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1 IX ENCONTRO DA ABCP AT: Estado e Políticas Públicas COOPERAÇÃO SUL-SUL PARA O DESENVOLVIMENTO: AS RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA NA PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS (2003-2012) Carlos Pinho (IESP/UERJ) Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

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IX ENCONTRO DA ABCP

AT: Estado e Políticas Públicas

COOPERAÇÃO SUL-SUL PARA O DESENVOLVIMENTO: AS RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA NA PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS (2003-2012)

Carlos Pinho (IESP/UERJ)

Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

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COOPERAÇÃO SUL-SUL PARA O DESENVOLVIMENTO: AS RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA NA PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS (2003-2012)1

Carlos Pinho (IESP/UERJ)

Resumo do trabalho: Distintamente da clássica cooperação para o desenvolvimento fornecida pelos países ricos (Cooperação Norte-Sul - CNS), a Cooperação Sul-Sul (CSS) é concebida como uma parceria horizontal entre países que partilham problemas similares e desafios ao desenvolvimento. Uma vez destinatário da ajuda ao desenvolvimento por décadas, o Brasil alega que tem uma melhor compreensão das necessidades dos países pobres. Desde 2003, o Brasil vem aprofundando relações com a África Subsaariana tanto a partir da projeção do capitalismo como por meio da internacionalização das políticas públicas. A despeito das “limitações” e “tensões” dessa modalidade embrionária de CSS, o artigo argumenta que o Brasil vem contribuindo substancialmente para o desenvolvimento do continente africano. Palavras-chave: Cooperação Sul-Sul, Desenvolvimento, Políticas Públicas, Relações Brasil-África

1 Uma versão em espanhol deste trabalho foi publicada em América Latina Hoy, Revista de Ciencias Sociales (vol. 63, abril, p. 91-112, 2013, ISSN: 1130-2887), editada pelo Instituto de Iberoamérica em parceria com a Universidade de Salamanca (Espanha). Disponível em: http://campus.usal.es/~revistas_trabajo/index.php/1130-2887/article/view/9066/10305

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1. Introdução

Este artigo aspira abordar – à luz de uma interlocução com a literatura

atual e de um esforço de pesquisa empírica - a recente política externa

brasileira em relação à África Subsaariana, sobretudo no tocante à expansão

do capitalismo e à internacionalização das políticas públicas, no âmbito da

Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento (CSS-D)2. Pretende-se mostrar

que o continente africano – segundo o que dissemina a retórica midiática

pautada no “senso comum” – não é exclusivo da fome, da miséria e das

guerras; mas possui grandes potencialidades. Neste sentido, os recentes

projetos de cooperação técnica brasileira na África concentram-se em áreas

como desenvolvimento agrário, segurança alimentar e combate à fome, direitos

humanos, saúde, educação, esportes e energia.

O artigo tentará responder a seguinte questão e/ou problema de

pesquisa: A despeito do movimento de expansão e internacionalização do

capitalismo brasileiro, em que medida o arquétipo de políticas públicas deste

Estado nacional vem contribuindo para o desenvolvimento da África

Subsaariana? Os indicadores empregados para avaliar tais políticas públicas

são os seguintes: crescimento do PIB, desenvolvimento econômico, bem-estar,

redução das taxas de mortalidade e formação de capital humano.

Atualmente, a despeito da persistência da desigualdade social estrutural,

o Brasil tem suscitado a atenção da comunidade internacional, haja vista as

relevantes transformações orquestradas no plano socioeconômico. Além da

consolidação do regime democrático, da estabilização monetária e de uma

estratégia de crescimento assentada na criação de um dinâmico mercado

doméstico de consumo de massas, o país exitosamente atingiu as metas

vinculadas à redução da pobreza estabelecidas pelos Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio acordados pela ONU, bem antes do prazo

2 Historicamente, a CSS evoluiu a partir de uma ampla gama de modalidades em termos setoriais (técnica, econômica, política) e geométricos (bilateral, trilateral, regional, multilateral). Todavia, os conceitos utilizados para definir a CSS ainda são vagos, à proporção que os marcos utilizados para interpretá-la pecam pelo excesso de normativismo (tratando a CSS não como ela é, mas como ela deve ser) e reducionismo (deixando de dar sentido à multiplicidade de determinantes e dinâmicas que caracterizam a CSS). Entender as múltiplas e complexas trocas envolvidas na CSS é essencial não apenas para descrevê-la, mas também para que se possa identificar suas lacunas e apontar caminhos possíveis para o seu aprimoramento (Leite, 2012).

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estipulado. Mais de 30 milhões de brasileiros deixaram a pobreza extrema e o

país sagrou-se como um modelo de eficácia para os programas sociais. O

Brasil faz uso das soluções criadas e desenvolvidas internamente, em áreas

como saúde, educação, desenvolvimento agrícola e proteção social para ajudar

os países com dificuldades similares a superarem seus entraves ao

desenvolvimento, como é o caso da África Subsaariana.

Esse novo papel da política externa brasileira em direção à África é

bastante condizente com o objetivo precípuo de democratizar a globalização.

Além disso, o princípio da não-intervenção, a igualdade entre os Estados

nacionais, o respeito à soberania e a defesa da autodeterminação dos povos –

enquanto características matriciais da política externa brasileira - constituem

elementos indutores da Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento

Internacional. Cabe elucidar que o Brasil possui fortes vínculos históricos,

sociais, culturais e geopolíticos com a África, desde os tempos da colonização,

por ocasião da escravidão e do tráfico negreiro.

No limiar do século XXI, portanto, o Brasil revitalizou a sua política

externa para a África, tendo em vista as transformações substanciais por que

passa o continente, forjando um modelo mais horizontal e solidário de relações

Sul-Sul. Contudo, anteriormente, os estudos das relações entre o Brasil e a

África tendiam a priorizar as relações do Brasil e da África com os países do

Hemisfério Norte3. Ou seja, a nova África coincide com o Brasil global (Ipea e

Banco Mundial, 2011; Ipea e ABC, 2010; Cervo, 2010; Stolte, 2012).

O Brasil vem contrariando a tese segundo a qual não há espaço para as

potências emergentes no cenário da globalização (Pinho e Granja, 2011).

Neste ambiente de mudança de paradigmas quanto à inserção externa do país,

3 Ao empreender uma análise política da ajuda externa, na perspectiva das relações Norte-Sul, Morgenthau (1962) define seis tipos de ajuda externa: (1) a transferência de dinheiro, bens e serviços de uma nação para outra, (2) a ajuda externa humanitária, (3) a ajuda externa de subsistência, (4) a ajuda externa militar, (5) o suborno e (6) a ajuda externa para o desenvolvimento econômico. Neste contexto, os interesses econômicos que tendem a impedir que a ajuda externa seja usada para o desenvolvimento econômico estão tipicamente identificados com os grupos dominantes das sociedades subdesenvolvidas, que derivam o seu poder político, em boa medida, da manutenção de um status quo econômico indubitavelmente excludente. A reforma agrária e a industrialização constituem um ataque ao status quo político excludente. Dada a provável resistência do grupo dominante ao desenvolvimento econômico, o autor propõe que a ajuda externa deve exigir uma drástica mudança política, seja voluntariamente induzida de dentro, ou provocada por pressões externas.

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um fator singular foi à reconfiguração da política externa como instrumento e

complemento no plano internacional da estratégia de desenvolvimento

capitaneada no âmbito doméstico (Lima, 2010). Todavia, tal modelo está em

gestação e precisa ser analisado de forma mais pormenorizada e rigorosa.

Ademais, o país vem conseguindo compatibilizar estabilidade institucional,

capacidade econômica e vantagens comparativas (território, população,

riquezas naturais, uniformidade cultural e linguística, diversificação econômica

e do parque industrial) com um desejo de liderança acompanhado pela

disponibilidade em arcar com os custos que esta implica (Lima e Hirst, 2009).

Nesta direção, as políticas de Cooperação Sul-Sul para o

Desenvolvimento (CSS-D) do Brasil foram estimuladas por uma ativa

diplomacia presidencial. Isso se deu a partir da promoção do capitalismo, dos

interesses geopolíticos e estratégicos bem como da internacionalização da

agenda de políticas públicas de combate à pobreza e à desigualdade,

exitosamente orquestradas no front interno. Trabalhos recentes têm salientado

o declínio da supremacia do Ministério das Relações Exteriores (MRE) na

formatação da política externa. Ademais, têm apontado uma participação

crescente de um número de atores (intelectuais, acadêmicos e o empresariado)

no processo decisório da política externa – pluralização -, bem como a

centralidade do papel do presidente nesta modalidade de política pública –

presidencialização - (Amorim Neto, 2011; Cason e Power, 2009).

Porém, mostrando que a presidencialização da política externa não é um

fenômeno recente, o trabalho clássico de Danese (1999) analisa a ação

diplomática direta de chefes de Estado e de Governo por meio de dados

históricos sobre a diplomacia de cúpula. Dentre os presidentes brasileiros

pesquisados estão Getúlio Vargas (1930-1945) e Emílio Garrastatu Médici

(1969-1974), cuja “dilomacia do interesse nacional” deu uma nova dimensão à

política africana (Lechini, 2008). Por fim, a pesquisa empírica de Malamud

(2005) aponta como os presidentes dos países do MERCOSUL (criado em

26/03/1991) contribuíram para moldar o processo de integração, fazendo uso

de suas capacidades políticas e institucionais para a solução de controvérsias.

Segundo o autor, os presidentes têm mostrado significativa autonomia no

processo decisório sobre os assuntos do MERCOSUL via-à-vis outros atores

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como a diplomacia de cúpula, o Poder Legislativo e as organizações

empresariais.

Portanto, o texto está dividido em 4 seções, sendo a primeira delas esta

introdução. A segunda faz uma breve análise teórica sobre a CSS-D, enfatiza

os princípios basilares da Cooperação do Brasil para o Desenvolvimento

Global, a presença do capitalismo brasileiro na África, que é fortemente

subsidiado pelo Estado e; por fim, apresenta dados sobre a “emersão” africana,

a partir de um crescimento econômico significativo obtido mais recentemente. A

terceira parte, do ponto de vista empírico, situa o arcabouço de políticas

públicas do Brasil para o desenvolvimento da África. Ademais, contempla,

criticamente, as “tensões” e “limitações” desta modalidade de CSS. Por fim,

serão feitas as considerações finais do estudo atinentes às potencialidades,

limitações e desafios da CSS-D.

2. A agenda da CSS-D: o capitalismo brasileiro na África-Subsaariana e a

sua emergência no século XXI

O início do século XXI traz consigo um paradigma inovador no que

concerne às práticas de cooperação internacional entre os países do Sul. As

estruturas sobre as quais tal cooperação foi erigida, na segunda metade do

século XX, não foram capazes de refrear a fome e o subdesenvolvimento no

planeta. A evolução de muitos países emergentes como é o caso emblemático

do Brasil e sua atuação pró-ativa na arena decisória internacional, possibilita a

revisão de conceitos obsoletos e de estratégias nacionais de desenvolvimento

equivocadas.

Desta forma, o ressurgimento e a disseminação de coalizões de tipo Sul-

Sul, no atual cenário de despolarização do sistema internacional e de

internacionalização econômica, colocam desafios analíticos relevantes. A CSS,

da mesma forma que o Movimento dos Não-Alinhados ou a Nova Economia

Internacional, foi erigida a partir de um antagonismo e de um sentimento de

não pertencimento ao grupo dos países desenvolvidos do Norte (Oliveira,

Onuki e Oliveira, 2009: 173). À luz das reflexões empreendidas acima, a

Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional pode ser definida

como:

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“A totalidade de recursos investidos pelo governo federal brasileiro, totalmente a fundo perdido, no governo de outros países, em nacionais de outros países em território brasileiro, ou em organizações internacionais com o propósito de contribuir para o desenvolvimento internacional, entendido como o fortalecimento das capacidades de organizações internacionais e de grupos ou populações de outros países para a melhoria de suas condições socioeconômicas” (Ipea e ABC, 2010: 17).

A evolução da CSS combina um discurso de solidariedade internacional

com interesses políticos, econômicos, sociais e culturais de cada Estado

chamado “doador emergente”. Ou seja, o discurso anunciado de solidariedade

é real, tem fundamento em contextos históricos, culturais e regionais,

entretanto não se encontra dissociado dos interesses das nações implicadas,

tanto do Estado que oferece cooperação quanto daquele que a recebe. Da

mesma forma que a Cooperação Norte-Sul (CNS), a CSS não pode ser

considerada homogênea (Milani e Carvalho, 2012). Neste veio analítico, em

vez de ser concebida exclusivamente como uma manifestação de “soft power”,

a CSS pode ser abordada como um mecanismo “hard power”, pois consiste em

uma intervenção externa assentada em recursos técnico-econômicos. Trata-se,

justamente, de um elemento compensatório para legitimar e referendar a

expansão capitalista. Um exemplo elucidativo é a internacionalização do

capitalismo brasileiro por meio de suas grandes corporações pelo território da

África Subsaariana. Tal pulverização do capital, por sua vez, conta com um

forte suporte e fomento do Estado via BNDES (Almeida, 2012).

Tabela 1. Princípios gerais da atuação do Brasil em cooperação para o

desenvolvimento global

Princípios Implicações políticas Diplomacia Solidária Em suas relações internacionais, o Brasil deve seguir o

princípio de “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”, previsto na Constituição Federal de 1988 (artigo 4, IX).

Atenção às demandas dos países em desenvolvimento

Este princípio é fundamental para a diplomacia brasileira e reflete outros princípios orientadores previstos na Constituição, como independência nacional, autodeterminação dos povos e igualdade entre os Estados (artigo 4: I, III e V). Na abordagem do Brasil à CSS, esses princípios se refletem no fato de que as demandas e necessidades são identificadas em conjunto com os

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parceiros nacionais. Evitar condicionalidades diretas

Como regra, não são impostas condições para atividades previstas ou executadas pelo governo brasileiro.

Evitar transferências diretas de dinheiro

Por um lado, este princípio enfatiza o intercâmbio de conhecimento e a transferência de tecnologia, evitando dessa forma a perda de recursos por meio da corrupção, desvios, etc. Conforme explica o Embaixador de Camarões no Brasil, Martin Mbarga Nguele, “o que o Brasil tem a oferecer não é dinheiro, é conhecimento”. Por outro lado, a legislação brasileira vigente, via de regra, não permite a transferência direta de dinheiro público para outros governos, exceto por intermédio de organizações multilaterais, o que é realizado por meio do sistema da ONU — sendo o melhor exemplo, a atual parceria entre a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Abordagem abrangente e participação ampla (Uso de redes de contato, engajamento da sociedade civil e apoio e participação do país em fóruns multilaterais)

Uma abordagem comum é o uso de redes de contato para o tratamento de temas intersetoriais. São utilizados fóruns consultivos no plano internacional e também no plano nacional, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar, formado por representantes de 19 ministérios e 36 organizações da sociedade civil. O multilateralismo é um aspecto fundamental da política externa do Brasil e consequentemente da cooperação do país para o desenvolvimento internacional.

Fonte: Ipea e Banco Mundial (2011)

O continente africano é uma fronteira importante para a expansão das

alianças políticas e comerciais do Brasil. Em menos de 10 anos, o país mais do

que duplicou a sua presença diplomática na África, de 17 para 37 embaixadas,

e está agora entre as nações com maior representação diplomática no

continente africano. Entre 2000 e 2011, o comércio do Brasil com a África

aumentou mais do que seis vezes, de US$ 4.2 bilhões para US$ 27.6 bilhões,

embora tenha sofrido uma interrupção em 2009 por conta da crise financeira

global. Desde 1990, o comércio entre Brasil e África registrou taxas

impressionantes de crescimento de 16% ao ano. Comparado com os demais

BRICs, o Brasil tem visto o segundo maior crescimento no comércio com a

África, depois da China. A presença das grandes empresas transnacionais

brasileiras (Andrade Gutierrez, Camargo Correa, Construtora Norberto

Odebrecht, Vale, Queiroz Galvão, Petrobrás), na África, vem crescendo

significativamente em setores como energia, infraestrutura e mineração (Stolte,

2012; ADB, 2011).

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O apoio para a execução dos projetos na África tem se desenvolvido em

torno de três eixos: incentivo à participação das empresas brasileiras,

financiamento e concessão de créditos para projetos de reconstrução nacional

(como é o caso de Angola, após décadas de guerra civil) e, por fim,

cooperação técnica bilateral pelo envio de missões para apoiar o

desenvolvimento urbano. Nos anos recentes, o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem implantado reformas

significativas para apoiar o novo papel do Estado tanto no Brasil como no

exterior, investindo em infraestrutura na África. A importância do BNDES em

termos de recursos de investimento está crescendo, não só para a economia

brasileira: desde 2005, o volume de empréstimos aumentou 391%, chegando a

US$ 96.32 bilhões em 2010, aproximadamente 3.3 vezes mais do que o Banco

Mundial (Masagão, Suyama e Lopes, 2012; Gaio, 2012; The Economist, 2012).

Os grandes conglomerados de engenharia e construção são os

principais beneficiários do financiamento público dirigido para os projetos. Por

exemplo, os recursos foram direcionados para os seguintes países:

Moçambique (US$ 80 milhões), Gana (US$ 200 milhões) e Angola (US$ 3.5

bilhões). Além do financiamento estatal, o BTG Pactual (principal banco de

investimentos da América Latina), lançou um fundo de US$ 1 bilhão para o

investimento na África em 2012 (Stolte, 2012; The New York Times, 2012).

É crucial ressaltar que o aumento do financiamento do BNDES para as

empresas brasileiras que realizam projetos de infraestrutura coincide com os

projetos de cooperação técnica governamental4, que levam expertise em

matéria de políticas públicas para os países africanos. A relação entre esses

dois tipos de atividade por parte do Brasil na África ainda é obscura, sem

transparência e pouco criteriosa do ponto de vista dos riscos, custos sociais e

ambientais. De fato, há poucos dados disponíveis para analisar as relações

público-privado nos países onde a cooperação governamental coexiste com os

investimentos privados (Masagão, Suyama e Lopes, 2012; Stolte, 2012).

3 Os acordos de Cooperação Técnica são um “instrumento fundamental” da política externa brasileira, particularmente para as relações bilaterais Sul-Sul, pois não são sinônimos de “assistência ao desenvolvimento” ou “ajuda externa”. Tais acordos lidam com intercâmbio de conhecimentos e práticas, e não com transferências monetárias (Dauvergne e Farias, 2012).

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Nos últimos anos, todavia, tem havido uma gradativa emergência da

África no cenário global. O primeiro elemento responsável é a exportação de

commodities. A África Subsaariana vem alcançando taxas de crescimento

elevadas, sobretudo nesta última década, em que seis dos dez países do

mundo que obtiveram mais rápido crescimento são africanos. Assim, se há

uma geração Brasil, Rússia, Índia e China respondiam por apenas 1% do

comércio africano; hoje eles formam 20%, e em 2030 espera-se que a taxa

seja de 50%. Se a China e a Índia continuam a crescer a África provavelmente

também crescerá. Tal como o Brasil, a África tem agora uma classe média e

um mercado interno de consumo de massas em gestação e em rápido

crescimento. De acordo com o Banco Mundial, em torno de 60 milhões de

africanos têm uma renda de US$ 3.000 por ano e 100 milhões terão em 2015.

A taxa de Investimento Estrangeito Direto (IED) aumentou cerca de dez vezes

na última década (The Economist, 2011).

O segundo grande motor responsável é a estabilidade política. A África

de uma geração atrás era um ambiente adverso. A chaga do apartheid isolou

sua maior economia, a África do Sul. Somente 7 de mais de 50 países

mantiveram eleições freqüentes. Os EUA e a URSS patrocinaram guerras. O

capital era escasso e a gestão macroeconômica instável. A despeito dos

avanços, a África ainda não é inteiramente pacífica e democrática. Outrossim,

a mão morta da URSS se foi; países tais como Moçambique e Etiópia

renunciaram ao Marxismo ortodoxo. Os ditadores, tais como o vestido de pele

de leopardo, Mobotu, outrora apoiados pelas superpotências, caíram. As

guerras civis que aleijaram Angola, em sua maioria terminaram. Há um

gradativo retorno das eleições, embora elas não sejam sempre livres e justas

(The Economist, 2011).

Desde de que o The Economist, lamentavelmente, rotulou a África como

o "continente da esperança" uma década atrás, uma mudança profunda

ocorreu. A produtividade do trabalho tem aumentado. Ela está agora

crescendo, em média, 2.7% ao ano. O comércio entre a África e o resto do

mundo aumentou 200% desde o ano 2000. A inflação caiu de 22%, na década

de 1990, para 8% na última década. A dívida externa declinou ¼ e os déficits

no orçamento por dois terços. Em oito dos últimos dez anos, de acordo com o

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Banco Mundial, o crescimento da África Subsaariana tem sido mais rápido do

que o Leste Asiático, embora não inclua o Japão (The Economist, 2011).

O crescimento da África é agora sustentado por uma mudança

permanente nas expectativas. Em muitos países africanos as pessoas

finalmente começaram a se ver como cidadãs, com os direitos que a cidadania

traz. Maior consciência política torna mais difícil para os governos despóticos

manterem-se no poder como os países do norte da África descobriram.

Bastiões do passado do continente – pobreza, violência e isolamento – estão

se tornando exceções. Em 2010, o investimento direto externo total foi mais do

que US$ 55 bilhões – cinco vezes o que foi na década anterior, e muito mais

do que a África recebe em ajuda (The Economist, 2011).

A despeito da crise financeira sistêmica do capitalismo global (Pinho,

2012a), que afeta tenazmente a Europa e os EUA, há uma perspectiva de que

o PIB da África Subsaariana cresça a um ritmo sólido de 5.3% para 2012 e

2013. Trata-se de um padrão similar ao registrado em 2010-2011. A forte

demanda interna, notadamente por meio de investimentos é esperada para

apoiar o crescimento em muitos países de renda baixa, enquanto um fraco

ambiente externo será um entrave ao crescimento dos países de renda média

que possuem vínculos comerciais significativos com a Europa. Com os preços

das commodities globais projetados para permanecer suaves e as condições

climáticas domésticas melhorando, a inflação deverá cair para cerca de 8% em

2012, e cerca de 7% em 2013 (IMF, 2012).

3. A Cooperação Brasil-África e suas “tensões”: a promoção de políticas

públicas para o desenvolvimento

Empiricamente, esta parte do artigo debruça-se a analisar as recentes

iniciativas de internacionalização das políticas públicas que, no cerne da

agenda da CSS-D, aspiram à promoção do desenvolvimento no continente

africano. É conveniente ressaltar que essas medidas em relação à África estão

em consonância com o novo modelo de desenvolvimento5 capitaneado pelo

4 Este conceito tem sua gênese no pensamento keynesiano e na vertente cepalina neo-estruturalista; e, como tal, defende as seguintes teses: (1) a inviabilidade de um mercado forte sem um Estado forte; (2) o crescimento sustentado a taxas elevadas está condicionado ao fortalecimento dessas duas instituições e a adoção de políticas macroeconômicas adequadas;

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Brasil, desde janeiro de 2003, quando a coalizão política de centro-esquerda,

encabeçada por Lula da Silva, emerge ao poder. Trata-se do Novo-

Desenvolvimentismo em gestação e que, a despeito do beneplácito e da

aquiescência à ortodoxia macroeconômica neoliberal, por parte das elites

dirigentes, retoma as capacidades estratégicas de planejamento, indução e

coordenação do Estado para a consecução de um programa de

desenvolvimento tanto “para dentro” (distribuição de renda, mercado interno e

inclusão) como “para fora” (inserção internacional assertiva).

Embora em alguns aspectos seja similar ao Nacional-

Desenvolvimentismo (1930-1980), sobretudo no tocante à supremacia do

Poder Executivo no arcabouço institucional republicano brasileiro, difere

tenazmente deste, no sentido de galvanizar a dimensão social. Isso evidencia,

de forma muito embrionária, uma estratégia social-democrata em curso, que

opera dentro das restrições institucionais da democracia representativa e das

limitações estruturais da economia de mercado global (Boschi e Gaitán, 2008;

Pinho, 2012abc; Pinho, 2011; Roberts, 2008).

De acordo com o assessor especial da Presidência da República para

Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, o novo governo de Dilma

Rousseff, vigente a partir de janeiro de 2011, “promoverá mudanças na política

externa, todavia, tais mudanças não serão substantivas em relação às linhas

que orientaram o governo precedente” (Garcia, 2011). O Ministério das

Relações Exteriores, ao asseverar que a política Sul-Sul continuará a ser uma

parte fundamental da estratégia da política externa brasileira (Dauvergne e

Farias, 2012).

Neste sentido, a África é a prioridade do Estado brasileiro em termos de

número e valor de projetos internacionais. Em 2009, 50% dos projetos de

(3) mercado e Estado fortes somente serão construídos por meio de um projeto nacional de desenvolvimento que aglutine crescimento econômico sustentado com eqüidade social; o que implica superar a disjuntiva Estado/mercado; e (4) a redução da desigualdade social é inconcebível sem o crescimento a taxas elevadas e continuadas. O seu pressuposto básico consiste na capacidade de combinar o aprendizado derivado da longa trajetória desenvolvimentista – vigente entre os anos 1930 e 1980 - com os fundamentos da estabilidade e integração dos países aos circuitos financeiros e comerciais globalizados do capital, em crescente interconexão. Em síntese, trata-se de uma estratégia nacional que mobiliza o Estado como o instrumento de ação coletiva da nação, e que retoma o conceito de nação para acompanhar os países centrais por meio de um conjunto de instituições e de políticas mobilizadas para o desenvolvimento - o catch up. (Bresser-Pereira, 2009; Boschi e Gaitán, 2008; Sicsú, De Paula e Michel, 2005).

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desenvolvimento internacional do Brasil, administrados pela Agência Brasileira

de Cooperação (ABC), eram destinados a países africanos. Em 2010,

entretanto, o percentual aumentou para quase 60%, totalizando mais de US$

22 milhões. O governo Lula perdoou dívidas do Congo, Angola, Moçambique e

doou US$ 300 milhões em alimentos (milho, feijão, arroz, leite em pó) para

países como Somália, Sudão, Níger, África do Sul, Saara Ocidental e nações

africanas de língua portuguesa. Por conseguinte, foi somente na década

passada que se constituiu um engajamento mais afirmativo, a partir de

parcerias mais fortes e projetos de longo prazo. Além disso, não havia nem no

Brasil tampouco na África, a prática de coletar, organizar, sistematizar e

analisar dados sobre parcerias anteriores, representando um sério obstáculo

na aquisição de informações fidedignas (Ipea e Banco Mundial, 2011; Barbosa,

2012).

Juntas, as regiões da África Subsaariana, América Latina e Caribe

recebem 62% do volume total de recursos federais empregados em

cooperação técnica, científica e tecnológica de 2005 a 2009, correspondendo a

R$ 154,9 milhões. O Brasil também contribui para o Fundo Africano de

Desenvolvimento (FAD) do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) desde

1973, e os recursos de tal fundo financiam projetos dos países mais pobres do

continente africano. O período compreendido entre 2005 e 2009 mostra que o

Brasil integraliza cotas no fundo por um valor de R$ 20,4 milhões (o

equivalente a US$ 10 milhões), elevando o aporte total desde 1973 para US$

210 milhões. Em suma, entre 2005 e 2009, o Brasil forneceu US$ 1,7 bilhão em

assistência técnica. Ademais, recebeu US$ 2 bilhões em cooperação técnica

entre 2001 e 2009, conseguindo fortalecer a sua posição como um canal entre

o Norte e o Sul e reforçando o novo paradigma da CSS (Ipea e ABC, 2010;

Ipea e Banco Mundial, 2011). Mesmo assim, o Brasil está muito longe de atingir

os recursos oferecidos pela Europa e pelos EUA, e ainda está abaixo do

patamar doado por outros países emergentes como a China.

Apesar dos grandes investimentos do governo brasileiro na África, torna-

se imprescindível delimitar os contornos conceituais e tencionar analiticamente

quanto a dois elementos diversos, todavia complementares. Por um lado, a

cooperação técnica para o desenvolvimento e; por outro, o fomento à

internacionalização do capitalismo brasileiro na África Subsaariana, que se dá

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pelos vultosos aportes do BNDES. Uma vez que são distintas do ponto de vista

conceitual, a cooperação e a internacionalização produzem reverberações uma

na outra. Assim, costuma-se criar um amálgama entre cooperação técnica e

investimento, que são fatores fundamentalmente antípodas e diversos. Em

primeiro lugar, as políticas de cooperação brasileira para o desenvolvimento

são a fundo perdido, ou seja, não há cobrança de valores monetários dos

países receptores. Trata-se de doações sem a contrapartida de imposições

econômicas ou condicionalidades políticas, singulares da cooperação Norte-

Sul.

Ademais, elas envolvem um amplo conjunto de instituições públicas6

(em sua maioria) e privadas, que atuam nas mais diversas áreas de políticas

públicas. Em segundo lugar, no tocante aos investimentos, o BNDES subsidia

a expansão e a internacionalização do capitalismo brasileiro, concedendo

empréstimos (reembolsáveis) às empresas privadas brasileiras situadas em

solo africano, e que atuam em setores estratégicos como infra-estrutura,

mineração e energia. A internacionalização das grandes corporações

brasileiras em larga escala gera tensões, contradições e externalidades

negativas (custos ambientais, remoções, deslocamento populacional,

degradação das condições sociais de existência) como foi o caso da recente

atuação da mineradora Vale em Moçambique, que removeu – arbitrariamente e

com o beneplácito do governo local - 7.000 famílias (Instituto Humanitas

Unisinos, 2012).

Isso impõe sérios riscos e desafios à legitimidade da recente política de

cooperação brasileira junto à África, que é apresentada, no discurso

diplomático oficial, como “solidária” e “horizontal”. A expansão do capitalismo

brasileiro, neste caso, expõe pejorativamente a imagem do Estado brasileiro

como “opressor” e/ou “imperialista” e, em maior extensão, reprodutor das

relações tradicionais Norte-Sul no Sul emergente.

6 Agência Brasileira de Cooperação (ABC), Ministério das Relações Exteriores (MRE), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Ministério da Educação (MEC), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), etc.

15

Um terceiro e último elemento de bastante relevância diz respeito à

participação da sociedade civil na concepção, formulação, implementação,

monitoramento e avaliação da Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento

Internacional enquanto política pública. No caso do Brasil, há uma percepção

negativa da sociedade civil e das ONGs sobre a CSS, que convoca mais os

setores técnicos e especializados do setor governamental (EMBRAPA, MDS,

MDA e FIOCRUZ), em detrimento da expertise da sociedade civil em termos de

assessoramento de políticas públicas. De todo modo, isso contraria um dos

“Princípios gerais da atuação do Brasil em cooperação para o desenvolvimento

global”, que foram descritos acima (tabela 1); sobretudo aquele que preconiza

uma “Abordagem abrangente e participação ampla” (Uso de redes de contato,

engajamento da sociedade civil e apoio e participação do país em fóruns

multilaterais).

Daí a necessidade de que a política brasileira de cooperação seja mais

accountable, responsiva, porosa e permeável às demandas da sociedade civil.

Trata-se, no âmbito da CSS, de uma forma importante de transparência, de

combate à corrupção e às práticas deletérias de grupos privados e predatórios

ancorados no rent-seeking. Segundo a Associação Brasileira de Organizações

Não-Governamentais, o governo brasileiro deve: (1) fomentar a participação e

a apropriação democrática das políticas de cooperação, reconhecendo,

incentivando e apoiando a participação das organizações da sociedade civil do

Brasil e dos países parceiros, assim como suas articulações regionais e

mundiais; (2) comprometer-se com a ampliação dos recursos destinados à

cooperação internacional como a taxação de transações financeiras

internacionais; e (3) defender a ampliação da representatividade, transparência

e efetividade das instâncias de governança global; (Abong, 2011; Masagão,

Suyama e Lopes, 2012).

A tabela abaixo destaca e define, precisamente, as distintas políticas

públicas que vêm sendo perpetradas no âmbito da Cooperação Brasil-África

para o Desenvolvimento:

Tabela 2. Políticas Públicas Setoriais: Cooperação Brasil-África

Desenvolvimento agrícola e segurança

(1) O fato de que uma grande parte da África Subsaariana apresenta condições geológicas e climáticas semelhantes ao Brasil (agricultura tropical) faz do país um colaborador relevante

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alimentar para o desenvolvimento de projetos conjuntos de pesquisa nas áreas de segurança alimentar e agricultura familiar. Observando o êxito brasileiro nessa área, muitas nações da África Subsaariana solicitaram o apoio daquele país para avançar o desenvolvimento agrícola por meio da assistência técnica em agricultura tropical. Nesta área, as principais instituições públicas responsáveis pelo bom desempenho recente do país são a EMBRAPA e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). (2) Em 2008, foi aberto o primeiro escritório do Instituto de Pesquisa Agrícola da EMPRAPA em Gana. Hoje, a EMPBRAPA está implantando projetos de cooperação agrícola em 15 países africanos. (3) Baseado em suas experiências exitosas com o Programa Mais Alimentos, o Brasil vem apoiando os agricultores familiares africanos e as demandas expressas pelos ministros de Estado africanos da agricultura, participantes do Diálogo Brasil-África sobre Segurança Alimentar, Combate à Fome e Desenvolvimento Rural, realizado em 2010, no Brasil. O Programa Mais Alimentos África (More Food Africa), que foi implantado em cooperação com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e o Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PMA) apoia toda a cadeia de valor dos agricultores familiares africanos, oferecendo linhas de crédito especiais para a compra de máquinas agrícolas e equipamentos brasileiros, seguro contra perdas de colheita e fortalecimento das estratégias nacionais para segurança alimentar. Nele, um acordo com o setor industrial brasileiro é feito, no qual os países africanos parceiros formulam uma lista de máquinário necessário, enquanto o MDA negocia preços com o empresariado em condições pré-determinadas7. O programa é considerado inovador por tentar conciliar o apoio à agricultura familiar no país parceiro bem como o setor industrial brasileiro. Não obstante, tais abordagens têm sido comuns na Cooperação Norte-Sul em agricultura e as práticas (acima descritas) do Programa Mais Alimentos África têm sido altamente criticadas pela sociedade civil global como condicionalidades. O próprio governo brasileiro tem tomado posições contra tais práticas nos debates multilaterais sobre a eficácia da ajuda e o desenvolvimento. (4) O projeto Pró-Savana tem como meta central a erradicação da fome. Ademais, prioriza o fortalecimento da agricultura de Moçambique e procura responder aos problemas das comunidades rurais e de populações que dependem da terra para sua subsistência e se encontram em situação de insegurança alimentar. (5). O governo brasileiro tem procurado apoiar, de forma decisiva, os países africanos produtores de algodão no seu esforço para desenvolver o setor cotonícola. O foco prioritário da ação brasileira de cooperação concentra-se nos países que formam o grupo denominado Cotton-4: Benin, Burkina Faso, Chade, e Mali. O projeto tem como objetivos

7 Não é rara a existência de algumas condicionalidades de ordem procedimental no bojo da CSS. Tais condicionalidades, portanto, são marcadas pela obrigação do país destinatário a comprar bens e serviços provenientes do Estado que lhe garante acesso ao crédito (Pino, 2009). Este parece ser o caso do Programa Mais Alimentos África.

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preparar os institutos agrícolas de cada um dos países para desenvolver pesquisas adaptativas para o manejo de pragas, melhoramento genético e na área de solo/nutrição/plantio, bem como reforçar a capacitação dos técnicos e pesquisadores em novas tecnologias de produção de algodão.

Direitos humanos (1) Cabe destacar a conclusão do projeto "Apoio na formulação e monitoramento do programa nacional para universalização do registro civil de nascimento em Guiné-Bissau”. O êxito logrado com a execução do referido projeto, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil, ensejou dois novos programas, a saber: (1.1) fase II do projeto de Apoio na formulação e monitoramento do programa nacional para universalização do registro civil de nascimento em Guiné-Bissau; e (1.2) projeto na área de Direitos Humanos visando o fortalecimento da Comissão Nacional dos Direitos Humanos da Guiné-Bissau.

Ensino técnico (1) O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) é um dos mais importantes pólos nacionais de geração e difusão de conhecimento aplicado ao desenvolvimento industrial. Como outras instituições brasileiras, está se tornando provedor de assistência técnica internacional e mantendo atualmente 48 parcerias internacionais assinadas com 25 países, que já produziram até o momento 29 projetos, dos quais cinco são na África Subsaariana. (2) Em parceria com a ABC, o SENAI implementou 10 centros de ensino profissionalizante. Cinco foram criados na África Subsaariana (Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe) e outros dois estão em fase de abertura na África do Sul e Angola.

Energia (1) Investimentos da Petrobrás em exploração de petróleo em águas profundas em países como Angola, Benin, Gabão, Nigéria, Namíbia, Líbia e Tanzânia. (2) Visando à independência energética, foi iniciada a cooperação na área de biocombustíveis com Angola, Moçambique, República Democrática do Congo, Gana, Quênia, Nigéria, Senegal, Sudão, Uganda e Zâmbia. Ao fornecer transferência de tecnologia e treinamento, o Brasil ajuda estes países no desenvolvimento de suas próprias indústrias de biocombustíveis e a reduzir a sua dependência de petróleo. Até o momento, o Brasil tem acordos bilaterais de cooperação técnica em biocombustíveis com 45 países, dois com instituições multilaterais (Comunidade Econômica dos Estados do Oeste Africano e União Europeia), além de três acordos trilaterais: Brasil-UE-África, Brasil-UE-Moçambique, e Brasil-EUA-América Central e do Caribe. O número total de países com acordos diretos e indiretos de cooperação técnica em biocombustíveis agora contabiliza mais de 70 - com a grande maioria sendo os países em desenvolvimento. (3) Em maio de 2012, o Brasil assinou um acordo de cooperação com Moçambique para ajudar o país a instituir o Programa Luz para Todos. Este programa tem procurado garantir o acesso à eletricidade para residências e empresas em áreas rurais pobres do Brasil. Desde o seu lançamento em 2003, ele permitiu o acesso de quase 3 milhões de famílias rurais e é considerado o maior e mais ambicioso programa de inclusão elétrica do mundo.

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Proteção social (1) Desde a sua criação em 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) mantêm contatos institucionais com mais de 60 países, incluindo Angola, Senegal e Quênia para viabilizar um crescimento socialmente inclusivo. Em 2009, o governo angolano passou a se concentrar na promoção e proteção dos direitos das pessoas vulneráveis, no combate à pobreza e na redução das assimetrias regionais. (2) No Senegal, em 2005, foram iniciados programas conjuntos nas áreas de segurança alimentar e nutricional, agricultura familiar, biodiesel, recursos hidrelétricos e qualidade dos produtos agrícolas, etc. (3) No Quênia, a previão era que tais programas de proteção social fossem lançados em 2011. (4) Representantes de Gana, Guiné-Bissau, Moçambique, Nigéria, África do Sul e Zâmbia foram convidados para o Brasil a fim de aprender com as experiências do programa Bolsa Família e ganhar conhecimentos sobre o desenho, implementação e gestão desta política social (focalizada) mundialmente reconhecida. (5) Convém elucidar o projeto de modernização da previdência social de Moçambique, cuja participação do Ministério da Previdência Social do Brasil, da Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social) e do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), serão cruciais para a estruturação do sistema no país. (6) Apoio brasileiro à consecução e à estruturação de políticas similares ao programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida” em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Educação, ensino superior e ação afirmativa

(1) Na década de 2000, o governo brasileiro decidiu fortalecer o ensino superior na África para ajudar a preencher o vazio em termos de educação superior e formação profissionalizante enfrentado pela maioria dos países da África Subsaariana. Destacam-se quatro iniciativas pertinentes de ensino superior: (1.1) a criação da Universidade Aberta do Brasil em Moçambique8, esforço conjunto de quatro instituições brasileiras e quatro moçambicanas nas áreas de matemática, biologia, pedagogia e administração pública, e cujo objetivo é apoiar o país na formação de professores por meio da educação à distância; (1.2) a criação da Universidade Federal para a Integração Luso-Afro-Brasileira (UNILAB); (1.3) a criação de bolsas de estudos para estudantes de graduação e pós-graduação de países em desenvolvimento para estudar em universidades brasileiras (PEC-G e PEC-PG, respectivamente), e (1.4) criação ou reforço do diálogo entre universidades brasileiras e da África Subsaariana. (2) Criação de uma Escola para Jovens Lideranças em Guiné-Bissau; projeto este executado pelo Ministério da Educação do Brasil (MEC), em parceria com Organizações Não-Governamentais (ONGs) brasileiras e com a Organização das Nações Unidas para a

8 O projeto, que já conta com três pólos que beneficiam mais de 600 estudantes, deverá beneficiar mais de 7000 alunos, quando, em 2014, todos os pólos estiverem em funcionamento. A importância da capacitação de recursos humanos para o desenvolvimento de Moçambique foi reafirmada com a disposição para conclusão rápida e inauguração do Centro de Formação Profissional Brasil-Moçambique, parceria da ABC com o SENAI (ABC/MRE, 2013).

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Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). O programa objetiva o fortalecimento de lideranças locais, o desenvolvimento comunitário e a promoção de educação integral para crianças e jovens da comunidade do Bairro de São Paulo, localizada no município da Cidade de Bissau (Guiné-Bissau).

Esportes (1) O esporte tem um papel relevante tanto no Brasil como na África e vem fortalecendo a ligação entre os dois lados. Foram implantados projetos para aumentar a inclusão social por meio do futebol em Angola, Botsuana e Moçambique, e atletas profissionais da Tanzânia, Zâmbia e Libéria foram convidados a viajar ao Brasil para fazer treinamento especializado em futebol. Bem assim, técnicos de futebol do Quênia participaram de atividades de treinamento realizadas pelo Brasil e o Benin firmou acordo com o Brasil para o treinamento de futebol de longo prazo para jovens e o reforço do treinamento especializado dos técnicos. (2) O Projeto de Capoeira com ênfase na formação técnico-profissional e cidadã está em execução em São Tomé e Príncipe

Políticas de saúde9 (1) No âmbito do projeto "Capacitação do Sistema de Saúde da República de Angola”, o governo brasileiro, por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), graduou, em Luanda, Angola, em 11 de maio de 2012, quinze mestres locais em saúde pública. O curso de Mestrado em Saúde Pública de Angola representa a primeira experiência brasileira no campo da saúde coletiva realizada fora do território nacional. (2) O Brasil assinou 53 acordos bilaterais sobre temas de saúde com 22 países africanos e tem efetivamente implantado campanhas de educação e prevenção do HIV (incluindo a distribuição de preservativos e testes de HIV). Ademais, fornece livre acesso universal ao tratamento de AIDS com medicamentos anti-retrovirais para as pessoas afetadas pelo HIV. O Brasil apoia os países africanos em formular respostas multidisciplinares ao HIV/AIDS. As medidas incluem a criação de capacidades no campo da prevenção, cuidados e tratamento bem como logística e cadeia de suprimentos de gestão para distribuição de medicamentos. O Brasil também compartilha sua experiência sobre as formas de mobilização de ONGs e fortalecimento da participação do setor privado na prevenção nacional do HIV/AIDS e programas de tratamento. (3) O Brasil tem sido ativo na luta contra outras doenças na África, incluindo a malária. Em Gana, está se estabelecendo um centro de hemofilia e anemia falciforme que será dedicado não só ao tratamento, mas também para pesquisa e treinamento. O centro é um dos grandes projetos do Brasil relacionados à saúde e será aberto

9 A tecnologia também está ajudando a África a cuidar da saúde. O Banco Mundial diz que a malária consome US$ 12 bilhões do PIB da África a cada ano. Mas graças a mais e melhores mosqueteiros, as taxas de mortalidade caíram 20%. Investidores externos em países africanos com altas taxas de infecção por HIV, queixam-se do encarecimento da força de trabalho treinada, que morre aos 30 e 40 anos, mas a incidência de nova infecção está caindo na maioria do continente e muito mais pessoas estão recebendo tratamento efetivo (The Economist, 2011).

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para outros países da região. (4) O governo de Moçambique está construindo, em parceria com o Brasil, um laboratório a fim de produzir medicação genérica para o tratamento de HIV/AIDS e outras doenças. Este é, sem dúvida, o maior projeto do Brasil na área de cooperação para o desenvolvimento, contando com investimento de aproximadamente US$ 23 milhões. Em 2008, foi instalado oficialmente um escritório regional da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) em Maputo para facilitar a coordenação local, sendo o primeiro escritório de campo da entidade a ser inaugurado no exterior. Países como Botswana, Burkina Faso, Congo, Gana, Líbéria, Quênia, Serra Leoa, Tanzânia e Zâmbia têm realizado projetos de combate a AIDS com o Brasil. (5) O Projeto de Cooperação Brasil – STP aspira “Apoiar o Programa de Luta contra a Tuberculose em São Tomé e Príncipe”. (6) Cabe apontar o Projeto de fortalecimento institucional da ARFA (Agência de Regulação de Produtos Farmacêuticos e Alimentares), mediante a criação do sistema cabo-verdiano de controle de alimentos, viabilizando o controle de preço de 70% dos medicamentos cadastrados no país e o controle de medicamentos genéricos (indiretamente, o projeto abriu mercado para medicamentos genéricos brasileiros). (7) O projeto "Banco de Leite Humano”, que implantou o primeiro Banco de Leite Humano do continente africano, está em funcionamento no Hospital Agostinho Neto, em Cabo Verde. (8). Por fim, abordar-se-á, respectivamente, os seguintes projetos estruturantes na área de saúde, o (s) país (es) sede e o valor do investimento brasileiro em US$ 1000 (2010): (8.1) Projeto piloto do Programa de Combate à Anemia, Angola, US$ 240; (8.2) Apoio técnico para criação do centro sanitário e de epidemiologia, Angola, US$ 490; (8.3) Apoio para instituir o sistema nacional de tratamento de anemia falciforme, Gana, US$ 7.000 (aproximadamente); (8.4) Laboratório farmacêutico de medicamentos para HIV/AIDS, Moçambique, US$ 23.000; (8.5) Apoio ao Programa de Prevenção e Controle da Malária em São Tomé e Príncipe, São Tomé e Príncipe, US$ 600; (8.6) Apoio ao Programa Nacional de Combate à Anemia no Senegal, Senegal, US$ 250.

Fontes: Dauvergne e Farias, (2012); Ipea e Banco Mundial (2011); Masagão, Suyama e Lopes (2012); Patriota e Pierri (2012); Stolte (2012); ABC/MRE (2013); ABC (2010)

Apesar dos avanços em matéria de cooperação técnica e de promoção

de políticas públicas, há inúmeros desafios e entraves à CSS. Os recursos

humanos são escassos, especialmente para trabalho altamente especializado,

e é difícil identificar parceiros locais de confiança. Existe a necessidade de

reforma agrária e acesso regular e confiável a água, eletricidade e

comunicações (telefonia e internet). Igualmente importante, o transporte é

extremamente oneroso e demorado, somando-se à complexidade de fazer

negócios e promover o desenvolvimento sustentável na maioria dos países

africanos. A falta de transporte adequado desestimula qualquer tentativa

21

brasileira ou africana mais séria de fazer negócios ou aprofundar a cooperação.

As rotas marítimas e os voos entre as cidades brasileiras e africanas são

insuficientes tanto em termos de número como de frequência. Considerando

que o Brasil é uma economia emergente, o país enfrenta enormes desafios à

cooperação para o desenvolvimento em termos de seu quadro normativo e

administrativo, bem como no que concerne aos recursos humanos e

financeiros (Ipea e Banco Mundial, 2011).

É difícil organizar e aprovar grandes projetos, seja para implantação

dentro ou fora do país, e as linhas de crédito são inadequadas para empresas,

independentemente do tamanho. A disponibilidade de informações adequadas

sobre a África é bastante limitada no Brasil. Ademais, o sistema

contemporâneo internacional também impõe uma série de obstáculos a uma

maior integração entre o Brasil e a África tais como monopólios e a

fragmentação da cooperação internacional neste continente (Ipea e Banco

Mundial, 2011; The Economist, 2011).

4. Palavras finais sobre as potencialidades, limitações e desafios da CSS-

D

À luz de uma interlocução - de base empírica - com a literatura mais

recente, o propósito deste artigo foi ressaltar as inovações, limitações e

desafios da política externa brasileira em relação à África, particularmente no

tocante à agenda da Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento (CSS-D).

Procurou-se analisar a peculiaridade e especificidade do Brasil que, desde

2003, leva a cabo um projeto de desenvolvimento (em gestação), – o Novo-

Desenvolvimentismo -, e cuja política externa assertiva está em sinergia com a

estratégia – distributiva e fortalecedora do mercado interno - capitaneada na

órbita doméstica. Há em curso um processo de internacionalização das public

policies do Estado brasileiro. Esboça-se uma ação deliberada para compartilhar

conhecimentos e experiências de forma horizontal com os países que

apresentam problemas semelhantes e desafios ao desenvolvimento, neste

cenário global cada vez mais complexo e em processo de mutação.

Por outro lado, o movimento de internacionalização das políticas

públicas é concomitante à iniciativa expansionista (e fortemente subsidiada

22

pelo Estado via BNDES) de internacionalização do capitalismo brasileiro pela

África Subsaariana, sobretudo em áreas estratégicas como mineração,

infraestrutura e energia. A despeito do discurso diplomático oficial assentado

na “solidariedade” e na relação “horizontal”, as políticas públicas e a

cooperação técnica constituem um mecanismo compensatório para legitimar e

referendar a expansão capitalista do Brasil. Diante disso, para além de “soft

power”, a CSS pode ser pensada como um mecanismo “hard power”, pois

constitui fundamentalmente uma intervenção externa ancorada em

instrumentos técnico-econômicos.

A disseminação das transnacionais brasileiras em larga escala gera

problemas graves e tensões como poluição ambiental e remoções arbitrárias

de populações nativas. Este é o caso da recente atuação da empresa de

mineração Vale em Moçambique. Isso põe à prova a legitimidade da política de

cooperação do Brasil para a África que é concebida, num primeiro momento,

como “horizontal” e “solidária”. Desta forma, Estado brasileiro deve evitar ser

taxado como “opressor” e/ou “imperialista” e, em maior extensão, reprodutor

das relações tradicionais Norte-Sul no Sul emergente. Daí a necessidade

irrevogável de accountability, transparência e maior participação da sociedade

civil. A relação entre o aumento do financiamento do BNDES para as empresas

brasileiras que realizam projetos de infraestrutura e os programas de

cooperação técnica governamental na África é bastante precária e muito pouco

rigorosa, no que diz respeito ao ônus ambiental e social. Eis uma das grandes

limitações da Cooperação Brasil-África para o Desenvolvimento.

Não obstante, a cooperação técnica horizontal do Brasil aspira

compartilhar os êxitos e melhores práticas nas áreas de políticas públicas

requisitadas pelos países parceiros sem imposições econômicas ou

condicionalidades políticas, que são típicas da Cooperação Norte-Sul de

natureza fundamentalmente vertical, desigual e hierárquica. Cabe elucidar que

o Brasil possui aproximações históricas, sociais, culturais e geopolíticas com a

África, desde os tempos da colonização, por ocasião da escravidão e do tráfico

negreiro, o que confere a esta modalidade de cooperação uma dimensão

socialmente inclusiva. Ademais, no Brasil, há uma longa tradição de política

externa africanista. Esses elementos contribuem para que o modelo de

23

cooperação entre a África Subsaariana e o Brasil se destaque como uma

alternativa efetiva ao sistema de cooperação tradicional e assimétrico.

Embora haja avanços recentes, não há uma comunidade epistêmica

forte refletindo sobre a CSS no Brasil. Não há um consenso estabelecido e

consolidado na sociedade a respeito da institucionalização dessas práticas

políticas. Ademais, o aparato institucional para a implantação das medidas de

cooperação está em gestação no país. Ele ainda é muito efêmero, embrionário

e necessita de pesquisas empíricas rigorosas para a sua consolidação, tanto

do ponto de vista prático como teórico/conceitual. Neste sentido, o marco

institucional brasileiro não foi concebido para fornecer cooperação, mas para

recebê-la dos países ricos do Norte. Trata-se de um dos grandes desafios da

CSS.

O renascimento da política brasileira para a África, na gênese do século

XXI, está sendo realizado sob um novo pano de fundo. Essa nova política

externa para a África não é uma reedição do passado, na medida em que

procura inibir o assistencialismo internacional, disfarçado nas mais variadas

formas de cooperação técnica à moda antiga. Trata-se de uma iniciativa

revelante para a reconstrução de uma infra-estrutura logística e produtiva na

África. Ela também engloba uma dimensão relativa a inclusão, a cidadania e ao

reconhecimento: os programas de cooperação com o objetivo de combater a

AIDS, as experiências envolvendo a ABC, o MDS, a FIOCRUZ, o SEBRAE, a

expertise da EMBRAPA entre outras várias empresas do Brasil, que têm sido

ativas em países africanos ao longo dos últimos anos (Saraiva, 2010).

O fato de que uma grande parte da África Subsaariana apresenta

condições geológicas e climáticas semelhantes ao Brasil (agricultura tropical)

faz do país um colaborador importante para o desenvolvimento de projetos

conjuntos de pesquisa nas áreas de segurança alimentar e agricultura familiar.

Observando o êxito brasileiro nessa área, muitos países africanos solicitaram o

apoio do Brasil para avançar o desenvolvimento agrícola (Ipea e Banco

Mundial, 2011). Tais iniciativas de políticas públicas aspiram minorar os efeitos

perversos do crescente esgarçamento do tecido social no continente africano.

Outrora, a ajuda fluía em uma (única) direção, dos países centrais e

industrializados para o mundo em desenvolvimento - uma corrente limitada de

ajuda do “Norte para o Sul”. Todavia, há recentes mudanças em curso, com a

24

ajuda se articulando entre os países do Sul, e as velhas definições de

desenvolvido e em desenvolvimento perdendo o sentido (ODI, 2010).

Desde meados dos anos 1980 e 1990, muitos países africanos têm sido

compelidos a adotar uma série de programas prescritos pelo “Consenso de

Washington” - “redução de pobreza”, “recuperação econômica” e “ajuste

estrutural” - frequentemente sob pressão dos doadores ocidentais e instituições

financeiras internacionais. Foi neste período que, em virtude de problemas

econômicos e de uma mudança de orientação na política externa, o foco do

Brasil sobre a África declinou e houve, consequentemente, uma retração

significativa da CSS (Obiorah, 2007; Saraiva, 2012).

Ao longo dos últimos 30 anos, as políticas de contingenciamento

empobreceram a África e agravaram mormente a sua posição periférica, no

âmbito da divisão internacional do trabalho. Após um longo período de

supremacia do poder despótico (Mann, 2006), no período mais recente,

todavia, a África vem restabelecendo lentamente o seu poder infraestrutural

(Mann, 2006). Gradativamente, vem buscando ser permeável à sociedade e

penetrar uniforme e homogeneamente o território na provisão de políticas

públicas elementares - saúde, formação de capital humano, proteção social,

segurança alimentar, direitos humanos, etc. Aos poucos, a África vem dando os

primeiros passos para o fortalecimento das instituições democráticas e para a

inclusão do seu povo em um mercado doméstico de consumo de massas,

ainda que este esteja muito longe de ser um modelo clássico e ideal de

cidadania. E o Brasil, de acordo com o que este estudo tentou mostrar, e a

despeito das “contradições”, “limitações” e “antinomias” desta modalidade

(embrionária) de CSS, vem contribuindo substancialmente para tal.

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