Conversao Diatonica Entre Sistemas Riemannianos Nao-Redundantes
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XX Congresso da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Msica - Florianpolis - 2010
Converso Diatnica entre Sistemas
Riemannianos No-Redundantes
Liduino Jos Pitombeira de Oliveira Universidade Federal de Campina Grande/ PPGM-UFPB [email protected]
Francisco Erivelton Fernandes de Arago Universidade Federal do Cear [email protected]
Resumo: Apresentamos uma ferramenta para anlise dos aspectos verticais e horizontais de uma
obra diatnica. Trata-se de um mapeamento entre sistemas sonoros, baseado na funo tonal
generalizada de David Lewin. Propomos, ento, um esquema de converso entre sistemas sonoros
diatnicos, o conversor riemanniano, e observamos que a converso riemanniana de uma obra
diatnica reala suas caractersticas construtivas com respeito ao princpio que teria norteado o
compositor no aspecto horizontalidade versus verticalidade. Observamos que a propriedade de
isomorfismo legitima o conversor riemaniano como uma ferramenta analtica.
Palavras-chave: Sistema Riemanniano, Lewin, Diatonicismo, Converso, Isomorfismo.
A dicotomia horizontal versus vertical tem suscitado importantes debates na
modelagem de obras tonais, a partir do sculo XX. Veja-se, por exemplo, a famosa rplica de
Schenker (1994, p.9-18) s afirmativas de Schoenberg (1979, p.371-411) com relao
existncia de notas estranhas harmonia. A prpria estrutura pedaggica, que divide o ensino
da teoria musical em duas instncias distintas harmonia e contraponto , contribui para
ratificar tal separao. Introduzimos, neste artigo, uma ferramenta analtica que permite
observar os comportamentos de estruturas diatnicas quando submetidas a certos
procedimentos de converso, numa tentativa de averiguar o princpio norteador da
composio com relao dicotomia horizontalidade versus verticalidade.
Figura 1. Seo A do Coral Aus Meines Herzens Grunde de J. S. Bach
A primeira seo do Coral Aus meines Herzens Grunde (Meu Corao Interior
se Eleva), do compositor barroco alemo Johann Sebastian Bach (1685-1750), mostrada na
Figura 1. A pergunta que se coloca : com exceo da melodia do soprano, que parece ser
uma cano secular do sculo XVI, teria Bach usado critrios preponderantemente verticais
ou horizontais na elaborao das demais vozes do coral?1 O mito que existe em torno da
inquestionvel genialidade de Bach pode conduzir afirmaosem uma verificao mais
cautelosade que a arquitetura dos corais perfeita tanto do ponto de vista meldico quanto
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harmnico, ou seja, Bach teria pensado simultaneamente na melhor conduo meldica e na
melhor progresso harmnica, e que nenhum dos critrios preponderante.
Observemos, no entanto, o que ocorre quando se converte este trecho para outros
sistemas isomrficos2 com relao ao sistema tonal diatnico, tomando como ponto de
partida, primeiramente, o critrio horizontal e, em seguida, o critrio vertical. Sugerimos que
o critrio que garantir a sustentao da integridade sistmica pode ter sido o referencial
composicional utilizado por Bach. Para isto, definir-se- um universo organizacional onde o
sistema tonal apenas um subconjunto assemelhado por relaes de isomorfismo a outros
tantos quantos sejam possveis definir. Este universo foi denominado por David Lewin de
Sistema Riemanniano (LEWIN, 1982, p.23-60), o qual passamos a definir de forma resumida
a seguir. Lewin elabora uma generalizao do sistema tonal definindo o conceito de Sistema
Riemanniano, cuja fundamentao terica explicitada nas seguintes definies, e sintetizada
na Figura 2.
DEFINIO 1. Chamamos de Sistema Riemanniano (SR) a uma tripla ordenada
(T,d,m), onde T uma classe de nota e d e m so intervalos sujeitos s restries:
d 0, m 0 e m d.
DEFINIO 2. A trade tnica do Sistema Riemanniano (T,d,m) um conjunto no
ordenado (T, T+m, T+d). A trade dominante do sistema (T+d, T+d+m, T+2d).
A trade subdominante (T-d, T-d+m, T). Estas so as trades primrias do
sistema.
DEFINIO 3. O conjunto diatnico do sistema (T,d,m) a unio desordenada
das trades primrias, compreendendo as vrias notaspc T-d, T-d+m, T, T+m,
T+d, T+d+m e T+2d.
DEFINIO 4. A lista cannica do sistema (T,d,m) a srie ordenada (T-d, T-
d+m, T, T+m, T+d, T+d+m, T+2d).
DEFINIO 5. A trade mediante do SR (T,d,m) um conjunto no ordenado
(T+m, T+d, T+d+m). A trade submediante um conjunto no ordenado (T-d+m,
T, T+m). Estas so as trades secundrias do sistema.
DEFINIO 6. Um SR ser denominado redundante se o seu conjunto diatnico
tiver menos do que sete membros e no-redundante se este conjunto tiver
exatamente sete membros.
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Figura 2. Definies de Sistema Riemanniano
Definimos uma ferramenta, denominada Conversor Riemanniano, cujo objetivo
mapear os elementos e as operaes de dois Sistemas Riemannianos no-redundantes.
DEFINIO 7. Um Conversor Riemanniano um mapeamento isomrfico entre
dois sistemas riemannianos. Seja o mapa :SR1 SR2 como segue:
1. (j(x)) = k((x)).
2. (Rj(x,y,z)) = Rk((x,y,z)).
3. (Tj) = Tk.
Onde x,y,z so classes de notas, [j, Rj, T
j ] so os componentes do sistema SR1 e
[Rk, T
k, k] so os componentes do sistema SR2.
O procedimento de converso consiste em quatro fases: (1) Identificao do
vocabulrio diatnico (escala e conjunto tridico) 3
do sistema original em que foi escrita a
obra a ser convertida, (2) Anlise sinttica desta obra com graus e funes riemannianas e
classificao das notas estranhas s trades, (3) Definio de outro Sistema Riemanniano para
o qual ser convertida a obra, incluindo a identificao do vocabulrio diatnico (escala e
conjunto tridico) deste novo sistema e (4) Converso entre os sistemas, isto , aplicao da
mesma estrutura ao novo sistema, tanto do ponto de vista horizontal quanto vertical.
Fase 1. Identificao do Vocabulrio Diatnico do Sistema Original
A Figura 3 mostra o sistema original utilizado por Bach. Nesta figura, dividida
em trs partes, temos do lado esquerdo a lista cannica com as trades diatnicas, na parte
central, o conjunto diatnico em sua ordenao tradicional e, do lado direito, os graus
tridicos relacionados s trades riemannianas e a classificao de suas formas primrias, de
acordo a teoria dos conjuntos de classes de notas de Allen Forte (1973). Esta classificao
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ser til na identificao dos possveis desvios de contedo intervalar no conjunto tridico,
ocasionados pelo acrscimo de dois outros membros s trades secundrias definidas por
Lewin: supertnica (st), formada pelas duas primeiras classes de notas da subdominante e pela
ltima nota da dominante, e a sensvel (sn), formada pela duas ltimas classes de notas da
dominante e pela primeira classe de nota da subdominante, fechando assim um ciclo com o
conjunto diatnico. Observa-se tambm que as trades primrias so escritas com letras
maisculas e as trades secundrias com letras minsculas, independentemente da qualidade
do acorde.
Figura 3. Vocabulrio diatnico para o sistema tonal em sol maior
Fase 2. Anlise Sinttica da Obra no Sistema Diatnico Original
A Figura 4 mostra a anlise dos graus, a identificao de notas estranhas, e as
funes do sistema em dois nveis de observao: (1) uma viso schenkeriana (sem uma
preocupao ainda com aspectos redutivos e nveis estruturais), isto , considerando as notas
estranhas como ornamentos s trades estruturais e (2) uma viso schoenbergiana, isto ,
considerando cada formao vertical como tendo existncia independente e, portanto,
classificvel do ponto de vista funcional.4 Veja-se que, abaixo da anlise, foi colocada a
progresso das fundamentais para corroborar algumas escolhas analticas.
Figura 4. Anlise harmnica da seo A de Aus meines Herzens Grunde
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Fase 3. Definio de Outros Sistemas Riemannianos
Definamos trs Sistemas Riemannianos no-redundantes, para os quais sero
traduzidos este coral de Bach. O primeiro sistema o j conhecido modo menor natural, o
qual tem as seguintes caractersticas: d=7 e m=3 (Os nmeros referem-se quantidade de
semitons cromticos, ou seja, 3 equivale a 3 semitons, por exemplo). O segundo ter d=3 e
m=2 e o terceiro d=7 e m=1. Identifica-se inicialmente o vocabulrio disponvel para os
sistemas na Figura 5. Graus no tridicos, no sentido tradicional de trades maiores, menores,
aumentadas ou diminutas, recebem uma classificao especial, isto , o grau escrito entre
parnteses com letra maiscula. Abaixo das funes, fornece-se tambm a classificao
primria, de acordo com a teoria dos conjuntos de classes de notas de Allen Forte. Observa-
se que as nicas trades que se desviam do padro primrio, e portanto do contedo intervalar,
estabelecido pela tnica, so aquelas que no foram definidas inicialmente por Lewin (sn, st).
importante tambm salientar que, embora se utilizem termos j comprometidos do ponto de
vista analtico, o conceito tradicional de progresso funcional perde o sentido, na
generalizao proposta por Lewin. Segundo o prprio Lewin, um novo protocolo de
resolues teria que ser proposto para cada novo sistema que se construsse (LEWIN, 1982,
p.57). Assim sendo, as dominantes (D) dos sistemas 2 e 3 no tm a mnima obrigao
acstica, filosfica, sinttica ou histrica de caminhar em direo tnica (T).
Figura 5. Estrutura dos sistemas
Fase 4. Converso
O procedimento de converso realizado em duas fases. Na primeira fase, a
nfase dada ao aspecto horizontal, ou seja, no conjunto diatnico desordenado, o qual, como
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se comentou anteriormente, ser ordenado livremente seguindo o modelo de arrumao de
nosso tradicional sistema diatnico. Desta forma, toma-se cada nota (mencionamos nota em
vez de classe de nota para que a converso contemple, na partitura, o parmetro registro) da
obra original e, aps verificar-se a que nota esta corresponde (do ponto de vista posicional) no
novo sistema, realiza-se a converso, que consiste simplesmente em alterar esta nota para sua
correspondente no novo sistema.
Na segunda fase, tomam-se as funes Riemannianas do Sistema Original e, aps
verificar-se a que funes correspondem no Sistema 1, realizam-se as tradues uma a uma.
A converso do Sistema Original para o Sistema 1 no ocasionar nenhuma distoro, ou seja,
o procedimento horizontal e o vertical produziro resultados idnticos. De fato, um dos
fatores que poderiam ocasionar alguma distoro seria a no correspondncia posicional das
funes tridicas entre os dois sistemas. O sistema 1 bastante prximo do original, como se
pode observar na Figura 5, tanto que Lewin o denomina de conjugado, de acordo com a
definiao 8.
DEFINIO 8. Um sistema conjugado do SR (T,d,m) o Sistema Riemanniano
(T,d, d-m). A operao que transforma um dado Sistema Riemanniano em seu conjugado ser
denominada CONJ. Escreve-se simbolicamente CONJ (T,d,m) = (T,d,d-m).
A Figura 6 mostra o resultado da converso vertical entre os dois sistemas. Como
se observa, trata-se apenas de uma mudana do modo jnio (maior) para modo elio (menor
natural).
Figura 6. Converso vertical entre o Sistema Original e o Sistema 1
Convertamos agora o Sistema Original para o Sistema 2. V-se que ambos
diferem em apenas duas classes de notas (diferentemente do que ocorre com relao ao
Sistema 1, onde a diferena de trs classes de notas). Ao convertermos as alturas, uma a
uma, sob uma perspectiva horizontal, produziremos gestos verticais que no existem no
Sistema 2. Verificando cuidadosamente a Figura 7, que contm a converso horizontal do
coral para o Sistema 2, observa-se que nenhuma dessas trades pertencem ao universo
estrutural deste sistema, o qual foi claramente delineado na Figura 5. No entanto, a converso
sob uma perspectiva vertical, ou seja, considerando-se as entidades verticais produz coerncia
tanto do ponto de vista do conjunto diatnico como da lista cannica. Evidentemente, como
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esta converso vertical foi feita a partir das trades, estas esto presentes no resultado final e,
como os componentes das trades so as classes de notas, estas tambm estaro
correspondentemente convertidas.
Figura 7. Converso horizontal entre o Sistema Original e o Sistema 2
Observa-se o mesmo fenmeno na converso entre o Sistema Original e o Sistema
3, ou seja, a converso sob o ponto de vista horizontal (conjunto diatnico desordenado)
produz paradoxo, o qual aqui se exprime como incoerncia entre as linhas meldicas
convertidas e o material tridico, enquanto a converso sob o ponto de vista vertical produz
um resultado coerente, ou seja, as linhas meldicas produzem contrapontisticamente trades
que pertencem lista cannica. A figura 8 mostra o resultado da converso horizontal entre
os Sistema Original e o Sistema 3.
Figura 8. Converso horizontal entre o Sistema Original e o Sistema 3
Considerando-se que a reordenao do conjunto diatnico um procedimento
correto, conforme nos autoriza a Definio 3, ento a converso entre Sistemas Riemannianos
no-redundantes, excetuando-se os conjugados, revela que o aspecto vertical tem primazia
sobre o horizontal. Como consequncia imediata deste resultado, pode-se estabelecer que a
harmonia um procedimento apriorstico com relao construo meldica. Isto pode
significar que Bach pensou primeiro na estrutura harmnica e tambm que Schoenberg tem
razo em pensar nas estruturas verticais formadas pelo embelezamento contrapontstico como,
pelo menos, promessas de futuros acordes independentes.
No entanto, se a Definio 3 for eliminada dos fundamentos lgicos do Sistema
Riemanniano, passando a lista cannica a ser a ordenao obrigatria, o conjunto diatnico,
ordenado na forma escalar como se conhece tradicionalmente, no pode ser considerado na
converso, j que as correspondncias entre as classes de notas passam a depender
intimamente da lista cannica e consequentemente das trades. Assim, elimina-se a condio
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paradoxal. O prprio Lewin no claro a este respeito, uma vez que, ao mesmo tempo em
que libera a ordenao do conjunto diatnico, quando o considera desordenado na Definio
3, esclarece, na nota 1 (pgina 59), que a escolha da lista cannica como ordenao do
Sistema, em vez da forma escalar, se origina nos trabalhos de Hauptmann e tem profundas e
importantes implicaes.
Referncias :
BURNHAM, Scott. Method and Motivation in Riemann History Harmonic Theory. Music
Theory Spectrum. Vol.14, N.1. (Spring, 1992): pp. 1-14.
DAHLHAUS, Carl. Schoenberg and Schenker. Proceedings of Royal Musical Association,
Vol. 100. (1973 - 1974), 209-215.
EBBINGHAUS, Hans-Dieter, Jrg Flum e Wolfgang Thomas. Mathematical Logic. New
York: Springer-Verlag, 1984.
FORTE, Allen. The Structure of Atonal Music. New Haven: Yale University Press, 1973.
LEWIN, David. A Formal Theory of Generalized Tonal Functions. Journal of Music
Theory. Vol.26, N.1 (Spring, 1982): 23-60.
SCHENKER, Heinrich. Counterpoint: A Translation of Kontrapunkt. Vol.1. New York:
Schirmer Books, 1987.
___________________. The Masterwork in Music: a Yearbook. Vol.2. New York:
Cambridge University Press, 1994.
SCHOENBERG, Arnold. Armonia. Madrid: Real Musical Editores, 1979.
STRAUS, Joseph. Introduction to Post-Tonal Theory. 2.ed. Uppler Saddle River, New Jersey:
Prentice Hall, 2000.
1 O texto desta cano secular, inspirada no Salmo 118, foi adaptada para uso congregacional por
George Nigidius (1525-1588), e publicada em 1598, em Hamburgo, no Neu Catechismus-Gesangbuechlein.
Estas informaes provm de: http://www.bachcentral.com/BachCentral/chorales.html e
http://www.ctsfw.edu/etext/hymnal, ambos consultados em 17 de maio de 2008.
2 Isomorfismo a correspondncia biunvoca entre os elementos de dois grupos, que preserva as
operaes de ambos. Para uma definio formal veja-se Ebbinghaus (1984, p.38).
3 Para a construo da escala, arrumar-se-o os membros do conjunto diatnico da forma mais compacta
possvel para a esquerda, ou no sentido anti-horrio, considerando-se a distribuio circular dos conjuntos de
classes de notas (STRAUS, 2000, p.4), iniciando a partir da classe de nota tnica (ou 0), a exemplo do que se
faz tradicionalmente com os modos utilizados na msica tonal ocidental. Esta possibilidade de ordenao livre
sustentada pela Definio 3.
4 Schoenberg afirma, no captulo XVII de seu Tratado de Harmonia, que no existem notas estranhas
harmonia, pois a harmonia a simultaneidade sonora (SCHOENBERG, 1947, p.381). Schenker, por outro lado,
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considerava j na segunda edio de seu Kontrapunkt um acorde de stima, por exemplo, como resultado de uma
nota de passagem sobre uma trade consonante (SCHENKER, 1987,p.366). Alm disso, Schenker (1994,p.9-18)
dedica um trecho de seu livro The Masterwork in Music para rebater diretamente o captulo XVII de Schoenberg.
Este assunto amplamente discutido por Carl Dahlhaus (1973,p.209-215).