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Conversar e trabalhar juntos 1 CONVERSAR E TRABALHAR JUNTOS Introdução Até aqui analisei principalmente conversações entre professores e alunos. Exceptuando poucos exemplos, não insisti demasiado no desenvolvimento do conhecimento e da compreensão quando os alunos conversam e trabalham juntos sem o professor. E contudo a «aprendizagem cooperativa» como se costuma chamar é importante na vida diária. Pensemos na nossa própria vida: provavelmente grande quantidade de conhecimento e muitas e valiosas competências foram adquiridas através da conversação e do trabalho com pessoas que, no sentido formal da palavra, não eram professores. E isto não diz respeito apenas àquilo que um amigo mais capacitado nos ajuda a aprender: sei que, em algumas ocasiões, a minha própria compreensão das coisas melhorou ao ter de explicar algo a um amigo que as entendia menos e que me pedia ajuda. Um bom exame para saber se se compreende bem uma coisa é ter de a explicar a alguém. Discutir com alguém a quem se possa tratar social e intelectualmente como a um igual é um método excelente para avaliar e rever a compreensão. Contudo a história da prática educativa mostra-nos que a conversação entre os estudantes poucas vezes tem sido integrada no processo de educação na sala de aula. Tradicionalmente, a conversação entre os alunos não tem sido promovida e tem sido considerada incómoda e subversiva. Embora as ideias a esse respeito tenham mudado nos últimos anos, muitos professores desconfiam das conversações entre alunos. Como qualquer professor pode confirmar, um dos critérios que os professores pensam que o pessoal superior, os alunos, os pais e o resto do mundo utilizam para julgá-los é: podem fazer um pouco de silêncio na aula? Evidentemente, a explicação racional da tradicional repressão das conversações entre os alunos é que, como um acréscimo pontual ao ensino que se inscreve no quadro e nas explicações que se dirigem a toda

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Conversar e trabalhar juntos 1

CONVERSAR E TRABALHAR JUNTOS

Introdução

Até aqui analisei principalmente conversações entre professores e

alunos. Exceptuando poucos exemplos, não insisti demasiado no

desenvolvimento do conhecimento e da compreensão quando os alunos

conversam e trabalham juntos sem o professor. E contudo a

«aprendizagem cooperativa» como se costuma chamar é importante na

vida diária. Pensemos na nossa própria vida: provavelmente grande

quantidade de conhecimento e muitas e valiosas competências foram

adquiridas através da conversação e do trabalho com pessoas que, no

sentido formal da palavra, não eram professores. E isto não diz respeito

apenas àquilo que um amigo mais capacitado nos ajuda a aprender: sei

que, em algumas ocasiões, a minha própria compreensão das coisas

melhorou ao ter de explicar algo a um amigo que as entendia menos e

que me pedia ajuda. Um bom exame para saber se se compreende bem

uma coisa é ter de a explicar a alguém. Discutir com alguém a quem se

possa tratar social e intelectualmente como a um igual é um método

excelente para avaliar e rever a compreensão.

Contudo a história da prática educativa mostra-nos que a

conversação entre os estudantes poucas vezes tem sido integrada no

processo de educação na sala de aula. Tradicionalmente, a conversação

entre os alunos não tem sido promovida e tem sido considerada incómoda

e subversiva. Embora as ideias a esse respeito tenham mudado nos

últimos anos, muitos professores desconfiam das conversações entre

alunos. Como qualquer professor pode confirmar, um dos critérios que os

professores pensam que o pessoal superior, os alunos, os pais e o resto do

mundo utilizam para julgá-los é: podem fazer um pouco de silêncio na

aula? Evidentemente, a explicação racional da tradicional repressão das

conversações entre os alunos é que, como um acréscimo pontual ao

ensino que se inscreve no quadro e nas explicações que se dirigem a toda

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a turma, as conversações são incómodas e subversivas. Inclusivamente

nos regimes menos formais, os professores têm o compreensível trabalho

de limitar as conversações que não se coadunam com o trabalho que está

a ser realizado. Deste modo, se bem que a experiência da vida quotidiana

apoie o valor da aprendizagem cooperativa, a prática implicitamente a tem

relegado. Existe nas investigações algo que possa dizer-nos algo mais

acerca do valor da conversação e das aprendizagens cooperativas?

Investigações sobre a cooperação na aprendizagem

A comunicação entre os alunos não tem sido considerada importante

nas teorias do desenvolvimento do conhecimento e da compreensão.

Piaget, nos seus primeiros trabalhos, esboçou um papel para a

significação da interacção entre «pares»- ajudava os meninos a

«descentrarem-se» a serem sensíveis a outros pontos de vista sobre o

mundo em vez de atenderem unicamente ao seu mundo. Em trabalhos

posteriores e concretamente no enfoque sobre as actividades dos

indivíduos, não atendeu muito a este tema. No entanto, tem havido

alguns desenvolvimentos interessantes de acordo com a tradição

piagetiana. Seguidores de Piaget, como Willem Doise, Anne-Nelly Perret-

Clermont e Gabriel Mugny utilizaram o conceito conflito sociocognitivo

para perceber como se pode mudar a compreensão da criança ao interagir

com outra criança que tem uma compreensão diferente dos mesmos

factos. A ideia básica assenta em: quando duas visões diferentes do

mundo entram em contacto e o conflito resultante se tem de resolver para

solucionar um problema, provavelmente isto estimula algum tipo de

«reestruturação cognitiva» - algum tipo de aprendizagem e de melhor

compreensão. O conceito conflito sociocognitivo tem um potencial

interessante para o estudo da actividade em colectivo na sala de aula. Por

exemplo, pode ser útil para explicar a experiência de aprendizagem

descrita na sequência 2.3, La caja maior, do segundo capítulo. Mas os

neopiagetianos não estudaram a conversação real implicada neste conflito

de ideias - talvez porque, como foi sugerido no quinto capítulo, a

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linguagem tem um papel relativamente marginal na sua teoria. O principal

objectivo da maioria das suas investigações tem sido determinar se a

interacção melhora a posteriori as realizações individuais (em vez de se

interessarem pela construção do conhecimento como uma entidade

compartilhada)

Por outro lado, a teoria de Vigotsky refere-se essencialmente ao

ensino-aprendizagem em vez de se referir à aprendizagem no seu

conjunto. Alguns dos neovigotskianos investigaram a actividade conjunta

dos alunos, mas ao contrário dos piagetianos, tentaram pôr em relevo a

cooperação em vez do conflito. Muitas dessas investigações implicam a

adaptação de ideias criadas para o estudo de relações «assimétricas» (por

exemplo professor-aluno) ao estudo de relações mais simétricas (por

exemplo aluno-aluno). Assim Bruner fala de como um «par mais

competente» pode proporcionar o andaime a um aluno, mas não responde

à questão: que se passa se os pares não são os mais competentes?

Outras pessoas sugerem que ter de explicar as suas próprias ideias a

alguém é útil porque promove o desenvolvimento de um tipo de

compreensão mais explícito, organizado e«distanciado». No entanto,

carecemos de conceitos adequados para tratar este processo.

Embora a teoria não tenha seguido o mesmo ritmo, nos últimos

anos a investigação tem mostrado maior interesse pelas aprendizagens

cooperativas. A actividade cooperativa tem sido estudada de vários

modos: através de estudos gerais sobre a vida nas aulas, através de

experiências em que pares ou grupos realizam tarefas de resolução de

problemas especialmente concebidas para esse efeito, e através de

pormenorizadas análises de conversações entre pares ou entre grupos de

crianças que trabalham juntas em tarefas escolares baseadas no currículo.

Um dos valores da recente investigação sobre o ensino e a aprendizagem

tem sido o facto de ser multidisciplinar e variada nos seus métodos. Vou

rever rapidamente essas linhas de investigação e tentar extrair os pontos

mais importantes que, neste campo, nos interessam.

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Estudos da actividade na aula

Embora em algumas escolas se tenha tentado eliminar a

conversação entre os alunos, em alguns casos e em lugares concretos, a

comunicação e a interacção entre as crianças na aula tem sido

oficialmente promovida. Desde os anos sessenta, uma filosofia

«progressista» da educação tem impulsionado o «trabalho em grupo» em

escolas primárias britânicas: as crianças sentam-se à volta das mesas e

permite-se que falem (ao menos até certo ponto) enquanto trabalham. É

surpreendente pois que não se tivesse sabido muito acerca da qualidade

da maior parte desse trabalho em grupo. Apenas nos anos oitenta, um

projecto de investigação em grande escala chamado ORACLE, observou e

avaliou as práticas de um grande número de escolas primárias britânicas.

Obtiveram-se resultados evidentes acerca valor que a conversação e a

actividade conjunta pressupunham para o progresso educativo das

crianças? A resposta é breve: «não». Para ser mais claro, ORACLE não

demonstrou que essa actividade cooperativa não tinha valor; demonstrou

é que ela raramente se realizava. Na maioria das classes primárias que

observaram, os investigadores constataram que o facto de os meninos

estarem sentados juntos, não significava que estivessem colaborando.

Normalmente as crianças trabalhavam em tarefas paralelas ou individuais.

Embora pudessem conversar enquanto trabalhavam e pudessem falar uns

com os outros acerca do seu trabalho, o tipo de tarefas que realizavam

não os incitava ou não requeria que colaborassem ou falassem sobre o

seu trabalho. A surpreendente conclusão de ORACLE foi, pois, que a

maioria das escolas primárias britânicas não eram boas bases de análise

para comprovar o valor da aprendizagem e da conversação cooperativas.

Desde então outras investigações da equipa ORACLE e de outras

equipas têm proporcionado um apoio variado para o estudo do valor das

actividades de aprendizagem em grupo. Uma consequência clara das

conclusões a que chegaram é que não temos de assumir que a

aprendizagem em grupo tem valor por si mesma; depende do que se

pretende alcançar e do modo como o professor organiza o trabalho. Numa

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revisão das investigações sobre o trabalho em grupo nas aulas do ensino

primário (e de algumas investigações experimentais), Galton e Williamson

concluem dizendo o seguinte: «Para que uma colaboração tenha êxito, há

que ensinar aos alunos como colaborar para que deste modo tenham uma

ideia clara do que se espera deles». Esta ideia, dentro dos seus limites, é

muito importante para o que aqui nos interessa. Contudo, só uma

pequena parte das investigações revistas por Williamson incluía alguma

análise aplicada à conversação entre alunos.

No final dos anos oitenta, o National Oracy Project proporcionou

grande abundância de informação sobre a conversação em escolas

britânicas, a qual incluía temas de investigação tais como as próprias

concepções das crianças sobre a ajuda da conversação na aprendizagem.

O National Oracy Project também teve êxito ao demonstrar a importância

da conversação na aprendizagem de todas as disciplinas do currículo (não

só da língua inglesa). Não foi realizado através de estudos gerais, mas

através de «estudos de casos» baseados em observações e práticas nas

salas de aula, normalmente escritas pelos próprios professores. Durante

as primeiras fases obteve-se informação reveladora daquilo que os alunos

acreditam que os professores pensam acerca do valor da conversação na

aula- por exemplo «a conversação impede-os de trabalhar» «falar não é

trabalhar» e «se te deixam falar é porque o trabalho que estás a fazer não

é importante»- Estive estreitamente relacionado com o National Oracy

Project, e a meu ver, um dos seus principais contributos foi aumentar a

consciência dos professores acerca do valor da conversação e,

consequentemente, a melhoria do estatuto da conversação na aula entre

os professores e os alunos.

Investigações experimentais

Recentemente, na Europa e nos Estados Unidos tem havido muitas

comparações experimentais entre crianças em situações de trabalho inter-

pares ou em grupos. Normalmente estas investigações têm estado

centradas nos resultados - por exemplo: quando é que as crianças

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conseguem melhores resultados, quando trabalham em competição ou

cooperativamente? e também nos resultados da aprendizagem individual

(em vez do processo conjunto de aprendizagem). Alguns resultados

destas investigações acentuam o valor da aprendizagem cooperativa; mas

outros mostram que, salvo algumas condições, trabalhar com um par é

menos eficaz do que trabalhar individualmente. Esboçaram-se algumas

experiências para determinar essa diferença crucial. Um factor que

efectivamente parece importante é esclarecer se as condições

experimentais requerem inevitavelmente que as crianças comuniquem e

colaborem na resolução de um problema (ou se simplesmente lhes é

permitido que conversem). A partir de um estudo de crianças que

trabalhavam em pares (sem a ajuda do professor) em problemas no

computador, o psicólogo Paul Light sugere que o facto de terem de utilizar

a linguagem para tornarem explícitas as suas intenções, para tomarem

decisões e para interpretarem feedback parece facilitar a resolução de

problemas e promover a compreensão. Uma das tarefas que Light e os

colegas utilizaram para os seus estudos era uma espécie de jogo de

aventuras que consistia em encontrar e resgatar a coroa de um rei

escondida numa ilha (aparecia num mapa no écran do computador). Ao

escolher as estratégias possíveis, as crianças podiam manipular diversas

personagens e meios de transporte para eliminar os piratas que

encontravam pelo caminho. A análise das conversações das crianças

mostrou que aqueles pares que na maioria dos casos falavam dos planos

que levariam a cabo, sobre as negociações e sobre o feedback foram os

que obtiveram maior êxito na resolução de problemas. O facto de utilizar

a conversação para conciliar situações conflituosas e assim poder passar à

acção parecia particularmente importante; e dava a impressão que os

pares com êxito eram aqueles que em mais ocasiões decidiam

conjuntamente. Nestas condições os dois meninos de um par

frequentemente aprendiam mais do que quando trabalhavam

individualmente. Por outro lado esta investigação não concorda com a

ideia de que trabalhar com um par mais «competente» (como diz Jerome

Bruner) é mais proveitoso para aprender, dado que pares de crianças com

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habilidades semelhantes pareciam aprender melhor do que os pares

assimétricos. Trabalhar com um par que sabe mais e é mais capaz, que

domina o outro quando há que tomar decisões e que insiste em utilizar as

suas próprias estratégias de resolução de problemas, pode ser um

impedimento em vez de ser uma ajuda para outra pessoa menos capaz.

Recentemente também surgiu o interesse sobre o modo como a

actividade colaborativa influencia a qualidade do pensamento. Por

exemplo, algumas investigações experimentais interrogam-se se a

discussão ajuda as crianças a generalizar o que aprenderam (ao falar de

«generalizar» refiro-me ao alcance da capacidade das crianças para

aplicarem em outras situações e problemas relacionados o que

aprenderam mediante a resolução de um tipo de problemas concreto).

Este interesse surgiu porque investigações anteriores tinham demonstrado

que, por norma, não é fácil para as crianças generalizar a compreensão de

um tipo de problemas para outro ou de uma área curricular para outra. De

certo modo parece que isto se deve a que frequentemente aquilo que

compreendem são os «procedimentos» e não os «princípios»-aprendem a

seguir uma série de procedimentos práticos (por exemplo um método

particular de efectuar divisões ou de fazer experiências científicas e

descrevê-las) sem nunca chegarem a entender os princípios subjacentes.

Agora acredita-se que, compartilhando as ideias, as crianças podem

alcançar tipos de compreensão mais generalizáveis se forem ajudados e

estimulados. Por exemplo, George Hatano e Kayoko Ignagaki investigaram

a generalização que uns meninos japoneses de 6 anos fizeram da sua

experiência de criar um animal como mascote (por exemplo um peixe):

deram conta dos processos vitais e interessaram-se pelas necessidades de

outros seres vivos. Uma das suas conclusões que aqui nos interessa

particularmente é que quando as crianças tinham de compartilhar ideias

sobre como cuidar de animais-explicar e discutir e algumas vezes justificar

as opiniões que defendiam - isso levava-os a uma melhor compreensão,

mais generalizável e baseada em princípios.

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Investigações sobre as conversações dos alunos na aula

As experimentações podem ser úteis para identificar quais os

factores da complexa realidade da aprendizagem conjunta são mais

importantes para obter êxito. Contudo é difícil tirar conclusões para a

prática educativa a partir de experiências realizadas sob condições

controladas, fora da vida normal da sala de aula e sobre tarefas que não

se relacionam com os conteúdos dos currículos escolares. Além disso, a

maioria das investigações centrou-se nos resultados da actividade

conjunta e não no processo em si. Consequentemente, seria interessante

observar as descobertas de um estilo de investigação centrado no

processo de discussão nas aulas em vez de atender aos seus resultados

para assim se poder ver se se chegou a conclusões similares ou

diferentes. Douglas Barne e Frankie Todd dois pioneiros deste tipo de

investigação que trabalharam ao longo dos anos setenta e descreveram os

seus estudos na obra clássica Discussion and Learning in Small Groups

mostraram que os alunos podiam considerar o conhecimento como um

artigo negociável quando se implicavam com entusiasmo em tarefas

conjuntas. Sugeriram que é mais provável que os alunos se impliquem

mais numa discussão e numa argumentação aberta e prolongada quando

trabalham em pares fora do controlo visível do professor e este tipo de

conversação lhes permite uma relação de «proprietário» do conhecimento

mais activa e independente. Barnes e Todd expressam isso da seguinte

forma:

Consideramos que colocar a responsabilidade nas mãos dos alunos

altera a natureza da aprendizagem ao obrigá-los a negociar os seus

próprios critérios de importância e veracidade. Se educar é preparar as

pessoas para uma vida de adultos responsáveis, este tipo de

aprendizagem tem um lugar importante no repertório de relações sociais

que os professores têm à sua disposição.

Barnes e Todd apresentam alguns exemplos de conversações

intencionalmente utilizadas para construir conhecimento e compreensão e

para além disso utilizadas em formas educativamente apropriadas.

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Encontramos um bom exemplo quando após a discussão de um tema,

alguém do grupo faz o resumo dos contributos dos falantes. Um grupo de

jovens de 13 anos discutia a novela A Pérola de Steinbeck e alguns tinham

comentado episódios do livro que consideravam pouco convincentes.

Depois de um comentário nesta linha (o de Bárbara na sequência

transcrita) Marianne fez o seguinte resumo:

Bárbara (voltando ao assunto anterior) Creio que teria de descrever mais,

já sabes. Supõe-se que o livro trata de mergulho e de pérolas.

Marianne (resumindo a conclusão a que acabam de chegar) Sim, sim

pensamos que não existe uma descrição adequada.

Os professores fazem frequentemente um tipo de recapitulações e

reformulações que resumem as ideias expressas (ver a sequência 3.3 do

terceiro capítulo e os comentários a esse respeito). Não é uma

característica habitual do «discurso quotidiano» mas que é tão importante

para o «discurso educativo» como para o «educado» Talvez Marianne

tomasse como modelo para o seu discurso educado os contributos do seu

professor para o discurso educativo. Barnes e Todd também mostraram

que algumas discussões em grupo pareceram chegar a um ponto zero no

que se refere à educação. No exemplo que se apresenta, um grupo de

raparigas discute «a violência entre bandos» e, a partir da sua própria

experiência, explicam porque é que os rapazes lutam uns contra os

outros.

Elisabeth: Não era uma razão, inclusivamente nem... porque julgas que os

rapazes lutam nos bandos assim?... Sim, Shirley.

Shirley: Não estava a dizer nada.

Elisabeth: A minha mãe disse que...

Catherine: É, é, é como uma competição, verdade?

Shirley: Sim

Elisabeth: Sim, é

Catherine: Agora aviso-te que é impossível mudar, verdade?

Shirley: Sim.

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Elisabeth: Cadeia

Catherine: Aviso-te...

Elisabeth: Cadeia...

Catherine: Se a gente não visse tanto os programas que fazem, algumas

pessoas não o fariam.

Elisabeth: Sim a a maioria da violência chega através da televisão.

E a discussão continuou. Barnes e Todd comentam: O que aqui tem

lugar não é a utilização da linguagem para construir novos significados,

mas um conjunto de banalidades que nunca se tornaram suficientemente

explícitas. Se tivessem sido mais explícitas, teriam sido mais aproveitáveis

para serem criticadas e modificadas. Neste fragmento de conversa, as

raparigas não avançam na compreensão apenas reiteram pseudo

compreensões que acabam de lhes ocorrer.

Barnes e Todd sugerem que a discussão na aula tem de integrar

certos requisitos para apresentar ideias explícitas, requisitos não

necessários no discurso «quotidiano». A informação relevante deveria ser

compartilhada de forma efectiva, as opiniões deveriam ser claramente

explicadas e as explicações deveria ser examinadas criticamente. Em

suma, o conhecimento como indiquei no capítulo quinto deveria justificar-

se publicamente. Qualquer que seja o valor que a conversação tenha tido

para consolidar a amizade entre as jovens ou para lastimar os fracassos

dos seus companheiros, não há motivo para crer que esta discussão as

ajudasse a progredir na sua compreensão analítica de diferentes questões

de forma educativamente apropriada. Barnes e Todd explicam que o êxito

da actividade educativa mediante o trabalho em grupo depende de que os

alunos a) compartilhem as mesmas ideias sobre aquilo que é importante

na discussão; b) tenham uma concepção comum do que se pretende

alcançar com ela. Estes pontos foram apoiados por investigações

posteriores.

Relações sociais

No capítulo quatro afirmou-se que a educação nunca teve lugar num

vazio social ou cultural. Embora as escolas sejam lugares com os seus

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próprios tipos de conhecimento, as suas formas próprias de utilizar a

linguagem e as suas próprias relações de poder, não estão à margem da

sociedade. E os alunos têm identidades sociais que afectam a sua maneira

de actuar na aula e a maneira de actuar de outras pessoas. De certo

modo, isto pode ser óbvio para os professores que diariamente se dão

conta da diversidade dos estudantes. São os investigadores quem mais

facilmente o esquece dada a estreiteza do seu olhar que os encerra no

estudo de aspectos concretos do desenvolvimento e da aprendizagem

intelectuais (falo da minha experiência como professor e investigador).

Não obstante, muitos investigadores estão dando conta de que os factores

sociais e culturais devem merecer maior atenção; e tal com ilustrava a

investigação de A.P.Biggs e Viv Edben (descrita no capítulo quatro) até os

professores podem desconhecer influência de alguns factores nas suas

turmas. No entanto não têm sido feitas muitas investigações sobre os

efeitos dos factores sociais e culturais que intervêm na aula, mas

dispomos de alguns contributos muito importantes tanto para a

investigação como para a docência.

As relações de género são um tema que nos últimos anos tem vindo

a ser estudado por investigadores experimentais e observadores. Por

exemplo Joan Swann mostrou muito claramente que os diferentes estilos

interactivos dos meninos e das meninas podem influenciar as formas de

construção do conhecimento, e portanto pode afectar a qualidade da

experiência de aprendizagem dos que nela estão implicados. Embora

exista uma grande variação individual entre os rapazes e as raparigas, os

rapazes de qualquer idade tendem a dominar as discussões e geralmente

tendem a adoptar mais papéis «executivos» na resolução conjunta de

problemas. Seguramente os professores e os investigadores sabem

apreciar este tipo de diferenças; o problema está em saber o que fazer

com elas. Swann também destaca alguns «aspectos confusos» da forma

de avaliar a conversação cooperativa, e o seu argumento é acompanhado

de mensagens claras para os investigadores e para os professores. Uma

boa ilustração é o estudo de alguns exemplos de actividade cooperativa; o

material analisado foi gravado em vídeo e foi produzido por uma

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autoridade educativa local que tinha como objectivo a formação de

professores. Comparava-se a actividade das crianças que trabalhavam em

pares menino menina. Para falar de colaborações «com êxito» ou «sem

êxito» avaliou-se a construção de pares de gruas do jogo Lego;

considerava-se que uma construção tinha êxito se a qualidade do desenho

era boa e a grua construída era consistente. Mas Swann assinala que um

par só obtinha êxito se a menina aceitava as palavras do seu par e

aceitava funcionar como sua «assistente». Deste modo, ela exercia pouca

influência no desenho, os seus pontos de vista não eram considerados

seriamente e grande parte das conversações assentavam em orientações

do rapaz acerca do trabalho a realizar. Swann indica que que a

colaboração e a interacção só eram avaliadas a partir dos resultados (por

ex como a grua tinha sido bem construída) e não a partir do processo; por

consequência ignoravam-se alguns aspectos da qualidade da experiência

educativa das crianças nela implicadas.

A investigação demonstrou que, embora os rapazes sejam

frequentemente os que dominam nos pares mistos e nas actividades de

grupo, algumas vezes os estudantes «mais capazes» (de qualquer sexo)

parecem ser aqueles que tendem a assumir o controlo. Todas estas

descobertas levantam a necessidade de esclarecer que critérios estão a

ser utilizados pelos professores e pelos investigadores para avaliar a

actividade cooperativa. A pergunta chave é: «que se espera que os alunos

obtenham com ela?» Se uma das razões para promover a actividade

conjunta é que todos os alunos tenham oportunidade de utilizar

activamente a linguagem para resolver problemas, e outra é libertá-los

das obrigações dos discursos dirigidos ao professor, dificilmente pode ser

satisfatório o facto de muitas vezes alguns alunos estarem tão reactivos

que tenham de ser enfrentados com uma forma diferente de intervenção

do professor.

Outro aspecto bastante diferente das relações sociais é o efeito da

amizade na qualidade de uma discussão. A investigação neste campo de

estudo bastante novo, está bem ilustrada numa experiência de Margarita

Azmitia e Ryan Montgomery que propuseram a pares de crianças de 11

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anos alguns problemas que exigiam raciocínios lógicos e científicos (um

era do estilo dos mistérios de Sherlock Holmes, sobre uma morte

provocada por uma pizza envenenada). Verificaram que quando os pares

eram formados por amigos em vez de simples conhecidos, faziam através

da linguagem raciocínios mais explícitos e mais «científicos» e

consequentemente os problemas eram resolvidos com mais êxito.

Que tipo de conversação se deveria promover e como?

As investigações que até agora foram revistas não proporcionaram

um conjunto claro de descobertas que se possam integrar ou reconciliar

facilmente. Mas a minha revisão leva-me a concluir que se demonstrou

que a conversação entre os alunos é valiosa para a construção do

conhecimento. A actividade conjunta dá oportunidades para praticar e

desenvolver formas de raciocinar através da linguagem e no discurso

dirigido pelo professor não surge o mesmo tipo de oportunidades.

Podemos utilizar esta conclusão para justificar o «trabalho em grupo» e

outras formas de actividade cooperativa na aula. Mas a investigação

também mostra que apesar de a conversação entre os alunos poder

ajudar a desenvolver a compreensão, nem todos os tipos de conversação

e de colaboração têm o mesmo valor educativo.

A partir das investigações é possível obter uma descrição do tipo de

conversação que é bom para resolver problemas intelectuais e para

progredir na compreensão. Em primeiro lugar: a conversação em que os

pares apresentam as ideias de forma mais clara e explícita é necessária

para poderem compartilhá-las e avaliá-las conjuntamente. Em segundo

lugar o tipo de conversação em que os pares raciocinam juntos - os

problemas são analisados conjuntamente, se comparam as possíveis

explicações e se tomam as decisões conjuntas.

As investigações também nos ajudam a descobrir algumas das

condições favoráveis ao aparecimento da conversação. Em primeiro lugar,

os pares têm de falar para realizar tarefas e portanto a conversação não é

um mero incidente. Em segundo lugar, a actividade deve ser concebida

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para promover a cooperação e não a competição entre os pares. Em

terceiro lugar, os participantes devem compreender bem e de forma

partilhada a chave e a finalidade da actividade. Finalmente em quarto

lugar, as regras básicas da actividade deveriam promover um livre

intercâmbio das ideias relevantes e uma participação activa de todos os

implicados. Também ajuda como se pode supor, o facto de os alunos

terem uma relação amistosa já estabelecida. Desta lista podemos extrair

algumas ideias dirigidas tanto a professores como a investigadores;

indicá-las-ei mais adiante.

Voltando à aula

Agora gostaria de observar alguns exemplos de crianças que

conversam umas com as outras na aula. As próximas três sequências

foram gravadas num colégio em que se desenrolava uma investigação

incluída no projecto SLANT (Spoken Language and New Technoogy).

Gravámos aproximadamente 50 horas de conversações na aula em dez

colégios ingleses de instrução primária. O nosso principal interesse no

projecto era ver de que forma as actividades baseadas no computador

estimulavam a conversação entre as crianças e entender também qual era

o papel do professor para organizar e ajudar os alunos na actividade que

realizavam conjuntamente no computador. Há outras publicações da

equipa SLANT que tratam de questões relacionadas com os

computadores; mas aqui interessa-me utilizar as gravações do SLANT

para ilustrar algumas questões gerais sobre a qualidade das conversações

das crianças que trabalham juntas e sobre o papel dos professores para

ajudar essas conversações. As três sequências que seleccionei pertencem

a sessões que duravam entre os 35 e os 90 minutos e mostram diferenças

no tipo de actividades em que as crianças se ocupavam. As sessões que

proporcionaram estas sequências foram gravadas ao longo de um período

de 14 meses no mesmo colégio- um colégio de ensino primário, moderno,

misto, situado na urbanização de uma cidade-. As crianças desta escola

tinham entre 9 e10 anos e vinham da mesma localidade. Cada um dos

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pares ou grupos implicados foram gravados em sessões relacionadas e ao

longo de dias ou semanas; e os investigadores destinaram parte do seu

tempo para falar tanto com os professores como com os alunos. Nas três

sequências podemos observar que as crianças resolvem algum tipo de

problemas e falam enquanto o fazem. E em todas elas parece que as

crianças gostam do trabalho, fazem-no com entusiasmo a partir das

orientações do professor.

Possuo muito mais informação sobre estas sequências do que aquela

que posso compartilhar convosco. Porém, a partir da informação limitada

que posso compartilhar, gostaria que o leitor realizasse a seguinte

actividade. Em primeiro lugar leia as três sequências. Observe a

informação adicional que dou antes do começo de cada sequência, mas

ignore por agora os comentários que faço depois da última sequência.

Atendendo ao que foi dito anteriormente neste livro, e em especial ao que

dissemos neste capítulo, tenha em conta as seguintes perguntas quando

ler cada uma das sequências:

1. As crianças estão totalmente em desacordo?

2. Fazem perguntas umas às outras?

3. Partilham informações importantes para a tarefa?

4. Parecem compreender conjuntamente a finalidade da tarefa?

5. De que forma a discussão dá corpo ao tipo de «regras básicas» para

raciocinar e resolver problemas que são importantes para o sucesso

educativo?

Depois disto leia os comentários que faço e compare a sua análise

com a minha.

Na primeira sequência duas crianças de 10 anos, Sean e Lester,

estão a utilizar o programa Smile que proporciona uma série de jogos

relacionados com as matemáticas. O jogo consiste em encontrar um

elefante perdido em Nova York (as ruas estão representadas num mapa

quadriculado projectado no écran) teclando coordenadas e reagindo ao

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Conversar e trabalhar juntos 16

feedback do computador que indica como se estão aproximando do

objectivo que pretendem alcançar. Seguindo as orientações do professor,

alternam consecutivamente para teclar os pares de coordenadas. Jogaram

durante 5 minutos.

Sequência 6.1: encontrar o elefante

Lester: 1,2,3,4,5 (contando com o dedo os quadrados do mapa no écran

antes de chegar a sua vez)

Sean: 1 é ali

Lester: Ou seja tem de ser.

Sean: 5,4 (sugerindo umas coordenadas)

Lester: (sem fazer caso de Sean)

4,3. Não, 4,3 não nos dá

Sean: 4,5 não não 4,4

Lester: 4,3 (pressiona as teclas) O quê? (Não encontra o elefante) É fácil

já sei onde está, em frente.

Os dois ficam um pouco em silêncio a olhar para o écran)

Sean: Já posso fazer isso.

(Todavia ao olhar o écran) Não para cima não, para baixo.

Lester: Não pode ser.

Sean sim pode

Lester Já sei onde está.

(Finalmente chega a vez de Sean, mas não encontrou o elefante)

Lester: Já te tinha dito que o elefante não estava ali (volta a experimentar

mas sem êxito)

Sean: ri, ri com satisfação

Lester: O que é que se passa agora? Não sei (Diz algo que não se

entende)

Sean: 1,2.3.4, 5 6 (contando quadrados)

Lester: Eu já sei onde está

Sean: Já estou mais perto dele, 5

Lester: Então tem de ser 1,8

Lester: 2.8

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Conversar e trabalhar juntos 17

Sean: Faz como entenderes.

A segunda sequência pertence a uma sessão onde duas meninas de

dez anos, Katie e Anne escrevem para o jornal da turma e utilizam um

software de auto edição especial para colégios denominado Front Page

Extra. Eram amigas e já tinham trabalhado juntas com sucesso O

professor tinha-as ajudado a carregar o programa e a preparar o écran

para a tarefa que era desenhar e escrever a primeira página. No momento

em que começa a sequência já tinham estado a trabalhar durante uma

hora e um quarto e agora tentavam escrever um texto para essa página.

Anne: Isso, isso

Katie: Algo

Anne: Algo assim!

Kate: Sim

Anne: Dentro destes fabulosos envelopes cheios de entretenimentos há...

Como podemos ter um envelope cheio de entretenimentos? Deixa-

me experimentar.

Katie: Dentro destes?

Anne: AH!aH! (ri)

Anne: Parece que isto te diverte, Fabuloso (ri)

Katie: Dentro destes, dentro destes fabu, dentro destes envelopes cheios

de entretenimentos, não dentro destes envelopes, estes fabulosos, estas

brilhantes.

Anne: Brilhantes

Katie: Brilhantes?

Anne: Não.

Katie: Não. Fantast, Fabulosos, Pomos isso?

Anne: Sim (diz qualquer coisa que não se consegue ouvir) Fantástico.

Katie: Fa -bu-lo-so

Anne: Loso. Fabuloso

Katie: fabuloso.oso

Anne: Fabuloso Ah!

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Conversar e trabalhar juntos 18

A terceira sequência apresenta um grupo de três crianças de 9-10

anos (dois rapazes e uma rapariga) que utilizam o programa Viking

England, um package de simulação histórica que permite que as crianças

desempenhem o papel de invasores vikings que planeiam uma incursão na

costa inglesa.

Anteriormente tinham trabalhado em grupos diferentes mas dois

deles já tinham trabalhado juntos.

Em resposta aos factos e às perguntas que apareciam no écran, os

membros do «grupo de invasores» tinham de decidir que recursos eram

necessários para a invasão, com que estratégias venceriam os inimigos

etc. Nesta sequência tinham de decidir qual dos quatro lugares possíveis

deveriam invadir (um convento, uma aldeia de cabanas, um castelo ou um

porto).

Sequência 6.3: Planificar uma invasão

Diana Vamos discutir, Qual devemos atacar?

Todos (sem que seja possível ouvi-los e rindo das instruções)

Peter: 1,2,3 ou 4 (lendo em voz alta o número de possibilidades que têm)

Bom não temos outras possibilidades de conseguir porque

Adrian: Há um convento

Diana: E se tomarmos o número 2 está (não se consegue ouvir)

Peter: Sim, porque as cabanas estão vigiadas

Todos: Sim.

Adrian: E isso provavelmente estará vigiado

Diana: Está rodeado de árvores

Peter: Sim

Adrian: E ali há uma rocha que nos protege.

Peter: Sim, há algumas rochas ali. Ou seja que creio, creio que deveria

ser o 1.

Adrian: Porque pode ser que o convento não esteja vigiado.

Diana: Sim o 1

Adrian: Sim o 1

Peter: Sim mas o que é que se passa com o 2? Esse pode também não

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Conversar e trabalhar juntos 19

estar vigiado. Verdade? Mas o facto de haver ali cabanas não significa que

não esteja vigiado, verdade? Qual é a vossa opinião?

Diana: Sim não significa que não esteja. Não podemos dizer que não está

vigiado verdade? Pode muito bem estar vigiado. Creio que temos de ir

pelo número 1 porque estou segura de que não está protegido.

Adrian: Sim

Peter: Vale, sim o número 1 (carrega 1 no teclado) Não (o computador

não responde de forma apropriada)

Adrian: Tens de usar esses números (assinala as teclas dos números da

direita do teclado e Peter carrega no número escolhido. Adrian começa a

ler o que aparece no écran) Escolheste invadir a área 1.

Seguidamente vou comentar cada uma das sequências

Comentários sobre a sequência 6.1

Nesta sequência vemos duas crianças ocupadas activa e

entusiasticamente na sua tarefa. Discutem sobre quem sabe mais, e,

algumas vezes, tratam de justificar as suas pretensões recorrendo ao

écran. Fazem sugestões e comentários, aconselham-se e fazem perguntas

uma à outra. Durante a sessão houve muitos diálogos e todos foram

«acerca das tarefas». Porém, se se considerar a sequência como uma

peça para a construção conjunta de resolução de problemas, e

especialmente como uma peça que ajude as crianças a desenvolver a sua

habilidade para tratar os problemas de forma «educada», a sua qualidade

é duvidosa. A maior parte do que dizem consiste em certas afirmações,

refutações ou comentários que não são construtivos. Os dois meninos

ignoram as observações mútuas, e quando um pede informação o outro

não a dá. Frequentemente parecem ter conhecimentos, mas nunca os

oferecem para ajudar. A sequência 6.1 é representativa do carácter da

maioria das conversações desta sessão. A quantidade de autêntica

colaboração - no sentido de partilhar ideias, avaliar conjuntamente a

informação, as hipóteses e a tomada de decisões e inclusivamente de

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Conversar e trabalhar juntos 20

aceitar um conselho - foi mínima. Os meninos redefiniram esta actividade

supostamente colaborativa como actividade competitiva. No conjunto da

sessão, cada vez que jogavam uma partida, o que pressionava as teclas

do último par de coordenadas antes de encontrar o elefante proclamava-o

em altos gritos como uma vitória pessoal. Era difícil ver, a partir da

realização desta actividade, aquilo que cada menino assimilava no que diz

respeito à aprendizagem através da comunicação ou no capítulo das

matemáticas. Ambos os meninos pareciam conhecer o conceito de

coordenadas e as suas estratégias não pareciam mudar nem evoluir à

medida que iam jogando.

Comentários da sequência 6.2

Nesta sequência vemos que Katie e Anne falam através do seu

texto. Fazem perguntas uma à outra (apesar de a pergunta da Anne

«Como podemos ter um envelope cheio de entretenimentos?» parecer

mais a expressão de um problema do que um pedido de informação à

companheira), fazem sugestões e apresentam algumas razões das

decisões que tomam. Confirmam e dão valor às afirmações que fazem, de

forma explícita («Isso, é isso!») ou de uma forma implícita repetindo-as

(«Dentro destas...»). Não estão construindo juntas apenas o texto, estão

construindo uma compreensão conjunta do que deveria ser o texto.

Divertem-se trabalhando juntas, talvez reflictam acerca de uma história

anteriormente concebida com êxito. Só existe um problema: não põem

em dúvida as sugestões uma da outra, e não sentem necessidade de

justificar as suas opiniões ou de explicar os motivos.

Comentários de sequência 6.3

Na sequência 6.3 vemos de novo uns meninos que trabalham,

fazendo perguntas uns aos outros, comentando e fazendo sugestões.

Discutem as diversas opções, e recordam a informação relevante. Estão

utilizando a conversação para partilharem informação e para planificar

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Conversar e trabalhar juntos 21

juntos. Discutem e avaliam os cursos possíveis da acção e tomam

decisões conjuntamente. Há muitos raciocínios explícitos na conversação.

Para além disso, estes raciocínios são interactivos - não são realmente

limitados à forma e ao conteúdo de afirmações individuais, são mais a

forma em que o discurso representa como um todo, um processo

compartilhado e pensado. Na actividade do jogo Viking England, muitas

conversações foram deste tipo, nelas os meninos raciocinavam

conjuntamente e construíam conhecimento e uma compreensão

compartilhados através da conversação.

Três formas de conversar e pensar

Agora vou utilizar a análise das sequências 6.1 e 6.3 para

apresentar três formas de conversar e pensar.

1. A primeira forma de conversar é a conversação de discussão que

se caracteriza pelo facto de estar em desacordo e por tomar

decisões individualmente. Há algumas tentativas para juntar

recursos ou para fazer uma crítica construtiva das sugestões. Assim

acontece na conversa de Sean e Lester na sequência 6.1. A

conversação de discussão tem também alguns aspectos

característicos do discurso; breves intercâmbios que consistem em

afirmações e em discussões de pontos duvidosos ou refutáveis.

2. A segunda é a conversação acumulativa em que os falantes

constroem positivamente, mas não criticamente aquilo que o outro

diz. Os pares utilizam a conversação para construir um

«conhecimento comum» mediante a acumulação. O discurso

acumulativo caracteriza-se pelas repetições, as confirmações e as

elaborações. Katie e Anne conversam deste modo na sequência 6.2

3. A última é a conversação exploratória em que os pares tratam de

forma crítica mas construtiva as ideias dos outros. Diana Peter e

Adrian conversam deste modo na sequência 6.3. Fazem afirmações

e dão sugestões para as poderem considerar conjuntamente. Devem

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Conversar e trabalhar juntos 22

questionar e defender, mas as discussões de pontos duvidosos há

que justificá-los e apresentar hipóteses alternativas. Em comparação

com as outras sequências, na conversação exploratória o

conhecimento justifica-se mais abertamente e o raciocínio é mais

visível na conversação. O progresso surge pois do acordo conjunto

finalmente alcançado.

Não se espera que «debate», «acumulativa» e «exploratória» sejam

categorias descritivas com as quais se deva codificar de forma clara e

separada qualquer conversação observada. São categorias analíticas,

representações das formas de falar dos meninos do projecto SLANT. O que

aqui me proponho é converter os conceitos de conversação discussão,

conversação acumulativa e conversação exploratória em modelos de três

formas sociais características de pensamento modelos que nos ajudam a

compreender de que modo as pessoas utilizam as conversações reais (que

inevitavelmente resistem a classificações claras) para «pensar

conjuntamente»

Três níveis de análise

Para descrever e avaliar as conversações reais que têm lugar em

qualquer actividade educativa conjunta necessitamos de incorporar os

modelos de conversação numa análise que opere a três níveis (quando

falo aqui de «nível» refiro-me a algo como «profundidade de enfoque»). O

primeiro nível é linguístico: examinamos a conversação como um texto

falado. Que «actos de fala» realizam os estudantes? (Afirmam, refutam,

explicam, perguntam?) Que intercâmbios têm lugar? (Isto é: como é que

os falantes constroem as suas conversações, como respondem e reagem à

fala dos outros? Que assuntos discutem? Neste nível vemos que «a

conversação discussão» representa a conversação dominada por

afirmações, refutações, com poucas repetições e elaborações que

caracterizam a «conversação acumulativa». A «conversação exploratória»

representa a conversação em que se refutam ideias, se pedem

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Conversar e trabalhar juntos 23

esclarecimentos com respostas que expliquem e justifiquem as ideias.

O segundo nível é psicológico: a análise da conversação como

pensamento e acção. Que «regras básicas» parecem seguir os falantes?

Como se reflectem os interesses e os assuntos dos falantes nas formas

em que interagem, nos temas que discutem e nas questões que

levantam? Até que ponto se está seguindo claramente um raciocínio

através da conversação? Podemos ser capazes de utilizar os modelos de

conversação para representar o tipo de relação comunicativa que os

falantes estão levando a cabo e as regras básicas que utilizam para o

fazer. Por exemplo, na «conversação debate» a relação é competitiva; faz-

se gala da informação, mas sem a partilhar, opõem-se as diferenças de

opinião em vez de as compartilhar e a orientação é em geral defensiva. A

«conversação acumulativa» parece operar melhor em relações implícitas

de solidariedade e confiança, e as regras básicas requerem repetição e a

confirmação constantes das ideias e das opiniões dos companheiros. A

conversação exploratória implica em primeiro lugar o raciocínio. As suas

regras básicas requerem que se observem e se considerem os pontos de

vista de todos os participantes, que se declarem e avaliem explicitamente

as propostas e que o acordo explícito preceda as decisões e as acções.

Tanto a conversação acumulativa como a conversação exploratória

parecem pretender alcançar um consenso enquanto a conversação debate

não pretende isso. Nesta, apesar de haver muita interacção, o raciocínio é

muito individualizado e tácito. Pelo contrário, na conversação acumulativa

compartilham-se as ideias e a informação e podem tomar-se decisões

comuns; mas no processo de construção do conhecimento, pouco existe

em relação às refutações ou aos conflitos construtivos. Ao incorporar tanto

o conflito como a clara aceitação das ideias, a conversação exploratória

representa o aspecto mais «visível» de um consenso racional através da

conversação. A conversação exploratória é a mais efectiva das três para

resolver problemas através da actividade cooperativa (como se discutiu

nas páginas 109-110) Se se pretende julgar o valor educativo de qualquer

conversação observada é necessário um nível de análise adicional. Poderia

chamar-se nível cultural porque implica inevitavelmente considerações

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Conversar e trabalhar juntos 24

sobre a natureza do discurso «educado» e sobre a classe de raciocínios

que se valorizam e promovem nas instituições culturais de educação

formal. A meu ver é neste lugar que a categoria analítica da conversação

exploratória merece especial atenção. Representa a linguagem que dá

corpo a certos princípios – de justificação, de clareza, de crítica

construtiva e de boa disposição para as propostas bem argumentadas -e

muito valorizadas em muitas sociedades. Em grande parte das nossas

instituições sociais chave – por exemplo a lei, o governo a administração;

a investigação científica e artística e os negócios – as pessoas têm de

utilizar a linguagem para questionar o valor das afirmações, hipóteses e

propostas de outras pessoas, para expressar as suas próprias

compreensões, para obter um acordo consensual e para conjuntamente

tomar decisões.

Alguns psicólogos e investigadores da linguagem têm sugerido a

ideia de que o discurso educado é muito diferente do discurso do

quotidiano porque aquele está de tal modo «desencaixado» e

«descontextualizado» que as palavras são utilizadas independentemente

do contexto, como significados abstractos. Por exemplo Margaret

Donaldson sugere que a essência do pensamento e a linguagem mais

avançada é a «habilidade de atender aos próprios significados das

palavras». Não obstante, «descontextualização» parece ser uma palavra

inadequada para descrever a essência do discurso educado. Veja-se por

exemplo uma forma de discurso educado como a linguagem do sistema

legal de um país. Donaldson apresenta-o como exemplo da forma de

utilização da linguagem separada e descontextualizada. Porém a

linguagem legal assenta em vários fundamentos da história, e chegar a

conhecê-la como profissional supõe anos de prática, o uso de documentos

legais e o conhecimento de sucessos anteriores (por exemplo casos legais

importantes). A linguagem dos profissionais em qualquer sentença ou em

qualquer documento legal é uma forma clara e contextualizada de

discurso. Os advogados têm de argumentar as suas «afirmações» de

acordo com os cânones da lei e têm de justificar as suas declarações

apresentando evidências. A linguagem a que Donaldson e outros chamam

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Conversar e trabalhar juntos 25

«descontextualizada» ou «desencaixada» tem, a meu ver, duas

características muito distintas: é uma forma de linguagem em que os

raciocínios se tornam visíveis e em que o conhecimento se justifica não

em termos absolutos, mas de acordo com «as regras básicas» da

importante comunidade de discurso.

Gostava de reter uma ideia central e importante dos argumentos

que Donaldson e outros apresentam. Se estimulamos e ajudamos os

meninos a utilizar a linguagem em formas concretas - para fazer

determinado tipo de perguntas, para descrever com clareza para justificar

resultados e consolidar com palavras aquilo que aprenderam - estamos a

ajudá-los a ter acesso ao discurso educado. Evidentemente há muito mais

coisas em jogo ao participar activamente em qualquer «discurso educado»

do que quando se utiliza a conversação de forma «exploratória» Há que

ter em conta o conhecimento acumulado, o vocabulário especializado e

outras convenções do discurso de qualquer comunidade concreta. Mas o

discurso exploratório apresenta qualidades que são uma parte vital e

básica de muitos discursos educados. Promover este tipo de conversação

pode ajudar os alunos a desenvolver hábitos intelectuais que lhes serão

necessários em diferentes situações.

Pode parecer que estou sugerindo que aos meninos – aos

estudantes - se deveria impor outro grupo mais de «regras básicas» mas

não é assim. As sequências seguintes pertencem a um debate entre

Eunice Fisher (uma das investigadoras do SLANT) e um grupo de quatro

alunos de seis anos que tentavam descobrir os seus pontos de vista sobre

o valor da «discussão»

Sequência 6.4 Que fazeis com a discussão?

Investigadora: E então que esperavam da discussão, o que

conseguiram no final?

Peter: Ajudar-te-ia dizendo-te que, fazendo que a gente esteja de

acordo contigo, ou seja conseguimos um bom, fazendo que a gente

esteja de acordo contigo, desejando que estejam de acordo, um, ou

seja conseguimos que duas pessoas queiram as mesmas coisas.

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Conversar e trabalhar juntos 26

(e logo se discutem essas coisas fora da aula)

Investigadora: Ângela e tu? Tu também discutes as coisas?

Ãngela: Bem. Quando queremos que alguma coisa, um, quando

acredito, quando acreditamos que alguma coisa está mal no jogo,

temos de parar e discutir o que se passa, o que está a acontecer,

onde está o erro.

Investigadora: Imagina que não estás de acordo, o que sucede

então?

Ângela: Como? (há outras crianças a falar)

Investigadora: Imagina, imagina que tu dizes alguma coisa e a

pessoa com quem estás discutindo te diz o contrário, que fazes

então?

Ângela: Temos de discutir; uma metade é o que diz uma pessoa e

outra metade (mostra duas «partes com as mãos) é o que tu

disseste.

Investigadora: Bem.

Ângela: Sim, simplesmente tens de as juntar e já está...

(quando acaba a explicação, junta as mãos).

Neste fragmento, uns meninos muito novos tentam explicar uma

importante função da linguagem que é difícil de expressar com palavras.

Pode observar-se o processo de pensamento nas orações inacabadas, nos

falsos começos e nos «ums». Mas estão falando de uma experiência real e

esta experiência é a base da conversação exploratória. Não há evidências

da investigação que mostrem que alguém seja incapaz de levar a cabo

conversações exploratórias. Para mais não há razões para considerar que

os princípios básicos da conversação exploratória sejam alheios aos

miúdos. O protótipo de situação de fala em que cada um é livre de

expressar os seus pontos de vista e em que os pontos de vista mais

razoáveis têm uma aceitação geral está implícito em muitas áreas da vida

social. Inclusivamente, quando se rompe frequentemente os princípios

implicados, estes são ainda invocados como ideais.

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Conversar e trabalhar juntos 27

Promover a conversação exploratória

Agora, interessa-me considerar o papel do professor para promover

o uso de certas formas de conversação. Quando o projecto SLANT já

funcionava há um ano aproximadamente, estava muito claro que tanto os

professores como os investigadores estavam decepcionados com a

qualidade das conversações que tinham tido lugar em muitas sessões

gravadas. A conversação que qualificámos como «exploratória» ocorria só

ocasionalmente ao longo das sessões. Na maioria das sessões, os meninos

raramente dedicavam muito tempo a considerar e a avaliar a informação,

as ideias eram frequentemente expressas parcialmente, e em alguns

pares e grupos, os participantes pareciam ignorar as ideias dos outros, ou

apenas conservavam e tomavam decisões alguns membros do grupo.

Além disto, as crianças que participavam pareciam trabalhar com

diferentes grupos de regras básicas para realizar as actividades

cooperativas no computador. Por exemplo enquanto uns consideravam que

os pontos de vista de todos os companheiros deveriam influir nas

decisões, outros assumiam que a pessoa que escrevia no computador era

quem tomava as decisões. Contudo, outros assumiam a pessoa que

escrevia no computador como um simples secretário e a maior parte das

ideias e das instruções que contribuíam para a realização desse trabalho

provinham de outros membros do grupo que adoptavam uma função

«executiva. Alguns companheiros insistiam em usar o teclado depois de

cada «go» enquanto outros grupos repartiam o trabalho em tempos mais

alargados. Estas questões foram largamente discutidas por professores e

investigadores e de acordo com a filosofia da «investigação-acção»

presente no projecto levou alguns professores a implementar novos e

diferentes tipos de actividades.

No colégio onde foram gravadas as sequências 6.1 e 6.3 esta

discussão teve como consequência o plano de acção que apresentamos.

Em primeiro lugar os investigadores e os professores seleccionaram um

programa educativo de computador (de entre os que eram utilizados no

colégio) que proporcionasse uma boa base de actividade cooperativa, isto

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Conversar e trabalhar juntos 28

é, que exigisse que as crianças partilhassem informação e tomassem

decisões conjuntamente. O programa escolhido foi o Viking England

descrito na sequência 6.3. A professora e os investigadores discutiram as

regras básicas que melhor poderiam ajudar as crianças, e decidiram que a

selecção e a presentação dessas regras seria da responsabilidade da

professora. Finalmente esta decisão daria importância aos pontos

seguintes:

� compartilhar toda a informação e as sugestões relevantes;

� apresentar razões para apoiar as afirmações, as sugestões e as

opiniões;

� perguntar as razões quando necessário;

� alcançar, sempre que possível, um acordo antes de realizar uma

acção;

� aceitar que o grupo (e não um membro concreto) fosse o

responsável pelas decisões, acções e qualquer êxito ou fracasso

que acontecesse.

Depois, a professora preparou algumas actividades para que os

alunos tomassem consciência da actividade de conversação e cooperação

mas sem o computador. Organizou oito grupos de três alunos cada um.

Cada grupo incluía pelo menos um aluno com problemas de alfabetização

e outro bom em leitura e teve em conta que a maneira de ser de cada

criança e as suas relações com a turma podiam afectar aqueles que

quando trabalhavam juntos realizavam melhor as actividades.

Seguidamente as crianças, nos seus grupos realizavam algumas

actividades destinadas à tomada de consciência da natureza e da

qualidade da discussão na aula. Estas actividades foram adaptadas de um

manual sobre «oralidade» publicado para professores que incluía de entre

outras estas actividades:

A. Ouvir uma cassete de sons. Cada grupo tinha de decidir

conjuntamente o que pensava que era aquele som, tinha de

nomear um «encarregado de escrever» as ideias e depois explicá-las

à turma.

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B. Cada criança tinha de descrever ao grupo um

acontecimento vivido por ela nas férias do Natal. Depois um

dos ouvintes contava a história a toda a turma.

C. Dois membros do grupo sentavam-se de costas um para o

outro e um deles tinha de desenhar uma figura. Depois

descrevia-a ao outro menino que estava de costas e este tinha

de desenhá-la de acordo com a descrição. Os outros membros

do grupo presenciavam atentamente a actividade.

A professora também moderou algumas discussões em grupos ou

com toda a turma sobre as «disputas», e sobre outros temas relacionados

com a participação em conversações. Com base nas ideias e nas opiniões

que as crianças davam a entender, a professora captava algumas das suas

intuições acerca do modo como deveriam levar a cabo as discussões.

Também conseguiu esclarecer algumas das sua próprias ideias sobre o

modo como os grupos deveriam funcionar, ideias acerca das quais as

crianças pareciam muito receptivas. Continuou a dar importância à

necessidade de registar todos os pontos de vista importantes, de se

chegar a um acordo possível, e fazer que fossem os grupos e não os

indivíduos a sentirem-se responsáveis pelas decisões tomadas e pelas

acções levadas a cabo.

As crianças continuaram depois a fazer actividades cooperativas no

computador em pares ou em grupos de três. Porém antes de qualquer

grupo começar esta actividade, a professora recordava-lhes as actividades

anteriores e estimulava cada um destes grupos a enumerar explicitamente

as «regras básicas» de discussão que seguiriam. O resultado foi um

aumento drástico da quantidade de conversação «exploratória» destes

grupos em relação às actividades anteriormente gravadas. Também

pareceu melhorar o entusiasmo e a implicação das crianças. É

interessante pôr em relevo que este colégio não tinha uma área de

captação «privilegiada»: a urbanização que o rodeava tinha muitos

problemas sociais devidos ao desemprego e alguns dos alunos implicados

tinham problemas sociais e psicológicos. De facto um dos alunos da

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Conversar e trabalhar juntos 30

sequência 6.3 enfrentava a possibilidade de ser expulso do colégio por

problemas de mau comportamento inclusivamente até no dia da gravação.

Tenho-me centrado nos efeitos aparentes do trabalho de preparação

da professora (as actividades para tomada de consciência da conversação

e a organização dos grupos) em vez de atender à contribuição do software

ou pelo menos desse tio de software, provavelmente muito importante

para o êxito da actividade inicial. Porém as regras básicas que se

aplicaram não foram apenas utilizadas no Viking England pois as crianças

aplicaram-nas com êxito em outras actividades que realizaram sem o

computador. A sequência que se apresenta foi gravada alguns meses

depois quando a mesma professora estava enumerando as regras básicas

com um grupo de crianças de 10 anos que iam começar uma actividade

(sem computador) na qual tinham de identificar vários animais da selva

brasileira. Certificou-se de que as crianças tinham todos os desenhos de

animais de que precisavam (e estão assinaladas em negritas as palavras

que ela pronunciou com mais ênfase).

Sequência 6.5: Enumerar as regras básicas

Professora: A próxima coisa que têm de fazer é decidir entre vós.

Isto é: se têm um motivo para pensar que isto (indicando o desenho de

um animal) é um guacamayo escarlate devem dizer «penso que é porque

tem asas» (as crianças riem) Então os outros têm de aceitar essa opinião

mesmo que seja diferente e dizer uma coisa parecida como «estás de

acordo?» (um menino disse «não» E a pessoa que não estivesse de

acordo não deveria dizer apenas«não» deveria dar a razão do seu

desacordo.

Qual (dirigindo-se a Paul, o último menino a falar) seria o motivo

para não estares de acordo (aponta o desenho) que isto é um guacamayo

escarlate?

Paul: Porque os guacamayos não têm asas.

Oliver: Porque o guacamayo é um papagaio! (rindo)

Professora: Bem. Qualquer que seja o ponto de vista, terão sempre

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Conversar e trabalhar juntos 31

de tentar pensar as razões que o sustentam.

Seguidamente os alunos começaram a actividade. A sequência

seguinte é um excerto de uma fase posterior em que tratavam de

classificar todos os animais como «herbívoros» ou «carnívoros»

Sequência 6.6. Classificar animais

Emmeline: Agora temos um peixe- ou seja-o

Olivier: Qual é o tipo da piranha?

Emmeline: Não o pequeno, não o que tem escamas.

Maddy: Peixe...peixe pul... (duvidando)

Olivier: Peixe pulmão

Maddy: Provavelmente alimenta-se de coisas do rio, porque não vai à caça

de um macaco, ou de qualquer coisa assim. Verdade? (todos

desatam a rir)

Emmeline: Sim. Poderia....

Olivier: (interrompendo) Supõe-se que haja plantas de rio, alguns deles

alimentam-se de plantas do rio e de coisas que caem no rio.

Maddy: Sim provavelmente é um herbívoro.

Ben: Não tenho nada a dizer.

Emmeline: O que pensas que é?

Oliver: Não, na realidade julgo que teríamos de pôr «carnívoro» a maioria

dos peixes são.

Emmeline: Não porque ma...

Oliver: (interrompendo) É melhor e a maioria dos peixes são.

Não é?

Emmeline: (interrompendo) Sim, mas temos este aqui que e este e este

(assinala umas imagens dos peixes dos dois montes que estão na mesa,

um de «carnívoros e outro de «herbívoros)

(A discussão continuou até que Ben disse...)

Ben: Vamos a votos.

Emmeline: Sim é o melhor.

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Conversar e trabalhar juntos 32

Ben: (a Oliver) Qual é a tua opinião?

Oliver: Eu acho que é «carnívoro»

Bem: (a Maddy) E tu?

Maddy: Eu penso que é «herbívoro»

Ben: (a Emmeline) E tu?

Emmeline: «Herbívoro»

Oliver: E tu Ben?

Ben: (rindo, parece tímido e inseguro, não contesta)

Oliver: Não importa, é um peixe pul...

Ben: Carnívoro.

Oliver: Carnívoro, estamos dois a dois.

Ben: Vamos às sortes (arranja uma moeda para jogarem às sortes)

Oliver: Não não te preocupes com a moeda, faz de conta que temos uma

moeda.

Ben: (interrompe e tira a moeda) Já aqui está

Oliver: Pensar!

Ben: Caras ou coras?

Oliver: Peixe...não... cala-te!

Emmeline: Caras. Bom vocês ganharam:

Oliver: (apanha a gravura do «peixe pulmão» e lê: O peixe pulmão tem

um par de pulmões e pequenas brânquias, vive em covas na areia e

respira ar» Não pode ser herbívoro porque então o que comeria quando

estivesse na areia? Não há que comer.

Depois disto os meninos continuaram o debate sobre o peixe pulmão

e finalmente decidiram que não possuíam informação suficiente e que

deixariam a imagem separada e voltariam «finalmente» a pegar nela

quando a professora os viesse ajudar. A sequência 6.6 não foi um modelo

perfeito de discussão equitativa e racional: com a excitação as crianças

interrompiam-se umas às outras, alguns dos rapazes às vezes tentavam

dominar os procedimentos e as razões que apresentavam para tomar

decisões nem sempre eram válidas. Mas certamente muitas das

conversações foram exploratórias, como se pode ver na sequência.

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Conversar e trabalhar juntos 33

Podemos ver que as crianças fazem perguntas umas às outras, se

interessam pelos pontos de vista de cada um e tentam justificar os seus

pontos de vista racionalmente e recorrendo à evidência. Tentam também

chegar a acordo mediante o processo democrático da votação. Quando

este não resulta, Ben propõe (com o apoio de Emmeline) resolver o

dilema pelo processo não racional e deixá-lo à sorte. Contudo nota-se que

Oliver quer continuação: rejeita-o, e lembra ao grupo as regras básicas

que tinham acordado para realizar a actividade («supõe-se de há que

«pensar») e apresenta à consideração do grupo uma informação adicional

e relevante. Confrontados com esta chamada de atenção, as crianças

continuam o seu debate racionalmente.

Seleccionei apenas um exemplo de uma única escola e mostrei-o

para ilustrar como se promoveu entre os alunos o tipo de «conversação

exploratória». A minha intenção é simplesmente evidenciar uma

possibilidade transformada em realidade, que se deveu ao trabalho dos

investigadores, professores e alunos que entre si partilharam

conhecimentos. Mas a evidência da importância da ajuda aos alunos a

adquirirem, compreenderem, utilizarem e apreciarem o valor das regras

básicas para dirigir discussões racionais, justas e produtivas também

começa a aparecer em investigações socioculturais. Em outros lugares.

Baker-Sennet, Matusov e Rogoff apresentam o seguinte exemplo de uma

professora americana que enumera algumas regras básicas similares a um

grupo de meninas de 7-9anos que vão representar a sua versão da

história da Branca de Neve.

Professora: Vocês vão votar para decidirem e perguntam: «Bom,

queremos escrever a história antiga ou de outro modo?» e todo o grupo

terá de discutir e dizer os prós e os contras. Quando se está num pequeno

grupo há algumas coisas difíceis. Um menino tem uma ideia e diz: «A

NOVA, A NOVA! Quero a nova» Isto ajuda o grupo?

Meninas: (em uníssono) Não!

Professora: Ou se as meninas simplesmente se sentam aí, e não

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Conversar e trabalhar juntos 34

dizem nada, isto ajuda o grupo?

Meninas: (em uníssono) Não.

Professora: Bem, têm de encontrar uma maneira de fazer funcionar

o grupo. Que se passaria se eu dissesse: «Tenho visto grupos que têm

demasiados chefes e nenhum índio»? Que quero dizer com isto? Leslie...

Leslie: Quer dizer que há demasiada gente que quer mandar no

grupo.

Professora: Toda a gente quer ser chefe e ninguém ouve. Isto pode

ser um problema que terão de resolver no vosso grupo. Porque há sempre

necessidade de pedir a uns que trabalhem e a outros que oiçam. Parte

disto será pois como organizar o vosso grupo para que trabalhe... Há

alguns adultos na aula para vos ajudar, mas muito dependerá do grupo

dizer «espera um minuto, temos de chegar a acordo» ou temos de decidir

por votação», em vez de ser apenas um menino a decidir.

Note-se que tanto neste exemplo como na sequência 6.5 Enumerar

as regras básicas, as professoras utilizam as regras do guia descrito no

terceiro capítulo. Ambas as sequências são tentativas das professoras para

solicitar discretamente às crianças alguma informação importante da

experiência que anteriormente partilharam. As duas professoras tentam

obter das crianças as características das regras básicas e fazem-no

mediante perguntas «cerradas» das quais já sabem a resposta. A primeira

professora confirma explicitamente que as respostas de Paul e de Oliver

são correctas com a palavra «Bem» A segunda reformula a resposta de

Leslie para tonar mais claro o que lhe interessa (à professora). Algumas

pessoas podem ver ambas as sequências como exemplos de professoras

que falam a maior parte do tempo, que forçam as respostas dos alunos e

que impõem nas actividades dos alunos a sua própria interpretação das

regras básicas. Eu vejo-as como exemplos de professoras que fazem o

trabalho que se espera que façam, que guiem a construção do

conhecimento.

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Conversar e trabalhar juntos 35

Resumo e conclusões

Embora a conversação entre os alunos não tenha sido muito bem

acolhida pela educação formal, a investigação recente proporciona boas

razões para incitar os alunos a falarem e trabalharem juntos em

actividades educativas. Porém a investigação não apoia a ideia de que a

conversação e a cooperação sejam directamente úteis deixando os alunos

fazer o que querem, ou que saberão como utilizar melhor as suas

oportunidades. Uma perspectiva sociocultural da educação na aula apoia o

uso da actividade cooperativa, mas também põe em relevo a necessidade

de raciocinar tanto sobre os procedimentos como sobre os princípios que

sustentam as actividades que se espera que os alunos realizem como

parte da sua educação. Os próprios alunos têm necessidade de aceder a

esse raciocínio; e tem de ser um raciocínio convincente. Supostamente os

alunos até os mais novos que entram no jardim deinfância, não são um

«papel em branco» no qual os professores devem escrever todos os

elementos educativos relevantes. As crianças de 9-10anos podem ter

aprendido todas as estratégias de linguagem de que necessitam para

realizar uma conversação exploratória (e também um discurso educado)

sem que estas lhes tenham sido ensinadas. Quando chega a ocasião já

podem utilizá-las bem (investigações como as de Janet Maybin sugerem

que as crianças têm mais oportunidades de explicar-se e de justificar-se

nas suas conversações informais do que quando estão na aula). Mas

necessitam de um guia sobre o modo de utilizar a conversação. Há boas

razões para crer que frequentemente as crianças não estão seguras, nem

sabem o que se espera que façam nem para que servem as actividades

educativas e que os professores proporcionam aos alunos pouca

informação útil a esse respeito. Não pode dar-se por adquirido que os

alunos já compreendem e sabem qual é o melhor caminho para «a

aprendizagem em conjunto» na sala de aula.

Sei que não me tenho ocupado muito de questões como as

identidades sociais das crianças e as histórias pessoais que são

importantes para a organização e avaliação de qualquer actividade

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Conversar e trabalhar juntos 36

cooperativa. Porém há dimensões comunicativas e intelectuais para a

organização das actividades cooperativas que também são importantes se

se pretende que as actividades contribuam para o progresso educativo das

crianças. O simples facto de as sentar para que realizem uma actividade

conjunta pode promover conversação, mas de que qualidade? Pode

acontecer que frequentemente o organizador das actividades cooperativas

não possua uma noção clara acerca do tipo de conversação que está

tentando provocar nem da razão porque o faz. Como Terry Phillips assinala

«Porquê» é uma pergunta esquecida ao organizar actividades

cooperativas. Os professores podem considerar adquiridas as regras

básicas ou sob a influência de uma ideologia «progressista» podem pensar

que é um erro guiar a actividade das crianças tão pormenorizadamente.

Muito frequentemente os alunos hão-de tentar dar sentido à actividade,

mesmo que tenham recebido pouca ajuda no que respeita a compreensão

e à apreciação das regras básicas que se supõe que hão-de seguir. Como

podemos esperar que depois criem as suas próprias regras?

Sugeri que é possível identificar formas particulares de conversação

que representam diferentes formas sociais de pensamento, e expliquei

que é desejável e possível estimular os alunos para que utilizem algumas

dessas formas de conversação para construírem conjuntamente o

conhecimento. Também é necessário para os professores e para os alunos

estabelecerem acordos sobre a finalidade da «conversação» na aula e

sobre o modo como deve ser conduzida. Há e outras investigações além

da minha que apoiam este ponto de vista. Mas não há evidências que

possam sugerir que este tipo de preparação das actividades cooperativas

seja habitual na vida da maioria das escolas ou instituições educativas em

qualquer parte do mundo.

Tradução feita por Júlia Soares

Mercer, N. (1997). La Construcción Guiada del conocimiento: El habla de profesores y

alunos. Barcelona: Paidós (pp 99-128)