CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO Corregedoria-Geral da União · 2016-03-22 · Manual de Processo...

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CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO Corregedoria-Geral da União Brasília . novembro . 2015

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CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO

Corregedoria-Geral da União

Brasília . novembro . 2015

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Manual de Processo Administrativo Disciplinar/CGU

Controladoria-Geral da União Corregedoria-Geral da União Esplanada dos Ministérios, Bloco “A”, 2° Andar. Brasília-DF CEP: 70050-904 [email protected]

VALDIR MOYSÉS SIMÃO

Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União

CARLOS HIGINO RIBEIRO DE ALENCAR

Secretário-Executivo da Controladoria-Geral da União

WALDIR JOÃO FERREIRA DA SILVA JÚNIOR

Corregedor-Geral da União

FRANCISCO EDUARDO DE HOLANDA BESSA

Secretário Federal de Controle Interno

LUIS HENRIQUE FANAN

Ouvidor-Geral da União

PATRÍCIA SOUTO AUDI

Secretária de Transparência e Prevenção da Corrupção

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COORDENAÇÃO-GERAL DOS TRABALHOS

Alexandre Cordeiro Macedo

Gilberto Waller Júnior

Marcelo Pontes Vianna

EQUIPE TÉCNICA

Aderson Mendes Matos

Alexandro Mariano Pastore

Anderson Teixeira do Carmo

André Luis Schulz

André Luiz Silva Lopes

Antônio Carlos Vasconcellos Nóbrega

Armando de Nardi Neto

Daso Teixeira Coimbra

Darcy de Souza Branco Neto

Edson Leonardo Dalescio Sá Teles

Elza Flávia de Pinheiro Teixeira

Érica Bezerra Queiroz Ribeiro

Gilbeto França Alves

Gustavo Henrique de Vasconcellos Cavalcanti

Isabela Silva Oliveira

João Marcelo Neiva Pedatella

Jônia Bumlai Freitas Sousa

Larissa Samara Almeida de Carvalho

Laurent Nancym Carvalho Pimentel

Leandro José de Oliveira

Leone Napoleão de Sousa Neto

Lúcia Noriko Hanasiro

Luis Augusto Pacheco de Araújo

Luiz Henrique Pandolfi Miranda

Márcio de Aguiar Ribeiro

Marcus Vinicius Pinto Schtruk

Paula Araújo Côrrea

Raoni Parreira Maciel

Rodrigo Vieira Medeiros

Rafael Amorim de Amorim

Ricardo Carvalho Gomes

Roberta Cariús Siqueira

Stefanie Groenwold Campos

Walter Godoy Neto

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Manual de Processo Administrativo Disciplinar/CGU

REVISÃO FINAL

Alan Lacerda de Souza

Aline Cavalcante dos Reis

Christiane de Castro Gusmão

Renata Ferreira da Rocha

Ricardo Augusto Panquestor Nogueira

ATUALIZAÇÃO

Antonio Carlos Vasconcellos Nóbrega

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1. O Sistema de Correição do Poder Executivo Federal ............................. 12

2. Noções de Direito Administrativo Disciplinar ............................................. 13

2.1. Legislação Fundamental ........................................................................................................ 14

2.2. Princípios Aplicáveis ............................................................................................................... 14

2.2.1. Princípio do Devido Processo Legal............................................................................................... 15

2.2.2. Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório ....................................................................... 16

2.2.3. Princípio do Informalismo Moderado .......................................................................................... 17

2.2.4. Princípio da Verdade Real ................................................................................................................. 17

2.2.5. Princípio da Presunção de Inocência ou de não culpabilidade ......................................... 18

2.2.6. Princípio da Motivação ....................................................................................................................... 18

3. Responsabilização ................................................................................................. 19

3.1. Responsabilidade Administrativa ....................................................................................... 19

3.2. Responsabilidade Civil ............................................................................................................ 20

3.3. Responsabilidade Penal ......................................................................................................... 21

3.4. Responsabilização no âmbito do Tribunal de Contas da União................................. 24

4. Responsabilidade Disciplinar ........................................................................... 25

4.1. Abrangência Objetiva ............................................................................................................. 25

4.1.1. Atos da vida privada ............................................................................................................................ 25

4.1.2. Irregularidades cometidas antes da aposentadoria ou de pena expulsiva .................. 27

4.2. Abrangência Subjetiva ............................................................................................................ 29

4.2.1. Manutenção das vinculações estatutárias do servidor público em férias, licenças ou outros afastamentos e conflito de interesses......................................................................................... 32

4.2.2. Situação de servidores e empregados públicos cedidos ....................................................... 34

4.2.3. Agentes Públicos que não se sujeitam à abrangência da Lei nº 8.112/90 ................... 35

5. Dever de Apurar ..................................................................................................... 39

5.1. Conhecimento do fato supostamente irregular .............................................................. 40

5.1.1. Denúncia anônima ................................................................................................................................ 41

5.2. Obrigatoriedade da apuração .............................................................................................. 45

5.3. Autoridade Competente .......................................................................................................... 46

5.4. Juízo de Admissibilidade ........................................................................................................ 48

6. Procedimentos Disciplinares ............................................................................ 50

6.1. Procedimentos Investigativos .............................................................................................. 50

6.1.1. Investigação Preliminar ..................................................................................................................... 52

6.1.2. Sindicância Investigativa ................................................................................................................... 54

6.1.3. Sindicância Patrimonial ..................................................................................................................... 55

6.2. Procedimentos Contraditórios ............................................................................................. 59

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6.2.1. Sindicância Acusatória ....................................................................................................................... 59

6.2.1.1. Fases da sindicância acusatória ........................................................................................................ 61

6.2.1.2. Composição da Comissão .................................................................................................................... 62

6.2.1.3. Prazos da Sindicância............................................................................................................................ 63

6.2.1.4. Desnecessidade de instauração da sindicância acusatória previamente ao processo administrativo disciplinar .................................................................................................................................. 63

6.2.2. Processo Administrativo Disciplinar sob o Rito Sumário..................................................... 65

6.2.3. Processo Administrativo Disciplinar sob o Rito Ordinário .................................................. 66

7. Procedimentos Especiais .................................................................................... 68

7.1. Processo Administrativo Sancionador no âmbito de licitações e contratos .......... 68

7.1.1. Sanções Administrativas Aplicáveis a Licitantes e Contratados....................................... 71

7.1.1.1. Advertência ............................................................................................................................................... 72

7.1.1.2. Multa ............................................................................................................................................................ 72

7.1.1.3. Suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administração .......................................................................................................................................................... 73

7.1.1.4. Declaração de Inidoneidade ............................................................................................................... 73

7.2. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO - PAR .................... 74

7.3. Termo Circunstanciado Administrativo ............................................................................ 75

8. Processo Administrativo Disciplinar – Rito Ordinário ............................. 77

8.1. Fases: instauração, inquérito (instrução, defesa e relatório) e julgamento ......... 77

8.2. Prazos: contagem e prorrogação ........................................................................................ 79

8.2.1. Contagem .................................................................................................................................................. 79

8.2.2. Prorrogação ............................................................................................................................................ 81

8.2.3. Continuidade da Apuração ............................................................................................................... 82

9. Instauração do Processo Administrativo Disciplinar ............................... 84

9.1. Momento da instauração ....................................................................................................... 84

9.2. Local da instauração ............................................................................................................... 85

9.3. Competência para instaurar o PAD/SindicânciA ........................................................... 89

9.4. Afastamento preventivo dos acusados .............................................................................. 91

9.5. Portaria de instauração ......................................................................................................... 91

9.5.1. Requisitos formais essenciais ........................................................................................................... 92

9.5.2. Publicação da portaria ....................................................................................................................... 94

9.5.3. Alcance dos trabalhos da comissão ............................................................................................... 96

9.6. Comissão de Inquérito ............................................................................................................ 98

9.6.1. Constituição da comissão de inquérito ........................................................................................ 98

9.6.2. Competência para designação dos membros da comissão de inquérito ....................... 99

9.6.3. Estabilidade dos integrantes da comissão ............................................................................... 100

9.6.4. Pré-requisitos do presidente da comissão ................................................................................ 101

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9.6.5. Qualificações pessoais dos integrantes da comissão de inquérito ................................. 103

9.6.6. Designação de servidores ................................................................................................................ 103

9.6.7. Designação do secretário ................................................................................................................. 105

9.6.8. Início dos trabalhos da comissão ................................................................................................. 105

9.6.9. Atribuições dos integrantes da comissão .................................................................................. 105

9.6.10. Impedimento e suspeição dos membros integrantes da Comissão de Inquérito ... 108

9.6.10.1. Impedimento ....................................................................................................................................... 109

9.6.10.2. Suspeição ............................................................................................................................................... 111

9.6.11. Relações de Parentesco .................................................................................................................. 114

9.6.12. Obrigações de imparcialidade e independência dos membros integrantes da comissão disciplinar ....................................................................................................................................... 115

9.7. Publicidade do processo ...................................................................................................... 119

10. Instrução processual ....................................................................................... 121

10.1. Comunicação dos atos processuais ............................................................................... 121

10.1.1. Notificação prévia ............................................................................................................................ 122

10.1.2. Intimação ............................................................................................................................................. 125

10.1.3. Citação................................................................................................................................................... 128

10.2. Súmula Vinculante n° 5 ..................................................................................................... 130

10.3. Instrução Probatória ......................................................................................................... 134

10.3.1. Introdução ...................................................................................................................................... 134

10.3.2. Valoração Probatória ................................................................................................................. 135

10.3.3. Objeto e Indeferimento ............................................................................................................... 136

10.3.4. Ônus Probatório ............................................................................................................................ 136

10.3.5. Cuidados Práticos ............................................................................................................................. 137

10.3.6. Diligências ........................................................................................................................................... 138

10.3.6.1. Disposições gerais ............................................................................................................................. 138

10.3.6.2. Deslocamentos .................................................................................................................................... 138

10.3.7. Perícias .................................................................................................................................................. 139

10.3.7.1. Perícia ..................................................................................................................................................... 140

10.3.8. Testemunhas ....................................................................................................................................... 141

10.3.8.1. Capacidade para testemunhar. ..................................................................................................... 143

10.3.8.2. Dever de depor .................................................................................................................................... 143

10.3.8.3. Regularidade da intimação da testemunha. ............................................................................ 145

10.3.9. Inquirição ............................................................................................................................................. 146

10.3.10. Contradita ......................................................................................................................................... 148

10.3.11. Acareação .......................................................................................................................................... 148

10.3.12. Influência do acusado durante a colheita do depoimento ........................................... 149

10.3.13. Demais formalidades .................................................................................................................... 150

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10.3.14. Interrogatório ................................................................................................................................. 151

10.3.14.1. Procedimento .................................................................................................................................... 152

10.3.14.2. Direito do acusado ao silêncio e não auto-incriminação ................................................ 155

10.3.14.3. Interrogatório de vários acusados ........................................................................................... 155

10.3.14.4. Do não comparecimento do acusado ...................................................................................... 156

10.3.14.5. Procurador do acusado ................................................................................................................. 157

10.3.14.6. Confissão ............................................................................................................................................. 159

10.3.15. Da Oitiva Fora da Sede ................................................................................................................ 160

10.3.16. Realização de Videoconferência .............................................................................................. 161

10.3.16.1. Procedimento da videoconferência ......................................................................................... 164

10.3.16.2. Da realização do interrogatório por videoconferência .................................................... 165

10.3.17. Carta Precatória ............................................................................................................................. 166

10.3.17.1. Interrogatório por Carta Precatória ........................................................................................ 167

10.3.18. Restrições à produção de provas no processo administrativo disciplinar ............ 167

10.3.18.1. Provas ilícitas .................................................................................................................................... 167

10.3.18.2. Provas requeridas com o afastamento das cláusulas da reserva de sigilo .............. 172

10.3.19.3. Busca e apreensão ........................................................................................................................... 173

10.3.18.4. Interceptação telefônica ............................................................................................................... 174

10.3.18.5. O Correio eletrônico ou e-mail institucional e e-mail particular privado - critérios de utilização como prova .................................................................................................................................. 175

10.3.18.6. Gravações clandestinas (telefônica e ambiental) ............................................................... 176

10.3.18.7. Afastamento do sigilo fiscal – art. 198, CTN e Lei Complementar nº 104/2001... 177

10.3.18.8. Afastamento do sigilo bancário ................................................................................................ 180

10.3.19. Prova Emprestada ......................................................................................................................... 182

10.3.19.1. Procedimento .................................................................................................................................... 183

10.3.19.2. Envio de informações para órgãos externos ........................................................................ 183

10.3.20. PROVA INDICIÁRIA ....................................................................................................................... 185

10.4. Indiciação .............................................................................................................................. 187

10.4.1. Introdução e Características da indiciação .......................................................................... 187

10.4.2. Elementos da infração disciplinar ............................................................................................. 189

10.4.2.1. Primeiro Elemento: Tipicidade .................................................................................................... 190

10.4.2.2. Segundo Elemento: Antijuridicidade ou ilicitude ................................................................. 191

10.4.2.3. Terceiro Elemento: Culpabilidade .............................................................................................. 194

10.4.3. Classificação em função do resultado ...................................................................................... 195

10.4.4. Erro de Tipo e Erro de Proibição ............................................................................................... 196

10.4.5. Princípio da Insignificância ou da Bagatela ......................................................................... 197

10.4.6. Enquadramento das infrações disciplinares......................................................................... 198

10.4.7. Conflito aparente de normas ....................................................................................................... 198

10.5. Enquadramentos previstos na Lei nº 8.112/90 ......................................................... 200

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10.5.1. Descumprimento de Deveres ....................................................................................................... 200

10.5.1.1. Art. 116, inciso I (exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo) ................. 201

10.5.1.2. Art. 116, inciso II (ser leal às instituições a que servir) ..................................................... 201

10.5.1.3. Art. 116, inciso III (observar as normas legais e regulamentares) ............................... 201

10.5.1.4. Art. 116, Inciso IV (cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais) ....................................................................................................................................................................... 202

10.5.1.5. Art. 116, inciso V (atender com presteza: a) ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo; b) à expedição de certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal; às requisições para a defesa da Fazenda Pública ......................................................................................... 204

10.5.1.6. Art. 116, inciso VI (levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo) .................................................................... 204

10.5.1.7. Art. 116, inciso VII (zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público) ..................................................................................................................................................................... 205

10.5.1.8. Art. 116, inciso VIII (guardar sigilo sobre assunto da repartição) ................................ 206

10.5.1.9. Art. 116, inciso IX (manter conduta compatível com a moralidade administrativa) ...................................................................................................................................................................................... 207

10.5.1.10. Art. 116, inciso X (ser assíduo e pontual ao serviço) ........................................................ 209

10.5.1.11. Art. 116, inciso XI (tratar com urbanidade as pessoas) .................................................. 210

10.5.1.12. Art. 116, inciso XII (representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder) ...................................................................................................................................................................................... 210

10.5.2. Infração às Proibições .................................................................................................................... 211

10.5.2.1. Art. 117, inciso I (ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato) ...................................................................................................................... 212

10.5.2.2. Art. 117, inciso II (retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartição) ............................................................................................................ 212

10.5.2.3. Art. 117, inciso III (recusar fé a documentos públicos) ..................................................... 213

10.5.2.4. Art. 117, inciso IV (opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço) ................................................................................................................. 213

10.5.2.5. Art. 117, inciso V (promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição) .............................................................................................................................................................. 214

10.5.2.6. Art. 117, inciso VI (cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado) .......................................................................................................................................................... 214

10.5.2.7. Art. 117, inciso VII (coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associação profissional ou sindical, ou a partido político).................................................................. 215

10.5.2.8. Art. 117, inciso VIII (manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil) ........................................ 215

10.5.2.9. Art. 117, inciso IX (valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública) ............................................................................................ 218

10.5.2.10. Art. 117, inciso X (participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário) ................................................................................................................................... 219

10.5.2.11. Art. 117, inciso XI (atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro) ............................................................................... 225

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10.5.2.12. Art. 117, inciso XII (receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições) ....................................................................................................... 226

10.5.2.13. Art. 117, inciso XIII (aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro) ...................................................................................................................................................................................... 229

10.5.2.14. Art. 117, inciso XIV (praticar usura sob qualquer de suas formas) ............................ 229

10.5.2.15. Art. 117, inciso XV (proceder de forma desidiosa)............................................................ 230

10.5.2.16. Art. 117, inciso XVI (utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares) ............................................................................................................ 231

10.5.2.17. Art. 117, inciso XVII (cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias) ................................................................. 232

10.5.2.18. Art. 117, inciso XVIII (exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho) ............................................................ 233

10.5.2.19. Art. 117, inciso XIX (recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado) ................................................................................................................................................................ 234

10.5.3. Infrações sujeitas à pena de demissão previstas no art. 132 ......................................... 234

10.5.3.1. Art. 132, inciso I (crime contra a administração pública) ................................................. 235

10.5.3.2. Art. 132, inciso II (abandono de cargo) .................................................................................... 236

10.5.3.3. Art. 132, inciso III (inassiduidade habitual) ........................................................................... 240

10.5.3.4. Art. 132, inciso IV (improbidade administrativa) ................................................................ 242

10.5.3.5. Art. 132, inciso V (incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição) ... 257

10.5.3.6. Art. 132, inciso VI (insubordinação grave em serviço) ...................................................... 257

10.5.3.7. Art. 132, inciso VII (ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem) ....................................................................................................... 258

10.5.3.8. Art. 132, inciso VIII (Aplicação irregular de dinheiros públicos) .................................. 259

10.5.3.9. Art. 132, inciso IX (revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo) ...................................................................................................................................................................................... 259

10.5.3.10. Art. 132, inciso X (lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional) ...................................................................................................................................................................................... 261

10.5.3.11. Art. 132, inciso XI (corrupção) ................................................................................................... 262

10.5.3.12. Art. 132, inciso XII (acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas) ...................................................................................................................................................................................... 263

11. Defesa ................................................................................................................... 265

11.1. citação .................................................................................................................................... 265

11.2. Defesa Escrita ....................................................................................................................... 272

11.3. Revelia .................................................................................................................................... 274

12. Relatório Final ................................................................................................... 277

12.1. Requisitos .............................................................................................................................. 277

12.2. Penalidades Aplicáveis ...................................................................................................... 281

12.2.1. Penalidades Disciplinares: Advertência .................................................................................. 285

12.2.2. Penalidades Disciplinares: Suspensão ..................................................................................... 287

12.2.3. Penalidades Disciplinares Expulsivas: Demissão, Cassação de Aposentadoria ou Disponibilidade e Destituição de Cargo em Comissão ..................................................................... 290

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12.3. Remessa À Autoridade Instauradora ........................................................................... 292

13. Julgamento ......................................................................................................... 292

13.1. Da competência para o julgamento .............................................................................. 293

13.2. Casos de impedimento e suspeição da autoridade julgadora............................... 296

13.3. O valor do relatório para o julgamento ....................................................................... 298

13.4. O acusado se defende dos fatos ...................................................................................... 300

13.5. Julgamento objetivo para as penas capitais .............................................................. 301

14. Rito Sumário ...................................................................................................... 305

14.1 Considerações gerais .......................................................................................................... 305

14.2. Procedimento: acumulação ilegal de cargos ............................................................. 306

14.3. Procedimento: abandono de cargo e inassiduidade habitual .............................. 310

15. Prescrição ........................................................................................................... 311

15.1. Noções Gerais ....................................................................................................................... 311

15.2. Início do prazo prescricional ........................................................................................... 312

15.2.1. Prescrição antes de instaurar o processo disciplinar – prescrição em perspectiva ................................................................................................................................................................................. 317

15.3. Interrupção do prazo prescricional .............................................................................. 318

15.4. Suspensão do prazo prescricional ................................................................................. 326

15.5. Prescrição na hipótese de crime .................................................................................... 327

15.6. Abandono de cargo ............................................................................................................. 333

15.7. Fato prescrito (maus antecedentes e registro nos assentamentos) ................... 334

16. Nulidades ............................................................................................................ 336

16.1. Generalidades ...................................................................................................................... 336

16.2. Princípio do Prejuízo ......................................................................................................... 342

16.3. Espécies de Nulidades ........................................................................................................ 343

16.3.1. Nulidades absolutas ........................................................................................................................ 343

16.3.1.1. De competência................................................................................................................................... 344

16.3.1.2. Relacionados à comissão ................................................................................................................ 344

16.3.1.3. Relacionados ao direito de defesa ............................................................................................... 344

16.3.1.4. Relacionados ao julgamento .......................................................................................................... 345

16.3.2. Nulidades Relativas ......................................................................................................................... 345

16.4. Meras Irregularidades ...................................................................................................... 346

Bibliografia ................................................................................................................ 348

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1. O SISTEMA DE CORREIÇÃO DO PODER EXECUTIVO FEDERAL

A Controladoria-Geral da União (CGU) foi criada no dia 2 de abril de 2001, pela Medida Provisória n° 2.143-31. Inicialmente denominada Corregedoria-Geral da União (CGU), o órgão é vinculado diretamente à Presidência da República. A CGU teve originalmente como propósito declarado o de combater, no âmbito do Poder Executivo Federal, a fraude e a corrupção e promover a defesa do patrimônio público. Quase um ano depois, o Decreto n° 4.177, de 28 de março de 2002, integrou a Secre-taria Federal de Controle Interno (SFC) e a Comissão de Coordenação de Controle Interno (CCCI) à estrutura da então Corregedoria-Geral da União. O mesmo Decreto n° 4.177 transferiu para a Cor-regedoria-Geral da União as competências de Ouvidoria-Geral, até então vinculadas ao Ministério da Justiça. A Medida Provisória n° 103, de 1° de janeiro de 2003, convertida na Lei n° 10.683, de 28 de maio de 2003, alterou a denominação do órgão para Controladoria-Geral da União, assim como atribuiu ao seu titular a denominação de Ministro de Estado do Controle e da Transparência. Posteriormente, o Decreto n° 5.683, de 24 de janeiro de 2006, alterou a estrutura da CGU, conferindo maior organicidade e eficácia ao trabalho realizado pela instituição, trazendo à Corregedoria-Geral da União (unidade integrante da CGU) uma estrutura para acompanhamento, fiscalização e orientação dos trabalhos correcionais. Além disso, também foi criada a Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas (SPCI) - atualmente Secretaria de Transparên-cia e Prevenção da Corrupção (STPC) -, responsável por desenvolver mecanismos de prevenção à corrupção. Desta forma, o agrupamento das principais funções exercidas pela CGU – controle, cor-reição, prevenção da corrupção e ouvidoria – foi efetivado, consolidando-as em uma única estrutura funcional. Mais recentemente, a estrutura regimental da CGU foi alterada por meio do Decreto nº 8.109/13. Assim, no âmbito da Corregedoria-Geral da União, além das Corregedorias Adjuntas das Áreas Econômica, de Infraestrutura e Social, que englobam um total de dezoito Corregedorias Setoriais, foram criadas duas novas coordenações: Responsabilização de Entes Privados e Monito-ramento de Processos Disciplinares. Em relação especificamente ao Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, tal sistema foi criado pelo Decreto nº 5.480, de 30 de junho de 2005, e constitui-se de unidades voltadas às atividades de prevenção e apuração de irregularidades disciplinares, desenvolvidas de forma coordenada e harmônica.

A CGU integra o referido sistema na condição de órgão central. Há, ainda, as

unidades setoriais, que atuam junto aos Ministérios e são vinculadas técnica e hierarquicamente ao órgão central; as seccionais, que atuam e fazem parte dos órgãos que compõem a estrutura dos Ministérios e suas entidades vinculadas (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), com supervisão técnica das respectivas unidades setoriais; e a Comissão de Coordenação de Correição, instância colegiada com funções consultivas, cujo objetivo de atuação é o fomento da integração das diversas unidades, bem como a uniformização de entendimentos adotados no âmbito do Sistema de Correição.

Nesse sentido, a atividade de correição tem atuação preventiva e repressiva. Preventivamente, às unidades da Corregedoria-Geral da União compete orientar os órgãos e entidades supervisionados – não só em questões pontuais, como também por meio de ações de capacitação na área correcional –, e realizar inspeções nas unidades sob sua ingerência – o que

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permite visualizar, de um modo geral, a qualidade dos trabalhos disciplinares na unidade inspecionada e as estruturas disponíveis (física e de recursos humanos). Repressivamente, a Corregedoria-Geral da União realiza atividades ligadas à apuração de possíveis irregularidades disciplinares, cometidas por servidores e empregados públicos federais, e à aplicação das devidas penalidades.

Ademais, ao órgão central compete padronizar, normatizar e aprimorar

procedimentos atinentes à atividade de correição, por meio da edição de enunciados e instruções; gerir e exercer o controle técnico das ações desempenhadas pelas unidades integrantes do Sistema, com a avaliação dos trabalhos e propositura de medidas a fim de inibir e reprimir condutas irregulares praticadas por servidores e empregados públicos federais em detrimento do patrimônio público.

A CGU também apresenta competência para instauração de procedimentos

disciplinares em situações de inexistência de condições objetivas para sua realização no órgão ou entidade de origem, da complexidade e relevância da matéria, da autoridade envolvida e da participação de servidores de mais um órgão ou entidade.

Às unidades setoriais e seccionais, por sua vez, compete propor medidas para

padronizar e aprimorar procedimentos operacionais relacionados às atividades correcionais; instaurar ou determinar a instauração de processos disciplinares; supervisionar os órgãos e entidades a elas submetidas, com o registro de dados e informações essenciais à apresentação dos resultados alcançados.

Os titulares das unidades setoriais e seccionais devem ser servidores públicos

ocupantes de cargos efetivos, preferencialmente da carreira de finanças e controle, com nível superior de escolaridade. A indicação do titular das unidades seccionais demandará análise prévia do órgão central, conforme dispõe o art. 8º, parágrafo 1º, do Decreto nº 5.480/05.

2. NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

O Direito Administrativo Disciplinar é um ramo do Direito Administrativo, que tem por objetivo regular a relação da Administração Pública com seu corpo funcional, estabelecendo regras de comportamento a título de deveres e proibições, bem como a previsão da pena a ser aplicada.

O Direito Administrativo, nas palavras de Hely Lopes Meirelles, “é o conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado” 1. Ou seja, não compete ao Direito Administrativo tratar da concepção do Estado, sua atividade legislativa, judicial ou social, objeto de estudo de outros ramos do Direito. Sua função é a organização interna da Administração Pública, sua hierarquia, seu pessoal, o funcionamento dos seus serviços e suas relações com os administrados.

Para bem executar as atividades que lhe são incumbidas, a Administração precisa de meios para organizar, controlar e corrigir suas ações. Surge, portanto, a necessidade de meios hábeis a garantir a regularidade e o bom funcionamento do serviço público, a disciplina de seus

1 MEIRELLES, 2011, p. 40.

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subordinados e a adesão às leis e regras dele decorrentes, o que, no conjunto, denomina-se Direito Administrativo Disciplinar.

O Direito Administrativo Disciplinar, como ramo do Direito Administrativo, possui relações com outros ramos do Direito, notadamente o Direito Constitucional, o Penal, o Processual (civil e penal) e o do Trabalho. Importante destacar que, se por um lado o Direito Administrativo Disciplinar possui interface com outros ramos do Direito, por outro não se pode confundi-lo com os mesmos. Como exemplo, mesmo se uma infração disciplinar fosse também considerada como crime, não se poderia tratar o ilícito administrativo da mesma forma que o penal, pois se aquele trata de um direito em regra disponível, este protege um direito indisponível, considerado mais relevante sob a luz do Direito, fundamentado em outras normas e princípios.

2.1. LEGISLAÇÃO FUNDAMENTAL Na Administração Pública Federal, o processo administrativo disciplinar tem como base legal a Constituição Federal, que veio a ser regulamentada pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em seus Títulos IV (do Regime Disciplinar, arts. 116 a 142) e V (do processo administrativo disciplinar, arts. 143 a 182). Entretanto, a Lei nº 8.112/90 apresenta algumas lacunas relativas ao processo administrativo disciplinar que demandam integração por meio de outras legislações aplicáveis, com destaque para as seguintes:

a) Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (lei de processo administrativo) – regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. A aplicação das regras elencadas na Lei Federal nº 9.784/99 aos processos administrativos disciplinares (regidos por lei especial – Lei nº 8.112/90) será subsidiária, vale dizer, a lei geral incidirá nas partes omissas e sempre que não houver disposição especial no Estatuto dos Servidores Públicos Federais, como prevê o art. 69;

b) Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (lei de improbidade administrativa) – além de trazer disposições para responsabilizar agentes públicos por atos de improbidade, agrega aspectos específicos para o processo administrativo disciplinar, definindo os atos de improbidade administrativa e cominando penas passíveis de serem aplicadas a agentes públicos.

Ademais, deve-se registrar que diversos diplomas infralegais também têm relevância para as atividades de correição. Nesta direção, é oportuno mencionar novamente o Decreto nº 5.480/05, que regulamentou o Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, bem como o Decreto nº 5.483/05, que instituiu a sindicância patrimonial, instrumento processual que tem como escopo a apuração da eventual incompatibilidade entre o patrimônio do servidor e a renda por ele auferida.

2.2. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS

Na tarefa da promoção da responsabilização mediante processo administrativo disciplinar deve atentar-se não somente aos princípios básicos da Administração Pública, previstos no art. 37 da Constituição Federal. O processo administrativo disciplinar deve observância aos

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demais princípios acautelados na Carta Magna. Desta forma, aos princípios setoriais expressos na Carta Magna somam-se os de caráter mais amplo, ligados aos direitos individuais e aos processuais, cujos de maior relevância encontram-se elencados a seguir:

2.2.1. PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL O princípio do devido processo legal está previsto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, e é considerado o princípio fundamental do processo administrativo, eis que se configura a base sobre a qual os demais se sustentam. Representa, ainda, a garantia inerente ao Estado Democrático de Direito de que ninguém será condenado sem que lhe seja assegurado o direito de defesa, bem como o de contraditar os fatos em relação aos quais está sendo investigado. Por esse princípio, nenhuma decisão gravosa a um determinado sujeito poderá ser imposta sem que, antes, tenha sido submetido a um processo cujo procedimento esteja previamente previsto em lei, ou seja, impõe-se o cumprimento dos ritos legalmente previstos para a aplicação da penalidade 2. Nem mesmo uma falta considerada leve pode ter sua penalidade aplicada sem obediência aos ritos processuais estabelecidos na Lei nº 8112/90.

Nesse sentido, o art. 143 da Lei nº 8112/90:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou pro-cesso administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Da mesma forma, por se tratar de uma garantia constitucional, não pode a Administração Pública desobedecer aos ritos previstos em lei visando a uma maior agilidade. Esta eventual desatenção aos ditames legais não pode ocorrer nem mesmo a pedido do acusado, por se tratar de direito indisponível. No mesmo sentido, quando se fala em rito sumário, previsto no art. 133 da Lei nº 8.112/90, a Administração somente poderá utilizá-lo para apuração das faltas de acumulação ilegal de cargos, empregos e funções públicas, abandono de cargo e inassiduidade habitual, não cabendo ao gestor a apuração neste rito de outra falta disciplinar. Sobre o tema, cumpre consignar importante entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF):

O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal - que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos - exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade,

2MADEIRA, 2008, p. 54.

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ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº 241.201. Relator: Ministro Celso de Mello, julgamento em 27.08.2002, DJ 20.09.2002).

2.2.2. PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO

Pilares do devido processo legal disciplinados no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal e art. 2º, caput, e parágrafo único, X, da Lei nº 9.784/99, facultam ao acusado/indiciado, durante todo o processo, a efetiva participação no apuratório, possibilitando-lhe a utilização de todos os meios de defesa admitidos pelo ordenamento jurídico.

O princípio da ampla defesa significa permitir a qualquer pessoa acusada o direito de se utilizar de todos os meios de defesa admissíveis em direito. É imprescindível que ele seja adotado em todos os procedimentos que possam gerar qualquer tipo de prejuízo ao acusado 3. Portanto, deve ser adotado em todos os procedimentos que possam ensejar aplicação de qualquer tipo de penalidade ao investigado (sindicância punitiva, PAD). No processo administrativo disciplinar o princípio é expresso no art. 143 da Lei nº 8.112/90:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou pro-cesso administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. (grifo nosso)

No seu art. 156, a Lei nº 8.112/90 vem esmiuçar como poderia ser exercida a ampla defesa:

Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pesso-almente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

O princípio do contraditório dispõe que a todo ato produzido pela comissão caberá igual direito de o acusado opor-se a ele ou de apresentar a versão que lhe convenha ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pela acusação 4. No curso da apuração dos fatos e após a notificação prévia, que comunica o servidor da decisão da comissão sobre a sua condição de acusado, deve haver notificação de todos os atos processuais sujeitos ao seu acompanhamento, possibilitando ao acusado contradizer a prova produzida. Sobre o princípio em comento, segue posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

Mandado de segurança. Processo administrativo disciplinar. Participação ou gerência em empresa privada. Demissão de servidor público. Alegação de

3MEDAUAR, 2009, p. 173.

4Idem, p. 171.

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cerceamento de defesa não configurado. Observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Segurança denegada.

1. O procedimento transcorreu em estrita obediência à ampla defesa e ao contraditório, com a comissão processante franqueando ao impetrante todos os meios e recursos inerentes à sua defesa.

2. É cediço que o acusado deve saber quais fatos lhe estão sendo imputados, ser notificado, ter acesso aos autos, ter possibilidade de apresentar razões e testemunhas, solicitar provas, etc., o que ocorreu in casu. É de rigor assentar, todavia, que isso não significa que todas as providências requeridas pelo acusado devem ser atendidas; ao revés, a produção de provas pode ser recusada, se protelatórias, inúteis ou desnecessárias.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 9.076/DF. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 26.10.2004).

2.2.3. PRINCÍPIO DO INFORMALISMO MODERADO

O princípio do informalismo moderado – também chamado por alguns de princípio do formalismo moderado - significa, no processo administrativo disciplinar, a dispensa de formas rígidas, mantendo apenas as compatíveis com a certeza e a segurança dos atos praticados, salvo as expressas em lei e relativas aos direitos dos acusados. Odete Medauar explicita que esse princípio “se traduz na exigência de interpretação flexível e razoável quanto a formas, para evitar que estas sejam vistas como um fim em si mesmas, desligadas das verdadeiras finalidades do processo”. 5

A sua previsão legal está no art. 22 da Lei nº 9.784/99:

Art. 22. Os atos do processo administrativo não dependem de forma determi-nada senão quando a lei expressamente a exigir.

É importante recordar que o objetivo principal do processo é apurar a realidade material dos fatos ventilados nos autos. Desta forma, o conteúdo apresentado no lastro probatório acostado ao processo tem mais relevância do que a forma como foi produzido, desde que tenham sido observados os princípios já discutidos do contraditório e da ampla defesa.

2.2.4. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL Também chamado de princípio da verdade material, indica que a comissão disciplinar deve buscar, na medida do possível, o que realmente teria acontecido, não se contentando apenas com aquela versão dos fatos levada ao processo pelos envolvidos 6. Não se admite, deste modo, a “verdade sabida” no processo administrativo disciplinar.

5 Idem, p. 176 6MADEIRA, 2008, p. 50.

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Desse princípio decorre que a Administração tem o poder-dever de tomar emprestado e de produzir provas a qualquer tempo, atuando de ofício ou mediante provocação, de modo a formar sua convicção sobre a realidade fática em apuração. Ainda que o acusado do processo não tenha pedido a produção de determinada diligência que poderia lhe beneficiar, afastando, por exemplo, sua autoria, cabe à comissão buscar a produção de tal prova. Neste mesmo diapasão, temos que o único efeito da revelia no processo administrativo disciplinar – tópico que será debatido adiante - é o da nomeação de defensor dativo, não se reputando como verdadeiro os fatos imputados ao acusado.

2.2.5. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DE NÃO CULPABILIDADE O princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 5°, inciso LVII, da Constituição Federal, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Por reflexo desse princípio, durante o processo disciplinar e enquanto não houver decisão final condenatória, o acusado/indiciado deve ser considerado inocente. O ônus de provar a responsabilidade é da Administração 7. Em razão deste princípio não se pode tratar o acusado como condenado, impondo restrições descabidas, ou sem previsão legal. Não há impedimento para a realização de atos cautelatórios, tais como o afastamento preventivo previsto no art. 147 da Lei nº 8.112/90, considerando que não se trata de medida de caráter punitivo:

Art. 147. Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da irregularidade, a autoridade instauradora do processo poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até 60 (ses-senta) dias, sem prejuízo da remuneração. Parágrafo único. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.

De mesma forma, também é permitida a adoção das medidas restritivas do art. 172 daquele mesmo diploma legal:

Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exone-rado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.

2.2.6. PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO

O princípio da motivação surge como mais um instrumento de garantia da Administração e dos administrados quanto ao atendimento do interesse público, revestindo-se, de

7Idem, p. 52.

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certo modo, em uma forma de publicidade da vontade da Administração estampada nos seus atos. Portanto, a razão e os fundamentos de qualquer decisão administrativa que implique restrições a direitos dos cidadãos devem obrigatoriamente ser explicitados 8.

Nesse sentido, é válida a menção ao disposto no art. 50 da Lei nº 9.784/99:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fa-tos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V - decidam recursos administrativos; VI - decorram de reexame de ofício; VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato admi-nistrativo.

3. RESPONSABILIZAÇÃO

O servidor público federal que exerce irregularmente suas atribuições poderá responder pelo ato nas instâncias civil, penal e administrativa (art. 121 da Lei n° 8.112/90). Essas responsabilidades possuem características próprias, sofrendo gradações de acordo com as situações que podem se apresentar como condutas irregulares ou ilícitas no exercício das atividades funcionais, possibilitando a aplicação de diferentes penalidades, que variam de instância para instância. Dessa forma, o cometimento de condutas vedadas nos regramentos competentes ou o descumprimento de deveres funcionais dão margem à responsabilidade administrativa; danos patrimoniais causados à Administração Pública ou a terceiros ensejam a responsabilidade civil; e a prática de crimes e contravenções, a responsabilização penal.

3.1. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA

A responsabilização do servidor público decorre da Lei nº 8.112/90, que lhe impõe obediência às regras de conduta necessárias ao regular andamento do serviço público. Nesse

8MELLO, 2006, p. 108.

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sentido, o cometimento de infrações funcionais, por ação ou omissão praticada no desempenho das atribuições do cargo ou função, ou que tenha relação com essas atribuições, gera a responsabilidade administrativa (arts. 124 e 148), sujeitando o servidor faltoso à imposição de sanções disciplinares. Em geral, os deveres e proibições ao servidor público estão previstos nos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/90 9. Ao tomar conhecimento de falta praticada pelo servidor, cabe à Administração Pública apurar o fato, aplicando a penalidade porventura cabível. Na instância administrativa, a apuração da infração disciplinar ocorrerá por meio de sindicância contraditória ou de processo administrativo disciplinar (art. 143). Isso porque o processo disciplinar lato sensu é o instrumento de que dispõe a Administração para apurar a responsabilidade do servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo que ocupa (art. 148). Importa registrar que ao servidor público investigado em sindicância punitiva ou em processo administrativo disciplinar são assegurados todos os direitos constitucionais, inclusive o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, inciso LV, Constituição Federal). Uma vez comprovada a infração disciplinar pela própria Administração Pública, por meio de sindicância punitiva ou de processo administrativo disciplinar, será possível a aplicação das sanções previstas no art. 127 do Estatuto Funcional: I - advertência; II - suspensão; III - demissão; IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade; V - destituição de cargo em comissão; ou VI - destituição de função comissionada.

3.2. RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil do servidor público consiste no ressarcimento dos prejuízos causados à Administração Pública ou a terceiros em decorrência de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, no exercício de suas atribuições (art. 122 da Lei nº 8.112/90 e art. 37, § 6º, da Constituição Federal). A responsabilidade civil do servidor público perante a Administração é subjetiva e depende da prova da existência do dano, do nexo de causalidade entre a ação e o dano e da culpa ou do dolo da sua conduta. O dano pode ser material ou moral10. A Lei nº 8.112/90 estabelece duas situações em que o servidor poderá ser chamado a ressarcir os prejuízos causados ao erário. Na primeira, quando causar danos diretamente à Administração Pública. Na segunda, quando causar danos a terceiros no exercício da função pública11. Na hipótese de dano causado à Administração Pública, prevê o art. 46 da Lei nº 8.112/90 que a indenização do prejuízo financeiro causado pelo servidor poderá ocorrer ainda no âmbito administrativo, mediante desconto autorizado do valor devido em folha de pagamento, após regular processo administrativo cercado de todas as garantias de defesa do servidor, conforme prevê o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

A indenização ao erário será previamente comunicada ao servidor para pagamento, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, podendo ser parcelada. O valor de cada parcela não poderá ser

9MEIRELLES, 2011, p. 494. 10DI PIETRO, 2006, p. 588-589. 11MEIRELLES, 2011, p. 496.

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superior a 10% (dez por cento) da sua remuneração. Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em única parcela. Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a data da reposição. O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de 60 (sessenta) dias para quitar o débito. A não quitação do débito no prazo previsto implicará sua inscrição em dívida ativa para cobrança por meio de ação de execução judicial. O vencimento, a remuneração e o provento não serão objeto de arresto, sequestro ou penhora, exceto nos casos de prestação de alimentos resultante de decisão judicial (arts. 46 a 48).

A obtenção do ressarcimento poderá ocorrer, também, mediante Tomada de Contas Especial (TCE). A TCE, atualmente regulamentada pela Instrução Normativa TCU nº 71/2012 (que revogou a IN nº 56/2007), é um processo administrativo destinado à apuração de responsabilidade pelos danos causados à Administração Pública Federal e à obtenção do respectivo ressarcimento.

Portanto, a TCE tem a finalidade de apurar os fatos, identificar os responsáveis e quantificar o prejuízo causado ao erário. De acordo com o art. 5º da referida Instrução Normativa, é pressuposto para sua instauração a existência de elementos fáticos e jurídicos suficientes para: a) comprovação da ocorrência do dano; b) identificação das pessoas físicas ou jurídicas que deram causa ou concorreram para a ocorrência de dano. A Portaria CGU nº 867/2013 traz a Norma de Execução destinada a orientar tecnicamente os órgãos e entidades sujeitos ao Controle Interno do Poder Executivo Federal sobre a TCE.

No âmbito judicial, geralmente o débito regularmente apurado será inscrito em dívida ativa da União e constituirá título executivo passível de cobrança por intermédio de ação de execução fiscal proposta pela União perante o Poder Judiciário (Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980). Entretanto, existem outras formas de ressarcimento judicial dos prejuízos causados ao erário pelo servidor, tais como a ação indenizatória (de ressarcimento ou reparatória) e a ação de improbidade administrativa de que trata a Lei nº 8.429/92. Destaque-se, pela relevância, o Termo Circunstanciado Administrativo (TCA), instrumento processual desenvolvido pela CGU por meio da Instrução Normativa CGU nº 4, de 17 de fevereiro de 2009, com o objetivo de solucionar os casos onde o dano ou o desaparecimento do bem ocorreu por conduta culposa do servidor, acarretando prejuízo inferior ao limite previsto para a dispensa de licitação (atualmente, no valor de R$ 8.000,00). O TCA será objeto de detalhamento mais adiante.

3.3. RESPONSABILIDADE PENAL A responsabilidade penal do servidor público decorre da prática de infrações penais (art. 123) e sujeita o servidor a responder a processo criminal e a suportar os efeitos legais da condenação.

A responsabilidade do servidor na esfera penal deve ser definida pelo Poder Judiciário, com a aplicação das respectivas sanções cabíveis, que poderão ser, conforme o caso, privação de liberdade, restrição de direitos ou multa (art. 32, incisos I, II e III, do Código Penal).

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Para fins penais, o conceito de servidor público é mais amplo e, de acordo com o art. 327 do Código Penal, considera-se funcionário público “quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”. Por sua vez, o parágrafo 1º do art. 327 do Código Penal equipara a funcionário público “quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública”. Os principais crimes funcionais contra a Administração Pública estão tipificados nos arts. 312 a 326, bem como nos art. 359-A ao 359-H do Código Penal, cujas sanções variam de acordo com o grau de lesividade aos princípios e interesses administrativos, e são processados mediante ação penal pública incondicionada, proposta pelo Ministério Público perante o Poder Judiciário. Embora a maioria das condutas delituosas contra a Administração Pública figure nos artigos supracitados do Código Penal, isso não significa que outras transgressões do tipo não possam se somar àquelas. Nesse sentido, cita-se a Lei Federal nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, como exemplo, que disciplina o abuso de autoridade (ou abuso de poder) que configure crime. Nessa mesma esteira, merece menção a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (lei das licitações e contratos administrativos), tendo em vista que nos artigos 89 a 98 há tipificação de determinadas condutas consideradas criminosas. O procedimento de responsabilização criminal dos servidores públicos está previsto nos arts. 513 a 518 do Código de Processo Penal, destacando-se nesse rito especial a possibilidade de resposta por escrito do servidor público antes de o juiz decidir quanto ao recebimento da denúncia (arts. 514 e 516). Recebida a denúncia pelo juiz, o processo seguirá seu curso pelo rito ordinário. Quando a infração disciplinar estiver capitulada como crime, o respectivo processo deverá ser remetido ao Ministério Público para instauração da ação penal cabível, conforme arts. 154, parágrafo único e 171 da Lei n° 8.112/90. A remessa do processo disciplinar ao Ministério Público Federal deve ocorrer após a conclusão, em decorrência da observância dos princípios da legalidade, do devido processo legal e da presunção de inocência. Nada obstante, o processo disciplinar pode ser encaminhado pela comissão disciplinar a qualquer momento à autoridade instauradora, para que esta, se entender cabível, e o caso assim o exigir, remeta cópia ao Ministério Público Federal, sem prejuízo do andamento dos trabalhos da comissão. De acordo com as circunstâncias do caso concreto, as sanções administrativas, civis e penais poderão ser aplicadas ao servidor (art. 125), sem que se considere dupla ou tripla punição para o mesmo fato irregular (princípio do “non bis in idem”). Todavia, embora se consagre, em princípio, a independência das instâncias, há situações em que, uma vez decididas no processo penal, repercutem necessariamente nas instâncias civil e administrativa. Excepcionalmente, o resultado do juízo criminal produzirá efeitos no âmbito disciplinar.

Cabe registrar que o afastamento da responsabilidade administrativa ocorrerá nos casos de sentença penal absolutória que negue a existência do fato ou a autoria. Portanto, se inexistiu o fato não resta qualquer tipo de responsabilidade. Da mesma maneira, a decisão penal que afasta a autoria não deve ser contrariada nas demais instâncias.

A Lei nº 8.112/90 e o Código Civil brasileiro tratam a matéria da seguinte forma:

Lei nº 8.112/90 – Art. 126: A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.

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Código Civil – Art. 935: A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

As provas produzidas no processo criminal podem ser insuficientes para a respecti-

va condenação, dadas as características próprias daquele juízo. Entretanto, o conjunto probatório pode ser plenamente adequado para a apenação nas instâncias administrativa e/ou civil, até por-que serão produzidas independentemente do andamento do processo penal.

A conclusão de que o fato não caracteriza um crime também não inviabiliza o pro-

cesso administrativo disciplinar, tendo em vista que esse mesmo fato pode configurar um ilícito funcional. Em outros termos, ainda que não tenha realizado todos os elementos da definição legal do crime, o fato pode ser considerado suficientemente grave para a Administração e estar enqua-drado nas descrições mais abrangentes da Lei nº 8.112/90.

Dessa forma, o servidor público pode ser absolvido na esfera penal, mas serem en-

contrados nos autos elementos caracterizadores de uma infração disciplinar, que a doutrina deno-mina de falta ou conduta residual, conceito, inclusive, sumulado pelo STF (Súmula nº 18): “Pela falta residual não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público”.

Nessa circunstância, se demitido após apurada sua responsabilidade administrativa,

o servidor não deverá ser reintegrado caso o processo criminal conclua pela absolvição por insufi-ciência de provas. Tal orientação é corroborada nas seguintes decisões exaradas pelos Egrégios STF e STJ, respectivamente:

FUNCIONÁRIO PÚBLICO – DEMISSÃO – ABSOLVIÇÃO CRIMINAL. Embora possa ter sido absolvido o funcionário na ação penal a que respondeu, não importa tal ocorrência a sua volta aos quadros do serviço público, se a absolvição se deu por insuficiência de provas, e o servidor foi regularmente submetido a in-quérito administrativo, no qual foi apurado ter ele praticado o ato pelo qual veio a ser demitido. A absolvição criminal só importaria anulação do ato de-missório se tivesse ficado provada, na ação penal, a inexistência do fato, ou que o acusado não fora o autor. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 20.814. Rela-tor: Ministro Aldir Passarinho, Data de Julgamento: 22.03.1991, STF Pleno, Data de Publicação: 24.05.1991).

PAD. ABSOLVIÇÃO PENAL. Cinge-se a controvérsia à possibilidade de condenar servidor público na área administrativa, por infração disciplinar, após sua ab-solvição criminal pela imputação do mesmo fato. O entendimento do STJ é que, afastada a responsabilidade criminal do servidor por inexistência daquele fato ou de sua autoria, fica arredada também a responsabilidade administrativa, exceto se verificada falta disciplinar residual sancionável (outra irregularidade que constitua infração administrativa) não abarcada pela sentença penal ab-solutória (Súm. n. 18-STF). No entanto, a Turma não conheceu do recurso em face do óbice da Súm. n. 7-STJ. Precedentes citados: REsp 1.199.083-SP, DJe 8/9/2010; MS 13.599-DF, DJe 28.05.2010, e Rcl 611-DF, DJ 04.02.2002.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.012.647-RJ. Relator: Minis-tro Luiz Fux, julgado em 23.11.2010).

Ainda é válido atentar que a transação penal, prevista na Lei nº 9.099/95 para os casos de infração penal de menor potencial ofensivo, não inibe a apuração administrativa, tendo em vista justamente a independência de instâncias.

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Registre-se, ainda, que nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, se a pena aplicada ao servidor for a privação da liberdade por tempo igual ou superior a um ano, um dos efeitos dessa condenação é a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo (art. 92, inciso I, alínea 'a', do Código Penal). O ato de improbidade administrativa também pode dar ensejo à perda da função pública (Lei nº 8.429/92, art. 12, incisos I, II e III). Note-se, porém, que os efeitos de que trata o art. 92 do Código Penal não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença, conforme dispõe o parágrafo único do dispositivo em tela, somente se efetivando a medida com a decisão penal transitada em julgado. Mas, caso haja condenação com aplicação de pena de privação da liberdade por crime que não tenha conexão com a sua função pública, duas hipóteses de penalização podem ocorrer: a) se a pena imputada for por tempo inferior a quatro anos, o servidor ficará afastado de seu cargo ou função, perdendo o seu vencimento, sendo devido a seus familiares o auxílio-reclusão, conforme dispõe o art. 229 da Lei nº 8.112/90; b) se a pena for superior a quatro anos, o servidor perderá o cargo, a função pública ou o mandato eletivo (art. 92, inciso I, alínea 'b', do Código Penal). Segue transcrição do aludido art. 92:

Art. 92 - São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

3.4. RESPONSABILIZAÇÃO NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

No tocante à separação da instância administrativa com o campo de atuação do Tribunal de Contas da União - TCU é válido ressaltar que a regularidade de contas julgada por aquela Corte não impede a responsabilização disciplinar do gestor, bem como o julgamento pela irregularidade das contas não necessariamente impõe a responsabilização disciplinar, conforme Parecer GQ-55 da AGU, de 30 de janeiro de 1995, vinculante:

Contraditório, ampla defesa, prescrição e conseqüências do julgamento da re-gularidade de contas pelo Tribunal de Contas da União no processo adminis-trativo disciplinar. [...] 29. A decisão do TCU, adotada em vista de sua função institucional, repercute na ação disciplinar dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública na hipótese em que venha negar especialmente a existência do fato ou a autoria. 30. O julgamento da regularidade das contas, por si só, não indica a falta de tipificação de infração administrativa [...].

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4. RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR

4.1. ABRANGÊNCIA OBJETIVA

Preliminarmente, cabe registrar que a Lei nº 8.112/90 estabelece o regime disciplinar entre os arts. 116 e 142, definindo os deveres e as infrações funcionais (arts. 116, 117 e 132), as penalidades administrativas (art. 127), a competência para aplicação das penalidades (art. 141) e o prazo prescricional (art. 142). Lado outro, o processo administrativo disciplinar corresponde ao rito, à sequência ordenada de atos que compõem o apuratório e encontra-se disciplinado nos arts. 143 a 182 da referida lei.

A clareza quanto ao alcance do processo disciplinar é de fundamental importância. A autoridade instauradora, quando do juízo de admissibilidade, verificará a pertinência subjetiva e objetiva para determinar a instauração do processo. A comissão processante conduzirá as apura-ções dentro dos limites fixados. Do mesmo modo, a autoridade julgadora proferirá sua decisão atenta à demarcação legal em comento.

Antes de aprofundar nas abrangências objetiva e subjetiva do processo disciplinar,

vale destacar que ato ilícito é aquele comportamento contrário ao ordenamento jurídico, podendo se revelar tanto na modalidade comissiva (ação) quanto na omissiva (omissão), e enseja a produção de efeitos negativos (sanção). O ilícito administrativo-disciplinar, por sua vez, é toda conduta do servidor público que, no âmbito de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las, deixa de observar dever funcional ou transgride proibição prevista em lei.

Cabe destacar que a apuração de responsabilidade disciplinar deve estar voltada para a suposta prática de ato ilícito no exercício das atribuições do cargo do servidor público, salvo hipóteses previstas em legislação específica. Também é passível de apuração o ilícito ocorrido em função do cargo ocupado pelo servidor e que possua apenas relação indireta com o respectivo exercício. Ambas as hipóteses de apuração estão previstas no art. 148 da Lei nº 8.112/90, conforme transcrição abaixo:

Art. 148. O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabi-lidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

Extrai-se do artigo acima que a apuração recai sobre o quadro de servidores públi-cos e restringe-se às condutas listadas nos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/90, bem como em leis específicas, no caso de determinadas carreiras.

4.1.1. ATOS DA VIDA PRIVADA Os atos praticados na esfera da vida privada do servidor público, em princípio, não

são apurados no âmbito da Lei nº 8.112/90 e só possuem reflexos disciplinares quando o comportamento relaciona-se com as atribuições do cargo. Excetue-se, dessa regra, a previsão legal específica de irregularidade administrativa ínsita ao comportamento privado ou social do servidor,

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a exemplo da prevista no Estatuto da Atividade Policial Federal 12 (Lei nº 4.878, de 3 de dezembro de 1965).

Naturalmente, o servidor público não escapa dos preceitos dos códigos de ética ou

de conduta, mas não haverá necessariamente a incidência de normas disciplinares sobre os atos censurados naqueles regulamentos. No mesmo sentido, a depender da natureza do ato, poderá o agente ser responsabilizado nas esferas civil e/ou penal, sem que se cogite qualquer reprimenda disciplinar.

Conforme já mencionado, o Estatuto evidencia que o servidor poderá ser processado

por atos ou comportamentos praticados longe da repartição ou fora da jornada de trabalho, inclusi-ve na sua vida privada, desde que guardem relação direta ou indireta com o cargo ocupado, com as suas atribuições ou com a instituição a qual está vinculado.

A este respeito, Di Pietro assevera que “a má conduta na vida privada, para caracte-

rizar-se como ilícito administrativo, tem que ter, direta ou indiretamente, algum reflexo sobre a vida funcional, sob pena de tudo, indiscriminadamente, poder ser considerado ‘procedimento irregular’ (...)” 13.

Não obstante a possibilidade trazida a lume, a repercussão disciplinar dos atos co-

metidos pelo servidor em sua vida privada é uma exceção. Dito isto, resta-nos delimitar o alcance do regime disciplinar em relação a tais condutas, sem, contudo, afrontar as garantias de liberdade e de privacidade da pessoa consagradas pela Constituição Federal (art. 5º, inciso X).

O fundamento legal para eventual repercussão administrativa-disciplinar de atos da

vida privada do servidor é extraído do art. 148 da Lei nº 8.112/90, que prevê a apuração de respon-sabilidade por infração “que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investi-do”.

A redação não deixa dúvida acerca da abrangência de condutas cometidas fora do

estrito exercício das atribuições do cargo, ou seja, os reflexos de eventual desvio de conduta do ser-vidor ultrapassam os limites do espaço físico da repartição e as horas que compõem sua jornada de trabalho. Incluem-se aí períodos de férias, licenças ou afastamentos autorizados. Exige-se, porém, que as irregularidades tenham alguma relação, no mínimo indireta, com o cargo do servidor ou com suas respectivas atribuições, ou que, de alguma maneira, afetem o órgão no qual o infrator está lo-tado.

Antônio Carlos Alencar de Carvalho recomenda que muita ponderação e cautela pre-

sidam a apreciação concernente à repercussão administrativa da conduta da vida privada do servi-dor público. Defende o autor que só em casos inquestionáveis de prejuízo para a atividade funcional ou prestígio direto do funcionário em face das atribuições específicas de seu cargo, prejudicadas pela ação consumada no âmbito particular, é que se pode discutir eventual apenação disciplinar 14.

Em sentido oposto, os atos cometidos pelo servidor que não tenham a mínima perti-

nência com o cargo não implicam repercussão disciplinar. Percebe-se que há outras sanções no meio social a que está sujeito o indivíduo e não

se pode pretender recorrer ao direito disciplinar pelo simples fato do responsável pelo ato censu-rável se tratar de um servidor público. Em resumo, a repercussão disciplinar sobre atos de vida privada é residual e excepcional, amparada pela parte final do art. 148 da Lei nº 8.112/90.

12 Exemplo de exceção: Estatuto da Polícia Civil da União e do Distrito Federal – Lei no 4.878/65, artigo 43. 13 DI PIETRO, 2006, p. 596. 14 CARVALHO, 2008, p. 136-137.

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4.1.2. IRREGULARIDADES COMETIDAS ANTES DA APOSENTADORIA OU DE PENA EXPULSIVA Firmada a noção de que o processo administrativo disciplinar é o instrumento legal

para apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido, infere-se que as supostas irregularidades ocorreram no período em que o infrator mantinha vínculo estatutário com a Administração.

Não escapa da apuração disciplinar o servidor removido ou redistribuído após a

prática da infração. Do mesmo modo, responderá se já estiver ocupando novo cargo. A justificativa é de que remanesce o poder-dever da Administração de apurar os fatos irregulares de que teve conhecimento e, quando cabível, o condenado sofrerá a reprimenda prevista na Lei nº 8.112/90.

Nas hipóteses acima suscitadas, em que se tem a manutenção do vínculo estatutário,

a competência para instauração será da autoridade da unidade de lotação do servidor à época da infração, independentemente da data da ciência da irregularidade pela Administração. A regra é aplicável ao caso de investidura em outro cargo público federal, no mesmo ou em distinto órgão.

José Armando da Costa ilustra a situação ora aventada:

Se a falta somente veio chegar ao conhecimento do chefe quando o indigitado faltoso já havia sido removido para outro órgão regional, o processo, nesse ca-so, deverá ser aberto pela autoridade sob cujo comando tenha ocorrido a falta, ainda que não mais esteja subordinado a esta o servidor removido 15.

No tocante ao julgamento, convém antecipar que se o acusado estiver ocupando no-

vo cargo público federal em outro órgão, a decisão competirá à autoridade desse segundo órgão. Nesta linha, o Advogado-Geral da União, por meio do Aviso-AGU nº 331, de 14 de ou-

tubro de 2010, aprovou o Parecer-MP/CGU/AGU nº 01/2010, nos termos do Despacho do Consul-tor-Geral da União nº 73/2010. Em que pese versar sobre a competência ministerial para aplicar pena de demissão, os fundamentos indicam que a competência para julgamento está vinculada ao poder hierárquico no momento da referida decisão. Em outros termos, o acusado será julgado pela autoridade a qual se encontra subordinado na data do julgamento.

O caso em tela cingia-se à definição da competência para julgamento de processo,

com proposta de demissão, envolvendo servidor lotado em autarquia do Ministério das Minas e Energia, mas cuja transgressão teria ocorrido quando vinculado a autarquia do Ministério da Fa-zenda, conforme Parecer-MP/CGU/AGU nº 01/2010 abaixo:

9. A quem compete julgar o PAD - É certo que, nos casos de demissão do servi-dor, que constitui a proposta constante do relatório, a competência é sempre do Presidente da República (art. 141, I). Contudo, o Senhor Presidente da Re-pública a delegou aos seus Ministros (Decreto n. 3.035, de 27.04.1999), para, ‘no âmbito dos órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou vinculados’ (art. 1º), ‘julgar proces-sos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipóteses de demis-são e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores’ (art. 1º, I). 10. Então, se o processo devesse ser a ele remetido, nenhuma dificuldade quan-to à competência surgiria. A dificuldade nasceu da delegação cometida a seus Ministros, para que agissem ‘no âmbito dos órgãos da Administração Pública

15 COSTA, 2011, p. 202/203.

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Federal direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou vincu-lados’. Em sendo assim, parece-me que, se o servidor tivesse permanecido na CVM [Comissão de Valores Mobiliários], não haveria dúvida de que o Ministro competente, em razão da delegação, seria o Ministro da Fazenda. Tendo, po-rém, o servidor assumido cargo na Agência Nacional do Petróleo, não pode o Ministro da Fazenda julgar o processo, sob pena de transpor os lindes da dele-gação que lhe foi outorgada e que está limitada aos órgãos que lhe são subor-dinados. 11. Em assim sendo, o Ministro competente para agir em nome do Presidente é o Senhor Ministro de Minas e Energia, já que o servidor que responde ao pro-cesso não tem mais nenhuma vinculação com o cargo que anteriormente ocu-pava, e que, hoje, é servidor efetivo da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natu-ral e Biocombustíveis - ANP, autarquia vinculada ao Ministério das Minas e Energia.

Do mesmo modo que a investidura em novo cargo ou os deslocamentos do cargo

originário não representam óbice à instauração de processo disciplinar, prevalece o entendimento de que o fim do vínculo funcional não é empecilho para a apuração.

Nesta direção, manifestou-se a Advocacia-Geral da União (AGU), no Parecer-AGU nº

GM-1, de 15 de março de 2000, vinculante, ao apontar a manutenção do processo e do regime disci-plinares inclusive nos casos de desvinculação do serviço público depois do cometimento da falta funcional:

Ementa: Não é impeditivo da apuração de irregularidade verificada na Admi-nistração Federal e de sua autoria o fato de os principais envolvidos terem se desvinculado do serviço público, anteriormente à instauração do processo dis-ciplinar. (...) 9. Impõe-se a apuração se o ilícito ocorre ´no serviço público´, poder-dever de que a autoridade administrativa não pode esquivar-se sob a alegação de que os possíveis autores não mais se encontram investidos nos cargos em razão dos quais perpetraram as infrações (...). 17. Embora a penalidade constitua o corolário da responsabilidade adminis-trativa, a inviabilidade jurídica da atuação punitiva do Estado, advinda do fato de alguns dos envolvidos nas transgressões haverem se desligado do serviço público, não é de molde a obstar a apuração e a determinação de autoria no tocante a todos os envolvidos, inclusive em se considerando o plausível envol-vimento de servidores federais, bem assim o julgamento do processo, com a conseqüente anotação da prática do ilícito nas pastas de assentamentos funci-onais, por isso que, em derivação dessa medida: (...) c) no caso de reingresso e não ter-se extinguido a punibilidade, por força do decurso do tempo (prescrição), o servidor pode vir a ser punido pelas faltas in-vestigadas no processo objeto do julgamento ou considerado reincidente (...).

Sobre o assunto, destaque-se decisão do Superior Tribunal de Justiça em relação ao

seguinte julgado:

Ementa: Mandado de segurança. Administrativo. Ministro dos Transportes. Ex-servidores do DNER. Procedimento administrativo. Apuração das irregularida-des possivelmente cometidas quando no exercício das respectivas funções. Pos-

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sibilidade. Ausência do alegado direito líquido e certo. Não se vislumbra o ale-gado direito líquido e certo, considerando que a Administração está, no exercí-cio de seu direito, apurando as possíveis irregularidades dos impetrantes, quando no exercício de suas funções. Ordem denegada. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS no 9.497. Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca, Data de Julgamento: 10.03.2004, 3a Seção, Data de Pu-blicação: 18.10.2004).

Enfrentando essa questão, a Comissão de Coordenação de Correição (CCC) da Con-

troladoria-Geral da União aprovou o Enunciado nº 2, de 4 de maio de 2011, nos seguintes termos:

EX-SERVIDOR. APURAÇÃO. A aposentadoria, a demissão, a exoneração de car-go efetivo ou em comissão e a destituição do cargo em comissão não obstam a instauração do procedimento disciplinar visando à apuração de irregularidade verificada quando do exercício da função ou cargo público.

Assim sendo, a exoneração, a aposentadoria ou a aplicação de penas capitais decor-

rentes de outro processo administrativo disciplinar não impedem a apuração de irregularidade praticada quando o ex-servidor encontrava-se legalmente investido em cargo público.

Insta destacar que a Lei n° 8.112/90 já previu tais situações dispondo sobre a pena-

lidade cabível no caso de ex-servidores que tenham cometido falta disciplinar no exercício da fun-ção, a saber:

a) o servidor faltoso que já se encontre aposentado está passível de ter sua aposentadoria cassada (art. 134); e b) aquele que foi exonerado do cargo poderá ter tal situação convertida em destituição do cargo comissionado ou em demissão (art. 135 e art. 172, pa-rágrafo único, respectivamente).

Ademais, eventual penalidade expulsiva tem o condão de frustrar o retorno do ex-

servidor em caso de reintegração administrativa ou judicial no primeiro processo em que sofreu a pena capital. Convém observar que a portaria que materializa a penalidade expulsiva deve ser for-malmente publicada e a conclusão registrada nos assentamentos funcionais do ex-servidor. A caute-la visa tornar o ato jurídico perfeito e acabado, afastando eventual alegação de prescrição da se-gunda irregularidade no caso de anulação da primeira sanção.

4.2. ABRANGÊNCIA SUBJETIVA Em sede disciplinar, verifica-se que o polo passivo sofre uma restrição em compara-

ção com as esferas civil e penal. O processo administrativo disciplinar da Lei nº 8.112/90 limita-se aos agentes referidos nos arts. 1º, 2º e 3º do diploma legal em apreço.

Isso posto, entende-se por oportuno iniciar o presente tópico com a leitura atenta

dos arts. 1º ao 3º da Lei nº 8.112/90, razão pela qual serão transcritos a seguir:

Art. 1º: Esta Lei institui o regime jurídico dos servidores públicos civis da Uni-ão, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas federais. Art. 2º: Para os efeitos desta Lei, servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público.

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Art. 3º: Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor. Parágrafo único. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são cria-dos por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.

Observe-se que a abrangência subjetiva no processo administrativo disciplinar não

se confunde com o conceito de “funcionário público” oferecido pelo Código Penal, o qual abarca “quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”, além de incluir quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividades típi-cas da Administração Pública.

A lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92) é ainda mais abrangente,

considerando agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remune-ração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no art. 1º do referido diploma legal. E mais, a lei é aplicável, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Portanto, o grau de vinculação do agente com a Administração Pública revela se es-

tará sujeito à responsabilização na esfera administrativa, independentemente de figurar como réu segundo os amplos limites estabelecidos no Código Penal e na Lei nº 8.429/92.

Importante destacar também que o processo administrativo disciplinar da Lei nº

8.112/90 não alcança os empregados públicos das empresas públicas e sociedades de economia mista. Tais agentes, ainda que contratados mediante concurso público são regidos pela Consolida-ção das Leis Trabalhistas – CLT e não pelo regime estatutário dos servidores públicos. Isso não sig-nifica que os empregados públicos das Estatais fujam à responsabilidade disciplinar e administrati-va, uma vez que se submetem aos normativos internos que tais entidades venham a adotar, poden-do prever deveres e proibições a serem observadas por seus funcionários e dispondo das penalida-des cabíveis no caso de conduta inadequada.

Dessa forma, os sujeitos que interessam ao presente estudo são os ocupantes de

cargos públicos. Eis a abrangência subjetiva do processo disciplinar da Lei nº 8.112/90: servidores públicos federais.

Retornando aos dispositivos da Lei nº 8.112/90, o conceito de servidor público está

ligado ao de cargo público, do qual sobressai a noção de que se trata de um conjunto de atribuições e deveres, a despeito de algumas compensações e eventuais prerrogativas.

Nesta linha, Marçal Justen Filho apresenta o seguinte conceito de cargo público: “é

uma posição jurídica criada e disciplinada por lei, sujeita a regime jurídico de direito público pecu-liar, caracterizado por mutabilidade por determinação unilateral do Estado e por inúmeras garanti-as em prol do ocupante” 16.

O provimento dos cargos públicos pode ser efetivo ou em comissão, consoante dis-

posto no art. 9º da Lei nº 8.112/90, conforme abaixo:

16 JUSTEN FILHO, 2005, p. 580.

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Art. 9º A nomeação far-se-á: I – em caráter efetivo, quando se tratar de cargo isolado de provimento efetivo ou de carreira; II – em comissão, inclusive na condição de interino, para cargos de confiança vagos. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.1997) Parágrafo único. O servidor ocupante de cargo em comissão ou de natureza especial poderá ser nomeado para ter exercício, interinamente, em outro cargo de confiança, sem prejuízo das atribuições do que atualmente ocupa, hipótese em que deverá optar pela remuneração de um deles durante o período da inte-rinidade. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.1997).

A Constituição Federal exige a aprovação em concurso público como requisito à no-

meação para cargo efetivo e, ainda, prevê a possibilidade de que o ocupante de tal cargo adquira estabilidade após três anos de efetivo exercício. No entanto, poderá figurar como acusado tanto o servidor estável como aquele em estágio probatório. Não procede a restrição da garantia do proces-so disciplinar apenas ao primeiro. O inciso II do parágrafo 1º do art. 41 da Constituição Federal de-ve ser interpretado em harmonia com os incisos LIV e LV do art. 5º da Carta Maior, restando asse-gurado a todos o devido processo legal e aos acusados em geral, mesmo em sede administrativa, o contraditório e a ampla defesa.

Assim sendo, grife-se que o processo disciplinar é obrigatório para a apuração de

faltas disciplinares imputadas a servidor em estágio probatório e, por conseguinte, é plenamente cabível, em sendo o caso, aplicar-lhe a penalidade de demissão. A pena expulsiva não se confunde com a exoneração decorrente de reprovação no estágio probatório. Na segunda hipótese, o servidor será exonerado (não demitido) por não ter satisfeito as condições do estágio probatório e esse ato não possui natureza de sanção disciplinar.

Ao lado dos cargos efetivos, estão os cargos em comissão (no qual se incluem os car-

gos do Grupo de Direção e Assessoramento Superiores – DAS), cujo provimento é transitório e a nomeação é livre, porém a exoneração também pode ocorrer a qualquer tempo, ao arbítrio da auto-ridade competente (ad nutum).

Sem adentrar em pormenores da diferenciação entre cargo em comissão e função de

confiança, anote-se a previsão do art. 37, inciso V, da Constituição Federal:

Artigo 37, inciso V- as funções de confiança, exercidas exclusivamente por ser-vidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchi-dos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos pre-vistos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessora-mento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998).

Depreende-se do dispositivo constitucional que os postos de direção, chefia e asses-

soramento poderão ser atribuídos a ocupantes de cargo efetivo (função de confiança ou cargo co-missionado) ou providos por pessoas estranhas aos quadros do órgão (cargo comissionado).

De qualquer forma, tanto os servidores públicos ocupantes de cargos efetivos como

em comissão estarão sujeitos a processo administrativo disciplinar. A diferença é que a eventual penalidade expulsiva contra ocupante de cargo em comissão (que não possui vínculo definitivo com a Administração) consiste na destituição do cargo em comissão (inciso V do art. 127 da Lei nº 8.112/90), reservando-se a figura da demissão (inciso III do art. 127 da Lei nº 8.112/90) à penali-dade aplicável aos servidores ocupantes de cargos efetivos.

Questão interessante refere-se à repercussão da destituição de cargo em comissão

quando o agente ocupa cargo efetivo em outro órgão. O entendimento dominante é de que se ambos

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os órgãos pertencerem ao mesmo ente federado (por exemplo, dois órgãos federais, independen-temente se do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário) e forem disciplinados pelo mesmo Estatu-to, a transgressão disciplinar perpetrada no exercício de cargo em comissão repercutirá no cargo efetivo originário. Ressalvem-se os casos em que os cargos em comissão e efetivo são de diferentes entes federados, em virtude da autonomia que caracteriza a federação. Alerte-se sobre a exceção quando o ato cometido no cargo em comissão de outro ente federado configura infração apenada com expulsão em lei de aplicação nacional, a exemplo dos ilícitos previstos na lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92).

Diante das considerações trazidas acerca da abrangência subjetiva do processo dis-

ciplinar, pode-se afirmar que o polo passivo será ocupado por servidor público lato sensu, estável ou em estágio probatório em cargo efetivo, ou ocupantes de cargo em comissão e função comissio-nada.

4.2.1. MANUTENÇÃO DAS VINCULAÇÕES ESTATUTÁRIAS DO SERVIDOR PÚBLICO EM FÉRIAS, LICENÇAS OU OUTROS AFASTAMENTOS E CONFLITO DE INTERESSES

Durante os períodos de férias, licenças e outros afastamentos, o servidor público

mantém o vínculo funcional com a Administração Pública, razão pela qual deve observar os deve-res, obrigações e impedimentos consignados no respectivo Estatuto.

Conforme visto anteriormente, o art. 148 da Lei nº 8.112/90 abarca os atos irregula-

res indiretamente associados às atribuições do cargo do servidor faltoso. Assim, eventual falta dis-ciplinar cometida nos períodos em tela será passível de apenação.

Neste ponto, merecem realce a licença para tratar de interesses particulares (art. 91

da Lei nº 8.112/90) e a licença incentivada (Medida Provisória nº 2.174-28, de 24 de agosto de 2001). Em ambas as hipóteses tem-se a inaplicabilidade da proibição fixada no inciso X do art. 117 da Lei nº 8.112/90, que impede o servidor de participar de gerência ou de administração de empre-sas e de exercer atos de comércio. O parágrafo único acrescentado pela Lei nº 11.784, de 22 de se-tembro de 2008, ao referido dispositivo estatutário, estendeu ao servidor licenciado para tratar de assuntos particulares o mesmo tratamento antes conferido pela citada Medida Provisória ao servi-dor que aderiu à licença incentivada. Colocou-se um ponto final na discussão sobre a falta de iso-nomia entre as duas espécies de licença. Segue o art. 117 com a alteração referida:

Art. 117. Ao servidor é proibido:

(...)

X - participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; (Redação dada pela Lei nº 11.784, de 22.09.2008)

(...)

Parágrafo único: A vedação de que trata o inciso X do caput deste artigo não se aplica nos seguintes casos: (Todo o parágrafo acrescentado pela Lei nº 11.784, de 22.09.2008)

I - participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros; e

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II - gozo de licença para o trato de interesses particulares, na forma do art. 91 desta Lei, observada a legislação sobre conflito de interesses.

Todavia, observe-se que, na parte final do inciso II do parágrafo único do art. 117 da

Lei nº 8.112/90, o legislador preocupou-se em rechaçar eventual conflito de interesses. Vale dizer, a gerência ou administração de empresas e comércio não podem resultar na prática de conflito de interesses entre o público e o privado.

Neste passo, deve-se registrar que a da lei de conflito de interesses (Lei nº

12.813/13) prevê, em seu art. 5º, um elenco de situações que podem gerar o conflito de interesses no exercício do cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo Federal:

Art. 5o Configura conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal:

I - divulgar ou fazer uso de informação privilegiada, em proveito próprio ou de terceiro, obtida em razão das atividades exercidas;

II - exercer atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em deci-são do agente público ou de colegiado do qual este participe;

III - exercer, direta ou indiretamente, atividade que em razão da sua natureza seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego, considerando-se como tal, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias correlatas;

IV - atuar, ainda que informalmente, como procurador, consultor, assessor ou intermediário de interesses privados nos órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

V - praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficia da ou influir em seus atos de gestão;

VI - receber presente de quem tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe fora dos limites e condições estabelecidos em regulamento; e

VII - prestar serviços, ainda que eventuais, a empresa cuja atividade seja con-trolada, fiscalizada ou regulada pelo ente ao qual o agente público está vincu-lado.

Conforme expressa determinação legal, as situações acima descritas aplicam-se ain-

da que o servidor esteja de licença ou em período de afastamento (art. 5º, PU). Ademais, frise-se que a necessária observância das aludidas regras decorrem da determinação expressa no art. 10º daquele mesmo diploma legal, que estende tais disposições a todos os agentes públicos do Poder Executivo Federal.

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Por fim, cumpre-nos assinalar que a licença médica não constitui óbice à demissão. De fato, independente de seu motivo, tal licença não obstaculiza a aplicação da penalidade que foi precedida de procedimento disciplinar regular, no qual, naturalmente, o servidor acusado teve oportunidade de se defender pessoalmente ou por intermédio de procurador.

4.2.2. SITUAÇÃO DE SERVIDORES E EMPREGADOS PÚBLICOS CEDIDOS

Da leitura do art. 143 da Lei nº 8.112/90 verifica-se que a autoridade competente deve promover a imediata apuração de fatos supostamente irregulares cometidos no exercício do cargo público e que lhe cheguem ao conhecimento. Ou seja, a apuração dessa responsabilidade administrativa está ligada de forma indissociável ao fato de o infrator exercer um cargo público à época do cometimento da infração. Segue transcrição da citada norma:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Dessa feita, partindo-se da indisponibilidade do interesse público, questiona-se como deve a Administração agir nas hipóteses de servidores públicos federais cedidos para Estatais e de empregados públicos federais cedidos para a Administração Direta, autárquica ou fundacional que cometem irregularidades funcionais contra a Administração Pública.

a) Servidores Públicos Federais cedidos para Estatais

O servidor público federal que comete irregularidade funcional enquanto cedido à entidade Estatal pode ser responsabilizado pela Lei nº 8.112/90. A aplicação de penalidade disciplinar que tenha impacto na relação estatutária existente entre o servidor e a União está condicionada à prévia apuração da falta cometida por meio de processo administrativo disciplinar, o qual, entre outros requisitos, é instaurado por autoridade administrativa competente e conduzido por comissão composta por servidores estatutários estáveis, conforme prevê os arts. 143 e 149 da Lei nº 8.112/90. Dessa forma, cumpre à entidade Estatal apurar internamente os fatos, sem prejuízo de encaminhar desde logo a notícia da irregularidade para o Órgão de origem, a fim de que este instaure o competente processo administrativo disciplinar.

b) Empregados Públicos Federais cedidos para a Administração Direta,

autárquica ou funcional

O empregado público de estatal que comete irregularidade funcional enquanto cedido à União, suas autarquias ou fundações para ocupar cargo em comissão, se sujeita ao processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112/90, uma vez que se encontra investido em cargo público. O processo deverá ser instaurado pela autoridade competente do local do fato e conduzido sob observância dos requisitos da lei. Ao seu fim, competirá igualmente à autoridade do local do fato julgar o feito, uma vez que o empregado ocupa cargo público vinculado àquela unidade e, portanto, nessa condição, submete-se à sua estrutura hierárquica. De se frisar que, a depender da gravidade da infração, a autoridade competente poderá impor a pena de destituição do cargo em comissão a teor do que dispõe o art. 135 da Lei nº 8.112/90.

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O resultado deste processo disciplinar deve ser encaminhado a sua empresa estatal de origem, para adoção das medidas cabíveis, especialmente no que toca à verificação dos reflexos no contrato de trabalho existente. Isto porque, ainda que cedido, o empregado público mantém sua relação de emprego com a estatal da qual se origina, devendo observância aos seus regulamentos internos, inclusive no que diz respeito aos deveres e proibições a ele impostos. Cumpre ainda apontar que existem possibilidades nas quais o empregado público é cedido a outras entidades de Direito Público sem a ocupação de cargo em comissão, mas por existir previsão legal ou convênio entre a estatal e o ente público. De se ressaltar que, no caso de notícia de irregularidade envolvendo tal agente, não cabe a instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor de empregado público, visto que ele não detém a prerrogativa de ter sua conduta apurada nos termos da Lei nº 8.112/90. Todavia, impera, nessa situação, o dever da autoridade local de apurar as irregularidades das quais venha a ter conhecimento, a fim de elucidar a veracidade dos fatos e verificar o possível envolvimento de outros agentes no caso. Sustenta-se ainda que, além do dever de apurar, a autoridade do local dos fatos é aquela que melhor reúne condições de determinar a produção das provas necessárias para a comprovação ou não dos fatos tidos por irregulares. Tal entendimento vai ao encontro de manifestação da Consultoria-Geral da União quando da análise do caso de servidores cedidos a outros órgãos. O assunto foi abordado pela Nota-Decor/CGU/AGU nº 16/2008-NMS, na qual resta firmado o entendimento de que os processos de apuração de irregularidade devem ser preferencialmente instaurados no local de ocorrência dos fatos e, ao seu fim, encaminhados para decisão da autoridade à qual se vincula o cargo originário do servidor. De modo que, pelos mesmos fundamentos, a autoridade competente deverá determinar a apuração de todo indício do cometimento de irregularidades por parte de empregado público não ocupante de cargo em comissão que está cedido à unidade sob sua responsabilidade. A apuração deverá ocorrer mediante processo administrativo em que seja assegurado ao empregado público acusado os meios aptos para se defender, em consonância com o que prevê a Lei nº 9.784/99. A conclusão do apuratório deverá ser remetida à empresa pública à qual se vincula o empregado público, para julgamento e/ou adoção das providências cabíveis, à luz dos seus normativos internos e da CLT, aplicando, sempre que for o caso, a penalidade cabível. Repisa-se aqui o dito anteriormente acerca do empregado público dever observância aos regulamentos internos de sua empresa, independente de se encontrar cedido. Necessário destacar a responsabilidade da autoridade competente para apuração dos fatos, de sempre comunicar a empresa estatal da existência de indícios de irregularidades envolvendo empregado público a ela vinculado, independente da decisão que venha se adotar acerca de sua lotação funcional (permanência na entidade ou devolução à estatal de origem).

4.2.3. AGENTES PÚBLICOS QUE NÃO SE SUJEITAM À ABRANGÊNCIA DA LEI Nº 8.112/90 Demarcou-se no início do presente capítulo a abrangência subjetiva do processo

administrativo disciplinar. Reitere-se: servidor público estável ou em estágio probatório em cargo efetivo, bem como ocupantes de cargo em comissão e de função comissionada.

Com o intuito de afastar qualquer dúvida, convém uma breve menção aos agentes

que não se sujeitam à Lei nº 8.112/90, notadamente Agentes Políticos, Militares, Particulares em colaboração com o Poder Público, Temporários (sindicância – Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de

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1993), Terceirizados, Celetistas, Estagiários e Consultores de Programas Internacionais (ex.: PNUD).

a) Agentes Políticos e Vitalícios

Os agentes políticos são os titulares de cargos estruturais à organização política do

País, constituem-se nos formadores de vontade superior do Estado17. Nesta categoria, incluem-se os Chefes de Poder Executivo (Presidente da República, Governadores, Prefeitos e respectivos vices) e membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados e Vereadores), além de Diplomatas, Minis-tros de Estado e de Secretários nas Unidades da Federação.

Em face da natureza do vínculo que estabelecem com o Estado, não se sujeitam aos

ditames da Lei nº 8.112/90. Neste sentido, confira-se o Parecer AGU nº GQ-35, vinculante:

4. A Lei nº 8.112, de 1990, comina a aplicação de penalidade a quem incorre em ilícito administrativo, na condição de servidor público, assim entendido a pessoa legalmente investida em cargo público, de provimento efetivo ou em comissão, nos termos dos arts. 2º e 3º. Essa responsabilidade de que provém a apenação do servidor não alcança os titulares de cargos de natureza especial, providos em caráter precário e transitório, eis que falta a previsão legal da pu-nição. Os titulares dos cargos de Ministro de Estado (cargo de natureza especi-al) se excluem da viabilidade legal de responsabilização administrativa, pois não os submete a positividade do regime jurídico dos servidores públicos fede-rais aos deveres funcionais, cuja inobservância acarreta a penalidade adminis-trativa.

O Presidente da República, o Vice-Presidente e os Ministros de Estado, agentes

políticos no âmbito do Poder Executivo Federal, não são responsabilizados por meio de processo administrativo disciplinar. O Presidente da República responde por crime de responsabilidade ante o Senado Federal e, nas infrações penais comuns, perante o STF (art. 86, da Constituição Federal). Os Ministros de Estado respondem também por crime de responsabilidade perante o STF (Lei nº

1.079/50).

Não há que se incluir dentre este rol os detentores de cargo de Natureza Especial, tais como os Secretários-Executivos de Ministério. A respeito de tais agentes, não resta dúvida quanto à sujeição aos ditames da Lei nº 8.112/90, inclusive no que diz respeito ao regime disciplinar. A única ressalva que deve ser observada diz respeito aos atos praticados pelo Secretário-Executivo quando estiver exercendo as funções de Ministro de Estado. Isso porque é uma prática regular que o Secretário-Executivo seja o substituto do Ministro em seus impedimentos legais. Nessa situação, o Secretário-Executivo deverá ser responsabilizado tal como se Ministro fosse.

Ademais, parte da doutrina inclui entre os agentes políticos os detentores de cargos vitalícios, como membros da magistratura, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. Inde-pendentemente da divergência doutrinária sobre a classificação de tais agentes, é certo que a Cons-tituição da República garante-lhes a vitaliciedade após dois anos de exercício e impõe que a perda do cargo depende de sentença judicial transitada em julgado (arts. 95, inciso I; 128, § 5º, inciso I, alínea “a”; e 73, § 3º). Trata-se de garantia exclusiva dos membros, não extensível aos serventuários das atividades-meio das referidas instituições, os quais se sujeitam a processo administrativo disci-plinar.

b) Militares

17 MELLO, p. 230.

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De acordo com Di Pietro, os militares abrangem as pessoas físicas que prestam serviços às Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) e às Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios, com vínculo estatutário e sujeitos a regime jurídico próprio, mediante remuneração paga pelos cofres públicos18.

Os militares não estão abrangidos pela Lei nº 8.112/90, conforme prevê o art. 1º do Estatuto dos Servidores Públicos Civis. Portanto, no caso de envolvimento de algum militar em ilícito disciplinar, a apuração do fato não segue os moldes da Lei nº 8.112/90, devendo a autoridade civil que tiver conhecimento de algum ilícito funcional encaminhar o assunto à autoridade militar superior hierárquica do militar19.

c) Particulares em colaboração com o Poder Público

São aqueles que exercem eventualmente funções públicas sem estarem, política ou profissionalmente, vinculados ao Estado, com ou sem remuneração, e não são responsabilizados por meio de processo administrativo disciplinar, haja vista que não estão abrangidos pela Lei nº

8.112/90.

d) Agentes Temporários – Lei nº 8.745/93

A Lei nº 8.745/93 dispõe sobre a contratação de pessoal por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, por órgãos da Administra-ção Pública Federal direta ou indireta, regulamentando o inciso IX do art. 37 da Constituição Fede-ral, que determina o seguinte: “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

O art. 10 do diploma legal em comento estabelece que as infrações disciplinares

atribuídas aos referidos agentes devem ser apuradas mediante sindicância, concluída no prazo de até 30 (trinta) dias e assegurada a ampla defesa. O art. 11 faz referência a dispositivos da Lei nº 8.112/90 aplicáveis a esse pessoal, incluindo deveres, proibições, responsabilidades e penalidades, mas não lhes estende a prerrogativa do rito previsto para os servidores estatutários.

Tendo em vista a ausência de referência aos arts. 143 a 182 da Lei nº 8.112/90, con-

clui-se que não se exige a observância do rito correspondente. Explicitou-se que a apuração das irregularidades imputadas ao pessoal contratado sob a égide da Lei nº 8.745/93 será realizada me-diante sindicância. No silêncio da lei, afigura-se cabível a condução dos trabalhos por um único sin-dicante20.

e) Terceirizados

Os terceirizados são empregados de empresas privadas contratadas pela Administração Pública para prestarem serviços gerais que não sejam atividade-fim do órgão público. Portanto, não possuem relação jurídica com a Administração Pública e não são responsabilizados por meio de processo administrativo disciplinar na forma da Lei nº 8.112/90. No caso de praticarem algum ilícito ou causarem prejuízo à Administração caberá ao Administrador

18 DI PIETRO, 2006, p. 505. 19 MADEIRA, 2008, p. 25. 20 FURTADO, 2007, p. 893-894.

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solicitar a substituição da pessoa à empresa e eventualmente encaminhar o caso à polícia, ao Ministério Público ou à Advocacia-Geral da União21.

f) Empregados Públicos de Empresas Estatais – Regime da CLT

Os empregados públicos, que também ingressam por meio de concurso público, são aqueles cuja relação jurídica é regida pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e ocupam emprego público em empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado e, portanto, não estão abrangidos pela Lei nº 8.112/9022.

g) Empregados Públicos da Administração Direta, Indireta e Fundacional – Lei

nº 9.962/00

Mesmo fora da abrangência subjetiva da responsabilidade disciplinar, cabe registrar os empregados públicos contratados ao amparo da Lei nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000, para trabalharem na Administração Pública direta, autarquias e fundações públicas de direito público, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho. Mesmo não sendo servidores públicos, a rescisão do contrato de trabalho, por ato unilateral da Administração Pública, apenas poderá ocorrer nas hipóteses expressamente previstas no art. 3º, incisos I, II, III e IV, da Lei nº 9.962/00. Portanto, por estarem abrangidos pela CLT, não respondem a processo administrativo disciplinar nos moldes da Lei nº 8.112/9023.

h) Estagiários

Os estagiários não são responsabilizados por meio de processo administrativo disciplinar, haja vista que não estão abrangidos pela Lei nº 8.112/90. De fato, não há liame de natureza estatutária vinculando tais pessoas à Administração.

i) Consultores Programas Internacionais (ex.: PNUD)

Os consultores contratados por meio do Projeto das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que geralmente trabalham na sede do Ministério, também não se submetem ao processo administrativo disciplinar nos moldes da Lei nº 8.112/90, haja vista que não são considerados servidores públicos efetivos nem em comissão. Contra eles cabe processo civil, por perdas e danos, e processo criminal, no caso de cometimento de alguma conduta criminal24.

21 MADEIRA, 2008, p. 26. 22 Idem, p. 25. 23 Idem, p. 25. 24 Idem, p. 26.

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5. DEVER DE APURAR

Como é cediço, os serviços públicos não podem sofrer solução de continuidade. Para impedir eventuais interrupções, capazes de trazer prejuízos à sociedade, a Administração Pública desfruta de inúmeras prerrogativas constitucionais e legais (a exemplo dos poderes administrativos) sem as quais seria árduo assegurar os objetivos institucionais, consubstanciados, primordialmente, na garantia do bem-estar social. Sobre esses poderes especiais, preleciona Alexandre de Moraes:

Para que seja possível a realização de suas atividades e, conseqüentemente, a satisfação do bem comum, o ordenamento jurídico confere à Administração uma gama de poderes, a fim de instrumentalizar a realização de suas tarefas administrativas. São os chamados poderes da administração ou poderes admi-nistrativos.25

Dotada desses privilégios, de caráter irrenunciável e limitado em lei, a Administração Pública tem o poder-dever de exercê-los de forma efetiva, eficiente e em benefício da coletividade. Para o que aqui interessa, convém referir especificamente ao poder disciplinar, derivado do poder hierárquico, por cujo intermédio a Administração aplica o regime disciplinar aos seus servidores, acaso verificado o cometimento de infrações funcionais ligadas ao exercício do cargo. Quanto ao tema, o saudoso e conceituado administrativista Hely Lopes Meirelles assim definiu o poder disciplinar:

(...) faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vincu-lam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento a que se passam a integrar definitiva ou transitoriamente.26

De fato, através desse poder sancionador, o Estado tem à sua disposição um mecanismo eficaz para, diante de comportamento contrário aos normativos regentes da atividade administrativa, apurar eventuais irregularidades e, se comprovada a participação de servidor público, aplicar a devida sanção disciplinar. Tal punição deve se pautar na relação entre a gravidade da falta cometida e a sanção efetivamente imposta, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Importa destacar, ainda, que ao servidor, em razão do exercício do cargo, é conferida a execução de certas atribuições legais, voltadas para o atendimento das necessidades coletivas, em estrito cumprimento aos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. Essas atribuições estão devidamente delimitadas em lei, razão que torna exigível dos agentes públicos a utilização normal e adequada das prerrogativas que a lei lhes confere. Não obstante, ao tempo em que a lei outorga poderes aos servidores, impõe-lhes, por outro lado, o seu exercício regular e eficiente, vedando-lhe a omissão, sob pena de responsabilização.

25 MORAES, 2009, p. 93. 26 MEIRELLES, 2011, p. 126.

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Por conseguinte, ao não desempenhar correta e satisfatoriamente suas atividades, praticando ou concorrendo para a prática, no exercício de suas funções, de alguma falta prevista na Lei nº 8.112/90, ficará o servidor faltoso sujeito às sanções disciplinares ali colimadas, surgindo o que usualmente se denomina de “Dever de Apurar”. Esta obrigação é justamente aquele dever insculpido no art. 143 do Estatuto (Lei nº 8.112/90), o qual obriga a autoridade pública a promover a apuração imediata dos atos e fatos supostamente irregulares que chegarem ao seu conhecimento.

5.1. CONHECIMENTO DO FATO SUPOSTAMENTE IRREGULAR Diversos são os caminhos para se levar ao conhecimento da Administração Pública notícia de irregularidade envolvendo agente público. Sem a intenção de taxar em lista exaustiva as diversas formas de se comunicar desvio de conduta de servidores, os exemplos a seguir mencionados são os mais usuais para comunicar a existência de irregularidades no serviço público, a envolver servidores no exercício de suas atribuições legais. Inicia-se com aquela possibilidade prevista expressamente na Lei nº 8.112/90, decorrente do dever conferido ao servidor de levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência, bem ainda de representar contra ilegalidades, omissões ou abuso de poder, nos termos do art. 116, incisos VI e XII:

Art. 116. São deveres do servidor: (...) VI - levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo; (...) XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder. Parágrafo único. A representação de que trata o inciso XII será encaminhada pela via hierárquica e apreciada pela autoridade superior àquela contra a qual é formulada, assegurando-se ao representando ampla defesa.

Espécie do gênero “denunciar”, a expressão “representação funcional”, ou apenas “representação”, refere-se à peça escrita apresentada por servidor público, que – ao tomar conhecimento de suposta irregularidade cometida por servidor ou de ato ilegal omissivo ou abusivo por parte de autoridade, associados, ainda que indiretamente, ao exercício de cargo –, é obrigado, por força do mencionado dispositivo legal, a dar ciência à autoridade competente, devendo fazê-lo por meio da via hierárquica. Essa peça deve conter a identificação do representante e do representado, bem ainda a indicação precisa da suposta irregularidade (associada ao exercício do cargo) e das provas já disponíveis, sob pena de não ser admitida. Outra forma muito utilizada é a denúncia apresentada por particular. Trata-se de peça escrita, por meio da qual o particular leva ao conhecimento da Administração suposto cometimento de irregularidade associada ao exercício do cargo. E quanto à formalidade, na regra geral utilizada no âmbito da Administração Pública Federal, exige-se apenas que as denúncias sejam identificadas e apresentadas por escrito – não obstante também ser admitida a denúncia anônima, conforme será ventilado adiante. É isso que prescreve o art. 144 da Lei nº 8.112/90:

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Art. 144. As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade.

Essa denúncia requer critérios similares aos relativos à representação funcional, com destaque para a indispensável exigência de que a denúncia se materialize em documento por escrito. Caso a denúncia seja apresentada verbalmente, deverá ser reduzida a termo pela autoridade competente. Resultado de auditoria, de investigação preliminar ou de sindicância meramente investigativa e não contraditória também são formas que detectam irregularidades e, portanto, meios aptos de se fazer chegar ao conhecimento da autoridade pública a ocorrência de suposta irregularidade. Ademais, citem-se as representações oficiadas por outros órgãos públicos (Ministério Público Federal, Departamento de Polícia Federal, TCU, CGU, Comissão de Ética Pública ou demais comissões de ética, etc.), além das notícias veiculadas na mídia e até denúncias anônimas. Todas constituem formas possíveis de se levar ao conhecimento da Administração a notícia de cometimento de suposto ato infracional. Para concluir, frise-se que, quanto ao momento do conhecimento do fato supostamente irregular, tal tópico será aventado quando discutirmos as questões atinentes à prescrição no processo disciplinar, tendo em vista a relevância da identificação de tal ocasião para verificar em que instante teve início a marcha do fenômeno prescricional.

5.1.1. DENÚNCIA ANÔNIMA Tema até pouco tempo polêmico, a denúncia anônima, como já asseverado, constitui um dos meios de se levar ao conhecimento da Administração Pública a ocorrência de pretensa irregularidade no serviço público, a envolver servidor no desempenho de suas prerrogativas legais, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido. Os debates, as divergências, as polêmicas, ocorriam em função da redação dada ao art. 144 da Lei nº 8.112/90: “As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade”, bem ainda em razão do teor do art. 5º, inciso IV da CF/88: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. A interpretação literal e não sistêmica desses dispositivos conduzia a autoridade competente a não admitir a figura da denúncia anônima, ante a ausência de qualificação do denunciante e a expressa vedação constitucional do anonimato. Entendia-se, por força, principalmente, do princípio da legalidade, que a Administração Pública era compelida a verificar a presença dos critérios objetivos de admissibilidade das denúncias contra servidores públicos (peça escrita, com a necessária identificação e o endereço do denunciante, além da obrigatoriedade de confirmação da autenticidade das informações consignadas). A ausência de um desses elementos resultaria no arquivamento sumário da denúncia, por desrespeito aos dispositivos legal e constitucional acima referidos. Assim, a denúncia não poderia, sequer, ser recebida, menos ainda utilizada como instrumento apto a dar início à atividade correcional, materializada com a instauração de processo disciplinar formal.

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A finalidade do entendimento ultrapassado era preservar a dignidade do serviço público contra denúncias vazias, infundadas, perseguições, agressões à honra perpetradas por desafetos ou por pessoa de má-fé, de modo a evitar que, sob o manto do anonimato, terceiros irresponsáveis viessem manchar a imagem e a distinção dos agentes públicos, zeladores da coisa pública. Contudo, e a despeito dos argumentos contrários à aceitação da denúncia anônima, com base no dever de zelar pela regularidade e continuidade do serviço público, bem ainda por força do disposto no art. 143 da Lei nº 8.112/90, a Administração Pública tem o poder-dever de promover a apuração imediata de irregularidades que tiver ciência, não importando, a priori, se o fato chegou ao conhecimento da autoridade pública por meio de denúncia formal (presente todos os requisitos) ou por meio de peça anônima. Isso porque o aludido art. 143 não faz essa distinção, mas apenas determina a apuração imediata dos fatos apontados como irregulares. Deste modo, não é condição indispensável para iniciar a averiguação a devida qualificação do denunciante, porquanto o que realmente importa é o conteúdo da denúncia (relevância e plausibilidade), que deve conter elementos capazes de justificar o início das investigações por parte da Administração Pública. Nesse contexto, somente se admite sua recusa quando se tratar de denúncia descabida, vazia, vaga, com total ausência de indícios de materialidade e autoria. Mas, de qualquer forma, exige-se da autoridade pública a devida cautela quando se deparar com delação anônima, visto que, nada obstante a necessidade de promover a imediata averiguação, a Administração não deve reagir imediatamente com a instauração de processos disciplinares formais. Faz-se necessário, de início, avaliar a pertinência da notícia veiculada sob o manto do anonimato, averiguando a existência de indicativos mínimos de razoabilidade. A tal procedimento dá-se o nome de juízo (ou exame) de admissibilidade. Feito isso, ou seja, constatada a existência de indícios de verossimilhança da denúncia, o passo seguinte da autoridade é determinar a instauração de uma investigação preliminar, de caráter sigiloso, informal, a fim de recolher sinalizadores (provas de materialidade e autoria) aptos a respaldar o administrador público quanto à instauração de sindicância, de processo administrativo disciplinar ou mesmo de arquivamento da denúncia. Essa providência prévia, sumária ou também denominada preparatória, deve ser a primeira reação da autoridade no momento em que se deparar com notícia de um ilícito funcional. Ela é informal e dispensa comissão, sendo que qualquer servidor poderá ser designado para realizar os atos de instrução voltados ao recolhimento dos subsídios necessários à ulterior tomada de decisão pela Administração (arquivamento da denúncia, instauração de outro instrumento investigativo, a exemplo da sindicância investigativa, ou mesmo a instauração de processo disciplinar formal – sindicância contraditória ou PAD). Promovida essa investigação inquisitorial e verificada a existência de indicativos básicos da ocorrência de irregularidades, a instauração de sindicância ou PAD fundamentar-se-á no resultado desse procedimento prévio (diga-se, feita por servidor público devidamente identificado) e não na denúncia anônima. Em sua obra, Vinicius de Carvalho Madeira27, de forma absolutamente pertinente, faz referência ao entendimento do então Advogado-Geral da União, José Antonio Dias Toffoli, esposado quando da aprovação do Despacho nº 396/200728, no qual acresceu considerações importantes sobre o tema, a exemplo da transcrição abaixo:

27 MADEIRA, 2008, p. 36 e 37.

28 Despacho do Consultor-Geral da União, Ronaldo Jorge Araújo Vieira Junior, datado de 23 de novembro de 2007, proferido nos autos do Processo nº 00406.001054/2007-12.

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c) O Poder Público, provocado por delação anônima (disque-denúncia, por exemplo) pode adotar medidas sumárias de verificação, com prudência e dis-crição, sem formação de processo ou procedimento, destinadas a conferir a plausibilidade dos fatos nela denunciados. Acaso encontrados elementos de ve-rossimilhança, poderá o Poder Público formalizar a abertura do processo ou procedimento cabível, desde que mantendo completa desvinculação desse pro-cedimento estatal em relação à peça apócrifa, ou seja, desde que baseada nos elementos verificados pela ação preliminar do próprio Estado.29

Ademais, a jurisprudência do STJ e do STF, respectivamente, não deixa dúvida acerca da possibilidade de recepção da denúncia anônima:

Não enseja a nulidade do processo administrativo disciplinar o simples fato de sua instauração ser motivada por fita de vídeo encaminhada anonimamente à autoridade pública, vez que esta, ao ter ciência de irregularidade no serviço, é obrigada a promover sua apuração. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 12.429/DF. Relator: Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 23.05.2007, DJ de 29.06.2007, p. 484). A previsão do art. 144 busca dar maior segurança ao servidor público, evitan-do que possa vir a ser denunciado caluniosamente por colega ou terceiro pro-tegido no anonimato. Mas isso também não significa que a denúncia anônima deva ser absolutamente desconsiderada, acarretando, inclusive, nulidade na raiz do processo. É possível que ela venha a ser considerada, devendo a autori-dade proceder com maior cautela, de modo a evitar danos ao denunciado even-tualmente inocente. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 7069. Relator: Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, DJU de 12.03.2001, p. 86). Mandado de Segurança nº 24.369, do STF - Ementa: Delação anônima. Comu-nicação de fatos graves que teriam sido praticados no âmbito da Administra-ção pública. Situações que se revestem, em tese, de ilicitude (procedimentos li-citatórios supostamente direcionados e alegado pagamento de diárias exorbi-tantes). A questão da vedação constitucional do anonimato (CF, art. 5º, IV, “in fine”), em face da necessidade ético-jurídica de investigação de condutas funci-onais desviantes. Obrigação estatal, que, imposta pelo dever de observância dos postulados da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administra-tiva (CF, art. 37, “caput”), torna inderrogável o encargo de apurar comporta-mentos eventualmente lesivos ao interesse público. Razões de interesse social em possível conflito com a exigência de proteção à incolumidade moral das pessoas (CF, art. 5º, X). O direito público subjetivo do cidadão ao fiel desempe-nho, pelos agentes estatais, do dever de probidade constituiria uma limitação externa aos direitos da personalidade? Liberdades em antagonismo. Situação de tensão dialética entre princípios estruturantes da ordem constitucional. Co-lisão de direitos que se resolve, em cada caso ocorrente, mediante ponderação dos valores e interesses em conflito. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24.369-MC/DF. Relator: Ministro Celso de Mello, decisão publicada no DJU de 16.10.2002).

29 Despacho do Advogado-Geral da União, José Antonio Dias Toffoli, aprovando os termos do Despacho nº 296/2007.

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Nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima (“disque-denúncia”, p. ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, pre-viamente, em averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o obje-tivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da “persecutio crimi-nis”, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC nº 100042 MC/RO. Relator: Ministro Celso de Mello, decisão publicada no DJE de 08.10.2009).

Por fim, Marcos Salles Teixeira traz à baila o teor da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, publicada oficialmente em 31.10.2003, da qual o Brasil é signatário. Veja-se:

Mencione-se, por fim, que a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 31/10/03, foi promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.687, de 31/01/06 – sendo, portanto, admitida no ordenamento nacional com força de lei – e reco-nhece a denúncia anônima. Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção - Promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31/01/06 - Art. 13. 2. Cada Estado-Parte adotará medidas apropriadas para garantir que o públi-co tenha conhecimento dos órgãos pertinentes de luta contra a corrupção mencionados na presente Convenção, e facilitará o acesso a tais órgãos, quan-do proceder, para a denúncia, inclusive anônima, de quaisquer incidentes que possam ser considerados constitutivos de um delito qualificado de acordo com a presente Convenção. (Nota: O Supremo Tribunal Federal vaticinou, na Ação Direta de Inconstitucio-nalidade nº 1.480, que tratados, acordos ou convenções internacionais, após promulgados por decreto presidencial, “situam-se, no sistema jurídico brasilei-ro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posi-cionam as leis ordinárias”.) 30

Destarte, se a denúncia anônima contiver elementos que justifiquem sua apuração ela deverá ser averiguada, sob pena de violação de princípios e normas que tratam como dever de apurar suposta irregularidade de que se tem conhecimento no âmbito da Administração Pública Federal, o que significa dizer que não é lícito arquivar denúncia plausível sob a simples alegação de que ela é anônima. Para arrematar a questão, a CGU emitiu o Enunciado nº 3, nos seguintes termos:

DELAÇÃO ANÔNIMA. INSTAURAÇÃO. A delação anônima é apta a deflagrar apuração preliminar no âmbito da Administração Pública, devendo ser colhi-dos outros elementos que a comprovem.31

Muito antes da publicação do aludido enunciado, a CGU - quando criou, por meio da Portaria nº 335/06, o instrumento de averiguação de indícios de irregularidade denominado de “investigação preliminar”-, já previa a possibilidade de apuração da denúncia cuja autoria não fosse possível identificar. Isso é o que se depreende da leitura do disposto no § 3º, do art. 6º da Portaria nº 335:

30 TEIXEIRA, 2014. 31 Publicado no Diário Oficial da União nº 85, de 5 de maio de 2011, Seção 1, pág 22.

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Art. 6º A investigação preliminar é procedimento administrativo sigiloso, de-senvolvido no âmbito do Órgão Central e das unidades setoriais, com objetivo de coletar elementos para verificar o cabimento da instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar, e será iniciada mediante determinação do Ministro de Estado do Controle e da Transparência, do Secretário-Executivo da Controladoria-Geral da União, do Corregedor-Geral ou dos Corregedores-Gerais Adjuntos. (...) § 3º A denúncia cuja autoria não seja identificada, desde que fundamentada e uma vez que contenha os elementos indicados no § 1º, poderá ensejar a instau-ração de investigação preliminar.

Pode-se concluir, portanto, que, embora a princípio, pela própria natureza e por previsão legal para a denúncia (art. 144 da Lei nº 8.112/90), se exija a formalidade da identificação do denunciante, tem-se que o anonimato, por si só, não é motivo para liminarmente se excluir uma denúncia de irregularidade cometida na Administração Pública e não impede a realização do juízo de admissibilidade e, se for o caso, a consequente instauração do rito disciplinar. Diante do poder-dever conferido pelo art. 143 da Lei nº 8.112/90, a autoridade competente é compelida a verificar a existência de mínimos critérios de plausibilidade na delação anônima.

5.2. OBRIGATORIEDADE DA APURAÇÃO A Administração Pública organiza-se de forma verticalizada, o que possibilita distribuir e escalonar os seus órgãos, bem ainda ordenar e rever a atuação de seus agentes. E o Estado faz isso por meio do estabelecimento da relação de subordinação entre os diversos órgãos e servidores, com distribuição de funções e gradação da autoridade de cada um. A obrigação de apurar notícia de irregularidade decorre justamente do sistema hierarquizado no qual é estruturada a Administração, com destaque para o poder de fiscalizar as atividades exercidas por seus servidores e demais pessoas a ela ligadas, exigindo-lhes uma conduta adequada aos preceitos legais e morais vigentes. Com efeito, diante de uma situação irregular, a envolver servidores públicos no exercício de suas atribuições legais, caberá à Administração, por intermédio das autoridades que a representam, promover, de pronto, a adequada e suficiente apuração, com a finalidade de restaurar a ordem pública, ora turbada com a prática de determinada conduta infracional. Essa averiguação de suposta falta funcional constitui imperativo inescusável, não comportando discricionariedade, o que implica dizer que ao se deparar com elementos que denotem a ocorrência de irregularidade fica a autoridade obrigada a promover sua apuração imediata, sob pena de cometer crime de condescendência criminosa, previsto no art. 320 do Código Penal. Isto é o que se denomina de “poder-dever de apuração”. Essa resposta imediata parte da necessidade de se restaurar, o quanto antes, a regularidade, a eficiência, o bom funcionamento do serviço público, que sofre abalo com comportamento censurável de quem a representa. Mas para que seja restabelecida a ordem, a eventual reprimenda disciplinar deve ser aplicada em tempo hábil, a fim de produzir os efeitos desejáveis (servir de exemplo e demonstrar a intolerância da autoridade pública com a prática de irregularidade). Diga-se, ainda, que a morosidade na apuração (muitas vezes tão nociva quanto a

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omissão) – e, consequentemente, na imposição de sanção a servidor faltoso – fulmina o caráter pedagógico, retributivo e neutralizador da pena. Não se pode, todavia, confundir obrigatoriedade de apuração imediata com apuração precipitada. É verídico que, em boa parte das vezes, a notícia da prática de determinada irregularidade não se apresenta revestida de exposição detalhada do fato supostamente ilegal, bem ainda da indicação dos possíveis autores. Nesse caso, deve a autoridade promover, de pronto, uma investigação prévia do fato, por meio da qual se buscará maiores elementos. Como já asseverado, a notícia de irregularidade deverá estar revestida de plausibilidade, ou seja, conter o mínimo de elementos indicadores da ocorrência concreta de um ilícito (materialidade) e se possível os indícios de autoria, de modo que notícias vagas podem ensejar o arquivamento sumário da denúncia, eis que não se afigura razoável movimentar a máquina estatal, por demais dispendiosa, para apurar notícia abstrata e genérica, em cujo teor não se encontram requisitos mínimos de plausibilidade. Agora, no caso de a notícia conter os elementos mínimos, a autoridade competente deverá determinar a sua averiguação, não se precipitando, porém, em instaurar, desde logo, a sindicância ou o processo administrativo disciplinar previstos na Lei nº 8.112/90, instrumentos com maior rigor formal, que somente serão utilizados quando houver indícios concretos de materialidade e de autoria. Na busca dessas informações tidas como essenciais, é recomendável que a autoridade determine a realização de procedimento disciplinar investigativo, medida inquisitorial, desprovida de maiores rigores formais, cujo objetivo primordial é respaldar o administrador público quanto à instauração de processo disciplinar contraditório (sindicância ou PAD). Nesse sentido, tem-se que a reação mais adequada diante da notícia da ocorrência de irregularidade – onde ainda não se tenha os elementos indispensáveis para a instauração de uma apuração rigorosa, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa (sindicância ou PAD) –, é a instauração de um procedimento disciplinar de cunho meramente investigativo, de caráter sigiloso, a fim de levantar as informações que servirão como suporte para uma legítima instauração de processo disciplinar. Ao agir dessa forma, terá a autoridade atuado em perfeita harmonia com os princípios reitores da atividade administrativa, a exemplo dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da economicidade, não se quedando inerte frente à notícia de suposta irregularidade. Isto posto, é dizer que, a menos que se tenha elementos plausíveis demonstrando a existência de materialidade e autoria, não deve a autoridade recorrer imediatamente ao processo disciplinar contraditório, ou seja, aquele com rito previsto na Lei nº 8.112/90. Antes, é preciso avaliar a pertinência da notícia do ilícito funcional, verificar se existem indicativos mínimos de razoabilidade. Não existindo, far-se-á necessário proceder a uma investigação que seja capaz de fornecer os indícios elementares, a partir dos quais será possível a instauração de processo disciplinar.

5.3. AUTORIDADE COMPETENTE Dentre os vários princípios reitores da atividade pública, o princípio da legalidade talvez seja o de maior relevância, na medida em que orienta todo o proceder dos órgãos e agentes públicos. Em razão dele, a Administração Pública só pode fazer aquilo que esteja devidamente

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autorizado em lei, diferentemente do que ocorre com o particular, que pode fazer o que bem entender, desde que não seja algo vedado em lei. O respeito à legalidade é compulsório, intransponível e limita a atuação do administrador à consecução do interesse público, de modo que toda ação administrativa seja dirigida para o fim de satisfazer as necessidades coletivas. Extrai-se, do referido princípio, que, no âmbito da Administração Pública, nenhum representante do Estado pode praticar ato administrativo sem a devida competência, que, via de regra, é definida em lei ou em atos normativos infralegais. Assim sendo, e para o que aqui interessa, faz-se oportuno realizar o seguinte questionamento: qual seria, então, a autoridade a que se refere o art. 143 da Lei nº 8.112/90?

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou pro-cesso administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Como se vê, a Lei nº 8.112/90 não tratou de especificar que autoridade seria essa, deixando um vácuo, uma lacuna, um vazio, que deve ser suprido com a edição de outra norma. Essa necessidade de se definir a autoridade competente surge para afastar eventuais interpretações de cunho amplo e genérico, que poderiam conferir a qualquer autoridade o poder de apreciar notícias de supostas práticas de irregularidades. Logo, a autoridade com competência para instaurar a sede disciplinar será aquela especificamente designada pelos estatutos ou regimentos internos de cada órgão público, de modo a suprir a lacuna deixada no Estatuto que regula o regime jurídico dos servidores públicos civis da União. Contudo, pode acontecer de não existir ato normativo definidor da autoridade competente. Nesse caso, deverá ser aplicado, de forma subsidiária, o art. 17 da Lei nº 9.784/99. Esta, como se sabe, é a lei reguladora do processo administrativo (latu senso) no âmbito da Administração Pública Federal:

Art. 17. Inexistindo competência legal específica, o processo administrativo de-verá ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para deci-dir.

Ao aplicar tal dispositivo legal, tem-se que a autoridade com poderes para promover a apuração de irregularidade no serviço público federal, isto é, para instaurar o processo disciplinar, será o chefe da repartição onde o fato irregular ocorreu. Reitere-se, todavia, que somente será utilizado o art. 17 da Lei nº 9.784/99 na situação de inexistência de lei ou outro instrumento normativo definidor da autoridade competente. Do contrário, a autoridade será aquela apontada no normativo específico (estatuto ou regimento interno). Por óbvio, a regra geral vigente na Administração Pública define como autoridade competente para mover a sede correcional aquela hierarquicamente superior ao denunciado ou representado (normalmente a autoridade máxima do órgão ou da entidade), mas não necessariamente o seu superior imediato, conforme dito anteriormente. Todavia, em se tratando de órgãos e entidades nas quais existam unidades especializadas na matéria correcional (as denominadas “Corregedorias”), o dever de apurar é transferido da autoridade hierarquicamente superior ao denunciado à unidade específica de correição (detentora da competência exclusiva para averiguar as notícias de irregularidades envolvendo servidores públicos no desempenho direto ou indireto de suas atribuições).

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Do exposto, pode-se concluir que a autoridade competente para instaurar o devido processo disciplinar é aquela previamente designada nos estatutos ou regimentos internos de cada órgão ou entidade. Na inexistência de tais normativos, essa competência será exercida pelo chefe da unidade onde o fato irregular ocorreu, é o que se denomina de “regra geral da via hierárquica”, quebrada apenas quando o órgão ou entidade dispuser de unidade especializada.

Por oportuno, destaca-se que se aplica o disposto nos arts. 11 a 17 da Lei nº

9.874/99 em relação à competência da autoridade para apurar eventual irregularidade, ou seja, em hipóteses específicas, poderá ser delegada, assim como avocada em caso de omissão (aplicação do princípio da hierarquia).

5.4. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Colocada a questão da obrigatoriedade de apuração da irregularidade que chegar ao conhecimento da autoridade competente, é importante observar que tal obrigação não é absoluta, já que nem todas as notícias de irregularidade, após a devida análise, levarão a aludida autoridade a concluir pela existência de infração disciplinarmente censurável. Por outro lado, impende destacar que, havendo dúvida quanto a tal existência, deverá a autoridade determinar a apuração dos fatos. Aplica-se, portanto, neste caso, a máxima 'in dubio, pro societate'.

Pode ocorrer, por exemplo, de uma denúncia ser muito vaga, como aquela que se

refira ao órgão ou entidade como um “lugar onde impera a corrupção”, ou mesmo não ser objeto de apuração disciplinar, como a relativa à conduta que determinado servidor tenha adotado fora do horário de expediente e sem nenhuma relação com as atribuições do cargo público que ocupe. Esses tipos de notícia de irregularidade deverão ser arquivados sem necessidade de apuração, conforme orienta o parágrafo único do art. 144 da Lei nº 8.112/90, transcrito abaixo:

Art. 144 (…)

Parágrafo único. Quando o fato narrado não configurar evidente infração dis-ciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto.

Por outro lado, também acontece de a notícia da eventual irregularidade ser pontual,

mas incompleta, requerendo, assim, uma verificação mais aprofundada de seus elementos para delimitação inicial da materialidade (fato supostamente irregular) e autoria (eventual autor do fato). Nessa situação, a autoridade competente deverá coletar informações com o objetivo de confirmar ou não a plausibilidade da notícia, ou seja, se de fato há indícios que apontem para a ocorrência da infração disciplinar relatada, conforme determina o art. 143 da Lei nº 8.112/90: “a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata (…)”.

Nesse contexto exemplificativo, percebe-se que é indispensável fazer uma análise prévia da notícia de irregularidade recebida, utilizando-se, caso necessário, dos procedimentos investigativos (conceituados no item 6.1), para que só então possa ser tomada a decisão adequada: cumprir o disposto no citado parágrafo único do art. 144, arquivando a denúncia ou representação inepta; ou cumprir o disposto no referido art. 143, quando esse estabelece a utilização da sindicância contraditória ou do processo administrativo disciplinar para a apuração dos fatos.

A essa análise prévia da notícia de irregularidade exigida de forma indireta pela Lei

nº 8.112/90, e à subsequente decisão adotada pela autoridade competente, denomina-se juízo ou exame de admissibilidade.

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Uma vez que o juízo ou exame de admissibilidade não é previsto expressamente na

Lei nº 8.112/90, mas apenas chega-se a ele indiretamente pela análise combinada dos arts. 143 e 144, como já demonstrado anteriormente, seus contornos podem ser buscados junto à doutrina, que aborda o tema da seguinte maneira:

No juízo de admissibilidade do processo administrativo disciplinar devem ser empregados pela Autoridade administrativa competente critérios aprofunda-dos e detalhados de análise do contexto fático, para cotejá-los com os possíveis documentos e provas que o instruem, objetivando que se evite a instauração de processos com falta de objeto, onde a representação ou denúncia que deram causa aos mesmos são flagrantemente improcedentes ou inoportunas. 32 Nas hipóteses de mera suspeita da prática de delito penal ou infração discipli-nar, a Administração Pública – com esteio nos princípios publicísticos da auto-tutela, do poder-dever e da indisponibilidade do interesse público – deverá aprofundar o desvendamento de tais suspeitas por meio de acauteladoras in-vestigações preliminares, de cunho meramente inquisitorial.33

De certa forma ligado ao assunto aqui tratado, visto que revestido de algumas características próprias do juízo de admissibilidade, é o tema objeto do Enunciado nº 4 da CGU:

PRESCRIÇÃO. INSTALAÇÃO. A Administração Pública pode, motivadamente, deixar de deflagrar procedimento disciplinar, caso verifique a ocorrência de prescrição antes da sua instauração, devendo ponderar a utilidade e a impor-tância de se decidir pela instauração em cada caso.34

Nesse ponto específico, caberá à autoridade competente ponderar, caso a caso, a utilidade (efeito pedagógico para os demais servidores, bem como eventuais repercussões cíveis ou penais, por exemplo) e a importância de se decidir pela instauração ou não do procedimento disciplinar para apurar irregularidade funcional já fulminada pela prescrição, ou seja, aquela que a Administração não pode mais punir o seu autor em razão do término do prazo legal estabelecido para tanto. Observe-se que o Enunciado sob estudo não alcança as circunstâncias em que a prescrição venha a ocorrer durante o andamento do procedimento disciplinar que, neste caso, deve ser conduzido normalmente até o seu término.

Ressalte-se, contudo, que a não instauração de procedimento disciplinar – com base

na prescrição da penalidade em tese cabível – exige justificativa adequada por parte da autoridade, explicitando todas as razões que levaram, naquele caso concreto, à não apuração dos fatos, não se admitindo a mera menção genérica ao Enunciado nº 4. Em casos graves, independentemente da prescrição, recomenda-se a instauração do procedimento disciplinar, até mesmo para que haja uma investigação profunda do que ocorreu, objetivando a adoção de medidas preventivas futuras.

Enfim, o juízo ou exame de admissibilidade constitui-se em uma espécie de análise

prévia da notícia de irregularidade funcional, cumprindo-se assim o que determina o mencionado art. 143 quanto ao dever de apurar, sem que, para isso, a autoridade competente precise instaurar açodadamente a sede disciplinar propriamente dita, com o risco de descumprir princípios muito caros à Administração Pública, como os da eficiência e economicidade.

32 MATTOS, 2010, p. 577. 33 COSTA, 2011, p. 292. 34 Publicado no Diário Oficial da União de 05 de maio de 2011, Seção 1, p. 22.

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6. PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES

6.1. PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS São procedimentos de cunho meramente investigativo, que não podem dar ensejo à

aplicação de penalidades disciplinares e que são realizados apenas a título de convencimento primário da Administração acerca da ocorrência ou não de determinada irregularidade funcional e de sua autoria.

É interessante relembrar que, nesse tipo de procedimento, não são aplicáveis os

princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, até mesmo porque não há nenhum servidor público sendo formalmente acusado de ter cometido irregularidade, mas se trata tão-somente de um esforço por parte da Administração no intuito de coletar informações gerais relacionadas à suposta irregularidade então noticiada. Logo, não há a quem se possa conceder os referidos direitos garantidos pela Constituição Federal. Sobre esse assunto, interessa transcrever o entendimento do STF:

SERVIDOR PÚBLICO. PENA. DEMISSÃO. PENALIDADE APLICADA AO CABO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO REGULAR. SUPOSTO CERCEAMENTO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO NA SINDICÂNCIA. IRRELEVÂNCIA TEÓRICA. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO INQUISITIVO E UNILATERAL. NÃO OCORRÊNCIA, ADEMAIS. SERVIDOR OUVIDO EM CONDIÇÃO DIVERSA DA TESTEMUNHAL. NULIDADE PROCESSUAL INEXISTENTE. MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 143, 145, II, 146, 148, 151, II, 154, 156 E 159, CAPUT E § 2º, TODOS DA LEI FEDERAL Nº 8.112/90. A estrita reverência aos princípios do contraditório e da ampla defesa só é exigida, como requisito essencial de validez, assim no processo administrativo disciplinar, como na sindicância especial que lhe faz às vezes como procedimento ordenado à aplicação daquelas duas penas mais brandas, que são a advertência e a suspensão por prazo não superior a trinta dias. Nunca, na sindicância que funcione apenas como investigação preliminar tendente a coligir, de maneira inquisitorial, elementos bastantes à imputação de falta ao servidor, em processo disciplinar subsequente.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 22.791. Relator: Ministro Cezar Peluzo, julgamento: 13.11.2003, DJ 19.12.2003).

Os procedimentos investigativos não estão expressamente dispostos na Lei nº 8.112/90. Dessa forma, a CGU, mediante a edição da Portaria CGU nº 335/06, delimitou os contornos desses procedimentos e os dividiu em investigação preliminar, sindicância investigativa ou preparatória e sindicância patrimonial.

Importa dizer, ainda, que os procedimentos investigativos aqui mencionados não

possuem a capacidade de interromper o transcurso do prazo legalmente concedido ao Estado para aplicação de penalidades administrativas (prazo prescricional). É o que também estabelece o Enunciado nº 1 da CGU, transcrito a seguir e que será trazido novamente à baila mais adiante:

PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. O processo administrativo disciplinar e a sindi-cância acusatória, ambos previstos pela Lei nº 8.112/90, são os únicos proce-dimentos aptos a interromper o prazo prescricional.35

35 Publicado no Diário Oficial da União de 05 de maio de 2011, Seção 1, p. 22.

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Apesar da importância de que se revestem os procedimentos em comento para a

elucidação das eventuais irregularidades cometidas por servidores públicos, a Administração Pública não está obrigada a adotá-los antes de instaurar a seara disciplinar propriamente dita e, mesmo que os adote, não será obrigada a acolher as proposições dispostas em seus relatórios finais, haja vista que esses relatórios são de natureza meramente opinativa. Todavia, repisa-se a recomendação aqui já procedida quando da discussão a respeito da obrigatoriedade da apuração (item 5.2): a instauração dos procedimentos de natureza contraditória (sindicância ou PAD) deve ser dar nos casos em que já existam indícios de materialidade e autoria, a fim de se observar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da economicidade.

Nesse diapasão, ponto importante a ser considerado é se os procedimentos

investigativos aqui tratados suprem a determinação de apuração imediata prevista no art. 143 da Lei nº 8.112/90, posto que o mencionado dispositivo afirma que tal apuração deve ser realizada mediante sindicância contraditória ou punitiva ou processo administrativo disciplinar.

Embora a norma não tenha se referido a outra forma de apuração que não a

sindicância contraditória ou processo administrativo disciplinar, não se cogita, sob pena de afrontar os princípios da eficiência e economicidade, dentre outros, que toda investigação para apurar qualquer notícia de irregularidade que chegue ao conhecimento da Administração seja realizada exclusiva e diretamente através de sindicância contraditória ou processo administrativo disciplinar, com todos os ônus que lhes são inerentes – financeiros e administrativos –, mesmo porque os Procedimentos Disciplinares Investigativos, quando necessários para o deslinde do caso, podem ser vistos como elementos informativos prévios e, de certa forma, integrantes da futura sindicância contraditória ou processo administrativo disciplinar, uma vez que se constituirão nas primeiras informações constantes de tais instrumentos disciplinares, devendo seus principais atos, quando necessário, ser refeitos a posteriori sob o manto do contraditório e da ampla defesa.

Assim, conclui-se que os procedimentos investigativos, em que pese o seu aspecto

reservado e meramente inquisitorial, são perfeitamente aptos para comprovar que a autoridade cumpriu com o dever legal de apurar a suposta irregularidade que tenha chegado ao seu conhecimento. A propósito, esse é o entendimento prelecionado por Vinícius de Carvalho Madeira, senão veja-se:

Portanto, a autoridade que tiver ciência de uma irregularidade é obrigada a apurá-la imediatamente, mas não precisa necessariamente instaurar PAD ou Sindicância. Antes, pode ser feito um levantamento inicial de informações, o qual pode ser efetuado via procedimento de investigação preliminar – também denominado de apuração prévia – ou outro procedimento escrito que compro-ve que a autoridade não se quedou inerte. (…) Esclareça-se que o art. 143 da Lei nº 8.112/90 determina a apuração imediata do fato irregular por PAD ou Sindicância. O que a autoridade faz ao utilizar a investigação preliminar é apurar imediatamente o fato e, se descobre indícios de irregularidade e autoria, apura o fato por processo administrativo discipli-nar.36

Um aspecto também digno de nota é o relativo às possíveis consequências

disciplinares de tais procedimentos, basicamente resumidas nas duas assertivas seguintes: a) arquivamento do feito pela autoridade competente, caso não tenham sido encontrados indícios que sugiram a ocorrência de irregularidade funcional; ou b) instauração de sindicância contraditória ou

36 MADEIRA, 2008, p. 33 e 73.

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processo administrativo disciplinar pela autoridade competente, em acolhimento da proposta contida no relatório do servidor ou servidores responsáveis pela condução das investigações, caso tenham sido levantados indícios da configuração de irregularidade funcional e de sua autoria.

Os indícios a que se reporta a alínea “b” do parágrafo anterior não precisam ser

robustos ao ponto de possibilitarem uma conclusão absoluta e definitiva acerca da materialidade e autoria. A conclusão definitiva, apta inclusive a lastrear a aplicação de penalidades administrativas, apenas se dará após os procedimentos disciplinares punitivos onde se observem os princípios da ampla defesa e do contraditório, procedimentos esses que serão devidamente analisados em tópicos próprios.

Como exemplos das ações a serem realizadas no decurso dos procedimentos

investigativos em tela, podem ser citados: solicitação de documentos ou informações ao representante ou denunciante, consulta a sistemas informatizados, análise da legislação pertinente, análise da documentação relativa ao caso, consulta de informações pertinentes ao feito junto a outros Órgãos ou Entidades e, caso seja indispensável, até mesmo a solicitação de manifestação do próprio denunciado ou representado.

Recomendação relevante referente aos trabalhos realizados a título de

procedimento investigativo (investigação preliminar, sindicância investigativa ou sindicância patrimonial) é a de que os servidores que atuaram nesses feitos não integrem as eventuais comissões de processos punitivos instaurados para apurar os mesmos fatos (sindicância contraditória ou processo administrativo disciplinar), especialmente naqueles casos em que o relatório da comissão prévia tenha sido categórico em especificar as condutas tidas como irregulares.

Tal recomendação estende-se, inclusive, aos servidores que tenham atuado em

auditorias e congêneres relacionadas aos fatos a serem apurados, posto que já devam possuir suas convicções sobre a materialidade e autoria, convicções essas que foram formadas sem o contraditório e a ampla defesa. Toda essa precaução é para evitar alegações de prejulgamento por parte dos membros das comissões disciplinares acusatórias.

Resta consignar que o relatório propositivo oriundo dos procedimentos sob exame

também pode sugerir medidas de cunho eminentemente gerencial, como a realização de alterações na rotina de trabalho de determinada seção ou no sistema de controle interno, tudo com vistas a evitar futuras irregularidades.

Enfim, os Procedimentos Disciplinares Investigativos não dão origem a punições

disciplinares, portanto estão dispensados da observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Tampouco possuem o condão de interromper o prazo prescricional, não são de utilização obrigatória, possuem relatórios finais meramente opinativos e devem ser realizados de forma sigilosa.

6.1.1. INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR A investigação preliminar encontra-se expressamente prevista na Portaria CGU nº

335/06, a qual, no inciso I do seu art. 4º, assim a conceitua: “procedimento sigiloso, instaurado pelo Órgão Central e pelas unidades setoriais, com objetivo de coletar elementos para verificar o cabimento da instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar”.

Apesar de a leitura do mencionado inciso sugerir que tal procedimento se dê apenas

no âmbito da Corregedoria-Geral da União (Órgão Central do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal) e de suas Corregedorias-Setoriais (Unidades Setoriais), esclareça-se que não há

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impedimento à sua livre utilização pelos Órgãos ou Entidades (Unidades Seccionais) ou mesmo a que essa norma seja replicada nos seus respectivos ordenamentos internos, a menos que já possuam ferramentas distintas para tais fins nesses mesmos ordenamentos; sendo esse o caso, deverão ser utilizados os instrumentos estabelecidos nas normas específicas da Unidade Seccional, como prevê o parágrafo único do art. 5º da Portaria CGU nº 335/06.

Sobre a questão, segue importante abordagem dada por Vinícius de Carvalho

Madeira:

É importante destacar, por fim, que a investigação preliminar pode ser orde-nada pela autoridade competente para a instauração da sindicância indepen-dentemente de haver ato normativo específico do órgão prevendo esta possibi-lidade, pois a investigação preliminar não precisa sequer ter um nome, o im-portante é que algo seja feito pela Administração para demonstrar, por escrito, que alguma apuração foi feita para justificar o arquivamento ou a abertura de um processo mais elaborado. Ademais, não se poderá alegar ilegalidade neste procedimento porque dele não resultará prejuízo a ninguém – pois da investi-gação preliminar não pode decorrer nenhuma punição – e a Administração ainda cumpriu seu dever de apuração, atendendo ao princípio da eficiência. 37

A Portaria CGU nº 335/06 estabelece algumas regras a serem seguidas na

instauração e condução dos trabalhos relativos à investigação preliminar: a) será concluída no prazo de 60 dias, podendo ser prorrogada por igual período (art. 8º); b) ao final dos trabalhos, não sendo o caso de arquivamento, a autoridade competente deverá instaurar o instrumento disciplinar adequado para a continuidade do apuratório (art. 9º); e c) a decisão que determinar o arquivamento do feito deverá ser devidamente fundamentada e seguida de comunicação às partes interessadas (art. 9º, § 2º).

Quanto às demais formalidades a serem aplicadas quando da instauração e da

condução da investigação preliminar, não existe qualquer determinação na Portaria CGU nº 335/06, razão pela qual a forma de instauração do instituto sob exame, bem como da condução dos trabalhos, ficam a cargo da autoridade que a instaurar e de quem for designado para a sua execução, respectivamente, contanto que se mantenham preservadas suas características essenciais, quais sejam: a) sigilo; b) viés meramente investigativo, portanto, sem possibilidade de dar ensejo a punições; e c) prescindibilidade dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Logo, a autoridade competente, mediante qualquer ato designativo, publicado ou

não, pode instaurar a investigação preliminar para apurar notícia de irregularidade que tenha chegado ao seu conhecimento.

Já quanto à eventual composição de comissão para a realização das investigações,

note-se o seguinte: apesar de não haver, na citada portaria, regramento expresso relativo aos servidores que podem realizar esse trabalho, entende-se que, uma vez estabelecido que a sindicância investigativa pode ser conduzida por um ou mais servidores, estáveis ou não (art. 12, § 1º), tal posição também pode ser aplicada à investigação preliminar, por analogia.

Caso seja designada uma comissão sindicante e haja divergência de conclusões entre

os respectivos membros quando da elaboração do relatório final, nada obsta que sejam proferidos votos em apartado (relatórios distintos), cabendo à autoridade competente avaliá-los separadamente quando de sua tomada de decisão.

37 MADEIRA, 2008, p. 74.

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Ao final, de posse das informações obtidas, a autoridade competente decidirá pela instauração da sede disciplinar através de uma sindicância contraditória ou processo administrativo disciplinar ou, de forma diversa, pelo arquivamento do feito.

6.1.2. SINDICÂNCIA INVESTIGATIVA Segundo dos procedimentos disciplinares investigativos, a sindicância investigativa,

preparatória ou inquisitorial, também não está expressamente elencada pela Lei nº 8.112/90, mas sua existência formal está prevista, além do disposto na doutrina e jurisprudência, no inciso II do art. 4º da Portaria CGU nº 335/06, que a descreve como sendo: “Procedimento preliminar sumário, instaurada com o fim de investigação de irregularidades funcionais, que precede ao processo administrativo disciplinar, sendo prescindível de observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa”.

Observando-se que o instrumento sob estudo é de suma importância e, por isso,

bastante utilizado pela Administração em seus trabalhos investigativos – até mesmo antes do surgimento da sindicância contraditória ou punitiva prevista na Lei nº 8.112/90 – e, ainda, observando-se a ausência de expressa referência a tal instrumento no Estatuto dos Servidores, julga-se oportuno expor a posição da doutrina brasileira e dos tribunais superiores a respeito do tema:

Sindicância administrativa é o meio sumário de apuração ou elucidação de ir-regularidades no serviço para subsequente instauração de processo e punição ao infrator. Pode ser iniciada com ou sem sindicado, bastando que haja indica-ção de falta a apurar. Não tem procedimento formal, nem exigência de comis-são sindicante, podendo realizar-se por um ou mais funcionários designados pela autoridade competente. Dispensa defesa do sindicado e publicidade no seu procedimento, por se tratar de simples expediente de apuração ou verificação de irregularidade, e não de base para punição equiparável ao inquérito policial em relação à ação penal.38

De efeito, concebe-se que a sindicância disciplinar, na espécie inquisitorial,

além de não jungir-se ao esquema do contraditório, é realizada de forma sigi-losa e discricionária. O perfil inquisitorial dessa espécie de sindicância retira-lhe a característica de processo. O que a torna imprópria para servir de base à imposição de qualquer reprimenda disciplinar, por mais branda que seja.

(…) Nessa espécie de sindicância, impõe-se o sigilo com vistas a preservar a digni-

dade do serviço público. Bem como para tornar mais eficientes os trabalhos in-vestigatórios. Já a discricionariedade assegura que as investigações sejam rea-lizadas nos moldes definidos pelo sindicante. Sem sujeição a ritos preestabele-cidos. O que não implica contemporizar arbitrariedades, prepotências e des-mandos.39

Ementa: A estrita reverência aos princípios do contraditório e da ampla defesa só é exigida, como requisito essencial de validez, assim no processo administra-tivo disciplinar, como na sindicância especial que lhe faz às vezes como proce-dimento ordenado à aplicação daquelas duas penas mais brandas, que são a

38 MEIRELLES, 2011, p. 705. 39 COSTA, 2011, p. 322.

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advertência e a suspensão por prazo não superior a trinta dias. Nunca, na sin-dicância que funcione apenas como investigação preliminar tendente a coligir, de maneira inquisitorial, elementos bastantes à imputação de falta ao servidor, em processo disciplinar subsequente. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 22.791. Rela-tor: Ministro Cezar Peluzo, Data de Julgamento: 13.11.2003, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 19.12.2003). Ementa: 1. A sindicância que vise apurar a ocorrência de infrações administra-tivas, sem estar dirigida, desde logo, à aplicação de sanção, prescinde da obser-vância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, por se tratar de pro-cedimento inquisitorial, prévio à acusação e anterior ao processo administrati-vo disciplinar. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 7.983. Rela-tor: Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Data de Julgamento: 23.02.2005, Tercei-ra Seção, Data de Publicação: 30.03.2005).

Mesmo que tenha conceituado a sindicância investigativa ou preparatória, observa-

se que a Portaria CGU nº 335/06 não prescreveu um regramento específico para a sua realização, excetuadas as duas ocasiões em que se reportou expressamente à referida sindicância, quais sejam, ao estabelecer quem pode ser o responsável por sua efetiva condução (um ou mais servidores, estáveis ou não – § 1º do art. 12) e ao determinar o prazo para a conclusão dos respectivos trabalhos (não excedente a 30 dias, prorrogável por igual período – § 5º do art. 15).

Dessa forma, tem-se que não há um rito próprio e preestabelecido em todos os

detalhes para a sindicância investigativa, resultando daí que tanto a autoridade instauradora quanto o(s) sindicante(s) (servidor(es) designado(s) para a condução dos trabalhos) estão dispensados de seguirem uma rígida rotina no desempenho de seus misteres, observando-se a mesma orientação disposta no tópico da investigação preliminar, qual seja, a indispensável manutenção de suas características essenciais: a) sigilo; b) caráter investigativo; e c) prescindibilidade dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

No que se refere ao documento capaz de concretizar a instauração da sindicância

investigativa, novamente dada a ausência de regra a determinar tal ponto, conclui-se que, embora seja aconselhável, não há obrigatoriedade de publicação desse ato – que pode ser uma portaria ou um simples despacho.

De forma similar à investigação preliminar, no caso de ser designada uma comissão

sindicante e havendo divergência nas conclusões dos respectivos membros quando da elaboração do relatório final, podem ser proferidos votos em apartado (relatórios distintos), cabendo à autoridade competente avaliá-los separadamente quando de sua tomada de decisão.

Ao final, de posse das informações obtidas, a autoridade competente decidirá pela

instauração da sede disciplinar através de uma sindicância contraditória ou processo administrativo disciplinar ou pelo arquivamento do feito.

6.1.3. SINDICÂNCIA PATRIMONIAL

A sindicância patrimonial, assim como os demais procedimentos investigativos, conforma um procedimento inquisitorial, sigiloso, não contraditório e não punitivo, que visa colher dados e informações suficientes a subsidiar a autoridade competente na decisão sobre a deflagração de processo administrativo disciplinar.

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Destaca-se a sindicância patrimonial dos demais procedimentos investigativos, na

medida em que possui escopo delimitado, constituindo importante instrumento de apuração prévia de práticas corruptivas envolvendo servidores públicos, na hipótese em que o patrimônio destes aparente ser superior à renda licitamente auferida.

Nesse sentido, constitui a sindicância patrimonial um instrumento preliminar de apuração de infração administrativa consubstanciada em enriquecimento ilícito, tipificada no inciso VII do art. 9º da Lei nº 8.429/92 (lei de improbidade administrativa), possuindo previsão normativa no Decreto nº 5.483, de 30 de junho de 2005, e na Portaria CGU nº 335/06. Apesar de a sindicância patrimonial não se inserir no conceito strictu sensu de processo administrativo disciplinar - já que conforma um procedimento sigiloso, meramente investigativo, não punitivo e não contraditório -, é um relevante instrumento à disposição da Administração Pública. Na verdade, a sindicância patrimonial desempenha papel de destaque na apuração das infrações administrativas potencialmente causadoras de enriquecimento ilícito do agente público, na medida em que, mediante a análise da evolução patrimonial do agente, poderão ser extraídos suficientes indícios de incompatibilidade patrimonial capazes de instruir a deflagração do processo administrativo disciplinar strictu sensu – que poderá culminar na aplicação da pena prevista no art. 132, inciso IV, da Lei nº 8.112/90 –, e na propositura da ação de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/92. Com efeito, o inciso VII do art. 9º da lei de improbidade administrativa estabelece que constitui enriquecimento ilícito do servidor “adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público”. Por outro lado, da leitura do art. 132, inciso IV, da Lei nº 8112/90, depreende-se que o ato de improbidade administrativa praticado por servidor público federal constitui falta disciplinar e enseja a aplicação da penalidade de demissão. Assim, na medida em que o enriquecimento ilícito do servidor constitui ilícito administrativo, a denúncia, notícia ou suspeita da prática dessa irregularidade deve ser apurada, ex vi do art. 143 da Lei nº 8.112/90. Entretanto, previamente à deflagração do processo administrativo disciplinar, poderá a autoridade competente valer-se da sindicância patrimonial, na qual se procederá à análise da evolução patrimonial do servidor, com vistas a confirmar ou não o teor denunciativo e fundamentar a decisão pelo arquivamento ou pela instauração do processo contraditório. Assim, consoante o parágrafo único do art. 7º do citado Decreto, constatada a possível evolução patrimonial incompatível do agente público, caberá à CGU instaurar diretamente a sindicância patrimonial ou requisitar a sua instauração ao órgão ou entidade competente. No mesmo sentido, segundo o art. 8º do Decreto nº 5.483/05:

Ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público, a autoridade competente, com fundamento no art. 9º da Lei nº 8.429, de 1992, determinará a instauração de sindicância patrimonial, destinada à apuração dos fatos.

A instauração da sindicância patrimonial opera-se com a emissão de portaria pela autoridade competente, na qual deverá constar os servidores designados para compor a comissão

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sindicante, o número do processo no qual constam os fatos que serão objeto de apuração e o prazo para a realização dos trabalhos. Nos termos do § 2º do art. 16 da Portaria CGU nº 335/06, “A autoridade instauradora da sindicância patrimonial, deverá ser de cargo ou função de nível hierárquico equivalente ou superior ao do servidor ou empregado sob julgamento.” Ademais, o art. 9º, § 1º, do Decreto nº 5.483/05, bem como o art. 17 da Portaria CGU nº 335/06, dispõem que o procedimento de sindicância patrimonial será conduzido por comissão composta por dois ou mais servidores efetivos ou empregados públicos de órgãos ou entidades da Administração Pública Federal.

Cumpre ressaltar que referidos dispositivos não fazem menção ao requisito da estabilidade do servidor no cargo para integrar a comissão sindicante, de modo que se prescinde dessa. Por outro lado, de acordo com o § 2º do art. 9º do Decreto 5.483/05 e à luz do art. 19 da Portaria CGU nº 335/06, o prazo para a conclusão do procedimento de sindicância patrimonial será de trinta dias, contado da data da publicação do ato que constituir a comissão, podendo ser prorrogado, por igual período ou por período inferior, pela autoridade competente pela instauração, desde que justificada a sua necessidade. A respeito da instrução da sindicância patrimonial, veja-se o que estabelece o art. 18 da Portaria CGU nº 335/06, in verbis:

Art. 18. Para a instrução do procedimento, a comissão efetuará as diligências necessárias à elucidação do fato, ouvirá o sindicado e as eventuais testemu-nhas, carreará para os autos a prova documental existente e solicitará, se ne-cessário, o afastamento de sigilos e a realização de perícias.

Da leitura do dispositivo acima transcrito observa-se que, não obstante a sindicância patrimonial possua caráter inquisitorial e sigiloso, pode a comissão tomar o depoimento do sindicado, abrindo-lhe a oportunidade de apresentar justificativas para o eventual acréscimo patrimonial verificado. Extrai-se, também, da redação do mencionado artigo, que a comissão sindicante deve realizar todas as diligências postas ao seu alcance no sentido de elucidar o fato sob investigação, o qual, consoante já afirmado, consiste na possível aquisição, pelo servidor, de bens de valor desproporcional ao seu patrimônio ou à sua renda. Exsurge dessa assertiva que o escopo de apuração da comissão sindicante será eminentemente patrimonial, uma vez que deverá apurar, em termos qualitativo e quantitativo, a composição e o valor dos bens e direitos, assim como as dívidas que integram o patrimônio do servidor. Com vistas à colheita dessas informações, a comissão sindicante poderá se valer de diversas fontes de consulta, como Cartórios de Registros Imobiliários, Cartórios de Registros de Títulos e Documentos, Departamentos de Trânsito, Juntas Comerciais, Capitania de Portos, entre outros, inclusive de outros entes da Federação. Poderá, também, solicitar o afastamento dos sigilos fiscal e bancário do servidor investigado. No que se refere ao sigilo fiscal, cumpre mencionar que a Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, ao conferir nova redação ao art. 198 do Código Tributário Nacional, permitiu o afastamento administrativo do sigilo fiscal do servidor. Vale dizer: não precisará a

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comissão sindicante socorrer-se do Poder Judiciário para obter as informações fiscais do sindicado, podendo solicitar diretamente aos órgãos fazendários o fornecimento dessas informações. Eis o que dispõe o citado artigo, in verbis:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulga-ção, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação ob-tida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou ati-vidades.

§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Adminis-tração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o obje-tivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prá-tica de infração administrativa.

§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Públi-ca, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega se-rá feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. (...)(grifo nosso)

Impende esclarecer que o acesso aos dados fiscais não está restrito às declarações de imposto de renda, podendo ser avaliadas a declaração de operações imobiliárias, de imposto sobre operações financeiras, dentre outras, conforme o caso. Já a necessidade, verificada pela comissão, de obtenção dos dados protegidos por sigilo bancário, deverá ter enfrentamento diverso. Com efeito, quanto ao sigilo bancário, o § 2º do art. 3º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, exige prévia autorização do Poder Judiciário para o fornecimento de informações protegidas por tal sigilo para fins de instrução processual administrativa, consoante se depreende do dispositivo a seguir transcrito:

Art. 3º Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Po-der Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide.

§ 1o Dependem de prévia autorização do Poder Judiciário a prestação de informações e o fornecimento de documentos sigilosos solicitados por comis-são de inquérito administrativo destinada a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido. (grifo nosso)

Nessa esteira, caberá à comissão solicitar ao órgão integrante da Advocacia-Geral da União competente o ajuizamento de processo de afastamento de sigilo bancário perante o órgão judiciário, devendo, para esse fim, demonstrar a necessidade e a relevância da obtenção dessas informações para a completa elucidação dos fatos sob apuração no bojo da sindicância patrimonial.

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Em que pese a possibilidade de obtenção dos dados protegidos por sigilo fiscal e bancário na forma anteriormente exposta, é importante ressaltar a recomendação constante do § 3º do art. 18 da Portaria CGU nº 335/06, nos seguintes termos:

§ 3º A comissão deverá solicitar do sindicado, sempre que possível, a renúncia expressa aos sigilos fiscal e bancário, com a apresentação das informações e documentos necessários para a instrução do procedimento.

Por sua vez, cumpre lembrar que os procedimentos administrativos investigativos possuem o sigilo como característica inerente. Entretanto, diante da possível obtenção de dados protegidos pelo sigilo fiscal e bancário, e considerando a natureza sensível dessas informações, forçoso é concluir que na sindicância patrimonial e no processo administrativo disciplinar que lhe seja decorrente, a proteção ao sigilo ganha maior relevo. Apurado pela comissão quais os bens e direitos que integram o patrimônio do servidor e o valor de cada um deles, os sindicantes deverão cotejar o resultado obtido com a renda auferida pelo servidor investigado e a evolução do seu patrimônio declarado, com vistas a verificar se eventual acréscimo decorreu da evolução normal desse patrimônio, é dizer: se possui o devido lastro correspondente. Com o resultado obtido pela realização do fluxo de caixa e da análise patrimonial do servidor, a comissão estará apta a emitir o seu juízo de valor sobre o apurado, mediante a elaboração da peça denominada relatório. Referido relatório, à luz do disposto no § 3º do art. 9º do Decreto nº 5.483/05 e consoante o previsto no § 1º do art. 19 da Portaria CGU nº 335/06, deverá ser conclusivo e apontar se o conteúdo denunciativo encontra, ou não, guarida na evolução patrimonial apurada do servidor, sugerindo, em consequência, a instauração de processo administrativo disciplinar ou o seu arquivamento.

6.2. PROCEDIMENTOS CONTRADITÓRIOS

6.2.1. SINDICÂNCIA ACUSATÓRIA Podemos conceituar sindicância acusatória ou punitiva como o procedimento legal instaurado para apurar responsabilidade de menor potencial ofensivo, em que deverá ser respeitada a regra do devido processo legal, por meio da ampla defesa, do contraditório e da produção de todos os meios de provas admitidos em direito 40. Nessa seara, segundo a definição de José Cretella Júnior, a sindicância é o meio sumário de que se utiliza a Administração Pública para proceder à apuração de ocorrências anômalas no serviço público, as quais, confirmadas, fornecerão elementos concretos para a abertura de processo administrativo contra o funcionário público responsável 41. Por esse conceito, percebe-se que existem dois tipos de sindicância, a investigativa (preparatória) e a punitiva (acusatória). As diferenças existentes entre elas são de fundamental

40 MATTOS, 2010, p. 550. 41 CRETELLA, p. 153.

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importância para a fase instrutória do procedimento e, consequentemente, para o regular desfecho do processo quando a comissão propuser seu relatório final. Assim, com a instauração da sindicância, a comissão deve ater-se ao tipo de instrumento utilizado, investigativo ou acusatório. No caso do processo acusatório ou punitivo, a comissão é obrigada a respeitar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sob pena de invalidade e de sua posterior declaração de nulidade pela própria Administração Pública ou pelo Poder Judiciário. Consoante visto no item 6.1.2, a sindicância investigativa dispensa autoria e materialidade definidas, prescinde do contraditório e da ampla defesa, pode ser composta por um ou mais sindicantes, não possui etapas pré-definidas. Enfim, é um procedimento preparatório para a instauração de um processo administrativo disciplinar ou mesmo de uma sindicância punitiva – caso haja materialidade e possível autoria – ou para a propositura de arquivamento da denúncia – no caso de inexistirem indícios de irregularidades ou de não se encontrar nenhum suspeito pela prática do fato. Por outro lado, a sindicância acusatória ou punitiva deve ser conduzida por comissão composta por dois ou mais servidores estáveis (de preferência três), e observar as etapas dispostas no rito ordinário do processo administrativo disciplinar, ou seja, inquérito administrativo: instrução, defesa e relatório. É importante frisar que o STF, ao julgar o RMS nº 22.789/DF, apontou a existência de duas modalidades de sindicância: preparatória, para servir de alicerce ao processo administrativo disciplinar e a instrutória, sendo que desta última pode-se extrair punição aos agentes, com observância do contraditório e da ampla defesa. É de se ressaltar, também, que a apuração de irregularidades no serviço público é feita por sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa, conforme dispõe o art. 143 da Lei nº 8.112/90. Logo, o processo disciplinar não pressupõe a existência de uma sindicância, mas, se esta for instaurada, é preciso distinguir: se nessa sindicância não forem observados os princípios da ampla defesa e do contraditório, ela será mero procedimento preparatório do processo administrativo disciplinar e, portanto, sindicância investigativa. E nesse processo administrativo disciplinar é que será imprescindível a obediência aos princípios da ampla defesa e do contraditório. 42 (vide Mandado de Segurança nº 22.791/MS, 19.12.2003, Plenário, STF). Em certas ocasiões, o processo administrativo disciplinar é instaurado a partir das informações inicialmente obtidas na sindicância. Neste caso, é de se observar que os eventuais defeitos que possam ter existido na sindicância não têm o poder de macular a posterior imposição da pena ao servidor, uma vez que esta terá sido infligida com base unicamente nas provas colhidas no inquérito integrante do processo administrativo disciplinar. 43 Ademais, a legalidade do processo disciplinar independe da validade da investigação efetuada por meio da sindicância da qual adveio aquele apuratório. Acrescenta-se que os autos da sindicância constituem elementos informativos do processo disciplinar, podendo ser apensados ao processo administrativo disciplinar, conforme dispõem os Pareceres/AGU nºs GM-7 e GQ-37. É salutar diferenciar as formas pelas quais as informações advindas das sindicâncias deverão ser tratadas no processo administrativo disciplinar. Nas sindicâncias inquisitoriais ou

42 BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RMS Nº 22.789-RJ. RELATOR: MINISTRO MOREIRA ALVES, 1ª Turma, julgamento em 04.05.1999, publicação no DJ em 25.06.1999. 43 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 22.103/RS. Relator: Ministro Moreira Alves, Tribunal Pleno, 24.11.1995.

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patrimoniais que redundarem na instauração do PAD, todos os atos de instrução probatória deverão ser refeitos, pois não houve, a princípio, a observância do contraditório e da ampla defesa. No caso de sindicância punitiva, se tiver sido oportunizado ao acusado todos os princípios dispostos no inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal, a comissão pode ratificar os atos produzidos ou refazê-los. De se destacar que as provas meramente documentais colhidas na sindicância prévia possuem, em regra, validade plena no PAD, devendo apenas serem apensadas aos novos autos e ofertada vista delas ao acusado. Todavia, na hipótese de provas testemunhais ou outras que demandem a participação do acusado na sua produção (tais como perícias e exames) serem necessárias para fundamentar eventual acusação, o colegiado deverá determinar o refazimento ato, com o objetivo de garantir o exercício do contraditório. Por fim, salienta-se que a CGU, por meio da Portaria CGU nº 335/06, dispõe de maneira pormenorizada sobre a sindicância acusatória, in verbis:

Art. 4° Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidas as seguintes definições: III – sindicância acusatória ou punitiva: procedimento preliminar sumário, ins-taurada com fim de apurar irregularidades de menor gravidade no serviço pú-blico, com caráter eminentemente punitivo, respeitados o contraditório, a oportunidade de defesa e a estrita observância do devido processo legal.

6.2.1.1. FASES DA SINDICÂNCIA ACUSATÓRIA A sindicância acusatória segue as mesmas fases dispostas na Lei nº 8.112/90 para o processo administrativo disciplinar, já que a lei não dispõe de forma explícita sobre os procedimentos específicos da sindicância e o princípio da legalidade exige observância a rito previsto em lei.44

É importante frisar que a revogada Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952, que

tratava do direito disciplinar, não dispunha da sindicância como procedimento autônomo. A doutrina e a jurisprudência resolveram o problema não solucionado pela Lei nº 8.112/90, ao dividirem a sindicância em duas: investigativa e contraditória. Tratar-se-á apenas das fases da sindicância acusatória, pois a investigativa, por não possuir caráter punitivo, nem observar os princípios basilares do contraditório e da ampla defesa, não tem rito próprio definido. O processo de sindicância acusatória se inicia com a publicação da portaria de instauração pela autoridade responsável. Na portaria devem constar os nomes dos sindicantes, o prazo para conclusão dos trabalhos e o número do processo que contém os fatos a serem apurados. Deve-se abster de indicar expressamente quais são os fatos sob apuração, bem como o nome dos investigados, a fim de se evitar limitação inadequada ao escopo apuratório e garantir o respeito à imagem dos acusados. Após, inicia-se a fase instrutória do processo, sendo conduzida pela comissão, a qual deverá de imediato notificar o sindicado, em obediência aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Na condução dos trabalhos da sindicância os membros devem exercer suas atividades com independência e imparcialidade, assegurando o sigilo necessário para a elucidação

44 MADEIRA, p. 66.

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do fato cometido, o que é importante para, no decurso da apuração, evitar a aplicação de penalidade injusta e descabida ao acusado.45 Em seguida, a comissão deverá buscar provas (materiais ou testemunhais) para a elucidação dos fatos, tendo em vista o princípio da verdade material e em respeito ao art. 155 da Lei nº 8.112/90, segundo o qual, na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de provas, recorrendo quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos. Atente-se para o fato de que as comissões deverão registrar suas deliberações em ata, assim como realizar as comunicações processuais observando as mesmas exigências dispostas no processo disciplinar. A fase instrutória se encerra com a entrega do termo de indiciação ao sindicado ou com o relatório final da comissão sugerindo o arquivamento do feito. No primeiro caso, se o processo tiver apenas um indiciado, o prazo será de dez dias para apresentação de defesa escrita. Sendo dois ou mais indiciados, o prazo será comum de 20 dias. Essa etapa foi tratada pela Lei nº 8.112/90 nos arts. 165 e 166. Assim, após a apresentação da defesa escrita, inicia-se nova fase, com a elaboração do relatório final, o qual deverá ser minucioso, conter as peças principais dos autos e mencionar as provas nas quais a comissão se baseou para formar sua convicção. Ademais, o relatório será sempre conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor sindicado.46 A última etapa, de acordo com o art. 167 da citada lei, é a do julgamento do processo, na qual a autoridade terá o prazo de 20 (vinte) dias, contado do recebimento dos autos, para proferir decisão final sobre o feito.

Para exarar essa decisão, a autoridade levará em conta todos os elementos contidos no processo, o enquadramento dos fatos, a tipificação do ilícito, as provas testemunhais e documentais, entre outras, a defesa e o relatório. De modo geral, a autoridade acata o parecer da comissão, quer absolutório, quer condenatório. Entretanto, de acordo com o art. 168 da Lei nº 8.112/90, a autoridade julgadora, de acordo com o princípio do livre convencimento, pode divergir do relatório produzido pela comissão, caso seja contrário às provas dos autos.47

É importante destacar que o julgamento da sindicância proferido pela autoridade

competente poderá sofrer revisão, conforme consta no art. 182 da Lei nº 8.112/90. Ademais, dessa revisão não poderá resultar agravamento da pena, segundo dispõe o parágrafo único do citado artigo (princípio da ne reformatio in pejus). 6.2.1.2. COMPOSIÇÃO DA COMISSÃO A interpretação sistêmica do art. 149 da Lei nº 8112/90 poder levar, a princípio, à conclusão de que a comissão de sindicância acusatória ou punitiva seja composta por três membros estáveis. Entretanto, pode-se analisar o citado artigo de maneira contrária, sendo que apenas o processo administrativo disciplinar deva necessariamente ser conduzido por três integrantes. De fato, tendo em vista a praxe administrativa e a escassez de servidores para comporem comissões de sindicância e de processo administrativo disciplinar, admitem-se comissões de sindicância compostas por apenas dois integrantes.

45 MATTOS, 2010, p. 552 e 55. 46 LESSA, 2000, p. 109. 47 RIGOLIN, 2010, p. 344 a 347.

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A propósito, o art. 12, § 2º, da Portaria CGU nº 335/06 sana definitivamente a questão. Com efeito, referido dispositivo estabelece que, no caso de sindicância acusatória ou punitiva, a comissão deva ser composta por dois ou mais servidores estáveis. Deve ser ressaltado, por fim, a regra da hierarquia funcional. Segundo ela, o presidente do colegiado deverá ter nível de escolaridade igual ou superior ao do servidor sindicado.

6.2.1.3. PRAZOS DA SINDICÂNCIA Os prazos da sindicância são diferentes do processo administrativo disciplinar. O art. 145, parágrafo único, da Lei nº 8.112/90, dispõe que a sindicância deverá ser concluída no prazo de 30 dias, podendo ser prorrogada por mais 30 dias. Em consonância com a Lei nº 8.112/90, o art. 15, § 5°, da Portaria CGU nº 335/06, corrobora o entendimento de que o trabalho da comissão de sindicância não excederá 30 dias, podendo ser prorrogado por igual período, a critério da autoridade instauradora. Ressalte-se, por outro lado, que esses prazos não são fatais, ou seja, pode a comissão propor a recondução para ultimar os trabalhos até a entrega do relatório final – fase última da etapa instrutória. Isso significa que, vencidos o prazo inicial e de prorrogação, pode a autoridade designar novamente a comissão, com os mesmos ou novos membros, e assim sucessivamente, enquanto necessário ao deslinde definitivo da questão. Obviamente que a autoridade sempre deverá, no caso concreto, sopesar a necessidade de sucessivas prorrogações e reconduções, e sempre à luz de princípios como os da eficiência, economicidade, duração razoável do processo, entre outros. Maiores explicações sobre a continuidade da apuração após o prazo inicialmente estabelecido serão fornecidas no item 8.2. Ademais, ressalte-se que a instauração da sindicância, do mesmo modo que ocorre para o processo administrativo disciplinar, interrompe o prazo de prescrição até o período estabelecido em lei para sua conclusão, conforme será abordado no item 15.3. 6.2.1.4. DESNECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DA SINDICÂNCIA ACUSATÓRIA PREVIA-MENTE AO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR A expressão processo administrativo disciplinar (gênero), comporta as espécies: processo administrativo disciplinar (PAD) e sindicância contraditória. A Lei nº 8.112/90 não trata do rito específico da sindicância, sendo utilizadas, de maneira análoga, as fases dispostas no processo administrativo disciplinar. O art. 145 da Lei nº 8.112/90 dispõe que da sindicância poderá resultar o arquivamento do processo, a aplicação de penalidade de advertência ou suspensão por até 30 dias e a instauração de processo administrativo disciplinar. Nesse aspecto, a proposta de arquivamento do processo e a sugestão de instauração de processo administrativo disciplinar (PAD) podem advir tanto da sindicância investigativa quanto da sindicância acusatória. Ademais, diferentemente da sindicância investigativa, cujo objeto é delimitar eventual autoria ou materialidade, a sindicância acusatória, quando instaurada, advém de um juízo de admissibilidade no qual já se constataram indícios da materialidade do fato ou da possível autoria (acusado). Percebe-se, assim, que a sindicância acusatória é similar ao processo administrativo disciplinar.

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Nesse sentido, pode-se asseverar que para se investigar conteúdo denunciativo, etapa integrante do juízo de admissibilidade, o instrumento adequado a ser manejado é a sindicância investigativa (ou outro procedimento investigativo), e não a sindicância contraditória estabelecida na Lei nº 8.112/90. Vale dizer: sempre que se quiser buscar elementos de convicção para fundamentar a instauração de sindicância contraditória ou de processo administrativo disciplinar, o instrumento adequado é algum dos procedimentos investigativos já tratados no item 6.1. Na verdade, ambos os procedimentos são autônomos, de modo que a decisão pela utilização de um ou de outro deve ser adotada segundo as circunstâncias do caso concreto. Desnecessária, portanto, a instauração da sindicância contraditória previamente à instauração do processo administrativo disciplinar. Em linhas gerais, quando a infração disciplinar apurada for punível com advertência ou suspensão por até 30 dias, pode ser utilizada a sindicância contraditória, ex vi do art. 145, inciso II, da Lei nº 8.112/90. Por outro lado, se a punição aplicável for suspensão por mais de 30 dias, a demissão, a cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou a destituição de cargo em comissão, a lei é impositiva ao determinar, no art. 146, a obrigatoriedade da instauração do processo administrativo disciplinar. Ocorre que, na prática, dificilmente a autoridade instauradora poderá, com clareza suficiente, estabelecer esse juízo de prospecção e concluir, com dose suficiente de certeza, que a penalidade não ultrapassaria, segundo essa análise preliminar, a advertência ou a suspensão por até 30 dias. A dificuldade decorre do fato de que somente com a instrução probatória e com os trabalhos de apuração conduzidos pela comissão é que o objeto de apuração vai sendo esclarecido, a materialidade e a autoria vão sendo delimitadas, os possíveis enquadramentos e tipificações da conduta, assim como a eventual penalidade, vão sendo mensurados e visualizados. Assim sendo, a instauração da sindicância contraditória deve cingir-se às situações em que se tem preliminar convicção de que os fatos não são demasiadamente graves ao ponto de ensejar as penalidades para as quais a lei exige o processo administrativo disciplinar. Na dúvida, ou sendo verificada eventual gravidade para os fatos, é recomendável a instauração, de plano, do processo administrativo disciplinar. Entretanto, ao se decidir, no caso concreto, pela instauração da sindicância contraditória, poderá a situação apresentar-se, posteriormente, no curso da instrução probatória e perante a comissão, mais grave do que aquela inicialmente ponderada pela autoridade quando da deflagração do apuratório, requerendo a instauração de processo administrativo disciplinar. No que se refere aos prazos laborativos, no processo administrativo disciplinar a comissão processante goza inicialmente de até 60 dias, prorrogável por igual período, o que poderá totalizar 120 dias para o desenvolvimento dos trabalhos da comissão. Esse prazo é superior ao máximo de 60 dias que pode ser atingido pela sindicância (até 30 iniciais, prorrogável por igual período). Quanto à interrupção do prazo prescricional, o § 3º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 estabelece que “a abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.” Por outro lado, segundo o § 4º desse mesmo artigo, “interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.” Da leitura desse dispositivo, pode-se concluir que no processo administrativo disciplinar a prescrição voltará a correr 140 dias após a sua instauração (60 dias do prazo inicial +

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60 dias do prazo de prorrogação + 20 dias do julgamento). Na sindicância, contudo, o fluxo prescricional será retomado após até 80 dias (até 30 dias do prazo inicial + até 30 dias do prazo de prorrogação + 20 dias do prazo de julgamento). Assim, quando se instaura uma sindicância contraditória, a prescrição se dá 60 dias antes da data em que ocorreria caso o procedimento instaurado tivesse sido um processo administrativo disciplinar, ou seja, quando se instaura um processo administrativo disciplinar, a Administração Pública tem 60 dias a mais para aplicar eventual penalidade. Finalmente, outro ponto que merece atenção especial é a hipótese em que a comissão sindicante propõe penalidade de suspensão para servidores públicos ocupantes apenas de cargos em comissão. Nota-se do art. 135 da Lei nº 8.112/90 que o servidor sem vínculo efetivo pode ser destituído do cargo em comissão em razão de infração sujeita às penalidades de suspensão e de demissão. Por outro lado, extrai-se da leitura do art. 146 da Lei nº 8112/90 que nos casos de aplicação das penalidades de suspensão superior a 30 dias, de demissão, de cassação de aposentaria ou disponibilidade, ou de destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo administrativo disciplinar.

Dessa forma, pode-se concluir que a sindicância não é meio hábil para se propor destituição de cargo em comissão, mesmo que infração esteja sujeita, originariamente, à penalidade de suspensão inferior a 30 dias. Isso porque, a própria lei já exige o processo administrativo disciplinar em sentido estrito para a imposição da penalidade de destituição de cargo em comissão, independentemente de a infração ser originariamente punível com suspensão ou demissão.

6.2.2. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR SOB O RITO SUMÁRIO O rito sumário, não previsto inicialmente quando da publicação da Lei nº 8.112/90, foi acrescido posteriormente com a alteração promovida pela Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997. Assim, após esse novo disciplinamento legal, pode-se concluir que o processo administrativo disciplinar passou a comportar três espécies: sindicância acusatória (art. 145, II), processo disciplinar ordinário (art. 146) e processo disciplinar sumário (arts. 133 e 140). Saliente-se que o novel rito é aplicável apenas quando da apuração dos seguintes ilícitos administrativos: acumulação ilegal de cargos, abandono de cargo e inassiduidade habitual. Em linhas gerais, o rito sumário possui as seguintes especificidades: os prazos são reduzidos em relação ao rito ordinário e a portaria de instauração deve explicitar a materialidade do possível ilícito. Como exemplo, no caso de abandono de cargo, a portaria deve trazer a indicação precisa do período de ausência intencional do servidor ao serviço por mais de 30 (trinta) dias consecutivos; no caso de inassiduidade habitual, deve trazer a indicação dos dias de falta ao serviço sem causa justificada, por período igual ou superior a 60 (sessenta) dias, interpoladamente, durante o período de 12 (doze) meses; por fim, no caso de acumulação ilegal de cargos públicos, deverá conter a descrição dos empregos, funções e cargos públicos ocupados, bem como o órgão de origem. Assim, as provas a serem produzidas no processo sumário seriam, em tese, meramente documentais. Ocorre que pode surgir a necessidade de o servidor produzir outras provas, como testemunhal ou pericial. Como exemplo, o servidor pode ter abandonado o cargo de forma justificada, em razão de sequestro, ou de alcoolismo, ou de doença mental, e pretender comprovar alguma dessas condições. Apesar de, a rigor, a lei não prever, para o rito sumário, a possibilidade de

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produção de provas, isso não é obstáculo para a abertura da instrução probatória, à luz do contraditório e da ampla defesa.48 Sobre o assunto, o STJ entende que, caso seja necessário, o processo administrativo disciplinar sob o rito sumário deve abrir possibilidade para produção de provas pelo acusado, in verbis:

Ementa: (…) III – A intenção do legislador – ao estabelecer o procedimento sumário para a apuração de abandono de cargo e de inassiduidade habitual – foi no sentido de agilizar a averiguação das referidas transgressões, com o aperfeiçoamento do serviço público. Entretanto, não se pode olvidar das ga-rantias. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Processo MS 7464/DF – Mandado de Segurança 2001/0045029-6. Relator: Ministro Gilson Dipp, Órgão Julgador: Terceira Seção, Data do Julgamento: 12.03.2003, Data da Publicação/Fonte: DJ 31.03.2003, p. 144).

Corroborando o entendimento do STJ, os Pareceres GM-7 e GQ-193 da AGU dispõem no mesmo sentido, acrescentando que o rito sumário não elimina a necessidade de oportunizar ao indiciado ampla defesa. De outra parte, de acordo com o disposto na Lei nº 8.112/90, as fases do processo administrativo disciplinar sob o rito sumário são diferentes do submetido ao rito ordinário, bem como os prazos para sua conclusão. Nos termos do art. 133 da citada lei, a fase inicial do processo administrativo disciplinar sob o rito sumário denomina-se instauração e efetiva-se com a publicação do ato que, além de constituir a comissão, que será composta por dois servidores estáveis, indicará a respectiva autoria e materialidade do ilícito supostamente praticado. Após a instauração, inicia-se a fase de instrução sumária do processo, que compreende: a indiciação do acusado, a defesa e o posterior relatório da comissão. Por fim, o processo é julgado pela autoridade competente, no prazo de 5 dias, contado do recebimento dos respectivos autos, diferentemente do disposto no rito ordinário, para o qual é estabelecido o prazo de 20 dias. A fase apuratória da comissão deve ser desenvolvida no prazo total de até 30 dias, podendo ser prorrogado por até 15 dias, de acordo com o § 7º do art. 133, da Lei nº 8.112/90. Saliente-se que esses prazos não são fatais e que são diferentes tanto do processo administrativo disciplinar sob o rito ordinário (60 + 60 dias) quanto da sindicância punitiva (até 30 + até 30 dias). Por fim, de acordo com o § 8º do art. 133 da Lei nº 8.112/90, aplicam-se subsidiariamente ao procedimento sumário as normas dispostas no processo disciplinar ordinário, previstas nos arts. 121 a 182 da Lei nº 8.112/90, e, supletivamente, as normas previstas na Lei nº 9.784/99, que rege o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

6.2.3. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR SOB O RITO ORDINÁRIO Segundo dispõe o art. 151 da Lei nº 8112/90, as fases do processo administrativo submetido ao rito ordinário se dividem em três: instauração, inquérito administrativo e julgamento.

48 MADEIRA, 2008, p. 139.

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A primeira fase do processo, denominada instauração, se instrumentaliza com a publicação da portaria pela autoridade instauradora designando os membros para comporem a comissão, dispondo sobre o prazo de conclusão, o processo que contém o objeto de apuração, bem como a possibilidade de serem apurados fatos conexos. Deve-se abster de indicar expressamente quais são os fatos sob apuração, bem como o nome dos investigados, a fim de se evitar limitação inadequada ao escopo apuratório e garantir o respeito à imagem dos acusados. Sobre essa específica questão, importa transcrever entendimento do STJ:

Na linha da jurisprudência desta Corte, a portaria inaugural do processo disciplinar está livre de descrever detalhes sobre os fatos da causa, tendo em vista que somente ao longo das investigações é que os atos ilícitos, a exata tipificação e os seus verdadeiros responsáveis serão revelados. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Mandado de Segurança nº 16.815/DF. Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha, julgamento em 11.04.2012, DJE 18.04.2012).

A segunda fase, denominada de inquérito administrativo, é dividida nas subfases de instrução, defesa e relatório. Na subfase de instrução, a comissão promove a busca de provas necessárias ao esclarecimento da verdade material, dentre aquelas permitidas pelo ordenamento jurídico pátrio, como a documental e a testemunhal, assim como promove a indiciação ou forma sua convicção pela absolvição do acusado. No caso de a comissão entender pela indiciação do servidor, deverá citá-lo, momento a partir do qual se abre prazo legal para apresentação de defesa escrita (segunda subfase do inquérito). A última subfase do inquérito é a produção, pela comissão, de relatório final conclusivo quanto à inocência ou não do indiciado, apresentando, para tanto, as razões e justificativas para o enquadramento, ou não, no ilícito administrativo. Ressalte-se que é na fase do inquérito administrativo e suas subfases de instrução e relatório que se concentra a atuação da comissão. Por fim, segue-se a fase de julgamento do feito disciplinar, a qual pode ser realizada pela autoridade instauradora do processo, a depender da penalidade sugerida pela comissão processante, conforme consta no art. 141 da Lei nº 8.112/90. Não tendo a autoridade instauradora competência para proferir o julgamento, deverá remeter o processo àquela que detém referida atribuição. Assim, a competência da autoridade julgadora é fixada pela proposta de penalidade recomendada pelo colegiado. Desse modo, importante destacar que não é permitido à autoridade instauradora, ao tomar conhecimento da proposta da comissão, decidir pelo abrandamento da penalidade sugerida de modo a inserir o feito em sua esfera de competência. Exemplificando: o PAD é instaurado por autoridade com competência para aplicação da penalidade de suspensão até trinta dias. A comissão, em seu relatório conclusivo, sugere a aplicação da pena de demissão, cuja competência para aplicação, em regra, é do Ministro de Estado. Nesse caso, o processo deverá ser entregue pela trinca processante à autoridade instauradora que, por sua vez, tomando conhecimento da sugestão, encaminhará o processo para julgamento do Ministro. Nessa hipótese, a autoridade instauradora não poderia simplesmente entender pela aplicação de suspensão de cinco dias, por exemplo, e julgar ela própria o processo. A remessa do processo torna-se obrigatória. Ainda diante da mesma suposição, necessário esclarecer que caso a autoridade competente, no caso o Ministro, entenda pelo cabimento de uma pena mais branda, tal como a advertência, não será necessário que o processo retorne à autoridade instauradora. Diante de tal situação vigora a regra do “quem pode mais, pode menos”, ou seja, a competência para aplicação da pena de demissão necessariamente engloba a possibilidade de julgamento das penas de menor gravidade. A autoridade competente deverá julgar o feito no prazo de vinte dias, a contar do recebimento do relatório final da CPAD (art. 167 da Lei nº 8.112/90). Ademais, pode divergir do entendimento esposado pela comissão, caso seja contrário às provas dos autos. Nessa hipótese,

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poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade, de acordo com o disposto no art. 168 da lei que rege os servidores públicos civis da União.

7. PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

7.1. PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR NO ÂMBITO DE LICITAÇÕES E CONTRATOS Embora o presente Manual tenha sua abordagem voltada para as atividades correcionais derivadas da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e seus servidores, vale mencionar, ainda que de forma sucinta, os desdobramentos das irregularidades ocorridas no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos. Sabe-se que o procedimento licitatório e a respectiva contratação pública estão a demandar a constante interação entre servidores públicos e fornecedores privados. É praticamente impossível mencionar o tema corrupção sem que venham à lembrança, escândalos envolvendo licitações e contratos públicos. Dada uma determinada licitação, a iniciativa corruptora pode partir tanto do agente público como do agente particular, ou de ambas as partes. As irregularidades cometidas por tais atores são passíveis de apuração por parte da Administração Pública, que deve instaurar o devido processo administrativo para, em se verificando a ocorrência de ilicitudes, aplicar a correspondente sanção. As sanções administrativas passíveis de aplicação, pela Administração Pública, aos fornecedores, são aquelas estabelecidas no art. 87 da Lei nº 8.666/93, quais sejam: advertência; multa; suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública. Também a Lei nº 10.520/2002, que regula a modalidade de licitação denominada pregão, em seu artigo 7°, estabelece a penalidade de impedimento de licitar e contratar com a Administração e o descredenciamento da empresa, do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF. Em estrita observância aos ditames do contraditório e da ampla defesa estabelecidos pela Constituição Federal (art. 5°, inciso LV), incidentes também na seara administrativa, cumpre notar que constitui requisito lógico e jurídico para a aplicação de sanção administrativa a instauração do devido processo administrativo. Em relação às infrações administrativas cometidas por servidores públicos, o mencionado processo administrativo será regido pelas disposições constantes na Lei n° 8.112/90. Já em relação aos agentes particulares, aplicar-se-á os preceitos estabelecidos, em especial, pela Lei nº 8.666/93. A lei de licitações foi bastante sucinta ao dispor sobre o rito apuratório necessário à aplicação de sanções administrativas. Basicamente, conforme se depreende do § 2º do art. 86, caput do art. 87 e §§ 2º e 3º do mesmo dispositivo, impôs a necessidade de instauração do devido processo administrativo, garantindo-se, ainda, prévia defesa e acesso a recursos administrativos. Em razão de tal peculiaridade, a Administração Pública não precisa seguir ritualística rígida e fechada, desde que sejam observados, de forma plena, os ditames do contraditório e da ampla defesa. Percebe-se, portanto, que nesta seara ganha maior relevo o princípio do formalismo moderado. Pode, também, a Administração se valer, por meio da regra da

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analogia, de outros diplomas legais que disponham sobre normas de processo administrativo, tais como a Lei nº 9.784/99 e a Lei nº 8.112/90. Atenta à realidade supra, foi instituída, por meio da Portaria nº 1.878/2007, a Comissão de Processo Administrativo de Fornecedores da CGU – CPAF, responsável pela condução de processos nos quais se tenha em causa a aplicação, pelo Ministro-Chefe da CGU, das sanções previstas no art. 87 e no art. 88 da Lei nº 8.666/93. Dentre as competências da CPAF, destacam-se aquelas estabelecidas no artigo segundo da mencionada portaria, ao dispor que:

Art. 2º Compete à Comissão de Processo Administrativo de Fornecedores:

I - receber do Corregedor-Geral da União as determinações oriundas do Minis-tro de Estado do Controle e da Transparência quanto à adoção de procedimen-tos relativos à eventual aplicação das sanções previstas no art. 87 e no art. 88 da Lei nº 8.666, de 1993; II - diligenciar junto às unidades da Controladoria-Geral da União e a outros órgãos da Administração Pública para a obtenção de elementos e informações necessários ao bom andamento dos seus trabalhos; III - autuar, instruir e conduzir os processos administrativos que visem à apu-ração de atos infracionais às normas legais em matéria de licitação e contratos administrativos de que possam resultar a aplicação das sanções referidas no inciso I; IV - sugerir a instauração, em órgãos e entidades da Administração Pública Federal, dos processos mencionados no inciso III, bem como acompanhar e promover a avocação daqueles já em curso, ou ainda promover a revisão de feitos já decididos; e V - adotar ou sugerir outras medidas que se revelem necessárias ao cumpri-mento de seus misteres.

Percebe-se, portanto, que uma vez instaurado o devido processo administrativo, cuja condução será exercida pela CPAF, em estrita observância aos preceitos do contraditório e da ampla defesa, ao final, em sendo confirmada a ocorrência das ilicitudes cometidas por fornecedores licitantes ou contratados, caberá ao Ministro-Chefe da CGU aplicar a penalidade correspondente. Ressalte-se, que a competência do Ministro-Chefe da CGU para aplicar sanção administrativa a infratores no âmbito das licitações e contratos públicos decorre dos preceitos estabelecidos nos artigos 18, § 4º, da Lei nº 10.683/2003 e 2º, inciso I, e 4º, § 3º, do Decreto nº 5.480/2005. Inobstante expressa competência legal, foi ela objeto de contestação por fornecedores punidos pela CGU, sob a alegação de que a competência para aplicar a pena de declaração de inidoneidade por atos ocorridos em procedimentos licitatórios, ao teor do artigo 87, IV da Lei nº 8.666/93, é do "Ministro de Estado" responsável pela pasta à qual subordinada a realizadora do certame em que ocorrera evento passível de punição. Sobre o tema houve manifestação expressa do STJ, nos autos do Mandado de Segurança n° 14.134-DF, cujas palavras do Ministro Relator, o Sr. Benedito Gonçalves, expõem o entendimento de que “os artigos 84, inciso VI, alínea "a", da Constituição da República combinado com os artigos 18, § 4º, da Lei nº 10.683/2003 e 2º, inciso I, e 4º, § 3º, do Decreto n. 5.480/2005,

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conferem ao Ministro de Estado do Controle e da Transparência a responsabilidade para determinar a instauração do feito disciplinar em epígrafe”. A teor da importância do quanto decidido pelo STJ, vale colacionar a ementa do mencionado acórdão:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. FRAUDE CONFI-GURADA. APLICAÇÃO DA PENA DE INIDONEIDADE PARA CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL. ATO DA CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DO MINISTRO DE ESTADO DO CONTROLE E DA TRANSPARÊNCIA. ALEGAÇÕES DE NULIDADES NO PROCESSO ADMINISTRA-TIVO QUE CULMINOU NA APLICAÇÃO DA PENALIDADE AFASTADA. PROCE-DIMENTO REGULAR. 1. Hipótese em que se pretende a concessão da segurança para que se reconhe-ça a ocorrência de nulidades no processo administrativo disciplinar que culmi-nou na aplicação da pena de inidoneidade para contratar com a Administra-ção Pública Federal. 2. O Ministro de Estado do Controle e da Transparência é autoridade res-ponsável para determinar a instauração do feito disciplinar em epígrafe, em razão do disposto no art. 84, inciso VI, alínea "a", da Constituição da República combinado com os artigos 18, § 4º, da Lei nº 10.683/2003 e 2º, inciso I, e 4º, § 3º, do Decreto n. 5.480/2005. (grifo nosso) 3. A regularidade do processo administrativo disciplinar deve ser apreciada pelo Poder Judiciário sob o enfoque dos princípios da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório, sendo-lhe vedado incursionar no chamado mérito administrativo. 4. Nesse contexto, denota-se que o procedimento administrativo disciplinar não padece de nenhuma vicissitude, pois, embora não exatamente da forma como desejava, foi assegurado à impetrante o direito ao exercício da ampla de-fesa e do contraditório, bem como observado o devido processo legal, sendo que a a aplicação da pena foi tomada com fundamento em uma série de provas trazidas aos autos, inclusive nas defesas apresentadas pelas partes, as quais, no entender da autoridade administrativa, demonstraram suficientemente que a empresa impetrante utilizou-se de artifícios ilícitos no curso do Pregão Eletrô-nico n. 18, de 2006, do Ministério dos Transportes, tendo mantido tratativas com a empresa Brasília Soluções Inteligentes Ltda. com o objetivo de fraudar a licitude do certame. 5. Pelo confronto das provas trazidas aos autos, não se constata a inobservân-cia dos aspectos relacionados à regularidade formal do processo disciplinar, que atendeu aos ditames legais. 6. Segurança denegada. (STJ, MS nº 14.134-DF, Min. Relator Benedito Gonçalves)

Por outro lado, apesar de a Portaria CGU nº 1.878/2007 tratar especificamente da Comissão de Processo Administrativo de Fornecedores no âmbito da CGU, de modo que suas regras vigoram apenas para os processos instaurados pelo próprio órgão, não regulando o mecanismo de processamento nos demais órgãos e entidades da Administração Pública Federal, nada impede que esses órgãos e entidades utilizem regras similares em seu âmbito interno.

Cumpre ressaltar que com a edição do Decreto nº 8.109, de 17 de setembro de 2013, foi prevista expressamente dentre as atribuições da Corregedoria-Geral da União a instauração de processos administrativos que tenham por objeto a apuração de responsabilidade de entes privados decorrente de sua relação com a Administração Pública (art. 15, inciso XV), assim como foi criada a Coordenação-Geral de Responsabilização de Entes Privados (COREP), sucedendo, assim, a CPAF no desempenho da condução de processos administrativos contra fornecedores.

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Como já exposto, na medida em que a Lei nº 8.666/93 não estabeleceu o rito processual para a Administração Pública poder imputar responsabilidade administrativa ao contratado e impor a penalidade cabível, os órgãos e entidades públicos poderão utilizar a forma de processamento que entenderem mais adequada, desde que ofertem o devido processo legal e atendam, de forma plena, o contraditório e a ampla defesa. Outro grande avanço capitaneado pela CGU foi a instituição do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS, banco de dados que tem por finalidade consolidar e divulgar a relação de empresas ou profissionais que sofreram sanções que tenham como efeito a restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública, assim considerados os órgãos e entidades da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Constará no CEIS o registro das seguintes sanções: suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração (art. 87, inciso III, da Lei nº 8.666/93); declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública (art. 87, inciso IV, da Lei nº 8.666/93); impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (art. 7º da Lei nº 10.520/02); proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios e incentivos (art. 12 da Lei nº 8.429,/92); proibição de participar de licitações e de contratar com o Poder Público (art. 81, § 3º, da Lei nº 9.504/97); declaração de inidoneidade pelo TCU (art. 46 da Lei nº 8.443/93); e demais sanções previstas em legislações específicas ou correlatas. O CEIS representa um importante mecanismo para tornar mais transparente a situação das empresas que tencionam firmar contratos com a Administração Pública, alinhando-se, portanto, aos princípios da eficiência e moralidade, uma vez que facilitará que os entes públicos e demais interessados tenham condições de averiguar, de forma rápida e simples, a existência de eventuais restrições que poderiam impedir determinada pessoa de contratar com a Administração. Para além de ser importante instrumento de controle público, descortina, ainda, valoroso fomento ao controle social da Administração Pública, uma vez que suas informações estão disponíveis na internet. No exercício desse mister, tem-se, ainda, que o CEIS confere importante concretude à previsão constante do art. 97 da Lei nº 8.666/93, que tipifica a conduta de admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarados inidôneos, bem como ao parágrafo único desse artigo, que estabelece igual repercussão penal àquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Administração Pública. Assim, uma vez noticiada no CEIS a penalidade administrativa imposta à contratada, e considerando tratar-se de banco de dados de livre acesso, em ambiente web, de fácil consulta pelos órgaõs e entidades da Administração Pública, pode-se concluir que o CEIS constitui, por um lado, eficiente mecanismo preventivo da prática delituosa e, por outro, sinalizador de sua ocorrência, o que contribui para a diminuição da impunidade.

7.1.1. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS APLICÁVEIS A LICITANTES E CONTRATADOS Em conclusão à temática abordada no item 7.1, far-se-á breve síntese das sanções estabelecidas no artigo 87 da Lei nº 8.666/93 aplicáveis a licitantes e contratados. A lei alude a quatro espécies de sanções administrativas, que podem ser divididas em duas categorias. Há sanções internas ao contrato, ditas sanções contratuais, uma vez que exaurem seus efeitos no âmbito da contratação (advertência e multa), e sanções que produzem seus efeitos além da relação contratual, também denominadas de sanções externas ou genéricas (suspensão temporária e declaração de inidoneidade).

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Grande parte da doutrina critica a insuficiente tipificação na lei de regência das condutas hábeis a justificar a punição administrativa de licitantes e contratados. Por tal aspecto, defende Eduardo Dias Rocha49 a possibilidade de o edital e o contrato colaborarem com a lei na determinação dos pressupostos de sancionamento e na definição de critérios de aplicação de sanção. 7.1.1.1. ADVERTÊNCIA A advertência se apresenta como a sanção mais branda entre as elencadas na lei de licitações, devendo ser aplicada, proporcionalmente, às condutas de inexecução parcial de deveres de diminuta monta e inobservâncias contratuais de menor importância, que se apresentem como fato isolado. Conforme leciona Marçal Justen Filho50, decorrem da advertência dois efeitos peculiares. O primeiro implica a maior incidência da atividade fiscalizatória por parte da Administração sobre o particular, observando que “não se trata de alterar as exigências impostas, que continuam as mesmas. Haverá, porém, um acompanhamento mais minucioso da atividade do particular, tendo em vista haver anteriormente descumprido seus deveres”. O outro efeito mencionado consiste na cientificação de que em caso de reincidência (específica ou genérica), o particular sofrerá punição mais severa. 7.1.1.2. MULTA Trata-se de penalidade de natureza pecuniária, que se destina a punir o licitante ou contratado que deixou de cumprir suas obrigações. A sanção em tela pode assumir feição moratória ou indenizatória. A multa moratória é aplicada em razão da demora no cumprimento das obrigações contratuais, ou seja, o atraso injustificado por parte do contratado acarreta a aplicação da multa de mora. Já a multa indenizatória tem por finalidade compensar a parte prejudicada pelos danos que lhe foram causados pela inadimplência do licitante ou contratado. Conforme expressa disposição legal (art. 86, caput e art. 87, inciso II, ambos da lei de licitações), é indispensável que a multa tenha sido fixada no instrumento convocatório ou no contrato, sob pena de inviabilizar sua aplicação. Aliás, o STJ já exarou o entendimento de que é “inviável a aplicação de penalidade de multa ao adjudicatário que se recusa a assinar o contrato (Lei nº 8.666/93, art. 81) sem que ela tenha sido prevista no edital” (Resp. nº 709.378/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, em 21.10.2008). Outro aspecto a ser observado é que a previsão das multas em instrumento convocatório deve atuar como fator inibidor da conduta ilícita. Assim, estabelecidas elas em percentual ínfimo, cujo montante seja inexpressivo, teremos que as multas não cumprirão suas finalidades, uma vez que, em certas ocasiões, será mais vantajoso ao licitante ou ao contratado o inadimplemento da obrigação estabelecida.

49 ROCHA, 1997, p. 78. 50 JUSTEN FILHO, 2005, p. 821.

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7.1.1.3. SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE PARTICIPAR EM LICITAÇÃO E IMPEDIMENTO DE CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO A penalidade em epígrafe opera o efeito de impedir o infrator penalizado de participar de certames licitatórios, bem como contratar com a Administração. A lei estabelece o prazo máximo de dois anos para que a referida sanção produza seus efeitos. Logo, conclui-se que a Administração poderá, observados os preceitos da proporcionalidade, estabelecer um prazo menor do que o previsto em Lei. A imposição desta sanção é uma providência abrangida nas atribuições de gestão do órgão contratante. Em relação à abrangência da penalidade em análise, faz-se mister destacar que o tema não é pacífico na doutrina, que aborda o assunto sob duas perspectivas distintas. A primeira corrente, capitaneada por Jessé Torres Pereira Junior51, defende que a Lei de Licitações, em seu artigo 6º, inciso XII, define Administração como “o órgão, entidade, ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente”, e o inciso XI a conceitua como “a Administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Dessa forma conclui que o legislador quis com a suspensão obstar a empresa penalizada de participar de certames ou contratar com órgão ou entidade que aplicou a penalidade. Já a segunda corrente doutrinária, capitaneada por Marçal Justen Filho52, entende que a suspensão temporária surte seus efeitos perante toda a Administração Pública, ou seja, toda a Administração direta e indireta, das três esferas de governo. Nas palavras do mencionado autor “não haveria sentido em circunscrever os efeitos da suspensão temporária a apenas um órgão específico. Se um determinado sujeito apresenta desvios de conduta que o inabilitaram para contratar com a Administração Pública, os efeitos dessa ilicitude se estendem a qualquer órgão”. A jurisprudência do STJ parece se alinhar ao entendimento supra, uma vez que, nos autos do REsp. n° 174.247/SP, de relatoria do Ministro Castro Meira, sustentou-se que:

“(...) a punição prevista no inciso III do art. 87, da Lei n° 8.666/93, não produz efeitos somente em relação ao órgão ou ente federado que determinou a punição, mas a toda Administração Pública, pois, caso contrário, permitir-se-ia que empresa suspensa contratasse novamente durante o período de suspensão, tirando desta a eficácia necessária”.

7.1.1.4. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE Trata-se da mais gravosa das penalidades administrativas previstas no Diploma de Licitações, que consiste em impedir o infrator de licitar e contratar com a Administração Pública, assim considerada em seu sentido mais amplo, ou seja, a Administração direta e indireta das três esferas de governo. Diferentemente da suspensão, a presente sanção produz seus efeitos enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade. Percebe-se, portanto, que a extinção dos feitos da sanção de declaração de inidoneidade não se perfaz pelo simples decurso do tempo, de forma instantânea. Determina a Lei a produção de um ato administrativo formal, de cunho desconstitutivo, denominado reabilitação.

51 PEREIRA JÚNIOR, 2009, p. 860. 52 JUSTEN FILHO, 2005, p. 823.

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Frise-se que a reabilitação do sujeito infrator somente será concedida após decorrido o prazo de dois anos e mediante ressarcimento à Administração pelos prejuízos causados, se assim os houver. A aplicação da sanção em epígrafe é de competência exclusiva de Ministro de Estado, no âmbito federal, de Secretário de Estado ou Distrital, no âmbito de Estados e Distrito Federal, e Secretário Municipal, no âmbito dos municípios. Vale ressaltar, mais uma vez, que a jurisprudência do STJ tem admitido a aplicação da sanção de inidoneidade, em nível federal, pelo Ministro-Chefe da CGU, em relação a contrato pactuado por outra pasta.

ADMINISTRATIVO - LICITAÇÃO – INIDONEIDADE DECRETADA PELA CON-TROLADORIA GERAL DA UNIÃO – ATO IMPUGNADO VIA MANDADO DE SEGU-RANÇA. 1. Empresa que, em processo administrativo regular, teve decretada a sua ini-doneidade para licitar e contratar com o Poder Público, com base em fatos concretos. 2. Constitucionalidade da sanção aplicada com respaldo na Lei de Licita-ções, Lei 8.666/93 (arts. 87e 88). (grifo nosso) 3. Legalidade do ato administrativo sancionador que observou o devido pro-cesso legal, o contraditório e o princípio da proporcionalidade. 4. Inidoneidade que, como sanção, só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento. 5. Segurança denegada. (STJ, MS n° 13.101-DF, Min. Eliana Calmon, julgado em 14/05/2008)

7.2. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO - PAR

Com o advento da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, denominada por “Lei da Empresa Limpa” ou “Lei Anticorrupção Empresarial”, inaugura-se no ordenamento brasileiro novo marco legal de responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira. Com escopo de responsabilização bastante amplo, as disposições da legislação em tela aplicam-se às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras que tenham sede, filial, ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.

Até o advento do referido diploma legal, existia verdadeiro vácuo no ordenamento

brasileiro com relação à responsabilização de empresas pela prática de atos corruptores, uma vez que o crime de corrupção, tanto na modalidade ativa como na passiva, atingia tão somente a conduta de pessoas naturais (pessoas físicas). Tal lacuna explicava-se, dentre outros fatores, pela resistência de parcela substancial da doutrina penalista à possibilidade de imputar responsabilidade criminal a pessoas jurídicas, fundamentada, sobretudo, no dogma da culpabilidade e da indispensabilidade do elemento subjetivo.

Por outro lado, restava na seara administrativa apenas a possibilidade de utilizar a

Lei nº 8.666/93 para sancionar atos relacionados à corrupção praticados por empresas, desde que diretamente relacionados ao processo licitatório ou à execução contratual, os quais poderiam redundar em declaração de inidoneidade. Outros atos de corrupção, como, por exemplo, o pagamento de propina a um servidor público fora do contexto de uma licitação ou de um contrato administrativo, não eram passíveis de gerar a responsabilização administrativa de uma pessoa jurídica, dependendo assim da intervenção judicial para sua punição, o que muitas vezes ocorria tardiamente e não atendia aos anseios sociais por uma relação mais transparente entre o setor público e o setor privado.

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Ao elencar o rol de atos lesivos à Administração Pública, foram contemplados tanto

ilícitos diretamente relacionados ao desenvolvimento de licitações e contratos administrativos, quanto ilícitos relacionados à pratica de atos de corrupção em sentido amplo, para além, portanto, do estrito âmbito das licitações públicas e contratos administrativos. Buscou-se um enfrentamento mais global à problemática da corrupção, dando-se maior ênfase à responsabilização não-criminal (administrativa e civil) da pessoa jurídica corruptor.

Na esfera administrativa, restou consignado que a responsabilização da pessoa

jurídica infratora seria verificada no bojo de um processo administrativo de cunho sancionador, denominado de “Processo Administrativo de Responsabilização – PAR”. Por meio do Capítulo IV da Lei nº 12.846/13, foram estabelecidas regras específicas que conformam todo o desenvolvimento do rito processual, desde a instauração do processo, com a definição da autoridade instauradora, passando pela fase de instrução, com a designação da comissão processante e exercício do direito de defesa, chegando à fase de deslinde do feito, julgamento, estabelecendo-se nuances do ato de julgamento a ser proferido pela autoridade julgadora, cuja regra de competência encontra-se expressamente prevista.

Dentre as penalidades administrativas passíveis de aplicação por meio do PAR estão

a pena de multa no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação e a publicação extraordinária da decisão condenatória. Ambas poderão ser aplicadas isoladas ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações.

No âmbito da CGU, com a finalidade de dar melhor cumprimento ao que determina a

Lei nº 12.846/2013, foi instituída na estrutura orgânica da Corregedoria-Geral da União a Coordenação-Geral de Responsabilização de Ente privados – COREP, em substituição à Comissão de Processo Administrativo de Fornecedores – CPAF.

Assim, a partir da concretização deste novo marco legal, a CPAF foi transformada na

Coordenação-Geral de Responsabilização de Entes Privados – COREP, coordenação específica para atuar na responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção, inclusive em relação àqueles não estritamente vinculados a licitações e contratos administrativos, por meio da atuação de uma equipe especializada no assunto e com dedicação exclusiva ao tratamento da matéria.

7.3. TERMO CIRCUNSTANCIADO ADMINISTRATIVO A instauração da seara administrativa punitiva não deve ser banalizada no âmbito da Administração Pública, requerendo, conforme estudado no tópico sobre juízo de admissibilidade, escorreito exame de prudência e moderação. No âmbito dos procedimentos administrativos, a instância disciplinar deve ser idealizada, em analogia aos institutos da Ciência Criminal, como a ultima ratio do Direito Administrativo. Ou seja, apenas quando não mais suficientes à recondução da normalidade administrativa através de outros instrumentos administrativos, é que deve a instância correcional ser acionada, afinal, o direito punitivo da Administração sempre deve ser visto como área de aplicação residual, excepcional e sem excessos. Sabe-se que a instauração dos instrumentos punitivos traz consigo onerosos custos a serem suportados pela Administração e seus agentes. Tais custos descortinam reflexos tanto materiais, como, por exemplo, gastos financeiros, resultados negativos na produtividade da atividade-fim do órgão ou entidade, entre outros, quanto imateriais, como o desconforto causado

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no âmbito da repartição, repercussões na imagem e segurança jurídica da instituição, etc. Reforça-se, portanto, que a custosa e reservada sede disciplinar somente deve ser inaugurada quando os demais instrumentos gerenciais não punitivos não surtirem o efeito restabelecedor da ordem interna ou inibidor da desordem administrativa. Atenta à realidade supramencionada e em observância aos princípios da eficiência e do interesse público por meio da racionalização dos procedimentos administrativos, bem como em consideração à necessidade de desburocratização da Administração Pública por meio da eliminação de controles cujo custo de implementação seja manifestamente desproporcional em relação aos benefícios porventura auferidos, a CGU, na qualidade de órgão central do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, em conformidade com suas competências constitucionais, legais e regimentais, instituiu, por meio da Instrução Normativa CGU n° 04, de 17 de fevereiro de 2009, o Termo Circunstanciado Administrativo (TCA). Esse importante instrumento tem por fundamento constitucional direto o princípio da eficiência administrativa, inserto em seu art. 37, caput, que reclama o desenvolvimento de procedimentos céleres, simples e efetivos, demandando, ainda, que as formalidades destinem-se a garantir os direitos da Administração e administrados, e não a obstruí-los por ritos custosos e sacralizados, sempre com vistas à efetiva produção dos efeitos normativos previstos. Já no plano legal, o TCA se apresenta como um desdobramento do mandamento legal contido no artigo 14 do Decreto-Lei n° 200/67, que ao dispor sobre a atividade de Controle Interno, impôs que o trabalho administrativo fosse racionalizado mediante a simplificação de processos e supressão de controles cujos custos sejam evidentemente superiores aos riscos enfrentados. Nesse sentido, foi estabelecida uma apuração simplificada, a cargo da própria unidade de ocorrência do fato, à margem do sistema correcional, a ser realizada por meio do TCA, para casos de dano ou desaparecimento de bem público que implicar prejuízo de pequeno valor (assim entendido quando o preço de mercado - e não de registro contábil - para aquisição ou para reparação do bem extraviado ou danificado for igual ou inferior ao limite legal para dispensa de licitação, conforme o art. 24, II da Lei nº 8.666, de 21/06/93 - atualmente de R$ 8.000,00). Ressalte-se, que a utilização do modo de apuração estabelecido ao longo da mencionada Instrução Normativa, aplica-se aos casos em que o extravio ou o dano do bem público apresentarem indícios de conduta culposa de servidor público. Assim, veda-se sua aplicação nos casos em que há indícios de conduta dolosa. O TCA deve ser protocolizado na forma de um processo administrativo lato sensu, tendo como folha inaugural o formulário estabelecido pela Portaria-CGU/CRG nº 513, de 05/03/09, não se exigindo formalismo de publicar ato de instauração e de designação de seu condutor, atribuição esta que recai sobre o chefe do setor responsável pela gerência de bens e materiais na unidade. Esse gestor patrimonial deve lavrar o TCA, descrevendo o fato, identificando o servidor envolvido, propiciando-lhe a manifestação no processo em cinco dias (prazo prorrogável por igual período, sendo permitido, se necessário, realização de provas, inclusive laudos periciais ou técnicos), e, ao final, deve apresentar parecer conclusivo, com proposta de julgamento para o titular da unidade de lotação do servidor à época do fato, que pode acatar ou não a proposta. Caso a autoridade julgadora conclua que o prejuízo de pequena monta decorreu de conduta culposa do servidor e este concorde com o ressarcimento ao erário, a solução se encerra no próprio TCA . Neste caso, o encerramento se condiciona ao ressarcimento ao erário, no prazo de cinco dias (prorrogável por igual período), tanto por meio de pagamento quanto pela entrega de bem igual ou superior ao bem danificado ou extraviado ou pela prestação de serviço que restitua o bem danificado ao estado anterior. Caso contrário, não havendo aquiescência do servidor quanto ao ressarcimento, a apuração de responsabilidade administrativa não se encerrará nos autos do TCA, implicando a necessidade de instauração da seara disciplinar, seja através de processo administrativo disciplinar ou Sindicância. Ressalte-se que o voluntário ressarcimento por parte do servidor, mesmo após o

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prazo estabelecido no TCA, desde que antes da inauguração do rito disciplinar, tem o condão de afastar o início das atividades correcionais. Por outro lado, caso a autoridade administrativa conclua que o dano ao bem decorreu do uso regular do mesmo ou de fatores que independeram da ação do servidor, a apuração será encerrada e os autos serão encaminhados ao setor responsável pela gerência de patrimônio da unidade administrativa, com vistas à baixa do bem. De outra parte, havendo indícios de que o prejuízo decorreu de conduta dolosa do servidor, o TCA deverá ser encerrado e sua conclusão encaminhada ao setor responsável com vistas à apuração por meio de sindicância ou processo administrativo disciplinar. Finalmente, na hipótese de, no curso do TCA, constatar-se que o extravio ou dano ao bem decorreu por ato comissivo ou omissivo imputável a empresa prestadora de serviço à Administração, cópias do TCA deverão ser remetidas ao fiscal do contrato, para que adote as providências necessárias ao ressarcimento ao erário, nos termos do instrumento contratual.

8. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – RITO ORDINÁ-RIO

8.1. FASES: INSTAURAÇÃO, INQUÉRITO (INSTRUÇÃO, DEFESA E RELATÓRIO) E JULGAMENTO

O rito ordinário do processo administrativo disciplinar – que é o procedimento, o

ritmo de condução dos trabalhos – está previsto na Lei nº 8.112/90, do art. 148 ao art. 166, artigos esses que estabelecem para o referido rito as fases de instauração, inquérito e julgamento, sendo que, dentro da fase de inquérito encontram-se as subfases de instrução, defesa e relatório.

De forma a melhor visualizar as fases e subfases citadas acima, transcreve-se o

dispositivo que as estabelece:

Art.151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:

I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão; II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório; III - julgamento.

Em tempo, esclareça-se que o tema será abordado neste momento à maneira de

breve introdução, em vista do devido aprofundamento que a matéria receberá em tópico específico do manual.

Dito isso, passa-se à conceituação da primeira fase em tela – a instauração. A

instauração do processo administrativo disciplinar no rito ordinário é um ato exclusivo daquela autoridade com competência regimental ou legal para tanto, e se realiza mediante a publicação de Portaria que designa a comissão disciplinar que atuará no apuratório.

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A mencionada Portaria deve conter os dados funcionais dos membros da comissão (três servidores efetivos estáveis), a indicação de qual deles exercerá a função de presidente, o processo que será objeto de análise e menção à possibilidade de a comissão apurar fatos conexos aos já contidos no processo principal.

A publicação em comento, que oficialmente inicia o processo administrativo

disciplinar e interrompe a contagem do prazo prescricional de que trata o § 3º do art. 142 da Lei nº 8.112/90, deve ser realizada em boletins internos do próprio Órgão ou Entidade, configurando-se a necessidade de publicação no Diário Oficial da União apenas nas situações listadas na Portaria – PR/IN nº 268, de 5 de outubro de 2009, quais sejam: quando a comissão for constituída por membros de Órgãos ou Entidades diversos ou devam atuar em âmbito externo.

A fase do inquérito, por sua vez, é aquela em que o Trio Processante ora designado

realmente irá apurar os fatos utilizando-se de todos os meios de prova admitidos pelo direito, ou seja, é nesse momento que a comissão, obedecendo aos princípios do contraditório e da ampla defesa, produzirá ou colherá todos os elementos que lhe permitam formar e exprimir a convicção definitiva acerca da materialidade e autoria dos fatos irregulares ou mesmo da inexistência de tais fatos.

Ainda na fase do inquérito, convém fazer expressa referência às três subfases que a

constituem: instrução, defesa e relatório. Essas subfases correspondem, respectivamente e em apertada síntese, à produção de provas, apresentação de defesa escrita pelo servidor indiciado pela comissão como possível autor de condutas irregulares e manifestação da decisão final do colegiado disciplinar.

A subfase de instrução é aquela em que, sob o manto do contraditório e da ampla

defesa, são produzidas pela comissão disciplinar as provas necessárias ao esclarecimento dos fatos (por meio de investigação, diligência, análise documental, perícia, aquisição de prova emprestada, oitiva de testemunhas, acareação e interrogatório de acusados). Dessa forma, a partir de uma Notificação Prévia, o servidor cuja conduta esteja sob exame é convidado, desde o início, a participar do andamento dos trabalhos apuratórios desenvolvidos pela comissão disciplinar, passando a ser denominado de acusado.

Ao final da subfase de instrução, e caso se conclua pela culpa do servidor acusado,

será elaborado o termo de indiciação, documento mediante o qual serão elencados os fatos irregulares imputados a determinado servidor e as provas de que se utilizou para chegar a tal conclusão. Esse termo de indiciação é oficialmente encaminhado ao acusado através de outro documento chamado mandado de citação.

Uma vez recebido o mandado de citação, inicia-se a subfase de defesa, na qual o

servidor ora indiciado tem o prazo legal de dez dias para apresentar sua Defesa Escrita, nos termos do § 1º do art. 161 da Lei nº 8.112/90. Na hipótese de haver dois ou mais indiciados, esse prazo será comum e de 20 dias. Nessa peça, o indiciado apresentará sua versão, sua defesa em relação aos fatos que lhe foram imputados no termo de indiciação. Lembrando que esse prazo de dez dias poderá ser prorrogado pelo dobro, no caso de diligências julgadas indispensáveis (§ 3º do mesmo art. 161).

A mencionada defesa, após devidamente apreciada, será objeto de um Relatório

Final, mediante o qual a comissão irá se pronunciar pela última vez no feito, apresentando sua convicção pela eventual transgressão legal ou regulamentar que entenda ter ocorrido ou pela inocência do servidor indiciado.

Tal documento – que deve ser sempre conclusivo pela culpa ou inocência do

servidor então indiciado ou pela inocência do servidor que não tenha sido indiciado – é enviado à autoridade instauradora dos trabalhos disciplinares, dando início à fase do julgamento. Sendo a autoridade instauradora competente para infligir a penalidade porventura aplicável e havendo

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ainda prazo legal para tanto, deverá fazê-lo, a não ser que a proposta do relatório esteja contrária às provas presentes nos autos.

No caso de a autoridade instauradora não ser competente para a aplicação da pena,

deverá providenciar o encaminhamento para quem o seja. Registre-se também que, dentre outros, nos casos das penas de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade, a autoridade julgadora deverá, antes de aplicá-las, ouvir seu Órgão de Assessoramento Jurídico, por força do inciso I do art. 1º do Decreto nº 3.035, de 27 de abril de 1999.

8.2. PRAZOS: CONTAGEM E PRORROGAÇÃO A Lei nº 8.112/90 estabeleceu, em seu art. 152, o prazo para a conclusão dos

trabalhos da comissão de processo administrativo disciplinar, além de prever, nesse mesmo dispositivo, a possibilidade de prorrogação de tais trabalhos pelo mesmo prazo inicialmente concedido. Segue a norma citada:

“Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comis-são, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem.”

O prazo foi delineado de forma geral para todos os processos administrativos

disciplinares instaurados, o que não implica dizer que, independente da dificuldade do caso sob apuração, esse prazo deva ser considerado como absoluto. Trata-se de um balizador dos trabalhos da comissão disciplinar que venha a atuar em uma apuração mais complexa e, nos casos mais simples, há de ser tomado como um período de tempo razoável para a real e definitiva solução do feito.

Todavia, isso não pode servir de escudo para a indefinida postergação dos trabalhos

apuratórios nos casos mais complexos, sob pena de se descumprir ordenamento constitucional que estabelece como direito de todos, tanto no âmbito judicial quanto no administrativo, a razoável duração dos processos (art. 5º, LXXVIII). E, ainda, até mesmo em função da existência do instituto da prescrição que, com a sua incidência, pode retirar da Administração Pública o direito de infligir qualquer punição a um eventual servidor autor de infração disciplinar.

8.2.1. CONTAGEM Por contagem se entende a maneira como o intervalo de tempo conceituado no item

anterior será efetivamente aplicado no calendário civil, ou seja: em que dia começa a ser contado o prazo concedido na portaria instauradora do processo administrativo disciplinar; se esse prazo, após o início de seu transcurso, é contado somente em dias úteis ou corridos; e qual a data de seu término.

A forma de contagem do prazo em tela exige um estudo comparativo envolvendo

dois dispositivos da própria Lei nº 8.112/90, um da Lei nº 9.784/99 e um do Código de Processo Civil – CPC:

Lei nº 8.112/90:

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Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comis-são, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem. (grifou-se) Art. 238. Os prazos previstos nesta Lei serão contados em dias corridos, exclu-indo-se o dia do começo e incluindo-se o do vencimento, ficando prorrogado, para o primeiro dia útil seguinte, o prazo vencido em dia em que não haja ex-pediente. (grifou-se) Lei nº 9.784/99: Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento. § 1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o ven-cimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora normal. § 2º Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo. (grifou-se) Lei nº 5.869/73 (CPC): “Art. 184. Salvo disposição em contrário, computar-se-ão os prazos, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento. § 1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o vencimento cair em feriado (...) § 2º Os prazos somente começam a correr a partir do primeiro dia útil após a citação ou intimação.”

A julgar pelo exposto acima, conclui-se que, após iniciado o transcurso do prazo em

comento, não importa se se trata de dia útil ou não, todos entrarão no cômputo porque o prazo é contado em dias “corridos” ou de “modo contínuo”.

Já no que concerne à questão do início e do término da contagem, urge uma maior

análise das normas transcritas para se chegar a uma solução definitiva. O entendimento sobre o assunto, adotado de forma geral na Controladoria-Geral da União, é no sentido de harmonizar todos os dispositivos acima, por meio de interpretação sistemática, chegando-se a uma forma de contagem híbrida.

Essa forma de contagem dá-se a partir da seguinte interpretação: a) o art. 152 da Lei

nº 8.112/90 estabelece o prazo de 60 dias e que o início da contagem desses dias se dá a partir da publicação do ato que constitui a comissão de processo administrativo disciplinar; b) por sua vez, o art. 238 do mesmo instituto legal, acompanhado pelo art. 66 da Lei nº 9.784/99 e pelo art. 184 do CPC, excluem da contagem o dia do começo, logo se exclui o dia da publicação do ato para a contagem do prazo de 60 dias estabelecido pelo art. 152; c) por força dos mesmos arts. 238, 66 (§ 1º) e 184 (§ 1º), inclui-se na contagem o dia do vencimento – 60º dia, sendo automaticamente prorrogado para o próximo dia útil, caso tenha caído em dia que não o seja.

De maneira a exemplificar o sobredito, imagine-se uma comissão de processo

administrativo disciplinar cuja portaria instauradora tenha sido publicada em uma sexta-feira (9 de outubro). A contagem do prazo de 60 dias para o término dos trabalhos da dita comissão será iniciada no sábado seguinte à publicação da portaria em estudo (10 de outubro).

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Destaque-se que não existe previsão legal para que o início da contagem do referido prazo seja postergada até o próximo dia útil.

Ainda a título de exemplo, e agora com vistas à análise da data final de um prazo de

60 dias, imagine-se que o 60º dia desse prazo seja um sábado (11 de dezembro). Logo, o término efetivo do prazo da comissão será segunda-feira (13 de dezembro) – perceba-se que o término do prazo seria no próprio dia 11 de dezembro se ele fosse um dia útil. Não obstante a regra exposta, é importante ressaltar que, nos prazos estabelecidos em face de acusados, tais como aqueles impostos pela comissão para apresentação de manifestação, defesa, ou para comparecimento na produção de prova, deve ser considerada a disposição do art. 184, § 2º, do Código de Processo Civil. O referido artigo prevê que os prazos não devem começar a ser contados em dias não úteis.

Embora esta regra não esteja prevista na Lei nº 8.112/90 ou na Lei nº 9.784/99 e, portanto, não deva ser utilizada na contagem de prazo da comissão, convencionou-se sua utilização no direito disciplinar quando favoreça acusados, a fim de possibilitar ao máximo o exercício do contraditório e da ampla defesa.

8.2.2. PRORROGAÇÃO Como já tratado no início deste tópico, o art. 152 da Lei nº 8.112/90 prevê a

possibilidade de prorrogação dos trabalhos da comissão disciplinar pelo mesmo período concedido inicialmente, qual seja, até 60 dias.

Assim, é de se observar que a autoridade competente não é obrigada a conceder o

prazo de 60 dias para que a comissão disciplinar leve a cabo os seus trabalhos apuratórios, mas, caso não o faça, determinando, por exemplo, o período inicial de 45 dias para tal mister, estará obrigada a estabelecer os mesmos 45 dias para a efetiva conclusão dos referidos trabalhos se por acaso surgir a necessidade de sua prorrogação.

Isso posto, sugere-se que a autoridade sempre estabeleça o prazo inicial máximo

permitido pela lei, ou seja, 60 dias, uma vez que poderá conceder eventual prorrogação dos trabalhos pelo mesmo período e, caso a comissão conclua sua tarefa antes do término desse prazo, não há nenhum impedimento a que entregue de imediato o respectivo Relatório Final para o competente julgamento.

Para que seja realizada a prorrogação do prazo, a comissão disciplinar deverá

formular o respectivo pedido à autoridade competente com antecedência e de forma a esclarecer as justificativas dessa prorrogação (podem ser citados, por exemplo, os trabalhos já realizados e aqueles ainda por realizar).

Registre-se, ainda, que não é aconselhável haver lapso de tempo entre o término do

prazo inicialmente estabelecido e a publicação do ato de prorrogação e muito menos deve a comissão realizar qualquer ato nesse eventual e inconveniente intervalo de dias, sob pena de ser tal ato questionado e até mesmo anulado. Para evitar problemas dessa natureza, é de boa praxe que a autoridade competente publique o ato de prorrogação no dia do término do prazo inicial.

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Um último ponto digno de nota é a possibilidade de eventualmente não figurar no ato constituidor da comissão disciplinar o prazo concedido para a conclusão dos seus trabalhos. Nessa situação, considera-se o prazo máximo de 60 dias concedido pelo ordenamento legal.

8.2.3. CONTINUIDADE DA APURAÇÃO Questão de relevo é a atinente ao término do prazo para a conclusão dos trabalhos a cargo da comissão de processo administrativo disciplinar, ou seja, vencidos, nos termos do art. 152 da Lei nº 8.112/90, o prazo inicial de 60 dias somado ao de prorrogação por mais 60 dias, qual a solução a ser adotada? A resposta a essa indagação não é encontrada diretamente na leitura da lei, mas é extraída da sua interpretação sistemática e teleológica, bem como dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que já encontram-se consolidados sobre o tema. De início, o que se deve ter como certo é que o esgotamento do prazo legal conferido ao trio processante sem que esse tenha concluído o seu munus público com a apresentação do relatório final, não significa o perdimento do poder disciplinar apuratório e punitivo da Administração. Com efeito, turbada a regularidade do serviço público com a eventual prática de irregularidade administrativo-disciplinar por servidor público, e sendo esse fato conhecido pela Administração, tem-se por imposto, à luz do estabelecido pelo art. 143 da Lei nº 8.112/90, o dever de apuração. O exercício desse dever, consoante já exposto no tópico respectivo, pode dar-se, inicialmente, com a realização do juízo de admissibilidade e a deflagração de algum dos procedimentos investigativos. Ou ainda, pode ocorrer com a instauração direta de alguma das medidas disciplinares contraditórias, conceito no qual se insere o processo administrativo disciplinar, quando já verificados indícios suficientes de autoria e materialidade. Nessa esteira, conhecido pela Administração o suposto fato irregular, emerge o dever de apuração e, a partir desse momento, inicia-se a contagem do prazo prescricional da pretensão punitiva da Administração. Nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 142 da Lei nº 8.112/90, e considerando o disposto no Enunciado CGU nº 1, a instauração do processo administrativo disciplinar interrompe a marcha do fluxo prescricional, o qual voltará a correr, desde o seu início, a partir do término do prazo legal estabelecido para a apuração, o qual, consoante anteriormente abordado, perfaz 140 dias, haja vista que se refere à soma dos 60 dias iniciais, acrescido dos 60 dias de prorrogação e dos 20 dias conferidos para o julgamento – tal assunto será novamente discutido em 15.3. Vê-se, assim, que a única repercussão prevista na Lei nº 8.112/90 para a inconclusividade da apuração no prazo ordinariamente estabelecido é a retomada da contagem do prazo previsto inicialmente para a prescrição da pretensão punitiva da Administração, o qual, consoante os incisos I a III do art. 142 da Lei nº 8.112/90 poderá ser 180 dias, se a penalidade cabível for de advertência, 2 anos, se a pena for de suspensão, ou 5 anos, quando a penalidade for de demissão, destituição do cargo em comissão e cassação de aposentadoria. Conclui-se, portanto, que após vencido o prazo legalmente estabelecido para os trabalhos da comissão, não se dá a extinção do poder disciplinar da Administração, de modo que, passado esse prazo, necessário se faz a concessão de novos e subsequentes prazos que se fizerem

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necessários para a elucidação dos fatos sob apuração, com espeque na busca da verdade material, e à luz de princípios como os da eficiência, moralidade e duração razoável do processo. Nesse sentido, poderá a autoridade competente, sempre ponderando no caso concreto a utilidade e necessidade da continuidade do procedimento, e com esteio nos princípios mencionados, conferir novo prazo de trabalho à comissão disciplinar. Acrescente-se que a possibilidade de concessão de novos prazos de trabalho para a comissão pode ser extraído, também, da leitura do parágrafo único do art. 147 da Lei nº 8.112/90, ao determinar o esgotamento do prazo do afastamento preventivo ainda que não finalizado o processo. Eis o que dispõe o referido dispositivo:

Art. 147. (...) Parágrafo único. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.

Nessa linha, o STJ já se manifestou no sentido de que a não conclusão do processo administrativo disciplinar no prazo de 120 dias (prazo originário de 60 dias mais a prorrogação por igual período), na forma do art. 152 da Lei nº 8.112/90, não constitui nulidade. Eis o excerto que traduz esse entendimento (Idem: STF, Mandados de Segurança nº 7.015, 21.494 e 22.656; e STJ, Mandados de Segurança nº 7.066, 7.435 e 8.877; e Recursos em Mandado de Segurança nº 6.757 e 10.464):

Ementa: Esta Colenda Corte já firmou entendimento no sentido de que a extra-polação do prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar não consubstancia nulidade susceptível de invalidar o procedimento.

(STJ, Mandado de Segurança nº 7.962) Por outro lado, para a concessão de novo prazo, a autoridade deverá emitir novo ato designatório da comissão, para que, no prazo de até 60 dias, continue ou ultime a apuração deflagrada pela portaria de instauração inicial. Esse prazo poderá, assim como o originário, sofrer única prorrogação por igual período, consoante se depreende do art. 152 da Lei nº 8.112/90. Nessa toada, esgotado o prazo de prorrogação, a autoridade poderá novamente realizar o juízo de ponderação e decidir, no caso concreto, segundo as circunstâncias que o permeiam, por designar ou reconduzir novamente o trio processante, e assim sucessivamente, até o término dos trabalhos. Com o intuito de subsidiar a decisão da autoridade instauradora sobre os pedidos de recondução ou nova designação, formulados pelo trio processante, é imperioso que este sempre justifique a solicitação, demonstrando de forma sucinta os atos e diligências já realizados e quais ainda são indispensáveis, indicando o novo prazo necessário à sua realização. Trata-se do cumprimento do dever de prestar contas, inerente ao servidor público. Ademais, considerando que se trata de nova designação do trio processante, pode a autoridade, nesse momento, decidir pela substituição de algum ou de todos os membros. Finalmente, deve ser observado o que já foi exposto no tópico sobre prorrogação, no que se refere à recomendação no sentido de que inexista lapso temporal entre o término da contagem do prazo anteriormente previsto e o novo prazo decorrente da portaria que determinar a continuidade da apuração. Ainda, se houver esse lapso temporal, deve a comissão abster-se de praticar qualquer ato nesse período, vez que não estará amparada em ato delegante emitido pela autoridade competente que lhe confira competência apuradora.

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9. INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR O processo administrativo disciplinar – PAD está regulado nos artigos 148 a 182 da Lei nº 8.112/90 e desenvolve-se nas seguintes fases: instauração, inquérito administrativo (instrução, defesa e relatório) e julgamento (art. 151 e incisos da Lei nº 8.112/90). A 1ª fase do processo, a cargo da autoridade instauradora, após o exame ou juízo de admissibilidade, inaugurando a sede disciplinar propriamente dita, é chamada de instauração. É pontual e não comporta contraditório. O art. 153 da Lei nº 8.112/90 garante o direito ao contraditório somente na segunda fase do processo, ou seja, na fase do inquérito administrativo.

PARECER-AGU Nº GQ-55, vinculante: “6. O comando constitucional para que se observem o contraditório e a ampla defesa, no processo administrativo, é silen-te quanto à fase processual em que isto deve ocorrer (cfr. o art. 5º, LV). É tema disciplinado em norma infraconstitucional: a Lei nº 8.112, de 1990, assegura a ampla defesa no curso do processo disciplinar e, o contraditório, no inquérito administrativo (v. os arts. 143 e 153), que corresponde à 2ª fase do apuratório (art. 151, II).”

A instauração do processo disciplinar se dará através da publicação da portaria baixada pela autoridade competente, que designará seus integrantes e indicará, dentre eles, o presidente da comissão de inquérito (inc. I, do art. 151 da Lei nº 8.112/90).

A mencionada portaria deve conter os dados funcionais dos membros da comissão (nome, cargo e matrícula), a indicação de qual deles exercerá a função de presidente, o procedimen-to do feito (PAD ou Sindicância), menção ao prazo concedido, o objeto da análise do processo, bem como a possibilidade de a comissão apurar fatos conexos aos já contidos no processo principal. Portanto, a 1ª fase do PAD, instauração do processo disciplinar, só passa a existir e se aperfeiçoa com a publicação do ato que constituir a comissão (portaria inaugural). Em reforço a tal entendimento, transcreve-se, a seguir, os ensinamentos de Ivan Barbosa Rigolin:

Instaura-se, ou abre-se, o processo pela fase de comunicação do ato que consti-tuir a comissão processante, ato esse de responsabilidade da autoridade com-petente para nomear os membros de cada qual (que é sempre especial para cada caso).53

9.1. MOMENTO DA INSTAURAÇÃO O momento para a instauração do feito disciplinar pela autoridade competente, seja de ofício ou por provocação, é aquele imediatamente após o conhecimento dos fatos que impliquem a necessária apuração (art. 143 da Lei nº 8.112/90). Nesse ponto, deve-se ressaltar cautela no trato do assunto, considerando a possível repercussão nos prazos de prescrição. Oportuno citar o PARECER Nº AGU/LS-1/98 (Anexo ao PARECER-AGU GQ-149):

53 RIGOLIN, 2010, p. 323.

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13. Desse modo, a autoridade competente, isto é, aquela a quem couber, por força legal, determinar a apuração da responsabilidade do servidor público denunciado, deverá, de imediato, nomear a comissão processante, tudo na con-formidade do que estabelecem os arts. 148 usque 173, da Lei 8.112/90.

Repise-se que nada impede que, antes da instauração do devido processo acusatório, a autoridade competente determine a instauração de processo de caráter investigativo, com o escopo de identificar a autoria do ilícito ou obter lastro probatório mais robusto relativo à materialidade do delito.

9.2. LOCAL DA INSTAURAÇÃO No aspecto espacial, o processo disciplinar será instaurado, preferencialmente, no âmbito do órgão ou instituição em que supostamente tenha sido praticado o ato antijurídico. Essa regra geral tem o propósito de facilitar a coleta de provas e a realização de diligências necessárias à elucidação dos fatos controversos.

No julgado abaixo, o STJ, fundamentando-se no art. 173, I da Lei nº 8.112/90, entende não ter havido vício no aspecto formal, visto que o processo foi instaurado no local onde os fatos ocorreram, apesar de ser lugar diverso da lotação do servidor (irregularidades cometidas fora da unidade de lotação do servidor).

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. IRREGULARIDADES. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I - A legislação prevê (Lei n. 8.112/90, art. 173, I) a hipótese de o processo administrativo ter curso em local diverso da repartição do servidor indiciado. No caso, o PAD foi instaurado no local on-de os fatos ocorreram, inexistindo qualquer vício nesse aspecto. (STJ – MS 13111/DF, 2007/0230465-5, Relator: Ministro Félix Fischer, Data do Julgamento: 27.02.2008, Terceira Seção, Data da Publicação: 30.04.2008)

No caso de infrações cometidas por servidores cedidos a outros órgãos, a

competência é do órgão onde ocorreu a irregularidade para a instauração do processo disciplinar. Todavia, como o vínculo funcional do servidor se dá com o órgão cedente, apenas a este incumbiria o julgamento e aplicação da penalidade (Nota DECOR/CGU/AGU Nº 016/2008-NMS). Nesses termos, a Nota DECOR/CGU/AGU nº 10/2008-JD já havia assinalado tal orientação:

A competência para julgar processo administrativo disciplinar envolvendo ser-vidor cedido a outro órgão ou instituição só pode ser da autoridade a que esse servidor esteja subordinado em razão do cargo efetivo que ocupa, ou seja, da autoridade competente no âmbito do órgão ou instituição cedente. Essa competência decorre do princípio da hierarquia que rege a Administração Pública, em razão do qual não se pode admitir que o servidor efetivo, integran-te do quadro funcional de um órgão ou instituição, seja julgado por autoridade de outro órgão ou instituição a que esteja apenas temporariamente cedido. É fato que o processo administrativo disciplinar é instaurado no âmbito do ór-gão ou instituição em que tenha sido praticado o ato antijurídico. Entretanto, tão logo concluído o relatório da comissão processante, deve-se encaminhá-lo ao titular do órgão ou instituição cedente para julgamento.

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Aliás, ressalte-se que, neste caso, para a realização do julgamento, a autoridade competente do órgão cedente não precisará designar uma nova comissão de inquérito. Na hipótese de servidores cedidos para outro ente da Federação, a Assessoria Jurídica da CGU-PR emitiu o seguinte parecer:

As irregularidades cometidas pelo agente no curso da cessão poderão ser obje-to de apuração tanto pelo órgão cedente, federal, como pelo órgão cessionário, estadual, competindo a cada um instruir seu respectivo processo disciplinar, na forma procedimental prevista em seus respectivos estatutos, bem como julgar e aplicar a penalidade, nos termos, novamente, de seus respectivos diplomas. Os efeitos da penalidade, caso aplicada, tampouco poderão atingir o vínculo man-tido com o outro ente federativo (Parecer nº 41/2011/ASJUR/CGU-PR).

Ademais, sobre o tema, José Armando da Costa esclarece:

Como a cada esfera de governo compete legislar sobre o regime jurídico dos seus respectivos servidores, não poderá, em tal matéria, haver incursão de uma esfera sobre outra, havendo, por conseguinte, total independência entre essas entidades federativas 54.

Em outra hipótese, contrária à regra geral, poderia ocorrer do servidor investido em cargo público federal na Administração Direta ocupar, à época do cometimento das supostas irregularidades, um cargo em comissão em empresa pública (entidade da Administração Indireta), cujo quadro de pessoal é regido pela Consolidação das Leis Trabalhista – CLT. Este fato não retira sua condição de servidor público estatutário regido pela Lei nº 8.112/90. Logo, por expressa previsão legal, só poderia ser processado por comissão de PAD/sindicância acusatória constituída por servidores públicos estáveis. Dessa forma, considerando a necessidade de se designar servidores estáveis para comporem a comissão de PAD/sindicância acusatória, verifica-se a impossibilidade de o Presidente da empresa pública o fazer. É que este não poderia, em regra, designar servidores de outros órgãos ou entidades da Administração que possuam em seu quadro de pessoal servidores estáveis. Seu poder hierárquico é, em princípio, restrito aos empregados de sua empresa. Assim, em situações como esta, de forma excepcional, o PAD deverá ser instaurado pela autoridade do órgão ou entidade em que o servidor possua um vínculo efetivo, ou seja, a Administração Direta. Eis um exemplo de caso de exceção à regra geral, em que as apurações de irregularidades são realizadas no órgão ou entidade diverso daquele onde os fatos ilícitos teriam supostamente ocorrido, ou ainda, pela própria CGU. Uma outra exceção à regra geral é estabelecida no parágrafo 3º, do art. 143, da Lei nº 8.112/90, em que se cogita da possibilidade de delegação da apuração do fato ilícito por autoridade de órgão ou entidade diverso daquele em que tenha ocorrido a irregularidade:

Art. 143. § 3º. A apuração de que trata o caput, por solicitação da autoridade a que se refere, poderá ser promovida por autoridade de órgão ou entidade diverso daquele em que tenha ocorrido a irregularidade, mediante competência específica para tal finalidade, delegada em caráter permanente ou temporário pelo Presidente da República, pelos presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, no âmbito do respectivo Poder, órgão ou entidade, preservadas as

54 COSTA, 2011, p. 468

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competências para o julgamento que se seguir à apuração (incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97).

Nesses termos, sobre o tema, transcreve-se, abaixo, a doutrina de Ivan Barbosa Rigolin 55:

O § 3º, incluído pela Lei nº 9.527/97, prescreve que a apuração da irregulari-dade de que tenha tido ciência a autoridade poderá dar-se não pela autoridade do órgão na qual ocorreu, porém pela de outro órgão, que exercerá esse poder por competência expressamente delegada, seja em caráter permanente, seja em caráter temporário ou apenas para aquele ensejo, pelas autoridades que o dispositivo elenca, conforme cada caso. Essas autoridades são o Presidente da República, os presidentes de cada casa do Congresso Nacional, o presidente de cada tribunal federal e o Procurador-Geral da República, sempre dentro de cada respectivo âmbito, porém fica sem-pre preservada a competência da autoridade hierárquica originária para o julgamento que se seguir àquela apuração.

Mencione-se ainda o Agravo de Instrumento nº 64934-PE interposto perante o TRF da 5ª Região, que rejeitou a alegação de que o processo administrativo disciplinar estaria eivado de vício, visto que a comissão disciplinar veio a ser formada por servidores de outro(s) Estado(s), quando já existia comissão permanente naquele em que instaurado o PAD:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COMISSÃO DISCIPLINAR. FORMAÇÃO. SERVIDORES DE OTURAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO. LEGALIDADE. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS EM OUTRO ESTADO. PAGAMENTO DE DIÁRIAS E DESPESAS AO INVESTIGADO E SEU DEFENSOR. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À AMPLA DEFESA. DENEGAÇÃO DE OITIVA DE TESTEMUNHA ARROLADA PELA DEFESA. NÃO OFENSA AO CONTRADITÓRIO. EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PAD. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. 1. Nos termos do art. 143, § 3º, e 149 da Lei nº 8.112/90, os requisitos para a regularidade da formação da comissão processante são apenas a (i) estabilidade dos seus membros, (ii) a compatibilidade do seu grau de escolaridade e (iii) a sua designação pela autoridade competente, podendo os fatos a serem investigados ter ocorrido tanto no próprio Estado em que trabalham ou quanto em outro Estado em que o órgão ou entidade tenha representação. 2. Não há qualquer ilegalidade na designação de comissão disciplinar de outro Estado, ainda que exista no lugar do processo administrativo disciplinar comissão permanente designada para esse fim, ao contrário com essa designação prestigia-se ainda mais o disposto no art. 150 da Lei nº 8.112/90 (imparcialidade dos membros). (…) (TRF 5ª Região – AI 64934-PE, 2005.05.00.036436-8, Relator: Desembargador Federal Manoel Erhardt, Data Julgamento: 17.03.2009)

Explicitando o caso, trasladam-se fragmentos do voto do Relator, acatado por unanimidade:

(...) 2. No que concerne à possibilidade de formação de Comissão Disciplinar por membros de outros Estados, quando há comissão permanente formada no

55 RIGOLIN, 2010, p. 312.

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local da tramitação do processo, é de se frisar que inexiste vedação legal nesse sentido. 3. Com efeito, a Lei nº 8.112/90, em seu art. 143, § 3º, estabelece que a autoridade que tiver ciência de qualquer irregularidade no serviço público é obrigada a apurá-la mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, podendo essa apuração, a critério da aludida autoridade, ser feita por autoridade de órgão ou entidade diverso daquele em que ocorrida a suposta irregularidade, desde que essa última possua competência específica para essa finalidade, a ela delegada em caráter permanente ou temporário pela autoridade máxima do Poder a que submetido o órgão ou a entidade. 4. Significa, portanto, que, num órgão de abrangência nacional, como o é a Superintendência da Polícia Federal, a Comissão Disciplinar Permanente (ou a temporariamente formada para determinada apuração de irregularidade) de um Estado da Federação pode desempenhar suas funções na averiguação de irregularidades ocorridas em outro Estado da Federação. 5. Nos termos do artigo 149 da Lei 8.112/90, ademais, o processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. 6. Como se vê, os requisitos para a regularidade da formação da comissão processante são apenas a (i) estabilidade dos seus membros, (ii) o seu grau de escolaridade e (iii) a sua designação pela autoridade competente, podendo os fatos a serem investigados ter ocorrido no próprio Estado em que trabalham ou em outro Estado em que o órgão ou entidade tenha representação. 7. Demais disso, é de acrescentar-se que uma Comissão formada por servidores de outro Estado provavelmente será até mesmo mais imparcial nas apurações do que se formada por servidores do mesmo local de trabalho do investigado, servindo ainda mais aos ditames do art. 150 da Lei n 8.112/90, segundo o qual 'A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração'. 8. Não se questionando a estabilidade ou grau de escolaridade dos membros da Comissão e inexistindo mácula em serem eles servidores do mesmo órgão, mas lotados em outra Unidade da Federação, não há falar-se em qualquer ilegalidade na formação da Comissão. 9. A jurisprudência pátria não dissente dessa conclusão, como se confere da emenda de julgado da Terceira Turma deste Tribunal, a seguir ementada: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR ENGENDRADA CONTRA PORTARIA QUE DETERMINOU A CONSTITUIÇÃO DE COMISSÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR COMPOSTA POR SERVIDORES LOTADOS EM BRASÍLIA, PARA APURAÇÃO DE FALTA FUNCIONAL DE SERVIDOR LOTADO EM SERGIPE. CONVENIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO. AUSÊNCIA DE LESÃO AOS COFRES PÚBLICOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DOS MEMBROS DA COMISSÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA, IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (…) 4. Inexiste ilegalidade ou imoralidade no ato administrativo que constitui comissão de inquérito composta por membros residentes em Brasília, para apuração de falta disciplinar de servidor lotado em Sergipe, por conveniência administrativa, pois tal critério é de cunha essencialmente discricionário: tal circunstância confere, inclusive, maior imparcialidade ao procedimento, tendo em vista que os fatos serão apurados por pessoas estranhas, e, em tese, mais

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isentas do que servidores lotados na mesma localidade, com quem o acusado poderia manter laços de amizade ou inimizade, beneficiando, assim, o próprio acusado. (...) 6. Apelação improvida. 10. Destarte, rejeito a alegação de nulidade do processo administrativo disciplinar pela formação da Comissão respectiva mediante membros de outra Unidade da Federação. (TRF – 5ª REGIÃO. Apelação Cível – 122326. Processo: 9705297606 UF: SE Órgão Julgador: Terceira Turma. Data da decisão: 10/12/1998. Fonte DJ – Data: 14/07/2000 – Página: 318. Relator(a): Desembargador Federal Geraldo Apoliano. Decisão UNÂNIME).

9.3. COMPETÊNCIA PARA INSTAURAR O PAD/SINDICÂNCIA Diante o silêncio da Lei nº 8.112/90, a competência para instaurar os procedimentos disciplinares, no âmbito da Administração Pública Federal, depende de regulamentação da matéria que deve ser feita de acordo com a estrutura de cada órgão. Em regra, é o regimento interno de cada órgão público federal que soluciona tal lacuna, definindo a autoridade competente para instaurar a sede disciplinar. De um modo geral, tal competência é da autoridade a que os servidores faltosos estejam subordinados. Segundo Marçal Justen Filho:

A competência para instauração do processo disciplinar recai, em princípio, sobre a autoridade titular da competência para impor a sanção administrati-va. Mas é possível que a lei ou o regulamento dissociem as duas competências, respeitando-se a regra do art. 141 da Lei nº 8.112/90 (que dispõe generica-mente sobre o assunto).56

Se a irregularidade ocorrer em órgãos diferentes de um mesmo órgão em que haja superposição hierárquica de comandos distintos, o procedimento disciplinar deverá, em regra, ser instaurado pela autoridade superior que tenha ascendência funcional comum sobre as repartições envolvidas.

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CARGO EM COMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INCOMPETÊNCIA DA AUTORIDADE. NULI-DADES. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. COMISSÃO DISCIPLINAR. ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. "WRIT " IMPETRA-DO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA. I - Consoante entendimento doutrinário e jurisprudencial, em regra, a autoridade adminis-trativa é competente para determinar a instauração do processo administrati-vo disciplinar que vise a apurar faltas de seus subordinados. Entretanto, se o caso a ser apurado envolve pessoas de diferentes níveis hierárquicos, a compe-tência para instauração do processo será deslocada para a autoridade que te-nha ascendência hierárquica sobre todos os servidores envolvidos. II - Nos termos da Lei nº 8.112/90 - art. 167, § 2º - havendo mais de um indiciado e di-

56 JUSTEN FILHO, 2005, p. 1.012.

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versidade de sanções o julgamento caberá à autoridade competente para a imposição da pena mais grave. (...) (STJ – MS 6078/DF, 1998/0093552-5, Relator: Ministro Gilson Dipp, Data Julgamento: 09.04.2003, Terceira Seção, Data Publicação: 28.04.2003)

Pode acontecer, ainda, de estarem envolvidos servidores de vários órgãos na mesma irregularidade. Nesses casos, recomenda-se a instauração da comissão de processo administrativo disciplinar por ato conjunto entre os dirigentes máximos de cada órgão, ou ainda, diretamente pela CGU.

Enfim, complementando, no que diz respeito à competência para instaurar cada uma das espécies de processo disciplinar, sugere-se, de acordo com a doutrina de Adriane de A. Lins e Debora V. S. B. Denys, que seja dada:

a) à autoridade máxima do órgão (presidente da autarquia ou da fundação), competência para instaurar as sindicâncias investigatórias e punitivas, com o fim de apurar as irregularidades ocorridas: i) no âmbito da Administração Central; e ii) no âmbito das demais unidades da Federação, quando a natureza e a gravidade dos fatos e os envolvidos exigirem; b) à autoridade máxima do órgão (presidente da autarquia ou da fundação) competência para instaurar os processos disciplinares e os ritos sumários, com o fim de apurar as irregularidades ocorridas em todo o território nacional; c) aos chefes das regionais (gerentes executivos, superintendentes regionais, delegados regionais) competência para instaurar as sindicâncias investigatórias e punitivas, com o fim de apurar as irregularidades ocorridas no âmbito de suas respectivas jurisdições.57

Uma eventual instauração de processo disciplinar por autoridade incompetente pode ser objeto de convalidação. Nesse sentido, cite-se a jurisprudência do STJ, que entende incabível a anulação do ato de demissão por mero vício formal, desde que tenham sido devidamente observados os princípios da ampla defesa e do contraditório:

EMENTA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO PARANÁ. DEMISSÃO. PROCESSO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO PELO CORREGEDOR-GERAL. AUTORIDADE INCOMPETENTE. CONVALIDAÇÃO DO ATO PELO CONSELHO DA POLÍCIA CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO-CONFIGURAÇÃO. PARTICIPAÇÃO DE MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E DE PROCURADOR DO ESTADO NO CONTROLE DE ATOS DISCIPLINARES. ART. 6º, INCISOS IV E VII, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA. PROVA ACUSATÓRIA. DESCONSTITUIÇÃO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDENTES. RECURSO IMPROVIDO. 1. A circunstância de ter sido determinada a abertura do processo disciplinar por ato do Corregedor-Geral da Polícia Civil do Estado do Paraná, e não pelo Conselho da Polícia Civil, conforme previa a Lei Complementar Estadual 89/01, não enseja nulidade, porquanto o órgão deliberativo acabou

57 LINS, 2007, p. 187 e 188.

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por convalidar aquele ato ao julgar o relatório da comissão processante, concluindo pela aplicação da pena de demissão.” (STJ - RMS 20631/PR. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. 2005/0152297-0. Ministro Arnaldo Esteves Lima. 5ª Turma. DJ 10.05.2007. DP 28.05.2007)

9.4. AFASTAMENTO PREVENTIVO DOS ACUSADOS O afastamento preventivo dos acusados é ato de competência da autoridade instauradora, formalizado por meio de portaria, quando se vislumbra que o servidor, caso tenha mantido livre o seu acesso à repartição traga ou possa trazer qualquer prejuízo à apuração, seja destruindo provas, seja coagindo demais intervenientes na instrução probatória58.

O instituto afasta o servidor de suas tarefas e impede seu acesso às dependências da repartição como um todo (e não apenas de sua sala de trabalho)59. O afastamento preventivo se dá a pedido da comissão ou de ofício pela própria Autoridade Instauradora, sendo possível ocorrer no momento da instauração do processo ou após o início dos trabalhos:

Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 147. Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da irregularidade, a autoridade ins-tauradora do processo disciplinar poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remu-neração. Parágrafo único. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.

Formulação-Dasp nº 39. Suspensão preventiva A suspensão preventiva pode ser ordenada em qualquer fase do inquérito ad-ministrativo.

Necessário destacar que, ao contrário da Comissão, que poderá ser reconduzida após o transcurso do prazo e de sua prorrogação, o afastamento do servidor acusado só poderá ocorrer pelo prazo de até 60 dias, admitida uma única prorrogação. Desse modo, só se admite o afastamento preventivo pelo prazo máximo de 120 dias.

9.5. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO A portaria é o instrumento de que se utiliza a autoridade administrativa para formalizar a instauração do procedimento apuratório. Além dessa função iniciatória do processo, a portaria instauradora constitui a comissão, designa o seu respectivo presidente e estabelece os limites da apuração. Mas somente adquire tal valor jurídico pontualmente com a publicação, nem antes e nem depois. A portaria é elemento processual indispensável e, portanto, deverá ser juntada aos autos. Nesses termos, o julgamento do STJ:

58TEIXEIRA, 2014. 59TEIXEIRA, 2014.

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ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ATO DE DEMISSÃO IMINENTE E ATUAL. JUSTO RECEIO EVIDENCIADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM RECONHECIDA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INEXISTÊNCIA DE AFROTNA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. (...) 3. A portaria inaugural tem como principal objetivo dar início ao Processo Administrativo Disciplinar, conferindo publicidade à constituição da Comissão Processante, nela não se exigindo a exposição detalhada dos fatos imputados ao servidor, o que somente se faz indispensável na fase de indiciamento, a teor do disposto nos arts. 151 e 161, da Lei nº 8.112/1990. (STJ – MS 8030/DF, 2001/0158479-7, Relatora : Ministra Laurita Vaz, Data de Julgamento: 13.06.2007, 3ª Seção, Data Publicação: 06.08.2007)

9.5.1. REQUISITOS FORMAIS ESSENCIAIS A portaria instauradora do processo administrativo disciplinar deverá conter os seguintes elementos:

a) autoridade instauradora competente b) os integrantes da comissão (nome, cargo e matrícula), com a designação

do presidente; c) a indicação do procedimento do feito (PAD ou sindicância); d) o prazo para a conclusão dos trabalhos; e) a indicação do alcance dos trabalhos, reportando-se ao número do

processo e demais “infrações conexas” que surgirem no decorrer das apurações.

Não constitui nulidade do processo a falta de indicação, na portaria inaugural, do nome do servidor acusado, dos supostos ilícitos e seu enquadramento legal. Ao contrário de confi-gurar qualquer prejuízo à defesa, tais lacunas na portaria preservam a integridade do servidor en-volvido e obstam que os trabalhos da comissão sofram influências ou seja alegada a presunção de culpabilidade. A indicação de que contra o servidor paira uma acusação é formulada pela comissão na notificação para que ele acompanhe o processo como acusado; já a descrição da materialidade do fato e o enquadramento legal da irregularidade (se for o caso) são feitos pela comissão em momento posterior, somente ao final da instrução contraditória, com a indiciação. Tal posicionamento já vinha sendo assinalado pela AGU em seus pareceres: GQ-12 (vinculante, itens 16 e 17), GQ-35 (vinculante, item 15), GQ-37 (item 24), GQ-100 (item 4).

“GQ-100 - Essas conotações do apuratório demonstram a desnecessidade de consignarem, no ato de designação da c.i., os ilícito e correspondentes disposi-tivos legais, bem assim os possíveis autores, medidas não recomendáveis até mesmo para obstar influências no trabalho da comissão ou presunção de cul-pabilidade. Efetua-se a notificação dos possíveis autores para acompanharem o desenvolvimento do processo, pessoalmente ou por intermédio de procura-dor, imediatamente após a instalação da c.i., para garantir o exercício do dire-to de que cuida o art. 156 da Lei nº 8.112, cujo art. 161, de forma peremptória, exige a enumeração dos fatos irregulares na indiciação.”(Pareceres nº AGU/WM-2/94 e AGU/WM-13/94, adotados pelo Sr. Advogado-Geral da União, mediante os Pareceres nº GQ-12 e GQ-37, e sufragados pelo Senhor Presidente da República, in D.O. de 10/2/94 e 18/11/94).

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Ademais, é também esse entendimento que vem prevalecendo na jurisprudência

atual:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ATO DE DEMISSÃO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADES AFASTADAS. ORDEM DENEGADA. (…) 4. A Portaria inaugural de processo ad-ministrativo disciplinar está dispensada de trazer em seu bojo uma descrição minuciosa dos fatos a serem apurados pela Comissão Processante, bem como a capitulação das possíveis infrações cometidas, sendo essa descrição necessária apenas quando do indiciamento do servidor, após a fase instrutória. Preceden-tes. (STJ – MS 14836/DF, 2009/0231373-9, Relator Ministro: Celso Limongi, Da-ta do Julgamento: 24/11/2010, 3ª Seção, Data de Publicação: 03/12/2010) EMENTA: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TRANCAMENTO. DES-CABIMENTO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL APOSENTADO POR INVALIDEZ (ESQUIZOFRENIA) NO CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA. EXERCÍCIO ATUAL DO CARGO DE PROCURADOR JURÍDICO MUNICIPAL. APURAÇÃO DE IRREGU-LARIDADE NO ATO DE APOSENTADORIA. INSTAURAÇÃO DO REGULAR PRO-CESSO ADMINSITRATIVO. 1. Somente após a fase instrutória – onde são apu-rados os fatos, com a colheita das provas pertinentes – se mostra necessária a descrição pormenorizada do fato ilícito, assim como a sua devida tipificação, procedendo-se, conforme à hipótese, ao indiciamento. Assim, a portaria inau-gural, bem como a notificação inicial, prescindem de minuciosa descrição dos fatos imputados. Precedentes. (STJ – RMS 23274/MT, 2006/0268798-1, Relatora Ministra: Laurita Vaz, Da-ta do Julgamento: 18/11/2010, 5ª Turma, Data de Publicação: 13/12/2010) EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGU-RANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PORTARIA INAUGURAL. DESCRIÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO RELATIVO AO DOLO OU À CULPA QUANDO DA PRÁTICA DA CONDUTA FUNCIONAL. DESNECESSIDADE. SER-VENTUÁRIA DA JUSTIÇA. LEI DE REGÊNCIA DO PROCESSO DISCIPLINAR. CÓ-DIGO DE ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO JUDICIÁRIAS DO ESTADO E ACÓRDÃO Nº 7.556, DO CONSELHO DE MAGISTRATURA. LEI ESTADUAL Nº 6.174/70. APLI-CAÇÃO ANALÓGICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. É firme o entendimento nesta Corte Superior de Justiça no sentido de que a portaria de instauração do processo disciplinar prescinde de minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que, tão somente, na fase seguinte o termo de indiciamento que se faz necessá-rio especificar detalhadamente a descrição e a apuração dos fatos. Com maior razão, portanto, não implica em nulidade a ausência de descrição dos elemen-tos relativos à culpa ou ao dolo quando da prática da conduta infracional. (STJ - RMS 24138/PR, 2007/0107695-0, Relatora Ministra: Laurita Vaz, Data do Julgamento: 06/10/2009, 5ª Turma, Data da Publicação: 03/11/2009) EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INCRA. PRO-CESSO ADMINISTRATIVO. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO. REQUISITOS. COMIS-SÃO DISCIPLINAR. INTEGRANTE DE OUTRA ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. Não se exige, na portaria de instauração de processo disciplinar, descrição de-talhada dos fatos investigados, sendo considerada suficiente a delimitação do objeto do processo pela referência a categorias de atos possivelmente relacio-nados a irregularidades. (STF – RMS 25.105-4/DF, Relator: Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Tur-ma, Data Julgamento: 23.05.2006)

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EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRA-TIVO DISCIPLINAR. COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE. NULIDADES. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. COMISSÃO DISCIPLINAR. ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90. PORTARIA INAUGURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVA-ÇÃO DO PREJUÍZO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. “WRIT” IMPETRADO COMO FORMA DE INSA-TISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA. III – Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a portaria de instauração do processo disciplinar prescin-de de minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que a exposição pormenorizada dos acontecimentos se mostra necessária somente quando do indiciamento do servidor. Precedentes. IV - Aplicável o princípio do "pas de nul-lité sans grief", pois a nulidade de ato processual exige a respectiva comprova-ção de prejuízo. In casu, a servidora teve pleno conhecimento dos motivos ense-jadores da instauração do processo disciplinar. Houve, também, farta compro-vação do respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, con-traditório e ampla defesa, ocasião em que a indiciada pôde apresentar defesa escrita e produzir provas. (STJ - MS 8834/DF, 2002/0175923-7, Relator Ministro: Gilson Dipp, Data do Julgamento: 09/04/2003, 3ª Seção, Data de Publicação: 28/04/2003)

Tal orientação tem sido reiterada nos vários julgados do STJ: MS 13188/DF, 13763/DF, 12927/DF, RMS 22128/MT, MS 14836/DF, MS 12457/DF, 23274/MT, MS 14578/DF, MS 13518/DF, RMS 22134/DF, AgRG no REsp 901622/DF. Mauro R. G. de Mattos resume da seguinte forma a composição de uma portaria inaugural 60:

Desse modo, posiciona-se a Administração Pública no sentido de que a Portaria inaugural do processo administrativo disciplinar poderá ser lacunosa, infor-mando apenas o número do processo, com a narrativa sumária dos fatos, sem nominar o servidor investigado, bem como sem a descrição circunstanciada e detalhada da infração disciplinar cuja prática é imputada ao servidor público acusado, com a respectiva definição jurídica, ou seja, a atribuição da sua exata qualificação jurídico-disciplinar (tipicidade), além de outros requisitos legais.

Em suma, não é demais ressaltar que na portaria inaugural deve a especificação dos fatos (irregularidade) se dar por meio de menção ao processo ou documento que ensejou sua abertura. É recomendável que a autoria e o enquadramento legal não sejam abordados

9.5.2. PUBLICAÇÃO DA PORTARIA A Portaria de instauração, como regra, deverá ser publicada no Boletim de Serviço (ou no Boletim de Pessoal) do órgão responsável por publicação interna na jurisdição da unidade instauradora. Após, recomenda-se juntar aos autos a cópia desse boletim. No que pertine às arguições de vícios por ausência de publicação no Diário Oficial da União, o STJ entende que uma vez que a portaria de instauração do processo administrativo disci-plinar seja publicada no Boletim de Serviço, o princípio constitucional da publicidade não será vio-

60 MATTOS, 2010, p. 582.

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lado. Ademais, a Lei nº 8.112/90, em seu artigo 151, I, ao dispor sobre a publicação do ato que cons-titui a comissão processante, não exige a publicação da portaria instauradora no Diário Oficial.

EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. REGULARIDADE. COMISSÃO PROCESSANTE. COMPOSIÇÃO. PORTARIA DE INS-TAURAÇÃO. PUBLICAÇÃO EM BOLETIM DE SERVIÇO. NOME DOS INDICIADOS. PRÉVIA SINDICÂNCIA. DESNECESSIDADE. REEXAME DE PROVAS. MÉRITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. (…) 2. Conforme jurisprudência assentada, é legal a publicação do ato constitutivo da comissão disciplinar em boletim de serviço. (...) (STJ – MS 9421/DF, 2003/0222784-3, Relator: Ministro Paulo Gallotti, Data Julgamento: 22.08.2007, Terceira Seção, Data Publicação: 22.08.2007) INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ – INFORMATIVO 248. MS. DEMISSÃO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. APRESENTAÇÃO. CARTEIRA FUNCI-ONAL EM PROVEITO PRÓPRIO. Trata-se de mandado de segurança contra por-taria que demitiu motorista oficial do Departamento de Polícia Federal do Mi-nistério da Justiça por ter infringido o art. 117, IX, da Lei n. 8.112/1990 (…). Outrossim, não constitui ilegalidade a publicação do ato constitutivo da comis-são de processo administrativo disciplinar em boletim de serviços em vez do Diário Oficial da União. E ainda, para uma eventual nulidade de processo ad-ministrativo seria necessária a comprovação de prejuízo, o que não ocorreu nesse caso a justificar o MANDAMUS. Ressalvou-se, entretanto, que ao impe-trante cabe direito ao acesso às vias ordinárias. Precedentes citados: MS 7.863-DF, DJ 16/12/2002; MS 7.370-DF, DJ 24/9/2001; MS 6.853-DF, DJ 2/2/2004; MS 7.351-DF, DJ 18/6/2001, e MS 7.157-DF, DJ 10/3/2003. MS 10.055-DF, Rel. Min.Gilson Dipp, julgado em 25/5/2005.

A publicação da portaria no Diário Oficial da União somente é exigível nas hipóteses de se ter o apuratório transcorrendo fora do órgão instaurador ou envolvendo servidores de dife-rentes órgãos ou Ministérios, quando a portaria será ministerial ou interministerial, a depender do caso. Necessário enfatizar que os trabalhos da comissão somente poderão ser iniciados a partir da data da publicação da portaria designadora da respectiva comissão, sob pena de nulidade dos atos praticados antes desse evento. Da mesma forma, os prazos da comissão começam a correr com a publicação da por-taria inaugural.

PARECER-AGU Nº GQ-87 – 7. A Lei nº 8.112, de 1990, art. 152, considera a pu-blicação do ato de designação da comissão de inquérito como sendo o marco inicial do curso do prazo de apuração dos trabalhos, porém não exige que seja feita no Diário Oficial; é acorde com o preceptivo a divulgação desse ato em bo-letim interno ou de serviço.

Assim, atendendo ao princípio da publicidade, expresso no art. 37, caput, da CF, a portaria será publicada no órgão de divulgação da repartição, devendo o acusado tomar conheci-mento, por escrito, da instauração do processo disciplinar, por meio de notificação, visando a res-guardar o direito da ampla defesa e do contraditório, garantido no art. 5º, LV, da CF, e arts. 153 e 156 da Lei nº 8.112/90. Portanto, especial atenção deve ser dada para a efetiva publicação de portarias de instauração, prorrogação e recondução de procedimentos disciplinares, evitando que atos sejam

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praticados sem a sua cobertura. Após a publicação, cuidar para que cópias sejam juntadas aos autos, em ordem cronológica, de modo a evitar dúvidas sobre o amparo legal dos feitos do processo.

Por fim, conforme sugestão das autoras Adriane de A. Lins e Debora Vasti S. B. Denys, quando da análise do aspecto formal do processo, as portarias de instauração, prorrogação e continuidade devem ser verificadas, observando que61:

a) a portaria inaugural tem que conter todos os requisitos essenciais para sua validade; b) a prorrogação da portaria inaugural tem que ocorrer, preferencialmente, dentro do prazo vigente; c) os atos praticados na vacância entre uma comissão e a comissão seguinte, instaurada com o fim de dar continuidade aos trabalhos da anterior, são nulos, uma vez que não há comissão formalmente constituída; e d) o relatório final e o encerramento dos trabalhos da comissão têm que ocorrer dentro do prazo da comissão.

9.5.3. ALCANCE DOS TRABALHOS DA COMISSÃO A Portaria delimita o alcance das acusações, devendo a comissão ater-se aos fatos ali descritos. Todavia, não há impedimento para o alcance de outros fatos quando estes forem vinculados com as irregularidades descritas na Portaria. Dessa forma, na portaria inaugural deverá constar a especificação do fato objeto de apuração (irregularidade), bem como “os fatos conexos”, possibilitando a apuração de todas as irregularidades vinculadas aos fatos que estão sendo apurados. Se não constar na portaria inaugural que fazem parte do objeto de apuração “os fatos conexos”, a comissão terá que solicitar aditamento da portaria em curso no inquérito ou recomendar em seu Relatório Final a instauração de um novo procedimento para apurá-los, medida esta contraproducente do ponto de vista econômico (recursos financeiro e pessoal). Ademais, os fatos objetos da apuração deverão constar de forma ampla para não restringir os trabalhos da comissão, porque, de forma contrária, poderia incorrer na instauração de um novo processo disciplinar para apurar os fatos sobre o mesmo assunto que não puderam ser apurados anteriormente em função dos termos utilizados na portaria inaugural. Também sobre a matéria, destaquem-se os Pareceres da AGU, GQ-55 e GQ-98, abaixo reproduzidos:

PARECER GQ-55 vinculante: 13. não raro, durante a apuração das irregulari-dades exsurgem evidências quanto à autoria, de forma a envolver outros servi-dores, ou emergem infrações disciplinares conexas, ou não, com o objeto do processo disciplinar. São fatos que devem ser tidos como consentâneos com a finalidade da instauração do processo e incapazes de acarretar sua nulidade, desde que a c.i. adote as medidas procedimentais compatíveis com o contradi-tório e a ampla defesa, na execução dos trabalhos de apuração. 14. (…) Já as infrações, verificadas no curso do apuratório, serão igualmente apuradas, se conexas com as faltas objeto do processo ou, se inexistente a cone-xidade, a investigação não compromete a razoável agilidade da conclusão dos

61 LINS, 2007, p. 106.

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trabalhos. Senão, deve a c.i. propor a designação de outro colegiado, sem preju-ízo de suas incumbências. PARECER GQ-98: “15. Na hipótese de exsurgirem evidências quanto à autoria, mas envolvendo outros servidores que não os identificados antes da instaura-ção do processo, ou emergirem infrações conexas, ou não, com o objeto do pro-cesso disciplinar, esses fatos devem ser tidos como consentâneos com a finali-dade da designação da c.i. e incapazes de acarretar a nulidade processual, des-de que seja adotadas medidas procedimentais compatíveis com o contraditório e ampla defesa, na execução dos trabalhos de apuração.”

Portanto, especial atenção deve ser dada por ocasião da instauração, principalmente no que se refere à conexão dos fatos apurados. Deverão ser examinados no mesmo processo, ou seja, apuradas e julgadas num só processo disciplinar:

a) os fatos ligados entre si, por pontos de conveniências, em que o conhecimento de um deles ajuda a entender outro; b) as faltas disciplinares cometidas em co-autoria (faltas cometidas por vários acusados quando houver relação acusatória entre eles). c) os fatos continuados, quando o mesmo servidor cometeu diversos atos de mesmo conteúdo, em caráter contínuo (infração continuada = série de ilícitos da mesma natureza)

Os fatos novos que não tenham relação direta com os que motivaram a instauração do processo disciplinar devem ser objeto de apuração isolada, em outro procedimento. Essa é a orientação exarada pelo STJ:

EMENTA: ADMINISTRATIVO - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - TITULAR DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO - PENA DE SUSPENSÃO - APURAÇÃO DE NOVAS FALTAS DISCIPLINARES - NOVO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO - PENA DE DEMISSÃO - VALIDADE - RETORNO ÀS FUNÇÕES - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. (…) 3 - Ademais, se na investigação dos fatos ensejadores do Procedimento Administrativo que resultou na suspensão do recorrente foram apuradas outras faltas disciplinares, possível é a instauração de novo Processo Disciplinar. Com efeito, não há como sustentar a afronta à Súmula 19/STF, pois os processos versaram sobre fatos distintos. Assim, a pena decorrente do segundo procedimento, qual seja, a de demissão, é válida. Ausência de liquidez e certeza a amparar o alegado direito do recorrente de retorno às suas funções. (STJ – RMS Nº 14.117-SP, 2001/0189677-6, Relator: Ministro Jorge Scartezzini, Data do Julgado: 14.10.2003, Quinta Turma, Data da Publicação: 19.12.2003)

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9.6. COMISSÃO DE INQUÉRITO

9.6.1. CONSTITUIÇÃO DA COMISSÃO DE INQUÉRITO Dando início aos trabalhos, o processo administrativo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente (instauradora), que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado (art. 149 da lei nº 8.112/90). Em se tratando de sindicância acusatória, há quem defenda que a comissão também deve ser conduzida por três servidores estáveis, mas a Portaria CGU nº 335/2006, que regulamenta o Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, de que trata o Decreto nº 5.480/2005, admite que a comissão seja composta por dois ou mais servidores estáveis (art. 12, § 2º):

Art. 12. As comissões de sindicância e de processo administrativo disciplinar instauradas pelo Órgão Central e pelas unidades setoriais serão constituídas, de preferência, com servidores estáveis lotados na Corregedoria-Geral da Uni-ão. § 2º No caso de sindicância acusatória ou punitiva a comissão deverá ser com-posta por dois ou mais servidores estáveis. (grifo nosso)

No caso de sindicância meramente investigativa, o procedimento poderá ser instaurado com um ou mais servidores, que nem precisam ser estáveis (Portaria CGU nº 335/2006, art. 12, § 1º). Nesta hipótese, o Presidente não precisará ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. A comissão disciplinar é considerada designada com a publicação da portaria inaugural, ou seja, a mesma portaria de instauração do feito disciplinar. A partir daí a comissão passa a existir e o prazo começa a correr. Adriane de A. Lins e Débora V. S. B. Denys enfatizam que:

A composição da comissão também é requisito essencial para a validade da portaria inaugural, considerando que as Comissões de Processo Disciplinar e de Sindicância Punitiva têm que ser composta por ‘três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo, superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado”, conforme preceitua o art. 149 da Lei nº 8.112/90.62

Abaixo, acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COMISSÃO DISCIPLINAR. FORMAÇÃO. SERVIDORES DE OUTRAS UNIDADES DA FEDERA-ÇÃO. LEGALIDADE. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS EM OUTRO ESTADO. PA-GAMENTO DE DIÁRIAS E DESPESAS AO INVESTIGADO E SEU DEFENSOR. IM-POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À AMPLA DEFESA. DENEGAÇÃO DE OITIVA DE TESTEMUNHA ARROLADA PELA DEFESA. NÃO OFENSA AO

62 LINS, 2007, p. 229.

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CONTRADITÓRIO; EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PAD. NÃO DE-MONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. 1. Nos termos do art. 143, §3º, e 149 da Lei n.º 8.112/90, os requisitos para a regularidade da formação da comissão processante são apenas a (i) estabilidade dos seus membros, (ii) a compatibilidade do seu grau de escolaridade e (iii) a sua designação pela autoridade competente, podendo os fatos a serem investigados ter ocorrido tanto no próprio Estado em que trabalham ou quanto em outro Estado em que o órgão ou entidade tenha representação. (TRF 5ª Região – AGTR 64934-PE, 2005.05.00.036436-8, Relator: Desembargador Federal Manoel Erhardt, 3ª Vara Federal de Pernambuco, Data Julgamento: 24.03.2009)

9.6.2. COMPETÊNCIA PARA DESIGNAÇÃO DOS MEMBROS DA COMISSÃO DE INQUÉRITO O ato de nomeação dos membros da comissão é de competência da autoridade administrativa instauradora do processo administrativo disciplinar. Competência esta devidamente assentada pelo STF:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INCRA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO. REQUISITOS. COMISSÃO DISCIPLINAR. INTEGRANTE DE OUTRA ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. [...] Entende-se que, para os efeitos do art. 143 da Lei 8.112/1990, insere-se na competência da autoridade responsável pela instauração do processo a indicação de integrantes da comissão disciplinar, ainda que um deles integre o quadro de um outro órgão da administração federal, desde que essa indicação tenha tido a anuência do órgão de origem do servidor. (RMS 25.105-4/DF, Relator: Joaquim Barbosa, Data Julgamento: 23.05.2006, Segunda Turma, Data Publicação: 20.10.2006)

A comissão designada pela autoridade instauradora é o instrumento legalmente competente para conduzir o apuratório na segunda fase do processo disciplinar, denominada inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório (inc. II, art. 151 da Lei nº 8.112/90). As comissões de processo disciplinar são autônomas e independentes, sendo vinculadas, apenas no que tange aos aspectos gerenciais, às suas respectivas autoridades instauradoras. Dessa forma, a autoridade que instaura o procedimento correcional não deve exercer qualquer influência no andamento dos trabalhos e nas conclusões do colegiado, o qual deverá ter a liberdade necessária para apresentar, ao final do processo, suas próprias convicções acerca do caso.

Não obstante, admite-se que a autoridade possa solicitar relatórios genéricos das atividades executadas pela comissão de forma a verificar o regular e bom andamento dos trabalhos, especialmente quando da formulação de pedidos de eventuais prorrogações de prazo. Ademais, ressalte-se que a autoridade instauradora deve providenciar local condigno para a comissão desenvolver seus trabalhos, bem como fornecer recursos humanos e materiais necessários ao desempenho de suas atividades.

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9.6.3. ESTABILIDADE DOS INTEGRANTES DA COMISSÃO Não podem integrar as comissões de processo administrativo disciplinar e sindicância acusatória os servidores que não tenham estabilidade no serviço público, sob pena de se ter declarada a nulidade da portaria inaugural e, consequentemente, de todos os atos subsequentes. Daí, os atos praticados na vigência da comissão anulada terão de ser repetidos pela nova comissão de inquérito. Portanto, um dos requisitos legais exigidos para que o servidor integre essas comissões é a estabilidade, garantia conferida pelo art. 41, da CF, um atributo pessoal do servidor, resultante de: a) nomeação em caráter efetivo, em decorrência de concurso público, após ter cumprido o estágio probatório no cargo de ingresso nos quadros federais; ou b) ter cinco anos de exercício em 05/10/88, data da promulgação da CF 63. O caráter efetivo que se requer do ocupante de cargo público, é o que se opõe ao provimento em comissão, para cargos de confiança de livre nomeação, exonerável ad nutum. Reforçando as afirmações acima, Maria S. Z. Di Pietro alega que “... tem-se entendido, inclusive na jurisprudência, que os integrantes da comissão devem ser funcionários estáveis e não interinos ou exoneráveis ad nutum”.64 Nesse sentido, Adriane de A. Lins e Débora V. S. B. Denys comenta a importância do requisito da estabilidade com o seguinte exemplo: “Se uma comissão de processo disciplinar ou de sindicância punitiva for composta por dois membros estáveis, e um membro instável, a portaria instauradora dessa comissão é nula, já que inobservou um requisito formal essencial para a validade do ato”65. Da mesma forma, firmando a necessária estabilidade dos integrantes da comissão, a Nota Decor/CGU/AGU Nº 306/2007-PCN, assim estabelece:

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADE. PARTICIPAÇÃO DE OCUPANTE DE CARGO EM COMISSÃO SEM ESTABILIDADE. NOTA DECOR/CGU/AGU Nº 167/2005-ACMG E A INFORMAÇÃO Nº 244/2006-CGAU/AGU. LEI Nº 8.112/90, ART. 149. DIVERGÊNCIA. 1. O entendimento firmado na aludida Nota é que, de acordo com o art. 149 da Lei nº 8.112/90 resta prejudicada não somente a liberação de servidora como também os trabalhos anteriormente efetuados no processo disciplinar em razão de sua não estabilidade no cargo que ocupa. 2. Em sentido oposto, a Corregedoria-Geral, por meio da referida Informação, entende que o Processo Administrativo Disciplinar só é anulado quando há ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. 3. Prevalece o disposto na NOTA DECOR/CGU/AGU Nº 167/2005, ou seja, a comissão processante deverá ser composta por servidores estáveis a teor do que dispõe o já referido art. 149 da Lei nº 8.112/90, e também do que impera na jurisprudência do STJ (RMS 6007/DF), sob pena de nulidade do procedimento administrativo disciplinar.

63 CF, ADCT – Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da

administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

64 DI PIETRO, 2006, p. 635. 65 LINS, 2007, p. 229.

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Enfim, o STJ assentando jurisprudência quanto à nulidade de processo administrativo disciplinar composto ou presidido por funcionário não estável, assim proferiu:

EMENTA. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MÉRITO ADMINISTRATIVO. REAPRECIAÇÃO. LEGALIDADE. SANÇÃO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO. ASPECTO DISCRICIONÁRIO. INEXISTÊNCIA. COMISSÃO DISCIPLINAR. INTEGRANTE. SERVIDOR PÚBLICO NÃO ESTÁVEL. NULIDADE. I - Descabido o argumento de impossibilidade de reapreciação do mérito administrativo pelo Poder Judiciário no caso em apre-ço, pois a questão posta diz respeito exclusivamente a vício de regularidade formal do procedimento disciplinar, qual seja, defeito na composição da comis-são processante. [...] III - É nulo o processo administrativo disciplinar cuja comissão processante é integrada por servidor não estável (art. 149, caput, da Lei n. 8.112/90). Ordem concedida. (MS Nº 12.636 – DF, 2007/0031419-4, Relator: Ministro Felix Fischer, Terceira Turma, Data Julgamento: 27.08.2008, Data Publicação: 23.09.2008) ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. É nulo o processo administrativo disciplinar cuja comissão processante é com-posta por servidor não estável. Precedentes - Recurso provido." (RMS 10.392/PE, 1995/0034947-7, Relator: Ministro Felix Fischer, 5ª Tur-ma, Data Julgamento: 09.12.97, Data Publicação: 18.10.1999).

9.6.4. PRÉ-REQUISITOS DO PRESIDENTE DA COMISSÃO No momento da composição da comissão de PAD ou de sindicância acusatória devem ser observadas as regras positivadas no art. 149 da Lei nº 8.112/90, que exige a condução do processo por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, sendo que dentre eles, apenas o presidente deve ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do acusado. Nessa orientação, atente-se ao julgado do STJ:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE. NULIDADES. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. COMISSÃO DISCIPLINAR. ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90. PORTARIA INAUGURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. “WRIT” IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA. [...] II – O artigo 149 da Lei 8.112/90 é claro ao exigir que somente o Presidente da Comissão Disciplinar deverá ocupar cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. No caso em questão, o Presidente da Comissão atendeu ao comando legal. O fato de haver servidor ocupante de cargo médio não maculou a portaria de instauração do processo administrativo. [...] (MS 8.834/DF. MANDADO DE SEGURANÇA. 2002/0175923-7. MINISTRO GILSON DIPP. TERCEIRA SEÇÃO. DJ 09.04.2003. DP 28.04.2003)

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Acrescentem-se, também, os ensinamentos de Francisco Xavier da Silva Guimarães e acórdão do STJ, quanto à definição de nível de escolaridade exigida, o qual não leva em consideração os cursos de aperfeiçoamento, de extensão e de especialização:

“No tocante ao nível de escolaridade que a lei, agora, passa a exigir como requisito alternativo para o servidor presidir comissão de processo disciplinar, há de ser entendido o alcançado pela conclusão de cursos regulares (1º, 2º, 3º graus, ou seja, fundamental, médio e superior), não sendo levado em consideração, portanto, os cursos de aperfeiçoamento, os de extensão universitária, como mestrado, doutorado ou os de especialização, que apenas qualificam, aprimoram e enriquecem o conhecimento, sem, todavia elevar ou interferir no nível de escolaridade” 66. STJ – MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5636-DF (Reg.: 98/0006309-9) – Voto. 9. (…) Todos os três membros da comissão Processante também ocupam cargos que exigem 3º grau completo (…) sendo dois Assistentes Jurídicos e um Administrador. 10. A circunstância de um (ou alguns) dos impetrantes possuir pós-graduação na respectiva área (…) não provoca qualquer alteração no aspecto do cargo ocupado, que é o que interessa para os efeitos do art. 149 da lei nº 8.112/90, que continua sendo o de professor, no mesmo nível hierárquico, portanto, dos cargos de assistente jurídico e administrador, todos restritos aos que possuem terceiro grau completo.

Demais julgados: Mandados de Segurança nº 9.421 – DF (2003/0222784-3);

Recurso Especial nº 152.224-Paraíba (1997/0074907-0); Mandado de Segurança nº 5636-DF (reg. 98/0006309-9). Outrossim, julgado do STJ em que se declara a não verificação de irregularidade na substituição da presidência da comissão, pois se manteve os requisitos exigidos no art. 149 da Lei nº 8.112/90.

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL EXTINTA SUDAM. DEMISSÃO. COMPETÊNCIA DO MINISTRO DE ESTADO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. INEXISTÊNCIA, NO CASO, DE QUALQUER VÍCIO CAPAZ DE MACULAR O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR QUE RESULTOU A DEMISSÃO DO IMPETRANTE. [...] 2. A alteração no comando dos trabalhos da comissão processante não importou em qualquer irregularidade, porquanto, a teor do art. 149 da Lei nº 8.112/90, o colegiado permanecia composto por servidores estáveis, cujo presidente ocupava cargo de nível igual ou superior ao impetrante. [...] (STJ – MS Nº 8.213-DF, 2002/0021576-8, Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Data de Julgamento: 15.12.2008, Terceira Seção, Data de Publicação: 19.12.2008)

Outra observação a fazer sobre este tema e que Marcos Salles Teixeira ressalta é transcrito logo abaixo:

Pode, por exemplo, um servidor detentor de cargo de nível superior e posicio-nado no padrão inicial da primeira classe presidir comissão em que o acusado seja detentor também de cargo de nível superior e posicionado no mais alto

66 GUIMARÃES, 2006, p. 108.

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padrão da última classe. Tampouco a complexidade das atribuições do cargo se reflete nessa condição legal.67

Dessa forma, diante do exposto, é recomendável que, no momento da designação das comissões, tenha-se especial cuidado quanto à observância aos requisitos exigidos no artigo 149 da Lei nº 8.112/90, a fim de se evitar posteriormente qualquer possibilidade de argUição de nulidade em processo disciplinar, tendo em vista os recentes julgados dos Tribunais Superiores. Em se tratando de sindicância investigativa, o presidente da comissão não precisa preencher qualquer dos requisitos do art. 149 da Lei nº 8.112/90. No entanto, a comissão deve ser preferencialmente presidida por servidor pertencente a categoria funcional compatível com o seu objeto, por ser um trabalho técnico e não jurídico, exigindo, portanto, conhecimento técnico específico acerca dos fatos investigados68.

Enfim, lembre-se que os membros integrantes da comissão disciplinar também devem preencher exigências, ou seja, pré-requisitos para poderem ser nomeados.

9.6.5. QUALIFICAÇÕES PESSOAIS DOS INTEGRANTES DA COMISSÃO DE INQUÉRITO Sobre o assunto, como mera recomendação, não exigida em lei, o Parecer-AGU nº GQ-12, vinculante, opinou que:

São meras qualidades pessoais que devem possuir os servidores a serem designados para compor a comissão, prescindindo de autorização de lei, nesse sentido.

Da mesma forma, estabelecem os ensinamentos do Adriane de A. Lins e Débora V. S. B. Denys: “Ressaltamos que o servidor que integrará uma Comissão de PAD, na condição de membro, deverá preencher os requisitos legais, bem como ter o perfil ideal para o caso concreto (bom senso + conhecimento técnico + experiência + capacitação)69. Diante desse contexto, com o objetivo de assegurar uma adequada composição das comissões disciplinares com servidores qualificados e capacitados para bem conduzir os processos disciplinares, sugere-se aos órgãos e entidades públicas que incentivem seus servidores a participarem de treinamentos em processo administrativo disciplinar, tendo como uma das opções os programas de capacitação oferecidos pela CGU, favorecendo-se assim a formação de um maior número de servidores para o desempenho de atividades disciplinares.

9.6.6. DESIGNAÇÃO DE SERVIDORES Para compor a comissão de inquérito devem ser designados servidores da unidade onde tenham ocorrido as irregularidades que devam ser apuradas, exceto quando motivos relevantes recomendem a designação de servidores de outros órgãos.

67TEIXEIRA, 2014. 68LINS, 2007, p. 83. 69Idem, p. 36.

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A designação de servidores de outro órgão para integrar comissão de inquérito deverá ser precedida de prévia autorização da autoridade a que o mesmo estiver subordinado. Observe que a Lei nº 8.112/90 não definiu que os integrantes da comissão disciplinar sejam do mesmo órgão e sede do acusado. Nesse sentido, no que se refere a questionamento de irregularidade na composição da comissão, cujo presidente teria sido nomeado “fora da área de competência do signatário da portaria”, o STF proferiu a seguinte orientação:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INCRA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO. REQUISITOS. COMISSÃO DISCIPLINAR. INTEGRANTE DE OUTRA ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. (…) Entende-se que, para os efeitos do art. 143 da Lei nº 8.112/1990, insere-se na competência da autoridade responsável pela instauração do processo a indicação de integrantes da comissão disciplinar, ainda que um deles integre o quadro de um outro órgão da administração federal, desde que essa indicação tenha tido a anuência do órgão de origem do servidor” (STF – ROMS 25.105-4-DF, Relator: Ministro Joaquim Barbosa, Data do Julgamento: 23.05.2006, Segunda Turma, Data da Publicação: 20.10.2006)

Explicitando o assunto, o voto do Ministro Joaquim Barbosa assim estabelece:

Na ausência de disposição legal que restrinja o campo de escolha da autoridade competente para a formação da comissão – pois, nos termos do art. 149, tanto na redação anterior como na atual, não há obrigatoriedade de serem os integrantes da comissão todos pertencentes ao mesmo órgão de lotação dos acusados-, não é de se presumir, como afirmam os recorrentes, a vedação de outras opções não expressamente previstas (designação de servidores de outros órgãos). Na verdade, a interpretação correta é a de que a lei deixou ao administrador margem de escolha dentro de um universo a priori não definido, mas definível (servidores estáveis).

Observe que o STJ, também, já vinha se manifestando nesse sentido:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CARGO EM COMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INCOMPETÊNCIA DA AUTORIDADE. NULIDADES. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. COMISSÃO DISCIPLINAR. ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. "WRIT" IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA. (...) III – O art. 149 da Lei nº 8.112/90 exige a condução do processo disciplinar por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, sendo certo que dentre eles, apenas o presidente deve ser ocupante de cargo efetivo de superior ou de mesmo nível hierárquico, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. Ademais, não há qualquer vedação legal relativa à participação de servidor de outro órgão na referida Comissão. (...) VII - Ordem denegada. (STJ – MS 6078/DF, 1998/0093552-5, Relator: Ministro Gilson Dipp, Data Julgamento: 09.04.2003, Terceira Seção, Data Publicação: 28.04.2003)

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9.6.7. DESIGNAÇÃO DO SECRETÁRIO

A comissão terá como secretário servidor designado pelo seu presidente, podendo a indicação recair em um de seus membros (§ 1º do art. 149 da Lei nº 8.112/90). Caso seja escolhida pessoa estranha à comissão, deverá o seu presidente, antes da indicação, solicitar permissão ao chefe imediato do servidor a ser designado.

9.6.8. INÍCIO DOS TRABALHOS DA COMISSÃO Os trabalhos da comissão somente poderão ser iniciados a partir da data da publicação da portaria designadora da respectiva comissão, sob pena de nulidade dos atos praticados antes desse evento (art. 152 da Lei nº 8.112/90). As reuniões e audiências das comissões terão caráter reservado (parágrafo único do art. 150 da Lei nº 8.112/90). A comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da Administração (art. 150 da Lei nº 8.112/90).

9.6.9. ATRIBUIÇÕES DOS INTEGRANTES DA COMISSÃO Ressalte-se que dentro da comissão não existe relação de hierarquia, tanto que os votos dos três integrantes têm o mesmo valor, mas apenas uma distribuição não rigorosa de atribuições e uma reserva de competência de determinados atos ao presidente. De acordo com o voto do Ministro relator Joaquim Barbosa, constante do RMS 25.105/DF:

(...)as atribuições dos membros de comissão de processo administrativo disciplinar não se inserem no rol de competência de nenhum cargo específico. Ser membro de comissão de processo administrativo não é cargo nem função. Certamente é atribuição legal excepcionalmente conferida na esfera de atribuições de servidores estáveis, que, ao integrarem a comissão, não se afastam de seus cargos nem de suas funções. Tanto é assim que o art. 152, § 1º, da Lei 8.112/1990, dispõe: 'Sempre que necessário, a comissão dedicará tempo integral aos seus trabalhos, ficando seus membros dispensados do ponto, até a entrega do relatório final'.

Assim, de forma genérica, abaixo, apresentam-se as atribuições de cada integrante da comissão, retiradas das lições de Francisco Xavier da Silva Guimarães70:

Atribuições do presidente da comissão

70GUIMARÃES, 2006, p. 119 a 123.

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1. Receber o ato de designação da comissão incumbida da sindicância ou do processo disciplinar, tomando conhecimento do teor da denúncia e ciência da sua designação, por escrito. Providenciar o local dos trabalhos e a instalação da comissão. 2. Verificar se não ocorre algum impedimento ou suspeição quanto aos membros da comissão (§ 2º, do art. 149 da Lei nº 8.112/90). 3. Se for o caso, após a ciência da designação, formular expressa recusa à incumbência, indicando o motivo impeditivo de um ou de todos os membros (§ 2º, do art. 149 da Lei nº 8.112/90). 4. Verificar se a portaria está correta e perfeita, sem vício que a inquine de nulidade. 5. Providenciar para que a autoridade determinadora da instauração de procedimento disciplinar, por despacho, faça constar que os membros da comissão dedicar-se-ão às apurações, com ou sem prejuízo das suas funções normais, em suas respectivas sedes de exercício (§ 1º, do art. 149 da Lei nº 8.112/90). 6. Designar o secretário, por portaria (§ 1º, do art. 149 da Lei nº 8.112/90). 7. Determinar a lavratura do termo de compromisso de fidelidade do secretário. 8. Determinar a lavratura do termo de instalação da comissão e início dos trabalhos, assim como o registro detalhado, em ata, das demais deliberações adotadas ((§ 2º, do art. 152 da Lei nº 8.112/90). 9. Decidir sobre as diligências e as provas que devam ser colhidas ou juntadas e que sejam de real interesse ou importância para a questão (§§ 1º e 2º, do art. 156 da Lei nº 8.112/90). 10. Providenciar para que o acusado ou, se for o caso, seu advogado, esteja presente a todas as audiências. 11. Notificar o acusado para conhecer a acusação, as diligências programadas e acompanhar o procedimento disciplinar (arts. 153 e 156 da Lei nº 8.112/90). 12. Intimar, se necessário, o denunciante para ratificar a denúncia e oferecer os esclarecimentos adicionais. 13. Intimar as testemunhas para prestarem depoimento. 14. Intimar o acusado para especificar provas, apresentar rol de testemunhas e submeter-se a interrogatório (art. 159). 15. Citar o indiciado, após a lavratura do respectivo termo de indiciamento para oferecer defesa escrita (art. 161 e seus parágrafos da Lei nº 8.112/90). 16. Exigir e conferir o instrumento de mandato, quando exibido, observando se os poderes nele consignados são os adequados. 17. Providenciar para que sejam juntadas as provas consideradas relevantes pela comissão, assim como as requeridas pelo acusado e pelo denunciante. 18. Solicitar a nomeação de defensor dativo, após a lavratura do termo de revelia (§ 2º, do art. 164 da Lei nº 8.112/90). 19. Deferir ou indeferir, por termo de deliberação fundamentado, os requerimentos escritos apresentados pelo acusado, pelo advogado, e pelo defensor dativo (§§ 1º e 2º, do art. 156 da Lei nº 8.112/90). 20. Presidir e dirigir, pessoalmente, todos os trabalhos internos e os públicos da comissão e representá-la). 21. Qualificar, civil e funcionalmente, aqueles que forem convidados e intimados a depor. 22. Indagar, pessoalmente, do denunciante e das testemunhas, se existem impedimentos legais que os impossibilitem de participar no feito. 23. Compromissar os depoentes, na forma da lei, alertando-os sobre as normas legais que se aplicam aos que faltarem com a verdade, ou emitirem conceitos falsos sobre a questão. 24. Proceder à acareação, sempre que conveniente ou necessária (§ 2º, do art. 158 da Lei nº 8.112/90).

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25. Solicitar designação e requisitar técnicos ou peritos, quando necessário. 26. Tomar medidas que preservem a independência e a imparcialidade e garantam o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração (art. 150 da Lei nº 8.112/90). 27. Indeferir pedidos e diligências considerados impertinentes, meramente protelatórios e sem nenhum interesse para os esclarecimentos dos fatos (§1º, do art. 156 da Lei nº 8.112/90). 28. Assegurar ao servidor o acompanhamento do processo, pessoalmente ou por intermédio de procurador, bem assim a utilização dos meios e recursos admitidos em direito, para comprovar suas alegações (art. 156 da Lei nº 8.112/90). 29. Conceder vista final dos autos, na repartição, ao denunciado ou seu advogado, para apresentação de defesa escrita (§ 1º do art. 161 da Lei nº 8.112/90). 30. Obedecer, rigorosamente, os prazos legais vigentes, providenciando sua prorrogação, em tempo hábil, sempre que comprovadamente necessária (parágrafo único dos arts. 145 e 152 da Lei nº 8.112/90). 31. Formular indagações e apresentar quesitos. 32. Tomar decisões de urgência, justificando-as perante os demais membros. 33. Reunir-se com os demais membros da comissão para a elaboração do relatório, com ou sem a declaração de voto em separado (§§ 1º e 2º, do art. 165 da Lei nº 8.112/90). 34. Zelar pela correta formalização dos procedimentos. 35. Encaminhar o processo, por expediente próprio, à autoridade instauradora do feito, para julgamento, por quem de direito (art. 166 da Lei nº 8.112/90). Atribuições dos membros da comissão 1. Tomar ciência, por escrito, da designação, juntamente com o presidente, aceitando a incumbência ou recusando-a com apresentação, também, por escrito, dos motivos impedientes. 2. Preparar, adequadamente, o local onde se instalarão os trabalhos da comissão. 3. Auxiliar, assistir e assessorar o presidente no que for solicitado ou se fizer necessário. 4. Guardar, em sigilo, tudo quanto for dito ou programado entre os sindicantes, no curso do processo (art. 150 da Lei nº 8.112/90). 5. Velar pela incomunicabilidade das testemunhas e pelo sigilo das declarações (§ 1º, do art. 158 da Lei nº 8.112/90). 6. Propor medidas no interesse dos trabalhos a comissão. 7. Reinquirir os depoentes sobre aspectos que não foram abrangidos pela arguição da presidência, ou que não foram perfeitamente claros nas declarações por eles prestadas. 8. Assinar os depoimentos prestados e juntados aos autos, nas vias originais e nas cópias. 9. Participar da elaboração do relatório, subscrevê-lo e, se for o caso, apresentar voto em separado. Atribuições do secretário 1. Aceitar a designação, assinando o Termo de Compromisso (se não integrante da comissão apuradora), ou recusá-la, quando houver impedimento legal, declarando, por escrito, o motivo da recusa. 2. Atender às determinações do presidente e aos pedidos dos membros da comissão, desde que relacionados com a sindicância.

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3. Preparar o local de trabalho e todo o material necessário e imprescindível às apurações. 4. Esmerar-se nos serviços de datilografia, evitando erros de grafismo ou mesmo de redação. 5. Proceder à montagem correta do processo, lavrando os termos de juntada, fazendo os apensamentos e desentranhamento de papéis ou documentos, sempre que autorizado pelo presidente. 6. Rubricar os depoimentos lavrados e datilografados. 7. Assinar todos os termos determinados pelo presidente. 8. Receber e expedir papéis e documentos, ofícios, requerimentos, memorandos e requisições referentes à sindicância. 9. Efetuar diligências pessoais e ligações telefônicas, quando determinadas pelo presidente. 10. Autuar, numerar e rubricar, uma a uma, as folhas do processo, bem como as suas respectivas cópias. 11. Juntar aos autos as vias dos mandados expedidos pela comissão, com o ciente do interessado, bem como os demais documentos determinados pelo presidente. 12. Ter sob sua guarda os documentos e papéis próprios da apuração. 13. Guardar sigilo e comportar-se com discrição e prudência.

9.6.10. IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO DOS MEMBROS INTEGRANTES DA COMISSÃO DE IN-QUÉRITO A designação de servidor para integrar comissão de inquérito constitui encargo de natureza obrigatória, de cumprimento do dever funcional, exceto nos casos de suspeições e impedimentos legalmente admitidos. Suspeições e impedimentos são circunstâncias de ordem legal, individual, íntima, de parentesco (consanguíneo ou afim) que, envolvendo a pessoa do acusado com os membros da comissão, testemunhas, peritos e autoridade julgadora, impossibilitam estes de exercerem qualquer função no respectivo procedimento disciplinar. Para Pontes de Miranda, “Quem está sob suspeição está em situação de dúvida de outrem quanto ao seu bom procedimento. Quem está impedido está fora de dúvida, pela enorme probabilidade de ter influência maléfica para sua função”, citado em seu livro por Marcelo Neves71. Ademais, Antônio Carlos Alencar Carvalho ressalta o seguinte:

Autoridades e servidores impedidos ou suspeitos para exercerem suas atribuições, em virtude de ostentarem algum tipo de circunstância pessoal ou motivo que lhes subtraia a plena isenção para apreciar a responsabilidade disciplinar do acusado, seja com a tendência de inocentar ou de culpar imotivadamente, não podem compor comissões processantes ou sindicantes, nem instaurar ou julgar processos administrativos punitivos ou sindicâncias.72

Note-se que os preceitos relativos ao regime do impedimento e suspeição estão intrinsecamente ligados ao princípio da imparcialidade no processo disciplinar. Para Iuri Mattos de

71NEVES, 2008. 72CARVALHO, 2007.

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Carvalho73, a imparcialidade é uma exigência normativa em qualquer processo administrativo em sentido estrito. Todos os servidores competentes para instruir ou decidir o processo devem ser imparciais, sob pena de se tornarem incompetentes para atuar diante do caso concreto. Assim, ao iniciar o processo disciplinar, já na primeira fase, é possível questionar a designação dos integrantes da comissão que poderá ser feito por meio das hipóteses legais de impedimento e suspeição. 9.6.10.1. IMPEDIMENTO O impedimento deriva de uma situação objetiva e gera presunção absoluta de parcialidade, não admitindo prova em contrário. Uma vez configurada uma das hipóteses de impedimento, não há possibilidade de refutação pelo próprio impedido ou pela autoridade a que se destina a alegação, devendo se afastar ou ser afastado do processo. Portanto, o integrante da comissão fica proibido de atuar no processo, devendo obrigatoriamente comunicar o fato à autoridade instauradora. Segundo José Armando da Costa74, os impedimentos são arguíveis somente em relação aos membros da comissão e à autoridade julgadora, não obstante ser possível a eventual alegação de impedimento em relação também à autoridade instauradora. O defeito provocado pelo impedimento sobrevive após a decisão final tomada, podendo ser alegado após a decisão ter sido ultimada. “Mesmo que a exceção não seja oposta, a incompetência persiste. Portanto, nos casos de impedimento, o agente administrativo deve ser reconhecido como absolutamente incompetente”, conforme Iuri Mattos de Carvalho75. Assim, com o objetivo de assegurar a isenção e a imparcialidade da comissão nas apurações, a Lei nº 8.112/90 dispôs sobre o estado de quem, por união de fato ou de direito ou por relação de parentesco, até o terceiro grau, se acha impedido de ser designado para integrar procedimento apuratório de irregularidade (sindicância ou PAD) ocorrida no serviço público. Nesse sentido, prescreve o art. 149, § 2º da Lei nº 8.112/90, que não poderá participar de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau (outros esclarecimentos sobre as relações de parentesco serão abordados no item 9.6.11). Outra hipótese de impedimento para o integrante da comissão, constante nessa mesma Lei, pode ser a condição de não estabilidade no serviço público (art. 149 da Lei nº 8.112/90). Portanto, servidores ocupantes exclusivos de cargo ou função de confiança, demissíveis ad nutum, não poderão compor a comissão de PAD ou sindicância acusatória por estarem na situação de impedidos. Ademais, complementando a Lei nº 8.112/90, em caráter subsidiário, o art. 18 da Lei nº 9.784/90 determinou que são circunstâncias configuradoras de impedimento para atuar em processo administrativo o servidor (membro integrante da CPAD) ou autoridade que:

73FIGUEIREDO, 2009, p. 128. 74COSTA, 2011, p. 192. 75 FIGUEIREDO, 2009, p. 129.

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a) tenha interesse direto ou indireto na matéria; b) tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; c) esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro.

Por conseguinte, a autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve, de ofício, independentemente de provocação do acusado, comunicar o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar no processo, sendo que a omissão no cumprimento do dever de comunicar o impedimento constitui falta grave, para efeitos disciplinares (art. 19 da Lei nº 9.784/99). Deve-se alertar que, em regra, a alegação de impedimento não interrompe o andamento dos trabalhos. Todavia, a depender da situação concreta apresentada, pode o colegiado aguardar o pronunciamento final da autoridade instauradora para a prática de certos atos, tendo em vista que aqueles realizados com a participação de membro impedido serão fulminados pelo efeito da nulidade. Nos dizeres dos ensinamentos de Antônio Carlos Alencar Carvalho, “A autoridade administrativa que nomeou o acusado deve praticar ato vinculado de substituição do membro da comissão processante em situação de impedimento, sem margem para qualquer esfera discricionária de consideração sobre a conveniência e oportunidade de o servidor nomeado continuar a atuar nessa condição”76. Como consequência da inobservância do dispositivo citado acima, o referido autor descreve: “A participação de servidor impedido em colegiado disciplinar implica a invalidade de todos os atos processuais de que tenha participado, determinando a nulidade da pena imposta, o que pode redundar em prejuízos gravíssimos para o interesse público, em face do dever de reintegração, por exemplo, do servidor demitido e de pagamento de todos os seus vencimentos mensais e demais vantagens, desde a data do ato expulsório baseado em processo punitivo conduzido por agente incompetente, fora a possibilidade de o decurso de tempo verificado não mais permitir a punição administrativa, em virtude da superveniência da prescrição do jus puniendi da Administração”77. Nesse sentido, tomando-se como exemplo de hipótese de impedimento, citem-se os julgados do STJ, transcritos logo abaixo:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR DEFLAGRADO POR REPRESENTAÇÃO DE DEPUTADO ESTADUAL QUE, DEPOIS, COMO MINISTRO DE ESTADO, EMITIU A PORTARIA DEMISSÓRIA DO SERVIDOR. INADMISSIBILIDADE. ART. 18 DA LEI 9.784/99. PAD PRESIDIDO POR PROCURADOR FEDERAL QUE ANTES SE MANIFESTARA EM PARECER ESCRITO PELA NULIDADE DE PROCESSO DISCIPLINAR PRECEDENTE, SOBRE OS MESMOS FATOS E ENVOLVENDO OS MESMOS SERVIDORES. INADIMISSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Processo Administrativo Disciplinar se sujeita a rigorosas exigências legais e se rege por princípios jurídicos de Direito Processual, que condicionam a sua validade, dentre as quais a da isenção dos Servidores Públicos que nele tem atuação; a Lei 9.784/99 veda, no seu art. 18, que participe do PAD quem, por ostentar vínculos com o objeto da investigação, não reveste as indispensáveis qualidades de neutralidade e de isenção. […]

76 CARVALHO, 2008, p. 347. 77 Idem, p. 346.

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(STJ – MS Nº 14.958-DF, 2010/0006423-9, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Julgamento: 12.05.2010, Data de Publicação: 15.06.2010) EMENTA: ADMINISTRATIVO. SINDICÂNCIA. ENVOLVIMENTO DA AUTORIDADE SINDICANTE NO FATO. ILEGALIDADE PARA PRESIDIR E DECIDIR. INEXISTÊNCIA DE ATO INDISCIPLINAR. 1. Envolvida pessoalmente na suposta infração a ser apurada, encontra-se a autoridade sindicante impedida de presidir e decidir a sindicância. […] (STJ – RMS 6060/RS, 1995/0038442-6, Relator: Ministro Edson Vidigal, Data do Julgamento: 10.11.1997, Quinta Turma, Data da Publicação: 01.12.1997)

9.6.10.2. SUSPEIÇÃO A suspeição deriva de uma situação subjetiva e gera uma presunção relativa de parcialidade, admitindo prova em contrário. Portanto, ainda que configurada uma das hipóteses de suspeição, há possibilidade de refutação pelo próprio suspeito ou pela autoridade instauradora. Segundo José Armando da Costa78, consideram-se sujeitos passíveis de suspeição os membros da comissão processante, o denunciante, as testemunhas, os peritos, bem como a autoridade julgadora do procedimento, não obstante ser possível a eventual alegação de suspeição em relação também à autoridade instauradora. “Não arguida a suspeição, o administrador-julgador se torna imparcial e pode atuar no processo”, segundo Iuri Mattos de Carvalho79. De forma diversa ao impedimento, não há obrigatoriedade do servidor, integrante da comissão, declarar-se suspeito à autoridade instauradora. Assim, o vício fica sanado se não for arguído pelo acusado ou pelo próprio membro suspeito. A exceção de suspeição pode ser arguida até a decisão final sobre a matéria, depois disso o defeito deixa de produzir qualquer consequência jurídica no processo disciplinar, convalidando-se o vício e considerando-se imparcial o membro da comissão supostamente suspeito.

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL. IMPEDIMENTO. HIPÓTESES TAXATIVAS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA. ART. 134, I A VI, DO CPC. INOCORRÊNCIA. SUSPEIÇÃO. PRESUNÇÃO RELATIVA. PRECLUSÃO. RESPONSABILIDADE. ART. 138, § 1º DO CPC. ADMINISTRATIVO. TÍTULOS DA DÍVIDA AGRÁRIA – TDA. RESGATE. PARCELA REMANESCENTE. MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO DA VIA. SÚMULA 269. 1. As causas de impedimento do magistrado estão enumeradas taxativamente nos incisos I e VI do art. 134 do CPC. Enquadrando-se o julgador em qualquer dessas hipóteses, há presunção absoluta de parcialidade, que pode ser arguida em qualquer grau de jurisdição. 2. Nas hipóteses de suspeição há presunção relativa de parcialidade, sujeita à preclusão. Se o interessado deixa de arguí-la na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos (art. 138, § 1º do CPC), convalida-se o vício, tendo-se por imparcial o magistrado.

78 COSTA, 2011, p. 192. 79 FIGUEIREDO, 2009, p. 129.

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(STF – RMS 24.613-1 – AgR/DF, Relator: Ministro Eros Grau, Data do Julgamento: 22.06.2005, Primeira Turma, Data da Publicação: 12.08.2005)

As alegações de suspeição apresentadas pelo próprio membro da comissão são apreciadas pela autoridade instauradora e as apresentadas pelo acusado, representante ou denunciante são avaliadas pela comissão e remetidas à autoridade instauradora. Embora a Lei nº 8.112/90 tenha sido silente quanto à questão da suspeição, limitando-se tão-somente ao regime de impedimento, a Lei nº 9.784/99 em seu art. 2080 regulou a matéria de forma subsidiária, apontando-se como principal causa de suspeição de integrante de comissão, com relação tanto ao acusado quanto ao representante ou denunciante, ter com eles, ou com seus cônjuges, parentes ou afins até o 3º grau, relação de amizade íntima ou de inimizade notória. Mas o que se entende por amizade íntima ou inimizade notória? “Amizade íntima é aquela notoriamente conhecida por todos ou por um grande número de pessoas, em virtude de permanente contato, de frequência conjunta a lugares, de aproximação recíproca de duas pessoas, com ostensividade social. […] Mal-entendidos, divergências eventuais, posições técnicas diversas, antipatia natural, nada disso se incluirá como fundamento da suspeição. Para esta, é necessário que haja reconhecido abismo ou profundo ódio entre os indivíduos, de modo a considerar-se suspeita a atuação da autoridade”, por José dos Santos Carvalho Filho, citado por Antônio Carlos Alencar Carvalho81. Exemplificando o caso, cite-se excerto do STJ em decisão monocrática em que se negou provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, visto que “Não existe qualquer prova pré-constituída de vínculo de amizade entre as autoridades em questão. A alegação de que o juiz federal presidente da comissão processante e o juiz federal denunciante utilizam o mesmo meio de transporte para o trajeto das suas residências para o trabalho, ainda que provada na forma exigida pela ação mandamental, não tem o condão de denotar amizade íntima entre os dois magistrados”. (STJ – RMS 015881, Relator: Ministro Humberto Martins, Data do Julgamento: 14.05.2009, Data da Publicação: 20.05.2009) No entanto, na hipótese de indeferimento da alegação de suspeição, caberá recurso sem efeito suspensivo (art. 21 da Lei nº 9.784/99). Também, é possível observar, no que se refere às alegações de impedimento e suspeição, que a jurisprudência do STJ tem decidido pela nulidade processual, por cerceamento de defesa, quando as arguições do acusado em seu depoimento ou na defesa escrita são ignoradas ou não apreciadas devidamente pela comissão processante. Comentando o assunto, Antônio Carlos Alencar Carvalho assinala que “... não é dado ao conselho processante nem ainda menos à autoridade julgadora deixar de apreciar a impugnação em torno da falta de imparcialidade logo do presidente da comissão de processo administrativo disciplinar, figura decisiva para influir sobre o ânimo dos outros dois integrantes do conselho instrutor no que tange à conclusão pela culpabilidade do acusado, o qual tem o direito de ter sua responsabilidade cotejada – é esse o desiderato legislativo (art. 150, Lei 8.112/90)82 – por uma trinca acusadora formada por servidores absolutamente isentos”83.

80 Art. 20. Pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau. 81 CARVALHO, 2008, p. 348.

82 Art. 150. A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da Administração. 83 CARVALHO, 2007.

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EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PORTARIA INAUGURAL. NULIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. SUSPEIÇÃO. ART. 20 DA LEI Nº 9.784/99. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. NULIDADE. SUSPENSÃO DO PRAZO PARA A DEFESA. DESTITUIÇÃO DE DEFENSOR. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. NULIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. […] II. O art. 20 da Lei nº 9.784/99 prevê a possibilidade do acusado arguir a suspeição em relação à autoridade participante da comissão processante. Logo, não poderia a referida comissão, principalmente na pessoa do próprio presidente, abster-se de processar, examinar e julgar a questão, simplesmente alegando que a matéria “é incidental a este Processo e, (…) não tem qualquer relação com os fatos que estão sendo apurados.” Precedente. […] IV. A decisão indeferitória da produção de provas refere-se à suspeição do presidente da comissão, ato esse já reconhecido como viciado face à ausência de motivação. V. Recurso conhecido e provido. (STJ - RMS 19225/PR, 2004/0162930-1, Relator: Ministro Gilson Dipp, Data do Julgamento: 13.02.2007, Quinta Turma, Data da Publicação: 19.03.2007) EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. PROCESSO DISCIPLINAR. ATO INAUGURAL. LEGALIDADE. SUSPEIÇÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. NULIDADE. AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. RECURSO PROVIDO. […] II. A apreciação, sem a devida motivação, de questão levantada pelo servidor quanto à suspeição do presidente da comissão de processo disciplinar, caracteriza-se como cerceamento de defesa do acusado, ensejando a anulação do processo. [...] (STJ - RMS 19409/PR, 2004/0184848-6, Relator: Ministro Felix Fischer, Data do Julgamento: 07.02.2006, Quinta Turma, Data da Publicação: 20.03.2006) EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISICPLINAR. DEMISSÃO. NULIDADE. OMISSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. A ausência de apreciação, de maneira injustificada, da questão preliminar levantada pelo servidor quanto à suspeição e impedimento do presidente da comissão de inquérito, caracteriza-se como cerceamento ao direito de defesa do acusado, ensejando a anulação do processo. Segurança concedida. (STJ - MS 7181/DF, 200/0102019-6, Relator: Ministro Felix Fischer, Data julgamento: 14.03.2001, Data publicação: 09.04.2001)

Conforme decisão do STJ, as alegações de imparcialidade da autoridade instauradora e da comissão de processo disciplinar devem estar fundadas em provas, não bastando meras conjecturas ou suposições desprovidas de qualquer comprovação.

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADES. INOCORRÊNCIA. DEMISSÃO. PROPORCIONALIDADE. I – A alegação de imparcialidade da autoridade que determinou a abertura do processo administrativo, bem como da comissão processante deve estar comprovada de plano, não bastando sugestivas afirmações desprovidas de qualquer suporte fático. O simples indeferimento de produção de prova testemunhal e documental não é suficiente para caracterizar a perda da imparcialidade dos julgadores. […] (STJ - MS 8877 / DF, 2003/0008702-2, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Terceira Seção, Data do Julgamento 11/06/2003, Data da Publicação 15/09/2003)

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Portanto, recomenda-se muito cuidado no trato do assunto, tendo em vista que, segundo as autoras Adriane de A. Lins e Débora V. S. B. Denys84, um dos vícios que mais afeta os procedimentos disciplinares, tisnando-os com a eiva da nulidade, decorre, exatamente, de inobservância da “não apreciação de incidentes de impedimento e suspeição do presidente da comissão (cerceamento de defesa)”. Por fim, é relevante destacar que, conforme mencionado para a hipótese de impedimento, a alegação de suspeição não tem aptidão para interromper o andamento do processo. De fato, utilizando-se a analogicamente da regra positivada no art. 111 do Código de Processo Penal, evidencia-se que aquele incidente processual corre em autos apartados dos autos principais onde os fatos estão sendo discutidos, não impedindo a regular marcha processual.

9.6.11. RELAÇÕES DE PARENTESCO Considerando que nos pontos anteriores foram feitas referência aos dispositivos das Leis n° 8.112/90 e 9.784/99 que fazem menção aos conceitos das relações de parentesco, entende-se necessária uma breve explanação a respeito do assunto. Com efeito, a matéria é regulada pelo Código Civil que, nos arts. 1.591 a 1.595 estabelece as diferentes formas de parentesco entre as pessoas.

Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.

Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra. Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinida-de ou outra origem. Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de ge-rações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente. Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.

§ 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.

§ 2o Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.

Inicialmente, a lei civil dispõe que o parentesco pode ser consanguíneo, por afinidade ou civil. Consanguíneo é o relacionamento existente em função da descendência natural, ou seja, o existente entre os pais, filhos, netos, avôs, tios, sobrinhos, etc. O relacionamento por afinidade decorre do casamento ou da união estável pelos quais o cônjuge ou companheiro passa a ser aliado aos parentes do outro, por meio de tal vínculo. Insta ressaltar que, por ordem expressa da lei, o parentesco por afinidade em linha reta não se extingue mesmo com a dissolução da união civil. Por fim, o parentesco civil decorre de alguma outra forma disposta em lei, tal como a adoção.

84 LINS, 2007, p. 284.

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Em todas as espécies de vínculo, a relação de parentesco é contada em graus, podendo ser em linha reta e colateral ou transversal. O parentesco em linha reta existe pela descendência ou ascendência direta, como no caso de pais e filhos. Já o parentesco em linha colateral está presente quando a ligação entre dois parentes ocorre por meio de um ancestral comum. Importante destacar que o parentesco em linha colateral só se estende até o quarto grau. Nos quadros abaixo, busca-se melhor exemplificar a situação.

9.6.12. OBRIGAÇÕES DE IMPARCIALIDADE E INDEPENDÊNCIA DOS MEMBROS INTEGRAN-TES DA COMISSÃO DISCIPLINAR A comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da Administração. É o que preceitua o art. 150 da Lei nº 8.112/90. Fixa esse dispositivo nada mais que princípios de Administração, sobressaindo: imparcialidade, ou observância do princípio da isonomia ou da igualdade (ou ainda da impessoalidade), e independência funcional, segundo os quais ficarão isentos de pressões hierárquicas ou mesmo políticas os membros das comissões, no curso de seus trabalhos de apuração85. Assim, uma vez nomeados os membros integrantes da comissão disciplinar, estariam eles necessariamente obrigados a respeitar os princípios da imparcialidade e independência em busca da verdade real. Nesses termos, vale ressaltar a questão da necessidade de imparcialidade de membros de comissão processante que teriam participado anteriormente de sindicância disciplinar com emissão de juízo preliminar de valor. Nesta hipótese Antônio Carlos Alencar Carvalho argumenta que

85 RIGOLIN, 2010, p. 322.

Eu

Pai

Avô

Tio

Primo

1° Grau

2° Grau 3° Grau

4° Grau

Pai Eu Filho Avô Neto 1° 2° 2° 1° Grau Grau Grau Grau

Parentesco em linha reta

Parentesco em

linha colateral

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“não se tem admitido que quem tomou parte das investigações e exarou um juízo preliminar acerca da possível responsabilidade disciplinar do sindicado, considerando patentes a autoria e materialidade de infração administrativa, venha depois compor a comissão que irá conduzir o processo administrativo disciplinar, porque teria vulneradas sua isenção e plena independência/imparcialidade (art. 150, caput, L. 8.112/90), requisitos indispensáveis dos componentes do trio instrutor e acusador” 86.

Assim, caso contrário, se não houver qualquer emissão de juízo de valor acerca de suposta responsabilização funcional, é possível que membro da comissão de sindicância disciplinar faça parte da comissão de inquérito do PAD decorrente. Em suma, desaconselha-se a designação para participar de comissão de processo administrativo disciplinar dos mesmos membros que integraram a comissão sindicante e que concluíram pelo cometimento da infração pelo servidor investigado. Nessa orientação, seguem-se as decisões do STJ:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. AGÊNCIA REGULADORA. SERVIDOR. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SUSPEIÇÃO DE MEMBRO SINDICANTE PARA ATUAR NA COMISSÃO DO PAD. OCORRÊNCIA. VÍCIO DE MOTIVO NO ATO DE DEMISSÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA. [...] 2 – Dispõe o art. 150 da Lei n 8.112/1990 que o acusado tem o direito de ser processado por uma comissão disciplinar imparcial e isenta. 3 – Não se verifica tal imparcialidade se o servidor integrante da comissão disciplinar atuou também na sindicância, ali emitindo parecer pela instauração do respectivo processo disciplinar, pois já formou juízo de valor antes mesmo da produção probatória. 4 – O próprio Manual da Controladoria Geral da União de 2010, obtido na página eletrônica daquele órgão, afirma não ser recomendada a participação de membro sindicante no posterior rito contraditório. [...] (STJ - MS 14135/DF - 2009/0022404-2, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, Data de Julgamento: 25.08.2010, Terceira Seção, Data de Publicação: 15.09.2010) EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. PENALIDADE DE DISPONIBILIDADE, COM VENCIMENTOS PROPORCIONAIS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO DOS DESEMBARGADORES QUE PARTICIPARAM NO PROCESSO DISCIPLINAR. DESEMBARGADOR RELATOR DA SINDICÂNCIA E DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. IMPARCIALIDADE E IMPEDIMENTO EVIDENCIADOS. NULIDADE DO ATO IMPETRADO. PRECEDENTE. […] 3. Há impedimento de desembargador para relatar processo administrativo disciplinar instaurado em face de magistrado se, ao se manifestar também como relator na sindicância prévia à abertura do feito disciplinar, não se restringe a uma análise superficial e perfunctória das infrações imputadas ao recorrente, mas se pronuncia de forma conclusiva em desfavor do magistrado. Precedente. (STJ – RMS Nº 19.477 – SP, 2005/0010118-0, Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Data do Julgamento: 17.12.2009, Data da Publicação: 22.02.2010)

86 CARVALHO, 2007

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O citado autor conclui que:

A jurisprudência dos tribunais pátrios, destarte, tem encarecido a indispensabilidade de plena imparcialidade dos integrantes do conselho disciplinar investigativo e processante, de modo que quem já emitiu seu convencimento em desfavor do acusado, na sindicância, não pode, após isso, ser redesignado para apreciar o mesmo quadro fático e probatório, agora na etapa processual, sob pena de irreparável prejuízo ao direito do servidor público imputado de ter suas razões e provas cotejadas por colegiado instrutor e acusador isento, não previamente vinculado a juízos de valor sobre o mérito da responsabilidade do funcionário antes mesmo da coleta de provas em regime contraditorial, sob pena de o feito punitivo servir-se como um simulacro de ampla defesa, em face da orientação predeterminada em prejuízo do imputado. 87

Outra hipótese que tem gerado arguição de nulidade do PAD pela defesa do acusado refere-se à suposta suspeição da comissão processante designada para conduzir processo disciplinar, instaurado em decorrência da anulação do primeiro procedimento por cerceamento de defesa. Neste caso, argui-se a suspeição pelo fato de a mesma comissão, ou um dos membros, ter participado da instrução anulada anteriormente, o que macularia sua isenção e imparcialidade, indispensáveis à garantia do livre convencimento do julgador. De forma divergente, o STJ tem entendido não haver irregularidade para estes casos. Ao contrário, é mesmo salutar, de vez que aqueles servidores já conhecem, em boa medida, os fatos objetos de investigação. Sobre o assunto, transcrevem-se abaixo as decisões mais recentes proferidas pelo STJ:

EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO EM RAZÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OPERAÇÃO EUTERPE. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. PARCIALIDADE (SUSPEIÇÃO) NÃO COMPROVADA. LEGÍTIMA UTILIZAÇÃO DA PROVA. AUSÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS. INDEFERIMENTO LIMINAR MANTIDO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. […] 3. Não foi demonstrado interesse direto ou indireto de membro de Comissão Processante no deslinde do PAD. Respeitados os aspectos processuais em relação ao impedimento e suspeição, não há prejuízo na convocação de servidores que tenham integrado anteriormente uma primeira Comissão Processante cujo relatório conclusivo fora anulado por cerceamento de defesa. Precedente do STJ. […] 5. Não houve reformatio in pejus. Após ter sido o agravante punido em PAD anulado, não se vislumbra contrariedade ao teor do art. 65 da Lei 9.784/99, visto que a hipótese não é de revisão de sanção disciplinar, mas sim de apreciação dos fatos como se nunca tivesse existido o primeiro procedimento. 6. Agravo Regimental não provido. (STJ – AgRg no MS 15463/DF, 2010/0121563-2, Relator: Ministro Herman Benjamin, Data do Julgamento: 09.02.2011, Primeira Seção, Data de Publicação: 15.03.2011) EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ANALISTA TRIBUTÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. OPERAÇÃO PLATA DA POLÍCIA FEDERAL. LIBERAÇÃO DE VEÍCULO

87 Idem.

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COM MERCADORIA IRREGULAR. FACILITAÇÃO DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO. MEMBROS DA COMISSÃO PROCESSANTE REGULARMENTE DESIGNADOS. AUSÊNCIA DE SUSPEIÇÃO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE CONVERSÃO DO FEITO EM DILIGÊNCIA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. DEGRAVAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA LEGALMENTE COLHIDA EM INSTRUÇÃO CRIMINAL. OBSERÂNCIA CRITERIORSA DO RITO PROCEDIMENTAL PREVISTO NAS LEIS 8.112/90 E 9.784/99. SEGURANÇA DENEGADA. […] 3. Respeitados todos os aspectos processuais relativos à suspeição e impedimento dos membros da Comissão Processante previstos pelas Leis 8.112/90 e 9.784/99, não há qualquer impedimento ou prejuízo material na convocação dos mesmos servidores que anteriormente tenham integrado Comissão Processante, cujo relatório conclusivo foi posteriormente anulado (por cerceamento de defesa), para compor a segunda Comissão de Inquérito. [...] (STJ – MS Nº 13.986-DF, 2008/0260019-8, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Julgamento: 09.12.2009, Data da Publicação: 12.02.2010)

O STJ, em voto do Sr. Ministro Relator acatado unanimemente, justifica decisão (AgRg no Mandado de Segurança nº 15.463-DF, 2010/0121563-2):

“Tampouco se mostra verossímil a afirmativa de que o simples fato de um servidor participar de instrução anulada anteriormente é suficiente para inquinar de imparcial a autoridade processante. O caso presente evidencia estrito cumprimento de dever da autoridade, não se afigurando plausível que o primeiro Processo Administrativo Disciplinar tenha sido anulado para fins de prejudicar o impetrante, tão somente pelo fato de ter sido absolvido naquela etapa. Nesse sentido já decidiu esta Corte Superior: EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADES. NÃO OCORRÊNCIA. […] 6. Não configura o impedimento previsto no artigo 18 da Lei nº 9.784/1999 quando a atuação de quem se tem por impedido decorre do estrito cumprimento de um dever legal e não evidencia qualquer interesse direto ou indireto no deslinde da matéria. […] (STJ – RE Nº 585.156-RN, 2003/0158109-3, Relator: Ministro Paulo Gallotti, Data do Julgamento: 02.10.2008, Data da Publicação: 24.11.2008) No que tange à alegada reformatio in pejus na aplicação da pena de demissão, após ter sido a parte impetrante punida em Processo Administrativo Disciplinar anulado com a pena de advertência, não se vislumbra contrariedade ao teor do art. 65 da Lei nº 9.784/99, visto que a hipótese não é de revisão de sanção disciplinar, mas sim de apreciação dos fatos como se nunca tivesse existido o primeiro procedimento. Revela-se portanto, que o mandamus é manifestamente inadmissível por não preencher os requisitos legais.

Para Ivan Barbosa Rigolin, em comentário ao art. 169 da Lei nº 8.112/90, esclarece: “Deve a autoridade substituir a comissão, parece-nos, apenas quando denote traços inequívocos de má-fé, ou desonestidade de propósito, ou desvio de finalidade no trabalho que realizou, ou ainda por absoluto despreparo para a missão que lhe foi atribuída, ou algo tão grave quanto isso”88

88 RIGOLIN, 2010, p. 349.

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Nesta outra hipótese, também, desaconselha-se a designação para participar de comissão revisora os mesmos membros que integraram a comissão processante do processo administrativo disciplinar originário e que tomaram parte pela condenação do servidor requerente. Sobre o tema Ivan Barbosa Rigolin assim expõe:

J. Guimarães Menegale entende que para garantir a imparcialidade na apreciação do pedido revisional não se devem incluir na comissão de revisão servidores que trabalharam naquela processante, ainda que não se lhes ponha em dúvida a honestidade pessoal, porque não é possível ignorar 'a dupla influência da validade, que induz o homem a resistir à mudança de suas convicções ou a confessar ou admitir que errou'. Natural, assim, pareceu àquele ilustre administrativista que a autoridade no-meie comissões diferentes, para o processo e para a revisão, porque é certo que mesmo em processo civil a instância revisora é sempre diferente da instância proferidora da decisão revisanda. Assim também nos parece, pelas razões sintéticas e sabiamente alinhadas por Menegale. Se um dia o homem for reconhecidamente infalível nos julgamentos que fizer de seus semelhantes, então nem mesmo revisão a lei precisará conceder a ninguém. 89

9.7. PUBLICIDADE DO PROCESSO Nos termos do que foi ventilado no item 2.2.2 acima, restou evidenciado que, para que o acusado possa exercer os direitos ao contraditório e à ampla defesa, é necessária a ciência do conteúdo dos autos do procedimento correcional e o conhecimento das deliberações da comissão responsável pela condução dos trabalhos. Neste diapasão, é certo que, além da comunicação dos atos processuais – tópico que será debatido adiante -, a vista do processo é providência indispensável para assegurar a presença dos dois direitos citados, os quais possuem vocação constitucional. Contudo, a possibilidade de terceiros terem acesso ao conteúdo do processo disciplinar pode gerar dúvidas na comissão. Para responder a tal questionamento, é mister discorrer sobre o princípio da publicidade, bem como acerca da Lei de Acesso à Informação - LAI (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011), diploma legal recentemente incorporado ao nosso ordenamento jurídico. Pois bem, o princípio da publicidade inspira-se na própria Constituição Federal, encontrando-se positivado no caput do art. 37 da Carta Maior. Assim, a regra é que os atos praticados pela Administração sejam de conhecimento público, com o escopo de garantir a transparência necessária e indispensável em um regime democrático de direito. Como decorrência natural deste princípio na seara correcional, em 9.5.2 foi mencionada a necessidade de que as portarias de instauração, prorrogação e recondução de procedimentos disciplinares sejam devidamente publicadas, em boletim interno do órgão ou entidade ou, quando for o caso, no Diário Oficial da União. Ademais, também deve ser dada a publicidade necessária para o julgamento do feito. A LAI incorporou ao arcabouço normativo nacional um relevante e robusto conjunto de regras relativas à publicidade dos atos praticados pela Administração Pública. Com efeito, buscou-se garantir a transparência na gestão da res publica, com a possibilidade de maior

89 Idem, p. 360.

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participação e monitoramento por parte da sociedade civil. Todavia, o fez sem prejuízo de cláusulas específicas de sigilos legais, como por exemplo, as informações protegidas por sigilo fiscal (art. 198 do Código Tributário Nacional – CTN) ou bancário (art. 3º do Código Tributário Nacional). O art. 150 da Lei nº 8.112/90 também é um desses casos, pois determina que “a Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração”. Seguindo este preceito, a LAI prevê no §3º do art. 7º que “o direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas, utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato administrativo será assegurado com a edição do ato decisório respectivo”. Considerando que todo processo disciplinar em andamento consubstancia uma sequência de atos que culminarão na tomada de decisão em relação à responsabilidade administrativa sobre determinado fato, entende-se que os procedimentos dessa natureza, quando em curso, incluem-se na hipótese ali prevista. Desse modo, não se deve conceder acesso a terceiros à documentação constante de processo administrativo disciplinar que ainda esteja em curso. Por outro lado, o dispositivo determina que uma vez concluído, ou seja, com a edição de seu julgamento, deixa de subsistir a situação que justifica a negativa de acesso a seu conteúdo. Ressalte-se que não há restrição de acesso ao acusado e seu procurador, em nenhuma fase do processo.

Assim, instaurado o procedimento disciplinar, o art. 150 da Lei nº 8.112/90

continua a acobertá-lo como sigiloso para acesso de terceiros durante todo o seu curso. No entanto, atendendo aos comandos de publicidade contidos na LAI, assim que concluído, ele passa a ser acessível a terceiros, com exceção dos dados que sempre serão protegidos por cláusulas específicas de sigilo (fiscal, bancário, imagem/honra).

Nesta direção, cita-se como exemplo, a Portaria nº 1.613, de 26 de julho de 2012,

editada pela Controladoria-Geral da União que tratou, dentre outras matérias, do sigilo dos documentos relativos à atividade de correição. Ainda que tal normativo possua alcance limitado àquele órgão, é certo que as regras lá estatuídas servem como diretriz para os demais órgãos e entidades integrantes do sistema:

Art. 4º - A CGU manterá, independentemente de classificação, acesso restrito em relação às informações e documentos, sob seu controle e posse, mantidas em qualquer suporte, relacionadas a: I - informações pessoais relativas à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas; II - informações e documentos caracterizados em normativos específicos como de natureza sigilosa, tais como sigilo fiscal, patrimonial ou bancário; III - processos judiciais sob segredo de justiça; IV - identificação do denunciante, até que se conclua procedimento investigati-vo; V - papéis de trabalho e procedimentos relativos a ações de controle e de inspe-ção correcional ou de qualquer espécie de ação investigativa, nos termos do § 3º do art. 26 da Lei nº 10.180, de 6 de fevereiro de 2001; VI - documentos e informações de natureza técnica produzidos por outros ór-gãos e entidades em poder da CGU sem a característica de custódia; e

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VII - relatórios e notas técnicas decorrentes de investigações, auditorias e fisca-lizações, e outros documentos relativos à atividade de correição, bem como ou-tras ações na área de competência da CGU, quando ainda não concluídos os respectivos procedimentos. Art. 5º - A restrição de acesso às informações prevista nos incisos IV e VII do ar-tigo 4º desta Portaria se extingue a partir da conclusão do procedimento inves-tigativo, quando os relatórios e notas técnicas se tornarão públicos. § 1º - Consideram-se concluídos, no âmbito da CGU, os procedimentos investi-gativos relativos a: I - ação correicional: a) procedimento disciplinar instaurado ou acompanhado: com a publicação do julgamento pela autoridade competente; b) investigação preliminar: com o arquivamento do processo em caso de não ser procedente o fato originário da investigação e, no caso contrário, a publica-ção do julgamento do procedimento disciplinar decorrente da investigação; e c) relatórios de inspeção correicional: com a aprovação do relatório pelo Cor-regedor-Geral da União. II - denúncia: a) com o seu arquivamento por motivo de desabilitação na fase de triagem; e b) após o término da ação de controle ou ação correicional respectiva.

O inciso VII do art. 4º acima transcrito deixa claro que todos os documentos

relativos à atividade de correição têm acesso restrito até à conclusão dos respectivos procedimentos, ainda que não estejam classificados. Por sua vez, a alínea “b” do inciso I, §1º, do art. 5º, traz relevante definição do que se entende por conclusão no caso de procedimento investigativo, com a menção de que a publicidade só ocorre após o julgamento do procedimento disciplinar decorrente.

10. INSTRUÇÃO PROCESSUAL

10.1. COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS A comunicação dos atos processuais surge diante da necessidade de cientificar as partes sobre os atos a serem praticados. Para o prosseguimento dos processos administrativos disciplinares e sindicâncias acusatórias é imprescindível que os atos sejam comunicados às partes envolvidas. A isso se dá o nome de comunicações processuais. Inicialmente, e de forma resumida, serão apresentadas as três formas mais comumente empregadas pelas comissões disciplinares para dar conhecimento da marcha processual aos envolvidos. Nos próximos tópicos, serão abordadas as particularidades mais essenciais de cada uma delas, indicando os fundamentos legais, doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores.

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a) Notificação prévia: Comunicação processual pela qual o acusado é informado da propositura de um processo contra a sua pessoa, consistindo em instrumento hábil para possibilitar o exercício do contraditório e ampla defesa desde o início dos trabalhos da comissão. b) Intimação: Comunicação de atos processuais que tenham sido praticados ou a serem praticados no curso do processo. Portanto, comunicam-se atos ao acusado, às testemunhas, aos informantes, ao defensor, ao perito etc 90. c) Citação: Esta comunicação processual consiste no chamamento do indiciado para apresentar sua defesa escrita, ocorrendo, assim, após o indiciamento.

Os atos de comunicação, em regra, são assinados pelo presidente da comissão disciplinar, extraídos em duas vias, para que uma delas seja entregue ao destinatário e a outra juntada ao processo como comprovante de entrega.

10.1.1. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA Inicialmente, registre-se que os termos “acusado” e “indiciado” serão empregados seguindo a regra presente na Lei nº 8.112/90. Isso porque, na fase inicial da instrução do processo disciplinar, quando presentes somente indícios contra o servidor e ainda não se fez nenhuma acusação formal, a lei o define como acusado. Na fase final da instrução, caso a comissão formalize a acusação contra o servidor na indiciação, a lei passa a designá-lo como indiciado. Para melhor entendimento, Madeira91 é bem didático neste ponto:

(...) o termo acusado não significa condenado nem culpado. É apenas um termo técnico que deixa claro que aquela pessoa precisa se defender da acusação que contra ela está sendo lançada. No processo penal a pessoa que responde ao processo criminal é chamada de réu e ninguém contesta este termo. Aqui, no processo disciplinar, chamamos de acusado, não há nenhum problema nisso. Aliás, é muito bom que se use esse termo porque o indigitado servidor irá se preocupar com o processo e irá buscar realmente se defender. Se ele é chama-do de envolvido pode pensar que a situação não é tão perigosa e negligenciar sua defesa.

Com o início da fase de instrução, a comissão deve notificar pessoalmente o servidor da existência do processo no qual figura como acusado, a fim de que possa realizar os atos de defesa que desejar, exceto se ainda não houver no processo elementos que justifiquem a realização de tal ato. Junto com a notificação, a comissão deve fornecer cópia integral dos autos, podendo ser em mídia digital, tendo o cuidado de tarjar eventuais dados sigilosos de terceiros que não influenciem na defesa do acusado. Caso no processo haja mais de um acusado, e os dados sigilosos de cada um deles estiverem juntados aos autos, então é necessário aplicar medida cabível de forma que um acusado não tenha acesso aos dados do outro, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.784/99, in verbis:

90 Necessário esclarecer que é praxe de alguns órgãos adotar a denominação "notificação" para aquelas comunicações direcionadas ao acusado, a fim de estabelecer distinção das demais intimações. O posicionamento deste manual segue o que dispõe a Lei n° 9.784/99 que, em seu art. 26, apenas previu a intimação como ato de comunicação processual. Todavia, em vista da aplicação do princípio do informalismo moderado, a denominação aplicada aos atos processuais da Comissão não o invalidam, independente do nome que se escolha, desde que respeitadas as demais previsões legais, tal como a observância ao prazo de sua realização. 91 MADEIRA, 2008, p. 102.

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Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à priva-cidade, à honra e à imagem.

A decisão quanto à notificação do servidor acusado deve ser precedida de ata de deliberação. Assim, após a ata de instalação, pela qual a comissão registra o início de seus trabalhos, ela se reunirá para analisar o processo e deliberar pela notificação do acusado. A comissão também deverá comunicar a notificação prévia ao titular da unidade de lotação do acusado, e também à unidade de Recursos Humanos a qual estiver vinculado, em atendimento ao art. 172 da Lei nº 8.112/90, fato que impossibilitará sua aposentadoria e exoneração voluntária. Além disso, férias, deslocamentos, remoção, licenças e afastamentos, também podem impactar negativamente no desenvolvimento dos trabalhos apuratórios das comissões, sendo possível, de forma justificada, suspender a fruição ou indeferir os pedidos relacionados a tais benefícios.

Art.172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exo-nerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do pro-cesso e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.

A notificação deve atender aos arts. 153 e 156 da Lei nº 8.112/90 92, sendo que cabe à comissão fazer constar no documento as seguintes informações:

a) a instauração do processo contra o servidor por suposto cometimento de ilícito administrativo, indicando resumidamente o motivo da instauração ou menção que os fatos encontram-se descritos em determinado processo, sem a menção ao enquadramento legal da suposta irregularidade (evitando com isto uma possível alegação de prejulgamento do caso);

b) os direitos e meios assegurados para acompanhar o processo, contestar provas e de produzi-las a seu favor;

c) local e horário de funcionamento da comissão processante. A notificação do servidor deve ser providenciada logo após as primeiras deliberações da comissão e análise do processo, quando já estiverem presentes os elementos que apontem o possível autor ou responsável. Deve-se ressaltar que, na hipótese de iniciado o processo sem nenhum acusado ou no caso de surgirem novos elementos que indiquem a participação de outros servidores, deve a comissão promover, de imediato, os trâmites de notificação e as comunicações à autoridade instauradora e à unidade de Recursos Humanos.

Também é relevante atentar que, caso alguma prova testemunhal ou outra que demande a participação do acusado na sua produção (tais como perícias e exames) tenha sido feita anteriormente e seja necessária para o esclarecimento do ilícito, deve ser dada oportunidade para o exercício do contraditório por meio do refazimento do ato.

92 Art. 153. O inquérito administrativo obedecerá ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos admitidos em direito.

Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

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Em relação à indicação exata, na notificação prévia, dos fatos que serão apurados no processo, não há necessidade de tal providência. Seguem entendimentos, extraídos, respectivamen-te, do Parecer-AGU nº GQ-55, vinculante, e de julgado do STJ acerca do tema:

Em virtude dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, o servidor que responde a processo disciplinar deve ser notificado da instaura-ção deste imediatamente após a instalação da comissão de inquérito e, em qualquer fase do inquérito, cientificado dos atos processuais a serem pratica-dos com vistas à apuração dos fatos, de modo que, tempestivamente, possa exercitar o direito assegurado no art. 156 da Lei nº 8.112, de 1990 (...)

9. Não se coaduna com o regramento do assunto a pretensão de que se efetue a indicação das faltas disciplinares na notificação do acusado para acompanhar a evolução do processo, nem essa medida seria conveniente, eis que seria susce-tível de gerar presunção de culpabilidade ou de exercer influências na apura-ção a cargo da comissão de inquérito. (grifo nosso) Inexiste nulidade no fato da notificação decorrente de processo administrativo disciplinar não indicar, de forma precisa, os fatos imputados aos notificados, pois, nessa fase, os mesmos ainda dependem de apuração, de modo que, conclu-ída a fase instrutiva, procede-se através de termo próprio, à indicação das ir-regularidades apuradas e seus respectivos responsáveis, como meio de propici-ar-lhes a efetiva defesa escrita, consoante determina o art. 161 da Lei nº 8112/90. (grifo nosso) (STJ; MS 4.147; S3 - Terceira Seção; Relator Ministro: Anselmo Santiago; Jul-gamento: 23/09/1998; Publicação: DJ 7/12/1998; pág. 39)

O documento de notificação será feito em duas vias, sendo que uma delas será entregue pessoalmente ao acusado, e na outra ele deverá apor sua assinatura e data de recebimento, para posterior juntada aos autos. Em caso de mais de um servidor acusado, a comissão deverá providenciar mandado de notificação para cada um. Não se admite o uso de Aviso de Recebimento (AR) ou outro meio de correspondência. Quando o servidor a ser notificado estiver em local distinto do funcionamento da comissão, há a possibilidade do deslocamento de membro do colegiado para efetivação do ato, mediante autorização da autoridade instauradora e disponibilidade de recursos materiais. Ainda há possibilidade de serem encaminhadas cópias da notificação e dos autos para que qualquer servidor designado realize o ato, com posterior devolução à comissão de uma via do documento devidamente assinado e datado. Recomenda-se, como alternativa às possibilidades acima, a designação de secretário no local onde se encontra o acusado, para prestar apoio à comissão na realização das comunicações processuais ao longo de todo o procedimento. A efetivação das comunicações processuais nem sempre é fácil, podendo ocorrer situações onde o servidor acusado se recusa a receber a notificação ou se encontra em lugar incerto e não sabido. O Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, Lei nº 8.112/90, não tratou de tais situações, o que evidencia a necessidade de se utilizar da analogia a outros diplomas legais ou a regras previstas naquele mesmo estatuto normativo. No caso de servidor que se recusa a receber a notificação, pode-se fazer analogia com a citação prevista na Lei nº 8.112/90. Assim, o membro da comissão responsável pela notificação deve registrar o incidente em termo próprio e com assinatura de duas testemunhas. Frise-se que o art. 161 da Lei nº 8.112/90 não faz nenhuma exigência quanto à qualidade das testemunhas, podendo ser qualquer pessoa que presencie a recusa do recebimento. Entretanto, em

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razão da fé pública que possui o servidor, melhor que o ônus recaia sobre este – ressalte-se que se deve excetuar os membros das comissões, pois aí não será “testemunha”, mas interessado em que a formalidade tenha sido adequadamente tomada.

Art. 161 § 4º. No caso de recusa do indiciado em apor o ciente na cópia da citação, o prazo para defesa contar-se-á da data declarada, em termo próprio, pelo membro da comissão que fez a citação, com a assinatura de 2 (duas) testemu-nhas.

Outra situação ocorre quando o acusado encontra-se em lugar incerto e não sabido. Como já citado, a Lei nº 8.112/90 não tratou deste tipo de incidente, portanto, por analogia, pode-se aplicar a regra prevista no art. 227 do CPC, fazendo-se registrar em termo de ocorrência pelo menos três tentativas de localizar o servidor em seu trabalho e em sua residência. A solução nessa situação, de acordo com o art. 163 da Lei nº 8.112/90, será efetuar a notificação do acusado por edital, publicado no D.O.U e também em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido. Assim, cumpre-se a necessidade de notificar o servidor de sua condição como acusado no processo.

Art. 163. Achando-se o indiciado em lugar incerto e não sabido, será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa.

No caso em que o acusado ainda estiver ativo no serviço público e a comissão não conseguir notificá-lo em seu local de lotação, haverá a possibilidade de instauração de novo procedimento disciplinar. Tal situação ocorrerá caso o acusado deixe de comparecer intencionalmente ao serviço por mais de 30 dias consecutivos, o que caracterizaria possível abandono de cargo, sendo necessária a comunicação desse evento à autoridade instauradora, A Lei nº 8.112/90 também não cuidou da hipótese do acusado estar preso. Contudo, o Código Civil, especificamente no art. 76, reza que “têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso”. Deste modo, estando o acusado preso, o seu paradeiro é sabido, então deve a comissão proceder à notificação pessoal, observando alguns cuidados, tais como pedidos de autorização às autoridades competentes para ingresso nos estabelecimentos prisionais ou delegacias

10.1.2. INTIMAÇÃO Não menos importante que a notificação, a intimação tem no seu papel a relevante função de dar conhecimento dos atos processuais que serão praticados ou que já tenham sido praticados no curso do processo pela comissão processante. O objetivo é promover a comunicação daqueles a qualquer pessoa do processo, ou seja, acusados, servidores, particulares, terceiros e administrados em geral. Os membros da comissão processante precisam atentar que os seus atos devem ser objeto de deliberação em conjunto e da necessidade de serem registrados por meio de atas que, por sua vez, serão juntadas aos autos do processo. Durante a fase de instrução probatória, as decisões da comissão precisam ser comunicadas aos acusados e aos seus procuradores, principalmente se as decisões são relativas à formação do conjunto probatório, ainda que o pedido de formação da prova seja de iniciativa dos acusados. Evidencia-se, assim, que as intimações que informam aos acusados e

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procuradores sobre a realização de atos para a formação de provas são essenciais para o exercício do contraditório e da ampla defesa, o que afasta possíveis alegações de nulidade. Uma das principais utilizações da intimação é a convocação de testemunhas para prestar depoimento. O mandado de intimação, em sua forma, basicamente segue as regras da notificação, pois a intimação deve ser expedida pelo presidente da comissão, em duas vias, mencionando-se data, prazo, forma e condições de atendimento. Uma das vias deve ter assinatura e data da intimação para posterior juntada aos autos do processo – art. 157 da Lei nº 8.112/90.

Art. 157. As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do interessa-do, ser anexada aos autos.

Todavia, deve-se ressaltar que o Enunciado nº 10 da Controladoria-Geral da União, debatido na Comissão de Coordenação de Correição do Poder Executivo Federal, flexibiliza essa regra, ao determinar somente que a intimação seja entregue por escrito e com a comprovação de ciência por parte do interessado. Assim, permite-se, por exemplo, que a intimação seja encaminhada por mensagem eletrônica, sendo necessário o aviso de recebimento da mensagem, para que seja gerada a presunção de que o interessado tomou conhecimento de seu teor:

Enunciado CGU n.º 10, de 30 de outubro de 2015. VALIDADE DA NOTIFICAÇÃO DE ATOS PROCESSUAIS. A validade de uma intimação ou notificação real fica condicionada a ter sido realizada por escrito e com a comprovação da ciência pelo interessado ou seu procurador, independentemente da forma ou do meio utilizado para sua entrega.

Outro ponto que merece destaque é que, da leitura do art. 157 da Lei nº 8.112/90, depreende-se que para qualquer tipo de testemunha, dado o caráter público do processo, é possível intimar particulares, terceiros e administrados em geral. A Lei nº 9.784/99, nos artigos 4º, IV, 39 e 28, autoriza a intimação dos administrados para prestarem informações perante a Administração e colaborar para o esclarecimento dos fatos.

Art. 4º São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo: IV - prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o escla-recimento dos fatos. Art. 39. Quando for necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos interessados ou terceiros, serão expedidas intimações para esse fim, mencionando-se data, prazo, forma e condições de atendimento. Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse.

Portanto, com fundamento nos arts. 4º, IV, 39 e 28 da Lei nº 9.784/99, não cabe ao cidadão negar-se a atender a intimação das comissões disciplinares com a simples alegação de que não há interesse seu no processo administrativo disciplinar. Caso a testemunha a ser intimada seja servidor público, deve-se expedir comunicado da intimação ao chefe da repartição de sua lotação, com a indicação do dia, horário e local marcados para a sua oitiva, de acordo com o parágrafo único do art. 157, da Lei nº 8.112/90 93. Ressalte-se

93 Art. 157, Parágrafo único: Se a testemunha for servidor público, a expedição do mandado será imediatamente comunicada ao chefe da repartição onde serve, com a indicação do dia e hora marcados para inquirição.

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que o servidor é obrigado a comparecer, sob pena de ser responsabilizado administrativamente, sendo irrecusável a sua liberação para prestar o depoimento na data e horário fixados no mandado. Para as testemunhas convocadas para prestar depoimento fora da sede de seu local de trabalho, a Lei nº 8.112/90, em seu artigo 173, garantiu transporte e diárias, a fim de custear o seu deslocamento até o local de funcionamento da comissão disciplinar. Com a intimação das testemunhas devidamente realizada, deve a comissão providenciar a intimação do servidor acusado e do seu procurador, caso existente, acerca da realização das oitivas. Insta salientar que, em caso de mais de um acusado, deve-se intimar todos eles e seus respectivos procuradores, com antecedência mínima de três dias úteis, de acordo com o art. 41 da Lei nº 9.784/99.

Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.

A ausência do acusado ou do seu procurador no dia, hora e local da realização do ato, desde que tenham sido devidamente intimados, não impede que se realizem as oitivas. Esta situação não gera nenhum vício ou cerceamento de defesa que poderia suscitar possível alegação de nulidade do processo. Todavia, a falta da intimação poderá viciar o ato, conforme menciona Reis94:

O acusado, se o desejar, a tudo poderá estar presente, pessoalmente ou por in-termédio de seu procurador. A sua presença não é, porém, obrigatória, nem in-valida o depoimento, se ausente, desde que para o evento tenha sido notificado adequadamente. A ausência da notificação, esta sim, é que viciará o ato.

A presença do acusado ou do seu procurador no ato supre qualquer irregularidade ou falha, ainda que as intimações não tenham respeitado as prescrições legais. Contudo, a ausência daqueles gera nulidade das intimações e dos atos que derivarem delas, devendo a comissão repetir todos os atos necessários para atender o contraditório e a ampla defesa. Não restando mais nenhum outro tipo de ato de instrução probatória, cabe à comissão deliberar pelo interrogatório do acusado. A intimação do acusado e do seu procurador deve respeitar o prazo do art. 41 da Lei nº 9.784/9995, ou seja, três dias úteis de antecedência da data marcada para o interrogatório. Recomenda-se, sempre que possível, para o caso de processo disciplinar com mais de um acusado, que a comissão realize os interrogatórios em um mesmo dia, de forma sequencial, com o objetivo de reduzir a possibilidade de conhecimento das perguntas e, consequentemente, o ajuste das respostas entre os acusados, evitando assim possíveis fraudes ou perda da eficiência do procedimento correcional. As intimações deverão ser feitas ao acusado ou ao procurador regularmente consti-tuído, nos limites da procuração. Frise-se que, sendo o procurador um advogado, a procuração geral abarca poderes para recebimento de intimações; poderes específicos só seriam necessários para recebimento de notificação prévia e citação. A validade das intimações fica condicionada à compro-vação da ciência pelo interessado, independentemente da forma utilizada para cumprimento do ato.

94 Idem, p. 145. 95 Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.

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Acerca do tema, registre-se que o STJ, no MS nº 10.404, manifestou-se no sentido de que a ausência de intimação dos procuradores não gera nulidade, haja vista a intimação pessoal do acusado. Aquele mesmo tribunal, no RO nº 19.741, também afirmou que inexiste vício no fato das intimações terem sido feitas apenas ao procurador nomeado pelo servidor:

STJ - Mandado de Segurança nº 10.404: “Ementa: 2. A ausência de intimação dos procuradores dos impetrantes não acarreta nulidade destes atos, haja vis-ta a intimação pessoal dos acusados.” (STJ; MS 10.404; DF; Terceira Seção; Relator Ministro: Paulo Geraldo de Olivei-ra Medina; Julgamento: 25/05/2005; Publicação: DJU 29/06/2005; Pág. 206) STJ - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 19.741: “Ementa: IV - Inexiste vício a macular o processo administrativo disciplinar no fato de as in-timações terem sido feitas apenas ao advogado nomeado pelo servidor indicia-do.” (STJ; RMS 19.741; MT; Quinta Turma; Relator Ministro: Felix Fischer; Julga-mento: 11/03/2008; Publicação: DJ 31/03/2008; Pág. 1)

Por fim, além do mandado de intimação, há outras formas de comunicação que podem ser empregadas pelas comissões disciplinares durante o desenvolvimento das suas atividades para solicitar informações, prestá-las ou realizar pedidos/requerimentos: memorandos e ofícios. Em regra, os memorandos são emitidos para autoridades do mesmo órgão em que tramita o processo. Já os ofícios são expedidos para autoridades ou órgãos estranhos àquele em que corre o processo.

10.1.3. CITAÇÃO Após a realização de todas as diligências, oitivas, perícias e interrogatório do servidor acusado, a comissão processante possivelmente já terá condições de avaliar se o lastro probatório acostado aos autos indica se há, de fato, a presença de infração funcional. Neste momento, o colegiado irá optar pelo indiciamento ou não do servidor. Caso ocorra o indiciamento, o meio de dar conhecimento ao acusado de tal decisão é por meio da citação. Assim, caberá à comissão a elaboração do mandado de citação, com o escopo de permitir àquele servidor a oportunidade de apresentação de defesa escrita. Para tanto, será, garantido o acesso ao processo disciplinar na repartição, conforme prevê a Lei nº 8.112/90 no art. 161,§ 1º.

Art. 161. § 1º O indiciado será citado por mandado expedido pelo presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, asseguran-do-se-lhe vista do processo na repartição.

O mandado de citação, da mesma forma que as outras formas de comunicação já debatidas, será emitido em duas vias iguais, com assinatura do presidente, para que seja entregue pessoalmente ao indiciado ou ao seu procurador, caso este último tenha poderes para recebê-lo. Deve o servidor responsável pelo ato de citação coletar em uma das vias o ciente do indiciado, com assinatura e data de recebimento, para posterior juntada ao processo. Da mesma forma que a notificação prévia, não se recomenda o uso de Aviso de Recebimento (AR) ou outro meio postal para citar o servidor, tendo em vista a necessidade de se

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garantir a efetiva ciência do agora indiciado dos termos da citação. Frise-se que, em caso de mais de um indiciado, deve-se elaborar mandados de citação individuais. Para que cumpra seu objetivo, o mandado de citação deve obrigatoriamente informar local e prazo para apresentação da defesa escrita e o direito que tem o indiciado de consultar o processo na repartição. A comissão deve ter o cuidado de encaminhar cópia do termo de indiciação e do processo, podendo deixar de fazê-lo quanto ao conteúdo que já tenha sido entregue no ato da notificação. Em situações nas quais o servidor a ser citado se localizar em local distinto do funcionamento da comissão, há a possibilidade, mediante autorização da autoridade instauradora e disponibilidade de recursos materiais (transporte e diárias), do deslocamento de membro da comissão para efetivação do ato. Repise-se aqui a possibilidade de a comissão designar servidor no local aonde se encontra o acusado como medida de prestar auxílio ao colegiado na comunicação de tais atos processuais. No caso do indiciado que se recusa a receber a citação, o membro da comissão responsável pelo ato deve registrar o incidente em termo próprio e com assinatura de duas testemunhas. Importa frisar que o § 4º do art. 161 da Lei nº 8.112/90 não faz nenhuma exigência quanto à qualidade das testemunhas, podendo ser qualquer pessoa que presencie a recusa do recebimento. Entretanto, em razão da fé pública que possui o servidor, melhor que o ônus recaia sobre este.

Art. 161. § 4º No caso de recusa do indiciado em apor o ciente na cópia da cita-ção, o prazo para defesa contar-se-á da data declarada, em termo próprio, pelo membro da comissão que fez a citação, com a assinatura de 2 (duas) testemu-nhas.

Outra situação que merece destaque ocorre quando o indiciado encontra-se em lugar incerto e não sabido. Neste caso, cabe ao colegiado registrar, em termos de ocorrências, as infrutíferas tentativas de localizar o servidor na unidade de lotação e no seu endereço residencial. A solução para a situação retratada é a prevista no art. 163 da Lei nº 8.112/90, que será efetuar a citação do indiciado por edital, publicado no D.O.U e também em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para que apresente sua defesa:

Art. 163. Achando-se o indiciado em lugar incerto e não sabido, será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa.

No caso em que o acusado ainda estiver ativo no serviço público e a comissão não conseguir citá-lo em seu local de lotação, é relevante atentar para a possibilidade de instauração de novo procedimento disciplinar para apurar possível falta disciplinar consubstanciada na ausência intencional por mais de 30 dias consecutivos ao serviço. Deste modo, caso presentes indícios da prática deste ilícito funcional, deve-se fazer a comunicação dessa situação à autoridade instauradora, para que determine a instauração do devido procedimento correcional. Como já mencionado anteriormente, não é muito comum a necessidade de realizar algum tipo de comunicação a servidor preso, mas, caso a comissão se depare com esta situação, deve proceder com a citação pessoal do agora indiciado, nos termos do art. 76 do Código Civil. Nessa situação, alguns cuidados são necessários para a realização do ato, tais como o pedido, às respectivas autoridades, de autorização para ingresso nos estabelecimentos prisionais ou delegacias. Por último, pode também ocorrer do servidor indiciado estar em local certo e conhecido, mas se ocultar para não ser encontrado e receber a citação. As tentativas frustradas da

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comissão devem ser registradas nos autos em termos de ocorrência, com elementos que possibilitem comprovar as tentativas de citação.

COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS

Notificação Prévia Comunicação processual pela qual o acusado é informado da propositura de um processo contra a sua pessoa, consistindo em instrumento hábil para possibilitar a sua defesa. É ato oficial, expedido pelo presidente da comissão processante, pelo qual o acusado é chamado ao processo e, ao mesmo tempo, por causa da notificação prévia, pode comparecer perante a comissão, inclusive, para realizar atos de defesa que desejar.

Intimação Comunicação de atos processuais que tenham sido praticados ou a serem praticados no curso do processo. Por meio da intimação comunicam-se, a qualquer pessoa do processo, os atos processuais a serem praticados ou já praticados. Portanto, comunicam-se atos ao acusado, à testemunha, ao informante, ao defensor, ao perito, etc.

Citação Esta comunicação processual na esfera administrativa, ao contrário do que ocorre nos processos civis e penais, consiste no chamamento do indiciado para apresentar sua defesa escrita, ou seja, após o indiciamento a comissão cita o indiciado para que apresente sua defesa escrita.

10.2. SÚMULA VINCULANTE N° 5 Em maio de 2008, o Plenário do STF, após julgar o Recurso Extraordinário

434.059/DF, editou, por unanimidade, a Súmula Vinculante nº 5 com a seguinte redação:

A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.

A proposta de edição da Súmula Vinculante foi feita pelo Ministro Joaquim Barbosa, em atenção à decisão do Plenário do STF que julgara Recurso Extraordinário fixando entendimento diametralmente oposto àquele do STJ. Com efeito, vigia até então a Súmula 343 do STJ, que expressava o seguinte entendimento daquele Tribunal: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”. É oportuno registrar, não obstante tal entendimento não ser pacífico no âmbito do STJ, a opção pela edição, em 2007, da mencionada Súmula 343 foi na esteira de diversos julgados daquela corte, que estavam propugnando que a ausência do advogado em qualquer das fases do processo administrativo disciplinar inquinava-o de nulidade. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, garante aos acusados em geral o direito ao contraditório e ampla defesa. Tal garantia dirige-se não apenas aos processos judiciais, mas também aos administrativos. A mesma Constituição Federal, no artigo 133, diz que o advogado é indispensável à manutenção da justiça. Os julgados que embasaram a Súmula 343 do STJ interpretavam essas disposições no sentido de que, sem a presença do advogado no processo administrativo disciplinar, a ampla defesa não teria sido garantida ao acusado o que geraria a presunção da violação de garantia lapidada na Carta Maior. As súmulas editadas pelo STJ, embora não sejam de obediência obrigatória, manifestam uma tendência jurisprudencial para tribunais e juízes de primeira instância. O antagonismo inconciliável entre o entendimento expresso pela súmula 343 do STJ, e o entendimento que o STF fixava, levaria a um grande número de Recursos Extraordinários

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repetitivos, decorrentes da insegurança jurídica no assunto. A Administração Pública ficava em difícil situação, considerando-se a possibilidade de anulação de processos administrativos em virtude da falta da presença de defensor. Essa insegurança jurídica levou o Plenário do STF a editar a Súmula Vinculante nº 5. Deve-se ressaltar que o instituto jurídico da súmula vinculante foi positivado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que acrescentou à Constituição Federal o artigo 103-A. Muito discutida antes de sua criação, a súmula vinculante tem por escopo justamente propiciar segurança jurídica a temas controversos, bem como reduzir o número de recursos repetitivos sobre temas já decididos em última instância. Quando há controvérsia acerca da aplicação, interpretação ou eficácia de determinadas normas, o STF, após fixar seu entendimento, pode elaborar súmula. Aprovada por pelo menos 2/3 do Plenário, essa súmula terá efeito vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e para a Administração Pública. Essa é a Súmula Vinculante. Isso quer dizer que uma vez editada a Súmula Vinculante nº 5, todos os juízes e tribunais, no âmbito do Poder Judiciário; bem como toda a Administração Pública, devem obedecer seu comando. Ao contrário das demais súmulas sem efeito vinculante, cuja consequência restringe-se a um direcionamento jurisprudencial, a desobediência ou má aplicação da Súmula Vinculante desafia recurso direto ao STF. Desobedecida a Súmula Vinculante, seja pela Administração Pública, seja por algum órgão do Poder Judiciário, cabe Reclamação ao STF, que então anula o ato ou cassa a decisão que esteja em desconformidade com seu enunciado. A edição da Súmula Vinculante nº 5, portanto, acarretou a revogação da súmula 343 do STJ.

Entendidos os seus efeitos vinculantes, é importante determinar a extensão e, por

conseguinte, os limites da aplicação da Súmula Vinculante nº 5. Para tanto, devem ser analisadas as circunstâncias em que se deu sua edição, bem como os fundamentos invocados pelos Ministros. Conforme foi adiantado acima, a questão gira em torno do direito de defesa no processo administrativo disciplinar, interpretado à luz da Constituição Federal.

O Recurso Extraordinário nº 434.059-3/DF foi interposto pela União, em

litisconsórcio com o Instituto Nacional do Seguro Social, contra decisão do STJ que havia declarado a nulidade da Portaria 7.249/2000, da lavra do Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social. Tratava-se de Mandado de Segurança impetrado por servidora demitida, em que foi julgada nula a demissão, tendo em vista que o processo administrativo disciplinar que lhe imputara as faltas funcionais desenvolveu-se sem que sua defesa fosse feita por advogado.

A questão da defesa técnica no processo administrativo disciplinar é regida pela Lei

nº 8.112/90, que em seu artigo 156 diz expressamente:

Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pesso-almente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

Nos termos da dispositivo acima mencionado, a defesa do servidor no processo

administrativo disciplinar pode ser feita pessoalmente ou por procurador, que poderá ou não ser advogado. Como se vê, a lei deferiu ao servidor a opção de, segundo seu entendimento do que lhe seja mais oportuno, acompanhar o processo pessoalmente, constituir um advogado, para que seja

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feita uma defesa na técnica jurídica ou, ainda, profissional de outra área. Trata-se de prerrogativa deferida ao acusado: escolher como quer se defender.

A liberdade do servidor em escolher como se dará sua defesa é inerente ao processo

administrativo disciplinar brasileiro. A Lei nº 1.711/52 já dispunha da mesma forma, permitindo a defesa pessoal pelo servidor. A Lei nº 8.112/90, nascida sob a égide da Constituição Federal, apenas seguiu a mesma sistemática.

Ocorre que a Constituição Federal de 1988 prevê expressamente o direito de defesa

aos acusados em geral, o que inclui aqueles que respondem à processo administrativo disciplinar. Está previsto no artigo 5º:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Surgiu, então, a questão da abrangência do direito à ampla defesa e quais os meios

que lhe seriam inerentes. Especificamente, questionou-se se o patrocínio da causa disciplinar administrativa deveria estar restrito ao profissional habilitado junto a Ordem dos Advogados do Brasil, sob pena de não ser observada a garantia à ampla defesa.

Os fundamentos que sustentaram a posição da Súmula 343 do STJ podem ser

sintetizados nas palavras do Ministro Hamilton Carvalhido:

É que o artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República, estabelece que 'aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. O artigo 133, também da Carta Magna, por sua vez, preceitua que 'O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. (...) A presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo, por óbvio, é elementar à essência mesma da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas os litigantes, mas também os acusados em geral. (STJ - Mandado de Segurança nº 7.078, Terceira Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, p. 09.12.2003).

Vê-se que os argumentos favoráveis à exigência do advogado eram vigorosos. A prevalência do entendimento expresso na Súmula 343 do STJ poderia ter consequências gravosas aos trabalhos desenvolvidos durante toda uma década pelo Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, notadamente em razão da necessidade de proporcionar defesa técnica a todos os acusados que deixassem de nomear um advogado para exercer sua defesa em qualquer fase do processo disciplinar.

Era evidente a necessidade de que tal entendimento fosse alterado por aquela corte

e pelo STF. Vinícius de Carvalho Madeira narra a mobilização para subsidiar o STF de elementos acerca do tema, de modo a contribuir com a Corte Suprema no deslinde da questão:

Desde o início, a CGU se articulou – eu tive a honra de participar dessa mobili-zação – com o INSS e a AGU, para que esse processo tivesse acompanhamento especial. Foram feitos memoriais e pedido de preferência de julgamento que culminaram com a colocação do processo em pauta (DJ n 178, de 14/09/2007, pág. 27) e a sustentação oral no dia do julgamento pelo próprio Advogado-

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Geral da União, José Antônio Dias Toffoli. A questão era tão importante que o relator do processo, Min. Gilmar Mendes, o levou a julgamento no Plenário da Corte Suprema e todos os Ministros teceram considerações em relação à maté-ria e foram unânimes em afirmar que a defesa técnica por advogado é dispen-sável no processo disciplinar, pois é um faculdade que o acusado exerce se qui-ser96.

Dessa maneira, o STF restabeleceu a validade jurídica da Portaria que havia

demitido a servidora do INSS. Alertados os demais Ministros pelo Ministro Joaquim Barbosa acerca da existência da Súmula 343 do STJ, o Plenário, por unanimidade, aprovou a Súmula Vinculante nº 5. A partir daí, toda a Administração Pública passava a laborar com segurança jurídica de que, o só fato de não haver o acusado se defendido por meio de advogado não significava tolhimento ao seu direito de defesa. Ou seja, o advogado não é indispensável nos processos disciplinares.

Os limites dessa Súmula Vinculante devem ser bem entendidos, tendo em vista que,

embora o só fato de o acusado não se fazer representar por advogado no processo disciplinar não acarrete a nulidade, isto não quer dizer que o advogado sempre será dispensado, tampouco que a ampla defesa não seja um direito assegurado ao acusado.

O Ministro Gilmar Mendes, relator do Acórdão no Recurso Extraordinário

434.059/DF, delineia bem os fundamentos da decisão da Suprema Corte. Recorrendo à consagrada doutrina alemã a respeito da ampla defesa, o Ministro define analiticamente a ampla defesa como o exercício de três prerrogativas: (i) direito de ser informado da acusação, bem como dos atos do processo; (ii) direito de se manifestar, e; (iii) direito de que seus argumentos sejam levados em conta.

Ora, se devidamente garantido o direito (i) à informação, (ii) à manifestação e (iii) à consideração dos argumentos manifestados, a ampla defesa foi exercida em sua plenitude, inexistindo ofensa ao art. 5º, da CF. Por si só, a ausência de advogado constituído não importa nulidade de proces-so administrativo disciplinar. (STF - Recurso Extraordinário nº 434.059/DF, Rel. Ministro Gilmar Mendes, j. 07.05.2008)

Assim, infere-se que, no curso do procedimento correcional, pode ocorrer situação

excepcional em que a presença do advogado seja necessária para que um desses direitos que compõem a ampla defesa seja garantido.

Deste modo, diante de um caso excepcional, a comissão deve ter sensibilidade e, se

for o caso, providenciar ao acusado defesa técnica. Isso pode dar-se de duas formas: quando o próprio acusado manifesta-se nesse sentido perante a comissão, alegando e provando que são lhe imputados fatos dos quais ele sequer consegue se defender - tendo em vista, por exemplo, a complexidade técnica envolvida -; ou quando o acusado apresenta sua defesa – seja pessoalmente ou por meio de procurador -, e esta é inepta (para um conceitução de defesa inepta, ver item 11.3).

No caso específico da defesa inepta, na maioria das vezes essa situação é contornável

com a simples devolução do prazo para o acusado, com a recomendação de que se defenda de forma adequada. Todavia, acontecendo de o acusado apresentar nova defesa inepta, a solução é designar defensor apto a apresentar nova peça defensiva.

O próprio Ministro relator faz essa ressalva, quando da discussão da Súmula

Vinculante. A Ministra Carmen Lúcia, de forma bastante clara, expôs:

96 MADEIRA, 2008, p. 148.

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Se analisarmos as obras e monografias, veremos que este é um capítulo muito especificado hoje. A doutrina tem entendido que só em dois casos o servidor poderia falar: quando alega e comprova que a questão é complexa, exige certo conhecimento que escapa ao que lhe foi imputado, vindo a manifestar-se como inapto para exercer a autodefesa; e nos casos especificados, em que essa facul-tatividade não seria bastante para não se ter mais do que um simulacro de de-fesa. (STF - Recurso Extraordinário nº 434.059/DF, Rel. Ministro Gilmar Mendes, j. 07.05.2008)

10.3. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA

10.3.1. INTRODUÇÃO Relembre-se, inicialmente, que o rito do processo administrativo disciplinar é

dividido em três fases: Instauração, Inquérito e Julgamento. A fase de Inquérito, por sua vez, compõe-se de três sub-fases: Instrução, Defesa e Relatório.

Embora o texto legal não formule a distinção a seguir, é comum identificarmos na

subfase de Instrução, para fins didáticos, as Providências Iniciais, consistentes nas comunicações abordadas anteriormente, e a Instrução Probatória, cerne dos esforços levados a efeito pela comissão processante para a coleta de prova e a consequente elucidação dos fatos, como reza a lei.

Com efeito, o art. 155 da Lei nº 8.112/90 explicita que:

Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.

É sabido que o estudo da prova ocupa posição de destaque no Direito

Administrativo Disciplinar (à semelhança do que se verifica em outros ramos da Ciência Jurídica). Sem a pretensão de abordar com profundidade a Teoria Geral da Prova, como se denomina essa parte da Teoria Geral do Direito – serão expostos alguns aspectos essenciais para a compreensão da importância da prova no processo administrativo disciplinar.

Nesse sentido, interessa não perder de vista que os atos e fatos que tenham alguma

repercussão jurídica geralmente devem ser provados no processo, isto é, não basta que sejam simplesmente alegados ou mencionados. Tampouco é suficiente que sejam conhecidos, se não forem trazidos aos autos.

A prova visa à reconstrução dos atos e fatos que estejam compreendidos no objeto

do processo. Busca-se, com ela, determinar a verdade, estabelecendo, na medida do possível, o que aconteceu e como aconteceu, em determinado tempo e lugar, fundamentando a convicção dos destinatários da prova.

Enquanto no processo judicial as provas dirigem-se à formação do convencimento

do juiz, no processo administrativo disciplinar o papel de destinatário das provas recai, no primeiro momento, sobre a comissão apuradora e, em seguida, sobre a autoridade julgadora.

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10.3.2. VALORAÇÃO PROBATÓRIA

A relação de congruência entre o arcabouço probatório reunido nos autos e as conclusões da comissão e da autoridade julgadora norteará a atuação dos agentes que eventualmente vierem a exercer o controle dos resultados dos trabalhos, notadamente os órgãos específicos dentro da estrutura correcional do Poder Executivo Federal e ainda o Poder Judiciário.

Deve, pois, haver nexo causal entre as provas entranhadas nos autos (causa) e as

conclusões que sustentarem o desfecho processual (efeito). Enfatize-se que é sob esse prisma que será examinada a correção do procedimento e a eventual necessidade de desfazimento ou reforma dos atos processuais conclusivos.

Diz-se que os destinatários das provas são livres para sua apreciação, que é a

atribuição de valor aos elementos de convicção carreados aos autos. Compreenda-se que, no entanto, não basta a sua íntima persuasão: é preciso que o resultado do seu convencimento seja racionalmente demonstrado, com fundamentos claros e lógicos. Daí a denominação de livre convicção motivada, lembrando-se, a propósito, que a exigência de motivação é a regra para os atos decisórios administrativos e judiciais.

Desse modo, salvo algumas exceções (notadamente quando a causa não envolver

matéria fática, mas apenas jurídica), o conjunto probatório municiará a argumentação das partes e determinará o resultado do processo.

Em matéria disciplinar, a Lei nº 8.112/90 reconhece o caráter decisivo da prova,

conforme se percebe na regra positivada no art. 168 daquele estatuto legal:

Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrá-rio às provas dos autos. Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos au-tos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.

A necessidade de congruência entre o conjunto probatório e o resultado da apuração deve ser harmonizada com a livre convicção motivada, da qual já se tratou. O aparente impasse foi resolvido pela própria Lei nº 8.112/90, no art. 150, ao preceituar que “a comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade”. Desta forma, muito embora a eventual incongruência possa ensejar a reforma ou a nulidade dos atos processuais, não se concebe que a independência da comissão quanto às provas e sua valoração possa sofrer interferência, notadamente da autoridade instauradora.

Esta poderá, por exemplo, designar outra comissão, se entender que o colegiado

originário não apresenta justificativa plausível para o pedido de prorrogação/recondução. Mas não poderá determinar à comissão que produza esta ou aquela prova, ou, ainda, que defira ou indefira determinado pedido apresentado pelo acusado, ou mesmo que se atenha a uma ou outra conclusão sobre a matéria apurada.

Além da independência da comissão, vê-se que a lei também assegura a

imparcialidade. Para mais acurada compreensão desse atributo, é preciso lembrar que o processo jurídico, em sentido estrito, caracteriza-se pela existência de partes em litígio, por conflito de interesses.

No processo disciplinar, as partes são a Administração Pública e os seus agentes

envolvidos, em tese, nas irregularidades apuradas. Como a mesma Administração Pública participante do processo é a responsável pela sua condução, mediante a comissão designada, é

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claro que esta haverá de ser isenta, imparcial, sob pena de inexistir, na verdade, um processo que garanta o contraditório e a ampla defesa ao acusado.

Nessa esteira, pode-se concluir que a independência e a imparcialidade da comissão

são, em essência, garantias voltadas ao acusado de que a condução dos trabalhos não lhe seja desfavorável. Assim, os esforços da comissão deverão concentrar-se na elucidação dos fatos (como se lê no texto legal), e a eventual responsabilidade do agente público envolvido será mera consequência dessa atividade.

10.3.3. OBJETO E INDEFERIMENTO Em razão da exposta relevância que as provas ostentam no processo administrativo

disciplinar, o indeferimento de sua produção ou juntada aos autos poderá comprometer a validade jurídica dos esforços apuratórios, caso afrontados os princípios garantidores da ampla defesa e do contraditório. Afinal, é justamente em torno das provas que, em grande medida, orbitam as garantias veiculadas por esses princípios.

Por outro lado, é preciso ter em mente que as provas referem-se a atos e fatos

jurídicos que sejam, cumulativamente, pertinentes, relevantes e controvertidos. Não preenchidos esses requisitos, a produção de provas deverá ser indeferida por

ato motivado do presidente da comissão, após deliberação devidamente registrada em ata (art. 152, § 2º da Lei nº 8.112/90), conforme preceitua o art. 156, § 1º da mesma Lei: “o presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos”.

Não precisam ser objeto de prova as matérias notórias e aquelas sobre as quais

incida presunção legal: as primeiras porque de conhecimento da generalidade das pessoas, as outras por expressa vontade legislativa.

As disposições que comportam presunção legal podem ser classificadas em duas

espécies: as relativas (juris tantum), que admitem prova em contrário, e as absolutas (jure et de iure), contra as quais não prospera prova adversa. É exemplo do último caso o art. 133, § 5º da referida lei, que erige a presunção de boa-fé do servidor que, até o último dia do prazo para defesa, manifestar a opção por um dos cargos, em tese, irregularmente acumulados.

10.3.4. ÔNUS PROBATÓRIO O ônus probatório, que corresponde à distribuição da responsabilidade pela

produção de provas entre as partes, varia de acordo com o ramo jurídico de que se trate e os princípios que o presidam.

No processo administrativo disciplinar, o ônus probatório diverge, em certa medida,

da lógica jurídica segundo a qual essa produção cabe à parte que alega. Isso porque, na sistemática administrativo-disciplinar, como já abordado, há

prevalência do princípio da presunção de inocência (ou não-culpabilidade) do acusado. Logo, recai sobre a comissão o encargo de provar a responsabilidade do agente público acusado, tal como ocorre em matéria penal. Registre-se, contudo, que, como a Administração Pública busca a verdade

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real dos acontecimentos, deve diligenciar para obter quaisquer provas que auxiliem no devido esclarecimento dos fatos, ainda que tais provas tenham como escopo afastar a materialidade ou autoria do ilícito disciplinar.

10.3.5. CUIDADOS PRÁTICOS Uma vez que a Lei nº 8.112/90 não discriminou os cuidados práticos que a comissão

deve observar para preservar a regularidade formal dos autos, remete-se à Lei nº 9.784/99, que abrange a generalidade dos procedimentos administrativos na órbita federal. Nos termos daquele estatuto normativo, deve-se adotar “formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados” (Lei nº 9.784/99, art. 2º, parágrafo único, inciso IX).

Esse critério é reforçado no art. 22 do mesmo diploma legal, ao estipular que “os

atos do processo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente o exigir”. Logo, vige o informalismo moderado, conforme se expôs no tópico próprio, onde a ausência de formas determinadas é a regra; o contrário, é exceção.

Resta, então, examinar as formalidades que, todavia, devem ser observadas pela

comissão processante, porque contempladas em lei (em sentido amplo). A própria Lei nº 9.784/99, art. 22, § 1º, estabelece que os atos processuais deverão

ser produzidos por escrito, em língua portuguesa e com informação de data e local de sua realização, e com assinatura da “autoridade responsável”, isto é, de todos os integrantes da comissão condutora dos trabalhos.

O parágrafo seguinte desse dispositivo - ao dispensar o reconhecimento de firma,

salvo nas hipóteses de imposição legal ou de dúvida – guarda semelhança com o art. 9º da Lei nº 6.932/99, muito embora este último se aplique desde que o documento seja assinado perante o servidor público a quem deva ser apresentado.

Note-se que a Lei nº 9.784/99 apenas menciona que os atos processuais deverão

observar a forma escrita e redação em língua portuguesa, sem fazer referência às provas, sobretudo documentais, que estejam em outro idioma.

Como tampouco a Lei nº 8.112/90 traz orientação a respeito, cumpre observar,

subsidiariamente, o Código de Processo Penal, segundo o qual a tradução somente será realizada quando necessária (art. 236): “os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela autoridade”.

Finalmente, não podem ser ignoradas as orientações constantes da Portaria

Normativa MPOG/SLTI nº 05/2002, aplicáveis à generalidade dos procedimentos disciplinares no âmbito da Administração Pública Federal, dentre as quais se destacam as seguintes:

a)Impedimento de juntada aos autos de mensagens e documentos transmitidos via fax (5.1), em vista da qualidade precária do material (recomendando-se a cópia do documento em papel de maior durabilidade). b)Numeração das folhas em ordem crescente, sem rasuras, com aposição de carimbo próprio para colocação do número, no canto superior direito da página (5.2).

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c)Correção de numeração de qualquer folha dos autos registrada mediante inutilização da anterior, com aposição de um “X” sobre o carimbo incorreto e renumeração das folhas seguintes, sem rasuras e com certificação da ocorrência (5.2). d)Volumes dos autos com até 200 folhas cada, observada a distância, na margem esquerda, de cerca de 2 cm para fixação dos colchetes (5.3).

10.3.6. DILIGÊNCIAS 10.3.6.1. DISPOSIÇÕES GERAIS A Lei nº 8.112/199097 prevê, de forma exemplificativa, as medidas que podem ser adotadas pela comissão disciplinar na fase de inquérito, a saber: tomada de depoimento, acareações, investigações, consulta a peritos, entre outras diligências possíveis. Para COSTA, a comissão pode se utilizar de todos os meios de prova admitidos pelo direito, podendo-se utilizar de outros meios de prova legalmente reconhecidos, tais como reprodução simulada dos fatos, reconhecimento de pessoas ou coisas, etc.98. No ponto seguinte, destaca-se a possibilidade de a comissão de PAD realizar deslocamentos ao local de ocorrência dos fatos, providência de grande valia para apurar a verdade material subjacente ao processo disciplinar 10.3.6.2. DESLOCAMENTOS Buscando esclarecer os fatos do processo, a comissão pode realizar deslocamentos ao local de sua ocorrência, bem como a outros locais de interesse. Há quem utilize o termo “diligência” para referir-se aos deslocamentos feitos pela comissão a esses locais, definidos como as “(...) verificações ou vistorias no local do fato ou em outros locais de interesse para o esclarecimento do ocorrido e que podem ser realizadas pelos próprios integrantes da Comissão, não requerendo a especialidade de um perito (...)” 99. Recomenda-se formalizar a realização da referida diligência através das seguintes providências: I – lavrar ata de deliberação, através da qual os membros decidem pela realização do deslocamento; II – intimar o acusado, com antecedência mínima de três dias úteis à data de realização do deslocamento100, para que este compareça ao ato, se assim o desejar, e; III – registrar

97 Art. 155 - Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos. 98 COSTA, 2011, p.226. 99 MADEIRA, 2008, p.109. 100 Lei nº 9.784/1999, Artigo 41 - Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.

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a realização da diligência em ata, assinada por todos os membros da Comissão, com descrição fiel daquilo que ocorreu durante o deslocamento101. Caso seja necessário o deslocamento da comissão à repartição em que ocorreu o fato, deve-se também comunicar à chefia da referida unidade. Nesse caso, admite-se a realização de diligências na sede da repartição, tais como busca e apreensão de documentos, que deverão ser previamente comunicadas à autoridade instauradora para que esta comunique a autoridade competente da repartição administrativa onde se realizará a diligência, não havendo necessidade de recurso à seara judicial102. Excepcionalmente, a comissão poderá realizar diligências sem a prévia notificação do interessado103 104, quando o sigilo for absolutamente necessário para garantir o êxito da empreitada, o que não ofende a garantia do contraditório, uma vez que o acusado terá acesso posteriormente àqueles elementos probatórios constantes dos autos do processo.

10.3.7. PERÍCIAS É recomendável que a autoridade instauradora, ao eleger determinados servidores

para constituírem comissão processante, busque garantir que pelo menos um deles detenha conhecimento na área de atuação em que estiver contida a matéria objeto de apuração.

Todavia, nem sempre a observância dessa cautela será viável no caso concreto, da

mesma forma que, em algumas situações, mesmo que o membro da comissão detenha conhecimento do assunto, poderá ser necessária a colaboração de profissional que seja especialista no assunto. Nesses casos, terão lugar a perícia e a assistência técnica, que constituem meios de prova em que a convicção sobre determinada verdade processual resultará do emprego de conhecimento científico, ou seja, aquele que ultrapassa o senso-comum.

O perito e o assistente técnico são, assim, profissionais (servidores ou não) que

detêm habilitação legal em determinado ramo científico que guarda pertinência com a matéria aventada no procedimento correcional. Deste modo, as mais diversas áreas de estudo e pesquisa fornecem importantes subsídios para aproximar as partes e o julgador da elucidação dos fatos, que é o desiderato do Direito Administrativo Disciplinar. Frise-se que, embora não haja rol taxativo das especialidades científicas que sejam contempladas, geralmente as perícias dizem respeito à tecnologia da informação, engenharia ou medicina.

Atente-se, contudo, que o art. 155 da Lei nº 8.112/90, ao exemplificar os meios de

prova utilizados para elucidação da matéria apurada, prevê que a comissão contará, quando necessário, com técnicos e peritos.

Já o artigo seguinte, no seu parágrafo segundo, complementa que o pedido de prova

pericial será indeferido, quando a comprovação do fato independer de conhecimento especial de perito. Logo, é nítido que a perícia pleiteada pela parte deverá ser avaliada pela comissão, e não preenchido o requisito legal, deverá ter sua produção motivadamente indeferida.

101 TEIXEIRA, 2014. 102 Idem, p. 249. 103 Lei nº 9.784/1999, Artigo 45 - Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado. 104 TEIXEIRA, 2014.

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Tanto o perito quanto o assistente técnico, como interventores do processo administrativo disciplinar, submetem-se às hipóteses de impedimento e suspeição endereçadas aos membros da comissão.

Considerando as diferenças existentes entre a perícia e a assistência técnica, esses

meios de prova serão, a seguir, tratados separadamente, sobretudo porque – na sistemática do Direito Administrativo Disciplinar – essas figuras não deveriam ser tomadas por equivalentes.

Nesse sentido, é esclarecedora a lição de Salles105:

(...) enquanto o perito emite juízo de valor sobre fatos ou dados pré-existentes acerca dos quais seja especialista ou detenha específico conhecimento, por meio de laudo que, ao final, consubstancia-se como prova, o assistente técnico apenas provê subsídios à comissão, por meio dos conhecimentos ou informação repassados, para que ela mesma forme seu juízo de valor acerca dos fatos ou dados pré-existentes, não laborando uma prova.

De qualquer forma, a mera confusão terminológica entre perícia e assistência

técnica nos autos do processo não tem, por si só, o condão de atrair sobre ele a pecha da nulidade, considerando-se o já mencionado princípio do formalismo moderado.

10.3.7.1. PERÍCIA Uma vez que a comissão entenda preenchido o requisito legal para a produção de

prova pericial (necessidade de conhecimento técnico, científico), ela deverá registrar em ata a deliberação. Observe-se que, neste momento, é recomendável que a comissão motive as razões pelas quais será necessário o conhecimento especializado, consignando os quesitos (questionamentos que deverão ser objeto do laudo pericial).

Também deverá, em seguida, proceder à intimação do acusado, para que este tenha

prévia ciência da decisão e tenha a faculdade de formular os seus quesitos, como forma de garantir-lhe o contraditório.

Será então necessário fazer a escolha do perito ou do órgão ou entidade responsável

pela elaboração do laudo pericial (sempre com adequação à área de conhecimento especializado que o caso requeira).

O laudo pericial é o documento que materializa as conclusões do perito sobre a

matéria levada a seu exame e que responde aos quesitos da comissão e do acusado (caso este tenha feito uso da faculdade legal de apresentá-los, na forma explicada acima). Tal documento é, por si mesmo, a prova processual, e, desde modo, deverá ser juntado aos autos.

Após essa providência, o acusado deverá ser intimado para que novamente exercite

o contraditório e a ampla defesa, eventualmente se insurgindo no tocante às conclusões estampadas no laudo pericial.

Nessa oportunidade, o acusado (ou seu procurador) também poderá requerer à

comissão a oitiva do perito, a fim de que preste esclarecimento sobre determinados pontos do laudo ou que complemente algum dos quesitos que foram objeto do seu trabalho.

105 Idem, p. 249.

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Caso a comissão repute descabida a requisição do acusado, o presidente deverá indeferi-la, motivando a decisão, conforme os critérios constantes no art. 156, § 1º, da Lei nº 8.112/90.

Por outro lado, não só em razão da requisição a que se aludiu no parágrafo anterior

como também por iniciativa própria, a comissão pode entender necessário buscar junto ao perito esclarecimento ou complementação das conclusões constantes no laudo.

Em ambas as hipóteses, o perito deverá ser intimado e será ouvido pela comissão. Em princípio, a participação do acusado para a formação da prova pericial cinge-se

às manifestações já expostas: I) requerer a produção desse meio de prova, II) formular quesitos, após ser intimado para tal fim, III) contestar elementos do laudo pericial, depois de notificado sobre a sua juntada aos autos e, finalmente, IV) requerer a oitiva do do perito, e nessa ocasião inquiri-lo.

Não há previsão legal de que o acusado possa acompanhar, diretamente ou por

assistente técnico privado, a realização dos exames que subsidiarão a feitura do laudo pericial (salvo em se tratando da médica, por disposição expressa contida no Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público, instituída pela Portaria MPOG nº 797/2010). É facultado, no entanto, valer-se de assistente técnico privado para contestação de elementos do laudo pericial ou então para a inquirição do perito.

Observe-se, a respeito, que a contratação de assistente técnico é apenas mais uma

faculdade do acusado, isto é, não há qualquer obrigatoriedade da intervenção desse profissional no feito disciplinar.

Preferencialmente, as perícias ficarão a cargo de entidades ou órgãos públicos, sem

prejuízo de que recaiam sobre particulares, quando for o caso de não haver condições de realização no setor público.

No caso de perícias conduzidas por particulares, o ônus econômico será assumido

pela Administração Pública, à semelhança do que ocorre em relação à generalidade das despesas processuais. Já o assistente técnico privado é profissional contratado diretamente pelo acusado e será por ele custeado.

A designação do perito, órgão ou entidade responsável pela perícia deverá ser

formalizada mediante portaria da autoridade instauradora ou mesmo do presidente da comissão, uma vez que também nesse ponto a Lei nº 8.112/90 não especificou os procedimentos.

É mais indicado que a primeira opção seja a adotada, hipótese em que o presidente

da comissão deverá providenciar o encaminhamento dos dados necessários à autoridade instauradora (assunto, área de conhecimento técnico necessária para o caso e, claro, os quesitos da comissão e do acusado).

10.3.8. TESTEMUNHAS

A prova testemunhal representa um dos meios de produção de provas previstos

pelo rol exemplificativo constante do artigo 155 da Lei nº 8.112/1990, transcrito a seguir:

Artigo 155 - Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoi-mentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta

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de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a per-mitir a completa elucidação dos fatos.

A prova testemunhal é disciplinada de forma escassa pela Lei nº 8.112/1990, que regula a matéria nos artigos 157 e 158. Diante da escassez da disciplina legal, a doutrina defende a aplicação analógica dos artigos 202 a 225 do Código de Processo Penal e dos artigos 400 a 419 do Código de Processo Civil ao processo administrativo disciplinar106.

Conceitua-se testemunha como aquela pessoa, distinta das partes do processo, que é

chamada a juízo para dizer o que sabe sobre o fato objeto do processo107. Costuma-se classificar as testemunhas nas seguintes categorias: a) testemunha

presencial: aquela que presenciou o fato; b) testemunha de referência: aquela que soube do fato a partir do relato de terceira pessoa; c) testemunha referida: aquela cuja existência foi apurada a partir de outro depoimento; d) judiciária: aquela que relata em juízo o conhecimento do fato; e, por último, e) testemunha instrumentária: aquela que presenciou a assinatura do instrumento de ato jurídico e o firmou108.

Importa destacar que, no processo administrativo disciplinar, vigora o princípio da

ampla defesa e contraditório, o que significa que tanto a comissão disciplinar quanto o acusado podem arrolar testemunhas consideradas indispensáveis para o esclarecimento dos fatos ventilados no processo.

De praxe, no momento em que a comissão notifica o acusado para dar-lhe ciência da

instauração de um processo disciplinar em seu desfavor, deve também alertá-lo acerca do teor do artigo 156 da Lei nº 8.112/1990, transcrito a seguir:

Art. 156 - É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pesso-almente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial. §1º - O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados imperti-nentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimen-to dos fatos. § 2º - Será indeferido o pedido de prova pericial, quando a comprovação do fa-to independer de conhecimento especial de perito.

Isso significa que, desde a sua notificação até o encerramento da fase de instrução

do processo, que ocorre com a designação da data do interrogatório (artigo 158 da Lei nº 8.112/1990), o acusado pode apresentar requerimento com o rol de testemunhas que deseja ouvir. Tal requerimento será submetido à apreciação do colegiado, que poderá motivadamente indeferi-lo, quando se tratar de pedido impertinente, meramente protelatório ou de nenhum interesse para esclarecer os fatos, na hipótese do artigo 156, §1º, Lei nº 8.112/1990109.

106 LESSA, 2000, p.154. 107 BRAGA, 2008, p.187. 108 Idem, p.187. 109 MADEIRA, 2008, p.103.

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Nesse ponto, a lei não estabelece número mínimo ou máximo de testemunhas que podem ser requeridas, mas recomenda-se que o acusado possa indicar, pelo menos, número idêntico ao das testemunhas arroladas pela comissão110.

Por fim, deve-se esclarecer que, no processo administrativo disciplinar, não existe a

distinção entre testemunhas da defesa e da acusação, tal como ocorre no processo civil e no processo penal. Todas são consideradas testemunhas do processo, de igual importância para o esclarecimento dos fatos investigados e na busca pela verdade real, princípio que move a máquina pública na sua seara correcional.

10.3.8.1. CAPACIDADE PARA TESTEMUNHAR. A Lei nº 8.112/1990 não traz regras específicas sobre a capacidade de testemunhar, razão pela qual se recorre às regras previstas pelo Código Civil e de Código de Processo Civil111. De acordo com o artigo 228 do Código Civil de 2002, não podem ser admitidas como testemunhas: I – os menores de dezesseis anos; II – aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil; III – os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam; IV – o interessado no litígio, o amigo íntimo ou inimigo capital das partes; e v- os cônjuges, ascendentes, descendentes e colaterais, até terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade. O artigo 405 do Código de Processo Civil aborda as mesmas hipóteses de incapacidade para testemunhar, acrescentando apenas que a enfermidade mental pode ter acometido a testemunha tanto no momento em que ocorreram os fatos, de forma que não lhe seria possível discerni-los, como ao tempo em que deveria depor, hipótese em que não estaria habilitada a transmitir suas percepções a respeito do fato112. Por fim, deve-se destacar que essas pessoas incapazes de testemunhar podem ser ouvidas pela comissão de processo disciplinar, quando se tratar de fatos que somente elas detenham conhecimento, nos termos do artigo 228, parágrafo único, do Código Civil113. 10.3.8.2. DEVER DE DEPOR Verificada a capacidade para testemunhar, passa-se à análise daquelas hipóteses em que, embora detenha capacidade, a testemunha não possui obrigação de depor ou ainda quando ela é proibida de fazê-lo. De pronto, deve-se ressaltar que a Lei nº 8.112/1990 não disciplina as hipóteses de suspeição e impedimento das testemunhas, razão pela qual parte da doutrina recorre à aplicação

110 TEIXEIRA, 2014. 111 BRAGA, 2008, p.192. 112 CPC 1973, artigo 405, §1º, inciso II - o que, acometido por enfermidade, ou debilidade mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções. 113 Art. 228, parágrafo único - Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere a este artigo.

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subsidiária da Lei nº 9.784/1999114, que estabelece nos artigos 18 e 20 as hipóteses de impedimento e de suspeição que se aplicam aos servidores e autoridades que atuam no processo administrativo. O artigo 18 do referido diploma estabelece que há impedimento para atuar em determinado processo quando: o sujeito possui interesse direto ou indireto na matéria; já tenha participado do processo na qualidade de perito, representante ou no caso de participação de seu cônjuge ou parente até terceiro grau, e; estiver litigando administrativa ou judicialmente com o interessado no processo ou com seu cônjuge/companheiro115. Por sua vez, o artigo 20 da Lei nº 9.784/1999 dispõe que há suspeição quando o indivíduo possua relação de amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados no processo, ou com seus respectivos cônjuges/companheiros e seus parentes até o terceiro grau116. Também se deve discorrer sobre as hipóteses previstas pelos artigos 206 e 207 do Código de Processo Penal, que estabelecem os casos de impedimento e proibição para testemunhar. De acordo com o artigo 207 do Código de Processo Penal, são proibidas de depor aquelas pessoas que, em razão de ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo sobre determinados fatos, a menos que sejam desobrigadas do dever de sigilo pela parte interessada e, ainda, desejem fazê-lo117. Por sua vez, o artigo 206 do Código de Processo Penal prevê um rol de pessoas que, em razão de vínculo de parentesco com o acusado, seja por consanguinidade ou por afinidade, tanto na linha ascendente como na linha descendente, não estão obrigadas a depor, a exemplo do cônjuge do servidor, ainda que separado; do seu pai, mãe e irmão; e filho adotivo118. Entretanto, nada impede que tais pessoas relacionadas à parte acusada prestem depoimento ao trio processante, se assim o desejarem, mas seus depoimentos devem evidentemente ser analisados à luz de sua vinculação afetiva e familiar com o acusado. A testemunha que ocupar cargo ou função pública está obrigada a depor, uma vez convocada pela comissão para prestar depoimento acerca de fatos do seu conhecimento. Tal dever é extraído do teor do artigo 116, inciso II, Lei nº 8.112/1990119, que impõe ao servidor público verdadeiro dever de lealdade para com a Administração Pública. Corroborando esse entendimento de que o servidor público está obrigado a depor, destaca-se o teor do artigo 173, inciso I, Lei nº 8.112/1990, que assegura o pagamento de transporte e diárias àquele servidor convocado para prestar depoimento em localidade diversa daquela onde se encontra sua repartição, seja na condição de testemunha, denunciado ou indiciado.120 114 Art. 69 - Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei. 115 Lei nº 9.784/1999, Art. 18 - É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que: I - tenha interesse direto ou indireto na matéria; II - tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; III - esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro. 116 Art. 20 - Pode ser argüida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.

117 LESSA, 2000, p. 154. 118 Idem, p.154. 119 Art. 116 - São deveres do servidor: (…) II – ser leal às instituições a que servir; 120 COSTA, 2011, p. 227.

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10.3.8.3. REGULARIDADE DA INTIMAÇÃO DA TESTEMUNHA.

A realização do ato de instrução deve ser comunicada a todos os envolvidos, a saber:

I – a própria testemunha e seu chefe imediato, no caso de se tratar de servidor público ou militar; II – o acusado ou seu advogado, e; III – o advogado da testemunha, quando houver.

Tais comunicações devem ser feitas nos moldes previstos pelo artigo 157 da Lei nº

8.112/1990:

Artigo 157 – As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado ex-pedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do in-teressado, ser anexado aos autos. Parágrafo único – Se a testemunha for servidor público, a expedição do man-dado será imediatamente comunicada ao chefe da repartição onde serve, com a indicação do dia e hora marcados para inquirição.

Assim, o presidente da comissão deverá expedir mandado de intimação para comunicar à testemunha acerca da realização do ato de inquirição, no qual deverão constar, de forma inequívoca, a data, horário, local e respectivo endereço em que o ato será realizado. Quando a testemunha convocada for servidora pública, a comunicação à sua chefia imediata poderá ser feita através de ofício ou memorando expedido pela comissão121, podendo a comunicação ser realizada por via eletrônica.

Deve-se destacar que a intimação do acusado ou de seu representante, quando

houver, deve ser feita por escrito e com a comprovação da ciência por parte do interessado, sem a necessidade de que seja entregue pessoalmente. De fato, nos termos do Enunciado nº 10 da Controladoria-Geral da União (já mencionado em 10.1.2), basta que sejam preenchidos esses dois requisitos para que seja válida a intimação, o que permite, inclusive, que a intimação ocorra por email, desde que conste nos autos o respectivo aviso de recebimento. Ressalte-se que é uma prerrogativa do acusado acompanhar a realização dos atos de instrução, para que possa exercer o seu direito fundamental ao contraditório.

Nesse sentido, transcreve-se lição doutrinária que comprova a importância da

atuação do defensor durante a produção de prova testemunhal:

Além de formular perguntas à testemunha ao lhe ser franqueada a palavra pa-ra isso, durante os depoimentos pode e deve o defensor prontamente intervir sempre que, por erro de interpretação ou por omissão, o presidente do colegia-do fizer consignar no termo algo substancialmente diferente do que disse a tes-temunha, podendo até exigir, caso não cheguem a consenso, que seja consigna-do ipsis literis o que foi falado pelo depoente. Igualmente pode solicitar o regis-tro em ata, conforme previsão no parágrafo segundo do art.152 da Lei nº 8.112/1990, de qualquer incidente ocorrido durante a audiência, ou a juntada de documento que julgue de proveito para a defesa.122

Tal dever de intimação para acompanhamento das oitivas não significa que a

comissão não possa realizar o ato sem a presença do acusado e de seu representante. Pelo contrário, comprovada a regular intimação do acusado ou de seu advogado, o ato poderá ser realizado, não sendo necessária a designação de nova data em seu favor123.

121 MADEIRA, 2008, p.104. 122 LESSA, 2000, p. 277. 123 MADEIRA, 2008, p.108.

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Esse entendimento está em consonância com o teor da já mencionada Súmula

Vinculante nº 05 do STF, segundo a qual “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”124, o que comprova que a presença do advogado não é imprescindível à realização dos atos do processo disciplinar. Ainda, cumpre ressaltar que, mesmo que a lei estabeleça que a intimação da testemunha deva ser feita através de mandado, aquela testemunha que não pertencer aos quadros da Administração Pública também estará obrigada a comparecer, nos termos do artigo 4º, IV da Lei nº 9784/99. Não obstante, conforme já referido no item anterior, caso a testemunha faltosa seja servidora pública, sua ausência pode ensejar responsabilização disciplinar pelo descumprimento dos deveres elencados pelo artigo 116, Lei nº 8.112/1990.125

10.3.9. INQUIRIÇÃO Após a regular intimação das testemunhas, na data, horário e local previamente indicados, a comissão disciplinar deve realizar as oitivas. O artigo 158 da Lei nº 8.112/1990 traz algumas prescrições acerca desse ato:

Artigo 158 – O depoimento será prestado oralmente e reduzido a termo, não sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito. §1º - As testemunhas serão inquiridas separadamente. § 2º - Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-se-á à acareação entre os depoentes.

Antes do início do depoimento propriamente dito, a comissão deve adotar as

seguintes medidas: I – solicitar documento de identificação do depoente, para confirmar sua identidade; II – registrar os dados pessoais da testemunha em ata (nome, idade, estado civil, profissão); III – indagar acerca da existência de relação de parentesco, amizade íntima ou inimizade notória com o acusado, nos moldes do artigo 208 Código de Processo Penal 126, e; IV – compromissar a testemunha, alertando-a quanto ao teor do artigo 342 do Código Penal 127, no sentido de que, ao depor na qualidade de testemunha, está obrigada a dizer a verdade e não omitir a verdade, sob pena de incorrer nas penas do crime de falso testemunho 128.

A doutrina aponta para a possibilidade de que, antes de prestar o compromisso, a

testemunha possa se recusar a depor sobre fatos que possam lhe acarretar grave dano, ou ao seu cônjuge ou parente, bem como aqueles fatos que deva guardar sigilo em razão de estado ou profissão 129, consagrando verdadeiro “direito ao silêncio” acerca de tais matérias 130. 124 Súmula Vinculante nº 05, publicada no DJE nº.105, de 11/06/2008, p.42. 125 LESSA, 2000, p.156. 126 Art. 208 – Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206. 127 Art. 342 – Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. 128 MADEIRA, 2008, p.106. 129Código de Processo Civil, Art. 406 - A testemunha não é obrigada a depor de fatos: I - que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consangüíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau; II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.

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Após tais providências iniciais, a comissão deve iniciar a tomada de depoimento

propriamente dita, com a realização de perguntas relacionadas ao objeto do processo. Normalmente, o Presidente formula as perguntas à testemunha, que as responde verbalmente, para posterior transcrição no termo de depoimento. Destaque-se que não existe forma pré-determinada de como reduzir a termo as perguntas e respostas feitas durante um depoimento. Pode-se tanto registrar as perguntas e respostas exatamente como foram formuladas, ou registrar somente a resposta, de forma que seja possível deduzir a pergunta que foi feita. Deve-se, contudo, adotar as cautelas necessárias para não ocorrer deturpação do sentido daquilo que foi dito pela mesma131.

A lei determina que as testemunhas prestem depoimento em separado, para evitar

que a versão dos fatos apresentados por uma delas possa influenciar as respostas das demais132, bem como para impedir o prévio conhecimento das perguntas que serão feitas pela Comissão Disciplinar.

Nesse mesmo sentido, a lei proíbe à testemunha trazer seu depoimento por escrito, admitindo-se tão somente que a mesma faça consulta a breves apontamentos, para facilitar a lembrança de detalhes de difícil memorização, a exemplo de nomes, datas, eventos, etc.

Após o presidente do colegiado processante realizar todas as perguntas que julgava

pertinentes à testemunha, o mesmo deve dar oportunidade aos demais integrantes da comissão para que realizem seus questionamentos. Registre-se que tais questionamentos serão formulados pelo presidente ao depoente.

Encerradas as perguntas da comissão, passa-se a palavra ao acusado e ao seu

advogado para que formulem seus questionamentos, os quais também são feitos pelo presidente. Necessário frisar que a comissão deve obrigatoriamente registrar em ata que foi oportunizado à defesa reinquirir a testemunha, como prova de observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Antes do encerramento do depoimento, costuma-se perguntar à testemunha se ela gostaria de acrescentar algo àquilo que já foi relatado, o que será registrado na ata.

Tal protagonismo do presidente da comissão também se revela em sua incumbência

de exercer o poder de polícia durante a realização da oitiva, de forma a garantir que o trabalho d colegiado se desenvolva regularmente, sem tumulto ou desordem. Para tanto, o Presidente pode se utilizar de meios coercitivos quando for necessário, podendo inclusive retirar pessoas do recinto quando sua presença atrapalhar o bom andamento dos trabalhos 133.

É possível que a parte deseje formular determinada pergunta que não seja admitida

pela comissão, por se tratar de pergunta impertinente ou protelatória 134. Nesse caso, a parte pode requerer que o texto da pergunta indeferida conste da transcrição do termo do depoimento, nos termos do artigo 416, §2º, Código de Processo Civil 135. Se o presidente da comissão indeferir tal pedido de inserção, o acusado pode requerer que tal incidente conste também da ata, nos termos do artigo 152, §2º, Lei nº 8.112/1990136 137. 130 BRAGA, 2008, p.203. 131 MADEIRA, 2008, p.107. 132 COSTA, 2011, p. 226. 133 Idem, p. 229. 134 Lei nº 8.112/1990, Art.156, §1º - O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos. 135 Art.416, §2º - As perguntas que o juiz indeferir serão obrigatoriamente transcritas no termo, se a parte o requerer. 136 Art. 152, §2º - As reuniões da comissão serão registradas em atas que deverão detalhar as deliberações adotadas.

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Encerrado o depoimento, todos aqueles presentes durante a realização do ato

deverão assiná-lo (membros da comissão, testemunha, acusado e advogados), atestando sua realização naquela data e horário, bem como a veracidade de seu conteúdo.

A doutrina destaca a importância de se prezar pela fiel transcrição de tudo aquilo

que foi relatado pela testemunha durante seu depoimento, pois há a possibilidade de que ela se recuse a assinar o depoimento, sob alegação de que o termo não condiz com aquilo que foi declarado. Nesse momento, recomenda-se que o colegiado realize as alterações solicitadas para não causar indisposição desnecessária com a testemunha, desde que essas não importem em falseamento daquilo que verdadeiramente foi dito.

10.3.10. CONTRADITA

Embora não prevista expressamente pela Lei nº 8.112/1990, a doutrina recorre ao regramento processual penal para admitir a possibilidade de contradita de testemunha em sede de processo administrativo disciplinar, nos termos do artigo 214 do Código de Processo Penal:

Art.214 – Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar a tes-temunha ou argüir circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspeita de par-cialidade, ou indigna de fé. O juiz fará consignar a contradita ou argüição e a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou não Ihe deferirá compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208.

Trata-se de incidente em que o acusado ou seu advogado pode contestar a negativa

de impedimento ou suspeição feita pela testemunha, no momento em que esta é inquirida pela comissão acerca das situações previstas pelo artigo 208 do Código de Processo Penal, conforme mencionado no item anterior. Para tanto, devem comprovar a existência de tal causa impeditiva de atuação como testemunha. Se a contradita for acatada pelo colegiado, o depoimento será registrado como de mero informante, pois a testemunha não poderá prestar compromisso nos termos do artigo 342 do Código Penal. Não obstante, caso sejam insuficientes as razões apresentadas, seus membros não estão obrigados a aceitar a contradita, devendo justificar em ata as razões que justificam tal indeferimento e prosseguir normalmente com a tomada de depoimento138. A comissão irá igualmente qualificar o depoente como informante quando ela própria entender que existe causa de impedimento ou suspeição, independente de contradita levantada pela defesa.

10.3.11. ACAREAÇÃO Por sua vez, a possibilidade de realização de acareação entre testemunhas encontra expressa previsão no artigo 158, §2º, da Lei nº 8.112/1990, que assim dispõe: “Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-se-á à acareação entre os depoentes.”

137 LESSA, 2000, p.155. 138 Idem, p. 105.

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Conforme já mencionado, as testemunhas são inquiridas em separado, porém ao se deparar com versões diametralmente opostas sobre um determinado acontecimento, fato este considerado relevante para o deslinde do processo disciplinar, a comissão pode delimitar quais foram os pontos de divergência entre os depoimentos contraditórios e colocá-las frente a frente para dirimir a controvérsia. Nesse sentido discorre a doutrina:

As divergências sobre fatos juridicamente relevantes, decorrentes do confronto dos depoimentos prestados, deverão ser esclarecidas por intermédio de acare-ação na qual cada um dos depoentes, a seu tempo, oferecerá as explicações so-bre os pontos controvertidos, sendo tudo reduzido a termo.139

A matéria é regulada também pelos artigos 229140 e 230 do Código de Processo Penal, que prevê, inclusive, que a acareação pode ser feita não somente entre testemunhas, como também entre acusado e testemunha, acusado ou testemunha e pessoa afetada por sua conduta. Parte da doutrina processual entende que se trata de medida de pouca valia, pois, via de regra, os acareados mantêm suas declarações anteriores; enquanto outros recomendam aos membros da comissão que prestem especial atenção nas reações fisionômicas dos acareados, para flagrar possíveis inverdades141.

10.3.12. INFLUÊNCIA DO ACUSADO DURANTE A COLHEITA DO DEPOIMENTO Já se destacou a fundamental importância de a comissão comprovar, no bojo do processo disciplinar, que regularmente intimou o acusado ou seu representante para que estes possam exercer, ou não, seu direito de acompanhar a realização das oitivas. Apesar disso, sabe-se que, na prática, a efetiva presença do acusado durante a tomada de depoimento da testemunha pode causar-lhe embaraço, constrangimento e até mesmo receio de relatar tudo aquilo que sabe perante o colegiado responsável pela condução dos trabalhos. Cabe à comissão minimizar a possibilidade de que tal intimidação possa ocorrer, devendo preocupar-se com a organização física da sala de oitiva, de forma que a testemunha preste seu depoimento sentada de frente para o trio processante, sem poder vislumbrar o semblante do acusado ou de seu advogado, que deverão estar posicionados atrás na sala142. Mesmo com tal disposição física da sala, caso a testemunha se recuse a depor em razão da presença do acusado durante a realização da oitiva, a comissão deve, munida de bom senso, verificar se existem indícios de que o acusado esteja atuando de forma concreta para coagir a testemunha. Se a resposta for negativa, deverá convencer a testemunha a prestar depoimento, sem qualquer receio. No entanto, caso verifique que o acusado efetivamente constrange a testemunha, através de sua atitude, gestos ou insinuações, deve o presidente do colegiado atuar conforme o

139 GUIMARÃES, 2006, p.150. 140 Art. 229 - A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes. 141 TOURINHO FILHO, 2001, p. 497. 142 MADEIRA, 2008, p. 108.

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disposto pelo artigo 217 do Código de Processo Penal143, mandando retirá-lo da sala e registrando o incidente no termo de depoimento ou na ata144.

10.3.13. DEMAIS FORMALIDADES Conforme já mencionado acima, a Lei nº 8.112/1990 disciplina a matéria sobre testemunhas em apenas dois dispositivos – artigos 157 e 158 – de forma que a doutrina recorre a outros diplomas legais para suprir as hipóteses não mencionadas pela legislação administrativista. O Código de Processo Penal se refere, no artigo 220145, àquelas pessoas impossibilitadas de comparecer perante a comissão para depor em razão de idade avançada ou enfermidade. Nesses casos, a comissão pode inquiri-las no local onde se encontrarem. Por sua vez, o artigo 221 do Código de Processo Penal se refere à tomada de depoimento daquelas autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função, as quais possuem o direito de ajustar previamente o local, dia e horário em que prestarão depoimento, enquanto estiverem exercendo seus cargos ou enquanto durarem seus mandatos146. No caso de Presidente e Vice-Presidente da República e Presidentes do Senado Federal, Câmara dos Deputados e STF, tais autoridades poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, após envio das perguntas formuladas pela comissão e pelo acusado mediante ofício147. Ainda, o artigo 223 do mesmo diploma estabelece que, no caso de testemunha não fluente na língua nacional, o colegiado deverá providenciar um intérprete para traduzir as perguntas e as respostas148. Já a tomada de depoimento de mudo, surdo ou surdo-mudo, observará o procedimento descrito pelo artigo 192149: o surdo receberá as perguntas por escrito e as

143Art. 217 - Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. 144 Lei nº 8.112/1990, Art. 152, §2º - As reuniões da comissão serão registradas em atas que deverão detalhar as deliberações adotadas. 145 Art. 220 – As pessoas impossibilitadas, por enfermidade ou por velhice, de comparecer para depor, serão inquiridas onde estiverem. 146 BRAGA, 2008, p.198. 147 Código de Processo Penal, Art. 221 – O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembléias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz. § 1o O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, Ihes serão transmitidas por ofício. (...) 148 Código de Processo Penal, Art. 223 – Quando a testemunha não conhecer a língua nacional, será nomeado intérprete para traduzir as perguntas e respostas. Parágrafo único. Tratando-se de mudo, surdo ou surdo-mudo, proceder-se-á na conformidade do art. 192. 149 Código de Processo Penal, Art. 192 – O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte: I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente; II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito; III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as respostas. Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.

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responderá oralmente; o mudo será inquirido oralmente e responderá por escrito; e o surdo-mudo, receberá e responderá as perguntas por escrito. Por fim, o parágrafo único do artigo 192 do Código Processual Penal disciplina a situação de testemunha não alfabetizada e acometida por uma dessas deficiências, hipótese em que intervirá no processo pessoa habilitada a entendê-la, a qual assumirá a qualidade de intérprete e deverá prestar compromisso de transmitir fielmente aquilo que a testemunha lhe relatou.

10.3.14. INTERROGATÓRIO

Lei nº 8.112/90 Art. 159. Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o in-terrogatório do acusado, observados os procedimentos previstos nos arts. 157 e 158. § 1º No caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamen-te, e sempre que divergirem em suas declarações sobre fatos ou circunstâncias, será promovida a acareação entre eles. § 2º Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-se-á à acareação entre os depoentes.

O interrogatório é a fase da instrução que permite ao suposto autor da infração disciplinar esboçar a sua versão dos fatos, exercendo a autodefesa, ou, ainda, se lhe for conveniente, invocar o direito ao silêncio, sem nenhum prejuízo à culpabilidade. Segundo Francisco Xavier da Silva Guimarães, o interrogatório:

(...) é, sem dúvida, um dos mais importantes da fase instrutória, por meio do qual ouvem-se os esclarecimentos do acusado sobre a imputação que lhe é feita ao tempo em que são colhidos dados fundamentais para a formação do con-vencimento. 150

Não obstante a nítida importância do interrogatório nas apurações disciplinares, verifica-se que a Lei nº 8.112/90 pouco tratou do instituto, sendo recomendável à comissão adotar como parâmetro as regras dispostas nos artigos 186 a 196 do Código de Processo Penal.151 Por ser um ato personalíssimo, o interrogatório não pode ser realizado por interposta pessoa, de forma que nem a presença do advogado supre a ausência do acusado. A comissão deve conduzir o interrogatório de forma que não haja pressões ou constrangimentos. Se a comissão advertir que o silêncio será interpretado em prejuízo do interrogado ou compromissá-lo, poderá ser arguida a nulidade dos trabalhos. Em atenção ao princípio constitucional da ampla defesa, permite-se ao acusado o direito de se manifestar após o conhecimento de todos os fatos a si imputados, sendo, assim, o último a se manifestar antes de eventual indiciação. Deste modo, o interrogatório é o ato final a ser

150 GUIMARÃES, 2006, p. 154. 151 Idem, p. 155 e 156.

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realizado pela comissão antes de formar sua convicção acerca do indiciamento do servidor acusado ou da sugestão de arquivamento do feito disciplinar. Não obstante o art. 159 da Lei nº 8.112/90 dispor que, após a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado, é de se registrar que o interrogatório não necessariamente deverá ser realizado logo após a oitiva das testemunhas, mas certamente após a realização de todas as provas. Importante registrar que é plenamente possível a realização de vários interrogatórios do acusado, inclusive em outros momentos da instrução, como, por exemplo, antes mesmo da oitiva das testemunhas. Todavia, para que não haja nulidade, deve haver um novo interrogatório ao final. Nesse sentido, assim ensina Vinícius de Carvalho Madeira:

(...) pode acontecer de a comissão entender ser interessante ouvi-lo logo no iní-cio do processo, ou mesmo antes do fim. Nada impede que ela faça isso. Entre-tanto, por segurança jurídica, se o acusado for interrogado antes da produção de outras provas, deve ser colhido novo interrogatório ao final da instrução para ficar assentado que a lei foi cumprida e o interrogatório do acusado o úl-timo ato da instrução.152

O STJ, por sua vez, ao julgar o Mandado de Segurança nº 7.736, assim se manifestou:

Ementa: (...) IV. A oitiva do acusado antes das testemunhas, por si só, não vicia o processo disciplinar, bastando, para atender a exigência do art. 159 da Lei nº 8.112/90, que o servidor seja ouvido também ao final da fase instrutória. (MS 7736/DF – 2001/0082331-0, Relator Ministro: Felix Fischer. Data de Julgamento: 24/10/2001, S3-Terceira Seção, Data de Publicação: 04/02/2002.)

Esse é o entendimento também acolhido pela AGU, conforme se verifica nos pareceres vinculantes nºs GQ-37 e GQ-177, conforme trechos abaixo transcritos:

Parecer-AGU nº GQ-37, vinculante. Ementa: (...) É insuscetível de eivar o pro-cesso disciplinar de nulidade o interrogatório do acusado sucedido do depoi-mento de testemunhas, vez que, somente por esse fato, não se configurou o cer-ceamento de defesa. (...) Parecer-AGU nº GQ-177, vinculante: Ementa: (...) Não nulifica o processo disci-plinar a providência consistente em colher-se o depoimento do acusado previ-amente ao de testemunha. (...)

10.3.14.1. PROCEDIMENTO

Lei nº 8.112/90 Art. 159. Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o in-terrogatório do acusado, observados os procedimentos previstos nos arts. 157 e 158.

152 MADEIRA, 2008, p. 110.

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§ 1º No caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamen-te, e sempre que divergirem em suas declarações sobre fatos ou circunstâncias, será promovida a acareação entre eles. Art. 157. As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do interessa-do, ser anexada aos autos. Parágrafo único. Se a testemunha for servidor público, a expedição do manda-do será imediatamente comunicada ao chefe da repartição onde serve, com a indicação do dia e hora marcados para inquirição. Art. 158. O depoimento será prestado oralmente e reduzido a termo, não sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito. § 1º As testemunhas serão inquiridas separadamente. § 2º Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-se-á a acareação entre os depoentes. Art.173. Serão assegurados transporte e diárias: I - ao servidor convocado para prestar depoimento fora da sede de sua reparti-ção, na condição de testemunha, denunciado ou indiciado; Lei nº 9.784/99 Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização. Código de Processo Penal - CPP

Art. 192. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte: I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente; II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito; III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as respostas. Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.

Para que o servidor seja interrogado, é necessária sua prévia notificação para acompanhar o processo na qualidade de acusado. Assim, caso o servidor conste nos autos como simples testemunha, não poderá ser intimado para o interrogatório. Nesta hipótese, deverá antes ser notificado da sua condição de acusado para que possa exercer seu direito à ampla defesa, além de ser necessário questionar se deseja o refazimento, observando o princípio do contraditório, das provas já carreadas aos autos. Nos termos do art. 41 da Lei nº 9.784/99, o acusado deve ser intimado pela comissão no prazo hábil de três dias úteis antes da realização do interrogatório. Nessa oportunidade, é recomendável que a intimação seja entregue juntamente com cópia do processo, ou parte necessária a complementar as outras já entregues durante o seu curso.

Insta destacar que, conforme a redação do Enunciado nº 10 da Controladoria-Geral da União (já mencionado em 10.1.2), basta que a intimação seja feita por escrito e com a comprovação da ciência por parte do interessado para que possa ser considerada válida. Não há necessidade de seja entregue pessoalmente. Deste modo, é possível, inclusive, que a intimação ocorra por email, desde que conste nos autos o respectivo aviso de recebimento.

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O titular da unidade, a quem se encontra subordinado o acusado, deve ser comunicado da data e hora de realização do interrogatório, podendo ser remetido por via eletrônica. Caso o local do interrogatório seja diverso da sede de sua repartição, serão assegurados transporte e diárias para seu deslocamento, nos termos do que determina a redação lapidada no art. 173 da Lei nº 8.112/90. Após o início dos trabalhos, o presidente da comissão realizará a identificação do acusado, por meio de dados como nome, filiação, estado civil, endereço, naturalidade, RG, CPF, data de nascimento, cargo e lugar onde exerce a sua atividade. Sendo o caso, registrará ainda a presença de seu procurador. Na sequência, a comissão cientificará o acusado do teor da acusação que pesa contra si, informando-o do direito de ficar calado, não tendo obrigação de responder as perguntas que lhe forem dirigidas. O interrogado não deve trazer suas respostas por escrito, mas sim prestar seu depoimento oralmente. Há exceções nos casos de surdos, mudos ou surdos-mudos, conforme disposto do art. 192 do CPP. A condução do interrogatório se dá pelo presidente da comissão, a quem compete se dirigir ao acusado, interrogando-o acerca dos fatos e circunstâncias objeto do processo, bem como sobre os fatos a ele imputados. Cabe também ao presidente reduzir a termo, o mais fielmente possível, as respostas apresentadas, as quais serão digitadas pelo secretário ou outro membro da comissão. Também devem constar do termo todos os fatos ocorridos durante o interrogatório, como incidentes, advertências verbais, interferências, ausência de resposta por parte do acusado (valendo-se do direito de ficar calado) etc. É recomendável que as perguntas já tenham sido previamente elaboradas pela comissão. Contudo, nada impede que durante o curso do interrogatório outras perguntas sejam incluídas ou modificadas. Terminada a realização das perguntas pelo presidente da comissão, será aberta a palavra aos dois membros. Após o término das perguntas da comissão, passa-se a palavra ao acusado, para que acrescente o que entender cabível acerca dos fatos trazidos à baila no procedimento correcional. Caso ocorra de o acusado solicitar retificação substancial de alguma resposta, seja durante o interrogatório ou após seu término, deve a comissão registrar ao final a nova resposta, não realizando a alteração por cima da resposta anteriormente prestada. As perguntas e respostas ficarão consignadas no termo de interrogatório. O texto será revisado e impresso e uma única via, que será assinada pelo acusado e por todos os presentes. Conforme orientação do autor Marcos Salles:

Não havendo outros interrogatórios a serem coletados, tira-se cópia reprográ-fica do termo para o interessado (recomenda-se que seja impressa apenas uma via original e dela se extraia cópia). Por outro lado, caso ainda haja interroga-tório a se coletar, convém que a comissão autue o termo e, caso seja solicitado, forneça sua cópia para o acusado somente após a realização de todos os inter-rogatórios, de forma a diminuir a possibilidade de prévio conhecimento das perguntas, buscando preservar ao máximo a prova oral. 153

153 TEIXEIRA, 2014.

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10.3.14.2. DIREITO DO ACUSADO AO SILÊNCIO E NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO

Constituição Federal – CF Art. 5º (...) LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; Código de Processo Penal – CPP

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe fo-rem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

O presidente da comissão deverá cientificar o servidor acerca dos fatos a ele atribuídos, informando-lhe da garantia constitucional de ficar calado e da impossibilidade de haver prejuízo em razão do exercício de tal direito. Diante dessa garantia, é inexigível do acusado o compromisso com a verdade, bem como o silêncio de sua parte não pode ser interpretado em seu desfavor e muito menos ser considerado como confissão. O STF, ao julgar o Habeas Corpus nº 68.929, assim decidiu:

Ementa: “(...) Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos in-vestigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. ´Nemo tenetur se detegere´. Nin-guém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitu-cional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que fal-samente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração pe-nal”. (HC 68.929/SP, Relator Ministro: Celso de Mello, Data de Julgamento: 22/01/1991, Primeira Turma, Data de Publicação: 28/08/1992.)

Optando o acusado por não responder, deve a comissão formular pergunta por pergunta, registrando, a cada resposta, o silêncio do acusado. No tocante à ausência do aviso da supracitada garantia no início do interrogatório, é importante consignar que tal fato somente ensejará nulidade se se verificar, no caso concreto, efetivo prejuízo à defesa. 10.3.14.3. INTERROGATÓRIO DE VÁRIOS ACUSADOS

Como visto, o § 1º do art. 159 da Lei nº 8.112/90 dispõe que, no caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamente.

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Ao dispor sobre as regras que devem ser observadas no interrogatório dos acusados na instância criminal, o Código de Processo Penal apresenta redação semelhante. Consta, no art. 191 daquele diploma legal, que “havendo mais de um acusado, serão ouvidos separadamente”. Na interpretação de tal dispositivo, o entendimento predominante é no sentido de que é legítima a participação das defesas dos co-reús nos interrogatórios dos outros acusados. A jurisprudência vem apontando nesta direção:

É legítimo, em face do que dispõe o artigo 188 do CPP, que as defesas dos co-réus participem dos interrogatórios de outros réus. Deve ser franqueada à defesa de cada réu a oportunidade de participação no interrogatório dos demais co-reús, evitando-se a coincidência de datas, mas a cada um cabe decidir sobre a conveniência de comparecer ou não à audiência. (STF, AP 470, Ag. Regimental. rel. Min. Joaquim Barbosa. Data do Julgamento: 06/12/2007. Data da publicação: 13/03/2008)

n Desta forma, na seara disciplinar deve-se manter o mesmo entendimento, de modo a

permitir que a defesa dos outros acusados possa, além de assistir ao ato do interrogatório, formular as perguntas que entender pertinentes ao servidor que está sendo interrogado. Busca-se, assim, garantir o exercício do direito do contraditório aos servidores acusados.

É oportuno frisar que, além dos questionamentos que podem ser feitos no interroga-

tório dos outros servidores que também se encontram no polo passivo do processo, o direito ao contraditório também é garantido no momento em que o acusado tem acesso a cópia do termo do mencionado ato, sendo possível tecer suas considerações por ocasião da apresentação da defesa.

10.3.14.4. DO NÃO COMPARECIMENTO DO ACUSADO No dia do interrogatório, a comissão deve aguardar a chegada do acusado por, no mínimo, trinta minutos. Contudo, se devidamente intimado o acusado não comparecer, a comissão registrará o incidente em termo de não comparecimento, devendo tentar uma nova data para realização do ato.154 Caso o acusado opte por não exercer seu direito de defesa, ou deixe de comparecer novamente sem motivo, o processo disciplinar deverá prosseguir no seu curso normal, sem que haja o interrogatório, fato esse que não configura cerceamento de defesa, conforme entendimento da Advocacia-Geral da União e do Superior Tribunal de Justiça:

Parecer-AGU nº GQ-102, não vinculante: (...)17. A Lei nº 8.112, de 1990, não condicionou a validade do apuratório à tomada do depoimento do acusado, nem a positividade das normas de regência autoriza a ilação de que este configura peça processual imprescindível à tipificação do ilícito. A falta do depoimento, no caso, deveu-se à conduta absenteísta do servidor quando intimado a prestar esclarecimentos (...). (...) De todo o exposto, resulta que o impetrante não foi interrogado pela comissão processante, porque recusou-se, por vinte vezes, a comparecer ao local designado, a despeito de estar gozando de perfeita saúde, em determinadas ocasiões. Em conseqüência, não há falar em cerceamento de

154 TEIXEIRA, p. 305.

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defesa, sendo certo, ainda, que a eventual nulidade do processo, por esse motivo, não poderia ser aproveitada pela parte que lhe deu causa. (MS 7066/DF – 2000/0063355-0, Relator Ministro: Hamilton Carvalhido. Data de Julgamento: 27/11/2002, S3-Terceira Seção, Data de Publicação: 16/12/2002.)

A ausência do acusado ou de seu procurador ao longo da fase de instrução não gera a favor da Administração Pública presunção de verdade da acusação, uma vez que a ela cabe o ônus probante. Não há determinação legal no sentido de que a comissão designe defensor ad hoc ou solicite à autoridade instauradora designação de defensor dativo. 10.3.14.5. PROCURADOR DO ACUSADO

Lei nº 8.112/90: Art. 159 (...) § 2º O procurador do acusado poderá assistir ao interrogatório, bem como à inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e res-postas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do presidente da comissão.

Segundo o dispositivo legal acima citado, verifica-se que o procurador poderá acompanhar o interrogatório, não havendo que se falar em nulidade na hipótese de sua ausência quando da tomada do interrogatório, até porque tal ato tem caráter personalíssimo. Sobre o assunto, assim se manifesta Vinícius de Carvalho Madeira:

O procurador do(s) acusado(s) pode acompanhar o interrogatório e apesar de ser possível interpretar o § 2º do art. 159 da Lei nº 8.112/90 no sentido de que o advogado só pode fazer perguntas às testemunhas, nos seus depoimentos, e não ao acusado, no seu interrogatório, entendo que não há problemas em per-mitir que o advogado do acusado, a quem a lei garante expressamente o direi-to de participar do interrogatório faça perguntas ao seu cliente para ficarem registradas na ata de interrogatório com as respectivas respostas. Mas, repita-se, o § 2º do citado art. 159 garante expressamente a participação do advoga-do do acusado em seu interrogatório. Portanto, para se evitar problemas futu-ros com alegações de nulidade, a Comissão deve sempre intimar o advogado do acusado para participar de seu interrogatório, assim como o advogado deve ter sido intimado para participar da oitiva das testemunhas. Entretanto, se o advogado foi pessoalmente intimado – cópia da intimação assinada e juntada ais autos - a sua ausência injustificada no interrogatório ou no depoimento da testemunha não pode gerar nulidade do feito, não havendo necessidade de no-meação de defensor dativo pela Administração, pois isso seria a submissão à chicana do advogado, coisa que o Poder Judiciário – acredito – não chancela-ria. 155

155 MADEIRA, 2008, p. 110.

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Tese contrária poderia alegar o disposto no art. 185 do CPP, segundo o qual o acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. Contudo, só é permitido trazer institutos do processo penal ao processo administrativo disciplinar em caso de lacunas, oriundas de omissão na Lei nº 8.112/90 e também na Lei nº 9.784/99. Nesse caso, a norma mais específica, qual seja, a Lei nº 8.112/90 abordou a matéria, ao prever apenas a possibilidade de acompanhamento do procurador. Caso o acusado tenha interesse no assessoramento de um advogado, deve por ele ser providenciado, não cabendo à comissão designar defensor ad hoc ou solicitar designação de defensor dativo para acompanhar o acusado, e menos ainda deixar de realizar o ato sem o procurador. A Advocacia-Geral da União assim se manifestou sobre a questão:

Parecer-AGU nº GQ-99, não vinculante: 15. O regramento do inquérito administrativo é silente quanto ao comprome-timento do princípio da ampla defesa, advindo, daí, vício processual insanável, na hipótese em que o acusado seja ‘interrogado (fls. 125/126) sem se fazer acompanhar de advogado por ele constituído ou dativo designado pela Presi-dente da Comissão Processante’. ‘De lege lata’, esse é cuidado de que deve cer-car-se o servidor, a seu talante, sem que constitua qualquer dever da c.i., por is-so que não dimanante de lei, como se faria necessário, dado o princípio da le-galidade que deve presidir a atuação do colegiado, ‘ex vi’ do art. 37 da Carta.

Acerca da possibilidade de o procurador formular perguntas ao seu cliente interro-

gado, após as perguntas do presidente e dos vogais, durante muito tempo entendeu-se que a reda-ção do § 2º do art. 159 da Lei nº 8.112/90 não contemplaria tal possibilidade, haja vista que a reda-ção do aludido dispositivo legal usou a expressão “reinquiri-las”, referindo-se, portanto, somente às testemunhas.

Todavia, atualmente, a novel jurisprudência em matéria criminal – cujo processo é o

sancionador por excelência - permite a inquirição do réu por seu próprio advogado, e também que este participe e inquira os corréus em seus interrogatórios. Neste sentido:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. INTERROGATÓRIO DO RÉU. FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS DIRETAMENTE PELO DEFENSOR. INDEFERIMENTO. NÃO OCORRÊNCIA DE NULIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 118 DO CPP. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O interrogatório, como ato de defesa do acusado e fonte de prova, subme-te-se ao princípio do contraditório, com direito de participação das partes no ato judicial. 2. A teor do art. 188 do CPP, o juiz, após proceder ao interrogatório, indagará da acusação e da defesa se restou algum fato a ser esclarecido, formulando ao réu as reperguntas que entender pertinentes e relevantes. (...) 5. Recurso ordinário não provido. (RHC 48.354/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 09/12/2014, DJe 19/12/2014)

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. INDEFERIMENTO DE REPERGUNTAS DE AD-VOGADO DE UM DOS CORRÉUS AO OUTRO CORRÉU DURANTE O INTERRO-GATÓRIO. DECISÃO QUE VIOLA PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. NULIDADE ABSOLUTA. PRECEDENTES. DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO SOMENTE QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ORDEM PARCIAL-

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MENTE CONCEDIDA PARA ANULAR A INSTRUÇÃO A PARTIR DO INTERRO-GATÓRIO. 1. A decisão que impede que o defensor de um dos réus repergun-te ao outro acusado ofende os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da isonomia, gerando nulidade absoluta. 2. O princípio do pas de nullité sans grief exige, sempre que possível, a demonstração de prejuízo concreto à parte que suscita o vício, ainda que a sanção prevista seja a de nu-lidade absoluta do ato. Precedentes. 3. Prejuízo devidamente demonstrado pela defesa quanto à imputação pelo crime de associação para o tráfico. Au-sência de prejuízo com relação ao crime de tráfico de drogas. 4. Ordem par-cialmente concedida para anular a instrução a partir do interrogatório quan-to ao crime de associação para o tráfico de drogas. (HC 101648, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 11/05/2010, DJe-026 DIVULG 08-02-2011 PUBLIC 09-02-2011 EMENT VOL-02460-02 PP-00264 RT v. 100, n. 908, 2011, p. 460-469 LEXSTF v. 33, n. 387, 2011, p. 370-381)

Frise-se que cabe aqui a regra geral de que o Presidente pode indeferir perguntas impertinentes e irrelevantes, a teor do artigo 156, parágrafo 1º da Lei nº 8.112/90, que caminha no mesmo sentido do artigo 188 do CPP. Ademais, é relevante pontuar que o procurador não pode interferir nas perguntas da comissão e nem nas respostas do interrogado, sem prejuízo de eventuais intervenções para que sejam observados aspectos formais da regularidade do ato.

10.3.14.6. CONFISSÃO

Código de Processo Penal - CPP Art. 190. Se confessar a autoria, será perguntado sobre os motivos e circuns-tâncias do fato e se outras pessoas concorreram para a infração, e quais sejam. Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibili-dade ou concordância. Art. 199. A confissão, quando feita fora do interrogatório, será tomada por termo nos autos, observado o disposto no art. 195. Art. 200. A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convenci-mento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.

Confessar é reconhecer a autoria da infração ou dos fatos objetos da investigação pelo acusado. Guilherme Nucci assim descreve a confissão:

(...) é apenas o ato voluntário (produzido livremente pelo agente, sem qualquer coação), expresso (manifestado, sem sobre de dúvida, nos autos) e pessoal (ine-xiste confissão, no processo penal, feita por preposto ou mandatário, que aten-taria contra a segurança do princípio da presunção de inocência). 156

156 NUCCI, 2006, p. 410.

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Só podem confessar as pessoas que tenham a devida capacidade de entender e querer. A confissão é um meio de prova como qualquer outro, colaborando para a demonstração da verdade dos fatos. Contudo, por si só, não significa, necessariamente, o imediato encerramento da busca da verdade material; é preciso confrontá-la com as demais provas constantes dos autos. Ou seja, a confissão é somente mais um elemento que seja avaliado pelo colegiado responsável pela condução dos trabalhos ao se debruçar sobre o lastro probatório acostado ao processo. Pode ocorrer a confissão tanto no interrogatório quanto em outros momentos do processo. Neste último caso, deve haver sua confirmação por prova oral e redução a termo. A confissão é uma prova divisível, haja vista que seu teor pode ser desmembrado. Assim, a comissão, contrapondo-a com outros elementos de prova constante dos autos, pode se convencer de parte do que foi admitido e desconsiderar o restante, cabendo ao servidor comprovar a parte não acatada pela comissão. É possível a retratabilidade da confissão, de forma que o acusado venha a desdizer o que afirmou como verdade anteriormente. Todavia, a retratação não vincula a comissão, possuindo valor relativo. Em razão da livre apreciação das provas, é possível que o colegiado não se convença da retratação, sendo possível tomar como verdade a confissão anteriormente apresentada. Com relação ao valor probatório da confissão, José Armando da Costa assevera que:

Na processualística moderna, a confissão tem validade apenas relativa, onde se constata, no dia-a-dia dos foros, que ela se robustece ou se definha, à medida que seu conteúdo discrepa ou não, respectivamente, das demais provas dos au-tos. 157

Destarte, tem-se que a confissão é mais um meio de prova, e na sua apreciação a comissão deverá confrontá-la com as demais provas do processo, para aferir se há compatibilidade entre as mesmas, cabendo-lhe a justa valoração.

10.3.15. DA OITIVA FORA DA SEDE

O art. 173 da Lei nº 8.112/90, em seu inciso I, somente assegura o pagamento de transporte e diárias ao servidor convocado para prestar depoimento fora da sede de sua repartição, na condição de testemunha, denunciado ou indiciado.

Por sua vez, o inciso II, do citado artigo, garante o pagamento de diárias e passagens

aos membros da comissão e ao secretário, quando obrigados a se deslocarem da sede dos trabalhos para a realização de missão essencial ao esclarecimento dos fatos.

A redação legal não previu o pagamento de diárias e passagens ao acusado para

acompanhar a produção de prova fora da sede de sua repartição, na hipótese de deslocamento da comissão para tal fim, nem tampouco abriu possibilidade de pagamento de diárias e passagens a pessoa que não seja servidor público, caso esta não resida na sede da comissão e haja necessidade de ser ouvida.

157 COSTA, 2009, p. 104.

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Assim, se a testemunha for servidor público, a oitiva poderá ser realizada no município do acusado, já que tanto aquela quanto os membros do colegiado terão direito a diárias e passagens.

Se a testemunha for particular, por não fazer jus a diárias e passagens, a comissão

deverá, num primeiro momento, verificar se haveria a possibilidade de a própria testemunha arcar com os custos do seu deslocamento até a sede da comissão. Caso a testemunha não possua condições ou não se disponha a arcar com esses custos, havendo disponibilidade orçamentária, a comissão decidirá sobre a possibilidade de se deslocar até a testemunha, sendo que, nesse caso, ao acusado deverá ser dada a opção de custear o seu próprio deslocamento ou de constituir procurador no local da oitiva.

Havendo impossibilidade, seja qual for o motivo, tanto de o particular arcar com os

custos do seu deslocamento, quanto de a comissão deslocar-se até o particular para ouvi-lo na condição de testemunha, a Administração poderá custear as despesas com o deslocamento do particular para ser ouvido na condição de “colaborador eventual”, com base na Lei nº 8.162/91 e no Decreto n° 5.992/2006.

Nos termos do art. 4º, da Lei nº 8.162/91, correrão à conta das dotações

orçamentárias próprias dos órgãos interessados, consoante se dispuser em regulamento, as despesas de deslocamento, de alimentação e de pousada dos colaboradores eventuais, inclusive membros de colegiados integrantes de estrutura regimental de Ministério e das Secretarias da Presidência da República, quando em viagem de serviço.

O Decreto nº 5.992/2006, por sua vez, assegura, em seu artigo 10, que as despesas

previstas no art. 4º da Lei nº 8.162/91, serão indenizadas mediante a concessão de diárias, correndo à conta do órgão interessado, imputando-se a despesa à dotação consignada sob a classificação de serviços, sendo que o dirigente do órgão concedente da diária estabelecerá o nível de equivalência da atividade a ser cumprida pelo colaborador eventual com a tabela de diárias. Se de fato restar comprovada a impossibilidade de deslocamento tanto do depoente, quanto da comissão, haverá ainda a possibilidade de se proceder à oitiva por videoconferência ou carta precatória, em analogia ao processo penal, nos moldes do art. 222, do CPP.

Art. 222, CPP. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precató-ria, com prazo razoável, intimadas as partes.

§ 1º A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal. § 2º Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tem-po, a precatória, uma vez devolvida, será juntada aos autos. § 3o Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defen-sor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.

10.3.16. REALIZAÇÃO DE VIDEOCONFERÊNCIA

A realização de atos processuais por meio de recursos de teletransmissão de sons e imagens, ao vivo e em tempo real, pode ser considerado um instrumento de cidadania a ser

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utilizado não apenas em defesa dos interesses da Administração e de toda a sociedade, mas em favor dos direitos dos próprios investigados. Tratando-se do processo penal, a realização de atos processuais à distância passou a ser uma possibilidade concreta desde a entrada em vigor da Lei nº 11.690/2008, que, alterando a redação do art. 217 do Código de Processo Penal – CPP, estabeleceu:

Art. 217, CPP - Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humi-lhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de mo-do que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconfe-rência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.

A Lei nº 11.900/2009, contudo, deu nova redação ao art. 222, do CPP, estendendo a possibilidade de realização de audiência à distância para colheita de prova testemunhal, não apenas em casos específicos, mas sempre que a testemunha morar fora da jurisdição do juiz.

Art. 222, CPP. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precató-ria, com prazo razoável, intimadas as partes. (...) § 3o Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defen-sor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.

Note-se que, na esfera penal, quanto à possibilidade de realização de interrogatório do acusado por videoconferência, o legislador optou por limitá-la a casos excepcionais, conforme descrito no art. 185, CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.900/2009:

Art. 185. CPP- (…) § 2o Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a reque-rimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja re-levante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou ou-tra circunstância pessoal; III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código; IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.

Como se percebe, no âmbito do Poder Judiciário, a possibilidade de realização de audiências e outros atos processuais pelo sistema de videoconferência encontra-se bastante consolidada no ordenamento jurídico brasileiro.

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Nas justificativas apresentadas pelo Relator do Projeto de Lei do Senado nº 736, de 2007158, que deu origem à Lei nº 11.900/2009, foi reconhecida a eficiência da utilização desse tipo de tecnologia em outras áreas do conhecimento humano (medicina, educação, engenharia), sendo ressaltada ainda a experiência positiva de outros países, que há muito encontraram na videoconferência um caminho para economia de tempo e recursos materiais em seus procedimentos, a exemplo dos Estados Unidos, Itália, França, Inglaterra, Argentina e Portugal. Outro argumento considerado pelo legislador foi o contato praticamente direto entre a autoridade e o réu proporcionada por esse sistema. Nas palavras do Senador Romeu Tuma, relator do mencionado Projeto de Lei do Senado nº 736, de 2007:

(...) todas as expressões faciais são visíveis, o sistema de som é adequado, o foco ampliado permite que todas as pessoas partícipes da cena judicial se inteirem da realidade e não tenham qualquer dúvida sobre a identidade do réu, ou a respeito das condições favoráveis em que ele se encontra no momento da reali-zação do ato processual (...). Está preservada, portanto, a observância estrita do contraditório, pois esta é de índole constitucional (...).

Ou seja, apesar do comparecimento não ser físico, a nossa legislação reconheceu que, por meio do sistema de videoconferência, resta-se preservado o contato pessoal e direto entre as partes, não havendo o que se falar em nulidade do ato. Todas essas constatações, por analogia e pelos princípios gerais do direito, podem ser transportadas ao processo administrativo disciplinar. Em verdade, a utilização da teleconferência para a realização de atos processuais à distância, inclusive do interrogatório do acusado, coaduna-se com os princípios da legalidade, art. 5º, II, CF159; da eficiência, art. 37, CF160; da razoabilidade, art. 2º, Parágrafo Único, VI, Lei nº 9784/99161 e do formalismo moderado, art. 2º, Parágrafo Único, VIII e IX, Lei nº 9784/99162. Ademais, nos termos do Inciso LXXVIII, art. 5º, da Constituição Federal, assegura-se a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e todos os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, dentre os quais, indubitavelmente, inclui-se a realização de atos por teleconferência. A Administração Pública não deve, assim, se ater a rigorismos formais que dificultem a defesa e o bom andamento processual, devendo adotar formas simples, suficientes para garantir adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos essenciais dos administrados. Vale ressaltar que a segurança, praticidade, celeridade, economicidade e eficiência do sistema de videoconferência já foram reconhecidas pelo Conselho Nacional de Justiça na oitiva

158 Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=39147&tp=1 159 CF, art. 5º - (…) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; 160 CF, art. 37. Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte. (...) 161 Lei nº 9784/99, Art. 2° - A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (…) VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; 162Lei nº 9784/99, art. 2º, Parágrafo Único, VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados; IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados; (...)

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de testemunha nos autos do Processo Administrativo Disciplinar nº 200910000032369, realizada pelo Conselheiro Walter Nunes, em Brasília, para inquirir testemunhas que estavam na seção judiciária da Justiça Federal de Manaus. Nesses termos, por analogia à legislação processual penal, a oitiva de testemunha em processo administrativo disciplinar pelo sistema de videoconferência não encontra óbice legal, havendo a possibilidade de realizar-se sempre que a testemunha encontrar-se fora da sede da comissão. Nessa esteira, a CGU, no exercício das funções de órgão central do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, editou a Instrução Normativa CGU n° 12, de 1º de novembro de 2011, por meio da qual regulamentou a adoção de videoconferência na instrução de processos e procedimentos disciplinares. 10.3.16.1. PROCEDIMENTO DA VIDEOCONFERÊNCIA A realização de atos processuais à distância deverá ser decidida de ofício ou a pedido da defesa. O colegiado deve motivar expressamente sua decisão, como dispõe o art. 3º da IN/CGU nº 12, de 2011, realizando a videoconferência para assegurar a todos a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação e, logicamente, para viabilizar a participação da testemunha que residir em local diverso da sede dos trabalhos da comissão disciplinar. A Instrução Normativa CGU nº 5, de 19 de julho de 2013, reduziu de dez para três dias o prazo para intimação da pessoa a ser ouvida em audiências pelo sistema de videoconferência. Desta forma, o art. 4º da IN/CGU nº 12, de 2011 passou a vigorar com a seguinte redação: “O Presidente da Comissão Disciplinar intimará a pessoa a ser ouvida da data, horário e local em que será realizada a audiência ou reunião por meio de videoconferência, com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis”.

A medida objetiva atender à demanda das comissões disciplinares, que

consideravam o prazo muito extenso, acarretando dificuldade na realização dos atos instrutórios e, ao mesmo tempo, desestimulando a utilização do sistema de videoconferência.

Deverá ser oportunizada aos acusados a faculdade de acompanhar pessoalmente ou

por meio de procurador a audiência realizada por videoconferência, seja na sala em que se encontrar a comissão ou no local onde se localizar a pessoa a ser ouvida. O acusado ou seu procurador terá a possibilidade de arguir o depoente, por intermédio do presidente da comissão, se assim desejar.

Poderá ser solicitada a designação de secretário ad hoc ao responsável pela unidade

onde se encontrará o depoente, que desempenhará as atividades de apoio, tais como identificação dos participantes do ato, encaminhamento e recebimento de documentos, extração de cópias, colheita de assinaturas. Como alternativa, um dos membros da comissão poderá se deslocar para o local.

Tal qual nas audiências presenciais, o depoimento prestado pelas partes deverá ser

reduzido a termo, mediante lavratura do termo de depoimento, a ser realizado por membro da comissão ou secretário participante. O termo de depoimento deverá ser assinado nas diversas localidades pelos participantes do ato e, posteriormente, juntado aos autos do processo.

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10.3.16.2. DA REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA No que tange à realização de interrogatório à distância em sede disciplinar, o mesmo raciocínio utilizado pela Exma. Min. Ellen Gracie ao proferir seu voto no julgamento do HC 90900 SP, pode ser aplicado, bastando considerar que:

(...) além de não haver diminuição da possibilidade de se verificarem as carac-terísticas relativas à personalidade, condição sócio-econômica, estado psíquico do acusado, entre outros, por meio de videoconferência, é certo que há muito a jurisprudência admite o interrogatório por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que reflete a idéia da ausência de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado, para a realização do seu interrogató-rio. (litteris)

Ultrapassa-se, assim, a concepção de que o comparecimento físico seja elemento essencial para a realização do interrogatório. Mesmo que o fosse, com base no art. 572, CPP163 c/c Súmula 523, STF164, tal nulidade seria apenas relativa, podendo ser considerada sanada, uma vez que, apesar de praticado de outra forma, o ato, desde que resguardados os direitos do interrogado, teria atingido o seu fim. Neste sentido, tomadas as cautelas que atestem a livre manifestação do interrogado, assegurando-lhe inclusive o direito de permanecer calado, e cumpridas todas as demais formalidades legais, o interrogatório realizado por videoconferência pode ser considerado válido, não implicando em nulidade se do ato não resultar ocorrência de qualquer prejuízo ao exercício da ampla defesa. As vantagens da realização de atos processuais na esfera administrativa pelo sistema de teleconferência são inúmeras, sendo dever da Administração Pública a busca constante pelo aprimoramento dos serviços prestados à sociedade, com o aumento da produtividade e da eficiência, garantindo uma prestação administrativa justa, célere, efetiva e com o menor dispêndio possível, sem prejuízo da qualidade, em atenção aos princípios da economicidade e do interesse público. Assim, quando de outro modo não se puder alcançar a adequada produção da prova, a comissão poderá realizar o interrogatório à distância, sempre observando os direitos do acusado. Neste sentido, é válido fazer alusão ao Enunciado nº 7 da CGU, publicado em 13/12/13 com o seguinte teor:

No âmbito do Processo Administrativo Disciplinar e da Sindicância é possível a utilização de videoconferência para fins de interrogatório do acusado.

Considerando todo o exposto, vale ressaltar que, além da oitiva de testemunha e do

interrogatório, todos os demais atos probatórios, a exemplo de acareações, investigações e

163 CPP. Art. 564 - A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: (...) IV - por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato; CPP. Art. 572 - As nulidades previstas no art. 564, III, d e e, segunda parte, g e h, e IV, considerar-se-ão sanadas: I - se não forem argüidas, em tempo oportuno, de acordo com o disposto no artigo anterior; II - se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim; III - se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos. 164 STF. Súmula nº 523. No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

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diligências165, podem ser realizados por meio da videoconferência, desde que se mostre necessário e com as devidas adaptações, observados os direitos e garantias do acusado.

10.3.17. CARTA PRECATÓRIA Diante da impossibilidade de deslocamento da comissão ou do depoente, por

analogia ao disposto art. 222 do CPP, a comissão poderá solicitar a designação, pela autoridade competente local, de outra comissão ou servidor publico para realizar a oitiva, por meio da carta precatória específica para este fim.

Vale, contudo, atentar para os ensinamentos de José Armando da Costa, o qual

recomenda:

(...) que as comissões não abusem do recurso à carta precatória, já que é discutível a validade plena dos atos processuais realizados fora do processo e por uma só pessoa. Processualmente, há muita diferença entre os atos de um colegiado e os que são realizados por uma só autoridade. Os primeiros são, obviamente, dotados de maior credibilidade jurídico-processual 166.

A realização da oitiva por meio de carta precatória deverá ser deliberada em ata,

devendo a comissão definir o que desejará indagar ao depoente, formulando as perguntas. Após, o colegiado deverá notificar o acusado da realização da oitiva por carta precatória, bem como do teor das perguntas, para que o acusado possa, caso entenda necessário, acrescentar outros questionamentos. Os quesitos complementares devem ser apresentados em 05 dias corridos, em observância aos artigos 24 e 41 da Lei 9.784/99167. Aqui se aplica novamente, a possibilidade da CPAD indeferir as perguntas julgadas impertinentes, a teor do art. 156, §1°, da Lei n° 8.112/90.

A comissão remeterá as perguntas por carta precatória à autoridade do local da

realização do ato, solicitando a designação de servidor ou comissão para a coleta da oitiva. O depoente deverá ser intimado da realização do ato, especificando-se dia, hora e local.

Ao acusado e ao seu procurador será assegurada a prerrogativa de, caso prefiram,

custear o próprio deslocamento, fazendo-se comparecer pessoalmente no local do depoimento. O servidor/comissão designada deverá fazer as perguntas oralmente e reduzir a

termo as respostas, devendo se limitar ao rol de perguntas previamente elaboradas pela comissão, não lhe sendo permitido elaborar novas perguntas. Após a realização da oitiva, o termo, devidamente assinado pelos presentes ao ato, é enviado à comissão para acostamento nos autos.

165Lei nº 8.112/90, Art.155 - Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos. 166 COSTA, 2011, p.242. 167 Lei nº 9.784/99 - Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior; Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização. Parágrafo único: O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação.

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10.3.17.1. INTERROGATÓRIO POR CARTA PRECATÓRIA Relembrando os termos do art. 173, I, da Lei nº 8.112/90, são asseguradas diárias e passagens ao servidor convocado para prestar depoimento fora da sede de sua repartição, na condição de testemunha, denunciado ou indiciado. Por vezes, o acusado pode ser ex-servidor (seja aposentado, exonerado ou demitido) que responde por ato cometido à época do exercício do cargo. A Lei nº 8.112/90, neste caso, não lhe assegurará diárias e passagens, caso precise se deslocar até a sede da comissão para realização de atos. Nessa hipótese, recusando-se o acusado em arcar com as despesas do seu comparecimento à sede da comissão, verifica-se a possibilidade de a Administração arcar com as diárias e passagens dos membros da comissão para a realização do ato no local em que o acusado estiver. Havendo inviabilidade orçamentária, o acusado ex-servidor, tal como o particular testemunha, poderá ser ouvido como colaborador eventual, com base no art. 4º, da Lei nº 8.162/91 168 e no Decreto nº 5.992/2006169. Contudo, se essa também não se mostrar uma opção viável, a comissão poderá interrogá-lo por teleconferência ou por carta precatória. A comissão, ante a impossibilidade de realização do ato por outra forma, decidirá em ata pelo interrogatório por carta precatória e definirá as perguntas que deverão ser realizadas. A relação das perguntas será remetida à autoridade deprecada do local onde o acusado se encontrar. Nesses casos, é recomendável que a autoridade deprecada seja o chefe da unidade local. A autoridade deprecada designará servidor ou comissão para proceder ao interrogatório, que se limitará à leitura das perguntas e ao registro das respostas em termo que posteriormente será remetido à comissão deprecante, devidamente assinado pelos presentes ao ato. O servidor/comissão designado não poderá acrescer novas perguntas ao rol elaborado pela comissão deprecante. Note-se que a intimação do acusado para comparecer ao interrogatório determinará data, hora e local de realização do ato e observará o prazo de três dias úteis do art. 41, da Lei nº 9.784/99.

10.3.18. RESTRIÇÕES À PRODUÇÃO DE PROVAS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLI-NAR 10.3.18.1. PROVAS ILÍCITAS

168 Lei nº 8.162/01, Art. 4º - Correrão à conta das dotações orçamentárias próprias dos órgãos interessados, consoante se dispuser em regulamento, as despesas de deslocamento, de alimentação e de pousada dos colaboradores eventuais, inclusive membros de colegiados integrantes de estrutura regimental de Ministério e das Secretarias da Presidência da República, quando em viagem de serviço. (Redação dada pela Lei nº 8.216, de 13/08/91) 169 Decreto n° 5.992/06, Art. 10 - As despesas de alimentação e pousada de colaboradores eventuais, previstas no art. 4 da Lei nº 8.162, de 8 de janeiro de 1991, serão indenizadas mediante a concessão de diárias correndo à conta do órgão interessado, imputando-se a despesa à dotação consignada sob a classificação de serviços. § 1º - O dirigente do órgão concedente da diária estabelecerá o nível de equivalência da atividade a ser cumprida pelo colaborador eventual com a tabela de diárias.

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10.3.18.1.1. PERTINÊNCIA DA PROVA REQUERIDA O ordenamento jurídico abarca, mediante observância aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal, a confecção de todos os meios de provas lícitos, bem como os moralmente legítimos, em prol dos interesses a serem defendidos, garantindo, assim, a efetiva participação das partes no processo. Nesse contexto, o Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil disciplinam, a partir da garantia constitucional do art. 5º, LV, CF, a instrução probatória, seguidos pela legislação específica, como é o caso da Lei nº 8.112/90, que, subsidiariamente, estabelece em seu art. 155, de forma exemplificativa, os meios de provas para o processo administrativo disciplinar. Assim, na apuração das transgressões disciplinares, utiliza-se o acervo dos meios probatórios admitidos em direito, como comprovado a seguir:

Essa abertura a todos os meios comprobatórios é uma consequência natural e lógica do princípio processual disciplinar que sacramenta o predomínio da verdade substancial sobre a formal. Se o inarredável compromisso da proces-sualística disciplinar é com a veracidade das ocorrências funcionais, não pode-rá o Direito Processual Disciplinar, de modo apriorístico, rechaçar esse ou aquele meio de comprovação dos fatos. 170

10.3.18.1.2. DA IDONEIDADE PROBATÓRIA QUESTIONADA A prova tem um objetivo claramente definido no processo: a reconstituição dos fatos investigados. No entanto, a veracidade da pretensão, com a busca da construção da verdade, não contempla a introdução de provas cujos meios de produção não atentem ao limite imposto pela Constituição Federal - os direitos e as garantias fundamentais. Assim preconiza o art. 5º, LVI, CF, “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Tal regra se aplica a todos os procedimentos judiciais e administrativos. O mesmo tema está disposto no art. 157171, Código de Processo Penal, bem como no art. 30172, Lei nº 9.784/99 - que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. A título de exemplo, são provas ilícitas as obtidas por violação de domicílio ou de correspondências, confissões alcançadas com a utilização de torturas e interceptações telefônicas sem observância ao procedimento legal específico. Em decorrência, a vedação a tais provas pela Carta Magna tutela não só a qualidade do material probatório a ser valorado nos autos, mas também direitos e garantias individuais, sobretudo o direito à intimidade, à privacidade, à imagem, previstos no art. 5º, X, bem como direito à inviolabilidade do domicílio, art. 5º, XI, e sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas, art. 5º, XII.

170 COSTA, 2011, p. 96. 171 Código de Processo Penal, Art.157 - São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. 172 Lei nº 9.784/99, Art. 30 - São inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por meios ilícitos.

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Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ga-rantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili-dade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pesso-as, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judi-cial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Além disso, há normas de direito material ou substancial e de direito processual ou

adjetivo. As primeiras estabelecem direitos, obrigações e responsabilidades, a exemplo da CF, Código Civil, Código Penal, dentre outras. As segundas referem-se ao direito processual, que preconiza o rito, o procedimento persecutório no processo, como o Código de Processo Penal, o Código de Processo Civil e outros.

Dentro do ordenamento jurídico, as provas que, em princípio, são concebidas apenas

com afronta a algum preceito estabelecido por uma norma de direito processual, são denominadas como ilegítimas. Sobre elas, obtidas com inobservância ao procedimento estabelecido pelo rito adequado, recairá uma sanção processual que poderá repercutir na declaração de nulidade absoluta e insanável ou na nulidade relativa e sanável. A valoração dessas provas no processo, mesmo com prejuízo decorrente da falta da formalidade estabelecida para o feito, não acarretará a exclusão destas do processo.

Já as provas produzidas com afronta a alguma norma de direito material terão o

ingresso no processo comprometido desde o momento de sua admissão, uma vez que serão ilícitas. O art. 5º, LVI, CF, refere-se a essas provas específicas, produzidas sem observância aos critérios definidores de direitos, obrigações e responsabilidades, como inadmissíveis no processo.

Para esclarecer como ocorre o procedimento de construção da prova, pode-se

descrever as seguintes etapas do percurso de produção da prova:

a) requerimento: ocorre com a indicação (ou proposta) da necessidade de produção daquela prova específica; b) admissão: juízo prévio de mera admissibilidade de produção da prova pela autoridade (judicial ou administrativa); c) produção: introdução da prova no processo. Ex.: oitiva de testemunha, perícia, dentre outras; d) valoração: avaliação do conteúdo da prova, juízo de mérito pela autoridade responsável.

Nesse contexto, quando o art. 5º, LVI, CF, estabelece que são inadmissíveis no

processo as provas obtidas por meios ilícitos, está inviabilizando a prova no segundo momento de sua produção, uma vez que veda a prova ilícita no momento do juízo de sua admissibilidade pela autoridade administrativa ou judicial.

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10.3.18.1.3. “TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA”. A “Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada”, cuja origem se atribui à jurisprudência

norte-americana173, vem como reforço ao princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas. Por essa Teoria, entende-se que a prova derivada exclusivamente de prova ilícita também estaria contaminada pela ilicitude, mesmo que o processo de construção da nova prova fosse isento de qualquer mácula - sem afronta às garantias constitucionais. Ocorre aqui a comunicabilidade das provas ilícitas com todas aquelas que dela derivarem, consoante prega o Código de Processo Penal:

Art. 157. § 1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as deri-vadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. § 2º. Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmi-tes típicos e de praxe, próprios da investigação e da instrução criminal, seria capaz e conduzir ao fato.

A contaminação da prova derivada depende, sobretudo, da obtenção da prova a cuja

existência somente se teria chegado a partir da prova ilícita, uma vez que, podendo haver outros meios de se chegar a essa prova secundária (provas lícitas), razão não há para aquela ser tida como prova ilícita por derivação.

O entendimento preponderante na doutrina e na jurisprudência pátria é o de que as

provas ilícitas e as suas derivadas, não obstante sua inadmissibilidade no processo, não têm o poder de anulá-lo; devem, pois, ser desentranhadas dos autos, permanecendo válidos atos e provas já produzidos sem a mácula da contaminação. No julgamento abaixo, o STF afastou a nulidade processual, apesar de a prova ilícita ter facilitado as investigações, sem ser, contudo, indispensável ao contexto probatório:

Escuta Telefônica. Indeferido habeas corpus impetrado sob alegação de haver sido o paciente condenado com base em provas ilícitas (informações provenientes de escuta telefônica autorizada por juiz, antes da Lei nº 9296/96). A Turma entendeu que essas informações, embora houvessem facilitado a investigação - iniciada, segundo a polícia, a partir de denúncia anônima - não foram indispensáveis quer para o flagrante, quer para a condenação. (STF -HC nº 74.152-SP, Relator Ministro Sydney Sanches, de 20/08/96.)

Ainda nesse sentido, o mesmo Tribunal decidiu que:

(...) descabe concluir pela nulidade do processo quando o decreto condenatório repousa em outras provas que exsurgem independentes, ou seja, não vinculadas à que se aponta como ilícita. (STF 2ª T. HC nº 75.892/RJ, Relator Ministro Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 17 de abril de1998).

173 STF- 2ª T. HC nº. 74.116/SP, DJU de 14.3.1997, e HC nº. 76.641/SP DJU de 5.2.1999

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Considera-se que, na prática, a depender do caso concreto, pode haver dificuldades em identificar a derivação de uma prova de outra tida como ilícita. Dessa forma, recomenda-se cautela na análise dessa derivação. Nesses termos, verifica-se a construção doutrinária abaixo:

Com efeito, interpretada em termos absolutos, alguns delitos jamais poderiam ser apurados, se a informação inicial de sua existência resultasse de uma prova obtida ilicitamente (por exemplo, escuta telefônica). Pode-se objetar: esse é um problema do Estado, que foi o responsável pela violação de direitos na busca de provas. Ocorre, todavia, que, prevalecendo esse entendimento, ou seja, no sentido de que todas as provas que forem obtidas a partir da notícia (derivada de prova ilícita) da existência de um crime são também ilícitas, será muito mais fácil ao agente do crime furtar-se à persecução penal. Bastará ele mesmo produzir uma situação de ilicitude na obtenção da prova de seu crime, com violação a seu domicílio, por exemplo, para trancar todas e quaisquer iniciativas que te-nham por objeto a apuração daquele delito então noticiado. Impõe-se, portanto, para uma adequada tutela também dos direitos individu-ais que são atingidos pelas ações criminosas, a adoção de critérios orientados por uma ponderação de cada interesse envolvido no caso concreto, para se sa-ber se toda a atuação estatal investigatória estaria contaminada, sempre, por determinada prova ilícita. Pode-se e deve-se recorrer, ainda mais uma vez, ao critério da razoabilidade (ou proporcionalidade, que, ao fim e ao cabo, tem o mesmo destino: a ponderação de bens e/ou o juízo de adequabilidade da nor-ma de direito ao caso concreto).174

10.3.18.1.3. EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA PROVA

O ordenamento jurídico forma um sistema intercomunicante, nele convivendo valores dispostos em sentidos distintos de modo que, em alguns casos, um princípio se sobrepõe a outro mais relevante para o caso concreto.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, à medida que declara os direitos e estabelece

as garantias, consagra bens primorosos na esfera do indivíduo e da coletividade; essas garantias não podem, no entanto, ser utilizadas como pressuposto para a prática de atividades ilícitas, nem para afastar ou diminuir a responsabilidade civil ou penal por atos criminosos.

Dessa forma, a doutrina penalista dispõe acerca do aproveitamento de prova cuja

ilicitude foi excluída, em razão de causas de justificação175. Se ocorrer, no caso concreto, situações que justifiquem o afastamento da ilicitude da prova, como a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito176, razão não há para que a produção daquela prova infringisse normas do direito material. Nesse sentido, o STF decidiu que:

[...] é lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do di-

174 OLIVEIRA, 2007, p. 316.

175 Idem, p. 321. 176 Código Penal, Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I- em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III- em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

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reito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com sequestradores, es-telionatários ou qualquer tipo de chantagista. (1ª T. HC nº 75.3388/RJ, Relator Ministro Nelson Jobim, Decisão de 11 de março de 1998.)

10.3.18.1.4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E PROVAS ILÍCITAS À Administração Pública atribui-se a observância aos princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, consagrados no art. 37 da CF, cabendo ao agente público atuar em conformidade com eles. Daí se conclui que, em face da diferença de valores a ser analisada no caso concreto, ponderando-se os princípios constitucionais, o interesse público sobressairá ao privado; não pode, então, o agente público, no exercício de sua função, alegar inviolabilidade da vida pessoal em detrimento da coisa pública.

Dessa forma, fala-se em relativização dos direitos e das garantias individuais e coletivas diante da probidade administrativa. Vejamos o comentário de Alexandre de Moraes, sobre um voto do Ministro Sepúlveda Pertence:

Como ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, analisando hipótese de gravação clandestina de conversa de servidor público com particular, “ não é o simples fato de a conversa se passar entre duas pessoas que dá, ao diálogo, a nota de intimidade, a confiabilidade na discrição do interlocutor, a favor da qual, aí sim, caberia invocar o princípio constitucional da inviolabilidade do círculo de intimidade, assim como da vida privada”. Portanto, as condutas dos agentes públicos devem pautar-se pela transparên-cia e publicidade, não podendo a invocação de inviolabilidades constitucionais constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas, que permitam a uti-lização de seus cargos, funções e empregos públicos como verdadeira cláusula de irresponsabilidade por seus atos ilícitos, pois, conclui o Ministro Sepúlveda Pertence, inexiste proteção à intimidade na hipótese de “uma corrupção passi-va praticada em Administração Pública.

10.3.18.2. PROVAS REQUERIDAS COM O AFASTAMENTO DAS CLÁUSULAS DA RESERVA DE SIGILO A CF discrimina a proteção às liberdades públicas, como o direito à vida, à intimidade, à privacidade, à honra, à imagem (inciso X, art. 5º), bem como ao sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados (primeira parte do inciso XII, art.5º). Entretanto, essas garantias não são absolutas, a exemplo das exceções contidas no próprio texto constitucional, como é o caso do sigilo das comunicações telefônicas (parte final do inciso XII, art. 5º), e da inviolabilidade de domicílio (inciso XI, art. 5º), dentre outras.

Pode-se dizer, com isso, que no sistema constitucional brasileiro não existem direitos absolutos e em situações fáticas poderá haver o confronto entre dois ou mais valores protegidos pela Constituição, cabendo um juízo de proporcionalidade para a solução desse conflito. Como anota o STF no MS nº 23.452:

STF, Mandado de Segurança nº 23.452, Voto: “Não há, no sistema constitucio-nal brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mes-mo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do

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princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmen-te, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerro-gativas, individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição”.

Nesse contexto, a legislação pertinente possibilita o afastamento das cláusulas de reserva de sigilo das comunicações telefônicas (art. 5, XII, CF e Lei nº 9.296/06), do sigilo fiscal (art. 198 do CTN, modificado pela Lei Complementar nº 104/2001) do sigilo bancário (Lei Complementar nº 105/2001), tendo em vista a necessidade de aparelhar o Estado com informações que auxiliem no combate a ilícitos administrativos e penais, em que deve prevalecer o interesse público. Em razão de se tratar de garantias constitucionais, o afastamento do sigilo só ocorrerá em situações excepcionais, diante da existência de fundados indícios de grave irregularidade, devendo os dados solicitados serem utilizados de forma restrita, de acordo com a finalidade que justificou o afastamento do sigilo. Dessa maneira, cabe aos agentes públicos a preservação do sigilo em relação às pessoas estranhas ao processo. 10.3.19.3. BUSCA E APREENSÃO O inciso XI do art. 5º da CF diz que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro ou durante o dia, por determinação judicial. Logo, se no curso da apuração houver necessidade de ser colhida prova com diligências à casa do servidor, a busca desse material depende de sua autorização. Caso esta não ocorra, ou quando a requisição dessa autorização possa frustrar a coleta da prova (como a destruição da mesma, por exemplo), é necessário obter autorização judicial. Para isso, a comissão poderá solicitar à Advocacia-Geral da União ou à procuradoria do órgão ou entidade que requeira a busca e apreensão junto ao juízo competente.. Observa-se que a busca e apreensão é restrita às provas que instruam o processo em curso, não incluindo aqui as que extrapolam esse objeto e que invadam a intimidade ou vida privada do servidor, em afronta ao inciso IX do art. 5º da CF.

E se (...) houver a notícia de que a coisa buscada se encontra na residência ou domicílio de servidor ou de terceiro, pode a Comissão promover sua busca e apreensão? A resposta é, em princípio, pela negativa. Poderá haver o pedido e se houver o consentimento do morador e a entrega pacífica da coisa, a questão está resol-vida. No entanto, em havendo recusa, não tem a Comissão competência para promover esta diligência. Somente a autoridade judiciária é que poderá de-terminar esta providência. Mas, dependendo da relevância, pode a autoridade administrativa instauradora pedir esta providência ao Juiz competente.177

Vale lembrar que, existindo essa prova em outro processo (administrativo ou judicial) a comissão poderá solicitar o compartilhamento dessa prova, a qual será considerada como prova emprestada.

177 REIS, 1999, p.136

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10.3.18.4. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA O inciso XII do art. 5º da CF estabelece a vedação à interceptação de atos de correspondência ou de comunicação telegráfica ou de dados e das comunicações telefônicas, ressalvado para estas últimas a permissão de afastamento do sigilo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Considerou o legislador constitucional a necessidade de, no caso das comunicações telefônicas, a prova ser colhida no momento da conversa entre os dois interlocutores, em prol de interesses mais relevantes do que o próprio direito à intimidade e à privacidade. Assim, previu a prova obtida mediante a interceptação telefônica, na forma e para os fins determinados na lei. Nesse sentido, a Corte Suprema manifestou-se no Recurso Extraordinário nº 219.780:

(...) o inciso XII não está tornando inviolável o dado da correspondência, da comunicação, do telegrama. Ele está proibindo a interceptação da comunica-ção dos dados, não dos resultados. Essa é a razão pela qual a única intercepta-ção que se permite é a telefônica, pois é a única a não deixar vestígios, ao passo que nas comunicações por correspondência telegráfica e de dados é proibida a interceptação porque os dados remanescem; eles não são rigorosamente sigilo-sos, dependem da interpretação infraconstitucional para poderem ser abertos. O que é vedado de forma absoluta é a interceptação da comunicação da cor-respondência, do telegrama. Por que a Constituição permitiu a interceptação da comunicação telefônica? Para manter os dados, já que é a única em que, es-gotando-se a comunicação, desaparecem os dados. Nas demais, não se permite porque os dados remanescem, ficam no computador, nas correspondências, etc.

A regulamentação da parte final do inciso XII, art. 5º, CF, veio com a edição da Lei nº 9.296/96, que tornou válida a interceptação telefônica para fins de instrução exclusivamente em sede penal, podendo ser determinada de ofício pelo juiz ou requerida por autoridade policial ou pelo Ministério Público Federal e autorizada por ordem judicial (art. 3º), seguido os trâmites estabelecidos naquele diploma legal regulamentador. Ainda nos termos dos arts. 1º e 2º da Lei nº 9.296/96, a prova válida se refere à gravação de conversa telefônica (o ato em que duas pessoas conversam ao telefone) feita por terceiro, sem conhecimento dos dois interlocutores, sob segredo de justiça, com indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal punida com pena de reclusão. Ademais, registre-se que se deve demonstrar a impossibilidade de provar o delito por outros meios legalmente permitidos. Em razão de a decretação de quebra do sigilo telefônico requerer a existência de investigação criminal ou instrução penal em curso, não há que se falar na autorização da violação da garantia à intimidade da comunicação telefônica no processo administrativo disciplinar. Diante de tal situação, havendo investigação criminal ou instrução penal com o compartilhamento do teor de conversa telefônica, a sede disciplinar, ao considerar a real necessidade de utilização dessa prova (não existindo outros meios de prova que a substitua), poderá se utilizar desse meio probatório como prova emprestada. Assim salientou o Ministro Cezar Peluso, no MS nº 26.249/DF:

(...) não é disparatado sustentar-se que nada impedia nem impede, noutro procedimento de interesse substancial do mesmo Estado, agora na vertente da administração pública, o uso da prova assim produzida em processo criminal. (STF -MS nº 26.249/DF -medida cautelar – Rel. Min. Cezar Peluso, Diário da Justiça,Seção I, 14 de mar.2007, p. 32.)

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Conforme decisão do STJ no Mandado de Segurança nº 17.732, a disponibilização do registro histórico das ligações (originadas ou recebidas) de uma linha telefônica, bem como o registro de dados, de horários e de duração das chamadas, fornecidas pelas operadoras de telefonia, não estão incluídas nos permissivos do inciso XII do art. 5º da CF e na Lei nº 9.296/96. No entanto, esses dados também estão protegidas por sigilo, e a sua disponibilização depende de autorização judicial: (…) a quebra do sigilo dos dados telefônicos contendo os dias, os horários, a duração e os números das linhas chamadas e recebidas não se submete à disciplina das interceptações telefônicas regidas pela Lei nº 9.296/96 (…) (STJ – Mandado de Segurança nº 17.732.)

A interceptação telefônica que não atenda aos requisitos legais da Lei nº 9.296/96 será crime, mediante previsão de seu art. 10: “constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.” Necessário ressalvar que, no caso de telefone de propriedade da Administração, não há que se falar em sigilo dos dados telefônicos, uma vez que se trata de instrumento de trabalho. Insta destacar, contudo, que nesses casos não serão obtidos o conteúdo dos diálogos, mas tão somente os registros das ligações realizadas. Desse modo, tratando-se de telefone funcional, cedido ao servidor, a comissão poderá solicitar ao setor responsável os extratos das contas telefônicas, independente de autorização judicial. 10.3.18.5. O CORREIO ELETRÔNICO OU E-MAIL INSTITUCIONAL E E-MAIL PARTICULAR PRIVADO - CRITÉRIOS DE UTILIZAÇÃO COMO PROVA

O correio eletrônico ou e-mail institucional utilizado pelos servidores é uma ferramenta de trabalho disponibilizada pela Administração Publica que poderá, ou não, ter seu uso discriminado em normas internas do órgão.

Assim, não constitui afronta à primeira parte do art. 5º, XII, CF o uso das informações contidas no e-mail institucional do servidor, não se justificando a alegação de preservação de intimidade. Isso se justifica em razão de o e-mail corporativo ter seu uso restrito a fins do trabalho, o que confere à Administração o acesso a ele ou o seu monitoramento, sem que seja necessária autorização judicial.

(...) entende-se que se o correio eletrônico de onde se retirou a prova é institu-cional, por ser ele do serviço público e não privativo do servidor, a prova pode-rá ser utilizada. 178

Nesta direção, é válida a citação das duas decisões abaixo, as quais, apesar de tratarem de casos envolvendo a esfera privada, apresentam relevantes fundamentos acerca do tema:

DANO MORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ACESSO DO EMPREGADOR A CORREIO ELETRÔNICO CORPORATIVO. LIMITE DA GARANTIA DO ART. 5º, XII DA CF. 1. O art. 5º, XII, da CF garante, entre outras, a inviolabilidade do sigilo da cor-respondência e da comunicação de dados. 2. A natureza da correspondência e da comunicação de dados é elemento que matiza e limita a garantia constitu-cional, em face da finalidade da norma: preservar o sigilo da correspondência - manuscrita, impressa ou eletrônica - da pessoa - física ou jurídica - diante de terceiros. 3. Ora, se o meio de comunicação é o institucional - da pessoa jurídi-ca -, não há de se falar em violação do sigilo de correspondência, seja impressa

178 MADEIRA, 2008, p. 114 e 115.

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ou eletrônica, pela própria empresa, uma vez que, em princípio, o conteúdo de-ve ou pode ser conhecido por ela. 4. Assim, se o "e-mail" é fornecido pela em-presa, como instrumento de trabalho, não há impedimento a que a empresa a ele tenha acesso, para verificar se está sendo utilizado adequadamente. Em ge-ral, se o uso, ainda que para fins particulares, não extrapola os limites da mo-ral e da razoabilidade, o normal será que não haja investigação sobre o conte-údo de correspondência particular em "e-mail" corporativo. Se o trabalhador quiser sigilo garantido, nada mais fácil do que criar seu endereço eletrônico pessoal, de forma gratuita, como se dá com o sistema "gmail" do Google, de acesso universal. (TST, Recurso de Revista nº 9.961/2004-015-09-00.1) Empresa pode verificar e-mail corporativo de funcionário. O acesso da empre-sa ao correio eletrônico institucional do empregado não caracteriza violação de privacidade. Se o trabalhador quiser sigilo garantido, deve criar o próprio e-mail. O entendimento foi adotado pela Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que negou o pedido de indenização por dano moral feito por ex-empregado da Esso Brasileira de Petróleo Ltda. que teve o e-mail investigado pela chefia. O ex-analista de suporte ao cliente prestara serviços por quase 16 anos à Esso quando foi demitido, em março de 2002. Ele alegou, na Justiça Trabalhista, que a empresa só poderia verificar o conteúdo dos seus e-mails se tivesse uma autorização judicial. Por outro lado, a Esso afirmou que inves-tigou o e-mail porque suspeitava que o empregado enviava mensagens por-nográficas e de piadas – o que não era compatível com o uso do correio ele-trônico fornecido como instrumento de trabalho. (RR 9961/2004-015-09-00.1, Fonte: TRT da 2ª Região – Boletim INFORMA-TIVO Nº 3-B/2009 - 06/03/2009 a 12/03/2009 – Decisão proferida pelo TST em 11/03/2009)

Diferentemente do que foi exposto em linhas anteriores, no caso do e-mail de uso particular do servidor, fornecido por provedor comercial de acesso à internet, a intimidade de suas informações está assegurada constitucionalmente, sendo seus dados invioláveis pela Administração.

Ocorre que, havendo necessidade de utilização de informações provenientes do e-mail privado do servidor, para fins apuratórios, a disponibilização desses dados depende da autorização judicial, conforme previsão da Lei nº 9.296/96, que, no parágrafo único do art. 1º, estende o compartilhamento do sigilo à interceptação do fluxo das comunicações em sistemas de informática (a exemplo do e-mail pessoal) e telemática (como modem e fac-símile). Daí ser aceito o mesmo procedimento discriminado para as comunicações telefônicas para o compartilhamento do sigilo desses fluxos de dados. 10.3.18.6. GRAVAÇÕES CLANDESTINAS (TELEFÔNICA E AMBIENTAL) As gravações clandestinas feitas por telefone ou as gravações ambientais, realizadas por um dos interlocutores ou com o consentimento de um deles, sem que haja conhecimento dos demais, não serão consideradas ilícitas se houver justa causa para sua divulgação. Ou seja, sua utilização deverá ser como meio de prova em defesa de direito ou interesse próprio ou de terceiro (nunca para acusação).

O STF reconheceu a repercussão geral dessa matéria e admite as gravações telefônicas clandestinas em hipóteses excepcionais, assim como as gravações entre presentes (ambientais). Tal entendimento restou consubstanciado nos seguintes julgados:

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CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. (...) (Supremo Tribunal Federal - AI 503617 AgR / PR - Relator: Min. Carlos Velloso - Julgamento: 01/02/2005) Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. Precedentes do Supremo Tribunal Federal HC 74.678, DJ de 15-8- 97 e HC 75.261, Sessão de 24-6-97, ambos da Primeira Turma. (RE 212081 / RO - Relator: Min. OCTAVIO GALLOTTI - Julgamento: 05/12/1997) Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o art. 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade. O interesse público deve prevalecer sobre a manutenção do sigilo da conversação telefônica envolvendo prática delitiva. (...) A Carta Magna não criou sigilo para beneficiar e privilegiar infratores e perturbadores da ordem na esfera dos direitos individuais e comuns. (...) (STF, Habeas Corpus n° 74.678)

10.3.18.7. AFASTAMENTO DO SIGILO FISCAL – ART. 198, CTN E LEI COMPLEMENTAR Nº 104/2001 Regra geral, é dever do agente do Fisco manter o sigilo dos dados de natureza fiscal a que tenha acesso em razão de seu ofício. A inobservância desse regra pode gerar a incidência no descumprimento do dever funcional do art. 116, VIII, Lei nº 8.112/90, bem como resultar em penalidade mais grave, conforme previsão do art.132, IX, Lei nº 8.112/90, sem prejuízo das sanções de natureza penal. No entanto, o art. 198 do Código Tributário Nacional, alterado pela Lei Complementar nº 104/2001, discrimina, em seu art. 1º, exceções a essa regra:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulga-ção, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. § 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: I - requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; II - solicitações de autoridade administrativa no interesse da administração pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo admi-

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nistrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração adminis-trativa. § 2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da administração públi-ca, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega se-rá feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. § 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a: I - representações fiscais para fins penais; II - inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; III - parcelamento ou moratória. (Redação dada pela Lei Complementar nº 104, de 10/01/01)

A princípio, o § 1º excetua a troca de informações entre os Fiscos dos diversos entes da Federação, com base no art. 199 do CTN. No inciso I do §1º do art. 198, tem-se a exceção para o fornecimento de informações protegidas pelo sigilo fiscal no caso de requisição de autoridade judicial, restrito ao interesse da Justiça, ou seja, para auxiliar na apuração de ilícitos de natureza tributária, civil, penal, dentre outras.

Já no inciso II do §1º do art. 198 do CTN, há um permissivo legal para o fornecimento de dados sigilosos, pelo agente do Fisco, para autoridades administrativas externas ao âmbito da Secretaria Federal da Receita do Brasil. No entanto, o atendimento a esta solicitação depende da observância aos requisitos elencados no mesmo dispositivo.

O primeiro requisito se refere à necessidade da solicitação dos dados sigilosos ser feita por autoridade administrativa. Essa autoridade pode ser do Poder Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, da Administração Direta ou da Indireta, no exercício de sua função administrativa. A responsabilidade pela investigação instaurada é a ela atribuída, direta ou indiretamente, passando a ser responsável também pela preservação do sigilo dos dados fornecidos, com base no art. 198, §2º, CTN.

A título de exemplo, no âmbito da CGU, a Ordem de Serviço nº 20, de 26 de agosto de 2010 alterou o parágrafo único do art. 6º da Ordem de Serviço nº 265, de 08 de dezembro de 2006, que disciplina os procedimentos de investigação patrimonial preliminar e sindicância patrimonial. Com isso, a competência para solicitação de dados fiscais à Secretaria da Receita Federal do Brasil e demais órgãos da Administração Tributária, que era do Secretário-Executivo do órgão, ficou a cargo do Corregedor-Geral da Corregedoria-Geral da União:

O SECRETÁRIO-EXECUTIVO da Controladoria-Geral da União - CGU, no exercí-cio das atribuições instituídas no art. 24 do Anexo ao Decreto nº 5.683, de 24 de janeiro de 2006, e considerando o que dispõe a Ordem de Serviço nº 265, de 8 de dezembro de 2006, que disciplina os procedimentos de investigação pa-trimonial preliminar e sindicância patrimonial RESOLVE: Art. 1º Alterar o parágrafo único do art. 6º da Ordem de Serviço nº 265, de 8 de dezembro de 2006, que passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 6º (...) Parágrafo Único. As solicitações de envio de informações fiscais direcionadas à Secretaria da Receita Federal do Brasil e demais órgãos de Administração Tri-butária serão expedidas pelo Corregedor-Geral da Corregedoria-Geral da Uni-ão, mediante comunicação ao Sr. Subsecretário de Fiscalização daquele Órgão.

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O segundo requisito disposto no inciso II do §1º do art. 198 do CTN é o interesse da Administração Pública que deve justificar a solicitação dos dados fiscais protegidos. Verifica-se que a apuração de ilícitos disciplinares diz respeito à probidade administrativa, ao interesse público e da coletividade, o que atende a essa condição legal. Assim se manifestou a Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional, como órgão consultivo do Ministério da Fazenda, a que se vincula a Secretaria da Receita Federal do Brasil:

Parecer-PGFN/CDI nº 1.433/2006: 33. (...) não há dúvidas que os interesses envolvidos na apuração de ilícitos co-metidos por agentes públicos dizem respeito a toda uma coletividade, devendo ser prestadas as informações porventura requeridas pelo órgão processante, mesmo sendo elas protegidas por sigilo fiscal, já que o interesse particular do investigado deve sempre ceder diante da necessidade de apuração da verdade, isto é, diante de um interesse público maior.

É necessária, ademais, a comprovação de instauração de regular processo administrativo para apurar ilícito disciplinar no órgão solicitante. Aqui o significado de processo administrativo é em sentido amplo, e pode ser o processo administrativo disciplinar stricto sensu e a sindicância punitiva (art. 143 da Lei nº 8.112/90); assim como a sindicância investigativa prevista na Portaria-CGU nº 335/2006, art. 4º, inciso II, e a sindicância patrimonial, prevista em seu art. 16. No art. 18 da Portaria-CGU nº 335/2006 encontra-se disposição acerca da solicitação de afastamento de sigilos no curso da apuração patrimonial:

Art. 16. A sindicância patrimonial constitui procedimento investigativo, de ca-ráter sigiloso e não-punitivo, destinado a apurar indícios de enriquecimento ilícito por parte de agente público federal, a partir da verificação de incompa-tibilidade patrimonial com seus recursos e disponibilidades, e será iniciada mediante determinação do Ministro de Estado do Controle e da Transparência, do Secretário-Executivo da Controladoria-Geral da União, do Corregedor-Geral ou dos Corregedores-Gerais Adjuntos; Art. 18. Para a instrução do procedimento, a comissão efetuará as diligências necessárias à elucidação do fato, ouvirá sindicado e as eventuais testemunhas, carreará para os autos a prova documental existente e solicitará, se necessário, o afastamento de sigilos e a realização de perícias. § 1° As consultas, requisições de informações e documentos necessários à ins-trução da sindicância, quando dirigidas à Secretaria da Receita Federal do Mi-nistério da Fazenda, deverão ser feitas por intermédio dos Corregedores-Gerais Adjuntos, observado o dever da comissão de, após a transferência, assegurar a preservação do sigilo fiscal.

Quanto ao sujeito passivo, cujos dados fiscais estão sendo solicitados, se trata do servidor público submetido à investigação. Assim, a solicitação dessas informações deve se restringir à pessoa investigada no processo do órgão, o que não inclui terceira pessoa. Com o escopo de justificar o afastamento do sigilo, os dados fiscais devem ser essenciais para a apuração, devendo guardar direta relação com o servidor investigado e com o fato objeto da apuração. Caso seja necessário o afastamento desse sigilo, no curso do processo administrativo, é recomendável que a comissão solicite esses dados ao Fisco por intermédio de autoridade destinada para o feito dentro do órgão (como é o caso do Corregedor-Geral da União na CGU), ou, inexistindo no órgão a delimitação dessa competência, que seja encaminhada por intermédio da autoridade instauradora do processo.

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Importa ressaltar que se, no curso do procedimento administrativo, a comissão verificar a necessidade de obtenção de dados fiscais de terceiros (particulares envolvidos, a exemplo dos “laranjas”), cuja participação guarde relação direta com o fato objeto da apuração, a solicitação desses dados não está acobertada pelo art. 198 do CTN, o que enseja a solicitação do afastamento do sigilo junto ao Poder Judiciário. Assim, a comissão deve, por intermédio da autoridade instauradora (ou outra autoridade responsável discriminada para o feito), solicitar junto à Advocacia-Geral da União ou à procuradoria do órgão ou entidade, que diligencie junto ao Poder Judiciário. Caso essas informações estejam disponibilizadas em outro processo, a comissão pode solicitar o compartilhamento desses dados a título de prova emprestada. Vale lembrar que o juízo de conveniência e oportunidade da necessidade da solicitação dessa prova é da comissão, com base na independência lhe é atribuída pelo art. 150 da Lei nº 8.112/90, o que não obsta a verificação dos requisitos elencados na legislação específica (art. 198, CTN) por parte da autoridade administrativa ou da AGU e Procuradorias dos órgãos . Ainda, conforme previsão do § 3º do art. 18 da Portaria-CGU nº 335, a comissão deve tentar junto ao próprio servidor investigado ou acusado obter autorização para ter acesso a esses dados sigilosos, antes de iniciar o afastamento do sigilo pela via procedimental dos órgãos envolvidos. 10.3.18.8. AFASTAMENTO DO SIGILO BANCÁRIO

Da mesma forma que o sigilo fiscal, a cláusula de proteção do sigilo bancário está relacionada à proteção das garantias fundamentais asseguradas no art. 5º, X, CF. Deste modo, cabe à comissão a avaliação acurada da gravidade do fato que justifique o afastamento dessa garantia constitucional, bem como da relevância dos dados solicitados para a elucidação dos fatos investigados. A Lei Complementar nº 105/2001 dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. Atente-se que o sigilo é sobre as informações pormenorizadas, como o titular, a origem, o destino e o valor da operação. Conforme previsão do § 1º, art. 3º dessa lei, a prestação de informações e o fornecimento de documentos sigilosos, para fins disciplinares, depende de prévia autorização do Poder Judiciário:

Art. 3º Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Po-der Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide. § 1º Dependem de prévia autorização do Poder Judiciário a prestação de in-formações e o fornecimento de documentos sigilosos, solicitados por comissão de inquérito administrativo destinada a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

§ 2º Nas hipóteses do § 1o, o requerimento de quebra de sigilo independe da existência de processo judicial em curso.

Ainda, em conformidade com a Lei Complementar nº 105/2001 (§ 2º do art.3º), a decretação de afastamento desse sigilo independe da existência de processo judicial em curso, quando solicitada em sede disciplinar.

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Convém deixar claro que da mesma maneira que foi abordado para o afastamento do sigilo fiscal, deve-se entender o significado da expressão “comissão de inquérito administrativo” usada no texto do § 1º, do art. 3º da Lei nº 105/2001, em sentido amplo, o que abarca processo administrativo disciplinar stricto sensu e a sindicância punitiva (art. 143 da Lei nº 8.112/90); assim como a sindicância investigativa prevista na Portaria-CGU nº 335/2006, art. 4º, inciso II, e a sindicância patrimonial, prevista em seu art. 16.

Verifica-se que, conforme o art. 18, § 2º, Portaria-CGU nº 335/2006, a solicitação de afastamento de sigilo bancário deve ser encaminhado à Advocacia-Geral da União, instruída com os documentos e informações necessários para o exame de seu cabimento. Dessa forma, como o afastamento do sigilo bancário está condicionado, por lei, à autorização judicial, a comissão terá que agir por intermédio da AGU ou da procuradoria dos órgãos ou entidades para obter essas informações.

Art. 18. Para a instrução do procedimento, a comissão efetuará as diligências necessárias à elucidação do fato, ouvirá o sindicado e as eventuais testemu-nhas, carreará para os autos a prova documental existente e solicitará, se ne-cessário, o afastamento de sigilos e a realização de perícias. (...) § 2° A solicitação de afastamento de sigilo bancário deve ser encaminhada à Advocacia- Geral da União, com as informações e documentos necessários para o exame de seu cabimento.

Em razão da demora de obtenção desses dados, uma vez que dependem de ordem judicial e de intermédio da AGU ou das Procuradorias dos órgãos e entidades, a comissão deve restringir a hipótese de pedido desse afastamento de sigilo aos casos absolutamente essenciais e indispensáveis. Assim, é oportuno verificar sempre, antes de provocar a sede judicial, a disponibilização espontânea por parte do próprio acusado. Registre-se que, caso tenha ocorrido o afastamento do sigilo bancário em outro processo (em sede administrativa ou judicial), a comissão pode solicitar o compartilhamento desses dados a título de prova emprestada.

Aqui também se aduz que o juízo de conveniência e oportunidade da necessidade da solicitação dessa prova é da comissão, com base na independência lhe é atribuída pelo art. 150 da Lei nº 8.112/90, o que não obsta a verificação dos requisitos elencados na legislação específica da AGU e procuradorias dos órgãos e entidades, como bem acentua a parte final do § 2º do art. 18 da Portaria-CGU nº 335/2006.

Vale lembrar, ainda, que da mesma forma do estabelecido para o sigilo fiscal, a comissão deve solicitar ao próprio servidor a disponibilização desses dados sigilosos, antes de iniciar o afastamento do sigilo pela via procedimental dos órgãos envolvidos, de acordo com o § 3º do art. 18 da Portaria-CGU nº 335:

Art. 18. (...) (...) § 3° A comissão deverá solicitar do sindicado, sempre que possível, a renúncia expressa aos sigilos fiscal e bancário, com a apresentação das informações e documentos necessários para a instrução do procedimento.

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10.3.19. PROVA EMPRESTADA Em observância aos princípios da economia processual, da isonomia e da segurança jurídica, o instituto judicial da prova emprestada pode ser utilizado em sede disciplinar. Segundo a doutrina, a prova emprestada no processo administrativo disciplinar tem que observar alguns requisitos de validade (subjetivos e objetivos), quais sejam:

a) sua transcrição integral, desde que o ato que a autorizou até a conclusão fi-nal, através de documentos legítimos; b) que tenha sido validamente realizada (contraditório, ampla defesa, devido processo legal etc.) ; c) que no processo anterior se tenha concretizado a participação das mesmas partes do atual ( especialmente aquele contra quem será utilizada a prova); d) observância das normas que permitem a juntada de documentos no proces-so atual; e c) a semelhança do fato que será objeto da prova. 179

Em tese, o requisito subjetivo, que exige em ambos os processos (o de origem e o de destino) os mesmos interessados, é justificado em razão de se poder assegurar que a eles já foi dado oportunidade de defesa no momento da produção da prova. Nestes termos, franqueados o contraditório e a ampla defesa no processo de origem, a prova será conduzida para o processo de destino com todo o seu valor probante, mantendo integralmente sua força de convicção. Assim, o STF firmou posicionamento quanto à observância a essas garantias:

A garantia constitucional do contraditório- ao lado, quando for o caso, do princípio do juiz natural – é o obstáculo mais frequentemente oponível à ad-missão e à valoração da prova emprestada contra quem se pretenda fazê-la valer; por isso mesmo, no entanto, a circunstância de provir a prova de proce-dimento a que estranho a parte contra a qual se pretende utilizá-la só tem re-levo, se se cuida de prova que – não fora o seu traslado para o processo- nele se devesse produzir no curso da instrução contraditória, com a presença e a in-tervenção das partes. (HC nº 78749 – MS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 25.6.99).

Caso não tenham sido assegurados o contraditório e a ampla defesa no momento da produção da prova, sua valoração restará prejudicada para o outro processo. Nesse caso, a prova passará a ser mera cópia documental com valor probante reduzido. Tal fato não obstará o seu uso, desde que esse prejuízo seja reparado, ao menos em parte, com a garantia do contraditório no momento da juntada dessa prova no processo secundário:

No processo administrativo, que se orienta no sentido da verdade material, não há razão para dificultar o uso da prova emprestada, desde que, de qualquer maneira, se abra possibilidade ao interessado de questioná-la (...). 180

De modo geral, a fim de evitar a inviabilização da prova emprestada no processo secundário, ou a minoração de seu uso, é recomendável notificar o acusado para se manifestar acerca da juntada dessa prova no processo de destino.

179 MOREIRA, 2010, p. 362 180 FERRAZ, 2001, p.135

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10.3.19.1. PROCEDIMENTO

No processo administrativo disciplinar, a comissão poderá se utilizar de provas trazidas de outros processos administrativos e do processo judicial, observado o limite de uso da prova emprestada. A prova, nesse caso, poderá ser juntada por iniciativa do colegiado ou a pedido do acusado.

No caso da existência de prova já obtida com o afastamento do sigilo (interceptações telefônicas, sigilo bancário, e sigilo fiscal de terceiros estranhos à investigação) em outro processo, e havendo necessidade de juntada dessa prova no processo administrativo disciplinar, a comissão pode requerer diretamente à autoridade competente pelo outro processo o compartilhamento dessa prova para fins de instrução probatória, com base na independência atribuída pelo art. 150 da Lei nº 8.112/90:

Art.150. A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparciali-dade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo inte-resse da administração.

Todavia, é certo que tal providência deverá ser analisada caso a caso, de modo que seja possível verificar se a decisão prolatada na esfera judicial permite ou não o compartilhamento de informações entre processos correcionais deflagrados no mesmo órgão. Caso, por exemplo, a quebra de sigilo bancário tenha sido deferida com o fim específico de instruir determinada apuração disciplinar, deverá ser realizado novo pedido na esfera judicial para o compartilhamento da respectiva documentação acobertada por sigilo.

Frise-se que somente com o compartilhamento da prova a comissão tem o compromisso de assegurar o seu sigilo, zelando para garantir o cuidado necessário para impedir sua divulgação, sob pena de incidir nas infrações estabelecidas nas legislações específicas, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. 10.3.19.2. ENVIO DE INFORMAÇÕES PARA ÓRGÃOS EXTERNOS

No envio de dados colhidos no curso do processo administrativo disciplinar e de procedimentos investigativos a outros órgãos, a comissão terá que observar a cautela necessária para o seu fornecimento adequado. No caso da CGU, a Portaria-CGU nº 335/2001, em seu art. 24, discrimina que o fornecimento de informações e documentos a órgãos externos à CGU (solicitados ou encaminhados de ofício), observará o sigilo necessário à elucidação do fato ou que decorra de exigência do interesse público:

Art. 24. O fornecimento de informações e documentos, referentes a atividades desenvolvidas no âmbito do Órgão Central e das unidades setoriais, a órgãos externos à Controladoria-Geral da União, observará o sigilo necessário à eluci-dação do fato ou que decorra de exigência do interesse público, ocorrendo nas seguintes hipóteses:

I - quando houver requisição de autoridade judiciária; II - quando houver requisição do Ministério Público da União, nos termos da legislação pertinente; III - decorrente de solicitação de outras autoridades administrativas, legal-mente fundamentada;

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IV - de ofício, quando verificados indícios da prática de crime de ação penal pública incondicionada, ato de improbidade administrativa ou danos ao erário federal.

O fornecimento de documento, cujo teor está sob a reserva de sigilo, como é o caso do sigilo fiscal, deve ocorrer com a observância aos ditames da legislação específica (Decreto nº 4.553/2002; Leis nº 8.159/91, e nº 11.111/2005, e o Decreto nº 5.301/2004), que prevê os procedimentos formais para preservação do sigilo.

Da mesma forma, com base no Decreto nº 4.553/2002 e em Portaria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, a Portaria-CGU nº 335/2001 descreve, em seu art. 25, o procedimento a ser observado no envio dessas informações:

Art. 25. No fornecimento, a órgãos, entidades e autoridades requisitantes ou solicitantes, de informações protegidas por sigilo fiscal, deverão ser observados os seguintes procedimentos, sem prejuízo dos demais previstos na legislação pertinente: I - constará, em destaque, na parte superior direita de todas as páginas da cor-respondência que formalizar a remessa de informações, bem assim dos docu-mentos que a acompanharem, a expressão “Informação Protegida pelo Sigilo Fiscal impressa ou aposta por carimbo; II - as informações serão enviadas em dois envelopes lacrados: a) um externo, que conterá apenas o nome ou a função do destinatário e seu endereço, sem qualquer anotação que indique o grau de sigilo do conteúdo; b) um interno, no qual serão inscritos o nome e a função do destinatário, seu endereço, o número do documento de requisição ou solicitação, o número da correspondência que formaliza a remessa e a expressão “Informação Protegida pelo Sigilo Fiscal”; III - envelope interno será lacrado e sua expedição será acompanhada de reci-bo; IV - o recibo destinado ao controle da custódia da informação: a) conterá, necessariamente, indicações sobre o remetente, o destinatário, o número do documento de requisição ou solicitação e o número da correspon-dência que formaliza a remessa; b) será arquivado na unidade remetente, após comprovação da entrega do en-velope interno ao destinatário ou responsável pelo recebimento.

Destaca-se que conforme o art. 27 da Portaria nº 335/2001, o encaminhamento dessas informações, por Comissões da CGU, depende de autorização do Secretário-Executivo ou do Corregedor-Geral.

Art. 27. O atendimento das solicitações e requisições será autorizado pelo Se-cretário- Executivo da Controladoria-Geral da União ou pelo Corregedor-Geral.

No processo administrativo disciplinar, caso haja o afastamento do sigilo bancário do acusado, na forma da legislação específica, e atendendo a autorização do Poder Judiciário para o compartilhamento desses dados por outros órgãos, conforme previsão do art. 26 da Portaria-CGU nº 335, o colegiado deve observar o mesmo procedimento de envio de informações fiscais estabelecido no art. 25 da mesma Portaria:

Art. 26. Relativamente ao sigilo bancário, quando o afastamento for autoriza-do judicialmente, o fornecimento de informações e documentos pelo Órgão

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Central ou unidades setoriais deverá ser previamente autorizado pelo Poder Judiciário. Parágrafo único. Para fins de envio das informações, deverá ser observado o mesmo procedimento do sigilo fiscal, nos moldes da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001.

Ressalte-se que, para o compartilhamento de dados que foram obtidos com o afastamento do sigilo bancário no curso do processo administrativo, deve haver autorização judicial. A par disso entende-se que a responsabilidade de preservação do sigilo, nesse caso, foi transferida para o agente recebedor dos dados, nos termos do que dispõe o art. 11 da Lei Complementar nº 105/2001:

Art. 11. O servidor público que utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo de que trata esta Lei Complementar responde pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública, quando comprova-do que o servidor agiu de acordo com orientação oficial.

10.3.20. PROVA INDICIÁRIA

A prova indiciária pode ser definida como o meio de prova obtido de um raciocínio indutivo, pelo qual se conclui que o fato principal da apuração ocorreu, devido à prova concreta da ocorrência de fato secundário.

Dispõe o art. 239, do Código de Processo Penal: "Considera-se indício a circunstância

conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias".

Normalmente, o raciocínio acima empregado parte da experiência de casos pretéri-

tos, mostrando que, geralmente, tendo ocorrido o fato secundário (provado), também ocorre o fato principal (que se deseja provar). Deve se considerar o nexo causal entre eles. Trata-se, portanto, de meio de prova essencialmente probabilístico, pois dificilmente há uma relação de necessariedade entre os fatos.

O ponto principal da discussão se dá quanto à possibilidade de se fundamentar uma

penalidade administrativa com base unicamente em uma prova indiciária, não obstante tal possibi-lidade ser, em regra, admitida na seara penal. Cite-se, como exemplo, as seguintes decisões do STF:

Condenação - Base. Constando do decreto condenatório dados relativos a par-ticipação em prática criminosa, descabe pretender fulminá-lo, a partir de ale-gação do envolvimento, na espécie, de simples indícios. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 96062. Primeira Turma. Julgado em 06/10/2009. Publicado no Diário de Justiça de 13/11/2009).

Ementa: Habeas Corpus. Processo Penal. Presunção Hominis. Possibilidade. In-dícios. Aptidão para lastrear decreto condenatório. Sistema do livre convenci-mento motivado. Reapreciação de Provas. Descabimento na via eleita. Elevada quantidade de droga apreendida. Circunstância apta a afastar a minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, ante a dedicação do agente a ati-vidades criminosas. Ordem Denegada.

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(...) O julgador pode, através de um fato devidamente provado que não constitui elemento do tipo penal, mediante raciocínio engendrado com supedâneo nas suas experiências empíricas, concluir pela ocorrência de circunstância relevan-te para a qualificação penal da conduta. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 103.118, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Primeira Turma. Julgado em 20/03/2012. Publicada no Diário de Justiça de 16/04/2012).

No mesmo sentido, é também entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO. ARTS. 180 E 311 DO CP. AUTORIA COMPROVADA. FORTE CONJUN-TO DE INDÍCIOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. Um conjunto de fortes indícios, to-dos apontando para a autoria por parte do réu, tanto da receptação quanto da adulteração, é suficiente para embasar um decreto condenatório. Quase im-possível que o órgão acusador reúna prova direta, em tais casos. Recurso da defesa improvido. (BRASIL. TJRS - Apelação Crime nº 70031638315, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 22/10/2009).

Ao ventilar o tema, a doutrina demonstra bastante cautela quanto a utilização da

prova indiciária:

A prova indiciária, desde que bem trabalhada, poderá colaborar bastante na elucidação dos fatos. Mas, tratando-se de prova que requer acusada operação de inteligência, aconselha-se muito cuidado e prudência na sua adoção, uma vez que, por qualquer lapso, se poderá chegar a conclusões totalmente inexa-tas. 181

Em muitos casos, a maneira como se pratica um ato disciplinarmente faltoso dificul-

ta a obtenção de provas diretas (aquelas que apontam diretamente para o fato probando). Tome-se, por exemplo, a dificuldade de se caracterizar a obtenção de proveito pes-

soal em razão do cargo ocupado enquanto servidor público (artigo 117, inciso IX, da Lei nº 8.112/90). Nesses casos, tal caracterização pode se dar de maneira indireta, por meio da prova de fato ou fatos que levem a crer que o servidor obteve o proveito pessoal, de maneira que a probabi-lidade de se estar diante de um caso de valimento de cargo seja bastante alta.

Destaque-se, ainda, a constatação do então Ministro do TCU Ubiratan Aguiar em um

de seus julgados na Corte de Contas, ao afirmar que “a prova inequívoca de conluio entre licitantes é algo extremamente difícil de ser obtida, uma vez que quando acertos desse tipo ocorrem, não se faz por óbvio, qualquer tipo de registro escrito.”(BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n° 57/2003, de 05/02/2003 -Plenário. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso: 25/04/2014)

E, mais à frente, conclui:

Dessa forma, percebe-se que é difícil e custosa a prova de conluios deste tipo já que, por sua própria natureza, o vício é oculto. Situação semelhante ocorre nos atos simulatórios onde as partes sempre procuram se cercar de um manto pa-ra encobrir a verdade. (Idem)

181 COSTA, 2011, p. 348.

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Portanto, apesar de ser admitido como meio de prova, o indício não pode ser utiliza-do de maneira desmesurada pela comissão processante, pois possui a probabilidade como caracte-rística, necessitando ser esta forte o suficiente para superar a dúvida razoável acerca da materiali-dade e autoria do fato principal.

10.4. INDICIAÇÃO

10.4.1. INTRODUÇÃO E CARACTERÍSTICAS DA INDICIAÇÃO

A indiciação encerra a fase de instrução do processo disciplinar, consubstanciando-se em um “termo de indiciação” – termo formal de acusação –, cujo teor deve apontar os fatos ilícitos imputados ao servidor acusado, bem com as provas correspondentes e o respectivo enquadramento legal, de modo a refletir a convicção preliminar do colegiado.

Lei nº 8.112/90. Art. 161. Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas.

O termo de indiciação é precedido por ata, elaborada pela comissão processante, na qual se delibera pelo encerramento da fase instrutória em vista da colheita de material probatório suficiente ao indiciamento do servidor acusado.

O termo de indiciação irá imputar ao servidor a prática de uma ou mais infrações

disciplinares. Em razão disso, para que o servidor passe à condição de indiciado, ele necessariamente deverá ter figurado como acusado no processo, ou seja, ter sido notificado como tal para acompanhar toda a produção de provas, assegurando-se que também tenha sido intimado para interrogatório, sob pena de serem violados os princípios do contraditório e da ampla defesa. Logo, não há que se falar em indiciação de testemunha, que só figurou no processo nessa qualidade.

1. Se à recorrente, arrolada como testemunha em Procedimento Administrativo instaurado contra outros servidores, não é garantido o direito a ser interrogada, após sua indiciação, agora na condição também de acusada, sendo-lhe facultada, apenas, a apresentação de defesa escrita após ter vista dos autos, configura-se violação à ampla defesa e ao contraditório, constitucionalmente assegurados. [...] 3. Precedentes (MS nºs 7.074/DF e 6.896/DF). [...] (STJ. RMS 14512 / MT. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 2002/0027183-4. Relator Ministro Jorge Scartezzini. Data do Julgamento: 28/10/2003.Publicação:19/12/2003)

Apesar de externar juízo de convicção preliminar da comissão processante, o termo de indiciação é peça essencial para a defesa do indiciado. Isso porque ela formalizará a acusação e delimitará os termos da defesa escrita e do julgamento, como se verá adiante.

Justamente por ser o momento em que a comissão irá expor os motivos pelos quais

se convenceu do cometimento da(s) irregularidade(s), o termo de indiciação, além de qualificar o indiciado com todos os seus dados, deve descrever suficientemente os fatos ocorridos e, de forma

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individualizada, a conduta por ele praticada, apontando nos autos as provas correspondentes. Não são admitidas indiciações genéricas dos envolvidos nos fatos, isto é, sem que seja apontada a conduta praticada por cada um dos indiciados.

Formulação-Dasp nº 261. Responsabilidade administrativa. A responsabilidade administrativa deve ser individualizada no respectivo pro-cesso, vedada, na impossibilidade de indicação do culpado, a sua diluição por todos os funcionários que lidaram com os valores extraviados.

É importante que sejam narrados claramente todos os fatos provados na fase de

instrução, haja vista que, após a defesa escrita, não se poderá fazer qualquer acréscimo factual relacionado à conduta do indiciado. Ademais, o julgamento deverá ser baseado naquilo que tiver sido mencionado no termo de indiciação, sob pena de nulidade. Não é necessário, entretanto, a transcrição do inteiro teor das provas produzidas (por exemplo, a reprodução de todos os depoimentos colhidos), sendo suficiente a indicação daqueles trechos significativos para a convicção formada na indiciação.

[...] 2. O delineamento fático das irregularidades na indiciação em processo administrativo disciplinar, fase em que há a especificação das provas, deve ser pormenorizado e extremamente claro, de modo a permitir que o servidor acusado se defenda adequadamente. Apresenta-se inaceitável a defesa a partir de uma conjunção de fatos extraídos dos autos. [...] 4. Assim, há flagrante cerceamento de defesa e, portanto, violação ao devido processo legal e aos princípios da ampla defesa e do contraditório, em razão da circunstância de que a iminente pena de demissão pode vir a ser aplicada ao impetrante pela suposta prática de acusações em relação as quais não lhe foi dada oportunidade de se defender. [...] (STJ. MS 13110 / DF. Mandado de Segurança 2007/0226688-6. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do Julgamento: 14/05/2008. Data de Publicação: 17/06/2008.)

Na presente fase do processo, a lei ainda não exige que seja indicada a hipótese legal

na qual o acusado incidiu (dentre aquelas dos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/90). Contudo, é usual e recomendado que já seja feito esse enquadramento, tendo em vista o auxílio para que o acusado possa se defender. Este enquadramento, entretanto, poderá ser alterado no Relatório Final, visando uma melhor adequação da conduta às definições legais do Direito Disciplinar, onde afinal também predomina o ensinamento de que o acusado se defende dos fatos e não da capitulação legal. Os critérios a serem seguidos para se estabelecer o adequado enquadramento serão tratados nos próximos tópicos.

Nesta fase do processo é relevante registrar que vige o princípio do in dubio pro

societate. Este princípio, em tradução livre, significa “a dúvida em favor da sociedade”. Preceitua que, após a instrução probatória, se há indícios ou provas consistentes da ocorrência de infração disciplinar, e bem assim de que o servidor que figurou no processo como acusado seja o autor destes fatos, ainda que exista uma dúvida que não pode ser sanada pela impossibilidade de coleta de outras provas além das que já conste do processo, a comissão deve concluir pela indiciação, e não pela absolvição sumária do(s) acusado(s).

Assim, no intuito de se resguardar o interesse público, eventual incerteza a respeito

da conduta praticada deve ser esclarecida na defesa escrita, com a posterior consolidação do entendimento da comissão no Relatório Final. É que, agindo de outro modo, a comissão acabará levando a mesma dúvida para a autoridade julgadora, que, discordando da absolvição, terá que

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reabrir o processo para nova instrução. Melhor, nestes casos, que se permita ao acusado apresentar a defesa escrita, que poderá dirimir a dúvida e demonstrar claramente sua inocência.

Um erro bastante comum nesta fase ocorre quando o acusado deixa de ser indiciado

porque a comissão entende que a infração cometida está sujeita à penalidade de advertência ou suspensão, já prescrita. No entanto, deve o colegiado atentar-se para o fato de que a autoridade julgadora pode discordar do relatório final, e concluir que a penalidade cabível seria a demissão. E neste caso, não tendo sido lavrado o termo de indiciação do acusado, a autoridade julgadora terá que designar nova comissão, tendo em vista que a anterior não fez a indiciação, ato essencial à defesa.

Ainda que a comissão tenha verificado a prescrição da penalidade de demissão, não

pode deixar de indiciar o acusado, tendo em vista o disposto no art. 170 da Lei nº 8.112/90, que dispõe: “extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor”.

Além destas considerações, o momento da indiciação exige um prévio estudo do Direito Disciplinar material, a fim de realizar o correto enquadramento da conduta do indiciado entre aquelas infrações disciplinares descritas nos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/90.

Visando auxiliar esse estudo, os próximos tópicos versarão sobre os requisitos que

deverão ser atendidos para que determinada conduta possa ser considerada uma das infrações disciplinares previstas na lei, as circunstâncias que poderão isentar o servidor de responsabilização e a forma de se determinar o enquadramento legal.

10.4.2. ELEMENTOS DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR

Antes de se definir em qual hipótese legal incorreu o acusado, é necessário examinar se a conduta por ele praticada, nas circunstâncias em que foi externada, efetivamente pode ser considerada uma infração disciplinar.

Em razão da proximidade de objetos, a análise dos elementos da infração disciplinar

busca subsídios no Direito Penal. Tendo em vista o grande desenvolvimento que aquele ramo jurídico já alcançou na avaliação da conduta dos responsáveis pela prática de ilícitos, é oportuno recorrer à chamada Teoria do Crime, utilizada pela doutrina e jusrisprudência como metodologia comparativa para esta finalidade. Em virtude dessa correlação, são em regra aceitos como parâmetros para a verificação dos elementos da infração disciplinar aqueles mesmos apontados para o crime.

De acordo com a corrente doutrinária predominante entre os penalistas

contemporâneos, o crime é uma conduta típica, antijurídica e culpável182. Isto é, para que uma conduta humana seja considerada crime, ela deve conter os elementos descritos na lei como caracterizadores de crime (tipicidade), não ter sido praticada sob uma justificativa admitida por lei (antijuridicidade), e cujo autor tinha a ciência de que a conduta era vedada pelo ordenamento jurídico, mas mesmo assim a cometeu, ou seja, deveria se comportar de modo diverso (culpabilidade).

Esta descrição analítica da conduta humana possibilitou uma melhor compreensão

do crime, e bem assim a solução de inúmeras questões no Direito Penal que também são úteis para o estudo da infração disciplinar. Desta forma, com as devidas adaptações, ressalta-se que se toma

182 ZAFFARONI, 2005, p. 345.

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por empréstimo aqueles conceitos com o escopo de melhor desenvolvimento da literatura jurídica sobre o assunto.

Com efeito, pode-se dizer que a conduta será considerada infração disciplinar

quando: i) estiverem presentes os elementos descritos em lei como caracterizadores de uma infração disciplinar; ii) o servidor não está acobertado por uma causa que exclua a ilicitude desta conduta; iii) o servidor age de forma contrária à lei, mesmo tendo a obrigação de se comportar de outro modo.

Para melhor compreensão destas ideias, pretende-se, nos itens a seguir, descrever

sucintamente tais elementos, trazendo-os à realidade administrativa, sem adentrar demasiadamente nos debates proporcionados pelas inúmeras teorias penais que se desdobram a partir deles. 10.4.2.1. PRIMEIRO ELEMENTO: TIPICIDADE

Ao iniciar o estudo do conceito de tipicidade, Bitencourt afirma que

A lei, ao definir crimes, limita-se, frequentemente, a dar uma descrição objetiva do comportamento proibido, [...]. No entanto, em muitos delitos, o legislador utiliza-se de outros recursos, doutrinariamente denominados ‘elementos normativos’ ou ‘subjetivos do tipo’, que levam implícito um juízo de valor. 183

Depreende-se, por oportuno, que a tipicidade decorre do princípio da reserva legal: “não há crime sem prévia lei que o defina”. Ou seja, a tipicidade representa a conformação do fato praticado à moldura abstratamente descrita na lei penal, subsumindo-se a ela.

Esse modelo legalmente estabelecido é conhecido como “tipo” e representa um conjunto de elementos do fato punível, descrito na legislação penal, com o objetivo de limitar e individualizar as condutas humanas penalmente relevantes.

Dito isto, entende-se que a conduta humana praticada no caso concreto precisa ser

típica. Isso significa que, no Direito Penal, ela deve se encaixar na definição de um dos tipos penais configuradores dos crimes e, no âmbito do Direito Disciplinar, corresponder à violação do disposto em pelo menos uma das hipóteses da Lei nº 8.112/90 (arts. 116, 117 e132).

A tipicidade, por sua vez, está subdividida em duas espécies:

a) Tipicidade objetiva: é a correspondência literal entre o ato praticado e aquilo que consta escrito em pelo menos uma das hipóteses da lei; b) Tipicidade subjetiva: é o ânimo interno com o qual o acusado praticou a conduta, revelado mediante o dolo ou a culpa.

Vale dizer: para que uma conduta seja considerada típica, não basta a

correspondência entre o que foi praticado e o que consta da lei como infração disciplinar. É necessário que o agente a tenha praticado com dolo ou culpa. Mostram-se indispensáveis, portanto, ainda que de modo sucinto, as definições destes conceitos.

O primeiro manifesta-se de duas formas:

183 BITENCOURT, 2010, p.303

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a) Dolo direto ou imediato: quando o acusado, agindo com intenção danosa, quis produzir o resultado previsto para a sua conduta; b) Dolo indireto ou eventual: quando o acusado, mesmo prevendo o resultado, praticou a conduta aceitando o risco de produzi-lo.

De modo diverso do dolo, no tipo culposo, pune-se a conduta mal dirigida,

geralmente destinada a atender a um fim lícito; consistindo na divergência entre a ação efetivamente realizada e a que deveria ter sido praticada, em virtude da observância do dever objetivo de cuidado. A culpa externa-se por meio de três modalidades, nas quais, embora o resultado da conduta fosse previsível, o acusado simplesmente não previu seu potencial ofensivo (culpa inconsciente) ou o previu – consciente da lesão ao dever de cuidado -, mas nunca quis o resultado alcançado ou assumiu o risco pela sua ocorrência (culpa consciente). Senão vejamos as três modalidades de culpa:

a) Negligência: é a displicência no agir, a falta de precaução do agente, que podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz. Implica em uma omissão, um não-agir por descuido, indiferença ou desatenção ocorrida em momento anterior à ação. Por isso, diz-se que o autor do ato cometido por negligência não teria pensado na possibilidade do resultado, razão pela qual configuraria a culpa inconsciente; b) Imprudência: é a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e com caráter comissivo. É caracterizada pela intempestividade, precipitação, insensatez ou moderação do agente. Neste caso, o agir descuidado não observa o cuidado objetivo que as circunstâncias fáticas exigem, resultando, portanto, na concomitância entre ação e culpa. Conclui-se que o agente tem consciência de sua ação imprudente, mas, ao acreditar que não produzirá o resultado, avalia mal e age, momento em que o resultado não desejado ocorre; c)Imperícia: é a falta de capacidade, de aptidão, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício do arte, profissão ou ofício. Diferencia-se do erro profissional, pois este consiste em acidente escusável, justificável e, geralmente, imprevisível; ligando-se primariamente à imperfeição dos conhecimentos humanos.

Em sede penal, a regra é que a conduta somente configurará crime quando nela tiver

sido empregada uma das formas de dolo, sendo expresso que a lei sempre irá determinar os crimes passíveis de serem cometidos culposamente. Todavia, em se tratando de infrações disciplinares, isso não é válido, considerando que a Lei nº 8.112/90 não faz a mesma ressalva. Na maior parte dos casos, como as hipóteses são abertas, as suas características próprias e a interpretação da gravidade de cada uma é que irão determinar quando haverá a exigência do dolo e quando bastará a culpa.

Frise-se que a sobrevinda ou não de dano para a Administração Pública não é fator

determinante do ânimo subjetivo do acusado, pois uma conduta dolosa pode não implicar em prejuízo algum, ao passo em que um ato negligente pode vir a causá-lo.

10.4.2.2. SEGUNDO ELEMENTO: ANTIJURIDICIDADE OU ILICITUDE

O jurista Eugênio Raúl Zaffaroni ensina que a antijuridicidade da conduta está no fato dela ser contrária ao disposto em uma norma do ordenamento jurídico, sem estar amparada por nenhuma outra que a autorize, nas condições em que fora praticada. Em suas palavras,

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O método, segundo o qual se comprova a presença da antijuridicidade, consiste na constatação de que a conduta típica (antinormativa) não está permitida por qualquer causa de justificação (preceito permissivo), em parte alguma da ordem jurídica (não somente no direito penal, mas tampouco no civil, comercial, administrativo, trabalhista etc.). 184

As causas de justificação nada mais são que causas legais de exclusão da

antijuridicidade, as quais deverão encontrar-se igualmente amparadas pelo elemento subjetivo da consciência de agir acobertado por uma excludente, ou seja, com vontade de evitar um dano pessoal ou alheio.

Porém, de outro lado, caso o agente exceda os limites da norma permissiva, de forma dolosa ou culposa, responderá pelo excesso. Essas hipóteses serão identificadas quando o agente impuser sacrifício maior do que o estritamente necessário à salvaguarda do seu direito ameaçado ou lesado.

O Direito Penal define três causas de justificação, quais sejam: estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal.

Devendo o ordenamento normativo ser harmônico, primando pela segurança

jurídica, tais excludentes de ilicitude da conduta também afastarão a caracterização da infração quando presentes em sede disciplinar, já que a antijuridicidade também é um dos seus elementos. Assim estabelece o Código Penal:

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa; III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único: o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Por serem situações que, eventualmente ocorridas, serão alegadas pela defesa,

deverão ser inequivocamente comprovadas no curso da instrução probatória, para que o acusado possa deixar de ser indiciado.

Conforme anteriormente anotado, os excessos dolosos ou culposos porventura

praticados permanecerão ilícitos. Ou seja, o acusado não estará a salvo da indiciação ou da penalidade disciplinar, no tocante aos atos que venham a extrapolar os limites da causa de justificação.

Aproveitando os conceitos expostos no Código Penal, apresenta-se em seguida uma

breve noção de cada uma destas causas de justificação, que excluem a ilicitude da conduta, e, portanto, afastam a responsabilidade disciplinar.

10.4.2.2.1. ESTADO DE NECESSIDADE Segundo o Código Penal:

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo

184 Idem, p. 488.

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evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.(...)

Para Bitencourt, “o estado de necessidade caracteriza-se pela colisão de interesses

juridicamente protegidos. Devendo um deles ser sacrificado em prol do interesse social.” 185 Para a configuração do estado de necessidade, é necessária a demonstração de que o

servidor corria perigo no momento em que praticou o fato previsto na lei como infração disciplinar. Não se fala em estado de necessidade quando o perigo já passou ou é provável de ocorrer no futuro. Ademais, se o próprio agente concorreu para a criação do perigo ou podia evitá-lo por outro meio, o estado de perigo é descaracterizado.

Fala-se em perigo quando o servidor está em situação tal que deixar de praticar a

conduta tida por infração disciplinar coloque em risco qualquer bem (vida, patrimônio, intimidade, etc), próprio ou alheio, desde que, nas circunstâncias, não fosse razoável que fosse sacrificado.

Não se confunde estado de necessidade e legítima defesa. Enquanto esta a reação

realiza-se contra bem jurídico pertencente ao autor da agressão injusta, naquela a ação dirige-se contra bem de terceiro não envolvido.

10.4.2.2.2. LEGÍTIMA DEFESA Ainda de acordo com o Código Penal, a legítima defesa é assim conceituada:

Art.25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente os meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Conforme apontam os estudiosos, difere-se a legítima defesa e o estado de

necessidade:

As principais distinções entre ambas estão em que na legítima defesa há reação contra agressão e, no estado de necessidade, existe ação em razão de um perigo e não de uma agressão. Só há legítima defesa contra agressão humana, enquanto o estado de necessidade pode decorrer de qualquer causa.186

10.4.2.2.3. ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL E EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO

Aqui impera a lógica da já mencionada harmonia do ordenamento jurídico, onde uma conduta não poderá ser um ilícito penal quando, em legislação extrapenal, ela é posta como um dever daquele servidor acusado ou apresenta-se como um direito regularmente exercido por ele.

A fim de caracterizar o estrito cumprimento do dever legal, devem ser observados

dois requisitos: (i) estrito cumprimento – somente os atos rigorosamente necessários justificam o 185 BITENCOURT, 2010, p. 363.

186 DELMANTO, p. 47.

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comportamento permitido; (ii) de dever legal – é indispensável que o dever decorra da lei, não o caracterizando os deveres de cunho moral, religioso ou social.

Quanto ao exercício regular de direito, a doutrina tradicional entende que este não

poderá ser de qualquer forma antijurídico, bem como deverá constringir-se aos limites objetivos e subjetivos, formais e materiais impostos pelos próprios fins do Direito. Fora desses limites, ocorre o que chamamos de abuso de direito, o qual não constitui causa de justificação válida.

Do mesmo modo, considerada um dever ou um direito por qualquer normativo, nos

exatos termos em que foi levada a efeito, a conduta tampouco será uma infração disciplinar.

10.4.2.3. TERCEIRO ELEMENTO: CULPABILIDADE

Por último, integrando a estrutura do crime, a culpabilidade é tratada pela doutrina como sendo a reprovabilidade atribuída à conduta do acusado. Estabelecendo-a de forma simplificada, a sua presença é a regra, uma vez que o Direito Penal determina algumas poucas circunstâncias sob as quais, praticada a conduta típica e antijurídica, haverá ausência de culpabilidade.

Tais circunstâncias, quando comprovadas, fazem com que a conduta não seja considerada reprovável. Os motivos que podem levar ao afastamento da culpabilidade são os seguintes: inimputabilidade do acusado; inexigibilidade de conduta diversa ou incapacidade de compreender a potencial ilicitude da conduta no momento da sua prática.

A primeira causa excludente de culpabilidade surge em razão da pessoa que exerceu

a conduta ser considerada não imputável pelo Direito Penal, pela redução da sua capacidade, sendo o caso do menor de dezoito anos, do indígena não aculturado e do doente mental, este último nas seguintes condições:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteira-mente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (...) (Código Penal)

Portanto, pode-se afirmar de forma genérica que será imputável aquele agente

possuidor de condições de normalidade e maturidade psíquicas. Para tanto, para o reconhecimento da inimputabilidade é suficiente que o agente não detenha o entendimento ou autodeterminação.

Também é afastada a culpabilidade de quem não se podia exigir conduta diversa, por

ter agido sob coação irresistível (submetido a força física ou grave ameaça) ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico. No entanto, o autor da coação ou da ordem deverá ser punido.

A coação irresistível capaz de afastar a culpabilidade é tão-somente a moral,

conhecida como grave ameaça, uma vez que a coação física exclui a própria ação, resultando em conduta atípica.

Entende-se como coação irresistível: “tudo o que pressiona a vontade impondo determinado comportamento, eliminando ou reduzindo o poder de escolha, consequentemente, trata-se da coação moral.” 187

187 BITENCOURT, 2010, p. 420.

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Acerca da obediência hierárquica, independentemente de ser originada de relação pública ou privada, aquela significa a estrita obediência à ordem não manifestamente ilegal e deve ter como pressuposto a inexigibilidade de conduta diversa.

O art. 28, § 1º, do Código Penal ainda autoriza a exclusão da penalidade quando, no

momento da ação ou omissão, o agente se encontrava em estado de embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, de tal forma que estivesse completamente incapaz de entender o caráter ilícito da conduta. Vale ressaltar que a embriaguez pode ser provocada pelo álcool, drogas e substâncias de efeito análogo e, para excluir a culpabilidade, o estado de embriaguez completa não pode ter sido atingido pelo acusado de forma voluntária ou culposa.

10.4.3. CLASSIFICAÇÃO EM FUNÇÃO DO RESULTADO

Existem outros conceitos e classificações no Direito Penal que podem auxiliar no entendimento do Direito Administrativo Disciplinar.

Neste sentido, interessante também mencionar que, em função da produção de um

resultado naturalístico, isto é, de uma modificação no mundo exterior produzida pelo autor da conduta, o crime poderá ser classificado em material, formal ou de mera conduta, classificação que também pode ser estendida à infração disciplinar:

a) Crime material: para que seja configurado, exige que a conduta produza, no caso concreto, o resultado descrito na norma. Isto é, para a sua consumação é indispensável a produção de um dano efetivo. Exemplo de infração disciplinar material é a hipótese prevista no art. 132, X, da Lei nº 8.112/90 (lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio), que exige a efetiva ocorrência do prejuízo para ser configurada; b) Crime formal: a conduta prevê a possibilidade da ocorrência de um resultado, mas este é apenas o exaurimento daquela, não precisando necessariamente ser alcançado para que o crime seja configurado. Neste tipo de crime, apesar do resultado ser descrito, a consumação independe da ocorrência de dano efetivo, sendo necessário tão-somente um dano potencial. Exemplo de infração disciplinar formal é previsto no artigo 117, IX, da Lei nº 8.112/90 (valimento de cargo). Para que seja configurado o valimento do cargo em proveito próprio ou alheio, basta que o acusado atue com a intenção de se valer do cargo que ocupa para obter algum tipo de benefício a si ou a terceiro, não se exigindo que da conduta decorra um resultado, como, por exemplo, o efetivo recebimento da propina exigida; c) Crime de mera conduta: não prevê um resultado naturalístico para a conduta, bastando a sua prática para que o crime seja configurado, isto é, o legislador prevê somente o comportamento do agente, sem qualquer preocupação com o resultado decorrente da conduta ilícita. Exemplo de infração disciplinar de mera conduta pode ser identificado no artigo 132, III, da Lei nº 8.112/90 (inassiduidade habitual). Para sua caracterização, basta que o servidor ausente-se do trabalho da maneira descrita na hipótese legal, não se exigindo qualquer consequência para a Administração, como, por exemplo, a descontinuidade do serviço público pelo qual era responsável.

Assim como no Código Penal, pode-se verificar que no texto dos arts. 116, 117 e 132

da Lei nº 8.112/90 não é dito quais infrações disciplinares são materiais, formais ou de mera conduta, ficando essa tarefa a cargo da doutrina e da jurisprudência, em estudo detido de cada hipótese legal.

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10.4.4. ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO

Por vezes, a despeito da correspondência entre a ocorrência do fato descrito no tipo ou hipótese legal e a conduta do agente, esta pode ter sido praticada em decorrência de algum equívoco. Tal equívoco pode recair sobre algum elemento descrito na norma que prevê a infração disciplinar (erro de tipo, porque incidente sobre o tipo infracional), eliminando assim a tipicidade dolosa, ou ainda sobre a ilicitude da conduta (erro de proibição, porque incidente sobre uma causa de justificação), excluindo a culpabilidade.

Em se tratando de condutas disciplinares, a ignorância acerca das normas, sejam

proibitivas ou permissivas, não pode ser alegada pelo servidor, uma vez que é seu dever conhecê-las. Dessa forma, o erro de proibição, que será uma hipótese de exclusão da culpabilidade, poderá ocorrer somente em eventual situação na qual o acusado tenha falsa percepção da realidade, fazendo-o supor que sua conduta esteja abrangida por uma causa de justificação (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito).

Por exemplo, incorre em erro de proibição o servidor que derrubou e, por isso,

danificou diversos computadores recém-adquiridos, os quais estavam no caminho da saída de emergência, após ter atendido um telefonema onde o interlocutor afirmara que havia um incêndio no prédio, quando na verdade se tratava de um trote.

O erro de tipo, por sua vez, consiste em agir por engano em relação ao fato típico, o

que exclui o dolo da conduta, pela falta de intenção do agente em realizar aquele tipo ou hipótese legal que acabou restando caracterizada. Pode-se diferenciar o erro vencível do invencível, o que será feito por meio do exemplo a seguir.

O servidor que entrega documento sigiloso a terceiro, acreditando tratar-se de um

mensageiro autorizado do destinatário, incorre em erro de tipo, pois ignora um dos elementos da conduta típica: o fato de estar divulgando o documento sigiloso.

Suponha-se que o terceiro tenha chegado à repartição para buscar uma certidão

pessoal anteriormente solicitada, no mesmo horário no qual o mensageiro chegaria para levar o documento sigiloso; o servidor, ocupado com outros afazeres, e acreditando ser ele o tal mensageiro, entrega-lhe o documento sigiloso sem maiores questionamentos. Neste caso, o dolo em divulgar o documento sigiloso não existiu, mas tal divulgação poderia ter sido evitada com uma atitude mais cuidadosa do servidor, fator que caracteriza o erro de tipo vencível, e torna a conduta punível na forma culposa, se assim for possível (poderá responder, p. ex., por descumprimento do dever de exercer com zelo suas atribuições – art. 116, inciso I).

Agora, imagine-se que o terceiro, ciente de que haveria a entrega do documento

sigiloso ao mensageiro, de alguma forma o intercepta e por ele se faz passar, identificando-se como tal na repartição, no horário combinado. Percebe-se que, nesta situação, o servidor não tinha como notar o engano, caracterizando-se o erro de tipo invencível e fazendo com que a conduta seja atípica, pois que ausentes tanto o dolo como a culpa.

Sem adentrar nas inúmeras discussões que existem no Direito Penal acerca da

disciplina das consequências do erro de tipo e do erro de proibição, o que importa na seara administrativa é que tendo o servidor praticado conduta que aparentemente se adeque a uma infração disciplinar (típica, antijurídica e culpável), verificado que o acusado assim agiu porque incorreu em erro relevante, seja porque não tinha consciência, no caso concreto, da existência de um elemento caracterizador da conduta típica (erro de tipo), ou porque acreditava agir de forma lícita (erro de proibição), cumpre investigar se este erro era evitável, isto é, se um servidor diligente não teria incorrido no mesmo erro.

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Se o erro era evitável, cabe a responsabilização se existir uma modalidade culposa da conduta praticada. Se, por outro lado, mesmo o servidor diligente teria incorrido no mesmo erro, exclui-se a possibilidade de responsabilização, seja por ausência de dolo ou culpa (erro de tipo), seja por exclusão da culpabilidade (erro de proibição).

10.4.5. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU DA BAGATELA

Viu-se que o primeiro requisito da infração disciplinar é que a conduta seja típica, conjugadas as tipicidades objetiva e subjetiva. Portanto, a ausência tanto do dolo quanto da culpa afasta toda a tipicidade da conduta, que então não deverá ser considerada uma infração disciplinar.

Certas condutas, entretanto, poderão ser atípicas no Direito Penal, em virtude da

inexpressiva ofensa que tiverem causado ao bem jurídico tutelado. Este é o fundamento do Princípio da Insignificância ou da Bagatela, defendido por alguns doutrinadores sob o argumento de que a tipicidade também exige que o bem jurídico protegido pela norma que prevê a infração seja efetivamente afetado, e, assim, a irrelevância da lesividade material do ato o excluiria do âmbito de proibição da norma, deixando de existir a tipicidade.

Seria possível adaptar este princípio ao Direito Disciplinar, abarcando aquelas

condutas que à primeira vista seriam enquadráveis legalmente, mas que devido ao ínfimo potencial ofensivo, não são capazes de afetar o interesse público tutelado. Contudo, como ele não consta expressamente reconhecido no ordenamento jurídico administrativo, pode também ser considerado uma decorrência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Segundo Bitencourt, “é imperativa uma ‘efetiva proporcionalidade’ entre a

‘gravidade’ da conduta que se pretende punir e a ‘drasticidade da intervenção estatal’.” 188 Obviamente, a aplicação do princípio da insignificância, externando-se em um não-

indiciamento do acusado, dependerá do caso concreto, já que a conduta deve ser realmente irrelevante dentro do contexto em que se encontra, valorada de acordo com a percepção do senso comum. Logo, a comissão deve saber diferenciar um fato insignificante para a regularidade interna da Administração Pública daquele pouco grave, mas que mereça ser apenado, pelo menos com advertência.

Como exemplo de aplicação do princípio da bagatela, a comissão não indiciaria um

servidor público contra o qual apenas restou provado o uso pessoal da máquina fotocopiadora para a reprodução de documento de identidade que será utilizado pelo acusado em assuntos particulares. De outro lado, se o servidor responsável pela operação de máquina fotocopiadora cobra de particulares a reprodução de documentos, e retém a importância para si, ainda que se trate de valores ínfimos, a conduta do acusado demonstra falta de honestidade, o que caracteriza ofensa a bem jurídico protegido pela norma, afastando a aplicação do princípio da bagatela.

Com efeito, Carneiro189 conclui:

A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a

188BITENCOURT, 2010, p. 51. 189CARNEIRO, Hélio Márcio Lopes. O verdadeiro princípio da insignificância. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2231, 10 ago. 2009 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13303>. Acesso em: 5 ago. 2013.

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inexpressividade da lesão jurídica constituem, para o Supremo Tribunal Federal, requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância.

Por fim, vale relembrar a importância do princípio da insignificância no momento do

juízo de admissibilidade para eventual instauração de procedimento disciplinar. Isto porque, conforme descrito no Tópico 7.2, a Administração Pública dispõe do “Termo Circunstanciado Administrativo” como forma de evitar a abertura de apuratórios cuja ofensa enseje tão-somente a devolução de pequenos valores, em condutas culposas.

10.4.6. ENQUADRAMENTO DAS INFRAÇÕES DISCIPLINARES Como se viu no tópico anterior, entre os elementos que devem estar presentes na

conduta do acusado para que se verifique a ocorrência de infração disciplinar, encontra-se a tipificação. Para verificar a presença deste elemento, essencial identificar qual a norma transgredida pelo acusado dentre aquelas descritas na lei como infração disciplinar, o que consiste, sumariamente, em identificar, dentre as hipóteses dos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/90, aquela que melhor corresponde ao caso concreto.

Em alguns casos, porém, a conduta do acusado se enquadra em mais de uma das

hipóteses previstas na lei, ou ainda o servidor pratica um conjunto de ações ou omissões que configuram várias condutas tipificadas como infração. Se o acusado pratica mais de uma conduta, onde cada uma tem seu respectivo enquadramento, independente um do outro, ocorre o que se chama de concurso material de infrações. Já quando o acusado através de uma única conduta viola mais de uma das hipóteses previstas na norma como infração, ocorre o concurso formal de infrações.

Tanto no concurso formal como no concurso material de infrações, na indiciação

deverão constar ambos os enquadramentos da(s) conduta(s), sendo que a diferenciação será relevante para a aplicação da pena, que será tão somente agravada no concurso formal (aplica-se a pena prevista para a infração mais grave, majorada em função do concurso), e cumulada, se compatíveis, no concurso material (aplicam-se cumulativamente as penas previstas para cada uma das infrações, sendo compatíveis).

Atente-se para a diferenciação entre concurso material ou formal de infrações e a

reincidência, no intuito de se evitar a confusão de conceitos e o consequente erro no reflexo sancionatório. A condenação em mais de uma hipótese legal no mesmo processo administrativo disciplinar (concurso material ou formal de infrações) não torna o servidor público reincidente. Ele somente o será quando, uma vez condenado e apenado, sobrevier nova condenação em processo distinto, dentro do intervalo de tempo disposto na lei.

10.4.7. CONFLITO APARENTE DE NORMAS Existem ainda situações onde a única conduta praticada apenas aparenta configurar mais de uma infração, especialmente quando levamos em consideração que a descrição das infrações disciplinares, tal como previstas na Lei nº 8.112/90, não apresenta uma rigidez de conceitos como vemos no Direito Penal. Este “conflito aparente de normas”, como é chamado, é resolvido através da aplicação de critérios, também chamados de princípios, advindos do Direito Penal, que orientam o correto enquadramento da conduta.

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Inicialmente, deve-se descartar as hipóteses de concurso formal ou material de infrações, conforme discutido no tópico acima. Em seguida, aplica-se os princípios da alternatividade, consunção, subsidiariedade e especialidade, que auxiliam na exclusão daqueles enquadramentos inadequados para o caso. Pelo princípio da alternatividade, o intérprete deve buscar verificar se a conduta do servidor efetivamente comporta os enquadramentos previstos em dois ou mais dispositivos, porquanto em vários casos há incompatibilidade entre as infrações, ou seja, se ocorre a infração “A”, incabível cogitar-se da infração “B”. Não é possível enquadrar um ato em duas hipóteses legais contraditórias, onde, por exemplo, uma delas exija a configuração do dolo, ao passo em que a outra tenha natureza culposa. Para a compreensão do princípio da subsidiariedade, deve-se entender que o adjetivo “subsidiário” remete a algo que é secundário. Lança-se mão deste princípio quando a definição de uma hipótese legal abrange ou contém a outra, sendo possível perceber que ambas versam sobre a mesma espécie de conduta. E o que irá diferenciá-las é justamente a gravidade da que fora praticada no caso concreto, graduada pelas circunstâncias dos fatos, pelo dano causado, e também pelo ânimo subjetivo do acusado, dentre outros. No conflito entre duas normas deste feitio, prevalecerá a mais grave quando puder ser demonstrada nos autos também a faceta mais grave da conduta. Portanto, daí advém a subsidiariedade: a hipótese legal de menor gravidade é secundária e somente irá figurar na indiciação quando não estiverem comprovados os elementos que autorizem o enquadramento na hipótese mais grave. Esse princípio irá definir, por exemplo, qual das seguintes condutas previstas na Lei nº 8.112/90 será aplicada ao caso concreto: violação do dever de “guardar sigilo sobre assunto da repartição” (art.116, VIII) ou “revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo” (art. 132, IX). Por sua vez, aplica-se o princípio da consunção quando for possível observar que, para que uma das hipóteses legais tenha ocorrido, ela necessariamente “consumiu” a outra. Nesse sentido, presume-se que a infração “consumida” é menos grave, geralmente a violação de um dever, e o acusado tem que cometê-la para alcançar a infração principal, mais grave, fazendo com que esta prevaleça no momento da indiciação. Dessa forma, a título de exemplo, o dever de ser leal às instituições a que servir (art.116, II) é evidentemente violado quando o servidor aplica irregularmente o dinheiro público (art. 132, VIII) ou vale-se do cargo para beneficiar terceiro (art. 117, IX), todos eles dispositivos da Lei nº 8.112/90. No caso, prevalecerão, em vista do princípio da consunção, estes enquadramentos em detrimento do art. 116, II, porquanto o descumprimento do dever de lealdade constitui tão somente etapa prévia à execução das condutas previstas no art. 132, VIII ou no art. 117, IX. Finalmente, o princípio da especialidade mostra-se útil em sede disciplinar principalmente quando o acusado for regido por estatuto próprio, além da Lei nº 8.112/90, uma vez que, por este critério, deve-se procurar verificar se as infrações aparentemente em conflito guardam uma relação de gênero e espécie, sendo que a norma especial ou específica prevalece sobre as disposições gerais.

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10.5. ENQUADRAMENTOS PREVISTOS NA LEI Nº 8.112/90

Nos itens que seguem, serão objetivamente analisadas todas as condutas que a Lei nº 8.112/90 caracterizou como infrações disciplinares. De maneira geral, é possível classificá-las em quatro grupos, de acordo com a gravidade da penalidade correspondente:

a) infrações leves: são aquelas que afrontam os deveres descritos no art. 116 da Lei nº 8.112/90 ou configuram as proibições descritas no art. 117, incisos I a VIII e XIX, da mesma Lei, às quais são aplicáveis as penalidades de advertência e suspensão; b) infrações médias: são aquelas puníveis exclusivamente com suspensão, encontram-se elencadas no art. 117, incisos XVII e XVIII e e no art. 130, §1°. c) infrações graves: são aquelas descritas no art. 117, incisos IX a XVI, e art. 132, incisos II, III, V, VII, IX e XII da Lei nº 8.112/90; e d) infração gravíssima: são aquelas descritas no art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI, da Lei nº 8.112/90, às quais é aplicável a penalidade de demissão, sendo que a lei proíbe o servidor expulso de retornar ao serviço público federal.

Observa-se que o legislador intentou graduar as infrações e, por conseguinte, suas

consequências disciplinares, criando um sistema de tipos abertos, dificultando a atividade sancionadora em razão da proximidade das irregularidades descritas na legislação.

10.5.1. DESCUMPRIMENTO DE DEVERES

Antes de adentrar a análise propriamente dita de cada um dos deveres contidos no art. 116 da Lei nº 8.112/90, importante destacar que, diante da realidade institucional de cada órgão ou entidade, estes poderão estabelecer, em seus normativos internos, detalhamento e/ou complementação desses deveres.

Dessa forma, conduta de servidor de autarquia que acarretar descumprimento de

dever inscrito exclusivamente em seu Regimento Interno pode ensejar aplicação de penalidade disciplinar por ofensa ao disposto no art. 116, inciso III, com fulcro na parte final do artigo 129 da Lei nº 8.112/90. Senão vejamos:

Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave. (grifo nosso)

Convém relembrar que, ainda com fundamento na parte final do referido artigo, a transgressão aos deveres funcionais descritos no artigo 116 do Estatuto dos Servidores Públicos pode resultar em advertência ou suspensão, a depender das circunstâncias do caso concreto.

Isto porque a parte final do art. 129 autoriza o agravamento da penalidade de

advertência nos casos de violação a dever funcional, desde que presentes elementos que justifiquem a imposição de penalidade mais gravosa, tal como dano financeiro de grande monta.

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10.5.1.1. ART. 116, INCISO I (EXERCER COM ZELO E DEDICAÇÃO AS ATRIBUIÇÕES DO CARGO)

O foco do dever acima descrito está na maneira como o servidor desempenha suas atividades dentro dos limites da função pública, sendo observados requisitos quantitativos e qualitativos, associando-se rendimento à eficiência na elaboração dos trabalhos.

Ressalte-se que, ao ser avaliada a conduta supostamente violadora de dever

funcional, cumpre à comissão observar se as atividades desempenhadas pelos demais servidores se compatibilizam com aquela apurada em sede disciplinar. Por vezes, o colegiado entende que o servidor deveria ter sido mais diligente em suas atividades, sendo que esta exigência importaria em um desempenho extraordinário por parte do acusado, excedendo a conduta normal exigível.

O autor José Armando da Costa associa ao termo “zelo” à ideia de cuidado e desvelo,

entendendo o termo “dedicação” como abnegação, consagração ou devotamento190. Ressalte-se que não é necessário que o servidor habitualmente exerça de forma

desleixada suas atribuições para a caracterização de ofensa ao dever acima descrito, uma vez que a infração se perfaz com conduta única, ainda que nos assentamentos funcionais do servidor constem elogios ou menções honrosas.

10.5.1.2. ART. 116, INCISO II (SER LEAL ÀS INSTITUIÇÕES A QUE SERVIR)

Entende-se por lealdade, para fins de cumprimento do dever aqui analisado, a observância das regras e princípios que norteiam o exercício das competências e atribuições da instituição à qual o acusado/investigado está vinculado. Conforme bem apontado por José Armando da Costa, “(...) lealdade, aqui erigida em dever funcional, não é em relação à pessoa do chefe, e sim às instituições a que serve o funcionário público”191.

Tal dever pressupõe não só observância das regras e dos princípios

regulamentadores da atividade administrativa, mas também, o respeito à hierarquia e subordinação inerentes ao poder hierárquico, como forma de lealdade à instituição. Ademais, não se pode olvidar que lealdade também é demonstrada pela postura colaborativa ao reportar à autoridade competente eventuais falhas detectadas passíveis de acarretar prejuízo à Administração, seja de cunho normativo ou técnico.

Do mesmo modo, este enquadramento veda a utilização indevida da imagem

institucional quando desvinculada de interesse genuinamente público e afeto às atividades do órgão ou entidade a qual representa.

10.5.1.3. ART. 116, INCISO III (OBSERVAR AS NORMAS LEGAIS E REGULAMENTARES)

O dever descrito no inciso III do art. 116 da Lei nº 8.112/90 implica observância de qualquer norma jurídica, seja constitucional, legal ou infralegal. Assim, é possível aplicar penalidade disciplinar a servidor que tenha descumprido lei, regulamento, decreto, regimento, portaria, instrução, resolução, ordem de serviço, bem como decisões e interpretações vinculantes e

190 COSTA, 2009, p. 327. 191 COSTA, 2009, p. 329.

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princípios neles inscritos. Dessa forma, a comissão deve indicar, no indiciamento, qual norma teria sido descumprida pelo servidor, a fim de lhe garantir o pleno exercício do direito à ampla defesa.

Cumpre destacar que não cabe ao servidor avaliar a legalidade da norma ou a

conveniência de cumpri-la ou não; caso se depare com norma evidentemente ilegal ou inconstitucional, deve provocar a autoridade competente para que a mesma seja alterada ou excluída do ordenamento jurídico ou, em casos graves, para representar contra a autoridade que a editou. Dessa forma, mesmo que em cumprimento à norma ilegal ou inconstitucional, ao servidor não será aplicada penalidade disciplinar por essa conduta. Tampouco poderá o servidor alegar desconhecimento da norma ou falta de treinamento/capacitação para justificar sua inobservância, conforme os entendimentos abaixo:

Formulação Dasp 73. Erro de direito Aplica-se ao Direito Administrativo o princípio de que “ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece”. Parecer-Dasp. Abandono de cargo – ignorância da lei A ignorância da lei não é cláusula excludente da punibilidade.

Uma vez que, na grande maioria dos casos, as infrações disciplinares se realizam por

meio da inobservância de alguma norma jurídica, recomenda-se que as comissões disciplinares, bem como a autoridade julgadora, avaliem se a infração ao dever aqui discutido foi consumida por infração de maior gravidade ou especificidade.

Uma particularidade do dever aqui analisado refere-se às repercussões disciplinares

do acesso imotivado a sistemas informatizados, isto é, para finalidade sem motivação legal. Convencionou-se realizar uma gradação da conduta, a depender da qualidade de quem recebe a informação acessada imotivadamente. Caso o servidor revele o conteúdo da consulta a outro servidor do órgão, ao qual ambos estão vinculados, tal conduta poderá caracterizar infração ao dever de guardar sigilo, inscrito no inciso VIII do art. 116 da Lei nº 8.112/90; quando o conteúdo é revelado a particulares, tal ato pode caracterizar a infração descrita no inciso IX do art. 132 da Lei nº 8.112/90 (revelação de segredo obtido em razão do cargo). Destaque-se, também, que o servidor tem o dever de guardar, proteger e utilizar a senha que lhe dá acesso aos sistemas, o que poderá implicar inobservância do dever inscrito no inciso I do art. 116 da Lei nº 8.112/90.

No que se refere ao sigilo de informações sobre operações financeiras, o art. 10 do

Decreto 4.489/2002 expressamente determinou a caracterização da infração aqui comentada quando servidor público utilizar ou viabilizar a utilização indevida dessas informações. No art. 11 do mesmo diploma legal, determina-se a responsabilização administrativa pela indevida atribuição, fornecimento ou empréstimo de senha, bem como pelo uso indevido de senha restrita.

10.5.1.4. ART. 116, INCISO IV (CUMPRIR AS ORDENS SUPERIORES, EXCETO QUANDO MA-NIFESTAMENTE ILEGAIS)

Com fundamento na presunção de legalidade dos atos administrativos, bem como

em virtude do poder hierárquico inerente à atividade estatal, os servidores públicos têm o dever de acatar as ordens superiores. Nessa linha, o poder hierárquico estabelece uma relação de subordinação entre os agentes públicos, exteriorizada pelo dever de obediência às ordens e instruções emanadas pelos respectivos superiores hierárquicos.

Contudo, à medida que a conduta pública vincula-se precipuamente ao princípio da

legalidade, as ordens manifestamente ilegais não merecem observância ou cumprimento por parte do servidor. Ressalte-se, porém, que o servidor não pode fundar-se apenas na suspeita da

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ilegalidade da ordem para deixar de cumpri-la, sendo indispensável o flagrante descumprimento da lei na emissão do ato superior.

Desta forma, destaca-se que os agentes públicos têm o dever de acatar as ordens de

seus superiores, desde que sejam legais, isto é, quando pautadas nos ditames da lei e emitidas de forma legítima (emanada de autoridade competente, respeito às formalidades exigidas e com objeto lícito).

No que tange à responsabilização pela emissão de ato ilegal, há de se ressaltar que o

servidor deve possuir condições de perceber a ilegalidade da ordem a ele dirigida. Isto porque, caso o servidor não tenha condições de identificar a ilicitude da ordem – tendo conhecimento somente o superior hierárquico –, apenas este último sofrerá consequências disciplinares.

Do mesmo modo, conforme discutido no item 10.4.2.1.1, que trata das excludentes

de culpabilidade, a coação moral irresistível impulsiona à inexigibilidade de conduta diversa por parte do servidor, o que afasta o terceiro elemento para caracterização da infração disciplinar.

CP - Coação irresistível e obediência hierárquica

Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o au-tor da coação ou da ordem.

Formulação Dasp nº 68 - Co-autoria.

São co-autores da infração disciplinar o funcionário que a pratica em obedi-ência à ordem manifestamente ilegal de superior hierárquico e o autor dessa ordem.

No caso da ordem ser manifestamente ilegal, ou seja, notoriamente auferível como

um mandamento ilícito, o agente subordinado deve recusar seu cumprimento, em respeito à legalidade. Um exemplo disso é a hipótese de um servidor público federal receber ordem de seu superior hierárquico de nomear pessoa para ocupar determinado cargo público em que se exige legalmente provimento por concurso público (cargo público efetivo), sem que esta tenha prestado qualquer processo seletivo.

Na situação colocada, por ser manifestamente contrária ao que prevê a lei, o

servidor não poderá cumprir a ordem, sob pena de também ser a ele imputada responsabilidade. Ao contrário, deverá representar contra a ilegalidade, na forma do dever previsto no art. 116, XII, desta lei (“representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder”).

A propósito da discussão, vale relembrar que o descumprimento de ordem judicial

por servidor não incorre em transgressão ao presente dispositivo, pois sua capitulação requer a desobediência a ordens de superiores com vinculação hierárquica. De outro lado, a independência entre as instâncias assegura que o servidor possa ser responsabilizado em qualquer outra seara do direito, mesmo que não haja configuração de ilícito administrativo pelo descumprimento da ordem judicial.

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10.5.1.5. ART. 116, INCISO V (ATENDER COM PRESTEZA: A) AO PÚBLICO EM GERAL, PRESTANDO AS INFORMAÇÕES REQUERIDAS, RESSALVADAS AS PROTEGIDAS POR SIGILO; B) À EXPEDIÇÃO DE CERTIDÕES REQUERIDAS PARA DEFESA DE DIREITO OU ESCLARE-CIMENTO DE SITUAÇÕES DE INTERESSE PESSOAL; ÀS REQUISIÇÕES PARA A DEFESA DA FAZENDA PÚBLICA

O mandamento legal é o de que o servidor deve acolher com a máxima rapidez e

agilidade às solicitações emanadas dos Administrados, no exercício do direito constitucional de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal de 1988.

CF-88 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; (Grifos nossos)

A Lei nº 8.112/90 regulamenta esta regra ao prever que deverão ser atendidos com

celeridade e prontidão os pedidos de informações realizados por qualquer Administrado, desde que tais informações não se enquadrem no conceito de documentos sigilosos, as solicitações de certidões para a defesa de direito ou esclarecimento de interesse pessoal e as requisições da Fazenda Pública, pessoas jurídicas de direto público, para sua defesa em processos judiciais ou administrativos.

Nesse sentido, a morosidade ou injustificada lentidão do servidor em atender aos

pedidos de direito configura o ilícito previsto neste dispositivo.

10.5.1.6. ART. 116, INCISO VI (LEVAR AO CONHECIMENTO DA AUTORIDADE SUPERIOR AS IRREGULARIDADES DE QUE TIVER CIÊNCIA EM RAZÃO DO CARGO)

Os servidores têm o dever de lealdade às instituições a que servirem, de acordo com

o art. 116, II, da Lei nº 8.112/90, bem como, de forma ampla, ao próprio serviço público e à legalidade dos atos praticados. Em atenção ao dever de lealdade e à observância à legalidade administrativa, a lei impõe ao servidor a obrigação de denunciar a ocorrência de quaisquer irregularidades de que tome conhecimento em razão do exercício do cargo público.

Um exemplo desta hipótese normativa é a situação de um servidor público que seja

integrante de comissão de licitação de seu respectivo órgão que, presenciando fraude no curso do certame, praticada pelos outros servidores que compõem o colegiado, queda-se inerte e não representa à autoridade superior acerca do fato. Por ter silenciado em não cientificar a autoridade superior da ilicitude que teve ciência, o servidor fere o dever previsto no art. 116, VI, da Lei nº 8.112/90.

Deve-se ressaltar que somente será responsabilizado, por infringir este dever, o

servidor que eventualmente tomar conhecimento de irregularidade em virtude do exercício do cargo, não se aplicando à hipótese de ter sabido do fato em situações fora de suas atividades

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profissionais. Isto é, o dever somente se impõe quando a ciência da ilicitude decorre do exercício das atribuições do cargo.

Repise-se a necessidade de cautela no exercício da representação, pois o mau uso

dessa prerrogativa pode incorrer em desvio de finalidade – porquanto represente mera perseguição pessoal –, capitulando no ilícito administrativo de descumprimento ao dever de lealdade.

Nesta hipótese, a comissão deve evidar todos os esforços no sentido de comprovar a

má-fe do servidor cuja representação determinou real ou potencial prejuízo a terceiros, antes de impor-lhe sanção com fundamento neste fato isolado. Tal medida se impõe em vista da possibilidade de reparação penal ou civil em face do servidor causador de prejuízo a terceiros face à representação infundada.

De outro lado, vale lembrar que o Estatuto dos Servidores Públicos, em seu art. 126-

A, trouxe especial proteção ao servidor que revele atos ilícitos praticados no âmbito da esfera pública no estrito cumprimento da sua função pública de representação. Senão vejamos:

Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função pública.

10.5.1.7. ART. 116, INCISO VII (ZELAR PELA ECONOMIA DO MATERIAL E A CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO)

Em princípio, o Estatuto prevê dois deveres diversos neste mesmo inciso. O primeiro é o zelo pela economia do material, o que nos remete à classificação de uma conduta culposa. Deve o servidor ter o devido cuidado e interesse em economizar, em gastar, com moderação e parcimônia, o material de expediente de sua repartição. A regra impõe a obrigação de que seja evitado, ao máximo, o desperdício dos materiais de consumo da unidade, bens de uso ordinário e habitual (Exemplo: papéis, canetas e os diversos materiais de pronto uso, necessários ao cumprimento das atividades públicas).

Além disso, o servidor deve conservar o patrimônio público. Este abrange o anterior,

pois o termo “patrimônio público” alcança tanto os bens de uso diário (material de expediente), quanto os bens que compõem o acervo permanente da unidade, os bens duráveis (Exemplo: veículo, imóvel, móveis catalogados, etc). O servidor deve empreender esforços para preservar e defender o patrimônio público, evitando dilapidação gratuita e prejuízo ao erário.

Para caracterização da conduta disposta neste inciso, será necessária a comprovação

de conduta objetivamente aferível do servidor que indique o desleixo e o malbarateamento do patrimônio público, bem como a demonstração da presença do elemento culposo. Na hipótese de ato doloso, possivelmente a conduta poderá ser subsumida nas condutas previstas no art. 117, XVI, ou no art. 132, X, ambos da Lei nº 8.112/90.

Recomenda-se que o processo disciplinar somente deva ser instaurado nos casos em

que o prejuízo ao patrimônio público seja significativo, não ocorrendo infração disciplinar quando a conduta culposa do servidor atingir bens de valor ínfimo, como um grampeador ou uma caneta, em atenção ao princípio da insignificância. Ainda, quando a conduta de dano ou desaparecimento de bem for culposa, com prejuízo até o valor previsto na lei que autoriza a dispensa de licitação

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(atualmente de R$ 8.000,00, nos termos do art. 24, II, da Lei nº 8.666/93), deverá ser adotado, no âmbito do Poder Executivo Federal, o procedimento previsto na Instrução Normativa-CGU nº 4, de 17/02/09, que prevê o Termo Circunstanciado Administrativo (TCA), conforme já tratado neste Manual.

10.5.1.8. ART. 116, INCISO VIII (GUARDAR SIGILO SOBRE ASSUNTO DA REPARTIÇÃO) A norma prevê o dever do servidor de não revelar a terceiros todo e qualquer

assunto que diga respeito às atividades internas da repartição em que exerce sua função. Na lição de Léo da Silva Alves:

“guardar sigilo, como está nos estatutos, tem o sentido de evitar que os servidores espalhem informações em prejuízo à segurança e à regularidade dos serviços. Aqui, o agente não está atendendo ao interesse objetivo de um cidadão, mas levando gratuitamente informações a terceiros, muitas vezes comprometendo a eficácia de ações públicas”192

Esta norma visa preservar os assuntos internos à repartição (afetos exclusivamente

à repartição), que não podem ser divulgados para o público em geral. Considerando a normatização mais gravosa trazida pelo art. 132, IX (conduta de

revelar segredo do qual se apropriou em razão do cargo), é oportuno que a comissão avalie o elemento subjetivo da conduta.

Nas específicas hipóteses de quebra do sigilo dos documentos protegidos pelo

regime de sigilo nos termos da Lei nº 12.527/2011, bem como dos dados protegidos por sigilo bancário, fiscal e telefônico, a eventual violação ao dever poderá configurar o crime contra a Administração Pública, previsto no art. 325 do Código Penal (Violação de sigilo funcional). Nessa esteira, o servidor incorrerá nas condutas previstas no art. 132, I, da Lei nº 8.112/90 (crime contra a Administração Pública) ou no art. 132, IX, do mesmo diploma, quando implicar em revelação de segredo de que se tenha apropriado em razão do cargo.193

A conduta em questão somente será configurada na modalidade culposa, quando por

ato negligente ou imperito, o servidor venha a revelar segredo da repartição de que tenha conhecimento. Caso seja constatado o dolo do agente, má-fé na revelação ou divulgação do segredo de que devia guardar sigilo, o enquadramento legal passará a ser o previsto no citado art. 132, IX, desta Lei nº 8.112/90 (conduta de revelar segredo do qual se apropriou em razão do cargo).

Ao passo que a conduta prevista no art. 116, VIII, do Estatuto refere-se ao dever de

sigilo quanto a fatos que digam respeito ao ambiente da repartição, envolvendo assuntos formais ou mesmo informais do órgão, o tipo disciplinar insculpido no art. 132, IX, da Lei nº 8.112/90 é bastante específico, alcançando apenas a quebra de segredo de que se tenha apropriado em razão do cargo, como, por exemplo, a revelação indevida de dados protegidos por sigilo fiscal, bancário ou telefônico.

Ultrapassado o critério subjetivo, vale destacar a edição da Lei nº 12.527/2011 (lei

de acesso à informação), que regulamenta o tratamento a ser dado ao direito de petição constitucionalmente protegido diante das informações qualificadas como públicas.

192 ALVES, 2008, p. 86.

193 COSTA, 2009, p. 331

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Ao estabelecer as específicas hipóteses autorizadoras de quebra de sigilo documental, na mesma linha, a Lei nº 12.527/2011 (lei de acesso à informação) prevê a configuração de conduta ilícita e consequente responsabilização do agente público que incorrer nos casos previstos em seu art. 32, sendo a ele aplicável, no mínimo, a penalidade de suspensão. Senão vejamos:

Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público ou militar:

II - utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar, alterar ou ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou função pública;

IV - divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal;

§ 1o Atendido o princípio do contraditório, da ampla defesa e do devido pro-cesso legal, as condutas descritas no caput serão consideradas:

II - para fins do disposto na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e suas alterações, infrações administrativas, que deverão ser apenadas, no mínimo, com suspensão, segundo os critérios nela estabelecidos.

§ 2o Pelas condutas descritas no caput, poderá o militar ou agente público responder, também, por improbidade administrativa, conforme o disposto nas Leis nº 1.079, de 10 de abril de 1950, e nº 8.429, de 2 de junho de 1992. (Grifo nosso)

À luz da especificidade dada pelo normativo em destaque, no qual trata

especificamente de condutas ilícitas e as equipara às infrações administrativas encartadas na Lei nº 8.112/90, pode-se inferir, por meio de uma interpretação teleológica, que o legislador não teve a intenção de alterar o conteúdo do Estatuto dos Servidores Públicos, mas tão-somente “qualificar” atos infracionais relacionados à informação pública.

Ora, a Lei nº 12.527/2011 trata do tratamento a ser dispensado às informações

qualificadas como públicas pela autoridade competente. Ainda, define o modo por meio do qual o cidadão poderá exercer seu direito de petição e, por fim, obter acesso à informação de seu interesse.

Logo, para a caracterização das infrações capituladas na legislação em apreço, é

pressuposto formal que tenha sido realizado pedido formal de acesso à informação por cidadão, recaindo o dever de proteção da informação tida como restrita em todos os níveis de apreciação da petição. Portanto, ao fazer referência às infrações descritas na Lei nº 8.112/90, entende-se que a comissão deverá, nos casos em que houve revelação de informação indevidamente, apreciar se esta ocorreu em decorrência de um pedido de acesso à informação.

Nessa esteira, havendo a revelação imprópria de informação no curso da análise do

pedido de acesso, a comissão deverá aplicar, no mínimo, a penalidade de suspensão – mesmo que se enquadre no art. 116, VIII, da Lei nº 8.112/90.280.

10.5.1.9. ART. 116, INCISO IX (MANTER CONDUTA COMPATÍVEL COM A MORALIDADE ADMINISTRATIVA)

Os servidores devem pautar suas condutas por padrões éticos elevados. Não se trata

de respeito à moralidade comum imposta pela sociedade atual, mas do atendimento a um padrão

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específico, denominado de moralidade administrativa. Tal regra foi erigida ao status de princípio constitucional, em atenção à previsão disposta no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988.

O conceito de moralidade em sentido amplo abarca todas as condutas externas do

indivíduo no grupo social no qual está inserido. Plácido e Silva conceitua nos seguintes termos o ato imoral no sentido mais genérico:

IMORAL. Formado de moral, regido pelo prefixo negativo in, quer o vocábulo qualificar tudo o que vem contrariamente à moral ou aos bons costumes ou que é feito em ofensa a seus princípios. Assim, em relação à moral, o imoral está na mesma posição do ilícito em relação à lei. O ato imoral diz-se imoralidade, o que representa toda ofensa ou atentado ao decoro ou à decência pública, bem como todo ato de desonestidade ou de improbidade194.

De outro lado, é oportuno trazer à baila a lição da professora Di Pietro, que

conceitua especificamente moralidade administrativa:

Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa195.(Grifos nossos)

Nesse sentido, a moralidade a que o servidor deve alinhar-se é aquela interna à

Administração Pública, vinculada ao exercício de suas funções, isto é, associada ao exercício do cargo público, à função pública. Os atos da vida privada que não repercutam direta ou indiretamente na vida funcional do servidor não ferem a moralidade administrativa, apesar de, em tese, violarem a moralidade comum do seio social. Assim, possível descumprimento de regra da moral privada não significa, por si só, violação à moralidade administrativa. Ressalta-se que tais condutas privadas podem ser censuráveis nos códigos de ética funcional, mas não na via disciplinar.

Diversos tipos de conduta indisciplinar previstos na Lei nº 8.112/90, em seus arts.

116, 117 e 132, têm como um dos seus fundamentos a violação ao princípio da moralidade administrativa. Por conseguinte, a subsunção de determinada conduta do agente no inciso IX do art. 116 somente deverá ser realizada se o ato infracional não configurar enquadramento mais específico, posto ser este dispositivo de aplicação subsidiária ou residual.

Uma vez que o dispositivo admite prática de ato doloso ou culposo, é necessária

avaliação minuciosa da possível finalidade do ato praticado, visando ao enquadramento adequado às espécies legalmente definidas. Tanto é que, na hipótese da conduta configurar ato de improbidade administrativa, na esteira dos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, o enquadramento do ilícito disciplinar será o previsto no inciso IV do art. 132 da Lei nº 8.112/90.

Desse modo, as condutas da vida externa do servidor desvinculadas da função

pública não são passíveis de sanção disciplinar, podendo receber censura apenas nos códigos de ética profissionais (no serviço público federal, vale o Decreto nº 1.171/94 – Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal). De forma diversa, caso a conduta infracional ofenda ao princípio da moralidade administrativa, poderá ser enquadrada neste inciso IX do art. 116 do Estatuto ou em outras disposições disciplinares da lei, caso configure conduta específica do tipo.

194 SILVA, 2010, p. 414. 195 DI PIETRO, 2006, p. 78.

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10.5.1.10. ART. 116, INCISO X (SER ASSÍDUO E PONTUAL AO SERVIÇO) É o dever de comparecimento ao local de trabalho nos dias e horários preestabelecidos. Em geral, as normas que cuidam da jornada de trabalho em âmbito federal remetem o tema à regulamentação interna, de modo que os dirigentes máximos de cada órgão ou entidade são os responsáveis por estabelecer o horário de funcionamento das respectivas pastas, obedecidos os parâmetros traçados pela Lei nº 8.112/90. O dispositivo especifica dois deveres autônomos, quais sejam, ser assíduo e pontual, o que significa que a infração disciplinar se consuma com a inobservância de qualquer um deles. No contexto da norma acima transcrita, ser assíduo é qualidade de quem comparece com regularidade e exatidão ao lugar onde tem de desempenhar suas funções196. Já a pontualidade está relacionada à precisão no cumprimento do horário de trabalho197. A mera existência de faltas ou atrasos do servidor, desde que justificados, não configura o ilícito funcional em tela. Para que tais condutas produzam efeitos disciplinares, é necessário que o agente atrasado ou faltoso não apresente justificativa, ou que ela, uma vez apresentada, não seja acatada pela chefia imediata, que, neste caso, deverá expor os motivos da recusa. A rigor, faltas e atrasos injustificados devem gerar os respectivos descontos na remuneração do servidor e não autorizam compensação em dias ou horários posteriores. É o que dispõe o artigo 44 da Lei nº 8.112/90. Importante ressaltar que a efetivação de tais descontos não afasta a incidência da infração disciplinar. Da mesma forma, falta ou atraso injustificado, ainda que seguido de compensação, não elide a ofensa ao dever de assiduidade/pontualidade. Da literalidade da norma inscrita no inciso X do estatuto disciplinar, extrai-se que não existe tolerância para a inassiduidade ou impontualidade do servidor público federal. Assim, ao menos em tese, uma única falta ou atraso injustificado autorizaria a incidência da norma, a depender da análise do caso concreto. Recomenda-se, todavia, que o enquadramento no inciso em questão seja reservado aos comportamentos reiterados, tendo em conta que o verbo “ser” sugere certa repetição de conduta. O dever de assiduidade previsto no inciso X do artigo 116, da Lei nº 8.112/90, não se confunde com a inassiduidade habitual, infração grave, capitulada no artigo 132, III, da Lei nº 8.112/90, cujos requisitos de configuração constam do art. 139, da Lei nº 8.112/90. Também não se deve confundir o dever de pontualidade com a proibição de ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato (art. 117, I, Lei nº 8.112/90). Embora se reconheça que o servidor que porventura incida nesta última proibição também estaria afrontando o dever de pontualidade, a distinção deve ser feita à luz da frequência em que os fatos são registrados. Se o comportamento for isolado, não havendo reiteração de atos, afasta-se a aplicação do inciso X do artigo 116, Lei nº 8.112/90, e o enquadramento deve ser feito no artigo 117, I, já que este não pressupõe reiteração de conduta. Por fim, a inassiduidade do servidor, se verificada em razão da adesão deste à movimentos grevistas, não importa em ofensa ao artigo 116, X, a menos que a greve seja declarada ilegal pelo Poder Judiciário e o servidor se recuse a retornar ao trabalho. Sobre o tema “assiduidade e pontualidade” destacam-se as seguintes normas e orientações normativas:

196 FERREIRA, 2009. 197 Idem.

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a) Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995 – Dispõe sobre a jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais. b) Decreto nº 1.867, de 17 de abril de 1996 - Dispõe sobre instrumento de registro de assiduidade e pontualidade dos servidores públicos federais da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. c) Formulação-Dasp nº 147. Impontualidade: As entradas com atraso e as saídas antecipadas, legitimamente tais, não são conversíveis para nenhum efeito, em faltas ao serviço. d) Lei nº 8.112/90 – Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais - artigos 19 e 44.

10.5.1.11. ART. 116, INCISO XI (TRATAR COM URBANIDADE AS PESSOAS) O inciso exige dos servidores a adoção de postura compatível com o desempenho da função pública. É que uma vez no exercício das atribuições relativas ao seu cargo, os atos praticados pelo servidor são atribuídos ao próprio Estado, daí a exigência de observância de determinados padrões de comportamento. Urbanidade é sinônimo de cortesia, afabilidade198. No âmbito do estatuto funcional, significa que os servidores devem agir de forma respeitosa no trato com as pessoas com quem tenham contato no exercício de suas atividades, aí abrangidos os colegas de trabalho, superiores, subordinados e os particulares. Para que o ilícito funcional se consume, é necessário que a conduta seja praticada por servidor no exercício de suas atribuições. Assim, o inciso em questão não abarca o comportamento do servidor no âmbito de sua vida privada. Também não se exige do servidor polidez excessiva, mas, conforme dito, apenas que cumpra suas atribuições com acatamento e respeito. Não existe forma definida para a configuração do ilícito funcional em tela. Isso significa que a falta de urbanidade pode ocorrer de forma verbal, escrita ou até mesmo gestual, podendo alcançar, inclusive, os signatários de documentos oficiais. Da literalidade do dispositivo, extrai-se que o dever em questão é incondicional, sendo que, a rigor, sua observância é obrigatória, ainda que o servidor tenha sido ofendido anteriormente, é dizer, não se tolera a falta de urbanidade, mesmo quando praticada a título de revide. 10.5.1.12. ART. 116, INCISO XII (REPRESENTAR CONTRA ILEGALIDADE, OMISSÃO OU ABUSO DE PODER) O dispositivo visa tutelar a probidade no serviço público, incumbindo os próprios servidores de fiscalizar o uso regular dos poderes administrativos. Em muito se assemelha ao dever arrolado no inciso VI do artigo 116 do estatuto funcional, mas com ele não se confunde. É que enquanto aquele dispositivo estabelece um dever genérico de representação, o inciso em tela trata especificamente do dever de o servidor representar contra autoridade que lhe seja hierarquicamente superior.

198 Idem.

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A representação é o instrumento que permite ao servidor viabilizar o cumprimento de tal dever e constitui-se em peça escrita, sem maiores exigências formais, bastando que dela conste a narrativa clara dos fatos que envolvam a suposta ilegalidade, omissão ou abuso de poder. A norma em questão abrange três situações. A primeira delas é a ilegalidade, assim entendida como qualquer ato que desrespeite as normas legais e regulamentares a que os servidores estejam submetidos. Desse modo, o termo “ilegalidade” deve ser entendido em seu sentido amplo, abrangendo não apenas a ofensa às leis, mas também os atos administrativos normativos em geral (decretos, resoluções, portarias, regimentos, etc).

Já a omissão é o não fazer aquilo que juridicamente se devia fazer. De se notar, pois, que, sob o ponto de vista disciplinar, a omissão do superior hierárquico só é relevante quando desrespeita normas e princípios jurídicos, o que significa que, a rigor, omissões relativas a deveres morais do superior hierárquico não geram o dever de representar.

Finalmente, o abuso de poder é o gênero que tem como espécies o excesso de poder

(“quando o agente público exorbita de suas atribuições”199) e o desvio de finalidade (pratica ato com inobservância do interesse público ou com objetivo diverso daquele previsto explícita ou implicitamente na lei”200). Acrescente-se que, além de figurar como abuso de poder, é possível a subsunção da conduta ilícita às hipóteses previstas da Lei nº 4.898/65, que “regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade”. Ademais, forçoso observar que a consumação da infração disciplinar ocorre no momento em que o servidor, ao ter conhecimento do ato ilegal, omisso ou abusivo, abstém-se de representar em desfavor do seu superior hierárquico. Por fim, entende-se haver a violação desse dever funcional apenas nos casos em que o servidor tenha consciência da ilegalidade, omissão ou abuso decorrente do ato praticado pelo superior hierárquico; e, mesmo diante da ciência da irregularidade de tal fato, abstenha-se de representar (dolo).

10.5.2. INFRAÇÃO ÀS PROIBIÇÕES O art. 117 da Lei nº 8.112/90 prevê uma série de condutas que são vedadas aos servidores públicos. Parte delas constituem as chamadas infrações leves, sujeitas que estão às penalidades de advertência ou suspensão (incisos I a VIII e XIX), conforme autoriza o art. 129. Já os incisos IX a XVI, por sua vez, são infrações sujeitas à pena de demissão (graves), e, por fim, os incisos XVII e XVIII são apenados com suspensão (médias). Neste ponto, vale ressaltar que a atuação da autoridade administrativa na dosimetria da penalidade deve considerar o que informa o art. 128 do Estatuto dos Servidores Públicos:

Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.

199 DI PIETRO, 2006, p. 239. 200 Idem, p. 242.

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Logo, a autoridade julgadora deverá utilizar-se dos critérios previstos no art. 128

visando compatibilizar a reprimenda com a infração cometida, a fim de subsidiar o agravamento previsto na parte final do art. 129, o qual autoriza a aplicação de penalidade de suspensão mesmo nos casos em que houve a violação dos dispositivos correspondentes à pena de advertência.

Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave. (grifo nosso)

Isto posto, seguem breves comentários sobre cada uma das infrações previstas no art. 117.

10.5.2.1. ART. 117, INCISO I (AUSENTAR-SE DO SERVIÇO DURANTE O EXPEDIENTE, SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO CHEFE IMEDIATO)

Conforme disciplina o art. 19 da Lei nº 8.112/90, regulamentado pelo Decreto nº 1.590/95, os servidores cumprirão a jornada de trabalho fixada para seu cargo, a qual, em regra, é de oito horas diárias, sendo que os ocupantes de cargos ou função de confiança se sujeitam ao regime de dedicação integral.

Com o objetivo de tutelar o cumprimento desta jornada de trabalho, e bem assim

assegurar o respeito à hierarquia e o bom funcionamento da atividade administrativa, a lei pune a conduta do servidor que deixa seu local de trabalho, abandonando o serviço durante a sua jornada diária, sem autorização de seu superior hierárquico.

O art. 117, inciso I, constitui um complemento em relação à previsão do art. 116,

inciso X, que impõe aos servidores o dever de “ser assíduo e pontual ao serviço”, punindo, além do descumprimento do horário de trabalho (pontual) e faltas (assíduo), também as saídas injustificadas durante o expediente.

Diferentemente do art. 116, inciso X, é possível caracterizar a proibição prevista no

art. 117, inciso I, mesmo diante de um único ato, não sendo necessário que as saídas injustificadas tenham sido reiteradas. Relembre-se, contudo, que o objetivo da norma é proteger a hierarquia e o funcionamento da repartição, não se configurando infração disciplinar quando não haja efetiva ofensa a estes preceitos, como no caso de pequenos incidentes normais no cotidiano da Administração Pública.

Ocorrendo ofensa ao art. 117, inciso I, deve o chefe imediato além de adotar as

providências com vistas à responsabilização disciplinar do servidor, realizar o corte do ponto, a fim de que seja descontada a parcela da remuneração diária proporcional à ausência, nos termos do art. 44, inciso II, da Lei nº 8.112/90.

10.5.2.2. ART. 117, INCISO II (RETIRAR, SEM PRÉVIA ANUÊNCIA DA AUTORIDADE COM-PETENTE, QUALQUER DOCUMENTO OU OBJETO DA REPARTIÇÃO)

A norma veda ao servidor público a retirada de qualquer bem da repartição sem prévia autorização, no intuito de manter os objetos e documentos públicos no ambiente de trabalho e à disposição daqueles legitimamente interessados (servidores e administrados), bem como de evitar o uso particular dos referidos bens.

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Deve-se atribuir sentido amplo à expressão “qualquer documento ou objeto da

repartição”, abrangendo equipamentos, mobiliário, veículos e processos administrativos que estejam à disposição do serviço, entre outros.

Se o servidor obtém anuência da autoridade competente para retirar o objeto da

repartição, mas o intuito é de utilizar o bem com ofensa ao interesse público, ou sem a intenção de restituí-lo, pode-se configurar uma das infrações disciplinares previstas nos arts. 117, IX e XVI (valimento do cargo e utilização de recursos públicos para fins particulares) ou art. 132, IV e X (improbidade administrativa e dilapidação do patrimônio).

Assim, apesar de o inciso não esclarecer acerca do ânimo subjetivo (dolo ou culpa)

necessário à sua configuração, resta ao responsável pelo enquadramento atuar com razoabilidade, especialmente diante de conduta culposa do agente. Pois, pela leitura do inciso, a retirada de documentos para a execução de trabalhos em casa, sem anuência, e havendo restituição posterior, em tese, resultaria na subsunção à norma.

Neste sentido, vale citar a Formulação-Dasp n.º 82, que interpretando dispositivo

idêntico previsto no antigo Estatuto do Funcionário (Lei nº 1.711/52), sustenta que “a infração prevista no item II do art. 195 do Estatuto dos Funcionários pressupõe a intenção de restituir”. 10.5.2.3. ART. 117, INCISO III (RECUSAR FÉ A DOCUMENTOS PÚBLICOS) Nos termos do art. 19, inciso II, da Constituição Federal, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “recusar fé aos documentos públicos”. Dando efetividade ao disposto na Constituição, a Lei nº 8.112/90 prescreve ser proibido a todo servidor negar a veracidade e legitimidade dos documentos públicos. O dispositivo tutela tanto a relação entre Entes Federativos (que entre eles não haja distinções quanto à validade dos documentos emitidos), quanto a celeridade no atendimento dos interesses dos administrados. É claro que se o documento público apresentar indícios de falsidade, como rasuras e alterações grosseiras, ou ainda se for apresentada cópia não autenticada, inviável a responsabilização do servidor que justificadamente recusou o documento, por suspeitar de que não se tratava de documento legítimo. 10.5.2.4. ART. 117, INCISO IV (OPOR RESISTÊNCIA INJUSTIFICADA AO ANDAMENTO DE DOCUMENTO E PROCESSO OU EXECUÇÃO DE SERVIÇO) A partir da posse no cargo público, o servidor assume um conjunto de atribuições, as quais deve exercer sempre atento às normas e regulamentos vigentes, bem como aos princípios que informam a atividade administrativa. Nessa esteira, a primeira parte do dispositivo busca impedir que o servidor público, utilizando-se dessa condição, imponha obstáculos ao regular andamento de documento ou processo no âmbito da repartição pública. Do mesmo modo, proíbe a imposição de requisitos os quais impeçam o administrado de exercitar seu direito de peticionar junto à Administração Pública.

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Ainda, o inciso veda a atuação morosa do servidor – da qual resulte ou não prejuízo ao administrado –, desde que não haja justificativa para a lentidão no cumprimento de suas obrigações em face do documento ou processo.

A última parte do inciso refere-se ao exercício do poder hierárquico. Isto é, o servidor

não pode opor-se injustificadamente à execução de serviço conferido a ele por seu superior hierárquico; remanescendo, contudo, destaque quanto ao dever de não cumprimento de ordem manifestamente ilegal previsto no art. 116, inciso IV, da Lei nº 8.112/90. 10.5.2.5. ART. 117, INCISO V (PROMOVER MANIFESTAÇÃO DE APREÇO OU DESAPREÇO NO RECINTO DA REPARTIÇÃO) Pune-se o servidor que, no local de trabalho, age de forma a perturbar a ordem da repartição, por meio de manifestações excessivas de admiração ou menosprezo em relação aos colegas ou demais pessoas com quem se relaciona no exercício do cargo. Elogios ou críticas são normais no ambiente de trabalho, não sendo vedadas pela norma. O que o dispositivo protege é a boa ordem da repartição, e não a manifestação de opiniões ou a discussão de fatos e temas inerentes à repartição. Neste sentido:

Formulação-Dasp nº 2. Manifestação de desapreço Não constitui manifestação de desapreço reforçar comunicação de fatos ver-dadeiros com assinatura de companheiros de serviço.

Uma vez que o inciso merece cuidado, é importante observar se a manifestação de

que trata o dispositivo incorreu na obstrução do atendimento ao público, para fins de enquadramento. 10.5.2.6. ART. 117, INCISO VI (COMETER A PESSOA ESTRANHA À REPARTIÇÃO, FORA DOS CASOS PREVISTOS EM LEI, O DESEMPENHO DE ATRIBUIÇÃO QUE SEJA DE SUA RESPON-SABILIDADE OU DE SEU SUBORDINADO) A norma proíbe o servidor de transferir tarefas próprias de agentes públicos – suas ou de seus subordinados – a terceiros que não integram os quadros da Administração Pública, excetuados os casos expressamente previstos em lei. A conduta prevista neste inciso é afastada diante da impossibilidade de cumprimento da obrigação pelo servidor de forma pessoal, momento em que pode necessitar do auxílio de terceiros para a conclusão da atividade. Da mesma forma, em consonância com a Formulação-Dasp nº 149, quando o servidor atribui à pessoa estranha à Administração encargo que não esteja na competência de cargo público, não se configura a infração.

Formulação-Dasp nº 149. Infração disciplinar A infração prevista no art. 195, XI, do Estatuto dos Funcionários 201 pressupõe a atribuição ao estranho, de encargo legítimo do funcionário público.

201 Dispositivo equivalente ao art. 117, inciso VI, da Lei nº 8.112/90.

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10.5.2.7. ART. 117, INCISO VII (COAGIR OU ALICIAR SUBORDINADOS NO SENTIDO DE FI-LIAREM-SE A ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL OU SINDICAL, OU A PARTIDO POLÍTICO) O dispositivo veda a conduta do chefe que constrange os subordinados, por meio de ameaças, promessas de favorecimento, ou qualquer tipo de opressão envolvendo o uso irregular do poder hierárquico, a fim de que aqueles se filiem à associação profissional ou sindical, ou a partido político. Da leitura do dispositivo, percebe-se que a infração só pode ser cometida pelo servidor que detém ascendência hierárquica em relação a outros agentes públicos. De outro lado, a norma não proíbe meros convites ou a exposição de opinião em relação à entidade profissional ou sindical, ou a partido político. Deve-se tomar cuidado também para não caracterizar como infração atos da vida privada do servidor. Com efeito, esta infração pressupõe a utilização da hierarquia como forma de pressão para que o subordinado se sinta constrangido, afastando-se a infração se a conduta ocorreu de forma totalmente desvinculada do exercício do cargo público. 10.5.2.8. ART. 117, INCISO VIII (MANTER SOB SUA CHEFIA IMEDIATA, EM CARGO OU FUNÇÃO DE CONFIANÇA, CÔNJUGE, COMPANHEIRO OU PARENTE ATÉ O SEGUNDO GRAU CIVIL) Trata-se de norma que busca proteger a impessoalidade e a moralidade na relação entre chefes e subordinados, proibindo situações que possam ocasionar confusão entre assuntos da repartição e as relações familiares (princípio da impessoalidade), e bem assim impedindo favoritismo, em especial o nepotismo (princípio da moralidade). A esse respeito, mesmo antes da publicação do Decreto nº 7.203/2010, que trata da vedação ao nepotismo na Administração Pública federal, a jurisprudência caminhava no sentido de repudiar a prática ilícita, inclusive a condenando como ato de improbidade administrativa. Senão vejamos:

ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – NEPOTISMO – VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – OFENSA AO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 – DESNECESSIDADE DE DANO MATERIAL AO ERÁRIO. [...] 3. Hipótese em que o Tribunal de Justiça, não obstante reconheça textualmente a ocorrência de ato de nepotismo, conclui pela inexistência de improbidade administrativa, sob o argumento de que os serviços foram prestados com 'dedicação e eficiência'. 4. O Supremo Tribunal, por ocasião do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 12/DF, ajuizada em defesa do ato normativo do Conselho Nacional de Justiça (Resolução 7/2005), se pronunciou expressamente no sentido de que o nepotismo afronta a moralidade e a impessoalidade da Administração Pública. 5. O fato de a Resolução 7/2005 - CNJ restringir-se objetivamente ao âmbito do Poder Judiciário, não impede – e nem deveria – que toda a Administração Pública respeite os mesmos princípios constitucionais norteadores (moralidade e impessoalidade) da formulação desse ato normativo.

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6. A prática de nepotismo encerra grave ofensa aos princípios da Administração Pública e, nessa medida, configura ato de improbidade administrativa, nos moldes preconizados pelo art. 11 da Lei 8.429/1992. 7. Recurso especial provido (REsp 1.009.926/SC, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe de 10.2.2010).

Seguindo o clamor social pelo resgate à moralidade administrativa, em 2008, o STF editou a Súmula Vinculante nº 13202, ampliando as hipóteses de vedação ao nepotismo (direto ou cruzado) e vinculando toda a Administração Pública federal à obediência de sua aplicação. Nessa esteira, visando regular a forma como seria tratada a matéria no âmbito do Poder Executivo Federal, editou-se o Decreto nº 7.203/2010, o qual tratou do nepotismo no âmbito da Administração Pública federal.

Art. 3º. No âmbito de cada órgão e de cada entidade, são vedadas as nomeações, contratações ou designações de familiar de Ministro de Estado, familiar da máxima autoridade administrativa correspondente ou, ainda, familiar de ocupante de cargo em comissão ou função de confiança de direção, chefia ou assessoramento, para: I - cargo em comissão ou função de confiança; II - atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público, salvo quando a contratação tiver sido precedida de regular processo seletivo; e III - estágio, salvo se a contratação for precedida de processo seletivo que assegure o princípio da isonomia entre os concorrentes. § 1º Aplicam-se as vedações deste Decreto também quando existirem circunstâncias caracterizadoras de ajuste para burlar as restrições ao nepotismo, especialmente mediante nomeações ou designações recíprocas, envolvendo órgão ou entidade da administração pública federal. § 2º As vedações deste artigo estendem-se aos familiares do Presidente e do Vice-Presidente da República e, nesta hipótese, abrangem todo o Poder Executivo Federal. § 3º É vedada também a contratação direta, sem licitação, por órgão ou entidade da administração pública federal de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção, familiar de detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou contratação ou de autoridade a ele hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão e de cada entidade.

Estabelecidos os critérios de vedação, em seu art, 4º, inciso I, o Decreto tratou da exceção aplicável aos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo. Senão vejamos:

Art. 4º Não se incluem nas vedações deste Decreto as nomeações, designações ou contratações: I - de servidores federais ocupantes de cargo de provimento efetivo, bem como de empregados federais permanentes, inclusive aposentados, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo ou emprego de origem, ou a compatibilidade da atividade que lhe seja afeta e a complexidade inerente ao

202 Súmula Vinculante STF nº 13 - A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

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cargo em comissão ou função comissionada a ocupar, além da qualificação profissional do servidor ou empregado;

Interpretando-se o disposto no art. 4º do referido decreto, infere-se que a proibição contida no inciso VIII, do art. 117, da Lei nº 8.112/90, alcança somente os ocupantes de cargos em comissão e funções de confiança, sendo legalmente aceitável a subordinação de familiar ou parente, desde que este ocupe cargo de provimento efetivo. Vale ressaltar, ainda, que a redação do dispositivo limita a proibição aos casos de relações de parentesco entre chefe imediato e subordinado, não se aplicando quando há um chefe intermediário entre os servidores que sejam parentes, nem entre colegas do mesmo nível hierárquico. Diante do exposto, cumpre-nos destacar que o dispositivo em questão estabelece como vínculo familiar, para os fins a que se destina, “cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil”. Contudo, a Súmula Vinculante STF nº 13 e o Decreto nº 7.203/2010 ampliam as hipóteses de vedação à subordinação nos termos do que define como familiar:

Art. 2º Para os fins deste Decreto considera-se: [...] III - familiar: o cônjuge, o companheiro ou o parente em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau.

Nessa linha, a comissão deve se limitar ao “tipo” descrito na Lei nº 8.112/90 quando recomendar o enquadramento neste dispositivo, lembrando-se que, a sua transgressão somente poderá ensejar as penalidades de advertência ou suspensão. Portanto, pode-se dizer que se aplica a casos nos quais seja verificada conduta culposa do chefe imediato, pois, segundo o entendimento da jurisprudência pátria, havendo o dolo genérico na prática de nepotismo, o servidor incorrerá, inclusive, em improbidade administrativa – acarretando pena de demissão.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NEPOTISMO. CARGO EM COMISSÃO. CÂMARA MUNICIPAL. FILHA DE VEREADOR. PRESIDENTE. DOLO GENÉRICO CARACTERIZADO. RESTABELECIMENTO DA CONDENAÇÃO DE PRIMEIRO GRAU. ART. 11 DA LEI Nº 8.429/1992. 1. O nepotismo caracteriza ato de improbidade tipificado no art. 11 da Lei nº 8.429/1992, sendo atentatório ao princípio administrativo da moralidade. 2. Dolo genérico consistente, no caso em debate, na livre vontade absolutamente consciente dos agentes de praticar e de insistir no ato ímprobo (nepotismo) até data próxima à prolação da sentença. 3. Não incidência da Súmula 7/STJ. 4. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte. (REsp 1.286.631/MG, Segunda Turma, Rel. Ministro Castro Meira, DJe de 22.08.2013) Ademais, forçoso observar a viabilidade de se realizar o enquadramento no dispositivo que trata de “valimento de cargo” (art. 117, IX), ao passo que, a depender do caso concreto e do elemento subjetivo da prática (dolo), o ato de manter familiar sob a chefia imediata pode caracterizar e ensejar medida expulsiva. A Lei nº 8.112/90 faz referência, exclusivamente, à vedação de manter familiar ou parente sob a chefia imediata. Contudo, não se pode esquecer das hipóteses de “nepotismo cruzado”, comumente ocorridas no âmbito da administração

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pública, bem como as hipóteses de nomeação para funções de confiança (exclusivas de servidor efetivo). Acerca desse item, o Decreto nº 7.203/2010 é contundente: § 1º Aplicam-se as vedações deste Decreto também quando existirem circunstâncias caracterizadoras de ajuste para burlar as restrições ao nepotismo, especialmente mediante nomeações ou designações recíprocas, envolvendo órgão ou entidade da administração pública federal.

Entende-se, porém, que, na ausência de previsão legal no Estatuto dos Servidores Públicos acerca dessa prática imoral, a comissão pode vincular o fato irregular a diversos enquadramentos – desde violação de dever funcional ao valimento de cargo –, a depender da existência ou não do dolo. 10.5.2.9. ART. 117, INCISO IX (VALER-SE DO CARGO PARA LOGRAR PROVEITO PESSOAL OU DE OUTREM, EM DETRIMENTO DA DIGNIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA) A proibição prevista neste dispositivo busca punir as condutas dos servidores públicos que agem de forma contrária ao interesse público, valendo-se do seu cargo ou da sua condição de servidor público para atender interesse privado, em benefício próprio ou de terceiro. Este inciso prescreve um dever moral diretamente vinculado ao exercício da função pública. Portanto, para que seja definitivamente configurado o valimento de cargo (aqui tratado com esta nomenclatura para fins didáticos), a comissão deverá observar a intencionalidade e consciência do ato infracional, uma vez que é imprescindível a configuração da sobreposição do interesse particular ao público. Ao analisarmos o “tipo”, observa-se que o servidor deverá valer-se do seu cargo, bem como das prerrogativas a ele inerentes, em busca de obter proveito próprio ou de outrem. Logo, a prática irregular aqui descrita vincula-se essencialmente ao cargo, pois somente servidor investido na função pública será capaz de utilizar-se dessa condição para auferir proveito próprio ou a outrem em detrimento do interesse público. A conduta praticada pelo infrator tanto pode ser inerente às suas atribuições legais, caracterizando desvio de função, quanto o servidor pode se valer da sua posição de agente público e, simulando deter competência, praticar ato contrário ao interesse público. A infração prevista no art. 117, inciso IX, tem natureza dolosa, isto é, só se configura se o agente age com consciência e vontade de estar se valendo do cargo para benefício próprio ou de terceiro. No caso de o agente praticar ato contrário ao interesse público de forma culposa, pode estar cometendo outra infração, como, por exemplo, o descumprimento do dever previsto no art. 116, inciso III, da Lei nº 8.112/90 (observar as normas legais e regulamentares). Importante frisar que o benefício perseguido pelo agente público tanto pode ser para si mesmo, quanto para terceiros. No caso de benefício a terceiros, não importa se este terceiro prometeu ou não retribuição ao favor, simplesmente porque o dispositivo assim não exige; o que importa em dizer que estamos diante de um ilícito de natureza formal. Portanto, a infração ocorre independentemente de o servidor ter auferido o benefício para si ou para outrem, isto é, para a caracterização do ilícito não é necessário demonstrar o prejuízo da Administração ou o efetivo benefício do servidor, bastando que ele tenha praticado a irregularidade com este objetivo. É o que consta da Formulação DASP n.º 18:

Formulação-Dasp nº 18. Proveito pessoal

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A infração prevista no art. 195, IV, do Estatuto dos Funcionários203, é de natureza formal e, conseqüentemente, se configura ainda na hipótese de o proveito pessoal ilícito não ter sido conseguido.

A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça vem adotando a orientação de que o ilícito aqui reportado dispensa o recebimento de qualquer vantagem financeira por parte do servidor infrator, sedimentando a natureza formal do ilícito. Senão vejamos:

"o ilícito administrativo de valer-se do cargo para obter para si vantagem pessoal em detrimento da dignidade da função pública, nos termos do art. 117, IX da Lei nº 8.112/90 é de natureza formal, de sorte que é desinfluente, para sua configuração, que os valores tenham sido posteriormente restituídos aos cofres públicos após a indiciação do impetrante; a norma penaliza o desvio de conduta do agente, o que independe dos resultados" (MS 14.621/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 30.6.2010).

Ademais, é forçoso observar que a desnecessidade de obtenção de vantagem financeira pelo servidor também alcança ao terceiro cuja vantagem fora atribuída. Isto é, nesta hipótese de concessão de benefício a terceiro, a comissão deverá comprovar somente o liame entre a vantagem ilegítima – seja ela de qualquer espécie – e o uso irregular do cargo público pelo agente responsável. Não obstante não seja tarefa fácil comprovar o auferimento de vantagem decorrente do exercício irregular da função pública, a comissão deve observar as regulamentações atinentes à atividade desenvolvida pelo servidor. Ora, uma vez que o servidor somente pode atuar nos estritos limites da legalidade, a transgressão de normativos reguladores da sua função poderá indicar a violação deste dispositivo; desde que observados os elementos caracterizadores do valimento de cargo. Logo, para fins de enquadramento, a comissão deverá observar a gravidade do ato tido como irregular, bem como as consequências dele decorrentes, para que, a depender desses elementos, possa ponderar por capitulação mais gravosa como a “improbidade administrativa”, por exemplo.

10.5.2.10. ART. 117, INCISO X (PARTICIPAR DE GERÊNCIA OU ADMINISTRAÇÃO DE SOCI-EDADE PRIVADA, PERSONIFICADA OU NÃO PERSONIFICADA, EXERCER O COMÉRCIO, EX-CETO NA QUALIDADE DE ACIONISTA, COTISTA OU COMANDITÁRIO) Ao servidor público federal é proibido atuar como gerente ou administrador de sociedade privada ou exercer o comércio, observadas as exceções legalmente admitidas. À luz do referido dispositivo, apontam-se dois objetos que são protegidos por esta norma:

a) a dedicação e compromisso do servidor para o com o serviço público; b) e a prevenção de potenciais conflitos de interesse entre os poderes inerentes ao cargo público e o patrimônio particular dos servidores, já que em muitas ocasiões pode o Poder Público influenciar positivamente na atividade empresarial (nomenclatura utilizada para fins didáticos).

Impende observar que a vedação prevista no aludido dispositivo pode ser segmentada em duas partes: (i) participação como gerente ou administrador em sociedade privada, personificada ou não e (ii) exercer o comércio.

203 Dispositivo equivalente ao art. 117, inciso IX, da Lei nº 8.112/90.

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Primeiramente, cumpre-nos esclarecer a abrangência dada pelo Código Civil à definição de pessoa jurídica de direito privado, nos termos do art. 44:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)

V - os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)

VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011)

Isto posto, passemos à análise da primeira parte do inciso. Ao se referir à participação em sociedades, a Lei nº 8.112/90 afasta, por ora, a aplicabilidade do dispositivo à atuação empresária individual prevista no inciso VI, art. 44, do CC/02. As sociedades, por sua vez, são aquelas pessoas jurídicas constituídas a partir de um contrato no qual os participantes se obrigam reciprocamente “a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica”204, partilhando os resultados entre si. As sociedades podem ser empresárias ou simples, conforme a atividade que desenvolvem. São consideradas empresárias aquelas que exercem “profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, e simples as demais, inclusive aquelas dedicadas ao exercício de “profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa” (art. 966, parágrafo único, do Código Civil). Sociedades personificadas são aquelas cujos atos constitutivos (contrato social) estão inscritos no registro próprio e na forma da lei (art. 985 do Código Civil), sendo que as sociedades empresárias devem registrar seus atos constitutivos no Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e as sociedades simples no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (arts. 985 e 1.150 do Código Civil).

CC - Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa. Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150). Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.

204 Art. 981 da Lei nº 10.406/2002, Código Civil.

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As sociedades não personificadas são aquelas que não tiveram seus atos constitutivos inscritos no registro próprio, isto é, não possuem personalidade jurídica própria. Assim, são reguladas por contrato ou acordo firmado entre seus sócios, razão pela qual o ajuste torna-se não oponível a terceiros. Regem-se pelas regras dispostas nos arts. 986 a 996 do Código Civil, e têm como principal diferença em relação às sociedades personificadas a responsabilização direta de seus sócios pelas dívidas contraídas pela sociedade. O Código Civil vigente permite a organização da sociedade através de diversos modos, cada qual com regras próprias e consequências distintas para os sócios e as demais pessoas que se relacionam com a sociedade. Para este estudo, basta saber que todas estas formas de organização das sociedades (sociedade em comum, em conta de participação, simples, em nome coletivo, comandita simples, limitada ou anônima), disciplinadas nos arts. 981 a 1.112 do Código Civil, estão abrangidas na expressão “sociedade privada” do art. 117, inciso X, da Lei nº 8.112/90, com a única exceção das cooperativas, constituídas para prestar serviços aos seus membros, conforme parágrafo único, inciso I, deste dispositivo. Importante ressaltar que não estando abrangidas entre os conceitos legais de sociedade, a participação dos servidores na gerência ou administração de associações, fundações, organizações religiosas ou partidos políticos não é vedado por este dispositivo. De outro lado, o dispositivo não veda a participação do servidor em contrato de sociedade, à medida em que a proibição se dirige ao agente público que atua na administração ou gerência de sociedade – seja de fato ou de direito. Assim, figurar como sócio em contrato social não configura, por si só, a infração disciplinar. É preciso verificar se o servidor participa da sociedade como gerente ou administrador. Da mesma forma, o simples fato de o servidor constar do contrato do social como mero sócio cotista, acionista ou comanditário205, como consta da parte final do inciso X do art. 117, não afasta por completo a possibilidade do enquadramento, em especial quando há indícios de que o servidor atua na administração ou gerência da sociedade (participação de fato). É o caso do servidor que, não constando do quadro social, ou constando apenas como sócio, se utiliza de um sócio-gerente ou administrador meramente formal, normalmente seu parente próximo, atuando o servidor de maneira oculta como o verdadeiro gestor da sociedade. Sem a pretensão de uma conceituação rigorosa, administrador é aquele designado pelo contrato social ou outro ato societário com amplos poderes de coordenação e mando das atividades societárias; gerente, por sua vez, é o empregado da sociedade contratado para gerir os negócios, comprando insumos, contratando e dispensando mão de obra, assinando contratos, etc. Portanto, não basta que o servidor, na qualidade de sócio ou acionista, participe das reuniões ou assembleias societárias, ou ainda fiscalize as atividades da sociedade, que são poderes intrínsecos à qualidade de participante do contrato de sociedade.

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. NULIDADE DE PROCESSO DISCIPLINAR NÃO CONFIGURADA. REQUISITOS DA PORTARIA INSTAURADORA DA COMISSÃO E DO PAD. ATENDIMENTO. ELEMENTOS

205 Estes conceitos estão ligados à participação do sócio no patrimônio da sociedade, ou seja, qual o percentual da sociedade que pertence ao sócio. Grosso modo, o sócio detém a propriedade da sociedade na proporção das ações ou cotas que possuir em relação ao total de ações ou cotas existentes. Sócios cotistas, acionistas ou comanditários, portanto, são aqueles que aportaram capital à sociedade, sem necessariamente participar da administração da sociedade.

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BALIZADORES DO ATO ADMINISTRATIVO NÃO DESCONSTITUÍDOS. PENALIDADE DE DEMISSÃO MANTIDA. [...] 4. O servidor demitido do serviço público não apresentou elementos de convicção que o eximisse da responsabilidade de infringir proibição de participar de gerência e administração de sociedade privada (art. 117, X, da Lei nº 8.112/90). 5. Para a configuração da infração não é necessário que o servidor figure de direito no contrato social, estatuto ou perante órgãos tributários. O enquadramento é, precipuamente, fático e não apenas de direito. Havendo prática de atos gerenciais ou de administração por parte do servidor, configura-se a vedação legal. E no caso, a prova é farta neste sentido. 6. Não comprovada qualquer ilegalidade ou desvio de finalidade do ato administrativo que impôs a pena de demissão do serviço público à autora, uma vez que os elementos balizadores da decisão administrativa que gerou a Portaria de demissão não foram desconstituídos no processo judicial e não houve qualquer irregularidade no procedimento instaurado administrativamente. 7. Apelação a que se nega provimento. (AC 266/BA, Desembargadora Ângela Catão, TRF 1ª Região, 1ª Turma, e-DJF1 de 14/09/2012 – grifo nosso).

Deste modo, ainda que o servidor esteja designado no contrato social como sócio-gerente ou administrador, cumpre comprovar efetivamente os atos de gerência e administração para que o servidor seja responsabilizado. Pois, por diversas vezes, observa-se a manutenção do servidor no contrato social da empresa na qualidade de administrador ou gerente, função esta não exercida pelo agente público efetivamente. Neste sentido, é oportuna a transcrição do Enunciado nº 09 da Controladoria-Geral da União, que, na qualidade de órgão central do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, consignou o seguinte entendimento:

Enunciado CGU n.º 09, de 30 de outubro de 2015. ILÍCITO SÓCIO-GERÊNCIA – ATUAÇÃO FÁTICA E REITERADA. Para restar configurada a infração disciplinar capitulada no inciso X do art. 117 da Lei nº 8.112/90, é preciso que o servidor, necessariamente, tenha atuado de fato e de forma reiterada como gerente ou administrador de sociedade privada.

Convém ressaltar que a apuração da comissão abrange fatos pretéritos, isto é, o colegiado deve averiguar se o servidor realizou os atos de gerência e administração após sua nomeação ao cargo público, porquanto a infração não alcance momento anterior à posse na função incompatível. Vale citar também entendimento segundo o qual um ou poucos atos de gestão não configuram a infração em comento, tendo em vista a interpretação que se extrai da palavra “participar de gerência ou administração de sociedade privada”. Neste sentido:

Parecer-PGFN/CJU/CED nº 1.237/2009: 148. É interessante notar que os verbos típicos que compõem a proibição administrativo-disciplinar, “participar” e “exercer”, no âmbito penal estão normalmente identificados àquilo que a doutrina e a jurisprudência qualificam como crime habitual, o qual é caracterizado por abalizada doutrina com os seguintes contornos: [...] 152. No caso da proibição administrativo-disciplinar em análise - embora a imprevisível realidade social possa eventualmente demonstrar o contrário - pode-se dizer que, ao menos em regra, um ato único ou mesmo os atos dispersos e esporádicos de gestão, distribuídos ao longo de cinco anos,

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dificilmente atingiriam de maneira especialmente grave a regularidade do serviço e a indisponibilidade do serviço publico, legitimando a aplicação da ultima ratio no âmbito administrativo.

Além da já citada exceção de o servidor poder participar de cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros, o parágrafo único do art. 117 também excepciona as situações em que o servidor participa dos “conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social”, ou quando o servidor participa da gerência ou administração de sociedade comercial ou exerce o comércio quando em “gozo de licença para o trato de interesses particulares”, na forma do art. 91 desta lei, observada a legislação sobre conflito de interesses (Lei nº 12.813/2013).

Lei nº 8.112/90. Art. 117. Parágrafo único. A vedação de que trata o inciso X do caput deste artigo não se aplica nos seguintes casos: I - participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros; e II - gozo de licença para o trato de interesses particulares, na forma do art. 91 desta Lei, observada a legislação sobre conflito de interesses.

Neste ponto, merece apartado acerca do conflito de interesses e sua aplicação na seara pública para fins disciplinares. À luz da Lei nº 12.813/2013, que dispõe sobre conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo Federal, considera-se conflito de interesse “a situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública.” (art. 3º, inciso I)

A referida lei ressalta a dispensa da ocorrência de lesão ao patrimônio público, tal como a percepção de qualquer vantagem pelo agente público ou terceiro para configuração do conflito de interesses.

Nessa esteira, considerando que o afastamento conferido pela licença para o trato de interesses particulares não rompe o vínculo funcional do servidor, vale destacar o que informa a legislação específica referente ao conflito de interesses:

Art. 5º. Configura conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal: I - divulgar ou fazer uso de informação privilegiada, em proveito próprio ou de terceiro, obtida em razão das atividades exercidas; II - exercer atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe; III - exercer, direta ou indiretamente, atividade que em razão da sua natureza seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego, considerando-se como tal, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias correlatas; IV - atuar, ainda que informalmente, como procurador, consultor, assessor ou intermediário de interesses privados nos órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

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V - praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão; VI - receber presente de quem tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe fora dos limites e condições estabelecidos em regulamento; e VII - prestar serviços, ainda que eventuais, a empresa cuja atividade seja controlada, fiscalizada ou regulada pelo ente ao qual o agente público está vinculado. Parágrafo único. As situações que configuram conflito de interesses estabelecidas neste artigo aplicam-se aos ocupantes dos cargos ou empregos mencionados no art. 2º ainda que em gozo de licença ou em período de afastamento. (grifo nosso)

Cotejando as duas legislações, depreende-se que ao servidor licenciado não é vedada a atuação em atividades de comércio ou participação em sociedades, desde que estas não conflitem com o interesse público, nos termos do que prescreve o normativo específico. Isto porque a ocorrência do conflito de interesses no usufruto da exceção legalmente autorizada configura verdadeira infração prescrita em lei.

Não é lícito que o servidor licenciado possa utilizar-se dessa benesse para infringir os interesses da Administração, razão pela qual o mau uso da autorização para a prática de atos privativos de administrador e gerente durante a licença pode importar na capitulação descrita neste inciso. Pois, caso seja constatado eventual conflito de interesses no gozo da referida licença, sobre o servidor público recairão todos os preceitos de responsabilidade administrativa decorrentes da Lei nº 8.112/90. A propósito da análise do conflito de interesses, é forçoso destacar que, sob o prisma daquele normativo, o servidor que faça parte de sociedade cujo objeto social conflite com o interesse público incorre em infração disciplinar, mesmo que não necessariamente na prevista neste inciso. É possível que o agente público tente se utilizar da legitimidade conferida pela lei aos acionistas, cotistas e comanditários com o intuito de burlar a proibição insculpida na legislação estatutária e manter sociedade cujo interesse privado seja diretamente conflitante com o público. Acrescente-se, ainda, o cuidado a ser tomado pelos colegiados diante de situações nas quais pessoas próximas ao servidor são por ele utilizadas na composição de sociedades com objeto social incompatível com as atribuições de seu cargo a fim de afastar o conflito de interesses.

A teor do exposto, importante destacar que cumpre à comissão buscar elementos comprobatórios do envolvimento do sócio servidor na atividade da empresa – especialmente quando somente ele possui qualificação técnica para desenvolver o objeto social –, objetivando comprovar o exercício indireto da atividade pelo agente público. Nessas hipóteses, porém, não há se falar em configuração de violação da proibição prevista no inciso X do art. 117, porquanto não se trate de atuação como administrador ou gerente. Assim, caracterizado evidente conflito de interesses, mediado pela atuação indireta em sociedade empresária, a comissão pode ponderar pela capitulação do ato ilícito a depender da gravidade da afronta ao interesse público causado pelo exercício da atividade privada.

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Como se observa, a comissão deve analisar minuciosamente as provas produzidas em sede de inquérito a fim de delinear a natureza da atividade exercida pelo servidor e em que medida ela é incompatível com o múnus público. O dispositivo em comento proíbe ainda que o servidor atue no comércio, ainda que diretamente, ou seja, sem o intermédio de uma sociedade. A Lei nº 11.784/2008 perdeu a oportunidade de, ao modificar a redação do art. 117, inciso X, da Lei nº 8.112/90, atualizar a terminologia à luz do Código Civil de 2002. Isto porque, no atual diploma de Direito Privado, não se faz uso mais do conceito de ato de comércio, tendo este sido englobado na ideia de atividade empresarial. Conforme visto linhas acima, empresário é todo aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (art. 966 do Código Civil). Assim, a Lei nº 8.112/90, através do art. 117, inciso X, ao proibir que o agente público exerça atos de comércio, está vedando que todo servidor exerça atividade empresarial, ainda que de forma individual. Quanto a esta proibição, são aplicáveis as ressalvas e observações feitas em relação à gerência ou administração de sociedade, isto é, é necessário que se comprove o efetivo exercício do ato de comércio, não bastando o mero registro do servidor como empresário individual, e bem assim deve-se afastar a incidência do dispositivo quando se tratar de um ato único ou poucos atos esporádicos. Por fim, de acordo com o Código Civil de 2002, a atividade rural pode ser exercida de forma empresarial ou não, conforme detenha ou não as características comuns às atividades empresariais, não tendo o Código excluído esta do regramento comum às demais formas atividades econômicas. Desta forma, atuando o servidor como gerente ou administrador de sociedade dedicada à atividade rural, ou exercendo o servidor diretamente a atividade, de forma profissional e organizada, visando a produção ou circulação de bens ou serviços, incide na proibição do art. 117, inciso X. 10.5.2.11. ART. 117, INCISO XI (ATUAR, COMO PROCURADOR OU INTERMEDIÁRIO, JUNTO A REPARTIÇÕES PÚBLICAS, SALVO QUANDO SE TRATAR DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁ-RIOS OU ASSISTENCIAIS DE PARENTES ATÉ O SEGUNDO GRAU, E DE CÔNJUGE OU COM-PANHEIRO) Trata-se de infração disciplinar assemelhada àquela prevista no art. 117, IX (valimento do cargo), e que se caracteriza quando o servidor, valendo-se do prestígio, respeito ou especial relacionamento com os demais colegas, atua em nome de terceiro junto a órgãos ou entidades da Administração Pública, com ou sem instrumento de mandato, ou seja, como procurador ou intermediário. O dispositivo visa proteger a impessoalidade e moralidade na Administração Pública, proibindo condutas que ponham em evidência favorecimentos e conflitos de interesse. Desde já se afasta a configuração da infração quando o servidor não almeja nem obtém um tratamento diferenciado em função da sua qualidade de agente público, porque sequer é reconhecido como tal, situação em que a conduta não tem a potencialidade lesiva exigida pela norma, tratando-se, convém frisar, de infração sujeita à pena expulsiva.

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Entretanto, deve-se investigar com maior cuidado quando o servidor age como procurador ou intermediário de terceiro na repartição em que trabalha, onde se presume seja conhecido e os laços de coleguismo ou amizade sejam mais fortes. Também merecem cuidados especiais os casos em que o servidor atua como procurador ou intermediário de forma habitual, mesmo quando o faça em órgão distinto daquele em que exerce suas funções rotineiramente, porém em razão do cargo por ele ocupado. Para se caracterizar a infração, dispensa-se a comprovação do sucesso do pedido ou interesse patrocinado pelo servidor; da licitude deste interesse; ou mesmo da comprovação de que a atuação do servidor em nome de outrem tenha proporcionado vantagem indevida a este. Basta, para que a conduta infrinja o dispositivo, que haja a possibilidade de que a atuação do servidor possa proporcionar um tratamento diferenciado do pleito do terceiro. A infração não se configura, conforme prevê a norma, se o servidor atua como procurador ou intermediário de seu parente, até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro, pleiteando benefícios previdenciários ou assistenciais. Ainda, ao tempo da elaboração do Relatório Final, deve a comissão recomendar todas as medidas – sejam elas de cunho administrativo, civil ou penal – pertinentes a fim de garantir a ciência da totalidade das esferas envolvidas pelo ato ilícito. Nesse momento, há de se observar a possível incorrência no crime de advocacia administrativa, previsto no art. 321 do Código Penal; o que impende a sugestão de remessa de cópia dos autos ao Ministério Público.

Vale lembrar que a penalidade prevista para esta infração é a de demissão. Nessa perspectiva, é importante ressaltar a necessidade de se atuar com razoabilidade à frente do caso concreto, ponderando-se em que medida o servidor atuou como procurador ou intermediário de interesse alheio amparado pelas prerrogativas da função pública; pois, a depender da gravidade, incorrerá em ato de improbidade administrativa. 10.5.2.12. ART. 117, INCISO XII (RECEBER PROPINA, COMISSÃO, PRESENTE OU VANTA-GEM DE QUALQUER ESPÉCIE, EM RAZÃO DE SUAS ATRIBUIÇÕES) O dispositivo prevê infração disciplinar no caso de o servidor receber qualquer tipo de vantagem, pecuniária ou não, para praticar ato regular que esteja dentro de suas atribuições funcionais. Se o servidor recebe propina para a prática de ato que excede sua competência (excesso de poder), ou seja ilegal (desvio de poder), pode-se configurar outra infração, como por exemplo a proibição prevista no art. 117, inciso IX, aqui tratado como valimento de cargo. Neste sentido:

Parecer-AGU nº GQ-139, não vinculante: “16. O contexto do regime disciplinar e a positividade do transcrito inciso XII, mormente o sentido que se empresta à expressão ´em razão de suas atribuições´, induzem ao entendimento de que o recebimento de propina, comissão, presente ou qualquer modalidade de vantagem é decorrente das atribuições regularmente desenvolvidas pelo servidor, sem qualquer pertinência com a conduta censurável de que resulte proveito ilícito.” Formulação-Dasp nº 150. Infração disciplinar

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A infração prevista no art. 195, X206, do Estatuto dos Funcionários pressupõe que a vantagem ilícita se destine a retribuir a prática regular de ato de ofício.

Uma vez que o dispositivo sujeita o infrator à pena de expulsão, o enquadramento nesta proibição deve ser feito com cautela, afastando-se na hipótese de recebimento de presentes de valor irrisório como gratidão por bons serviços prestados pelo servidor, podendo-se cogitar do enquadramento em infração mais leve (art. 116, inciso IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa). Forçoso relembrar que o valor irrisório do presente recebido pelo servidor, por si só, não afasta possível obtenção de vantagem em troca de favores a terceiros. Há de se comprovar que não houve atuação consciente do agente público no sentido de obter vantagem – mesmo que ínfima – em detrimento da função pública, conduta considerada grave dentro dos parâmetros legais e constitucionais exigidos para os representantes da Administração Pública. Embora se trate de planos distintos de verificação da conduta dos servidores, não há como negar a influência do quantum previsto no Código de Conduta da Alta Administração Federal e na Resolução nº 3, de 23/11/2000, da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (CEP), na interpretação deste dispositivo. Segundo preveem aqueles regulamentos, é permitida a aceitação de brindes que não tenham valor comercial, ou até o valor de R$ 100,00, que detenham determinadas características que afastam a presunção de pessoalidade ou imoralidade do ato, descaracterizando a potencialidade lesiva da conduta, e, por consequência, a própria infração disciplinar.

Art. 9º É vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade. Parágrafo único. Não se consideram presentes para os fins deste artigo os brindes que: I - não tenham valor comercial; ou II - distribuídos por entidades de qualquer natureza a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas, não ultrapassem o valor de R$ 100,00 (cem reais). (Código de Conduta da Alta Administração Federal) RESOLUÇÃO Nº 3, DE 23 DE NOVEMBRO DE 2000 da CEP: 1. A proibição de que trata o Código de Conduta se refere ao recebimento de presentes de qualquer valor, em razão do cargo que ocupa a autoridade, quando o ofertante for pessoa, empresa ou entidade que: I – esteja sujeita à jurisdição regulatória do órgão a que pertença a autoridade; II – tenha interesse pessoal, profissional ou empresarial em decisão que possa ser tomada pela autoridade, individualmente ou de caráter coletivo, em razão do cargo; III – mantenha relação comercial com o órgão a que pertença a autoridade; ou IV – represente interesse de terceiros, como procurador ou preposto, de pessoas, empresas ou entidades compreendidas nos incisos I, II e III. 2. É permitida a aceitação de presentes: I – em razão de laços de parentesco ou amizade, desde que o seu custo seja arcado pelo próprio ofertante, e não por pessoa, empresa ou entidade que se enquadre em qualquer das hipóteses previstas no item anterior;

206 Dispositivo semelhante à previsão do art. 117, inciso XII.

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II – quando ofertados por autoridades estrangeiras, nos casos protocolares em que houver reciprocidade ou em razão do exercício de funções diplomáticas. 3. Não sendo viável a recusa ou a devolução imediata de presente cuja aceitação é vedada, a autoridade deverá adotar uma das seguintes providências: I – tratando-se de bem de valor histórico, cultural ou artístico, destiná-lo ao acervo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN para que este lhe dê o destino legal adequado; II - promover a sua doação a entidade de caráter assistencial ou filantrópico reconhecida como de utilidade pública, desde que, tratando-se de bem não perecível, se comprometa a aplicar o bem ou o produto da sua alienação em suas atividades fim; ou III - determinar a incorporação ao patrimônio da entidade ou do órgão público onde exerce a função. 4. Não caracteriza presente, para os fins desta Resolução: I – prêmio em dinheiro ou bens concedido à autoridade por entidade acadêmica, científica ou cultural, em reconhecimento por sua contribuição de caráter intelectual; II – prêmio concedido em razão de concurso de acesso público a trabalho de natureza acadêmica, científica, tecnológica ou cultural; III – bolsa de estudos vinculada ao aperfeiçoamento profissional ou técnico da autoridade, desde que o patrocinador não tenha interesse em decisão que possa ser tomada pela autoridade, em razão do cargo que ocupa. 5. É permitida a aceitação de brindes, como tal entendidos aqueles: I –que não tenham valor comercial ou sejam distribuídos por entidade de qualquer natureza a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos ou datas comemorativas de caráter histórico ou cultural, desde que não ultrapassem o valor unitário de R$ 100,00 (cem reais); II – cuja periodicidade de distribuição não seja inferior a 12 (doze) meses; e III – que sejam de caráter geral e, portanto, não se destinem a agraciar exclusivamente uma determinada autoridade. 6. Se o valor do brinde ultrapassar a R$ 100,00 (cem reais), será ele tratado como presente, aplicando-se-lhe a norma prevista no item 3 acima. 7. Havendo dúvida se o brinde tem valor comercial de até R$ 100,00 (cem reais), a autoridade determinará sua avaliação junto ao comércio, podendo ainda, se julgar conveniente, dar-lhe desde logo o tratamento de presente.

Por oportuno, convém à comissão apurar os fatos e, avaliadas a gravidade da infração e potencial lesivo do ato, analisar a configuração de ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 9º, I, da Lei nº 8.429/92:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

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Ademais, nos casos em que a comissão entenda haver elementos configuradores do recebimento de propina, concomitantemente, o colegiado deverá analisar a conveniência quanto ao enquadramento no art. 132, XI, da Lei nº 8.112/90 (corrupção), em face do que dispõe a Convenção Interamericana contra a Corrupção da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre as condutas tipificadas como atos de corrupção. Senão vejamos:

a solicitação ou a aceitação, direta ou indiretamente, por um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas;

Vale lembrar que, havendo o enquadramento em hipóteses de crimes contra a Administração – segundo a definição do Código Penal –, a comissão deverá encaminhar cópia dos autos ao Ministério Público, submetendo a matéria à apreciação para eventual oferecimento denúncia. 10.5.2.13. ART. 117, INCISO XIII (ACEITAR COMISSÃO, EMPREGO OU PENSÃO DE ESTADO ESTRANGEIRO) O dispositivo veda que servidor público aceite trabalhar para estado estrangeiro, de forma a tutelar a lealdade e o compromisso do agente público com o governo brasileiro. Assim, a não ser que lei posterior crie hipótese de compatibilidade, é inadmissível, em qualquer caso, que servidor público federal estabeleça relação jurídica com Estado estrangeiro para recebimento de comissão ou pensão, bem como vínculo de emprego. 10.5.2.14. ART. 117, INCISO XIV (PRATICAR USURA SOB QUALQUER DE SUAS FORMAS) Usura “não significa simplesmente o interesse devido pelo uso de alguma coisa. É o interesse excessivo, isto é, a estipulação exagerada de um juro, que ultrapasse ao máximo da taxa legal, ou a estipulação de lucro excessivo, ou excedente do lucro normal e razoável”207. Não obstante o conceito doutrinário seja de correta interpretação do conceito de usura, destaque-se a definição trazida pela Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que trata dos crimes contra a economia popular.

Lei nº 1.521, de 26/12/51 - Art. 4º Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando: a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito; b) obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.

207 SILVA, 2010, p. 748.

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Pratica a infração disciplinar prevista no art. 117, inciso XIV, portanto, o servidor que realiza negócio jurídico (compra e venda, empréstimo, etc) com colegas de repartição ou administrados, obtendo lucro excessivo ou cobrando juros exorbitantes. Frise-se que a conduta do servidor deve estar relacionada com o exercício do cargo, porquanto não constitui infração disciplinar atos praticados exclusivamente na vida privada do servidor. Sobre a prática da usura, veja-se entendimento do extinto Dasp:

Formulação-Dasp nº 286. Usura. Pratica usura o funcionário que, aproveitando-se da precária situação financeira de colega, compra-lhe a preço vil, para revenda, mercadoria adquirida em Reembolsável mediante desconto em folha.

10.5.2.15. ART. 117, INCISO XV (PROCEDER DE FORMA DESIDIOSA) Trata-se de infração disciplinar que visa proteger a eficiência do serviço público, punindo a conduta do servidor que age de forma desleixada, descuidada ou desatenta no desempenho de suas atribuições. Em nome dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, levando-se em conta que se trata de infração sujeita à pena de demissão, o enquadramento da conduta do servidor como desídia exigirá certa gravidade nas consequências, isto é, a conduta desidiosa deve repercutir na esfera pública, de forma a caracterizar ofensa concreta ao interesse público. Considerando a própria natureza da conduta desidiosa, qual seja a prática de atos negligentes, imperitos ou imprudentes, não há meio de enquadrá-lo como ilícito de origem dolosa. Ora, caso o servidor público objetivasse finalidade específica de diminuir a eficiência administrativa em contraprestação a algum benefício pecuniário ou não, próprio ou de outrem, incorreria em capitulação diversa.

Isto porque, nesta modalidade culposa de ilícito administrativo, o servidor público intenta a redução da sua carga laboral, ou ainda, das responsabilidades vinculadas ao cargo que ocupa; culminando com resultados ineficientes pela Administração Pública, diretamente associados à conduta negligente, imperita ou imprudente do agente público.

Desídia é negligência, incúria, falta de cuidado, desatenção, desleixo,desmazelo, desinteresse. É uma falta culposa e não dolosa. Negligência é falta de atenção no momento próprio. Se a desídia for efetivamente desejada, haverá dolo, e a falta deixa de ser desídia para ser improbidade. Em regra, a desídia é fruto da soma de vários atos sequenciais que denotam o perfil ou a intenção do faltoso, mas pode se configurar pela prática de um só ato, desde que grave. A desídia pode ocorrer no local de trabalho ou fora dele, mas sempre em função das atividades do faltoso. (PADMag 34418820105010000 RJ, Relator José Geraldo da Fonseca, TRF – 1ª Região, Secretaria do Pleno, do Órgão Especial e da CEDISC, publicado em 27/04/2012)

Sobre a desídia, importante a discussão quanto à necessidade ou não de uma conduta reiterada para a configuração da infração. Em outras palavras, discute-se se uma única conduta desidiosa, em função de sua gravidade, pode dar ensejo à aplicação da pena de demissão pela ofensa à proibição prevista neste dispositivo.

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Não há dúvidas que, via de regra, a desídia implica um comportamento do servidor que age com descaso em relação ao trabalho, e, portanto, necessita de vários atos de desleixo para se configurar. No entanto, não se deve descartar a possibilidade do enquadramento no art. 117, inciso XV, tão só pelo fato de que trata-se de uma conduta única, devendo-se ponderar a gravidade e circunstância do ato, conforme se observa do Parecer AGU GQ-164, vinculante, que reproduz citações doutrinárias neste sentido:

[...] Desídia (e). É falta culposa, e não dolosa, ligada à negligência: costuma caracterizar-se pela prática ou omissão de vários atos (comparecimento impontual, ausências, produção imperfeita); excepcionalmente poderá estar configurada em um só ato culposo muito grave; se doloso ou querido pertencerá a outra das justas causas. […] (Valentim Carrion - Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 18ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, pp. 362/3).

Se a reiteração da conduta é a regra para a caracterização da desídia, o mesmo não vale em relação a reincidência, ou seja, não é necessário que o agente tenha sido punido anteriormente por atos de desatenção ou desleixo para que se enquadre sua conduta neste dispositivo. Da mesma forma, se o servidor agiu de forma desidiosa em função de alguma doença ou estado de incapacidade física ou mental, exclui-se a culpabilidade do servidor, uma vez que não se podia exigir dele, no caso concreto, conduta diversa, descaracterizando a infração. Por fim, relevante observar que a desídia está ligada ao mau exercício das atribuições do cargo, não se aplicando no caso de ausência do servidor, ou mesmo quando o servidor se recusa a praticar ato de sua responsabilidade, podendo se cogitar, nestes casos, de outros enquadramentos, tais como os previstos nos arts. 116, incisos IV, X, 117, inciso I, ou 132, incisos I e II. Este o entendimento expresso no Parecer AGU GQ-87, não vinculante:

Parecer-AGU nº GQ-87, não vinculante: 14. O novo estatuto dos servidores públicos civis da União (Lei nº 8.112, de 1990) estatui a responsabilidade administrativa pelo exercício irregular das atribuições e proíbe que se proceda de forma desidiosa, cominando a penalidade de demissão ao transgressor da norma (arts. 117, 121 e 132). Constitui pressuposto da infração o exercício de fato das atribuições cometidas ao servidor.

10.5.2.16. ART. 117, INCISO XVI (UTILIZAR PESSOAL OU RECURSOS MATERIAIS DA RE-PARTIÇÃO EM SERVIÇOS OU ATIVIDADES PARTICULARES) O inciso protege a moralidade e impessoalidade no serviço público, proibindo os servidores de utilizar recursos materiais e humanos em atividades particulares. Os bens, recursos e a mão de obra contratada pela Administração devem servir exclusivamente para as finalidades públicas disciplinadas em leis e regulamentos, sendo vedado ao servidor utilizar-se destes recursos fora destas hipóteses. A previsão do inciso em destaque não determina os limites da utilização indevida de recursos humanos e materiais para finalidades particulares – interna ou externamente do ambiente de trabalho –, divergindo da disposição contida no inciso II do mesmo artigo (proibição da retirada não autorizada de objetos e documentos da repartição pública); razão pela qual impõe medida sancionadora mais severa.

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Isto é, o que qualifica como gravosa a conduta tipificada neste inciso é a intenção do agente público em beneficiar-se em detrimento dos recursos públicos disponíveis em razão da atividade exercida, implicando necessariamente em conduta dolosa. Deve-se atentar para o fato de que condutas ínfimas, de pequena repercussão no patrimônio ou na regularidade do serviço público não são enquadradas neste dispositivo, que sujeita o infrator à pena de demissão, podendo-se cogitar de configuração de outras infrações (art. 116, inciso II, p. ex.). Ao mesmo tempo, importante ressaltar a possibilidade de enquadramento em conduta com repercussões secundárias mais gravosas para o servidor, a depender da gravidade do prejuízo decorrente da prática ilícita, tal como a capitulação em improbidade administrativa (art. 132, IV).

10.5.2.17. ART. 117, INCISO XVII (COMETER A OUTRO SERVIDOR ATRIBUIÇÕES ESTRA-NHAS AO CARGO QUE OCUPA, EXCETO EM SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA E TRANSITÓRIAS) As atribuições de cada servidor público estão disciplinadas em leis e regulamentos, tudo com o objetivo de manter a ordem e a disciplina no serviço público, e bem assim garantir a observância dos princípios da impessoalidade e eficiência pela Administração. Desse modo, considerando a vinculação do cargo público às atribuições regularmente previstas em normativos – sejam eles específicos ou gerais –, o servidor somente poderá atuar nos limites das competências de sua função, sob pena da configuração de desvio de função. O desvio de função, ou seja, atribuir a servidor público o exercício de atividades diversas daquelas previstas para seu cargo, constitui, segundo o disposto no art. 117, inciso XVII, infração disciplinar. Pune-se, pois, o superior hierárquico que ordena a subordinado a prática de atos que fogem às atribuições deste. Há de se ressaltar que, durante o exercício de atribuições estranhas ao cargo, o servidor público poderá cometer ilícitos administrativos passíveis de responsabilização na via disciplinar. Neste caso, o servidor cuja função fora desviada responderá administrativamente pela possível prática de atos infracionais, sem prejuízo da aplicação de sanção ao superior cuja conduta enquadre-se no inciso em questão.

De outro lado, o servidor cometido com atribuições não inerentes ao cargo por ele ocupado poderá opor-se à prática desses atos de excesso, mesmo quando determinados por superior hierárquico, haja vista a ilegalidade manifesta (fora das atribuições legal e regularmente previstas). Entretanto, em vista de situações de excepcionalidade, o superior hierárquico poderá cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, mediante relevante interesse público e de forma motivada.

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10.5.2.18. ART. 117, INCISO XVIII (EXERCER QUAISQUER ATIVIDADES QUE SEJAM IN-COMPATÍVEIS COM O EXERCÍCIO DO CARGO OU FUNÇÃO E COM O HORÁRIO DE TRABA-LHO) O dispositivo proíbe o exercício do cargo com a prática de atividades privadas que possam concreta ou potencialmente causar conflitos de interesses, comprometendo a imparcialidade do servidor, ou, ainda, que sejam incompatíveis com o horário de trabalho. Forçoso observar que a presente proibição não se confunde com a vedação de acumulação de cargos públicos (art. 132, XII), uma vez que o dispositivo em tela visa ao conflito entre cargo público e atividade privada; ressaltando-se a limitação do entendimento aqui esposado às disposições contidas na Lei nº 8.112/90. Importante delimitar os limites do conflito, haja vista o fato de que o acúmulo ilegal de cargos, empregos ou funções públicas requer procedimento sumário, com restrita instrução processual; diferentemente do rito ordinário, requerido no caso da hipótese de incompatibilidade descrita neste inciso. Dito isto, em regra, os atos da vida privada do servidor não se desdobram em responsabilidade disciplinar na seara administrativa, desde que não tenham qualquer vinculação com o cargo público por ele exercido. Todavia, a prática de atos privados fora do ambiente da repartição pública pode ser responsabilizada administrativamente sob a égide deste dispositivo. Ora, a parte final do artigo 148208 informa a necessidade de apuração de responsabilidade de servidor por infração que tenha relação com as atribuições do cargo, isto é, admite a submissão de atos privados ao poder punitivo do Estado quando estes forem praticados em detrimento da função pública. De outro lado, a Comissão deve analisar a gravidade do ato praticado, cotejando os eventuais prejuízos causados e/ou possíveis benefícios recebidos em detrimento da função pública (financeiros ou não), a fim de analisar a real ofensividade do ato infracional. Tal medida se impõe por força da proporcionalidade exigida na mensuração da reprimenda disciplinar, porquanto um único ato em conflito com o interesse público pode acarretar consequências de grande monte, tal como a prática reiterada de atos incompatíveis. Da mesma forma, a sanção máxima prevista para este delito (suspensão de noventa dias) não é compatível na hipótese da prática singular de ato incompatível, de baixa lesividade ao interesse público. Para esses casos, a Lei nº 8.112/90 arrola enquadramentos mais adequados e proporcionais, tais como: art. 117, I (ausência injustificada); art. 116, III (descumprimento de norma legal), entre outros. A interpretação literal do inciso em questão demonstra a subsunção de duas condutas distintas à hipótese legal, quais sejam:

a) a proibição de exercício de atividade privada incompatível com as atribuições inerentes ao cargo ou função, que visa proteger a imparcialidade do servidor; b) a vedação de exercício de atividade privada incompatível com o horário de trabalho, que tutela a dedicação do servidor ao serviço público.

208 Art. 148. O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

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10.5.2.19. ART. 117, INCISO XIX (RECUSAR-SE A ATUALIZAR SEUS DADOS CADASTRAIS QUANDO SOLICITADO) Pune-se o servidor que, instado a atualizar seus dados cadastrais, recusa injustificadamente. Para a configuração, portanto, não basta que os registros de dados pessoais e funcionais do servidor estejam incorretos ou incompletos, necessário que se notifique o servidor para atualizá-los, e este se negue. Sobre o tema, vale citar o disposto no art. 162 da Lei nº 8.112/90, que obriga o servidor acusado em processo disciplinar (não somente o indiciado, como uma leitura meramente gramatical do dispositivo poderia inferir) a comunicar à comissão o lugar onde pode ser encontrado, sempre que mudar de residência. A princípio, a desobediência a este dispositivo pode configurar a infração ao art. 117, inciso XIX, devendo-se ponderar, entretanto, se o servidor não podia ser encontrado facilmente na repartição, ou ainda se não se omitiu dolosa ou culposamente, hipóteses em que se exclui a responsabilidade.

10.5.3. INFRAÇÕES SUJEITAS À PENA DE DEMISSÃO PREVISTAS NO ART. 132 O art. 132 prevê um rol de condutas consideradas graves, todas sujeitas à penalidade máxima – vez que as sanções de cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão ou função comissionada equiparam-se à pena de demissão.

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

I - crime contra a administração pública;

II - abandono de cargo;

III - inassiduidade habitual;

IV - improbidade administrativa;

V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;

VI - insubordinação grave em serviço;

VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;

VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;

IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;

X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;

XI - corrupção;

XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

Ante a gravidade das condutas descritas no referido artigo, em regra, requer-se que a comissão comprove o dolo do agente público, porquanto somente a conduta de desídia, prevista no art. 117, XV (referência ao inciso XIII do art. 132), é capitulada na forma culposa.

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10.5.3.1. ART. 132, INCISO I (CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA) Tal inciso possui aplicação bastante restrita, uma vez que exige condenação criminal transitada em julgado para sua caracterização. Dessa forma, somente após o trânsito em julgado da sentença penal, em face do cometimento de crime contra a Administração Pública, é que será possível aplicar penalidade disciplinar ao servidor com base no inciso I do art. 132 da Lei nº 8.112/90. Nesse sentido posicionou-se a AGU, em parecer vinculante, bem como o Dasp:

18 (…) a demissão, com fundamento no inciso I do art. 132, deve ser precedida de decisão judicial transitada em julgado. (Parecer-AGU GQ 124, vinculante). Formulação-Dasp 128. Demissão. Não pode haver demissão com base no item I do art. 207 do Estatuto dos Funcionários, se não precede condenação criminal.

Dessa forma, a comissão deve evitar o enquadramento da conduta ilícita exclusivamente neste dispositivo, porquanto, caso haja processo criminal em andamento, os trabalhos apuratórios ficarão sobrestados até o proferimento de sentença definitiva pelo juízo competente. Nessa situação, a comissão deve, prioritariamente, verificar se a conduta do servidor caracteriza outra infração disciplinar (valimento do cargo, por exemplo), deixando de caracterizá-la como crime contra a Administração Pública no indiciamento e no Relatório Final. Caso não seja possível tal enquadramento, a comissão deverá sobrestar o processo, a fim de aguardar pela decisão judicial. Todavia, ressalte-se que a adoção de tal medida não importa na violação da independência entre as instâncias penal e administrativa, resguardada pelo STF, consoante o precedente que segue:

I – Ilícito administrativo que constitui, também, ilícito penal: o ato de demissão, após procedimento administrativo regular, não depende da conclusão da ação penal instaurada contra servidor por crime contra a administração pública, tendo em vista a autonomia das instâncias. (MS 23.242, Relator Ministro: Carlos Veloso, Data do Julgamento: 10/04/2002, Pleno, Data da Publicação: 17/05/2002).

Os crimes contra a Administração Pública são aqueles descritos nos arts. 312 a 326 do Código Penal, bem como outros crimes descritos na legislação extravagante, de que são exemplos:

a) Lei nº 8.137/90, art. 3º: crimes contra a ordem tributária praticados por servidores do Fisco; b) Lei nº 8.666/93, arts. 89 a 99: crimes contra a licitação; c) Lei nº 4.898/65: crime de abuso de autoridade.

Sempre que, no curso do apuratório, a comissão se deparar com a existência de indícios de cometimento de crime contra a Administração Pública, é dever da comissão adotar as providências cabíveis para a cientificação da autoridade policial e do Ministério Público competentes, a fim de que sejam adotadas as medidas cabíveis no caso. Importante destacar que a perda do cargo é efeito acessório da condenação por crime contra a Administração Pública; no entanto, tal efeito só ocorre se o servidor for condenado a

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um ano ou mais de reclusão ou detenção e, cumulativamente, se o juiz se manifestar expressamente sobre tal efeito, uma vez que se trata de uma prerrogativa do magistrado, não de uma obrigação, nos termos do art. 92 do Código Penal. Nesse caso, na prática, o servidor perde o cargo em decorrência de decisão judicial, a qual não é penalidade administrativa mas tem o mesmo efeito prático.

Portanto, somente em duas situações o servidor poderá ser demitido por cometimento de crime contra a Administração Pública: quando a condenação for a pena de reclusão ou de detenção inferior a um ano ou, quando igual ou superior a um ano, o efeito acessório não tiver sido expressamente aplicado pelo juiz. 10.5.3.2. ART. 132, INCISO II (ABANDONO DE CARGO) A conceituação jurídica de abandono de cargo para fins administrativos encontra-se insculpida nos arts. 138 e 140, ambos da Lei nº 8.112/90:

Art. 138. Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos.

Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, observando-se especialmente que: (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

I - a indicação da materialidade dar-se-á:

a) na hipótese de abandono de cargo, pela indicação precisa do período de ausência intencional do servidor ao serviço superior a trinta dias; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

O texto legal deixa evidente três critérios para a materialização da infração de abandono de cargo, a saber: intencionalidade, continuidade e prazo mínimo. No que tange à intencionalidade da conduta, cabe à comissão comprovar, além da ausência, a intenção de se ausentar (animus abandonandi), a qual pode ocorrer por dolo direto ou eventual, isto é, quando o servidor deseja se ausentar ou, não desejando, assume o risco de produzir o mesmo resultado. No entanto, não se exige a comprovação de que o servidor tencionava abandonar permanentemente o cargo. Nesse sentido:

Formulação-Dasp nº 81. Abandono de cargo.

O abandono de cargo pode resultar, também, de dolo eventual.

Formulação-Dasp nº 26. Abandono de cargo.

Incorre em abandono de cargo o funcionário que foge para frustrar a execução de prisão ordenada por autoridade judicial.

Formulação-Dasp nº 271. Abandono de cargo.

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No abandono de cargo, o elemento subjetivo ( ́animus ́) há que ser apreciado com a maior objetividade.

Formulação-Dasp nº 51. Abandono de cargo.

Se a ausência do serviço resulta de coação irresistível, não ocorre abandono de cargo.

Formulação-Dasp nº 79. Abandono de cargo.

Não é punível o abandono de cargo que evite o mal maior de acumulação ilegal.

Parecer PGFN/CJU/CED nº 1.498/2007: “23. Nesse diapasão, releva ponderar que, para a caracterização do animus abandonandi, não se exige que o servidor tenha a intenção de abandonar o cargo (o art. 138 da Lei nº 8.112, de 1990, apenas faz referência à ausência intencional do servidor, e não abandono intencional), o que implicaria em caracterizar o abandono do cargo sob o ponto de vista subjetivo do autor. O que se requer é a configuração de sua vontade consciente (dolo direto) em ausentar-se do serviço (por mais de trinta dias consecutivos, como visto), ou pelo menos a previsão e assunção do risco de que seu comportamento leve a tal ausência (dolo indireto ou eventual), caracterizando, destarte, o abandono de cargo do ponto de vista da Administração Pública” (Parecer-PGFN/CJU/CED nº 1.498/2007).

Cabe à comissão comprovar, além da ausência, a intenção de se ausentar, a qual pode ocorrer por dolo direto ou eventual, isto é, quando o servidor deseja se ausentar ou, não desejando, assume o risco de produzir o mesmo resultado. No entanto, não se exige a comprovação de que o servidor tencionava abandonar permanentemente o cargo. Nesse sentido:

Formulação-Dasp nº 81. Abandono de cargo. O abandono de cargo pode resultar, também, de dolo eventual. Formulação-Dasp nº 26. Abandono de cargo. Incorre em abandono de cargo o funcionário que foge para frustrar a execução de prisão ordenada por autoridade judicial. Formulação-Dasp nº 271. Abandono de cargo. No abandono de cargo, o elemento subjetivo (´animus´) há que ser apreciado com a maior objetividade. Formulação-Dasp nº 51. Abandono de cargo. Se a ausência do serviço resulta de coação irresistível, não ocorre abandono de cargo. Formulação-Dasp nº 79. Abandono de cargo. Não é punível o abandono de cargo que evite o mal maior de acumulação ilegal. 23. Nesse diapasão, releva ponderar que, para a caracterização do animus abandonandi, não se exige que o servidor tenha a intenção de abandonar o cargo (o art. 138 da Lei nº 8.112, de 1990, apenas faz referência à ausência intencional do servidor, e não abandono intencional), o que implicaria em caracterizar o abandono do cargo sob o ponto de vista subjetivo do autor. O que se requer é a configuração de sua vontade consciente (dolo direto) em ausentar-se do serviço (por mais de trinta dias consecutivos, como visto), ou

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pelo menos a previsão e assunção do risco de que seu comportamento leve a tal ausência (dolo indireto ou eventual), caracterizando, destarte, o abandono de cargo do ponto de vista da Administração Pública. (Parecer-PGFN/CJU/CED nº 1.498/2007).

A comissão deve envidar esforços para apurar eventual existência de justificativas para a ausência do servidor. Deve, inclusive, inquirir o setor de recursos humanos para verificar se foi protocolizado pedido de afastamento por motivos justificáveis, o que pode configurar infração diversa, como inobservância do dever funcional de ser assíduo e pontual ao serviço (art. 116, X, Lei nº 8.112/90), pela inexistência de motivos para o afastamento enquanto o pedido era apreciado. No entanto, a ausência para atuar em projetos pessoais ou motivos de foro íntimo não afastam a intencionalidade da infração disciplinar; pelo contrário, demonstram indevida sobreposição de interesses pessoais sobre o público, reforçando a caracterização do abandono do cargo. Dessa forma, motivos hábeis a afastar a intenção de abandonar o cargo são aqueles

(...) que se fundam em razões independentes de sua vontade. O motivo, assim, precisa ser relevante, já que a ausência injustificada faz pressupor o desinteresse do servidor na prestação do serviço público. Essa presunção só se afasta por motivo de força maior, entendido, como tal, o obstáculo intransponível, de origem estranha, liberatório da responsabilidade (...)209.

Os requisitos de continuidade e prazo caracterizam-se quando o servidor intencionalmente deixar de comparecer ao serviço por, no mínimo, 31 dias consecutivos, incluídos finais de semana, feriados e dias de ponto facultativo:

Formulação-Dasp nº 116. Faltas sucessivas.

Na hipótese de faltas sucessivas ao serviço, contam-se, também, como tais, os sábados, domingos, feriados e dias de ponto facultativo intercalados.

Orientação Normativa-Dasp nº 149. Faltas injustificadas.

No cômputo de faltas sucessivas e injustificadas ao serviço, não se excluem os sábados,domingos e feriados intercalados.

No que se refere à contagem do prazo prescricional para que a Administração possa aplicar penalidade por abandono de cargo, inicia-se no trigésimo primeiro dia de ausência intencional ao serviço (consumação imediata do ilícito), nos termos do Parecer-AGU GQ-207 vinculante. No caso concreto, todavia, a situação merece temperamentos, a fim de se compatibilizar tal entendimento com o que preceitua o parágrafo 1º do art. 142, da Lei nº 8.112/90210. O mesmo Parecer-AGU GQ-207 esposa entendimento de que, mesmo prescrito o poder-dever de aplicar penalidade disciplinar por abandono, ainda seria possível exonerar de ofício o servidor:

“Ementa: O entendimento que se vem observando de exonerar ‘ex officio’ o servidor que abandonou o cargo, pela impossibilidade de demissão, porque extinta a punibilidade pela prescrição, já mereceu aprovação do Poder Judiciário, inclusive pela sua mais alta Corte.

209 GUIMARÃES, 2006, pg. 71. 210 § 1o O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

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3. (...) (b) o prazo prescricional inicia-se no trigésimo primeiro dia de ausência do servidor”.

Na contramão do entendimento da AGU, a jurisprudência pátria vem contrapondo-se a possibilidade de substituição da penalidade demissória pela exoneração de ofício, nas hipóteses em que houve prescrição da pretensão punitiva da Administração. Senão vejamos o teor do MS nº 12.674/DF (precedentes MS nº 12.325/DF, MS nº 7.239/DF, MS nº 7.113/DF, MS nº 7.318/DF), julgado pelo STJ, por meio do qual a medida foi deferida parcialmente na parte tocante à impossibilidade de exoneração ex officio de servidor ausente por mais de 11 anos em face da prescrição:

Verifica-se, portanto, que a exoneração de ofício deve ocorrer apenas nas situações descritas na norma para sua aplicação. Não obstante isso, a portaria teve como motivo fático a situação de o servidor ter se ausentado do serviço por aproximadamente 11 anos. Entretanto, tal substrato não se subsume à hipótese de incidência prevista na norma concernente à exoneração, a qual se dirige ao servidor que não satisfaz as condições de estágio probatório e não cabe recondução, bem como aquele que não toma posse ou não entra em exercício no prazo legal. Portanto, o ato coator ofende o princípio da legalidade à medida que carece de embasamento normativo, razão pela qual deve ser expungido. Ademais, entendo que o Ministro da Fazenda se utilizou da exoneração de ofício tão só em virtude da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do ilícito administrativo de abandono do cargo, circunstância que evidencia a intenção de contornar os efeitos legais decorrentes de sua inércia. Dessa forma, deve ser aplicado o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a exoneração de ofício não pode ser utilizada como substitutivo da demissão nos casos em que esta não puder ser aplicada por força da prescrição da pretensão punitiva da Administração. (MS nº 12674/DF, Min. Rel. Haroldo Rodrigues, 3ª Seção, publicado no DJe de 24/11/2010)

Além disso, o art. 140 da Lei nº 8.112/90 define que a comissão deverá delimitar precisamente o período de ausência, indicando as datas inicial e final em que o servidor não desempenhou o efetivo exercício na unidade. De outro lado, caso o afastamento ininterrupto do servidor por mais de 30 dias não seja comprovado em sede de processo com rito sumário, há a possibilidade de o mesmo ser eficaz nas hipóteses em que se demonstre tão-somente a inassiduidade do agente público. A apuração dos fatos se dará por meio de rito diferenciado, denominado sumário. A adoção do rito ordinário, todavia, não enseja nulidade tendo em vista que não traz prejuízo à defesa, por ser mais completo em relação ao sumário. Para a configuração da infração, é necessário que o servidor esteja no exercício do cargo no qual foi empossado, vez que a infração requer o efetivo exercício do agente na unidade na qual fora lotado, conforme Formulação Dasp 349:

Formulação Dasp nº 349. Abandono de cargo.

A pessoa nomeada e empossada, mas que não assumiu o exercício do cargo, não pode ser processada por abandono, porquanto ainda não cometeu faltas ao serviço.

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Ademais, o retorno do servidor ao posto de trabalho, transcorrido o período configurador de abandono de cargo, não tem o condão de desconfigurar o ilícito por ele cometido; não havendo discricionariedade para o remissão da falta cometida.

Formulação Dasp nº 83. Abandono de cargo. Não constitui óbice à demissão a circunstância de haver o funcionário reassumido o exercício do cargo que abandonou.

Por fim, o Código Penal descreve tipo penal assemelhado à infração sob análise, definido como espécie de crime contra a Administração Pública:

Abandono de função. Art. 323 - Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei:

Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. § 1º - Se do fato resulta prejuízo público:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § 2º - Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa. Ocorre que, para a caracterização do crime descrito no caput do artigo acima transcrito, exige-se a comprovação de potencial prejuízo à regularidade do serviço público, o que não é elemento da infração disciplinar de abandono de cargo. 10.5.3.3. ART. 132, INCISO III (INASSIDUIDADE HABITUAL) A ausência injustificada do servidor não caracterizada como abandono de cargo possui definição e materialidade previstas nos arts. 139 e 140, I, alínea “a”, ambos da Lei nº 8.112/90, a saber:

Art. 139. Entende-se por inassiduidade habitual a falta ao serviço, sem causa justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período de doze meses.

Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, (...) (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)

I - a indicação de materialidade dar-se-á:

b) no caso de inassiduidade habitual, pela indicação dos dias de falta ao serviço sem causa justificada, por período igual ou superior a sessenta dias interpoladamente, durante o período de doze meses. (Alínea acrescentada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)

Conforme texto legal, tal infração caracteriza-se pela ausência ao serviço por 60 ou mais dias, em um período de 12 meses, sem causa justificada. Trata-se de dias úteis, não incluindo fins de semana, feriados e dias de ponto facultativo intercalados entre os dias de ausência. Os 12 meses nos quais ocorreram as ausências injustificadas não devem, obrigatoriamente, coincidir com o ano civil, uma vez que a Lei n° 8.112/90 não faz tal exigência. No tocante ao quesito da ausência de justa causa, o Parecer AGU nº GQ-160 reforça a necessidade da comprovação da simultaneidade do critério temporal (60 dias interpoladamente no período de 12 meses) e do elemento objetivo (sem causa justificada). Senão vejamos:

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Parecer AGU nº GQ-160, vinculante: 10. São, pois, elementos constitutivos da infração as sessenta faltas interpoladas, cometidas no período de um ano, e a inexistência da justa causa. Para considerar- se caracterizada a inassiduidade habitual é necessário que ocorram esses dois requisitos, de forma cumulativa. O total de sessenta faltas, por si só, não exclui a verificação da justa causa. 11. Incumbe ao colegiado apurar se a conduta do servidor se ajusta ou não a essas prescrições legais. Para tanto, deve pautar sua atuação pelo objetivo exclusivo de determinar a verdade dos fatos (...).

Neste ponto, verifica-se importante diferença na caracterização da inassiduidade habitual e abandono de cargo. Ora, como visto anteriormente, o abandono de cargo não se configura apenas com a confirmação da ausência injustificada do servidor por mais de 30 dias consecutivos. Cumpre à comissão buscar provas do animus abandonandi do agente público para ensejar o enquadramento no art. 132, II, da Lei nº 8.112/90.

Parecer AGU nº GQ-201, não vinculante: “7. No caso de abandono de cargo, a ausência deve ser intencional, ou seja, não basta a inexistência de justa causa para a ausência ao serviço; é preciso mais: deve haver a intenção. (...)

Na hipótese de inassiduidade habitual, a comissão deverá ater-se somente à impossibilidade de justificativa para as ausências individualmente, isto é, não é necessária a comprovação de qualquer elemento subjetivo do agente público em abandonar o serviço público; porquanto se trate de infração disciplinar associada ao nítido descaso do servidor. Cada um dos dias em que o servidor faltou ao serviço deve ser individualizado, a fim de se oportunizar ao mesmo o pleno exercício do contraditório e da defesa. Assim, para fins de delimitação temporal, considera-se o primeiro dia de ausência como o primeiro dia do período de 12 meses estabelecido em lei. Ao termo “interpoladamente” não se deve conferir interpretação restritiva, pois pode ocorrer inassiduidade habitual caso o servidor não compareça ao serviço por 60 dias úteis seguidos; a intenção do legislador foi garantir que 60 faltas injustificadas fossem caracterizadas como infração disciplinar, estivessem elas intercaladas ou não, em contraposição à infração de abandono do cargo, a qual requer um “plus” em relação à inassiduidade habitual, isto é, a prova da intenção de abandonar o serviço por 31 dias. Dessa forma, assim se diferenciam as duas condutas infracionais:

Abandono do cargo Inassiduidade habitual

Exige comprovação da intenção do agente de se ausentar do serviço?

Sim Não

Comprovação de justa causa afasta a infração? Sim Sim

Ausências consecutivas configuram infração? Sim (30 dias consecutivos)

Sim (60 dias úteis consecutivos)

Ausências interpoladas configuram infração? Não Sim (60 dias úteis interpolados)

A diferenciação acima não inviabiliza que uma mesma conduta possa ser enquadrada nas duas infrações, uma vez que a intenção de abandonar o cargo é um “plus” para caracterização dessa infração disciplinar. Dessa forma, se o servidor se ausentar do serviço por 60

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dias úteis consecutivos sem causa justificada, também terá se ausentado por 30 dias consecutivos, sem justa causa, podendo ser apenado pelas duas infrações se restar comprovado que teve a intenção de se ausentar do serviço neste prazo. Há de se ressaltar que, mesmo não sendo possível a configuração da inassiduidade habitual pela comissão, porém sendo comprovadas inúmeras ausências injustificadas do servidor, o colegiado poderá recomendar o enquadramento da conduta na infração ao dever funcional de ser assíduo e pontual ao serviço, previsto no art. 116, X, da Lei nº 8.112/90. Ainda, caso o colegiado não obtenha provas de quaisquer dos enquadramentos dispostos no Estatuto do Servidor Público, não se pode olvidar do que impõe o art. 44 da Lei nº 8.112/90:

Art. 44. O servidor perderá: I - a remuneração do dia em que faltar ao serviço, sem motivo justificado; II - a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de compensação de horário, até o mês subsequente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia imediata. Parágrafo único. As faltas justificadas decorrentes de caso fortuito ou de força maior poderão ser compensadas a critério da chefia imediata, sendo assim consideradas como efetivo exercício.

Por fim, caso ao servidor tenha sido aplicada penalidade disciplinar por faltas menos frequentes, estas poderão ser computadas para configuração da inassiduidade habitual, conforme entendimento do Dasp, que interpretava dispositivo semelhante previsto no antigo Estatuto do Funcionário (Lei nº 1.711/52):

Formulação-Dasp nº 181. Inassiduidade habitual. Para efeitos do art. 207, § 2º do Estatuto, contam-se, também, as faltas que tenham dado origem a repreensão ou suspensão.

10.5.3.4. ART. 132, INCISO IV (IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA)

10.5.3.4.1. TRATAMENTO JURÍDICO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA O legislador constituinte elegeu ao status de princípios constitucionais a moralidade

e a probidade administrativa, ambas extraídas do art. 37 da Carta Magna. Consoante comentado no item 10.5.1.9., acerca do dever insculpido no art. 116, IX, da Lei nº 8.112/90, o ato de improbidade administrativa consiste em forma qualificada de ofensa ao princípio da moralidade.

Consoante o ensinamento de De Plácido e Silva, o termo “improbidade” denota o

seguinte significado:

Derivado do latim “improbitas” (má qualidade, imoralidade, malícia), juridicamente liga-se ao sentido de desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter. Desse modo, improbidade revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral. Improbidade é a qualidade do ímprobo. E

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ímprobo é o mau moralmente, é o incorreto, o transgressor das regras da lei e da moral. 211

O caput e o § 4º do art. 37 da Constituição Federal de 1988 estabelecem os

princípios da moralidade e da probidade administrativa, nos termos abaixo:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (Grifos nossos)

O ato de improbidade foi inicialmente previsto no art. 482, I, da Consolidação das

Leis do Trabalho (CLT) como um dos fundamentos da rescisão do contrato de trabalho por justa causa, consistente no ato de desonestidade, falta de retidão e atuação maliciosa ou perniciosa. Mais à frente, o legislador federal previu, no art. 132, IV, do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/90), o ilícito disciplinar consistente na prática de improbidade administrativa, sujeita à penalidade capital.

Nos mesmos moldes do princípio da moralidade, a prática de ato em desrespeito ao

dever de probidade somente será reconhecida quando vinculada ao cumprimento das funções públicas, isto é, associada ao exercício do cargo público. Ou seja, os atos da vida privada que não repercutam direta ou indiretamente na vida funcional do servidor não podem ser apontados como atos de improbidade administrativa, a despeito de possivelmente imorais para os padrões sociais vigentes.

Posteriormente, foi editada a Lei nº 8.429/92 (lei de improbidade administrativa)

com o objetivo de estabelecer os limites jurídicos ao conceito de improbidade administrativa e suas repercussões na esfera cível, independentemente das searas penais e administrativas. Frise-se que este diploma não exauriu as competências das entidades administrativas no que tange às apurações da prática de atos de improbidade administrativa. Ao contrário, delimitou as fronteiras das espécies de atos ímprobos, sancionando tais condutas em esfera diversa da estritamente disciplinar ou mesmo penal, mas preservando-as.

Assim, as apurações da prática de atos de improbidade administrativa poderão

desenrolar-se administrativamente, por ensejar a conduta indisciplinar prevista no art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90, penalmente, quando implicar a prática de tipo criminal previsto na legislação penal, e, também, civilmente, nos moldes da própria Lei nº 8.429/92.

A lei de improbidade administrativa prevê, nos seus arts. 9º, 10 e 11, três espécies

de atos de improbidade: a) os que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); b) os que causam prejuízo ao erário (art. 10); c) os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11). Em cada um dos dispositivos a lei cuidou por conceituar as espécies de forma

genérica, passando posteriormente a exemplificá-las. Registre-se que o rol delineado em cada uma

211 SILVA, 2010, p. 420.

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delas é meramente enunciativo, pois outras situações não previstas na norma poderão enquadrar-se no conceito geral dos caputs de referidos artigos.

Conforme o art. 9º da Lei nº 8.429/92, constituirá ato de improbidade importando

enriquecimento ilícito “auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente”:

I -receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; II -perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1º por preço superior ao valor de mercado; III -perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado; IV -utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; V -receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem; VI -receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei; VII -adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; VIII -aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade; IX -perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza; X -receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado; XI -incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art.1º desta Lei; XII -usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art.1º desta Lei.

Para ser enquadrado nesta hipótese legal não é necessária a comprovação de dano

ao erário, basta que fique atestado o enriquecimento ilícito do agente, na forma do caput do art. 9º ou nos seus 12 incisos.

De acordo com o art. 10 da lei, constituirá ato de improbidade administrativa que

causa lesão ao erário “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial,

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desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente”:

I -facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei; II -permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; III -doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art.1º desta Lei, sem a observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; IV -permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta Lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; V -permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; VI -realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII -frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; IX -ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; X -agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; XI -liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades. XIV -celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Inciso incluído pela Lei nº 11.107, de 06/04/05) XV -celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

Enquanto o art. 9º visa coibir o enriquecimento ilícito do agente público, o que pode

reprimir indiretamente o dano ao erário, o art. 10 cinge-se exclusivamente à tutela do prejuízo ao erário.

Por fim, o art. 11 do mesmo diploma prescreve as hipóteses de ato de improbidade

administrativa por atentado aos princípios vertentes da Administração Pública, que consiste em “qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente”:

I -praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento diverso daquele previsto, na regra de competência; II -retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

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III -revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV -negar publicidade aos atos oficiais; V -frustrar a licitude de concurso público; VI -deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

Para aplicação deste dispositivo, basta a infringência a qualquer dos princípios que

regem a Administração Pública insculpidos na norma, prescindindo do enriquecimento ilícito do agente público e do prejuízo ao erário. Todavia, na hipótese de configuração de qualquer destas duas últimas hipóteses, resta afastada a tipificação do ato no art. 11 da lei, por servir apenas de caráter residual, quando não incorrer nas hipóteses do arts. 9º e 10.

Com efeito, a lei prevê que as modalidades de ato de improbidade administrativa

previstas nos arts. 9º e 11 (enriquecimento ilícito e atentar contra os princípios da Administração Pública) serão sempre na forma dolosa, no entanto, quanto à modalidade disposta no art. 10 (prejuízo ao erário), permite-se tanto a forma dolosa quanto a culposa.

É nesse rumo que se firma o entendimento da jurisprudência pátria, a saber:

Ementa: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. USO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA EM RAZÃO DO CARGO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA. ART. 11 DA LEI 8.429/1992. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E IMPESSOALIDADE. CONFIGURAÇÃO DE CULPA E DOLO GENÉRICO. ELEMENTO SUBJETIVO. DESNECESSIDADE DE DANO MATERIAL AO ERÁRIO. COMINAÇÃO DAS SANÇÕES. DOSIMETRIA. ART. 12 DA LIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ. ART.18 DA LEI 7.347/1985. INAPLICABILIDADE. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. O posicionamento firmado pela Primeira Seção é que se exige dolo, ainda que genérico, nas imputações fundadas nos arts. 9º e 11 da Lei 8.429/1992 (enriquecimento ilícito e violação a princípio), e ao menos culpa, nas hipóteses do art. 10 da mesma norma (lesão ao erário). 3. A jurisprudência do STJ, quanto ao resultado do ato, firmou-se no sentido de que se configura ato de improbidade a lesão a princípios administrativos, o que, em princípio, independe da ocorrência de dano ou lesão ao erário público. (REsp 1320315/ DF, Min. Rel. Eliana Calmon, 2ª Turma, publicado no DJe de 20/11/2013 – Grifo nosso)

Nesse sentido, por expressa determinação, em sede de reparação cível, é aceitável o

reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa por lesão ao erário de forma culposa. No entanto, pelo menos na esfera disciplinar, somente é reconhecível a prática de ato de improbidade administrativa doloso, nunca culposo. As palavras do professor José Armando da Costa são precisas nessa direção, bem como a enunciação exarada pela Advocacia-Geral da União no Parecer nº GQ-200, não vinculante:

Conquanto o art. 10 da Lei nº 8.429/92 preveja a modalidade culposa para o delito disciplinar de improbidade administrativa que implique lesão aos cofres públicos, entende-se, todavia, que o elo subjetivo da culpa em sentido estrito (negligência, imprudência e imperícia) não chega a integralizar e satisfazer o corpus delicti da infração disciplinar em apreço. Tal assertiva fundamenta-se no fato de que é de todo impossível conceber-se de modo desonroso, ímprobo

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ou desonesto. Se o comportamento culposo (em sentido estrito) do agente danifica o patrimônio público, a falta disciplinar cometida poderá constituir qualquer outra transgressão, mas nunca a improbidade administrativa. 212 Parecer-AGU nº GQ-200 Improbidade administrativa - Conceito - Dolo do agente. I - Improbidade administrativa é ato necessariamente doloso e requer do agente conhecimento real ou presumido da ilegalidade de sua conduta.

10.5.3.4.2. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

De acordo com o já colocado, poderá haver a concomitância entre as instâncias administrativa, civil e penal. Enquanto a administrativa apura a falta funcional (ilícito administrativo) pela prática de ato de improbidade administrativa, de um lado a instância civil vai apurar o mesmo ato e suas repercussões civis, aplicando as sanções previstas na Lei nº 8.429/92, e do outro, a instância penal vai apurar a eventual prática de crime, de acordo com o rito do processo penal.

Consequentemente, no âmbito administrativo, a apuração da prática de ato de

improbidade administrativa deve seguir o rito natural do processo administrativo disciplinar, previsto na Lei nº 8.112/90 e não o disposto na Lei nº 8.429/92, tendo em vista que este diploma trata do procedimento específico para apuração da responsabilidade civil e da aplicação das sanções especialmente nele elencadas, distintas da esfera disciplinar.

No plano prático, aconselha-se às comissões disciplinares a fazerem uso dos

conceitos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92, para o preenchimento do conceito do tipo indisciplinar previsto no art. 132, IV, mas com a recomendação de não enquadrarem a conduta tão-somente nos arts. 9º, 10 ou 11 da Lei nº 8.429/92, posto ser norma voltada às sanções civis dos agentes públicos pela prática de ato de improbidade.

Enquadrar a conduta apenas nos referidos dispositivos poderia ensejar a

necessidade de manifestação do Ministério Público ou do Poder Judiciário acerca da configuração ou não da prática de ato de improbidade administrativa, a despeito da efetiva independência de instâncias civis e administrativa.

A própria autoridade administrativa tem competência para definição do ilícito

específico de improbidade administrativa, não dependendo de prévia apreciação externa à esfera administrativa. Esta independência de instâncias, especialmente no que concerne à própria definição do ato de improbidade, é extraída de interpretação sistemática de dispositivos da Lei nº 8.429/92, conjugados com a previsão do art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90.

Lei nº 8.112/90 Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: IV - improbidade administrativa; Lei nº 8.429/92

212 COSTA, 2009, p. 537.

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Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas pre-vistas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade su-jeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulati-vamente, de acordo com a gravidade do fato. Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a práti-ca de ato de improbidade. § 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares. (Grifos nossos)

Outrossim, a professora Di Pietro manifesta-se na mesma linha de raciocínio:

Mesmo que a autoridade administrativa represente ao Ministério Público, na forma dos artigos 7º (para pedir a indisponibilidade dos bens), e 16 (para solicitar o sequestro de bens), não pode deixar de ser instaurado e ter tramitação normal o processo administrativo, pois ele insere-se como manifestação do poder disciplinar da Administração Pública, com a natureza de poder-dever e, portanto, irrenunciável.213

Ademais, a jurisprudência mais recente do STF e do STJ, garante a independência da

seara administrativa para apurar e aplicar sanção disciplinar pela prática de ato de improbidade administrativa.

STJ. Mandado de Segurança nº 12.735-DF. (…). A Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) não revogou, seja de forma tácita ou expressa, dispositivos da Lei nº 8.112/1990. Ela apenas definiu atos de improbidade administrativa e lhes cominou penas que podem ser aplicadas a agentes públicos ou não. Daí que permaneceu incólume a independência entre as esferas penal, civil e administrativa, conforme previsto pela própria LIA em seu art. 12. Assim, diante dessa independência, conclui-se que a Administração pode impor pena de demissão ao servidor nos casos de improbidade administrativa. Precedentes citados: MS 10.220-DF, DJ 13/8/2007; MS 12.262-DF, DJ 6/8/2007; MS 10.987-DF, DJe 3/6/2008; MS 12.536-DF, DJe 26/9/2008; MS 7.253-DF, DJ 19/12/2002, e MS 4.196-DF, DJ 17/8/1998. MS 12.735-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 9/6/2010. (Grifos nossos)

A comissão processante deverá, na capitulação do ato indisciplinar por improbidade,

indicar como aplicável o disposto no art. 132, IV, combinado com o enquadramento especificamente apurado, com base nas definições previstas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, que subsidiam a definição do ato de improbidade administrativa.

Além disso, caso a mesma conduta também viole outras disposições passíveis da

penalidade de demissão, previstas no art. 132 ou nos incisos IX a XVI do art. 117, indica-se que seja enquadrada também nestas outras hipóteses como forma de evitar o sobrestamento do feito administrativo, em decorrência de eventual discussão judicial sobre a prática de ato de improbidade administrativa e a necessidade de prévia manifestação do Poder Judiciário acerca do ato, de que dependeria o julgamento no âmbito administrativo.

213 DI PIETRO, 2006, p. 826.

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A lei de improbidade administrativa, no art. 15, estabelece às comissões de processo administrativo o dever de comunicar ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas a instauração de apuratório no âmbito disciplinar pela prática de ato de improbidade administrativa, inclusive para que estes órgãos possam designar representante para acompanhar o processo.

Lei nº 8.429/92 Art. 15. A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal ou Conselho de Contas da existência de procedimento administrativo para apurar a prática de ato de improbidade. Parágrafo único. O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá, a requerimento, designar representante para acompanhar o procedimento administrativo.

Ao STJ foi levada discussão acerca de eventual nulidade do PAD pela falta de ciência

aos órgãos fiscalizadores. O Ministro Relator do Mandado de Segurança nº 15.021-DF exarou decisão no sentido de que a mera irregularidade de procedimento em processo administrativo disciplinar (não comunicação ao MP e ao Tribunal de Contas) não é suficiente para anular a punição aplicada pela comissão processante.

STJ. Mandado de Segurança nº 15.021 – DF MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MINISTÉRIO PÚBLICO. TRIBUNAL DE CONTAS. CIÊNCIA. ARTIGO 15 DA LEI 8.429/92. FALTA. MERA IRREGULARIDADE. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO OCORRÊNCIA. DEMISSÃO. PROPORCIONALIDADE. SEGURANÇA DENEGADA. I - Constitui mera irregularidade, incapaz de gerar nulidade, o fato de a comissão processante não ter dado ciência imediata ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da existência do procedimento administrativo disciplinar, para eventual apuração da prática de ato de improbidade. II - Na espécie, ademais, o processo disciplinar somente foi instaurado após o recebimento de ofício oriundo do próprio Ministério Público Federal, que noticiava indícios de atos de improbidade administrativa. (…) (MS 15.021-DF, Rel. Min. Og. Felix Fischer, julgado em 25/08/2010) (Grifos nossos)

10.5.3.4.3. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO POR AQUISIÇÃO DE BENS DESPROPORCIONAL AOS RENDIMENTOS OU À EVOLUÇÃO PATRIMONIAL

Entre as hipóteses de ato de improbidade administrativa previstas na Lei nº

8.429/92, destaca-se a modalidade de enriquecimento ilícito disposta no art. 9º, VII, consistente na aquisição de bens, para si ou para outrem, desproporcionalmente à evolução do patrimônio ou da renda do agente público.

Caso o agente público adquira bens, de qualquer natureza (móveis, imóveis, direitos,

etc), para ele próprio ou para terceira pessoa, de forma desproporcional à sua renda regularmente auferida ou ao acréscimo patrimonial natural dos bens que já compõem seu acervo, incorrerá no ilícito mencionado.

Lei nº 8.429/92

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Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; (Grifos nossos)

Em breve resumo, a compatibilidade patrimonial é verificada por meio da apuração

dos rendimentos declarados pelo agente à Secretaria da Receita Federal do Brasil, subtraídos de suas despesas. Caso as despesas (gastos de toda ordem) superem as receitas declaradas, caracteriza-se, em tese, omissão de rendimentos (receitas não declaradas), que indicia possível variação patrimonial sem sustentação em rendas reveladas.

No apuratório disciplinar, caberá à Administração comprovar a evolução

patrimonial desproporcional do agente, no exercício da função pública, para que fique caracterizada presunção relativa de veracidade. Isto é, sendo atestado pela Administração que houve aquisição de bens além do suportado pelos rendimentos legalmente declarados, constitui-se presunção juris tantum (relativa) contra o investigado, que poderá produzir elementos de prova em sentido contrário.

Como já colocado, a prévia constatação de patrimônio desproporcional do agente

não pode ser considerada sinal de locupletamento ilícito insuscetível de prova em contrário, apesar de configurada a presunção legal. Isto porque esta presunção a favor da Administração não é absoluta, admitindo contra-prova. Cabe ao investigado demonstrar que sua evolução patrimonial foi lícita e dissociada de atividades afetas a suas funções públicas. Acaso devidamente atestada a aquisição dos bens por meios desvinculados às funções públicas, restará afastada a conduta insculpida no art. 9º, VII, da Lei nº 8.429/92, sendo considerada atípica para fins disciplinares.

Assinala-se que se mostra desnecessária a comprovação do nexo causal do

enriquecimento ilícito com o exercício da função pública. Caso fosse imprescindível tal prova para a caracterização do ilícito comentado, a comissão apuradora teria uma tarefa hercúlea, quase impossível de ser cumprida. Ademais, o inciso VII do art. 9º da Lei nº 8.429/92 é um tipo disciplinar autônomo e específico, independente do caput do mesmo dispositivo. Com isso, não é necessária a comprovação do recebimento de efetiva vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, prevista no caput do art. 9º, para a capitulação da conduta no inciso VII, posto ser independente.

Além disso, exigir a comprovação do liame do enriquecimento ilícito com o

cumprimento das funções públicas tornaria sem efeito a própria previsão do inciso VII, esvaziaria seu conteúdo, já que a conduta deixaria de ser nele inserta para configurar os ilícitos previstos no art. 117, IX ou XII, da Lei nº 8.112/90.

Lei nº 8.112/90 Art. 117. Ao servidor é proibido: IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública; XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições;

Por seu turno, foi proposta a criminalização desta conduta no Projeto de Lei nº

5.586/2005, que sugere o acréscimo do art. 317-A ao Decreto-Lei nº 2.848/40 (Código Penal), nos termos abaixo:

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Projeto de Lei nº 5.586/2005 Art. 317-A. Possuir, manter ou adquirir, para si ou para outrem, o funcionário público, injustificadamente, bens ou valores de qualquer natureza, incompatíveis com sua renda ou com a evolução de seu patrimônio: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

Além da existência de dolo do agente, questão relevante a ser verificada no caso

concreto é o grau de desproporção na aquisição de bens para com os rendimentos auferidos. Deve-se levar em consideração os princípios da proporcionalidade e razoabilidade na formação do juízo da conformação ou não da conduta no ilícito em questão. Inconsistências de pequena relevância e vinculadas exclusivamente à seara fiscal não devem ser importadas para a seara disciplinar.

No plano prático, há infrações fiscais ou erros nas declarações prestadas ao fisco que

não implicam em patrimônio a descoberto do agente, consistindo em mera infração tributária ou simples erro de preenchimento. Assim, recomenda-se evitar apressada imputação de irregularidades disciplinares indevidas, devendo a comissão apuradora agir com cautela no apontamento de referida infração, a partir da análise de indicadores precisos e elucidativos de possível variação patrimonial a descoberto (não declarada).

A deflagração de procedimento para aferir eventual enriquecimento ilícito por

incompatibilidade com a renda pode ser realizada com base em pelo menos três vieses diversos: constatação de evolução patrimonial desproporcional; sinais exteriores de riqueza (gastos além do suportado pelo padrão de rendimentos) e movimentação financeira incompatível.

De acordo com o relatado acerca da presunção relativa a favor da Administração,

cabe ao investigado fazer prova em sentido contrário à constatação de enriquecimento ilícito. Deve-se destacar, com isso, que é plenamente possível ao agente demonstrar a licitude dos seus ganhos que dariam suporte ao acréscimo patrimonial evidenciado, como por exemplo, recebimento de heranças, prática de atividades privadas, valorização natural de bens que já compõem o patrimônio, etc. Ou seja, o agente precisa demonstrar que o acréscimo patrimonial obtido não decorreu do uso indevido do cargo.

De todo modo, a Administração apenas pode ter ciência da renda auferida pelo

exercício da função pública ou, ao menos, a declarada ao Fisco. Nesse sentido, para verificação da compatibilidade de renda somente será levada em consideração a renda do agente formalmente conhecida, cabendo a ele comprovar a existência de outras receitas não reveladas, mesmo de origem ilícita. Neste particular aspecto, comprovada a desvinculação do aumento patrimonial incompatível com o exercício do cargo público, mesmo que as rendas tenham origem ilícita (exemplo: produto do crime de tráfico de drogas) não restarão medidas de caráter disciplinar, sem prejuízo de investigação no âmbito criminal sobre a prática do suposto crime.

Vale frisar também a independência das instâncias fiscal e disciplinar. Caso o agente

comprove rendimentos recebidos, mas não declarados à Secretaria da Receita Federal do Brasil, que sustentem a evolução patrimonial discutida, restará afastada no plano disciplinar qualquer repercussão punitiva. A despeito disso, o ilícito fiscal poderá configurar-se autonomamente. A legislação sobre o tema (a saber, Decreto nº 5.483, de 30/06/05)reforça esta independência ao prelecionar que, após a conclusão de sindicância patrimonial instaurada para apurar possível enriquecimento ilícito, deverá ser comunicada a Secretaria da Receita Federal do Brasil para providências de sua alçada.

Art. 8º Ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público, nos termos do art. 9º da Lei nº

8.429, de 1992, a autoridade competente determinará a instauração de sindicância patrimonial, destinada à apuração dos fatos.

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Parágrafo único. A sindicância patrimonial de que trata este artigo será instaurada, mediante portaria, pela autoridade competente ou pela Controladoria-Geral da União. (...) Art. 10. Concluído o procedimento de sindicância nos termos deste Decreto, dar-se-á imediato conhecimento do fato ao Ministério Público Federal, ao Tribunal de Contas da União, à Controladoria-Geral da União, à Secretaria da Receita Federal e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras. (Grifos nossos)

Ademais, não há que se falar em bis in idem (dupla punição) caso o agente responda

concomitantemente nas duas esferas, disciplinar e fiscal, resultando nas respectivas sanções. Ainda, se o agente tiver sido punido em uma esfera administrativa, tal fato não implica necessariamente em punição na outra, visto que o mesmo fato ecoa diferentes reflexos (disciplinar ou estatutário e fiscal). Na seara disciplinar busca-se averiguar a compatibilidade patrimonial do agente com seus rendimentos, enquanto que na fiscal visa-se tão somente à apuração da tributação legal sobre seus rendimentos.

Para concluir, é mister ressaltar que, encontrando-se o servidor em situação de

acumulação lícita de cargos públicos, em conformidade com o artigo 37, inciso XVI, da Constituição Federal, caracterizado o enriquecimento ilícito por incompatibilidade patrimonial, a presunção de ilegitimidade do patrimônio adquirido deve ter reflexos em relação a todos os cargos acumulados, levando à inevitável conclusão de que essa incompatibilidade advém de ações ilícitas praticadas em todos eles.

De fato, o conjunto probatório indicador da ocorrência de enriquecimento ilícito,

caracterizado pela aquisição de bens desproporcionais à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, serve de lastro, dada a presunção legal de que essa incompatibilidade é oriunda de irregularidades praticadas em razão das atribuições inerentes a todos os cargos acumulados, à aplicação da penalidade de demissão em relação a cada um deles.

10.5.3.4.4. DECLARAÇÃO DE BENS DOS SERVIDORES. A Lei nº 8.112/90, desde sua edição em 11/12/1990, estatuiu o dever dos

servidores públicos federais de apresentarem declaração de bens e valores que constituem o patrimônio particular de cada um no ato da posse.

Art. 13, § 5º No ato da posse, o servidor apresentará declaração de bens e valores que constituem seu patrimônio e declaração quanto ao exercício ou não de outro cargo, emprego ou função pública. (Grifos nossos)

Logo em seguida, a Lei nº 8.429/92, em seu art. 13, previu que a efetiva

apresentação da declaração dos bens e valores do agente público é condição necessária para a posse e o exercício nos respectivos mandatos, cargos, empregos ou funções públicas. Observa-se que a lei estendeu tal obrigatoriedade a todo e qualquer agente público, não apenas aos servidores públicos federais. Esta declaração deve ser atualizada anualmente e na data em que o agente público deixar o exercício de sua função.

Lei nº 8.429/92

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Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente. § 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função. (Grifos nossos)

Ao invés de declaração especificamente preparada para entrega ao serviço pessoal, o

servidor poderá utilizar-se de cópia da Declaração Anual de Bens apresentada à Secretaria da Receita Federal do Brasil, conforme determina o art. 13, §4º, da Lei nº 8.429/92.

Lei nº 8.429/92 Art. 13. (...) § 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo. (Grifos nossos)

Destaca-se que a lei de improbidade administrativa prevê, no §3º do art. 13, de

forma independente da Lei nº 8.112/90 e dos estatutos de cada esfera dos entes federados, bem como da legislação trabalhista, pena de demissão, a bem do serviço público, para o agente público que se recusar a prestar a declaração dos bens ou que a prestar falsa.

Este dispositivo deve ser interpretado com ressalvas. Somente será aplicável caso o

servidor se recuse a apresentar a declaração, mesmo depois de notificado para tanto, sendo assegurado o devido processo legal. Isto é, o simples fato de não ter entregue a declaração não é causa, por si só, de demissão, sendo imprescindível a sua reincidência dolosa (relutância em não apresentá-la mesmo depois de regularmente solicitado).

Além disso, caso o servidor apresente dolosamente declaração de bens falsa, resta

também configurado o ilícito. A falsidade deve ser apurada no caso concreto, não se configurando na hipótese de erro culposo do agente.

Lei nº 8.429/92 Art. 13. § 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa. (Grifos nossos)

Em acréscimo aos dois diplomas citados, mais à frente foi editada a Lei nº 8.730/93,

a qual determinou que os detentores de mandatos políticos dos Poderes Executivo e Legislativo, membros do Poder Judiciário e do Ministério Público da União, bem como todos aqueles que exerçam cargos eletivos e cargos, empregos ou funções de confiança nos órgãos pertencentes à Administração direta ou indireta da União, devem entregar declaração de bens na entrada e na saída do exercício da função, como também no final de cada exercício financeiro (anualmente).

A declaração deverá ser apresentada ao setor de pessoal do seu órgão e cópia deverá

ser remetida ao TCU.

Lei nº 8.730/93

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Art. 1º É obrigatória a apresentação de declaração de bens, com indicação das fontes de renda, no momento da posse ou, inexistindo esta, na entrada em exercício de cargo, emprego ou função, bem como no final de cada exercício financeiro, no término da gestão ou mandato e nas hipóteses de exoneração, renúncia ou afastamento definitivo, por parte das autoridades e servidores públicos adiante indicados: VII - todos quantos exerçam cargos eletivos e cargos, empregos ou funções de confiança, na administração direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes da União. § 2º O declarante remeterá, incontinenti, uma cópia da declaração ao Tribunal de Contas da União, para o fim de este: (…) Art. 3º A não apresentação da declaração a que se refere o art. 1º, por ocasião da posse, implicará a não realização daquele ato, ou sua nulidade, se celebrado sem esse requisito essencial. Parágrafo único. Nas demais hipóteses, a não apresentação da declaração, a falta e atraso de remessa de sua cópia ao Tribunal de Contas da União ou a declaração dolosamente inexata implicarão, conforme o caso: b) infração político-administrativa, crime funcional ou falta grave disciplinar, passível de perda do mandato, demissão do cargo, exoneração do emprego ou destituição da função, além da inabilitação, até cinco anos, para o exercício de novo mandato e de qualquer cargo, emprego ou função pública, observada a legislação específica. (Grifos nossos)

Em regulamentação dos dispositivos legais que impõem o dever de apresentar a

declaração de bens, especialmente ao art. 13 da Lei nº 8.429/92, foi editado o Decreto nº 5.483/2005, que prevê a possibilidade de o servidor autorizar o acesso à declaração anual apresentada à Secretaria da Receita Federal do Brasil. Ademais, foi também editada a Portaria Interministerial-MPOG/CGU nº 298/2007. Neste último diploma há expressa previsão das duas possibilidades de apresentação da declaração de bens: autorizar acesso, por meio eletrônico, às cópias das declarações de ajuste anual do imposto de renda da pessoa física ou apresentar anualmente, em papel, declaração de bens e valores específicas ao setor de pessoal.

A CGU e os órgãos de controle interno e externo do Poder Executivo Federal terão

acesso a tais dados com o fito de, eventualmente, analisarem a evolução patrimonial dos agentes públicos.

Decreto nº 5.483/2005 Art. 3º [...] § 2º O cumprimento do disposto no § 4º do art. 13 da Lei nº 8.429, de 1992, poderá, a critério do agente público, realizar-se mediante autorização de acesso à declaração anual apresentada à Secretaria da Receita Federal, com as respectivas retificações. Art. 7º A Controladoria-Geral da União, no âmbito do Poder Executivo Federal, poderá analisar, sempre que julgar necessário, a evolução patrimonial do agente público, a fim de verificar a compatibilidade desta com os recursos e disponibilidades que compõem o seu patrimônio, na forma prevista na Lei nº 8.429, de 1992, observadas as disposições especiais da Lei nº 8.730, de 10 de novembro de 1993. Portaria Interministerial-MPOG/CGU nº 298/07

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Art.1° Todo agente público, no âmbito do Poder Executivo Federal, como forma de atender aos requisitos constantes no art. 13 da Lei n° 8.429, 2 de junho de 1992, e no art 1º da Lei nº 8.730, 10 de novembro de 1993, deverá: I - autorizar o acesso, por meio eletrônico, às cópias de suas Declarações de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física, com as respectivas retificações, apresentadas à Secretaria da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Fazenda; ou II - apresentar anualmente, em papel, Declaração de Bens e Valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no Serviço de Pessoal competente. [...] § 3° Uma vez autorizado o acesso à Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física, na forma de inciso I deste artigo, não haverá necessidade de renovação anual da autorização. § 4° O agente público poderá cancelar a autorização prevista no inciso I deste artigo, passando a entregar a Declaração de Bens e Valores anualmente em papel, na forma do inciso II. [...] Art. 5° As informações apresentadas pelo agente público ou recebidas da Secretaria da Receita Federal do Brasil serão acessadas somente pelos servidores dos órgãos de controle interno e externo para fins de análise da evolução patrimonial do agente público. (Grifos nossos)

Das análises realizadas nas declarações de bens e valores dos agentes públicos

federais, poderá a CGU ou as unidades seccionais de correição de cada entidade federal identificar indícios de enriquecimento ilícito dos agentes públicos. Com isso, o Decreto nº 5.483/2005 instituiu o procedimento denominado de Sindicância Patrimonial, que consiste em mais um mecanismo de apuração de supostos ilícitos disciplinares, especialmente no que tange à possível incompatibilidade patrimonial.

Em síntese, a sindicância patrimonial é um procedimento investigativo, sigiloso e

sem caráter punitivo, tendo por finalidade apurar a compatibilidade patrimonial do agente público com sua renda. O procedimento deve ser conduzido por comissão composta de pelo menos dois servidores ou empregados públicos efetivos. Não há necessidade de os servidores serem estáveis, visto não possuir a sindicância caráter punitivo. O prazo para o término dos trabalhos é de 30 dias, prorrogável por igual período ou inferior. Ao final, a comissão de sindicância patrimonial emitirá relatório conclusivo opinando pelo arquivamento das peças processuais, caso não caracterizados indícios de enriquecimento ilícito do investigado, ou pela instauração de processo administrativo disciplinar (PAD), na hipótese de serem demonstrados sinais claros de desproporção entre a renda e a evolução patrimonial do agente público.

Tendo em vista que a sindicância patrimonial é um instrumento meramente

investigativo, faz-se necessária a instauração de apuratório disciplinar quando os elementos dos autos indicarem a configuração de infração administrativa passível de penalidade funcional. Deve-se ressaltar que é possível a instauração direta de processo administrativo disciplinar, sem prévia deflagração de sindicância patrimonial, na circunstância de já estarem formados e evidenciados indícios claros de enriquecimento ilícito do agente público, rito em que serão respeitados todas as garantias processuais ao investigado (devido processo legal, ampla defesa e contraditório).

O conceito e o rito processual aplicável à sindicância patrimonial no âmbito de todo

o Poder Executivo Federal foi estabelecido na Portaria-CGU nº 335/06. Registre-se que na sindicância patrimonial não são asseguradas ao investigado as garantias do contraditório e da ampla defesa, posto não ser a ele imputado nenhum ilícito disciplinar (procedimento inquisitivo).

Decreto nº 5.483/2005

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[...] Art. 7º [...] Parágrafo único. Verificada a incompatibilidade patrimonial, na forma estabelecida no caput, a Controladoria-Geral da União instaurará procedimento de sindicância patrimonial ou requisitará sua instauração ao órgão ou entidade competente. Art. 8º Ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.429, de 1992, a autoridade competente determinará a instauração de sindicância patrimonial, destinada à apuração dos fatos. Parágrafo único. A sindicância patrimonial de que trata este artigo será instaurada, mediante portaria, pela autoridade competente ou pela Controladoria-Geral da União.

Art. 9o A sindicância patrimonial constituir-se-á em procedimento sigiloso e meramente investigatório, não tendo caráter punitivo.

§1o O procedimento de sindicância patrimonial será conduzido por comissão composta por dois ou mais servidores ou empregados efetivos de órgãos ou entidades da administração federal.

§2o O prazo para conclusão do procedimento de sindicância patrimonial será de trinta dias, contados da data da publicação do ato que constituir a comissão, podendo ser prorrogado, por igual período ou por período inferior, pela autoridade competente pela instauração, desde que justificada a necessidade.

§ 3o Concluídos os trabalhos da sindicância patrimonial, a comissão responsável por sua condução fará relatório sobre os fatos apurados, opinando pelo seu arquivamento ou, se for o caso, por sua conversão em processo administrativo disciplinar. Portaria-CGU nº 335/06 Art. 5º No âmbito do Órgão Central e das unidades setoriais, a apuração de irregularidades será realizada por meio de investigação preliminar, sindicância, inclusive patrimonial, e processo administrativo disciplinar. Parágrafo único. Nas unidades seccionais, a apuração de irregularidades observará as normas internas acerca da matéria. Art. 16. A sindicância patrimonial constitui procedimento investigativo, de caráter sigiloso e não punitivo, destinado a apurar indícios de enriquecimento ilícito por parte de agente público federal, a partir da verificação de incompatibilidade patrimonial com seus recursos e disponibilidades, e será iniciada mediante determinação do Ministro de Estado do Controle e da Transparência, do Secretário-Executivo da Controladoria-Geral da União, do Corregedor-Geral ou dos Corregedores-Gerais Adjuntos; § 1º A sindicância patrimonial será realizada de ofício ou com base em denúncia ou representação recebida. Art. 17. O procedimento de sindicância patrimonial será conduzido por comissão constituída por dois ou mais servidores efetivos ou empregados públicos de órgão ou entidade da Administração Pública Federal.

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Art. 18. Para a instrução do procedimento, a comissão efetuará as diligências necessárias à elucidação do fato, ouvirá o sindicado e as eventuais testemunhas, carreará para os autos a prova documental existente e solicitará, se necessário, o afastamento de sigilos e a realização de perícias.

10.5.3.5. ART. 132, INCISO V (INCONTINÊNCIA PÚBLICA E CONDUTA ESCANDALOSA, NA REPARTIÇÃO) Incontinência é a falta de moderação, de comedimento. Como bem ilustra o professor Léo da Silva Alves “a incontinência de conduta é a maneira desregrada de viver. Trata-se da pessoa depravada, de procedimentos vulgares, escandalosos, que chocam os valores morais e os costumes”214. Para a caracterização da infração funcional, o inciso exige que a incontinência seja pública, isto é, que seja praticada na presença de outras pessoas. Além disso, a incontinência deve ocorrer no âmbito da repartição, ou, pelo menos, estar relacionada com o exercício das atribuições do servidor. Assim, o comportamento do servidor em sua vida privada não é alcançado pelo dispositivo em comento. Por outro lado, a incontinência praticada fora da repartição, mas relacionada ao exercício das atribuições do servidor, pode ocasionar a incidência da norma. Outro comportamento condenado pelo dispositivo em tela é a conduta escandalosa, assim entendida como o desprezo às convenções ou a moral vigente. Conforme visto, os conceitos de “incontinência” e “conduta escandalosa” são semelhantes e estão relacionados a desvios comportamentais. Sob o ponto de vista do estatuto funcional, a principal diferença entre eles reside no fato de que a conduta escandalosa não precisa ser cometida publicamente para que caracterize a infração disciplinar, é dizer, os atos praticadas às escondidas, desde que ofendam fortemente a moral, devem ser enquadradas como “condutas escandalosas”, a exemplo dos atos de conotação sexual praticados de forma reservada. Da mesma forma do aduzido quanto à incontinência pública, a conduta escandalosa, para que produza efeitos disciplinares, deve ser praticada no âmbito da repartição. As condutas praticadas fora daquele ambiente só serão alcançadas pela norma se estiverem relacionadas ao exercício das atribuições do servidor. Ressalte-se que a infração disciplinar em questão se consuma no momento em que o servidor pratica o ato classificável como incontinência pública ou conduta escandalosa, sendo que, a rigor, não se exige a reiteração de atos para a configuração da falta funcional. Por fim, forçoso observar a cautela com que a comissão deverá analisar as condutas previstas neste dispositivo, porquanto ensejam a penalidade máxima aplicável e, nesse contexto, devem ter a gravidade robustamente comprovada. 10.5.3.6. ART. 132, INCISO VI (INSUBORDINAÇÃO GRAVE EM SERVIÇO) O inciso visa preservar a relação hierárquica da organização administrativa. Insubordinação é sinônimo de rebeldia, de indisciplina. Juridicamente, o termo “insubordinação” é utilizado para qualificar o comportamento do servidor que desrespeite uma ordem direta e pessoal, não manifestamente ilegal, de seu superior hierárquico. Já a indisciplina é caracterizada pela inobservância de uma ordem geral.

214 ALVES, 2008, p. 130

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Convém anotar que a ordem será manifestamente ilegal quando a ilegalidade for evidente, perceptível para as pessoas de um modo geral. Neste caso, o não cumprimento da ordem não implicará em falta funcional. De qualquer modo, para que a insubordinação caracterize infração punível com demissão, deve ser grave. Caso contrário, o enquadramento deve ser feito do artigo 116, IV da Lei nº 8.112/90 - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais -, destinado a situações de menor repercussão. A gravidade da insubordinação é medida pelas consequências do ato, seja para o caso específico a que a ordem desobedecida se destinava, seja para o ambiente de trabalho. Via de regra, a insubordinação será grave quando comprometer seriamente o poder de direção do superior hierárquico perante os demais servidores. Por fim, resta assinalar que, para a caracterização do ilícito funcional em tela, é necessário que o ato de insubordinação seja praticado em serviço, o que significa que as condutas realizadas em âmbito privado, desde que não relacionados às atribuições do servidor, ainda que contra o seu superior hierárquico, não são alcançadas pela norma. 10.5.3.7. ART. 132, INCISO VII (OFENSA FÍSICA, EM SERVIÇO, A SERVIDOR OU A PARTICU-LAR, SALVO EM LEGÍTIMA DEFESA PRÓPRIA OU DE OUTREM) Apenas em situações excepcionais, bem delineadas pelo legislador, é que o uso da força física se justifica. E, ainda assim, desde que observados critérios específicos. Nesse sentido é que a norma em análise afasta expressamente o caráter infracional da conduta do servidor que utilize de força física em sua defesa ou na defesa de terceiros. Entende-se por “terceiros” qualquer pessoa que esteja sofrendo agressão injusta, aí abrangidos os colegas de trabalho, superiores hierárquicos, subordinados e particulares. Tal defesa, entretanto, deve ser exercida dentro dos parâmetros estabelecidos pela norma penal (art. 23, II, Código Penal), isto é, de forma moderada, por meio da utilização dos meios necessários para repelir uma injusta agressão. Daí se extrai que o excesso cometido pelo servidor desvirtua a legítima defesa e faz incidir a falta funcional. O excesso se caracteriza pela utilização imoderada dos meios utilizados para a defesa, ou quando esses meios são desproporcionais à agressão sofrida. É o caso do servidor que após dominar completamente o agressor continua a agredi-lo. O fato de o servidor ter sido previamente provocado ou ofendido verbalmente não autoriza o uso da força física. Se o fizer, o servidor não estará agindo em legítima defesa e, desse modo, estará incorrendo em falta funcional. Recomenda-se, nesses casos, dependendo da gravidade da ofensa verbal ou da provocação previamente lançadas contra o servidor, que este seja enquadrado em inciso de menor gravidade. Sobre a descaracterização da legítima defesa na hipótese do uso de agressão física para repelir agressão verbal, veja-se o acórdão abaixo transcrito, cujo entendimento pode ser transposto para o processo disciplinar:

1. Merece confirmação a condenação pela prática do crime de lesões corporais (art. 129, caput, do C.P.), se, além de presentes os pressupostos caracterizado-res do tipo penal, não houve comprovação da alegada legítima defesa, incabí-vel, por sinal, na hipótese de agressão física oriunda de eventual ofensa verbal à honra do agente. (TJPR - Apelação Crime: ACR 715935 PR Apelação Crime – 0071593-5)

Entende-se, por fim, que não incorre em infração disciplinar o servidor que pratica ofensa física, em serviço, para defender o patrimônio público da agressão de terceiros. É a legítima defesa do patrimônio, de reconhecida aplicação no âmbito do direito penal, e perfeitamente

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verificável no plano disciplinar, tendo em vista, inclusive, o dever legal atribuído aos servidores de zelar pela conservação do patrimônio público (art. 116, VII, da Lei nº 8.112/90). 10.5.3.8. ART. 132, INCISO VIII (APLICAÇÃO IRREGULAR DE DINHEIROS PÚBLICOS) O dispositivo visa garantir que os dinheiros públicos recebam o destino estabelecido em lei e, a rigor, é de aplicação restrita aos servidores que detenham poder para gerir recursos públicos, a exemplo dos ordenadores de despesas, assim entendidos os agentes de cujos atos resultem emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos da União ou pelos quais responda.215 Ao contrário do que possa parecer, a finalidade da norma não é a proteção do dinheiro público, mas da lei que estabelece sua destinação. Nesse sentido:

Formulação-Dasp nº 56. Aplicação irregular de dinheiros A aplicação irregular de dinheiro público não se configura, se houver furto, desvio ou apropriação indébita.

Vale ressaltar que para a consumação do ilícito funcional em tela pouco importa o destino que se tenha dado ao recurso irregularmente aplicado. Assim, restará caracterizada a infração disciplinar sob exame, ainda que aplicação da verba pública tenha sido desviada para outra finalidade pública. No âmbito do dispositivo em comento, a aplicação será “irregular” sempre que inobservar as normas legais que cuidam da destinação dos recursos públicos, em especial aquelas relacionadas ao orçamento público. Destaca-se, por fim, que o emprego irregular de verbas públicas é conduta condenada também pelo Direito Penal, onde é tratada como crime, consoante os termos do artigo 315 do Código Penal Brasileiro:

Emprego irregular de verbas ou rendas públicas Art. 315 - Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

Considerando-se a potencial gravidade decorrente da aplicação irregular de recursos públicos, a comissão deverá analisar a extensão do prejuízo oriundo da prática ilícita – não necessariamente financeiro – e, a depender do caso concreto, analisar a viabilidade do enquadramento concorrente da conduta em improbidade administrativa, à luz da Lei nº 8.429/92.

10.5.3.9. ART. 132, INCISO IX (REVELAÇÃO DE SEGREDO DO QUAL SE APROPRIOU EM RA-ZÃO DO CARGO) É sabido que no exercício de suas atribuições os servidores lidam com informações de caráter sigiloso. Atento a essa realidade, o legislador editou o dispositivo ora em exame, visando coibir a revelação de segredo obtido pelo servidor em razão do exercício da função pública. Revelar é ação de quem declara, divulga. No caso do dispositivo em questão, tal divulgação refere-se a um segredo da Administração Pública. Sob a ótica de José Armando da Costa “o segredo aqui tutelado é o que se refere à segurança da sociedade e do Estado, assuntos estes que

215 Conforme prevê o § 1.º, do art. 80, do Decreto-Lei nº 200/67.

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estão fora do alcance do cidadão, embora, em princípio, lhe seja assegurado o mais amplo direito de acesso aos documentos públicos.”216 Doutrinariamente entende-se que o caráter “sigiloso” da informação não está relacionado apenas à segurança da sociedade e do Estado, mas também à preservação da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas217. Assim, as informações que detenham tais características são classificadas como “sigilosas” e sua revelação pelo servidor público implica na falta funcional em voga Nota-se, portanto, que a norma em comento não incide sobre as hipóteses em que o servidor divulga assuntos oficiais da Administração, que não contenham o caráter de segredo (sigilo). Nesses casos, poderá haver quebra de dever funcional, com a consequente incidência do inciso VIII, do artigo 116, da Lei nº 8.112/90 – [dever de guardar sigilo sobre assunto da repartição]. Desse modo, tem-se que o enquadramento num ou noutro dispositivo depende do caráter da informação divulgada. Se não sigilosa, representa quebra de dever funcional, punível com advertência. Se sigilosa, importará em ofensa à norma sob análise. Visando estabelecer diferenciação entre as condutas previstas nos arts. 116, VIII e 132, IX, pode-se utilizar o pressuposto do destinatário da informação revelada. Isto é, caso a informação sigilosa tenha sido divulgada a terceiros estranhos ao serviço público, infere-se maior gravidade do ilícito cometido, razão pela qual ensejaria a capitulação no art. 132, IX. De outro lado, caso o servidor tenha revelado informação sigilosa a outro servidor, presume-se somente a violação ao dever funcional previsto no art. 116, VIII, vez que o agente público receptor dos dados submete-se ao mesmo dever de resguardar a informação (revelando, em tese, menor gravidade da conduta). Corroborando tal entendimento, a lei de acesso à informação (Lei nº 12527/2011) define que, obtido acesso à informação classificada como sigilosa, o servidor tem obrigação de mantê-la em segredo.

Art. 25. É dever do Estado controlar o acesso e a divulgação de informações sigilosas produzidas por seus órgãos e entidades, assegurando a sua proteção. § 2º O acesso à informação classificada como sigilosa cria a obrigação para aquele que a obteve de resguardar o sigilo.

Nessa esteira, a referida lei aponta claramente a imputação da responsabilidade ao agente público que divulgar indevidamente informação de caráter sigiloso, conduta esta a ser apurada nos termos da Lei nº 8.112/90, com penalidade mínima de suspensão, a saber:

Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público ou militar: [...] IV - divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal; [...] § 1º Atendido o princípio do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, as condutas descritas no caput serão consideradas: [...] II - para fins do disposto na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e suas alterações, infrações administrativas, que deverão ser apenadas, no mínimo, com suspensão, segundo os critérios nela estabelecidos. [...]

216 COSTA, 2009, p. 528. 217 Consoante artigo 23, parágrafo primeiro, da Lei nº 8.159/1991.

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§ 2º Pelas condutas descritas no caput, poderá o militar ou agente público responder, também, por improbidade administrativa, conforme o disposto nas Leis nos 1.079, de 10 de abril de 1950, e 8.429, de 2 de junho de 1992.

A depender da lesividade da conduta praticada pelo servidor, a comissão deverá analisar a possível subsunção ao art. 11, III, da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), e, em caso afirmativo, sugerir o enquadramento disposto no art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90. 10.5.3.10. ART. 132, INCISO X (LESÃO AOS COFRES PÚBLICOS E DILAPIDAÇÃO DO PATRI-MÔNIO NACIONAL) A finalidade da norma em questão é a proteção do patrimônio público. Abrange duas condutas, quais sejam, “lesão aos cofres públicos” e “dilapidação do patrimônio nacional”. A primeira delas está relacionada à perda de dinheiro público – denotando o evidente caráter monetário/financeiro do ilícito – significando que, em regra, o dispositivo é de aplicação restrita àqueles que de alguma forma gerenciem recursos públicos.218 Anote-se, todavia, que esta primeira parte da norma também abrange atos associados à apropriação indébita, ao furto e ao desvio do dinheiro público, condutas que, ao menos em tese, podem ser praticadas por servidor que não necessariamente gerencie verbas públicas. Para que a falta funcional se consume, é necessário que haja efetivo dano ao erário:

Formulação-Dasp nº 55. Lesão aos cofres públicos. A lesão aos cofres públicos pressupõe efetivo dano ao Erário.

A conduta de dilapidar o patrimônio nacional, por sua vez, confunde-se com o desperdício, a má conservação e o extravio do patrimônio público permanente219. A infração pode ser cometida pelos servidores de um modo geral, não havendo, nesse ponto, a exigência de que o ato seja praticado por servidor que gerencie recursos públicos. Pode-se afirmar, portanto, que, a rigor, a segunda parte da norma (dilapidação do patrimônio nacional) abrange as ofensas a bens públicos em geral, que não o dinheiro. Sobre as diferenças conceituais entre as condutas de “lesar os cofres públicos” e “dilapidar o patrimônio nacional”:

Parecer-Dasp. Dilapidação do patrimônio nacional e lesão aos cofres públicos Distinção: A lesão aos cofres públicos não se confunde com a dilapidação do patrimônio nacional. Aquela se refere a dinheiro ou valores transacionáveis; esta se relaciona com bens ou utilidades permanentes. Formulação-Dasp nº 28. Demissão. O funcionário que dissipa bens públicos, não representados por dinheiro, come-te dilapidação do patrimônio nacional

218 A exemplo dos ordenadores de despesas, assim entendidos os agentes de cujos atos resultem emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos da União ou pelos quais responda - Conceito retirado do site http://www.fazenda.gov.br/ 219 O patrimônio público permanente é formado por bens de permanência duradoura, destinados ao funcionamento normal do Estado – Ex: prédios públicos.

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Parecer-Dasp. Dilapidação do patrimônio nacional - Limite de valor do dano - Descabimento. O item VIII do art. 207, combinado com o art. 209 do Estatuto, ao prever demissão a bem do serviço público dos funcionários que dilapidem o patrimônio nacional, não estabeleceu qualquer limite de valor ao dano causa-do220. Formulação-Dasp nº 205. Dilapidação do patrimônio nacional. O funcionário que empresta bens do Estado a particular dilapida o Patrimônio Nacional.

Segundo entende a doutrina, as duas condutas tratadas no dispositivo em apreço são dolosas, é dizer, acaso o servidor pratique ato que ocasione prejuízo financeiro ao erário, por negligência, imprudência ou imperícia, não terá cometido a infração disciplinar em tela. Da mesma forma, eventual ato do servidor que importe em destruição de bem do patrimônio público, não caracterizará a falta funcional sob exame, se o servidor não praticá-lo dolosamente. Nesse sentido:

Formulação-Dasp nº 64. Lesão aos cofres públicos. A lesão culposa aos cofres públicos não é punível com demissão

Esclareça-se, por fim, que os termos da Instrução Normativa-CGU nº 4, de 17/02/09, que regulam a utilização do Termo Circunstanciado Administrativo, são inaplicáveis às condutas enquadradas no dispositivo em tela, já que o rito ali previsto pressupõe que o dano ou extravio do bem público tenha ocorrido por meio de conduta culposa, enquanto o inciso sub examine abrange somente condutas de caráter doloso. Por fim, à semelhança de outras condutas previstas no art. 132, a prática de ato de lesão aos cofres públicos ou dilapidação do patrimônio nacional pode ensejar a configuração de ato de improbidade administrativa, nos termos do que dispõe a Lei nº 8.429/92.

10.5.3.11. ART. 132, INCISO XI (CORRUPÇÃO) O inciso repete norma positivada pelo Código Penal (art. 317 – corrupção passiva), descrevendo genericamente a conduta indesejada. No sentido que aqui se emprega, corromper é ação de quem perverte, deprava, a si próprio ou a outrem. Sob o ponto de vista disciplinar, o termo designa a conduta do servidor que se vale das prerrogativas inerentes à função pública para obter vantagens próprias ou de terceiros. Aqui é importante mencionar que para caracterização do ilícito funcional em tela é necessário que o servidor atue de forma ilegal ou indevida. Deste modo, acaso o servidor tenha recebido vantagem indevida para a prática de ato regular, o ilícito funcional será outro - [artigo 117, XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições] Ante a generalidade da norma, considera-se que o dispositivo abarca não só o comportamento do servidor corrompido, mas também o daquele servidor que no exercício de suas atribuições tenta corromper outros servidores. A deflagração de apuração administrativa por ato de corrupção de servidor independe do prévio ajuizamento de ação penal pública, e suas conclusões, a rigor, não estão condicionadas ao julgamento proferido em âmbito penal. Da mesma forma, a inexistência de apuração em âmbito penal não impede a condenação na seara administrativa. Nesse sentido:

220 Inciso semelhante ao art. 132, inciso X, da Lei nº 8.112/90.

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Formulação-Dasp nº 71. Corrupção passiva. A administração pode demitir funcionário por corrupção passiva com base, apenas, no inquérito administrativo.

Todavia, haja vista se tratar de espécie de crime contra a Administração Pública, vale ressaltar a precaução abordada no tópico 10.5.3.1. Isto é, em havendo a possibilidade de enqua-dramento em dispositivo diverso ou diante da cumulatividade de capitulações, a comissão não de-verá incluir a corrupção na indiciação e no Relatório Final, de modo a evitar uma possível depen-dência da esfera penal, desnecessária ante a existência de outras possibilidades.

10.5.3.12. ART. 132, INCISO XII (ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS, EMPREGOS OU FUN-ÇÕES PÚBLICAS) O dispositivo busca dar efetividade às disposições constitucionais relativas à acumulação de cargos, empregos ou funções públicas. Segundo prescreve o inciso XVI, do art. 37, da Constituição Federal:

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI. a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.

Portanto, no âmbito da Administração Pública, a regra é a impossibilidade de acumulação de cargos e tal proibição se aplica aos servidores de todos os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Quanto aos cargos acumuláveis, é importante observar que:

a) admite-se a acumulação de dois cargos de professor, desde que, existindo compatibilidade de horários, a carga horária total resultante do acúmulo não ultrapasse 60 horas semanais, conforme Parecer-AGU nº GQ-145221, vinculante. Assim, é possível a acumulação entre um cargo de professor com jornada semanal de 40 horas com outro de 20 horas semanais, sendo ilegal a acumulação entre dois cargos de professor, ambos com jornada de 40 horas semanais (totalizando 80 horas semanais). Também é ilegal a acumulação do cargo de professor em regime de dedicação exclusiva com qualquer outro cargo, uma vez que o caput do artigo 12222 da Lei nº 4.345/1964 proíbe o servidor que esteja submetido a tal regime de exercer outra atividade; b) cargo técnico é aquele para cujo exercício sejam exigidos conhecimentos técnicos específicos e habilitação legal, não necessariamente de nível

221 Parecer-AGU nº GQ-145: 24. Tem-se como ilícita a acumulação de cargos ou empregos em razão da qual o servidor ficaria submetido a dois regimes de quarenta horas semanais, considerados isoladamente, pois não há possibilidade fática de harmonização dos horários, de maneira a permitir condições normais de trabalho e de vida do servidor. 222 Art. 12. Considera-se regime de tempo integral o exercício da atividade funcional sob dedicação exclusiva, ficando o funcionário proibido de exercer cumulativamente outro cargo, função ou atividade particular de caráter empregatício profissional ou pública de qualquer natureza.

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superior.223. Diz-se “científico” o cargo cujas atribuições se desempenham na área de pesquisa. A acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico, para que seja legal, além da compatibilidade de horários, também deve observar o limite máximo de 60 horas semanais; c) incluem-se entre os cargos e empregos privativos de profissionais da saúde, além de médicos, psicólogos, dentistas, enfermeiros, farmacêuticos e outros224, os cargos de nível médio, a exemplo do técnico em enfermagem. Segundo entende José Armando da Costa, podem, igualmente, ser acumulados dois cargos de médico-veterinário, o que não era permitido antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 34/2001.225; d) a acumulação, em todos os casos em que é permitida, deve observar a compatibilidade de horário e o limite máximo de dois cargos (não se admite a acumulação de três cargos), sob pena de ser considerada ilegal.

A impossibilidade de acumulação também se estende aos proventos de aposentadoria, que não poderão ser acumulados com a remuneração de outro cargo, a menos que o caso se enquadre em uma das hipóteses de acumulação permitida. Nesse sentido o art. 37 da CF:

§ 10 É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração do cargo, emprego ou função pública, ressalvados os casos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. (Acrescentado pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

No que tange aos cargos em comissão, admite-se sua acumulação com um cargo efetivo, desde que haja compatibilidade de horário e local de trabalho. É o que determina o artigo 120 da Lei nº 8.112/90. Assim, acaso o servidor acumule licitamente dois cargos efetivos e seja investido em cargo em comissão, deverá, no caso de compatibilidade de horários e de lugar, optar por um deles, ficando afastado do outro. Não havendo compatibilidade de horário e local, o servidor deverá se afastar de ambos os cargos efetivos. Ressalta-se, ainda, que os cargos em comissão não são acumuláveis entre si, salvo nos casos de interinidade, consoante previsto no artigo 9º, da Lei nº 8.112/90. Nos termos do Decreto nº 99.210, de 16/04/90, compete à União a apuração de casos de acumulação de cargos e empregos federais com outros de Estados, do Distrito Federal ou de Municípios. Na hipótese de acumulação de cargos federais, a competência é do órgão que realizou o último provimento. Nesse sentido:

Decreto nº 99.210, de 16/04/90 Art. 1º O art. 2º do Decreto nº 99.177, de 15 de março de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 2º A responsabilidade pela apuração de casos de acumulação de cargos e empregos federais e a desses com outros de Estados, do Distrito Federal ou de Municípios, caberá aos órgãos de pessoal das entidades federais, preferencialmente aqueles que realizaram o último provimento. Formulação-Dasp nº 190. Acumulação. Na acumulação de cargo federal com outro estadual ou municipal, a competência para examinar e decidir é da administração federal.

223 STJ, 5ª Turma, RMS 20.033/RS, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 12.03.2007. 224 COSTA, 2009, p. 468. 225 Idem, p. 468.

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A acumulação ilegal de cargos é apurada por meio do rito sumário. Conforme dispõe o artigo 133, da Lei nº 8.112/90, antes da instauração do processo administrativo disciplinar, o servidor é notificado para optar, no prazo improrrogável de 10 dias, por um dos cargos acumulados. Caso não haja manifestação no prazo estipulado, o apuratório deve ser iniciado. O fato de o servidor estar em licença sem remuneração de um dos cargos acumulados ilegalmente não impede a configuração da infração funcional em tela. Nesse sentido, sem entendimentos do TCU e do STF, respectivamente:

TCU, Enunciado da Súmula nº 246: O fato de o servidor licenciar-se, sem vencimentos, do cargo público ou empre-go que exerça em órgão ou entidade da administração direta ou indireta não o habilita a tomar posse em outro cargo ou emprego público, sem incidir no exercício cumulativo vedado pelo artigo 37 da Constituição Federal, pois que o instituto da acumulação de cargos se dirige à titularidade de cargos, empregos e funções públicas, e não apenas à percepção de vantagens pecuniárias. Ementa: (...) a vedação constitucional da acumulação de cargos é direcionada à titularidade de cargos, funções ou empregos públicos e não ao simples fato de o servidor não perceber remuneração ou vantagem do aludido cargo. O fato de os autores estarem em gozo de licença sem vencimentos não descaracteriza a acumulação ilegal de cargos (...). Esta Corte firmou entendimento no sentido de que ‘É a posse que marca o início dos direitos e deveres funcionais, como, tam-bém, gera as restrições, impedimentos e incompatibilidades para o desempe-nho de outros cargos, funções ou mandatos’. (...) a renúncia à remuneração por uma das fontes, mesmo se possível, não teria o condão de afastar a proibição. (STF, Recurso Especial nº 399.475)

Anote-se, por fim, que a pena aplicável para o ilícito funcional em questão (demissão), atinge todos os cargos relacionados à acumulação indevida. Neste caso, se o servidor em acumulação ilícita de cargos efetivamente prestou os serviços, não há que se falar em devolução da importância recebida, pois configuraria enriquecimento ilícito da Administração. Caso contrário, é dizer, se o servidor recebeu por horas que efetivamente não trabalhou, recomenda-se que o órgão/entidade busque a restituição de tais importâncias.

11. DEFESA

11.1. CITAÇÃO Finalizada a fase de indiciação pela comissão disciplinar, proceder-se-á à citação dos

indiciados para que apresentem as respectivas defesas escritas. A citação para a apresentação das defesas escritas é realizada por meio de mandado

de citação. Conforme previsto no § 1º do artigo 161 da Lei nº 8.112/90, o mandado de citação é documento expedido pelo presidente da comissão, ou seja, não se requer que os demais componentes da comissão o assinem.

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Art. 161. (...)

§ 1o O indiciado será citado por mandado expedido pelo presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição.

O mandado de citação deverá ser expedido pelo Presidente da Comissão. Isso não

significa, por outro lado, que compete ao Presidente ou aos membros do Colegiado a exclusividade da entrega desse documento ao indiciado.

Apesar de ser recomendável que a citação seja realizada pessoalmente pela

Comissão ou por seus membros, individualmente ou não, ainda que a pessoa responsável pela entrega do mandado não integre a Comissão Processante, e desde que não haja violação de sigilo e prejuízo para o interessado, não há óbice que outro servidor/funcionário da repartição fique encarregado da tarefa de entregar o documento e de colher a assinatura daquele que recebeu a citação.

(...) se feita a citação, pessoalmente, mesmo por servidor não integrante da comissão, desse ato não haverá nulidade, porque dele não resultará prejuízo e não influenciará na apuração da verdade substancial, não representando, ademais, dificuldade à defesa. A garantia individual conferida por lei consiste na citação pessoal, o que não interfere com a pessoa que entrega o mandato. Assim é que muito se utiliza o serviço do secretário, mesmo quando ele não é membro integrante da Comissão, para efetuar a citação (...).226

Conforme foi tratado no item 10.1.3 deste Manual, pode ocorrer de o indiciado estar

lotado em unidade diferente da que se encontra instalada a comissão, seja em outra repartição ou em outro prédio dentro da mesma localidade. Pode ocorrer ainda o caso de o servidor encontrar-se em uma cidade diferente daquela em que estiver instalada a comissão.

Nesses casos, poderá ser feita a denominada citação por precatória, em analogia ao

que ocorre no processo penal, descrito no art. 353 do Código de Processo Penal: quando o réu estiver fora do território da jurisdição do juiz processante, será citado mediante precatória.

O presidente do colegiado poderá, por exemplo, encaminhar as duas vias da citação

e cópia do Termo de Indiciação para o chefe da unidade para que aquela autoridade ou outro servidor designado no local onde se encontra o acusado, cite o servidor e devolva à comissão o documento devidamente datado e assinado. O servidor designado para tal função deverá ser nomeado pelo Presidente da Comissão ou pela autoridade instauradora do processo. Recomenda-se, ainda, que a Comissão delibere em Ata a realização desse procedimento.

Se o servidor a ser citado estiver em local sabido no exterior, recomenda-se que a

Comissão, via autoridade instauradora, encaminhe um ofício à autoridade consular solicitando a prática do ato de citação, pois a jurisprudência entende que o instituto da carta rogatória somente se aplica ao processo judicial (competência exclusiva do Poder Judiciário), e não a atos de natureza extrajudicial.

É importante destacar a necessidade de se elaborar ata de reunião da comissão

deliberando pela realização da citação, podendo, inclusive, ser aproveitada a mesma ata que decidiu pela indiciação dos acusados. Caso o responsável pela entrega do mandado de citação ao

226 GUIMARÃES, 2006, p. 162.

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interessado não seja membro da Comissão, recomenda-se que a Comissão registre em Ata, o nome/matrícula do servidor/funcionário que cumprirá o encargo.

De acordo com o ordenamento pátrio, existem dois tipos de citação no processo

administrativo disciplinar. A primeira é a real e a segunda a ficta. Na citação real há a entrega da citação ao indiciado ou ao seu procurador, quando este possuir poderes específicos para tal em seu mandato. Já a citação ficta foi concebida para suprir a ausência da possibilidade de se entregar a citação ao indiciado ou ao seu procurador.

A citação real subdivide-se em mais dois tipos, a citação pessoal e a via postal, por

meio de aviso de recebimento. Na primeira, cabe à comissão/membro entregar o mandado de citação pessoalmente ao indiciado/procurador.

Os artigos 26 e 41 da Lei nº 9.784/99, impõem a comunicação apenas ao interessado

(no caso, o indiciado), de modo que basta que se entregue a citação ao seu procurador quando detiver poderes para receber este documento, ou ao próprio indiciado, como seu destinatário principal. Assim, torna-se dispensável que a comissão busque entregar o mandado de citação ao procurador, por exemplo, depois de regularmente entregue ao indiciado.

O mandado de citação pessoal deverá ser elaborado em duas vias e ter campo

próprio para que o indiciado o assine,, comprovando assim o seu recebimento. A primeira via será entregue ao indiciado e a segunda ficará de posse da comissão. É de suma importância que a via da comissão processante seja anexada aos autos para servir de comprovante da entrega do mandado. O referido mandado terá de conter, ainda, a designação do prazo para apresentação da defesa, bem como a indicação do local onde esta deverá ser entregue.

Deverão acompanhar o mandado de citação, como anexos, a cópia do termo de

indiciação e a cópia da parte do processo que os indiciados ainda não tenham solicitado ou recebido.

Importante destacar que o fornecimento de cópia integral/complementar do processo junto à citação supre a prerrogativa prevista no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB de que o advogado do acusado pode retirar o processo administrativo da repartição.

Em caso de insistência, a Comissão poderá justificar a negativa de retirada do

processo no art. 7º, § 1º, do mesmo Estatuto (circunstância relevante ou existência de documento original de difícil restauração) ou no § 1º do art. 161 da Lei nº 8.112/90, que lhe assegura vista dos autos apenas na repartição.

Lei nº 8.906, de 04/07/94 – Estatuto da OAB - Art. 7º São direitos do advogado:

XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais; (...)

§ 1º Não se aplica ao disposto nos incisos XV e XVI: (...)

2) quando existirem nos autos documentos originais de difícil restauração ou ocorrer circunstância relevante que justifique a permanência dos autos no cartório, secretaria ou repartição, reconhecida pela autoridade em despacho motivado, proferido de ofício, mediante representação ou a requerimento da parte interessada;

Caso haja mais de um indiciado, a Comissão deverá elaborar mandados de citação

individuais, ainda que o termo de indiciação seja único. No caso de recusa do indiciado em receber a citação pessoal, o art. 161, § 4º, da Lei

nº 8.112/90, prevê que o membro da comissão que não obteve êxito em conseguir a assinatura do indiciado no mandado poderá suprir a ausência desta, por meio de termo, ou seja, um documento

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elaborado pelo próprio membro que relata a tentativa de obter o ciente do indiciado, mas que este se recusou a fazê-lo. Para lavrar o referido termo é necessário que o membro da comissão esteja acompanhado de duas testemunhas que, de preferência, não integrem a Comissão, as quais presenciaram o fato; neste caso, a recusa do indiciado em receber a citação estará suprida com as assinaturas das duas testemunhas.

Art. 161. (...)

§ 4o No caso de recusa do indiciado em apor o ciente na cópia da citação, o prazo para defesa contar-se-á da data declarada, em termo próprio, pelo membro da comissão que fez a citação, com a assinatura de (2) duas testemu-nhas. Recomenda-se que, neste caso, as duas testemunhas não sejam membros da comissão, uma vez que esta, representando a Administração, é parte nesse pro-cesso, (...), podendo naquela hipótese ser eventualmente pechada de suspeita. 227

A Lei n° 8.112/90 não fez menção à citação por via postal, que existe em outros tipos

de processo, de modo que não é recomendável que a comissão processante se utilize de tal expediente. Entende-se, inclusive, que este tipo de citação enseja a nulidade da ação e, portanto, gera a necessidade de refazimento do ato processual, caso o indiciado não apresente a defesa posteriormente. No entanto, a comunicação postal é admitida, de forma excepcional, para intimações e atos de comunicação em geral no curso da instrução.

A citação ficta, por sua vez, divide-se em dois subtipos: por edital e por hora certa. A

Lei n° 8.112/90 somente prevê a hipótese de citação por edital. A citação por edital está prevista no art. 163 da Lei n° 8.112/90. Esta hipótese é

aplicável no caso em que o indiciado encontre-se em lugar incerto e não sabido, caso em que o edital será publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido do indiciado, para que este apresente a defesa.

Art. 163. Achando-se o indiciado em lugar incerto e não sabido, será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa.

Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, o prazo para defesa será de 15 (quinze) dias a partir da última publicação do edital.

Recomenda-se que a decisão de citação por edital seja precedida de acurada busca

pelo acusado, tanto em seu endereço profissional, como pessoal. Todas as diligências empreendidas pela comissão na busca pelo acusado devem ser registradas em ata a fim de que seja comprovado o esforço no sentido de localizá-lo.

Além disso, o Presidente da Comissão poderá comunicar ao chefe imediato do

servidor ou ao serviço médico do local onde exerce suas atividades, que o indiciado encontra-se em local incerto e não sabido, e solicitar que a comissão seja comunicada em caso de eventual comparecimento do servidor, de modo que possa ser efetivada sua citação.

Da mesma forma, poderá a autoridade instauradora ser comunicada para que não

sejam concedidas férias e outros afastamentos ao servidor sumido, enquanto perdurar esta

227 RIGOLIN, 1995, p. 271.

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situação. Se a ausência injustificada permanecer por mais de 30 dias consecutivos, caberá à autoridade instauradora a instauração de PAD para apurar o suposto abandono de cargo.

Caso o servidor tenha domicílio em um município diverso daquele em que exerce

seu cargo, o edital de citação deve ser publicado em jornal de grande circulação do local de exercício do cargo pelo servidor, em virtude do disposto no art. 76 do Código Civil acerca do domicílio necessário do servidor público – local em que exerce permanentemente suas funções.

O edital e o jornal de grande circulação deverão conter o nome do presidente da

comissão e do servidor, e o motivo da citação, e após publicados, deverão ser juntados aos autos. Existe a possibilidade, ainda, de citação por edital coletiva na hipótese de haver

mais de um servidor em lugar incerto e não sabido. No caso de servidor preso e que, portanto, possui paradeiro certo, não se aplica a

citação por edital. Nessa hipótese, será citado pessoalmente pela Comissão, que deverá se dirigir ao presídio após autorização do Juízo da Vara de Execuções Penais, nos termos do disposto no art. 360 do CPP, aplicável por analogia ao processo disciplinar, segundo o qual “se o réu estiver preso, será pessoalmente citado”. Convém que o procurador/advogado do servidor preso também receba uma cópia da citação.

Pode ocorrer, ainda, de o servidor, apesar de encontrar-se em local certo e sabido,

se ocultar para não ser citado. Da mesma forma, deve ser precedida acurada busca pelo acusado, tanto em seu endereço profissional, como pessoal, e todas as diligências realizadas deverão ser consignadas em ata da Comissão e termos de ocorrência, a fim de que seja comprovado o esforço no sentido de localizá-lo.

De acordo com os arts. 362 do CPP e 227 do CPC devem ser realizadas pelo menos

três tentativas de localizar o indiciado, após o que poderá ser realizada a citação por hora certa - última tentativa de citação pessoal do servidor.

CPP. Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. CPC. Art. 227. Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato, voltará, a fim de efetuar a citação, na hora que designar.

Por meio do Parecer AGU nº. GM-3, não vinculante, a Advocacia-Geral da União já se

manifestou favoravelmente pelo emprego da citação por hora certa previsto nas leis processuais penal e civil.

Parecer AGU nº GM-3, não vinculante: Ementa: O Direito Disciplinar rege-se por normas específicas e independentes do Direito Penal, inexistindo viabilidade jurídica de serem aproveitadas normas criminais, por via analógica, a fim de nulificar processo disciplinar por haver-se efetuado a citação por hora certa com vistas à apresentação de defesa. [...]

6. A maneira como se efetua o chamamento para o indiciado apresentar sua defesa encontra-se prescrita na Lei nº 8.112, art. 161, § 1º: “será citado por mandado expedido pelo presidente da comissão”. O sentido literal desse comando, por si só, é suficiente para demonstrar a validade do procedimento

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consistente em o indiciado receber o mandado expedido pelo presidente do colegiado. É norma desprovida da rigidez que representaria a exigência de que se efetuasse a citação, exclusivamente, por edital, em se esquivando o indiciado de recebê-la.

7. A execução do ato processual de citação por hora certa atende à literalidade e à finalidade do art. 161, tanto que nessa maneira de atuar não se vislumbra qualquer dano para o exercício do direito de ampla defesa. (grifo nosso)

Qualquer pessoa da família ou um vizinho poderá ser informado de que a Comissão retornará no dia imediato, na hora que designar, para proceder ao ato de citação do servidor. Nas hipóteses de não ser encontrado no local, em decorrência de intencionalmente se ocultar, o indiciado será considerado citado na data previamente aprazada. O Colegiado deverá elaborar termo registrando os fatos e juntá-lo aos autos do processo disciplinar.

Nesta direção, é oportuno mencionar que a Controladoria-Geral da União, na

qualidade de órgão central do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, editou, em 30 de outubro de 2015, o Enunciado nº 11, que trata da matéria nos seguintes termos:

Enunciado CGU n.º 11, de 30 de outubro de 2015. CITAÇÃO POR HORA CERTA NO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR. No âmbito do Processo Disciplinar, a citação poderá ser realizada por hora certa, nos termos da legislação processual civil, quando o indiciado encontrar-se em local certo e sabido, e houver suspeita de que se oculta para se esquivar do recebimento do respectivo mandato.

A citação do indiciado produz dois efeitos jurídicos, sendo o primeiro proporcionar

àquele a ciência da delimitação dos ilícitos administrativos que a comissão processante entendeu praticados, ou seja, dos artigos da lei que, supostamente, foram violados em decorrência da sua conduta.

O segundo efeito jurídico é iniciar o prazo para apresentação da defesa. O prazo será

contado levando-se em consideração o número de indiciados. Caso haja apenas um indiciado, o prazo para apresentar a defesa escrita será de 10 dias (art. 161, § 1º), estando o servidor solto ou preso. Caso haja mais de um indiciado, o prazo será comum e de 20 dias (art. 161, § 2º). Neste último caso, o prazo se iniciará após a citação do último indiciado, caso todos os indiciados não tenham sido citados no mesmo dia.

Quando começa a contagem do prazo, quando são dois ou mais indiciados? Da data do recolhimento do último mandado de citação, pois só então os indiciados, todos eles, estarão cientes da informação em sua inteireza, e o prazo, na forma da lei, é comum a todos. 228 Formulação DASP nº 273. Prazo de defesa. O indiciado que esteja preso não tem direito, só por isso, a prazo em dobro para apresentação de defesa.

Na hipótese de o servidor se recusar a assinar a citação (item 11.1), os prazos mencionados acima passam a ser contados da data do incidente consignado no termo, conforme dispõe o § 4º do art. 161 da Lei nº 8.112/90.

O art. 163 da Lei nº 8.112/90 prevê, ainda, o prazo de 15 dias para apresentação da

defesa no caso de citação por edital. O prazo, nesta hipótese, será contado da última publicação do

228 REIS, 1999, p. 160.

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edital, seja no jornal de grande circulação ou no DOU, caso não tenham sido publicadas no mesmo dia.

Por prudência, caso o servidor se apresente em virtude do edital, cabe à comissão

elaborar termo, em duas vias (devendo uma delas ser anexada ao processo e outra entregue ao indiciado), relatando sobre o seu comparecimento à repartição e que tomou ciência do prazo para apresentar a defesa. Nesse caso, o Colegiado poderá conceder o prazo de 15 dias a partir somente da data do termo, e não desde a publicação do último edital.

Após a realização da citação, mesmo com a fase da instrução processual encerrada,

é possível que a defesa necessite realizar a produção de prova por meio de diligência (Art. 161, § 3º. O prazo de defesa poderá ser prorrogado pelo dobro, para diligências reputadas indispensáveis). Naturalmente, o pedido da defesa deverá ser objeto de deliberação por parte da Comissão, que poderá decidir pelo seu indeferimento com esteio no art. 156, §1°, caso a requisição se mostre desnecessária ou meramente protelatória, ou solicitar justificativas sobre a pertinência da produção da prova solicitada.

(...)Voto: (...) Desse modo, o oferecimento de rol de testemunhas deve se dar na fase instrutória, e não na defesa prévia ao relatório final da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Saliente-se, outrossim, que ainda que se quisesse aplicar à espécie o disposto no § 3º do artigo 161 da Lei nº 8.112/90 („o prazo de defesa poderá ser prorrogado pelo dobro, para diligências reputadas indispensáveis‟), não demonstrou a impetrante se tratar de diligência indispensável, a impossibilitar sua excepcional realização após a instrução. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 8.990-DF (2003/0048840-6). Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Distrito Federal, 29 de maio de 2008.

A produção desta prova pode consistir na solicitação de um documento a terceiro, por exemplo, que comprove a tese da defesa. É cabível também que a defesa solicite a produção da prova à própria comissão processante, hipótese em que esta deve reabrir a instrução e proceder da forma solicitada de modo a garantir a ampla defesa do indiciado, desde que a prova se afigure imprescindível para o esclarecimento dos fatos.

Na hipótese de a Comissão indeferir o pleito de produção probatória solicitada pela

defesa, convém que notifique imediatamente a parte da decisão, evitando-se deixar sua resposta para o Relatório Final, tendo em vista que nessa fase, a deliberação do Colegiado não poderá mais ser contestada. Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

(...) Ementa: IV - A comunicação do indeferimento da prova requerida deve operar-se ainda na frase probatória, exatamente para oportunizar ao servidor a interposição de eventual recurso contra a decisão do colegiado disciplinar, sendo defeso à comissão indeferi-lo quando da prolação do relatório final. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 7.464/DF (2001/0045029-6), Relatório Ministro Gilson Dipp, Distrito Federal, 31 de março de 2003.

No caso da diligência ser realizada pela própria defesa, a lei prevê que o prazo para

elaboração da defesa escrita seja dobrado. Por exemplo, se o prazo original for de 10 dias, ficaria prorrogado por mais dez dias; se for de 20 dias, com a prorrogação totalizaria 40 dias. Caso a diligência seja realizada pela própria comissão, é prudente que o prazo para apresentação da defesa seja suspenso até a chegada do documento, de forma a não prejudicá-la.

O aumento do prazo para apresentação da defesa, previsto na lei, deverá ser

considerado pela comissão disciplinar, tanto para as hipóteses de citação real, como ficta (citação

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por edital), ou seja, na hipótese da citação por edital ter sido realizada em processo com mais de um indiciado, por exemplo, recomendável que a Comissão conceda a todos o prazo de 20 dias para a defesa, nos termos do art. 161, § 2º, da Lei nº 8.112/90.

A contagem dos prazos para apresentação da defesa deverá ser feita na forma do

art. 238 da Lei nº 8.112/90, que prevê a mesma regra do Código de Processo Civil, ou seja, dever-se-á excluir o dia da entrega da citação e incluir o último dia do prazo. Caso neste último dia não haja expediente, ficará prorrogado para o primeiro dia útil seguinte.

Art. 238. Os prazos previstos nesta Lei serão contados em dias corridos, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o do vencimento, ficando prorrogado, para o primeiro dia útil seguinte, o prazo vencido em dia em que não haja expediente.

Embora o Estatuto não mencione expressamente, cabe uma ressalva sobre o início

da contagem do prazo, quando a citação ocorrer numa sexta-feira. Neste caso, é razoável, por analogia, utilizar-se da norma contida no art. 184, § 2º, do Código de Processo Civil. O referido artigo prevê que a contagem neste caso deverá ter início na segunda-feira subsequente.

Art. 184. Salvo disposição em contrário, computar-se-ão os prazos, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento. § 1o Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o vencimento cair em feriado ou em dia em que: I - for determinado o fechamento do fórum;

II - o expediente forense for encerrado antes da hora normal. § 2o Os prazos somente começam a correr do primeiro dia útil após a intimação (art. 240 e parágrafo único).

É possível que o indiciado, após esgotadas as possibilidades legais para prorrogação

do prazo para apresentação da defesa escrita, solicite a dilatação do prazo. Nesta hipótese, para avaliar o pedido, a comissão deverá levar em consideração o direito constitucional da ampla defesa e do contraditório, a razoabilidade do pedido, bem como a complexidade do caso. É possível o deferimento de prorrogação do prazo pela comissão, desde que esta prorrogação não possua a finalidade meramente protelatória.

Em todos os casos em que haja mais de um indiciado, a prorrogação ou a suspensão

do prazo de defesa deve beneficiar os demais, ainda que já tenham apresentado suas defesas, de forma que poderão incluir novas razões.

11.2. DEFESA ESCRITA A defesa compreende a segunda subfase do inquérito administrativo. A contagem do

prazo para a sua apresentação inicia-se a partir da data da citação. Os prazos para apresentação de defesa estão explicitados no capítulo precedente. Anote-se que esta subfase do processo administrativo disciplinar é de relevância ímpar, isto é, a comissão processante deverá atentar para a qualidade da defesa escrita apresentada pelo indiciado, inclusive solicitando apresentação de nova peça defensória no caso de entender que a primeira é inepta ou insuficiente. Isto porque o processo deve ficar resguardado de eventuais futuras ações judiciais que aleguem o não exercício pleno do contraditório e da ampla defesa.

Diante disso, verifica-se que a defesa deve atacar os fatos apontados pela comissão

no termo de indiciamento, isto é, o instrumento apresentado pelo indiciado ou seu procurador tem que, de fato, cumprir o papel de contribuir para amenizar a situação do servidor investigado.

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Assim assevera Antônio Carlos Palhares Moreira Reis:

Durante esse prazo, o indiciado tem o direito de formular, por escrito, a argu-mentação que tiver e couber e, eventualmente, apresentar contra-provas e re-querer diligências complementares, como, por exemplo, oitiva de novas teste-munhas, novos exames e vistorias, tudo com o objetivo de assegurar sua ino-cência. Ou, se não for para caracterizar a inocência, dar uma explicação con-vincente para a realização do fato, a fim de justificá-lo e minimizar a penali-dade a ser eventualmente imposta. Cabe-lhe, ainda, se for o caso, levantar quaisquer preliminares, promover a arguição de qualquer nulidade no proce-dimento. 229

Cumpre salientar que, de acordo com a Lei nº 8.112/90, a fase mais adequada para a

realização de atos probatórios é a instrução. Assim, a realização de atos instrucionais durante a fase de defesa deve ser algo excepcional, podendo acarretar a necessidade de realização de novo indiciamento e abertura de novo prazo para a apresentação da defesa escrita. Um novo indiciamento só se justificará se uma nova prova ou fato puder vir a agravar ou atenuar a situação do indiciado, caso contrário, não se faz necessário.

Ao apreciar a necessidade de realização de novos atos probatórios durante o prazo

para defesa, e com base no art. 156, § 1º, a comissão deverá indeferir pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos.

Ainda com relação aos prazos estabelecidos em lei para defesa, a comissão tem

autonomia para conceder prorrogação dos mesmos. Havendo motivação para tanto, poderá deliberar por conceder prazo maior, em atenção ao princípio da ampla defesa, visando evitar que posteriormente seja alegado cerceamento de defesa. Repisa-se que a comissão poderá indeferir pedido de prorrogação de prazo, caso entenda tratar-se de ato meramente protelatório.

A defesa deve obedecer a forma escrita e poderá ser realizada pelo próprio

indiciado, ou a critério do mesmo, por um procurador, devidamente qualificado nos autos do processo. Não se exige para tanto, formação em direito, ou que seja advogado. Entretanto, deve-se observar a proibição contida no inciso XI do art. 117 da Lei nº 8.112/90, ou seja, a defesa não poderá ser realizada por outro servidor público; exceção a esta regra é a previsão contida no § 2° do artigo 164 da mesma lei, que trata da nomeação de defensor dativo, conforme será abordado em ponto específico deste Manual.

Art. 117. Ao servidor é proibido: (…) XI - atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de paren-tes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro; Art. 164. (...)

§ 2o Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou supe-rior ao do indiciado.

O inciso LV do art. 5º da Constituição Federal assegura aos acusados em geral, a

garantia de defesa, assim como a do contraditório, de forma que se torna imprescindível respeitar

229 REIS, p. 156 e 157.

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este direito, não sendo admissível o início da próxima fase processual sem que se tenha apreciado a defesa apresentada pelo indiciado.

CF, art. 5º LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Formulação-Dasp nº 47. Direito de defesa.

Com base em processo disciplinar, não se pode punir por infração, embora leve, de que o acusado não se tenha defendido.

Formulação DASP nº 215. Inquérito administrativo. O inquérito administrativo não visa apenas a apurar infrações, mas também a oferecer oportunidade de defesa.

Assim sendo, em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, caso

o indiciado apresente sua defesa de forma intempestiva, a Comissão deve recebê-la, caso a justificativa apresentada seja razoável. Nessa situação, é prudente registrar, além do atraso no cumprimento desse prazo, que a decisão do Colegiado decorre da observância dos citados princípios.

11.3. REVELIA

O servidor é considerado revel em duas situações apenas: quando o indiciado não

apresenta defesa escrita ou então quando a apresentada é considerada inepta pela comissão disciplinar. Portanto, não há amparo legal para que a comissão designe ou solicite à autoridade instauradora que nomeie defensor dativo para acompanhar ato de instrução de que o acusado foi regularmente notificado mas não compareceu e nem se fez representar.

Analisar-se-á em primeiro lugar a hipótese em que o indiciado é citado, mas não

apresenta defesa. Neste caso, o art. 164, § 2º, da Lei nº 8.112/90, é claro em indicar a solução para a omissão da defesa: a nomeação de defensor dativo pela autoridade instauradora, tendo em vista a indisponibilidade do direito de defesa. Diz o artigo que “para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado”.

O art. 164, caput, do Estatuto, menciona o conceito de “revel”, e considera “[...] revel

o indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo legal”. No Direito, o termo significa a omissão da parte na sua defesa num determinado processo. Em alguns ramos processuais, a omissão da parte em se defender pode causar prejuízo como ocorre, por exemplo, no âmbito do direito processual civil, em que as alegações da parte contrária são consideradas presumidamente verdadeiras. Não é o caso do Processo Administrativo Disciplinar, vez que neste ramo processual, a ausência de defesa não tem o condão de considerar as alegações do termo de indiciamento como verdadeiras.

O segundo exemplo de nomeação de defensor dativo é quando a defesa é

considerada inepta pela comissão disciplinar. A defesa é considerada inepta quando não é satisfatória. É a defesa insuficiente, sem argumentação que permita efetivamente rebater os fatos imputados ao servidor no termo de indiciação. Ou seja, a defesa é apresentada pelo indiciado ou por seu procurador/defensor, ainda que dativo, mas a comissão julga que aquela não foi capaz de, de fato, defendê-lo.

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Ressalte-se que não é recomendável, na hipótese de defesa apresentada por advogado devidamente constituído pelo acusado, a comissão declarar que a defesa é inepta. De fato, tratando-se de peça formulada por profissional habilitado na Ordem dos Advogados do Brasil, há a presunção de que preenche os requisitos mínimos para que seja considerada uma defesa técnica, com capacidade para garantir a observância do princípio da ampla defesa nesta relevante etapa processual.

É conveniente destacar que a possibilidade de declaração de inépcia da defesa não está prevista expressamente no Estatuto dos Servidores, mas é decorrência do Princípio da Ampla Defesa. De acordo com este, não basta a apresentação formal de uma defesa, pois o conteúdo desta peça deverá ser verdadeiramente capaz de argumentar em favor do indiciado.

Por analogia traz-se aqui transcrito, trecho da Súmula nº 523 do STF, que trata da

defesa ineficaz no processo penal: “a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

Na mesma trilha e, em virtude da necessidade que a comissão possui, de apurar a

verdade material (ou seja, o que realmente aconteceu, não se limitando à apuração meramente formal), a Advocacia-Geral da União exarou parecer que, embora não vinculante, esclarece a necessidade de nomear o defensor dativo para o caso em tela:

Parecer-AGU nº GQ-201, não vinculante: 13. Entretanto, é forçoso convir que a tarefa da Comissão não reside, exclusivamente, em analisar as alegações de defesa, pois o processo administrativo visa a apurar, por todos os meios, os fatos e suas circunstâncias, a verdade real, de sorte a orientar a autoridade no seu julgamento, fornecendo-lhe os elementos necessários a uma justa decisão. Não se paute, portanto, a Comissão, na sua indagação probatória, simplesmente pelas linhas ou sugestões do articulado da defesa, que poderá ser limitado ou deficiente. Pois a sua incumbência é a de buscar a verdade através de todos os meios ao seu alcance, dado que, no caso, a Administração, que ela representa, se é promotora do inquérito tendente a punir, tem igualmente a função de juiz que deve julgar com imparcialidade e completo conhecimento de causa.

O servidor designado como dativo não poderá eximir-se de sua obrigação legal,

salvo nas hipóteses de impedimento e suspeição. Após a constatação da necessidade de nomear o defensor dativo, a comissão deverá

documentar o fato no processo, por meio de termo, e comunicar à autoridade instauradora, por meio de expediente, o fato ocorrido e fundamentar a necessidade de nomeação do defensor dativo.

O defensor dativo a ser designado exclusivamente pela autoridade instauradora,

deverá possuir dois requisitos. O primeiro requisito é ser servidor ocupante de cargo efetivo, mas não necessariamente estável (art. 164, § 2º).

O segundo requisito exige que o defensor seja ocupante de cargo efetivo superior

ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. Este requisito pode ser alcançado nas duas hipóteses – ou o defensor dativo pode ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível que o indiciado, ou pode ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. Estando o servidor em qualquer das duas situações poderá ser designado dativo.

Os cargos públicos estão escalonados de acordo com o nível de escolaridade

requerido para o seu ingresso mediante concurso público. A classificação da escolaridade, por sua vez, está expressamente citada no art. 21 da Lei nº 9.394/96 (lei de diretrizes e bases da educação nacional) e compreende a educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, e a educação superior.

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Destacam-se duas situações exemplificativas para ilustrar as duas possibilidades

relacionadas ao segundo requisito. Na primeira, o servidor “A”, a ser designado como defensor dativo, possui nível

médio de escolaridade e ocupa cargo de nível fundamental, enquanto o servidor “B”, indiciado, possui nível médio de escolaridade e ocupa cargo de nível médio. Neste caso, não há problema algum no fato de “A” ser defensor dativo de “B”, em razão do nível de escolaridade.

Num segundo exemplo, o servidor “A”, a ser designado defensor dativo, possui nível

superior e ocupa cargo de nível fundamental, e o servidor “B” (indiciado) possui nível superior e ocupa também cargo de nível superior. Também neste exemplo não há que se falar em irregularidade na designação, uma vez que “A” possui o mesmo nível de escolaridade de “B”.

Outra dúvida frequente diz respeito ao escalonamento de níveis dentro de um

mesmo cargo. O que significa isso? Por exemplo, o cargo de Analista de Finanças e Controle – AFC possui quatro

classes, a saber: “A”, “B”, “C” e “Especial”. Cada uma destas classes se subdivide em padrões. Por exemplo: classe “A”, padrão I, classe “A”, padrão II, e assim sucessivamente. No caso deste último exemplo, o defensor dativo e o indiciado ocupam o mesmo cargo, de modo que se torna indiferente o fato de estarem em classes ou padrões diferenciados. Assim sendo, é possível que o indiciado esteja na classe “Especial”, padrão IV, e o seu defensor dativo seja da classe “A”, padrão I.

Sobre a formação acadêmica do defensor dativo, não existe normativo legal que

discipline a sua escolha. Por prudência, recomenda-se a aplicação, por analogia, da orientação prevista no Parecer vinculante da AGU, GQ-12, o qual tratou dos requisitos referentes à formação acadêmica dos integrantes da comissão disciplinar. Segue transcrito trecho do normativo.

18. Integram a c.i. três servidores estáveis, dela não podendo participar cônjuge, companheiro ou parente do provável responsável pela prática das infrações disciplinares, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau. Essas exigências explicitadas no art. 149 da Lei nº 8.112 são suscetíveis de ampliação, a fim de serem abrangidos outros requisitos, em salvaguarda da agilidade, circunspeção e eficácia dos trabalhos, bem assim dos direitos dos servidores envolvidos nos fatos. São os cuidados recomendados no sentido de que sejam as comissões constituídas de servidores com nível de conhecimento razoável do assunto inerente às faltas disciplinares e, preferencialmente, de um Bacharel em Direito, face às implicações de ordem jurídica originárias do apuratório. 19. São meras qualidades pessoais que devem possuir os servidores a serem designados para compor a comissão, prescindindo de autorização de lei, nesse sentido.

Levando-se em consideração uma interpretação analógica do parecer, aplicada ao

caso do defensor dativo, chega-se à conclusão que seria desejável que este possuísse conhecimento razoável sobre direito disciplinar, ou então que fosse Bacharel em Direito. No caso de impossibilidade de atendimento destes requisitos, não há que se falar em irregularidade alguma na nomeação de servidor sem conhecimento sobre direito disciplinar ou então que não fosse Bacharel em Direito, desde que atendidos os requisitos previstos em lei e que a defesa escrita apresentada seja capaz de argumentar em favor do indiciado.

Convém observar, ainda, que o servidor a ser designado defensor dativo não pode

ter praticado ato, elaborado documentos ou participado de qualquer fase do processo disciplinar em relação ao qual a Administração pretende que atue, sob pena de violar a necessária imparcialidade e equidistância que deve ter em relação às investigações.

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Não há necessidade de que o ato de designação seja publicado no DOU, bastando a

publicação em Boletim interno. Sobre a possibilidade de atuação do defensor, cabe ressaltar que deverá assumir o

processo no estado em que está, ou seja, não caberá a este requerer à comissão o refazimento de atos, e sua atuação se encerrará com a entrega da defesa, não lhe competindo qualquer solicitação ou pedido a favor do revel a partir da fase de elaboração do Relatório Final. Por exemplo, não caberá ao defensor solicitar que uma testemunha seja reinquirida ou que seja realizado novo interrogatório do indiciado, tampouco poderá solicitar cópia do Relatório Final da Comissão ou recorrer em favor do revel.

Embora não possa solicitar o refazimento de ato, poderá indicar nulidade praticada

em qualquer fase do processo. Por exemplo, a ausência de oportunidade para o exercício do contraditório e da ampla defesa, no caso de depoimento de testemunha promovido pela comissão, em que não houve a notificação do indiciado sobre a sua data e horário. Nesta hipótese, seria recomendável que a comissão refizesse o ato.

A contagem do prazo para que o defensor dativo apresente a defesa escrita

começará a partir do dia da publicação de sua designação, e seguirá as normas de contagem já demonstradas anteriormente.

Em processo em que haja mais de um indiciado revel, caso não haja conflito entre

os seus interesses, não há óbice na nomeação de um mesmo defensor dativo para a elaboração da defesa de todos eles.

A situação de apresentação intempestiva de defesa escrita poderá resultar na

nomeação de defensor dativo em virtude desse atraso na entrega da peça defensiva. Ao tratar da questão, Vinícius de Carvalho Madeira assim se posiciona:

Assim, se acontecer de o indiciado apresentar a defesa escrita alguns dias fora do prazo, ainda não terá dado tempo de a autoridade nomear nenhum defensor dativo, logo, entendo que seria excesso de formalismo nomear dativo se a defesa já foi apresentada, apesar de fora do prazo. Se, contudo, o dativo já estiver nomeado, é conveniente que se receba a defesa do acusado e se aguarde a do dativo, analisando ambas quando da feitura do relatório final. 230

Na hipótese de o indiciado revel reaparecer e desejar apresentar sua própria peça

de defesa, convém que, na mesma linha de raciocínio, a comissão a receba e avalie as defesas elaboradas pelo próprio servidor e pelo seu defensor dativo, extraindo, de cada peça, o que for melhor para o indiciado.

12. RELATÓRIO FINAL

12.1. REQUISITOS Após efetuar todas as diligências necessárias e, no caso da ocorrência de indiciação, analisar a defesa escrita, caberá a Comissão preparar o Relatório Final, que deverá ser fundamentado nas provas trazidas aos autos, deixando de lado impressões pessoais e eventuais sentimentos em relação aos servidores em questão. A apresentação do Relatório Final encerra a

230 MADEIRA, 2008, p. 118 e 119.

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segunda fase do processo – o inquérito administrativo, consoante art. 151, II, da Lei nº 8.112/90, e se constituiu no último ato da Comissão. Portanto, com a entrega do Relatório Final e do processo à autoridade instauradora, a Comissão se extingue e, nesse sentido, não há outras providências a serem adotadas pelo Colegiado, tampouco qualquer exigência legal para que a Comissão entregue cópia do processo ao indiciado ou que o intime pessoalmente do relatório final elaborado pelo Trio processante. Quanto a este tema, os Tribunais Superiores já se manifestaram da seguinte forma:

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADE. [...] OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE INTIMAÇÃO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO PROCESSANTE OU DO PARECER DA AGU. [...] 2. Não há falar em ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório pela ausência de manifestação do impetrante após a apresentação de sua defesa escrita, uma vez que, de acordo com o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, logo após a defesa do impetrante, posterior à instrução, cabe à Comissão Processante a elaboração do seu relatório final, que será remetido para julgamento. 3. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que no processo administrativo disciplinar regido pela Lei nº 8.112/90 não há a previsão para a apresentação, pela defesa, de alegações após o relatório final da Comissão Processante, não havendo falar em aplicação subsidiária da Lei 9.784/99. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 13.279/DF (2007/0308636-5), Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Distrito Federal, 20 de maio de 2010. EMENTA: [...] 4. Não há preceito legal que imponha a intimação pessoal dos acusados, ou permita a impugnação do relatório da Comissão processante, devendo os autos serem imediatamente remetidos à autoridade competente para julgamento (arts. 165 e 166 da Lei nº 8.112/90). BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança nº 24.526/DF, Relator Ministro Eros Grau, Distrito Federal, 03 de junho de 2008.

Na hipótese de o servidor investigado requerer a cópia do Relatório Final, a autoridade instauradora deverá fornecer a documentação solicitada em virtude dos princípios da ampla defesa e do contraditório, e não a Comissão Processante, que já não existe mais. Como bem observado por José Armando da Costa, o Relatório Final possui três funções importantes: informativa, opinativa e conclusiva. No que tange à primeira função, significa que deverá constar da peça derradeira dados e elementos suficientes para que a autoridade julgadora compreenda todo o desenrolar dos fatos sob investigação. Em relação à função opinativa, tem-se que o Relatório deverá trazer no seu bojo sugestões sobre melhorias que o órgão poderá adotar, a fim de evitar a ocorrência de novas irregularidades da mesma natureza. Por fim, a função conclusiva diz respeito à obrigatoriedade de a comissão processante se posicionar clara e categoricamente quanto à ocorrência ou não da irregularidade sob apuração e quanto à inocência ou não dos servidores envolvidos, sugerindo, inclusive, a pena a ser aplicada no caso de responsabilidade desses agentes. Vejamos o que preceitua o artigo 165 da Lei nº 8.112/90:

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Art. 165. Apreciada a defesa, a comissão elaborará relatório minucioso, onde resumirá as peças principais dos autos e mencionará as provas em que se ba-seou para formar a sua convicção.

§ 1o O relatório será sempre conclusivo quanto à inocência ou à responsabili-dade do servidor.

§ 2o Reconhecida a responsabilidade do servidor, a comissão indicará o dispo-sitivo legal ou regulamentar transgredido, bem como as circunstâncias agra-vantes ou atenuantes.

No art. 165, § 1º, da Lei nº 8.112/90, consta que a CPAD deve, em seu Relatório Final, apresentar posicionamento conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade administrativa do servidor. Por isso, o Colegiado deve, ao deliberar em ata o fim da instrução probatória, já ter produzido provas suficientes para formar sua convicção definitiva quanto à inocência ou sua convicção preliminar quanto à responsabilidade do servidor. Pode-se dizer, então, que, após o término da instrução probatória, existem duas possibilidades de desdobramento do procedimento disciplinar:

a) se convencida da inocência do servidor, a CPAD elaborará o Relatório Final diretamente, sem necessidade de indiciação; b) se convencida, em caráter preliminar, da provável responsabilidade administrativa do servidor, a CPAD elaborará o termo de indiciamento.

Na última hipótese, a CPAD elaborará seu Relatório Final somente após

apresentação da defesa escrita, podendo ratificar seu posicionamento preliminar quanto à responsabilização do indiciado ou, acaso seja persuadida de forma contrária, alterar seu convencimento preliminar, manifestando-se conclusivamente pela inocência do servidor envolvido. Com a elaboração do Relatório Final, a CPAD encerrará o Inquérito Administrativo, subsidiando, logo em seguida, o Julgamento que será oportunamente proferido pela autoridade competente. Antônio Carlos Alencar Carvalho231 contextualiza:

[...] o relatório da comissão deverá ser fruto da global e isenta consideração dos atos do processo administrativo disciplinar e dos fatos comprovadamente cometidos pelo servidor, prestando-se como norte que guiará a autoridade jul-gadora na decisão final de punir ou absolver o acusado, […] pautando-se nas presumidamente imparciais, objetivas e verdadeiras conclusões da comissão processante.

Dessa forma, a CPAD, depois de apreciar as teses de defesa do indiciado, deverá: a) ao convencer-se pela inocência do servidor, propor o arquivamento do procedimento disciplinar; ou b) ao convencer-se pela responsabilidade administrativa do indiciado, proceder ao enquadramento administrativo do ilícito disciplinar apurado.

Em outras palavras, a CPAD deve ser capaz, como consectário lógico das provas

coletadas, de externar convicção acerca do elemento objetivo, atinente à eventual conduta reprovável praticada pelo servidor, e do elemento subjetivo, atinente ao ânimo do agente infrator ao realizar eventual conduta considerada reprovável, de modo a possibilitar sua manifestação final e, assim, efetivar a função conclusiva do Relatório Final232.

231 CARVALHO, 2008, p. 636. 232 COSTA, 2011.

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Em caso de dúvida à luz das provas obtidas, o Colegiado poderá adotar o princípio do “in dubio pro reo” (na dúvida, a favor o réu), em detrimento do “in dubio pro societate” (na dúvida, a favor da sociedade – que norteia a decisão da Comissão de indiciar o servidor), e absolver o indiciado. Por meio do Parecer AGU nº GM-3, não vinculante, a Advocacia – Geral da União se manifestou dizendo que “[...] na dúvida sobre a existência de falta disciplinar ou da autoria, não se aplica penalidade, por ser a solução mais benigna”.

Outra possibilidade é a existência de divergência entre os integrantes da Comissão

quanto à situação do (s) servidor (es) investigados. Nada obstante, o Colegiado deve buscar sempre manter uniformidade e coesão em seus posicionamentos, especialmente porque o desacordo poderá enfraquecer a conclusão da Comissão. No entanto, na hipótese de discordância entre alguns dos seus membros, sem solução dentro do próprio Colegiado, o dissidente poderá votar em separado, consignando seu posicionamento apartado dos demais.

Verifica-se, como regra geral, que não há maiores formalidades na confecção do

Relatório Final; existe, porém, a necessidade de todas as opiniões e conclusões guardarem sentido com as provas e documentos contidos no processo.

A legislação não prevê a possibilidade de o indiciado intervir no processo durante

essa fase de elaboração do Relatório. Não há previsão de apresentação de alegações finais antes, tampouco depois de concluído o Relatório Final pela Comissão processante. Nesse sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. Senão vejamos:

(...) Voto: Como se vê, inexiste qualquer determinação legal no sentido de que o indiciado seja intimado para o oferecimento de alegações finais (...). Ao contrário, a lei estabelece que tão logo seja apreciada a defesa oferecida pelo servidor, a comissão elaborará relatório minucioso [...]. De tanto, resulta que, nesse particular, não há que falar em cerceamento de defesa. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 7.985/DF (2001/0137598-5), Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Distrito Federal, 22 de abril de 2013. Idem: STF, Mandado de Segurança nº 23.268, e STJ, Mandados de Segurança nº 7.051 e 8.259.

Muito embora a Lei nº 8.112/90 não traga um rol dos elementos que deverão

constar da peça em comento, segue abaixo listagem com algumas informações que se entende como essenciais para um Relatório Final satisfatório:

a) identificação da comissão; b) resumo dos fatos sob apuração; c) breve relato das medidas adotadas pela Comissão no sentido de investigar o caso, inclusive informações relacionadas às oitivas de testemunhas e interrogatórios; d) relação de eventuais exames periciais e suas respectivas conclusões; e) elementos detalhados sobre os indiciamentos, caso tenham ocorrido; f) razões apresentadas na defesa escrita e as respectivas considerações sobre cada uma delas. No caso de discordar dos argumentos apresentados pela defesa, a Comissão deverá tratar as questões de forma objetiva, evitando-se embates de caráter pessoal, ainda que a defesa apresentada contenha elementos ofensivos ao Colegiado. g) conclusão pela inocência ou culpa dos servidores envolvidos e, no caso de responsabilização, os dispositivos legais transgredidos, a sugestão de penalidade a ser aplicada, levando-se em consideração a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provieram para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais (artigo 128 da Lei nº 8.112/90); h) eventuais encaminhamentos necessários, como, por exemplo, à Controladoria-Geral da União, Advocacia-Geral da União (na hipótese de

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existir dano ao erário), Tribunal de Contas da União, Comissão de Ética Pública e ao Ministério Público Federal (no caso de eventual ocorrência de crime); i) possíveis medidas administrativas a serem adotadas com o propósito de evitar futuras ocorrências de fatos da mesma natureza no órgão.

Importa esclarecer que as condições atenuantes ou agravantes referem-se àquelas

situações relacionadas à conduta em si mesma e que podem, respectivamente, atuar contra ou a favor da defesa. Diferem dos antecedentes funcionais, os quais são examinados a partir dos dados registrados nos assentamentos do servidor, seja positiva ou negativamente.

Como exemplos de atenuantes podemos citar os seguintes: falta de treinamento do

servidor na área técnica relacionada ao ilícito, tempo de serviço na área, problemas de ordem pessoal devidamente justificados e que possam comprometer a rotina profissional do servidor, servidor recém-ingresso no serviço público, condições de infraestrutura física e operacional da Administração que dificultem o desempenho do servidor, dentre outras.

No que tange às agravantes, são exemplos: ter sido treinado na área técnica

relacionada à infração, elevada experiência e tempo de serviço na área, ocorrência de dano para o serviço, seja material ou moral, o fato de o servidor ocupar cargos de confiança e de atuar em condições aceitáveis no que tange à infraestrutura física e operacional de sua unidade.

Exemplos de bons antecedentes funcionais são os agradecimentos e elogios

registrados nos assentamentos do servidor, e que demonstram sua dedicação e comprometimento com o trabalho e a instituição a que serve. E como maus antecedentes podem ser destacados, os registros não cancelados de penalidades sofridas pelo servidor ou outras situações que demonstrem sua falta de compromisso com o trabalho e com o órgão em que exerce suas funções.

12.2. PENALIDADES APLICÁVEIS

No Relatório Final, o Colegiado não deve apenas concluir pela responsabilidade administrativa do servidor, mas também indicar o dispositivo legal ou regulamentar transgredido, com vistas a viabilizar sua posterior sugestão de penalidade. Nessa linha, o Parecer-AGU n.° GQ-121 (não vinculante) propugna, a propósito, que o legislador encontrava-se atento ao determinar que os preceitos violados devem ser necessariamente especificados no Relatório Final, visto que a indicação do dispositivo transgredido delimita, simultaneamente, a penalidade a ser aplicada ao servidor faltoso.

O processo disciplinar é o instrumento de apuração de responsabilidade de servidor

em razão de atos e fatos irregulares que venha a cometer ao longo de sua vida funcional. Nesse sentido, e por se defender de fatos, não haverá cerceamento de defesa e nulidade no caso de a Comissão, por exemplo, alterar em seu Relatório Final, o enquadramento legal do fato descrito na fase anterior – de indiciamento. Nesse sentido, o Parecer GQ-21, não vinculante, da Advocacia-Geral da União, é claro ao tratar do tema:

Parecer AGU nº GQ-121, não vinculante: [...] 10. [...] A omissão ou substituição de dispositivo, com vistas ao enquadramento e punição da falta praticada, não implica dano para a defesa, advindo nulidade processual, em consequência. A este aspecto encontrava-se atento o legislador ao determinar que os preceitos transgredidos devem ser especificados no relatório, sem adstringir esse comando à elaboração da peça instrutória. No entanto, o zelo demonstrado pela c.i, quando indica, na indiciação, os preceitos desrespeitados não desmerecem a execução dos seus trabalhos.

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Percebe-se, assim, a importância do correto enquadramento administrativo,

evidenciando-se o zelo e a dedicação que a CPAD deve conferir a tal desiderato. Como já noticiado, a Lei nº 8.112/90 apresenta, em regra, definições genéricas e abrangentes em seus ilícitos disciplinares, sobressaindo a possibilidade de enquadramento de diferentes condutas em um mesmo ilícito ou, de modo diverso, de uma mesma conduta em diferentes ilícitos. Pode haver, em uma leitura apressada, diferentes possibilidades de enquadramento de uma mesma irregularidade funcional.

O Colegiado deve, por isso, além de observar o fato em si ou, como alguns preferem,

o escopo objetivo, desvelar o ânimo subjetivo do servidor. Acaso comprove a ocorrência de fato passível de subsunção em ilícito disciplinar, a CPAD deve delimitar a conduta pessoal do agente faltoso, relacionando-a à hipótese de culpa ou dolo, haja vista ser inadmissível responsabilização objetiva. Nessa linha, adverte-se que, para fins de aplicação de sanção disciplinar, são indispensáveis a certeza dos fatos imputados e a culpabilidade do agente público, quer dizer, a prova de que o fato é atribuível ao seu autor a título de dolo ou culpa 233.

Nesse sentido, o Parecer-AGU n° GM-3, não vinculante, segundo o qual “[...] incumbe

à administração apurar as irregularidades verificadas no serviço público e demonstrar a culpabilidade do servidor, proporcionando seguro juízo de valor sobre a verdade dos fatos.”

Como demonstrado, a CPAD deve analisar a subjetividade do autor do fato ilícito,

identificando se o agente transgressor agiu, ao perpetrar a irregularidade a ele imputada, com dolo ou culpa. Sem adentrar em algumas questões já expostas, reitera-se que as infrações disciplinares estão, grosso modo, escalonadas nos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/90, em diferentes níveis de gravidade, implicando, em cada caso, a depender do enquadramento administrativo realizado, uma sanção disciplinar previamente definida, consoante arts. 129, 130, 132, 134 e 135 da Lei nº 8.112/90.

Os elementos balizadores da dosimetria da pena, dispostos no art. 128 da Lei nº

8.112/90, devem ser considerados nos casos de enquadramentos administrativos que podem, a depender do caso concreto, ensejar advertência ou suspensão. Observada a ressalva descrita, sobrepõe-se que o animus subjetivo do autor do ilícito delimita o enquadramento cabível, que, por sua vez, determina, em regra, a sanção aplicável, evidenciando-se, em outros termos, que o correto enquadramento da irregularidade pressupõe uma análise minuciosa da intenção do autor. Marcos Salles Teixeira234 explica:

Ilustrativamente, citam-se alguns exemplos […]. Um ato contrário à norma tanto pode ser inobservância de norma (art. 116, III), como pode ser apenas ri-to de passagem para “valer-se do cargo para lograr proveito irregular” (art. 117, IX). Um ato de quebra de relação de confiança tanto pode ser apenas que-bra do dever de lealdade (art. 116, II), como pode configurar cometimento de atividade incompatível (art. 117, XVIII), quanto pode ser ato de improbidade (art. 132, IV). Ao destruir um bem público, pode-se estar diante de falta de zelo (art. 116, VII) quanto de dilapidação do patrimônio (art. 132, X). [...] A diferen-ciação, em síntese, entre tais condutas extremadas reside basicamente na con-figuração do elemento subjetivo do infrator: se agiu com culpa […] ou se agiu com dolo […].

Pode-se afirmar, em síntese, que infrações de natureza culposa são, em regra,

enquadradas nos ilícitos disciplinares previstos nos arts. 116 ou 117, incisos I a VIII, XVII a XIX, da Lei nº 8.112/90; enquanto infrações de natureza dolosa são enquadradas nos ilícitos previstos nos

233 DEL TESO 234 TEIXEIRA, 2014.

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arts. 117, IX a XVI, ou 132 da Lei nº 8.112/90. Excepciona-se da regra citada o ilícito administrativo “proceder de forma desidiosa”, previsto no inciso XV do art. 117 da Lei nº 8.112/90, que pressupõe, nos termos já expostos em capítulo precedente, responsabilidade na modalidade culposa. Teixeira235 sintetiza que (...) a menos da desídia (…), o regime administrativo disciplinar exige a existência de elementos indicadores de dolo para aplicação de penas expulsivas, enquanto que, em regra, as atitudes culposas ensejam penas brandas.

Infrações culposas pressupõem negligência, imprudência ou imperícia; infrações

dolosas, por sua vez, intenção e consciência do resultado ou assunção dos riscos. Uma vez caracterizada a culpa, a CPAD deve enquadrar a irregularidade imputada ao agente transgressor em ilícito que pressupõe culpa; uma vez caracterizado o dolo, a CPAD deve enquadrar a irregularidade imputada ao agente transgressor em ilícito que pressupõe dolo. Feito o correto enquadramento, sobreleva-se, logo após, a penalidade cabível, vez que a Lei nº 8.112/90 vincula, em regra, uma única penalidade para cada ilícito.

Como já noticiado, o Colegiado poderá se deparar, em alguns casos, com concurso

formal ou material de ilícitos, ocasiões em que um mesmo agente infrator, em decorrência de uma ou mais condutas, incorre em mais de um ilícito disciplinar. Com exceção de eventual hipótese de concurso aparente de infrações, a CPAD deve, face a concurso formal ou material, comprovado após utilização das regras de abstração (alternatividade, especialidade, subsidiariedade e consunção), proceder ao enquadramento múltiplo. Prevalecerá, nessa situação, a sugestão de aplicação da penalidade mais gravosa.

Interpretando-se de forma sistemática o Regime Disciplinar previsto no Título IV da

Lei nº 8.112/90, e o processo administrativo disciplinar, disciplinado no Título V da mesma lei, de forma sistemática, percebe-se, ao serem privilegiadas a coerência do sistema jurídico e o sentido correto do seu conteúdo normativo, que descrição dos fatos, enquadramento e recomendação da penalidade são, quando comprovada a ocorrência de irregularidade, consectários lógicos dos trabalhos da CPAD, que deve ter, dada a proximidade com a realidade fática apurada, conhecimentos suficientes para subsidiar a decisão da autoridade julgadora.

Afasta-se, pois, qualquer dúvida quanto à obrigatoriedade de a CPAD, após constatar

o cometimento de certa irregularidade, proceder ao correto enquadramento administrativo e sugerir a penalidade a ser aplicada pela autoridade competente, consoante ensina Ivan Barbosa Rigolin, segundo o qual “(...) De acordo com o apurado no processo, e a gravidade dos fatos acontecidos segundo ficou demonstrado, irá a comissão indicar uma pena ao indiciado”. 236

Por outro lado, o Colegiado deve, se não configurar o cometimento de qualquer ilícito disciplinar, apresentar posicionamento conclusivo pela inocência do servidor, explicitando os motivos que contribuíram para formar sua convicção e sugerindo, logo em seguida, arquivamento do processo administrativo disciplinar.

Para evitar prejuízos à inteligibilidade da análise das penalidades disciplinares,

alguns comentários acerca das infrações disciplinares são necessários. Afinal, como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello237, infração administrativa e sanção disciplinar (expressão sinonímia de “penalidades disciplinares”) são temas indissoluvelmente ligados. Consentâneo ao disposto no art. 5º, LV, da Constituição Federal, reitera-se, a propósito, que aplicação de penalidade pressupõe procedimento disciplinar prévio que assegure ao servidor o direito ao contraditório e à ampla defesa.

235 Idem, p. 349 e 350.

236 RIGOLIN, 1995, p. 276-277. 237 MELLO, 2006, p. 790.

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Segundo José Armando da Costa238, as “sanções disciplinares” objetivam reprimir condutas irregulares, espalhar exemplaridade no seio do funcionalismo e, com isso, preservar a ordem interna do órgão a que pertence o servidor apenado. Para garantir a regularidade do serviço público e preservar a imagem pública da Administração, as penalidades disciplinares apresentam, assim, duas funções: uma preventiva, à medida que desincentivam transgressões, e outra repressiva, à medida que punem o agente público que perpetra certa irregularidade.

Inobstante suas duas funções, destaca-se sua função repressiva, a saber: “(...) sanção

disciplinar é a consequência jurídica desfavorável prevista em lei e imposta ao servidor público estatutário, após a obediência ao devido processo legal, em razão do cometimento de infração funcional a ele imputável pela Administração Pública”239. De todo modo, o legislador, ao prever certas sanções disciplinares, buscou desestimular a prática de certas condutas consideradas indesejadas ou constranger ao cumprimento de certas obrigações240.

Pode-se dizer, enfim, que as penalidades disciplinares são aplicadas “ao funcionário

público, em razão de haver ele cometido alguma infração de natureza funcional, ou que, tratando-se de comportamento de sua vida privada, repercuta de forma a pôr em jogo o prestígio do órgão público em que serve” 241. Consta, a propósito, no art. 127 da Lei nº 8.112/90, as seguintes penalidades disciplinares:

Art. 127 (…) I - advertência; II - suspensão; III - demissão; IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade; V - destituição de cargo em comissão; VI - destituição de função comissionada.

Dada a prevalência do princípio da legalidade, não se admite imposição de outras penalidades disciplinares, nos termos do art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal.

O art. 130, § 2º, da Lei nº 8.112/90 prevê a possibilidade de, conforme juízo de

conveniência e oportunidade da autoridade competente, a qual deve considerar apenas o interesse público, converter a penalidade de suspensão em multa, na base de 50% por dia de remuneração ou de subsídio, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço, hipótese em que não restará configurada nova penalidade disciplinar, sendo mera forma de execução da pena de suspensão.

Quanto à pena de destituição de função comissionada, cabe um esclarecimento em

virtude da Lei nº 8.112/90 não ter disciplinado as hipóteses de sua aplicação. Esta pena não é aplicável em sede disciplinar. No máximo, e a critério da autoridade nomeante, poderá um servidor ocupante de cargo efetivo e função comissionada, ser dispensado da função em virtude de quebra de confiança no caso de cometimento de falta disciplinar que tenha reflexo em seu cargo efetivo; nesse caso, não se tratará de sanção disciplinar, mas de medida de gestão da autoridade.

Necessário ressaltar que a autoridade competente deve, diante de irregularidade comprovada, aplicar obrigatoriamente a penalidade cabível, não podendo se eximir do seu poder-dever. Em regra, essa pena é vinculada, não comportando abrandamento, consoante já se manifestou a Advocacia – Geral da União no Parecer AGU nº GQ-183, vinculante:

238 COSTA, 2011. 239 PEREIRA, 2007, p. 42. 240 MELLO, 2006. 241 COSTA, 2009.

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7. Apurada a falta a que a Lei nº 8.112, de 1990, arts. 129, 130, 132, 134 e 135, comina a aplicação de penalidade, esta medida passa a constituir dever indeclinável, em decorrência do caráter de norma imperativa de que se revestem esses dispositivos. Impõe-se a apenação sem qualquer margem de discricionariedade de que possa valer-se a autoridade administrativa para omitir-se nesse mister. (...) 8. Esse poder é obrigatoriamente desempenhado pela autoridade julgadora do processo disciplinar (...).

Como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello242, a autoridade não tem, nessas situações, mera faculdade de agir, mas sim, como corolário do devido exercício do poder disciplinar, verdadeiro poder-dever de agir, aplicando a penalidade cabível, sob pena de também incorrer em ilícitos.

12.2.1. PENALIDADES DISCIPLINARES: ADVERTÊNCIA

Nas palavras de Antônio Carlos Alencar Carvalho243, advertência “constitui penalidade destinada a chamar a atenção, oficial e publicamente, do servidor para a correção de seu comportamento irregular (...)”, sem a necessidade de afastar o agente transgressor de suas tarefas. Segundo art. 129 da Lei nº 8.112/90, a penalidade de advertência poderá ser aplicada “(...) nos casos de violação das proibições constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique penalidade mais grave”.

Pode-se concluir que o art. 116, III, c/c art. 129 da Lei nº 8.112/1990, especialmente quando este último menciona “(...) dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna”, deixa claro que a lista de deveres funcionais não é exaustiva, podendo haver outras normas que estabelecem deveres aos servidores.

Antes de apresentar os enquadramentos administrativos previstos no dispositivo

legal supracitado, destaca-se que advertência constitui a sanção disciplinar mais branda, aplicável, por escrito, aos ilícitos considerados leves. Nessa toada, a advertência busca “gerar um arrependimento e uma mudança de atitude do servidor no exercício funcional”, que tende a corrigir seu comportamento após receber a censura pública oficial244.

Para facilitar o entendimento, apresentam-se a seguir os ilícitos mencionados no art.

129 da Lei nº 8.112/90, que implicam, desde que não justificada a utilização de penalidade mais grave, a aplicação de advertência:

Art. 116. São deveres do servidor: I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo; II - ser leal às instituições a que servir; III - observar as normas legais e regulamentares; IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;

242 MELLO, 2006. 243 CARVALHO, 2008, p. 757. 244 Idem, p. 757.

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V - atender com presteza: a) ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo; b) à expedição de certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimen-to de situações de interesse pessoal; c) às requisições para a defesa da Fazenda Pública. VI - levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo; VII - zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público; VIII - guardar sigilo sobre assunto da repartição; IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa; X - ser assíduo e pontual ao serviço; XI - tratar com urbanidade as pessoas; XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder. [...] Art. 117. Ao servidor é proibido: (Vide Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001) I - ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do che-fe imediato; II - retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer docu-mento ou objeto da repartição; III - recusar fé a documentos públicos; IV - opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço; V - promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição; VI - cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordi-nado; VII - coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associação pro-fissional ou sindical, ou a partido político; VIII - manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônju-ge, companheiro ou parente até o segundo grau civil; [...] XIX - recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

A rigor, os ilícitos supracitados contêm inúmeros conceitos jurídicos

indeterminados, os quais se caracterizam por não possuir conteúdo preciso e rigidamente delimitado. Dadas as especificidades das inúmeras atividades desempenhadas pelos diferentes servidores públicos, entende-se que não é possível regular de forma exaustiva todas as possíveis irregularidades, sob pena de se comprometer a eficiência administrativa e o dever de boa administração.

Para definir o conteúdo e o alcance da norma, o intérprete deve, portanto, se valer

de outros atos legais e/ou infralegais que regulam as atribuições e as atividades do órgão ou da entidade a que se vincula o agente público faltoso245.

Dessa forma, é aconselhável que a comissão, após delimitar a materialidade e

desvelar o ânimo subjetivo do autor, estando presentes os requisitos configuradores de responsabilidade que ensejam enquadramento em ilícitos de menor potencial ofensivo, observe os danos decorrentes da infração perpetrada, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais, sugerindo, a depender do quadro fático analisado, aplicação de advertência ou, se for o caso, devido à parte final do art. 129 da Lei nº 8.112/90, conforme será reforçado a seguir, de suspensão.

245 PEREIRA, 2007.

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Na hipótese de advertência, o art. 141, III, da Lei nº 8.112/90 esclarece que a

penalidade será aplicada por escrito pelo chefe da repartição ou outra autoridade na forma do regimento ou regulamento do órgão ou entidade a que se vincula o servidor faltoso, publicando-se a portaria de julgamento no Diário Oficial da União ou no boletim interno da repartição e registrando-se, em seguida, a aplicação da penalidade nos assentamentos funcionais do servidor transgressor, com vistas a dar publicidade ao ato administrativo sancionador e a cientificar o agente faltoso da sanção disciplinar a ele cominada.

Caso o servidor esteja aposentado, em virtude da impossibilidade de ser punido com

advertência, deve-se tão somente registrar o fato em seus assentamentos funcionais. Por fim, adverte-se que, se o servidor não perpetrar nova irregularidade no período,

o registro de aplicação de penalidade será cancelado após o decurso de 03 (três) anos, conforme preceitua o art. 131 da Lei nº 8.112/90. Nessa situação, Marcos Salles Teixeira246 explica que o cancelamento “é formalizado por meio de declaração nos assentamentos funcionais e não com a eliminação física do registro anterior, de modo que o registro de toda vida funcional do servidor permaneça incólume”.

Art. 131. As penalidades de advertência e de suspensão terão seus registros cancelados, após o decurso de 3 (três) e 5 (cinco) anos de efetivo exercício, res-pectivamente, se o servidor não houver, nesse período, praticado nova infração disciplinar. Parágrafo único. O cancelamento da penalidade não surtirá efeitos retroativos.

12.2.2. PENALIDADES DISCIPLINARES: SUSPENSÃO Passa-se agora à análise da pena de suspensão, que se caracteriza pelo afastamento

compulsório do agente faltoso do exercício de suas funções por até 90 (noventa) dias, ocasionando a perda da sua remuneração ou do seu subsídio correspondente. Eventualmente, o exercício de direitos relacionados ao período de efetivo exercício no cargo (p. ex. licença) poderá ser prejudicado, vez que o período de suspensão do servidor faltoso não é computado para qualquer efeito.

Em uma leitura apressada, poder-se-ia concluir que as hipóteses passíveis de

suspensão cingem-se às mencionadas no art. 130, caput e § 1º, da Lei nº 8.112/90, quer dizer, aos casos de reincidência das faltas punidas com advertência, à hipótese de o servidor se recusar a se submeter à inspeção médica determinada por autoridade competente e às situações de violação das demais proibições que não tipifiquem penalidade de demissão, in verbis:

Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infra-ção sujeita a penalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias.

§ 1o Será punido com suspensão de até 15 (quinze) dias o servidor que, injusti-ficadamente, recusar-se a ser submetido a inspeção médica determinada pela autoridade competente, cessando os efeitos da penalidade uma vez cumprida a determinação. Art. 117 […]

246 TEIXEIRA, 2014.

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XVII - cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, ex-ceto em situações de emergência e transitórias; XVIII - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho;

Como a lei não tem palavras inúteis, observa-se, porém, em uma análise cuidadosa,

que a parte final do art. 129 da Lei nº 8.112/90 admite, também, aplicação da pena de suspensão nos casos mais graves de violação das proibições constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna. Feitos esses esclarecimentos, sintetiza-se, pois, que a suspensão pode ser aplicada nas seguintes situações:

a) reincidência de irregularidades apenadas com advertência; b) violação das obrigações do art. 117, XVII e XVIII, da Lei nº 8.112/90; c) no caso de recusa de submissão à inspeção médica; e d) nos casos de violação das proibições constantes do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna que justifiquem penalidade mais grave.

Para caracterização da reincidência, entende-se que é suficiente a ocorrência de uma segunda transgressão disciplinar punível com advertência. Isso significa, na prática, que a comissão, ao se deparar com transgressão disciplinar punível com advertência, deve, quando constatar que o servidor faltoso já fora devidamente punido anteriormente com advertência ou suspensão, sugerir a aplicação de suspensão devido à reincidência. Marcos Salles Teixeira247 explica:

(...) configura-se a reincidência quando, do cometimento de uma segunda irre-gularidade, qualquer que seja, punível com advertência já tenha sido a primei-ra infração definitivamente julgada na esfera administrativa e a advertência aplicada (...).

Como resultado, o servidor apenado com advertência nos últimos 3 (três) anos, ou com suspensão nos últimos 5 (cinco) anos, deverá, se cometer uma segunda transgressão disciplinar punível com advertência, ser apenado com suspensão. Tal entendimento decorre do art. 131 da Lei nº 8.112/90, que prevê o cancelamento dos registros constantes do assentamento funcional do servidor, utilizados para caracterização da reincidência, após 3 (anos) no caso de advertência ou 5 (cinco) anos no caso de suspensão.

Alerta-se, porém, que a penalidade de advertência ou suspensão necessária para

caracterizar a reincidência deve ter sido efetivamente aplicada. Se a sanção disciplinar não foi aplicada devido à ocorrência de prescrição, a primeira falta funcional do servidor transgressor não poderá, devido à extinção da punibilidade, ser considerada para caracterizar reincidência, visto que ela pressupõe a prática de ilícito disciplinar passível de advertência ou suspensão e a devida aplicação da penalidade cabível. Nessa situação, configura-se tão somente mau antecedente, visto que o fato foi registrado nos assentamentos do servidor.

Passa-se agora à análise das demais hipóteses de aplicação da penalidade de

suspensão previstas no art. 130, caput e § 1º, da Lei nº 8.112/90. Configurada a infringência de uma das obrigações dos incisos XVII e XVIII do art. 117 da Lei nº 8.112/90, a comissão deve, logicamente, sugerir aplicação de suspensão. Como já noticiado, os ilícitos previstos nos incisos XVII e XVIII do art. 117 da Lei nº 8.112/90 também pressupõem, do ponto de vista subjetivo, ânimo culposo do agente faltoso.

Igualmente, ao constatar a recusa do servidor em se submeter à inspeção médica

oficial determinada por autoridade competente nos termos do art. 206 da Lei nº 8.112/90, a

247 Idem, p. 497

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Comissão processante deve, conforme ao disposto no art. 130, § 1º, da Lei nº 8.112/90, sugerir aplicação de suspensão, observando, nessa hipótese, o prazo máximo de 15 (quinze) dias. Para sua configuração, a Administração deve abrir procedimento disciplinar sujeito ao contraditório e à ampla defesa, de modo a demonstrar a falta de justificativa do agente faltoso em se submeter à perícia oficial. José Armando da Costa248 contextualiza:

Trata-se, por conseguinte, de punição disciplinar anômala, uma vez que o seu legítimo escopo não é propriamente punir, e sim coagir o servidor a submeter-se à inspeção médica determinada pela autoridade hierárquica competente, tanto assim que, uma vez atendida a determinação, cessam todos os efeitos da pena de suspensão imposta (...)

No que concerne ao disposto no art. 129, parte final, da Lei nº 8.112/90, a possibilidade de aplicação de suspensão, sem a necessidade de estar caracterizada a reincidência, no caso de configuração dos ilícitos previstos nos arts. 116 e 117, incisos I a VIII e XIX, da Lei nº 8.112/90 depende da presença de elementos que justifiquem a imposição de penalidade mais grave, tais como: natureza e gravidade da infração cometida, danos que provierem ao serviço público, circunstâncias agravantes ou atenuantes e/ou antecedentes funcionais. A rigor, os elementos de graduação da pena citados no art. 128, caput, da Lei nº 8.112/90 são utilizados, nesta hipótese, primeiro, para definição da penalidade aplicável e, segundo, para graduação do quantum da penalidade de suspensão a ser aplicada, que pode variar de 1 (um) a 90 (noventa) dias. Nessa linha, o Parecer-AGU nº GQ-127 (não vinculante) reforça que “(...) os fatores de graduação da pena, especificados no art. 128 da Lei nº 8.112/90, podem ensejar punição mais grave”, quer dizer, podem ensejar aplicação de suspensão.

Delimitadas as hipóteses de aplicação da pena de suspensão, destaca-se que, consentâneo ao art. 141, II e III, da Lei nº 8.112/90, a penalidade de suspensão até 30 (trinta) dias é aplicada pelo chefe da repartição ou outra autoridade na forma do regimento ou regulamento do órgão ou entidade a que se vincula o servidor faltoso, e penalidade de suspensão superior a 30 (trinta) dias é aplicada pelo Ministro de Estado.

Art. 141. As penalidades disciplinares serão aplicadas:

I - pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legisla-tivo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade; II - pelas autoridades administrativas de hierarquia imediatamente inferior àquelas mencionadas no inciso anterior quando se tratar de suspensão superi-or a 30 (trinta) dias; III - pelo chefe da repartição e outras autoridades na forma dos respectivos re-gimentos ou regulamentos, nos casos de advertência ou de suspensão de até 30 (trinta) dias; (...)

A portaria que consubstancia o julgamento será publicada, a depender da autoridade julgadora, no Diário Oficial da União ou no boletim interno da repartição, com vistas a cientificar o agente faltoso e a viabilizar o seu oportuno afastamento das atividades laborais. Ato contínuo, a aplicação da penalidade deve ser registrada nos assentamentos funcionais do servidor transgressor. Na hipótese de o servidor não cometer nova irregularidade no período de 05 (cinco) anos, o registro nos assentamentos funcionais deverá, então, ser cancelado.

248 COSTA, 2009, p. 377.

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Reitera-se, por fim, que o art. 130, § 2º, da Lei nº 8.112/90 faculta à autoridade julgadora, conforme juízo de conveniência e oportunidade, a possibilidade de converter a penalidade de suspensão em multa, na base de 50% por dia de remuneração ou de subsídio, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço. É recomendável que a autoridade do local onde a pena será cumprida, seja consultada acerca dessa conversão, de modo a garantir a observância ao interesse público na localidade. Para fins de conversão da penalidade de suspensão em multa, deve ser considerado, exclusivamente, o interesse público, de modo a evitar prejuízos ao andamento das atividades da repartição, de modo que essa conversão independe da vontade do servidor punido.

Art. 130. (...)

§ 2o Quando houver conveniência para o serviço, a penalidade de suspensão poderá ser convertida em multa, na base de 50% (cinquenta por cento) por dia de vencimento ou remuneração, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço.

Caso o servidor esteja aposentado, em virtude da impossibilidade de ser punido com suspensão, deve-se tão somente registrar o fato em seus assentamentos funcionais.

12.2.3. PENALIDADES DISCIPLINARES EXPULSIVAS: DEMISSÃO, CASSAÇÃO DE APOSENTA-DORIA OU DISPONIBILIDADE E DESTITUIÇÃO DE CARGO EM COMISSÃO

Promover-se-á agora a análise das penas capitais ou, como alguns preferem, das

penas expulsivas, as quais extinguem o vínculo do agente faltoso com a Administração Pública, a saber: demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão.

Importante destacar a delegação de competência determinada pelo Decreto nº

3.035, de 27 de abril de 1999, nos seguintes termos:

Art. 1o. Fica delegada competência aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União, vedada a subdelegação, para, no âmbito dos órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou vinculados, observadas as disposições legais e regulamentares, especialmente a manifestação prévia e indispensável do órgão de assessoramento jurídico, praticar os seguintes atos:

I - julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores; (...)

Como já detalhado neste Manual, os ilícitos sujeitos à penalidade de demissão pres-supõem, em regra, a responsabilidade subjetiva dolosa, quer dizer, o agente transgressor deve ter agido com intenção ou, ao menos, ter assumido os riscos do resultado, excepcionando-se o ilícito previsto no inciso XV do art. 117 da Lei nº 8.112/90 (“proceder de forma desidiosa”), que pressupõe responsabilidade subjetiva culposa. Consentâneo ao disposto no art. 137, caput, da Lei nº 8.112/90, a demissão ou desti-tuição de cargo em comissão decorrente de infringência do art. 117, incisos IX (“valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem [...]”) e XI (“atuar, como procurador ou intermediário, junto

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a repartições públicas [...]”) incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público federal, de provimento em caráter efetivo ou em comissão, pelo prazo de 5 (anos), inviabilizando, portanto, em qualquer situação, sua nomeação, posse e exercício em novo cargo público. Por sua vez, o art. 137, parágrafo único, da Lei nº 8.112/90, estabelece que o servi-dor demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I (“crime con-tra a administração pública”), IV (“improbidade administrativa”), VIII (“aplicação irregular de di-nheiros públicos”), X (“lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional”) e XI (“corrup-ção”) não poderá retornar ao serviço público federal. Abstraindo-se possíveis polêmicas teóricas, entende-se que o comando legal é inequívoco e não comporta qualquer dificuldade em sua inter-pretação. No primeiro caso, fica o servidor impedido de retornar à Administração Direta, Au-tarquias e Fundações, todas Federais, pelo período de 5 (cinco) anos, a partir da execução da pena-lidade aplicada. No segundo caso, o servidor fica impedido de retornar ao serviço público Federal, incluindo aqui empresas públicas e sociedades de economia mista. Para evitar equívocos, delimita-se que a pena de demissão é aplicável ao servidor ocupante de cargo de provimento em caráter efetivo; a cassação de aposentadoria é, segundo o art. 134 da Lei nº 8.112/90, aplicável ao inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão; e a destituição de cargo em comissão é aplicável aos não ocupantes de cargo efetivo que perpetrarem irregularidades passíveis de suspensão (art. 117, XVII e XVIII, e 130, § 1º, da Lei nº 8.112/90, ou em virtude de agravamento como resultado de punição anterior com advertência) e de demissão. Detalhe importante a considerar é que somente por meio de um PAD pode-se aplicar a pena de destituição de cargo comissionado, ainda que decorrente de fatos enquadráveis em hipó-teses de suspensão, conforme tratado no item 6.2.1.4 deste Manual. Nesse sentido dispõe o art. 146 da Lei nº 8.112/90. Dadas as especificidades da destituição de cargo em comissão, colaciona-se o art. 135 da Lei nº 8.112/90:

Art. 135. A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de cargo efetivo será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de sus-pensão e de demissão. Parágrafo único. Constatada a hipótese de que trata este artigo, a exoneração efetuada nos termos do art. 35 será convertida em destituição de cargo em comissão.

Após leitura atenta do dispositivo legal supracitado, sobrelevam-se as seguintes constatações: a) destituição de cargo em comissão relaciona-se exclusivamente aos ocupantes de cargo em comissão; b) aplica-se às irregularidades que ensejam suspensão e demissão; c) na hipó-tese de já ter sido efetuada a exoneração do cargo em comissão, converte-se a exoneração em desti-tuição do cargo em comissão. Nesse sentido é o parecer AGU nº GQ-35, vinculante:

22. (...) a) é compulsória a apuração das irregularidades atribuídas aos servi-dores em geral, inclusive as atribuídas aos titulares somente de cargos em co-missão, indiciando-os e proporcionando ampla defesa aos ocupantes dos últi-mos, mesmo que tenham sido exonerados, pois a lei admite a conversão dessa desvinculação em destituição de cargo em comissão (...).

Na hipótese de um servidor, após ter se aposentado, retornar ao serviço público para ocupar cargo em comissão e, nessa função, pratica irregularidade passível de aplicação de pe-na de suspensão ou demissão, fica sujeito à destituição do cargo em comissão, e não à cassação de sua aposentadoria.

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Quanto à cassação de aposentadoria, deixa-se claro, por fim, que tal penalidade en-contra, além do respaldo legal, suporte jurisprudencial, admitindo-se, por isso, sua aplicação ao inativo que cometera irregularidade enquanto estava na ativa. A cassação de aposentadoria pode ser aplicada a qualquer tipo de aposentadoria, seja por idade, tempo de contribuição, tempo de ser-viço, ou ainda, por invalidez. Destaca-se que, com a cassação de sua aposentadoria, o servidor poderá ingressar com pedido de aposentadoria junto ao Regime Geral de Previdência Social, pois seu tempo de con-tribuição deve ser computado para esse fim. Por fim, um ex-servidor (já punido com pena expulsiva) poderá ser novamente pro-cessado e sofrer nova penalidade capital caso venha à tona outras irregularidades cometidas pelo servidor quando se encontrava ativo.

12.3. REMESSA À AUTORIDADE INSTAURADORA A remessa à autoridade instauradora é o último ato da comissão e deve ser feita

após a conclusão do Relatório Final, a fim de que seja promovida a terceira e última fase do processo, qual seja o julgamento.

Importante registrar que a Lei nº 8.112/90 não estabelece um prazo para essa

remessa à autoridade instauradora, no entanto, entende-se que tal providência deve ser tomada de imediato, até porque não há razão para a comissão processante permanecer com os autos após a finalização do Relatório Final, já que não há mais medidas a serem adotadas no processo senão o julgamento.

Vejamos um exemplo: se, no âmbito da CGU, o Corregedor-Geral instaurar um PAD

em desfavor de um servidor da casa e a comissão opinar no Relatório Final pela aplicação da penalidade de suspensão por 90 (noventa) dias, o apuratório deverá ser encaminhado ao Ministro Chefe da CGU para que este profira o julgamento, conforme veremos mais detalhadamente no capítulo seguinte. O que deve ficar esclarecido aqui é o trâmite correto nesse momento. A comissão deverá sempre encaminhar o processo à autoridade instauradora informando quem tem a competência para decidir, mesmo que ela não seja a competente para julgar. Após, a autoridade instauradora encaminhará àquela imediatamente superior até chegar a quem a lei atribui o dever de efetuar o julgamento do processo.

13. JULGAMENTO Com a conclusão do Relatório Final e a entrega dos autos à autoridade instauradora, a comissão encerra a sua participação no procedimento e concluiu a segunda fase do processo: o inquérito administrativo. A partir deste momento, tem-se início a terceira e última fase do procedimento, o julgamento.

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De posse dos autos, a autoridade competente terá o prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, para proferir sua decisão249, nos termos do art. 167 da Lei nº 8.112/90. Entretanto, o julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do processo250, mas será acrescentado na contagem do prazo prescricional, conforme melhor demostrado no capítulo referente ao tema prescrição. Se, após o término dos trabalhos da Comissão e antes do julgamento do processo pela autoridade, o acusado solicitar exoneração ou aposentadoria, o pedido deverá ser sobrestado até o julgamento do processo, nos termos do art. 172 da Lei nº 8.112/90. A autoridade deverá analisar o processo disciplinar considerando dois aspectos: formal, que abrange a avaliação acerca da existência de vícios e nulidades, e material (exame de mérito e prescrição). Dessa análise poderá resultar a anulação do processo com sua consequente reinstauração, conforme dispõe o art. 169 da Lei nº 8.112/90, abaixo descrito:

Art. 169. Verificada a ocorrência de vício insanável, a autoridade que determinou a instauração do processo ou outra de hierarquia superior declarará a sua nulidade, total ou parcial, e ordenará, no mesmo ato, a constituição de outra comissão para instauração do novo processo.

Geralmente, as autoridades julgadoras submetem o Relatório Final da Comissão ao exame de seu órgão de assessoria, a quem compete emitir opinião sobre a questão formal e de mérito do processo disciplinar, que subsidiará a decisão final da autoridade. No caso de Ministros de Estado, essa avaliação está prevista em Decreto e não pode ser dispensada, conforme se verá no item seguinte. De se destacar que o julgamento e a aplicação da penalidade são atos indissociáveis, ou seja, trata-se de um único ato produzido pela autoridade competente e se materializa em um ato jurídico perfeito com a publicação da portaria de julgamento no Diário Oficial da União ou em Boletim Interno, podendo a partir de então, gerar todos os efeitos jurídicos correspondentes à apenação. No caso da pena de suspensão, pode ocorrer de a sua execução ocorrer após a publicação da portaria que determinou a punição do servidor e ser realizada por autoridade diversa da que julgou o feito – pela autoridade do local de lotação do apenado.

13.1. DA COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO A autoridade instauradora, de posse dos autos, inicialmente deverá verificar se possui competência ou não para julgar o feito. Caso a penalidade sugerida pela comissão extrapole a alçada de sua competência, os autos deverão ser encaminhados pela autoridade instauradora à autoridade competente para tanto251, sob pena de nulidade, senão vejamos:

CF - Art. 5º. LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente Art. 167. [...]

249 Art. 167 da Lei nº 8.112/90. 250 § 1º do Art. 169 da Lei nº 8.112/90 251 § 1º do Art. 167 da Lei nº 8.112/90.

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§ 1o Se a penalidade a ser aplicada exceder a alçada da autoridade instauradora do processo, este será encaminhado à autoridade competente, que decidirá em igual prazo.

De acordo com a AGU (Parecer AGU nº. GQ-177), se o processo for julgado por autoridade incompetente, o ato deve ser anulado e corrigido pela autoridade que detém a competência para julgar o servidor. De acordo com o extinto DASP, os efeitos da primeira decisão deixam de existir e prevalecem os da decisão proferida pela autoridade competente.

Parecer AGU nº. GQ-177. Ementa. (...) O julgamento de processo disciplinar de que advém a aplicação de penalidade mais branda que a cominada em lei, efetuado pela autoridade instauradora, não obsta que aquela efetivamente competente julgue e inflija a punição adequada, sem que esse ato caracterize dupla irrogação de pena, em razão de um mesmo fato ilícito.

Ainda neste momento, a autoridade instauradora também deve observar que, caso haja mais de um indiciado e a comissão tenha sugerido diversas sanções, o julgamento caberá à autoridade competente para a imposição da pena mais grave252, conforme § 2º do artigo 167 da Lei nº 8.112/90, cuja literalidade impõe que “havendo mais de um indiciado e diversidade de sanções, o julgamento caberá à autoridade competente para a imposição da pena mais grave”. Nos termos do art. 141 da Lei nº 8.112/90, as competências para julgamento dos procedimentos disciplinares levam em conta as penalidades a serem aplicadas. Quanto mais grave a sanção disciplinar a ser aplicada, maior o grau da competência exigida da autoridade que proferirá o julgamento, nos seguintes termos:

Art. 141. As penalidades disciplinares serão aplicadas: I - pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade; II - pelas autoridades administrativas de hierarquia imediatamente inferior àquelas mencionadas no inciso anterior quando se tratar de suspensão superior a 30 (trinta) dias; III - pelo chefe da repartição e outras autoridades na forma dos respectivos regimentos ou regulamentos, nos casos de advertência ou de suspensão de até 30 (trinta) dias; IV - pela autoridade que houver feito a nomeação, quando se tratar de destituição de cargo em comissão.

Vale observar que, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Presidente da República, por meio do Decreto nº 3.035/99, delegou, aos respectivos Ministros de Estado de cada pasta e ao Advogado-Geral da União, vedada a subdelegação, a competência para a aplicação das penas de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade do servidor público apenado.

Decreto nº 3.035, de 27/04/99 – Art. 1º Fica delegada competência aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União, vedada a subdelegação, para, no âmbito dos órgãos da administração pública federal direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou vinculados, observadas as disposições legais e regulamentares, especialmente a manifestação prévia e indispensável do órgão de assessoramento jurídico, praticar os seguintes atos:

252 § 2º do Art. 167 da Lei nº 8.112/90.

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I - julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores; II - exonerar de ofício os servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo ou converter a exoneração em demissão; III - destituir ou converter a exoneração em destituição de cargo em comissão de integrantes do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, níveis 5 e 6, e de Chefe de Assessoria Parlamentar, código DAS-101.4; IV - reintegrar ex-servidores em cumprimento de decisão judicial, transitada em julgado.

Entretanto, nos termos da parte final do art. 1º do mencionado Decreto, antes de praticar tais atos, essas autoridades devem submeter o feito à prévia e indispensável manifestação do respectivo órgão de assessoramento jurídico. Destaca-se que essa manifestação não possui caráter vinculativo, consoante Parecer AGU nº. GQ-177 – vinculante, segundo o qual “[...] O entendimento externado por Consultoria Jurídica, no respeitante a processo disciplinar, constitui-se em simples ato de assessoramento e não se reveste do poder de vincular a autoridade julgadora”. Geralmente, a autoridade julgadora, ao aprovar um parecer jurídico, passa a adotá-lo como fundamento de sua decisão no âmbito do processo disciplinar, de modo que a motivação de seu julgamento encontra-se na peça opinativa, nos termos do previsto no art. 50, § 1º, da Lei nº 9.784/99, abaixo transcrito:

Lei nº 9.784, de 29/01/99. Art. 50. [...] § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

Assim, no âmbito do Poder Executivo Federal, os Ministros de Estado acumulam, além da competência delegada pelo Presidente da República, a competência para aplicação de suspensão superior a 30 (trinta) dias. O art. 1º, § 2º, do Decreto nº 3.035/99, fez uma ressalva em relação aos ocupantes de cargo de natureza especial e ao titular de autarquia e fundação pública. Para esses casos, não houve delegação, sendo que, para a aplicação da penalidade de demissão a essas autoridades, o julgamento do PAD caberá ao Presidente da República. No mesmo sentido leciona Vinícius de Carvalho Madeira, in verbis:

(...) esta delegação se aplica apenas aos servidores comuns e autoridades que não sejam detentores de cargos de natureza especial (secretários-executivos dos Ministérios, por exemplo) e dos titulares de Fundações Públicas e Autarquias (Presidente do IBGE, Presidente do INSS etc.)253.

Destaca-se que a competência para julgar e aplicar penalidades é da autoridade competente da unidade de lotação do servidor à época do julgamento, ainda que as irregularidades tenham sido cometidas fora dessa sua unidade de lotação ou antes de eventual remoção ou investidura em novo cargo.

253 MADEIRA, p. 130.

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13.2. CASOS DE IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO DA AUTORIDADE JULGADORA Antônio Carlos Alencar Carvalho254, ao abordar o pressuposto da isenção e da imparcialidade da autoridade administrativa julgadora, menciona a seguinte passagem bíblica “parcialidade no julgar não é bom” (Provérbios 24:23b). O ensinamento bíblico remete ao raciocínio de que a imparcialidade do julgador deve fazer parte do senso comum, pois aquele que detém tal munus deve exercê-lo de forma isenta, sem paixões, predileções ou perseguições para nenhum dos lados, podendo ser classificada com verdadeira aberração a existência de uma autoridade julgadora contaminada pela parcialidade. No âmbito processual, objetivando garantir a necessária imparcialidade do julgador, dentre outras garantias, o Código de Processo Civil prescreve os casos de impedimento e suspeição da autoridade julgadora255. Acerca deste assunto, Elpídio Donizetti256 observa que:

O juiz tem o dever de oferecer garantias de imparcialidade aos litigantes. Não basta ao juiz ser imparcial, é preciso que as partes não tenham dúvida dessa imparcialidade. Havendo motivos que levem as partes a duvidar da lisura da atuação, deve o juiz se abster de julgar a causa, sob pena de ser recusado (art. 137).

Do mesmo modo que ocorre no âmbito da esfera civil, o Código de Processo Penal, nos artigos 252 e ss., também trata dos casos de impedimento e suspeição do órgão julgador - juiz - nos processos criminais. Na esfera administrativa não poderia ser diferente, pois assim como nos procedimentos judiciais, em que se exige a atuação imparcial do órgão julgador, nos processos administrativos punitivos também se requer a mesma garantia daqueles que atuam na seara disciplinar. Sobre essas garantias, Antônio Carlos Alencar Carvalho257 ensina que:

(...) o ordenamento jurídico pátrio capitula que as atividades em processos administrativos punitivos somente podem ser exercidas por agentes públicos com ampa isenção e independência para atuar em nome de uma Administra-ção Pública que deve sempre agir sob o ditado a impessoalidade e do trata-mento isonômicos dos seus administrados (art. 37, caput, Constituição Federal de 1988).

Entretanto, a Lei nº 8.112/90 disciplinou apenas algumas hipóteses de impedimento dos membros da comissão em relação ao acusado, vedando a participação em procedimento disciplinar servidor que seja cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau258. Em relação à autoridade julgadora, não há no Estatuto nenhum disciplinamento legal tratando dos casos de impedimento e suspeição da autoridade julgadora.

254 CARVALHO, 2008, p. 676. 255 Arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil. 256 DONIZZETI, 2011, p. 187. 257 CARVALHO, 2008, p. 677. 258 § 2º m Art. 149 da Lei nº 8.112/90;

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Considerando essa lacuna legal, aplicam-se de forma subsidiária nos procedimentos de apuração disciplinar, as causas de impedimento e suspeição elencadas na Lei nº 9.784/99. O art. 18 da referida lei trata das hipóteses de impedimento, conforme transcrito abaixo:

Art. 18. É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autori-dade que: I - tenha interesse direto ou indireto na matéria; II - tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou repre-sentante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou pa-rente e afins até o terceiro grau; III - esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou res-pectivo cônjuge ou companheiro.

Estabelece ainda o art. 19 da lei geral do processo administrativo que a autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato a autoridade competente, abstendo-se de atuar, sendo que a omissão do dever de comunicar o impedimento constitui falta grave para efeitos disciplinares.259

Art. 19. A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comuni-car o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar. Parágrafo único. A omissão do dever de comunicar o impedimento constitui falta grave, para efeitos disciplinares.

Por outro lado, considerando que a suspeição decorre de uma causa subjetiva, essas causas relativas de incapacidade não geram necessariamente o estorvo para atuar no feito, nem a obrigatoriedade de comunicar a situação à autoridade superior. Para ser reconhecida a suspeição, caso a autoridade julgadora não se dê por suspeita, o acusado deverá arguir tal obstáculo. Nesse sentido é a doutrina de Antonio Carlos Alencar Carvalho:

A diferença é que, no caso [de suspeição], inexiste o dever de declaração de ofí-cio como ocorre no impedimento, porquanto a suspeição deve ser suscitada pe-lo servidor acusado, o que, todavia, não impede que o agente público com po-der decisório tome de logo a iniciativa. A alegação de suspeição, se dela discor-dar a autoridade julgadora, deverá ser remetida à autoridade hierárquica su-perior, para decisão 260.

Os casos de suspeição estão tratados no art. 20 da Lei nº 9.784/99. O referido dispositivo legal estabelece que pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com alguns dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau. Considerando que a lei trata a suspeição como uma possibilidade, caso não seja alegada nem a autoridade se declare suspeita, o vício estará sanado.

Art. 20. Pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha ami-zade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os res-pectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.

Deve ser observado que a lei requer a caracterização da amizade íntima ou inimizade notória da autoridade julgadora em relação ao acusado para o reconhecimento da suspeição. Importante registrar que não se trata aqui da existência ou inexistência de mero contato profissional diariamente, para que seja configurada a suspeição. Esse é o posicionamento de Marcos Salles Teixeira:

259 Parágrafo único, art. 19 da Lei nº 9.784/99. 260 CARVALHO, 2008, p. 679.

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A amizade íntima pressupõe relacionamento além dos limites laborais, com vi-sitas familiares, lazer conjunto e ligação afetiva de companheirismo e preocu-pação pessoal. Por outro lado, a inimizade notória também requer um conflito que ultrapasse mera reação de baixa empatia ou mesmo antipatia, de conhe-cimento geral pelo menos dentro do ambiente da repartição 261.

Importante registrar que os pressupostos de impedimento e suspeição aplicam-se não apenas em relação à autoridade julgadora, mas a qualquer servidor ou autoridade que atue no procedimento disciplinar, como por exemplo, membro de comissão processante ou testemunha, visto que os eventuais vínculos pessoais poderão viciar a participação desses agentes no procedimento administrativo disciplinar. Por fim, ressalte-se que o incidente de impedimento ou de suspeição pode ser alegado pela autoridade julgadora ou pela defesa. No primeiro caso, o servidor excepto deve apresentar manifestação circunstanciada à autoridade julgadora, a quem caberá avaliar o caso e designar eventual substituto. Na segunda hipótese, as alegações devem ser recebidas pela Comissão, que deverá autuar em apartado, a documentação contendo a manifestação do excepto, e encaminhar à autoridade competente para manifestação e decisão.

Advirta-se que as exceções de impedimento e suspeição são incidentais e não suspendem o curso do processo. Esse procedimento encontra respaldo no arts. 111-112 do CPP, de aplicação subsidiária ao processo disciplinar.

Art. 111. As exceções serão processadas em autos apartados e não suspenderão, em regra, o andamento da ação penal.

Art. 112. O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser arguido pelas partes, seguindo-se o processo estabelecido para a exceção de suspeição.

13.3. O VALOR DO RELATÓRIO PARA O JULGAMENTO Na lógica adotada pela Lei nº 8.112/90, o trabalho realizado pela Comissão Processante, cujo resultado final está consubstanciado no Relatório Final, goza de especial proteção, determinando que o julgamento deverá acatar a mencionada peça derradeira, salvo quando contrária às provas dos autos262. Essa é a prescrição legal contida no art. 168 da Lei nº 8.112/90 e do Parecer AGU nº. GQ-135 – não vinculante, in verbis:

Lei nº 8.112/90. Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos. Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.

261 TEIXEIRA, 2014. 262 Art. 168 da Lei nº 8.112/90.

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Parecer AGU nº GQ-135, não vinculante: Ementa: Na hipótese em que a veracidade das transgressões disciplinares evidencia a conformidade da conclusão da comissão de inquérito com as provas dos autos, torna-se compulsório acolher a proposta de aplicação de penalidade.

É importante observar que no âmbito disciplinar também vige o principio do livre convencimento, ou seja, a autoridade julgadora formará seu livre convencimento a partir das provas carreadas aos autos. Dessa forma, considerando que as apurações foram corretamente realizadas e as buscas de provas esgotadas, é de se esperar que as conclusões finais lançadas pela CPAD no Relatório Final tenham levado em consideração tudo o que foi apurado e que está devidamente provado nos autos. É desse conjunto probatório, que a autoridade formará sua convicção. Entretanto, apesar de a lei privilegiar o trabalho realizado pela Comissão, determinando que a autoridade, ao proferir o julgamento, acate, em princípio, o Relatório, essa prescrição legal não é absoluta, conforme visto acima. A autoridade pode discordar das conclusões finais do Trio Processante, mas, para trilhar caminho diverso daquele apontado pela CPAD, a autoridade julgadora somente poderá adotar outro procedimento se motivar sua decisão. De outro lado, o § 4º do art. 167 da Lei nº 8.112/90 prescreve que caso seja reconhecida pela Comissão a inocência do servidor ou a ausência de prova suficiente para formar um juízo condenatório, a autoridade instauradora do processo determinará o seu arquivamento, salvo se flagrantemente contrária à prova dos autos. Caso a comissão aponte a inocência do servidor e a autoridade julgadora encontre contradição entre a conclusão e a prova dos autos, a incoerência da comissão deve ser flagrante, cristalina, não deixar dúvidas, para permitir uma decisão diferente do que foi sugerido pelo trio processante, pois, se no juízo de admissibilidade e na apuração dos fatos, vige o princípio do “in dubio pro societate”, no julgamento vigora o do “in dubio pro reo”. A AGU já se manifestou em várias ocasiões acerca da aplicação do princípio do “in dubio pro reo” na fase de julgamento do processo disciplinar. Senão vejamos:

Parecer AGU nº GQ-173, não vinculante: Ementa: A administração pode editar o ato punitivo apenas na hipótese em que esteja convencida quanto à responsabilidade administrativa do servidor a quem se imputa a autoria da infração. A dúvida deve resultar em benefício do indiciado. Parecer AGU nº GM-3, não vinculante: Ementa: [...] Incumbe à administração apurar as irregularidades verificadas no serviço público e demonstrar a culpabilidade do servidor, proporcionando seguro juízo de valor sobre a verdade dos fatos. Na dúvida sobre a existência de falta disciplinar ou da autoria, não se aplica penalidade, por ser a solução mais benigna. [...]

A autoridade julgadora também deve ficar atenta, pois caso seja verificada a ocorrência de vício insanável, a autoridade que determinou a instauração do processo ou outra de hierarquia superior deverá declarar a nulidade, total ou parcial, do procedimento e ordenar, no mesmo ato, a constituição de outra Comissão para a instauração de novo apuratório263. Ao proferir a decisão, de acordo com os apontamentos de Léo da Silva Alves264, abrem-se para a autoridade julgadora as seguintes possibilidades:

263 Art. 169 da Lei nº 8.112/90. 264 ALVES, p. 236, adaptado.

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a) concordar em parte com o relatório. Nesse caso, apesar de a autoridade reconhecer a falta disciplinar, aplica pena diferente daquela recomendada pela Comissão, abrandando ou agravando a situação do funcionário;

b) não concordar com a conclusão da comissão de aplicar sanção ou absolver o servidor. Caso seja essa a decisão, a autoridade poderá, respectivamente, absolver o acusado ou, ao contrário, aplicar punição, em confronto com a conclusão da comissão que sustentava a absolvição do indiciado;

c) não aceitar as conclusões e entender pela necessidade de refazimento dos trabalhos. A autoridade não se sente habilitada a julgar apenas com os elementos constantes dos autos, por entender que a instrução foi deficiente, as provas eram frágeis e diligências indispensáveis foram negligenciadas, isto é, não imprimiram grau de certeza à autoridade para proferir o julgamento. Nesse caso, deverá ser determinado o refazimento dos trabalhos, com a constituição de novo Trio Processante com os mesmos integrantes ou não.

Por fim, deve-se reforçar a necessidade de que, qualquer que seja a solução adotada pela autoridade, a sua decisão deverá ser motivada, sob pena de nulidade, em homenagem ao art. 2º, caput, da Lei nº 9.784/99, que determina a necessidade de motivação dos atos administrativos. Conforme lembra Léo da Silva Alves265, “[...] por ser um ato de julgamento, equipara-se o administrador público, neste particular, ao magistrado a quem a Constituição Federal deu o dever de motivar os seus julgados”. Por fim, a autoridade julgadora deve ficar atenta à razoabilidade de sua decisão, utilizando-se do equilíbrio, do senso de justiça e de bom senso para decidir, especialmente nos casos em que se deparar com condutas culposas, eventuais e escusáveis, de ínfimo poder ofensivo às normas e princípios, ou que não sejam capazes de materialmente causarem dano ao bem jurídico protegido pela regra. Vale mencionar o ensinamento de Fábio Medina Osório, in Direito Administrativo Sancionador, pg. 460, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005:

(...) Não é porque se trate [a Administração] de um ambiente profissional, onde haja deveres de informação, mais acentuados, que se desprezará o espaço aos erros razoáveis, dentro dos parâmetros técnicos reconhecidamente aplicáveis ao setor especializado. Afinal, os profissionais também erram, e de modo escusável, mesmo os maiores especialistas.

O agente público não pode se abster da percepção da falibilidade humana, seja por erro de fato (na apreciação da matéria substancial por parte do servidor), seja por erro de direito (na apreciação da normatização de regência), consoante explicitado no item 10.4.4 deste Manual.

13.4. O ACUSADO SE DEFENDE DOS FATOS Em decorrência da previsão contida no parágrafo único do art. 168 da Lei nº 8.112/90, que aponta a possibilidade de a autoridade julgadora, desde que motivadamente, agravar, abrandar ou isentar de responsabilidade o servidor acusado, entende-se que o indiciado se defende dos fatos e não do enquadramento legal.

Art. 168. (...) 265 ALVES, p. 236.

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Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.

Dessa forma, a autoridade poderá, se assim entender, enquadrar os fatos sobre os quais houve defesa em capitulação legal diferente daquela que a Comissão, eventualmente, tenha apontado. Marcos Salles Teixeira266 explica que:

(...) tem-se que esta alteração apenas de enquadramento, por força do entendimento motivado da autoridade julgadora, em regra, não configura cerceamento de defesa, pois a indiciação baseou-se sobre acusações de fato e, em consequência, o indiciado defendeu-se contra a imputação do fato e não do enquadramento legal.

No mesmo sentido já se manifestou a Advocacia – Geral da União por meio do Parecer AGU nº. GQ-121 – não vinculante, segundo o qual “(...) a omissão ou substituição de dispositivo, com vistas ao enquadramento e punição da falta praticada, não implica dano para a defesa, advindo nulidade processual, em consequência”. A ressalva que se faz em relação a este ponto é que o julgamento que eventualmente enquadre os fatos em capitulação legal diferente da apontada pela CPAD, não poderá resultar no agravamento da situação do indiciado por fatos que não constaram da indiciação, tendo em vista que, conforme já estudado anteriormente, a indiciação delimita a acusação e, portanto, não pode o servidor ser apenado por fatos sobre os quais não se formaram o contraditório e a ampla defesa. Caso a autoridade julgadora entenda necessário apreciar elementos fáticos que escaparam à indiciação, e que serão considerados na formação de convicção para o julgamento, e sobre os quais não houve defesa, a autoridade responsável deverá determinar o refazimento dos trabalhos, com nova indiciação e reabertura de prazo para defesa. Acerca dessa situação, a doutrina de Francisco Xavier da Silva Guimarães267 ensina que:

(...) o despacho de indiciamento tem por fim delimitar, processualmente, a acusação, o que significa dizer que a autoridade competente para o julgamento não poderá levar em conta fatos que não tenham sido articulados em seu contexto, sobre os quais não se estabeleceu contraditório e defesa.

Cumpre esclarecer, no entanto, que, caso o novo Trio Processante, que pode ser formado pelos mesmos membros ou outros, entenda que não há razão e elementos suficientes para indiciar o servidor por novos fatos, conforme deseja a autoridade instauradora, não há essa obrigatoriedade. Isto porque a Comissão é independente e não deve indiciar servidor algum pelo simples fato de a autoridade julgadora entender assim.

13.5. JULGAMENTO OBJETIVO PARA AS PENAS CAPITAIS Para aqueles que militam na seara do direito disciplinar, é corrente o entendimento que para as penas capitais não há possibilidade de atenuação, não havendo possibilidade de aplicação da dosimetria da pena, como é possível para as sanções de advertência e suspensão. Para as penas mais brandas, entende-se que a aplicação da dosimetria deve ser feita, até mesmo em razão do previsto no art. 128 da Lei nº 8.112/90 que determina que “na aplicação das penalidades

266 TEIXEIRA, 2014. 267 GUIMARÃES, p. 157.

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serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais”. A Advocacia-Geral da União – AGU, por meio do Parecer-AGU nº GQ-127, não vinculante, aponta exatamente no sentido da possibilidade de graduar a pena, tendo em vista a necessidade de se aferir todos os elementos relacionados no art. 128 acima mencionado, para se chegar à pena a ser aplicada. Diz o mencionado parecer que “[...] nada obstante a advertência ser a penalidade estatuída para os casos de inobservância de dever funcional, os fatores de graduação de pena, especificados no art. 128 da Lei nº 8.112 de 1990, podem justificar punição mais grave”. Ao enquadrar um ilícito em determinado dispositivo da lei durante a fase de indiciamento e em seu Relatório Final, a Comissão deve estar atenta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que devem servir de parâmetro na graduação da sanção proposta, especialmente de advertência e suspensão, pois conforme ensina Marcos Salles Teixeira, “[...] uma vez definido o enquadramento, a pena é vinculada; mas a definição do enquadramento, que antecede a vinculação da pena, esta sim é plenamente sujeita à percepção dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”. Entretanto, para os casos em que se configurarem as hipóteses previstas no art. 132 da Lei nº 8.112/90, o entendimento majoritário aponta no sentido da inadequação da aplicação do princípio da proporcionalidade para os casos de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, considerando a inexistência de comunicação entre as penas capitais e as penas de advertência e suspensão. Acerca da impossibilidade de atenuação da pena de demissão, a Advocacia-Geral da União já se pronunciou em mais de uma oportunidade, firmando o entendimento exatamente nos termos aqui expostos. Citam-se como exemplos os Pareceres – AGU nº 183 e nº 177, vinculantes, em que a AGU se manifestou nos seguintes termos:

Parecer/AGU nº GQ – 177: Ementa: Verificadas a autoria e a infração disciplinar a que a lei comina penalidade de demissão, falece competência à autoridade instauradora do processo para emitir julgamento e atenuar a penalidade, sob pena de nulidade de tal ato (...). 10. (...) Apurada a falta a que a Lei nº 8.112, arts. 132 e 134, cominam a aplicação da pena de demissão ou de cassação de aposentadoria ou disponibilidade, esta medida se impõe sem qualquer margem de discricionariedade de que possa valer-se a autoridade administrativa (...) para omitir-se na apenação. Parecer/AGU nº GQ – 183: Ementa: É compulsória a aplicação da penalidade expulsiva, se caracterizada infração disciplinar antevista no art. 132 da Lei nº 8.112/90, de 1990. [...] 7. Apurada a falta a que a Lei nº 8.112, de 1990, arts. 129, 130, 132, 134 e 135, comina a aplicação de penalidade, esta medida passa a constituir dever indeclinável, em decorrência do caráter de norma imperativa de que se revestem esses dispositivos. Impõe-se a apenação sem qualquer margem de discricionariedade de que possa valer-se a autoridade administrativa para omitir-se nesse mister. (...) 8. Esse poder é obrigatoriamente desempenhado pela autoridade julgadora do processo disciplinar (...).

Nesse mesmo sentido, é a doutrina de Vinícius de Carvalho Madeira268:

268 MADEIRA, p. 137.

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Este entendimento – confirmado em vários pareceres (v.g., GQ-177) vem do fato de que o art. 132 da Lei nº 8.112/90 diz que a demissão será aplicada nas hipóteses ali descritas. Ela não poderá ser aplicada, mas terá de ser aplicada. Ou seja, se a conduta for enquadrada pela autoridade julgadora dentre uma das hipóteses no art. 132 só há pena possível a ser aplicada – demissão –, mesmo porque este artigo diz que a pena de demissão será aplicada.

Apesar do entendimento sedimentado acerca da impossibilidade de atenuação na aplicação de penas capitais, é importante alertar o posicionamento jurisprudencial que vem sendo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ. Em recentes decisões, no entanto, há decisões contrárias à tese acima exposta. Segundo esses recentes julgados, vem-se aplicando o entendimento de que, mesmo para os casos previstos no art. 132 da Lei nº 8.112/90, a autoridade julgadora deverá sim analisar, no caso concreto, a aplicação do princípio da proporcionalidade e aplicar, se as circunstâncias permitirem, pena diferente da demissão, conforme se manifestou o Tribunal nos julgados abaixo colecionados:

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. REVELIA. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR FORMALMENTE REGULAR. APLICAÇÃO DA SANÇÃO DEMISSÓRIA À SERVIDORA PÚBLICA COM MAIS DE 30 ANOS DE SERVIÇO, SOB O FUNDAMENTO DE ABANDONO DE CARGO. ART. 132, II DA LEI 8.112/90. INOBSERVÂNCIA DA REGRA DE OURO DA PROPORCIONALIDADE. ANTECEDENTES FUNCIONAIS FAVORÁVEIS. ART. 128 DA LEI 8.112/90. ORDEM CONCEDIDA EM CONFORMIDADE COM O PARECER MINISTERIAL. Ementa: 5. Embora as sanções administrativas disciplinares aplicáveis ao Servidor Público sejam legalmente fixadas em razão da própria infração - e não entre um mínimo e máximo de pena, como ocorre na seara criminal - não está a Administração isenta da demonstração da proporcionalidade da medida (adequação entre a infração e a sanção), eis que deverá observar os parâmetros do art. 128 da Lei 8.112/90 (natureza e gravidade da infração, danos dela decorrentes e suportados pelo Serviço Público, circunstâncias agravantes e atenuantes e ainda os antecedentes funcionais). 6. Assim, incide em ilegalidade o ato demissório do Servidor Público que ostenta mais de 30 anos ininterruptos de serviço sem qualquer punição administrativa, dando-se à sua ausência ao trabalho por 42 dias (de 23.7.2007 a 3.9.2007) o valor de abandono de cargo, punível com a demissão (art. 132, II da Lei 8.112/90); as sanções disciplinares não se aplicam de forma discricionária ou automática, senão vinculadas às normas e sobretudo aos princípios que regem e norteiam a atividade punitiva no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar ou Sancionador. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 13.791 - DF (2008/0192543-9). Relator Ministro: Napoleão Nunes Maia Filho, Distrito Federal, 25 de abril de 2011. DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DELEGADO DE POLÍCIA. DEMISSÃO. UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO ROUBADO. CRIME DE RECEPTAÇÃO E UTILIZAÇÃO DOLOSA DO VEÍCULO NÃO COMPROVADOS. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. APLICAÇÃO. INDEFERIMENTO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO-OCORRÊNCIA. RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. Ementa: 3. Na aplicação de penalidade, deve a Administração observar o princípio da proporcionalidade em sentido amplo: "exigência de adequação da medida restritiva ao fim ditado pela própria lei; necessidade da restrição para garantir a efetividade do direito e a proporcionalidade em sentido estrito, pela qual se

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pondera a relação entre a carga de restrição e o resultado" (Suzana de Toledo Barros). 4. Hipótese em que se mostra desproporcional a aplicação da pena de demissão ao recorrente, Delegado de Polícia do Estado de São Paulo com mais de dezesseis anos de serviço e sem antecedentes disciplinares, por ter sido flagrado dirigindo veículo anteriormente roubado, sem que restasse comprovada no processo administrativo disciplinar a que foi submetido a prática do crime de receptação de que foi acusado ou o dolo na utilização do veículo. 5. Recurso ordinário parcialmente provido para anular a portaria de demissão e determinar a reintegração do recorrente ao cargo público, ressalvada à Administração a aplicação de penalidade de menor gravidade, pelos ilícitos administrativos já apurados, se for o caso. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança nº 25.211 – DF (2007/0225067- 6). Relator Ministro: Arnaldo Esteves Lima, Distrito Federal, 19 de maio de 2008.

Conforme se extrai dos julgamentos mencionados, o STJ vem entendendo que para a aplicação do direito sancionador, exige-se do Administrador Público a observância obrigatória de todas as garantias subjetivas consagradas no Processo Penal contemporâneo, considerando que, ao exercitar a atividade sancionatória, a Administração pratica atos materialmente jurisdicionais, não sendo cabíveis, portanto, posturas que se afastam dos postulados jurisdicionais, podendo a decisão administrativa que não atentar para esses aspectos ser considerada como autoritária e arbitrária, e portanto, nula. Entretanto, há decisões recentes da Corte Superior que corroboram o posicionamento da Advocacia – Geral da União, no sentido de que quando a conduta do investigado se amoldar às hipóteses do artigo 132 da Lei nº 8.112/90, a Administração não dispõe de discricionariedade para aplicar pena menos gravosa por trata-se de ato vinculado. Senão vejamos:

EMENTA: [...] 9. A Administração Pública, quando se depara com situações em que a conduta do investigado se amolda nas hipóteses de demissão ou cassação de aposentadoria, não dispõe de discricionariedade para aplicar pena menos gravosa por tratar-se de ato vinculado. Configurada a infração do art. 117, XI, da Lei 8.112/90, deverá ser aplicada a pena de demissão, nos termos do art. 132, XIII, da Lei 8.112/90, sob pena de responsabilização criminal e administrativa do superior hierárquico desidioso. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 15.517 – DF (2010/0131058-6). Relator Ministro Benedito Gonçalves, Distrito Federal, 18 de fevereiro de 2011. No mesmo sentido: MS 15.437/DF, Relator Ministro Castro Meira, 26 de novembro de 2010 e MS 12.200/DF, Relator Ministro Castro Meira, 03 de abril de 2012. EMENTA: [...] 3. Não está configurada afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, visto que, por força do disposto no art. 132 da Lei 8.112/90 e dos fatos apurados, à autoridade administrativa não cabia optar discricionariamente por aplicar pena diversa da demissão. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 17.515 – DF (2011/0210084-0). Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Distrito Federal, 03 de abril de 2012.

Uma vez que tal posicionamento do Superior Tribunal de Justiça se deu apenas em casos isolados, considerando a divergência dentro do próprio Tribunal e tendo em vista que a Lei nº 8.112/90 não dá espaço para que a autoridade julgadora utilize dessa dosimetria nos casos de penas capitais, esta CGU mantém o entendimento de aplicar tais penalidades quando a irregularidade praticada estiver assim capitulada. No âmbito da Administração Pública Federal, esta Controladoria considera que o entendimento esposado pelo STJ nos casos citados tem aplicação, conforme artigo 128 da Lei nº

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8112/90, para todas as penalidades, excetuando-se as previstas no artigo 132 da Lei nº 8112/90, por ser ato vinculado. Esta proporcionalidade pode ser vista quando se agrava a penalidade de advertência (art. 129 “in fine”, da Lei nº 8.112/90), ou ainda, na dosimetria da penalidade de suspensão entre 1 e 90 dias. Importante ressaltar que, pelo princípio da proporcionalidade, não se poderá deixar de aplicar penalidade, devendo o mínimo legal (advertência) ser respeitado. Do mesmo modo, um fato enquadrado em advertência ou suspensão não poderá ser agravado para demissão, sendo o artigo 132 da Lei nº 8.112/90 taxativo nos casos de demissão e cassação de aposentadoria.

14. RITO SUMÁRIO

14.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS

O Procedimento Sumário foi instituído pela Lei nº 9.527/97, que alterou alguns artigos da Lei nº 8.112/90. Este rito diferenciado do processo disciplinar tem o objetivo de promover a celeridade da demanda e garantir a economia processual. São três as transgressões disciplinares abordadas pelo rito sumário, quais sejam: o abandono de cargo, a inassiduidade habitual e a acumulação ilícita de cargos. São infrações que, pela facilidade de comprovação em razão da materialidade pré-constituída – ou seja, já há um lastro probatório robusto da irregularidade -, demandam um procedimento instrutório mais simples, tornando-se mais célere e menos complexa a sua apuração. Contudo, não impede que sua fase apuratória seja aprofundada quando necessário, como, por exemplo, diante da ocorrência de falsificação de documento, caso em que deverá ser instalado o rito ordinário. Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Mandado de Segurança nº 7.464, cuja ementa segue abaixo:

(...) III - A intenção do legislador - ao estabelecer o procedimento sumário para a apuração de abandono de cargo e de inassiduidade habitual - foi no sentido de agilizar a averiguação das referidas transgressões, com o aperfeiçoamento do serviço público. Entretanto, não se pode olvidar das garantias constitucionalmente previstas. Ademais, a Lei nº 8.112/90 - art. 133, § 8º - prevê, expressamente, a possibilidade de aplicação subsidiária no procedimento sumário das normas relativas ao processo disciplinar. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº. 7464/DF (2001/0045029-6), Relator: Ministro Gilson Dipp, Distrito Federal, 31 de março de 2003.

Denota-se que as garantias constitucionalmente previstas são os princípios do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, dentre outros. Segundo Francisco Xavier269, deve-se ter em conta que o processo possui natureza instrumental, não podendo constituir-se um obstáculo para a apuração dos fatos. Assim, nada impede a produção de provas mais consistentes quando houver necessidade. Ademais, qualquer que seja o rito processual, o processo disciplinar tem por objetivo a busca da verdade dos fatos irregulares que chegaram ao conhecimento da autoridade instauradora.

269 GUIMARÃES, fls. 133 e 134.

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A criação do rito sumário, embora realizada no ano de 1997, atendeu ao disposto no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal270, e mais recentemente pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que versa sobre a garantia constitucional da razoável duração do processo. Por meio dela, a demanda processual deve adequar-se à lide de modo a permitir a eficácia da decisão. Busca-se, deste modo, propiciar as condições necessárias para que a Administração possa se pronunciar de modo célere e eficiente em irregularidades apuradas por meio do rito sumário. A formação de comissão processante por apenas dois membros e o prazo total para apuração de até 30 dias, com possível prorrogação por até 15 dias, são peculiaridades do rito sumário, consoante determina o § 7º do art. 133 da Lei nº. 8.112/90, segundo o qual “o prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar submetido ao rito sumário não excederá trinta dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por até quinze dias, quando as circunstâncias o exigirem”. Caso seja necessário mais tempo, pode-se reconduzir a comissão por mais 30 dias prorrogáveis por mais 15 dias, e assim sucessivamente. Ocasionalmente, durante o procedimento apuratório, poderá acontecer de se constatar infração disciplinar diferente das três modalidades específicas para essa espécie de procedimento, como, por exemplo, da apuração decorrer a falta injustificada ao serviço. Nesse caso, deve-se converter o processo do rito sumário para o ordinário, com o escopo de que não haja nenhum prejuízo à defesa. Ressalte-se que não haverá nulidade da demanda quando a apuração das três infrações disciplinares específicas para o rito sumário se der em procedimento ordinário, uma vez que aquele rito favorece ainda mais a defesa do acusado.

14.2. PROCEDIMENTO: ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS A acumulação de cargos públicos está disposta na Constituição Federal, tendo como regra geral a sua vedação, salvo quando houver a compatibilidade de horário e nos casos específicos determinados pela Constituição.271 O texto constitucional enumera os casos em que é possível a acumulação. São eles:

a) inciso XVI do art. 37 dispõe sobre a regra geral aplicável a todos os agentes públicos, a saber:

a.1) a de dois cargos de professor; a.2) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; a.3) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. b) inciso I, parágrafo único do art. 95, quando versa sobre os magistrados; c) alínea “d”, inciso II do art. 128, ao regulamentar as vedações aos membros do Ministério Público. 270 LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) 271 Art.37. XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibili-dade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI. a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas

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No campo da legislação ordinária, o procedimento sumário, adotado para a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções, é regulamentado pelo art. 133 da Lei nº 8.112/90. Com efeito, quando for detectada a acumulação ilícita de cargos, deve a autoridade instauradora notificar o servidor envolvido por meio de sua chefia imediata, oferecendo ao servidor um prazo de dez dias para que este escolha um dos cargos para permanecer vinculado. Consequentemente, do cargo preterido será exonerado o servidor. Dispomos abaixo a íntegra do art. 133 do Regime Jurídico:

Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se desenvolverá nas seguintes fases: I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão, a ser composta por dois servidores estáveis, e simultaneamente indicar a autoria e a materialidade da transgressão objeto da apuração; II - instrução sumária, que compreende indiciação, defesa e relatório; III – julgamento. §1º A indicação da autoria de que trata o inciso I dar-se-á pelo nome e matrícula do servidor, e a materialidade pela descrição dos cargos, empregos ou funções públicas em situação de acumulação ilegal, dos órgãos ou entidades de vinculação, das datas de ingresso, do horário de trabalho e do correspondente regime jurídico. §2º A comissão lavrará, até três dias após a publicação do ato que a constituiu, termo de indiciação em que serão transcritas as informações de que trata o parágrafo anterior, bem como promoverá a citação pessoal do servidor indiciado, ou por intermédio de sua chefia imediata, para, no prazo de cinco dias, apresentar defesa escrita, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição, observado o disposto nos arts. 163 e 164. § 3º Apresentada a defesa, a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças principais dos autos, opinará sobre a licitude da acumulação em exame, indicará o respectivo dispositivo legal e remeterá o processo à autoridade instauradora, para julgamento. § 4º No prazo de cinco dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão, aplicando-se, quando for o caso, o disposto no § 3o do art. 167. § 5º A opção pelo servidor até o último dia de prazo para defesa configurará sua boa-fé, hipótese em que se converterá automaticamente em pedido de exoneração do outro cargo. § 6º Caracterizada a acumulação ilegal e provada a má-fé, aplicar-se-á a pena de demissão, destituição ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade em relação aos cargos, empregos ou funções públicas em regime de acumulação ilegal, hipótese em que os órgãos ou entidades de vinculação serão comunicados. § 7º O prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar submetido ao rito sumário não excederá trinta dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por até quinze dias, quando as circunstâncias o exigirem. § 8º O procedimento sumário rege-se pelas disposições deste artigo, observando-se, no que lhe for aplicável, subsidiariamente, as disposições dos Títulos IV e V desta Lei.

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Observe-se que a opção do servidor por um dos cargos acumulados ilegalmente acarretará a desnecessidade de instauração do processo disciplinar no rito sumário. Somente diante da omissão do servidor em escolher um dos cargos, a Administração terá a obrigação de instaurar o procedimento sumário. Mencionado procedimento se desenvolve por meio das respectivas fases de instauração, instrução sumária e julgamento, consoante o disposto nos incisos I, II e III do art. 133, descrito acima. Após a publicação da portaria de instauração, a comissão processante tem o prazo de três dias para realizar o termo de indiciação com a indicação da autoria (por meio do nome e número de matrícula), materialidade da infração (descrevendo cargos, empregos ou funções acumulados ilegalmente), assim como a incompatibilidade entre os horários. Constituído o Termo de Indiciação, a comissão promoverá a citação do acusado, que poderá ser pessoal ou por meio de sua chefia imediata. Após citado, o investigado terá um prazo de cinco dias para apresentar defesa escrita, sendo-lhe assegurada vista do processo na repartição. Nesse período, poderá o servidor acusado optar por um dos cargos acumulados ilicitamente, o que afastará a aplicação de penalidade, resultando apenas na exoneração a pedido do cargo preterido. É o segundo e último momento em que o servidor pode escolher um dos cargos configurando-se, ainda, a presunção de boa fé. No caso de o acusado achar-se em local incerto e não sabido, será citado por edital. Quando citado regularmente e não apresentar defesa no prazo legal, o acusado será considerado revel, devendo-se designar defensor dativo para proporcionar a defesa, consoante os artigos 163 e 164 da Lei nº 8.112/90, abaixo transcritos:

Art. 163. Achando-se o indiciado em lugar incerto e não sabido, será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa. Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, o prazo para defesa será de 15 (quinze) dias a partir da última publicação do edital. Art. 164. Considerar-se-á revel o indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo legal. § 1º A revelia será declarada, por termo, nos autos do processo e devolverá o prazo para a defesa. § 2º Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.

Com a apresentação da defesa pelo acusado ou defensor dativo, a comissão processante elaborará relatório final, que deverá contemplar uma das seguintes recomendações: a) arquivamento, quando não for verificada ilegalidade na acumulação; ou b) a aplicação de penalidade, no caso, demissão, destituição de cargo em comissão ou cassação de aposentadoria de todos os cargos acumulados, ainda que de diferentes órgãos e de esferas diversas, quando for constatada a acumulação ilícita do cargo, emprego ou função e provada a má-fé da conduta. Nessa hipótese, a autoridade julgadora do processo em que se apurou a acumulação ilícita, deverá aplicar a penalidade expulsiva ao servidor e comunicar à autoridade competente do (s) outro (s) órgão (s) ou entidade (s), seja de que esfera for (em), para as providências visando ao desligamento do servidor.

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De acordo com o Parecer GQ-145 da AGU, com o advento da Lei nº 9.527/97, que alterou a Lei nº 8.112/90, a acumulação ilegal de cargos, empregos e funções públicas não enseja a restituição dos valores auferidos como remuneração do servidor.

Parecer-AGU N° GQ-145 (Parecer vinculante, conforme art. 40 da Lei Complementar nº 73, de 10/02/93) - Ementa: Ilícita a acumulação de dois cargos ou empregos de que decorra a sujeição do servidor a regimes de trabalho que perfaçam o total de oitenta horas semanais, pois não se considera atendido, em tais casos, o requisito da compatibilidade de horários. Com a superveniência da Lei nº 9.527, de 1997, não mais se efetua a restituição de estipêndios auferidos no período em que o servidor tiver acumulado cargos, empregos e funções públicas em desacordo com as exceções constitucionais permissivas e de má-fé.

Evita-se, dessa forma, o enriquecimento sem causa do Estado, uma vez que, segundo o § 5º do art. 133, a opção realizada pelo servidor até o último dia do prazo de defesa configurará a sua boa fé. Contudo, poderá a União cobrar a restituição dos valores pagos ao servidor, acaso seja comprovado que ele não cumpriu, integralmente, a carga horária demandada pelo serviço, em razão, por exemplo, da incompatibilidade de horário. Assim, independentemente da escolha por um dos cargos, empregos ou funções, durante o processo disciplinar, e confirmando-se que o servidor, efetivamente, não trabalhou, deverá a Administração exigir a restituição dos valores pagos indevidamente. Caso o servidor não venha a optar por um dos cargos, poderá a União, além de realizar a demissão, destituição de cargo em comissão ou cassação de aposentadoria, como penalidades administrativas, impetrar ação de restituição dos valores auferidos em duplicidade nos horários efetivamente não trabalhados pelo servidor, por ser humanamente impossível realizar, por exemplo, 80 horas semanais de trabalho. Os valores devolvidos serão apenas aqueles relacionados à incompatibilidade de horário. Quanto ao aposentado, é oportuno registrar que a Lei nº 9.527/97 acresceu o § 3º ao art. 118 da Lei nº 8.112/90, considerando proibido auferir os proventos de inatividade conjuntamente com a remuneração de cargo ou emprego público, ressalvados os casos acumuláveis permitidos em lei.

Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos. § 3º Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo ou emprego público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na atividade.

A Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, acrescentou o § 10 ao art. 37, reforçando e selando a vedação do acúmulo do recebimento de proventos de aposentadoria com os vencimentos de cargos, empregos e funções da ativa, consoante se depreende da leitura do texto abaixo:

§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

Denota-se, ainda, que, pela redação do § 10, acrescido ao art. 37 da Carta Magna, houve uma pequena ampliação do rol de exceções para o servidor aposentado, sendo permitida,

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além da convencional acumulação de cargos já prevista na Constituição, a previsão de acumulação de cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, bem como de cargos eletivos.

14.3. PROCEDIMENTO: ABANDONO DE CARGO E INASSIDUIDADE HABITUAL O procedimento de rito sumário para a apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual é muito semelhante ao destinado à apuração de acumulação de cargos. Contudo, há duas distinções que merecem atenção: não há necessidade da notificação do servidor anteriormente ao início do processo, com a abertura do prazo para opção, e nem é possível a realização de nenhuma espécie de opção ao longo da apuração. Conforme o art. 140 da Lei nº 8.112/90, “na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133(...)”. O fundamento legal do rito para o abandono de cargo e para a inassiduidade habitual encontra-se nos arts. 138, 139 e 140 da Lei nº 8.112/90, abaixo transcritos:

Art. 138. Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos. Art. 139. Entende-se por inassiduidade habitual a falta ao serviço, sem causa justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período de doze meses. Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, observando-se especialmente que: I - a indicação da materialidade dar-se-á: a) na hipótese de abandono de cargo, pela indicação precisa do período de ausência intencional do servidor ao serviço superior a trinta dias; b) no caso de inassiduidade habitual, pela indicação dos dias de falta ao serviço sem causa justificada, por período igual ou superior a sessenta dias interpoladamente, durante o período de doze meses; II - após a apresentação da defesa a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças principais dos autos, indicará o respectivo dispositivo legal, opinará, na hipótese de abandono de cargo, sobre a intencionalidade da ausência ao serviço superior a trinta dias e remeterá o processo à autoridade instauradora para julgamento.

Tão logo a autoridade instauradora tenha ciência da possível ocorrência de abandono de cargo ou de inassiduidade habitual, deve providenciar a apuração por meio da publicação de portaria que constitua uma comissão com dois membros, sem a figura de um presidente. Ambas as irregularidades foram detalhadas nos itens 10.5.3.2 e 10.5.3.3. A portaria deve conter em seu texto a autoria (nome e número de matrícula do acusado) e materialidade do ilícito. No caso do abandono de cargo, a materialidade deve ser expressada pelo intervalo de dias em que o acusado não compareceu ao trabalho, e, no caso da inassiduidade habitual, deve ser demonstrada pela menção de cada um dos dias em que as faltas tiverem ocorrido. Para a configuração dos ilícitos, como já visto anteriormente, não basta à comissão comprovar a ocorrência da ausência do acusado ao trabalho. Nos casos de abandono de cargo, deve-se demonstrar a intenção do servidor de permanecer ausente durante o período faltoso, e, no caso de inassiduidade habitual, faz-se necessária a comprovação de que as faltas não foram justificadas.

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As provas destas situações devem ser constituídas anteriormente à designação da comissão, de forma que, no termo de indiciação e no relatório final, possam ser utilizadas para subsidiar as imputações e conclusões da comissão. Não obstante, a comissão pode reunir novos documentos na busca da verdade material do caso. No entanto, se a comissão julgar necessário maior produção de provas para a comprovação das irregularidades, tendo em vista as especificidades do rito sumário que podem dificultar esta atividade (ausência de presidente para conduzir atos e número par de membros, o que pode causar decisões divididas), é recomendável que seja solicitado à autoridade instauradora a conversão do procedimento para o rito ordinário, bem como a designação de nova comissão, a qual, frise-se, pode conter os membros que participaram da apuração sumária. É importante ressaltar que, devido à presunção de inocência, um servidor que tenha supostamente praticado abandono de cargo ou inassiduidade habitual pode retornar ao trabalho antes das apurações, ou mesmo durante o trâmite de um procedimento disciplinar que apure a falta. No entanto, o retorno ao trabalho do servidor que praticou um desses ilícitos não exclui o dever de a autoridade competente apurar a irregularidade:

Formulação-Dasp nº 83. Abandono de cargo. Não constitui óbice à demissão a circunstância de haver o funcionário reassumido o exercício do cargo que abandonou.

15. PRESCRIÇÃO

15.1. NOÇÕES GERAIS

A Prescrição no Direito Disciplinar é um instituto jurídico que tem por finalidade delimitar um prazo durante o qual a Administração Pública pode punir um servidor, caso seja constatado que ele praticou um ilícito administrativo-disciplinar.

Esse instituto não é exclusivo do Direito Disciplinar. Também é previsto em outros

ramos jurídicos, tais como no Direito Penal e no Direito Civil. Em todos esses segmentos, o objetivo do instituto é o mesmo: estabelecer um período para que determinada atitude (providência) seja praticada. No nosso caso, essa atitude é o exercício da pretensão punitiva da Administração em face de um servidor que tenha praticado um ilícito funcional, ou seja, a aplicação de uma penalidade disciplinar.

Destarte, evidencia-se que nosso ordenamento jurídico entende que ninguém pode

ficar à mercê de eventual aplicação de penalidade por prazo indeterminado. Ou seja, o servidor que supostamente tenha praticado o ato irregular não pode ficar aguardando indefinidamente que a Administração resolva apurar o fato e responsabilizá-lo pela infração, caso comprovada. Isso geraria certa insegurança jurídica àqueles que ocupam cargos na Administração Pública, bem como em todo o Sistema de Correição.

E quais são esses prazos de prescrição na seara disciplinar? Estão todos eles

previstos na Lei nº 8.112/90 e variam conforme a gravidade da infração praticada e a consequente penalidade aplicada. Vejamos os dispositivos da referida lei:

Artigo 142 – A ação disciplinar prescreverá:

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I – em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; II – em 2 (dois) anos, quanto à suspensão; III – em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência

15.2. INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL

Como vimos acima, a prescrição tem por finalidade estabelecer um tempo para que a Administração tome providências (apure o fato e aplique a penalidade, caso se confirme que o fato foi irregular).

Ocorre que a autoridade competente somente poderá agir quando tiver

conhecimento da suposta irregularidade. Desta forma, o prazo prescricional tem seu início apenas quando a Administração Pública, em sua esfera disciplinar, tomar ciência do fato. Com efeito, não é a partir do cometimento da irregularidade que se inicia a contagem do prazo – como no Direito Penal -, mas sim do momento em que a Administração tomou ciência do fato.

O texto da Lei nº 8.112/90 é bem claro nesse sentido, ao estabelecer, em seu artigo

142, § 2º, que “o prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido”. Esse entendimento é corroborado pela jurisprudência do STJ, já pacificada sobre o assunto, conforme se pode verificar no Agravo Regimental em Recurso em Mandado de Segurança nº 29.547.

Naquela oportunidade, o fenômeno prescricional encontrava-se no centro do debate. Segundo a agravante - servidora pública do Estado de São Paulo -, os fatos sob apuração em procedimento disciplinar já estariam acobertados pela prescrição, pois a contagem de tal prazo se inicia a partir do cometimento do fato, e não da ciência do mesmo pela Administração Pública.

O Relator, o Ministro Celso Limongi – desembargador convocado do TJ/SP, externou

seu posicionamento perante a Sexta Turma do STJ em sentido diametralmente oposto ao defendido pela servidora e seu advogado, posição que acabou sendo corroborada pelos demais integrantes do Colegiado. A ementa do Acórdão dispõe o seguinte:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. INFRAÇÃO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DA ADMINISTRAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. CONHECIMENTO DO FATO PELA ADMINISTRAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Consoante jurisprudência firme do STJ, na hipótese em que se contempla comportamento passível da sanção de demissão do servidor público por parte da Administração, considera-se como termo inicial para a contagem do prazo prescricional para instauração de processo administrativo o conhecimento do fato pela Administração e não da sua ocorrência. 2. Na espécie, a Administração teve conhecimento dos fatos em 12/08/2005, por comunicado da Caixa Econômica Federal. No ano de 2005, abriu-se sindicância. O PAD fora, efetivamente, instaurado em 23/10/2007. Por isso, não está caracterizada a prescrição para Administração apurar os fatos imputados à recorrente, ora agravante. 3. Agravo Regimental a que se nega provimento (grifo nosso). BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso em Mandado de Segurança nº 29547/MT (2009/0091451-9), Relator Ministro Celso Limongi, Mato Grosso, 06 de dezembro de 2010.

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No texto do referido acórdão, verifica-se na parte inicial do relatório que somente após aproximadamente quatorze anos dos fatos praticados é que a autoridade administrativa iniciou a investigação. Para a defesa, isso seria motivo para o reconhecimento da prescrição punitiva, pois, segundo a agravante, o início do prazo de prescrição corresponde à data do fato.

No entanto, em seu voto, o desembargador foi de encontro a esse entendimento.

Destacou que “ao contrário do sustentado pela agravante, a jurisprudência do STJ é assente em afirmar que a prescrição da pretensão punitiva da Administração tem por termo inicial a data em que a autoridade competente teve conhecimento dos fatos”.

Em reforço a esse posicionamento, o Relator trouxe aos autos outro julgado do

Superior Tribunal de Justiça, e que, pela didática do seu texto, reproduz-se abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. INTERREGNO SUPERIOR A CINCO ANOS ENTRE O CONHECIMENTO DOS FATOS PELA ADMINISTRAÇÃO E A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR VÁLIDO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO SANCIONATÓRIA. PROCESSO DISCIPLINAR ANTERIOR DESPROVIDO DE EFEITOS EM RAZÃO DA DECLARAÇÃO DE SUA NULIDADE. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. O poder-dever de a Administração punir a falta cometida por seus Funcionários não se desenvolve ou efetiva de modo absoluto, de sorte que encontra limite temporal no princípio da segurança jurídica, de hierarquia constitucional, uma vez que os administrados não podem ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade originada do poder disciplinar do Estado, além de que o acentuado lapso temporal transcorrido entre o cometimento da falta disciplinar e a aplicação da respectiva sanção esvazia a razão de ser da responsabilização do Servidor supostamente transgressor. 2. O art. 142 da Lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União) funda-se na importância da segurança jurídica no domínio do Direito Público, instituindo o princípio da inevitável prescritibilidade das sanções disciplinares, prevendo o prazo de cinco anos para o Poder Público exercer seu jus puniendi na seara administrativa. 3. Reluz no plano do Direito que, a anulação do Processo Administrativo implica na perda da eficácia de todos os seus atos, e no desaparecimento de seus efeitos do mundo jurídico, o que resulta na inexistência do marco interrupto do prazo prescricional (art. 142, § 3º da Lei 8.112/90), que terá como termo inicial, portanto, a data em que a Administração tomou conhecimento dos fatos. 4. Transcorridos mais de cinco anos entre o conhecimento da existência de falta pela autoridade competente e a instauração do segundo Processo Administrativo Disciplinar (que declarou a nulidade do primeiro), deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva do Estado. 5. Ordem concedida, em conformidade com o parecer Ministerial. (grifo nosso) BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 13242/DF, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Distrito Federal, 19 de dezembro de 2008.

Também o extinto Departamento do Serviço Público – DASP exarou

posicionamento sobre o assunto, conforme Formulação DASP nº 76, ainda em vigor: “A prescrição, nas infrações disciplinares, começa a correr do dia em que o fato se tornou conhecido”.

As razões consignadas nas linhas anteriores apenas indicam os contornos iniciais

deste ponto da matéria, sendo necessário um maior aprofundamento, com o intuito de que se esclareçam todos os aspectos relativos ao início do prazo prescricional, tema que constantemente desperta a atenção dos aplicadores do Direito Disciplinar, tendo em vista que a norma não esclarece de quem deve ser o conhecimento do fato para que a prescrição tenha início (se da autoridade competente para determinar a apuração dos fatos, se de qualquer autoridade ou se de qualquer servidor).

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Muitas vezes, a irregularidade praticada encontra-se materializada em um

documento padrão que tramita por diversos setores da repartição. Assim, indaga-se: a mera ciência dos dirigentes (diretores, presidentes do órgão, etc.) quanto à existência do documento é suficiente para deflagrar o lapso prescricional? A resposta é negativa. Isso porque, não obstante a ciência acerca da existência do documento, não se tinha conhecimento acerca do vício nele contido. É preciso ter ciência da irregularidade descrita no documento.

Outro ponto que merece destaque é atinente a qual autoridade dentro da estrutura

da Administração deve ter ciência do fato para que se inicie o prazo prescricional. Destarte, tal questionamento surge do fato que os Órgãos públicos são compostos e representados por pessoas. Então, quem deve ter conhecimento da irregularidade para que a prescrição comece a correr?

Sobre esse assunto, a Lei nº 8.112/90 não foi muito clara. Vejamos novamente o

texto legal do art. 142, § 1º, segundo o qual “o prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido”.

Como vemos, não há menção a qual pessoa, dentro do órgão, deve ter conhecimento

do fato para que o prazo prescricional seja iniciado. Ocorre que os entes que compõem a Administração Pública são representados por seus diretores e presidentes. São eles, portanto, que tomam as decisões em nome do Órgão e determinam as providências que entendem necessárias para o seu bom funcionamento, incluindo aí as medidas relacionadas com assuntos disciplinares.

Levando-se em conta a finalidade do instituto da prescrição – ponto ventilado

acima, no sentido de que tem como escopo punir a Administração Pública por sua morosidade em apurar determinado ilícito administrativo-disciplinar e aplicar a consequente penalidade funcional - tem-se que somente com a ciência pelas autoridades do órgão é que se pode ter início a contagem do prazo prescricional. Afinal, somente os ocupantes daqueles cargos possuem os poderes institucionais necessários para tomar as providências adequadas diante de um ilícito funcional, seja para determinar a deflagração do processo disciplinar, seja para comunicar a autoridade competente para tanto, conforme detalhado adiante.

Os servidores públicos, em geral, não possuem poderes para dar andamento a

qualquer apuratório disciplinar. A eles cabe, apenas, o dever de levar ao conhecimento das autoridades que administram o órgão o suposto fato irregular. Isso é um dever funcional de qualquer servidor, conforme texto legal lapidado nos artigos 116, incisos VI e XII da Lei nº 8.112/90. Vejamos:

Art. 116 – São deveres do servidor: VI – levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo; XII – representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.

Portanto, do que foi exposto até aqui, concluímos que não é a partir da ciência por

qualquer servidor público do Órgão que tem início a contagem do prazo prescricional disciplinar, tendo em vista a ausência de competência legal para deflagrar procedimento apuratório. Somente as autoridades que administram e que ocupam cargos de relevância dentro do órgão é que possuem essa atribuição.

Já sabemos que é a partir da ciência de autoridade do órgão que se inicia o prazo

prescricional. Mas de qual autoridade estamos falando? Será que é a partir da ciência da irregularidade por qualquer autoridade? Como já sabemos, o texto da lei é silente a esse respeito.

Para descobrirmos as respostas às perguntas acima, precisamos sempre levar em

consideração as finalidades do instituto prescricional: propiciar segurança jurídica ao sistema e

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punir a inércia da Administração, que, mesmo sabendo de suposto ilícito funcional, nada faz, em tempo razoável, para esclarecer e apenar os servidores envolvidos.

Ressalte-se, que a Lei nº 8.112/90, no seu artigo 143, trouxe uma obrigação a

determinado gestor, no sentido de que ao tomar conhecimento de uma irregularidade, deverá obrigatoriamente abrir um PAD ou sindicância para apuração de forma imediata. Assim sendo, se o legislador trouxe uma obrigação legal a esta autoridade, também trouxe de outro lado, a prescrição. Esta autoridade somente pode ser aquela que tem o poder de instaurar o PAD, ou seja, a Autoridade Instauradora.

Nesse sentido é o entendimento da AGU, exarado no Parecer nº GQ-55, vinculante

para a Administração, interpretado mais recentemente pela Nota Decor/CGU/AGU nº 208/2009, acatada pelo Despacho-CGU/AGU nº 14/2009 do Consultor-Geral da União, e aprovado por Despacho do Advogado-Geral da União, a saber:

Parecer AGU nº GQ-55, vinculante: (...) 19. A inércia da Administração somente é suscetível de se configurar em tendo conhecimento da falta disciplinar a autoridade administrativa competente para instaurar o processo. Considerar-se a data da prática da infração como de início do curso do lapso temporal, independentemente do seu conhecimento pela Administração, sob a alegação de auditagens permanentes, beneficiaria o servidor faltoso, que se cerca de cuidados para manter recôndita sua atuação antissocial, viabilizando a mantença do proveito ilícito e a impunidade, bem assim não guardaria conformidade com a assertiva de que a prescrição viria inibir o Estado no exercício do poder-dever de restabelecer a ordem social, porque omisso no apuratório e apenação. (grifou-se) Nota Decor/CGU/AGU nº 208/2009 - NMS – Ementa: [...] 2. Referido parecer normativo não tratou da questão de qual autoridade deveria ter conhecimento da falta disciplinar para delimitar o marco inicial da contagem do prazo de prescrição da ação disciplinar. Por esta razão, não houve seu descumprimento. 3. Com relação ao momento em que começa a contagem do prazo de prescrição da ação disciplinar, com base no art. 142, § 1º, da Lei nº 8.112, de 1990, na doutrina e na jurisprudência, este começa a correr da data em que o fato se torna conhecido da Administração. A partir do conhecimento da irregularidade pela Administração, começa a fluir o prazo de prescrição da ação disciplinar, que se interrompe com a abertura de sindicância ou de processo administrativo válidos. Sindicância investigativa ou processo administrativo disciplinar anulado não interrompem o curso desse prazo, que volta a ser contado por inteiro.

Insta salientar, ademais, que, no Direito Administrativo, o poder disciplinar decorre

do poder hierárquico. Dito em outros termos, as providências devem ser tomadas pelo superior hierárquico do servidor que cometer o ilícito administrativo-disciplinar. Cabe ao superior do servidor que cometeu a infração tomar as medidas cabíveis, a fim de que os fatos sejam apurados.

Em muitas instituições públicas o regimento interno prevê que a competência para

a instauração do procedimento está centralizada na autoridade máxima. Isso não retira do superior hierárquico do servidor a responsabilidade de agir e levar adiante os fatos, ao conhecimento da autoridade máxima, para que sejam esclarecidos e instaurado o devido processo administrativo.

Em resumo, temos que o conhecimento da irregularidade pela autoridade máxima

do Órgão faz com que se inicie a contagem do prazo prescricional quando ela for competente para determinar as apurações ou para cientificar a autoridade instauradora acerca da existência de um ilícito funcional. Quanto a esse último caso, já se manifestou o STJ nos autos dos Mandados de Segurança nº 14.446-DF e nº 11.974-DF, respectivamente, in verbis:

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Ementa: A Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento de que o termo inicial do prazo prescricional da Ação Disciplinar é a data em que o fato se tornou conhecido da Administração, mas não necessariamente por aquela autoridade específica competente para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar (art. 142, § 1º da Lei 8.112/90). Precedentes. 4. Qualquer autoridade administrativa que tiver ciência da ocorrência de infração no Serviço Público tem o dever de proceder à apuração do ilícito ou comunicar imediatamente à autoridade competente para promovê-la, sob pena de incidir no delito de condescendência criminosa (art. 143 da Lei 8.112/90); considera-se autoridade, para os efeitos dessa orientação, somente quem estiver investido de poder decisório na estrutura administrativa, ou seja, o integrante da hierarquia superior da Administração. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 14.446-DF (2009/0121575-7), Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Distrito Federal, 13 de dezembro de 2010. Ementa: O art. 142 da Lei nº 8.112/90 - o qual prescreve que „O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido‟ - não delimita qual autoridade deverá ter obtido conhecimento do ilícito administrativo. Dessa forma, não cabe ao intérprete restringir onde o legislador não o fez. Desse modo, é razoável entender-se que o prazo prescricional de cinco anos, para a ação disciplinar tendente à apuração de infrações puníveis com demissão ou cassação de aposentadoria, comece a correr da data em que autoridade da administração tem ciência inequívoca do fato imputado ao servidor, e não apenas a partir do conhecimento de tais irregularidades pela autoridade competente para a instauração do processo administrativo disciplinar. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 11.974-DF (2006/0133789-1), Relatora Ministra Laurita Vaz, Distrito Federal, 07 de maio de 2007.

Outrossim, é imperativo destacar que é possível que um documento, com o relato

das irregularidades cometidas por determinado servidor, seja protocolizado no gabinete da autoridade. Nessa situação, o início da contagem do prazo de prescrição se daria quando a autoridade tiver recebido o documento e tomado ciência da irregularidade, consoante dito anteriormente.

A regra acima é geral para a maioria dos casos. No entanto, existem diversas outras

formas de as irregularidades chegarem ao conhecimento da Administração Pública. Deste modo, é oportuno tecer algumas considerações acerca destes outros instrumentos e meios que também têm aptidão para deflagrar o início da contagem para a incidência do fenômeno prescricional.

O primeiro deles é quanto aos relatórios de auditoria. Muitas vezes, as

irregularidades são primeiramente aventadas por meio de trabalhos dos auditores, seja da auditoria interna ou mesmo de auditorias externas, feitas pela CGU e pelo TCU.

Nesses casos, os auditores têm contato com os supostos fatos irregulares durante os

trabalhos de campo. Esse contato inicial não tem o condão de iniciar a contagem do prazo prescricional, considerando que os auditores não se enquadram como autoridades, no sentido visto acima.

Terminados os trabalhos de auditoria, são lavrados os relatórios, onde constam

todas as supostas irregularidades encontradas. Esse relatório é encaminhado à autoridade competente para determinar as apurações no órgão, oportunidade em que, pode-se afirmar, há o início da contagem do prazo prescricional.

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Outro caso que merece destaque é quanto a novas irregularidades reveladas nos trabalhos de eventual comissão disciplinar. Pode ocorrer que, no curso de procedimento correcional, o colegiado venha a se deparar com novas irregularidades, acerca das quais, inicialmente, não se tinha conhecimento.

Nesse caso, se a irregularidade tiver conexão com os fatos sob apuração no

procedimento disciplinar em que foram descobertas, deve a Comissão apurá-los também, naqueles mesmos autos. A única diferença entre os fatos - fato inicial que deu origem ao processo disciplinar e o fato revelado no decorrer dos trabalhos - é que o prazo prescricional do segundo tem início a partir da data da ciência pela comissão. É relevante notar que, como já há procedimento instaurado, e de acordo com o que veremos mais adiante, o prazo de prescrição pode se encontrar paralisado em sua marca inicial por determinado lapso de tempo a partir da data em que foi conhecido pelo colegiado.

De outro modo, caso o fato conhecido pela Comissão no decorrer dos trabalhos não

guarde conexão com os fatos que estão sob sua responsabilidade apurar, então tal irregularidade deve ser levada ao conhecimento da autoridade instauradora para as providências cabíveis. É a partir dessa comunicação que se considera iniciado o prazo de prescrição.

Se a notícia acerca das supostas irregularidades for divulgada na imprensa,

presume-se o conhecimento de todos (inclusive das autoridades do órgão) na data da sua divulgação. Mas essa presunção só é válida para aqueles veículos de imprensa de âmbito nacional, ou que sejam de grande divulgação em determinados Estados da Federação, onde as irregularidades foram descobertas. Outros veículos, de menor divulgação (com público muito restrito), não têm o condão de deflagrar a contagem do prazo de prescrição.

Por fim, destaca-se a competência da CGU para apurar responsabilidade de

servidores por ilícitos praticados no âmbito da Administração Pública Federal, conforme dispõem a Lei nº 10.683/2003, e os Decretos nº 5.480/2005 e nº 8.109/2013.

Com isso, em virtude dessa competência concorrente com a denominada autoridade

competente, e da necessária existência de um único prazo de prescrição para determinado ilícito, a data em que o fato se tornou conhecido pela primeira das duas entidades competentes (autoridade ou Controladoria-Geral da União), deve ser considerada o termo inicial do prazo prescricional.

15.2.1. PRESCRIÇÃO ANTES DE INSTAURAR O PROCESSO DISCIPLINAR – PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA

O processo disciplinar tem como objetivo esclarecer os fatos, buscar a verdade

material ou real, e não punir. Com isso, ainda que a análise quanto ao cabimento do processo disciplinar se desse após o vencimento do prazo de prescrição e, portanto, já extinta a punibilidade, a Administração poderá decidir pela instauração e apuração das supostas irregularidades.

A AGU, por meio da Nota Decor/CGU/AGU nº 73/2009-MCL, aprovada pelo

Despacho-CGU/AGU nº 1.938/2009, do Consultor-Geral da União, entendeu no mesmo sentido:

Nota Decor/CGU/AGU nº 163/2008-PCN: [...] 31. Face ao exposto, conclui-se que a prescrição da pretensão punitiva da Administração Pública Federal não constitui causa prejudicial à instauração de Processo Administrativo Disciplinar para fins de apurar infração funcional imputada a servidor público. 32. Em que pese não haver obrigatoriedade de instauração de PAD, a autoridade não se encontra isenta de apurar os fatos imputados ao servidor a

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fim de que seja constatada a sua existência, autoria e o elemento subjetivo da conduta ilícita, o que poderá se dar pormeio de mera sindicância, assegurando-se o contraditório e ampla defesa quando houver registro nos assentamentos funcionais do servidor a respeito da extinção da punibilidade pela prescrição (art. 170, da Lei nº 8.112/90). 33. Caso a infração seja capitulada como crime, deverão os autos ser remetidos para o Ministério Público, a fim de que adote as providências cabíveis (art. 172, da Lei nº 8.112/90). Constatado dano ao erário ou a terceiros, os autos deverão ser encaminhados ao órgão responsável para o ajuizamento da competente ação ordinária, face à imprescritibilidade da ação de responsabilização do servidor público (art. 37, § 5º, da Constituição Federal e art. 122, da Lei nº 8.112/90).

Ocorre que o art. 52 da Lei nº 9.784/1999, segundo o qual “O órgão competente

poderá declarar extinto o processo quando exaurida sua finalidade ou o objeto da decisão se tornar impossível, inútil ou prejudicado por fato superveniente”, dispõe que a Administração pode deixar de exercer seu direito de agir e não instaurar um processo disciplinar cuja punibilidade se encontra prescrita. Nesse caso, recomenda-se que fundamente sua decisão nos princípios da legalidade, da oficialidade, da busca da verdade material, da eficiência e do interesse público.

Em relação a não instauração em razão da prescrição para a aplicação de penas

expulsivas, a decisão da autoridade poderá encontrar respaldo legal no art. 52 da Lei nº 9.784/1999 e no Enunciado nº 04, de 04/05/2011, da Comissão de Coordenação de Correição, abaixo transcrito:

Enunciado CGU/CCC nº 4, de 04/05/11: Prescrição. Instauração. A Administração

Pública pode, motivadamente, deixar de deflagrar procedimento disciplinar, caso verifique a ocorrência de prescrição antes da sua instauração, devendo ponderar a utilidade e a importância de se decidir pela instauração em cada caso.

Entretanto, diante de períodos de tempo inferiores e, ou de indícios de cometimento

de irregularidades menos graves, para as quais é cabível a aplicação das penalidades de advertência ou suspensão, recomenda-se instaurar o processo disciplinar no caso de prescrição dessas penalidades, tendo em vista que a apuração dos fatos poderá resultar no descobrimento de outros ilícitos mais graves e que, a princípio, não foram identificados. Além disso, esse ilícito poderá ter repercussão criminal, caso em que a prescrição deverá ser computada de acordo com as regras estabelecidas na lei penal, ou repercussão civil.

15.3. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL

Vimos que o prazo prescricional é o lapso temporal dado à Administração para aplicar a penalidade ao servidor que, comprovadamente (através de procedimento disciplinar com contraditório), tenha cometido um ilícito administrativo-disciplinar.

Também restou claro que o prazo prescricional tem início a partir da ciência da

irregularidade pela autoridade competente, que deve tomar as providências necessárias para a instauração de procedimento disciplinar. É importante destacar que é um dever da autoridade competente tomar essas medidas para a apuração dos fatos, caso contrário poderá responder por sua omissão, , consoante dispõe o art. 169, § 2º (“a autoridade julgadora que der causa à prescrição de que trata o art. 142, § 2º, será responsabilizada na forma do Capítulo IV do Título IV”).

Saliente-se que o Capítulo IV do Título IV da Lei nº 8.112/90 a que faz menção o

artigo acima trata das “Responsabilidades” a que está sujeito o “servidor”, termo este aqui

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empregado no sentido amplo, abarcando, também, as autoridades do órgão que ocupem, tão-somente, cargos em comissão. A denominação “Responsabilidades” abrange as esferas cível, criminal e administrativa. Assim, se alguma autoridade der causa à prescrição disciplinar, poderá responder nessas três esferas.

Feita essa breve anotação acerca da responsabilidade da autoridade que der causa à

prescrição, voltamos ao tema que ora nos ocupa. Tomadas as devidas providências pela autoridade instauradora, a portaria então é

finalmente publicada. A partir daquele momento se considera instaurado o procedimento disciplinar.

Se o procedimento instaurado tiver natureza acusatória – com a consequente

oportunidade ao servidor que cometeu o ilícito de se defender nos autos – pode-se afirmar que ocorre a interrupção do fluxo do prazo prescricional. Dito em outros termos, somente com a instauração de sindicância com contraditório, também chamada de “sindicância punitiva”, ou de processo administrativo disciplinar, em qualquer de suas modalidades, seja no rito ordinário ou sumário, é que a prescrição é interrompida.

Sindicâncias meramente investigativas, também chamadas de sindicâncias

inquisitoriais, não são capazes de interromper o andamento do prazo de prescrição. Esse entendimento, que outrora já foi objeto de posicionamentos diversos dentro do Poder Executivo Federal, foi uniformizado mediante o Enunciado CGU nº 01, aqui novamente transcrito:

PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. O processo administrativo disciplinar e a sindi-cância acusatória, ambos previstos pela Lei nº 8.112/90, são os únicos proce-dimentos aptos a interromper o prazo prescricional.

Tal posicionamento foi lavrado no âmbito da Comissão de Coordenação e Correição, instância colegiada de função consultiva que possui o objetivo de uniformizar entendimentos afetos à matéria correcional no âmbito do Poder Executivo Federal.

Os procedimentos prévios adotados por alguns órgãos públicos antes da instauração

do procedimento disciplinar também não têm esse condão. Referimo-nos àqueles processos administrativos que têm como escopo a busca de maiores informações ou oportunizam que o servidor preste esclarecimentos prévios em relação a certos fatos.

São procedimentos que podem ser de grande valia, a depender do caso concreto,

visto que visam a preservar a imagem do servidor e não colocá-lo no polo passivo do procedimento correcional, sem que haja indícios suficientes de autoria e materialidade da suposta infração disciplinar.

Enfatizamos, porém, que esses procedimentos prévios, justamente por não terem a

capacidade de interromper o fluxo do prazo prescricional, não devem ser adotados em todos os casos. Somente quando não haja indícios de autoria e materialidade é que devem auxiliar as autoridades instauradoras quanto ao juízo de admissibilidade.

Portanto, do que foi exposto até esse momento, tem-se que o prazo prescricional é

interrompido com a publicação da portaria que determina a instauração de procedimento disciplinar com contraditório. Procedimento prévio, instaurado para levantar maiores indícios quanto à autoria e materialidade, não tem a capacidade de interromper esse prazo. Nem mesmo a sindicância investigativa, que se assemelha ao inquérito policial - no sentido de não oportunizar o contraditório - interrompe a prescrição. Somente procedimentos disciplinares com contraditório a interrompem.

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Não obstante a expressão “interrupção do prazo prescricional” dar uma ideia do que ela significa, é necessário aprofundarmos o tema. Isso porque o sentido comum da palavra “interrupção” não coincide completamente com a acepção técnica aqui em estudo.

Para o Direito Disciplinar, “interrupção do prazo prescricional” significa que tal

prazo, que antes da instauração transcorria normalmente, retorna à estaca zero, como se nunca tivesse transcorrido sequer um dia. Além disso, essa interrupção também congela esse prazo na estaca zero.

Portanto, a “interrupção” aqui sob análise possui dois efeitos: ela apaga o tempo

transcorrido desde o conhecimento do fato, zerando a contagem do prazo prescricional – frise-se que tal fenômeno não afasta a possibilidade de que o lapso transcorrido seja considerado na avaliação de eventual prescrição do ilícito antes da instauração do processo -; e, além disso, esse prazo prescricional é “congelado” na estaca zero.

Todavia, o efeito da interrupção do transcurso do lapso prescricional ocorre por prazo determinado. A Lei nº 8.112/90 tratou do assunto, mas a redação do dispositivo legal relativo à matéria não é suficiente para que se compreenda o tema em sua plenitude. Com efeito, o artigo 142, § 3° diz que “a abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente”.

A leitura isolada do texto legal acima reproduzido conduz ao entendimento que a

interrupção poderia perdurar até a finalização do procedimento. Contudo, já é pacífico em nossos tribunais e na doutrina que tal fenômeno irá ocorrer por prazo determinado.

A Advocacia – Geral da União tratou do assunto em seu Parecer AGU nº. GQ-144 –

não vinculante, cujo entendimento foi confirmado no Parecer AGU nº. GQ-159 – vinculante, abaixo transcritos:

Parecer AGU nº GQ-144, não vinculante: [...] 7. Em harmonia com os aspectos de que o art. 142 destina-se a beneficiar o servidor e o respectivo instituto da prescrição objetiva imprimir estabilização às relações que se estabelecem entre a administração e os servidores públicos, obstando que se perpetue a viabilidade da sanção disciplinar, é válido asserir que: a) interrupção do curso do prazo prescricional, como estatuída no § 3º, ocorre uma só vez quanto ao mesmo fato. Na hipótese em que a comissão não tenha concluído seus trabalhos no prazo estipulado e, por esse motivo ou outro qualquer, imponha-se a continuidade da investigação, a instauração de outro processo não terá o condão de novamente interromper o prazo prescricional; b) a ´decisão final´, capaz de fazer cessar a interrupção do prazo, é adstrita ao primeiro processo disciplinar válido, não se aproveitando a proferida noutro que, por qualquer razão, se tenha instaurado para dar seguimento à apuração do mesmo fato. Não ultimada a averiguação da falta, na data do término do prazo, incluído o dilatório, portanto, carecendo o processo de ´decisão final´, exaurem-se os efeitos da instauração e cessa a interrupção do transcurso do período prescricional, recomeçando a contagem de novo prazo, por inteiro [...]. Parecer AGU nº GQ-159, vinculante. [...] 9. Assim sendo, torna-se apropriado realçar os fundamentos da juridicidade da orientação supra (...). É ilação indutiva do raciocínio de que o término dos prazos de averiguação da falta, incluído o dilatório, e de julgamento, destarte, carecendo o processo de ´decisão final´, cessa a interrupção do transcurso do período prescricional, reiniciando a contagem de novo prazo, por inteiro.

Em muitos casos, e por diversos motivos, o procedimento disciplinar protrai-se no

tempo, o que gera uma situação de grande insegurança jurídica, prejudicando principalmente o

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servidor que se encontra no polo passivo do processo. Tal fato poderia até prejudicar a carreira e imagem do acusado, fazendo com que seja preterido na ocupação de determinados cargos de chefia.

Diante dessa situação, deve-se fazer uma releitura do artigo acima, harmonizando-o

com o ordenamento jurídico como um todo, principalmente respeitando os ditames da nossa Carta Maior. É justamente nela que se encontra um relevante fundamento para a mitigação/relativização do contido no § 3º do artigo 142 da lei que rege os servidores públicos federais. Com a alteração de seu texto, provocada pela Emenda Complementar nº 45, de 30/12/2004, incluiu-se o inciso LXXVIII ao artigo 5º, com o seguinte teor:

Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi-lidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razo-ável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua trami-tação.

Ocorre que, para se efetivar o disposto no inciso supramencionado, necessário se faz que os prazos prescricionais não permaneçam interrompidos indefinidamente. Ou seja, é preciso que a prescrição volte a transcorrer. Isso faz com que a Administração Pública seja mais célere e adote as medidas necessárias visando finalizar a apuração e eventual responsabilização dos envolvidos. Portanto, o conteúdo do artigo 142, § 3º da Lei nº 8.112/90 deve ser relativizado, para que sua interpretação esteja em harmonia com nosso sistema jurídico. Assim, a interrupção do prazo prescricional não se dá até a finalização do procedimento, e sim por um prazo considerado razoável. Resta agora identificar tal prazo. A doutrina e a jurisprudência entendem que é razoável o prazo prescricional permanecer “congelado” em seu marco inicial durante o prazo máximo da portaria inaugural, somado ao prazo máximo da portaria de prorrogação e ao tempo dado pela lei para a autoridade julgar o processo. Essa conclusão dos tribunais considera a redação do caput do artigo 152 da Lei nº 8.112/90, segundo o qual o “prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem”.

Entende-se que a lei, ao dizer que o PAD “não excederá” os sessenta dias, somados aos outros sessenta da prorrogação estabeleceu um prazo não terminativo do procedimento. A extrapolação desse prazo legal não impede que o apuratório tenha continuidade. Devemos lembrar que prevalece na seara correcional o princípio da verdade material, sendo necessário que a Administração apure até o fim os fatos tisnados por supostas irregularidades. Todavia, a consequência de se extrapolar o prazo fixado no artigo 152 seria, justamente, o retorno do fluxo da prescrição, pois o prazo que a lei entende como razoável para a finalização do procedimento se exauriu.

O entendimento acima é, atualmente, o que prevalece no STF e no STJ. Como

exemplo, trazemos o Acórdão do STF lavrado no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 23.436-2/DF, cujo Relator foi o Ministro Marco Aurélio. De seu voto, destaca-se:

Inconcebível é que se entenda, interpretando os preceitos da Lei nº 8.112/90, de 11 de dezembro de 1990, que, uma vez aberta a sindicância ou instaurado o

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processo disciplinar, não se cogite mais, seja qual for o tempo que se leve para a conclusão do feito, da incidência da prescrição. É sabido que dois valores se fazem presentes: o primeiro, alusivo à Justiça, a direcionar à possibilidade de ter-se o implemento a qualquer instante; já o segundo está ligado à segurança jurídica, à estabilidade das relações e, portanto, à própria paz social que deve ser restabelecida num menor espaço de tempo possível. Não é crível que se ad-mita encerrar a ordem jurídica verdadeira espada de Dâmocles a desabar so-bre a cabeça do servidor a qualquer momento.

O Ministro também cita passagem de voto do então Ministro Ilmar Galvão no

Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 21.562-7/DF, em que se afirma que a norma contida no artigo 142, § 3º deve ser revista, caso contrário o direito de punição do servidor tornar-se-ia imprescritível.

Exposta a problemática, ele passa a discutir qual seria a melhor interpretação da

norma em questão, chegando-se à conclusão de que tal dispositivo deve ser lido em conjunto com o disposto no caput do artigo 152, que se refere ao prazo máximo para a conclusão do processo administrativo disciplinar:

A teor do disposto no artigo 152 da Lei nº 8.112/90, “o prazo para conclusão do processo disciplinar não excederá 60 dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem”. Nota-se já aqui período igual a 120 dias para ter-se a conclusão do processo. A ele deve-se somar o prazo para a auto-ridade julgadora vir a proferir decisão, ou seja, os 20 dias previstos no artigo 167. Chega-se, assim, ao total de 140 dias, período que encerra, no tempo, a projeção da interrupção prevista no § 3º do artigo 142. Consubstancia menos-prezo ao sistema jurídico pátrio entender-se que, mesmo fixados os prazos pa-ra conclusão do processo disciplinar e prolação de decisão, a alcançarem no total 140 dias, tem-se, mesmo assim, o afastamento definitivo da prescrição.

Portanto, aqui já se verifica a regra geral para o caso: a interrupção deve estender

seus efeitos apenas durante o prazo da portaria inaugural (prazo máximo de 60 dias para o PAD no rito ordinário, como dito pelo Relator), somados aos 60 dias da prorrogação do apuratório (no caso de PAD de rito ordinário, com dissemos) e mais 20 dias para o julgamento, tudo em perfeita sintonia com a Lei nº 8.112/90.

Esse entendimento está de acordo com julgado precedente da mesma Corte,

analisado em Plenário e lavrado no âmbito do Mandado de Segurança nº 22.728-1/PR (publicado no Diário da Justiça de 13/11/1998) e que serve de paradigma para o tema. O Ministro Marco Aurélio, como Relator do processo acima citado, também faz menção a essa manifestação do STF, citando o seguinte trecho daquela decisão:

A interpretação mais consentânea com o sistema dessa Lei – que no artigo 169, § 2 º, admite que a autoridade julgadora, que pode julgar fora do prazo legal, seja responsabilizada quando der causa à prescrição de infrações disciplinares capituladas também como crime, o que implica dizer que o prazo de prescrição pode ocorrer antes da decisão final do processo – é a de que, em se tratando de inquérito, instaurado este a prescrição é interrompida, voltando esse prazo a correr novamente por inteiro a partir do momento em que a decisão definitiva não se der no prazo máximo de conclusão do inquérito, que é de 140 dias (arti-gos 152, “caput”, combinado com o artigo 169, § 2º, ambos da Lei nº 8.112/90).

O STJ tem seguido esse mesmo entendimento em seus julgados. É o que pode ser

percebido do Mandado de Segurança nº 14.446/DF, cujo Relator foi o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Naquela oportunidade, restou consignado o seguinte entendimento:

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Conforme estabelece o § 3º do art. 142 da Lei nº 8.112/90, a instauração de Processo Administrativo Disciplinar interrompe a prescrição até a decisão final proferida por autoridade competente. Ocorre que, ao considerar a prescrição como instituto jurídico concebido a fim de viabilizar a segurança jurídica, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento em torno da matéria, segundo a qual interrompida a prescrição, a fluência desta é obstada tão somente por 140 dias, tendo em vista que esse seria o prazo legal para término do Processo Disciplinar.

Sobre essa passagem do voto do Relator, deve ser ressaltado que esse prazo de 140

dias acima citado é para o PAD no rito ordinário. Com efeito, o prazo no qual o processo disciplinar fica com a prescrição “congelada” no marco inicial depende do tipo de procedimento instaurado. Adiante, trataremos com maiores detalhes o assunto. No momento, é relevante apenas destacar que esse entendimento do STJ leva em conta o texto do caput do artigo 152 da Lei nº 8.112/90, como mencionado logo acima.

Ainda segundo o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator do MS nº 144.446/DF,

o STJ possui diversos julgados adotando esse posicionamento, podendo-se considerá-lo como predominante naquela Corte Superior. Dentre eles, destaca-se o Recurso em Mandado de Segurança nº 19.609/SP, tendo como Relatora a Ministra Laurita Vaz e cuja decisão foi publicada no Diário de Justiça de 12/12/2009:

A contagem do prazo prescricional, interrompida com a instauração do pro-cesso administrativo disciplinar, volta a correr por inteiro após o transcurso de 140 (cento e quarenta) dias, prazo máximo para o encerramento do processo disciplinar, nos termos dos precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Fe-deral.

Como falamos, o período em que a prescrição fica “congelada” varia de acordo com o tipo de procedimento deflagrado para apuração dos fatos. Esses prazos são todos extraídos da Lei nº 8.112/90. Assim, o prazo máximo para a portaria inaugural da sindicância com contraditório é de 30 (trinta) dias, conforme se depreende da leitura do artigo 145, § único: “O prazo para conclusão da sindicância não excederá 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogado por igual período, a critério da autoridade superior.”

Como normalmente as Comissões Disciplinares não conseguem finalizar seus trabalhos apuratórios nesses trinta dias iniciais, prevê a lei a possibilidade de prorrogação, por igual período. Assim, para fins de contagem da interrupção, importa destacar o prazo máximo, que também é de 30 (trinta) dias. Por fim, estipulou o legislador um prazo de vinte dias para que a autoridade julgue os fatos. De acordo com o art. 167, “no prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão”.

Somando todos eles, temos o seguinte:

Prazo de Interrupção da Sindicância com Contraditório Prazo inicial Prazo Prorrogação Prazo Julgamento Prazo Total

30 dias 30 dias 20 dias 80 dias

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Para os demais procedimentos, segue-se a mesma lógica acima, apenas se alterando os prazos, conforme estipulados em lei.

No caso do processo administrativo disciplinar no rito ordinário, a Lei nº 8.112/90 o seguinte:

Art. 152. O prazo para conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (ses-senta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigi-rem. Art. 167. No prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão.

Levando-se em conta o contido nos dispositivos acima, temos o seguinte prazo de

interrupção para PAD no rito ordinário:

Prazo de Interrupção do PAD Rito Ordinário Prazo inicial Prazo Prorrogação Prazo Julgamento Prazo Total

60 dias 60 dias 20 dias 140 dias

Por fim, a Lei nº 8.112/90 estabelece os seguintes prazos para o PAD no rito sumário:

Artigo 133, § 7° - O prazo para conclusão do processo administrativo discipli-nar submetido ao rito sumário não excederá trinta dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por até quinze dias, quando as circunstâncias o exigirem. Art. 133, § 4° - No prazo de cinco dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá sua decisão, aplicando-se, quando for o caso, o disposto no § 3° do art. 167.

Com base nessas informações, temos o seguinte:

Prazo de Interrupção do PAD Rito Sumário Prazo inicial Prazo Prorrogação Prazo Julgamento Prazo Total

30 dias 15 dias 05 dias 50 dias Assim, durante os prazos mencionados, a prescrição não irá correr, permanecendo

estagnada em seu marco inicial. Contudo, transcorridos os dias acima (variando conforme o procedimento) sem que o processo tenha alcançado seu fim, então a interrupção cessa, sendo reiniciada a contagem da prescrição ainda no curso dos trabalhos. Atenção para esse detalhe: os prazos voltam a correr do seu início, e não de onde pararam antes da instauração do procedimento disciplinar com contraditório. É o que diz o artigo 142, parágrafo 4°:

Art. 142, § 4° - Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.

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Ainda sobre o tema “interrupção do prazo prescricional, algumas observações devem ser feitas:

a) A interrupção ocorre uma única vez. Ademais, isso se dá apenas com o primeiro procedimento disciplinar com contraditório validamente instaurado. A Formulação DASP nº. 279 trata do tema ao destacar que “a redesignação da comissão de inquérito, ou a designação de outra, para prosseguir na apuração dos mesmos fatos não interrompe, de novo, o curso da prescrição”. b) Para o procedimento instaurado ter o poder de interromper o fluxo da prescrição é necessário que essa instauração não contenha nenhum vício. Ou seja, o procedimento deve ser validamente instaurado, por meio de portaria inaugural sem mácula que possa via a acarretar sua nulidade.

Considerando o que foi debatido, podemos afirmar que, diante de uma infração grave, sujeita à demissão, o prazo prescricional de cinco anos – nos termos do inciso I do art. 142 da Lei nº 8.112/90 – começará a correr a partir do momento em que a Administração tiver ciência do fato.

Imagine-se que a portaria inicial de um processo administrativo disciplinar no rito

ordinário seja publicada seis meses após a notícia da irregularidade ter chegado à autoridade. Com a publicação da portaria, o prazo de prescrição é interrompido (ou seja, é “zerado”) e os seis meses transcorridos desde a notícia da irregularidade são desconsiderados. A partir deste momento, a Administração Pública terá 140 (cento e quarenta) dias para concluir os trabalhos, período no qual a contagem da prescrição será suspensa (ou seja, “congelada”).

Passados esses 140 (cento e quarenta) dias, independentemente da conclusão do

procedimento, o prazo prescricional começará a transcorrer a partir do zero. Assim, à Administração serão concedidos mais 05 (cinco) anos a partir de então, para terminar os trabalhos, comprovar se de fato houve a infração grave e eventualmente aplicar a penalidade de demissão ao servidor infrator. Deste modo, evidencia-se que a Administração teve, ao todo, 05 (cinco) anos e 140 (cento e quarenta) dias para apurar o fato e aplicar a penalidade de demissão.

Esse raciocínio acima também se aplica aos demais prazos prescricionais das

penalidades de suspensão e advertência. Em resumo, após a deflagração de procedimento correcional com aptidão para

interromper o fluxo prescricional, temos os seguintes prazos totais para que os trabalhos sejam concluídos e, caso comprovada a irregularidade, seja aplicada a penalidade devida:

Sindicância com Contraditório Possível

Penalidade Prazo de Interrupção Prazo de Prescrição Prazo Total

Advertência 80 dias 180 dias 260 dias Suspensão 80 dias 02 anos 02 anos e 80 dias

PAD no Rito Ordinário Possível

Penalidade Prazo de Interrupção Prazo de Prescrição Prazo Total

Advertência 140 dias 180 dias 320 dias Suspensão 140 dias 02 anos 02 anos e 140 dias Demissão 140 dias 05 anos 05 anos e 140 dias

PAD no Rito Sumário Possível

Penalidade Prazo de Interrupção Prazo de Prescrição Prazo Total

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Demissão 50 dias 05 anos 05 anos e 50 dias Uma observação: os prazos acima devem ser contados da maneira como se

encontram na lei. Se lá diz que o prazo é em dias, então deve ser contado em dias. Se, ao contrário, consta que é em anos, deve ser contado em anos. Não é possível “converter” tudo para dias ou tudo para anos.

Neste diapasão, merece destaque a regra lapidada no artigo 66, parágrafo 3° da Lei

nº 9.784/99, segundo o qual “os prazos fixados em meses ou anos contam-se de data a data. Se no mês de vencimento não houver o dia equivalente àquele do início do prazo, tem-se como termo o último dia do mês”.

15.4. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL O fenômeno da suspensão do prazo prescricional, como a própria denominação

sugere, ocorre quando o prazo é paralisado em determinado momento. Diferentemente da interrupção – evento que faz com que o prazo seja contado novamente do zero -, na suspensão o prazo é “congelado” no estado em que se encontra.

Todavia, deve-se enfatizar que, em regra, o prazo prescricional no Direito Disciplinar

não se suspende. Tal afirmativa tem consequências diretas nos trabalhos realizados na seara correcional.

Destarte, considerando que uma só conduta praticada pelo servidor pode gerar um

ilícito administrativo-disciplinar, um ilícito penal e ainda configurar um ato ímprobo – conforme vimos nos tópicos anteriores deste manual -, é possível que o colegiado que esteja à frente de um processo correcional delibere por suspender os trabalhos para aguardar uma manifestação do juízo criminal ou, ainda, a autoridade de determinado órgão ou entidade pode esperar uma posição da esfera judicial para decidir se vai ou não instaurar o devido processo disciplinar.

Essas providências não são recomendadas. Com efeito, tendo em vista que o prazo

da prescrição não será suspenso nesse período, é possível que a pretensão punitiva da Administração seja fulminada por aquele fenômeno enquanto se aguarda a conclusão de eventual ação penal ou inquérito policial. Ademais, em nosso ordenamento jurídico reina o princípio da independência das instâncias, não sendo necessário que a esfera disciplinar mantenha-se inerte, na espera de um posicionamento definitivo do Poder Judiciário.

Como exemplo, se um servidor figurar como indiciado em um inquérito policial ou

réu em um processo criminal pela prática do crime de corrupção (art. 317 do Código Penal) e, pelo mesmo fato, estiver respondendo a um PAD no órgão onde está lotado, é certo que o colegiado que estiver conduzindo os trabalhos não deve simplesmente suspender o processo. Os trabalhos devem continuar, de modo que sejam produzidas as provas necessárias para que a Administração forme seu convencimento acerca das irregularidades aventadas, independentemente do curso do procedimento policial ou penal – registre-se que eventuais consequências da decisão emanada pelo Poder Judiciário, tal como aquela prevista no art. 126272 da Lei nº 8.112, deverão ser avaliadas oportunamente pela Administração.

Contudo, há uma exceção. O prazo prescricional pode ser suspenso por decisão

expressa do Poder Judiciário. Assim, caso o acusado em um processo disciplinar, entendendo que 272Art. 126 - A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que

negue a existência do fato ou sua autoria.

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seus direitos não estão sendo garantidos no decorrer daquele apuratório, recorra ao Poder Judiciário, pode o juiz determinar a suspensão dos trabalhos correicionais, até que o processo judicial chegue ao seu final.

Deste modo, se o Poder Judiciário determinar a suspensão dos trabalhos em um

procedimento correcional, o lapso prescricional também será consequentemente suspenso. Nesta hipótese, cessando a causa que gerou a suspensão – como, por exemplo, no caso de reforma da decisão prolatada pelo juízo que determinou a suspensão do processo - o curso da prescrição irá prosseguir do ponto em que havia sido paralisado.

O STJ já se manifestou acerca do tema, quando restou consignado o seguinte

entendimento:

I - O deferimento de provimento judicial liminar que determina a autoridade administrativa que se abstenha de concluir procedimento administrativo disci-plinar suspende o curso do prazo prescricional da pretensão punitiva adminis-trativa. II - Na espécie, o PAD teve início em 15/2/2002. Considerada a suspen-são de 140 (cento e quarenta) dias para sua conclusão, o termo a quo deu-se em 5/7/2002. A penalidade demissional foi aplicada em 5/11/2002, ou seja, aproximadamente 4 (quatro) meses após o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, previsto no artigo 142, inciso I, da Lei nº 8.112/90. Todavia, no curso do procedimento disciplinar vigorou, por mais de um ano, decisão judicial liminar que impediu a autoridade administrativa de concluir e dar publicidade à deci-são final deste procedimento, circunstância que afasta a ocorrência da alegada prescrição. (Mandado de Segurança nº 13385/DF, Terceira Seção, Relator Ministro Felix Fisher, publicado no DJ de 24/06/2009)

15.5. PRESCRIÇÃO NA HIPÓTESE DE CRIME O §2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 determina a utilização dos prazos

prescricionais previstos na lei penal para aqueles ilícitos disciplinares que também forem considerados crimes, de acordo com a legislação vigente.

Assim, é certo que se determinada conduta sancionada pelo Direito Administrativo

Disciplinar também é reprimida pelo ordenamento jurídico penal, os prazos prescricionais que deverão ser observados pelo aplicador da norma não são aqueles elencados no aludido art. 142, e sim os que se encontram previstos nos arts. 109 e 110 do Código Penal, calculados de acordo com a pena máxima prevista para o crime.

Prescrição antes de transitar em julgado a sentença Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1° do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena pri-vativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

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V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

Prescrição depois de transitar em julgado sentença final condenatória Art. 110. A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anteri-or, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. § 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena apli-cada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

Percebe-se que, diante da necessidade de se perquirir qual o prazo prescricional

aplicável em um delito disciplinar que também seja considerado crime, deve-se verificar qual a pena cominada àquele delito, para que então se aplique um dos prazos previstos nos incisos I a VI do art. 109 do Código Penal.

É conveniente esclarecer que a regra aqui aventada permite a observância do prazo

prescricional penal independentemente de o ilícito disciplinar ser sancionado com demissão, suspensão ou advertência. Ou seja, a utilização de qualquer dos três prazos previstos nos incisos do art. 142 da Lei nº 8.112/90 pode ser afastada em virtude da presença de um fato criminoso, com a consequente aplicação do lapso temporal estatuído na legislação penal.

Frise-se que, ainda que a conduta do servidor seja um ilícito criminal, o que

importaria a aplicação do inciso I do art. 132 da Lei nº 8.112/90 nos casos em que se trata de crime contra a Administração, é necessário o trânsito em julgado da decisão para que a autoridade administrativa determine a aplicação da penalidade máxima de demissão.

Com efeito, denota-se que as penalidades de suspensão e advertência podem ser

aplicadas ainda que a conduta infracional se amolde à legislação penal, desde que o fato não tenha sido apreciado de modo definitivo pelo Poder Judiciário, o que, em caso de condenação na esfera penal – repise-se, tratando-se especificamente de crime contra a Administração -, levaria necessariamente à demissão do servidor.

Para melhor ilustrar a aplicação da norma prevista no §2º do art. 142 da Lei nº

8.112/90, imagine-se um caso em que o servidor recebeu valores indevidos de particulares em razão de seu cargo, o que caracterizaria a prática de corrupção, conduta sancionada pelo ordenamento jurídico disciplinar, com aptidão para gerar a penalidade de demissão, nos termos do inciso XI do art. 132 da Lei nº 8.112/90. Tal comportamento também está previsto no art. 317 do Código Penal, que dispõe sobre o crime de corrupção passiva:

CP. Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa Desta forma, considerando que a pena in abstracto prevista na legislação criminal

para o aludido delito vai de dois a doze anos, o prazo prescricional a ser utilizado será aquele previsto no inciso II do art. 109 do Código Penal. Ou seja, a prescrição da pretensão punitiva da Administração para a aplicação da penalidade de demissão não ocorrerá no prazo de cinco anos e sim no período de dezesseis anos.

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Todavia, é possível que a instância criminal já tenha se pronunciado de modo definitivo sobre o ilícito, o que pode ter resultado na aplicação de uma pena para o infrator. Neste caso, utilizar-se-á a pena in concreto determinada pela autoridade judicial para o cálculo da prescrição disciplinar, de acordo com a regra estatuída no art. 110 do Código Penal:

Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

Vamos imaginar, no mesmo exemplo citado acima, que o servidor que praticara o

crime de corrupção já tenha sido definitivamente julgado por esse delito, e que a pena aplicada pela autoridade judiciária, de acordo com os critérios do art. 68 do Código Penal273, seja a de três anos de reclusão.

CP. Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

Nesta hipótese, a Administração Pública terá o prazo de oito anos para aplicar a

penalidade de demissão ao servidor, tendo em vista o disposto no inciso IV do art. 109 do Código Penal.

A interpretação que permite a aplicação desses dois prazos prescricionais penais –

em abstrato ou em concreto -, caso já tenha sido ou não prolatada decisão definitiva em eventual processo criminal, encontra respaldo em nossos tribunais. Veja a seguir decisão proferida no âmbito do STJ:

(...) deve-se aplicar os prazos prescricionais ao processo administrativo disciplinar nos mesmos moldes que aplicados no processo criminal, vale dizer, prescreve o poder disciplinar contra o servidor com base na pena cominada em abstrato, nos prazos do artigo 109 do Código Penal enquanto não houver sentença penal condenatória com trânsito em julgado para acusação.” (Processo RMS 15648/SP Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 2002/015, Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, Órgão Julgador: Sexta Turma, Data do Julgamento: 24/11/2006, Data da Publicação/Fonte: DJ 03/09/2007 p. 221)

É relevante notar que o §2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 determina somente a

aplicação do prazo prescricional penal para os ilícitos administrativos que também se amoldarem aos tipos criminais previstos na respectiva legislação. Deste modo, todas as regras debatidas anteriormente acerca do início do prazo prescricional, bem como da interrupção e suspensão daquele lapso continuam a valer, consoante jurisprudência pacífica. Ou seja, utilizam-se os prazos prescricionais previstos no art. 109 do Código Penal, mas ainda serão observadas as disposições legais lapidadas nos §1º, §3º e §4º do art. 142 da Lei nº 8.112/90.

273 Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

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Nesta linha, é oportuno registrar as seguintes manifestações do STJ acerca do tema:

(…) 2. O prazo para a Administração aplicar a pena de demissão ao servidor faltoso é de 5 (cinco) anos, a teor do que dispõe o art. 142, inciso I, da Lei nº 8.112/90. Entretanto, havendo regular apuração criminal, o prazo de prescri-ção no processo administrativo disciplinar será regulado pela legislação penal, que, in casu, consoante o art. 316 c.c. o art. 109, inciso III, do Código Penal, é de 12 (doze) anos. 3. Na hipótese, a contagem do prazo prescricional foi inter-rompida com a instauração de novo PAD em 04/09/2003, voltando a correr por inteiro em 21/01/2004, após o transcurso de 140 (cento e quarenta) dias (prazo máximo para a conclusão do processo - art. 152, caput, c.c. o art. 169, § 2.º, ambos da Lei nº 8.112/90). Desse modo, tendo sido expedida a Portaria Demissionária da Impetrante em 19/05/2004, constata-se, à toda evidência, a não-ocorrência da prescrição da pretensão punitiva da Administração.(...) (Processo MS 9772/DF, Mandado de Segurança 2004/0091280-5, Relatora: Ministra Laurita Vaz, Órgão Julgador: Terceira Seção, Data do Julgamento: 14/09/05, Data da Publicação/Fonte: DJ 26/10/2005 p. 73) (…) 2. Havendo o cometimento, por servidor público federal, de infração disci-plinar capitulada também como crime, aplicam-se os prazos de prescrição da lei penal e as interrupções desse prazo da Lei nº 8.112/90, quer dizer, os prazos são os da lei penal, mas as interrupções, do Regime Jurídico, porque nele ex-pressamente previstas. (…) (Processo MS 10.078/DF, Mandado de Segurança 2004/0157321-3, Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, Órgão Julgador: Terceira Seção, Data do Jul-gamento: 24/08/05, Data da Publicação/Fonte: DJ 26/09/2005 p. 171)

É conveniente enfatizar que, na esteira das regras apresentadas acima, nada impede

que, em determinadas circunstâncias, o prazo prescricional penal utilizado acabe por ser inferior aos cinco anos previstos no inciso I do art. 142 da Lei nº 8.112/90. Ainda que a aplicação desta regra resulte na diminuição do lapso prescricional – o que, deve-se admitir, é um contrassenso, considerando que o fato do ilícito administrativo também ser um delito criminal é a causa desta redução -, tal possibilidade encontra amparo em nossos tribunais.

Assim, tendo em vista a falta de disposição legal em sentido contrário, admite-se

que, em certas hipóteses, a aplicação do prazo prescricional penal possa resultar em uma redução do interregno que a Administração terá para exercer sua pretensão punitiva disciplinar em face do servidor.

Insta salientar que esta possibilidade pode resultar da aplicação da pena em

abstrato de um crime - como no caso do abandono de função, que tem pena máxima de um mês de detenção e, consequentemente, prescreveria em três anos – ou da pena aplicada em definitivo pela autoridade judiciária (pena em concreto). Neste sentido:

1. Uma vez condenado o Recorrente na esfera criminal, quanto ao crime de roubo tentado, à pena de 2 (dois) anos de reclusão, resta evidenciada a pres-crição, tendo em conta que desde a data do fato 26/03/1996, até a instauração do processo administrativo, ocorrida em 27/09/2000, já havia decorrido prazo superior a 4 (quatro) anos, necessário à configuração da prescrição (…) (Processo MS 18.319/SC, Mandado de Segurança 2004/0063557-5, Relatora: Ministra Laurita Vaz, Órgão Julgador: Quinta turma, Data do Julgamento: 05/09/06, Data da Publicação/Fonte: DJ 30/10/2006 p. 332)

A doutrina se posiciona nesta mesma linha de entendimento. Ao tratar da aplicação

da norma estatuída no §2º do art. 142, Vinicius de Carvalho Madeira assevera que:

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Importa esclarecer que nem sempre esta regra é favorável à administração. Se o fato em apuração é também um crime de corrupção, o prazo para a demissão provavelmente passará a ser maior do que 5 anos enquanto o processo crimi-nal não estiver julgado. Mas, se o processo criminal for julgado, e for aplicada uma pena em concreto cujo correspondente prazo prescricional no Direito Pe-nal seja de menos de cinco anos (…), a prescrição para a demissão acabará sendo menor do que cinco anos.274

Por fim, outro ponto que merece atenção refere-se à necessidade ou não de

provocação da instância criminal para que a Administração possa utilizar os prazos previstos na legislação penal. Assim, é cabível indagar se há necessidade do início da persecução penal, como pressuposto para que a autoridade administrativa possa se utilizar dos prazos prescricionais insculpidos no art. 109 do Código Penal ou se bastaria o entendimento da Administração de que a infração correcional se amolda a um dos tipos previstos na lei penal.

A redação do §2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 não é suficiente para elucidar tal

questionamento, sendo necessário recorrer aos entendimentos jurisprudenciais acerca da questão ventilada. Desta forma, é necessário registrar a manifestação do STF a respeito deste tema, quando afirmou ser lícita à Administração a utilização dos prazos prescricionais penais, ainda que a seara criminal não fosse deflagrada.

Segue abaixo a manifestação da Corte Constitucional, com a transcrição da ementa e

de um dos votos emitidos naquela oportunidade: (...) II. Infração disciplinar: irrelevância, para o cálculo da prescrição, da capi-tulação da infração disciplinar imputada no art. 132, XIII - conforme a porta-ria de instauração do processo administrativo anulado -, ou no art. 132, I - con-forme a do que, em conseqüência se veio a renovar -, se, em ambos, o fato im-putado ao servidor público - recebimento, em razão da função de vultosa im-portância em moeda estrangeira -, caracteriza o crime de corrupção passiva, em razão de cuja cominação penal se há de calcular a prescrição da sanção disciplinar administrativa, independentemente da instauração, ou não, de pro-cesso penal a respeito. Voto: A nova Comissão de Inquérito, nas conclusões de seu relatório preliminar, registrou que o impetrante recebeu, ‘em razão da função de titular da Assessoria de Orçamento, vantagens indevidas, consubs-tanciadas em alta soma de dólares americanos’, fato que, no seu entender, ‘tipi-fica a infração do art. 117, incisos IX e XII...’ (fl. 203). Esse primeiro entendi-mento resultou confirmado pelo relatório final, cujas conclusões se acham transcritas nas informações, à fl. 429. Desse modo, a atual controvérsia, como visto, resume-se à caracterização, ou não, da prescrição para a punição admi-nistrativa disciplinar do impetrante, o que se relaciona com a questão de ser, ou não, a infração a ele imputada igualmente capitulada como ilícito penal. A segunda questão condiciona a análise da primeira, posto ser decisiva para a aplicação ou do inciso I do art. 142 da Lei nº 8.112/90 ou do § 2º do mesmo dispositivo legal. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 23.242, Rel. Min. Carlos Velloso, entendeu que os atos descritos no mencionado inciso XII (...) são tipificados no art. 317 do Código Penal (...), o que importa a aplica-ção, no processo disciplinar, dos prazos prescricionais previstos na lei penal, como estabelecido pelo § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90. Tal circunstância em nada se modifica pelo fato de o inquérito policial que investiga, na esfera criminal, o impetrante não haver sido concluído, uma vez que as instâncias pe-nal e administrativa são independentes.

274 MADEIRA, 2008, pg. 169.

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(Processo MS 24.013, Relator: Ministro Ilmar Galvão, Órgão Julgador: Tribu-nal Pleno, Data do Julgamento: 31/03/2004, Data da Publicação/Fonte: DJ 01/07/05)

Apesar de já ter decidido em algumas situações pela necessidade de ação penal em curso para a aplicação da prescrição penal na esfera disciplinar (RMS 10.699, RMS 20.337, RMS 19.087, RMS 19.887, dentre outras), ao analisar o pedido de anulação de um processo administrativo disciplinar nos autos do Mandado de Segurança nº 16.075 – DF/2011, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser possível a aplicação da prescrição penal no âmbito disciplinar, ainda que o inquérito policial que apurava conduta tipificada como ilícito administrativo e penal, tiver sido arquivado. Senão vejamos:

EMENTA. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. CONDUTA TAMBÉM TIPIFICADA COMO CRIME. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. [...] 3. Assim, fazendo o cotejo dos dispositivos acima transcritos com o art. 109 do Código Penal, segundo o qual a prescrição, antes de proferida a sentença condenatória, é regulado pela pena máxima cominada para o delito, o prazo prescricional em abstrato atinge 16 anos. Nesse contexto, ainda que considerado o conhecimento dos fatos imputados ao impetrante em 2000, não se pode afirmar a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva disciplinar, uma vez que a mesma somente se esgotaria em 2016. [...] VOTO – O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (Relator): [...] Assim, em havendo a constatação de que o mesmo fato, em tese, repercute simultaneamente na esfera penal e administrativa, excepciona-se a regra quanto à prescrição no Direito Administrativo para haver a utilização dos prazos prescricionais referentes à pretensão punitiva no Direito Penal. [...] Ressalta-se que os fatos aqui apurados foram objeto de Inquérito Policial n. 013/2000, o qual foi arquivado por não existirem "indícios de que o investigado tivesse conhecimento das circunstancias e dos modos de execução do tráfico de drogas supostamente praticado por Sâmia, nem tampouco há provas de recebimento de vantagem indevida pelas informações repassadas, de forma a configurar a prática dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 9.034/95, art. 14 da Lei nº 6.368/76 e art. 317 do Código Penal" (fl. 492). Contudo, mesmo com o arquivamento do processo criminal, esta Corte Superior tem jurisprudência pacifica no sentido de independência entre as instâncias, a qual somente poderia ser afastada em razão de negativa de autoria ou inexistência dos fatos, diferentemente do caso dos autos, onde o arquivamento penal se deu por ausência de provas [...]. (grifo nosso) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 16.075 – DF (2011/0012983-6). Relator Ministro Benedito Gonçalves, Distrito Federal, 21 de março de 2012.

Tais manifestações harmonizam-se com o princípio da independência dos Poderes,

consagrado na Constituição Federal. É fato que, não obstante o Poder Soberano ser uno e indivisível, a divisão das tarefas estatais, decorrente da tripartição dos poderes, permite certa independência à esfera administrativa, a qual, ao exercer o poder disciplinar, inerente à sua própria atividade, tem autonomia suficiente para apreciar a questão atinente à adequação de uma transgressão funcional a um delito insculpido no ordenamento jurídico criminal.

Assim, evidencia-se que o Estado-Administração tem liberdade para analisar os

diversos elementos do tipo penal e decidir se o ilícito disciplinar também se apresenta como um fato criminoso, aplicando, consequentemente, prazo prescricional diferenciado para o exercício da sua pretensão punitiva.

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Deste modo, a autoridade administrativa, antes de determinar o arquivamento de um processo correcional, devido ao lapso prescricional máximo de cinco anos já ter transcorrido, deve ter a cautela de examinar o ilícito funcional sob a ótica do direito penal, o que poderá apontar a possibilidade de aumento daquele prazo e consequentemente a manutenção do ius puniendi da Administração.

Não há necessidade de aguardar a manifestação do Poder Judiciário ou do

Ministério Público sobre a questão prescricional. Outrossim, é certo que a falta de conclusão de eventual procedimento policial acerca dos fatos não representa um óbice para a instauração de processo disciplinar que dependa de lapso prescricional mais elástico em virtude da aplicação da regra do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90.

Por fim, de relevo destacar que a CGU pacificou a matéria na esfera administrativa,

ao publicar o Enunciado n° 05:

Enunciado CGU n.º 05, de 19 de outubro de 2011 (Publicado no DOU de 24/10/2011 Seção I pág. 06). Prescrição Disciplinar. Crime. Persecução Penal. Para aplicação de prazo prescricional, nos moldes do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90, não é necessário o início da persecução penal.

15.6. ABANDONO DE CARGO O prazo prescricional no abandono de cargo possui algumas peculiaridades. Em

primeiro lugar, é oportuno ressaltar que o início da contagem da prescrição ocorre no trigésimo primeiro dia de ausência ininterrupta do servidor.

Outra peculiaridade – e aqui há uma grande controvérsia – refere-se ao prazo

prescricional. Os Pareceres-AGU nº GM-7 e GQ-144 (ambos não vinculantes) afirmam que o prazo prescricional para essa infração disciplinar seria o mesmo do crime de abandono de função, tipificado no art. 323 do Código Penal: três anos275. Senão vejamos:

PARECER Nº GM-7 – Ementa: I – Nulidade do processo por cerceamento de defesa. II – A existência de sindicância preliminar não elimina a necessidade de repetir determinados atos processuais, dentre eles a citação. Os autos de sindicância constituem elementos informativos. III – O rito sumário não elimina a necessidade de oportunizar ao indiciado ampla defesa. Irregularidade na citação. Nulidade do processo que, retroagindo ao ato inicial, determinará, no caso presente, a prescrição da pretensão punitiva. IV – Extinta a punibilidade pela prescrição, e na permanência do abandono, deve o servidor ser exonerado “ex officio”, conforme entendimento já consagrado na Administração (Pareceres GQ-207 e GQ-211). V – As irregularidades constatadas aconselham a apuração de responsabilidades, conforme sugerido pela SAJ/PR. PARECER Nº GQ-144 – Ementa: A designação de nova comissão de inquérito para prosseguir na apuração de irregularidade objeto do processo disciplinar inicial não interrompe, de novo, o curso do prazo prescritível, dado que a interrupção aludida no § 3º do art. 142 da Lei nº 8.112, de 1990, no tocante ao mesmo fato, ocorre uma só vez. A “decisão final” que, a teor do § 3º do mesmo art. 142, faz cessar a interrupção do transcurso do prazo de

275 saliente-se que, à época da lavratura do Parecer nº GQ-144, o prazo prescricional para o crime do artigo 323 era de dois anos, conforme consta no texto do próprio parecer.

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prescrição é pertinente ao processo disciplinar inicial válido, não repercutindo, como causa extintiva da ação disciplinar, aquela adotada em apuratório posterior, relativo à mesma irregularidade. O abandono de cargo é previsto como crime e, por esse fato, sua punibilidade extingue-se em dois anos. Art. 323. Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei: Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa. § 1º Se do fato resulta prejuízo público: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. § 2º Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Diante do fato de que a jurisprudência ainda não se manifestou de maneira pacífica

acerca do tema ventilado, parece mais prudente adotar a posição de que, de um modo geral, deve ser utilizado o prazo de três anos.

Por fim, importa consignar que, no caso de prescrição da punibilidade do abandono

na situação em que o servidor manifesta vontade de se exonerar, a Administração deverá proceder à exoneração a pedido do servidor, conforme manifestação da Advocacia-Geral da União, no Parecer AGU nº GQ-210, vinculante, segundo o qual “havendo nos autos quota do servidor manifestando sua intenção em desligar-se do serviço público, tal declaração deve ser recebida como pedido de exoneração, a ser concedida após declarada extinta a punibilidade pela prescrição”.

Entretanto, na hipótese de ocorrer a prescrição do abandono de cargo sem que o

servidor solicite exoneração, o que impossibilita a aplicação da exoneração e da demissão após a apuração disciplinar, a Advocacia-Geral da União entendeu que deve-se operar a exoneração ex officio, conforme Parecer AGU nº GQ-207 – vinculante:

Ementa: O entendimento que se vem observando de exonerar “ex officio” o servidor que abandonou o cargo, pela impossibilidade de demissão, porque extinta a punibilidade pela prescrição, já mereceu aprovação do Poder Judiciário, inclusive pela sua mais alta Corte. 3. [...] (b) o prazo prescricional inicia-se no trigésimo primeiro dia de ausência do servidor; (c) apesar da prescrição, o fato do abandono persiste, devendo declarar-se a vacância do cargo, mediante exoneração “ex officio”; [...] 4. As Formulações do antigo Departamento Administrativo do Serviço Público, atinentes ao assunto em questão, têm a seguinte redação: ´Nº 3. Exoneração ´ex officio´. Será exonerado ´ex officio´ o funcionário que, em face do abandono do cargo, extinta a punibilidade, pela prescrição, não manifestara expressamente vontade de exonerar-se.´ ´N° 98. Exoneração ´ex officio´. A exoneração ´ex officio´ se destina a resolver os casos em que não se pode aplicar demissão´.

Entretanto, a jurisprudência do STJ vem rechaçando esse entendimento. Assim,

tendo em vista que a Administração Pública encontra-se vinculada ao entendimento da Advocacia-Geral da União, que ainda permanece em vigor, a análise de cada caso deve ser feita com o devido cuidado, de modo a resguardar a Administração de eventual reintegração do servidor ao cargo, com todos os ônus daí decorrentes.

15.7. FATO PRESCRITO (MAUS ANTECEDENTES E REGISTRO NOS ASSENTA-MENTOS)

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Com o advento do fenômeno prescricional, a Administração Pública perde o poder

de punir o agente infrator. É o que se chama de extinção da pretensão punitiva na esfera disciplinar. Não obstante a incidência da prescrição no ius puniendi do Estado-Administração, o ordenamento jurídico é omisso ao dispor sobre o dever de apuração dos fatos que geraram o ilícito funcional.

No silêncio da lei, o entendimento que predomina na doutrina é o de que, mesmo

com a ocorrência da prescrição, a Administração permanece com o dever de investigar e esclarecer os fatos. Tal posicionamento se justifica, considerando que a apuração não se destina exclusivamente a aplicar uma penalidade funcional, medida que pode ou não ser recomendada, de acordo com o conjunto probatório que for produzido durante os trabalhos.

Portanto, a prescrição da punibilidade não faz extinguir o direito de ação por parte

da Administração, mas o poder estatal de punir o servidor. Considerando que a prescrição acarreta a extinção da punibilidade, trata-se de instituto relacionado à aplicação da penalidade, matéria de competência da autoridade julgadora, de modo que, como regra, não deve ser objeto de análise da comissão.

Se a prescrição ocorrer antes da instauração de procedimento correcional, o caso

deve ser analisado em concreto, de modo que se delibere acerca da conveniência e interesse da Administração em mover a máquina pública para apurar os fatos – é certo, porém, que, caso se entenda que não há mais motivos suficientes para a deflagração de procedimento disciplinar, tal decisão deve ser motivada de modo preciso, consoante tratado no item 15.2.1.

Este posicionamento foi objeto do Enunciado CGU nº 04, publicado no D.O.U. de

05/05/2011, Seção 01, página 22:

A Administração Pública pode, motivadamente, deixar de deflagrar procedimento disciplinar, caso verifique a ocorrência de prescrição antes da sua instauração, devendo ponderar a utilidade e a importância de se decidir pela instauração em cada caso.

Por outro lado, se a prescrição ocorrer no curso do apuratório disciplinar – antes do

julgamento e após a publicação da portaria de instauração –, entende-se que o colegiado que estiver conduzindo os trabalhos deve concluir o processo, devendo, conforme o caso, alertar a autoridade instauradora acerca da possibilidade de ocorrência da prescrição no curso dos trabalhos.

Se durante a fase de defesa, o acusado alegar prescrição, a comissão poderá tratar

do tema em seu Relatório Final. Nada obstante, a declaração da ocorrência da prescrição caberá à autoridade julgadora, vez que, por ser matéria de ordem pública, independe de alegação do acusado, consoante dispõe o art. 112 da Lei nº 8.112/90.

Assim, restando devidamente comprovado que houve o cometimento de alguma

irregularidade por parte do servidor, tal fato deverá ser registrado em seus assentamentos funcionais, conforme disposto no artigo 170 da Lei nº 8.112/90, segundo o qual “extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor”.

Importa destacar que esse registro será levado em conta como antecedente

funcional, desde que observado o prazo disposto no artigo 131 da Lei nº 8.112/90, que dispõe:

Art. 131 – As penalidades de advertência e de suspensão terão seus registros cancelados, após o decurso de 3 (três) e 5 (cinco) anos de efetivo exercício, respectivamente, se o servidor não houver, nesse período, praticado nova infração disciplinar.

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O marco delimitador do cancelamento do registro, seja no prazo de três ou de cinco anos, corresponde ao interstício que vai da data da publicação da primeira punição até a data da prática da segunda infração disciplinar pelo servidor, ou seja, se dentro desse período, o servidor comete nova infração disciplinar, o respectivo registro não será cancelado.

Ressalte-se que a Lei nº 8.112/90 não prevê o cancelamento de registro em caso de

infração punível com penalidade expulsiva. Todavia, é imperativo ressaltar que o registro não servirá para fins de reincidência,

mas como antecedente funcional, consoante afirmado anteriormente, pois a primeira pena não terá sido aplicada, justamente em razão da prescrição.

O art. 169 da Lei nº 8.112/90 dispõe que “A autoridade julgadora que der causa à

prescrição de que trata o art. 142, § 2º, será responsabilizada na forma do Capítulo IV do Título IV”. Portanto, a lei prevê a possibilidade de se responsabilizar civil, penal e administrativamente a autoridade julgadora que der causa à prescrição, sem prejuízo de que qualquer outra autoridade seja responsabilizada quando provado o dolo ou a culpa no que tange à prescrição de ilícitos administrativos.

16. NULIDADES

16.1. GENERALIDADES A inobservância aos ditames da lei, bem como aos princípios norteadores do processo administrativo, pode acarretar a invalidade do processo disciplinar e sua consequente inaptidão para a produção de efeitos jurídicos. Deste modo, convém analisarmos a nulidade disciplinar, abrangendo suas possíveis causas, espécies e medidas a serem adotadas pelos sujeitos competentes.

Na lição de José Armando da Costa, a nulidade disciplinar é “vício de forma que, provocando prejuízo em detrimento da verdade substancial dos fatos imputados ao servidor acusado, contamina a validade do ato e do respectivo processo.”276

Nesse sentido, a depender da gravidade do vício detectado, a ilegalidade justifica a

declaração de nulidade pela comissão ou pela autoridade instauradora ou por outra autoridade de hierarquia superior, seja no curso do processo disciplinar, ou ainda, em momento posterior, por autoridade competente para este fim. Vale lembrar, nesta oportunidade, que a iniciativa para o controle de legalidade não se limita à provocação do interessado, cabendo à Administração o poder de revisar seus próprios atos quando eivados de defeitos (poder de autotutela).

Lei nº 8.112/90, art. 114 - A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade. Súmula STF nº 473 - A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os di-reitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial.

276 COSTA, 2011, p. 450 e 451.

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Formulação Dasp nº 222. Ato administrativo. A nulidade dos atos administrativos pode, a qualquer tempo, ser declarada pela própria administração.

Uma vez atribuído o citado poder-dever de revisão, quanto antes seja verificada a

presença de vícios no procedimento, menor será o prejuízo ao acusado e, por conseguinte, à validade processual. No entanto, a esse respeito, a legislação estatutária não exibe as hipóteses de invalidação do processo disciplinar, regulando a matéria em dispositivo único:

Art. 169. Verificada a ocorrência de vício insanável, a autoridade que determi-nou a instauração do processo ou outra de hierarquia superior declarará a sua nulidade, total ou parcial, e ordenará, no mesmo ato, a constituição de outra comissão para instauração de novo processo.

Ao relacionar a ocorrência do vício insanável à declaração de nulidade, a Lei nº 8.112/90 define o caminho a ser trilhado na análise das eventuais causas de invalidação do processo disciplinar.

Ensina a doutrina que “para a compreensão do Direito Disciplinar é demasiado

relevante o estudo pormenorizado dos vícios que podem afetar o ato disciplinar. Essas deformações, uma vez ocorridas, contaminam o ato disciplinar e, consequentemente, o tornam nulo.”277

Assim, a apreciação inicial da legalidade do ato disciplinar deve recair sobre seus elementos, quais sejam: sujeito (competência), objeto, forma, motivo e finalidade. Doutrinariamente definidos como requisitos essenciais, o citado rol de elementos decorre da interpretação do artigo 2º da Lei nº 4.717/65 (lei da ação popular), abaixo transcrito:

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade.

Considerando que o defeito em apenas um dos elementos constitutivos já é

suficiente para vulnerar substancialmente a validade do ato, merece atenção a extensão do prejuízo causado pela sua ocorrência. A partir desta análise, será possível definir se estamos diante de vício insanável (nulidade absoluta) ou sanável (nulidade relativa), bem como as medidas a serem adotadas para o restabelecimento da legalidade processual (anulação ou convalidação).

O art. 53 da Lei nº 9.784/99 dispõe que a “Administração deve anular seus próprios

atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”. Já o art. 55 da referida lei, ao tratar da nulidade relativa, dispõe que “em decisão da qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração”.

277 COSTA, 2005, p. 45

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Ainda, segundo José Armando da Costa, os vícios processuais podem ser classificados como de nulidade, anulabilidade ou mera irregularidade.

Os defeitos de nulidade são aqueles que evidenciam de forma notória e categórica os prejuízos causados ao servidor acusado, não carecendo, portanto, de serem avaliados ou demonstrados. Os de anulabilidade, posto não portarem essa clarividência, exigem que tais prejuízos sejam alegados e demonstrados. Já os vícios de mera irregularidade são aqueles que, por configurarem insignificantes violações de forma, não implicam prejuízo para as partes. 278

Enquanto os vícios de nulidade contaminam o processo e o fulminam de modo

irreversível, os de anulabilidade e mera irregularidade admitem o saneamento (convalidação) – as espécies de nulidades são tratadas no tópico 16.3 deste Manual.

A impossibilidade de correção do ato ilegal, pela existência de vício insanável na

origem, acarreta a decretação da sua nulidade. Impõe-se, nesse caso, o caráter declaratório da decisão, operando efeitos retroativos à origem do ato nulo (ex tunc). Ademais, à época da declaração, a autoridade competente deverá especificar o alcance da medida, determinando a invalidação total ou parcial do processo.

Para tanto, é preciso observar em que momento do processo o ato inválido foi

editado. Desse modo, a propósito da nulidade de apenas uma prova, deve ser apreciada a influência da peça na convicção da comissão para fins da decretação da invalidade do feito. A esse respeito, manifestou-se a Advocacia-Geral da União nos Pareceres-AGU nº GQ-37 e 17, vinculantes, respectivamente:

5. (...) é inconteste que o acusado da prática de infrações disciplinares deve ser notificado para comparecer, se o quiser, aos depoimentos pertinentes aos fatos irregulares, cuja autoria possivelmente lhe será atribuída. No entanto, o conjunto dos elementos probatórios e a maneira como este foi constituído podem induzir o julgador a aquilatar a quantidade de provas obtidas em harmonia com o contraditório e a ampla defesa, desprezando aqueles depoimentos em que não esteve presente o acusado (...). 29. Em síntese, tem-se: a) não obstante ser necessária a notificação da tomada de depoimentos, conseqüência imediata do princípio do contraditório, as declarações de duas testemunhas, sem a prévia notificação do acusado envolvido na prática da infração objeto do presente processo disciplinar, não implicam nulidade processual, eis que essa exigência foi observada em relação a numerosos outros depoimentos e se encontra provada, à saciedade, a autoria, reconhecida pelo próprio indiciado e seu representante legal, adicionando o caráter satisfativo da ampla defesa assegurada, nos autos. O conjunto das provas juntadas ao processo e a confissão tornam irrelevantes as declarações das duas testemunhas, que não exercem influência na apuração da conduta ilícita e determinação da autoria, como se verificou;

Se, por exemplo, a nulidade ocorrer em uma prova relevante para a formação da convicção da Comissão, a autoridade competente deverá declarar nulos, a referida prova e todos os atos praticados posteriormente, salvo se as demais provas produzidas após a prova nula não tiverem sido sofrido contaminação decorrente da prova nula, hipótese em que poderão ser mantidas.

278 COSTA, 2005, p.432

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Caso as provas tenham derivado da prova nula, pode-se adotar a “teoria dos frutos

da árvore envenenada”. De acordo com ela, as provas obtidas a partir de provas ilícitas (nulas) possuem a mesma natureza e, portanto, estariam “envenenadas” e seriam nulas também, não podendo ser reaproveitadas.

No caso de ser admitida a anulação parcial do feito, garante-se a preservação das

peças validamente produzidas, isto é, não contaminadas pela ilegalidade ora declarada (princípio da causalidade). Portanto, cabe à autoridade examinar os atos elaborados no âmbito do apuratório com vistas a determinar o refazimento daqueles que afrontam as disposições legais, princípios informadores do processo e, em especial, os que tenham o condão de prejudicar a defesa do acusado.

Nesse rumo, faz-se necessário avaliar, com cautela, a pertinência da nulidade total

do processo, visto que esta medida tem repercussão efetiva na contagem do prazo prescricional, pois a interrupção somente se opera em face da instauração de processo disciplinar válido. Senão vejamos o entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Ementa: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO. EXTENSÃO DOS EFEITOS. CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. A declaração de nulidade do processo administrativo implica na desconstituição de todos os seus atos, inclusive o de instauração da comissão disciplinar, o que resulta na inexistência do ato interruptivo da prescrição, que deve ser contada, consequentemente, desde o conhecimento do fato lesivo até a instauração do segundo processo disciplinar. “In casu”, entre o conhecimento do fato, que se deu em outubro de 1994, e a instauração do procedimento disciplinar válido, ocorrida em junho de 1999, não transcorreu o prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no inciso I do art. 142 da Lei 8.112/90, aplicável às infrações apenadas com demissão. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 8.558/DF, Relator Ministro: Vicente Leal, Distrito Federal, 16 de dezembro de 2002.

Sopesadas as considerações acerca do ato anulatório, vale observar que o artigo 169

da legislação estatutária prevê a designação de nova comissão processante para o prosseguimento da apuração. Não obstante esta disposição, não há óbice legal na recondução do colegiado anteriormente constituído ou, ainda, o refazimento dos atos inválidos no âmbito do mesmo procedimento.

Todavia, em obediência ao princípio do juiz natural, a comissão deve ser designada

por autoridade legalmente competente, consoante ensina Romeu Felipe Bacelar.

Destarte, a validade do processo administrativo disciplinar instaurado contra Policiais Federais está condicionada à promoção por Comissão Permanente de Disciplina, devidamente instituída, em estrita observância aos princípios constitucionais da legalidade e do juiz natural. (MS 13.250/DF, Relator Ministro: Felix Fischer, Data do julgamento: 05/12/2008, 3ª Seção, Data da Publicação: 02/02/2009; grifo no original) A normatividade do princípio do juiz natural informa o processo administrativo (inclusive o disciplinar). Quanto ao programa normativo, os enunciados linguísticos dos incs. XXXVII e LIII do art. 5º não são incompatíveis com o processo administrativo disciplinar. A expressão “juízo”, como assinalado, comporta o sentido de julgamento que ocorre em sede de processo administrativo disciplinar, onde há um juízo administrativo. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo Administrativo Disciplinar. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.333.

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E, acima de tudo, no ato da escolha dos novos membros, tal como na recondução

dos anteriores, seja afastado qualquer questionamento acerca da imparcialidade dos trabalhos a serem desenvolvidos pelo colegiado.

Tendo em vista os limites da função atribuída ao trio processante – qual seja, a de

buscar elementos suficientes ao embasamento de eventual responsabilização, restringindo-se a recomendar a penalidade aplicável – não há ofensa ao referido princípio pela constituição de comissão em momento posterior ao fato. Desse modo, por força de lei ou regulamento previamente editado, os autos serão encaminhados à autoridade competente para o proferimento da decisão, não cabendo a invocação de “tribunal ou juízo de exceção”.

Ressalte-se, por oportuno, que a eventual nulidade ocorrida em processo de

sindicância, não afeta a validade do processo administrativo disciplinar que a sucedeu, vez que a referida nulidade poderá ser corrigida no âmbito do PAD. Consoante já se manifestou a AGU no Parecer AGU-GQ nº 37 – vinculante, “(...)A legalidade do processo disciplinar independe da validade da investigação, efetuada através da sindicância de que adveio aquele apuratório.”

De outro lado, a decretação da invalidade esbarra no limite temporal fixado pelo art.

154 da Lei nº 9.784/99, abaixo transcrito:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

Este normativo estabelece prazo prescricional de 5 (cinco) anos para a declaração

de nulidade de atos administrativos cujos efeitos sejam favoráveis ao administrado. Assim, ressalvada a má-fé do beneficiário, este dispositivo visa conferir segurança jurídica ao processo administrativo.

Deste modo, no âmbito administrativo, a autoridade competente não mais poderá

declarar a nulidade das decisões de exculpação, arquivamento ou aplicação de penalidades menos gravosas (p.e. advertência e suspensão inferior a 30 dias), mesmo que comprovadamente inválidas, visto que estará impedida pela restrição contida na legislação. Nessa esteira, ressaltem-se os seguintes trechos extraídos do Parecer AGU nº GQ-10, vinculante:

20. Por em regra, tinha a extinta Consultoria Geral da República e, atualmente, a Advocacia-Geral da União, como meta não proceder à revisão de decisão presidencial, a não ser que elementos novos, merecedores de ponderação, fossem oferecidos pelo interessado. Também, tenho-me mostrado infenso às revisões quando não hajam sido trazidos à colação novos fatos que a possam ensejar. Na espécie, entretanto, penso, salvo melhor entendimento, que a solicitação deve merecer acolhida, isto porque, os elementos jurídicos apresentados no Parecer CJ nº 074/93/MJ são bastantes para se chegar à conclusão de que, na verdade, toda pretensão exposta perante a Administração Pública com a finalidade de rever ato contaminado com vício de nulidade acha-se sujeita à prescrição quinquenal consignada no Decreto 20.910/32, não podendo ser relevada sob pena de acarretar - como ficou patenteado na E.M. nº 355/MJ - danosas consequências ao serviço público. “Ementa: (...) 1. O Decreto nº 20.910, de 06.01.32, ao determinar a prescrição quinquenária de qualquer ação contra ato administrativo não fez qualquer distinção entre nulidade e anulabilidade. O prazo da prescrição incide em

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relação a quaisquer direitos pessoais, como o são os decorrentes de relação de serviço público. 2. A prescrição quinquenal referida abrange qualquer direito ou ação. 3. Se é certo que o ato administrativo ilegítimo não se torna válido pelo tempo decorrido, qualquer que seja o período de sua duração, pois, o que é vicioso continua sempre vicioso. Certo, também, é que prescreverá, no prazo de 5 (cinco) anos a ação do interessado para o invalidar, por não se justificar a instabilidade jurídica, mesmo que potencial, por todo e sempre. 4. Em consequência, se o interessado não agiu dentro dos cinco anos autorizados pelo ordenamento positivo, o ato, mesmo inválido, firma-se, estabiliza-se, não podendo mais ser anulado, quer por meio administrativo, quer por decisão judicial.

No mesmo rumo, pode ocorrer de a declaração de nulidade recair somente sobre o

julgamento, mormente nos casos de inadequação da penalidade aplicada. Vale ressaltar que não se trata da revisão processual destacada na Lei nº 9.784/99, hipótese esta que afasta a viabilidade do agravamento da sanção.

Lei nº 9.784/99. Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada. Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção.

Portanto, declarada a nulidade do ato decisório, torna-se permitida a prolação de

novo julgamento, inclusive contendo penalidade mais gravosa. Posto que o ato inválido fora extinto desde sua origem com a decretação de sua nulidade, torna-se inexistente no mundo jurídico e inapto para a produção de efeitos. Com isso, a prolação de novo julgamento não tem o condão de reformar o anteriormente proferido, mas substitui-lo validamente.

Assim, se o primeiro julgamento tiver sido anulado de ofício pela Administração por

vício de legalidade e com fundamento no princípio da autotutela, não há impedimento para que o segundo julgamento seja mais gravoso ao servidor. Vê-se que não se trata de reavaliação de mérito do processo disciplinar, cabível em sede de revisão processual – fase em que se proíbe a reformatio in pejus.

Nesta linha, além da admissão de agravamento da sanção, entende-se que nova decisão não incorre em bis in idem, uma vez que não se considera a imputação de segunda penalidade ao mesmo fato. Mas, tão-somente, a aplicação da sanção adequada ao caso, atendidos os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, conforme já se manifestou a AGU no Parecer GQ-177 – vinculante, e os Tribunais Superiores, respectivamente:

Parecer GQ-177 – vinculante. Ementa: O julgamento de processo disciplinar de que advém a aplicação de penalidade mais branda que a cominada em lei, efetuado pela autoridade instauradora, não obsta que aquela efetivamente competente julgue e inflija a punição adequada, sem que esse ato caracterize dupla irrogação de pena, em razão de um mesmo fato ilícito. Ementa: Previsão legal da pena de demissão. Aplicação errônea da pena de suspensão. A hipótese não é de revisão para beneficiar (art. 174 da Lei 8.112/90), mas de ato da Administração Pública proferido contra expressa letra da lei e passível de correção ex officio. Inaplicabilidade da Súmula 19 do STF. Precedente: MS 23.146. Nenhuma mácula ocorre com relação ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, se preservada toda a matéria produzida nos autos do processo administrativo onde esses princípios foram observados.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso em Mandado de Segurança nº 24.308-DF, Relatora Ministra Ellen Gracie, 25 de abril de 2003. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO. EXTENSÃO DOS EFEITOS. CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. A declaração de nulidade do processo administrativo implica na desconstituição de todos os seus atos, inclusive o de instauração da comissão disciplinar, o que resulta na inexistência do ato interruptivo da prescrição, que deve ser contada, conseqüentemente, desde o conhecimento do fato lesivo até a instauração do segundo processo disciplinar. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 8.558-DF (2002/0095484-0), Relator Ministro Vicente Leal, 16 de dezembro de 2002. Ementa: [...] 2. O disposto na Súmula 19 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual „é inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que se fundou a primeira‟, não se aplica a hipóteses como a dos autos. Em havendo a anulação da primeira punição, não há falar em bis in idem ou em nulidade na aplicação de outra penalidade pela prática da mesma infração. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 11.138-DF (2005/0187735-7), Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Distrito Federal, 04 de junho de 2009. Ementa: Não se aplica ao procedimento disciplinar a vedação da „reformatio in pejus‟, pelo que pode a autoridade hierarquicamente superior aplicar pena mais gravosa do que a imposta pelo inferior. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança nº 29-RJ (1989/0009260-0), Relator Ministro Américo Luz, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1994.

Resta claro, portanto, que ainda que o “servidor penalizado já tenha cumprido sua

penalidade, quando um ato do processo disciplinar estiver eivado de ilegalidade, deverá ser anulado de ofício, com base no princípio da autotutela, no art. 114 da Lei nº 8.112/90 e nas Súmulas nº 346 e 473 do STF (...), considerando que não se trata da revisão de ofício prevista no art. 174 da Lei nº 8.112/90 e tendo em vista que não se trata de “bis in idem”. 279

16.2. PRINCÍPIO DO PREJUÍZO Literalmente, o princípio dispõe que “não há nulidade sem prejuízo”. Isto é, nenhum ato será declarado nulo sem que seja comprovado efetivo prejuízo ao acusado, influência concreta na decisão desfavorável ou obstrução na apuração da verdade real dos fatos. Analogamente ao processo penal, extrai-se que:

Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. Art. 566. Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.

279 LINS, 2007, p. 201.

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Formulação DASP nº 57. Inquérito administrativo. O inquérito administrativo só é nulo em razão de irregularidades que impliquem em cerceamento à defesa.

Também a jurisprudência é pacífica quanto a esse tema. Veja abaixo:

EMENTA: [...] 6. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a demonstração de prejuízo efetivo para a defesa deve ser exposta detalhadamente, de modo a permitir a exata repercussão que o ato impugnado teria na apuração dos ilícitos funcionais. [...]. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 14.050-DF (2008/0282962-0), Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Distrito Federal, 21 de maio de 2010. EMENTA: [...] 3. Eventual nulidade no Processo Administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo sofrido, o que não restou configurado na espécie, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief. Precedentes. [...]. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 9657-DF (2004/0052299-4), Relatora Ministra Laurita Vaz, Distrito Federal, 1º de fevereiro de 2010.

Do mesmo modo, aplica-se no estudo das nulidades do processo disciplinar, o princípio geral que vigora no âmbito do processo penal de que “ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza”, ou seja, a nulidade não pode beneficiar a quem lhe deu causa. O art. 565 do CPP, ao tratar do tema, dispõe que “nenhuma das partes poderá arguir nulidade relativa a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse”. Atentando-se à finalidade do processo disciplinar, qual seja a busca da verdade dos fatos, ao acusado devem ser providos todos os meios de defesa a fim de garantir-lhe pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. À luz dessa perspectiva, a análise da eventual nulidade no processo está diretamente ligada ao grau de cerceamento de defesa, conforme prescreve a Súmula nº 523 do STF: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só a anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. Por fim, tendo em vista o formalismo moderado admitido no processo disciplinar, a demonstração do prejuízo encontra-se aliada à comprovação da impossibilidade de alcance dos mesmos efeitos por meio diverso. Isto é, o suposto ofendido deve comprovar que não existia outro modo, senão aquele que pretende impugnar, capaz de revelar a verdade dos fatos e garantir sua defesa. Acerca da matéria, manifestou-se a AGU por meio dos Pareceres-AGU nº GQ-37 e nº GQ-177, vinculantes, respectivamente:

15. [...] o cerceamento de defesa não se presume, eis que, em sendo um fato, há que exsurgir do contexto do processo disciplinar. Ementa: [...] O cerceamento de defesa é um fato e, em decorrência, quem o alega deve demonstrar o efetivo dano sofrido no exercício do direito de defender-se, não se admitindo sua presunção.

16.3. ESPÉCIES DE NULIDADES

16.3.1. NULIDADES ABSOLUTAS

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Uma vez detectada a nulidade absoluta, há o comprometimento integral da validade do ato face à natureza e gravidade da ilegalidade. À luz desse entendimento, determina-se o refazimento do ato desde a origem, sendo possível a contaminação de quaisquer provas posteriormente produzidas. Os atos praticados nessa condição não produzem efeitos jurídicos, sendo-lhes vedada a convalidação. Ademais, ante o efetivo prejuízo à defesa, não é requerida a comprovação da ofensa provocada ao acusado (presunção absoluta). Acerca da nulidade absoluta, leciona José Armando da Costa280:

As nulidades absolutas são aquelas que, afrontando o rito de concretização do ato processual, traduzem patente prejuízo para o acusado, ou trazem, por força de lei ou regulamento, a presunção juris et de jure dessa ofensa. Em razão dessas proeminências, não carecem essas nulidades de demonstração de prejuízo por parte do interessado.

É relevante observar que a gravidade de tais vícios podem comprometer todo o procedimento correcional. Como exemplo, podemos imaginar um colegiado processante composto por membro que ainda não tenha adquirido a estabilidade. Nesta caso, é certo que todos os atos praticados no processos estão tisnados do vício da nulidade.

Segue rol, meramente exemplificativo, de hipóteses de nulidade absoluta: 16.3.1.1. DE COMPETÊNCIA.

a) abertura de processo por autoridade hierárquica totalmente incompetente; b) incompetência da autoridade julgadora (nesse caso, somente o julgamento será

nulo). 16.3.1.2. RELACIONADOS À COMISSÃO

a) não atendimento aos requisitos funcionais (nível de escolaridade, cargo) dos membros da comissão;

b) designação de membros em número inferior ao legalmente previsto (comissão de PAD ordinário - composta por menos de três membros ou, sob o rito sumário, com apenas um membro);

c) comissão composta por membros não ocupantes de cargo efetivo (demissíveis ad nutum);

d) comissão integrada por servidores não estáveis.

16.3.1.3. RELACIONADOS AO DIREITO DE DEFESA

a) inexistência do exercício dos direitos do contraditório e da ampla defesa em

razão da ausência de notificação para acompanhar o processo; b) indeferimento, sem motivação, de perícia técnica, oitiva de testemunhas e

outras diligências solicitadas pelo acusado;

280 COSTA, 2011, p. 437.

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c) falta de defesa escrita; d) impossibilitar o acusado, procurador legalmente constituído ou defensor dativo

de ter acesso, vistas ou cópia dos autos; e) Utilizar para responsabilização do servidor documentos não submetidos ao

crivo do contraditório, tal como na hipótese de juntada de novas provas após a apresentação da defesa escrita do indiciado, sem a abertura de novo prazo para manifestação.

16.3.1.4. RELACIONADOS AO JULGAMENTO

a) ausência de identidade entre os fatos constantes do indiciamento e do ato

decisório; b) julgamento frontalmente contrário às provas produzidas nos autos do processo; c) julgamento divergente das conclusões contidas no relatório final da comissão

sem motivação no ato decisório; d) julgamento proferido por autoridade impedida.

É válido relembrar que, consoante o entendimento esposado pelo STF, por meio da Súmula Vinculante nº 5281, a ausência de defesa técnica por advogado no processo disciplinar não configura hipótese de nulidade, posto que constitui faculdade concedida ao acusado.

16.3.2. NULIDADES RELATIVAS Os vícios ensejadores de nulidade relativa inquinam o ato de maneira menos gravosa, pelo que admitem o saneamento por meio da convalidação, conforme dispõe o art. 53 da Lei nº 9.784/99:

Lei nº 9.784/99 – Art. 55. Em decisão da qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.

Têm em foco a ausência de lesão ao interesse público ou prejuízo a terceiros de boa-fé. No entanto, requerem a demonstração do prejuízo causado, desde que tenham sido oportunamente arguídos pela parte interessada. Ao contrário dos vícios insanáveis, o questionamento intempestivo das nulidades relativas pode levar à convalidação por decurso de tempo (preclusão), sobretudo se os efeitos do ato tenham sido alcançados de forma diversa (princípio do formalismo moderado). A esse respeito, José Armando da Costa282 preleciona:

No âmbito da processualística disciplinar, onde é mais acentuado o predomínio da verdade real sobre a formal, o ato, desde que preencha o mínimo formal atestador de sua existência, será tido e havido como válido, a menos que a

281 Súmula Vinculante STF nº 5 - A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar

não ofende a Constituição.

282 COSTA, 2011, p.429.

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irregularidade que o contamina implique prejuízo substancial em detrimento da verdade dos fatos.

Porém, é forçoso ressaltar a aplicação do poder de autotutela à espécie. Assim, vedada a inércia da Administração face à ilegalidade de seus atos, mesmo daqueles eivados de vícios sanáveis, admite-se a revisão de ofício. Sendo passível de controle judicial, no âmbito daquela esfera, não se admite o aperfeiçoamento do ato pela convalidação, cuja atribuição é exclusiva da Administração Pública. Compete ao Poder Judiciário, tão-somente, o controle de legalidade e a declaração de invalidade nos limites de suas atribuições. Ainda, a arguição da nulidade relativa não poderá ser oposta pela parte que lhe deu causa, ou para a qual tenha concorrido, visto não ser admitido valer-se da própria torpeza (princípio da causalidade). Logo, o interessado não poderá usufruir da situação jurídica por ele criada a fim de afastar o exercício do poder de punir da Administração, conforme reza o art. 565 do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo disciplinar: “Nenhuma das partes poderá arguir nulidade relativa a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse”. Considerando a necessidade de comprovação de concreto prejuízo à defesa, segue lista exemplificativa das hipóteses de vícios sanáveis, passíveis de ocorrência no âmbito do processo disciplinar:

a) suspeição da autoridade instauradora do processo; b) suspeição dos membros da comissão disciplinar; c) suspeição da autoridade julgadora, quando não seja a mesma que instaurou o

processo; d) existência originária ou superveniente de impedimentos funcionais em desfavor

de qualquer um dos membros da comissão; e) desenvolvimento dos trabalhos sob a tutela de autoridade hierarquicamente

superior, atingindo a autonomia da comissão; f) notificação ou citação por edital de indiciado que tenha endereço certo (a

participação nos atos, pessoalmente ou por meio de procurador constituído, e a apresentação de defesa no prazo regular suprem a notificação e a citação);

g) notificação ou citação por edital de servidor internado em estabelecimento hospitalar para tratamento de saúde (a participação nos atos, pessoalmente ou por meio de procurador constituído, e a apresentação de defesa no prazo regular suprem a notificação e a citação); e

h) notificação ou citação, de pronto, por edital, quando inexiste no processo qualquer indicação que traduza o empenho pela localização do indiciado (a participação nos atos, pessoalmente ou por meio de procurador constituído, e a apresentação de defesa no prazo regular suprem a notificação e a citação).

16.4. MERAS IRREGULARIDADES

O vício de mera irregularidade afeta apenas a forma exteriorizada do ato, não atacando a veracidade dos fatos ou princípios norteadores do processo. Sobre esse assunto, José Armando da Costa cita283 como exemplos:

283 Idem, p. 440.

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a) tomada de providências que tenham sido deliberadas sem a respectiva ata; b) simples troca do nomen juris das peças processuais efetivamente

realizadas; c) excesso de prazo na conclusão do processo; d) ausência de encaminhamento ao Ministério Público e TCU; e) julgamento fora do prazo legal e f) ausência de meros formalismos.

Como exemplo desta espécie de vício, conveniente destacar reiterados julgados do

STJ, nos quais se aponta o excesso de prazo para a conclusão do processo, bem como a ausência de encaminhamento ao Ministério Público e TCU, como vícios desta categoria. Senão vejamos trechos de precedentes daquele Tribunal:

Ementa: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO NÃO OCORRÊNCIA. EXCESSO DE PRAZO NA APRESENTAÇÃO DE PARECER PE-LA COMISSÃO DISCIPLINAR. MERA IRREGULARIDADE QUE NÃO GERA NULI-DADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. EXISTÊNCIA DE SEN-TENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. [...] 2. O entendimento desta Corte é no sentido de que eventuais irregularidades relativas ao excesso de prazo para prática de atos, quando incapazes de trazer prejuízo ao militar disciplinando, não ensejam nulidade do processo adminis-trativo disciplinar. Precedentes. [...] 5. Recurso ordinário desprovido. (RMS 22.032/GO, Relatora Ministra: Laurita Vaz, Data do Julgamento: 16/12/2010, 5ª Turma, Data da Publicação: 07/02/2011; grifos no original) Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MINISTÉRIO PÚBLICO. TRIBUNAL DE CON-TAS. CIÊNCIA. ARTIGO 15 DA LEI 8.429/92. FALTA. MERA IRREGULARIDADE. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO OCORRÊNCIA. DEMISSÃO. PROPORCIONALIDADE. SEGURANÇA DENEGADA. I - Constitui mera irregularidade, incapaz de gerar nulidade, o fato de a comis-são processante não ter dado ciência imediata ao Ministério Público e ao Tri-bunal de Contas da existência do procedimento administrativo disciplinar, pa-ra eventual apuração da prática de ato de improbidade. […] Ordem denegada. Agravo regimental prejudicado. (MS 15021/DF, Relator Ministro: Felix Fischer, Data do julgamento: 25/08/2010, 3ª Seção, Data da Publicação: 24/09/2010; grifos no original)

Portanto, referido vício não afeta a veracidade dos fatos; tão somente a forma com que se manifestam.

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BIBLIOGRAFIA

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