de Leitores, Lisboa, 1995, p. 518.

78

59). Numa perspectiva semântica, considera-se a chamada

«fachada-frontão», caracterizada por uma forte cimalha escalonada, como

a “consubstanciação mais total deste gosto” (id, ibid. pp.58-59).

O advento e a divulgação do estilo «Art Déco» – que, em Portugal,

tomou a designação generalizada de «Artes Decorativas» –, terá veiculado

as reacções contra o academismo que não passavam por soluções

estritamente racionais: são consideradas «soluções em linha recta» (por

oposição à «linha curva» da tendência Arte Nova), sendo possível destacar

tanto a influência da Deutscher Werkbund, como da secessão vienense,

assim como de Mallet-Stevens ou ainda Auguste Perret em França16.

Nesta convergência de novas formas impera o eclectismo das ideias,

no meio do qual, entretanto, surgem as propostas mais radicais do purismo

de Le Corbusier, menos bem aceites do que as primeiras. De qualquer

modo, como repositório de princípios decorativos fundamentados na

mutabilidade da moda, o estilo «Art Déco» parece ter sido um importante

agente da cultura novecentista, expressão do seu tempo, na constância de

uma virtude estilizadora, e pela sua tentativa da síntese um pouco

paradoxal entre o mainstream e os discursos mais à margem.

Outro aspecto, menos visível mas não menos importante do

pensamento do século XX na sua construção da modernidade, repousa nas

estruturas profundas e no plano filosófico das ideias – e dos ideais – que,

de algum modo, contribuíram para a mitificação dos discursos dessa

mesma modernidade [fig.11]. A ideia de transcendência e de

universalidade da arquitectura dos tempos modernos também assentou, por

vezes, nalguns princípios do idealismo platónico, reforçando a sua

pressuposta «intemporalidade», que os protagonistas da «aventura»

moderna lhe quiseram atribuir, muito embora a partir de referências,

16 “Ao contrário das linguagens curvilíneas, que cedo chegaram a um «beco sem saída» em termos de pesquisa para atingir uma nova e moderna linguagem arquitectónica, as correntes germânicas iriam ser a raiz para futuras experiências, pois a estrutura formal da sua linguagem vai impor-se além-fronteiras e, esgotadas as inovações do caminho proposto por Horta, influenciar largamente as arquitecturas e artes decorativas da Europa ocidental, nomeadamente da França; aqui provavelmente bebeu a arquitectura das «artes decorativas» em Portugal as suas mais directas influências.” Idem, ibidem, p.51; veja-se ainda a este respeito FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, p.61. [1ª ed. 1974] p.120.

79

Fig.  11  –  Bruno  Taut,  ilustração  para    Alpine  Architektur,  1919.  

imaginários e escalas diferentes, mas partilhando todos eles a mesma ideia

de «regeneração» da Humanidade na procura de uma «ordem universal».

Estas referências constituíram-se como modelos por via da abstracção – ou

não. Deste modo, supõe-se que o platonismo, assim como o pitagorismo,

tenham sido – à semelhança de outras épocas – referências silenciosas

pelas quais a imutabilidade das leis matemático/geométricas universais se

manifestaram17.

Os arquétipos platónicos estiveram presentes através do sentimento

universalista na Secessão Vienense, de Otto Wagner a Hoffman, com

seguimento na Jugendstil alemã e na Deutscher Werkbund, com Peter

Behrens, e também estiveram na génese do signo «civilizacional» sob o

qual nasceu o Movimento Moderno. Do mesmo modo, encontram-se na

base da valorização do purismo da forma, como no caso de Le Corbusier e

de Amédée Ozenfant, como sob o mito da natureza, revelando a

transcendentalidade e o misticismo dos vários discursos ditos «orgânicos»,

na base da reflexão poética de Frank Lloyd Wrigth, por influência do

panteísmo de Walt Whitman, e também na doutrina teosófica de Rudolph

Steiner18.

O neoplatonismo do início do Século XX parece sintetizar estéticas

aparentemente antagónicas do idealismo romântico e medieval com os

valores do classicismo através de princípios e invariáveis com

características herméticas. É através do mito de antigas tradições perdidas

que se vão criar vários movimentos vanguardistas no campo das artes e a

arquitectura, que pretendiam congregar as vontades de mudança que iam

ao encontro da vontade de regeneração do «Homem Novo» através da

recuperação de um legado mítico «por resgatar». Esta procura ter-se-á

feito, por vezes, por via do simbolismo expressionista, através de «leis

silenciosas» que regem o Universo [fig.12], de cariz hermética e iniciática,

17 Veja-se a este respeito FAGIOLO, Marcello, La Catedral de Cristal: La arquitectura del expressionismo y la «tradicion esotérica», In ARGAN, Giulio Carlo, El pasado en el presente: el revival en las artes plásticas, la arquitectura, el cine y el teatro, [Dir. de Argan], Ed. Gustavo Gilli, Barcelona, 1997. 18 Idem, ibidem.

80

     Fig.12  –  Rudolf  Steiner    e  Schid-­Curtius,  traçado  regulador    do  primeiro  Goetheanum,  1913.      

entendidas como propriedades constantes destes processos de

requalificação ontológica19.

Desta requalificação surge uma ruptura com a noção de passado

historicista e ao encontro da imutabilidade dos arquétipos universais,

naquilo que os pitagóricos e as sociedades iniciáticas apelidavam por

«Tradição». Termo entendido não como «tradicionalismo» de cariz

«historicista» ou «conservador», mas como redescoberta de valores

intemporais da Humanidade, «reintegrada» na sua dimensão cósmica, em

suma, iniciática20 [fig.13].

19 Idem, ibidem. 20 Veja-se a este respeito o comentário de Lima de Freitas sobre a oposição entre o individualismo moderno (no sentido de “l’art pour l’art”), e o processo estético por via da “Tradição”: “Podemos talvez caracterizar essa oposição de princípios dizendo que os preconceitos modernos querem que através da arte o artista se exprima a si mesmo, isto é, exprima a sua «personalidade», as suas idiossincrasias, todo esse conjunto de preferências subconscientes, de obsessões, de manias, de «fantasmas», cultivado com desvelo, que faz dele um indivíduo à partida considerado como original e inconfundível, ou devendo sê-lo; tal «artista», cuja personalidade «forte», em regra, decorre de uma grande excitabilidade de sensações e emoções, exprimir-se-à (de acordo sempre com a moderna opinião) preferencialmente na ausência de qualquer prévio pensamento ordenador, sem plano, sem meta, em total «liberdade». A obra surgirá, consequentemente, com a «espontaneidade» gratuita de um grito, de um espasmo, de um «acaso», como a manifestação de um tique ou uma agressão colérica, como um gesto irreflectido ou um acesso sado-masoquista. Naturalmente, o «acte manqué» revela com excessiva evidência o cariz primário das «espontaneidades», mormente quando carregadas de violência, pelo que o artista, amiúde, recorre a um qualquer rebuscamento quanto ao modo, ao estilo ou à sinalética, a fim de disfarçar o furor primitivo sob a veste de um pretenso «mistério» ou de um ineditismo «à outrance». Ora tudo isto constitui, ponto por ponto, o oposto absoluto da concepção tradicional, nomeadamente da tradição pitagórica, a qual, considerando aquilo a que hoje chamamos «arte» como uma actividade de conteúdo sagrado, considerava, consequentemente o «artista» um oficiante, aparentado, quando não identificado, com o xamã, com o sacerdote, com o príncipe. Jamais passaria pela cabeça do «artista», assim considerado, exprimir-se a si mesmo. Na verdade, a Tradição considerava que o eu de cada indivíduo, caracterizado por um certo número de particularismos que não passam de variantes, por vezes mínimas, da morfologia e do comportamento do grupo ou da espécie, era demasiado insignificante para ser tema «artístico». A Arte, portadora de eficácias mágicas e sagradas, ocupava-se sobretudo dos deuses, das forças cósmicas, dos universais, dos arquétipos, dos ritmos vitais, das ressonâncias analógicas e das constelações simbólicas que palpitavam no mistério das coisas e dos seres; o indivíduo, como tal, só vinha a ser tema artístico na medida em que se metamorfoseava em herói, em guerreiro, sábio ou santo, isto é, na medida em que se transformava num modelo superior, capaz, pelo seu exemplo, ou pela sua condição animalesca, condicionada, servil, sujeita às paixões do corpo, do automatismo dos reflexos, à canga ds necessidades implacáveis; tais heróis, porém, são precisamente aqueles indivíduos que, longe de cultivarem as suas obsessões, terrores ou particulares idiossincrasias, souberam triunfar dos seus próprios egos.” In FREITAS, Lima de, Pintar o Sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitagorismo e a Geometria Sagrada, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1990, pp.82-83 [1ª Ed. 1977].

81

Fig.13  –  Peter  Behrens,  Dombauhütte,  planta  e  alçados,  Munique,  1919.  

 Fig.14  –  Lyonel  Feininger,    Catedral,  Munique,  1919,  assinalando  a  pedra  de  fecho,  (Manifesto  da  Bauhaus).  

Na reorganização do pensamento das vanguardas artísticas do início

do século XX terá ocorrido um processo semelhante, chegando mesmo a

conduzir à revisão da própria modernidade pós-cubista, como no caso do

orfismo de Guillaume Appolinaire e do purismo de Amédée Ozenfant, e a

subsequente procura de uma «Nova Ordem», através do retomar desses

mesmos princípios pitagóricos. Do mesmo modo, certos autores apontam a

ligação de alguns mestres do modernismo à Sociedade Teosófica21 de

Rudolph Steiner, como no caso de Otto Wagner, Peter Behrens22 e J.L.

Mathieu Lauweriks23, na perfilhação dessa doutrina e na procura de um

caminho para a «regeneração» por via mística e hermética.

Um dos casos mais exemplares deste período foi o

Novembergruppe24, integrando os correspondentes da «Cadeia de

21 “A Teosofia, fundada em 1875 por Rudolph Steiner e um importante grupo alemão em sua volta, significa «sabedoria divina», uma doutrina que se consumou num movimento religioso e filosófico desde o início do século XX e que se propunha revelar as leis universais através de um processo de síntese do legado científico, religioso e filosófico, de forma a mostrar a realidade visível revelando a verdade das estruturas e dos códigos sagrados. Filia-se na cosmologia e na antropologia compartilhada através do fio da «tradição» ocidental e propõe a recuperação de valores antropológicos como existenciais.” In GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.43. Sobre este assunto aponta a autora a obra Mondrian e De Stijl – L’Ideale Moderno [catálogo], Electa, Milão, 1990, pp.9-10. Veja-se ainda a este respeito RODRIGUES, António Jacinto, A Arte e a arquitectura de Rudolf Steiner, Ed. Civilização, Porto, 1990. 22 “Destaca-se o importante papel de Peter Behrens, como «pai espiritual», não só do Movimento Moderno, como da «modernidade» e como personagem crucial do processo simbólico expressionista e místico, na fundação da modernidade arquitectónica. Pelo seu estúdio passaram alguns jovens, «notáveis» teorizadores do Movimento Moderno, como Le Corbusier, Gropius e Meyer.” Idem, ibidem, p.43. 23 “J.L. Mathieu Lauweriks, teósofo e arquitecto holandês, chamado por Peter Behrens à escola de Dusseldorf em 1904 e director da sociedade teosófica alemã em 1913, relacionou-se também com Gropius e Meyer.” Idem, ibidem, p.43. 24 Veja-se a este respeito FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Martins Fontes, São Paulo, 1997 [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980], p.139-146 e ARGAN, Giulio Carlo, Arte Moderna – do Iluminismo aos movimentos contemporâneos, Companhia das Letras, S. Paulo, 1992, p.246 [Ed. Orig. Sansoni Editore, Florença, 1988].

82

Fig.15  –  “Santa  Bárbara”,  de  Jan  Van  Eyck.  Primeira  imagem  escolhida  por  Bruno  Taut  para  ilustrar    Die  Städtkrone,  1919,  (assinalando,  segundo    Fagiolo,    a  loggia  da  corporação  de  pedreiros).      

Cristal»25, Bruno e Max Taut, Erich Mendelsohn, Hans Poelzig,

Hilberseimer e Mies van der Rohe, cujo objectivo se centrou na procura da

«Tradição» e na estruturação de um pensamento esotérico, subscrevendo

como ideal, segundo apontam alguns autores, uma «loja de fraternidade»26,

tendo a primeira publicação do grupo, nos Anos Vinta, revelado essa

filiação neopitagórica27. Pela mesma via, o compromisso moral e social da

Secessão Vienense e, posteriormente, da Deutscher Werkbund teve

prosseguimento na fundação dos ideais da Bauhaus de Weimar28 [fig.14],

assim como na Liga das Oficinas, através de um novo rumo ideológico e

produtivo inspirado no modelo medieval das «lojas de compagnonage»29

[fig.15].

Do mesmo modo se apontam rupturas com a estética académica

neste início do século XX, através das proximidades do grupo Der Sturm, a

vanguarda futurista russa, os «raystas» e os futuristas órficos do cenáculo

parisiense de Appolinaire e do casal Delaunay, relacionados com a estética

dos Ballets Russes, de Sergei Diaghilev30.

Em 1911, o Salão dos Independentes de Paris contou com a presença

de Braque, Picasso, Léger, Gleizes, Metzinger e Robert Delaunay,

revelando as tendências órficas pós-cubistas. Data igualmente desse

período a proposta de Apollinaire sobre o fim do cubismo e é um ano mais

25 Idem, ibidem. 26 Cf. FAGIOLO, Marcello, La Catedral de Cristal: La arquitectura del expressionismo y la «tradicion esotérica», In ARGAN, Giulio Carlo, El pasado en el presente: el revival en las artes plásticas, la arquitectura, el cine y el teatro, [Dir. de Argan], Ed. Gustavo Gilli, Barcelona, 1997, p.207. 27 Idem, ibidem, p.207. 28 Sobre o ideário esotérico da Bauhaus de Weimar, veja-se A face obscura da Bauhaus, in RODRIGUES, António Jacinto, A Bauhaus e o Ensino Artístico, Editorial Presença, Lisboa, 1989, pp.32-35. 29 FAGIOLO, ibidem, p.207. Parece-nos ainda de interesse referir outras relações a respeito dete tema, nomeadamente as abordagens de Giulio Argan e de Marcello Fagiolo, as quais pudemos cruzar com outros trabalhos: “o autor [Argan] considera o “Manifesto do Simbolismo” de 1886, como o antecessor do hermetismo expressionista, referindo ainda a tradição hermética que remontava a tempos muitos recuados do Oriente pré-clássico, mas foi convocado nos seus «segredos» pelo Romantismo. Desta forma, o simbolismo «pré»-assumiu o lado nocturno dos revivalismos, desenterrando a «tradição» hermética por via dos mestres do Renascimento e da leitura dos Clássicos. Esta poderá ter sido a outra herança fin-de-siècle, que assim continuou presente, neste ciclo do século XX e que rumou à modernidade abstracta com o grupo de Appolinaire e o «Novembergruppe»”. In GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.44. 30 Idem, ibidem, p.44.

83

Fig.16  –  Robert  Delaunay,    Les  fenêtres  simultanées,  1912,    óleo  sobre  tela.      

tarde, no contexto da Section d’Or, que Apollinaire faz a sua conferência O

desmembramento do cubismo, exaltando uma geração mais jovem do que a

de Picasso e de Braque, a que o conferencista consignava, então, o futuro

da vanguarda. O «or» da Section d’Or era, evidentemente, a ideia platónica

da Secção Áurea, como sistema abstracto de proporções que deveria abrir a

pintura para um ideal harmónico e unificado, representada pela obra de

Robert Delaunay [fig.16], cuja variante cubista Apollinaire baptizou de

«Órfica», numa referência à “musicalidade e à suposta abstração nela

contidas” (Krauss, 2006, p.92). Neste aspecto, a obra de Delaunay assenta

numa valência metafísica através do tema da luz, recorrendo à

decomposição prismática na procura de um espaço absoluto, através do

ritmo, da cor e do movimento, e parece encontrar algum paralelo com a

procura vanguardista do expressionismo alemão desse mesmo período.

Na procura de uma reunificação com os conhecimentos do passado,

o orfismo parece, assim, ter constituído uma das importantes correntes

regeneradoras da origem clássico-hermética do próprio cubismo31. Neste

caso, a vertente geométrico-simbólica do mito grego terá servido de base à

concepção de uma nova ordem plástica abstracta, que, segundo alguns

autores, viria a entroncar, mais tarde, na revivência neopitagórica32 através

31 Cf. GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.37. 32 O pitagorismo foi um movimento filosófico, matemático e místico que teve a sua origem nas teorias atribuídas a Pitágoras de Samos e aos seus discípulos mais imediatos durante o século VI a.C., perdurando posteriormente sob a forma de neopitagorismo. Os pitagóricos encaravam o mundo como um mecanismo «em harmonia», resultante da manifestação do «Número», como entidade suprema, da qual dependia a organização de todas as coisas e de todos os seres do Cosmos. Comprovável através da aritmética, da geometria e da harmonia musical, como sistema lógico-dedutivo, tinha como finalidade o entendimento do Universo, na compreensão do mensurável (o finito) e do incomensurável (o infinito). Esta forma de entender as «leis silenciosas que regem o universo» provinha do conhecimento sacerdotal do Antigo Egipto, que, por transmissão a Pitágoras, manteve-se guardado nas confrarias gregas, romanas e medievais, tendo-se divulgado no Renascimento por via de Luca Paccioli. Veja- se a este respeito, entre outros, GHYKA, Matila C., EI Numero de Oro – ritos y ritmos pitagóricos en el desarrolo de la civilización occidental, Editorial Poseidon, Barcelona, 1978; CLEYET-MICHAUD, Marius, Le Nombre d’Or, Presses Universitaires de France, 1973 e RZIHA, Franz, Études sur les marques des tailleurs de pierre – La Géométrie secrète – l'histoire, les rites & les symboles des Compagnons tailleurs de pierre du Saint-Empire Romain Germanique & de la Grande Loge de Strasbourg, ed. francesa: Éditions de la Maisnie/La Nef de Salomon, Paris, 1993, [segundo ed. original alemã de 1883].

84

da adopção da «Divina Geometria», referindo-se especificamente à obra de

Luca Paccioli di Borgo: A Divina Proporção33.

Convém, a este respeito, mencionar o interesse demonstrado em

algumas teses recentes, no que respeita a fundamentação desta ruptura

proposta pelos focos pitagóricos pós-cubistas, como também de outros

mais periféricos, onde se inclui a Escola de Vallecas e o vanguardismo

órfico português do início do século XX:

“(…) para documentar um importante momento de aproximação entre artistas e até arquitectos portugueses e espanhóis, precisamente quando estes valores pareciam estar activos, na transição da década de vinte para trinta do século XX. Neste contexto, não podem deixar de ser referidos os contactos entre Ramón Gómez de la Serna, líder da geração «Ultra», com artistas e escritores portugueses, entre os quais Almada Negreiros”(Galvão, 2003, p.38).

Neste complexo e conturbado período de gestação da modernidade

europeia, parece emergir, contudo, um aspecto comum a todas as

vanguardas referidas: a necessidade de construir formas de pensamento

que pudessem unificar a progressão da era industrial com valores

intemporais. Este caminho percorreu-se tanto por via da

internacionalização dos discursos civilizacionais, como por via da

regionalização dos discursos culturalistas, mas em todos os casos se

abordaram as questões ontológicas do «ser», nos seus vários níveis,

individual, colectivo e étnico34.

33 Em 1927 surgiu a obra fundamental de Mathila Ghyka, Estética das Proporções na Natureza e nas Artes, que contribuiu para a divulgação das teorias pitagóricas. Baseada na obra de Fra Luca Paccioli A Divina Proporção, que, em meados de quatrocentos, redescobriu os traçados reguladores canónicos da Escola de Pitágoras, através da leitura do Timeu de Platão. Os traçados que Ghyka investigou baseavam-se nos sistemas de relações e proporções que remontavam, pelo menos, a Pitágoras e seria conhecido na Renascença como o «Número de Ouro» ou «Divina Proporcione». Veja-se a este respeito o prefácio da obra: GHYKA, Matila, Estética de las proporciones en la naturaleza y en las artes, Ed. Poseidon, Barcelona, 1983 [1ª Ed. 1927]. 34 Cf. GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.38.

85

Fig.18  –  Peter  Behrens,    logotipo  para  a  firma  AEG,  1908.      

Fig.17  –  Peter  Behrens,    publicidade  para  a  firma  AEG,  1908.      

Em contraponto com a dimensão internacional da modernidade,

surgem valores culturais que viriam a integrar os discursos nacionalistas

europeus. No que se refere aos casos bastantes significativos da Alemanha

e da Áustria, verifica-se que o debate entre modernidade e tradição se

enquadra, sobretudo, entre o breve mas significativo intervalo que vai

desde o final da inflação (1924), até à tomada do poder pelo nazismo

(1933). Segundo Benévolo, o quadro da cultura arquitectónica alemã, no

período do pós-guerra, era aproximadamente o seguinte:

“Os mestres que encabeçaram as lutas de vanguarda no princípio do século são agora as personagens mais importantes tanto no campo profissional como académico: Peter Behrens, conselheiro artístico da AEG [fig.17-18] e professor da Academia de Arte em Viena, Hans Poelzig (1869-1936), professor da Technische Hochschule de Charlottenburg e presidente da Werkbund, Fritz Schumacher (1869-1947), Oberbaudirektor em Hamburgo; na Áustria, depois da morte de [Otto] Wagner, em 1918, domina a figura de Hoffman, professor da Kunstgewerbeschule e Oberbaurat da Capital” (Benévolo, 1996, p.573).

Estes protagonistas são da mesma geração e, no período que

corresponde à fundação da Bauhaus, têm aproximadamente cinquenta

anos, encontrando-se em plena actividade: “a sua formação dentro do

grupo de vanguarda torna-os sensíveis face ao clima de luta do pós-guerra

e propensos a integrar novas correntes” (id., ibid., p.573).

É neste preciso contexto que, tanto Behrens como Poelzig, estão

dispostos a seguir os mais jovens protagonistas do Movimento Moderno,

aceitando, na medida do possível, os seus métodos de investigação35.

Neste caso, já não se tratava de uma discussão entre antigos» e

«modernos», como no princípio do século, mas da questão da «tradição» e

da «modernidade» da arquitectura, dentro da problemática emergente do

Movimento Moderno.

No entanto, no âmbito geral, os arquitectos da geração mais jovem,

face às novas questões levantadas pelas teorias modernistas, reagem de

diversas maneiras. Alguns, fortemente ligados ao eclectismo, não estão em

35 Cf. BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, p.574.

86

Fig.19  –  Peter  Behrens,    átrio  da  firma  Hoechst,    Frankfurt-­‐am-­‐Main,1920-­‐24.      

condições de participar no novo curso das experiências, enquanto que

outros se sentem mais atraídos para a linha de Gropius ou de Mies. No

entanto a maior parte, senão quase todos, conserva o condicionamento de

um certo eclectismo anterior, “tanto nas suas inquietudes como nas suas

sofisticações formais” (id., ibid., p.576).

Face à presença tutelar, observadora e atenta da geração mais

ecléctica dos antigos pioneiros do modernismo [fig.19], os arquitectos mais

jovens dividem-se, segundo Benévolo, entre duas correntes

experimentalistas:

Um primeiro grupo, que recorre maioritariamente a uma

interpretação mais literal e formalista da linguagem moderna – neste se

encontra Max Taut (1884-1967), Ludwig Hilberseimer (1885-1967), os

irmãos Hans (1890-1954) e Wassily Luckhardt (1889-1972), assim como

Hans Sharoun (1893-1972) –, e integrando, por vezes, uma linha

expressionista36.

Um segundo grupo, contemporâneo dos primeiros, dos quais se

destacam Emil Fahrenkampf (1885-1956), na Alemanha, assim como

Clemens Holzmeister (1886-1983), na Áustria, que trabalha desde a

primeira hora na linha de um eclectismo mais tradicional. No entanto,

segundo Benévolo, os sucessos profissionais destes últimos devem-se, por

um lado, ao facto de sustentarem as tendências de uma maioria e, por

outro, ao facto de através do mimetismo se encontrarem sempre ao

corrente das novidades culturais e na plena disposição de aceitar as

migrações de qualquer corrente, desde que fosse actual37.

Benévolo conclui, assim, de forma bastante explícita:

“Desta maneira, entre 1927 e 1930, quando o Movimento Moderno alcança o seu momento de actualidade e invade livros e revistas, muitos arquitectos eclécticos da geração mais jovem absorvem os elementos linguísticos dos seus contemporâneos racionalistas e criam uma visão suavizada da arquitectura moderna, tendo um êxito extraordinário na Alemanha e noutros

36 Idem, ibidem, p.577. 37 Idem, ibidem, p.577.

87

Fig.20  –  Oskar  Strnad,    Casa-­modelo,  Exposição  da  

Deutscher  Werknund,  Viena,  1932.  

países, apresentando-se como uma conciliação entre o antigo e o moderno”38 [fig.20].

Interessa-nos considerar este fenómeno de continuidade entre o

antigo e o moderno no contexto do presente estudo, no que respeita a

contextualização da abordagem dos arquitectos portugueses à

modernidade, na variedade das suas interpretações e, no caso particular do

percurso de António Varela, situando-se também no cerne desta

problemática a questão das suas obras mais significativas.

Quanto à vertente italiana desta questão, será necessário relembrar

que o desenvolvimento da ideologia fascista tivera a sua origem em dois

aspectos do movimento futurista que a precedeu: por um lado, a sua

preocupação revolucionária, com a reestruturação da sociedade e, por

outro, o seu culto à guerra e a adoração à máquina. Estes dois aspectos

continham elementos que podiam ser incorporados aos conceitos

totalitaristas; porém, as sequelas da guerra tinham sido um desastre,

inclusivamente para o futurismo, e a ideia do «culto da máquina» passou a

ser vista com uma boa dose de cepticismo, não só pelo povo, como pela

intelligentsia39, donde sobressai, a partir da década de Trinta, o Movimento

38 Idem, ibidem, p.577. A Exposição de Viena da Deutscher Werkbund (1932), oferece uma significativa confirmação da postura vienense em relação ao movimento moderno que lentamente se internacionalizava: à semelhança do caso do loteamento do bairro da Weissenhof, em Estugarda, construiu-se, para a ocasião, um bairro-modelo de casas de um a três pisos, da autoria de Hoffmann, Häring, Strnad, Brenner, Loos, Holzmeister, Lurçat, Sobotka, Neutra, Rietveld e Breuer, entre outros, organizados num grupo internacional. Segundo Leonardo Benévolo, a lista de participantes indica por si mesmo a tendência cultural do momento: coberturas planas, paredes brancas e ambientes despojados à semelhança de Weissenhof, mas neste caso num tom mais «formalista e evasivo». Desta experiência não nasce nenhuma contribuição importante para a resolução dos problemas técnicos e económicos sobre o programa da habitação, senão uma indicação a favor das casas baixas e do tipo de loteamento em extensão, em contraponto com o modelo do bloco de habitação em altura e de elevada densidade, difundido na década anterior pela governo vienense. O autor acrescenta que a rápida difusão do novo repertório arquitectónico e suas imitações mais ou menos fiéis demonstram que o uso de determinadas formas se poderiam adaptar a diferentes intenções opostas: alguns, identificando o movimento moderno com este repertório, anunciam que a «nova» arquitectura já era uma realidade, mas os adversários põe-se rapidamente de acordo, deduzindo que o movimento moderno seria apenas mais um estilo como outros, que rapidamente passaria de moda e seria absorvido pelos tradicionalismos ecléticos, a empregar em circunstâncias ditas «marginais» (indústria, habitação social, etc.). Esta situação freia o entusiasmo geral, e não faz mais do que extremar as facções opostas, fazendo antever outras opções, o que desorienta a maioria dos arquitectos e abre, segundo os críticos da época, uma crise no racionalismo. Reduzido o movimento moderno a preceitos formais e esquematismos redutores, uma das vias difundidas terá sido a atenuação do seu carácter tecnicista e da sua regularidade, e o retorno a uma arquitectura «mais humana», mais «quente», mais «livre», e inevitavelmente, mais «relacionada com os valores tradicionais»”. Veja-se a este respeito BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, Cap. XVI, pp.581-583. 39 Cf. FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Martins Fontes, São Paulo, 1997 [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980], p.260.

88

Fig.22  –  Giorgio  De  Chirico,  O  Enigma  da  hora,  1910-­‐11.      

 

Fig.21  –  Marcello  Piacentini,    

Citta  Universitaria,  1932-­‐35,  

Italiano per l’Architettura Razionale (M.I.A.R.)40, liderado por Piacentini

[fig.21].

A reacção cultural contra o futurismo terá sido formulada antes

mesmo do seu surgimento: segundo Frampton, primeiro, com a Filosofia

come scienza del spirito, de Benedetto Croce, obra de 1908-1917. Em

segundo lugar, com a pintura de Giorgio de Chirico intitulada O Enigma

da Hora [fig.22], que representava um peristilo com arcadas a meia-luz,

uma imagem metafísica que “imediatamente parece prefigurar a forma e o

espírito da Nova Tradição italiana”, (Frampton, 1997, p.261) e, de um

modo geral, grande parte da obra pictórica deste autor neste período.

Frampton fornece, a partir destas influências, uma imagem geral do

panorama que se seguiu:

“Influenciada por De Chirico e pelos princípios metafisicos do movimento Novecento, por homens que conheciam a modernidade mas não se deixavam seduzir por ela, a vanguarda arquitectónica milanesa, liderada por Giovanni Muzio, começou a reinterpretar as formas clássicas do Mediterrâneo como uma antítese consciente do culto futurista à máquina”(Id., ibid., p.261)41.

40 Veja-se a este respeito BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, Cap. XVI, pp. 588-602 e FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Martins Fontes, São Paulo, 1997 [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980], Cap. 23: Giuseppe Terragni e a arquitectura do Racionalismo Italiano, pp. 247-254. 41 Por seu lado Leonardo Benévolo também refere, a respeito da vanguarda arquitectónica milanesa e para além de Muzio: P. Portaluppi, E. Lancia, G. Ponti, O. Cabiati, A. Alpago Novello, sobre a arquitectura lombarda do início do século XIX, como “última experiência arquitectónica francamente europeia realizada em Itália”. In BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, Cap. XVI, p.589.

89

Fig.  23  –  Giovanni  Muzio,  apartamentos  Ca'  Brutta,    Vila  Moscova,  Milão,  1923,    

pormenor  da  fachada.  

Fig.24  –  Giovanni  Guerrini,  Ernesto  La  Padula  e  Mario  Romano,  Palazzo  della  Civiltá  

Italiana,  Roma,  1937-­‐1942.  

O autor refere como obra inaugural desse movimento os

apartamentos Ca' Brutta [fig.23], de Muzio, construídos na Vila Moscova,

Milão, 1923, como ponto de partida da obra dos racionalistas italianos42.

No entanto, importará considerar a Cidade Universitária de Roma, iniciada

em 1931, vasto plano de intervenção sob a direcção de Piacentini, na qual

foi convidada a participar, na elaboração dos vários edifícios disciplinares,

a maior parte dos racionalistas italianos da época, dos quais se destacam

Ridolfi, Pagano, Debio, Libera, Mazzoni, Sartoris, Guerrini, La Padula e

Romano43 [fig.24].

Frampton refere que a defesa de Muzio da tradição neoclássica,

escrita em 1931, revela uma consciência da universalidade da Nova

Tradição, “que transcendia os conceitos piranesianos do seu proprio estilo”

(Id., ibid, p.261), o que, segundo o mesmo autor, significa o seguinte:

“A Nova Tradição não decorria de um novo experimentalismo do Movimento Moderno, mas constituía-se a ela própria como uma verdadeira classe à parte, que só ficaria a dever ao universalismo do espírito clássico, no seu sentido metafísico, e, escrevendo sobre o movimento Novecento como se este configurasse uma convicção antifuturista, argumenta [Muzio]: “os esquemas clássicos do passado serem sempre aplicáveis, e prosseguia, perguntando: «Não estaremos, talvez, antecipando um movimento cujo nascimento iminente se anuncia por toda a Europa através de sintomas indecisos, porém muito difundidos?»” (Id., ibid, p.261).

O autor ainda acrescenta a esta questão um aspecto mais nuanciado,

concluindo da seguinte forma:

“O conflito entre modernidade e tradição assumiu uma forma particularmente subtil na Itália, uma vez que os jovens racionalistas estavam tão comprometidos quanto Muzio e Piacentini com a reinterpretação da tradição clássica. Mas a abordagem do M.I.A.R. é extremamente intelectualizada, e as suas obras austeras eram extremamente difíceis de entender.” (Id., ibid, p.261).

42 FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Martins Fontes, São Paulo, 1997 [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980], Cap. 24: Arquitectura e Estado: ideologia e representação, p.261. 43 BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, Cap. XVI,p. 593.

90

Fig.25  –  Giuseppe  Vaccaro,  Palazzo  delle  Poste  e  

Telegrafi,  Nápoles,  1931-­‐

36,fachada  de  rua.  

Esta conjuntura irá dar ocasião a um aproveitamento político por

parte do estado fascista, numa apropriação que pretendia reduzir esta

abordagem a formas de estatuto e poder institucional, destinada a fins

propagandistas: “Consciente de que o Futurismo não podia representar

uma ideologia nacionalista, o poder fascista optou, em 1931, por um estilo

clássico simplificado e facilmente reprodutível” (Id., ibid, p.261). Somente

depois de 1936, caída por terra qualquer hipótese de contrariar o poder

vigente, os racionalistas italianos mais proeminentes procuraram algumas

ocasiões mais limitadas, sendo este, segundo vários autores, o período em

que nascem as melhores obras da arquitectura italiana anterior à Segunda

Guerra Mundial44 [fig.25].

Esta questão merece uma observação mais pormenorizada, quanto a

alguns pontos comuns entre a complexa situação italiana e o caso de

Portugal e Espanha: se por um lado existia uma clara influência do

novecentismo no panorama estético das vanguardas italianas e ibéricas

deste período entre guerras, deve-se, contudo, considerar um aspecto mais

profundo que pode explicar os seus ideários clássicos. Parece pertinente, a

este respeito, a referência de alguns autores ao mediterranismo, como

corrente pictórica de raiz oitocentista, cuja estética parece ter persistido ao

longo de novecentos, através de alguns temas versados na arquitectura,

tanto pelos «modernos» (sem vanguarda), como pelos «pragmáticos

funcionalistas»45.

Este outro aspecto do imaginário moderno pode servir para explicar

a sua especificidade enquanto fenómeno nacionalista ou regionalista,

constituindo-se como mais um elo com o seu passado romântico,

sobrevivendo, neste caso, através de um duplo regionalismo: o da herança

clássica como linguagem universal e o da racionalidade da herança rústica,

44 Veja-se a este respeito BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, Cap. XVI e FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Martins Fontes, São Paulo, 1997 [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980], Cap. 23: Giuseppe Terragni e a arquitectura do Racionalismo Italiano, entre outros. 45 Cf. GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.38.

91

Fig.  26  –  Le  Corbusier,    Nature  morte,  1920,  óleo  sobre  tela.      

 

Fig.27  –  Cercle  et  Carré  nº3, publicação  do  grupo  homónimo,    Paris,  1930.          

 

de uma arquitectura espontânea e racional, “tal como os volumes-forma

propostos pelo cubismo, como pelo purismo [fig.26], ou até mesmo pela

via de uma interpretação simbólica” (Galvão, 2003, p.38).

Em 1923, quando Le Corbusier escreveu que “A arquitectura é o

jogo sábio, correcto e magnifico dos volumes dispostos debaixo da luz”46,

teve em conta valores intemporais que deveriam ser recuperados para o

carácter poético da modernidade, numa clara alusão ao classicismo e ao

purismo mediterrânico que o marcaram profundamente e sobre os quais

deixou testemunho nos seus cadernos de viagem iniciática ao Oriente, em

191147.

Em 1929, surge em Paris o movimento Cercle et Carré48, fundado

pelo pintor Joaquin Torres Garcia e pelo crítico de arte Michel Seuphor.

Face à omnipresença do surrealismo, decidem reunir os artistas abstracto-

construtivistas, assim como os ideários do De Stil e da Bauhaus.

Integrando Le Corbusier, Walter Gropius, Wassily Kandinsky, Piet

Mondrian, Fernand Léger, Hans Arp e Georges Vantongerloo, entre outros,

expõem no ano seguinte na Galeria 23, em Paris, e publicam uma revista

homónima, onde divulgam e encorajam o desenvolvimento da arte

abstracta, e em particular na sua vertente mística [fig.27].

46 «L’architecture est le jeu savant, correct et magnifique des volumes assemblés sous la lumière. Nos yeux sont faits pour voir les formes sous la lumière; les ombres et les clairs révèlent les formes; les cubes, les cônes, les sphères, les cylindres ou les pyramides sont les grandes formes primaires que la lumière révèle bien; l’image nous en est nette et tangible, sans ambiguïté. C’est pour cela que ce sont de belles formes, les plus belles formes. Tout le monde est d’accord en cela, l’enfant, le sauvage et le métaphysicien. C’est la condition même des arts plastiques.» in LE CORBUSIER, Vers une architecture, Crès, Paris, 1923, p.16. Esta afirmação situa-se no começo do capítulo intitulado O volume, sendo este o primeiro de Trois rappels à messieurs les architectes, esses que “tinham perdido o sentido da concepção das formas primárias”, representadas, segundo Le Corbusier, pelos silos e algumas fábricas americanas, assim como pelas formas típicas da arquitectura egípcia, grega e romana, nomeadamente os volumes simples da Lição de Roma (1907), e da Viagem ao Oriente (1911). 47 Veja-se a este respeito LE CORBUSIER, Voyage d’Orient – carnets, (1911), Electa Architecture/ Fondation Le Corbusier, Paris, 2002. 48 Veja-se a este respeito SEUPHOR, Michel e JUIN, Hubert, Cercle et carré : 1930, Paris : Ed. Jean-Michel Place, 1977 ; PRAT, Marie-Aline, Contribution aux archives de l'art abstrait en France : le groupe et la revue "Cercle et Carré", Paris, 1980; HONEGGER, Gottfried e HÜRLIMANN, Dölf, Hommage à cercle et carré, Zurich, 1964, entre outros.

92

Fig.  28  –  Joaquin  Torres  Garcia,    A  Tradição  do  Homem  Abstracto,   (Doutrina  Construtivista),    Montevideo,  Uruguai,1938.      

 

Posteriormente absorvida pela publicação Abstraction-Création,

fundada em 1933, foi particularmente importante na medida em que reuniu

num período pós-cubista artistas e arquitectos na revalorização da causa

abstracta, neste caso através da sua valorização simbólica e metafísica,

retomando os princípios pitagóricos-platónicos no contexto da abrangência

dos valores abstractos na sociedade moderna. Do mesmo modo, a

necessidade do «Homem moderno» em reencontrar-se com as suas antigas

tradições, foi o princípio fundador da Doutrina Construtivista, de Torres

Garcia49, ao «exportar», posteriormente, esta acção reintegradora da

vanguarda europeia, no seu regresso à América do Sul [fig.28-29].

Por conseguinte, estas conjunturas permitem considerar que entre o

«racionalismo formalista» e o «novecentismo mediterrânico» é possível

entrever alguns aspectos comuns, embora sob perspectivas diversas, como

o classicismo nas suas vertentes neoplatónica e neopitagórica. De igual

modo, referem ainda alguns autores a tentativa de síntese moderna entre os

aspectos mais abstractos dos valores clássicos e o discurso metafísico do

mediterranismo novecentista, como comprovou Margherita Sarfatti50 em

1924, assim como, mais recentemente, William Curtis51, sobre a

preocupação moderna com a essencialidade geométrica do classicismo

como fenómeno de renovação da vertente eclética oitocentista.

49 Joaquín Torres García (1874 – 1949), artista plástico e teórico uruguaio, fundador do «construtivismo universal», com bases no neoplatonismo/neopitagorismo. Veja-se a este respeito TORRES-GARCÍA, Joaquin, La tradición del hombre abstracto (Doctrina constructivista), Editado pela Comisión de Homenajes a Torres García (Ministerio de Educación y Cultura de la República Oriental del Uruguay) Montevideo, 1969 [segundo a edição original do autor datada de 1938], e SCHAEFER, Claude, Joaquín Torres García, Editorial Poseidón, Biblioteca Argentina de Arte, Buenos Aires, 1945. 50 “The eventual absorption of international models of modernity needs to be understood against the background of a struggle to crystallize an industrial culture (…) and against the background of a persistent, sometimes unconscious, classical continuity. Naturally this inheritance was open to different readings and interpretations all the way from ornamental eclecticism in the late nineteenth century, to a concern with geometrical «essentials» in the twentieth. This abstract view of classical values was sometimes mixed with a vaguely metaphysical «Mediterranism». Writing of the Novecento painters in 1924, the critic Margherita Sarfati referred to «a style of clarity and synthesis which is at once classical and highly modern», then went on to make a more general claim that would also be pertinent to architecture: «to create in every great epoch a new ideal of beauty, beyond inconstant reality and eternal true, is the task of Mediterranism: once it lay with Egyptians and Greeks, now with Italians.” In CURTIS, William J.R., Modern Architecture since 1900, Ed. Phaidon, Londres, 1996, [3ª Ed.] p. 360. 51 Idem, ibidem, p.360.

93

Fig.29  –  Joaquin  Torres  Garcia,    A  Tradição  do  Homem  Abstracto,   (Doutrina  Construtivista),    Montevideo,  Uruguai,1938,    esquema  ilustrativo.        

 

Neste período de «regresso à ordem» que marcou as décadas de

Vinte e de Trinta, a corrente mediterrânica gerou-se em torno de uma

identidade cultural, entre ideologia e associação estética, e certamente diz

respeito aos casos de Portugal e Espanha, como da Itália, sul de França e

norte de África:

“Neste contexto o mediterranismo parece ser uma tendência chave do novo século ao unir uma raça a uma cultura (a dos povos mediterrânicos, dos povos do sul) às raízes do passado e a um desejo de norma, através das formas símbolo onde o cubo coincide com a forma espacial base das «casas de açoteia»” (Id., ibid., pp.38-39).

No caso de Espanha, generaliza-se, no final dos anos Vinte, um

gosto renovado pela cultura clássica e mediterrânica, assim como um

interesse particular pela vertente pitagórica, como no caso da Escola de

Valencas e do percurso catalão de Torres Garcia, neste caso como um dos

artistas mais apoiados por Eugénio d’Ors, que afirmou, ainda no início do

século, “que a orientação conveniente não se podia desligar da tradição e

que essa tradição era a mediterrânica”(Id., ibid., p.39)52.

É sobre esta tradição que parece ter-se construído uma interpretação

da modernidade nos países do sul mediterrânico, e à qual pertence, sem

dúvida, o caso português. Fora do âmbito positivista ou da «ética

protestante do trabalho», que parece perfilhar-se nos modelos técnico-

funcionalistas dos países mais setentrionais, surgem outras possíveis

interpretações nas abordagens «latinas» à modernidade, sendo que os

valores do legado cultural mediterrânico seriam demasiado importantes

para se dissolverem na estética internacional moderna, tendo sido

recuperados através do purismo das «terras do sul».

Donde surge a questão da importância da «Tradição» como

repositório de valores supra-históricos, para além do legado popular da

memória antiga, não se tratando, neste caso, de mimetismo de estilos, mas

de transmissão de valores e de modos arquetípicos, nomeadamente da

52 Cf. BOHIGAS, Oriol, História de la Cultura Catalana, Vol. VII, Ed. 62, Barcelona, 1996, p.202, in GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.39.

94

Fig.  30  –  Adalberto  Libera,  Casa  Curzio  Malaparte,  Capri,  1937-­‐41.

 

concepção artística e arquitectónica, por via de um pensamento oculto que

da profundidade emergiu, e tornando-se consciente, foi inevitavelmente

simbólico:

“A História conhece sem dúvida alguma o aspecto popular da alma antiga, mas só a Tradição conservou a sua inteira memória. Foi o tabernáculo no qual se refugiaram, cristalizados sob forma de símbolos, todos os pensamentos ocultos das inteligências de um determinado tempo” (Argan, 1997, p.203)53.

Através do mediterranismo ter-se-á transmitido essa «Tradição» para

a modernidade, traduzindo um modo de «ser» e de «sentir» talvez próximo

da condição existencial que Álvaro Ribeiro apelidou de «Razão

Animada»54. Parece corresponder a um clima e a uma cultura – e a uma

estética, cujas formas espontâneas parecem justificar, à priori, a sua

integração, tanto pela via simbólica, como pela via formalista55 [fig.30].

Em suma, a clarificação da complexa génese da modernidade

europeia do início do século XX pode ser entendida através dos seus

aspectos menos explícitos e paradoxais, sendo que a aproximação à sua

construção deve ser vista à luz desses mesmos paradoxos, característicos

da «Era da Máquina». Algumas procuras de regeneração com o passado

parecem explicar determinadas opções estéticas e ideológicas das

vanguardas artísticas e das propostas arquitectónicas. Esta ter-se-á dado

com a procura de leis e arquétipos que pudessem conduzir à legitimação

53 FAGIOLO, Marcello, La Catedral de Cristal: La Architectura del expressionismo y la “tradición esotérica”, in El pasado en el presente: el revival en las artes plásticas, la arquitectura, el cine y el teatro, Dir. de Giulio Carlo Argan, Ed. Gustavo Gilli, Barcelona, 1997, p. 203. 54 Alvaro Ribeiro (1905-1981), foi, juntamente com José Marinho, um dos principais discípulos do magistério de Leonardo Coimbra na Faculdade de Letras do Porto. Considerado como o fundador do grupo da Filosofia Portuguesa, onde participaram também António Quadros, Afonso Botelho e António Braz Teixeira, a sua iniciação filosófica começara na segunda década do século XX, tanto na sede do movimento da Renascença Portuguesa, como em tertúlias célebres pelos cafés portuenses, em contextos fiéis a uma tradição pitagórico-platónica, em que a iniciação filosófica não se reduzia exclusivamente à relação escolar. ano que respeita a Leonardo Coimbra e à sua actividade académica, será por si interpretada como fiel a uma doutrina que dizia esotérica e identificada com a ideologia da Renascença Portuguesa, tal como esta se viria a constituir depois da saída de António Sérgio e de Raúl Proença. Veja-se a este respeito RIBEIRO, Álvaro, A Razão Animada, 1957. Sobre o autor e a sua obra veja-se GOMES, Pinharanda, Filologia e Filosofia, 1966, Fenomenologia da Cultura Portuguesa, 1970, VITORINO, Orlando, Álvaro Ribeiro, Nova Renascença, 9, (1982-83), A filosofia de Álvaro Ribeiro como doutrina do espírito, in Leonardo, ano II, 1989, QUADROS, António, Álvaro Ribeiro, mestre da geração do 57, in Leonardo, nº2, 1988, SARMENTO, Francisco Morais, A escola de Álvaro Ribeiro, in Democracia e Liberdade, nº 42 e 43, 1987. 55 Veja-se a este respeito GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.39.

95

dos modelos abstractos passíveis de gerar novas respostas à modernidade

nas suas várias vertentes culturais, para além do modelo

racionalista/funcionalista de cariz internacional. A questão da «Nova

Tradição» engloba-se com o fenómeno cultural de raízes europeias, mas

também com os fenómenos regionais e étnicos, como no caso da

classicismo e da sua vertente popular e mediterrânica, assim como nos

aspectos menos explícitos, de raiz hermética, que parecem ter-se

regenerado através de algumas vanguardas artísticas e arquitectónicas

nascidas da metafísica de novecentos.

A busca de uma «Nova Ordem» ter-se-á realizado sob o mito

eliadiano do «Eterno Retorno»56, na procura de uma «outra»

universalidade baseada na imutabilidade dos arquétipos e na capacidade

transcendente dos símbolos, vindo a frutificar na década de trinta e de

quarenta. Muito embora uma infinidade de valores57 se tenham cruzado

neste complexo diálogo que o século XX estabeleceu com o passado

romântico, e para além das questões de integração, ou não, de outras

correntes dentro do paradigma moderno, aquilo que importará ressalvar

será a ruptura das vanguardas, explicitamente em confronto com os

legados académicos oitocentistas, e inversamente, na continuidade

implícita que procuraram estabelecer, experimentando a regeneração de

valores absolutos e intemporais de um conhecimento ligado ao passado

distante.

56 Veja-se a este respeito ELIADE, Mircea, Le mythe de l’éternel retour. Archétypes et répétition, Paris, Gallimard, col. Idées, 1969. [ed. orig. col. Les Essais, 1949]. 57 Segundo Maria João Madeira Rodrigues, “O vínculo social, por vezes politicamente manifestado, acoplado aos desígnios artísticos, permite-nos reconhecer, a partir de 1920, a existência de diversas tradições novecentistas, todas igualmente no seu tempo modernas, porém sem se conformarem completamente à matriz modernista.” In RODRIGUES, Maria João Madeira, Arquitectura, Quimera, Lisboa, 2002, p.88.

96

É com base nestes contornos menos explícitos e aparentemente

paradoxais das várias interpretações da modernidade que se torna possível

a compreensão do caso português, na sua condição cultural e regionalista.

Do mesmo modo parecem abrir caminho a outras leituras, que o simples

binómio academismo/modernismo, por vezes, dificilmente conseguirá

clarificar.

97

Fig.  31  –  Eduardo  Viana,    K4  Quadrado  azul,  1916,    óleo  sobre  tela.  

   

 

97    

RUPTURAS E CONTINUIDADES NA GÉNESE

DA MODERNIDADE PORTUGUESA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2.1. INTRODUÇÃO

Para o correcto entendimento das obras de António Varela a partir da

década de Trinta é necessário considerar as origens da sua produção

artística e arquitectónica, em estreita proximidade com alguns dos

principais protagonistas da «aventura moderna portuguesa», onde se

destaca, logo à partida, a sua estreita proximidade com as figuras de

Almada Negreiros e Jorge Segurado e, num âmbito mais geral, a

focalização de alguns aspectos do contexto político, filosófico, literário,

artístico e arquitectónico das primeiras décadas do século XX português

até ao processo de transição da ditadura militar de 1926 que conduzirá à

implementação do regime do Estado Novo em 1933-34.1

1 Veja-se a este respeito FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, [1ª ed. 1974], PEREIRA, Paulo, História da Arte Portuguesa, Cap. Arquitectura Portuguesa do século XX, Ed. Círculo de Leitores, Lisboa, 1995, e MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008, entre outros.

CAPÍTULO 2

98

O contexto político-económico de novecentos, vincado por algum

«colonialismo saxónico reinante» e das potências europeias em geral faz

perdurar na mítica nacionalista o saudosismo de um império coeso,

acentuando-se a sua decadência com a perda do Brasil. Pela mesma via, a

herança oitocentista do romantismo e do naturalismo marcaram o

imaginário português até bastante tarde, prolongando-se no novo século.

Os aspectos profundos desta conjuntura parecem fundamentar-se na

necessidade de um refúgio proteccionista, uma escapatória face a uma

Europa que se industrializava demasiadamente depressa para um país

maioritariamente rural subjugado às grandes potências europeias, de modo

que é possível destacar o saudosismo e o naturalismo como pontos de

ancoragem do pensamento mítico-simbólico presente nas mentalidades

artística e arquitectónica portuguesa das primeiras décadas do século XX2.

A partir da I Guerra Mundial e decorridos alguns anos do novo

regime republicano, a inoperância das instituições e o cansaço em relação

às formas estéticas e literárias caídas em academismo conduziram a

esforços de revisão e inovação, quer dos problemas relativos à consciência

nacional e à doutrinação política, quer à reformulação filosófica, artística e

literária3. Os anos de 1914-15 constituem-se como um momento de

viragem deste «status quo», em que, associadas a estes ventos de ruptura,

irão surgir, no cenário artístico nacional, algumas figuras carismáticas da

vanguarda europeia, do cubismo ao orfismo do grupo de Appolinaire,

influenciando toda uma geração de artistas e intelectuais que irão formar o

modernismo português, em torno do movimento do Orpheu, verdadeira

revolta da vanguarda artística contra o pensamento da burguesia, e em

adesão ao imaginário futurista. É neste contexto que surgem três figuras

carismáticas da modernidade portuguesa: Almada Negreiros, Fernando 2 “O Saudosimo e o Naturalismo destacam-se por entre os possíveis pontos de ancoragem deste passado português. Parecem ter sido os fundamentos de um espírito simbolista presente ao longo desta longa travessia que, indelevelmente, deixou as suas marcas na expressão artística e arquitectónica da primeira metade do século XX. A herança do espírito de oitocentos, simbolista e de algum modo decadente, no seu lirismo sentimental, no seu romantismo e no seu naturalismo tardio são parte integrante das características das mentalidades artística e arquitectónica do Portugal dos primeiros decénios do século XX”. In GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.47. 3 Cf. LEÃO, Francisco da Cunha, O Enigma Português, 3ª Ed., Guimarães Editores, Lisboa, 1992, p.222.

99

Pessoa e António Ferro, como pioneiros de um pensamento crítico,

nacionalista e moderno4.

Mas, se no plano da literatura, da crítica e das artes, a vanguarda se

fez notar logo a partir de 1914-15, através de manifestos e de publicações –

período designado por «primeiro modernismo literário»5–, já no que

respeita a produção arquitectónica, persistiram, de um ponto de vista geral

e até ao final dos Anos 20, profundas raízes «beaux-artianas» evidenciadas

nas obras de José Luis Monteiro, Norte Júnior, Ernesto Korrodi, Tertuliano

Marques e Ventura Terra6.

Neste contexto, onde perdura até bastante tarde o paradigma

académico oitocentista dominado pelo ecletismo e a tradição racional

oitocentista, compatível com um proto-racionalismo essencialmente

positivista por via de leituras das obras de Auguste Choisy ou Julien

Guadet, serão um «velho Mestre», José Marques da Silva, com os

Armazéns Nascimento (1914), no Porto, e um «jovem modernista», Carlos

Ramos, com a Agência Havas (1921), em Lisboa, os primeiros a fornecer

respostas a uma «possível» modernidade portuguesa, pautando-se, na linha

de Auguste Perret e de Tony Garnier, por tentativas de composição de

pendor racionalista em volta da questão do estilo/estrutura, e através da

potencialização do uso do betão armado como expressão arquitectónica7:

4 Cf. GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.33. Veja-se ainda a este respeito MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, , Editorial Caminho, 2008, entradas “Ferro, António”, pp. 280-282; “Negreiros, Almada”, pp.515-520; “Pessoa, Fernando”, pp. 618-630. 5 Veja-se a este respeito FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, [1ª ed. 1974] e MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008. 6 Veja-se, a respeito deste período da arquitectura portuguesa, PEREIRA, Paulo, História da Arte Portuguesa, Cap. Arquitectura Portuguesa do século XX, Ed. Círculo de Leitores, Lisboa, 1995, p.515-17. 7 Idem, ibidem, p.517.

100

“Ao longo dos anos 20, os esquemas oitocentistas vão lentamente dando lugar a uma expressão plástica nova, tendencialmente geometrizante, baseada construtivamente na combinação do ferro com o cimento. Esta arquitectura do betão armado, com todas as possibilidades de articulação volumétrica que o novo material permite, vai revolucionar a tradição oitocentista do ordenamento superficial da fachada e contribuir para a definição da arquitectura do século XX (…). Como o movimento da arquitectura moderna atribui a racionalidade da construção o papel eminente de gramática formal da linguagem que se procurava, a adopção generalizada desta nova tecnologia vai alterar, mais do que as fachadas, a própria tipologia dos edifícios” (Pereira, 1995, p.517).

Somente a partir de 1925, com o Capitólio de Luis Cristino da Silva,

é que um estilo moderno e depurado se assume de forma visível, num

exercício racionalista autónomo e em marcada ruptura para com a tradição

académica: a par destas obras irão surgir outras, de características

modernistas, que irão constituir um efémero e controverso fenómeno de

mudança dos protagonistas da apelidada «primeira geração moderna»8.

Desta geração, nascida na última década do século XIX, consideram-

se comummente seus protagonistas: Cristino da Silva, Carlos Ramos,

Pardal Monteiro, Cotinelli Telmo, Jorge Segurado, Rogério de Azevedo,

Paulino Montez, Cassiano Branco, Gonçalo de Mello Breyner, como

aqueles que, entre outros, irão marcar a génese da arquitectura moderna

portuguesa9.

8 Cf. PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.707. 9 Desta primeira geração moderna destacam-se, segundo a maioria dos autores: Luis Cristino da Silva (1896-1976), Carlos Ramos (1897-1957), Pardal Monteiro (1897-1969), Cottinelli Telmo (1897-1948), Jorge Segurado (1898-1990), Rogério de Azevedo (1898-1983), Paulino Montez (1897-1988), Cassiano Branco (1897-1969), e Gonçalo de Mello Breyner (1896-1947), entre outros. Veja-se a este respeito PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.707, FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, [1ª ed. 1974], PEDREIRINHO, José Manuel, Dicionário de arquitectos activos em Portugal do século I à actualidade, Ed. Afrontamento, Porto, 1994 e MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008. Julgamos, a título do presente estudo, dever mencionar António Varela (1902-1963), como mais identificável com o primeiro grupo geracional moderno, tanto pela proximidade de idades como sobretudo pela sua formação cultural e académica: tal se confirma segundo a leitura de Manuel Mendes, que estabelece um horizonte temporal de nascimentos desta primeira geração em torno de 1897, entre 1890 e 1904, integrando assim Varela neste grupo, ao contrário de Nuno Portas: veja-se a este respeito MENDES, Manuel, Nós - uma modernidade de fronteira - nós para uma passagem inconclusa, in “Arquítectura do Movimento Moderno - 1925-1965”, Inventário do Docomomo Ibérico, edição do Docomomo Ibérico / Fundação Mies Van der Rohe / Associação dos Arquitectos Portugueses, 1998, p.14.

101

Mas simultaneamente, a «herança clássica» irá acompanhar estas

mudanças. Num sistema de continuidade, procurando integrar valores da

tradição num contexto novo, alguns desses mesmos autores da ruptura

moderna irão igualmente colocar à experiência a inserção de valores

clássicos, étnicos e culturais aliados a uma perspectiva moderna e

civilizacional.

É neste contexto que, num plano ideológico, surge a «Política do

Espírito» de António Ferro, coincidindo com a chegada à profissão da

«segunda geração moderna»10 – já na segunda metade da década de vinte –

, e que, conjuntamente com a primeira, na tentativa de reintegração desses

mesmos valores clássicos, étnicos e culturais, irá produzir uma série de

obras de pendor moderno que irão marcar o panorama da arquitectura

nacional das décadas de 1920-1930:

“De 25 a 36: dez anos, vinte ou trinta obras, das quais duas ou três obras-primas da história da arquitectura portuguesa tout-court e, no nosso entender, único momento em que se repercute neste país, e quase sem atraso, um movimento de vanguarda internacional, entendido em algumas das suas motivações profundas e não apenas epidérmicas ou de moda” (Portas, 1970, pp.707-708).

Estas obras, embora assentes sobre as mais variadas interpretações

pessoais dos seus autores, foram sendo historicamente reagrupadas sob o

termo de «efémero modernismo português»11, designação histórica que,

muito embora de cariz sintética, engloba aspectos de assimilação ou de

interpretação por vezes bastante complexos ou contraditórios, que vão

desde o classicismo ao funcionalismo alemão, do expressionismo à

moderna arquitectura holandesa, da secessão vienense à estilização «Art

Déco» ou ao purismo mediterrânico.

10 Cf. PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.707. Portas reagrupa esta segunda geração moderna, dita «funcionalista», os arquitectos nascidos por volta de 1910. Aqui inclui os nomes de António Varela (1902-1963) e de Adelino Nunes (1903-1948), ao lado de Francisco Keil do Amaral (1910-1975), Alfredo Viana de Lima (1913-1991), Arménio Losa (1908-1988), Januário Godinho (1910-1990), entre outros. Julgamos, a título do presente estudo, dever mencionar António Varela (1903-1962), e também Adelino Nunes (1903-1948), como igualmente identificáveis com o primeiro grupo geracional moderno (dos nascidos na última década de oitocentos à viragem do século), pelas proximidades de datas de nascimento e de formação cultural e académica [v. nota anterior]. 11 Cf. Idem, ibidem, p.707.

102

Tendo em conta toda a complexidade e contradição inerentes a

qualquer tentativa de uniformização em torno da questão do «efémero

modernismo português» de 20-30, feito por uma geração heterogénea –

dita, segundo José-Augusto França – sem «coesão de classe»12, surge como

fundamental focalizar alguns aspectos do imaginário e das ideologias deste

período, também ele subjacente ao percurso artístico e arquitectónico de

António Varela, no seu contexto de aprendizagem assim como no estudo

do seu percurso individual e dentro do grupo a que pertencia13.

Se considerarmos a herança simbolista, o lirismo sentimental, o

romantismo e o naturalismo tardio como parte das características e

mentalidades da produção artística literária e do imaginário arquitectónico

nos primeiros decénios do século XX, herdados de oitocentos, será preciso

não esquecer que terá sido sobretudo na geração da literatura romântica e

da filosofia portuguesa que se regeneraram os contornos da mítica e da

simbólica, que perdurará, arquetipicamente, com traços de modernidade na

primeira metade do século XX.

É com base neste imaginário, na procura dos arquétipos em torno do

Mito e da Simbólica, que é possível encontrar as características

fundamentais de uma estrutura profunda que possa ajudar a um correcto

entendimento desta «Alma Portuguesa» que se manifestou ao longo do

tempo, tanto na procura de uma expressão nacional da arquitectura

oitocentista, como no «Estilo Moderno» da arquitectura do Estado Novo,

mas também nas propostas de alguns «independentes» na esfera da

encomenda privada: é neste contexto que surge uma hermenêutica

«possível» da obra de António Varela, quer do ponto de vista compositivo

quer pela sua simbologia implícita.

12 FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, p.248 [1ª ed. 1974]. 13 Veja-se a este respeito LEÃO, Francisco da Cunha, O Enigma Português, 3ª Ed., Guimarães Editores, Lisboa, 1992, p.116-136 e GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, pp.49-54.

103

Fig.  32  –  A  Águia,  nº4,  1912,  órgão  do  movimento  da  Renascença  Portuguesa  (capa  de  Correia  Dias).  

   

 

2.2. A PRESENÇA DO SAUDOSISMO OITOCENTISTA NA GÉNESE

DA MODERNIDADE NACIONAL

“A saudade tem duplo rosto, ou dois sentimentos que se alternam e propulsionam ao longo de um encadeamento fenomenológico típico; um para o passado, outro para o futuro, dispostos na mesma linha de avanço no tempo.” (Leão, 1992, p.228)14

Convém, neste contexto, retomar alguns aspectos históricos que

possam explicar a vitalidade do saudosismo no panorama artístico-literário

nacional.

A esperança no ressurgimento nacionalista, comum à geração de

Antero de Quental, Camilo Castelo Branco e Júlio Dinis e a outros

espíritos mais jovens da geração de António Ferro, cedo se transformou

numa nova derrota, motivada pelo assassinato de Sidónio Pais, tendo

originado sentimentos de revivalismos políticos e míticos para com o herói

da República. Poeticamente sublimado num novo sebastianismo

messiânico, foi mesmo enaltecido por modernos e até futuristas, tendo sido

tema de glosa pelo próprio poeta de vanguarda Fernando Pessoa e pelo

jovem frequentador do Café Martinho da Arcada e ex-editor da Orpheu,

António Ferro15.

Por outro lado – e apesar da vanguarda que se fazia notar através de

um discurso radical –, convém não esquecer a importância do peso de

figuras tutelares da literatura nacional, que perduram e imprimem no novo

século uma estética ainda bastante finissecular de raiz oitocentista, assente

numa crítica literária sobre os temas da urbanidade e do progresso versus o

naturalismo, a ruralidade, o exotismo ou o saudosismo transcendental:

Júlio Dinis traduz a visão romântica da felicidade através da vida no

campo, como pressuposto da pureza da vida e dos sentimentos de um povo,

prolongando o ideal do estilo «pastoral», parcialmente presente na

arquitectura e nas artes através da vertente tradicionalista e romântica; Eça 14 LEÃO, Francisco da Cunha, O Enigma Português, 3ª Ed., Guimarães Editores, Lisboa, 1992, p.228, [ed. original de 1960]. 15 Veja-se a este respeito GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.49.

104

de Queirós, sob a prosa mordaz de A Cidade e as Serras, acusa o forte

contraste entre a urbanidade e a ruralidade, onde uma capital burguesa e

periférica espelhava no seu habitat social um forte cosmopolitismo

pretensioso e provinciano; Já Camilo Pessanha, numa perspectiva externa,

fruto da sua longa estadia no estrangeiro, prenuncia as raízes míticas da

«Alma Lusitana»16.

Será Teixeira de Pascoaes, no ano 1912, à frente da Revista A

Águia17 [fig. 32] e do movimento da Renascença Portuguesa, quem irá

difundir o Saudosismo como corrente filosófica, encarado como uma

atitude perante a vida e procura de uma definição ontológica da «Alma

Portuguesa». De 1915 data a publicação de Arte de Ser Português18,

manifesto reformador do espírito lusíada onde o poeta se propõe ensinar

“(…) a verdade portuguesa, cujo conhecimento se impõe como força

reconstrutora da Pátria, dentro do carácter da sua alma tradicional evoluída

até ao grau de perfeição atingido pelo espírito humano, no século

presente.” (Pascoaes, 1998, p.6)19, e consequentemente, “Instruir, educar e

criar portugueses” (id., ibid, p.6). Do mesmo modo, o Sebastianismo, na

linhagem de António Vieira, veiculado pela filosofia da Saudade e

divulgado por Pascoaes, influenciou muitos escritores portugueses do

início do século XX, de entre os quais se destacam Pessoa, Almada e

António Ferro, entre outros.

16 Veja-se a este respeito PESSANHA, Camilo, Clepsidra, Ática, Ed. João de Castro Osório, Lisboa, 1945, 1956, [1a edição: Lusitânia, Ed. Ana de Castro Osório, Lisboa, 1920]. 17 Revista quinzenal de literatura, arte, ciência, filosofia e crítica social, importante órgão do movimento da Renascença Portuguesa. Publicou-se entre 1910 e 1932, sendo o seu período mais fecundo de 1912-16 (a segunda fase das quatro distintas que se podem distinguir, sob a tutela espiritual de Teixeira de Pascoaes, seu vulto máximo e teorizador do «saudosismo metafísico»). Também foram directores: Teixeira de Pascoaes, António Carneiro, Leonardo Coimbra, Teixeira Rego, Hernâni Cidade, Casais Monteiro, Sant'Anna Dionísio, Aarão de Lacerda e Delfim Santos. 18 PASCOAES, Teixeira, Arte de ser Português, Ed. Assírio e Alvim, Lisboa, 1998 [Ed. orig. 1915]. 19 Idem, ibidem, p.6. A este respeito veja-se também QUADROS, António, Fernando Pessoa – Vida, Personalidade e Génio, Publicações D. Quixote, Lisboa, 1992, p.39 [1ª Ed. 1984] e MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008, entrada “Pascoaes”, pp. 597-601.

105

Fig.  33  –  Raul  Lino,  Casas  Portuguesas  –  

alguns  apontamentos  

sobre  o  arquitectar  das  

casas    simples,  1933.  

   

 

O Saudosismo de Pascoaes, no entanto, não dura muito tempo: em

1919, por considerarem Pascoais «utópico» e «passadista», alguns

integrantes rompem com o grupo da Renascença Portuguesa, o que

acarreta o aparecimento do grupo da Seara Nova20. Anos antes o próprio

Fernando Pessoa já havia abandonado o grupo para dar novos rumos a sua

poesia, num auto-denominado «transcendentalismo panteísta»21, mais

lírico do que doutrinário, assim como Almada, já sob uma perspectiva

futurista.

De igual modo, é neste contexto de legado estético-literário

oitocentista, alternando entre classicismo e rusticidade – ou entre outros

revivalismos, também eles nacionalistas –, que se caracterizaram as

«arquitecturas de estado» que vão consubstanciando o imaginário nacional

em torno do Saudosismo, que de passadistas, progressivamente se

«regeneraram» – veja-se o caso do misticismo naturalista de Raul Lino e

do seu ideário ruskiniano da Casa Portuguesa22 –, mas também

ultrapassando claramente a sua inserção romântica, para se agregar,

paradoxalmente, a uma cultura moderna23 [fig. 33].

De qualquer modo, será preciso não esquecer que o saudosimo de

Pascoaes e da Renascença Portuguesa se constituíram como fundamentos

incontornáveis de uma aproximação ao «ser» português, em parte uma 20 Revista fundada em Lisboa, no ano de 1921, por iniciativa de Raul Proença e de um grupo de intelectuais portugueses da época. Na sua origem era uma publicação essencialmente doutrinária e crítica, assumidamente com fins pedagógicos e políticos, tendo-se assumido, após a implementação do regime do Estado Novo, como um dos grupos mais activos no combate ideológico contra o salazarismo. Inicialmente o projecto reuniu alguns dos principais nomes da intelectualidade da época, com destaque para Jaime Cortesão, Raul Proença e António Sérgio, mas também, entre outros, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Câmara Reis e Augusto Casimiro. Mantém-se, com existência periódica na actualidade, muito embora sem a dinâmica interventiva das suas primeiras décadas. Veja-se a este respeito, entre outros, MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008, entrada “Seara Nova”, pp. 767-771). 21 Veja-se a este respeito MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008, entrada “Transcendentalismo Panteísta”, pp. 857-859); SIMÕES, João Gaspar, Vida e Obra de Fernando Pessoa: História de uma Geração, Vol. II: Maturidade e Morte, Livraria Bertrand, Lisboa, 1950, e QUADROS, António, Fernando Pessoa – Vida, Personalidade e Génio, Publicações D. Quixote, Lisboa, 1992, [1ª Ed. 1984]. 22 LINO, Raul, Casas Portuguesas – alguns apontamentos sobre o arquitectar de casa simples, Ed. Valentim de Carvalho, Lisboa, 1933, no seguimento de A nossa Casa (1918) e A Casa Portuguesa (1929). 23 Cf. GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.49.

106

Fig.  34  –  N.º  1  da  revista  Orpheu,  1915,  capa  de  José  Pacheco.  

   

 

condição existencial de Novecentos, passando para lá de uma modernidade

futurista e cosmopolita. Mais tarde, poderá este ideário ser encontrado no

percurso de alguns modernos, muitas vezes assumindo uma vertente

mística, como foi o caso de Pessoa, de Almada e de Jorge Segurado, mas

também como aproveitamentos revivalistas, épicos ou líricos da sintaxe do

Estado Novo24.

2.3. A VANGUARDA ÓRFICA PORTUGUESA

Em paralelo com o saudosimo, o sentimento nacionalista também se

renovou através do exterior, pela influência de algumas correntes artístico-

literárias estrangeiras. Esta renovação deveu-se, em grande parte, ao

regresso de alguns artistas portugueses de Paris, como Guilherme de Santa-

Rita, Eduardo Viana e Amadeu de Souza-Cardoso, mas também à

permanência de algumas figuras de destaque dessa mesma vanguarda que,

num contexto da guerra, procuraram refúgio em Portugal, quase sempre em

situações de passagem, influenciando o seu cenário cultural e contribuindo,

deste modo, para uma definição progressiva dos contornos artísticos da

modernidade portuguesa, e à consubstanciação do movimento órfico-

cubista em Portugal, materializado em torno da efémera revista Orpheu25

[fig. 34].

24 Idem, Ibidem, p.50. 25 “Orpheu, nome mitológico onde radica o termo orfismo, era, no panorama nacional, uma revista trimestral de literatura, destinada a Portugal e ao Brasil e de que veio a lume o primeiro número, em 1915, correspondente a Janeiro, Fevereiro e Março. As 83 páginas da revista, impressa em excelente papel e tipo elegante, abriam por uma «introdução» de Luis de Montalvor, em que se pretendia definir os intuitos da obra a que meteu ombros um grupo de jovens que com frequência se reuniam em alguns cafés da baixa lisboeta. Segundo Montalvor, Orfeu «é um exílio de temperamentos de arte que a querem como a um segredo ou tormento» e a pretensão dos seus fundadores «é formar, em grupo ou ideia, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este princípio aristocrático tenham em Orfeu o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermos». Quando a guerra de 1914-18 começou, reuniram-se os factores de um movimento estético pós-simbolista em Lisboa. Aí se conheceram, entre outros, Fernando Pessoa, cuja adolescência se formara na África do Sul, dentro da cultura inglesa; Mário de Sá Carneiro, que entre 1913-16 passou grande parte do tempo em Paris; Almada Negreiros e Santa Rita Pintor, que traziam de Paris as novidades literárias e sobretudo plásticas do futurismo e correntes afins. A estas personalidades do grupo atribuiu a opinião pública sinais de degenerescência, mas hoje é fácil reconhecer que as suas atitudes correspondiam a um sentimento geral de crise latente. Particularidades de formação e temperamento, relacionáveis com a instabilidade social, alhearam os artistas, tanto da ideologia republicana como das reacções críticas que ela despertara. Mário de Sá Carneiro pertence à geração do Orpheu, a revista que, idealizada no Brasil por Luís de Montalvor e

107

Segundo António Quadros, havia na Orpheu uma grande diferença

em relação a Pascoaes e ao movimento da Renascença Portuguesa:

“Não bastaria para os órficos afirmar a «verdade portuguesa» como algo de tradicional, de perene, de profundo: era necessário a todo o momento considerar os seus três vectores: do passado, do presente e do futuro, e ao mesmo tempo dinamitar, atacar, derrubar todas as resistências ao estático, do rígido, do académico, do anquilosado, do velho.” (Quadros, 1984, p.39)

É de Luís de Montalvor a justificação do nome da revista, expressa

na introdução do nº1:

Ronald de Carvalho, pretendia comunicar a nova mensagem europeia, preocupada apenas com a beleza exprimível pela poesia, inspirada no simbolismo de Verlaine, Mallarmé e Camilo Pessanha, no futurismo de Marinetti, Picasso e Walt Whitman, no super-realismo de André Breton. Preconizava a arte pela arte mas ao mesmo tempo a descida à busca ansiosa do «eu» e a fixação da agitada idade moderna. Em 1914, os jovens modernistas encetaram o projecto que Luís da Silva Ramos (Luís de Montalvor) acabava de trazer do Brasil: o lançamento de uma revista luso-brasileira Orpheu. Dessa revista saíram efectivamente dois números (os únicos publicados) em 1915; incluíam colaboração de Montalvor, Pessoa, Sá Carneiro, Almada, Cortes Rodrigues, Alfredo Pedro Guisado e Raul Leal; dos brasileiros Ronald de Carvalho (que, regressado do Brasil, serviria de traço de união entre o Modernismo brasileiro e português) e Eduardo Guimarães; de Ângelo de Lima, internado no manicómio; de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa. A revista vinha realizar uma aspiração comum dos jovens poetas que se reuniam à volta de Fernando Pessoa no Irmãos Unidos. No Orpheu poderiam publicar as suas peças de escândalo: poesias sem metro, celebrando roldanas e polias, ou revelando as profundezas do subconsciente, sem passar pelo crivo da razão. O primeiro número, saído em Abril de 1915, esgotou-se em três semanas, por uma espécie de sucesso negativo: comparavam-no para se horrorizarem com o seu conteúdo e se encolerizarem com os seus colaboradores. Um destes, Armando Cortes Rodrigues, conta que eram apontados a dedo nas ruas, olhados com ironia e julgados loucos, para quem se reclamava, com urgência, o hospício de Rilhafoles. Um segundo número sairia em Julho do mesmo ano, com conteúdos bem mais futuristas; um terceiro número foi organizado e mesmo impresso parcialmente, mas não se publicou. Era mais uma revista literária que morria à míngua de recursos. Não bastara o talento e o arrojo dos seus colaboradores para prolongar-lhe a vida; eram os financiamentos de Sá Carneiro (ou antes, de seu pai, que lhos mandava para Paris) que a sustentavam. Uma reviravolta nos negócios, a cessação da mesada, e fica no nascedouro o que viria a ser o Orpheu 3. Feitos, em parte, para irritar o burguês, para escandalizar, estes dois números alcançaram o fim proposto, tornando-se alvo da troça dos jornais; mas a empresa não pôde prosseguir por falta de dinheiro. Em Abril de 1916, o suicídio de Sá Carneiro privou o grupo de um dos seus grandes valores. E quem eram os jovens que assim procuravam escapar ao conservadorismo da época? Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Armando Cortes Rodrigues, José de Almada Negreiros, Luís de Montalvor, Alfredo Pedro Guisado e outros cuja actuação foi mais restrita. Ao seu anseio de agitar as inteligências e as sensibilidades, inovando, não faltava um certo desejo de escandalizar, que se exacerbava na medida em que crescia a indignação generalizada: cônscio dessa atitude, o próprio Fernando Pessoa, ao referir-se, já em 1915, a versos seus e ao seu Manifesto Interseccionista, penitencia-se de havê-los feito com a única preocupação de escandalizar, rebaixando, assim, a alta dignidade da poesia. Mas o que não é menos verdade é que todos, ou quase todos, tinham a consciência da grandeza que é ser poeta. No Orpheu revelaram-se tendências várias, que vão desde a permanência do simbolismo e do decadentismo até às tendências inovadoras como o futurismo. Álvaro de Campos/Fernando Pessoa publica a Ode Triunfal (1915) e a Ode Marítima, Sá Carneiro, a Manucure (1915), Almada Negreiros, o Manifesto Anti-Dantas (1916) e Ultimatum Futurista às Gerações Portuguezas do século XX. O grupo entretanto continuou a publicar noutras revistas e, em 1917, surgiu a revista Portugal Futurista, onde foram reproduzidos quadros de Santa Rita Pintor e Sousa Cardoso, juntamente com poemas futuristas de Sá Carneiro (póstumos) e Pessoa, sobretudo sob o seu heterónimo de Álvaro de Campos. No rasto do Orpheu surgiram as revistas literárias Exílio (1916), Centauro (1916), Portugal Futurista (1917), Athena (1924-1925) e Presença (1927-1940), que iniciou o denominado segundo modernismo.” In Orpheu, C.I.T.I., Centro de Investigação de Tecnologias Interactivas, Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2008. Veja-se ainda a este respeito MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008, entrada “Orpeu”, pp. 564-568).

108

“Bem propriamente, ORPHEU, é um exílio de temperamentos de arte que a querem como a um segredo ou tormento (…) Nossa pretensão é formar, em grupo ou ideia, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este princípio aristocrático tenham em ORPHEU o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermos.” (Id, ibid., p.36).

Da referência à personalidade de Orpheu, “poeta e mestre de uma

iniciação em mistérios que foram derivações reformadas de outros

mistérios mais antigos” (Id, ibid., p.36), manifestam-se os arquétipos

helénicos presentes no imaginário da «Alma Lusa», explorando os aspectos

míticos e iniciáticos de um conhecimento «por resgatar»26.

Por outro lado, uma das mais importantes passagens por Portugal

neste período foi a do casal Delaunay, pertencente ao círculo órfico de

Apollinaire. Robert e Sónia Delaunay, surpreendidos em Madrid pelo

deflagrar da I Guerra Mundial, rumaram a Portugal onde fixaram

residência próximo de Vila do Conde, numa pequena casa a que chamaram

Simultanée27. Robert Delaunay, que fora criador de um sistema abstracto

de proporções que devia abrir a pintura para um ideal harmónico e

unificado [fig.35] – variante cubista que Apollinaire baptizou de Órfica,

numa referência neoplatónica à musicalidade e à abstracção nela contida28

–, continuou em Portugal as suas pesquisas órfico-cubistas, tendo

26 António Quadros menciona a este respeito a versão portuguesa de Quatro Hinos Órficos, de Ana Hatherly, assim como W.K.L. Guthrie, Orphée et la réligion grecque, [Ed. Payot, Paris, 1956], comentando: “Orpheu foi um poeta e um profeta que provavelmente representou ou assumiu um pequeno grupo doutrinador, interessado em reformar o velho culto orgiástico de Dionisios. Por isso Orpheu foi um Telestai, isto é, um iniciador: ele revelou aos homens o significado dos Mistérios. Qual a verdade última dos Mistérios órficos? Para os órficos, tudo partiu de um pecado original: os gigantes, os Titãs, mataram a divina criança, o filho de Zeus, Dionísios, e provaram a sua carne. Então Zeus lançou sobre eles o fogo celeste, queimando-os. Dos restos dos Titãs, que tinham comido a carne de Dionisios, nasceram os homens. Por isso o Homem tem uma natureza simultaneamente titânica e divina. O Homem é pois um ser dividido contra si próprio, partilhado entre o seu lado monstruoso ou titânico e o seu lado divino. A iniciação órfica ensina o homem a assumir a sua condição conflituosa e monstruosa, mas purificando-a e acabando por eliminá-la ao cultivar e cultuar o elemento divino que há nele. O objectivo é pois uma ascese que, partindo da desagregação dos Titãs fulminados por Zeus, reconduza à unidade com Deus. Disse Museu, filho de Orpheu e seu sucessor: «Tudo em definitivo sai do Uno e tudo se resolve no Uno». (…) Toda a mitologia popular das aventuras órficas se insere na mesma raiz: a descida aos infernos, o amor por Euridice, o canto maravilhoso que pacifica os animais ferozes (…). O orfotelestai, o profeta e iniciado órfico, reconhece o titanismo conflituoso em si próprio e no mundo mas pacifica-o, eleva-o, purifica-o para num último estádio tudo reconduzir à unidade com Deus. Resta dizer que tais Mistérios foram sobretudo procurados e seguidos pelas elites, sabendo-se que Empedócles, Anaxágoras, Pitágoras e Platão foram iniciados órficos. De fundo claramente órfico é, na realidade, a Alegoria da Caverna.” In QUADROS, António, Fernando Pessoa – Vida, Personalidade e Génio, Publicações D. Quixote, Lisboa, 1992, pp.36-37, [1ª Ed. 1984]. 27 Cf. GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.55. 28 Cf. KRAUSS, Rosalind, Os papéis de Picasso, Ed. Iluminuras, S.Paulo, p.92.

109

Fig.  35  –  Eduardo  Viana,    A  revolta  das  bonecas,  1916,    óleo  sobre  tela.  

   

 

recorrido, na mesma acepção hermética, à utilização de círculos brilhantes,

da teoria dos contrastes de luz e cor simultâneas, compondo uma série de

pinturas da série Fenêtres [fig. 16], cuja conotação órfica se conjugava

claramente com o cubismo hermético sob influência do cenáculo de

Apollinaire, enquanto Sonia se inspirava na arte popular e nos motivos

folclóricos portugueses, pesquisa essa que a aproximou dos motivos do

folclore popular eslavo dos Ballets Russes29.

Foi também em Portugal que o casal organizou, à semelhança da

dinâmica parisiense, um cenáculo artístico que integraria alguns elementos

da vanguarda portuguesa, entre os quais Amadeu – que já conheciam da

sua estadia em Paris como ex-estudante de arquitectura e proeminente

pintor –, assim como Almada e Eduardo Viana [fig. 31-35]. Neste

contexto, onde terá ecoado a atmosfera órfica do círculo de Apollinaire,

deveriam os três portugueses participar, associados aos Delaunay, com o

«órfico» russo Baranoff-Rossiné e com os poetas Apollinaire e Blaise

Cendrars, nos trabalhos expositivos de uma Corporation Nouvelle – que

nunca chegou a verdadeiramente existir –, e ainda nas exposições

simultaneístas em Barcelona, Oslo e Estocolmo, a partir da Primavera de

16, mas, em termos gerais, e para além da “excitação mais especificamente

literária de Almada, Viana e Amadeu, sofriam a influência das teorias

«órficas» e dos «discos» analíticos do casal eminente.”(França, 1991,

p.61).

29 Veja-se a este respeito MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008, entrada “Delaunay, Robert e Sonia”, pp. 210-211, e GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.55.

110

Neste grupo, a que se juntariam também José Pacheco, Santa-Rita e

Samuel Halpert, apontam-se algumas tendências estéticas diferenciadas –

desde admiradores de Cézanne e do fauvismo ao pendor expressionista de

Amadeu; um Santa-Rita, arauto do futurismo de Marinetti30 e grande

admirador de Picasso, assim como Almada, numa primeira fase –, mas

contudo, comummente, todos eles exploraram a luz, o espaço, a cor e a

simultaneidade através da abstracção e da geometria, demarcando-se

definitivamente do naturalismo, através de uma atitude crítica e

regeneradora, com um enquadramento internacional31. “Geração

30 Parece interessante referir a este respeito o ponto de vista de João Gaspar Simões sobre as origens do futurismo: “Conquanto tenha sido Marinetti, um italiano, quem deu vida ao movimento futurista, a verdade é que o «futurismo» foi, de facto, um movimento universal. Na Itália, a sua acção, embora tenha ido muito além do momento em que surgiu, visto o próprio «fascismo» poder filiar-se na dinâmica patriótica que o «futurismo» determinou, considera-se extinta com o desaparecimento da revista Lacerba, órgão de Papini e Suffici, que se publicou durante os anos de 1913 a 15. É de 1909 a primeira campanha de Marinetti a favor do «futurismo», campanha iniciada do Fígaro. De 1910, é o primeiro manifesto dos pintores «futuristas» italianos e, de 1911, «Le futurisme-théories et mouvement», do mesmo Marinetti, publicado em francês e editado em Paris. Em 1911 realiza-se, igualmente em Paris, a primeira exposição dos cinco pintores «futuristas» italianos, Boccioni, Carrá, Russolo, Balla e Severini. E, a partir daí, o movimento «futurista» irradia pela Europa, tornando-se um dos mais virulentos modos de combate às formas académicas da arte e da literatura.” In SIMÕES, João Gaspar, Vida e Obra de Fernando Pessoa: História de uma Geração, Vol. II: Maturidade e Morte, Cap VIII: A Aventura Futurista, Livraria Bertrand, Lisboa, 1950, p.99. Veja-se também a este respeito FREITAS, Lima de, Pintar o Sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitagorismo e a Geometria Sagrada, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1990, p.28 [1ª Ed. 1977]. 31 Considera ainda João Gaspar Simões um aspecto crítico sobre os «contornos» do futurismo no campo literário e artístico, chegando mesmo a colocar em questão a sua coerência estética: “Na verdade, o «futurismo» é antes um movimento de choque ou agressão do que uma escola literária propriamente dita. E se é certo que a estrutura da sua estética – haverá no futurismo uma estética? –, se integra tão perfeitamente na vaga de «anarquismo» literário que grassa na literatura mundial desde Baudelaire que houve quem considerasse credores da escola de Marinetti todos os demais movimentos artísticos e literários emanados dessa emancipação artística – o «orfismo», o «cubismo», o «dadaísmo», o «simultaneísmo», o «criacionismo», e o próprio «suréalisme», de André Breton, todos franceses; o «raionismo», russo; o «vorticismo», britânico; o «ultraísmo», espanhol; o «zenitismo», jugoslavo; o «imagismo», anglo-saxão, e, portanto, com mais forte razão, o «paulismo», o «interseccionismo» e o «sensacionismo», portugueses –, a verdade é que o «futurismo» mostra muito mais tendências políticas e sociais que carácter estético propriamente dito. De resto, o seu próprio título o está dizendo. Por «futurismo», entende-se, de facto, qualquer coisa que espera das próprias condições instáveis do mundo um triunfo e uma réussite. Daí ter-se criado a antítese – «passadismo»-«futurismo» – e com o «futurismo» esperava-se impor ao presente um tal corte com o passado que o futuro viria a ser o triunfo daquilo mesmo que se considerava não propriamente uma virtude estética ou filosófica, moral ou espiritual, mas uma vitória política. Marinetti o reconheceu, aliás, quando, no seu manisfesto «Les mots en liberté futuriste», afirmou: «Le mouvement futuriste exerça tout d’abord une action artistique, tout en influençant indirectemente la vie politique italienne par une propagande de patriotisme révolutionnaire, anticlérical, directement lancé contre la Triple Alliance et qui préparait notre guerre contre l’Autriche. Le futurisme italien, prophète et préparateur de notre guerre, semeur et entraîneur de courage et de liberté, a ouvert il y a onze ans, son premier meeting artistique au Théatre Lirique de Milan par le cri : ‘À bas l’Autriche !’» Entre nós, o «futurismo» colheu desde logo aplausos e desde logo se viu imitado, por diferentes razões. Fernando Pessoa, à mesa da Brasileira, ouvia mais do que falava. O «futurismo» era uma dessas panaceias que o seu espírito «fim de século» estava predisposto a receber, uma vez que se tratava de um novo «ismo» e, como tal, de uma nova forma de mistificação consciente da sua própria necessidade de automistificação.” In SIMÕES, João

111

Fig.  36  –  António  Ferro,    A  Idade  do  Jazz-­Band  1924,  capa  de  Bernardo  Marques.    

 

 

construtiva, clamou Almada na sua conferência de 17; antes parentética,

nada podendo construir na realidade da conjuntura portuguesa,

duradoiramente oitocentista, onde viveram todos irrealmente, num tempo

histórico, por assim dizer, ilegal.” (França, 1991, p.75).

2.4. OS ANOS 20: RUPTURAS ARTÍSTICAS E LITERÁRIAS NA IDADE

DO “JAZZ BAND”

Na vivência do pós-guerra, respira-se uma atmosfera de algum alívio

a partir da qual se começa a manifestar uma clara identificação com o

gosto internacional, mais do ponto de vista estético do que ideológico,

através do denominado estilo «Jazz» ou «Art-Déco», glorificado pelo

ensaio de António Ferro: A Idade do Jazz Band32 [fig. 36]. É neste

contexto de euforia vintista, multiplicada pelas dinâmicas das tertúlias e na

atmosfera embriagante dos clubes, que chegam a Portugal os Ballets-

Russes, estabelecendo uma ponte cultural com o «glamour» da vanguarda

parisiense. José-Augusto França assinala um comentário da imprensa da

época, num artigo do Diário de Lisboa, datado de 1934:

“(…) que achava bem “curioso” que os jovens escolares de Arquitectura de Lisboa, sob a recentíssima docência de Cristino, expusessem projectos em que não «ousavam» mais «empregar os estilos que já fizeram a sua época», o romântico, o joanino, o clássico, o renascença - e antes mostrassem um gosto «artes decorativas» e «racional». Via-se então «que o modernismo sem loucuras arejava os velhos cânones da Escola de Belas-Artes» da capital (...)”(França, 1991, p.228).

Os Ballets-Russes, tendo previamente actuado em Madrid e

Barcelona e contado com a colaboração cenográfica e figurinista do casal

Delaunay, estiveram em Lisboa em 1917, tendo gerado uma alargada

adesão de artistas e arquitectos portugueses, dos quais se destacam, da

geração de Almada, Mário Eloy, Carlos Ramos e Jorge Segurado, entre

outros. Inspirado pela liberdade plástica que emanava deste novo estilo,

Gaspar, Vida e Obra de Fernando Pessoa: História de uma Geração, Vol. II: Maturidade e Morte, Cap. A Aventura Futurista, Livraria Bertrand, Lisboa, 1950, p.99-100. 32 FERRO, António, A Idade do Jazz-Band, Lisboa, 1924. Veja-se a este respeito entre outros, RODRIGUES, António, António Ferro na idade o Jazz-Band, Livros Horizonte, colecção Estudos de Arte, Lisboa, 1995.

112

será o próprio Almada a promover no ano seguinte um ciclo de bailados

portugueses modernos, com cenografia de José Pacheco, gerando uma

cumplicidade e uma participação geral entre artistas de vários ramos, de

actores a pintores e arquitectos, num trabalho pluridisciplinar, pelo qual os

seus protagonistas pontualmente divulgaram, no «mainstream» nacional,

uma estética mais ou menos simbolista que emanou neste contexto de

celebração pós-futurista33.

Por outro lado, e à semelhança dos Delaunay, também se estabeleceu

em Portugal o poeta espanhol Ramón Gomez de la Serna34, que os

Delaunay conheceram nos cenáculos órfico-cubistas de Apollinaire em

Paris. Poeta do movimento ultraísta espanhol35, residiu no Estoril entre

1923 e 1927, tendo sido um importante elo de ligação das ideias

nacionalistas e futuristas com os artistas e intelectuais portugueses da nova

geração, na contaminação moderna das artes e da arquitectura do final da

década de vinte, nomeadamente na divulgação do pensamento de Miguel

de Unamuno36 – que viria a sensibilizar o nacionalismo de Almada.

33 Cf. GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.58. 34 Veja-se a este respeito MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008, entrada “Serna, Ramón Gomez de la”, pp. 793-794). 35 Idem, ibidem, entrada “Ultraísmo”, pp. 869-870. 36 Miguel de Unamuno y Jugo (1864 –1936). Poeta e filósofo espanhol mais proeminente da Generación del 98, grupo literário constituído por nomes como Antonio Machado, Azorín, Pío Baroja, Ramón del Valle-Inclán, Ramiro de Maetzu, Angel Ganivet, entre outros. Unamuno ficou conhecido pelos sucessivos ataques à monarquia de Afonso XIII de Espanha e de 1926 a 1930 viveu no exílio, primeiro nas Ilhas Canárias e depois em França, de onde só voltou depois da queda do general Primo de Rivera, tendo sido, mais tarde, afastado da vida pública por Franco. Unamuno estabelece-se como uma clara influência sobre alguma fundamentação ideológica de Almada Negreiros, nomeadamente no que respeita a questão ibérica e da identidade lusa e castelhana. Veja-se ainda a este respeito MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008, entrada “Unamuno, Miguel de”, pp. 870-871).

113

Fig.  37  –  José  de  Almada  Negreiros,  ilustração  para  a  capa  do  n.  1º  da  revista  Contemporânea,  Maio    de  1922.    

Mas se o orfismo dos Delaunay foi importante para a formação dos

modernistas portugueses enquanto protagonistas da ruptura com o

saudosismo passadista, já no caso da influência ultraísta por via da

intelligentia espanhola, é de realçar a extensão da sua influência em

Portugal até bastante tarde e de forma mais duradoura até a eclosão da

Guerra Civil. Tal se comprova na proximidade do cenáculo de Ramón

Gomez de la Serna com Almada, António Ferro e José Pacheco, enquanto

editor da Contemporânea, assim como alguns futuros integradores do

movimento da revista Presença, como Vitorino Nemésio, Fidelino

Figueiredo e Osório Oliveira, entre outros.

Realce-se que estas duas publicações, cada uma à sua maneira, irão

contribuir para uma consubstanciação do espírito moderno e nacionalista

da década de trinta.

Por um lado, a Contemporânea (1922-1926) [fig. 37], retomando o

discurso mítico da extinta Orpheu, cristalizou o modernismo da década de

20, o seu gosto algo mundano e nacionalista, sendo inicialmente editada

pelo industrial e mecenas Agostinho Fernandes37, e, a partir de 1923, por

José Pacheco: “A Contemporânea, que José Pacheco sonhara lançar em 15,

com um numero-espécie que fez sucesso, mas que só em Maio de 22,

encontrado um editor mecenas, o industrial e coleccionador Agostinho

Fernandes (1886-1972), foi viável.” (Id., ibid.,, p.107).

A Contemporânea, que durou até 1926, em três séries com um total

de treze números era uma “revista feita expressamente para gente

civilizada (…) e para civilizar gente” (Id., ibid., p.107). Segundo França:

“Publicação de elites, de tendência aristocrática (…) foi o ponto de apoio dos «novos», que profusamente reproduziu – embora, para agradar ao editor [Agostinho Fernandes], grande admirador de José Malhoa, alguns naturalistas tivesse também de dar, em «hors-textes». O seu «modernismo»

37 O industrial e coleccionador Agostinho Fernandes (1886-1972), amigo e patrono de António Varela e de Almada Negreiros (entre outros), o mesmo fundador da empresa de conservas Algarve Exportador, cuja Fábrica de Matosinhos, assim como a sua moradia de férias no Algarve, Varela viria a conceber, uma década mais tarde. Veja-se a este respeito 6.1., nota 36, e 7.3. Veja-se ainda a este respeito, SANTOS, José da Cruz [coord.], Agostinho Fernandes – um industrial inovador, um coleccionador de arte, um homem de cultura – fotobiografia, Portugália Editora S.A., Lisboa, 2000.

114

foi festejado em banquete de homenagem a Pacheco, em fins de 22, e outros a revista promoveu ainda; em 23, anunciou ela um «espectáculo futurista», em 25 fez rezar uma missa por alma dos «modernistas» mortos, em 26 organizou o II Salão de Outono, e, entretanto, teve papel preponderante na nova decoração do café A Brasileira e do Bristol Club, seu aliado táctico.” (Id., ibid.,, p.107)

Dos seus colaboradores destacam-se, num conjunto bastante

eclético, Fernando Pessoa/Álvaro de Campos, Almada Negreiros, António

Ferro, António Botto, Artur Portela, Ramón Gomez de la Serna, mas

também os «antigos» Teixeira de Pascoaes e Camilo Pessanha, entre outros

(Id., ibid.,, p.107).

Depois da Contemporânea, de pendor mais artístico, a Presença38

(1925-1937) [fig. 38], pretendeu ser a continuadora do espírito da extinta

Orpheu, inaugurando, a nível literário, o segundo modernismo português,

numa fase mais crítica que criadora, em torno do «Grupo de Coimbra»:

José Régio, João Gaspar Simões, Branquinho da Fonseca, Fernando Lopes

Graça, Albano Nogueira e Adolfo Casais Monteiro, e integrando,

paralelamente, outras colaborações, como a de Fernando Pessoa. Como

críticos, elaboraram juízos e comentários sobre o modernismo e

propagandearam os homens do Orpheu; como criadores, defendiam uma

literatura viva contra a rotina e o academismo, uma crítica livre e ousada, o

38 A Presença foi lançada em Coimbra, a 10 de Março de 1927, tendo sido publicados 54 números até à sua extinção em 1940. Fundada por Branquinho da Fonseca em parceria com José Régio, teve a colaboração de João Gaspar Simões, Vitorino Nemésio, Edmundo de Bettencourt e Adolfo Correia Rocha (mais conhecido pelo seu pseudónimo Miguel Torga). Como linha editorial, a Presença defendeu a criação de uma literatura mais “viva”, mais “livre”, oposta ao academismo e ao jornalismo rotineiro, primando pela crítica, pela predominância do individual sobre o colectivo, do psicológico sobre o social, da intuição sobre a razão. Elegendo como “mestres” os artistas da Orpheu, muitos dos quais ainda colaboraram na Presença, foi importante na difusão de uma segunda fase do modernismo literário, usualmente designado por “segundo modernismo”, mais crítica que criadora. Destaca-se o espírito crítico não só dos fundadores, como também de Albano Nogueira e Guilherme de Castilho, bem como de colaboradores doutrinários como José Bacelar, José Marinho, Delfim Santos, Saúl Dias, Fausto José, Francisco Bugalho, Alberto de Serpa, Luís de Montalvor, Mário Saa, Raul Leal e António Botto, tendo-se divulgado nas suas páginas vários autores do chamado “primeiro modernismo literário”, nas figuras tutelares de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e Afonso Duarte, para além da colaboração de António de Sousa, Irene Lisboa, Vitorino Nemésio, Pedro Homem de Mello, Tomaz Figueiredo e Olavo d’Eça Leal. Todos eles se destacam sobretudo na poesia, sendo António de Navarro quem mais directamente prolonga a herança poética da extinta Orpheu. Aí se divulgaram de igual modo as principais obras de escritores europeus da primeira metade do Século XX, tais como Marcel Proust, André Gide, Paul Valéry, Guillaume Apollinaire e Pirandello, assim como alguma promoção e intercâmbio literário com vários poetas e prosadores brasileiros, à margem das iniciativas oficiais. Veja-se a este respeito, entre outros, MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008, entrada “Presença”, pp. 681-688.

115

Fig.  38  –  Revista  Presença,  nº1,  Março  de  1927.    

primado do individual sobre o colectivo, o primado do psicológico sobre o

social.

Convém referir que, muito maior do que a influência do grupo do

Orpheu (primeiro modernismo literário – mais criador do que crítico) foi a

do grupo da Presença (segundo modernismo literário – mais crítico do que

criador), muito embora a Presença tenha também revelado os «pioneiros»

de 1915. À semelhança dos seus mestres, também denunciou o

saudosismo, a literatura livresca sentimentalista, e exigiu inteligências

críticas, únicas capazes de autêntica criação e originalidade, chamando a

atenção para toda uma renovação das artes, e defendendo-a, numa tentativa

de recolocar a cultura literária portuguesa no panorama internacional39.

Em suma, deste complexo período da evolução do panorama

artístico e cultural português dos Anos 20, com consequências para a

evolução da arquitectura portuguesa dos primeiros decénios, destacam-se a

transmissão «órfica» dos Delaunay, nomeadamente a Almada, o banho de

vanguardismo e glamour, traduzido pelos Ballets Russes e pelo novo estilo

«Art Déco», a ligação dos artistas portugueses com a vanguarda intelectual

espanhola e a nascimento de revistas que divulgavam uma «estética nova».

Esta conjuntura terá contribuído, quer a nível artístico quer literário, para a

acentuação de uma já anunciada ruptura que se fazia sentir desde a década

anterior. 39 “Tomando o psicologismo como o recorte mais nítido da Presença, José Régio professava uma arte apoiada nas forças do subconsciente, expondo, mesmo paradoxalmente, impressões e sentimentos, flutuando independente de limitações de qualquer ordem ética: “O ideal do artista moderno nada tem com o do moralista (...), tanto o que se chama um vício como o que se chama uma virtude podem igualmente ser poderosos agentes de criação artística, podem ser elementos da vida de uma obra.”(…) Os escritores da “Presença” consideravam-se projectores da riqueza humana: os valores da sinceridade vinda da região mais profunda, do acto gratuito germinado no inconsciente, da recriação individual do mundo, da personalidade original: “Em arte, é vivo tudo o que é original. É original tudo o que provém da parte mais virgem, mais verdadeira e mais íntima duma personalidade artística. A primeira condição duma obra viva é, pois, ter uma personalidade e obedecer-lhe. Tinham em vista a «arte pelo homem», ou, por outras palavras, a valorização do homem através da arte, considerando a literatura como manifestação transcendente da vida e mitológica da condição humana. Este partido estético parece integrar-se na linha de pensamento de Téophile Gaultier, na proclamação dos direitos de uma arte com finalidade em si mesma: «l’Art pour l’Art», prefácio da sua Mademoiselle de Maupin, que a partir de 1835, poderá marcar uma data na evolução do conceito de arte, esteticamente dissociada do plano ético e educacional – ou seja, fora de um sistema clássico. Esta data pode ser considerada como o ponto de partida daquilo que mais tarde veio a chamar-se a «mentalidade moderna», acentuada até à eclosão do surrealismo com o manifesto de André Breton de 1924”. In SIMÕES, João Gaspar, Vida e Obra de Fernando Pessoa: História de uma Geração, Vol. II: Maturidade e Morte, Cap. A Aventura Futurista, Livraria Bertrand, Lisboa, 1950, p.91.

116

2.5. DE PESSOA A ALMADA: “A INVENÇÃO DO DIA CLARO”

COMO LEGADO HERMÉTICO NA CONSTRUÇÃO DA

MODERNIDADE PORTUGUESA40

O processo da transição artística e arquitectónica portuguesa para a

modernidade é possível de ser entendido, não só através das influências

externas de natureza estética ou técnica (a evolução do paradigma clássico

e da corrente racionalista, a divulgação do estilo Art Déco, a generalização

do uso do betão armado e do funcionalismo germânico, etc.), mas também

através de outras influências, que embora menos explícitas, integraram a

construção do pensamento artístico e arquitectónico português do início do

século XX. Estes outros aspectos de natureza profunda e menos visível

enraízam-se na interpretação da tradição platónico-pitagórica como

fundadora de outras interpretações da modernidade. De igual modo, os

fundamentos destas interpretações podem contribuir para o esclarecimento

da «estética moderna» de António Varela, pela sua proximidade ao autor, e

ajudar à compreensão da sua formação teórica e cultural.

40 Título entendido segundo a obra homónima de Almada Negreiros, A invenção do dia claro – escripta de uma só maneira para todas as espécies de orgulho, seguida das démarches para a Invenção e acompanhada das confidências mais íntimas e geraes/ Ensaio para a iniciação dos portugueses na revelação da pintura/ Com um retrato do autor por ele próprio, Editora Olisipo, Lisboa, 1921, [Fig.39]. A invenção do dia claro constitui, na sua origem, o termo poético e iniciático sobre o qual Almada Negreiros assentou as suas reflexões sobre a verdade do conhecimento intuitivo, por oposição ao saber «livresco» e «académico» (segundo terminologia do próprio). Com o ante-título de Bildungsroman, é a obra que, juntamente com Em Nome de Guerra, melhor caracteriza uma das duas grandes fases do autor: a recuperação da «ingenuidade infantil», como resposta socrática ao problema da ignorância. A obra fala de um filho pródigo que parte em busca de uma vida diferente, junto do saber livresco e civilizacional, mas regressa ao ambiente materno, ciente do seu engano. Triparte-se em I - Adeus e Vésperas, II - A Viagem ou O Que Não se Pode Prever e III - Regresso ou O Homem Sentado, compondo-se ainda de uma espécie de prólogo sobre o livro, um posfácio intitulado Uma Frase Que Sobejou e ainda uma adenda de Démarches para a Invenção do Dia Claro, intitulada A Verdade. Adaptamos o título para o efeito desta parte do nosso estudo como metáfora do hermetismo comum a Almada e Pessoa, implícito na construção de uma visão convergente sobre a modernidade portuguesa, entendendo o seu significado como espelho da evolução desse mesmo contexto artístico, poético e literário ao longo da primeira metade do século XX, nomeadamente desde a sua origem, com a publicação de Orpheu (1915), até aos cadernos Sudoeste (1935) último momento de colaboração entre os dois autores, e para além desta, na «aventura neopitagórica» de Almada, que se prolongaria até à data de sua morte, (1970) na conclusão do painel-esgrafito Começar (1968-69). Neste sentido também retomamos a tese de J.-A. França, segundo a qual: “toda a obra de Almada (…) se pode chamar, geralmente, «a invenção do dia claro», título que, em 21, pontuou a criação poética do artista. A ligação entre os vários momentos dessa criação foi feita na obra final – que se apresenta, necessariamente como de «começo».” In FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, pp. 502-503 [1ª ed. 1974].

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Fig.  39  –  José  de  Almada  Negreiros,  A  invenção  do  dia  claro,  1921[exemplar  de  António  Varela].    

Convém relembrar que o clima de oitocentos, marcado pelos

revivalismos, indicava uma perda de referências, numa «babel» dos estilos,

manifesto de uma crise social e ideológica que parecia prenunciar um risco

de dissolução da identidade nacional. A procura de um pensamento

unificado, que pudesse estruturar a concepção artística e arquitectónica

num tronco comum, levou a reintegração das antigas tradições herméticas

como manifestação dessa mesma unidade através das artes e da

arquitectura.

De cariz universal, a simbologia hermética tem em Portugal uma

tradição artística que remonta à Antiguidade, conquanto a sua

«visibilidade» seja maioritariamente respeitante à Idade Média. Muito

embora a transmissão de correntes esotéricas possa ser entendida através

do estudo do panorama artístico e arquitectónico português em várias

épocas e estilos41, é na manifestação do neogótico42 e do neomanuelino43

que surge de forma mais explícita, mesmo que apenas por citação ou

apropriação, através de referências díspares ou parciais, mais ou menos

explícitas, mas sempre de carácter transcendental, típicas do misticismo

romântico, sendo muitas vezes utilizadas por sobreposição não de uma,

mas de várias simbologias ou correntes herméticas. Deste período

destacam-se o Palácio da Pena (1840-47), e, mais tarde o Palácio da

Regaleira (1904-12), como demonstração de uma preocupação pela

recuperação de uma espiritualidade – pela via simbólica e hermética – por

oposição ao materialismo progressista que emanava dos efeitos da

industrialização. Espírito de um tempo de inquietação e de dúvida perante

a modernidade positivista, é neste contexto que o neogótico, pela sua carga

mística, assim como o neomanuelino, se afiguraram como os estilos que

possibilitavam a tradução dessa mesma herança simbólica, como no caso

41 Veja-se a este respeito GANDRA, Manuel G., Da face oculta do rosto da Europa – Prolegómenos a uma História Mítica de Portugal, Hugin, Lisboa, 1997, entre outros. 42 Veja-se a este respeito, VIEGAS, Inês Morais [coord.], FERREIRA, Fátima, MATOS, Francisco, RIBEIRO, Maria de Lurdes, ALMEIDA, Pedro Vieira de, José Luis Monteiro – Marcos de um percurso, Câmara Municipal de Lisboa / Pelouro da Cultura / Departamento de Património Cultural / Divisão de Arquivos, Lisboa, 1998, e GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.51. 43 Idem, ibidem.

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da fachada da gare do Rossio44 (1890), de José Luis Monteiro, mas

também, por assimilação na estética «Art Déco» dos anos Vinte45, e, mais

tarde, na estilização do léxico nacionalista do Estado Novo, da qual a

exposição do Mundo Português foi o expoente máximo de auto-mitificação

do regime46.

É no contexto de ruptura com o «modo de expressão» do legado

eclético oitocentista, – feito de hermenêuticas por vezes bastante redutoras

–, que, à semelhança de alguns movimento europeus de características

simultaneamente renovadoras, terá igualmente surgido, no contexto

português, a necessidade de criação de uma “nova ordem” que pudesse

assimilar o discurso da modernidade, mas em continuidade com os

aspectos essenciais da tradição. Esta propriedade de reintegração, por

razões filosóficas e humanísticas, terá sido objecto de preocupação num

exercício de síntese entre tradição e modernidade. Embora frágil e difícil,

este equilíbrio manifestava uma preocupação de ultrapassar a dualidade

entre tradição e modernidade através de uma terceira via: a simbólica47.

44 Veja-se a este respeito VIEGAS, Inês Morais [coord.], FERREIRA, Fátima, MATOS, Francisco, RIBEIRO, Maria de Lurdes, ALMEIDA, Pedro Vieira de, José Luis Monteiro – Marcos de um percurso, Câmara Municipal de Lisboa / Pelouro da Cultura / Departamento de Património Cultural / Divisão de Arquivos, Lisboa, 1998. 45 Veja-se a este respeito FERNANDES, José Manuel, Arquitectura modernista em Portugal, Gradiva, 1993, entre outros. 46 Veja-se a este respeito ALMEIDA, Pedro Vieira de, A Arquitectura no Estado Novo, Livros Horizonte, Lisboa, 2002 e ACCIAIUOLI, Margarida, Exposições do Estado Novo 1934-1940, Livros Horizonte, Lisboa, 1998, entre outros. 47 Veja-se a este respeito FREITAS, Lima de, Pintar o Sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitagorismo e a Geometria Sagrada, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1990, p.82-83 [1ª Ed. 1977]. Alguns autores colocam ainda a hipótese deste equilíbrio se ter manifestado através do carácter interseccionista em torno do núcleo do Orpheu: “A ruptura com o eclectismo oitocentista, obtida através de uma vontade agressivamente regeneradora, deveu-se de forma pioneira ao grupo do Orpheu ao assumir o mesmo carácter interseccionista e efémero do Orfismo. De qualquer forma, a capa do nº 1 da revista Orpheu, desenhada por José Pacheco em 1915, denunciava, pelo menos, presença de um espírito simbolista norteado por um certo sentido teatral, relembrando-nos estes mitos do passado. A força do interseccionismo gerado no seio do grupo do Orpheu (e do Paulismo), a que Fernando Pessoa e mais tarde Sá-Carneiro deram corpo na visão cubo-futurista, prende-se também, com o nascimento da heteronomia de Fernando Pessoa e pode, de alguma forma, ajudar a aproximar-nos da pesquisa plástica de Almada e do Pitagorismo ao longo da sua obra.” In GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.61.

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Numa nota que se estima ter sido escrita em 1916, escreve Fernando

Pessoa, em inglês, a propósito do sensacionismo, que este movimento

pretendia “realizar na arte a decomposição da realidade nos seus elementos

geométricos psíquicos” (Freitas, 1990, p.57). Se esta afirmação lembra, por

um lado, a análise a que precediam os pintores cubistas, por outro lado, a

presença da palavra «psíquicos» introduz a «dimensão de subjectividade»48

cujo desenvolvimento poderá conduzir à “consciência do valor

directamente iniciático da geometria” (Id., ibid., p.57). Os «psichic

geometrical elements»49 de Pessoa apontam para a possibilidade de uma

linguagem universal mediante a qual poderão enunciar-se os princípios

dessa “alta ciência da posição do espírito”50 a que se refere Alleau nos seus

estudos sobre o símbolo e que se manifesta na geometria simbólica, capaz

de apreender, por figuras, as “relações concebíveis entre o desconhecido e

o desconhecido, entre visível e invisível, entre racional e irracional ou

supra-racional”51.

Considerando, de igual modo, que Fernando Pessoa, enquanto poeta

e paradigma da modernidade portuguesa, construiu a sua obra sobre as

bases herméticas do simbolismo e do mito52 – órfico ou não –, deveremos

atentar para um comentário de João Gaspar Simões na biografia do poeta:

48 FREITAS, Lima de, Pintar o Sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitagorismo e a Geometria Sagrada, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1990, p.57 [1ª Ed. 1977]. 49 Segundo a terminologia saxónica original, idem, ibidem, p.57. 50 Veja-se a este respeito ALLEAU, René, A Ciência dos Símbolos, Edições 70, Lisboa, 2001 [ed. orig. La Science des symboles, Payot, Paris, 1996]. 51 Idem, ibidem, p.57. 52 Cf. GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.61.

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“(…) o certo é que a intuição do mistério foi desde tenra adolescência uma das intuições mais fundas de Fernando Pessoa. E se quisermos dizer a última palavra sobre aquilo a que chamámos de equívoco do «saudosimo» –, bem podemos com segurança afirmar que a atracção que sobre ele exerceram primeiro o «simbolismo» e depois o próprio «saudosimo» já era o resultado desse sentido do mistério e desse culto do Além que ele, alias, filosoficamente, procurou definir, concretizando no «transcendentalismo panteísta» a sua intuição de natureza «monista» do universo” (Simões, 1950, p.223).

Lima de Freitas refere a este propósito a importância pressentida

pelos «espíritos mais altos» do Século XX, por uma «geometria», ou

«topologia», das posições de consciência, desde André Breton a Paul

Valéry – que exerceu sobre Breton uma influência decisiva –, na procura

de um “ponto do espírito do qual a vida e a morte, o real e o imaginário, o

passado e o futuro, o comunicável e o incomunicável deixam de ser

apercebidos contraditoriamente” (Freitas, 1990, p. 57), cuja procura

constituía a mais elevada aspiração do fundador do surrealismo. Também

Valéry, na sua introdução ao Método de Leonardo da Vinci53, a propósito

daquilo a que chamava de «lógica imaginativa», falava de um “lugar do

qual o espírito pode indistintamente criar em todos os domínios da arte, da

filosofia e das ciências” (Id., ibid., p. 57).

No que respeita a Almada, que se intitulava «Poeta de Orpheu

Futurista e Tudo», é notório que atravessou, juntamente com um grupo

restrito, uma fase de luta declarada contra a mediocridade instituída. Mas a

verdade é que a sua vida e obra se constituíram na procura quase obsessiva

da «Ordem» na dimensão clássica, humanista e moderna, ou seja, pela via

de um abstraccionismo de características universais54.

53 VALÉRY, Paul, Introduction à la méthode de Léonard de Vinci, Gallimard, Paris, 1992 [ed. orig. 1919], in FREITAS, Lima de, Pintar o Sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitagorismo e a Geometria Sagrada, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1990, p.57 [1ª Ed. 1977]. 54 Cf. GALVÃO, Andreia – O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.61.

121

Pela sua atitude irreverente, sobretudo nos anos inconformistas do

primeiro modernismo português, apresentando-se como «futurista e tudo»,

terá sido, na verdade, muito mais um «cubista», como iria atestá-lo a parte

mais substancial da sua obra. A este respeito considera Lima de Freitas:

“A vertente ideológica, de facto, nunca o atraiu, mas a desmontagem das linguagens picturais herdadas do passado foi para ele [Almada], como para Picasso, Juan Gris, Braque, Gleizes, Metzinger, Delaunay, como ainda o foi para Kandinsky, para Amadeu de Souza Cardoso, para Paul Klee, permanente e crucial ponto de ‘meditação operativa’; e também, para lá dessa desmontagem, a criação ou invenção de uma linguagem canónica de «unanimidade». Tratava-se, sem dúvida, de um movimento de libertação relativamente aos preconceitos, chavões e clichés esvaziados do academismo de oitocentos; mas tratava-se também, assim o proclamou Almada retroactivamente na (…) conferência de 1934, de ter sido possível, ou de se ter sabido, «desenterrar todo o segredo do clássico». E estas palavras, na boca de Almada, significam que o «clássico», isto é, a Antiguidade (ainda que mal determinada ou qualificada), detivera um segredo, que para o pintor se consubstanciava em traçados reguladores, em secretas leis de proporcionamento, em maravilhosas figuras-chave capazes de operarem extraordinárias intensificações de sentido, em cânones imutáveis, entretanto esquecidos por séculos de complacência, de vulgaridade, de mercantilismo, de profanação. E assim esse «segredo», esse verbo dimissum, constituía o objecto escondido que incitava o desejo e a ambição dos modernos «cubistas». Ou assim o pensava Almada Negreiros” (Freitas, 1992, p.66).

De qualquer modo, os seus longos trabalhos de investigação sobre

traçados reguladores – que se devem mais ao seu conhecimento das obras

de Jay Hambidge55 ou de Mathila Ghyka56 do que ao cubismo órfico – e

que empreendeu durante praticamente todo o resto da sua vida, orientaram-

se por uma procura incessante das «secretas leis geométricas da arte».

Tomando como ponto de partida os Painéis do Museu de Arte Antiga

atribuídos a Nuno Gonçalves, esses estudos não buscavam, como ele o

afirmou posteriormente, um qualquer resultado sobre os mesmos painéis,

mas, exactamente, aquilo que – segundo ele próprio –, buscava a arte

moderna depois do impressionistas: “isto é, ir ao encontro de um

cânone”(Id., ibid., p.66). Tal afirmação comprova a necessidade de

Almada estabelecer, através do pitagorismo, uma nova procura para um

novo entendimento do universo e das leis que o regem, passível de ser

55 HAMBIDGE, Jay, Dynamic Symmetry: The Greek Vase, Yale University Press, 1920 e Idem, The Elements of Dynamic Symmetry, Yale University Press, 1926. 56 GHYKA, Matila Costiesco, EI Numero de Oro – ritos y ritmos pitagóricos en el desarrolo de la civilización occidental, Vol. I e II, Editorial Poseidon, Barcelona, 3ª ed. 1978 [1ª ed. 1968], [ed. original: Le nombre d’or: I. Les rythmes – II. Les rites, Gallimard, Paris, 1931] e idem, Estética de las proporciones en la naturaleza y en las artes, Ed. Poseidon, Barcelona, 1983.

122

transferido para o plano da representação através das artes, dando corpo a

uma procura abstraccionista, partindo precisamente da uma «velha» para

uma «nova» Ordem.

Cabe a Almada, segundo Lima de Freitas, o mérito «singularíssimo»

de ter sido o pioneiro de uma geometria «visionária» rigorosamente sujeita

às leis da «lógica imaginativa» – tal como Paul Valéry a sonhou –, ao

buscar, durante longos decénios, esse ponto da Bauhütte (que a crítica

portuguesa foi rigorosamente incapaz de perceber), cuja determinação

equivaleria à resolução da aspiração surrealista e revela ser, na ordem do

ver, a «Pedra Filosofal» capaz de «abrir» uma visão cósmica de absoluta

inter-subjectividade e de operar uma unificação qualitativamente

«revolucionária» no conhecimento e na consciência57. Refere ainda o

mesmo autor que também Pessoa apontara à arte a finalidade de «aumentar

a consciência humana»: “A Arte tem o dever de se tornar cada vez mais

consciente.” (Id. ibid., p. 58).

Por outro lado, ao considerar-se Fernando Pessoa, Almada Negreiros

e António Ferro como “três personagens órficas da caminhada portuguesa

para a modernidade”58, tendo cabido aos dois primeiros o papel de «guias»

artísticos e espirituais, enquanto ao terceiro, um papel determinante e

activo, como líder de um processo cultural e ideológico, mas moderno e

português, e pela influência que exerceram, de forma determinante, cada

um à sua maneira, nas gerações seguintes, estabelece Galvão uma hipótese

viável que nos parece contribuir para a confirmação de uma operatividade

canónica – assim como de intenções simbólicas –, no caso de algumas

obras de arquitectos dessa mesma geração, de entre os quais destacamos

Jorge Segurado e António Varela, como personalidades bastante próximas

deste grupo, sobretudo no que respeita a Almada Negreiros.

57 Cf. FREITAS, Lima de, Pintar o Sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitagorismo e a Geometria Sagrada, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1990, p.58 [1ª Ed. 1977]. 58 GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.62.

123

É ainda viável a possibilidade de uma ligação de Pessoa – tal como

Almada Negreiros –, temporariamente, à do casal Delaunay: egundo

apontam alguns autores, Mário de Sá-Carneiro chegou a referir, em

correspondência a Pessoa, a possibilidade de associar a revista Orpheu aos

Delaunay59. Do mesmo modo, esta ligação pode, “contribuir para aclarar

uma possível identidade do grupo do Orpheu com o orfismo pós-cubista,

futuro-interseccionista, com referências herméticas e simbólicas” (Galvão,

2003, p.62). Estas características serão passíveis de ser encontradas em

algumas correntes simbólico-expressionistas europeias deste período,

“situação que o envolvimento de Pessoa no grupo e a sua própria

personalidade, ajudam a confirmar”(Id., ibid., p.68). Sobre o grupo, que se

reunia no mítico café A Brasileira no Chiado, e no qual Fernando Pessoa e

Almada Negreiros eram as “pedras basilares de um processo de contornos

vanguardistas que envolveu posteriormente um grupo mais heterogéneo”

(Id., ibid., p.62), convém mencionar o posicionamento de Jorge Segurado –

com quem viria António Varela a formar uma sólida dupla de trabalho

durante toda a década de Trinta60. Segundo declaração do próprio

Segurado, quando este terá afirmado estarem todos “de braço dado com

Almada” (Id., ibid., p.62), referia-se mais propriamente à confluência de

ideais da geração de “homens de letras, artistas e arquitectos que se uniam

em volta de Almada, num espírito de identidade comum e movidos por

uma forte vontade de mudança” (Id., ibid., p.62). Acabariam assim, por

contribuir de uma forma inequívoca para a construção da modernidade

portuguesa.

59 “(…) no Inverno querem aí fazer um festival em que o nosso Orpheu terá parte. É a gente a explorar para a propaganda da revista no estrangeiro – pois valham o que valerem são gente aqui lançada.” (correspondência de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, CSC 190). Refira-se que o termo «aqui lançada» parece indicar, claramente, a cena artística parisiense ou o cenáculo artístico-literário órfico em torno de Appolinaire. Cf. MARTINS, Fernando Cabral e al., Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008, entrada “Delaunay, Robert e Sonia”, pp. 210-211. 60 V. Cap.4: A construção de um «espírito moderno» e a parceria com Jorge Segurado.

124

Fig.  40  –  Políptico  de  São  Vicente  de  Fora,  [atribuídos  a]  Nuno  Gonçalves,  aprox.  1460-­‐70  (Museu  de  Arte  Antiga,  Lisboa).  

Fig.  41  –  José  de  Almada  Negreiros,  estudo  geométrico-­‐simbólico  sobre  o  políptico  e  sua  [pressuposta,  segundo  Almada]  localização  no  altar  de  S.Vicente  de  Fora,  segundo  a  relação  9/10,    in    A  chave  diz:  faltam  duas  tábuas  e  meia  de  pintura  no  todo  da  obra    

de  Nuno  Gonçalves,  ensaio,  1950  [exemplar  de  António  Varela,  com  dedicatória  do  autor,  ass.  e  dat.:    Lx,  9-­‐11-­‐50].  

Foi sempre sob o espírito dessa «lógica imaginativa» – segundo a

expressão de Paul Valéry –, que Almada desenvolveu a sua pesquisa «ao

encontro do cânone», inaugurando um período de estudo do clássico

através dos conceitos numérico-pitagóricos e sobre os princípios

geométricos que pudessem fornecer um entendimento de um saber oculto.

A «aventura» terá começado em 1918, segundo o testemunho de Almada,

no «pacto», selado entre ele próprio, Amadeu e Santa Rita, ao decidirem

investigar os painéis atribuídos a Nuno Gonçalves [fig.40-41], numa alusão

a uma crítica da imprensa e a respeito da ignorância dos artistas do Orpheu

em relação à «arte antiga»61. Pacto este rompido rapidamente, com a

disputa e o falecimento de Santa Rita e Amadeu nesse mesmo ano. “Só

Almada ficou e prosseguiu a resolução tomada, não propriamente por um

capricho ou teimosia polémica, mas porque, ao investigar os painéis (…)

não fazia outra coisa, afinal, senão prosseguir os estudos dos trilhos

seguidos pela pintura.” (Freitas, 1992, p.27).

61 Segundo relato do próprio Almada: “Isto fez precisamente com que a facção plástica do Orpheu se sentisse e tomasse a peito a resolução de tratarmos também dos painéis (…). Jovens como éramos, esse pacto foi firmado do seguinte modo: cada um de nós mandou rapar a cabeça à navalha de barba e as sobrancelhas também”, in manuscrito intitulado Ver, de José de Almada Negreiros, Lisboa, 1943, publicado pela editora Arcádia em 1982, e FREITAS, Lima de, Almada e o Número, Editora Soctip, Lisboa 1990, p.27 [2ª edição]. Veja-se ainda a este respeito FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, p.137. [1ª ed. 1974].

125

Informado das feições da arte moderna, com base nas pesquisas

órfico-cubistas de referências neoplatónicas e neopitagóricas, por um lado,

e por outro, pelas pesquisas de Hambidge62, Mössel63 e Lund64, dos quais

tinha conhecimento65-66, prosseguiu Almada as suas investigações em

busca de um paradigma de uma sabedoria perdida, um arquétipo que

62 Jay Hambidge (1867-1924) foi um artista e geómetra americano, discípulo de William Chase, tendo-se notabilizado como investigador de Arte Clássica. Concebeu a ideia de que o estudo da aritmética em agregação com a análise geométrica dos desenhos terão sido o fundamento das leis de proporção e de simetria na arquitectura, cerâmica e escultura helénica. As numerosas análises que levou a cabo sobre algumas das principais obras do período clássico (o Parthénon, o Templo de Apolo em Figalia, a estátua de Zeus em Olímpia e a de Atena em Egina), levaram-no a formular a teoria da “Simetria Dinâmica” (1920), tendo dado origem a alguma polémica em torno do seu carácter inovador, uma vez que a principal crítica que lhe era apontada residia no facto de não se tratar de uma teoria inovadora, mas da recuperação de antigas técnicas esquecidas. Apesar da pertinência ao fundamento das críticas, é considerado uma referência fundamental na matéria, nomeadamente após a divulgação dos seus estudos em alguns autores de referência como Matila Ghyka e Dom Néroman, entre outros. Veja-se a este respeito HAMBIDGE, Jay, Dynamic Symmetry: The Greek Vase, Yale University Press, 1920 e The Elements of Dynamic Symmetry, Yale University Press, 1926, e GHYKA, Matila, Estética de las proporciones en la naturaleza y en las artes, Ed. Poseidon, Barcelona, 1983, pp.81-90 [1ª Ed. 1927]. 63 Veja-se a este respeito MOESSEL, Ernest, Die Proportionen in Antike und Mittelalter, Munique, 1926. e GHYKA, Matila, Estética de las proporciones en la naturaleza y en las artes, Ed. Poseidon, Barcelona, 1983, pp.95-101 [1ª Ed. 1927]. 64 Veja-se a este respeito LUND, Fredrik Makody, “Ad Quadratum”. A study of geometrical bases of classic and medieval religious architecture. With special reference to their application in the restoration of the cathedral of Nidaros (Trondjheim) Norway, Batsford Ltd, Londres, 1921. e GHYKA, Matila, Estética de las proporciones en la naturaleza y en las artes, Ed. Poseidon, Barcelona, 1983, pp.91-95 [1ª Ed. 1927]. 65 Convém relembrar a este respeito um comentário do próprio Almada Negreiros no seu manuscrito Ver, de 1943: “Estava bastante bem informado das tendências de Malevitch, Kandinsky, Paul Klee, Mondrian, cubistas, enfim, de todas as feições tomadas pela arte moderna depois da fantástica revolução dos impressionistas. E, por outro lado, pelo geómetra Hambidge e pelos arquitectos Ernst Mössel e Lund. Simplesmente, todos esses nomes que acabo de citar me tinham francamente elucidado, em arte, da expressão exacta do movimento impressionista. O movimento impressionista foi um ponto final e não um ponto de partida – o ponto de partida seria depois do ponto final (…). Não era absolutamente um resultado sobre os painéis a que eu me acometia, mas exactamente aquilo que buscava a arte moderna depois dos impressionistas. Isto é, ir ao encontro do cânone. Eis a razão fundamental de todo o meu trabalho.”, in Ver, de José de Almada Negreiros (Lisboa, 1943), (publicado pela editora Arcádia em 1982), e segundo FREITAS, Lima de, Almada e o Número, Editora Soctip, Lisboa 1990, p.27 [2ª edição]. 66 “Foi sempre sabido que os Gregos usavam um cânone secreto de proporções, apenas revelados a iniciados, e que esse cânone foi herdado dos Egípcios, que por seu turno o guardariam desde a mais alta antiguidade. Nos começos deste século [XX], o americano Jay Hambidge redescobriu em parte o antigo cânone, ao cabo de longos anos dedicados ao estudo dos modelos geométricos que teriam determinado o sistema de proporcionamento usado pelos Gregos na pintura, na escultura, na cerâmica e na arquitectura. As investigações de Hambidge foram publicadas na revista «The Diagonal», editada pelo próprio, e posteriormente reunidas no volume The Elements of Dinamic Simmetry, cuja aparição excitou considerável interesse em toda uma geração de artistas, estudantes e investigadores da história da arte, incluindo Almada Negreiros.”, in FREITAS, Lima de, Almada e o Número, Editora Soctip, Lisboa 1990, p.59 [2ª edição]. Porém, o mesmo autor refere-se a um comentário de John Mitchell: “Os esforços de Hambidge para persuadir artistas e arquitectos das vantagens que adviriam do uso das proporções canónicas tiveram, em geral, pouco sucesso. Os artistas, encorajados por uma sociedade fragmentada a considerar-se a si próprios como individualidades de génio original, não cuidaram nos tempos modernos de estudar os deuses eternos da harmonia visual, preferindo as alegrias a miragens da expressão livre às certezas psicológicas do cânone”, segundo MICHELL, John, City of Revelation, Garnstone Press, Londres, 1972, citado por FREITAS, Lima de, Almada e o Número, Editora Soctip, Lisboa 1990, p.59 [v. nota 73].

126

conferisse um sentido à portugalidade contemporânea – naquilo que irá

consubstanciar, mais tarde, já em 1935 e na última parceria com Fernando

Pessoa, como «direcção única», no encontro do Mito, do Logos e da

História. Como consequência do estudo dos painéis, virá a interessar-se

também pela pintura portuguesa de quatrocentos, o que de igual modo o

conduziu ao estudo da tratadística de Francisco de Holanda – interesse que

manteve em comum com Jorge Segurado, tendo este publicado um vasto

estudo sobre o arquitecto e pintor renascentista, já em 197067.

Por outro lado, é de realçar, que o “lusitanismo homérico de Almada,

fonte simbólica, mítica e universalista de renovação da portugalidade”

(Galvão, 2003, p.64), terá sido, também, segundo apontam alguns autores,

fruto do mito de uma “cultura e civilização mediterrânea” (id, ibid, p.64).

Por esta via, será possível discernir, tanto na obra de Almada como na de

Jorge Segurado, dois percursos paralelos dessa mesma cultura clássica:

entre um classicismo «culto» e racional, e uma arquitectura vernacular e

«cúbica» do «sul», de uma forma “sentimental e simbolista, animada

simultaneamente por um certo fascínio pelas formas geométricas e

volumes puros” (id., ibid, p.64), comprovando-se, a título de exemplo, o

projecto de Segurado para o Estúdio e Habitação do pintor Modesto

Cadenas68, de 1927.

Em consequência, torna-se possível observar a mesma procura das

regras que permitissem orientar a abstracção e a procura de leis universais

através do mediterranismo69, como arquétipo de um classicismo primordial

– o que parece ir ao encontro da definição «purista» de Le Corbusier sobre

67 Veja-se a este respeito SEGURADO, Jorge, Francisco d’Olanda, Edições Excelsior, Lisboa, 1970. 68 GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.64. 69 “(…) parece tratar-se de uma corrente moderna comum ao Movimento Moderno e ao Novecentismo difundido por Eugénio d’Ors, versão “popular” e universalista do classicismo, o “ser” e “sentir” de um povo em volta de “um mar”, e o peso milenar de uma civilização comum, regionalizada geograficamente, mas de uma valia universal.” Idem, ibidem, p.87, nota 98.

127

a Arquitectura, como “O jogo harmónico e correcto dos volumes dispostos

debaixo do sol”70, em Vers une Architecture, de 1923.

Que esse «sol» fosse «mediterrânico», é, ao que tudo indica, o tom

que terá imprimido Le Corbusier ao apresentar uma conferência em

Madrid, em 1928 – por altura da estadia de Almada na mesma cidade71 –, e

que versava, entre outras questões, o tema da mediterraneidade. Segundo

Juan Osinaga, Le Corbusier abordara este tema dentro da mesma «visão

iconoplástica» das suas procuras sobre a proporção áurea nos vasos gregos,

transformados em formas-tipo, como garrafas ou prismas, na declinação da

sua obra pictórica da fase purista72.

Alguns apontam como sendo provável que esta forma de

mediterranismo, pela via formalista pós-cubista, combinada com aspectos

geométricos e simbólicos, tenha influenciado, precisamente, “a procura

que Almada iniciava após a sua partida de Portugal no seu olhar sobre os

painéis, como na tentativa de aferir a relação canónica das proporções do

Tesouro dos Atenienses em Delfos e do vaso de Susa, em 1928, já em

Madrid” (id., ibid, p.65), e relativamente à relação 9/10, entre o

mensurável e o incomensurável73, e o «Número de Ouro». Apontando o

70 LE CORBUSIER, Vers une architecture, Crès, Paris, 1923, p.16. [Ver supra, Cap. 1, nota 63]. 71 FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, p.136. [1ª ed. 1974]. 72 Cf. LE CORBUSIER, The Modulor, Birkhäuser, 2003, p.213 [seg. a ed. orig. inglesa: The Modulor e Modulor 2 – let the user speak next, Faber and Faber, 1954 e 1958]. 73 Numa perspectiva simbólica, refere-se Lima de Freitas a respeito da razão 9/10 de Almada: “Não é meu intuito explicar o que Almada pensou e deixou dito, escrito e desenhado sobre o Número, o cânone, a relação nove/dez: é matéria que ou se vê ou não se vê, e sem ver não há explicação que valha. Procuro neste arrazoado, há míngua de fazer ver (que só cada um por si pode ver se quiser e puder abrir os olhos), meramente indicar ao leitor para onde cabe olhar, se tal não lhe parece de todo desprovido de interesse. Aos mais atentos não terá escapado, sem dúvida, que o cânone de que aqui se fala se refere a essas «leis de uma harmoniosa mistura», aludidas acima por Lautman e traduzidas, no sensível, em relações de razões capazes de garantir a perenidade da Obra, a unidade do que é diferente, a identidade do que é irredutivelmente outro, essa assimetria no seio da simetria de onde brota a Harmonia incessante, que no infinito se confunde com o Perfeito. Almada chamou-lhe simplesmente razão nove/dez porque achou que o diâmetro do círculo inscrito no quadrado é igual a duas vezes a corda da nona parte do círculo mais a corda da sua décima parte, encontrando assim uma relação por traçado entre o lado do quadrado e duas cordas do círculo inscrito, isto é, qualquer coisa como a aproximação da «quadratura do círculo». De outro modo ainda: Almada achou com régua e compasso, «sem cálculo», uma razão unitiva entre dois incomensuráveis, a qual relaciona o par e o ímpar, o simétrico e o assimétrico, de algum modo os símbolos sensíveis do mesmo e do outro. Para uma exegese simbólica baseada na tradição da ciência numeral dos antigos, tal relação entre o 9 e o 10 equivale ainda à relação entre consciência individualizada, no seu extremo paroxístico (arquétipo do «Filho» e promessa de reunificação), e o número redondo da Unidade restabelecida no fim do ciclo e abrindo sobre os ciclos futuros que dele brotam. Sobre a relação nove/dez lemos isto no opúsculo Mito-Alegoria-Símbolo: No tesouro dos Atenienses em

128

«Mito» como o texto do «Logos» e, através deste, os três poemas de

Homero como «Alegoria e Símbolo” desse mesmo mito, fundamentava o

pintor-poeta a «descoberta» de uma história «esquecida pela Europa», mas

justificativa do próprio «Mito Lusitano», tendo sido dado à estampa no

ensaio Mito-Alegoria-Símbolo, em 194874.

É nesse «resgate» de um «legado» da História que se fundamenta a

procura de Almada e de Pessoa em torno da Tradição, no sentido da

«Direcção Única», ideia-chave que Almada acalentava desde 192075 para a

publicação SW – Sudoeste76 [fig.42], da qual sairiam apenas três números,

em 1935, no mesmo ano da morte do seu co-autor, Fernando Pessoa:

Delfos, os comprimentos da arquitrave e da cornija são a relação contígua 9.10 (ou 9.0 ou 9.∞), respectivamente de finito e de infinito, no todo do monumento infinito-finito. Não é determinado da arquitrave como lado do quadrado no traçado grego, mas a relação de «determinado e indeterminado» da arquitrave e da cornija, que domina todo o edifício. O idioma onde arquitrave for masculino e cornija feminino guarda bem a relação macho-fêmea, uma das dez contrariedades ou princípios do número, e por esta talvez guarde também a segunda das duas principais contrariedades ou princípios do número, Par-Ímpar, na qual está a relação das extensões 9.10 da arquitrave e da cornija antes de na Fêmea-Macho.”, in FREITAS, Lima de, Almada e o Número, Editora Soctip, Lisboa, 1990, p.86-87 [2ª edição]. Numa perspectiva unicamente geométrico-aritmética, vale a pena mencionar a seguinte demonstração: “Do pentalfa tirou Almada uma maneira muito prática de obter a nona parte do círculo. Aqui aparece já um invariante canónico, 2R = 2x (δ/9)+(δ/10), na notação de Almada, que significa: o diâmetro é igual a duas vezes a corda da nona parte mais a corda da décima parte, ou ainda, o diâmetro é igual a duas vezes o lado do eneágono regular mais o lado do decágono regular. Esta é uma das razões por que Almada usa a expressão relação nove/dez tanto para designar uma constante canónica como para designar o próprio cânone. Ao tomar as cordas pelos arcos na divisão do círculo cometem-se erros. Porém, os erros absoluto e relativo vão diminuindo com o arco. Quando se chega às nona e décima partes do círculo, então a razão das cordas já é praticamente igual à razão dos arcos. Esta é 9/10; a das cordas pode-se dizer que é igual, com um erro inferior a 4‰. Por isso Almada chamou ao seu sistema relação nove/dez em vez de razão nove/dez, querendo frisar a diferença entre relação e proporção.” In REIS, Luis, artigo Começar por Almada Negreiros ou Ode à Geometria, in Educação e Matemática, nº 92, Março/Abril, 2007, pp.33-34. Veja-se ainda a este respeito COELHO, João Furtado, Os princípios de Começar, in Revista Colóquio/Artes, nº100, pp.8-23 e p.75. 74 Cf. GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, nota 101, p.87. 75 NEGREIROS, Almada, Vistas do SW, in SW – Sudoeste – cadernos de Almada Negreiros, n° 2, Novembro de 1935, ed. SW, Lisboa, 1935, p.3. 76 Veja-se a este respeito ROCHA, Clara, entrada Sudoeste, in Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008, pp. 827-829, e FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, p.321 [1ª ed. 1974].

129

Fig.  42  –  José  de  Almada  Negreiros,  SW  –  Sudoeste,  

nº2,  Outubro  de  1935.  

“Tudo começava lá, ao princípio / num ponto: / um simples ponto sem dimensão, / e do qual partiam depois todas as linhas / todos os ângulos, cones e sectores / de uma esfera infinita / da qual a terra era uma pequena reprodução / e eu uma pequena reprodução da terra (…)” (SW-Sudoeste, nº2, 1935, p.20)77.

Muito embora incluído na mesma publicação, notório é o facto de

Almada o datar, simbolicamente, de «1915-1935» – como sinal de uma

longa busca por parte daqueles que, à data, num artigo da mesma

publicação, Fernando Pessoa intitulou, com propriedade, Nós, os de

Orpheu78.

É através desta imagem que Almada traduz, esotericamente, o

princípio platónico-pitagórico da multiplicidade do Uno («coincidentia

opositorium»)79 e da relação entre microcosmos e macrocosmos [fig.42],

no mesmo sentido que levou Pessoa a afirmar “Tudo em nós é o ponto de

onde estamos”, numa unidade do autor para além da sua heterónimia,

expressando deste modo, e em simultâneo, a procura dessa mesma

Direcção Única imanente à temática Sudoeste/Europa/Portugal80, e

77 Excerto do poema As Quatro Manhãs, de Almada Negreiros, in SW – Sudoeste – cadernos de Almada Negreiros, n° 2, Novembro de 1935, ed. SW, Lisboa, 1935, p.20. 78 Veja-se a este respeito o artigo de Fernando Pessoa, Nós os de Orpheu, in SW – Sudoeste – cadernos de Almada Negreiros, n° 2, Novembro de 1935, ed. SW, Lisboa, 1935, p.3. 79 Veja-se a este respeito o comentário de Albert Lautman sobre este conceito platónico, expresso, inicialmente, no Timeu: “Ao ver assim definir o sensível por uma mistura de simetria e dissimetria, de identidade e de diferença, é impossível não evocar o Timeu, de Platão. A existência dos corpos repousa aí sobre a existência desse receptáculo a que Platão chama o Lugar e cuja função consiste, como mostra Rivaud no prefácio da sua edição do Timeu, em permitir no mundo sensível e multiplicidade dos corpos e a sua alternância num mesmo sítio, do mesmo modo que, no mundo inteligível, o papel da Ideia do Outro é de assegurar, pela sua mistura com o Mesmo, simultaneamente a ligação e a separação dos géneros. Esta referência a Platão permite compreender que os materiais de que é formado o Universo não são tanto os átomos e as moléculas da teoria física, mas esses grandes pares de contrários de ideais como o Mesmo e o Outro, o simétrico e o dissimétrico, associados entre si segundo as leis de uma harmoniosa mistura”, in LAUTMAN, Albert, Simétrie et Dissimétrie en Mathématiques et en Physique, in Cahiers du Sud, Marselha, 1948, segundo FREITAS, Lima de, Almada e o Número, Editora Soctip, Lisboa 1990, p.86 [2ª edição]. Prossegue Lima de Freitas, na mesma linha de raciocínio: “Com efeito, o «Mesmo» e o «Outro» colheu-os Platão na escola Pitagórica e graças a Porfírio, que cita um tratado desaparecido de Moderato de Cadiz, célebre matemático pitagórico do tempo de Nero. Sabemos que os pitagóricos chamam Um à ideia de identidade, de unidade, de igualdade, de concórdia e de simpatia no Mundo, e Dois à ideia de outro, de discriminação, de desiguladade. Também Nicómaco afirma, seguindo a terminologia do Timeu, que os princípios ou origens do Número e de todas as coisas são o «Mesmo» e o «Outro»”, in FREITAS, Lima de, Almada e o Número, Editora Soctip, Lisboa 1990, p.86 [2ª edição]. 80 Veja-se a este respeito o artigo introdutório de Almada Negreiros, Portugal no mapa da Europa, in SW – Sudoeste – cadernos de Almada Negreiros, n° 1, Outubro de 1935, ed. SW, Lisboa, 1935, p.3.

130

Fig.  43  –  José  de  Almada  Negreiros,    

Penta-­Alfa,  traçado  em  Começar,  1968-­‐69  [lcentro].  

Fig.  45  –  José  de  Almada  Negreiros,    

o  Ponto  da  Bauhütte,  1957,    óleo  sobre  tela.    

Fig.  44  –  José  de    Almada  Negreiros,    

o  Ponto  da  Bauhütte  segundo  o  método  de  Almada  [razão  do  lado  do  pentágono  e  do  lado  do  quadrado],  traçado  em  Começar,  1968-­‐69  [lateral  direita].  

Mística Colectiva81, cuja travessia podia ser feita «sobre o Mito, o Logos e

a História»82, e por fim, através de um «reencontro» com a lusitaneidade83.

É também em torno deste mesmo ideário, na procura de uma

ultrapassagem da dualidade passado/futuro, ou da tradição/modernidade,

que Almada irá estudar o Ponto da Bauhütte [fig.44], perseguindo o

mesmo «mito novembrista»84 da Catedral – o mesmo que inspirara o

idealismo da Bauhaus de Weimar –, por via dos traçados da Grande Loja

de Estrasburgo85.

Tal pesquisa permitir-lhe-à, através de uma estrutura geométrico-

filosófica fundamentalmente platónica e pitagórica – iniciática –,

simbolicamente harmonizar os contrários e «casar os opostos», tema sobre

o qual viria a alicerçar toda a sua travessia para a modernidade [fig.45], e

cristalizar na sua obra-mestra, no final da sua existência, o painel do átrio

da Fundação Calouste Gulbenkian [fig.46], que o pintor-poeta intitulou

ironicamente, – ou talvez mais «iniciaticamente» – Começar86 (1968-69),

81 Veja-se a este respeito o artigo Mística Colectiva, in SW – Sudoeste – cadernos de Almada Negreiros”, n° 1, Outubro de 1935, ed. SW, Lisboa, 1935, p.30-31, e a entrada Sudoeste, de Clara Rocha, in Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Editorial Caminho, 2008, pp. 827-829. 82 GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.65. 83 Idem, ibidem, p.65. 84 FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Martins Fontes, São Paulo, 1997, pp.140-141, [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980]. 85 Veja-se a este respeito RZIHA, Franz, Études sur les marques des tailleurs de pierre – La Géométrie secrète – l'histoire, les rites & les symboles des Compagnons tailleurs de pierre du Saint-Empire Romain Germanique & de la Grande Loge de Strasbourg, col. Voies Traditionnelles, coord. de Jean-Pierre Bayard, Éditions de la Maisnie, Guy Trédaniel Éditeur / La Nef de Salomon, Jean-Michel Mathonière Éditeur, Paris, 1993 [edição original alemã de 1883]. 86 Veja-se a este respeito o comentário de José-Augusto França: “Estamos perante uma outra obra-prima da arte portuguesa, muito provavelmente a obra mais importante do terceiro quartel do século (…). A criação de Almada conclui-se nela – numa espécie de «da cappo» coerente com o próprio sentido de uma poética circular e infinita. O título «Começar» significa isso mesmo, transformando o finito da «démarche» do artista num infintivo de criação («Põe-te a nascer outra vez!» escrevera Almada em 15, n´«A Cena do Ódio»). Por esta obra começa realmente a mensagem sófica de Almada – e, «sem texto, sem enigma, sem cálculo, sem opinião», estão aqui as «cinematografias geométricas da relação 9/10», anunciadas em 60, e está também a conclusão mítica de longos estudos sobre os painéis de Nuno Gonçalves. O «Muro Gulbenkian» de Almada reúne, nas quatro zonas solidárias da sua composição: a) um esquema gráfico da «relação 9/10» com o pentagrama

131

esgrafito-síntese de suas pesquisas desde a relação 9/10 às tábuas de

Pitágoras, e culminando no Ponto da Bauhütte87[fig.44].

Por considerá-la uma verdadeira «mensagem» de iniciação esotérica

– pois acreditava que «só a Geometria é verdadeiramente iniciática» –, foi

este o ponto de chegada de uma vida de labor dedicada «à descoberta do

Cânone», pelo que não terá feito senão «re-começar»88 – através do mito

eliadeano do Eterno Retorno89 –, a manifestação poética de A invenção do

dia claro90, sendo possível, nestes termos, e sob o «signo» do Ver,

considerar-se ser esta obra, para Almada Negreiros, aquilo que a

Mensagem é para Fernando Pessoa: legados iniciáticos de dois construtores

da modernidade portuguesa91.

inscrito na circunferência e um jogo de rectângulos em que o «número de ouro» se representa; b) a «Figura Supérflua Exerrore» de Leonardo da Vinci, a circunferência dividida por estrela de dezasseis pontas, ou por metade dela em razão do corte a que a parede força a composição; c) as tábuas de Pitágoras, centro ao mesmo tempo exacto e emblemático de toda a composição gravada; d) o desenvolvimento de uma rede complexa de traçados que culmina na determinação do «Ponto da Bauhütte», ponto «colocado no círculo e encontrado no quadrado e no triângulo», que já fora motivo de um dos quadros da série exposta em 57.” In FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, pp. 502-503 [1ª ed. 1974]. 87 Idem, ibidem, pp. 502-503. Veja-se a este respeito o manuscrito Ver, de José de Almada Negreiros (Lisboa, 1943), (publicado pela editora Arcádia em 1982), e os ensaios de Lima de Freitas sobre o tema: FREITAS, Lima de, Pintar o Sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitagorismo e a Geometria Sagrada, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1990, [1ª Ed. 1977], e FREITAS, Lima de, Almada e o Número, Editora Soctip, Lisboa 1990. 88 Comenta a este respeito José-Augusto França: “Uma citação de Alain, ao começo da leitura da composição, situa a condição desta leitura: «Kant m’apprit qu’il n’y a point de nombres et qu’il faut faire les nombres chaque foi qu’il faut les penser.» Esta invenção permanente, em «ingenuidade», justifica a presente obra [o painel Começar], e toda a obra de Almada. A ela se pode chamar, geralmente, «a invenção do dia claro», título que, em 21, pontuou a criação poética do artista. A ligação entre os vários momentos dessa criação foi feita na obra final – que se apresenta, necessariamente como de «começo».” In FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, pp. 502-503 [1ª ed. 1974]. 89 Veja-se a este respeito ELIADE, Mircea, Le mythe de l’éternel retour, Gallimard, Paris, 1969. 90 NEGREIROS, Almada, A invenção do dia claro – escripta de uma só maneira para todas as espécies de orgulho, seguida das démarches para a Invenção e acompanhada das confidências mais íntimas e geraes / Ensaio para a iniciação dos portugueses na revelação da pintura / Com um retrato do autor por ele próprio, Editora Olisipo, Lisboa, 1921, com base no exemplar com dedicatória para a pintora Alice Nazareth Fernandes, [filha do seu patrono Agostinho Fernandes], onde se pode ler, a manuscrito: “Não há bôa educação sem desenho.” ass. e dat.: “Almada, Lx, 4-5-35”. 91 Segundo Lima de Freitas, o ponto encontrado por Almada Negreiros e que representou no painel Começar, não responde totalmente à enigmática quadra dos entalhadores da antiga federação da Bauhütte: “Um ponto que está no círculo / E que se põe no quadrado e no triângulo. / Conheces este ponto? Tudo vai bem. / Não o conheces? Tudo será em vão” [trad. do alemão: Ein Punkt der in dem Zirkel geht, / Der im Quadrat und Dreyangel steht. / Kennst du den Punkt?, so ist es gut /, Kennst du ihm nit, so ist's umbsonst!]. Segundo o autor: “O traçado achado por Almada para determinar o ponto da Bauhütte constitui, quanto a mim, uma meritória aproximação, mas não responde inteiramente às exigências postuladas pela célebre quadra (...). O ponto de Almada comanda, de facto, a construção do quadrado e do triângulo no círculo, contudo não está no círculo; por outro lado, o triângulo obtido não é equilátero e não corresponde, portanto à perfeição do Três.” In FREITAS, Lima de, Almada e o Número, Editora Soctip, Lisboa 1990, pp.53 e 55. Por seu lado, Lima de Freitas demonstrou a obtenção do ponto da Bauhütte – assim como a razão 9/10 –, através

132

Fig.  46  –  José  de  Almada  Negreiros,    

Começar,  1968-­‐69,átrio  da  Fundação  Calouste  Gulbenkian    

do método da Vesica Piscis [o «olho do peixe»], pelo qual o autor rectifica o triângulo e unifica o conjunto de todas as figuras regulares no mesmo sistema harmónico. Cf. idem, ibidem, pp.53-56 e pp.110-111. Veja-se ainda a este respeito RZIHA, Franz, Études sur les marques des tailleurs de pierre – La Géométrie secrète – l'histoire, les rites & les symboles des Compagnons tailleurs de pierre du Saint-Empire Romain Germanique & de la Grande Loge de Strasbourg, Éditions de la Maisnie/La Nef de Salomon, Paris, 1993, p.X [prefácio], [segundo a edição original alemã de 1883].

133

134

                                           

SEGUNDA PARTE

PERCURSO DE UM ARQUITECTO À SOMBRA DE GIGANTES

135

Fig.  47  –  Lino  António,  Nós,  óleo  sobre  tela,  1923,  (da  esq.  p.  a  dir.:    Narciso  Costa,  António  Varela,    Luis  Fernandes  e  Lino  António).    

135    

FORMAÇÃO ACADÉMICA

E CRIAÇÃO DE UMA IDENTIDADE CULTURAL

3.1. INTRODUÇÃO

António Varela procurou definir-se em primeiro lugar como pintor, –

e, acrescentava, por vezes, «modernista»1 –,sendo nessa qualidade que se

apresentou pela primeira vez na Escola de Belas Artes do Porto, assim

como, mais tarde, no contexto artístico da Lisboa dos anos Vinte.

Posteriormente, e abandonada qualquer pretensão ao exercício da pintura

como actividade principal, “mais por influência do que por verdadeiro

talento”2, ficou o epíteto de «modernista», não só como arquitecto, mas

1 Segundo testemunho vivo de Jaime Aschemann Palhinha ao autor em 1999, tendo sido este o filho de Jaime Palhinha, construtor algarvio responsável pela edificação da casa de férias de Agostinho Fernandes na Praia da Rocha, em 1939, e pela remodelação da fábrica de Lagos da Algarve Exportador, em 1942, também da autoria de Varela [v. 7.3.]. Assim também o recorda Maria do Céu Varela Pimentel de Figueiredo. Veja-se ainda a este respeito a entrevista concedida por Jorge Segurado ao Jornal dos Arquitectos em 1989, in FERREIRA, Fátima, e ALMEIDA, Pedro Vieira de, Jorge Segurado: arquitecto do Modernismo em Portugal, Jornal dos Arquitectos nº 76, 1989. 2 A actividade de Varela como pintor parece ter sido mais por influência do que por grande talento, de início, e mais como um escape «por fastio», já no fim de sua vida [seg. depoimentos de Maria do Céu Rodrigues Pimentel Varela ao autor]. Numa época em que era bastante comum a partilha de ateliers entre arquitectos e artistas plásticos, não será de negar que o ambiente de camaradagem dos seus anos de juventude com os grupos de pintores tenha marcado o processo de construção da sua identidade e a sua consequente iniciação à pintura. Levado a algum experimentalismo pictórico, auto-denominando-se de «impressionista», (com alguma influência certamente «fauvista», pelo recurso a grandes intensidades cromáticas), parece sobretudo marcado pela temática pictórica e figurativa de Lino António, e, mais tarde, sob a influência de Braque, Gleizer e de um Picasso do período do cubismo sintético, assim como de algum surrealismo, no que respeita à representação

CAPÍTULO 3

136

Fig.  48  –  António  Varela,  Chiado,  s.d.,  (anos  30).    

também como traço social, de alguém que era apontado como «diferente» e

«vanguardista»3, imagem de quem fica essencialmente para a História

como figura associada ao período «heróico» do modernismo português.

Segundo o testemunho de alguns familiares e amigos, este aspecto da sua

identidade terá sido sempre reivindicada por si próprio4, e pode,

porventura, contribuir para a descodificação do seu discurso formal, assim

como de alguns dos seus métodos compositivos em matéria de desenho

arquitectónico.

A sua caracterização psicológica parece no entanto ser dual. Se, por

um lado, é relembrado por familiares como um indivíduo jovial, de espírito

vivo e dinâmico, “que não perdia uma ocasião para viajar (a Paris, sempre

que «possível»)”5, por outro, também era muito reservado no que

respeitava a sua privacidade pessoal e o seu trabalho6.

Segundo se vai conseguindo apurar, a sua existência parece ter

balançado entre uma vida social e familiar, na aceitação da cultura do

«bom gosto», típico da burguesia metropolitana, e uma «outra» vida, que

não sendo «secreta», seria no mínimo bastante «discreta», feita de tertúlias

e «compromissos diversos»7. Esta dualidade pode ler-se como

característica de algumas personalidades da época, tendo sido certamente

«sintoma» de uma geração, comprometida com várias dinâmicas sócio-

político-culturais, e com as quais inevitavelmente aprendeu a lidar, entre o

«ouvir» e o «calar», mas também parece comprovar a postura de Varela no

que respeita ao «silêncio» em torno do seu próprio trabalho. A verdade é

que muito raramente escrevia ou mesmo assinava (quadros, desenhos,

etc.), o que parece contrastar com o volume de documentação pessoal das

figuras mais próximas com quem colaborou8. Não é de negar que a

onírica e por vezes fantástica de algumas composições. Em termos gerais, o seu interesse pela pintura e a vanguarda artístico-literária comprova-se pela sua biblioteca, onde pontuavam, para além destes últimos, livros e catálogos sobre Bonnard, Leger, Van Gogh, Cézanne, Matisse, Gris, Duffy, Klee, Mondigliani, Chirico, Valéry e Appolinaire, entre outros. 3 Segundo depoimentos de Maria do Céu Varela Pimentel de Figueiredo ao autor. 4 Idem. 5 Idem. 6 Idem. 7 Idem. 8 Referimo-nos especificamente a Jorge Segurado, Carlos Ramos, Almada Negreiros, Eduardo Viana e Lino António, na qualidade de personalidades bastantes próximas de António Varela.

137

proeminência destes também possa explicar o seu «silêncio», noutro

«caminho» – que seria o dele.

Aqui parece Varela afastar-se do entusiasmo a que inicialmente

aderiu parte dos arquitectos e artistas da geração modernista, sendo

relembrado como alguém um pouco à margem, que não se seduziu muito

com as novas oportunidades que o regime do Estado Novo proporcionou a

essas “duas dúzias de rapazes cheios de talento”9 – e que lentamente

condicionou –, nutrindo mesmo “um certo distanciamento irónico”10 face

ao ideário da política nacionalista11.

Terá sido este equilíbrio por vezes difícil, entre o sentido do

colectivo e do dever cívico, e o individual da esfera privada, que parece ter

orientado Varela durante toda a sua vida, na sua dedicação à arquitectura,

mas de igual modo, no exercício da sua liberdade de consciência12.

9 Segundo uma famosa entrevista de António Ferro a Salazar, publicada no Diário de Notícias em 1933, a respeito da necessidade, avançada por Ferro, em «aproveitar» o talento da nova geração de artistas e arquitectos em prol do novo regime. Este episódio é testemunho da «Política do Espírito» preconizada por Ferro que marcou toda a década. Cf. PORTELA, Artur, Salazarismo e artes plásticas, Biblioteca Breve, Volume 68, ed. Instituto da Cultura a da Língua Portuguesa, Divisão de Publicações, Lisboa, 1987, p.16 (veja-se ainda a este respeito a nota 73 do presente capítulo). 10 Segundo depoimentos de Maria do Céu Varela Pimentel de Figueiredo ao autor. 11 Este seu distanciamento face à ideologia nacionalista do Estado Novo ter-se há mantido de forma discreta, numa época em que algum favorecimento laboral da encomenda pública se começou a orientar por alguns critérios de «afinidades» para com o regime. Mas o posicionamento político-social de Varela é pouco claro (se é que alguma vez se manifestou publicamente, para além de uma vaga ironia que por vezes deixava transparecer em privado) e não terá sido tão determinante como – a título de exemplo –, no caso de um Cassiano Branco, sendo de considerar que apenas mantivesse um cauteloso distanciamento «apolítico», o que parece mais conforme ao seu temperamento pautado pela discrição. Mesmo que ideologicamente se tenha distanciado do fenómeno de instrumentalização da arquitectura por parte do regime (sobretudo a partir da década de Quarenta), tal não o impediu tampouco de assegurar encomendas, ou colaborar solidariamente com Jorge Segurado em matéria de desenvolvimento de projectos estatais, pelo que consideramos não se dever «extremar» ilações a respeito desta matéria. 12 Veja-se a este respeito uma entrevista concedida ao Diário da Manhã em 1934. V. Anexo I.

138

Fig.  49  –  António  Varela,  (extr.  esq.)  retrato  de  grupo  frente  à  Escola  Artística  Soares  dos  Reis,  Porto,  s.d.    

3.2. LEIRIA E A ESCOLA DO PORTO

António Jorge Rodrigues Varela nasceu a 17 de Novembro de 1903,

em Leiria, último de quatro filhos de Carlos Varela Lopes, comerciante de

panos, e Adelina Rodrigues. De espírito vivo e algo irrequieto, desde cedo

se destacou pela sua incansável persistência13, o que viria a marcar algum

inconformismo que o terá acompanhado no período de maturidade. Na sua

cidade natal, frequentou o Liceu Nacional de Rodrigues Lobo, podendo

considerar-se que a convivência que terá mantido com um grupo de artistas

locais, no qual se destacam as figuras tutelares de Ernesto Korrodi e de

Narciso Costa, terá em muito contribuído para a sua formação inicial14.

Deste período formativo em Leiria, destacam-se estas duas figuras

da geração anterior: o escultor e professor Narciso Costa e o pintor suíço

estabelecido na região, «Mestre» Korrodi15. Da mesma geração de José

Luis Monteiro, Norte Júnior, Tertuliano Marques e Ventura Terra, Korrodi

pertenceu a uma época marcada pelo domínio da formação clássica das

Belas Artes, tendo exercido, de igual modo, como docente, no ensino

profissional, e na qualidade de director da Escola Industrial Domingos

Sequeira, (Leiria), sucedendo a João Ribeiro Cristino da Silva, entre 1905 e

13 Segundo depoimentos familiares, a sua alcunha de juventude era «o labareda»… 14 Veja-se a este respeito a entrada VARELA, António Jorge Rodrigues, Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Verbo, Lisboa, 1980-1986, vol. XXXIV, p. 182. 15 Ernesto Korrodi nasceu em Zurique, a 30 de Janeiro de 1870. Em 1888 conclui o curso de escultor-desenhador e de professor de desenho. Concorre, na delegação do Governo Português de Berna, a um lugar de professor de desenho, na sequência da reforma das escolas industriais de Emídio de Navarro. Entre 1889-1894, lecciona na Escola Industrial de Braga e, em 1894, é transferido para a Escola Industrial Domingos Sequeira, em Leiria. Foi responsável pelo restauro e remodelação dos castelos de Leiria, Porto de Mós, Pombal e Paço de Ourém. Elaborou um estudo de reconstrução do Castelo de Leiria e esboços de reconstituição do de Porto de Mós. Recebeu a encomenda de um projecto para os Paços Municipais de Leiria. Associou-se ao engenheiro militar José Theriaga, e abriram juntos um «consultório de engenharia civil e arquitectura», em Leiria. Casou com Quitéria da Conceição Maia, professora do ensino primário na freguesia de Marrazes (Leiria), ficando assim sempre associado à cidade de Leiria onde viria a falecer em 3 de Fevereiro de 1944. Arquitecto e desenhador de prestígio, foi-lhe atribuído o prémio Valmor em 1910 e 1917, tendo a sua obra prosseguido com seu filho Camilo Korrodi. Veja-se a este respeito a entrada [Korrodi], Fundos Arquivísticos de pessoas singulares, Arquivo Distrital de Leiria, Leiria, e COSTA, Lucília Verdelho da, Ernesto Korrodi, 1889-1944, Arquitectura, ensino e restauro do património, Editorial Estampa, Lisboa, 1997, pp. 116-119.

139

Fig.  50  –  Eduardo  Viana,  Retrato  do  Arquitecto  

Varela,óleo  sobre  tela,    s.d.  

1917, devendo-se a este grande apreciador do pensamento de Viollet-le-

Duc, e, como obra fundamental, a longa recuperação do castelo de Leiria16.

O ensino industrial, por oposição ao académico, veiculava a

transmissão de «saberes» em áreas mais operativas, de carácter

eminentemente práctico e técnico, na aplicação e domínio da concepção

manual, mantendo aulas/oficinas de carpintaria, cantaria, serralharia,

escultura, vitrocerâmica, etc., tendo sido de grande relevo numa região do

país com forte tradição em matéria de trabalho artesanal e corporativo17.

Apesar do culto do individualismo que parece sobressair como imagem

típica de alguma vanguarda artístico-literária deste período, o ambiente de

Leiria parece ter exercido sobre Varela alguma influência pedagógica, no

contacto com as «Artes e Ofícios» de cariz tradicional e na valorização do

colectivo, que viria a aplicar mais tarde, e para além do exercício da

docência, na partilha do caminho de outros modernistas, nas preocupações

sobre a dialéctica entre modernidade/tradição, nomeadamente dentro do

«grupo fechado» de Almada e Segurado.

Sob a tutela e a influência artística do professor e escultor Narciso

Costa, este primeiro período formativo também ficará marcado por

estreitos laços de camaradagem junto de outros artistas da sua geração,

entre os quais se destacam o pintor Lino António18 e o escultor Luís

16 Não será de negar a participação ou, pelo menos, o contacto de António Varela com estas intervenções de Korrodi, que exigiram um esforço comum e prolongado por parte das comunidades de operários e artesãos locais (muito embora se desconheça a existência de documentos que o possam efectivamente comprovar). Convém referir que Ernesto Korrodi era, no período de juventude de Varela, uma figura de prestígio das artes e da cultura, tendo reunido numerosos técnicos e artesãos que, durante as primeiras décadas dos século XX, participaram nas obras de restauro do Castelo de Leiria e de outras mais, sendo este o contexto provável no qual António Varela terá feito a sua primeira aproximação às artes e à arquitectura. Veja-se também a este respeito COSTA, Lucília Verdelho da, Ernesto Korrodi, 1889-1944, Arquitectura, ensino e restauro do património, Editorial Estampa, Lisboa, 1997, pp. 116-119. 17 Veja-se a este respeito a análise de Lucília Verdelho da Costa sobre o estado do ensino artístico em Portugal no início do séc. XX: O ensino artístico e industrial em Portugal, in idem, ibidem, pp. 17-58. 18 Lino António (1898-1974) pintor e professor, natural de Leiria, frequentou o Curso de Belas Artes no Porto e em Lisboa, formando-se em Pintura. Ligado aos movimentos modernos, serviu-se dos valores estéticos que mais adequados se mostram ao seu estilo, maneira de ser e sensibilidade, na composição de obras de largo sentido decorativo, formas robustas e cores vibrantes, de um figurativismo sólido e arquitectónico. A primeira fase da sua obra revela a sua ligação a valores regionais, nomeadamente títulos como Pescadores, Nazareth, Leiria, obras expostas em 1930 (S.N.B.A.), ou, ainda, fazendo parte do acervo do Museu de Arte Contemporânea, Na Fonte (1933), Peixeirinhas (1938), Ceifeiras (1943) e Ameixoeira (1944). Faz a sua primeira exposição individual em Lisboa, em 1924, sob o patrocínio da S.N.B.A. Volta a expor individualmente em 1944, já sob o S.P.N. Ganha medalhas de honra em Sevilha (1929) e Paris (1932) e obtém, em 1943, o prémio

140

Fig.  51  –  António  Varela,    s.d.  

Fernandes19, como se pode observar através de um quadro de Lino António

explicitamente intitulado para o efeito, Nós (fig.47), e que parece

homenagear, de forma inequívoca, o espírito de coesão deste grupo local.

Também fica deste tempo a influência da temática pictórica de Lino

António, e o culto de um certo romantismo boémio pontuado por uma

atmosfera de «spleen» vagamente baudelaireana, parecendo agregar-se a

referências «órficas» ou «paulistas» típicas deste período de juventude

[fig.50].

Graças ao financiamento dos seus estudos por Agostinho Fernandes

(o mesmo patrono de Almada Negreiros e sócio-fundador da

Contemporânea), frequentou a Escola de Belas Artes do Porto, onde teve

como professores de desenho António Carneiro, Acácio Lino e José de

Brito e, em arquitectura, José Marques da Silva20. Deste último, autor de

uma obra pioneira do modernismo português, os Armazéns Comerciais

Nascimento, no Porto, em 191421, poder-se-ia estabelecer como provável

ter Varela recebido algumas das suas primeiras influências modernas, a par

da divulgação das obras de Auguste Perret e de Tony Garnier. É possível Rocha Cabral. De acordo com a uma tendência anunciada, Lino António dedicar-se-á de uma forma cada vez mais exclusiva à realização de obras murais e tornar-se-á um apaixonado cultor das artes decorativas, afirmando-se como vitralista e mosaicista. Trabalha para igrejas de Lisboa, Vila Viçosa, Almada e Lamego e executa, para o Santuário de Fátima, uma série monumental de painéis de cerâmica policromada, com a colaboração do pintor Querubim Lapa e do ceramista Manuel Cargaleiro. Realiza trabalhos na Reitoria da Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito e Biblioteca Nacional, Hotel Ritz, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Assembleia Nacional, etc. Como metodólogo e pedagogo é professor de Pintura e Desenho no ensino técnico e director da Escola de Artes Decorativas de Lisboa (actual Escola António Arroio). Aqui realiza um trabalho importante de reforma curricular, reunindo um corpo docente e criando um espaço de iniciação de sucessivas gerações de artistas. Veja-se a este respeito HENRIQUES, Paulo, Do isolamento. Arte Portuguesa no Tempo de Fernando Pessoa, in Arte Moderna Portuguesa no Tempo de Fernando Pessoa (1910-1940), Edition Stemmle, Zurique, 1997 e LEANDRO, Sandra, Lino António (1898-1974), Câmara Municipal de Leiria, Leiria, 1998. 19 Luis Fernandes (?-1954) escultor e professor, natural de Ourém, fixou-se em Leiria, onde foi discípulo de Narciso Costa, tendo deixado obra pública essencialmente na mesma região. Prosseguiu, à semelhança de Lino António e de António Varela, o caminho de uma modernidade ligada às exposições de artes plásticas e do ensino artístico e industrial. Colaborou com António Varela no projecto para o Monumento aos Mortos da Grande Guerra, em Leiria. 20 Marques da Silva também foi professor de Rogério de Azevedo (autor da Garagem de Comércio do Porto, de 1930-33); segundo J.-A. França: “O movimento modernizante era centrado em Lisboa – mas, entre os arquitectos do Porto, formados no ensino de Marques da Silva (que aliás, em 14, propusera uma notável inovação na linguagem, com os edifícios dos armazéns Nascimento (...), foi Rogério de Azevedo o único que nesta fase se atreveu a realizar um projecto moderno para a Garagem d'O Comércio do Porto (...)”, in FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, p. 228. [1ª ed. 1974]. França refere-se nesta passagem ao período particular do início da década de Trinta, que coincide com as primeiras reformas do Estado Novo. Mais adiante (p. 249), refere a fábrica de Matosinhos de António Varela como “raríssima realização de mérito”, no panorama geral da arquitectura industrial moderna dos Anos Trinta. 21 Idem, Ibidem, p.228.

141

Fig.  52  –  António  Varela,  s.d.  

Fig.  53  –  Carlos  Ramos,  em  colaboração  com  Jorge  Segurado,  Adelino  Nunes  e  outros,  Liceu  Júlio  Henriques  (actual  José  Falcão),  Coimbra,  1929-­‐30.  

considerar ter sido este o momento, para Varela, de uma primeira

confrontação com o problema da necessidade de uma «nova» linguagem

arquitectónica, que viria a aprender, nomeadamente, ao lado de Jorge

Segurado e de Carlos Ramos. Mas este período portuense também teve o

seu lado boémio, pontuado por um ambiente de camaradagem com os

artistas de seu antigo grupo de Leiria (Lino António e Luis Fernandes,

entre outros, a que se juntou também Octávio Sérgio), em que terá pintado

numerosos quadros dos bairros característicos do velho Porto, que

distribuiu por amigos e companheiros22.

Concluído o curso de arquitectura em 1924, foi para Lisboa, onde

concorreu, mais tarde, a professor do Ensino Técnico (1932), na disciplina

de Desenho, tendo pertencido ao corpo docente das Escolas Industriais

Marquês de Pombal23 e Machado de Castro. A convite do engenheiro

Nobre Guedes, quando este era director do ensino técnico, pertenceu à

comissão que estudou e elaborou a orgânica do ensino e das suas

instalações24. Este período reformista surge no seguimento da iniciativa

estatal para o desenvolvimento de novos estabelecimentos de ensino, sob a

forma do Concurso Nacional dos Liceus, lançado em 1927, onde Varela

também colaborou, ao lado de Carlos Ramos e Jorge Segurado25 [fig.53].

22 Cf. VARELA, António Jorge Rodrigues, Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Verbo, Lisboa, 1980-1986, vol. XXXIV, p. 182. 23 Veja-se, a este respeito, o Arquivo da Escola Secundária Marquês de Pombal, (correspondente à extinta escola industrial homónima). António Varela aí exerceu actividade de docente durante a primeira metade da década de Trinta, na qualidade de professor da disciplina de desenho técnico. 24 Cf. VARELA, António Jorge Rodrigues, Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Verbo, Lisboa, 1980-1986, vol. XXXIV, p. 182. 25 Este concurso destacaria Carlos Ramos, no projecto para o Liceu de Beja, assim como as sucessivas propostas para o Liceu D.ª Filipa de Lencastre, finalmente concretizado no projecto de Jorge Segurado, em 1938, ambos de clara influência germânica.

142

Fig.  54  –  Almoço  de  homenagem    a  José  de  Almada  Negreiros,  1941;    sentados  (da  esq.  p.  a  dir.):    Dário  Martins,  (?),  José  de  Almada  Negreiros,  Agostinho  Fernandes,  Luis  de  Montalvor  e  Jorge  Barradas;    em  pé  (da  esq.  p.  a  dir.):    (?),  Eduardo  Viana,  (?),    Fernando  Amado,  António  Varela,    Miguel  Barrias  e  Diogo  de  Macedo    (foto  Cabral).  

3.3. SOB O SIGNO DE ALMADA: LISBOA PELO CAMINHO DOS

“INDEPENDENTES”

3.3.1. Dos Salões de Outono ao Salão dos Independentes

(1924-30)26

O I Salão de Outono de 1924-25 representa o início da afirmação da

modernidade portuguesa, na senda dos Salões dos Humoristas, cujo apogeu

se dá no I Salão dos Independentes, em 1930, seguindo-se os Salões de

Arte Moderna, já sob alçada do SPN liderado por António Ferro, a partir

de 1935, num «espírito moderno» e simultaneamente nacionalista27. É

também sobre este fio condutor que se pode observar a dinâmica histórica

do panorama das artes e da arquitectura moderna portuguesa no período

entre-guerras.

26 “Após o esforço explosivo do momento-«Orpheu», uma interrogação, senão um mal-estar, envolvia estes artistas que entravam nos anos 20, desiludidos uns, como Almada, desprovidos de sonhos todos os outros. «Uma grande desorientação reina em todas as artes», escrevia Mário Domingues, em 21 no jornal anarquista «A Batalha» (…) – mas essa desorientação, que «antecede um período renovado e forte, não nos permite ainda assentar definitivamente num sistema novo que adivinhamos, mas cujas linhas pormenorizadas ainda não descortinamos». Através de Salões e exposições, os novos artistas vão procurar delinear e entender o perfil desse ou «desses» sistemas.” In FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, p.99 [1ª ed. 1974]. 27 Idem, ibidem, p.107.

143

Fig.  55  –  Lino  António,  O  mercado,  guache,  grafite  e  aguada  sobre  cartão,  1919.  

Fig.  56  –  António  Varela,,[s.t.]  óleo  sobre  cartão,  [s.d.].  

António Varela é indubitavelmente uma figura típica desse

modernismo «heróico», a par de Almada e Segurado, entre duas gerações

de arquitectos e de artistas de vanguarda que por vezes acreditaram numa

«mudança das mentalidades». Este esforço de intervenção na sociedade

civil ter-se-á manifestado mais através de pequenos grupúsculos do que

numa acção corporativa propriamente dita, mas foi sempre orientado pela

procura de uma identidade própria, mau grado os condicionamentos a que

foram votados – ou que abraçaram, noutros casos –, dentro da retórica da

estética institucional que lentamente se ia manifestando28.

É sob a designação de artista «impressionista»29 que Varela surge

referenciado pela primeira vez, no contexto do I Salão de Outono de 1924,

na S.N.B.A., onde expôs doze pinturas30, ao lado Diogo de Macedo, Carlos

Ramos, Luis Cristino da Silva, José Pacheco, Raul Lino, Gonçalo de Mello

Breyner, Tertulinano Marques, Norberto Correia, Eduardo Viana, entre

outros, e sob a direcção deste último, com o apoio de José Pacheco31 e

Agostinho Fernandes32, como representantes da revista Contemporânea,

patrocinadora do evento.

Segundo apontam alguns autores, este acontecimento terá marcado a

génese de um processo de institucionalização de «uma certa

modernidade»33, conquistada a pulso, no debate entre modernistas e

académicos, surgindo aqui uma nova etapa no relacionamento de artistas

28 Idem, ibidem, pp.206-218. 29 RIBEIRO, Aquilino, Vida Artística, O Século (26.01.1925). 30 Cf. Catálogo do I Salão de Outono, S.N.B.A, 1925, Arquivo da Biblioteca de Arte, F.C.G. 31 Veja-se a este respeito FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, p.100 [1ª ed. 1974]. 32 Idem, ibidem, p.113. 33 “Este seria organizado em Janeiro de 25, na SNBA, por Eduardo Viana com o título I Salão de Outono, já invocado em 21 por A. Ferro – e, no dizer de um jornalista simpatizante «marcou uma nova fase artística em Portugal», tornando possível (acrescentava outro) «a existência da arte portuguesa pela simples afirmação da sua própria existência». Toda a geração esteve presente: Viana, Almada, Soares, Barradas, Emmerico, Smith, Alberto Cardoso, Mily Possoz, e já Sarah Afonso, Eloy e Lino António – trinta nomes ao todo, [o autor menciona em nota o nome de António Varela], e entre as suas obras, figuravam as que iam ficar a público na sala renovada d’A Brasileira do Chiado (…). Pela primeira vez também os arquitectos “novos” se juntavam aos pintores: a equipa então formada por Tertuliano Marques, Cristino da Silva e Carlos Ramos, Segurado, Norberto Correia, José Pacheko, todos eles ainda atentos a influências tradicionalistas, e Gonçalo de Mello Breyner, no qual se registavam «influências modernistas do estrangeiro». Um pequeno grupo de obras de Amadeo, Santa-Rita e Jardim evocava o passado dessa geração – que, pela mesma

144

Fig.  58  –  Expositores  e  amigos  do  Iº  Salão  dos  Independentes,  1930,    (da  esq.  p.  a  dir.):  Abel  Manta,  (?),    Rui  Gameiro,  Arlindo  Vicente,  Luis  Cristino  da  Silva,  António  Pedro,    Carlos  Botelho,  Diogo  de  Macedo,  Jorge  Tagarro,  Ofélia  Marques,  Bernardo  Marques,  Jorge  Barradas,  Carlos  Duarte,  Luis  Teixeira,  Olavo  d’Eça  Leal,  Rui  Santos  e  Carlos  Queirós.    

Fig.  57  –  José  de  Almada  Negreiros,  Auto-­retrato  num  grupo,  1925,  óleo  sobre  tela  [encomendado  para  a  renovação  do  café  A  Brasileira].  

e arquitectos, centrados, quer em volta do café A Brasileira34, no Chiado,

conhecido também como «o café dos futuristas», e da sua renovação

[fig.57], quer em volta do Bristol-Club35 (o cabaret dos «modernos»),

sendo esse o ambiente de tertúlia que marcou esta etapa da vida de Varela,

recentemente chegado do Porto, sob o nome artístico de «António Jorge»36.

Remonta, provavelmente, a este período de 1924-25 a sua amizade com

Almada Negreiros e Jorge Segurado, que o inclui num «grupo mais

apertado»37, composto por Carlos Ramos, Adelino Nunes, Veloso Reis e

Gonçalo de Mello Breyner. Deste I Salão de Outono fica, contudo, a

discrepância entre a modernidade das obras expostas, já que as propostas

de arquitectura apresentadas estavam ainda distantes da sintonia moderna

que se viria a verificar cinco anos depois, no Salão dos Independentes38.

altura, saudava o modernista espanhol Ramón Gomes de la Serna, num animado banquete de homenagem”, Idem, Ibidem, p.100 e nota 290, p.551 [1ª ed. 1974]. 34 Idem, ibidem, p.100. 35 Veja-se a este respeito FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, p. 107 e GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, pp. 150-151. 36 Segundo depoimento de Maria do Céu Varela Pimentel de Figueiredo ao autor. 37 Segundo entrevista de Jorge Segurado, in FERREIRA, Fátima, e ALMEIDA, Pedro Vieira de, Jorge Segurado: arquitecto do Modernismo em Portugal, Jornal dos Arquitectos nº 76, 1989. 38 Cf. GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.147.

145

Fig.  60  –  Catálogo  do  I  Salão  dos  Independentes,  Lisboa,    Maio  de  1930.    

Fig.  59  –    Alguns  arquitectos  e  artistas  da  «primeira  geração  moderna»:  Cassiano  Branco,  Diogo  de  Macedo,  Cristino  da  Silva,  Adelino  Nunes,  Pardal  Monteiro,  Carlos  Ramos,  entre  outros;  ao  centro:  António  Varela  e  Jorge  Segurado  (1931).        

Anunciado em 1930 como “uma organização comum a todos os

artistas modernos, poetas, pintores, escultores, arquitectos, músicos –

todos” (França, 1991, p.196), pretendia ser a representação da maturidade

da arte moderna portuguesa, num esforço de «reconciliação» para com um

público e um certo gosto burguês que sempre lhe fora hostil ou

simplesmente indiferente: “Trezentas e doze obras, dez arquitectos, dez

escultores, vinte pintores, vinte e um desenhadores, dois decoradores, dois

cartazistas, dois fotógrafos, alguns concorrendo a várias secções, enchiam

a sala do SNBA” (Id, ibid, p.196-197)39.

Com cinquenta e oito sócios fundadores, como Fernando Pessoa ou

António Ferro, assim como correspondentes, como Almada, que nessa

época se encontrava em Madrid, integrava os arquitectos Cotinelli Telmo,

Cristino da Silva, Carlos Ramos, Adelino Nunes e Jorge Segurado, entre

39 Segundo José-Augusto França: “(…) um catálogo onde pintores (como Almada), escultores (como Diogo de Macedo), arquitectos (como Carlos Ramos e J. Segurado), poetas (como Pessoa-Álvaro de Campos, Régio, A. Navarro e C. Queirós) e escritores (como Raul Leal, Mário Saa, António Ferro e J. Gaspar Simões) ou jornalistas (como Luís Teixeira) escreviam declarações ou teorias, seguindo-se-lhe uma resenha de factos «modernistas», de listas de obras, de bibliografia: a arte moderna tinha já um passado, uma história, senão uma historiografia possível.”, In FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, p.196-197 [1ª ed. 1974]. Deste conjunto de artistas contavam-se, entre outros: Ernesto do Canto, Franco, António de Azevedo, Diogo de Macedo, Barradas, Dórdio Gomes, Abel Manta, Almada, Mily Possoz, Menezes Ferreira, António Duarte, Barata Feyo, Ruy Gameiro, Sara Afonso, Ofélia, Lino António, Botelho, João Carlos, Mário Eloy, Fred Kradofler, Júlio, Tengarro, Bernardo Marques, Arlindo Vicente, Vieira da Silva, Olavo d’Eça Leal, os arquitectos José Pacheco, Adelino Nunes, Cotinelli Telmo, Cristino da Silva, Carlos Ramos, Paulino Montês, Jorge Segurado e António Varela. Idem, ibidem, nota 3, p.560.

146

Fig.  62  –  António  Varela,,[s.t.]  óleo  sobre  cartão,  [s.d.].  

Fig.  61  –  António  Varela,[s.t.],  aguarela  e  grafite    sobre  papel,    [s.d.].  

outros40, e António Varela, (embora referenciado na secção de pintura,

onde aí expôs três quadros a óleo de sua autoria)41.

Mas, apesar da forte adesão registada entre os vários ramos artísticos

reunidos em torno da questão moderna e com inaugurações de Estado na

SNBA, o Salão dos Independentes passou de modo maioritariamente

indiferente à sociedade em geral. Ainda que merecesse algumas críticas

positivas por parte da imprensa42, ao entusiasmo inicial seguiu-se um

período de desânimo, onde mais uma vez se apontava a indiferença do

público português pela arte moderna e pela arte em geral. Seguiram-se

outros salões regulares na SNBA, assim como, episodicamente, outras

iniciativas privadas: “Em cada salão, de meia-dúzia a uma dezena de

modernizantes insistiam ou revezavam-se, entre os naturalistas e

académicos, sem escândalo de maior. A vida corria difícil para uns e

outros.”(Id, ibid, p.226). A este respeito menciona José-Augusto França

um episódio ilustrativo que envolveu Varela na sua qualidade de pintor

[fig.56-61-62]:

“Neste quadro de desânimo geral registam-se alguns artigos de imprensa da época sobre o estado das coisas: «O Público não compra quadros. Cada vez se compra menos», no Jornal «Civilização», em 30. O «Notícias Ilustrado», em Dezembro de 31, fez um inquérito entre antigos (Malhoa, C. Reis, Roque Gameiro) e modernos (Soares, Diogo, A. [António] Varela), perguntando-lhes se «valia a pena ser pintor ou escultor» – e desistiu de reproduzir as respostas dada a «unanimidade das vistas» dos interrogados que tornaria monótona a publicação…O título magazinesco é, por si só, eloquente: «A crise!...A crise!...” (Id, ibid, p.200).

Fica no entanto deste ciclo a iniciativa conjunta de divulgação das

obras modernas portuguesas, apesar da sua pouca repercussão no grande

público em geral. No entanto, abriu-se caminho para uma série de

iniciativas que, contudo, dificilmente contribuíam para um verdadeiro

40 “Embora faltem alguns arquitectos a esta exposição, já por ela se pode ver que há na realidade uma geração de fortes criadores em arquitectura. Daqueles que expõem depreende-se a marcha clara para uma arquitectura nova, mas portuguesa, já pelos ensinamentos regionais, já pelas influências estrangeiras, já pela tradição dos estilos históricos.” In CASTRO, Ferreira de, O «Salon» de Outono que hoje foi inaugurado constitui um belo acontecimento artístico, Recorte de imprensa, s.d., in Arquivo de Jorge Segurado, Pasta nº26, (A.N.B.A). 41 In Catálogo do I Salão dos Independentes, Lisboa, Maio de 1930, Arquivo da Biblioteca de Arte / F.C.G., Lisboa. Cf. FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed. Bertrand, Lisboa, 1991, pp. 200, 226-227 [1ª ed. 1974]. 42 Idem, ibidem, p.200.

147

Fig.   63   –   Jorge   Segurado,  Ante-­projecto   de   uma  

habitação     para   o   sr.   Cunha  

Barros,   in   Catálogo   do   I   Salão  dos  Independentes,  Lisboa,    Maio  de  1930.    

Fig.  64  –  Carlos  Ramos,  Instituto  Navarro  de  Paiva,  Lisboa,  1931.    

esclarecimento das novas tendências modernas, em 1932, 1933, 1935,

1936, 1938...43.

Verifica-se, do ponto de vista histórico, que estas iniciativas, por

falta de um corpo doutrinário e de alguma coesão de classe, mais não

fizeram do que confundir ainda mais a opinião pública. No que respeita à

arquitectura, algumas das questões abordadas, tais como a dicotomia entre

a «modernização» da arquitectura portuguesa e a procura da sua

«identidade cultural», só seriam amplamente discutidas uma década

depois, no I Congresso Nacional de Arquitectura, em 194844, já com o

impulso de uma outra geração.

Apesar de tudo, e dentro de um quadro estritamente relativo à

arquitectura, convém ainda referir que se retém destes salões a ideia de

uma primeira consolidação de um grupo de jovens arquitectos modernos,

cujas parcerias em torno de Carlos Ramos e de Jorge Segurado [fig.63]

viriam a frutificar nos anos vindouros: referimo-nos – para além de Varela,

que neste contexto apenas surge como pintor –, a Keil do Amaral, Dário

Vieira, Adelino Nunes, Vasco Lacerda Marques e Paulo Cunha, no I Salão;

do II Salão refira-se: Veloso Reis Camelo e Adelino Nunes, assim como

Carlos Ramos, com a proposta do Instituto Navarro de Paiva, de clara

influência bauhausiana pelo seu carácter marcadamente funcionalista

[fig.64]; Jorge Segurado e Cristino da Silva com as propostas concorrentes

para os Liceus Infanta D. Maria em Coimbra, e uma proposta do jovem

Keil do Amaral, numa série de habitações tipo para um pequeno bairro

dentro da linha das Casas Económicas de Jorge Segurado, entre outros.

43 PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.724. 44 Veja-se a este respeito as actas do 1º Congresso Nacional de Arquitectura, Maio/Junho 1948, Sindicato Nacional dos Arquitectos, 1948, [ed. fac-similada, Publicações Maitreya, 2008].

148

Fig.  65  –  Luís  Cristino  da  Silva,  Liceu  Nacional  Fialho  de  Almeida,  Beja,  1930,  alçado.  

3.3.2. À procura de um “Espírito moderno”: alguns aspectos

sobre a reflexão téorica da arquitectura portuguesa da

década de 30.

Neste contexto também surge António Varela ligado a um grupo de

alguns jovens arquitectos portugueses centrados nas figuras de Carlos

Ramos e de Jorge Segurado, reunidos em torno da reflexão teórica, na

procura de novas tipologias que pudessem dar corpo a uma linguagem

moderna portuguesa. Grupo bastante «apertado», segundo palavras de

Jorge Segurado, actuou no panorama nacional dos anos Trinta como uma

vanguarda heróica, num período em que o novo regime – graças ao

impulso de António Ferro, por um lado, e por outro, através do lançamento

de vários concursos nacionais e algumas grandes encomendas de iniciativa

estatal –, permitiu uma certa reformulação do panorama da arquitectura

nacional dentro de um quadro moderno, antes da afirmação do discurso

histórico-nacionalista que se iniciaria a partir de Quarenta com a Exposição

do Mundo Português.

Mas as divergências entre modernos eram maiores do que o apelo

para uma unificação que se evidenciava ser cada vez menos provável. As

várias tentativas de unificação dos artistas ditos «modernos» num grupo

consensual terão contribuído mais para uma reafirmação das divergências

de opiniões do que para a formação de qualquer base doutrinária. No

entanto, podem estabelecer-se, segundo José Manuel Fernandes, duas

correntes principais:

“(…) esse modernismo que se organizou segundo duas tendências estilísticas, parcialmente sobrepostas no tempo, mas também em parte sequenciais: uma, que se pode apelidar de estilo “artes decorativas”; aportuguesando a designação da correspondente corrente gerada na Europa

149

Fig.  67  –  Carlos  Ramos  (em  colaboração  com  Jorge  Segurado  e  Adelino  Nunes),  Liceu  Júlio  Henriques  (actual  José  Falcão),  Coimbra,  1929-­‐30,  alçado  poente.  

Fig.  66  –  Carlos  Ramos,  em  colaboração  com  Jorge  Segurado,  Adelino  Nunes,  Liceu  Júlio  Henriques  (actual  José  Falcão),  Coimbra,  1929-­‐30,  planta  geral.  

central (que transitou do campo germânico pare o francófono), a qual deu os primeiros sinais nos inícios da década de 1920 (quando no seu apogeu europeu) e foi rareando por volta de 1935; e uma outra, que designaremos por «modernismo radical, e que, afirmando-se pelos anos 25, se prolongou até mais tarde, ou seja, até ao dealbar da década de 1940”(Fernandes, 199, p.52).

Segundo o mesmo autor, a primeira terá sido, como o próprio nome

indica, essencialmente “decorativa e tradicionalizante na expressão

construtiva”45, enquanto que a segunda ter-se-há afirmado “crescentemente

purista”46 e, “perseguindo o «moderno», acentuadora das linhas

horizontalizantes na obra.”47

Assinale-se também que a própria semântica usada na época não

ajuda a uma plena clarificação destes processos estéticos: o termo

«moderno» era mais generalista e frequentemente utilizado para designar a

expressão de uma tendência «Art Déco», ou mesmo o estilo «atlante» (por

inspiração no escalonamento de tipo pré-colombiano)48, enquanto que

«modernista» designava a arquitectura mais «radical», e ainda o termo

«utilitarista» para uma mais «seca» e «despojada», ou seja,

especificamente de clara influência tecno-funcionalista e germânica.

Nesta problemática do «efémero modernismo» da arquitectura

portuguesa de finais de Vinte a inícios de Trinta, podem-se também

distinguir, segundo Nuno Portas, duas gerações de arquitectos e de obras.

Um primeiro ciclo, de uma primeira geração que se destaca por obras

pioneiras:

“O cinema Capitólio (1926) revela Cristino da Silva; a garagem do Comércio do Porto (1928) o Rogério de Azevedo; o Pavilhão do Radio do I. de Oncologia (1930) [fig.69] confirma Carlos Ramos; o projecto do cinema Éden (1930) destaca Cassiano Branco; logo os novos liceus de Beja [fig.65],

45 Idem, ibidem, p.52. 46 Idem, ibidem, p.52. 47 Idem, ibidem, p.52. 48 Idem, ibidem, p.53.

150

Fig.  69  –  Carlos  Ramos,  Pavilhão  do  rádio  do  Instituto  

Português  de  Oncologia,  Lisboa,  1927-­‐33.  

Fig.  68  –  Adelino  Nunes,  Edifício  do  CTT  da  Figueira  

da  Foz,  1931.    

Fig.  70  –  Januário  Godinho,    estudo  para  os  Armazéns  frigoríficos  de  Massarelos,    Porto,  1933,  [perspectiva].  

Lisboa, Coimbra [fig.66-67], consolidam Cristino, Ramos, Segurado (1930); os novos edifícios dos CTT [fig.68], Adelino Nunes. Pardal Monteiro inicia o projecto do I. S. Técnico (1927)” (Zevi, 1970, p.707)49.

Portas considera este ciclo como “único momento em que se

repercute neste país, e quase sem atraso, um movimento de vanguarda

internacional, entendido em algumas de suas convicções profundas e não

apenas epidérmicas ou de moda” (id, ibid, p.708). Este será encerrado,

segundo o mesmo, «em glória», em meados dos anos Trinta, com a Igreja

de Fátima (1934-38) e o Instituto Superior Técnico (1927-1935), ambos de

Pardal Monteiro, o Hotel Victória (1933-41), de Cassiano Branco, os

Armazéns Frigoríficos de Massarelos (1933-35) [fig.70], de Januário

Godinho, e a Casa da Moeda (1933-1941), de Jorge Segurado50.

Um segundo ciclo, já nos Anos Trinta, que terá deixado os seus

traços ao longo dos dez primeiros anos do regime, coincidindo “(...) com a

chamada dos arquitectos para a proximidade do Poder”51. Este segundo

ciclo integra as obras de uma segunda geração, dita «funcionalista»,

segundo Portas, da qual o autor cita Adelino Nunes, Keil do Amaral, Couto

Martins, Arménio Losa, Januário Godinho, José Porto, Viana de Lima,

entre outros, e ainda António Varela, que surge integrado neste segundo

grupo52. Não podemos, no entanto, deixar de referir a proximidade entre

Varela (1903-1962) e Jorge Segurado (1898-1992), com o qual colaborou

em numerosos projectos durante este mesmo período, e que podemos

considerar como pertencente ao final da primeira geração53.

49 Cf. PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.707. 50 Cf. idem, ibidem, p.707. 51 Cf. idem, ibidem, p.711. 52 Cf. idem, ibidem, p.712. 53 Se Nuno Portas enquadra António Varela na segunda geração, convém referir que também se pode considerar o arquitecto como fazendo parte da primeira: tanto pela sua data de nascimento, com apenas cinco anos de diferença em relação a Segurado, como pelo período de sua formação académica e pela criação da sua identidade artística e cultural, desde cedo ligada às iniciativas modernas da década de Vinte, como pela sua própria aprendizagem junto de «velhos mestres» (Ernesto Korrodi, Narciso Costa e José Marques da Silva), assim como pelo desenvolvimento da sua obra, não é impossível representar Varela junto da «primeira geração» moderna: assim também o estabelece Manuel Mendes, ao considerar o período de 1890 e 1904 como o grupo da primeira geração, onde o autor ainda inclui, para além de Varela, Arthur Almeida Júnior (1902-?), Adelino Nunes (1903-1948) e Fortunato Cabral (1903-1978). Cf. MENDES, Manuel, Nós – uma

151

Fig.  71  –  Luis  Cristino  da  Silva,    casa  Vale  florido,  Estoril,  1930.  

Convém referir que neste «segundo ciclo» parece terem-se

reintegrado tendências classisizantes, novecentistas e regionalistas,

podendo-se aproximar da designação «Nova Tradição» de Hitchcock, e à

qual também não será alheia a permanência da tendência «Art Déco» que

perdurou em Portugal até meados da década de Trinta.

Tudo leva a crer, porém, que estas duas tendências se distinguem

pelo facto de, por um lado, a «Nova Tradição» pretender ser uma

integração dos princípios de composição neoclássicos, no que respeita ao

estudo dos traçados reguladores, da métrica e das proporções, ou seja,

quanto à génese da própria essência da composição, enquanto que, por

outro lado, o estilo «Art Déco» se acentuava sobretudo pelo carácter da

expressão plástica da «linha recta» e do tratamento particular das

fachadas54.

Contudo, a tendência do espírito da «Nova Tradição», também ela

ecléctica e europeia, e que, como referimos, confunde-se por vezes em

Portugal com um fenómeno de acentuado prolongamento do estilo «Art

Déco», parece também prolongar-se na reinterpretação dos léxicos

regionalistas, integrando por vezes as próprias opções de composição,

dentro de um quadro moderno [fig.71]. Deste modo torna-se por vezes

difícil a compreensão das verdadeiras influências das correntes europeias

modernas na arquitectura portuguesa da época, sendo também importante o

olhar sobre o envolvimento de raízes culturais e regionais55, e consoante

cada caso.

modernidade de fronteira – nós para uma passagem inconclusa, in Arquítectura do Movimento Moderno – 1925-1965, Inventário do Docomomo Ibérico, edição do Docomomo Ibérico / Fundação Mies Van der Rohe / Associação dos Arquitectos Portugueses, 1998. p.14 . 54 Cf. FERNANDES, José Manuel, Arquitectura modernista em Portugal, Gradiva, 1993, p.52. 55 Idem, ibidem, pp.58-59; Veja-se a este respeito BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, pp.358-359. Em relação à problemática Modernismo/«Art Déco»/Neoclassicismo, vejam-se as pp.602-609. Veja-se ainda, a propósito da questão do regionalismo na arquitectura moderna portuguesa, RODOLFO, João de Sousa, Luís Cristino da Silva e a Arquitectura Moderna em Portugal, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2002, pp. 82-83, entre outros.

152

Revela-se, então, que a este «segundo ciclo» dos modernistas

portugueses poderá corresponder, apesar de tudo, a acentuação de algum

carácter regionalista, mas «dentro» de um espírito moderno e por opção

própria por parte dos seus autores, independentemente e de qualquer modo

anterior à «imposição» do estética nacional-historicista por parte do Estado

Novo56.

Num artigo divulgado na efémera revista SW-Sudoeste, de Almada

Negreiros, da qual só foram publicados os três primeiros números, retoma-

se o espírito da extinta Orpheu, e já no contexto do modernismo português

dos Anos Trinta. É um momento de «balanço» por parte daqueles que

encetaram a aventura moderna. No último número, surgem dois artigos

sobre o “estado da arte” da arquitectura portuguesa, por dois modernistas

da «primeira geração”: o primeiro é assinado por Porfírio Pardal Monteiro

e o segundo por Carlos Ramos. No seu artigo, que intitulou Espírito

Clássico, Pardal Monteiro, procurando definir o papel do arquitecto na

sociedade, comenta:

“ (...) O arquitecto é, antes de tudo, um organizador de espaços e um criador de ordem. Esta função, cumprida à custa de todos os factores técnicos, económicos e sociológicos, deve ser regulada, para que seja completa, pela aptidão natural de criar beleza, não por formas abstractas, incompatíveis com a essência das realizações, mas, pelo contrário, concretas, que sejam a expressão exacta das múltiplas necessidades, inteira e normalmente satisfeitas (...). O seu poder de realização e interpretação, muitas vezes esclarecedor e comentador, é tanto maior quanto mais profundamente o arquitecto tiver estudado os problemas resolvidos por outras sociedades anteriores e compreendido, nas apreciação das realizações materiais contidas neste imenso museu que é o Mundo, as condições políticas, religiosas, biológicas e económicas cujos ideais se exprimam, indelevelmente, em manifestações de espírito artístico. E, destas manifestações, a Arquitectura é, ainda, a que melhor transporta até nós o pensamento e o modo de ser das sociedades anteriores.” (SW-Sudoeste, nº3, p.38)57.

56 Veja-se a este respeito a questão da «busca de renovação» para além das estritas influências do Movimento Moderno apontadas por Nuno Portas no que respeita a essa mesma época do modernismo português, abordando, por exemplo, o caso, particular mas representativo como modelo exemplar, do edifício da Casa da Moeda, da autoria de Jorge Segurado: “(...) com referências a outros quadrantes culturais – à Holanda? a Asplund ou Aalto? (...)” in PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.718. 57 MONTEIRO, Porfírio Pardal, Espírito Clássico – trecho da conferência realizada pelo arquitecto Pardal Monteiro na sociedade Nacional de Belas Artes, in SW-Sudoeste, n°3, Lisboa, Novembro de 1935, p.38.

153

Toma-se evidente, no decurso do artigo, que a relação entre o

Homem e a Arquitectura deveria sempre existir num sistema em

continuidade com a Tradição, considerando as relações entre o Homem, o

seu «Espaço» e o seu «Tempo».

Segundo o autor, no contexto do modernismo internacional da

época, seria esse o «verdadeiro espírito clássico» que se procuraria

preservar dos excessos das «formas abstractas, incompatíveis com a

essência das realizações», comentário que aqui surge como forma de

crítica ao abstraccionismo moderno:

“Da sua análise conclui-se que ela, a Arte Máxima, é afinal uma e sempre a mesma, por mais diversas que sejam as suas materializações. O seu espírito é hoje o mesmo que dominou os arquitectos da Antiguidade e da Idade Média e dá aos arquitectos de hoje a fé que os há de conduzir a realizar, forçosamente, a obra que se adapte ao nosso tempo, e que será perfeita se for inteligentemente encarada, desde a Escola.” (Id., ibid, p.38).

Será preciso relembrar que este texto surge no seguimento da

reforma do ensino nas Escolas de Belas Artes, que vinha a ser

desenvolvida desde 193258. Nesse sentido, o artigo reveste-se de um

carácter didáctico e reformista, nomeadamente no que respeita ao errado

entendimento do «espírito clássico», entre a questão «material e

decorativa» do estilo versus os valores essenciais do conceito:

“(...) E a má interpretação de uma boa regra, conduzir-nos-á sempre a resultados opostos aos que pretendemos”, que aqui surge como a “errada interpretação do que é na verdade, clássico, confundindo-o quási sempre, senão sempre, com aquilo a que se chama académico. O espírito clássico, aquele que ressalta da essência das soluções da antiguidade é coisa mal compreendida quási sempre quer pelos que o defendem quer pelos que o atacam. Fala-se, supondo tratar-se daquele, doutra coisa que mais respeita a forma, (...) ou seja, à expressão material e decorativa do estilo (...). Espírito clássico, no bom sentido, razão de ser, justificação dos motivos ou dos elementos, esclarecimento da forma e da função, sentimento arquitectónico integral, não mereciam as honras de ser considerados. Dir-se-ia serem coisas estranhas à Arte. O academismo, impulsionador de diversas escolas que fizeram furor nas últimas gerações de arquitectos, deu-nos, assim um formalismo de arquitectura que negava o próprio classicismo em que pretendia basear-se. E que aquilo a que chamavam, erradamente, espírito clássico, afinal não residia na essência da composição, no seu equilíbrio real, no racionalismo e na lógica do partido ou na concordância dos elementos, mas nos efeitos obtidos à custa de formas consideradas pelo seu lado convencional e meramente decorativo, inspiradas num original que foi uma

58 Veja-se a este respeito PEDREIRINHO, José Manuel, Dicionário de arquitectos activos em Portugal do século I à actualidade, ed. Afrontamento, Porto, 1994, p.24.

154

criação autêntica e aplicadas como desenho, como pintura e quantas vezes, como máscara, no arranjo de uma composição, cujo espírito era, por via da regra, a antítese daquele em que ilusoriamente se inspirava.” (Id., ibid., p.40).

Por outro lado, Carlos Ramos refere-se à problemática entre

«Cultura» e «Civilização», citando um artigo de Émile Schreiber publicado

na imprensa francesa:

"II n'y a plus actuellement dans le monde de grande réalisation possible dans n'importe quelle branche de l'activité humaine, qu’après une étude internationale de la question...La technique aujourd'hui, ne peut-être qu'internationale, mais son application, son interprétation, ne le sont pas. Il convient de transposer toute invention, toute réorganisation aux proportions, aux besoins, en un mot au «climat» du pays auquel elles sont destinées"(id., ibid, p.36)59.

Encerra o artigo da seguinte forma: “Pénetration internationale,

interprétation nationale, c'est tout le secret de l'harmonie du monde de

demain.”(id., ibid, p.36)60. Seguindo esta linha de pensamento, Carlos

Ramos, numa reacção contra a crítica corrente ao racionalismo da

arquitectura modernista, contrapõe, rectificando, que “quando ele se

manifesta, tanto pode exigir grandes ou pequenos lisos como largas ou

estreitas superfícies decoradas” (id., ibid, p.37), acentuando de forma clara

que “decorar um edifício só para que dar que fazer aos pintores e aos

escultores não é digno, e é desonesto. Nesse caso, antes os grandes lisos.”

(id., ibid, p.37), concluindo que,

“(...) se a educação estética de meia dúzia de gerações sucessivas for feita com cuidado, bom senso e um grande sentido do equilíbrio, ainda que toda a tendência seja de «simplificação», a palavra utilitarismo, em arte, deixará certamente de ter o significado depreciativo que ora lhe atribuem, para traduzir um poder de síntese que só o estudo internacional do problema proposto e o conhecimento profundo da maneira como em todos os Tempos ele se procurou resolver, pode imprimir-lhe. Modernismo não é outra coisa.” (id., ibid, p.37).

59 SCHREIBER, Émile, artigo publicado no periódico I’illustration, in RAMOS, Carlos, ARQUITECTURA, Um palácio da Academia Nacional das Belas Artes – MEMÓRIA ELUClDATIVA E JUSTIFICATIVA – Prova de Concurso para o lugar de professor da 4° cadeira da Escola de Belas Antes de Lisboa – 24 de Agosto de 1933 – Algumas palavras e o seu verdadeiro significado, in revista SW – Sudoeste, n° 3, Lisboa, Novembro de 1935, p.36. 60 Idem, ibidem, p.36.

155

Finalmente, a questão do modernismo português surge em termos

ontológicos, numa dialéctica metafísica entre o Homem, o Espaço e o

Tempo:

“(...) Por outra palavras: MODERNISMO é o estado de consciência proveniente do conhecimento exacto da hora em que uma pessoa viu a luz do dia. [dialéctica entre o Homem e o Tempo]. NACIONALISMO é o estado de consciência proveniente do conhecimento exacto do lugar onde uma pessoa veio a este mundo. [dialéctica entre O Homem e o Espaço].” (id., ibid, p.37).

Estas considerações também parecem querer implicar o problema do

«utilitarismo» moderno, mas – segundo Carlos Ramos –, integrando

aspectos simbólicos de representação que deveriam ser tidos em conta

segundo os pontos de vista de cada cultura, o que parece revelar, por parte

do autor, um exercício teórico de reposicionamento de valores que se

deveriam equacionar dentro da concepção de uma «nova» arquitectura

portuguesa, como resposta à tendência demasiado «normativa» do «Estilo

Internacional» que pouco a pouco se consolidava61.

Deste modo, afigura-se de forma inequívoca, que a síntese da

arquitectura portuguesa, à época, proposta por Ramos, necessitava de

integrar, por um lado, a questão «Civilizacional» numa perspectiva

internacional, e por outro, uma questão «Cultural» numa perspectiva

nacional.

Estas questões também revelam a problemática implícita entre

Tradição e Modernidade dentro do quadro teórico proposto pelos

modernistas portugueses, sendo que sempre ocuparam um lugar central no

seio da teoria da arquitectura, e certamente terão exercido uma influência

fundamental para a reflexão teórica de António Varela – sobretudo pela

sua proximidade, numa primeira fase, junto de Carlos Ramos e de sua

acção pedagógica dentro do quadro restrito do «efémero modernismo». A

este respeito, convém referir, do mesmo período, um depoimento raro de

Varela, no quadro de um inquérito de opiniões promovido pelo Diário da

61 Cf. Idem, ibidem, p.37.

156

Manhã a propósito do concurso de remodelação da praça do Rossio, em

1934. Sobre estética e harmonia, diz Varela:

“É da harmonia do conjunto que nasce a beleza estética. Pode o pormenor de qualquer obra ter menos riqueza ou sumptuosidade. Se for harmónica no conjunto e nas proporções, ela resultará sempre bela perante os olhos de todos (…) A arquitectura pombalina do Terreiro do Paço impõe-se por isto mesmo. É a nossa praça de maior beleza e a mais grandiosa. No entanto, a beleza da sua arquitectura reside entre outros factores, numa sucessão de arcos, todos iguais entre si.” (Diário da Manhã, 1934, p.1)62.

E mais adiante, sobre a questão do estilo:

“Em arquitectura como em todas as manifestações de arte é necessário marcar o estilo de uma época. Foi sempre assim que se procedeu em todos os tempos (…) A Batalha, por exemplo, é uma verdadeira maravilha arquitectónica: No entanto encontram-se ali perfeitamente acentuados os estilos das diferentes épocas em que o mosteiro foi construído. Nem por isso perdeu a sua beleza, graças à harmonia do conjunto.” (Ibid.).

Em síntese, conclui, rematando:

“Os arquitectos de hoje têm de fazer o Rossio de hoje. Dentro da mesma harmonia de conjunto e proporções? Sem dúvida. Aí se encontra a beleza – como já disse e volto a repetir. Devem porém, marcar a sua época. Podem mesmo produzir mau – não se confunda com inferior. Desde que trabalhem com seriedade, esse trabalho merece respeito, e é às gerações vindouras que compete julgá-lo.” (ibid.).

Em suma: estes artigos, escritos nesse preciso momento histórico (os

Anos Trinta), são também relevantes na medida em que permitem

compreender a dinâmica de pensamento da época por parte de autores que

se tentaram afirmar, animados pelas suas convicções, como protagonistas

de um momento histórico do qual os testemunhos são raros63,

comparativamente ao debate que iria surgir no pós-guerra, e já com a

«terceira» geração moderna, no I Congresso Nacional de Arquitectura, em

1948.

62 Estética do Rossio – O arquitecto António Varela e os pintores Lino António e Martins Barata respondem ao inquérito do «Diário da Manhã» (artigo), in Diário da Manhã, 6 de Setembro de 1934. V. Anexo I. 63 Refira-se ainda, a este respeito, o texto Representação 35 (Arquivo da Biblioteca Nacional), e a leitura crítica de Pedro Vieira de Almeida a este respeito. Cf. ALMEIDA, Pedro Vieira de, A Arquitectura no Estado Novo, Livros Horizonte, Lisboa, 2002, pp.65-84, 169-184 e 223-260.

157

Movimento Moderno (Identidade civilizacional) Uso/Função Utilitária

Quadro  2–  Esquema  comparativo  entre    o  Movimento  Moderno  e  a  arquitectura  portuguesa  dos  Anos  Trinta.  

Surge então outra vez o binómio Cultura/Civilização, que também

parece aproximar-se do pensamento de Hitchcock, veiculado seis anos

antes, em 1929. No que respeita o caso específico do universo português, e

relativamente à questão da «Tradição» no contexto do modernismo dos

anos Trinta, pode considerar-se o seguinte quadro:

Este esquema estabelece-se na dinâmica entre o Movimento

Moderno e o modernismo português. Contudo, para não ser redutor, será

necessário considerar, para além do Movimento Moderno, como corpo

doutrinário que se afirmava progressivamente, outras possíveis influências

de carácter multi-cultural, como refere Nuno Portas64, e que são passíveis

de ser equacionadas na arquitectura portuguesa dos anos Trinta65.

Como se pôde observar anteriormente, existem em algumas obras

portuguesas deste período, para além das influências da arquitectura

racionalista alemã, uma aproximação à arquitectura da Secessão

Vienense66 de Otto Wagner, Olbricht e Hoffmann, entre outros, assim

como possíveis semelhanças com a arquitectura moderna realizada na

Holanda, tanto na abordagem mais racionalista da Escola de Roterdão,

64 PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.718. 65 Relembre-se a este propósito o comentário de Edward de Zurko, “no que respeitam esses mesmos valores que a arquitectura moderna rejeitou inicialmente por considerá-los ligados ao «monumentalismo» e «decorativismos» próprios da arquitectura «histórica»: (…) porém, mesmo dentro de uma proposta funcionalista (não restritiva), aceitam-se outras funções além das físicas (…)”, in ZURKO, Edward de, La teoría del funcionalismo en la arquitectura, col. Escritos de Estética y Semiótica del Arte, Ed. Gustavo Gili, Barcelona, 1977, p.178. 66 FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Martins Fontes, São Paulo, 1997 [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980], pp.87-94.

Arquitectura Portuguesa – Anos Trinta (Identidade cultural) Representação/Função Simbólica

158

Fig.  72  –  Francisco  Keil  do  Amaral,  A  Arquitectura  e  a  Vida,  Editorial  Cosmos,  

Lisboa,  1936.  

como de um modernismo de carácter mais expressionista da Escola de

Amesterdão67.

Convém relembrar que Carlos Ramos possuía “importante e muito

consultada biblioteca divulgadora da «arquitectura moderna» de origem

germânica” (Fernandes, 1993, p.64). Já da autoria de Keil do Amaral, ele

próprio «discípulo» de Ramos desde 193168, datam de 1936 alguns

contributos teóricos da década, A Arquitectura e a Vida69 [fig.72], e, no

seguimento de uma viagem de estudo à Holanda, A Moderna Arquitectura

Holandesa70, sobre que modelos e que metodologias de arquitectura seguir.

Data de 1931 uma viagem pela Europa empreendida por Jorge

Segurado, “para conhecer o modernismo europeu”71: visita a Exposição de

67 PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.725. 68 AMARAL, Francisco Pires Keil do [coord.], FERREIRA, Raul Hestnes e SILVA, José Antunes da, Keil do Amaral – arquitecto – 1910 / 1975, Associação dos Arquitectos Portugueses, Lisboa, 1992, p.107. 69 “Em 1936, a Editorial Cosmos publicou o primeiro livro de Francisco Keil do Amaral: A Arquitectura e a Vida. Logo aí revelou as grandes linhas que o haviam de nortear (…) Diz-nos Keil neste livro, referindo-se às grandes obras de construção civil e arquitectura: «o anseio da imortalidade dos homens e o seu orgulho buscaram na portentosa e duradoira radiação da arquitectura um meio para sobreviver».” In GEORGE, Frederico, A obra escrita de Keil do Amaral: um importante contributo teórico e pedagógico, in TOSTÕES, Ana, AMARAL, Francisco Pires Keil do, MOITA, Irisalva, [coord. geral], Keil do Amaral: o arquitecto e o humanista, Câmara Municipal de Lisboa / Pelouro da Cultura, Lisboa, 1999 [catálogo], p.145. 70 Segundo Keil: “Respondem os segundos (os que constroem de acordo com o presente) que não pretendem renegar coisa alguma, bem pelo contrário, somente essas lições são diversas do que pensam os seus antagonistas. Assim, renovação permanente da arquitectura verificada através dos tempos reclama uma continuidade de renovação e nunca a estabilização numa cópia mais ou menos estilizada ou adaptada” in Cadernos da Seara Nova, Lisboa, 1943 [textos escritos em 1936 no contexto da viagem de Keil do Amaral à Holanda, somente publicados em 1943], in FERNANDES, José Manuel, Arquitectura modernista em Portugal, Gradiva, 1993, p.64. No que respeita à questão do regionalismo, escreve ainda Keil: “O facto de uma solução arquitectónica estar certa não quer dizer, de modo algum, que seja a «única solução certa»; e o próprio passado, tantas vezes chamado a terreiro, mostra regionalismo de diferentes estilos, todos eles conseguindo, por formas diferentes, uma coerência com as épocas e com as regiões. Nada mais natural, portanto, do que procurar refazer, numa nova época, uma nova e indispensável coerência”, in A Moderna Arquitectura Portuguesa (1943), in TOSTÕES, Ana, AMARAL, Francisco Pires Keil do, MOITA, Irisalva, [coord. geral], Keil do Amaral: o arquitecto e o humanista, Câmara Municipal de Lisboa / Pelouro da Cultura, Lisboa, 1999 [catálogo], p.114. 71 Convém referir que esta visita se integrava numa viagem de estudo [cf. entrevista de Jorge Segurado in FERREIRA, Fátima, e ALMEIDA, Pedro Vieira de, Jorge Segurado: arquitecto do Modernismo em Portugal, Jornal dos Arquitectos nº 76, 1989]: vai à Bélgica, à Holanda – com o objectivo de conhecer a obra de Dudok –, visita Colónia e Berlim “para ver as coisas do Gropius”[idem, ibidem], in Arquitectura Moderna Portuguesa 1920-1970, [coord. de Ana Tostões], Ministério da Cultura / Instituto Português do Património Arquitectónico – IPPAR, Lisboa, 2004, p.159. Veja-se ainda a este respeito GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.271.

159

Fig.  73  –  João  Simões  e  Veloso  Reis,  Pavilhão  da  Vida  Popular,  Exposição  do  Mundo  Português,  Lisboa,  

1940.  

Berlim72, onde pôde, como observador, criar uma perspectiva crítica sobre

vários aspectos inovadores no que respeita a tipologias, sistemas

construtivos, etc. Essa recolha de dados serviriam de matéria reflexiva

directa para a elaboração da Casa da Moeda e, indirectamente, não é

interdito poder pensar que este período terá marcado a reflexão de António

Varela, que, à época, o acompanhava regularmente.

Por outro lado, será bastante difícil não ter em conta que a «chamada

dos arquitectos para junto do poder»73, terá contribuído para desenvolver

algumas obras significantes do período moderno português durante a

década de Trinta, ainda com uma liberdade que só se tomaria

verdadeiramente condicionada nos Anos Quarenta74.

A esta inflexão não terá sido alheia alguma amplitude do movimento

da imprensa: como assinalava o Notícias Ilustrado, em 1933, onde se

faziam “(...) votos que todos os artistas portugueses, no seu próprio

interesse, se unam e fortaleçam reciprocamente, pois só assim irão

ocupando os postos que por direito lhes pertencem e donde o Estado,

principalmente, os tem afastado com flagrante injustiça(...)” (França, 1991,

p.248).

Também data deste período uma entrevista histórica de António

Ferro a Oliveira Salazar, onde Ferro, num apelo ao Presidente do

Conselho, assinalava que “havia aí dúzias de rapazes cheios de talento e

mocidade que esperavam ansiosamente, para serem úteis ao seu País, que o

Estado se resolvesse a olhar por eles (...). Diga a esses rapazes, [respondeu

72 Trata-se da exposição Berliner Bauausstelung (Exposição de Construção, Berlim, 1931), idem, ibidem. 73 Cf. PORTELA, Artur, Salazarismo e artes plásticas, Biblioteca Breve, Instituto da Cultura e da Língua Portuguesa / Divisão de Publicações, Lisboa, 1987 [1ª ed. 1982], p.17. 74 Pelo relativo isolamento de cada atelier, pela ausência de uma verdadeira polémica entre “racionalismo e tradição”, assim como pela falta de informação sobre o movimento internacional, explica-se, segundo Portas, a ausência de um verdadeiro corpo doutrinário que pudesse unir os arquitectos portugueses: "(...)Esta a primeira constatação que pode explicar a aparente fácil recuperação do grupo pioneiro pela ideologia oficial: sem um desenvolvimento teórico, crítico e pedagógico não há movimento que possa medrar num meio cada vez mais adverso no plano político e cultural (...)”, In PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.725; José-Augusto França caracteriza-a como “geração individualista, sem coesão de classe, nem programa ou actividade cultural comum (...)”, in FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed., Bertrand, Lisboa, 1991, p.248 [1ª ed. 1974].

160

Fig.  74  –  Revista  do  Sindicato  Nacional  dos  Arquitectos,    nº1,  Fev.1938.  Na  capa:  o  Pavilhão  de  Portugal  na  Exposição    de  Paris,  da  autoria  de  Keil  do  Amaral,  

1936-­‐39.    

o chefe do Governo], que tenham confiança e saibam esperar...”(Portela,

1981, p.17)75.

Passou-se com esta geração de arquitectos modernistas portugueses

aquilo que se passava com os racionalistas italianos pela mesma altura: na

procura de estabelecer relações de continuidade entre modernismo e

tradição, foram-se criando algumas aderências, algumas «cedências» –

para muitos –, e um progressivo aproveitamento da parte de uma ideologia

de estado posta em marcha, através de uma instrumentalização política da

arquitectura enquanto «espectáculo», em parte semelhante ao que se

passava em Itália, embora com dinâmicas e resultados diferentes76 [fig.73].

Paradoxalmente, tudo leva a crer que dos Anos Trinta, o que por

vezes aparentam ser compromissos mais ou menos ecléticos face a

imposições externas, serão por vezes tentativas autónomas de estabelecer

interpretações modernas com aspectos da tradição de que os próprios

autores não quereriam abdicar, nomeadamente no que respeita a princípios

de composição e metodologias de projecto, não devendo ser confundida

esta relação entre «modernismo», «tradição» e «espírito clássico», com

uma «regressão» da linguagem moderna, mais ou menos adaptada à

retórica histórico-nacionalista77, que só viria a institucionalizar-se

plenamente a partir da década seguinte, reduzindo a questão entre «espírito

clássico» e «modernidade», apontada por Pardal Monteiro em 1935, para

uma propaganda de regime inevitavelmente redutora nos seus propósitos

populistas e conservadores.

75 FERRO, António, Salazar, Empresa Nacional de Publicidade, Lisboa, 1933, p.73, segundo PORTELA, Artur, Salazarismo e Artes Plásticas, Biblioteca Breve, Instituto da Cultura e da Língua Portuguesa, Lisboa, 1982, p.17. Veja-se ainda a este respeito FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed., Bertrand, Lisboa, 1991, p.201 [1ª ed. 1974]. 76 FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed., Bertrand, Lisboa, 1991, p.243 [1ª ed. 1974]. Refira-se ainda a leitura crítica de Pedro Vieira de Almeida a este respeito. Cf. ALMEIDA, Pedro Vieira de, A Arquitectura no Estado Novo, Livros Horizonte, Lisboa, 2002, pp.26-28. 77 “[A] terminologia «português suave» tem sido tomada por alguns críticos como inadequada ou simplesmente incorrecta. Todavia, fixou-se nos imaginários nacionais como expressiva de um tipo determinado, designadamente ao nível da composição dos planos das fachadas e dos elementos «ornamentais» adicionados. O universo histórico a que recorre como fonte de inspiração pode ser situado na produção joanina do século XVIII”, in MILHEIRO, Ana Vaz, Entre o «português suave» e o modernismo, Jornal dos Arquitectos, n°186, Setembro de 1998, p.43 [notas].

161

Convém referir que a questão das relações de continuidade na

modernidade portuguesa é um factor que também contribui para a

problemática de caracterização de algumas obras de António Varela neste

período, (assim como de outras em parceria com Jorge Segurado), onde

consideramos a fábrica da Matosinhos como obra fundamental.

Fica ainda destes anos de Trinta uma certa ideia de «interstício» da

História, onde a reflexão teórica e crítica se pautou por iniciativas

episódicas de alguns arquitectos com maior protagonismo, mas que não

deixam no entanto de constituir a representatividade de um tempo

essencialmente experimental. Contudo, é possível ver na produção desta

época a procura de caminhos para uma modernidade – algo interrompida –,

mas que produziu obras que são essencialmente matéria de interpretação

singular por parte de cada um dos seus autores [fig.74].

Apesar de terem sido consideradas como «ultrapassadas» com o

amadurecimento do racionalismo moderno a partir da década de cinquenta,

estas interpretações da modernidade são típicas desse período e justificam

a acção de António Varela nas suas diversas interpretações, onde a

«procura» de uma modernidade se entrecruzou com alguns aspectos da

«Tradição», formando, no seu conjunto, uma gramática que permite

legitimar uma leitura individual da sua obra, tanto no panorama geral deste

período, como dentro desse «grupo apertado»78 de personalidades, se

acreditarmos nas palavras assertivas de Jorge Segurado.

78 Cf. Cap. 4: A construção de um «espírito moderno» e a parceria com Jorge Segurado. Veja-se ainda e este respeito a entrevista de Jorge Segurado in FERREIRA, Fátima, e ALMEIDA, Pedro Vieira de, Jorge Segurado: arquitecto do Modernismo em Portugal, Jornal dos Arquitectos, nº 76, 1989.

162

Fig.  75  –  Almada  Negreiros,    Mito-­Alegoria-­Símbolo,  ensaio,  1948  [exemplar  de  António  Varela,  com  a  dedicatória  do  autor  no  verso:  “Ao  António  Varela  a  quem  eu  chamo  António  como  a  meu  irmão  António”,  

ass.  e  dat.:  Lx,  14-­‐04-­‐1948].  

Posteriormente, a manutenção de um rumo modernista por parte de

Varela também parece justificar o seu percurso fora do registo nacional-

historicista de Quarenta – a que parte deste mesmo grupo posteriormente

viria a aderir –, pautando-se como «resistente» numa década «dura» para o

modernismo e, talvez por isso, cada vez mais só e «invisível».  

3.4. INDÍCIOS DE UMA INFLUÊNCIA FUNDAMENTAL: A

REINTEGRAÇÃO NEOPITAGÓRICA NA OBRA DE JORGE

SEGURADO

A importância da influência de Jorge Segurado junto de António

Varela parece inquestionável, pelo menos até à década de Quarenta. A

formação da sua cultura arquitectónica – que começou junto do

romantismo tardo-oitocentista com Ernesto Korrodi, em Leiria, e evoluiu,

no início dos Anos Vinte e com Marques da Silva na Escola de Belas Artes

do Porto para a descoberta de uma «primeira modernidade» –, teve

certamente continuidade através da parceria de trabalho que encetou com

Segurado durante a «frutuosa» década de trinta. Mas para uma

compreensão mais aprofundada da sua obra pessoal convém ainda

clarificar outros valores menos visíveis que parecem ter feito parte do seu

«idealismo modernista». Estes aspectos encontram-se relacionados com a

procura da reintegração neopitagórica na concepção da moderna

arquitectura portuguesa por parte de Jorge Segurado, que parece convergir

com o imaginário mítico-simbólico da Almada Negreiros.

Ao concordarmos com a ideia de que o individuo pertence, em parte,

ao mundo que o rodeia e às memórias que constrói79, também é legitimo

considerar que a construção do seu pensamento é revelada pelas

influências em seu redor, dos amigos e companheiros, como da partilha de

ideais. Assim se terá passado com Jorge Segurado em relação a Almada.

79 In GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, p.171.

163

Fig.  77  –  Almada  Negreiros,    Mito-­Alegoria-­Símbolo,  ensaio,  1948  [exemplar  de  António  Varela,  com  a  dedicatória  do  autor:  “Ao  António  Varela  a  quem  eu  chamo  António  como  a  meu  irmão  António”,  ass.    

e  dat.:  Lx,  14-­‐04-­‐1948].  

Fig.  76  –  Almada  Negreiros,    A  chave  diz:  faltam  duas  

tábuas  e  meia  de  pintura  no  

todo  da  obra  de  Nuno  

Gonçalves,  ensaio,  1950;  exemplar  de  António  Varela,  com  dedicatória  do  autor,  ass.  e  dat.:  Lx,  9-­‐11-­‐50.  

Assim parece também em relação a António Varela, quer por influência de

um, de outro, ou, mais provavelmente, de ambos.

Se a familiaridade de Varela com a «obsessão» de Almada pelo

«Número» e pelo «Cânone» parece bastante evidente através da

observação do espólio pessoal do arquitecto [fig.75-76-77]80, já em relação

à influência de Segurado as relações documentais são mesmo inexistentes.

Mas a hipótese de influência por parte do seu «colega-mentor», apesar

inexistente do ponto de vista documental, é mais do que provável, e pode

revelar-se num contexto de relação, pela comparação directa dos projectos

de ambos e na interpretação operativa da «reflexão neopitagórica» de cada

um, não sendo de negar que se possa ter revelado como determinante para

ambos quanto ao exercício compositivo de alguns projectos fundamentais.

Por outro lado, segundo refere o estudo sobre a obra de Jorge

Segurado, as “sementes que germinaram do cubismo órfico e sintético

exploraram os «discos» ou «círculos» enquanto elementos geométricos de

uma primeira possível actividade pós-cubista” (Galvão, 2003, p.156), e

podem, por sua vez, ter-se constituído como “referências clássicas e

herméticas do «Mito Grego»” (Id, ibid, p.156): “Desta forma, teriam como

fonte de inspiração a filosofia alquímica e cabalística, podendo comungar

da tese dinâmico-futurista defendida por Robert Delaunay.” (Id, ibid,

p.156)81. Esta referência perfila-se na contextualização da vertente

hermética da obra de Segurado, pelo que consideramos, para o efeito, a

80 Veja-se a este respeito as dedicatórias de alguns ensaios de José de Almada Negreiros que se incluem no espólio pessoal de António Varela, nomeadamente: Mito-Alegoria-Símbolo, ensaio, 1948 [exemplar de António Varela, com a dedicatória do autor: “Ao António Varela a quem eu chamo António como a meu irmão António”, ass. e dat.: Lx, 14-04-1948]. idem, A chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves, ensaio, 1950; exemplar de António Varela, com dedicatória do autor: “Ao António Varela com um abraço do seu amigo”, ass. e dat.: Lx, 9-11-50, assim como o desenho de carácter iminentemente simbólico e hermético: Auto-reminisciência, Paris, 1949, com dedicatória do autor: “Ao António Varela”, ass. e dat.: [19]49. 81 Idem, ibidem, p.156. “A partir da década de vinte, o «Quadrado» ganhou um valor simbólico renovado e específico quando explorado por algumas interpretações herméticas de carácter Simbolista ou até mesmo de raiz Teosófica como desenvolveu Hoffmann no palácio Stoclet (1905-1910) ou Mondrian nas infindas variações sobre esse tema. Os ideais teosóficos e universalistas defendidos por Mondrian conduziram-no à exploração de uma forma de representação abstracta e linear do universo, com variações de verticais e de horizontais. Seguidamente uma série de experiências plásticas e espaciais com Van Doesburg demarcam um efeito de rotação sobre geometrias de base quadrada, onde um dinamismo particular se revela, precisamente através desse «impulso diagonal» que servia de esquadro, enquanto suporte das composições baseadas na utilização de cores primárias, a branco e negro, utilizadas também como motivos para as decorações de interiores e absorvidas pelo estilo «Art Déco».” Idem, ibidem, pp.160-161.

164

Fig.  79  –  Jorge  Segurado,    ex-­libris  [década  de    cinquenta  em  diante].  

Fig.  80  –  Jorge  Segurado,    Capela  de  São  Gabriel,    Vendas  Novas,  1951,  

vista  de  poente.  

Fig.  78  –  Jorge  Segurado,  logotipo  do  Atelier  Segurado  [versão  da  década  de  trinta],  e  onde  trabalhou  António  Varela  durante  o  mesmo  

período.  

menção de algumas de suas obras como contribuição para um quadro mais

esclarecedor da obra de Varela a este respeito.

O projecto do estúdio e habitação para o pintor Don Modesto

Cadenas (1927) e a Capela de São Gabriel (em colaboração com Almada

Negreiros (1951), embora distantes no tempo, são dois projectos de

características herméticas e com uma clara filiação neopitagórica82. No

primeiro, não realizado, é possível antever uma filiação simbólica e

geométrica com o logótipo do atelier [fig.78] e do próprio ex-libris de

Segurado [fig.79], pela composição da casa em três «momentos» distintos,

quarto, sala e estúdio/atelier de trabalho:

“Trata-se de uma obra de síntese para onde convergem diversos valores passados e futuros, uma obra com um significado crucial no seu percurso, que corporiza um eixo incontornável na sua obra, como de um momento de «rotação», realizado curiosamente sobre várias representações que versam o tema do cubo rodado.” (Galvão, 2003, p.156).

Convém referir que o cubo ou o quadrado rodado simbolizam,

segundo os princípios herdados do platonismo, a criação terrena, que, pela

sua acção de rotação, passa do estático para o dinâmico, como

manifestação divina do círculo (o céu), estabelecendo uma reintegração

harmónica com a unidade. Do mesmo modo está hermeticamente implícito

no octógono, sendo esta a base primordial da simbologia da quadratura: a

«reintegração ascendente» com a «unidade primordial», graças ao

movimento da «acção criadora». Assim também se parece explicar o

logótipo de Jorge Segurado, ao encontro da própria essência etimológica

da palavra logótipo: «razão divina fundadora do mundo»83.

O projecto para a Capela de São Gabriel [fig. 80-81-83] marca, por

seu lado, a retoma de um expressionismo simbólico, e a única e efectiva

colaboração entre Almada e Segurado em matéria de edificação. Embora

82 “Com proximidades ao discurso de raiz hermética, uma sequência geométrica de carácter analógico que vai do círculo e do quadrado ao cubo e à esfera encadeando várias tendências, realizações e momentos soltos no tempo, mas passíveis, curiosamente, de ser abordados à luz desta fórmula simbólica que associadas à Geometria Sagrada e a uma parte particular da obras de Jorge Segurado podem fazer sentido.”, Idem, ibidem, pp. 155. 83 “O ex-libris de Segurado possui um significado emblemático. Constitui mais uma possível «chave» para descortinar algumas de suas convicções, já que foi através desta forma símbolo que Segurado projectou o seu ego para o mundo. Podemos por isso designá-la também como «imagem-símbolo».” Idem, Ibidem, p.197.

165

Fig.  82  –  Postal  ilustrado,    estudo  de  Almada  Negreiros    para  o  vitral  da  Anunciação    da  Virgem,  1951,  ass.,  dat.,    e  dedicado  a  António  Varela    [espólio  de  António  Varela].  

Fig.  81  –  Jorge  Segurado,    Capela  de  São  Gabriel,    Vendas  Novas,  1951,  o  altar-­‐mor  e  o  vitral    

de  Almada  Negreiros.  

posterior à época em análise neste estudo, assume-se como uma referência

importante para este tema, pois é testemunho da ocasião única em que

realmente existiu uma colaboração directa entre Almada e Segurado, e – o

que não deixa de ser curioso –, na mesma altura em que António Varela

convidará Almada a colaborar consigo no projecto da Casa da rua de

Alcolena84, sendo ambos os projectos marcados por diversas características

claramente mítico-simbólicas.

Muito embora a intervenção de Almada na capela se tenha resumido

ao vitral do altar-mor, situado a oriente, e um pequeno óculo, a ocidente,

sob a temática mítico-simbólica da portugalidade (o «Ocidente»), expressa

pela inserção da figura do território nacional no centro da rosácea. Do

vitral situado a Oriente, convém referir que a sua temática, em torno da

Anunciação da Virgem pelo Arcanjo Gabriel, é significativa pela sua

geometrização em forma de vesica piscis e, curiosamente, surge

referenciada no espólio de António Varela sob forma de postal ilustrado

[fig.82].

As referências ao quadrado rodado surgem aqui associadas às

fenestrações laterais da nave e da sacristia, multiplicadas pelos mesmos

módulos que compõem as paredes laterais, assim como a abertura de

pequenos óculos que surgem em ternário nesses mesmos módulos, à razão

de 3x3=9 [fig.83-84]. Segundo o estudo referenciado, é ainda possível, por

via do simbolismo geométrico, estabelecer analogias entre esta capela e um

conto esotérico-surrealista, que Segurado escreveu no fim de sua vida,

intitulado Silêncio da Esfera85 (1984). Aqui, o autor, como protagonista e

sob o pseudónimo de Marcos Juliano, narra uma viagem em busca do

«Segredo da Beleza», onde é questão, por entre episódios, de uma esfera

de cristal em perfeito equilíbrio sobre uma pirâmide, manifesto da «Lei do

Silêncio», de cariz marcadamente iniciática e pitagórica:

84 Cf. 6.4.: A casa da rua de Alcolena e a colaboração com Almada Negreiros: Maturidade e crepúsculo para um novo «começar». 85 Cf. manuscrito Silêncio da Esfera (1984), [espólio de Jorge Segurado], in GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, 2003, Anexo documental nº11.

166

Fig.  83-­‐84  –  Jorge  Segurado,    Capela  de  São  Gabriel,  Vendas  Novas,  1951,vista  de  sul    

e  pormenor  da  fachada.  

“(…) no tramo central sob misteriosa luz como de sonhado céu, sobre triangular base, equilateral de puro oiro, erguia-se à laia de milagre estático a mais bela Esfera de vidro que se possa imaginar (…). A Esfera manter-se-á eternamente quieta porque Pitágoras conseguiu com seu muito saber descobrir o fixar eternamente a Vertical Mestra.” (Galvão, 2003, Anexo documental, nº11) [sublinhado segundo o original].

Ficam, da observação destes vários elementos, certos indícios que

podem levar a algumas analogias implícitas com a obra de Varela. Fica

também a ideia de um recurso explícito e sistémico ao quadrado e ao

quadrado rodado por parte de Segurado num contexto hermético, iniciático

e de raiz platónico-pitagórica. De modo idêntico se pode verificar o mesmo

gesto arquetípico de rotação do quadrado e a mesma sistematização em

algumas obras fundamentais de Varela, mas desta vez em estreita

correlação e com referências explícitas ao círculo, como adiante se poderá

observar86.

86 V. infra, 6.2 e 7.

167

Fig.  85  –  António  Varela  e  Jorge  Segurado  descendo  o  Chiado  [s.d.  –  início  da  década  de  30].  

     

167      

A CONSTRUÇÃO DE UM “ESPÍRITO MODERNO” E A

PARCERIA COM JORGE SEGURADO

 “Quer  dizer,  nós   tínhamos  como  que  uma  caixa   fechada,  o  grupo  mais  apertado  era  o  Gonçalo  de  Mello  

Breyner,  o  Carlos  Ramos,  o  Adelino  Nunes,  o  Veloso  Reis,  eu,  bem  entendido,  o  Almada  e  o  António  Varela,  

arquitecto  que  foi  um  modernista  extraordinário,  meu  colaborador  no  projecto  da  Casa  da  Moeda,  apesar  

de   não   ter   feito   nada   de   raiz   nesse   projecto   trabalhou   comigo   em   coisas   auxiliares   e   guardo   dele   uma  

saudade  extraordinária.”1    

 

Jorge  Segurado  

Se a década de Vinte correspondeu, para Varela, a um período

simultaneamente de formação académica e de aproximação ao meio

cultural e artístico da vanguarda portuguesa, já o período de Trinta foi sem

dúvida o momento de grande acumulação de experiência profissional, tanto

ao nível da concepção arquitectónica como de acompanhamento em obra.

Este período também é marcado por um desdobramento da sua actividade

como professor do ensino técnico, mas fica sobretudo a sua memória como

colaborador no atelier de Jorge Segurado, com quem viria a estabelecer

uma parceria que frutificou em alguns dos projectos mais emblemáticos da

década.

Em termos gerais, a arquitectura portuguesa dos Anos Trinta

ganhava alguma aproximação à racionalidade construtiva, através de uma

abordagem positiva ao exercício projectual, pois a necessidade de integrar

novos materiais e novas tecnologias à utilização cada vez mais frequente

do betão armado, ainda algo pioneiro na década anterior, mas

progressivamente assimilado pela indústria e a construção, parece ser uma

busca fundamental deste período e comum a esta geração de arquitectos

portugueses. Convém relembrar, neste contexto, alguns fundamentos que

permitem compreender a dinâmica que se operou neste período bastante

rico da arquitectura portuguesa de finais de Vinte e princípios de Trinta,

1 Segundo depoimentos do próprio em entrevista concedida ao Jornal dos Arquitectos em 1989, in FERREIRA, Fátima, e ALMEIDA, Pedro Vieira de, Jorge Segurado: arquitecto do Modernismo em Portugal, in Jornal dos Arquitectos, nº 76, 1989.

CAPÍTULO 4

168

Fig.  86  –  António  Varela  [ao  centro]  e  Jorge  Segurado  [extr.  esq.]  na  Brasileira  do  Rossio    [s.d.  –  início  da  década  de  30].  

     

«único momento», segundo Nuno Portas, “em que se repercute neste país,

e quase sem atraso, um movimento de vanguarda internacional, entendido

em suas convicções profundas e não epidérmicas ou de moda.” (Zevi,

1970, p.708)2

Este momento será particularmente profícuo para Varela pois

permite compreender a sua acumulação de experiência não só ao nível da

composição arquitectónica, mas na especialização em torno do

conhecimento de novos sistemas construtivos que terão sido

particularmente úteis, não só na «lição» da Casa da Moeda, onde integrou

uma vasta equipa de profissionais liderada por Jorge Segurado, mas

também para a compreensão do seu percurso pessoal, no desenvolvimento

de alguns dos seus projectos mais marcantes na área da arquitectura

industrial e que testemunham o seu domínio do conhecimento dos modelos

funcionalistas e dos sistemas construtivos estandardizados.  

 

4.1. A ARQUITECTURA INDUSTRIAL COMO VEÍCULO DA

MODERNIDADE

4.1.1. Alguns contributos do paradigma industrial para a

construção da modernidade europeia

Em 1892 François Hennebique (1842-1921), patenteara o sistema do

Betão Armado. A técnica de aplicação da estrutura em betão armado mais

generalizada, ficou conhecida para a História como o sistema Hennebique3

De qualquer modo, estes exemplos demonstram que a arquitectura

industrial teve uma primeira evolução através das novas descobertas feitas

essencialmente no ramo da engenharia (fig.87)4. De facto, a edificação de

fábricas, assim como de outras instalações ligadas ao ramo da indústria, foi

2 PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.708. 2 PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.708.

169

Fig.  87  –  François  Hennebique,  Fábrica  de  

Tourcoing,  1895.  

 

     

Fig.  88  –  Auguste  Perret,  Garagem  da  rua  

Ponthieu,  Paris,  1905  

 

     

durante muito tempo concebida por engenheiros, assim como por

indivíduos com um conhecimento empírico da construção5.

Terá sido somente com Auguste Perret6 (1874-1954), que o betão

armado terá encontrado uma expressão própria na arquitectura. Perret fora

3 No entanto, em 1903, esta patente foi declarada inválida, tendo sido dada prioridade à patente de Joseph Monier, datada de 1878. Também pela mesma altura, Anatole de Beaudot (1834-1915) e Victor Contamin (1840-1893) usaram-no na edificação da Igreja de Saint-Jean de Montmartre (1904), em Paris. Observam-se também neste período divulgações de várias patentes registadas por diversos autores. Veja-se a este respeito BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, p.573. Observe-se que para além de Perret no seu edifíco de habitação na Rue Franklin, Baudot e Contamin terão sido dos primeiros a utilizar o processo de forma integral num edifício não industrial. Veja-se ainda PEVSNER, Nicolaus, The Sources of Modern Architecture and Design, Thames and Hudson, 1968, Nova lorque, 1995, pp.150-152. 4 A primeira ponte em betão armado foi concebida na Suíça, em 1894, tendo sido demonstrada a sua eficiência em projectos de engenharia civil, cedo se utilizou no domínio da arquitectura, primeiro de forma parcial, para depois se afirmar como um processo de construção autónomo. Mas é Hennebique que irá demonstrar todo o potencial da técnica do betão armado, permitindo a abertura das fachadas para a luz, na fábrica de Tourcoing, em França, logo em 1895. [Idem, ibidem, p.152]. Assinale-se também que em 1898 é utilizado pela primeira vez o sistema do engenheiro Cottancin, na edificação do Liceu Victor Hugo, na sequência da associação deste último a Anatole de Baudot (1834-1915), sucessor de Viollet-Le Duc e fundador da Union Syndicale des Architectes Français, a qual se tornou um órgão privilegiado de divulgação da patente Cottancin, através do respectivo Bulletin. Veja-se a este respeito SANTOS, António Maria A., Betão Armado e Indústria na Génese da Arquitectura Modernista Portuguesa, in actas do seminário Arquitectura y Indústria Modernas – 1900-1965, Segundo Seminário Docomomo Ibérico, Sevilha, 11, 12 e 13 de Novembro de 1999. 5 “Os engenheiros fazem progredir, no curso do século XIX, a técnica da construção, aperfeiçoando meios de que se servirá o Movimento Moderno, ainda que ao mesmo tempo coloquem sobre estes meios uma pesada hipoteca cultural, associando-lhes uma espécie de indiferença pela qualificação formal e unindo os costumes construtivos a certas correspondências habituais com os estilos do passado.” Segundo BENÉVOLO, Cap. IV, Ingeníería y arquitectura en la segunda mitad del siglo XIX (1870-1890), in História de la arquitectura moderna, (trad. espanhola, 7a edição, 2a tirada), Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 1996. Esta problemática está na base da reacção do formalismo moderno numa linguagem industrializada, e levanta outras questões que não nos cabe aqui abordar. De qualquer modo, o que será mais importante ressalvar nesta conjuntura, será o facto de tudo levar a crer que esta arquitectura fabril de primeira fase resultava de uma necessidade, mais ligada a aspectos de ordem económica e pragmática, de que a princípios estéticos. O conceito de beleza da arquitectura do ferro encontra-se intimamente ligado a uma lógica de desafio às leis da natureza, pela utilização dos novos materiais e das novas tecnologias. Este desafio traduzia-se numa verdadeira competição da parte de engenheiros, construtores e promotores, no deslumbramento dos «Gigantes de Ferro»”. 17 Cf. GÖSSEL, Peter, e LEUTHÄUSER, Gabriele, Of Iron Giants and Glass Virgins, in Architecture in the Twentieth Century, Ed. Taschen, Köln, 1991, p. 17. Assim, tendo em conta o contexto sociocultural do século XIX, vemos que as prioridades no exercício da arquitectura «feita por arquitectos» se encontravam profundamente enraizadas no academismo reinante. Aspectos não menos importantes, como a comodidade e a beleza não eram vulgarmente chamados para o programa industrial das fábricas. Ao arquitecto era geralmente pedido para idealizar uma possível ornamentação, a qual, na maior parte dos casos, se encontrava desde logo condicionada a um projecto de edificação ao qual era alheio. Isto significa que o belo, no caso dos edifícios industriais, se encontrava deturpado no seu significado, reduzindo-se a um simples critério de ornamentação, na maior parte dos casos visível no exterior das fachadas, destacando sobretudo o espaço da administração, zona, por excelência, de afirmação de Estatuto e Poder. Este desfasamento, entre forma e conteúdo foi o que pudemos observar em vários exemplos da arquitectura das conserveiras portuguesas da primeira fase. A edificação de fábricas era objecto de necessidade, sendo a comodidade condicionada pelas prioridades económicas do promotor. 6 Veja-se a este respeito FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, Thames and Hudson, Londres, 1980, ed. port. Martins Fontes, Lisboa 1997, 2a ed. 2000, Cap. 11, p.124; BANHAM, Reyner, Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd, 1960, Oxford, 1999,pp. 39-40 e PEVSNER, Nicolaus, The Sources of Modern Architecture and Design, Thames and Hudson, 1968, Nova lorque, 1995, pp.152-153.

170

um dos primeiros arquitectos a advogar o uso do betão armado, tanto como

base estrutural, como matéria de expressão plástica. Assim, ao procurar a

unidade transcendental da sua arquitectura, a busca de Perret acentuou-se

na pesquisa de formas que pudessem revelar exteriormente o conteúdo

estrutural do edifício. Um exemplo bastante conhecido é o do seu edifício

de habitação na rua Franklin, em Paris, construído em 1902, onde manteve

o seu atelier. Mas é no domínio da arquitectura industrial que Perret

assume a depuração dos elementos estruturais: a garagem da Renault7, na

rue Ponthieu (Paris) [fig.88], caracteriza-se pelo uso da estrutura em betão

armado que se destaca e afirma na fachada envidraçada. Perret qualificaria

a obra como “première tentative (au monde) de béton armé esthétique”

(Banham, 1999, p.40)8. O facto mais importante observável neste projecto

parece residir na tentativa de Perret exemplificar a conjugação de duas

correntes manifestamente opostas da vanguarda da época9.

Tony Garnier desenvolve pela mesma altura, entre 1899 e 1904, um

plano utópico para uma vasta cidade industrial com base no esquema da

«City Beautiful». Embora só o tenha terminado em 1917, foi

revolucionário no que respeita à implicação no seu desenho do uso do

betão armado, nas suas variadas aplicações10. Décadas antes da utopia da

Cité Radieuse de Le Corbusier, esta cidade pretendia ser planeada segundo

as necessidades das fábricas (fig.89) e das vias de comunicação,11. Este

7 Veja-se a este respeito BANHAM, Reyner, Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd, 1960, Oxford, 1999, p.40, e BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, p.353. 8 Segundo as palavras do próprio. Cf. BANHAM, Reyner, Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd, 1960, Oxford, 1999, p. 40. 9 Segundo Banhamr, parece bastante evidente que a estética que Perret tinha em mente seria a das Belas Artes: a fachada revela um exercício de simetria composto por uma métrica de 3-5-3, bem evidente na marcação do friso superior, sendo rematada por uma cornija. Este método de composição parece indicar uma aproximação aos métodos de projecto da contemporânea Escola de Chicago, sendo a marcação do pórtico enfatizada pelo desenho da caixilharia no módulo do pano superior em vidro. Veja-se a este respeito idem, ibidem, p.40. 10 Veja-se a este respeito BANHAM, Reyner, Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd, 1960, Oxford, 1999, p.37, e BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, pp.361-362. 11 Na verdade, o mais próximo que Garnier terá chegado de sua cidade utópica terá sido o prolongado trabalho desenvolvido no novo planeamento da cidade de Lyon. Les Grands travaux de la ville de Lyon, ocuparam Garnier durante catorze anos, entre 1906 e 1920. O trabalho terá sido em parte a realização evolutiva das ideias que tinha defendido na Cité Industrielle, através das experiências levadas a cabo no uso do betão armado. No entanto, e apesar do nome, o projecto da

171

Fig.  89  –  Tony  Garnier,    Matadouro  de  Lyon,  1917.  

 

     

     

exemplo marca um período de transição, segundo Reyner Banham, sendo

comparável, por um lado, à arquitectura industrial do século XIX, e por

outro, a projectos de vanguarda de seus contemporâneos, como Behrens,

Poelzig, ou ainda às imagens visionárias de Sant' Elia, entre outros.

Em suma, a utilização de novos materiais, permitindo novas formas

de expressão, foram determinantes para possibilitar a assumpção de uma

linguagem própria na arquitectura da indústria, dominada até então pelo

uso recorrente de modelos desenvolvidos pelos «engenheiros-

construtores»12. Nesse sentido, Auguste Perret e Tony Garnier revelaram-

se como pioneiros, no que diz respeito à utilização de novos materiais

através de formas depuradas (fig.90), no debate entre «estilo» e

«estrutura», que só mais tarde encontrariam junto dos arquitectos

modernistas a sua plena expressão13.

Cité Industrielle revela-se bastante escasso no que respeita ao programa industrial. De cento e sessenta e cinco páginas e numerosos desenhos exemplificativos da edição de 1918, somente cinco páginas são dedicadas à indústria propriamente dita, representando duas dessas o desenvolvimento do seu trabalho de edifícios industriais em Lyon, consistindo este, na sua maior parte, no desenvolvimento do matadouro municipal. Este projecto em particular incluía um vasto hall e ainda numerosos edifícios de apoio (central eléctrica, armazéns, etc.), no qual Garnier aplica a sua formação clássica (cornijas, entablamento e pilares de inspiração dórica), num programa fabril que se queria funcional. Veja-se a este respeito BANHAM, Reyner, Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd 1960, Oxford, 1999, p.38. 12 A designação «engenheiros-construtores» é um termo histórico que, à falta de outra definição, engloba toda uma geração de finais do século XIX, dita «pioneira» na pesquisa e experimentação de novas tecnologias da construção, sendo maioritariamente constituída por engenheiros que, por vezes se organizavam em sociedades de construção detentoras das respectivas patentes, veiculando e publicitando estas novas técnicas de aplicação, conferindo-lhes um reconhecimento e uma legitimidade face ao público e ao sistema económico. Refiram-se, no que respeita expressamente o desenvolvimento e a expansão das técnicas de construção em betão armado, dois nomes mais importantes: François Hennebique [1842-1921] e Paul Cottancin [1865-1917]. Veja-se a este respeito COLLINS, Peter, Concrete. The Vision of a New Architecture, ed. Faber and Faber, Londres, 1959, e BANHAM, Reyner, La Atlantida del Hormigón. Edificios Industriales de los Estados Unidos y Arquitectura Moderna Europea, 1904-1925, Ed. Nerea, Madrid, 1989. 13 Veja-se a este respeito BANHAM, Reyner, Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd 1960, Oxford, 1999, pp.35-43, BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, pp. 349-371, e FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, [Thames and Hudson, Londres, 1980], ed. port. Martins Fontes, Lisboa 1997, 2a ed. 2000, pp. 117-128.

172

Fig.  90  –  Tony  Garnier,    Casas  de  dois  pisos,  [s.d.].  

 

     

     

Por outro lado, se é comum considerar-se como causa imediata do

florescimento do Movimento Moderno toda uma série de gestos

revolucionários que foram levados a cabo a partir de 1910, sendo estes

largamente conectados ao cubismo a ao futurismo14, será preciso, de igual

modo, não esquecer a grande diversidade de pressupostos bastante

anteriores que contribuíram decisivamente para a orientação da

arquitectura modernista para determinados campos, e dos quais emergiram

algumas fundamentações teóricas do Movimento Moderno. Estas causas

têm, todas elas, origem na discussão teórica do século XIX15. Deste modo,

conviria relembrar que algumas questões fundamentais sobre as «origens»

académicas foram essenciais, não só para a formação dos pioneiros da

modernidade, mas também para as primeiras gerações modernas, na

influência teórica das obras de François Blondel16, Auguste Choisy17,

Julien Guadet18 e Eugène Viollet-le-Duc19, com alguma repercussão no

meio académico português de novecentos.

14 Veja-se a este respeito BENÉVOLO, Leonardo, ibidem, pp. 399-401; V. Cap.1. 15 Segundo Reyner Banham, podemos dividir em três pontos esta conjuntura: Em primeiro lugar, no sentido do apelo à responsabilidade por parte do arquitecto, implicado na sociedade. Esta ideia denota a larga influência inglesa da Arts and Crafts, de Ruskin a Morris, encontrando-se implicada na fundação da Deutscher Werbund, em 1907. Em segundo lugar, a abordagem racionalista, ou a «aproximação estrutural em relação ao acto de projectar». Esta abordagem, pragmática, de influência inglesa, encontrou no entanto a sua plena expressão em França na obra de Viollet-le-Duc, tendo sido teorizada na obra fundamental de Auguste Choisy, Histoire, já no fim do século XIX. Em terceiro lugar, na difusão mundial da instrução académica de tradição clássica e europeia, na autoridade do seu centro mais importante e dinâmico, a École de Beaux Arts em Paris, da qual surgiria, logo no início do século XX, Éléments et Théories de l'Architecture, de Julien Guadet, vasto compêndio de cinco volumes, obra magistral e referência para o ensino da arquitectura na sua época. O primeiro ponto remete-nos, naquilo que nos interessa especificar, para a relação entre a arquitectura moderna e a indústria. O segundo e o terceiro ponto remetem para as questões de rotura e de continuidade na arquitectura moderna, nos seus mais variados aspectos, face aos modos tradicionais do ensino académico. Veja-se a este respeito BANHAM, Reyner, The academic tradition and the concept of elementary composition”, in Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd 1960, Oxford, 1999, pp.14-22. Tal nos conduz à problemática decorrente das relações entre tradição e modernidade, que se encontram na génese do modernismo, no geral e no caso do presente estudo em particular, na formação da geração dos primeiros modernistas portugueses, onde se destaca António Varela, na sua qualidade de autor do projecto de fábricas, e em particular no caso exemplar da fábrica de Matosinhos da Algarve Exportador Limitada. 16 Veja-se a respeito deste autor a nota anterior. 17 Veja-se a respeito deste autor a nota anterior. 18 Veja-se a respeito deste autor a nota anterior. 19 Veja-se a respeito deste autor a nota anterior.

173

Refira-se ainda que, no caso germânico, a obra de Guadet não

encontra nessa época nenhum paralelo na Alemanha, de forma que a

atitude daqueles que viriam a tomar-se os «mestres» do Movimento

Moderno face a estas «tradições» do passado tornar-se-ia de certo modo

bastante ambígua, em particular em relação aos membros da Deutscher

Werkbund, na qual se destacam Peter Behrens e Hermann Muthesius20,

entre outros.

Tanto a fábrica da AEG de Behrens, construída em 1909 em Berlim,

assim como a fábrica-modelo da Werkbund da exposição de Colónia em

1914, da autoria de Gropius e Meyer, são exemplos bastante

demonstrativos de métodos de composição clássica; este ponto será

bastante importante, embora noutro espaço e noutro tempo, para a

compreensão de alguns princípios que geriram a metodologia de projecto

de António Varela, no caso particular da fábrica de Matosinhos, como

veremos adiante. De qualquer modo, a nova vanguarda teria motivos

suficientes para se opor ao ensino académico em geral21. Também seria

importante notar que uma parte das ideias pré-concebidas aceites pela

maior parte dos arquitectos da época não eram veiculadas pelo curso de

arquitectura da Escola de Belas Artes, mas através da pintura22. Convém

referir que grande parte do ensino técnico, face à utilização das novos 20 Segundo Banham, nos meios da Werkbund a abordagem racionalista de Guadet era tida em alta consideração. No entanto, sendo académica, era maioritariamente repudiada. Paradoxalmente, sendo a imagem da tradição académica geralmente desacreditada, iam sendo, apesar de tudo, utilizadas essas mesmas ideias que incorporava. Esta última circunstância toma difícil de compreender a contribuição de Guadet às teorias modernistas: segundo o mesmo autor, parece que aqueles que rejeitaram a disciplina académica assim o fizeram porque a sentiram como hostil às suas concepções sobre arquitectura, que se queria funcional, de base científica e divorciada de considerações estilísticas. No entanto, Banham sublinha: “Yet on the evidence of his five volumes of Éléments et Théories de l'Architecture, Guadet – the very embodiment of the academy – was as functional, scientific, and un-stylistic as they. Conversely, they, in their turn, while repudiating the «false standards» of the academies; accepted many academic ideas without knowing where they had come from.” In BANHAM, Reyner, The academic tradition and the concept of elementary composition”, in Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd 1960, Oxford, 1999, p.15. Tudo leva crer que esta atitude paradoxal revela, nas primeiras fábricas projectas pelos modernistas, uma atitude não consciencializada por parte dos autores no que respeita à frequente utilização de pressupostos clássicos. 21 A situação das Belas Artes de Paris no fim do século XIX pode explicar-se por dois factores determinantes: Por um lado, pela excessiva compartimentação devida à especialização de cada disciplina encerrada cada uma no seu mutismo, o que contribuía para uma desagregação do todo. Por outro lado, por um certo silêncio reinante no que diz respeito aos métodos de ensino sobre temas considerados aparentemente «demasiado óbvios» ou «demasiadamente sagrados para serem postos em causa...». Cf. BANHAM, Reyner, The academic tradition and the concept of elementary composition”, in Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd 1960, Oxford, 1999, p.15. 22 BANHAM, ibidem, p.15.

174

tecnologias do ferro e do vidro, relacionava-se com a construção e a

engenharia civil, encontrando-se concentrada no ensino politécnico da

École des Arts et des Métiers de Paris23.

Uma das principais consequências da revolução industrial na

evolução da arquitectura foi ter separado a arquitectura do novo mundo

industrial emergente. De facto, não se considerava a construção em geral

como fazendo parte da arquitectura, existindo uma secessão entre o ensino

industrial e o ensino das Belas Artes. Desta forma, é natural a evolução da

primeira fase da arquitectura industrial fora do âmbito da práctica corrente

de uma arquitectura «de arquitectos», encontrando-se mais os exemplos da

evolução dos modelos fabris na pesquisa de modelos teóricos

desenvolvidos pelo método da experimentação da engenharia e do ensino

politécnico, por oposição ao ensino das Belas Artes.

No entanto, assiste-se em paralelo, no decurso do século XIX, à

evolução de uma estética racionalizante no campo da teoria da arquitectura

que já vinha do fim do século passado, veiculada nas utopias da ilustração

com Étienne-Louis Boullée, Claude-Nicolas Ledoux, François Blondel, e

do início do século XIX, com os modelos de ensino de Durand nos Précis

de Leçons d'architecture24. A contribuição deste período para a evolução

23 Veja-se a este respeito BENÉVOLO, ibidem, pp. 24-26. 24 Estes mestres do período neoclássico influenciaram as tentativas de renovação da teoria da arquitectura, entre os quais se destacam, na geração seguinte a Durand, (que fora discípulo de Boullée), Labrouste, como professor de Guadet, mas também Choisy, da mesma geração do último, numa vertente mais pragmática, sendo possível apontá-los como aqueles que verdadeiramente influenciaram as tentativas de renovação da linguagem moderna da arquitectura de Perret e de Garnier (que fora aluno de Choisy), eles mesmo percursores da evolução do pensamento teórico de Le Corbusier da época de Vers une Architecture [1923], estabelecendo assim uma relação directa com a obra de Durand, escrita um século antes. Veja-se a este respeito BANHAM, Reyner, The academic tradition and the concept of elementary composition”, in Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd 1960, Oxford, 1999, p. 35. Ainda sobre o mesmo assunto, Kenneth Frampton sublinha o seguinte: “ Em meados do século XIX, a herança neoclássica dividiu-se em duas linhas de desenvolvimento estreitamente ligadas: o Classicismo Estrutural de Labrouste e o Classicismo Romântico, de Schinkel. Ambas as “escolas” enfrentavam a mesma proliferação de novas instituições, típica de Oitocentos, e tiveram de responder igualmente à tarefa de criar novos tipos de edifícios. Diferiam muito na maneira de realizar essas qualidades representativas: os classicistas estruturais tendiam a dar ênfase à estrutura linha de Cordemoy, Laugier e Soufflot –, enquanto os classicistas românticos tendiam a ressaltar o carácter fisionómico da própria forma – linha de Ledoux, Boullée e Gilly.” Segundo FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, ed. bras. Martins Fontes, São Paulo, 1997 p. 10. [ed. orig.: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980]. Segundo o mesmo autor, em termos de teoria, o Classicismo Estrutural, iniciado com o Traité de l'art de bâtir (1802), terá culminado no fim do século nos escritos do engenheiro Auguste Choisy, em particular na sua Histoire de l'architecture, (1899): “Para Choisy, a essência da arquitectura é a construção, e todas as transformações estilísticas são simples consequências lógicas do desenvolvimento técnico

175

da arquitectura industrial na viragem do século, reside no facto de ter sido

por esta altura que se começou a concretizar em acções todo o produto de

uma adoração pela máquina patente no espírito do século XIX, não sendo

de negar que o espírito positivista herdado de Comte e de Hegel terá

prevalecido, numa época marcada por grandes reformas sociais e uma certa

ideia de progressismo ligado ao sector da indústria25.

Assim como Tony Garnier e Auguste Perret, Peter Behrens procurou

uma aproximação a um modelo fabril que incorporasse a racionalização do

espaço e a legitimidade de linguagem justificada por novas tecnologias26.

De certa forma, Peter Behrens estava para a firma AEG em Berlim como

Garnier estava para a câmara de Lyon: eram os artistas chamados para

[...]. Choisy ilustrava a determinação estrutural de sua História com projecções axonométricas que revelavam a essência de um tipo de forma numa só imagem gráfica, que compreendia planta, corte e elevação. Como Reyner Banham observou, essas ilustrações objectivas reduzem a arquitectura que representam à pura abstracção e era isso, além do volume de informação que sintetizavam, que as tomava tão apreciadas pelos pioneiros do Movimento Moderno na virada do século.” Idem, ibidem, pp.10-11. Não nos cabe aqui reconsiderar a crítica do ensino da arquitectura e da evolução do pensamento teórico no século XIX. O que importará antes ressalvar parece-nos ser o facto destes teóricos terem influenciado de forma notória a racionalização dos mestres do Movimento Moderno através da busca da pureza da forma. Tudo leva crer que estes mestres terão compreendido a mensagem de Guadet quando afirmava, já no século XIX, que a arquitectura clássica deveria ser compreendida, e não imitada: [“to be understood, not imitated. [Guaudet's] lesson's embodied less in the actual monuments of former time than in the principles than can be abstracted from them. This idea will seem to be of peculiar importance evaluating Guadet's understanding of ce mot de classique”] Idem, ibidem, p. 17. Tal significa que, o período designado geralmente como Neoclássico, irá permitir, no eclodir do século XX, o restabelecimento de um diálogo entre os arquitectos e a arquitectura industrial, até então domínio quase exclusivo dos apelidados «engenheiros-construtores», e consequen-temente, uma possível afirmação do Movimento Moderno como resposta unitária ao mundo industrial do século XX. 25 No entanto, pode observar-se que a estética da máquina não era nada de novo: todo o século XIX foi pautado nas mais variadas áreas por uma apologia das novas possibilidades da era industrial. Mas esta era a época em que grande parte dos antigos modelos fabris ingleses já não funcionavam, sendo conotados com o pior que o mundo industrial podia oferecer. William Turner exemplificou-o pela pintura, através das névoas dos ambientes industriais, assim como Émile Zola, ao denunciar a miséria nas minas da Flandres com Germinal. A imagem da indústria degradava-se em espaços bastante insalubres, sendo este o incomodativo smog do qual os responsáveis pelas industrias padeciam e se queriam libertar. Mas este período ainda é de transição, na medida em que recebe algumas influências dos métodos de composição clássica e ainda não constitui uma plena afirmação dos princípios modernos. 26 A colaboração de Behrens com a firma AEG [Allgemeine Electricitätgeselschaft], terá resultado, inicialmente, dessa necessidade das empresas da época em fazer passar uma imagem nova. A tudo isto não será alheio o facto da formação de Behrens como pintor: numa discussão a propósito da fábrica Fagus de Gropius na revista da época Der Industriebau, manifestava-se a ideia de que os proprietários das fábricas deveriam admitir que a colaboração artística na construção de fabricas, poderia produzir aquilo que a indústria já não podia mais prescindir: publicidade ao seu mais alto nível. De facto, a crítica à industria do princípio do século XX incidia sobretudo no facto da arquitectura das fábricas não acompanhar a evolução do design dos produtos industriais, criando assim um desfasamento entre a filosofia das empresas e a imagem de sua arquitectura. Neste sentido compreende-se que Peter Behrens, tendo-se ocupado inicialmente do design de alguns produtos da AEG, assim como de seu logotipo, venha em seguida a projectar algumas das novas fábricas da firma. Veja-se a este respeito BANHAM, Reyner, The academic tradition and the concept of elementary composition”, in Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd 1960, Oxford, 1999, p.69.

176

Fig.  91  –  Peter  Behrens,    Fábrica  de  turbinas  da  AEG,  Berlin,1908.  

 

     

     

resolver um impasse em que se encontrava a imagem das grandes

indústrias, na necessidade de se encontrar uma linguagem nova que

pudesse veicular um espírito progressista através da funcionalidade,

limpeza e clareza na organização do espaços ou, se quisermos, nas palavras

de Gropius: «Luz, ar e claridade». Behrens irá encontrar na colaboração

com a AEG uma aplicação prática dos princípios da Deutscher Werkbund,

fundada um ano antes, cujo lema era «A matéria está à espera da forma»27.

Este modo de apresentar a questão procurava uma total abrangência,

por oposição à divergência entre Arte e indústria, motivo de discórdias e

discursos gastos das crises académicas do século anterior. Segundo

António Pizza, este lema testemunha “A necessidade, para as forças da

cultura e principalmente para os próprios sectores da iniciativa industrial

avançada, de conseguir uma conciliação inadiável entre territórios que

pareciam divergir perigosamente, da arte e da indústria”

(DO.CO.MO.MO., 1998, p.260)28.

Segundo o mesmo autor, a problemática da época poder-se-á dividir

em três binómios recorrentes: cultura/civilização; forma/função;

criatividade/racionalização. São estas as questões que constituem o núcleo

em torno da qual gravitam tanto as discussões teóricas assim como as

estratégias operativas, “na sua constante procura de modelos, e em muitos

casos, de soluções redentoras” (id, ibid., p.260). De facto, foi através da

procura de modelos que estas «soluções redentoras» marcaram o passo

decisivo para a estandardização29.

27 BANHAM, ibidem, p.73. Sobre o congresso da Werkbund de 1911 e o respectivo texto de Hermann Muthesius Wo stehen wir?, e o conceito de Kunstlehre, veja-se idem, ibidem, p.72; parece-nos também impossível não relacionar este motus com, uns anos mais tarde, o método pedagógico determinado por Gropius na Bauhaus, entre verklehre e formlehre, ou seja, a “aprendizagem da forma”, ou melhor, a “apreensão” da forma. Veja-se também a este respeito VITALE, Elodie, Le Bauhaus de Weimar 1919-1925, Pierre Mardaga éditeur, Liège, 1989, e RODRIGUES, António Jacinto, A Bauhaus e o Ensino Artístico, Editorial Presença, Lisboa, 1989, pp.115-116. 28 PIZZA, Antonio, A Arquitectura das fábricas como Zeitstil da modernidade “, in Cap. 5, “Comércio y Indústria – Arquitectura do Movimento Moderno - Inventário DOCOMOMO Ibérico”, ed. Associação dos Arquitectos Portugueses/Fundação Mies van der Rohe/DOCOMOMO Ibérico, 1998, p.260. 29Num importante texto escrito por Behrens em 1917, encontram-se expostas as suas ideias veiculadas através dos seus projectos para fábricas realizadas durante os anos de 1910. Neste texto Behrens considera que o tempo da modernidade, um tempo de velocidade, fragmentário, descontínuo, exige uma adaptação de novos processos de configuração, pois já não se podem adaptar os velhos modelos fabris: “O nosso tempo tem um ritmo diferente do ritmo de épocas

177

Lembramos a este respeito a máxima de Wittgenstein no seu

Tractatus (1921), «O significado é o uso»30, como máxima do sistema

positivo e lógico: dentro deste contexto Behrens observava que no mundo

moderno, o pormenor já não fazia sentido, pois torna-se supérfluo num

universo diluído pela velocidade. Behrens talvez tenha inaugurado, aqui,

pela primeira vez no século XX, a questão da depuração do objecto,

restituindo-the o seu significado, conferindo-lhe “simplesmente a sua

concisão”31.

Num universo mais próximo, Behrens também parece ter integrado o

discurso teórico com que Hermann Muthesius defendia, pela mesma época,

os pressupostos da Deutsche Werkbund sobre a questão da forma32. A

postura de Muthesius evocava uma busca dos arquétipos, efectuada pela

passadas. Apoderou-se de nós uma pressa que não tolera o lazer e que nos impede de demorar no pormenor. Percorrendo as ruas das nossas metrópoles, já não conseguimos perceber os pormenores de um edifício” In BEHRENS, Peter, Über die Beziehungen der Künstlerischen and technischen Probleme, 1917, segundo PIZZA, António, A arquitectura das fábricas como Zeitstil da modernidade, in Cap. 5, Comércio y Indústria – Arquitectura do Movimento Moderno, Inventário DO.CO.MO.MO Ibérico, ed. Associação dos Arquitectos Portugueses/Fundação Mies van der Rohe/DO.CO.MO.MO Ibérico, 1998, pp.260-262, DAL CO, Francesco Teorie del Moderno. Architettura Germania 1880-1920, Roma-Bari, Laterza, 1985, p.285. 30 Por outro lado, há que lembrar que também já tinham sido divulgadas por esta altura as pesquisas de Albert Einstein sobre a dilatação do espaço como consequência da relatividade do tempo (Teoria da relatividade restrita, Viena, 1913), através de exemplos metafóricos aplicados ao mundo urbano. 31 BEHRENS, Peter, ibidem, segundo PIZZA, Antonio, ibidem, p.262. Convém relembrar que o manifesto de Adolf Loos Ornament und Verbreschen [Ornamento e Delito], também data de 1908, pelo que se pode confirmar a amplitude desta problemática no seio da discussão teórica da época verificada na Alemanha. Veja-se ainda a este respeito BANHAM, ibidem, Cap. 7: Adolf Loos and the problem of ornament, pp. 88-97. Convém referir que esta busca da essência da forma, ainda é, apesar de tudo, marcada pela expressão da composição clássica: no mesmo texto, centrando-se mais em torno do edifício de turbinas da AEG, Behrens justifica-se em relação a “certas soluções que parecerão mais incongruentes ao olhos dos críticos”, como a cobertura em tímpano ou os pilares angulares de cimento não-portantes: “Entre tarefas peculiares da nossa época, a urgência de submeter os materiais modernos e as novas construções às normas arquitectónicas deve ser levada em consideração. Só assim, efectivamente, conseguiremos visualizar a impressão de estabilidade também com o uso dos materiais modernos.” In PIZZA, ibidem, p.262. Aquilo que Behrens apelida de «normas» são exactamente os pressupostos clássicos da composição da forma: a tripartição, o equilibro entre a horizontalidade e a verticalidade, etc., o que significa que a arquitectura deveria ter em conta, apesar de tudo, pressupostos inamovíveis, como a contenção da composição, a «estaticidade da imagem», ou a «nobreza» da configuração. Como refere António Pizza: “numa palavra, apesar da assunção dos inevitáveis códigos que registam o acto criativo (materiais, ritmos, técnicas) exige-se à obra uma iconografia fundamentalmente monumental.” Idem, ibidem, p.262. Esta conotação de «monumentalidade» refere-se à metodologia clássica da composição de Behrens. Nesse sentido, também evidencia uma atitude de continuidade para com a depuração neoclássica na linha de Durand e que se encontra presente nas obras de Claude-Nicolas Ledoux ou de Étienne-Louis Boullée, um século antes. 32 “It is, above all, arquitectonic, it's creation a secret of the human spirit, like poetry or religion. Form, that is for us an unique and shining achievement of human art - the Greek Temple, the Roman Thermae, the Gothic Cathedral, and the princely salon of the Eighteenth Century.” In MUTHESIUS, Hermann, Wo stehen wir?, Actas do Congresso da Deutscher Werkbund de 1911, segundo BANHAM, Reyner, The academic tradition and the concept of elementary composition, in Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd 1960, Oxford, 1999, p. 73.

178

vanguarda da época, tendo influenciado, para além de Behrens, alguns dos

que na época colaboraram com ele e que mais tarde serão figuras de proa

do Movimento Moderno, como Le Corbusier, Mies van der Rohe e Bruno

Taut, entre outros. Esta evocação de «tipos ideais» (Idealtypen), do

passado, também pode ser comparável à «renaissance du sentiment

classique»33 que se observava no mesmo período, no meio da pintura,

numa reacção contra a subversão de valores do impressionismo. Contudo,

a questão da «monumentalidade»34, de que fora alvo da crítica a fábrica de

Behrens, reveste-se igualmente de um carácter sócio-cultural marcante35,

sendo que a «nova modernidade europeia» não iria mudar este estado das

coisas: pelo contrário, numa época em que se instaura definitivamente o

espírito da máquina, assiste-se a uma verdadeira «fuga para a frente» no

sentido de enaltecer o poder da indústria e da força do «Homem do

Futuro»36.

Falava-se no tempo de uma nova nobreza das fábricas modernas. E

assim era o seu «Zeitgeist»37: conceitos como «racionalização do espaço»,

«funcionalismo» ou «depuração das formas» tiveram o seu expoente

máximo nas ideologias progressistas das primeiras décadas do século XX,

veiculando, de certo modo, um positivismo hegeliano patente nestas

iniciativas com «ambições» de carácter universal.

33 BANHAM, Reyner, ibidem, pp. 14-34. 34 Também patente na expressão de algumas obras de António Varela e de Jorge Segurado, entre outros. 35 De um modo geral, será bem claro que os edifícios industriais, variados na sua arquitectura ao longo do tempo e consoante o espaço que ocupam, obedecem, no entanto, à necessidade de seus proprietários, privados ou estatais, de evidenciar uma imagem de estatuto e poder, pelo que através destes significados, de carácter fundamentalmente económico e social, é possível estabelecer uma constante na arquitectura industrial. 36 Com todos os aspectos positivos e negativos que esta atitude ao longo da evolução do século XX incorporou, é a partir deste leitmotiv que se encontram as imagens visionárias de Sant'Elia, do construtivismo russo, assim como da apropriação do imaginário futurista pela subida do movimento fascista em Itália. Já umas décadas antes, Hegel, seguindo a doutrina de Comte, era da firme convicção de que a História, muitas vezes contraditória, tinha uma evolução contínua “em direcção à Liberdade”. Veja-se a este respeito BLACKBURN, Simon, The Oxford Dictionary of Philosophy, Gradiva / Oxford University Press, 1994, p.199-200. A este respeito, convém referir que o Neo-Positivismo, lógico e algébrico, encontrava-se na ordem do pensamento das vanguardas europeias veiculando alguns aspectos do iluminismo do século XVIII. Tudo leva a crer que a adaptação de uma postura clássica (como uma forma de “chamada à ordem”) terá sido determinante no posicionamento destes primeiros arquitectos pioneiros do Movimento Moderno. 37 BANHAM, Reyner, ibidem, Cap. VI e PIZZA, António, ibidem, A arquitectura das fábricas como Zeitstil da modernidade, in Cap. 5, Comércio y Indústria – Arquitectura do Movimento Moderno, Inventário DO.CO.MO.MO Ibérico, ed. Associação dos Arquitectos Portugueses/Fundação Mies van der Rohe/DO.CO.MO.MO Ibérico, 1998, p.260.

179

António Pizza38, no seu texto sobre a arquitectura das fábricas como

Zeitstil da modernidade, refere Hans Sedlmayr, a propósito do seu

conhecido texto de sobre as artes figurativas dos séculos XIX e XX,

Verlust der Mitte39 e remetendo para uma análise de um pathos da

«racionalidade e de exactidão» comenta que “os factores decisivos que

permitem individualizar esse substancial desejo de renovação, representado

por algumas construções industriais, são [segundo Seldmayr] os

seguintes”40 : a) a definição de um espaço único, ininterrupto nos seus

sectores internos; b) a profusão de luz natural através de grandes paredes

envidraçadas; c) o uso de determinados materiais; d) o peculiar contraste

entre frio e calor, que se fundem sem graus intermédios; e) o contraste

entre claridade racional e desordem; f) a renúncia a tudo o que possui um

carácter monumental; e g) a tendência para a sobriedade e leveza da

arquitectura, cuja beleza é procurada no jogo das superfícies claras e leves.

O estabelecimento destes princípios indica claramente a necessidade para a

época, de criar uma nova ordem para um novo mundo emergente: o mundo

da máquina, no qual o Homem deveria ser o principal beneficiário e não o

escravo condicionado41.

38 PIZZA, António, ibidem, p. 260. 39 SEDLMAYR, Hans, Verlust der Mitte, segundo PIZZA, António, ibidem, p.260. 40 Idem, ibidem, p.260. 41 …Ou ainda «a vítima» da guerra «mecanizada», tal como a sofreu pessoalmente Gropius, enquanto soldado alemão mobilizado na frente de batalha durante a I Guerra Mundial: refira-se a este respeito a «marca de destruição» que a guerra deixou no fundador da Bauhaus, com consequências fundamentais para o esforço de recuperação patente na acção pedagógica do ensino artístico e tecnológico da Bauhaus, enquanto portadora de uma ideologia «regeneradora» face à necessidade de, em parte, reintegrar a «máquina» de um ponto de vista «não destrutivo». Veja-se a este respeito a biografia de Walter Gropius, in MARCOS, Javier Rodríguez, ZABALBEASCOA, Anatxu, Vidas construídas, Gustavo Gili, Barcelona, 2003, pp.159-169.

180

Fig.  92  –  Walter  Gropius,  Adolf  Meyer  e  Edouard  Werner,  edifico  da  fábrica  Fagus,  Alfeld  am  Leine,  1910-­‐1914.        

     

Fig.  93  –  Walter  Gropius  e  Adolf  Meier,  fábrica-­‐modelo  e  pavilhão  da  Deutscher  Werkbund,  Exposição    de  Colónia,  1914.        

     

Dentro do mesmo espírito, a própria vanguarda europeia também

adopta as leis do construtivismo russo a partir dos anos Trinta e vêem-se as

indústrias construtivistas como as novas catedrais de um «admirável

mundo novo»42[fig.97]. Esta evolução, derivada de um apagamento

gradual da ornamentação – que Adolf Loos pela mesma altura já

considerava um «delito» (Ornament und Verbrechen, 1908), parece ter

influenciado alguns primeiros projectos de Walter Gropius, por essa altura

discípulo de Behrens: o edifício da fábrica Fagus, em Alfeld-an-der-Leine

(1910-1914) [fig.92] e a fábrica-modelo da Werkbund da exposição de

Colónia (1914)43 [fig.93]. Mas, paradoxalmente, estas suas composições

42 Contudo essas novas catedrais também se queriam «monumentais»: Seldmayr, no penúltimo ponto [a renúncia a tudo o que possui um carácter monumental], parece referir-se a uma «monumentalidade clássica», no sentido depreciativo de uma caracterização deslocada. No entanto, constata-se que esses novos edifícios industriais modernos também possuíam um carácter e uma escala por vezes «monumental». Como se pode observar num comentário de Julius Posener, o significado sociológico desta manifesta monumentalidade teria duas razões: uma primeira razão relativa ao mundo exterior: “On the one hand, the building should naturally make an impression, be an advertisement”. ou seja, uma prova de sucesso da companhia ao mundo, assim como uma segunda razão, remetendo para o seu mundo interior: “secondly, and more importantly, it should publicize internally. It should impress the workers”, de modo a fazer sentir o operariado como parte integrante de uma companhia da qual poderiam orgulhar-se. Segundo POSENER, Julius, Berlin auf dem Vege zu einer neuen architektur Das Zeitalter Wilhelm II, ln Munich, 1979, in GÖSSEL, Peter, e LEUTHÄUSER, Gabriele, Architecture in the Twentieth Century, Ed. Taschen, Köln, 1991, p.94. Daqui parece derivar a peremptória evocação dos modernistas de um templo em condições de se tomar uma verdadeira «catedral de trabalho». Neste sentido, compreende-se a questão da «monumentalidade» destes edifícios fabris. Refere António Pizza: “persiste algo de épico nesta obstinada defesa da forma, última e heróica resistência perante os processos de alienação e de gradual anonimato a que parece conduzir a lógica da industrialização, como difusão irrefreável de um consumo, de uma aniquilação do supérfluo, de um cancelamento – definitivo – daquilo que habitualmente entrava nos cânones do estético.” In PIZZA, António, A arquitectura das fábricas como Zeitstil da modernidade, in Cap. 5, Comércio y Indústria – Arquitectura do Movimento Moderno, Inventário DO.CO.MO.MO Ibérico, ed. Associação dos Arquitectos Portugueses/Fundação Mies van der Rohe/DO.CO.MO.MO Ibérico, 1998, p.262. 43 Estes dois projectos constituem ainda dois momentos importantes na evolução da arquitectura fabril em direcção ao modernismo dos anos Anos Vinte. O primeiro porque se constitui como um primeiro exemplo de arquitectura fabril no qual é possível evidenciar a depuração da forma através da aplicação de técnicas de construção inovadoras, sendo usualmente considerado como o primeiro edifício fabril verdadeiramente moderno. O segundo porque se estrutura numa metodologia de projecto com notória influência dos cânones clássicos aplicada a essas mesmas novas técnicas de construção. Veja-se a este respeito BANHAM, Reyner, The academic tradition and the concept of elementary composition, in Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd 1960, Oxford, 1999, p.79 e pp.83-87. O primeiro exemplo, a fábrica da Fagus, é fruto de uma evolução no pensamento teórico de Gropius, onde se evidencia a depuração da forma. No entanto, esta inovação só é mais evidente no prisma que constitui o edifício da casa das máquinas e da entrada principal e mais particularmente na sua fachada envidraçada a sul. Será necessário assinalar que a colaboração de Gropius com esta empresa foi fruto de uma evolução progressiva, tendo sido aplicados, numa primeira fase, os princípios neoclássicos veiculados pela Werkbund nos primeiros edifícios do conjunto. Idem, ibidem, p.87 e PEVSNER, Nicolaus, The Sources of Modern Architecture and Design, Thames and Hudson, 1968, Nova lorque, 1995, p.176; FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, ed. bras. Martins Fontes, São Paulo, 1997, pp.135-137; BENÉVOLO, Leonardo, História de la arquitectura moderna, 7ª edição, 2ª ed., Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1996, pp.407-409. Este autêntico “work in progress” não confere uma verdadeira unidade ao conjunto, mas permite observar a evolução no tempo de formas de conceber o espaço da arquitectura industrial. A sua

181

   

     

também integram algum classicismo no partido da composição ou de

alguns elementos, onde se identifica uma notória influência wrightiana,

mais cenográfica do que realmente sintetizada, devendo-se também ao

facto de Gropius, manifestar, por esta altura, uma clara admiração pelos

novos icónes do mundo industrial norte-americano44. É certo que a força da

imagem panfletária da indústria norte-americana encontra-se bem patente

nas novas tipologias que nasceram da última revolução industrial [fig.94-

95]. A especialização das indústrias levou a uma reformulação das formas

e da própria natureza dos novos volumes que se revelavam na paisagem da

planície americana45.

fachada de vidro é usualmente apontada como uma verdadeira revolução para a sua época, pelo facto das esquinas serem simplesmente rematadas com a caixilharia de vidro, o que terá assustado, segundo consta, os proprietários, pela aparente fragilidade que a solução dava ao conjunto. Este exemplo de arquitectura industrial geralmente designado como o primeiro edifício do Movimento Moderno. Segundo a opinião de Banham, a isto se deve, por um lado, o facto de ter sempre existido uma estreita empatia entre Gropius e os historiadores do Movimento Moderno e por outro, pela polémica selecção das imagens de arquitectura, por vezes “tendenciosas”, como frisou Bruno Zevi em 1953. Veja-se em relação a este ponto, ZEVI, Bruno, Poética dell Architettura Neo-Plastica, Milão, 1953. Convém assinalar, no que toca à "solução inovadora" de Gropius, que quase dez anos antes, em 1903, a fábrica de Margaret Steiff, por exemplo, já utilizava um revestimento de uma cortina de vidro assente num embasamento de betão. No entanto, não há dúvida que Gropius terá sido o primeiro a teorizar a aplicação destes princípios na nova arquitectura industrial: «luz, ar e claridade». Apesar de tudo, esta mesma aplicação práctica de seus princípios só terá sido apresentada ao público por volta de 1913, quando Gropius e Meyer já estavam a desenvolver o projecto de uma fábrica-modelo da Werkbund para a exposição de Colónia, em 1914. Esta proposta ainda acusa a falta de experiência na aplicação da estética do vidro e a sua relativa falta de sobriedade só mais tarde será ultrapassada pela completa investigação desenvolvida nos anos Vinte. No entanto, será possível registar em certas partes do pavilhão da Werkbund algumas inovações: a caixa de escadas envidraçada, uma cobertura em terraço, um espaço para cantina e uma zona de lazer, assim como uma montagem racional das etapas de produção segundo um percurso programado. De facto, Gropius pretendeu, através deste projecto, criar um modelo para a época. Veja-se a este respeito RODRIGUES, António Jacinto, A Bauhaus e o Ensino Artístico, Editorial Presença, Lisboa, 1989, pp. 22-25. Já no que respeita ao todo, observa-se uma evidente necessidade de formalizar a composição seguindo uma metodologia clássica, ao contrário do prisma da Fagus, inserido no seu vasto complexo. Contrariamente ao espírito de «work in progress» do anterior projecto, aqui Gropius projecta um conjunto de raiz, onde manifesta a necessidade de optar por uma composição que iria ao encontro das necessidades publicitárias da indústria, numa atitude que de certa forma se pode assemelhar à postura de seu mestre Peter Behrens em relação ao caso da fábrica da AEG: de facto, também aqui existe uma intenção de monumentalidade. Assim se compreende a composição axial a simétrica. Cf. BANHAM, Reyner, The academic tradition and the concept of elementary composition, in Theory and Design in the First Machine Age, Architectural Press, Reed Educational and Professional Publishing Ltd 1960, Oxford, 1999, pp. 84-87, e FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, ed. bras. Martins Fontes, São Paulo, 1997, pp.135-137. 44 Cf. BANHAM, ibidem, p.86 e PIZZA, António, p.262, segundo DE BENEDETTI, M., PRACCHI, A., Antologia dell'architettura moderna, Zanichelli, Bolonha, 1988, a partir dos respectivos títulos de Gropius, Lo sviluppo dell'architettura industriale moderna, pp. 206-209, e II ruolo degli edifici industriali nela formazione dello stile, pp. 211-214 [s.d.]. 45 Em 1913, são publicados alguns artigos de Gropius no Jahrbuch des Deutschen Werkbundes, [Jahrbuch des Deutschen Werkbunds , 1913, segundo GÖSSEL, Peter, e LEUTHÄUSER, Gabriele, Architecture in the Twentieth Century, Ed. Taschen, Köln, 1991, p.99], onde se pode evidenciar uma manifesta vontade de ir ao encontro da pureza da forma. Nas palavras de Walter Gropius: “Os silos do Canadá e da América do Sul, os depósitos de carvão das grandes linhas ferroviárias e os mais modernos telheiros industriais dos trust (corporações) norte-americanas, podem ser perfeitamente

182

Fig.  95  –  Hans  Poelzig,    fábrica  de  ácido  sulfúrico,    Luban,  1911-­‐12    

       

     

Fig.  94  –  Peter  Behrens,    Gesanstalt,  Frankfurt-­‐am-­‐Main,  1910-­‐11.    

       

     

Contudo, são precisamente as imagens que acompanham estes

artigos que se tornam verdadeiros arquétipos do Movimento Moderno,

influenciando directamente Bruno Taut, Erich Mendelsohn [fig.96-97] ou

Hans Poelzig [fig.95], entre outros, assim como as palavras embebidas de

um certo protestantismo de Le Corbusier, que utilizará as mesmas imagens

cedidas por Gropius em Vers une Architecture, sustentando que “estas

unidades prismáticas (...) materializavam eficazmente (…) a ética

protestante do trabalho.”46 Gropius encontra assim na construção norte-

americana os exemplos da forma primitiva, livre do peso histórico-cultural

da velha Europa47.

comparados, na sua força monumental, com os edifícios do antigo Egipto […]. A natureza destes edifícios não se baseia na superioridade material causada pelas suas grandes dimensões, mas no facto de que os seus construtores demonstram ter conservado, de forma autónoma, sã a pura, o significado natural da grande forma compacta. Daí deriva uma indicação de grande valor para nós: a rejeição definitiva da nostalgia historicista e das outras incertezas intelectuais que ofuscam a criação artística moderna na Europa, obstaculizando a sua pureza.” In PIZZA, António, A arquitectura das fábricas como Zeitstil da modernidade, in Cap. 5, Comércio y Indústria – Arquitectura do Movimento Moderno, Inventário DO.CO.MO.MO Ibérico, ed. Associação dos Arquitectos Portugueses/Fundação Mies van der Rohe/DO.CO.MO.MO Ibérico, 1998, p. 262. A este respeito veja-se ainda Em busca de una expressión original y antigua in Ozenfant-Le Corbusier, Acerca del purismo. Escritos 1918/1926, Ed. EI Croquis, Madrid, 1994. 46 LE CORBUSIER, Vers une architecture, Édition G. Crès, Paris, 1923. 47 Gropius explica ainda o valor da forma pelo seguinte juízo: “O carácter completamente novo dos edifícios industrias tem que estimular a viva imaginação do artista, pois nenhuma forma transmitida pela tradição pode obstaculizá-lo ou travá-lo.” Idem, ibidem, p.262. Esta afirmação indica um afastamento definitivo da gramática compositiva clássica, que se encontra patente nas Leçons de Durand, no recurso a modelos greco-romanos. Gropius sublinha o factor decisivo que justifica a apresentação da forma no seu estado mais puro: “A coincidência da forma técnica a forma artística de cálculo estático e representação significa precisamente a perfeição última de toda a obra arquitectónica.” Idem, ibidem, p.262. Este posicionamento do olhar dos arquitectos modernos europeus para com a América é compreensível se tivermos em conta a necessidade da «busca de reencontrar uma expressão original e antiga» que se pudesse alcançar, indo mais além de todo o esforço produzido pelo neoclassicismo francês do século XVIII-XIX, de Boullée, Ledoux e Durand. Em relação a este último ponto veja-se Em busca de una expressión original y antigua, in Ozenfant-Le Corbusier, Acerca del purismo. Escritos 1918/1926, Ed. EI Croquis, Madrid, 1994. Neste contexto a pesquisa de Gropius toma-se manifestamente metafísica: “O campo da arte, que é a monumental arte do génio […] começa onde a visão transcendental impregna o conhecimento e a representação. A arte não consegue nada representando o mundo consciente, com os seus impulsos espontâneos, porém está enraizada em necessidades espirituais do homem. Em teoria não tem nada em comum com as realidades materiais. O objectivo da arte é a representação de altos ideais transcendentais, através de formas de expressão que pertencem ao mundo consciente espacio-temporal” segundo PIZZA, António, A arquitectura das fábricas como Zeitstil da modernidade, in Cap. 5, Comércio y Indústria – Arquitectura do Movimento Moderno, Inventário DO.CO.MO.MO Ibérico, ed. Associação dos Arquitectos Portugueses/Fundação Mies van der Rohe/DO.CO.MO.MO Ibérico, 1998, p.262. É assim que, a partir da mesma denotação do objecto funcional, o espírito europeu se afasta novamente do americano, voltando a conotar a obra realizada com novo sentido, revelando o seu significado transcendente, sublimando a matéria da “autêntica arte”.Mas se este afirmava, por um lado, que a arte, em teoria, “não tem nada em comum com pressupostos materiais”, por outro, prolonga uma certa visão positivista, na libertação do homem pelo trabalho, chegando a uma candura comparável aos manifestos de Muthesius, quando justifica que a questão não reside no facto de se trabalhar em “horríveis telheiros industriais, ou em espaços bem proporcionados”, mas que seria “bem mais feliz se participasse na produção das coisas que beneficiam a todos num lugar de trabalho artisticamente inspirado, ligado a uma beleza inata que alegra a monotonia do trabalho mecânico. Assim, tanto o espírito do trabalhador como a totalidade

183

Fig.  96  –  Erich  Mendelsohn,  Armazéns  Schocken,    Estugarda,  1926-­‐28.          

     

Pode-se observar que, em termos gerais, uma das grandes forças do

Movimento Moderno parece ter residido na resposta dinâmica ao espírito

progressista do virar do século. Num mundo industrial emergente, o

modernismo eclodiu com a última vaga da Revolução Industrial. Deve-se a

isto, em grande parte, o facto da ideologia de base da linguagem moderna

ter acompanhado o «Mito da Máquina»48.

Se com Behrens e, mais tarde, com Gropius, a necessidade funcional

e a racionalização do espaço decorriam da necessidade de um melhor

ambiente para os trabalhadores, mais tarde, já nos Anos Vinte e Trinta, o

principal desafio da Bauhaus de Gropius, seguindo a ideologia da

Deutscher Werkbund, foi estabelecer um diálogo entre a manifestação

artística, a experimentação da tecnologia e a produção industrial. Somente

por esta altura, em meados dos anos Vinte, depois de passada uma geração

sobre a Fábrica de Turbinas da AEG, de Peter Behrens, foram-se balizando

os princípios do Movimento Moderno, pelos seus discípulos ou seguidores.

da eficácia produtiva da empresa aumentariam”. Segundo António Pizza, estes extractos de artigos e conferências de Gropius encontram-se traduzidos para inglês em WATERHOUSE, A., [?] pp. 200-221; veja-se ainda a este respeito os textos de Gropius reunidos na antologia scope of Total Architecture, Nova lorque, 1955,e ainda GROPIUS, Walter, Intemationale Architektur, Munique, 1925; este último título, segundo Benévolo, será ainda o primeiro dos Bauhausbücher [BENÉVOLO, ibidem, p.135]. Sobre as publicações da Bauhaus, veja-se ainda lntemationale Architektur, Bauhausbücher, n°1, A . Langen, Munique, 1925, pp. 56-58. A respeito de manifestos de Muthesius e das conferências da Deutscher Werkbund, veja-se BANHAM, ibidem, Cap. V: Germany: industry and the Werkbund, pp. 68-78. Segundo Banham, será preciso ter alguma prudência no que respeita a atitude positivista manifesta na retórica do Movimento Moderno, pois é ambígua no seu comportamento “moralmente orientado”. Idem, ibidem, p.68-78. 48 Veja-se a este respeito MUNFORD, Lewis, The Mith of the Machine, FRANCASTEL, Pierre, Art et Technique aux XIXe et XXe siècles, GROPIUS, Walter, Idee and Aufbau des Stäatlischen Bauhauses 1923, [s.d.], e BENÉVOLO, ibidem, p.453.

184

Fig.  97  –  Erich  Mendelsohn,    central  térmica  da  fábrica  de  têxteis  Krasnoe  Znamja,    Leningrado,  1925.            

     

Fig.Fig.  98  –  Yakov  Chernikov,    da    Arkhitekturnye  fantasil,    Len  Leningrado,  1933.  

           

     

Em 1935 é publicado em Inglaterra Industrial Architecture, de

Leonard Holcombe Bucknell, onde o autor estabelece uma série de

considerações sobre o espaço industrial moderno seguido de um inventário

das fábricas mais marcantes até essa data49 Bucknell interessa-se

particularmente pelo caso da Inglaterra, berço da revolução industrial,

tendo sido o primeiro país do mundo a sofrer as variadas consequências da

massificação da industrialização. O autor também sublinha a importância

do estado das coisas à época, considerando que a arquitectura industrial

parecia ter encontrado a sua linguagem própria no contexto da década de

Trinta, através da maturidade do seu veículo: o Movimento Moderno50.

Convém também relembrar que a «segunda» Bauhaus, pós-

expressionista e já estabelecida em Dessau desde 1925, passa a seguir em

pleno as teses mecanicistas sustentadas pelo modelo técnico-funcionalista,

primeiro com Walter Gropius e mais tarde sob a direcção de Hannes

Meyer, inclinando-se cada vez mais para a procura de um sistema de

produção, através da pesquisa sistemática da estandardização dos sistemas

construtivos.

49 “Industry is a so powerful force in the life of a modern country that the architecture of industry has every chance of acquiring a quality of greatness. More frivolous or less wholehearted pursuits produce insignificant buildings whose uncertainty and mediocrity of style and construction betrays the importance of their function. The realities of production and making, on the vast scale of the present day, are conditions witch at least tend to architectural reality.” In BUCKNELL, L. H., Industrial Architecture, C. G. Holme, Londres, 1935, p.9. 50 Bucknell refere, de acordo com a tese modernista, a importância da arquitectura industrial como uma vertente própria da arquitectura, preocupada com as questões funcionais e não como um sub-produto da «pseudo-arquitectura de fachada», encomendada a arquitectos, que por falta de formação, acabavam por recorrer a processos estilísticos alheios ao programa. Tal facto se compreende se tivermos presente o facto da arquitectura industrial ter sido durante muito tempo objecto de estudo por parte dos ramos da engenheira das escolas industriais, separadas do ensino das Belas Artes, incapaz de dar respostas credíveis ao problema. Esta situação só viria realmente a mudar, como se sabe, com a resposta alternativa dos arquitectos ligados ao Movimento Moderno. Idem, ibidem, p.12.

185

Fig.  99  –  António  Sant’Elia,    desenho,  tinta  e  grafite    sobre  papel,  1914    (pormenor).            

     

No entanto, apesar da teoria funcionalista considerar que à forma

fosse suficiente seguir a função, como produto de um sistema lógico, a

verdade é que as necessidades de expressão desta nova arquitectura se

fundamentaram inicialmente nas visões do futurismo [fig.99], assim como

nas utopias do construtivismo russo [fig.98] e do expressionismo alemão,

na necessidade de legitimar uma iconografia que pudesse simbolizar os

seus arquétipos. Essa necessidade apoia-se na capacidade de expressão

figurativa das próprias imagens, como veículos dos arquétipos de cada

época. Aqui se terá passado o mesmo que sucedeu com a questão dos

ícones americanos anteriores à guerra: a força iconográfica da máquina terá

influenciado a idealização desses mesmos arquétipos da nova arquitectura

europeia51.

Este «Zeitgeist» manifesta-se através da mecanização da produção,

sendo portanto positivo, lógico e formal. Segundo Françoise Choay, a

Bauhaus desta época, veiculando a ideologia de Gropius, propunha, como

tarefa de base a determinação de «formas-tipo» dentro da lógica da

produção industrial, ou seja, na procura de modelos que pudessem servir os

desígnios de determinadas tipologias propostas52 e, devido a esta

51 A pesquisa teórica de Gropius, relativamente a uma sobriedade que pudesse conferir uma legitimidade própria à nova linguagem da arquitectura da indústria é também uma constante nos autores modernos das primeiras décadas do século XX. A este respeito Bucknell comenta: “We may view the grimness of such buildings with interest or even with a romantic eye. But it is a different kind of greatness that we expect from industry today. It's architecture can be a power of good. It is the shelter of millions of human beings during the most precious and active hours of the day.” Idem, ibidem, p.12. Observe-se o tom do discurso progressista, de 1935, que, sendo um traço da época, também se encontra bem patente no livro Internationale Architectur, publicado pela Bauhaus em 1925: “O espírito novo e os meios técnicos que existem, têm como consequência uma forma de construção inteiramente nova (…). Uma verdadeira adequação ao espírito do nosso tempo [Zeitgeist], ao espaço e aos novos materiais, aos recursos actuais da indústria a da economia, determina infalivelmente a imagem de todos os conjuntos da construção moderna: exactidão e rigor na forma; simplicidade na diversidade, estruturação das unidades construtivas em relação às funções respectivas dos edifícios, às ruas aos meios de transporte e à limitação da formas-tipo de base, que são classificadas e repetidas.” 52 Também Bucknell, num espírito britânico eminentemente progressista, procura conjugar a eficiência, a economia e a suavidade do trabalho com aquilo que apelida de «formas-tipos» da construção moderna. Segundo este planeamento, o autor sintetiza três critérios necessários para a realização desta nova arquitectura industrial: “que este tipo de planeamento tenha vantagens utilitárias, favorecendo o aumento da produção; que contribua para uma melhoria das condições de

186

Fig.   100   –   Wallis,  

Gilbert     &   Partners,  Sede   da   Hoover,  Londres,    1931-­‐38.              

     

necessidade produtiva, assistiu-se a uma estandardização dos modelos e

dos processos construtivos. Já numa segunda fase, essa estandardização

terá levado a uma regressão do processo criativo da arquitectura, tendo-se

chegado mesmo, por vezes, a alguns «impasses», dos quais são exemplo as

discussões ocorridas no próprio seio da Bauhaus53.

Deste modo, a racionalização do processo criativo moderno, que se

assumiu inicialmente como uma forma de «esperanto» da nova civilização

industrial, encontrou-se, em certa medida, órfã da espontaneidade do

espírito vanguardista anterior à Primeira Guerra Mundial e terá levado,

mais tarde, na década de Trinta, a uma reacção estética de sentido

contrário, por parte de alguns países europeus onde as questões culturais e

trabalho através do aumento da qualidade do espaço de trabalho; que a dignidade e beleza do conjunto contribua para um aumento da confiança do Homem.” Idem, ibidem, p.12. Mas apesar do evidente positivismo de Bucknell, esta postura parece distanciar-se um pouco do modelo da Bauhaus técnico-funcionalista de Dessau dos anos Trinta, que se encontrava ao mesmo tempo em funcionamento na Alemanha, já sob a orientação plenamente mecanicista de Hannes Meyer. Aqui o autor não assume uma rotura com o passado, em prol de uma nova ordem, antes procurando formas de comparação com o mesmo: “In some factories and warehouses of the nineteenth century, we can recognize a strength witch is far removed from the mean proportions of either dwelling houses or public buildings of the time. They were a mainstay and protection of a community, just as cathedrals of the middle ages were a power (…) witch was yet a definite architectural expression not to be despised.” Idem, ibidem, p.9. Esta postura saxónica integra a questão da remodelação do espaço através do existente e nesse sentido tende a distanciar-se ou pouco das filosofias tanto da Werkbund como da Bauhaus, diferenciando-se do Estilo Internacional, nas quais é manifesta, em termos gerais, uma substituição das velhas construções pela nova arquitectura de tendência funcionalista. Por seu lado Benévolo confirma que foram os ingleses os primeiros a “reconhecer os valores arquitectónicos espontâneos das construções utilitárias do século XIX”, sob o termo de «functional tradition». Benévolo, no entanto, indica que estes valores permaneceram como contribuições fragmentárias “que nunca podem ser somadas entre si para formar um sistema unitário”: “EI término functional tradition, acurlado por los ingleses, los primeros a reconocer los valores arquitectónicos espontàneos del siglo XIX, es exacto tan sólo a medias; estos valores han florecido, puede decirse, únicamente cuando sus proyectistas piensan en otra cosa, y preferiblemente en los detalles aislados de las composiciones de conjunto; de ahí que permanecen como contribuciones fragmentarias que nunca pueden ser sumadas entre sí para formar un sistema unitário.”, In BENÉVOLO, ibidem, p.62 e p.64. 53 Por um lado, convém relembrar que desde o princípio do século que se tornara evidente que a Máquina se tinha tomado vital para as necessidades do Homem e, por outro, será preciso não esquecer o sentimento de receio que se prolongou pela maior parte do século XX, de que a «Máquina» acabaria por escravizar a Humanidade: como afirma Pierre Francastel, na sua obra Art et Technique, a propósito de Technics and Civilisation, de Lewis Munford, escrito em 1934: “a Máquina converteu-se de repente numa espécie de ser dotado de razão, uma potência exterior ao Homem que ameaça impor-lhe as suas leis.” In FRANCASTEL, Pierre, Arte e Técnica nos séculos XIX e XX “, trad. port. col. Vida e Cultura, ed. Livros do Brasil, Lisboa, p. 63. Veja-se ainda a este respeito idem, ibidem, pp. 58-67. De facto, Francastel admite, a propósito deste comentário de Lewis Munford feito em 1934, que a Máquina “apareceu completa num estádio determinado da história, que criou funções novas e transformou a condição humana ao mesmo tempo por fora e, digamos, por dentro. Atinge-se finalmente, uma espécie de visão meio admirativa meio terrífica, na qual o homem, em dado passo da sua aventura, aparece dotado de um instrumento que lhe faltava e que em breve se tornou, em larga medida, seu amo.” Idem, ibidem, pp. 63-64. Em suma, tal parece significar, de certo modo, que a nova arquitectura moderna, baseada num idealismo positivista, procurou libertar o homem através de novos espaços de «Luz, ar e claridade» [nas palavras de Gropius, segundo GÖSSEL, Peter e LEUTHÄUSER, Gabriele, ibidem, p.95.], mas terá levado a um nova forma de «escravidão», numa sociedade onde a única moral seria uma moral totalitarista de um progressismo mobilizador de massas.

187

regionalistas vieram a entrecruzar-se com o discurso da modernidade

[fig.100].

4.1.2. O paradigma industrial na arquitectura portuguesa

Apesar de Portugal acusar, no princípio do século, um significativo

atraso face a uma Europa já bastante industrializada, é no entanto no

domínio da arquitectura industrial que se poderão destacar alguns avanços.

Convém relembrar a evolução dos sistemas construtivos que permitiram a

evolução da arquitectura industrial portuguesa e, em particular, o «salto»

tecnológico da década de trinta.

Embora não caiba neste estudo abordar a totalidade da questão da

arquitectura do ferro, deverá, no entanto, referir-se a generalização do uso

das estruturas em ferro como a possível primeira proposta moderna – e

industrial –, num pioneirismo que serviu a sua função utilitária face às

lógicas de progresso, no esforço de industrialização de um país

eminentemente rural54.

Também é notório em Portugal, à semelhança de outros países, uma

hegemonia das novas construções deste período por parte dos

«engenheiros-construtores», nesta fase que se caracterizou pela

denominada «arquitectura dos engenheiros» e na possibilidade de novas

soluções formais que mais decorriam da sua função utilitária do que

propriamente de uma linguagem formal doutrinária. Assistia-se a um

surgimento de novos edifícios industriais, largamente inspirados pelos

modelos europeus, sobretudo ingleses55. Mais tarde, a partir da década de

54 Este período costuma-se localizar entre meados do século XIX e a generalização do uso do betão armado, nos anos Vinte, marcado por um apogeu da última década do século XIX e a viragem do século. Veja-se a este respeito FERNANDES, José Manuel, Arquitectura modernista em Portugal, Gradiva, 1993, p.12. A generalização do uso do ferro nos edifícios industriais é citada por alguns autores como o início de um período moderno, assinalado pela década de 1890, através de alguns exemplos que se consideram marcantes. 55 A situação em Portugal, caracterizava-se “pelo habitual desfasamento no tempo em relação às experiências congéneres que se iam fazendo com o ferro – desfasamento ainda agravado, aliás, pela dependência em relação à importação do material, sobretudo de França e de Inglaterra e, em menor escala, da Alemanha”. 3 Idem, lbidem., p.12. Já segundo Jorge Custódio, um exemplo marcante destas primeiras fábricas é a Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense, projectada pelo arquitecto

188

Fig.101  –  Carlos  Ramos,    edifício  sede  da  agência    Havas,  Lisboa,  1921.              

     

1860, surge um período em que se assiste a um desenvolvimento do

equipamento, nomeadamente da pontes e dos caminhos de ferro, ao que se

deve a importância dada aos transportes pelos sucessivos governos, que

começou a exigir a construção de inúmeras obras de engenharia

ferroviária56.

Ao longo de vinte anos, entre 1870 e 1890, assiste-se a uma assimilação da

linguagem do ferro no meio urbano, numa maturação e generalização das

aplicações na construção57. No início da década de 1920, a concorrência do

betão armado foi abrindo uma nova fase de obras, com a utilização mista

dos dois materiais, permanecendo os pilares em ferro, mas suportando as

lajes de betão. Por outro lado, também se assinala o surgimento do ferro,

“(…) como «apêndice» da obra moderna (esta em gosto «Art Déco» e com uso de betão), secundarizado e marginal; retomava deste modo a sua posição inicial, secundária na obra [...] o ferro nunca perdera, aliás, essa função pobre, mas necessária, de servir sem brilhar, sem ser mostrado; e quando Carlos Ramos projectou um «edifício de prestígio» para a Rua do Ouro, a agência Havas [fig.101], em 1921, ocultou com a sua fachada estilizada e simplificada (que anunciava já o estilo das artes decorativas) uma estrutura interna de esqueleto metálico completamente camuflado com estuques que envolviam colunas e vigas...” (Fernandes, 1993, p.16).

Em suma, pode-se dizer que, se o ferro se foi introduzindo e

enraizando nas actividades construtivas da arquitectura portuguesa de

meados do século XIX até aos Anos Vinte, conclui-se que este

enraizamento não se traduziu numa substituição formal definitiva dos

materiais tradicionais (pedra, tijolo e madeira), com os quais “teve de

aprender a dialogar” (Id., ibid., p.16).

João Pires da Fonte, construída entre 1846 e 1849. Esta fábrica caracteriza-se por uma vasta estrutura com vários pisos, que ainda utilizava “enormes pilares de ferro fundido, imitando as formas clássicas habituais na pedra e suportando pavimentos de abobadilha de tijolo, com dimensões globais e uma expressão algo «primitiva», que o uso posterior do ferro laminado, mais leva e resistente, modernizará”. In FERNANDES, José Manuel, ibidem, p.12. 56 Idem, ibidem, p.12. 57 Podem destacar-se alguns edifícios industrias, como a Central Elevatória a Vapor dos Barbadinhos (1880), “obra prima de articulação entre estrutura edificada e mecanismo” [idem, ibidem, p.12], numa linguagem experimental de gosto clássico reservado para interiores, a Exposição Nacional de Indústrias Fabris (1888), assim como o Gasómetro de Belém (1888) e a Companhia de Fiação e Tecidos da Arrentela (1890), considerando alguns autores a data de 1888 como o auge deste período. Mais tarde destacam-se as instalações da Fábrica de Pólvora (1898), anexa ao Convento de Chelas e com um dos mais extensos pavilhões metálicos do país, a chamada «Catedral do Vinho», em Fontebela (Valada do Ribatejo), “enorme adega de andares sobrepostos” [idem, ibidem, p.16], assim como a construção dos primeiros edifícios da Central Tejo, a partir de 1908, utilizando a estrutura em ferro em consonância com o tijolo silico-calcário.

189

Fig.  102  –  Fábrica  de  Moagem  do  Caramujo,  Cova  da  Piedade,  Almada,  1896.      

     

Esta dificuldade advinha de um permanente desfasamento da

tecnologia da ferro e das capacidades de soluções dos sistemas construtivos

e a sua expressão estilística, “para a qual se recorreu, por sistema, a formas

do passado, quanto muito modernizadas, mas nunca modernas” (Id., ibid.,

p.16). Assim, esta «decadência» do uso do ferro também parece ter

contribuído para fazer duvidar do estilo «Arte Nova» como solução

redentora da modernidade58.

O primeiro edifício integralmente construído em betão armado terá

sido a Fábrica de Moagem do Caramujo [fig.102], em 1898, situado na

Cova da Piedade, (Almada), que decorreu exactamente das mesmas razões

que justificaram o abandono das estruturas de madeira por toda a Europa,

substituídas maioritariamente pelo ferro, ou seja, pela necessidade de

minimizar os riscos de incêndio (a sua edificação iniciou-se pouco depois

da anterior unidade ter ardido)59.

Num quadro geral, pode afirmar-se que a última década do século

XIX é testemunho da multiplicação de aplicações do betão armado, à qual

não será alheia a construção da primeira unidade fabril de cimento artificial

de tipo «Portland», em Alhandra, onde se fizeram os primeiros ensaios ao

sistema «Hennebique», registado em Portugal em 1895, ou seja, três anos

58 “Só o betão saberá [...] encaminhar-se para um estilo moderno. Porquê esta incapacidade do ferro? Talvez pelo pioneirismo de que se revestiu a entrada do novo material na arquitectura (em todo o mundo, o ferro foi a primeira proposta moderna – e industrial – de construir, quando autores e executantes não estariam ainda «preparados» para interpretar e assumir as potencialidades da tecnologia oferecida)” [idem, ibidem, p.16]. Por outro lado, pelas suas incapacidades reais: o ferro, apesar de mais resistente do que a madeira, não chegava a constituir-se como uma solução redentora face ao risco de incêndio, para além de ser um material atreito à oxidação: “sacrificando depois a invenções mais sofisticadas, a especial importância do ferro na construção residiu em ter servido de charneira para o advento das novas técnicas e matérias industriais na sua invenção.”[Idem, ibidem, p.16]. 59 Para esta medida terá contribuído, na opinião de António Santos, a divulgação bastante mediatizada a nível internacional do incêndio do Bazar de la Charité, em Paris, no mês anterior. Segundo o mesmo, resultaria em França, “a elaboração de nova legislação aplicável às casas de espectáculos, potenciando o uso do betão armado.” In SANTOS, António Maria A., Betão Armado e Indústria na Génese da Arquitectura Modernista Portuguesa, in actas do seminário “Arquitectura y Indústria Modemas.1900-1965”, Segundo Seminário DO.CO.MO.MO. Ibérico, Sevilha, 11, 12 e 13 de Novembro de 1999, p.1. Julga-se que para esta conjuntura não terá sido alheia a «agressiva promoção comercial» conduzida em concorrência entre os dois principais «engenheiros-construtores»: François Hennebique (1842-1921) e Paul Cottancin (1865-1917). Segundo o mesmo autor, “A penetração e divulgação do novo processo construtivo na Península Ibérica inscreve-se na luta pela primazia e domínio empresarial nesta área, através do registo de patentes e da disseminação do apoio técnico-comercial destas duas «Casas»”, tendo ganho a dianteira em Portugal, assim como em Espanha, a patente de Cottancin obtida em 1892. No entanto os seus resultados práticos só se começam a revelar com pequenas e variadas intervenções, como a sua aplicação num pavimento da Escola Médica de Lisboa, em 1898. Idem, ibidem, pp.1-2.

190

após da sua primeira patente em França60. Já do início do novo século são

testemunho diversas aplicações do betão, entre materiais e técnicas muito

diversas, em edifícios da designada «arquitectura da electricidade» das

centrais eléctricas, com a sua característica gramática anglo-sáxonica, na

utilização do ferro e do tijolo silico-calcário, das quais se destacam em

Portugal a Central Tejo, em Lisboa (da qual datam os primeiros edifícios

de 1908-1911), as estações termoeléctricas do Douro, no Porto

(1907-1908), assim como a fábrica de moagem Napolitana (1908-1910), a

João de Brito (1908-1909), ou a Conceição e Silva (1910-1911), entre

outras.

Neste contexto, as diversas aplicações do betão armado noutros

sistemas construtivos iriam facilitar a sua progressiva aceitação, pela

disponibilidade de recursos técnicos e humanos, assim como pela

vulgarização do seu uso. Convém referir que os construtores civis e os

condutores de obras públicas, formados pelo antigo Instituto Industrial,

desempenhavam por esta altura um papel preponderante devido ao seu

envolvimento directo em obras de carácter industrial ou utilitário, “cuja

menor monumentalidade seria preterida pelos poucos arquitectos

qualificados ficando reservadas para técnicos mais experientes, mais

preocupados com a funcionalidade e a fiabilidade do que com a «arte»”

60 Três anos depois é construída a referida fábrica do Caramujo (Almada) da qual se pode registar a seguinte descrição: “A fábrica de Almada resulta de um projecto que claramente identificado com Hennebique, não apenas na concepção das estruturas (com característicos chanfres amaciadores nas arestas e o alargamento em «V» dos topos dos pilares que ligam às vigas principais), mas também nas soluções funcionalmente encontradas para esta obra. Uma dessas inovações consistiu na criação de uma cobertura em terraço que permitia recolher uma toalha de água a descoberto, que permitia não só o abastecimento para serviços específicos incluindo o caso de incêndio, como previa o isolamento térmico do edifício, do mesmo modo que tinha sido utilizado numa das primeiras de uma longa série de fábricas projectadas por Hennebique: a fiação Barrois Frères, em Fives, Lille, datada de 1896.” Idem, ibidem, pp.2-3. Segundo António Quintela, esta unidade industrial terá sido mencionada em França, em 1899, num relatório oficial onde se referem os três elementos fundamentais da construção: a estrutura de apoio, o alçado principal e a cobertura. Na opinião de António Santos, grande parte dos exemplos que aí foram apresentados e publicados em revistas da especialidade, referindo-se a edifícios industriais e infra-estruturas urbanas, onde se cruzariam vectores que mais tarde seriam “reivindicados pelo Movimento Moderno, como a funcionalidade, a economia de meios e o rigor técnico”. [Idem, ibidem, p.3.]. Já em 1910 num artigo da revista Béton Armé registam-se diversas intervenções feitas em Portugal, tanto no âmbito da engenharia, com realce para as pontes e viadutos: Mirandela (1904), Arraiolos (1906), Oliveira de Frades (1907), Braga (1908); equipamentos industriais: reservatórios elevados da C.U.F. no Barreiro, depósitos e silos em Lisboa; assim como algumas obras de maior destaque: o edifício dos Sapadores dos Bombeiros do Porto (1903), a cadeia de Braga (1907), o sanatório da Lixa (1908), ou as Termas de Vidago e Pedras Salgadas (1907-1915). Idem, ibidem, p.4.

191

Fig.  103  –  António  Rodrigues  da  Silva  Júnior,  fábrica  de  cerveja  Portugália,  Lisboa,  1912-­‐14.      

     

(DO.CO.MO.MO., 1999, p.5)61. Daqui terá resultado “a inexistência de

uma verdadeira polémica em Portugal entre arquitectos e engenheiros,

típica da sociedade industrial, dissolvida na complexa e frágil rede de

técnicos intervenientes no sector.” (Id, ibid., p.5).

Pode-se no entanto estabelecer duas fases distintas na evolução do

uso do betão armado na arquitectura da indústria em Portugal: uma

primeira fase iniciada com o registo das patentes na década de 1880,

correspondendo a um período de experimentação; e uma segunda fase

marcada por um salto qualitativo, após o fim da Primeira Guerra Mundial,

correspondente à primeira regulamentação sobre o betão armado (1918) e à

divulgação do seu sistema construtivo no ensino técnico.

Em 1920 é inaugurada a fábrica-modelo de cimentos da

Maceira-Liz, a mais avançada para a sua época, tendo sido prevista, desde

o seu início, a duplicação da sua capacidade, começando a produzir

cimento «Portland» três anos depois62. O exemplo permitiu completar as

condições objectivas do uso generalizado do betão em Portugal, que a

intervenção prática de engenheiros e de arquitectos após a reforma do

ensino artístico começaria a potenciar. É então que começam a ser

elaborados e executados alguns projectos de relevo, já com a intervenção

de arquitectos, “que tardiamente em Portugal se deram conta das

potencialidades do betão.” (Id, ibid., p.5).

61 Estes «técnicos mais experientes» eram representados pelas figuras de alguns «engenheiros-construtores» radicados em Portugal, como Jacq Monet, Vieillard, Jean Ducasse, Touzet, Pierre Teissier, e Jean Cassé. Na opinião de António Santos, “mesmo os engenheiros portugueses, provavelmente com excepção do núcleo que se desenvolveu no Porto (primeiro na Academia Politécnica com o Prof. Manuel da Terra Viana e depois na Faculdade Técnica), tiveram uma acção limitada nesta área ao contrário do que aconteceu noutros países, fruto da fragilidade do corpo de engenharia civil a detrimento da componente militar.” Idem, ibidem, p.5. 62 p. 6. Veja-se ainda a este respeito os Arquivos do Museu da Fábrica da Maceira-Lis, Marinha Grande.

192

Fig.  104  –  José  Marques  da  Silva,  Armazéns  Comerciais  Nascimento,  Porto,  1914.      

     

Da autoria de arquitectos, podem referir-se alguns primeiros

projectos integrando o uso do betão armado na arquitectura industrial

portuguesa, dos quais se destacam a fábrica de cerveja Portugália, (Lisboa,

1912-14), de António Rodrigues da Silva Júnior, referida como «primeira

arquitectura fabril portuguesa» na revista A Arquitectura Portuguesa63, e

os Armazéns Comerciais Nascimento [fig.104], no Porto, projectados em

1914, da autoria de Marques da Silva64. Estes dois projectos são

geralmente considerados pioneiros no panorama nacional, como primeiras

obras marcantes do período experimental relativo ao uso do betão armado

como linguagem arquitectónica65.

Convém referir que estas tentativas de renovação da arquitectura das

fábricas se englobam num contexto mais vasto, sendo importante referir

outras questões implicadas na génese histórica do modernismo em

Portugal: de facto, os dois arquitectos referidos fazem parte de uma

geração considerada como pioneira do modernismo português, sendo que

esta geração manifestou o desejo de renovar a própria linguagem da

arquitectura numa perspectiva intencional, por oposição ao “receituário de

«saudade e bom gosto»” (Zevi, 1970, p.705)66, veiculado pela figura

omnipresente de Raul Lino, em Nossa Casa, de 1919 e dez anos mais

tarde, em A Casa Portuguesa67. No entanto, será preciso não esquecer que

esta geração, dita «pioneira»68, estudou, colaborou e terá integrado ainda

63 Idem, ibidem, p.4. Veja-se ainda a este respeito PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, pp.704-706. 64 PORTAS, Nuno, ibidem, p.704. 65 Cf. PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.706. 66 Idem, ibidem, p.705. 67 Idem, ibidem, p.705. Veja-se ainda a este respeito História da Arte Portuguesa, ed. Círculo de Leitores, Lisboa, 1995, p.520. 68 Segundo PORTAS, Nuno, ibidem, p.707.

193

bastantes influências da geração anterior, plenamente enraizada no espírito

«Beaux Arts»69.

Parece ter sido Luis Cristino da Silva um dos últimos arquitectos

portugueses a efectuar a «tradicional viagem de estudo a Paris»70 (da qual

regressou em 1925), como era usual nas gerações anteriores, num ciclo

anteriormente iniciado por volta de 186571. Destas gerações anteriores

destacam-se, para além de Raul Lino, as figuras de Ventura Terra, José

Luis Monteiro, e Ernesto Korrodi, como figura mais próxima de António

Varela72. Terá sido «Mestre» José Luís Monteiro quem, na perspectiva

académica da Escola de Belas Artes de Lisboa, influenciou e contribuiu

para a difusão das teorias neoclássicas que foram reestruturando a

academia francesa nos princípios do século XX73. Bolseiro da academia de

Paris, foi professor interino de Arquitectura civil na Escola de Belas Artes

de Lisboa, da qual foi director de 1912 a 1929, e terá instruído “os seus

discípulos da cadeira de Arquitectura civil nos módulos canónicos

«beaux-artianos» inalteráveis da antiguidade clássica” (Matos, 1998, p.25),

tendo no entanto contribuído “decisivamente para uma profunda

remodelação curricular actualizante dos conteúdos programáticos

técnico-científicos do curso de Arquitectura, conduzindo ao movimento

modernista das décadas de 1920 a 1940.” (Id, ibid., p.25)74. Deste modo, as

teorias de arquitectura e as metodologias de projecto de raiz clássica, na

linha de pensamento dos académicos franceses como Durand, Choisy e

Guadet – e que também se encontram na origem da problemática do

Movimento Moderno –, foram de igual modo veiculadas através dos

69 Veja-se a este respeito MATOS, Francisco, José Luís Monteiro – Roteiro Biográfico, in José Luís Monteiro – Marcos de um Percurso, ed. Câmara Municipal de Lisboa/Pelouro da Cultura/Departamento de Património Cultura/Divisão de Arquivos, Lisboa, 1998, p.29 70 Veja-se a este respeito RODOLFO, João de Sousa, Luís Cristino da Silva e a Arquitectura Moderna em Portugal, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2002, pp.43-57. 71 Cf. MATOS, Francisco, ibidem , pp.16-17 e 20-21. 72 V. supra, Cap.3.2. 73 Veja-se a este respeito MATOS, Francisco, ibidem, p.22-29. 74 Também terá exercido influência no decurso desta evolução como membro fundador da Sociedade dos Arquitectos Portugueses, na qualidade de Primeiro Presidente da Assembleia Geral, em 1903. Idem, ibidem, p.25.

194

Fig.  105  –  Jorge  Segurado,  Casa  da  Moeda,  edifício  administrativo,  na  Av.  Dr.  António  José  de  Almeida,  Lisboa,  1933-­‐37.        

     

últimos professores portugueses de tradição académica francesa75, tendo

influenciado directamente a primeira geração dos modernistas portugueses.

4.2. A CASA DA MOEDA COMO EXERCÍCIO DE UMA GERAÇÃO

A Casa da Moeda apresenta-se de modo incontornável no panorama

deste estudo. Embora se deva admitir não ser tipologicamente comparável

a nenhum outro exemplo da arquitectura de trinta, é imprescindível a sua

referência por uma série de razões contextuais76 e em particular, para a

compreensão do percurso de António Varela.

Em primeiro lugar, porque marca um momento de reflexão

importantíssimo para a geração moderna e assinala o arranque de toda uma

série de grandes obras estatais levadas a cabo sob as directivas de Duarte

Pacheco, e que tentou conciliar a vertente moderna no contexto nacional,

onde, convém referir, ecoou o racionalismo centro-europeu entrecruzado

com alguns aspectos expressionistas e da cultura novecentista [fig.105]. 75 Para além da figura de Ventura Terra, autor de vasta obra feita e personalidade de notória influência no que respeita o esforço de racionalização da arquitectura então realizada, seria interessante referir Ernesto Korrodi, como professor de António Varela [v. supra, Cap.3.2.] sobre Ernesto Korrodi em particular, veja-se COSTA, Lucília Verdelho da, Ernesto Korrodi – 1889-1944 – Arquitectura, ensino e restauro do património, Editorial Estampa, Lisboa, 1997. 76 Veja-se a respeito do caso da Casa da Moeda, GALVÃO, Andreia, O Caminho da Modernidade: A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940), Universidade Lusíada, Lisboa, 2003, Cap.6, pp. 263-336.

195

Fig.  106  –  Jorge  Segurado,  Casa  da  Moeda,  maqueta  do  conjunto  com  vista  sobre  a  entrada  do  edifício  fabril,  Lisboa,  1933-­‐37/  1937-­‐41.        

     

Em segundo lugar, porque permite acompanhar o amadurecimento

de Varela como técnico e principal colaborador77 de Segurado, que contou

ainda com os arquitectos Dário Vieira e, mais tarde, Adelino Nunes, numa

vasta equipa que incluiu o engenheiro Roberto Espragueira Mendes e os

artistas Henrique e Francisco Franco, naquilo que se pode considerar um

«exercício de aprendizagem» de parte desta geração.

Em terceiro lugar, porque consequentemente revelar-se-ia uma

experiência de grande valor, pois permite compreender a capacidade de

Varela em lidar, posteriormente, com as complexidades da «grande

encomenda», de forma individual e autónoma, o que viria a verificar-se na

fábrica da Algarve Exportador e noutras obras. Neste sentido, parece-nos

fundamental para a compreensão do projecto de Matosinhos enquanto

abordagem racional ao acto de projectar, do ponto de visa da análise

programática, do rigor funcional, da metodologia construtiva e da

abordagem ao desenho urbano, parecendo com isto afastar-se dos métodos

da geração anterior profundamente enraizados nos esquemas académicos

oitocentistas.

77 Muito embora, segundo depoimentos do próprio Segurado, aqui não tenha Varela “feito nada de raiz”. In FERREIRA, Fátima, e ALMEIDA, Pedro Vieira de, Jorge Segurado: arquitecto do Modernismo em Portugal, Jornal dos Arquitectos nº 76, 1989.

196

Fig.  107  –  Jorge  Segurado,  Casa  da  Moeda,  entrada  do  edifício  administrativo,  planta  da  instalação  eléctrica,  1933.      

     

Fig.  108  –  Jorge  Segurado,  Liceu  Dona  Felipa  de  

Lencastre,  1932.      

     

O início do projecto da Casa da Moeda de Jorge Segurado data de

1931 e, após numerosas alterações, teve três fases construtivas: o edifício

da administração, (1933-37), a fábrica (1937-41) e a extensão do «Talhe

Doce» (1955-58), tendo vindo esta última alterar significativamente o

equilíbrio volumétrico entre as duas anteriormente referidas massas

edificadas, no perímetro do quarteirão, e o seu interior, como adiante se

poderá comprovar.

Mas para o seu enquadramento temporal importa mencionar, para

além dos projectos dos Liceus (fig.108) [v. supra, 3.3.2.], outros exemplos

que marcaram a história da década, por serem edifícios institucionais de

grande escala que marcaram, através da sua implantação, a qualificação

urbana nos seus lugares: referimo-nos ao Instituto Superior Técnico (1927-

35) e o Instituto Nacional de Estatística (1931-35), as Gares Marítimas de

Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos, de Porfírio Pardal Monteiro, a

Escola Naval do Alfeite (1932-35), dos irmãos Rebelo de Andrade, como

obras que, pelas suas dimensões e importância em termos de qualificação

do desenho urbano, também podem ser comparáveis à Casa da Moeda ou à

Fábrica de Matosinhos. Já no que respeita à comparação entre estes dois

projectos do ponto de vista compositivo, tipológico e volumétrico, parece-

nos importante apontar a referência de Andreia Galvão sobre o caso:

“A colaboração entre Jorge Segurado e António Varela no projecto definitivo da Casa da Moeda e noutros projectos da mesma década, explica as possíveis semelhanças desse edifício com o primeiro. Tal como este, o conjunto industrial de Varela apresenta como estrutura base da composição, a agregação de módulos funcionais através de dois volumes desnivelados (dois hangares com cobertura metálica industrial e clarabóias de iluminação). O ponto de união e charneira da composição e o corpo da entrada fabril. A fachada do primeiro, um elemento curvo, faz a união entre os dois volumes

197

Fig.  109  –  Jorge  Segurado,  Casa  da  Moeda,  entrada  do  edifício  fabril,1937-­‐41.      

     

principais. Esta opção de Varela recorda-nos, aliás, o canto recortado e a empena ligeiramente sobrelevada em relação às duas alas fabris da entrada dos operários da Casa da Moeda. De igual modo, o sentido de diversidade dos seus volumes, como o ritmo horizontal dos vãos assumidos por longos panos de vidro, produzem um dinamismo na composição que parece querer provocar o forçar o olhar em sua volta como se esta fosse um pião. O alçado lateral do complexo fabril tem uma presença especial dentro do conjunto, traduzida pelos imensos panos cristalinos, demarcados pelos pilares que, neste caso, não se transportam do chão como no corpo fabril da Casa da Moeda. Os vãos das alas oficinais da fábrica de Varela mostram, provavelmente, o que poderia ter sido a composição igualmente «cristalina» do corpo das oficinas da Casa da Moeda, não fossem as razões de segurança que o edifício exigiu.” (Galvão, 2003, pp.265-266) [fig.105-109-110].

Esta análise prossegue comparando os centros de composição das

duas obras:

“Na fábrica de Matosinhos o centro da composição é único, dinâmico, porque gerado por um dos cantos da composição. Trata-se de um elemento funcional de ligação diagonal entre duas áreas programáticas. Na Casa da Moeda, este papel compete à entrada dos operários [fig.109], por oposição à marcação do corpo central da administração, volume estático mas com uma posição marcante relativamente ao conjunto.” (Id. ibid., p.265-266).

Convém esclarecer que muito embora os centros das duas

composições sejam, do ponto de vista das volumetrias, visivelmente

diferentes, sendo uma composta pela dualidade de dois corpos em duas

frentes de ruas opostas, e a outra, resultante da charneira entre o

cruzamento de duas ruas, já do ponto de vista dos mecanismos de pré-

composição, parecem ser iguais, numa organização geométrica comum às

duas obras, em torno de um sistema polar e em quadratura [fig.110]. Tal

facto podia ser observado no pátio da Casa da Moeda [fig.111], ao nível

dos arranjos exteriores (antes da construção do edifício do «Talhe Doce»

em 1955), onde se materializava um centro polar de oito braços formados

por caminhos que divergiam e regiam a centralidade de toda a

composição78 [fig.111].

78 Veja-se a este respeito GALVÃO, Andreia, ibidem, pp.326, fig.457-458.

198

Fig.  110  –  Casa  da  Moeda,  interpretação  dos  mecanismos  de  pré-­‐composição  com  base  na  planta  de  implantação  do  conjunto,  com  o  edifício  do  «Talhe  Doce»  a  ocupar  o  centro  da  área  do  pátio  original.      

     

Fig.  111  –  Casa  da  Moeda,  pátio  original,  posteriormente  ocupado  pelo  edifício  do  «Talhe  Doce».  Note-­‐se  o  desenho  de  arranjos  exteriores  organizados  a  partir  do  sistema  polar:  uma  marca  visível  do  «centro»  geométrico    que  preside  ao  conjunto  do  edificado.      

     

Talvez aqui se possa considerar o desenho como um sinal de sentido

unitário, por parte de Jorge Segurado, numa composição assente na

dualidade do edifício administrativo e do edifício fabril, parecendo este

gesto acusar a necessidade de reunificação dos opostos. A ser credível esta

hipótese, também pode estabelecer algumas correspondências com os

mecanismos simbólicos de composição de António Varela na Fábrica de

Matosinhos79, no Mercado de Coimbra80, ou ainda na casa de Agostinho

Fernandes81.

79 V. infra, 6.4.2.4.1., fig. 287. 80 V. infra, 7.1., fig. 298. 81 V. infra, 7.3., fig.328.

199

4.3. OUTRAS OBRAS EM CONJUNTO: ENTRE REGIONALISMOS E

PERSISTÊNCIAS MODERNAS

A acção de António Varela como principal colaborador de Jorge

Segurado no projecto e no acompanhamento às obras da Casa da Moeda

parece ter contribuído de forma decisiva para a consolidação de uma

parceria que viria a frutificar por vários anos até ao final da década. Parece

ter sido esta a época, para ambos, de «maiores» oportunidades, entre a

grande e a pequena encomenda, onde ainda houve espaço para a utopia,

através de algumas propostas de concursos e que, no quadro de uma

política de desenvolvimento urbanístico fomentada por Duarte Pacheco.

A colaboração de António Varela com Jorge Segurado parece

remontar a 1931 e à Grande Exposição Industrial Portuguesa82. Convém

relembrar que Varela já tinha colaborado anteriormente com Carlos Ramos

e o próprio Segurado, no quadro mais alargado do Concurso Nacional dos

Liceus. Daqui se pode depreender a ligação de Varela ao programa

industrial e às novas possibilidades de organização de linguagens

arquitectónicas decorrentes das «afinidades» entre o funcionalismo

moderno e os programas industriais, donde emanaram as procuras desta

parceria em torno dos sistemas de estandardização construtivos,

nomeadamente no recurso ao «unit system»83. Mas a Grande Exposição

82 Convém referir que Segurado também emparceirou anteriormente com Adelino Nunes, seu antigo companheiro do tempo das Belas Artes: “a [sua] primeira colaboração foi com Carlos Ramos e durou cerca de oito anos, desde que integrou a equipa dos Liceus, para seguidamente já no seu atelier [de Segurado], colaborar no projecto da Casa da Moeda, da Emissora Nacional em Barcarena [1938] e da Sede do Quelhas [1938], em Lisboa.” Idem, ibidem, p.271. O menor número de obras em conjunto desta última parceria parece justificar-se pelo facto de Adelino Nunes ter sido funcionário público e a partir de 1934 responsável da Comissão dos Novos Edifícios para os C.T.T.: “Neste organismo teve uma acção considerável dentro de uma produção eclética, num espírito idêntico ao de Segurado, entre uma racionalidade moderna […] e outras propostas nacionalistas modernas norteadas pela inserção regional dos edifícios. Neste último caso citamos as estações dos Correios do Estoril [1939-42], Leiria, Figueira da Foz e Alcobaça [1938], [refira-se ainda Beja, em 1939]. Em Alcobaça, Adelino Nunes aderiu ao «joanino» inspirado nos solares seiscentistas, tal como no Palácio dos Correios próximo do Cais do Sodré [1942], mas continuou sempre a explorar as combinações volumétricas, os volumes curvos e suaves e as diferenciações de planos obtidos através de texturas dos revestimentos utilizados, tal como nos Liceus e na Casa da Moeda.” Idem, ibidem, pp. 271-272. 83 “O «unit-system», sistema construtivo herdeiro da «Escola de Chicago», muito divulgado na América e amplamente aplicado nos anos vinte, é adoptado por Segurado e seus companheiros pelo menos a partir dos Liceus”, in idem, ibidem, p.313, (e nomeadamente no esquema de modulação para o projecto da Casa da Moeda, “com módulo basilar de cinco metros, com variantes e múltiplos, evidentemente”, idem, ibidem, p.312, e segundo depoimentos do próprio Segurado, in FERREIRA,

200

Industrial Portuguesa marca também a colaboração de Varela com Almada

Negreiros, Jorge Barradas, Keil do Amaral e Dário Vieira no

desenvolvimento do Plano Geral, sob a coordenação de Jorge Segurado,

que se realizou nos terrenos a nascente do Parque Eduardo VII, no topo da

Avenida da Liberdade em Lisboa. O plano delineado por Segurado

propunha uma composição clássica e hierarquizada dominada por uma

extensa avenida onde se localizavam os pavilhões centrais, sendo rematada

no topo por uma praça, no centro da qual se localizava o Pavilhão da

Indústria e um pavilhão semi-circular84.

Convém destacar neste conjunto o projecto de Segurado para o stand

da firma Alfredo Alves e Filhos – engenheiros e construtores85, em parte

semelhante à casa de Agostinho Fernandes na Praia da Rocha86 que

António Varela viria a conceber alguns anos mais tarde, pela sua

implantação e articulação volumétrica, marcada por uma centralidade

quadrangular donde sobressaem dois cilindros que formam uma entrada

simétrica e axial. Para além de algumas analogias pontuais que podem

estabelecer-se com outros projectos de Segurado e de Varela (a típica

resolução em quina, semelhante às entradas do Liceu D. Felipa de

Lencastre e da Casa da Moeda), parece especificamente possuir a mesma

base compositiva que este último viria a desenvolver no projecto para a

casa do seu antigo patrono.

Fátima, e ALMEIDA, Pedro Vieira de, Jorge Segurado: arquitecto do Modernismo em Portugal, Jornal dos Arquitectos nº 76, 1989. 84 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº110. Refere a mesma descrição: “Todos os pavilhões apresentam uma estrutura em pórtico, clássica, e simultaneamente de inspiração Art Déco. Estes eram constituídos por um sistema de pórticos, em betão, pré fabricados. A estrutura da cobertura era em madeira, revestida a zinco, mas encoberta por uma larga platibanda. Nos espaços entre vãos localizam-se os stands.” Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº110. 85 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº116. 86 V. infra, 7.3. A casa de Agostinho Fernandes: uma aproximação mediterrânica à modernidade portuguesa.

201

Durante o longo processo de acompanhamento às obras da Casa da

Moeda, que se prolongaram até ao final da década, houve ainda espaço

para dar resposta a alguns concursos e uma série de encomendas diversas,

que atestam da vitalidade desta parceria e comprovam a necessidade de

flexibilidade nas abordagens programáticas, entre «modernismos» e

«regionalismos», onde a dupla desenvolveu, à semelhança de outros da

mesma geração, um processo de adaptação a uma realidade contextual

típica deste complexo período de transição da arquitectura portuguesa, quer

a nível da pequena escala, quer a nível da escala urbana e do território.

 

4.3.1. A contextualização da acção urbanística dos Anos

Trinta: alguns aspectos teóricos sobre o caso português

As intervenções de Varela ao nível da elaboração de planos de

urbanização são indissociáveis da sua colaboração com Jorge Segurado.

Este último foi, juntamente com Carlos Ramos, Cotinelli Telmo, Porfírio

Pardal Monteiro e Adelino Nunes, um dos arquitectos modernistas que

mais vieram a intervir a este nível no período de reformas encetadas a

partir da década de trinta e já no âmbito da coordenação geral de Duarte

Pacheco, pelo que é importante referir, a este respeito, algumas

considerações.

Convém relembrar que por esta altura, a ideia de ordem racional da

cidade surge como contradição às operações urbanísticas fragmentárias do

século anterior, muito embora fosse ainda de oitocentos a ideia de uma

prática urbanística com características novas e claramente distintas da arte

urbana anterior aos esforços de modernização, dos quais o plano de Cerdá

para Barcelona é um exemplo paradigmático de aproximação metodológica

(Romón, 2005, p.1387), assim como os «grands travaux» de Hausmann que

87 ROMÓN, Maria A. Castrillo, A Planificação urbanísitca como prática ideológica: aproximação histórica e a encruzilhada actual, 1ª ed., ESAP – Escola Superior Artística do Porto, Porto, 2005, p.14.

202

se tornou um modelo canónico, e por outra via, o Beautiful Cities

Movement inaugurado em 1893 (Id., Ibid., p.17).

Refira-se ainda que o legado ideológico reformista da urbanística

alemã de novecentos foi fundamental para a definição da práctica do

planeamento: neste aspecto, os manuais de Reynhard Baumeister88 e

Joseph Stüben89, entre outros, são exemplos claros de uma revisão de uma

nova análise do planeamento urbano, que passa por critérios de

zonificação, arrendamento ou ainda a «questão do solo» (Id., Ibid., p.18), a

partir da qual se criarão as bases de uma série e conceitos instrumentais

que serão essências para o debate sobre a cidade e o desenvolvimento

urbano: por um lado, duas técnicas ultimadas na Alemanha e expandidas

posteriormente a toda a Europa e Estados Unidos da América na mudança

do século: a zonificação e a nova parcelação; por outro, a descentralização

urbana como proposta face ao problema do solo, indiscutivelmente

protagonizada pela Cidade Jardim de Ebenezer Howard (Id., Ibid., p.18).

O caso português, que até meados do período de entre-guerras irá

manter uma certa ideia de arte urbana aliada ao conceito de abertura dos

«grands boulevards», assim como algumas tentativas de regularização das

leis dos solos e os problemas urbanísticos advindos de uma

industrialização tardia – a «ville tentaculaire», segundo Verhaeren –,

encontra-se ligado às iniciativas do fontismo e de Ressano Garcia. Mas os

anos trinta, já sob a política do Estado Novo, irão revelar sobretudo as

diferenças de opções teóricas sobre que modelos seguir, sendo que alguns

arquitectos mais racionalistas basearam-se no tema da relação funcional

entre arquitectura e cidade, sob a bandeira do Movimento Moderno

“sobretudo através dos temas da habitação e da cidade, do bloco

habitacional auto-suficiente e da estandardização frente ao espaço aberto e

comunitário da cidade” (Galvão, 2003, p.76), enquanto que outros

mantiveram o ideário de um urbanismo progressista, evocando um

interesse particular pelo modelo da Cidade-Jardim, assim como por uma

88 Idem, ibidem, p.18. 89 Idem, ibidem, p.18.

203

interpretação renovada pelo conceito de «arte urbana» mas levando em

conta novos factores de economia de circulação, em continuidade com

algumas das propostas mais importantes de oitocentos. “Tal como

propusera Camillo Sitte, preservavam o valor da praça e do quarteirão,

bem como o traçado urbanístico recordando o valor da cidade monumental

e dos seus monumentos” (Id., Ibid., p.76).

Convém referir a este respeito que Gustavo Giovanonni publica em

1931 as suas teorias sobre o urbanismo alargado à escala do território90:

segundo Françoise Choay, a importância deste urbanista é fundamental

para a compreensão da teoria do urbanismo deste período. Giovanonni

avalia o papel inovador das novas técnicas de transporte e de comunicação

e prevê o seu crescente aperfeiçoamento para além da urbe91.

“O urbanismo deixa de se aplicar a entidades urbanas e circunscritas no espaço para se tornar territorial. Deve atender à vocação para o movimento e para a comunicação por todos os meios, característica da sociedade na era industrial, que se tornou a era da «comunicação generalizada». (Choay, 2001, p.195)

Esta leitura permite a compreensão do caso português, e parece ser

sobre a dualidade de um reformismo progressista e um funcionalismo entre

a arquitectura e a cidade moderna que o debate se irá prolongar sobre o

período de Duarte Pacheco92 ao nível de grandes transformações de

desenvolvimento territorial e urbanístico na capital e no país, a par de um

incremento ímpar das Obras Públicas. Mas embora as acções de

90 GIOVANONNI, Gustavo, Vecchie citta ed edilizia nuova, Unione tipografico-editrice, Turin, 1931, in CHOAY, Françoise, A alegoria do património, Ed. UNESP, São Paulo, 2001, p.195 [ed. orig. L’allégorie du patrimoine, Seuil, Paris, 1996]. Segundo Choay, uma parte da carreira de Giovannoni deu-se sob o regime de Mussolini. Por essa razão viu-se injustamente envolvido, depois da guerra, no processo contra o fascismo, tendo sido criticado com violência por Bruno Zevi (Storia dell’architectura moderna, Einaudi, Milão, 1955). Além disso, não tendo «cortejado» determinadas estrelas do Movimento Moderno com Le Corbusier, foi acusado de passadista, quando na verdade desenvolvia, na área do urbanismo, teorias mais avançadas e tecnicamente mais elaboradas. Cf. Idem, ibidem, p.195, nota 45. 91 Segundo Françoise Choay: “Um recuo de algumas décadas permite-lhe pensar, a partir daí, num contexto de redes [rete] e de infra-estruturas na mutação de escalas urbanas que constituíam o núcleo das reflexões de Viollet-le-Duc e de Sitte.” In idem, ibidem, p.195. 92 Com a acumulação de cargos de Ministro das Obras Públicas e Presidente da Câmara de Lisboa, entre 1938 e 1943.

204

planeamento se tenham iniciado na década de Trinta, a expansão efectiva

só se verificará na década de Quarenta93.

É este o caso de Lisboa, através das contribuições dos urbanistas

Forestier, Agache e de Gröer, seguidas por Faria da Costa. Agache em

1933 inicia o estudo de urbanização da Zona de Lisboa a Estoril-Cascais,

dominado pela implantação da habitação unifamiliar, “seguindo o modelo

da Cidade-Jardim inglesa, de baixa densidade, ligada ao centro através de

ligações ferroviárias e da Estrada Marginal, na forma de cidade linear

(Galvão, 2003, p.76). Este será terminado por Faria da Costa e Etienne de

Gröer, responsável pelo Plano Director de Lisboa (1938-48).

Estas novas área de expansão estavam associadas a vastas áreas

verdes de recreio e lazer adstritas a cada aglomerado, “todas elas

referenciadas ao grande complexo desportivo criado na Cruz Quebrada, o

Estádio Nacional (1944), assumindo como a grande área desportiva e de

recreio da cidade, cujo projecto incluía a reflorestação e reordenamento do

Vale do Jamor.” (Id., Ibid., p.77). O posicionamento de De Gröer era,

teoricamente, muito próxima à de Howard, “no entendimento policêntrico

das áreas habitacionais como da Cidade-Jardim, com um crescimento

limitado e envolvido por zonas verdes e rurais, ligadas ao centro por

transportes rápidos.” (Id., Ibid., p.77).

Convém ainda referir que a presença de urbanistas consultores

estrangeiros em Portugal foi uma tradição que se iniciou com a vinda de

Forestier em 1927, continuada, no Porto, pela presença dos italianos

Marcello Piacentini e Giovanni Muzio, célebres pelas suas intervenções na

Itália fascista, sob o modelo da cidade clássica aliada ao progressismo e a

uma ideia de arte urbana indexada a valores da monumentalidade típica do

ideário do regime (Id., Ibid., p.77).

93 Veja-se ainda a este respeito, LÔBO, Margarida Souza, Duas Décadas de Planos de Urbanização em Portugal (1934-1954), Dissertação de Doutoramento, Universidade Técnica de Lisboa, 1993, (publicada com o título Planos de Urbanização à época de Duarte Pacheco, DGOTDU/FAUP, 1995).

205

Em suma, o Estado Novo promoveu essencialmente um urbanismo

progressista e artístico, “combinando aspectos funcionais e higienistas com

outros essencialmente artísticos, mas à margem de um racionalismo

funcionalista do Movimento Moderno” (Id., Ibid., p.77).

“Um urbanismo formal e racional, de pendor classicista e dogmático, adaptou as condições económicas e ideológicas portuguesas ao entendimento dos valores subjacentes às propostas de raiz inglesa de origem na Cidade-Jardim, e até das propostas mais ousadas de quarteirão aberto. Estas últimas, podem-se considerar inspiradas nos modelos austríaco, alemão e holandês, e repercutidas em casos como o Bairro de Alvalade (da autoria de Faria da Costa), já em meados de Quarenta.” (Id., Ibid., p.77).

Destaca-se deste novo ciclo um trabalho importante que os jovens

arquitectos da primeira geração moderna irão desenvolver enquanto

arquitectos e urbanistas, respondendo com especial sensibilidade para a

relação funcional dos edifícios com a envolvente urbana (das quais alguns

projectos da dupla Segurado/Varela, assim como a Casa da Moeda e a

Fábrica de Matosinhos de Varela, são exemplos paradigmáticos).

Em termos gerais, convém reconhecer que as propostas de desenho

urbano deste período oscilaram entre o modelo da Cidade-Jardim para as

áreas de expansão habitacionais, e o modelo artístico e progressista do

movimento tardo-oitocentista City Beautiful para as zonas urbanas de

maior representação. Apesar disso, convém referir o conhecimento de

alguns arquitectos portugueses sobre as experiências vanguardistas alemãs

desse mesmo período: tal é o caso de Jorge Segurado e de Carlos Ramos,

sobre os quais parece recair a maior influência de António Varela a este

nível teórico.

206

Fig.  112  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Plano  Urbanístico  para  a  Praia  do  Cabedelo,  Viana  do  Castelo,  1933.      

     

4.3.2. O Plano Urbanístico da Praia do Cabedelo

O ano de 1933 marca o começo efectivo da colaboração de António

Varela no projecto definitivo da Casa da Moeda e é a partir deste momento

que parece ter-se construído a sua parceria com Jorge Segurado, com o

Plano Urbanístico para a Praia do Cabedelo em Viana do Castelo (fig.112).

Este plano surgiu na sequência dos arranjos das frentes marginais

de algumas praias do país e de acordo com a política governamental de

apoio ao turismo que, a partir de 1934, iria regulamentar a elaboração de

planos gerais de urbanização para vilas de termas e praias. A proposta

consistia na criação de uma zona satélite do lado sul do rio Lima,

prolongando-se como núcleo de expansão da cidade principal sob o

conceito da Cidade-Jardim. Segundo as fontes consultadas, tratava-se de

um plano de baixa densidade e destinava-se a servir uma comunidade

balnear de veraneio da classe média94.

O princípio que presidiu à sua organização terá sido, segundo Jorge

Segurado, “orgânico no sentido da relação do traçado com a distribuição

funcional” (id., ibid.,)95, tendo obedecido, segundo o mesmo, a «princípios

94 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº122. 95 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº122.

207

racionais»96 onde também parecem transparecer preocupações de rápida

acessibilidade, facilidade de transporte, áreas amplas e zonas verdes97.

O desenvolvimento do traçado estabelecia-se segundo a topografia

existente, a partir do eixo de uma avenida principal com ligação à estrada

nacional e uma outra que interceptava a anterior, formando uma praça

circular onde se previa a localização de uma capela. Segundo Segurado,

funcionalmente o plano definia-se em três áreas: habitação, área

institucional e administrativa com equipamentos lúdicos como o casino e a

área de lazer e desporto, designada por «zona verde».  

4.3.3. A proposta para uma Cidade Olímpica no Campo

Grande e o concurso do Estádio Nacional

1934 é o ano da proposta do Plano de uma Cidade Olímpica para

Lisboa, no Campo Grande (fig.113). Plano vasto e ambicioso, marca uma

etapa fundamental da dupla de arquitectos e enquadra-se no grupo de

projectos urbanísticos entre utopia e monumentalidade típica deste período,

dos quais vários nunca chegariam a ver a luz do dia, mas que testemunham

da vitalidade da parceria Segurado/Varela. Em 1933, Salazar sublinhara a

importância do desporto na educação integral dos jovens, “como directriz

de uma raça forte e sã que pudesse vir a defender o seu país.” (Id., ibid.,

p.541). Aliado aos boatos que ecoavam dos Jogos Olímpicos de Berlim, de

que a realização das olimpíadas de 1940 seriam em Lisboa, justificou-se

deste modo a realização de um concurso em 1936 para o Estádio

Nacional98.

96 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº122. 97 A memória descritiva desenvolve os seguintes tópicos referentes ao plano: arborização, higiene, economia, perfis, arruamentos, trânsito e transportes, definindo-se neste último a criação de uma linha de carros eléctricos. Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº122. 98 “A conjugação desta hipótese com as Comemorações do Duplo Centenário e a grande exposição do Mundo Português teria seria a conjugação perfeita desejável para o regime. Mas após as várias vicissitudes deste ambicioso projecto, acabará apenas por se inaugurar o Estádio, em 1944, e parte das infra estruturas previstas. A construção de um Estádio Nacional, não sendo a única necessidade para o desenvolvimento do desporto constituía, no entanto, um interessante ponto de partida para a propaganda e era, principalmente, garante da protecção que o Estado queria dar ao desporto, enquanto agente de progresso e desenvolvimento físico da sua «raça»”. Idem, ibidem, p.542.

208

Fig.  113  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Plano  Geral  de  distribuição  de  uma  

Cidade  Olímpica,  Lisboa,  

Campo  Grande,  1934.      

     

O processo tem antecedentes que explicam a proposta da Cidade

Olímpica para o Campo Grande: segundo testemunhos do arquitecto, em

Abril de 1934, ele próprio e António Varela tomaram a iniciativa de

publicar uma proposta sob a designação de Plano Geral de Distribuição de

uma Cidade Olímpica: “Na sequência de uma acesa polémica sobre a

localização de um complexo desportivo para a cidade de Lisboa este

deveria ser construído nos terrenos do Lumiar junto ao Campo Grande e da

futura Cidade Universitária.” (Id., ibid., p.542).

Esta iniciativa estabeleceu-se dentro de um quadro de acesas

polémicas, publicadas na imprensa da época, em torno das questões de

valorização da cidade de Lisboa. Uma dessas discussões residia

precisamente na criação de uma cidade universitária no Campo Grande;

outra sobre a necessidade de uma cidade olímpica, sendo objecto de

discussão a sua implantação, oscilando entre duas hipóteses: os terrenos do

Vale do Jamor entre Algés e Caxias, e os do Lumiar junto ao Campo

Grande. Das duas hipóteses acabaria por vencer a primeira, em detrimento

da segunda, de Jorge Segurado e António Varela99. A proposta foi exposta

no próprio atelier e publicada num pequeno folheto ilustrado contendo, em

99 Veja-se a este respeito, idem, ibidem, p.543.

209

Fig.  115  –  Jan  Wils,  Estádio  de  Amsterdão,  1928.  

     

Fig.114  –  Jorge  Segurado,  António  Varela,  mecânico  [?],  e  aviador  Melo  Rodrigues,  Alverca,  1934.        

     

traços gerais, a localização dos equipamentos e a organização geral do

recinto, acompanhado de uma justificação teórica. Segundo o testemunho

de Jorge Segurado, o contexto desta iniciativa esteve mais ligado a um

episódio pontual, que permite testemunhar o espírito entusiástico de

Varela:

“Bem, não era uma cidade olímpica, isso tem uma história muito curiosa. Havia um advogado chamado Humberto Plágio, que era um rapaz novo cheio de vivacidade e muito amigo dos homens do Sporting: um dia veio ter comigo e pediu-me que lhe fizesse o projecto de um Estádio. O António Varela assistiu à conversa e entusiasmadíssimos resolvemos agarrar aquela ideia linda e fazer o ante-projecto. […] A certa altura concluímos que era preciso implantar o Estádio e o António Varela lembrou-se de fazer isso de avião”100 (fig.114).

Segundo o mesmo, o vôo terá ainda abrangido uma volta por Mafra e

o rio Tejo, onde houve lugar para “um pequeno susto junto à Torre de

Belém”101, pelo que se deduz que “terão ainda aproveitado para sobrevoar

o Vale do Jamor, o local concorrente à proposta por eles formulada”102.

Um artigo do jornal Diário de Lisboa publicou uma ainda uma

«carta aberta» subscrita pelos dois arquitectos, onde estes sugerem a

abertura de um concurso público para a elaboração do projecto da Cidade

100 Segundo depoimentos de Jorge Segurado em entrevista concedida ao Jornal dos Arquitectos, in FERREIRA, Fátima, e ALMEIDA, Pedro Vieira de, Jorge Segurado: arquitecto do Modernismo em Portugal, Jornal dos Arquitectos nº 76, 1989. Veja-se ainda a este respeito, GALVÃO, Andreia, ibidem, p.543. 101 Idem, ibidem, p.543. 102 Idem, ibidem, p.543. Um artigo do jornal O Século de 22 de Abril dá ainda conta deste episódio, onde refere que Jorge Segurado e António Varela realizaram uma visita ao local, sobrevoando-o num avião do Corpo de Aviação de Bombardeamento de Alverca [in “O Estádio Nacional”, O Século, 22 de Abril de 1934].

210

Fig.  116  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Fragmento  do  Plano  Geral  de  

implantação  do  estádio  «A»  (Estádio  Nacional  do  Jamor),  Lisboa,  1935.  

     

Olímpica. Neste artigo defendem a necessidade de viabilizar o local do

Campo Grande, com base nos seguintes factos: “O estudo por nós

elaborado diz respeito unicamente à implantação dum núcleo olímpico, e

não ao estudo propriamente dito do futuro Estádio Nacional, nem aos

outros edifícios. É simplesmente a indicação de uma solução dum

problema de urbanismo dentro da nossa cidade”103. Segundo o mesmo

artigo, defendiam ainda que tal opção permitiria:

“(…) a construção gradual e progressiva das suas construções, isto é, a construção em primeiro lugar do Estádio com a abertura imediata da Alameda das Linhas de Torres e a abertura da Avenida de ligação do Campo Grande (Avenida do Estádio) poupando provisoriamente o Palácio Pinto da Cunha, (o traçado permite fazer isto, pois a abertura da Avenida coincide em parte com o actual Pateo e abrange o baixo e pequeno edifico do “restaurant” existente). Portanto com a economia inicial dos trabalhos, poder-se-ia criar acessos imediatos ao Grande Estádio”104.

Estas razões de localização parecem fazer sentido, pois relacionavam

o traçado pré-existente do eixo da Avenida da República/Campo Grande

com a expansão da cidade para norte, com artérias largas em continuidade

nos terrenos do Lumiar, assim como uma articulação com os terrenos da

futura cidade universitária e o desenvolvimento do carácter desportivo

desta zona, onde já se contava, à época, o hipódromo e a sede do Sporting

Club de Portugal, beneficiando o conjunto de terrenos amplos para

estacionamento e um rápido escoamento do transito rodoviário105 (fig.113).

Deste conjunto é ainda visível o traçado em «pata de ganso» das avenidas

ajardinadas, acusando o pendor clássico do projecto, criando assim um

forte sentido de axialidade perspéctica sobre o estádio, aliado a um certo

pendor estético de Segurado pela monumentalidade da arquitectura

germânica, assim como pelo Estádio de Amesterdão (fig.115), que visitara

aquando da sua viagem europeia em 1931106.

A alternativa ao aproveitamento da expansão da cidade para norte

era a criação de uma zona desportiva a ocidente, no Vale do Jamor. 103 “Estádio Nacional”, Diário de Notícias, 23 de Abril de 1934. Veja-se ainda a este respeito GALVÃO, Andreia, ibidem, p.544. 104 Estádio Nacional, Diário de Notícias, 23 de Abril de 1934. In GALVÃO, Andreia, ibidem, p.544. 105 Idem, ibidem, p.544. 106 Da autoria de Jan Wils (1928), Idem, ibidem, p.547.

211

Fig.  117  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Perspectiva  do  Plano  Geral  do  Novo  Estádio  de  

Lisboa    (Estádio  Nacional  do  Jamor),  Lisboa,  1935.  

     

Finalmente a vontade política deu preferência a esta última opção, uma vez

que se podia integrar no Plano da Costa do Sol, como plano de expansão

preferencial da cidade para ocidente, além de que ficaria favorecida pelos

acessos previstos nesse mesmo plano107.

Decidida esta opção e perante o «facto consumado», os dois

arquitectos ainda participariam, em 1935, e embora infrutuosamente, no

concurso para o Estádio Nacional do Jamor108 (fig.116-117). O conjunto

deveria ser ligado ao Plano da Costa do Sol pela estrada marginal, a sul, e,

a norte, pela auto-estrada, ou alternativamente através das linhas do

eléctrico ou do comboio (fig.117). Alguns aspectos mais monumentalistas

da proposta para o Campo Grande terão sido reaproveitados, assim como

algumas referências à moderna arquitectura holandesa (fig.115).

107 Idem, ibidem, p.544. 108 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº155.

212

Fica também desta iniciativa o trabalho de Varela mais como «braço-

direito» e «intermediário» de Jorge Segurado, nas várias diligências entre

parceiros de trabalhos e comissões administrativas, do que propriamente

como autor do desenho, sendo claramente visível a «marca» de Segurado

no formalismo do conjunto, dentro de uma racionalidade clássica, e com

maiores referências a uma estética próxima do espírito da «Nova Tradição»

centro europeia.  

 

4.3.4. Alguns projectos de equipamento e habitação

A partir de meados da década de trinta, destacam-se alguns projectos

de carácter público e privado, que variam entre o discurso racionalista e

moderno e um registo de pendor mais regionalista e tradicional. Parece ser

sobre este binómio que se pauta a produção dos dois arquitectos neste

período, assente numa variação da abordagem ao projecto consoante o tipo

de encomenda.

Deste época registam-se várias encomendas por parte da Direcção

Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, compondo-se

maioritariamente de alterações ao edificado (1935). Neste conjunto

encontram-se também projectos-tipo de residências para magistrados,

conciliando aspectos económicos e arquitectónicos (1935), a Escola de

Regentes Agrícolas em Santarém e a Estação Vitivinícola da Beira Litoral

na Anadia (1937), entre outros. Também deste período data a encomenda

do Ministério da Agricultura para um projecto de uma Estação de

Fruticultura para a Quinta das Palmeiras e do Serrado, nas Caldas da

Rainha (1934-35). O projecto de ordenamento definia as áreas de cultivo e

exploração deste complexo, onde se destaca o edifício principal da autoria

de Jorge Segurado e António Varela (fig.118-119).

213

Fig.  120  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Parque  Infantil  do  Parque  das  

Necessidades,Lisboa,  1938.  Planta  do  estudo  prévio.        

     

Fig.  118-­‐119  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Estação  de  Fruticultura,  Quinta  das  Palmeiras  e  do  Serrado,  Caldas  da  Rainha,  1934-­‐35,  planta  do  piso  térreo  e  do  1º  andar.  

     

A composição aqui revela-se atípica na produção de Segurado, pois

não recorre ao uso da disposição simétrica e axial. Trata-se de uma

proposta racional, estruturada a partir de uma modulação de 5 por 6, o que

permitiu aos autores utilizar o conceito de planta livre, com a inerente

correspondência entre volume, planta e ocupação funcional109. Este

projecto revela-se também digno de interesse devido ao facto de alguns dos

desenhos serem somente assinados por Varela, o que pode explicar

algumas opções da composição e denunciar uma maior intervenção a nível

da concepção geral110.

No caso dos projectos de Parque Infantis desenvolvidos entre 1931-

35, de que são exemplo o do Jardim-Escola em Samora Correia111 (1935-

36) e o Parque Infantil das Necessidades em Lisboa112 (1938) (fig.120),

assim como o loteamento de habitações unifamiliares em banda para

Espinho113 (1936), o recurso a uma linguagem mais próxima do

regionalismo tradicionalista é a nota dominante, denotando-se, no entanto,

em planta, uma preocupação na modulação racional à semelhança, no caso

do loteamento de Espinho, dos esquemas compositivos de Carlos Ramos

para o bairro operário de Olhão.

109 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº138. 110 “O edifício desenvolve-se em dois pisos, escalonados e desnivelados sob coberturas terraço e Segurado explora a justaposição volumétrica dinâmica, em tensão, entre os dois corpos principais. Estes dois corpos-volume assim definidos, são também funcionalmente distintos. A harmonia é assim conferida a esta composição pelo jogo de compensação de volumes e dos cheios e vazios. A entrada das instalações faz-se através de um átrio central, onde se localizam os acessos verticais. Este resulta espacialmente do encontro dos dois corpos, feito praticamente na ortogonal. Junto ao átrio da entrada localiza-se o hangar de cargas e descargas e do outro lado o acesso aos edifícios administrativos, sobre um amplo terraço assente sobre pilares, do piso superior estão os laboratórios, o corpo da biblioteca e o museu.” In idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº138. 111 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº149. 112 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº149. 113 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº159.

214

Fig.  121  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Edifício  da  Misericórdia,  Caldas  da  Rainha,  1936.  Planta  de  implantação.        

     

Fig.  122  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Edifício  da  Misericórida,  Caldas  da  Rainha,  1936.  Alçado  norte.        

     

Fig.  123  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Edifício  da  Misericórdia,  Caldas  da  Rainha,  1936.  Alçado  este.        

     

Ainda do período 1936-37 existem dois projectos que, juntamente

com a Estação de Fruticultura, parecem marcar as opções mais

racionalistas dos dois arquitectos neste período de Trinta: o Edificio da

Misericórdia das Caldas da Rainha114 (fig.121-122-123-124-125) e a

Clínica para o Doutor Indiveri Colucci115 (fig.126-127-128-129-130-131) .

Estes exemplos são testemunho de uma pesquisa no âmbito do que, na

época, fora definido como «estilo utilitarista» e confirmam, no percurso

dos seus autores, o funcionalismo como uma via da modernidade.

114 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº157. 115 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº163.

215

Fig.  124  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Edifício  da  Misericórdia,  Caldas  da  Rainha,  1936.  Planta  do  Piso  térreo    (esq.).      

     

Fig.  126  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Clínica  para  o  Dr.  Indiveri  Colucci,  Paço  de  Arcos,  1936-­‐37  (foto  s.d.).        

     

Fig.  127  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Clínica  para  o  Dr.  Indiveri  Colucci,  Paço  de  Arcos,  1936-­‐37.  Corte  longitudinal.        

     

Fig.  128  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Clínica  para  o  Dr.  Indiveri  Colucci,  Paço  de  Arcos,  1936-­‐37.  Alçado  sul  (esq.)      

     

Fig.  125  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Edifício  da  Misericórdia,  Caldas  da  Rainha,  1936.  Planta  do  1º  piso  (dir.).        

     

Fig.  129  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Clínica  para  o  Dr.  Indiveri  Colucci,  Paço  de  Arcos,  1936-­‐37.  Alçado  poente  (dir.)      

     

Fig.  125  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Edifício  da  Misericórdia,  Caldas  da  Rainha,  1936.  Planta  do  1°  Piso.        

     

Fig.  125  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Edifício  da  Misericórdia,  Caldas  da  Rainha,  1936.  Planta  do  Piso  térreo  (esq.).        

     

A proposta para o Lar dos

Idosos é determinada pela articulação de três áreas distintas: os serviços

administrativos, o asilo e o albergue, que formam deste modo três módulos

articulados de que resulta uma implantação em forma de «T». A

diversidade da composição estabelece-se em altura, pelo desnivelamento

volumétrico dos pisos, donde resultam terraços no piso superior, um

estratagema em parte semelhante ao utilizado na Clínica para o Doutor

Indiveri Colucci116.

O projecto da clínica surgiu da necessidade do médico naturopata

estabelecer-se numa residência onde pudesse acompanhar os seus pacientes

a tempo inteiro. Deste programa, nasceu uma composição de dois corpos

que se sobrepõem, o consultório no piso térreo e a habitação no piso

superior. O projecto compôs-se por duas fases, de início apenas com os

dois pisos, tendo-se adicionado posteriormente o solário por cima da

cobertura do piso destinado à habitação (fig.128-129).

116 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº163.

216

Fig.  130  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Clínica  para  o  Dr.  Indiveri  Colucci,  Paço  de  Arcos,  1936-­‐37.  Planta  do  piso  térreo  (dir.)      

     

Fig.  131  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Clínica  para  o  Dr.  Indiveri  Colucci,  Paço  de  Arcos,  1936-­‐37.  Planta  do  1º  piso  (dir.)      

     

Fig.  132  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Clínica  para  o  Dr.  Indiveri  Colucci,  Paço  de  Arcos,  1936-­‐37.  Pormenorização  da  cozinha.  Note-­‐se  a  clarabóia  em  «plexiglass».      

     

O conjunto revela uma estética bastante próxima do funcionalismo

germânico, onde a assumpção da estrutura regra o efeito de volumes

desnivelados (fig.130-131). Neste caso, o piso superior (fig.131) constitui

um corpo avançado assente em pilares por cima da entrada, estendendo-se

aos alçados laterais e criando, deste modo, um efeito de sombra que

duplica a leitura da volumetria e define uma zona de circulação periférica

em torno do edifício117 (fig.130).

117 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº163.

217

Fig.  133  –  Sociedade  Industrial  Metalúrgica,  Caixilharia  para  a  Clínica  do  Dr.  Indiveri  Colucci,  [s.d.].      

     

Fig.  134  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Clínica  para  o  Dr.  Indiveri  Colucci,  Paço  de  Arcos,  1936-­‐37.  Esquisso  de  Jorge  Segurado  [s.d].      

     

Trata-se de um caso de utilização de conhecimentos e processos de

estandardização dentro da mesma linha dos projectos pós-Casa da Moeda e

Liceus, presente nas caixilharias de ferro e nas serralharias, assim como na

aplicação de acabamentos de fabrico industrial, de que são testemunho os

revestimentos cerâmicos, o mosaico hidráulico, os lambris em cortiça e

mármore e as clarabóias em «plexiglass», visíveis ao nível dos desenhos de

execução e pormenorização (fig.132-133).

Convém ainda referir neste projecto a comparação com alguma da

produção posterior de Varela, tanto ao nível da estandardização do sistema

construtivo, como a nível funcional, no recurso às «quilhas», como a

resolução de gaveto na fábrica da Algarve Exportador em Matosinhos e

alguns elementos das fábricas em Lagos e da Afurada. Mais

especificamente, parece de igual modo remeter para o imaginário do

projecto da Mirante, a casa de seu patrono Agostinho Fernandes [v. supra,

Cap. 6.3.], onde, para além das analogias evidentes, a designação funcional

se identifica explicitamente num desenho de estudo da clínica de Colucci

(fig.134).

Fica também deste período a colaboração de Varela em alguns

projectos de remodelação que Segurado vinha a desenvolver desde os

tempos do Bristol Club118 nos anos vinte, como na intervenção do Café

118 Idem, ibidem, pp.150-151.

218

Fig.  135  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Remodelação  da  Farmácia  

Azevedo  &  Filhos,  Lisboa,  

1933-­37.  Pormenorização  ao  nível  da  entrada,  planta  e  alçado  da  rua  [esq.]      

     

Fig.  136  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Remodelação  da  Farmácia  

Azevedo  &  Filhos,  Lisboa,  

1933-­3.  (foto  s.d.).      

     

Fig.  137  –  Jorge  Segurado  e  António  Varela,  Remodelação  da  Farmácia  

Azevedo  &  Filhos,  Lisboa,  

1933-­37.  (foto  s.d.).      

     

Central119, da Loja Marques e Cª – Alfaiataria e Camiseiros120, da Casa

Carrasco121 e da sucursal do jornal O Século, entre outras. Neste caso,

trata-se do projecto de transformação da farmácia Azevedo e Filhos122, no

Rossio (fig.135-136-137). Projecto iniciado em 1933, mas que se

prolongou até 1938, constituía-se interiormente por uma substituição das

abóbodas pombalinas por uma estrutura metálica que passou a suportar

toda a carga do antigo edifício, assim como os acabamentos muito

depurados e a estilização marcadamente modernista do mobiliário em

madeira de nogueira.

O exterior destacava-se na fachada pombalina por uma acentuação

claramente modernista ao tirar partido do vidro curvo da montra e na

estilização de pormenores metálicos das caixilharias e do mármore, onde

sobressaía o «lettering» por cima da porta de acesso ao estabelecimento

(fig.135-137). Este tipo de «design» assumia-se pela mesma linha de

alguma produção de Cassiano Branco, Carlos Ramos ou ainda no caso do

Café Portugal (1937), de Cristino da Silva, da mesma época, e também no

Rossio. Fica ainda desta obra um episódio de claro desentendimento do

119 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº73. 120 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº85. 121 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº97. 122 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº166.

219

proprietário com António Varela, tendo aquele em 1938 solicitado por

carta a Jorge Segurado que «centralizasse» o processo daí em diante123.

Em suma, retém-se deste período a ideia de uma actividade

profissional intensa que favoreceu o «crescimento» de António Varela

enquanto arquitecto. O contexto de «novas oportunidades», que as novas

políticas de empreendimento estatal sob a tutela de Duarte Pacheco fizeram

florescer, contribuiu em muito para um certo entusiasmo e

empreendedorismo dos arquitectos da sua geração, ao que o próprio numa

primeira fase também aderiu124. Para Varela, deste momento de Trinta

marcado por uma certa rotura com o passado, registam-se algumas utopias

urbanísticas e um certo experimentalismo em torno de técnicas industriais

e modelos funcionalistas, mas fica sobretudo a «lição» da Casa da Moeda e

o acompanhamento a Jorge Segurado na construção de um «espírito

moderno». Tal conjuntura parece ter contribuído de forma decisiva para o

seu amadurecimento enquanto arquitecto «do seu tempo», num caminho

que passará maioritariamente a seguir «a solo» e um pouco «contra a

corrente», já na década seguinte.

123 Idem, ibidem, anexo, ref. atelier nº166. 124 Veja-se a este respeito 3.3.2. Aspectos da reflexão teórica da década de Trinta: Este tema encontra-se sobejamente analisado sobretudo a partir da produção histórica e crítica pós-25 de Abril e até à actualidade. A este respeito podem referir-se, entre outros: FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961), 3ª Ed., Bertrand, Lisboa; PORTAS, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970; PEREIRA, Paulo, História da Arte Portuguesa, Círculo de Leitores, Lisboa, 1995; FERNANDES, José Manuel, Arquitectura modernista em Portugal, Gradiva, 1993; MENDES, Manuel, Nós – uma modernidade de fronteira – nós para uma passagem inconclusa, in Arquitectura do Movimento Moderno – 1925-1965, Inventário do Docomomo Ibérico, edição do Docomomo Ibérico / Fundação Mies Van der Rohe / Associação dos Arquitectos Portugueses, 1998; Arquitectura Portuguesa – património moderno, coord. de Ana Tostões, Instituto Português do Património Arquitectónico – IPPAR, 2004; PORTELA, Artur, Salazarismo e Artes Plásticas, Biblioteca Breve, Instituto da Cultura e da Língua Portuguesa, Lisboa, 1982; ACCIAIUOLI, Margarida, Exposições do Estado Novo 1934-1940, Livros Horizonte, Lisboa, 1998; ALMEIDA, Pedro Vieira de, A Arquitectura no Estado Novo – uma leitura crítica, Livros Horizontes, Lisboa, 2002.

220

DO MODERNISMO AO RACIONALISMO DOS ANOS 50

MARCOS DE UM PERCURSO  

«Em  arquitectura  como  em  todas  as  manifestações  de  arte  é  necessário  marcar    

o  estilo  de  uma  época.  Foi  sempre  assim  que  se  procedeu  em  todos  os  tempos.»1  

                             António  Varela  

 

 

 

 

5.1. ENTRE “ESFORÇO DE ADAPTAÇÃO” E MODERNISMO:

ALGUMAS OBRAS DAS DÉCADAS DE 30 E 40

Para António Varela, o período da década de Trinta ficou marcado

por uma série de encomendas pessoais maioritariamente na região centro

do país, e que atestam da sua intervenção em diversos programas públicos

e privados. A intervenção do arquitecto no programa dos equipamentos

públicos parece ter sido impulsionada pela divulgação da sua proposta para

o Mercado de Coimbra2, que muito embora não tenha sido levada a cabo,

permite compreender a sua acção nesta área da remodelação de

1 In Estética do Rossio – O arquitecto António Varela e os pintores Lino António e Martins Barata respondem ao inquérito do «Diário da Manhã» (artigo), in Diário da Manhã, 6 de Setembro de 1934, p.1. 2 Veja-se a este respeito A Arquitectura Portuguesa e Cerâmicas e Edificação / Reunidas, nº 49, Abril de 1939, pp.14-19.

CAPÍTULO 5

Fig.  138  –  António  Varela,    Ampliação  do  Hotel  das  Termas  de  Monte  Real,  1939  

[foto  s.d.].    

220  

221

equipamentos públicos: o Mercado Municipal de Peniche [fig.139] e o

Mercado Municipal de Abrantes [fig.141-142].

O primeiro caso refere-se à sua intervenção na conclusão das obras

do mercado por uma empresa particular em 1930, e que devido a falência

levou à intervenção camarária e subsequente remodelação de Varela em

1940. Do projecto inicial consta uma planta rectangular com quatro

torreões nos ângulos, lojas no perímetro e dois pátios a céu aberto no

interior.

O conjunto regrava-se por uma métrica de pilastras de expressão

«Art Déco» e uma simetria clássica e axial. Das alterações de Varela

registam-se apenas o aumento da área das lojas, a modificação das suas

frentes e acesso ao interior, a ampliação da alpendrada, a redução das áreas

dos pátios e a nova localização dos acessos aos terraços da cobertura3. Ao

nível da composição dos alçados a intervenção é mínima, destacando-se a

abertura duas entradas adicionais, assim como o desenho do relógio,

circular, e da caixilharia dos vãos com base no esquema da quadratura

rodada.

Esta intervenção manter-se há até meados dos anos sessenta, tendo

vindo a ser posteriormente bastante modificada em 1965 pelo atelier

Mateus Júnior e Ferrão de Oliveira, na opção de um edifício

completamente coberto, completado por duas grandes abóbadas

correspondentes aos antigos pátios, e que se mantém actualmente, sendo

apenas visível a acção de Varela no espaço interior [fig.140]. Embora este

recurso seja comum a alguma tipologia produzida no pós-guerra,

ironicamente, também não deixa de ser curiosa a sua expressão fazendo

3 Segundo memória descritiva do processo camarário.

Fig.  139  –  António  Varela,  remodelação  do  Mercado  

Municipal  de  Peniche,  alçado  

principal,  1940.    

Fig.  140  –  Mercado  Municipal  de  Peniche,  aspecto  actual  da  cobertura  em  abóbadas  

(foto  de  2007].    

222

lembrar distintamente a antiga proposta modernista de Varela para o

Mercado de Coimbra de 19374, não sendo de repudiar a hipótese desta

dupla ter tido – ou não –, o conhecimento ou a influência de outros

projectos de Varela mais significativos, aqui «renovados» à luz de uma

estética racionalista5.

De qualquer modo, a «obsessão» modernista de Varela em torno do

diálogo entre o «círculo» e o «quadrado» reemerge no caso da sua

remodelação do Mercado de Abrantes (1948) [fig.141-142], e parece

revelar a sua preocupação modernista de redefinir o espaço, procurando a

sua «concisão» racionalista, sobrepondo-se a uma retórica regionalista da

pré-existente.

Aqui, para além do recurso a uma nova estrutura interior composta

por pilares e vigas em betão armado, os tectos abobadados com entradas de

luz zenitais (invisíveis do lado da fachada de rua) e as leituras sígnicas dos

óculos, que se repetem num gesto «quase hipnótico», parecem querer

rectificar o desenho das antigas fachadas em tijolo numa interpretação

moderna e renovada, revelando a necessidade do autor em conferir uma

expressão mais geométrica e abstracta a estes pequenos equipamentos

públicos de província [fig.142].

4 Veja-se a este respeito 7.1. 5 Ibidem. Esta intervenção tem-se mantido até à actualidade, e muito embora se possam estabelecer comparações com alguns projectos de Varela, não lhe deve ser atribuída a paternidade do edifício (ao contrário do que consta do Inquérito à Arquitectura Portuguesa do Século XX). Poderá, quanto muito, considerar-se ter sido a remodelação de Mateus Júnior e Ferrão de Oliveira, datada de 1965, influenciada por alguns projectos do «antigo modernista», nomeadamente no recurso à composição da cobertura em abóbadas, que sem dúvida muito recorda a proposta de Varela para o Mercado de Coimbra, de 1937, desconhecendo-se, contudo, se terão existido intenções «de citação» por parte dos autores nas suas opções projectuais, três décadas após a intervenção de Varela.

Fig.  141  –  António  Varela,  remodelação  do  Mercado  Diário  de  Abrantes,  alçado  principal,  1948.    

Fig.  142  –  Mercado  Diário  de  Abrantes,  aspecto  actual  [foto  

de  2009].    

223

A procura de um «traço moderno» em projectos de alterações viria a

ser mais visível na sua intervenção do antigo Teatro Pinheiro Chagas nas

Caldas da Rainha (1939, actualmente demolido) [fig.143], onde, para além

de uma recuperação da sala de espectáculo, justificou-se uma total

renovação com base na implantação do original [fig.144]. O projecto

concentrou-se em torno de uma estrutura simétrica de pilares e vigas em

betão armado, ao mesmo tempo que aumentou a volumetria geral, o que

resultou num edifício de expressão cúbica e claramente funcionalista,

tirando partido estético do cimento projectado de tipo «Cavan» nas linhas

horizontalizantes das fachadas, assim como na presença repetitiva e quase

hipnótica de óculos ao nível das portas de acesso [fig.145]. Este espaço

era, até à sua demolição – tal como no caso da Fábrica de Matosinhos –,

um lugar de memória fundamental para toda a população, inscrevendo-se

ainda hoje no imaginário de várias gerações como um marco histórico do

teatro caldense.

Destaca-se também deste período uma notável obra moderna, onde

Varela terá talvez exemplificado de modo mais explícito o seu

entendimento do funcionalismo centro-europeu: a ampliação, em 1939, do

Hotel das Termas de Monte Real (1925) [fig.138-146].

Fig.  143  –  António  Varela,  remodelação  do  Teatro  Pinheiro  Chagas,  

Caldas  da  Rainha,  1939.      

Fig.  144  –  O  edifício  original  do  Teatro  Pinheiro  Chagas,  Caldas  da  Rainha,  1901.      

Fig.  145  –  Grupo  escolar  frente  a  um  dos  acessos  laterais  do  teatro,  onde  se  pode  observar  parte  do  desenho  das  portas  e  do  tratamento  das  fachadas  segundo  a  intervenção  de  Varela  [s.d.].      

224

Devido a um aumento da procura do termalismo (o Palace Hotel da

Cúria, o Grande Hotel do Luso, etc.,) que teve o seu apogeu na primeira

metade do século nesta primeira região turística do país – juntamente com

os casos da Figueira da Foz e do Estoril –, houve necessidade de prolongar

o número de quartos para além do edifício principal, obra tardia da autoria

de seu «Mestre», Ernesto Korrodi.

O edifício principal, de 1925, hierático e majestoso em modo de

«palace-hotel», à época muito em voga, foi mantido inalterado na sua

expressão romântica tardo-oitocentista [fig.148]. A proposta de Varela

consistia num corpo autónomo de trinta e um quartos para hóspedes com

copas de piso e quartos de pessoal, que se agregava no enfiamento do eixo

transversal do existente, com ligação horizontal aos patamares das antigas

escadas (actualmente demolidas) do existente, coincidindo em jeito de

«charneira» com o corpo antigo, prolongando-se linearmente para poente

pelos terrenos do eucaliptal da propriedade [fig.147]. Esta opção revelou-

se bastante flexível, na medida em que este novo corpo permitia uma

articulação bastante clara e funcional ao nível dos acessos através do

«foyer» original, completando-se ainda com outros dois módulos de acesso

verticais, cilíndricos que se destacavam do corpo central, correspondendo

aos acessos dos hóspedes e do pessoal de serviço, respectivamente, o que

permite concluir que muito embora o edifício marcasse uma ruptura radical

Fig.  146  –  António  Varela,    Ampliação  do  Hotel  das  Termas  de  Monte  Real,  1939,  planta  do  piso  térreo.  Note-­‐se  a  articulção  dos  acessos,  no  seguimento  do  corpo  original  e  as  instalações  sanitárias  comuns  ao  centro.  

Fig.  147  –  António  Varela,    Ampliação  do  Hotel  das  Termas  de  Monte  Real,  1939,  planta  de  implantação.  Note-­‐se  a  agregação  ao  edifício  antigo,  da  autoria  de  Ernesto  Korrodi.  

Fig.  148  –  Ernesto  Korrodi,    Hotel  das  Termas  de  Monte  

Real,  1925.  Fachada  de  rua.  

225

do ponto de vista estético, constituía-se, do ponto de vista funcional, como

um exercício de discreta continuidade para com a obra do seu antigo

«mestre» [fig.149]6.

Embora eficaz do ponto de vista do funcionamento geral e na

escolha de revestimentos interiores laváveis (o uso extensivo de elementos

cerâmicos de 10x10 cm de cor branca iguais aos da Fábrica de Matosinhos,

da casa de Agostinho Fernandes ou ainda da Clínica de Colucci, entre

outros), as opções ao nível do equipamento sanitário foram-se revelando

«demasiado racionais» ao longo das décadas seguintes, isto porque, por

cada piso, contavam-se apenas duas instalações sanitárias privativas

reservadas para dois quartos de casal maiores, sendo os restantes quartos

de casal menores assim como os quartos individuais dependentes dos

espaços sanitários comuns e dispostos segundo o esquema de balneário

homens/senhoras [fig.148].

Esta opção, demasiado «espartana» na sua «convicção modernista»,

parece não ter sobrevivido ao «teste do tempo», tendo sido apontada como

uma das razões principais para a demolição deste corpo, que fica para a

memória como uma intervenção «laboratorialmente funcionalista» de

António Varela no programa hoteleiro, tendo sido recentemente demolida e

substituída por uma proposta mais de acordo com o programa de hotelaria

«de luxo» e os interesses dos comitentes7.

6 Refira-se que este projecto, embora na linha de um funcionalismo moderno, obedecia, muito à semelhança da casa de Agostinho Fernandes, a técnicas de construção essencialmente tradicionais, sendo as paredes exteriores de alvenaria de pedra e as interiores de alvenaria de tijolo furado e uma cobertura de telha com estrutura de asnas em madeira, sendo aqui evidente o desfasamento entre linguagem e técnica, típica do primeiro modernismo português, e que, segundo alguns autores, também se pode considerar «de citação» (Cf. Tostões, 1997). 7 Refira-se ainda que o antigo corpo original do hotel, da autoria de Korrodi, foi inteiramente renovado com base nos programas hoteleiros actuais, na linha do conceito mediático de «design hotel». Aqui se reconhece que a opção clara de demolição da parte modernista de Varela revela, mais uma vez, alguma falta de flexibilidade das propostas tipologicas modernistas face às

Fig.  149  –  António  Varela,    Ampliação  do  Hotel  das  Termas  de  Monte  Real,  1939,  alçado  sul.  À  direita,  a  volumetria  do  edifício  original  de  Ernesto  Korrodi.  

226

Regista-se ainda deste período um projecto de expressão

marcadamente modernista: a casa para o Engenheiro António Cortez

Lobão, denominada Casa de São Francisco, no Estoril (1936) [fig.150-

151-152-153], e que parece igualmente comungar da ideia do programa

habitacional como «laboratório» moderno.

A Casa de São Francisco é importante num contexto de relação e

permite estabelecer analogias entre outras duas moradias notáveis de

Varela: A Mirante8, de Agostinho Fernandes (1938-42) e a Casa da Rua de

Alcolena9 (1951-55). Embora distintas do ponto de vista morfológico,

volumétrico e temporal, parecem comungar da ideia de uma composição

axial em torno do círculo e do quadrado: neste caso, partindo do tema do

«cubo», o autor desenvolve uma habitação de dois pisos e cave que se

dilata espacialmente segundo os quatro pontos cardeais [fig.152-153]. Este

princípio compositivo é bastante semelhante à Mirante, o que se pode

comprovar através do elemento cilíndrico da fachada poente que cria a sala

no piso térreo e o terraço do quarto principal no piso superior. Do mesmo

modo, o seu alçado sul [fig.151] é muito semelhante aos alçados laterais do

projecto concebido para Agostinho Fernandes no mesmo período10.

O terraço que remata o edifício era originalmente a céu aberto, tendo

sido posteriormente recoberto [fig.150], sendo o seu acesso feito a partir do

piso dos quartos por uma escada lateral à fachada. Muito embora quebre a

sua métrica inicial [fig.151], este terraço coberto também permite

estabelecer analogias com o terraço da Casa da rua de Alcolena, tanto do

ponto de vista do imaginário como dos percursos «em ascenção», numa

«mise-en-scène» da paisagem, enfantizada pelos vãos «en longueur»

[fig.150]. Também a ideia de dilatação dos corpos a partir do «cubo»

central será retomada pelo autor como conceito e esquema operativo necessidades de adaptação dos programas, confirmando a perenidade destas propostas mais «puritanas» do técnico-funcionalismo moderno relativamente a modelos mais antigos ou ecléticos, e por isso talvez, menos «rígidos» e também com maior «potencial de adaptabilidade». Veja-se, a respeito desta última questão, Arquitectura Moderna Portuguesa: os Três Modos, in Arquitectura Moderna Portuguesa 1920-1970, coord. de Ana Tostões, Ministério da Cultura / Instituto Português do Património Arquitectónico – IPPAR, Lisboa, 2004, p.110. 8 Veja-se a este respeito 7.3. 9 Veja-se a este respeito 7.4. 10 Veja-se a este respeito 7.3.

Fig.  150  –  António  Varela,    Casa  de  S.  Francisco,  Estoril,  1936.  Vista  geral  da  rua  

[foto  de  2009].  

Fig.  152  –  António  Varela,    Casa  de  S.  Francisco,  Estoril,  1936.  Planta  do  piso  térreo.  

Fig.  151  –  António  Varela,    Casa  de  S.  Francisco,  Estoril,  1936.  Alçado  sul.    

227

fundador11 no projecto da casa da rua de Alcolena – embora, neste caso,

dentro de um quadro eminentemente simbólico.

5.2. REGIONALISMOS E RACIONALISMO MODERNO:

O CAMINHO DE UM “RESISTENTE” NA DÉCADA DE 50

Para Varela, se por um lado a década de Cinquenta é marcada pelo

exercício exemplar da Casa da rua de Alcolena – sendo o caso peculiar

desta obra matéria de análise da última parte do nosso estudo –, existem

ainda outras obras que atestam da vitalidade deste «resistente», no

panorama do racionalismo que irá marcar a arquitectura portuguesa deste

novo período. A maior parte dos projectos são equipamentos públicos de

pequena e média dimensão localizados maioritariamente na região oeste e

no centro do país, o que confirma a ideia de um Varela cada vez mais

solicitado em torno do distrito de Leiria, a sua terra natal. Convém referir

que o prestígio granjeado na sua parceria com Jorge Segurado durante a

década de Trinta em parte terá contribuído para a sua imagem como

modernista «convicto», que aqui parece «recuperar» da travessia dos

«duros anos Quarenta», dentro do quadro de leituras regionalistas da

modernidade, nomeadamente através do exercício de integração de

materiais naturais, tal como a pedra e a madeira, onde as influências do

empirismo nórdico12 parecem ter marcado algumas releituras da

modernidade, e à semelhança de outros arquitectos portugueses da época,

entre os quais o exemplo da abordagem de Keil do Amaral se afigura

talvez como o mais paradigmático. Mas apesar da sua reputação como

«irredutível modernista», de que são ainda testemunho alguns projectos

não construídos [fig.154] a obra de Varela também é marcada por algumas

encomendas onde a «cedência» ao ecletismo, ao historicismo ou ao

regionalismo vernacular também pontuou: assinalam-se nestes registos

alguns projectos que atestam da virtuosidade de Varela em adaptar-se à

11 Veja-se a este respeito 7.4. 12 FRAMPTON, Kenneth, História crítica da arquitectura moderna, ed. bras. Martins Fontes, São Paulo, 1997, pp.233-245 [ed. original: Modern architecture, Thames and Hudson, Londres, 1980].

Fig.  153  –  António  Varela,    Casa  de  S.  Francisco,  Estoril,  1936.  Vista  da  entrada.  

Fig.  154  –  António  Varela,    dispensário  policlínico,  estudo  

prévio;  grafite  sobre  papel  (s.d.).  

228

retórica do «Estilo Joanino» [fig.156] ou aos regionalismos da «Casa

Portuguesa» [fig.155].

De qualquer modo, as opções racionalistas modernas parecem ser

maioritárias a partir da década de Cinquenta, onde este «resistente

modernista» parece ter encontrado um novo e último «fôlego». Os casos do

Mercado, do Matadouro Municipal e da ampliação do Parque de

Campismo de Monte Branco, (todos da Nazaré), assim como do Mercado

de Minde, são exemplos notáveis no percurso final do autor. O Mercado

Municipal da Nazaré (1955-59) [fig.157-158] caracteriza-se por uma

planta trapezoidal composta por uma praça interior circunscrita por corpos

laterais. Em termos de implantação urbana, define um quarteirão com

quatro frentes de rua. A sua horizontalidade é apenas quebrada pelo

desnível de uma cota inferior da entrada, e outra superior, que se prolonga

por ruas laterais, sendo o todo circundado pelos corpos periféricos

constituídos por dependências das lojas. Uma característica relevante desta

obra consiste no percurso de escadas simétricas que divergem do centro da

praça para as coberturas, permitindo o uso desta parte superior do edifício

[fig.158].

Fig.  155  –  António  Varela,    Casa  França  de  Sousa  (2ª  versão),  Praia  das  Maças,  1947.  

Fig.  156  –  António  Varela,    Palacete  joanino,  esboço,  

grafite  sobre  papel  (s.d.).  

Fig.  157  –  António  Varela,    Mercado  Municipal  da  

Nazaré,  planta  do  piso  térreo,  Nazaré,  1955.  

Fig.  158  –  António  Varela,    Mercado  Municipal  da  

Nazaré,  cortes,  Nazaré,  1955.