CONVENÇÕES PROCESSUAIS

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2020 Antonio do Passo Cabral CONVENÇÕES PROCESSUAIS: Teoria geral dos negócios jurídicos processuais 3.ª edição revista, atualizada e ampliada

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Antonio do Passo Cabral

CONVENÇÕES PROCESSUAIS:Teoria geral dos negócios

jurídicos processuais

3.ª ediçãorevista, atualizada

e ampliada

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Capítulo 5

FORMAÇÃO DOS ACORDOS PROCESSUAIS E LIMITES PARA SUA CELEBRAÇÃO

5.1. AUTONOMIA DAS CONVENÇÕES PROCESSUAIS EM RELA-ÇÃO ÀS DEMAIS CLÁUSULAS DO CONTRATO DE DIREITO MATERIAL

As convenções processuais possuem autonomia em relação ao ins-trumento (p.ex. um contrato de direito material) em que encartadas. Na arbitragem, a constatação da autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato que a prevê é antiga, já foi afirmada em vários países ao redor do mundo,1 e consta expressamente da legislação brasileira (art. 8º da Lei nº 9.307/96).2

1 No direito francês, esta independência está positivada no Código (art. 1.447 do Code de Procédure Civile): “La convention d’arbitrage est indépendante du contrat auquel elle se rapporte. Elle n’est pas affectée par l’inefficacité de celui-ci. Lorsqu’elle est nulle, la clause compromissoire est réputée non écrite”. A jurisprudência entende ser apli-cável tanto no direito internacional quanto no direito interno. Cour de Cassation, 1re chambre civile, 25.10.2005, Bulletin des arrêts civils de la Cour de Cassation, I, nº 378: “Mais attendu, d´abord, qu´en application du principe de validité de la convention d´arbitrage et de son autonomie en matière internationale, la nullité non plus que l´inexistance du contrat qui la contient ne l´affectent”. Na doutrina, GUINCHARD, Serge; CHAINAIS, Cécile; FERRAND, Frédérique. Procédure civile: droit interne et droit de l´Union européenne. Op. cit., p.1487; BOISSÉSON, Matthieu de. La nouvelle convention d’arbitrage. Op. cit., p.81, 85. Na jurisprudencia, Cour de Cassation, 2ème chambre civile, 04.04.2002, Bulletin des arrêts civils de la Cour de Cassation, II, nº 69: “la clause compromissoire présentant, par rapport à la convention principale dans laquelle elle s´insère, une autonomie juridique qui exclut, sauf convention contraire, qu´elle puísse être affectée par l´inefficacité de cet acte”.

2 GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015. Op. cit., p.621. Sobre a arbitragem, no Brasil, por todos, CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Op. cit., p.173 ss.

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E esta conclusão pode ser generalizada para todos os acordos pro-cessuais,3 campo em que também há algum tempo tem-se entendido pela sua autonomia em relação a outros preceitos contratuais ou convencionais. Nesse sentido, a doutrina já afirmou a autonomia das convenções proces-suais ao tratar dos acordos para instituição de conciliação ou mediação,4 nas cláusulas solve et repete,5 bem assim das convenções atributivas de competência.6

Essa independência em relação ao instrumento deriva da ideia de que a autonomia das partes para conformar situações jurídicas processuais não é um mero complemento da liberdade no direito material, algo acessório e secundário que pudesse ser entendido como subordinado às regras do direito privado. Ao contrário, os acordos processuais devem ser compreendidos como independentes dos negócios jurídicos de direito material porque os atos processuais em geral produzem efeitos diversos de um negócio jurídico material similar.7 Trata-se de separar o negotium do instrumento, inclusive

3 CADIET, Loïc. Liberté des conventions et clauses relatives au règlement des litiges, Op. cit., p.31; CADIET, Loïc; JEULAND, Emmanuel. Droit judiciaire prive. Op. cit., p.282. Na doutrina brasileira, GODINHO, Robson Renault. A autonomia das partes no projeto de Código de Processo Civil: a atribuição convencional do ônus da prova. Op. cit., p.590; ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. Das convenções processuais no processo civil. Op. cit., p.108; ENASA, Luca. Gli accordi sulla giurisdizione tra parti e terzi. Milano: Cedam, vol.1, 2012, p.96-100. No direito civil, GOMES, Orlando. Contratos. Op. cit., p.195.

4 CADIET, Loïc. Los acuerdos procesales en derecho francés: situación actual de la contractualización del proceso y de la justicia en Francia, Op. cit., p.6. Na jurisprudencia francesa: Cour de Cassation, 2ème chambre civile, 06.07.2000, nº 98-17.827. Vejam-se as notas de Jarrosson a este acórdão que estão na Revue de l´arbitrage, 2001, p.749 ss.

5 LIEBMAN, Enrico Tullio. Contro il patto “solve et repete” nei contratti. Op. cit., p.244-245.

6 Cf. CADIET, Loïc. Los acuerdos procesales en derecho francés: situación actual de la contractualización del proceso y de la justicia en Francia, Op. cit., p.8. Em sentido con-trário, com o qual não podemos concordar, Satta defendia que a cláusula de atribuição de competência segue a validade ou invalidade do contrato em que inserida. SATTA, Salvatore. Contributo alla dottrina dell’arbitrato. Op. cit., p.61. Mais recentemente, confira-se a análise crítica sobre a “separabilidade” entre as convenções processuais e o contrato subjacente em TAYLOR, David H.; CLIFFE, Sara M. Civil Procedure by Contract: A Convoluted Confluence of Private Contract and Public Procedure in Need of Congressional Control. Op. cit., p.1130 ss.

7 HÄSEMEYER, Ludwig. Parteivereinbarungen über präjudizielle Rechtsverhältnisse: Zur Fragwürdigkeit der Parteidisposition als Urteilsgrundlage. Op. cit., p.219; WAGNER, Gerhard. Prozeßverträge. Op. cit., p.278 ss.

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apartando os aspectos que tocam o direito material daqueles que envolvem o direito processual.8

Essa separação ideal tem repercussões práticas importantes. De um lado, não há necessidade de que exista um negócio jurídico material subjacente a cada negócio processual, mesmo que ambos sejam celebrados simultanea-mente. A referibilidade do acordo é a um processo atual ou potencial, não a um outro negócio ou contrato de natureza material. Note-se que pode haver negócio processual em ação declaratória negativa,9 mais uma demonstração de que as convenções processuais não podem ter sua formação, modificação ou extinção totalmente atreladas a relações de direito material.

Outra relevância prática da autonomia dos acordos processuais em relação ao direito material é permitir aproveitar as convenções sobre o processo quando o contrato seja invalidado ou resolvido por alguma cau-sa de ineficácia. A ineficácia do contrato de direito material não atinge, como regra, o acordo processual.10 Nesse sentido, a lei de arbitragem – em norma que se aplica a qualquer convenção processual, porque respeita a mesma lógica – dispõe, em seu art. 8º, que “a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória”.

Todavia, os negócios jurídicos processuais não são abstratos, como se ignorassem o direito material. É claro também que direito substancial e direito processual implicam-se mutuamente: como se verá, por vezes as peculiaridades do direito substancial impactarão os requisitos de validade dos acordos sobre o processo e também seus limites, porque não se poderia permitir que, através de um pacto de natureza processual, as partes obtives-sem um resultado que lhes fosse vedado pelo direito material.

Não obstante, esta parcial e episódica interseção não deve ofuscar o norte da correta compreensão das relações entre negócios materiais e processuais, que é a regra da independência das convenções processuais em relação ao direito material.

8 BLANCHIN, Catherine. L’autonomie de la clause compromissoire: um modele pour la clause attributive de juridiction? Paris: LGDJ, 1995, passim.

9 HELLWIG, Hans-Jürgen. Zur Systematik des zivilprozeßrechtlichen Vertrages. Op. cit., p.92-93.

10 CADIET, Loïc. Los acuerdos procesales en derecho francés: situación actual de la contractualización del proceso y de la justicia en Francia, Op. cit., p.3.

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5.2. CORREGULAÇÃO FORMAL: COMBINAÇÃO DE REQUISITOS DO DIREITO MATERIAL E DO DIREITO PROCESSUAL

Contudo, quando pensamos na formação dos acordos processuais, devemos ter em mente que, assim como os atos processuais são espécies de atos jurídicos, as convenções processuais são também espécies de negócio jurídico. Portanto, aplica-se aos acordos processuais a sistemática da teoria geral dos negócios, regulada no direito civil, podendo o intérprete partir de algumas disposições do direito privado, adaptá-las e as aplicar aos acordos processuais no que tange aos requisitos, efeitos, limites à autonomia priva-da,11 sempre com o cuidado de tratar-se de uma espécie peculiar de negócio jurídico afeta ao ambiente publicista que é o processo.

De fato, embora aplicáveis em tese, nem todas as regras de direito ma-terial da teoria dos negócios jurídicos poderão ser sempre e sem restrições transpostas para o direito processual. Como os acordos processuais são destinados a conformar, em alguma medida, a relação jurídica processual, com as idiossincrasias do direito público, às convenções processuais também devem ser aplicadas regras específicas, como aquelas referentes às nulida-des e aos pressupostos processuais.12 Apesar de serem negócios jurídicos, os acordos processuais são regulados pela lei processual no que se refere à capacidade, forma etc.13

Mas essa constatação não nos pode levar a adotar o entendimento opos-to, de rejeitar por completo a utilização por analogia da regulação do direito privado, ou suplantá-la pelo direito público. Nesta concepção, os requisitos de índole processual prevaleceriam sempre em detrimento daqueles da teoria geral dos negócios jurídicos. Ora, observe-se, de um lado, que não há como suprimir ou ignorar o regramento da teoria geral dos negócios jurídicos porque os acordos processuais podem ser prévios ao surgimento do processo (e por vezes se destinam mesmo a evitá-lo), e portanto podem nunca vir

11 HÄSEMEYER, Ludwig. Parteivereinbarungen über präjudizielle Rechtsverhältnisse: Zur Fragwürdigkeit der Parteidisposition als Urteilsgrundlage. Op. cit., p.212.

12 Em sentido similar, HÄSEMEYER, Ludwig. Parteivereinbarungen über präjudizielle Rechtsverhältnisse: Zur Fragwürdigkeit der Parteidisposition als Urteilsgrundlage. Op. cit., p.212; SILVA, Paula Costa e. Pactum de non petendo: exclusão conven-cional do direito de ação e exclusão convencional da pretensão material, Op. cit., p.317-318; GRUNSKY, Wolfgang. Grundlagen des Verfahrensrechts. Op. cit., p.158; ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. Das convenções processuais no processo civil. Op. cit., p.107.

13 CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di Diritto Processuale. Op. cit., p.775.

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a ser aplicados ou interpretados judicialmente.14 Nesse caso, é natural que sua validade e eficácia sejam analisadas também pelas disposições da teoria geral dos negócios jurídicos.

Por outro lado, a ideia de subordinação das regras do direito privado àquelas de direito público representaria a vitória da concepção de que o indivíduo e a esfera privada seriam sempre hierarquicamente inferiores, e assim deveriam submeter-se à prevalência do Estado e da esfera pública, o que tampouco se justifica no ordenamento jurídico.15

Então, na verdade, deve haver uma corregulação entre normas materiais e processuais, que se combinam na normatização dos acordos processuais. Essa combinação pode ser reconduzida à relação entre direito e processo, já bem delineada na doutrina processual,16 segundo a qual se deve enxergar uma conexão valorativa (Wertungszusammenhang) entre o direito privado e o direito processual civil.17

Pois bem, admitir como premissa a corregulação das convenções pro-cessuais, operada simultaneamente por regras substanciais e processuais com igual nível e status, tem repercussões práticas fundamentais. Se, em um acordo processual e um contrato (v.g., uma compra e venda), houver cláusulas aparentemente conflitantes, que levarem a resultados incompatíveis, não há qualquer hierarquia ou prevalência, seja das disposições de direito material, seja daquelas do direito processual, porque não há entre as cláusulas qualquer

14 Trícia Cabral, em nosso sentir sem razão, afirma que “O regime jurídico das conven-ções em matéria processual é responsável por estabelecer os parâmetros de tratamento e formas de funcionamento do instituto em nosso ordenamento jurídico processual. Inicialmente deve ser registrado que há diferença entre o regime jurídico das conven-ções firmadas extrajudicialmente e judicialmente. No âmbito extrajudicial adotam-se as normas de direito material para a sua constituição. Já no campo processual, devem ser respeitadas as regras de direito material e também as de direito processual, em uma espécie de regime jurídico misto”. CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Convenções em matéria processual, Op. cit., p.18. Como veremos, não é porque as convenções proces-suais podem não chegar a ser apreciadas em um processo judicial que sua regulação é infensa aos requisitos formais do processo.

15 Com razão, WAGNER, Gerhard. Prozeßverträge. Op. cit., p.14-15.16 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo – Influência do direito material

sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 4ª ed., 2006; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. vol.2, Op. cit., p.32, 429 ss; CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Op. cit., loc. cit.

17 WAGNER, Gerhard. Prozeßverträge. Op. cit., p.60-61; SILVA, Paula Costa e. Pactum de non petendo: exclusão convencional do direito de ação e exclusão convencional da pretensão material, Op. cit., p.316-317.

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relação de prioridade. Neste caso, para verificar a real extensão da manifes-tação de vontade e dos escopos pretendidos pelos sujeitos contratantes, deve ser procurada a conjugação das convenções ou o afastamento de uma delas (por contradição ou incongruência), mas partindo da compreensão de que se trata de dois atos jurídicos de equivalente importância.18

Então, não se deve pensar nos negócios jurídicos em geral e nos negó-cios processuais em especial nem numa relação de absorção e prevalência, nem como âmbitos mutamente excludentes. Antes, devemos combinar os dois campos atentando para suas aproximações e diferenças, a fim de extrair dessa combinação critérios para que o equilíbrio entre interesses públicos e a autonomia das partes preserve garantias fundamentais e a efetividade do processo.19

Vistas essas questões, sigamos na análise da formação dos acordos processuais, e dos parâmetros para sua interpretação e aplicação.

5.3. DIRETRIZES OU VETORES APLICATIVOS

Antes de estudarmos os parâmetros de controle, cabe pontuar as três diretrizes centrais, que podem ser descritas também como “vetores” para aplicação do processo convencionado no direito brasileiro.

5.3.1. In dubio pro libertate

Nos capítulos anteriores,20 já ficou fixada uma premissa importante do processo civil contemporâneo, a máxima in dubio pro libertate, uma pressuposição em favor da liberdade de conformação do procedimento pela vontade das partes.21

Para inverter esta prioridade sistêmica, tem o juiz o “ônus argumentati-vo” em sentido contrário, exigindo-se dele uma fundamentação mais intensa e específica, à luz de circunstâncias concretas. Só assim poderá infirmar a autonomia dos sujeitos do processo para convencionar, negando aplicação

18 HÄSEMEYER, Ludwig. Parteivereinbarungen über präjudizielle Rechtsverhältnisse: Zur Fragwürdigkeit der Parteidisposition als Urteilsgrundlage. Op. cit., p.221.

19 WAGNER, Gerhard. Prozeßverträge. Op. cit., p.126 ss.20 Veja-se o item 3.1.4.21 SCHLOSSER, Peter. Einverständliches Parteihandeln im Zivilprozeß. Op. cit., p.1 ss, 9-15,

43 ss; GRUNSKY, Wolfgang. Grundlagen des Verfahrensrechts. Op. cit., p.208; DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol.1, 17ª ed., Op. cit., p.387; CHIZZINI, Augusto. Konventionalprozess e poteri delle parti. Op. cit., p.51, 54.

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aos acordos ou pronunciando-lhes a invalidade.22 Essa é a primeira diretriz aplicativa que deve iluminar a tarefa de controle da validade e eficácia dos negócios jurídicos processuais.

5.3.2. Contraditório na interpretação e aplicação dos acordos processuais

Por outro lado, não se pode imaginar que o juiz, podendo conhecer de ofício da (in)validade dos acordos processuais, como permite o art.190, parágrafo único, pudesse proceder a este controle com desconsideração da participação das partes. No sistema do CPC/2015, o controle exercido pelo juiz sobre a validade das convenções processuais deve ser empreendido de maneira cooperativa, com respeito ao contraditório,23 cuja observância é obrigatória mesmo para as questões que o juiz pode conhecer de ofício (art. 10 do CPC/2015).

5.3.3. Aplicação do sistema de invalidades processuais: aproveitamento e convalidação dos negócios jurídicos processuais

Por fim, em se tratando de controle judicial das convenções processuais, e portanto já tendo sido ajuizada a ação e formada a relação processual, o negócio jurídico vê seus efeitos serem processualizados. Neste sentido, parece-nos adequado que se aplique, ao juízo de invalidação realizado pelo juiz, o sistema de formas e invalidades processuais, e não apenas as regras do direito material.

Uma das repercussões mais relevantes deste vetor aplicativo é que deve incidir o princípio de validade prima facie dos atos processuais,24 com a pos-sibilidade de convalidação ou aproveitamento das convenções processuais se suprido o vício, se sanada a manifestação de vontade, se complementada a

22 SCHLOSSER, Peter. Einverständliches Parteihandeln im Zivilprozeß. Op. cit., p.10; WAGNER, Gerhard. Prozeßverträge. Op. cit., p.79 ss. Comentando o novo CPC brasileiro de 2015, Schlosser reafirmou sua tese. SCHLOSSER, Peter. Einverständliches Parteihandeln im deutschen Zivilprozess. in CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (Coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015, p.105 ss.

23 GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015. Op. cit., p.613; FRIO, Nikolai Bezerra. Função social das convenções processuais: uma análise no plano da validade. Universidade Federal de Pelotas: Dissertação de Mestrado, 2019, p.147 ss.

24 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno. Op.cit., p.185 ss.

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inobservância da forma ou se atingido o escopo pretendido pela parte com a prática do ato (instrumentalidade das formas).25 A pedra de toque deve ser a regra de que não se deve pronunciar nulidade sem prejuízo (art.282 §2° e 283, parágrafo único, ambos do CPC/2015).26

5.4. TRÊS PLANOS: EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA

Assim como os atos jurídicos em geral, os acordos processuais podem ser analisados em três planos: existência, validade e eficácia. Esses planos se sucedem logicamente: por dizer respeito à “vida jurídica” do ato, a existência é anterior à análise da validade;27 igualmente, não é razoável pensar na aptidão para produzir efeitos (eficácia) sem antes perguntar se os atos jurídicos são válidos. Não se pode olvidar, tampouco, que certas circunstâncias podem levar à ineficácia das convenções, mesmo que válidas.28

Negócios processuais inexistentes são aqueles praticados de fato, mas em relação aos quais faltam elementos essenciais para sua constituição.29 Geralmente a doutrina utiliza o signo dos “elementos essenciais” do ato (e do negócio) jurídico para analisar o plano da existência.30 Outros autores, como Pontes de Miranda, preferem abordar o tema não do ponto de vista dos elementos constitutivos, mas na óptica do suporte fático. O suporte fático teria que ser suficiente para que o ato ingressasse no mundo jurídico (e portanto fosse existente). No plano subsequente da validade, deve-se analisar se o suporte fático, além de suficiente, é deficiente, ou seja, viciado.31

Pois bem, no plano da existência, são elementos essenciais do acordo processual (ou aqueles que tornam seu suporte fático suficiente para vencer

25 MOCK, Sebastian. Die Heilung fehlerhafter Rechtsgeschäfte. Op. cit., p.694.26 CABRAL, Antonio do Passo. in CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo

(Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Op.cit., p.450-452. Pela aplicação do regime processual das invalidades aos negócios jurídicos processuais, ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues. Negócios jurídicos materiais e processuais – existência, validade e eficácia – campo-invariável e campos-dependentes: sobre limites dos negócios jurídicos processuais. Op. cit., p.415.

27 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. IV, Op. cit., p.7 ss.

28 WAGNER, Gerhard. Prozeßverträge. Op. cit., p.96.29 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. Op. cit., p.282.30 TALAMINI, Eduardo. Notas sobre a teoria das nulidades no processo civil. Op. cit.,

p.40-41.31 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. t.IV,

Op. cit., p.11-12.

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o plano da existência): a) manifestação da vontade de duas ou mais pessoas em diversos centros de interesse (pois a convenção é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral); b) consentimento dos convenentes.32

No Cap.4, estudamos, ainda que brevemente, a posição de alguns dos sujeitos do acordo processual; passemos agora à análise do consentimento.

5.4.1. O consentimento das partes: vontade negocial direcionada a efeitos específicos

No capítulos anteriores, vimos que a vontade das partes externada nas convenções processuais é que gera, diretamente e por autovinculação, a conformação negocial do procedimento. Portanto, pressuposto de existência das convenções processuais é o consentimento. Os acordos processuais são fruto de manifestação de vontade convergente e concertada.33

Mas a vontade sempre foi um tema historicamente banido da teoria dos atos processuais. Ávido por afirmar sua independência científica do direito civil, o direito processual demonizou a vontade, considerando-a irrelevan-te para a produção de efeitos do ato processual; o protótipo da conduta processual seria o ato jurídico em sentido estrito, e a disposição das partes limitar-se-ia à escolha de praticar ou não o ato, sem qualquer possibilidade de conformar-lhe os efeitos. Estes – os efeitos – seriam sempre previstos em lei.

Trata-se, como vimos nos capítulos 1 e 3, de um formato inadequado ao processo contemporâneo. Resgatar a vontade nos atos processuais (e com isso a vontade nos negócios jurídicos no processo), é premissa fundamental para compreendermos a formação dos acordos processuais.34

É verdade que, no direito privado dos contratos, a vontade tem sido muito contestada e criticada nas últimas décadas.35 Debate-se se o paradigma liberal da autonomia privada seria compatível com fenômenos contempo-râneos de contratação, como o crescente dirigismo contratual (intervenções

32 A formulação é similar àquela do direito dos contratos. Cf. DINIZ, Maria Helena. Direito civil Brasileiro. Op. cit., p.27; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Op. cit., p.26; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Op. cit., p.34-35.

33 MULLER, Yvonne. Le contrat judiciaire en droit privé. Op. cit., p.280; HELLWIG, Hans-Jürgen. Zur Systematik des zivilprozeßrechtlichen Vertrages. Op. cit., p.85.

34 CARNELUTTI, Francesco. Sistema di Diritto Processuale Civile. vol.II, Op. cit., p.362 ss; MULLER, Yvonne. Le contrat judiciaire en droit privé. Op. cit., p.361 ss.

35 A vontade, que desde o direito romano estava no centro da teoria do negócio jurídico, passou a ser muito questionada. Cf. BETTI, Emilio. Istituzioni di Diritto Romano. vol.II, parte I, Op. cit., p.66; ROPPO, Enzo. O contrato. Op. cit., p.32 ss, 297 ss.

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regulatórias do Estado) e os contratos padronizados (contrato de adesão, contrato administrativo etc.), nos quais a vontade não é plenamente livre para estipular todas as cláusulas.36 Fala-se, por este motivo, na “crise do contrato” e no declínio da liberdade negocial.37

Isso levou, no direito privado, à busca por identificar atividades con-vencionais mesmo onde não houvesse manifestação de vontade ou quando esta fosse viciada. Exemplo foi o advento das teses a respeito das “relações contratuais de fato” decorrentes de “comportamentos socialmente típicos” que poderiam levar à formação de relações contratuais sem negócio.38

Não obstante, embora não mais indispensável para a tutela jurídica própria da atividade convencional, a vontade ainda representa a base da convencionalidade, tanto no direito material quanto no processo. O encontro de vontades convergentes (consentimento) é pressuposto para a existência dos acordos processuais.39

36 VILELLA, João Baptista. Por uma nova teoria dos contratos. Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XX, abr-dez, 1975, p.319.

37 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Negócios jurídicos processuais: Relatório Nacional (Brasil). Op. cit., p.4.

38 LARENZ, Karl. O estabelecimento de relações obrigacionais por meio de compor-tamento socialmente típico. Trad. Alessandro Hirata. Revista Direito GV, vol.2, nº 1, jan-jun, 2006, p.55-63; TEPEDINO, Gustavo. Atividade sem negócio jurídico fundante e seus desdobramentos na teoria contratual (prefácio à obra de Juliana Pedreira da Silva. Contratos sem negócio jurídico: São Paulo: Atlas, 2011), p.VII; SILVA, Juliana Pedreira da. Contratos sem negócio jurídico. São Paulo: Atlas, 2011, p.79 ss; ROPPO, Enzo. O contrato. Op.cit., p.304; CORDEIRO, António Menezes. Da boa-fé no direito civil. Op.cit., p.556 ss. No Brasil, o STJ já admitiu a tese das relações contratuais de fato. STJ – AgRg no Ag nº 47.901-SP, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j.12.9.1994; REsp nº 120719-SP, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j.22.10.1997; REsp nº 915322-MG, rel. Min. Humberto Martins, j.23/09/2008.

39 Assim, para a arbitragem, CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Op. cit., p.36. No Brasil, historicamente experimentamos uma tentativa de impor mecanismos de solução de controvérsias que escapassem da lógica da espontaneidade. Por exem-plo, a medida provisória nº 2.221/2001 inseriu o art. 30-F à Lei nº 4.591/64, impondo obrigatoriamente a arbitragem para litígios decorrentes de contratos de incorporação imobiliária. A reação foi grande a esta obrigatoriedade, que se reputava como flagran-temente inconstitucional. Não obstante, antes mesmo que o STF chegasse a apreciar a inconstitucionalidade, a Lei nº 10.931/2004 revogou o dispositivo. Outro exemplo foi a introdução, pela Lei nº 9.958/2000, da exigência de submeter as causas trabalhistas a comissões de conciliação prévia antes do ajuizamento da demanda. O Supremo Tribu-nal Federal declarou inconstitucional a exigência (STF – ADI nº 2.139-DF, rel. para o acórdão Min. Marco Aurélio, j.13.05.2009).

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Mas haver conduta voluntária não basta, até porque os atos jurídicos processuais stricto sensu também são voluntários. Para que estejamos diante de verdadeiros acordos processuais, os efeitos desencadeados pelo negócio jurídico devem ser queridos pelos sujeitos, i.e., os convenentes, através de sua autonomia, devem ter programado a produção daqueles efeitos.40

Sem embargo, nos acordos processuais, a autonomia da vontade com-preende a liberdade de celebração, que se refere à escolha de firmar ou não o acordo; e a liberdade de estipulação ou conformação (Gestaltungsfreiheit), que é a capacidade negocial de definir a forma e moldar o conteúdo e os efeitos pretendidos através da convenção.41

Na liberdade de celebração, comum a qualquer ato jurídico processual, há manifestação de vontade, mas esta se resume à escolha por praticar o ato

40 BETTI, Emilio. Istituzioni di Diritto Romano. vol.I, Op. cit., p.99. Para considerar tratar-se de um ato voluntário direcionado para um fim negocial, deve-se analisar se a vontade se dirige ao escopo de modificação da situação jurídica do sujeito exclusivamente em razão de sua conduta. A literatura do direito privado, sobretudo no direito dos contratos e no direito comercial (na disciplina dos títulos de crédito), discute a respeito da “causa” como elemento do contrato, classificando-os em contratos “causais” ou “abstratos”. A doutrina se divide em correntes causalistas (e suas subdivisões) e outro viés anti-causalista. A tese causalista se subdivide em duas vertentes principais, a causalista objetiva e a causalista subjetiva. Para a tese causalista objetiva, a causa do contrato seria a sua “função útil”, que seria sempre igual em todos os contratos ou tipos da mesma espécie. BETTI, Emilio. Istituzioni di Diritto Romano. vol.I, Op. cit., p.104, 122-126. Já para a segunda corrente (causalista subjetiva), a causa seria a motivação das partes ao celebrarem os contratos. De outro lado, a corrente anticausalista entende que não há qualquer conceituação segura sobre a “causa”, não sendo recomendável que se adote esta distinção. Sobre o tema, ROPPO, Enzo. O contrato. Op. cit., p.195; NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Op. cit., p.16; SILVA, Juliana Pedreira da. Contratos sem negócio jurídico. Op. cit., p.50 ss. De nossa parte, pensamos que seja mais adequado falar em escopo dos atos do processo. O conceito de “causa”, e sua diferença para os “motivos”, nunca ficou muito claro no direito privado, e sua importação para o processo seria de pouca utilidade. Embora continue a utilizar os termos próprios do direito privado, como o conceito de causa, Carnelutti também emprega a palavra escopo. Cf. CARNELUTTI, Francesco. Contratto e diritto pubblico, Op. cit., p.10-11.

41 Por todos, CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Negócios jurídicos processuais: Relatório Nacional (Brasil). Op. cit., p.4; REICHEL, Hans. Gewillkürte Haftungsbeschränkung. Festschrift für Georg Cohn. Zürich: Orell Füssli, 1915, p.210, nota 1; LAUFKE, Franz. Vertragsfreiheit und Grundgesetz, Op. cit., p.10; CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português. Op. cit., p.392-393; TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Op. cit., p.5-7; ROPPO, Enzo. O contrato. Op. cit., p.128, 137 ss.

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ou não. Então, mesmo em se tratando de ato jurídico em sentido estrito (e portanto, se todos os efeitos estão previstos em lei), o ato não deixa de ser voluntário. Pode até ser que o agente deseje a produção dos efeitos, mas estes não se produzem por obra da vontade de quem pratica a conduta.42

Já na liberdade de conformação, o agente seleciona o tipo de efeito que será produzido, optando pela forma e conteúdo do acordo.43 Por isso, a liberdade de conformação é própria dos negócios jurídicos, mas não dos atos jurídicos em sentido estrito. E é este viés que mostra o direcionamento finalístico do consentimento negocial.

5.4.2. Vontade e declaração. Manifestação tácita de vontade. Omissões conclusivas e a vontade na inércia

A vontade em si mesma é apenas um modo de ser da psique, de difícil cognoscibilidade. Por isso, juridicamente, é relevante a manifestação de vontade ou a vontade declarada.44 Essa expressão da vontade é comumente veiculada pela linguagem. Contratos e convenções geralmente se formam por meio de signos, como as palavras (oralmente pronunciadas ou docu-mentalmente escritas), e podem também ser explicitados em gestos: um aceno com a cabeça, afinal, pode ser um “sim” ou “não”. Em qualquer caso, trata-se de manifestação expressa.

Todavia, há hipóteses em que a manifestação da vontade é tácita.45 Betti dizia que a vontade negocial é tácita quando veiculada por um com-portamento sem função manifestativa direta, mas que permita desumir uma

42 Com razão, André Roque chama atenção que, “se alguém voluntariamente comete homicídio e é condenado à pena de prisão, não se pode daí entender que teria havido ato de disposição de direito de ir e vir. Seria absurdo compreender que quem pratica um ilícito voluntariamente pretenda a sanção (prisão) do mesmo modo que alguém, ao consentir com a abdicação de um direito, pretende o resultado de seu comporta-mento. É indispensável, portanto, que esse consentimento seja dirigido ao resultado decorrente do ato de disposição, ou seja, da modificação da posição jurídica em face do outro polo da relação”. ROQUE, Andre Vasconcelos. Arbitragem de direitos coletivos no Brasil: admissibilidade, finalidade e estrutura. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Tese de Doutorado), 2014, p.102. Sobre o tema, confira-se o texto clássico de INVREA, Francesco. La giurisdizione concreta e la teoria del rapporto giuridico processuale. Rivista di Diritto Processuale, vol.X, 1932, p.45.

43 SILVA, Paula Costa e. Acto e processo. Op. cit., p.238-239.44 ROPPO, Enzo. O contrato. Op. cit., p.93.45 Essa constatação levou parte da doutrina a falar em “declaração tácita”. Cf. CARNELUTTI,

Francesco. Istituizioni del nuovo processo civile italiano. Op. cit., p.264.

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tomada de conduta negocialmente orientada.46 Partindo dessa premissa, é equivocado pensar que manifestação tácita de vontade significa conduta omissiva. Quando se fala em vontade tacitamente expressada, deve-se ter em conta que essa manifestação de vontade pode-se dar tanto por compor-tamentos comissivos (quando não tiverem função manifestativa direta, mas sinalizarem o assentimento), quanto omissivos, quando a inércia ou silêncio são suficientes para indicar a expressão volitiva.47 Por exemplo, havendo pro-posta de uma parte para a celebração de um acordo, e se a contraparte inicia a execução da avença, considera-se haver um comportamento concludente, do qual se extrai o assentimento do interessado. A manifestação da vontade é tácita, mas resultante de uma atitude comissiva (a atividade efetivamente desempenhada pelo sujeito).48

A respeito das omissões no direito processual, tradicionalmente as imaginamos num quadro de descumprimento de deveres, como no ato ilícito por omissão e nas omissões devidas (como se observa no descum-primento das obrigações de não fazer). Mas a disciplina e a relevância do estudo dos atos processuais omissivos não se esgotam nas condutas devi-das (atos imperativos) e nos atos ilícitos por omissão, devendo abranger também os atos processuais facultativos. O não oferecimento da exceção de incompetência, a não interposição de um recurso, v.g., são atos em que a omissão equivale a uma declaração de vontade,49 ao que alguns autores denominam de “ato negativo”.50

O escasso tratamento das omissões no campo do processo deve-se, por um lado, ao pouco estudo que a literatura ortodoxa dedicou à vontade nos

46 BETTI, Emilio. Istituzioni di Diritto Romano. vol.I, Op. cit., p.116.47 Assim, BEKKER, Ernst Immanuel. System des heutigen Pandektenrechts. Op.cit.,

p.68-69, 73.48 ROPPO, Enzo. O contrato. Op. cit., p.94.49 CARNELUTTI, Francesco. Sistema del diritto processuale civile. Op. cit., vol. II,

p. 162-163.50 ROSENBERG, Leo; SCHWAB, Karl Heinz; GOTTWALD, Peter. Zivilprozessrecht. Op.

cit., p.397. O debate é muito complexo e não poderia ser ampliado nesta sede, até por-que demandaria um exame pormenorizado de situações processuais muito diversas. Por exemplo, analisando a ausência de contestação, Taruffo afirma que não se pode concluir que o réu, não contestando especificamente uma determinada matéria, estaria manifestando, por acordo tácito com o autor, vontade negocial de retirar a questão da cognição judicial. Cf. TARUFFO, Michele. Verità negoziata? Accordi di parte e Processo. Supplemento della Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, ano LXII, nº 3, 2008, p.88-90, embora no fim do texto faça algumas concessões a entendimentos diversos (p.96-97 e nota 73).

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atos processuais, pela necessidade histórica de salientar a independência científica do processo em relação ao direito material.51 E a agonia do exame da volição no processo implicou o pequeno labor científico no campo das omissões. O retorno contemporâneo à vontade nos atos processuais, fomenta-do pelo CPC/2015 (art. 190, 200, 322 §2º, 489 §3º), permite revigorar o tema sob novas luzes.52 Hoje, pode-se afirmar que há atos omissivos voluntários, e que alguns deles assumem direcionamento negocial.53

Pois bem, se contemporaneamente podemos com tranquilidade estudar e trabalhar com o ato processual omissivo de conteúdo negocial, seria pos-sível concluir da mesma maneira para os acordos processuais? A doutrina e jurisprudência brasileiras, examinando a arbitragem, já aceitaram a chamada “cláusula compromissória tácita”, que seria a adesão ou aceitação tácita, por uma das partes, de uma cláusula expressa (e escrita, como determina o art. 9º §2º da Lei nº 9.307/96).54

51 Ao contrário de outros ramos como o direito penal e o direito civil, onde melhor se desenvolveu o estudo das omissões. Confira-se a crítica no importante texto de SILVA, Paula Costa e. Acto e processo, Op. cit., p. 455 ss. Carnelutti, no Sistema, foi o autor que mais aproximou o estudo dos atos processuais omissivos às categorias mais desenvolvidas no direito civil e no direito penal.

52 Defendemos a existência de atos processuais omissivos em CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno. Op. cit., p.151 ss, 323 ss. Já depois da edição do CPC/2015, retomamos o tema em CABRAL, Antonio do Passo. Comentário ao art.275. in CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2a ed., 2016, p.430 ss; CABRAL, Antonio do Passo. Teoria das nulidades processuais no direito contemporâneo. Revista de Processo, vol.255, 2016, passim.

53 Por outro lado, não se pode esquecer que há outros tipos de omissão nos quais não se pode extrair vontade negocial (p.ex., a supressio ou Verwirkung). São atos omissivos voluntários, mas cujos efeitos não são conformados pela vontade dos sujeitos.

54 STF – SEC nº 6753, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 13.6.2002. Embora a decisão, por refe-rência ao disposto na lei da arbitragem, tenha rejeitado a possibilidade de uma convenção arbitral implícita ou remissiva, o STF admite a possibilidade de aceitação tácita de uma cláusula expressa, que não era objeto daquele caso concreto. No entanto, no Superior Tribunal de Justiça, o tema ainda não alcançou pacificidade. Após a transferência da competência para reconhecimento de sentença estrangeira ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constituicional nº 45/2004, o STJ já apreciou o tema e admitiu a cláusula compromissória tácita em caso em que o árbitro atuou no procedimento arbitral instaurado sem qualquer oposição ou impugnação da parte quanto à instauração da arbitragem. STJ – SEC nº 856, rel. Min. Carlos Alberto Direito, j. 18.5.2005. Pouco tempo depois, o Superior Tribunal de Justiça negou homologação a sentença arbitral estrangeira decidindo que a cláusula compromissória deve ser expressa: STJ – SEC nº 866, rel. Min. Felix Fischer, j.17.5.2006: “Desta forma, o fato de os contratos firmados entre as partes terem sido celebrados verbalmente não impediria, por si só, a estipulação de cláusula

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E essa possibilidade pode ser generalizada para todas as convenções processuais, que podem ser celebradas por manifestações de vontade negocial expressas ou tácitas, comissivas ou omissivas.55

Em termos negociais, o art. 111 do Código Civil dispõe que o silêncio importa anuência, quando os usos autorizarem chegar a esta conclusão ou quando as circunstâncias concretas levarem a esta conclusão. Há ressalva de que o silêncio não será eficaz quando a lei exigir manifestação expressa.56

Dissertando sobre os atos processuais omissivos, afirmamos que devem ser consideradas como expressão volitiva as omissões significativamente simbólicas (que denominamos omissões conclusivas), aquelas que, mesmo na ausência de prática de qualquer ato sensível no mundo material, permi-tem concluir tratar-se de um comportamento consciente e programado.57

compromissória, desde que esta estivesse pactuada de forma expressa e escrita em outro documento referente ao contrato originário ou em correspondência. (…) Aliás, esta Corte, quando do julgamento SEC 967/EX, Rel. Min. José Delgado, DJU DE 20.3.2006, consignou a necessidade de manifestação expressa da parte requerida quanto à eleição do juízo arbitral”. Em outra decisão, a falta de assinatura foi considerada um elemento que provava não haver vontade negocial da parte de submeter-se à arbitragem. STJ – SEC nº 885, rel. Min. Francisco Falcão, j.18.04.2012. Na doutrina, WALD, Arnoldo; GALÍN-DEZ, Valeria. Homologação de sentença arbitral estrangeira. Contrato não assinado. Desnecessidade de concordância expressa com a cláusula compromissória. Revista de Arbitragem e Mediação, nº 6, jul-set, 2005, p.238-245; BRAGHETTA, Adriana. Cláusula compromissória. Contrato não assinado. Participação no procedimento arbitral. SEC 856 – STJ. Revista Brasileira de Arbitragem, nº 7, jul-set, 2005, p.103-122.

55 SELLERT, Wolfgang. Der Verzicht auf Einwendungen beim deklaratorischen Schuldanerkentnis: ein Prozessvertrag?, Op. cit., p.233: “Prozeßhandlung ist ganz allgemein jedes Tun oder Unterlassen einer Partei, das mittelbar oder unmittelbar prozeßrechtliche Wirkungen zur Folge hat”. Na Itália, LLOPIS-LOMBART, Marco de Benito. I contratti processuali. Op. cit., p.8. Na França, assim se entende para muitas convenções processuais especí-ficas, como as cláusulas de conciliação e mediação. CADIET, Loïc. Procès équitable et modes alternatifs de règlement des conflits, Op. cit., p.99; LAGARDE, Xavier. Esquisse d´un régime juridique des clauses de conciliation. Revue des contrats, 2003, p.19-20. No Brasil, ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. Das convenções processuais no processo civil. Op. cit., p.122-124. Negando a possibilidade de renúncias tácitas às posições processuais, CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da liberdade processual. São Paulo: Foco, 2019, p.74.

56 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol.1, 17ª ed., Op. cit., p.392, 586 ss.

57 Já desenvolvemos o tema em outra sede, à qual remetemos o leitor, com mais extensas referências bibliográficas. CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno. Op. cit., p.151-158. Por todos, SAUER, Wilhelm. Grundlagen des Prozessrechts. Op. cit., p. 295 e 357.

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É que o silêncio ou a inércia pura e simples do sujeito não podem por si só levar a uma omissão conclusiva se não permitirem extrair uma conclusão a respeito do comportamento convencional; ou se não estiverem acompanha-dos de outras condutas que indiquem a vontade do sujeito de vincular-se negocialmente. De fato, a ação humana voluntária deve ser compreendida como uma “atitude de sentido”, uma atividade programada.58 Deve-se, então, interpretar a conduta omissiva;59 para ser considerada “conclusiva”, a omis-são deve refletir uma transmissão eloquente de vontade, fruto de interação comunicativa que sinalize um padrão de conduta.60

5.4.3. Declarações de vontade sucessivas. Anuência posterior e possibi-lidade de retratação

Consentimento vem do latim cum sentire, o entendimento comum. Portanto, compreende a manifestação consensual de todas as partes no acordo. Normalmente, a dinâmica da praxe negocial faz com que se colham as manifestações de vontade de maneira simultânea. Mas nada impede que estas se exteriorizem em momentos diversos, o que se dará por declarações de vontade sucessivas, mas igualmente negociais. De fato, a vontade de cada acordante não precisa ser pronunciada num mesmo momento.61 Se, por qualquer conduta posterior (intraprocessual ou não), um sujeito aderir ou se mostrar concordante, manifestando vontade negocial de que aqueles efeitos produzam-se também na sua esfera jurídica, será considerado vinculado pela convenção.62 Isso pode ocorrer com cadeias de acordos, estipulações em favor

58 PEYRANO, Jorge W. Nulidades procesales con especial referencia a los distintos vicios que pueden generarlas. Revista de Processo, ano 21, nº 82, abr-jun, 1996, p.161-162; BERIZONCE, Roberto Omar. La nulidad en el proceso. La Plata: Platense, 1967, p.23 ss; ROSENBERG, Leo; SCHWAB, Karl Heinz; GOTTWALD, Peter. Zivilprozessrecht. Op. cit., p.411; MARTÍNEZ, Oscar J. Los vicios del consentimiento en la realización del acto procesal. in MORELLO, Augusto Mario et alii. Estudios de nulidades procesales. Buenos Aires: Hammurabi, 1980, p.53.

59 Em muitos outros pontos, a lei já atribui ao silêncio ou à inércia um sentido negocial. Exemplo é o regramento da assunção de dívida no Código Civil. “Art. 299. (...) Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa”.

60 ROSENBERG, Leo; SCHWAB, Karl Heinz; GOTTWALD, Peter. Zivilprozessrecht. Op. cit., p.397; BETTI, Emilio. Istituzioni di Diritto Romano. vol.I, Op. cit., p.100-101.

61 BETTI, Emilio. Diritto processuale civile italiano. Op. cit., p.285; CARNELUTTI, Francesco. Sistema di Diritto Processuale Civile. vol.II, Op. cit., p.342 ss.

62 MULLER, Yvonne. Le contrat judiciaire en droit privé. Op. cit., p.281 ss.

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de terceiros, fusões e incorporações, subrogação etc.63 E pode se observar também no curso do processo. Por exemplo, haverá dispensa negocial da avaliação do bem se o exequente aceitar a estimativa do executado (art. 871, I do CPC/2015). A legislação sobre a transação nas relações jurídicas públicas na esfera federal dispõe que a transação pode ser realizada por adesão (art. 2º da Lei n.13.988/20), sendo que no contencioso tributário de pequeno valor (na forma e nos critérios do art.23 da lei), a transação por adesão é a única modalidade possível. A transação por adesão é aquela em que a entidade publica um edital, e a contraparte, ao aderir, aceita os termos e condições fixados no edital (art.2o, parágrafo único).

Todavia, em se tratando da lógica da concordância posterior (propos-ta/aceitação), é importante que a anuência ocorra enquanto a oferta esteja pendente, até porque é possível a retratação do proponente até o momento em que ocorra a aceitação pela outra parte. De outra senda, a proposta tor-na-se ineficaz pelo advento de fatos que inviabilizem o efeito pretendido pela convenção. Por exemplo, apresentada às partes uma proposta de honorários pelo perito a fim de que o escolham convencionalmente para esta função, se for nomeado outro profissional, e se realizada a perícia por outrem ou se extinto o processo, a oferta torna-se ineficaz.

Essas são as ideias gerais sobre o tema. Mas há que precisar mais o problema. De um lado, sobre a formação da vontade convencional, existe grande debate sobre se seria correto afirmar que o consentimento é a soma das vontades das partes ou algo diferente das vontades individuais agregadas. Como lembra Schlesinger, uma pluralidade agregada de manifestações de vontade tem algo comum mas também notas de diversidade, e talvez não seja correto descrever o fenômeno como uma mera fusão de vontades singulares. Isso é especialmente notado nos casos de contratos de adesão e quando há vontades manifestadas sucessivamente, e ainda na vontade externada por pessoas jurídicas, que muitas vezes corresponde ao resultado de processos (por vezes complexos) de deliberação diferentes da tomada de decisão por pessoas naturais.64

De outro ângulo, na atualidade, o debate sobre a formação da vontade convencional passa pelo uso da tecnologia nas transações comerciais (e nos negócios em geral), o que estaria levando a uma “desumanização” da

63 É o que lembra CADIET, Loïc. Liberté des conventions et clauses relatives au règlement des litiges, Op. cit., p.34.

64 SCHLESINGER, Piero. Complessità del procedimento di formazione del consenso ed unità del negozio contrattuale. Op.cit., p.1346-1348, 1362-1364.

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negociação,65 com relações econômicas automáticas e que se concretizam pela troca, não pelo diálogo, às vezes em um só “clique”, que representariam quase que um “contrahere” sem “consentire”.66 Nesse cenário, será que há mesmo negociação ou essa troca automática representa um ato praticado ex uno latere? O tema é complexo e não pode ser ampliado aqui. Fazemos esse breve registro, mas há que esperar como o direito responderá a essa revolução tecnológica que estamos vivendo.

5.4.4. Falta de seriedade na declaração de vontade

Uma reflexão que desde logo autorizaria enxergar não haver vontade convencionalmente orientada para os efeitos do negócio é a falta de seriedade nas declarações dos acordantes.

O consentimento, para permitir o preenchimento do suporte fático suficiente para que o negócio vença o plano da existência, deve representar uma manifestação de vontade que real e efetivamente deseje atingir os efeitos declarados.

Na falta de declaração séria, há ausência de voluntariedade negocial: as partes não pretendem realmente o que foi declarado.67 E, não havendo seriedade na conduta dos convenentes, não há como entender haver consenti-mento. Por este motivo, em nosso sentir, a falta de seriedade na manifestação de vontade torna o acordo processual inexistente.

5.4.5. Tratativas preliminares

Não se pode confundir o consentimento destinado à produção dos efeitos convencionais com as simples tratativas, negociações preliminares ou tentativas de aproximação entre os acordantes.

65 OPPO, Giorgio. Disumanizzazione del contratto? Rivista di Diritto Civile, n.1, 1998, p.525 ss.

66 BARELA, Maria. Accordo, consenso e assenso (brevi note nella prospettiva della crisi del contratto. Rivista di Diritto Privato, n.2, 2018, p.228-229, 233-235; IRTI, Natalino. Scampi senza accordo. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1998, p.347 ss. no caso de simples “eu aceito”, clicados em contratos eletrônicos, Charles Knapp chega a imaginar que a próxima tendência, nestes tipos de contrato, será abolir a noção de consentimento. KNAPP, Charles L. Contract Law Walks the Plank: Carnival Cruise Lines, Inc v. Shute. Nevada Law Journal, vol.12, 2012, p.562. No mesmo sentido, WOO, Margaret. Technology, the Global Economy and New Concepts in Civil Procedure. in Challenges for Civil Justice as We Move Beyond Globalization and Technical Change – XVI IAPL Congress on Procedural Law, Kobe, Japão, 2019, p.54.

67 SILVA, Paula Costa e. Acto e processo. Op. cit., p.513 ss.

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No mundo contemporâneo, a formação do acordo não ocorre instan-taneamente. As negociações preliminares correspondem às deliberações, em caráter prévio, sobre o conteúdo das cláusulas convencionais, para que o instrumento reflita a exata declaração de vontade dos acordantes. Essas negociações preliminares são com frequência complexas e demoradas, com troca de minutas, cartas de intenção, esboços de contratos, que podem vin-cular as partes em intensidades variáveis.

Durante esse período, não há vontade negocial porque as tratativas ainda não são direcionadas à produção dos efeitos pretendidos pela convenção.68 Sequer se sabe se o negócio jurídico será efetivamente celebrado. Portanto, as tratativas preliminares são interações pré-negociais. Tanto assim que, porque não continentes de um negócio jurídico completo, as tratativas preliminares também não podem ser objeto de atos que pretendam extingui-las. Não se pode revogar uma convenção que ainda esteja em fase de consolidação porque, até o momento da conclusão do negócio, observa-se precariedade ou incerteza a respeito de sua celebração.69

No entanto, embora sem consentimento negocial, as tratativas prelimi-nares representam uma atividade convencional, mostrando que os acordos podem-se formar em caráter progressivo.70 Por isso, atraem certos deveres laterais de boa-fé e cooperação, podendo gerar responsabilidade.71

5.4.6. Convenção preliminar

Assim como no direito dos contratos, é possível imaginar convenções processuais preliminares. O acordo preliminar72 pode ser definido como a

68 ROPPO, Enzo. O contrato. Op. cit., p.105 ss.69 SÉVELY-FOURNIÉ, Catherine. Essai sur l´acte juridique extinctif en droit privé:

contribution à l´étude de l´acte juridique. Paris: Dalloz, 2010, p.218 ss, 222-233.70 CARNELUTTI, Francesco. Formazione progressiva del contratto. Rivista del Diritto

Commerciale e del Diritto Generale delle Obbligazioni, vol.XIV, nº 2, 1916, p.308-319.71 IHERING, Rudolf. Culpa in contrahendo oder Schadenersatz bei nichtigen oder nicht

zur Perfection gelangten Verträgen. Jahrbücher für die Dogmatik des heutigen römischen und deutschen Privatrechts, vol.4, 1861, p.1 ss. Em língua portuguesa, Cf.CORDEIRO, António Menezes. Da boa-fé no direito civil. Op. cit., p.555-556; TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Op. cit., p.15.

72 No direito privado, o “contrato preliminar” já foi denominado de “contrato-promessa”, “pré-contrato”, “antecontrato”, “contrato preparatório”, “compromisso” (Lei nº 58/37; Lei nº 649/49; Decreto-Lei nº 745/69; Lei nº 6.766/79), “promessa de contrato” (art. 1.006 do CPC de 1939). Segundo a doutrina civilista, sua origem remonta ao pactum

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promessa de firmar o acordo processual secundário, também chamado de acordo “definitivo” ou “principal”.73

O Código Civil dedicou a Seção VIII, do Capítulo I, do Título V, à disposições sobre o contrato preliminar (art. 463 a 465). Ao contrário do CPC de 1939 (art. 1.006), e do CPC de 1973 (art. 466-B), o CPC/2015 não trouxe qualquer disposição sobre os acordos preliminares. Não obstante, entendemos que a lógica do direito privado é compatível, no ponto, com o direito processual.74

De fato, trata-se de importante instrumento negocial para o caso de as partes já estarem resolvidas a vincular-se mutuamente a respeito da confor-mação do processo, mas ainda haja controvérsias sobre o objeto ou o desenho detalhado do procedimento.75 Quando isso ocorre, o acordo preliminar traz uma redução momentânea dos custos operacionais de transação, tornan-do-se mais vantajoso economicamente.76 A convenção preliminar permite

de contrahendo do direito romano. Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Op. cit., p.82.

73 No direito processual, CARNELUTTI, Francesco. Pactum de compromittendo. Op. cit., p.101. No direito civil, RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. Op. cit., p.129; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Op. cit., p.81; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Op. cit., p.163; NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Op. cit., p.130. Ambas as denominações são inadequadas: dizer que o acordo secundário é “definitivo” poderia sugerir que o acordo preliminar é provisório, o que não se sustenta porque o acordo preliminar constitui vínculo jurídico defitinivo, apenas sobre um objeto diferente; afirmar que o acordo preliminar é “acessório” (por oposição ao “principal”), poderia levar à conclusão de que a invalidade deste contaminaria à daquele, o que nem sempre se verifica. Usaremos a expressão acordo secundário, mas manteremos as demais, por vezes entre parênteses ou aspas, para facilitar a exposição em razão de tratar-se de termos consagrados e difundidos no direito privado.

74 Carnelutti entende que os contratos preliminares não são adequados ao processo. O autor parte da ideia de que num “acordo” não há formação de vínculos; dele não decorrem obrigações. Por isso, seria estranho pensar num contrato pelo qual alguém se obrigue a firmar um acordo, que pode não conter nenhuma obrigação... Haveria uma obriga-ção de acordar no futuro, e talvez uma obrigação de não se obrigar. CARNELUTTI, Francesco. Pactum de compromittendo. Op. cit., p.101-104. Embora Carnelutti não considerasse a cláusula compromissória um acordo preliminar, não se pode concordar com esta conclusão. Anteriormente, já abordamos o tema da errônea assimilação entre contrato e acordo, e a visão ultrapassada de ver no contrato exclusivamente o negócio que produz obrigações. Como se vê neste tópico, existe evidente utilidade de formar acordos processuais progressivamente.

75 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Op. cit., p.163.76 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Op. cit., p.129.

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que seja desde logo firmado acordo sobre o conteúdo mínimo do encontro de vontades já existente, para que, num momento de maior tranquilidade ou de amadurecimento das tratativas, as partes voltem a convencionar para complementar aquela negociação inicial, agora acordando de maneira su-plementar sobre os detalhes faltantes, pontos acessórios ou sobre temas que não encontraram consenso nas primeiras tratativas.77

Um exemplo muito comum é a cláusula compromissória “vazia” (aquela que não contém os elementos mínimos para a instauração da arbitragem), que é um acordo preliminar consistente na promessa de redigir o compromisso arbitral quando o conflito surgir no futuro.78 Mas outros casos de acordos processuais preliminares podem ser imaginados. As partes podem já estar concordantes sobre a limitação da prova testemunhal, mas não quanto ao número máximo de testemunhas; ou podem estar convictas de que deverão elas mesmas escolher o perito, mas ainda não tenham chegado a um consenso sobre o nome do profissional a ser indicado.

A diferença entre a convenção preliminar e a convenção secundária (ou principal) é o seu objeto. No acordo preliminar, o objeto é a obrigação de concluir a outra convenção,79 enquanto que no acordo secundário o objeto é a própria disposição sobre a situação jurídica processual. Então, o acordo preliminar encerra uma obrigação de fazer, consistente em cele-brar o acordo “principal” ou secundário. Para que a promessa seja válida, é indispensável que as partes, além de atenderem os requisitos gerais dos

77 CARNELUTTI, Francesco. Formazione progressiva del contratto. Op. cit., p.310, 314 ss.

78 A diferença entre cláusula compromissória e compromisso arbitral é estampada na própria lei de arbitragem (art. 4º e 9º da Lei 9307/1996). Segundo o art. 4º, cláusula compromissória “é a convenção através da qual as partes em um contrato comprome-tem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”; e o art. 9º dispõe que “o compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial”. Carlos Alberto Carmona ensina que o direito brasileiro não encampa a tradição de que a cláusula compromissória conteria apenas uma obrigação de fazer consistente em redigir o compromisso. A cláusula compromissória “cheia”, aquela que tem todos os elementos mínimos necessários para a instauração da arbitragem, dis-pensa a confecção de outro acordo posterior. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Op. cit., p.16-17, 100-102, 144. Na literatura francesa, pródiga em matéria de arbitragem, Cf. MOUSSERON, Jean-Marc. Technique contractuelle. Op. cit., p.671 ss; GUINCHARD, Serge; CHAINAIS, Cécile; FERRAND, Frédérique. Procédure civile: droit interne et droit de l´Union européenne. Op. cit., p.1484 ss.

79 No direito privado, ROPPO, Enzo. O contrato. Op. cit., p.102 ss.

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