Cooperativa de Trabalho
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COOPERATIVA DE TRABALHO E A CONDIÇÃO FEMININA
Constantina Ana Guerreiro Lacerda1
Kelita Cristiny Santos
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Resumo
O estudo aborda o trabalho e o perfil das mulheres na Cooperativa de Bordadeiras e Produção Artesanal do Cerrado Goiano – BORDANA, no ano de 2011 em Goiânia Goiás. Trata-se de investigação sobre as iniciativas em Economia Solidária, especificamente do Cooperativismo como uma das respostas diante das mudanças do mundo do trabalho, decorrentes do processo de reestruturação produtiva. Neste cenário o cooperativismo apresenta-se como uma das alternativas de enfrentamento ao desemprego por meio da geração de trabalho e renda, implicando desafios no interior do próprio sistema cooperativo e da sociedade para promover a inclusão social e o exercício da cidadania. Desse modo, com essa investigação pretende-se discutir a experiência de Economia Solidária para as mulheres na cooperativa BORDANA, registrar o significado de trabalho cooperativo para as mulheres, e identificar o grau de autonomia econômica que a renda proporciona para as cooperadas. Para a abordagem do objeto empregou-se o método histórico dialético, como forma de apreender o fenômeno em sua totalidade. A pesquisa de campo apresenta aspectos quantitativos e qualitativos do tema investigado, cujo instrumento de coleta de dados foi o questionário entrevista. Para a explicação dos dados empregou-se a análise de conteúdo. Palavras- chave: cooperativa; condições de trabalho; renda; mulher; cidadania.
INTRODUÇÃO
A reestruturação produtiva, situada a partir da década de 1970, causou transformações,
não só na esfera do trabalho e da produção, mas também mudanças mais gerais no âmbito da
economia, da tecnologia, da cultura e das políticas de Estado. Crescem assim em todo o
mundo, as desigualdades sociais e econômicas, com conseqüências nefastas para aqueles
segmentos da população que, historicamente já não tinham acesso a bens e serviços, e aqueles
que mesmo tendo algum acesso, vêem-se ameaçados pela perda de direitos sociais e de seus
postos de trabalho. Tais conseqüências estão presentes diretamente nas mudanças no mundo
do trabalho, com reflexos visíveis como a crise do modelo de acumulação taylorista/fordista;
1 Doutora em Serviço Social pela UFRJ .Professora e orientadora de monografia de conclusão do curso de Serviço Social Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás). End. Condomínio Jardins Atenas rua28 A Qd.19 A Lt.17 CEP:74885500 Goiânia Goiás Fone (62)3532-7361 e-mail [email protected]. O texto é parte de uma pesquisa para monografia de conclusão do curso de S.S. orientada pela referida autora. 2 Assistente Social graduada pela PUC-Goiás em 2011. End.: Av. Genésio do Carmo Qd.17 Lt.11S.Rio Formoso CEP:74330971 Goiânia Goiás Fone (62)35755136 e-mail:[email protected].
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mudanças na estrutura produtiva, com a adoção das novas formas de organização e gestão do
trabalho do modelo toyotista; na precarização dos processos de trabalho; redefinições na
divisão sexual do trabalho; nos números alarmantes de desemprego estrutural; na precarização
dos processos de trabalho; baixos salários; e novas exigências de qualificações técnicas
(ANTUNES:1999).
As mudanças na estrutura do mercado de trabalho e na natureza do próprio trabalho
constituem-se hoje como problema central do desenvolvimento social, tanto em países
altamente industrializados como em países em desenvolvimento.
No Brasil, a reestruturação do processo de trabalho foi acentuada nas décadas de 1980
e 1990, afetando o país de forma geral, causando grandes transformações nas relações de
trabalho e na composição do mercado brasileiro, resultando em um grande numero de
excluídos do mercado de trabalho.
Na ultima metade da década de 1990, e em pleno começo do século XXI, observa-se
um continuo agravamento nas condições e relações de trabalho. A economia brasileira
convive com um sistema de relações de trabalho com características e predomínio do contrato
individual. Nesse sentido pode-se observar a existência de grandes diferenças regionais no
mercado de trabalho, e essas distinções podem explicar o fenômeno da subutilização da força
de trabalho que é completamente distinta entre os vários Estados brasileiros, comparados ao
norte e sul o leste e o oeste.
Em relação às estratégias para o crescimento do nível de emprego, o Brasil se
distingue significativamente das economias avançadas onde suas atuais experiências
concentram-se na Política de Trabalho e Emprego. Mesmo não possuindo ainda um sistema
público de emprego com capacidade de assumir um conjunto articulado de atividades voltadas
para o combate ao desemprego, o Brasil possui alguns programas de política pública em
andamento, tais como: intermediação da mão-de-obra, educação profissional, seguro
desemprego, e geração de emprego e renda. A prática adotada para o enfrentamento do
desemprego é delineada a partir dos serviços públicos, porém oferecidos para uma população
que já se encontra à margem do desemprego.
As formas tradicionais de geração de emprego e distribuição de renda estão em cheque
desde o marco de globalização e integração econômica, que excluem cada vez mais um
número maior de pessoas ao acesso a bens e políticas públicas. Pois ainda não alcançaram
uma abordagem inovadora que compatibilize habilidades e esforços com a necessidade de
inclusão das pessoas ao mercado de trabalho.
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É neste cenário que o cooperativismo se apresenta como uma das alternativas de
enfrentamento ao desemprego por meio da geração de trabalho e renda, implicando desafios e
tarefas a desenvolver no interior do próprio sistema cooperativo como na sociedade, para
promover a inclusão social e o resgate do exercício da cidadania. Dessa forma, o
cooperativismo pode ser visualizado como uma das atividades econômicas realizadas dentro
da Economia Solidária, modelo econômico que se utiliza do processo democrático e
autogestionário.
A partir desta reflexão, optou-se pela Cooperativa de Bordadeiras e Produção
Artesanal do Cerrado Goiano – BORDANA para pensar qual o significado do processo de
cooperativismo, trabalho e renda para as mulheres, isto é, entender como compreendem a
autogestão, e como elas percebem-se como trabalhadoras cooperadas.
Explicitar a atuação das mulheres na Economia Solidária, e daí partindo para a
cooperativa, enquanto atividade que gera trabalho e renda abre a elas um campo para se
tornarem proprietárias dos meios de produção. Este é um desafio, pois vivenciamos um
sistema provedor de desigualdades em relação ao sexo, ao contrario do que é visto na pratica
de autogestão, onde os avanços em direção à equidade de gênero estão em constante
movimento.
Este trabalho está estruturado em duas partes. Na primeira consta uma abordagem da
reestruturação do processo de trabalho, e as novas demandas do mercado de trabalho, focando
a Economia Solidária e o Cooperativismo enquanto espaço do trabalho feminino. Na segunda
parte, discute-se a experiência de Economia Solidária para as mulheres na Cooperativa de
Bordadeiras e Produção Artesanal do Cerrado Goiano – BORDANA, enquanto estratégia de
trabalho e renda, bem como espaço de construção de cidadania.
O MUNDO DO TRABALHO E SEUS IMPACTOS JUNTO A CLASSE
TRABALHADORA.
Reestruturação do Processo de Trabalho
A transformação da natureza humana trabalhadora em “força de trabalho”, para “fator
de produção” como ferramenta do capital, é um processo assíduo e que parece não ter fim.
Visto de caráter rígido, o capital atira sobre o mundo do trabalho uma nova ordem desumana,
recriando na velha face da exploração do trabalho pelo sistema capitalista, novos cenários
desta exploração. Desse modo, Netto (2010:79) argumenta que o capital se sujeita a uma
relação de emprego sustentada na exploração do trabalho pelo capital. Mas, essa relação,
própria do Modo de Produção Capitalista, é historicamente determinada.
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Assim, as mutações ocorridas no mundo do trabalho afetaram a composição da classe
trabalhadora e do mercado de trabalho. Com isso, abalou fortemente as condições de vida e de
trabalho daqueles que integram aquilo que Antunes (2008), chamou de “classe-que-vive-do-
trabalho”.
Esse processo agravou a realidade do trabalho, levando a redução de postos de
trabalho, em decorrência da modernização tecnológica, chamada de revolução cientifico -
tecnológica, tendo como objetivo retomar as taxas de crescimentos e maiores lucros por meio
da intensificação e flexibilização do processo de produção. Com a reestruturação econômica
dá-se, também, a contra-reforma social e política com a implementação de medidas
neoliberais, com o objetivo de combater o processo inflacionário, garantir o crescimento
econômico e as taxas de lucro do capital por meio da reforma fiscal e diminuição dos
investimentos nas políticas sociais, reduzindo a intervenção do Estado na oferta de bens e
serviços à população – a opção pelo Estado mínimo.
Essa reestruturação provoca como conseqüência, várias mudanças nos padrões de
acumulação, busca novas formas de produção, e estimula uma flexibilização no mundo do
trabalho. Tais mudanças como já foi dito, causam a fragmentação da classe trabalhadora,
deixando-a enfraquecida e sempre a serviço do capital, pois estará sempre sujeita “à
manipulação do trabalho”, e envolvidos no processo de “interiorização do trabalho alienado”
(ANTUNES, 1999: 24).
As profundas mutações ocorridas na esfera do trabalho servem para indicar a dinâmica
econômica do sistema capitalista. Essa situação ocorre proporcionando alterações tanto na
materialidade quanto na subjetividade do trabalhador, pois atinge de diversas formas sua
condição de vida e trabalho.
Tais mudanças resultam da introdução de novas tecnologias e de novos padrões
administrativos e que basicamente promovem processos significativos de reestruturação
produtiva e crescente valorização da mão-de-obra qualificada. Certas mutações, embora
assumam uma dimensão universal, se atualizam e se ampliam de acordo com o estágio de
desenvolvimento das economias capitalistas e das conjunturas político-sociais e culturais de
cada local.
De acordo com Azeredo (1998), observa-se que progressivamente o trabalho vem
perdendo sua “centralidade” nos processos social e produtivo. Ele esta sendo substituído pelo
mercado com suas leis “rígidas”, causando a precarização do trabalho (desemprego estrutural,
sub-emprego e informalização). Esse processo cria uma distinção no mercado de trabalho
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entre “incluídos” (que possuem salário e direitos sociais garantidos) e os “excluídos”, que
constituem um numero crescente de trabalhadores com relações precárias de emprego.
O desenvolvimento das forças produtivas e o crescimento da riqueza do capital
mundial não se fizeram acompanhar pela universalização de direitos sociais no trabalho, mais
à custa da subordinação social de países de capitalismo tardio aos Estados centrais, no
processo de monopolização do capitalismo.
Mas de um bilhão de homens e mulheres padecem as vicissitudes do trabalho precarizado, instável, temporário, terceirizado, quase virtual, e dentre eles centenas de milhões têm seu cotidiano moldado pelo desemprego estrutural (ANTUNES, 2008 p. 103).
Analisando a realidade do mercado de trabalho em Goiás, pode ser levado em
consideração o saldo entre admitidos e desligados, segundo o Cadastro Geral de Empregados
e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego, e em segundo o numero de
empregos criados e o numero de oportunidades de trabalho fechadas.
A evolução positiva no mercado de trabalho goiano em relação a uma serie histórica
iniciada no ano de 2000, cujo saldo de empregos foi de 10.319. Nos anos seguintes foi
crescente alcançando 31.766 empregos em 2008, quando teve o inicio da crise econômica
mundial. Em 2009, a queda no saldo foi 48%, caindo o numero para 17.807 trabalhadores. Os
primeiros três meses de 2010, já apontam para uma grande recuperação, pois o saldo de
empregos, com carteira assinada, alcançou 34.657, chegando a um recorde em toda a serie
histórica. Assim pode-se dizer que os efeitos negativos da crise para o mercado de trabalho
goiano foram minimizados.
Por outro lado, quando se analisa o número de oportunidades de empregos abertos e/
ou fechados nos primeiros meses do ano de 2011, teve-se a possibilidade de perceber que a
crise ainda faz parte do cotidiano do mercado de trabalho goiano, pois 78,1% das
oportunidades de emprego criadas no ano de 2010 foram fechadas. Na verdade abriram se no
período, novas 158.374 oportunidades de emprego e fechou 123.717 mostrando o grau de
rotatividade de empregos existentes no mercado goiano.
Os setores mais afetados por esta rotatividade, pela ordem são: varejista 91,3%;
atacadista 86,1%; serviços 85,1%; construção civil 76,3%; e extração mineral com 67,1%. A
menor rotatividade de trabalhadores ficou por conta da indústria de transformação cujo
porcentual de demissão no período ficou em 37,1%.
Diante desses dados observa-se que o mercado de trabalho goiano tem o objetivo de
modernizar e diversificar a economia do Estado, buscando a geração de novos postos de
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trabalho. Assim, a Economia Solidária entra na agenda goiana de política de emprego e renda,
enquanto iniciativa de cooperação econômica e autogestão surgidas no âmbito dos programas
de geração de trabalho e renda. Uma economia diversificada, que se apresenta como uma
proposta desafiadora no Estado de Goiás.
A Economia Solidária e o Cooperativismo como Espaço de Trabalho Feminino.
No contexto da crise do mundo do trabalho e, portanto, de desemprego estrutural, a
economia solidária se apresenta hoje como uma das alternativas de trabalho e renda para os
trabalhadores desempregados ou sub-empregados, expulsos do mercado de trabalho,
principalmente quando a economia capitalista foi assolada pela crise econômica que resultou
no processo de reestruturação produtiva.
As classes mais empobrecidas têm, historicamente, desenvolvido mecanismos de
enfrentamento do desemprego. Esses mecanismos assumem as mais distintas formas e
características. São estruturados a partir de novos arranjos sociais, políticos, econômicos e
culturais, coletivamente elaborados e aperfeiçoados e que passam a orientar todos os esforços
em prol da afirmação do empreendimento coletivo.
No Brasil, a economia solidária floresceu nos anos 1980, se intensificando na década
de 1990, sobretudo por entidades civis e governamentais voltadas para geração de trabalho e
renda. Todavia, durante toda a história da humanidade, embora muitas dessas experiências
sejam referencias importantes, estiveram isoladas e com pouca representatividade na vida
econômica e social, diante da sociedade capitalista.
As diferentes formas de organização socioeconômica desenhadas pelos diversos atores
sociais, em parte, são resultado das experiências históricas acumuladas por esses atores, junto
aos movimentos sociais, partidos políticos, associações de bairro, etc. nas décadas de 1970 e
1980 no Brasil.
Somando à atuação desses velhos atores sociais há uma emergência de novos,
principalmente a partir da década de 1990. Esses grupos de diferentes setores da sociedade
civil representam múltiplas concepções de mundo. Na sua maioria estão interessados em
propor e construir estratégias de ação que possibilitem gerar trabalho e renda, como também
promover a inserção social para os segmentos excluídos da população sob patamares
diferentes dos instituídos na sociedade capitalista, como o individualismo (CRUZ, 2004a;
POCHMANN, 2004). Nesse sentido, o desenvolvimento dessa forma de organização
socioeconômica aparece não só como um resultado, mas também como uma forma de
resposta e/ ou resistência dos setores organizados.
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De acordo com a Aliança Cooperativa Internacional (ACI), o cooperativismo pode ser
definido como uma doutrina econômica estruturada para a geração de riquezas mediante o
livre associativismo entre as pessoas, que se unem para satisfazer necessidades, sejam elas de
cunho econômico, social ou cultural, por meio da produtividade e da valorização humana e
não da exploração do homem pelo homem.
Esse processo de organização coletiva pode transformar também o papel e/ou espaço
das mulheres na sociedade como a identidade a elas relacionada, apesar de não ser um
movimento coletivo apenas de mulheres. Ampliando o olhar sob a Economia Solidária e
considerando as relações sociais de gênero, observa-se que é grande a participação das
mulheres e também a expressiva presença delas como dirigente, reforçando a valorização do
trabalho feminino, em organizações como as cooperativas.
As experiências coletivas, em funções de liderança ou não, possibilitam
reconhecimento e visibilidade às atividades das mulheres e a sua atuação ultrapassa a ação
comum a elas atribuída, de reivindicações sociais. Quebra-se, inclusive, a idéia de que as
atividades na Economia Solidária são muito próximas do trabalho comunitário, tido como
território das mulheres. São atividades de trabalho coletivo e solidário, mas não
assistencialista, ao contrario, trata-se de atividades produtivas geradoras de renda, como a
Cooperativa e outros empreendimentos coletivos autogeridos industriais e comerciais, com
forte presença das mulheres.
Promover oportunidades iguais nas cooperativas é uma necessidade observada pela
Aliança Cooperativa Internacional (AIC), em suas várias articulações (global, regional e
setorial), como também no Comitê de Igualdade de Gêneros (GEC). Sendo assim, a ACI
enquanto organização mundial de representação do movimento cooperativo colocou em suas
prioridades a promoção da igualdade dos gêneros nas cooperativas em todos os níveis. As
cooperativas brasileiras tentam favorecer a participação das mulheres na qualidade de
delegadas enquanto representação legal em todo o mundo, para sustentar seu crescimento
profissional e vivenciar espaços autogestionários, onde a mulher consegue vislumbrar um
maior reconhecimento das suas potencialidades, fortalecendo vínculos sociais rompidos em
processos anteriores de exclusão.
A importância e a necessidade de desenvolver ações que propiciem situações
equitativas geram uma efetiva cooperação entre mulheres e homens que tenham a
possibilidade de integra-se enquanto seres humanos, cidadãos em plenitude e cooperados em
igualdade.
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A COOPERATIVA E AS COOPERADAS
Histórico da Cooperativa Bordana
O projeto para a criação da Cooperativa de Bordadeiras e Produção do Cerrado
Goiano – BORDANA foi elaborado pelo Núcleo Ana Carol, vinculado ao Centro Popular da
Mulher e à Associação de Moradores do Conjunto Caiçara, em Goiânia - Goiás. A proposta
do Núcleo foi de identificar entre as mulheres da comunidade, pessoas que com determinadas
habilidades, principalmente de artesanato, bordado, criação de roupas, dentre outras
possibilidades.
O Centro Popular da Mulher através do Núcleo Ana Carol e a Associação de
Moradores, em parceria, têm o objetivo de promover a inclusão social destas mulheres que
estão organizadas, tendo como critério de inclusão o respeito aos seus conhecimentos e
habilidades pessoais para o trabalho artesanal. Objetiva também construir com as mulheres,
as condições para um trabalho cooperativo, criando oportunidades que lhes possibilitem
aprimorar suas habilidades, saber lidar com o mercado e constituir os mecanismos que lhes
garantam não somente produzir para o mercado local, mas também nacional e internacional.
Sendo assim, sob a forma administrativa de autogestão, o Instituto Ana Carol
mobilizou mulheres para participarem de uma nova economia que acontece em todo o mundo.
A proposta era para participar de atividades, envolvendo: capacitação profissional, confecção
de roupas bordadas artesanalmente, distribuição e comercialização dos produtos, e a
distribuição equitativa dos benefícios alcançados.
Em 2008, na sede da Associação de moradores do Conjunto Caiçara, um grupo de
mulheres recebeu uma orientação técnica para a organização em cooperativa promovida pelo
Programa de Incubadora Social da Universidade Federal de Goiás (UFG). Foram inúmeras
reuniões, encontros, palestras, formação e capacitação, tanto de bordado tradicional quanto da
filosofia cooperativista.
Institucionalmente a Cooperativa de Bordadeiras e Produção Artesanal do Cerrado
Goiano- BORDANA foi constituída em 31 de outubro de 2009 com a participação de 42
cooperadas e 02 homens. Ela tem estatuto jurídico, uma comissão gestora eleita entre as
cooperadas, e um tipo de trabalho de auto-gestão que segue as regras do cooperativismo
orientadas por instituições de cooperativas nacionais e locais.
Atualmente a Cooperativa conta com a parceria de entidades governamentais e não
governamentais: o Centro Popular da Mulher do Estado de Goiás; A Associação de
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Moradores do Conjunto Caiçara; A Incubadora Social da UFG; A Organização das
Cooperativas Brasileiras – OCB/GO dentre outras.
Os principais fatores que influenciaram a criação da Cooperativa são: Oportunidade
para capacitar e qualificar as mulheres, com apoio para financiar suas iniciativas e oportunizar
a comercialização de seus produtos; Necessidade de organizar essas mulheres por meio de
instrumento jurídico; Melhorar a auto-estima e a qualidade de vida, promovendo o
desenvolvimento local; Garantir preço justo aos produtos; Melhorar a qualidade e agregar
valor aos produtos; Ampliar o mercado como fonte de geração de trabalho e renda para a
comunidade e região; Promover a auto-gestão.
A Bordana, esta localizada no Conjunto Caiçara, bairro situado na Região Leste de
Goiânia. O Conjunto enfrenta grandes problemas, como desemprego, violência urbana,
violência domestica e falta de espaço para esporte e lazer. Mais de 50% das moradoras não
tem profissão definida, elas ganham seu sustento em trabalhos como diaristas, confecção de
bordados e panos de prato, vendas de porta em porta de produtos de beleza ou recolhem
sucatas para revender.
A maioria das mulheres inicialmente reunidas contava apenas com a experiência das
que conheciam alguns pontos de bordados, outras buscaram cursos especializados e, depois,
tiveram treinamentos regulares com a contribuição de professoras artesãs, em reuniões
semanais aos sábados. Com essa rotina as habilidades foram aos poucos aperfeiçoadas
tornando-as, capacitadas como hábeis bordadeiras manuais, uma característica da cooperativa.
A cooperativa Bordana destaca-se na comunidade. O trabalho cooperado que ela
desenvolve promove a organização e cooperação no grupo, a valorização do trabalho, a auto-
estima, o empoderamento e a autonomia das mulheres participantes, hoje cooperadas e com
profissão definida de bordadeiras. O cooperativismo, por meios de seus princípios, vem
confirmando o papel da mulher na transformação da realidade social, contribuindo para a
geração de trabalho e renda, para o resgate da cidadania, valorização do trabalho e das
relações sociais e de gênero. Nesse sentido, por meio do trabalho cooperado na Bordana, as
mulheres estão enfrentando as mudanças na estrutura do mercado de trabalho e a natureza do
próprio trabalho, não individualizado e industrial, mas que gera inclusão e o desenvolvimento
social.
As Mulheres da Cooperativa Bordana A presença majoritariamente feminina nesta cooperativa, reforça que a luta pela
efetivação de diretos e a inserção no mercado de trabalho é algo desafiante, e necessário para
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que haja a reconstrução de uma identidade de gênero marcada pela construção de autonomia,
e pela geração de renda. As mulheres buscam aprimorar diariamente o espaço de convivência
onde participam coletivamente, desempenhando papéis e elaborando atividades que, de
alguma forma proporcionam visibilidade enquanto ser de direitos e agentes transformadoras
de uma realidade social excludente.
A Bordana tem um universo de 33 cooperadas. A amostra foi aleatória simples,
composta por 20 mulheres que responderam a um questionário entrevista com perguntas
fechadas e abertas (pesquisa quantitativa e qualitativa), cujos dados permitiram traçar um
perfil quanto a: idade, grau de instrução, situação civil, profissão, renda familiar, significado
do trabalho cooperado, e convivência em grupo.
Quanto a idade das cooperadas 50% têm mais de 50 anos. Seu tempo de dedicação ao
trabalho coletivo é maior do que das outras, por se encontrarem na condição de donas de casa,
aposentadas, pensionistas. Todas as entrevistadas participam a mais de dois anos na
cooperativa, portanto desde sua fundação. As cooperadas vivenciaram reuniões periódicas de
formação para o cooperativismo e participaram da elaboraram do Estatuto da Cooperativa.
O grau de instrução indica que 40% das cooperadas concluíram o ensino médio
completo, porém não se profissionalizaram e/ou se preparam para enfrentar as exigências e as
novas demandas do mercado de trabalho. Relatam que existiam muitas dificuldades para
poder dar continuidade e cursarem uma Universidade. São mulheres que constituíram família
ainda na adolescência, fator pelo qual não prosseguiram com sua formação profissional. O
cruzamento do grau de instrução com a idade, mostra que essas mulheres estão entre os
trabalhadores que não possuem as qualidades exigidas pelo mercado de trabalho seletivo e
discriminador.
A situação civil das entrevistadas aponta que 40% são casadas, e relataram que com
a influência da filosofia cooperativista, houve uma melhora na convivência familiar.
Algumas dessas mulheres assumem responsabilidades na criação dos netos, a pedido dos
filhos, além de cuidarem dos pais já idosos.
Quanto à profissão, 45% das mulheres não trabalhavam fora de casa antes de serem
cooperadas. Suas atividades correspondiam apenas às tarefas domésticas, e às vezes
colaboravam com as ações comunitárias por meio da Associação de Moradores do Conjunto
Caiçara.
Quanto à renda familiar, 45% das mulheres disseram que a renda familiar é variável de
um a dois salários mínimos. Relataram que para atenderem às necessidades de uma família de
quatro a cinco pessoas com esta renda, é crítico assegurar o sustento de todos, como também
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custear cursos de profissionalização e especialização que atenda as exigências do mercado de
trabalho. O número de pessoas na família que trabalham, indica que 22% do total de pessoas
por residência têm mais de cinqüenta e cinco anos, porcentagem justificada pelas próprias
mulheres que trabalham na cooperativa. 47% do numero de pessoas na família com menos de
vinte anos não trabalham por motivo de alguns ainda não terem a idade de ingresso no
mercado de trabalho, e a outra parte justifica não terem oportunidades para se
profissionalizarem.
Quando observada a renda pessoal, 95% das mulheres dizem que a renda gerada na
cooperativa ainda não é o suficiente para suas necessidades. Justificam que a cooperativa
ainda não atingiu o mercado suficiente para que a comercialização seja mais constante. A
produção artesanal não é ainda reconhecida, nem valorizada proporcionalmente ao trabalho
empregado. Este aspecto remete para as questões do desafio e das contradições presentes no
mundo do trabalho cooperado. O valor do trabalho, nesse caso, é diferenciado, e por ser
solidário caracteriza-se por objetivar relações sociais equitativas. Com isso ele é passível de
gerar mais cidadania do que renda.
O significado do trabalho cooperado para as entrevistadas indica uma incorporação
dos princípios do cooperativismo em seu cotidiano. Para 25% das mulheres, o trabalho
cooperado significa muito, possibilitando construir “bons” relacionamentos. O trabalho na
cooperativa ensina a ter mais responsabilidades, a se sentirem mais úteis, e solidárias com as
pessoas. Participam das reuniões de conselho, e por isso as decisões são acompanhadas por
todas, que de alguma forma contribui para entenderem que no cooperativismo todos fazem
parte de um único objetivo: o trabalho cooperado. Para 20% das mulheres o trabalho coletivo
é conduzido de forma diversificada, onde cada cooperada utiliza de suas capacidades e
habilidades.
Outras 15% das cooperadas responderam que o trabalho na cooperativa significa
crescimento pessoal e profissional. Para conviver no coletivo é preciso aprender a respeitar as
diferenças um do outro. A fala das cooperadas é que o trabalho com a participação de todas,
causa emoção pelo motivo de saberem que suas mãos são as provedoras do resultado. É um
privilégio e um orgulho ser bordadeira. Ressaltam que trabalhar assim é cooperar com o
outro, o crescimento profissional é compartilhado entre todas, sem patrão. Cada uma expõe
que, a coletividade conduz a uma forma de trabalho onde o resultado é progressivo e sempre
melhor do que o anterior.
Na fala de 10% das mulheres, o trabalho na cooperativa significa satisfação pela
produção. Um trabalho de união, pensando no coletivo, onde o ganho é o resultado da soma
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de todos. Com esse mesmo percentual, observa-se uma visão de que o trabalho cooperativo
significa a inclusão de pessoas excluídas do mercado de trabalho, como também do convívio
em sociedade. É um trabalho que mantém a auto-estima sempre aflorada. O trabalho na
cooperativa faz a diferença em relação àquele onde a mulher não é respeitada e/ou valorizada,
significa também ter o prazer de fazer o que gosta: O trabalho na cooperativa aumenta a
possibilidade de mostrarmos quem realmente somos. O cooperativismo é visto como arte
linda, que pode ser aperfeiçoada todos os dias com a colaboração de todos. Uma cooperativa
onde a grande maioria é mulher, o trabalho é praticado com a essência da vivência que cada
uma tem para contar, fazendo com que essas experiências sejam trocadas com a intenção de
nos sentirmos parte da mesma classe que luta por melhores condições de vida. No trabalho
cooperado as exigências e/ou critérios, estão claros, o aprendizado na cooperativa é constante.
O cooperativismo oferece as ferramentas de socialização, cidadania, trabalho e renda.
Quando solicitadas para falarem de sua convivência em grupo as respostas mostraram
que para 25% das mulheres a convivência na cooperativa é muito boa por ser algo construído
sob o respeito e a admiração. Cada uma tem sua historia de vida que, diante do aprendizado
coletivo é aprimorada.
Também com essa porcentagem as respostas indicam que a convivência é dirigida na
medida em que todas se respeitam através do dialogo, onde tudo se resolve coletivamente,
com a compreensão e aceitação de opiniões que cada cooperada tem para contribuir no
crescimento do empreendimento. A convivência é saudável, muito tranqüila, buscam sempre
manter um relacionamento amigável, conduzido pela cooperação. Esses depoimentos indicam
uma possibilidade de aprendizagem das diferenças, sem preconceito e/ou discriminação, bem
como a valorização de não ser explorada e superarem diariamente as dificuldades de cada
mulher no seu processo de trabalho.
Todavia, as falas contém aspectos de subjetividades revelando que a inserção das
mulheres na cooperativa, vai além da geração de trabalho e renda. Esta experiência traz
significativas mudanças para a vida dessas mulheres, destacando-se: o aprendizado do
trabalho coletivo autogestionário; o crescimento pessoal; o desenvolvimento e a descoberta de
potencialidades; a ampliação da visão de mundo; o exercício da consciência ambiental por
meio dos bordados baseados das plantas do cerrado goiano; e a importância da participação
nas decisões da cooperativa. Há ainda um longo caminho a percorrer, na perspectiva da
autogestão e construção de uma cultura solidária e participativa que possa assegurar o
exercício da cidadania.
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Portanto as mulheres têm a capacidade de serem “portadoras de mensagens, idéias e
valores modernos, de recriar espaços tradicionais e de criar novos espaços para favorecer a
causa das mulheres e lograr uma reordenação das relações com os homens. Nesse caminho,
se maneira decidida e com suas próprias propostas, as mulheres têm se colocado a favor do
desenvolvimento e da democracia (LAGARDE, 1996:158). Nesse sentido, a cooperação entre
essas mulheres reflete na construção de uma comunidade mais igual, democrática e de um
modelo de desenvolvimento que extrapole o movimento meramente econômico, colocando
como prioridade a vida humana, o atendimento as suas necessidades, a superação do
individualismo, e a valorização do saber.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo proporcionou o entendimento para perceber que a abertura da economia nos
últimos anos e a ocorrência de profundas mudanças na base técnica da produção e na
organização do trabalho trouxe como conseqüência, a ameaça de desemprego para grande
parte da população. Por outro lado, a redução setorial do emprego, provocada pela absorção
de novas tecnologias e novas formas de organização do trabalho. Para o enfrentamento da
ocorrência do desemprego causado pela exclusão de pessoas considerada pelo mercado de
trabalho incapacitadas para assumir as novas demandas. A Economia Solidária se apresenta
nesse contexto como uma das alternativas de atender essa população na geração de trabalho e
renda.
Ao procurar nas cooperativas alternativas à falta de emprego, as mulheres cooperadas
não estão só preocupadas apenas com suas necessidades humanas objetivas, preocupam-se
também com a questão política do meio ambiente do cerrado goiano. Tal ação política, no
cotidiano da cooperativa, amplia-se quanto ao desenvolvimento do trabalho, e quanto a
administração dessa organização. Trata-se, no entanto de um processo complexo, que exige
um enfrentamento de desafios que são postos no cotidiano da experiência coletiva,
considerando que há uma tradição de subordinação e individualismo na formação sócio-
histórica e econômica da sociedade brasileira.
Uma cooperativa é um modelo de empresa baseado na democracia e na mutualidade.
Um modelo que não nega as diversidades entre os indivíduos, mas, ao contrario, dá valor a
essa diversidade, construindo objetivos em comum. Pode-se afirmar que as cooperativas são
um modelo de empresa que atrai mulheres, e que lhe oferece a oportunidade de serem
independentes para participar e influenciar nas atividades econômicas. Em todo o mundo, as
cooperativas permitem às mulheres construírem sua autonomia, e a desenvolverem
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consciência de si mesmas por meio da participação política e vivência de oportunidades das
quais estariam excluídas.
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