Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente...

134
Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda.. São Paulo. para a presente edição. 11 edição outubro de 1985 51- edição junho de 1999 21 tiragem novembro de 20O2 Preparação do original Cristina Sarteschi Revisão gráfica Dina,'te Zoranelli da Silva Produção gráfica Geraldo Alves Paginação Renato C. Carhone Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Kato, Mary Aizawa O aprendizado da leitura / Mary Kato. - 5' ed. - São Paulo Martins Fontes, 1999. - (Texto e linguagem) Bibliografia. ISBN 85-336-1070-X 1. Aprendizagem 2. Leitura I. Título. II. Série. 99-2520 CDD-418.4 Índices para catálogo sistemático: 1. Leitura : Lingüística 418.4 iNDICE Apresentação 1

Transcript of Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente...

Page 1: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda..

São Paulo. para a presente edição.11 edição

outubro de 198551- ediçãojunho de 199921 tiragem

novembro de 20O2Preparação do original

Cristina Sarteschi

Revisão gráfica

Dina,'te Zoranelli da Silva

Produção gráfica

Geraldo Alves

Paginação

Renato C. CarhoneDados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Kato, Mary AizawaO aprendizado da leitura / Mary Kato. - 5' ed. - São Paulo Martins Fontes, 1999. - (Texto e linguagem)Bibliografia.ISBN 85-336-1070-X1. Aprendizagem 2. Leitura I. Título. II. Série.99-2520CDD-418.4Índices para catálogo sistemático: 1. Leitura : Lingüística 418.4iNDICE

Apresentação 1

Capítulo 1 - Aquisição da escrita e "métodos" de alfabetização 5

Capítulo 2 - Fatores facilitadores e pré-requisitos na aquisição da leitura em segunda língua 21

Capítulo 3 - Reconhecimento instantâneo e processamento em leitura 33

Capítulo 4 - Processos de decodificação: a integração do velho com o novo

Page 2: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

em leitura 49

Capítulo 5 - Leitor: de analisador a reconstrutor 65Capitulo 6 - Estratégia em interpretação de sentenças e compreensão de textos ... 79Todos os direitos desta edição para a língua portuguesa reservados ã

Livraria Martins Fontes Editora Ltda.

Rua Conselheiro Ramalho, 3301340 O1325-000 São Paulo SP Brasil

Tel. (11) 3241.3677 Fax (11) 3105.6867

e-mail: info(ãmartinsfontes.com.hr http://www.martinsfonte .com.hr1. Objetivo do trabalho 792. Predição em leitura 793. Estratégia e gramática 81

Page 3: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

4. Teoria da complexidade derivacional versus estratégias perceptuais 825. Estratégia e ambigüidade 846. Estratégias e princípios nãosintáticos 887. Estratégias de processamentoe aquisição de linguagem 938. Estratégias e interpretação de relações anafóricas 949. Estratégias e Esquemas 10010. Estratégias subconscientes e conscientes 10311. Estratégias de natureza pragmática 10512. Considerações finais 106

Capítulo 7 - Estratégias gramaticais e lexicais na leitura em língua estrangeira 111

Capítulo 8 - Estratégias cognitivas e metacognitivas na aquisição de leitura 123

1. Estratégias cognitivas versusestratégias metacognitivas 1232. Estratégias cognitivas 124 3. Estratégias metacognitivas emleitura 130 4. Desenvolvimento de estratégias metacognitivas 132 5. Considerações pedagógicas ... 135

Referências bibliográficas 139ApresentaçãoApós um breve interesse demonstrado por Bloomfield e Fries por problemas relativos à alfabetização, a lingüística manteve-se, por muito tempo, alheia a problemas ligados à leitura, tendo esse interesse ressurgido com os progressos dos estudos sociolingüísticos e psicolingüísticos.Na sociolingüística, autores como Labov e Shuy engajaram-se em propor soluções para a alfabetização das minorias dialetais, e na psicolingüística autores como Goodman e Smith abrem espaço para estudos dos processos interativos envolvidos na leitura. Nos últimos anos, os progressos na área da lingüística textual, de um lado, e das ciências da cognição, de outro, têm contribuído para um melhor entendimento desse processo interativo.No Brasil, a preocupação educacional na área da linguagem tem incidido muito mais sobre a escritura do que sobre a leitura, motivo por que os lingüistas têm-se voltado, em seus trabalhos aplicados, a se dedicar mais aos problemas da escrita e da redação. O interesse pela leitura entre nós é bastante recente e, em algumas universidades como1

Page 4: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

a PUCSP, esse interesse desenvolveu-se a partir da preocupação com o ensino da leitura instrumental em língua estrangeira. A constatação dos pesquisadores nessa área, de que muito das dificuldades dos aprendizes devia-se não ao desconhecimento da língua estrangeira, mas principalmente à sua inabilidade de interagir com o texto escrito na própria língua materna, leva-os a ter como parte de seus objetivos o desenvolvimento das habilidades de leitura, independentemente da língua do texto. A partir daí professores e pesquisadores de língua materna e de língua estrangeira passam a ter um objetivo comum: compreender melhor os processos subjacentes à leitura e à formação do bom leitor. Esta, porém, não é uma tarefa a ser iniciada no âmbito da universidade. Se nosso aluno universitário não sabe ler os textos acadêmicos nem em língua materna nem em língua estrangeira, é preciso desencadear um trabalho preventivo e formativo e não apenas corretivo, isto é, trabalhar a leitura desde a sua aquisição.As reflexões contidas no presente volume revelam minhas preocupações centrais sobre leitura: seus processos e sua aquisição. A abordagem é, pois, essencialmente psicolingüística. Uma visão mais completa dos problemas envolvidos na leitura exige, contudo, um tratamento interdisciplinar: um tratamento sociolingüístico para detectar os problemas gerados pelas diferenças dialetais, um tratamento antropológico para verificar a relevância e o uso da escrita na comunidade a que pertence o aprendiz, um tratamento fonoaudiológico para delimitar os problemas reais de distúrbios, etc.O volume reúne artigos escritos nos últimos anos e estes não foram, portanto, planejados como2capítulos de um livro. Cada um deles retoma pontos mencionados e analisados nos anteriores, e nessas circunstâncias uma certa redundância é inevitável. Minha decisão de manter essa redundância deve-se ao fato de ter sentido que as retomadas, de certa forma, assegurariam a coesão entre eles. A ordenação obedeceu a uma seqüência lógica e não cronológica. Os três primeiros artigos têm a ver com alfabetização e os demais com processos gerais hipotetizados para a leitura. Dois artigos, o 2 e o 7, lidam com aquisição de leitura em segunda língua, mas as reflexões são válidas para a leitura em língua materna.Ao encerrar esta apresentação, não poderia deixar de registrar aqui os meus agradecimentos a todos que, com seus comentários valiosos, enriqueceram um ou mais dos trabalhos aqui incluídos. São eles: Ângela Kleiman, Eleonora M. Maia, Elza Mine, Leila Bárbara, Mara S. Z. Pascoal, Mario A. Perini, Michael Scott e K. Rajan. As possíveis falhas e incorreções que permanecem são, contudo, de minha inteira responsabilidade.São Paulo, 13 de julho de 1984 Mary A. Kato3CAPITULO IAQUISIÇÃO DA ESCRITA E "MÉTODOS"

DE ALFABETIZAÇÃO'A alfabetização tem sido a grande preocupação nos meios educacionais e acadêmicos do país nos últimos anos, haja vista o número de seminários a ela dedicados nos anos de 1983 e 1984. É comum sentir-se nessas ocasiões uma preocupação obsessiva por parte dos educadores por "métodos" de alfabetização, preocupação essa causada pela busca ansiosa de um instrumento seguro para a consecução dos objetivos mínimos da escola: ensinar a ler e a escrever.* Este trabalho é o resultado de reflexões feitas durante o Encontro de Alfabetização, promovido pela Faculdade de Educação da UFMG, em 11, 12 e 13 de agosto de 1983, e

Page 5: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

na mesa-redonda sobre Alfabetização, no encontro sobre Linguagem e Aprendizagem, promovido pelo Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, em 25 de outubro de 1983.5

Page 6: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

"Método", porém, para uma grande maioria dos professores é definido meramente como um conjunto de materiais, técnicas e procedimentos para se atingir um fim, isto é, um conjunto programado de atividades para o professor e o aluno.Contudo, qualquer método, para ser eficaz, deve ter a ele subjacentes hipóteses claras sobre a natureza do objeto a ser apreendido e sobre a natureza da aprendizagem desse objeto. Além disso, para ser eficazmente usado exige que seu aplicador tenha plena consciência dessas hipóteses. Essa consciência dará ao professor uma segurança maior de sua prática e o levará a reformular sua metodologia a partir da evidência que ira encontrar durante essa prática.Para uma boa parte dos alfabetizadores, o "método" parece ainda estar simplesmente ligado à unidade lingüística com que se trabalha: silábico versus fônico, por exemplo. Não lhes parece claro que as duas modalidades possam pressupor essencialmente um mesmo tipo de operação mental por parte do aprendiz: a análise ou a síntese. Se lhes for perguntado se o método silábico é analítico ou sintético, muitos não saberão responder.Outro aspecto que se observa em nossa escola é a excessiva preocupação com a escrita e a pouca atenção que se dá para o desenvolvimento da leitura. O insucesso escolar é avaliado principalmente em termos do desempenho da criança na produção da escrita. A propósito, E. Ferreiro (1983) expõe um caso que mostra não ser essa uma preocupação que se limita ao Brasil. Conta ela que uma professora lamentava que seu filho tivesse aprendido a ler sozinho antes de ingressar na escola, atribuindoGa esse fato o seu insucesso escolar por não escrever direito'.A disseminação maior dos métodos sintéticos, nas escolas brasileiras - seja o b + a = ba, o ba + be• bi + bo + bu, ou ainda o fônico -, pode também ser motivada pela ênfase maior dada à atividade de escrita, a qual envolve, no início da aprendizagem, uma operação basicamente de composição, embora mais tarde ela possa ser acompanhada complementarmente por uma operação de decomposição mental do léxico visual já adquirido.Ora, em uma aprendizagem natural da leitura -• caso da criança mencionada por Ferreiro e tantas outras que se auto-alfabetizam -, o aprendiz recorre a estímulos visuais que abundam em seu meio, e, através da decomposição progressiva desses elementos, vem a inferir as unidades que compõem a escrita de sua língua. Não se pode afirmar, pois, que um método que simula a atividade da escrita seja necessariamente o indicado para a aquisição da leitura.A prática de grande número de nossas escolas, de privilegiar as atividades de escrita, parece fazer supor que à produção segue-se automaticamente a recepção. Em outras palavras, se o professor ensinar• aluno a escrever, o aluno aprenderá automaticamente a ler. Contudo, o exemplo dado por Ferreiro• outros tantos de que temos conhecimento mostram que a leitura pode ser adquirida independentemente da escrita. Temos ainda o caso de proficientes1. Nota-se também, a nível de pré-escola, a mesma preocupação. Veja-se, por exemplo, a ênfase que se costuma dar à coordenação motora nos testes de prontidão.7

Page 7: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

leitores de uma língua estrangeira que nada escrevem nessa língua, quando o inverso parece impossível. Não quero dizer com isso que a prática de produção não possa intervir favoravelmente na capacidade de recepção, principalmente levando-se em conta que o ato de escrever exige menos automatização e mais reflexão metalingüística. Na verdade, uma vez iniciado o processo da aquisição da leitura e da escrita, parece haver uma interferência recíproca, de forma que quanto mais se lê melhor se escreve, e quanto mais se escreve melhor se lê.Voltando ao problema das operações de análise e síntese, podemos admitir que ambos os processos estejam complementarmente subjacentes às atividades de leitura e escrita.Em que medida, porém, a discriminação visual precisa e um processamento analítico no nível de unidades menores que a palavra são necessários para a leitura? Na medida em que o aprendiz desenvolve sua capacidade de se apoiar em estruturas cada vez maiores - em seu conhecimento do mundo -, esse tipo de operação será cada vez menos a nível de unidades grafêmicas e silábicas e cada vez mais a nível de fatias informacionais significativas'.O reconhecimento das formas será em grande parte determinado por processos inferenciais e de predições ditadas pelo conhecimento lingüístico e extralingüístico do leitor. O leitor proficiente é capaz de compreender um texto escrito em letra cursiva bem pouco legível, exatamente porque ele faz uso dessa sua habilidade para ler sem tentar decodificar2. Para uma melhor compreensão da operação de fatiamento em leitura, vide Perini et al. (1983).8cada grafema. Aquele que escreve fluentemente, em escrita cursiva, também não tem o cuidado de desenhar todos os traços distintos de cada letra, contando com a capacidade do leitor de ler pelo significado.As metodologias comumente usadas pouco exploram a capacidade demonstrada pelos auto-alfabetizados de extrair significados dos estímulos disponíveis. A aprendizagem é vista não como um processo ativo, mas meramente receptivo. Todavia, se observarmos as crianças no início do aprendizado, verificaremos que elas já fazem uso bastante regular de estratégias de inferência e muitas já demonstram uma boa consciência metalingüística. Relativamente a esse último aspecto, Ferreiro (1977) mostra que as crianças, por volta de seis anos, revelam essa capacidade ao operarem com segmentos de palavras conhecidas, inferindo a leitura de cadeias de letras resultantes de permutas de partes de palavras já conhecidas'.Os materiais de alfabetização, via de regra, introduzem gradativamente novas unidades, deixando muito pouco desafio para o aluno'.Todas essas questões levam-nos a enfatizar que só tem sentido discutir métodos de alfabetização, mediante uma melhor compreensão das hipóteses e comportamento sobre possíveis concepções da criança diante da escrita.Antes de passarmos a sintetizar alguns estudos relevantes sobre as possíveis concepções da criança, teceremos algumas considerações sobre a natureza3. Em português, vide estudo de Ana Paulo Goyano (1984).4. No material para o Mobral descrito em Kato (1978), procurou-se utilizar como palavras-chaves aquelas que não só eram significativas para o mobralense, mas que se prestassem a permutas e supressões, de modo a trabalhar com essa capacidade de segmentação e inferência, que podemos pressupor no adulto.9

Page 8: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

e a evolução do código escrito', que, por revelarem as concepções do homem sobre ele, podem ser elucidativas a respeito de sua concepção pela criança.Embora existam muitas lendas em torno da origem da escrita, os lingüistas, hoje, partilham de uma crença comum de que a escrita desenvolveu-se gradativamente do pictograma para o ideogramas e/ou para o fonograma.O primeiro tem uma natureza estritamente icônica, isto é, há uma relação não arbitrária entre o objeto e sua representação. Os sinais de tráfegos utilizados hoje podem ser considerados como exemplos de uma linguagem pictográfica.O ideograma se origina da estilização desses pictogramas, de uma simplificação convencional que converte os desenhos originais em símbolos lingüísticos, cuja forma passa a ter uma relação arbitrária com o objetivo ou conceito representado. O ideograma passa assim a ter também o estatuto de um símbolo de segunda ordem. Além de representar um objeto ou conceito, passa a representar a palavra que representa esse objeto ou conceito. Ora, essa, por definição, tem também uma existência em termos de sons da língua. Donde o ideograma também ser pronunciável'.5. Para maiores detalhes sobre esse assunto, vide Fronkin e Rodman (1974), e Gelb (1963).6. Gelb chama os dois sistemas de "semasiográficos", em oposição aos sistemas "fonográficos", que apresentam sons e silabas.7. Para uma língua cuja escrita é ideográfica, os empréstimos lingüísticos constituem um sério problema. Às vezes utilizam-se os ideogramas da língua, em seu valor estritamente fonético, deixando nesse caso de ter valor ideográfico para ter um valor meramente fonográfico, ou então transcreve-se na escrita da língua de origem ou ainda adota-se um sistema paralelo fonográfico para representar apenas esses empréstimos.10Houve também casos de fonetização direta dos pictogramas. Os hieróglifos, que eram originariamente pictográficos, desenvolveram-se em um sistema silábico, o qual foi apropriado pelos fenícios e depois pelos gregos. Mas, enquanto nas línguas semíticas as sílabas eram simples e regulares, o grego apresentava uma estrutura silábica mais complexa que exigiu a adaptação dos símbolos emprestados dos fenícios para representar sons individuais - consoantes e vogais'. Foi assim inventado o sistema alfabético'. Sven Ohman10 diz que, na verdade, a invenção da escrita alfabética é uma "descoberta", pois, quando o homem começou a usar um símbolo para cada som, ele apenas operou conscientemente com seu conhecimento da organização fonológica de sua língua.O caminho que o homem percorreu em sua história para descobrir a escrita reflete-se de forma impressionante nas concepções da criança ao adquirir a escrita. Nesse sentido, a criança parece estar "bioprogramada" para percorrer em sua vida o mesmo caminho percorrido pelos seus ancestrais através dos tempos, sendo a existência das etapas desse percurso dependente também da existência de estímulosambientais11.Passaremos a examinar agora as pesquisas de Ferreiro e Teberosky (1979) e Lavine (1972), com8. Segundo a literatura, os próprios fenícios já usavam alguns de seus símbolos com valor estritamente consonantal.9. É possível que o sistema alfabético fosse, pelo menos de início, intencionalmente, um sistema de transcrição fonética.10. Sven Ohman, Professor de Fonética da Universidade de Upsala, Suécia; trabalho apresentado no International Speech Symposium, Kioto, Japão, apud Fronkin e Rodman (1974).

Page 9: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

11. Veja Bickerton (1981) para o conceito de "bioprograma".11

Page 10: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

crianças, cujos resultados foram confirmados no contexto brasileiro por Rego (1982).Ferreiro e Teberosky mostram que nos primeiros contatos da criança com textos ilustrados, a criança ainda não diferencia da função do texto a da figura, achando que esta última também é lida. A ilustração é vista com função pictográfica pela criança 12. Lavine mostra que as crianças, aos três anos, já rejeitam figuras e desenhos como escrita. Porém, mesmo depois de passada essa fase pictográfica, a criança atribui ainda, segundo Ferreiro, um certo valor icônico à escrita. Os sujeitos mais novos dessa pesquisa acreditam que objetos grandes são representados por palavras mais longas. Assim, se escrevermos casa e casinha, a criança achará que é a primeira que representa o conceito da segunda. Não há ainda, nessa fase, a descoberta de que a escrita de sua língua tem uma relação arbitrária com os objetos que ela representa. A criança não atingiu ainda, a nosso ver, a fase fonográfica, pois ela não tem consciência de que casinha é mais longa porque a palavra tem mais sons do que casa. Ferreiro e Teberosky chamam essa etapa de pré-silábica. Diríamos que a criança está na fase intermediária entre a pictográfica e a ideográfica.Quanto aos traços da escrita, Lavine mostra a importância da estimulação ambiental no desenvolvimento da percepção da criança. Utilizando crianças de 3, 4 e 5 anos, e jogando com estímulos de quatro tipos - a) figuras, b) ideogramas e desenhos12. Gelb distingue o desenho puro do pictograma por este último ter nitidamente uma função de registro e comunicação de informação, ao contrário do primeiro, que pode ser uma manifestação puramente estética.12estilizados, c) palavras em escrita hebraica, e d) palavras em inglês, em tipo tanto de imprensa como o cursivo -, Lavine verificou que todas as faixas aceitaram os estímulos c e d como escrita e rejeitaram os de tipo a. As crianças menores aceitaram ainda os de tipo b. Podemos dizer então que as crianças menores estariam na fase intermediária entre a ideográfica e a fonográfica, e as maiores já estariam estritamente dentro da fase fonográfica.Após a fase pré-silábica, Ferreiro e Teberosky distinguem três fases: a silábica, a silábico-alfabética e a alfabética, conforme a criança atribua a cada símbolo o valor de uma sílaba, de uma sílaba ou de um segmento fonético e, finalmente, apenas de um segmento fonético. Na verdade, como Ferreiro e Teberosky estão trabalhando com a concepção infantil do que o símbolo alfabético representa, em lugar de "fase alfabética" teria sido mais adequado se elas tivessem utilizado "fase fonética", como faz Lemle (1983) ao propor suas fases hipotéticas da aquisição da escrita.Observa-se nesse material, como quisemos mostrar, um estreito paralelismo entre as fases da história da escrita e as fases de desenvolvimento da criança com relação a esse objeto. Para Fronkin e Rodman (1974), uma criança só poderá aprender o sistema alfabético quando cada segmento sonoro de sua língua tiver para ela uma realidade psicológica. Em outras palavras, a alfabetização se tornará possível quando a criança tiver consciência da relação símbolo gráfico e som oral de sua língua.Na pesquisa de Lavine, as crianças já revelam essa consciência, no momento em que rejeitam seqüências com o mesmo sinal e também estímulos com um único sinal como exemplos possíveis dei13

Page 11: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

escrita. Ora, a variedade e a multiplicidade não são características da escrita, mas dos signos da própria língua falada, e, possivelmente, quando a criança descobre que a escrita não representa os objetos diretamente, mas as palavras de sua língua oral, passa a encará-las como isomórficas a eles.E importante, neste momento, apontar para o fato de que embora o alfabeto tenha correspondência simbólica mais a nível fonêmico, a hipótese inicial do aprendiz, nessa fase, é de que o símbolo gráfico ou grafema representa o som físico assim como ele o ouve.Reflexões de ordem sociolingüística fazem-se necessárias nesse ponto. As diferenças dialetais passam a constituir um sério problema enquanto a criança não descobrir que a relação entre fala e escrita não é direta13, isto é, que a escrita não é uma transcrição fonética da fala e que o registro escrito exige um planejamento mais cuidadoso a nível de unidades maiores do discurso. Crianças que têm o privilégio de ter contato com a língua escrita antes de irem para a escola, através da leitura que lhes é feita pelo adulto, já têm consciência pelo menos dos aspectos discursivos que diferenciam a fala e a escrita. Duas crianças podem estar na mesma fase cognitiva, mas uma poderá enfrentar mais dificuldades que a outra se não tiver tido a estimulação ambiental de que falamos ou se entre o seu dialeto e a forma ortográfica e o dialeto prestigiado pela escola houver uma maior distância.13. Vide discussão mais detalhada desse aspecto em Abaurre (1983) e Lemle (1978).14Tendo em vista as características do sistema ortográfico do português, Lemle postula, diante dos dados que os iniciantes produzem em português, quatro fases calcadas nas seguintes hipóteses: a) hipótese fonética, b) hipótese de que há arbitrariedades no sistema ortográfico, c) hipótese de que há regularidades contextuais entre fala e escrita e d) hipótese de que há regularidades oriundas da morfologia.Essas hipóteses são relativas ao caráter fonêmico e às convenções arbitrárias da escrita portuguesa, que não mantém uma biunivocidade perfeita entre som e grafema. Como sabemos, um mesmo som pode ser representado por mais de um grafema, e um mesmo graafema pode representar mais de um som da língua. O domínio pleno do sistema implica o domínio das regularidades e irregularidades não só a nível grafofonológico, mas também a nível grafomorfológico.As hipóteses de Lemle foram calcadas sobretudo na escrita produzida por recém-alfabetizados. Da mesma forma, observando esses mesmos alunos, poder-se-iam fazer reflexões e teorizações a respeito da evolução do comportamento em termos da aquisição gradativa da fluência em leitura. Já pressupusemos, no início deste trabalho, que a criança faz largo uso de operações de análise e síntese. O crescimento de seu léxico visual e sua familiaridade com os segmentos mais freqüentes da língua, sejam eles morfemas ou não, liberam o aprendiz dessas operações, podendo-se pressupor que o reconhecimento passe a se dar de forma instantânea, como se o estímulo presente fosse de natureza ideográficas". Nesse processo, tem-se, a partir do estimulo visual, uma decodificação14. Para maiores detalhes sobre o processo, vide Kato (1983, b).15

Page 12: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

direta, sem mediação fonética ou fonológica. A vocalização e a subvocalização deixam de ocorrer. O pequeno leitor começa a usar estratégias mais dedutivas'', fazendo previsões significativas, coerentes com seu conhecimento lingüístico e extralingüístico.

Vimos até aqui que as pesquisas e teorias especulativas sobre a aquisição da escrita supõem etapas seqüenciais caracterizadas por diferentes concepções e por diferentes comportamentos. Mas há evidências também que apontam para a possibilidade de haver: a) regressões de comportamentos e b) superposições de concepções. Assim, uma leitura mais linear e menos preditiva pode ocorrer mesmo em leitores altamente proficientes, quando o grau de novidade do texto ou sua complexidade estrutural diminuem sua legibilidade e exigem, para sua compreensão, operações de análise-síntese a nível de unidades menores do que o leitor está acostumado a utilizar. Há momentos em que a vocalização ou a subvocalização se faz necessária.Dissemos anteriormente que, à medida que aumenta o vocabulário visual do aprendiz, este passa de uma leitura analítico-sintética, de natureza fonográfica, para uma leitura de caráter ideográfico. Aparentemente, esse retorno à leitura ideográfica poderia ser encarado como regressão de comportamento. Contudo, ao contrário da criança na fase icônicoideográfica, essa fase posterior mostra que, embora o leitor faça uma leitura ideográfica, esta não é acompanhada de uma concepção ideográfica da escrita. Em outras palavras, ele tem plena consciência de15. Vide maiores detalhes sobre a natureza e tipos de estratégias em Kato (1983 a e 1983 b/1984).16que os estímulos são decomponíveis em unidades lingüísticas menores. Devemos dizer então que a leitura ideográfica da fase posterior à fotográfica é um comportamento de nível lingüístico (do sujeito como usuário da língua) e a capacidade de segmentar o estímulo em unidades constituintes é um comportamento de nível metalingüístico (do sujeito como analista do objeto que ele usa). A regressão parece se dar a nível estritamente da habilidade lingüística e não de capacidade metalingüística.As sobreposições de concepções têm uma evidência na escrita de palavras pouco familiares, em situações de incerteza. Uma criança, ou até um adulto, ao ter que escrever uma palavra totalmente nova, poderá tender a aproximar a escrita da representação fonética, mesmo que tenha já consciência de que nossa escrita não tem essa natureza estrita, e em outras situações consegue escrever respeitando as regularidades contextuais. Em um certo sentido, embora haja aparentemente uma sobreposição de concepções, na verdade o que ocorre é uma regressão ao comportamento da fase fonética.Um fenômeno contrário se observa, entretanto, em outras situações de incerteza. O aprendiz pode generalizar excessivamente sua nova hipótese, produzindo aquilo que chamaríamos tradicionalmente de erros de hipercorreção. Tomemos, por exemplo, o caso de um aprendiz que observa o som [i] de seu dialeto, em situação átona, representado grafemicamente pela letra e. Por extensão, ele poderá escrever *previlégio com e, quando aqui a escrita respeita a correspondência grafema-som. Vejamos como se deu tal extensão. Comparem-se a regra do português (RP) e a regra que o aprendiz aplica (RA).17

Page 13: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

RP: se uma palavra tem um som [i], em posição átona, ele pode ser ortograficamente representado por e.RA: se uma palavra tem um som [i], em posição átona, ele é ortograficamente representado por e.Note-se que RA é muito mais abrangente do que RP, donde podermos dizer que se trata de uma generalização excessiva.Pode-se dizer ainda que RA é uma hipótese do aprendiz a respeito da ortografia de sua língua, que antecede a fase em que ele aprende e usa RP.Seria possível continuar fazendo mais reflexões sobre as pesquisas e especulações da lingüística e da psicolingüística, acerca das concepções e comportamentos de crianças em fase de alfabetização, mas as que foram feitas aqui parecem ser suficientes para voltarmos à questão inicial dos métodos de alfabetização.Enfatizamos, no início deste trabalho, a importância de se compreender as hipóteses sobre aprendizagem subjacentes a esses métodos. Analisemos cada tipo e vejamos o que a ele subjaz:1. O método global puro supõe que a apreensão do estímulo visual se dê de forma ideográfica, sem análise das partes que o compõem.2. O global analítico-silábico supõe que a concepção da criança sobre a palavra escrita é que os estímulos são decomponíveis em unidades menores, silábicas, ou que é possível introduzir a ela tal noção.3. O global-analítico-fonêmico pressupõe ser essa decomposição possível de ser feita a nível fonêmico-grafêmico.4. O silábico-sintético supõe que a criança seja capaz de perceber uma entidade mais abstrata que a palavra, a sílaba, e a partir de sua representação grafêmica chegar a unidades significativas como a palavra e a frase.5. O fônico-sintético supõe que a criança seja capaz de captar unidades sonoras físicas, menores que a sílaba - o fone - para, a partir de sua representação grafêmica, chegar às unidades significativas.É importante lembrar ainda que, ao ler, a criança tem como estímulo palavras e frases significativas, pelo menos no contexto natural de comunicação. Para escrever, porém, ela tem que combinar elementos como a letra ou a sílaba.O global analítico, nesse sentido, simula melhor aquilo que ocorre naturalmente quando a criança se defronta com o universo visual que a cerca. A percepção da criança não parte de segmentos isolados. Ela chega a eles através da discriminação dos traços distintos dos estímulos que ela observa. Assim, ao observar o anúncio da Coca-Cola, ela poderá vir a segmentar a sílaba co, dada a sua dupla ocorrência, e, na comparação do co com o ca, poderá vir a diferenciar o a do o e a isolar o c, e assim por diante.Uma vez percebidas essas unidades, que em si não têm significado, elas poderão ser combinadas para se chegar a entidades significativas. De qualquer forma, para uma alfabetização eficaz, a escola deverá assegurar-se de que a criança esteja em condições de cognitivamente apreender essas unidades.Não pretendo encerrar aqui com soluções, mas apenas expressar minha convicção de que muito do insucesso escolar poderia ser evitado se, em lugar1819

Page 14: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

da obsessão pelo "método", a escola procurasse ser um verdadeiro laboratório de observação do que ocorre no processo da aprendizagem, abordando a criança como um sujeito ativo desse processo. O treinamento do professor não consistiria em meramente lhe suprir conjuntos de técnicas e procedimentos, isto é, verdadeiras "receitas", mas sobretudo em torná-lo consciente da natureza do objeto q'ue vai ensinar e capaz de observar o processo de sua aprendizagem, nele intervindo de maneira a melhor ajudar os seus alunos.20CAPÍTULO 2FATORES FACILITADORES E PRÉ-REQUISITOS

NA AQUISIÇÃO DA LEITURA EM SEGUNDA LÍNGUA'Há uma literatura abundante a respeito do ensino e aprendizagem de leitura em segunda língua, mas são poucos os estudos de casos que podem constituir evidências empíricas para uma ou outra proposta teórica.Nesta comunicação, pretendo relatar minha experiência como sujeito da aprendizagem de leitura em segunda língua, o português, em um contexto de ensino de lingua materna, isto é, a escola brasileira. Após o relato, farei algumas considerações teóri• Trabalho apresentado em sua versão preliminar no I ENPULI, PUCSP, 1983, e em sua forma definitiva na mesa-redonda sobre Alfabetização, Encontro sobre Linguagem e Aprendizagem, UNICAMP, 1983.21

Page 15: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

cas e concluirei com reflexões a nível pedagógico e de política educacional.Nascida no Brasil, de pais japoneses, falei apenas o japonês até os seis anos de idade. Ao ingressar na escola, nessa ocasião, meu domínio do português limitava-se a algumas expressões de polidez (bom dia, desculpe, dá licença, etc.) e de alguns itens nominais do vocabulário (banana, café, cadeira, etc.).A escola que freqüentei iniciava o processo da alfabetização no pré-primário, ao final do qual o aluno ganhava seu primeiro livro de leitura. Não houve para mim, portanto, um período em que pudesse adquirir o português oral, antes de começar a aprender a escrita.Minha iniciação à leitura não começou, porém, na escola. Fui daqueles casos que chamaríamos de auto-alfabetizados, termo que não cabe aqui, pois o que havia aprendido a ler fora o japonês, cuja escrita não é alfabética. Na língua japonesa, o processo da aquisição da escrita leva longos anos, pelo menos até o fim do primeiro grau, pois além de dois silabários o aluno tem que aprender cerca de 1.200 ideogramas. Minha auto-aprendizagem, na verdade, cobriu apenas os dois silabários. A aprendizagem que se seguiu, de cerca de 50 ideogramas, foi através de um estudo dirigido por minha mãe. O processo foi interrompido no ano em que ingressei na escola, mas o que eu conseguia ler de ideogramas me permitia ler com desenvoltura qualquer livro destinado a crianças dos primeiros anos do primário no Japão.Assim, ao ingressar na escola a situação era a seguinte: eu tinha uma leitura proficiente em uma22lingua que não usava o mesmo sistema de escrita do português e não falava a língua em que iria ser alfabetizada.Ao final do pré-primário, a situação era outra: eu era uma proficiente leitora do livro de leitura, que fui a primeira a ganhar, e já era também uma das meninas mais tagarelas da classe. Estava totalmente assimilada.Até há alguns anos, nunca cheguei a refletir muito sobre essa fase da minha vida escolar, atribuindo meu sucesso à garra e ao espírito competitivo, e até a uma inteligência privilegiada.Hoje, estudando meu caso à luz de teorias psicolingüísticas, tenho condições de dar uma explicação mais objetiva, sem contudo desprezar os aspectos emotivo-motivacionais, que certamente tiveram um papel importante.É preciso ressaltar, entretanto, que muito do que eu já sabia ao ingressar na escola pode ser classificado como pré-requisitos para a aquisição da escrita - os quais, portanto, eu partilhava com aqueles colegas que estavam aptos a iniciar o processo.Pensando, pois, primeiramente no caso da criança que adquire a escrita em língua materna, podemos analisar melhor o que eu realmente partilhava e o que era decorrente de minha experiência individual.O primeiro requisito para a alfabetização é que a criança tenha um desempenho oral normal para a sua idade. É o pré-requisito do desempenho lingüístico. Esse pré-requisito básico era justamente aquele a que eu não obedecia.Há, porém, outros tipos de conhecimento e habilidades que a aquisição da leitura pressupõe no alfabetizando, e que eu partilhava com meus colegas.23

Page 16: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

O primeiro tipo é a capacidade da criança de distinguir diferentes sistemas de signos. Assim, a criança que distingue o papel do desenho ou da figura do papel do texto ou das letras atenderia ao pré-requisito da diferenciação de linguagem'.Um segundo tipo de conhecimento, que não é essencialmente diferente do anterior, mas que, por apresentar concepções do que a escrita pode representar, seria a consciência da natureza simbólica da escrita. Uma criança que relaciona, por exemplo, o tamanho da palavra ao tamanho do objeto, estaria ainda na fase da representação icônica2 e não da representação simbólica. A concepção simbólica, por sua vez, pressupõe a arbitrariedade do código escrito, mas parece que desde cedo há certas restrições que a criança já impõe a essa arbitrariedade. Assim, a maioria das crianças só aceita algo como escrita se houver variedade, linearidade e multiplicidade de signos3. Um segmento constituído de apenas um elemento é em geral rejeitado por crianças como exemplo de escrita. É possível, porém, que essas características sejam apenas uma conseqüência da concepção que a criança tem de que a escrita, embora arbitrária com relação ao objeto que representa, é uma representação isomórfica da fala. Ora, se esta é linear, variada em sons e com raras unidades

1. Vide experimentos em Emilia Ferreiro et al. (1979), e E. Gibson eH. Levin (1975).2. Vide evidência disso em Emilia Ferreiro et al. (op. cit) e em Lucia Browne Rego (1982).3. Vide citação do trabalho de Linda Lavine em Charles A. Temple et al. (1982).4. Na verdade, segundo L. S. Vigotsky (1978), essa relação entre fala e escrita é um simbolismo de segunda ordem, uma vez que a fala já é em si simbólica.24de um só elemento sonoro, a escrita deverá ter também essas características.Se a criança concebe a escrita como uma representação da fala e a escrita da língua em questão é alfabética ou silábica, uma das pré-condições para a criança adquirir essa escrita é a capacidade para a análise segmental da fala a nível silábico ou fonológico, isto é, a capacidade para aprender sons como unidades abstratas.Essa associação que a criança faz entre a escrita e a fala parece levar a criança a não distinguir a leitura da fala, em termos de comportamento, pois somente crianças mais maduras identificam a leitura silenciosa como um ato de ler'. Poderíamos dizer que esta é a capacidadepara reconhecera autonomia da escrita.Ao lado da capacidade de discriminar segmentos sonoros da fala, um pré-requisito exigido é a capacidade de discriminação visual, que leva a criança a distinguir não apenas as diferentes letras do sistema ortográfico, mas também a perceber que no interior do texto escrito coexistem sistemas gráficos distintos, como letras, números e sinais de pontuação. Embora a criança não consiga dizer qual a diferença de função desses diferentes sistemas, aquela que está apta para iniciar o processo da alfabetização já tem condições de perceber as diferenças entre esses sistemas6.As duas habilidades discriminatórias, a auditiva e a visual, podem ser consideradas apenas como subtipos da capacidade de categorização primária',5. Vide experimento em Ferreiro et al (op. cit.).6. Vide relatos de experimentos em Charles A. Temple et al.(op. Cit.).7. Vide a explicação desse termo em J. Bruner (1980).25

Page 17: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

isto é, aquela que leva a criança a isolar perceptualmente um objeto ou evento com certas características.Voltando agora à minha experiência, podemos dizer que, embora o requisito mais importante estivesse ausente, eu atendia a todas as outras condições, isto é, sabia diferenciar a função de uma imagem da função de um texto, sabia que a escrita é simbólica e não icônica, que ela representa a fala, podendo ser segmentada, que os segmentos são visualmente discrimináveis através de traços distintivos e que, embora represente a fala, o ato de ler pode ser silencioso.Como todos esses requisitos eram satisfeitos por muitos de meus colegas e eu estava em desvantagem por não atender ao requisito básico do desempenho lingüístico, a questão que se levanta é a seguinte: o que compensou essa desvantagem e por que compensou de forma tão mais vantajosa?Em primeiro lugar, embora muitas das crianças que iniciaram a alfabetização comigo já atendessem ao pré-requisito da discriminação visual, acredito que o treinamento que me proporcionou a aquisição da escrita em japonês tenha desenvolvido em mim essa capacidade a nível bem mais apurado, dada a complexidade da escrita japonesa. Além disso, é possível que, embora fosse capaz de discriminar com rigor o input visual, eu só fizesse, na verdade, uso de certos traços criteriais, apoiando-me já em uma estratégia seletiva, que pressupõe o conhecimento da natureza redundante da ortografia e do sistema lingüístico.A essa capacidade de diferenciar visualmente letras de outros símbolos gráficos, como números e si26nais de pontuação, acrescentava-se ainda a capacidade de traduzir esses sinais para aqueles do sistema ortográfico japonês, cujas funções eu já conhecia.Quanto à consciência de ser a leitura um ato autônomo diferente da fala, a própria natureza da escrita ideográfica japonesa, que obriga uma leitura pelo significado e não pela decodificação sonora 8, pode ter facilitado muito a minha passagem de decodificadora em sons para extraidora de significados sem mediação. O fato ainda de estar adquirindo uma nova língua evidentemente foi um dos motivos que me levaram a não me limitar à decodificação sonora. Se para a criança que já fala a língua a decodificação em sons pode ter sido um jogo inicial interessante, para mim, quase sempre a leitura de uma palavra implicava também a sua aquisição e, portanto, de seu significado, motivo por que a leitura apenas a nível de decodificação fonética não tinha interesse algum. Nesse sentido, a desvantagem de não ter ainda um domínio da língua constituiu uma vantagem na medida em que desenvolveu em mim uma estratégia procedimental mais eficiente para a apreensão do significado. Em lugar deste ser extraído via decodificação sonora, seu acesso fazia-se sem mediação.Outras estratégias procedimentais devem ter sido transferidas da habilidade de ler em outra língua. Assim, em japonês, o meu desempenho já estava longe da etapa de leitura palavra por palavra, de forma que à medida que minha sintaxe do português8. Podemos dizer que leitura sem mediação deixa de ver a escrita como um simbolismo de segunda ordem para considerá-la um simbolismo de primeira ordem: significado - escrita.27

Page 18: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

foi emergindo é possível que eu já procurasse segmentar o input visual em unidades significativas maiores que a palavra. Posso hipotetizar, pois, que a minha aquisição da sintaxe do português, que deve ter-se dado a nível bem mais consciente do que a de meus colegas, permitiu que eu construísse minhas estratégias de parcelamento sintático na leitura muito antes de meus colegas, para quem a sintaxe do português estava muito menos consciente.Quanto ao nível da morfologia, também a experiência com a escrita japonesa deve ter sido útil na construção de minhas estratégias de leitura. A escrita japonesa, que convenciona utilizar ideogramas apenas para radicais, deixando para o silabário "hiragana" a representação dos sufixos, desperta através dessa convenção a consciência do leitor para a natureza desses dois tipos de morfemas, coisa que a escrita romana não deixa transparente. Sabemos que um dos elementos mais previsíveis contextualmente são exatamente os sufixos. Possivelmente minha consciência da existência desse tipo de elemento deve não só ter facilitado sua aquisição, mas também facilitado minha leitura. Se eu sabia que esses elementos eram altamente previsíveis, certamente não lhes dava a mesma atenção que dava a outros segmentos, ou utilizava-os quando necessário para identificar o papel estrutural de algum termo novo.Já a nível textual, a estruturação em parágrafos não constituía mistério para mim. Como a convenção é usada nos dois sistemas, eu provavelmente sabia que um parágrafo novo sinalizava mudança de tópico.Outro tipo de estratégia procedimental que devo ter transferido e usado intensamente é a opera28ção de inferência. Sabemos que poucos de nós, ao encontrarmos um termo desconhecido em um texto, interrompem a leitura para consultar um dicionário. Às vezes nem diminuímos o ritmo de leitura, esperando que o contexto possa esclarecer seu sentido. Em tais ocasiões, esse termo fica visualmente ou auditivamente retido na memória temporária à espera de uma interpretação apropriada, que se dá por inferência. Ora, se meu repertório vocabular em português era limitado, esse tipo de comportamento deveria ter sido utilizado com muito mais freqüência do que se esperaria em um leitor nessa fase, pois os autores cuidam para que o vocabulário seja acessível à criança. Na verdade, o pequeno leitor, nesta fase, tem a expectativa de encontrar palavras de seu repertório e sua leitura é quase uma busca de confirmação dessa expectativa, o que deixa pouco para a criança inferir. A inferência nessa fase reduz-se freqüentemente apenas a adivinhar o resto de uma palavra parcialmente lida, isto é, mais uma operação de reconhecimento do que de construção.A inferência construtiva é aquela que cria significados a partir de pistas contextuais, o que torna o leitor menos dependente da informação linear e mais integrador de informações co-ocorrentes.As operações de inferência não devem ter-se limitado apenas a nível de palavras. Se nesse nível, eu teria essa capacidade integradora de informações co-ocorrentes, possivelmente a falta visual de alguma informação necessária para essa integração deveria fazer-me supri-la mentalmente. A essa altura, minha experiência anterior deve ter-me ensinado que nem toda informação que extraímos do texto29

Page 19: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

está nele visualmente presente'. Ora, essa informação ausente seria aquela que o escritor teria pressuposto como conhecida do pequeno leitor e omitido por constituir uma informação desnecessária. Tais informações pressupostas poderiam apresentar problemas se eu não partilhasse do universo sócio-cultural das crianças para que o texto havia sido escrito. Mas, na verdade, embora não dominasse a língua nesse contexto, eu era um produto desse meio. Assim, partilhava desse conhecimento prévio pressuposto muito mais do que aquilo que os autores de livros japoneses pressupunham de seus leitores. Eu não deveria ter, portanto, nenhuma dificuldade para suprir as lacunas intencionais do autor do meu livro de leitura em português.A utilização razoavelmente consciente dessa estratégia de inferência leva o leitor a prever que poderá fazer inferências mal sucedidas, o que o faz desenvolver paralelamente procedimentos para autocorreção, isto é, uma monitoria de sua compreensão. É possível, pois, imaginar que tal tipo de comportamento, já em nível metaprocedimental, estivesse presente entre minhas estratégias de leitura.Resumindo essa análise, posso hoje entender por que meu desenvolvimento na aquisição da leitura em segunda língua foi tão surpreendente. Na verdade, o meu handicap lingüístico, de um lado, e a minha experiência prévia como leitora, de outro, atuaram em conjunto como fatores facilitadores para9. Frank Smith (1978) postula que o significado extraído de um texto vem apenas em parte do input visual, concepção esta conhecida como topdown. Para uma explicação dos processos top-down e bottom-up veja meuartigo "Processos de decodificação e a integração do velho com o novo", (1983 b).30esse desenvolvimento. Disse alguém que o conhecimento e o inimigo da vaidade. De fato, percebo após essa minha reflexão que nada tenho do que me envaidecer e que, no frigir dos ovos, fui, na verdade, uma privilegiada.Este estudo de caso parece corroborar as teses recentes sobre leitura em língua estrangeira de que a língua oral não é um pré-requisito para a aprendizagem da leitura em segunda língua e que, se o aluno já é um leitor proficiente em sua língua, as estratégias procedimentais que nela utiliza podem compensar, com vantagem, o déficit no domínio lingüístico.Quanto à educação da criança em comunidades etnicamente minoritárias, não me parece que um programa bilíngüe simultâneo seja a solução. Podemos pensar em duas alternativas: a primeira, que seria o modelo que vivi, isto é, uma educação na língua materna antes da idade escolar, e a segunda, que colocaria a criança por mais tempo na pré-escola, período em que ela adquiriria a segunda língua por imersão, após o qual ela seria alfabetizada, em igualdade de condições com outras crianças. Na verdade, esta última solução seria também aquela para crianças cujo dialeto não é o privilegiado pela escola. Seria enfim função da pré-escola preparar crianças tanto de minorias étnicas como de minorias dialetais para a tarefa da alfabetização.31CAPÍTULO 3RECONHECIMENTO INSTANTÂNEO E PROCESSAMENTO EM LEITURA'As pesquisas em leitura, principalmente na área da psicologia' e da psicolingüística2, são unânimes em afirmar que, na leitura proficiente, as palavras são lidas não letra por letra ou sílaba por sílaba, mas como um todo não analisado, isto é, por reconhecimento instantâneo e não por processamento analítico-sintético.Para Smith (1978), o reconhecimento de palavras se dá como o reconhecimento de outro objeto

Page 20: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

O primeiro esboço deste trabalho foi apresentado numa mesaredonda sobre leitura no XXII Seminário do GEL em 1980, em Araraquara. A versão definitiva foi discutida no I Grupo de Leitura, PUCSP, 1982.1. Cf. Gibson e Levin (1975).2. Cf. Goodman (1970) e Smith (1971, 1973 e 1978).33

Page 21: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

qualquer (carro, árvore, criança) e, da mesma forma que identificamos um objeto através de sua configuração geral, podemos reconhecer uma palavra através do todo (seu contorno, extensão, etc.) sem uma análise de suas partes. Da mesma forma, porém, que podemos identificar uma árvore enxergando apenas uma parte de sua copa, a palavra pode ser reconhecida ou adivinhada sem que enxerguemos a sua totalidade. A leitura de uma palavra por um leitor competente é feita, pois, de maneira ideográfica.Esta forma de leitura pode estender-se também a segmentos maiores que a palavra, segmentos esses que designamos por "blocos" (chunks). Através de uma análise de hipóteses sobre os processos envolvidos na leitura de palavras e blocos, procuraremos, neste trabalho, emitir algumas reflexões sobre o papel da memória nesses processos.É fato reconhecido na literatura que, quanto mais eficiente um leitor, maior seu vocabulário visual [cerca de 50.000, segundo Smith (1978:69)1 e que o processo de análise e síntese da palavra em unidades menores será usado apenas para itens estranhos a esse universo. Smith acredita ainda que raramente o leitor competente chega a analisar tais palavras, pois o contexto normalmente dá pistas suficientes para seu entendimento.Para um leitor iniciante, porém, cujo vocabulário visual ainda é muito limitado - mesmo para aqueles alfabetizados pelo método global -, o processo de leitura envolve muito pouco reconhecimento visual instantâneo, consistindo a leitura, mais freqüentemente, em operações de análise e síntese, sendo a apreensão do significado mediada quase sempre pela decodificação em palavras auditivamente familiares.34As operações de análise e síntese, depois de certo tempo, podem basear-se em segmentos maiores que a letra: sílabas, morfemas e, acredito, também em partes maiores da palavra que não constituem unidades lingüísticas, mas que têm uma incidência muito grande na língua, como é o caso de segmentos como -ola que aparece em palavras como bola, mola, cebola, etc. Trata-se, pois, de uma operação de decomposição e composição, que envolve também um reconhecimento visual instantâneo, porém parcial, da palavra.Consideremos primeiramente a leitura de palavras isoladas, embora saibamos que normalmente as palavras vêm contextualizadas.Uma palavra pode ser reconhecida instantaneamente por um leitor em virtude de fazer parte de seu léxico visual. Nenhuma análise é necessária, sendo a apreensão feita através do seu contorno (o comprimento, por exemplo) e de algumas letras que atuam como pistas'. O conhecimento de restrições fonotático/ortográficas leva-nos a dispensar a identificação de outras letras. Essas restrições têm a ver com as possíveis combinações de letras/ sons em cada língua e as posições possíveis para cada letra ou grupo de letras.Uma palavra como um todo pode não pertencer ao léxico visual do leitor, mas após uma primeira decomposição suas partes podem ser imediata3. Gibson e Levin (1975) relatam que muitos experimentos atestam ser o início e o fim de palavras especialmente salientes, sendo aquele mais do que este. Erros de escrita complementam e reforçam essa hipótese, pois a maior parte deles ocorre em posição medial. Eu acrescentaria que, à exceção da vogal tônica, as consoantes são mais salientes do que as vogais, não apenas do ponto de vista gráfico, mas do ponto de vista informacional.35

Page 22: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

mente reconhecidas, seja por pertencerem a unidades que compõem o seu léxico visual ou por constituírem partes recorrentes em itens desse universo. É o que pode ocorrer, por exemplo, com palavras derivadas, das quais a base e o afixo podem fazer parte desse léxico familiar.Se a palavra for apenas parcialmente reconhecida, a leitura da parte estranha exigirá decomposições sucessivas até a identificação formal total da palavra. O conhecimento prévio do leitor quanto às restrições fonotático/ortográficas e seu vocabulário auditivo podem atuar para minimizar esse trabalho de análise e síntese.No caso de palavras totalmente desconhecidas, mesmo do ponto de vista auditivo, apenas o uso do conhecimento de regras fonotático/ortográficas explica a facilidade com que um leitor proficiente consegue lê-las.Como se pode perceber pelo que foi dito acima, a leitura de uma palavra não pressupõe necessariamente sua compreensão, pois nos dois últimos casos descritos não há possibilidade de correlacionamento de palavra visual com seu significado.Podemos supor, seguindo a tese de Miller (1978), que os itens registrados no léxico, no caso o léxico visual e não o auditivo, teriam sua interpretação semântica acoplada à sua representação formal de modo que, no caso do reconhecimento instantâneo, a interpretação também independeria de uma análise semântica. Assim, para palavras derivadas ou compostas já registradas no léxico mental, o reconhecimento seria acompanhado de uma interpretação instantânea. Ao contrário, para palavras novas cujas partes são conhecidas, o processo de análise/36síntese ocorreria igualmente a nível de reconhecimento formal e de interpretação.Consideremos agora a leitura de palavras contextualizadas. Além da redundância interna da palavra (restrições fonéticas e ortográficas), teríamos a atuação de regras sintáticas, pressuposições semânticas, restrições colocacionais e estilísticas, imposições pragmáticas e inferências.Tanto no caso da palavra isolada como no caso da contextualizada, a leitura tem muitas vezes a característica de uma antecipação seguida de confirmação, uma vez que o conhecimento prévio das restrições acima mencionadas leva-nos a reduzir o conjunto de itens possíveis de ocorrer em determinado contexto, sendo a percepção propriamente dita condicionada e governada por essas restrições. Se o leitor faz uso desse conhecimento, mas não utiliza, ou utiliza insuficientemente, as pistas confirmadoras de suas antecipações, ou predições, poderão ocorrer no texto lido omissões, substituições e até acréscimos. Tal fenômeno, observado por Goodman (1969), fez com que esse autor considerasse o ato de ler como um "jogo psicolingüístico de adivinhação".Para dar uma visão mais concreta do processo hipotetizado, imaginemos uma criança recém-alfabetizada lendo o seguinte texto:Meu pai é um músico nato. Ele toca bem piano, violão e viola.O vocabulário visual dessa criança poderá incluir itens funcionais como meu, é, um, ele e bem e itens lexicais como pai e toca.Indicando com grifo o modo da criança escandir o texto na leitura, podemos supor que ela lerá da seguinte forma:37

Page 23: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Meu pai é um mu-si-co músico na nato. Ele toca pi piano, vi-o violão e vi-ola.A segmentação e a repetição mostram o processo de análise e síntese (mu-si-co músico). A segmentação parcial seguida da leitura da palavra como um todo (na nato, pi piano) pode indicar dois processos: a) no caso de nato e viola, como podemos supor que as palavras não são do conhecimento da criança, a única explicação para a leitura da palavra como um todo, sem passar pela decomposição total em sílabas," seria o reconhecimento instantâneo de -ato para nato, e de -ola para viola, segmentos esses já familiares à criança em contextos como rato, gato e pato de um lado e bola, cola e cebola de outro; b) já no caso de piano e violão, seriam restrições sintáticas e semânticas de tocar que determinariam a leitura do final das palavras. As sílabas iniciais apenas atuariam como pistas confirmadoras das previsões do pequeno leitor.Suponhamos agora que, na última frase, em lugar da ordem violão e viola tivéssemos o contrário: viola e violão. Haveria uma boa possibilidade de a criança ler violão em lugar de viola, visto que esta última palavra é de menor freqüência e provavelmente não pertence ainda ao repertório da criança. Ocorreria então uma substituição, que viria a ser revista no momento em que a criança se deparasse com outra palavra igual. A substituição aí envolveria um processo de inferência' em que o verbo tocar e as iniciais vi-o atuariam como premissas.4. Acredito que, na decomposição, embora teoricamente o leitor possa chegar até a letra, a silaba, por ser uma unidade pronunciável, teria uma utilização psicologicamente mais viável.5. Cf. Smith e Havilland (1972), apud Gibson (1975:209).38Podemos dizer que houve aí uma dependência excessiva das pistas contextuais, sem uma averiguação prudente de outras pistas gráficas do estímulo. Kolers6 (1975) atribui muitas das dificuldades de leitura ao uso excessivo de adivinhações, estratégia própria do processamento top-down (da macro para a microestrutura). Se o uso adequado desse tipo de processamento leva à fluência na leitura, um processamento complementar, o bottom-up (da micro para a macroestrutura), é indispensável para a acuidade na leitura.Resumindo, podemos dizer que a velocidade e a precisão com que uma palavra é percebida, ou lida, depende: a) de a palavra estar registrada no léxico visual pela freqüência com que o leitor já foi exposto a ela e por ter a ela acoplado o seu sentido; b) do conhecimento de regras e imposições fonotático-ortográficas, sintáticas, semântico-pragmáticas, colocacionais e estilísticas a que a palavra está sujeita e do uso adequado e suficiente dessas restrições para predizer e confirmar sua forma e conteúdo e c) da capacidade de raciocínio inferencial do leitor, que lhe permite também antecipar itens ainda não vistos.Passemos agora à reflexão para a leitura de blocos.Embora a palavra seja, para Vigotsky (1962)', o microcosmo do estado de consciência (consciousness) humana, experimentos mostram que a leitura proficiente não se processa palavra por palavra, mas por blocos, que constituem unidades de informação,6. Apud Adams (1980:17). 7. Apud Gibson (1975:189).39

Page 24: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

podendo um vocábulo, às vezes, constituir sozinho tal tipo de unidade.A capacidade de reconhecimento instantâneo de palavras não explica pois a leitura fluente com compreensão.Poder-se-ia perguntar se a leitura e compreensão de segmentos maiores que a palavra envolvem sempre um processamento na base de análise e síntese com um bom componente de adivinhação e inferência. Parece ser essa a posição corrente entre cognitivistas como Goodman (1970) e Smith (1971, 1973 e 1978).Apresentaremos a seguir um modelo não totalmente diferente, mas que considera esse tipo de leitura como apenas um dos processos possíveis. Proporemos que a leitura eficiente é produto de três processos distintos.Num primeiro processo, cada bloco seria analisado em categorias correspondentes a palavras através do nosso conhecimento de regras léxico-sintáticas, atuando estas como unidades mínimas. Os seus sentidos seriam sintetizados para a obtenção do significado do bloco. Haveria nesse processo um papel ativo de memória temporária (superficial ou a curto prazo). Muitas vezes a interpretação poderia, nesse processo, derivar não da palavra realmente vista, mas hipotetizada no contexto, resultando daí uma interpretação inferida através do conhecimento de regras colocacionais e das pressuposições semânticas e pragmáticas. Em geral, uma palavra desconhecida é interpretada segundo esse processo.O segundo processo seria o entendimento por respostas instantâneas do bloco (retrieval) por poder ele ser extraído, da mesma forma que as palavras40visualmente conhecidas, não de um léxico mental, mas, no caso, de um glossário mental.sses dois processos constituem um modelo que é uma extensão do modelo de léxico mental de Miller (1978), o qual o propõe apenas para palavras, mas não para sintagmas ou sentenças. Segundo seu modelo, as palavras derivadas já adquiridas constam do léxico e não são geradas por regras lexicais e nem necessitam de regras composicionais semânticas para sua interpretação. Tais regras só operam quando o falante encontra palavras desconhecidas ou cria novas palavras. Assim, uma pessoa pode ter incorporado ao seu léxico a palavra derivada pensamento, mas não lacunamento, que deveria ser criada através de regras lexicais (ou morfológicas) ou interpretada através de regras composicionais.Da mesma forma podemos ter incorporado ao nosso glossário o sintagma máquina de escrever como um composto que não exige ser computado em suas partes cada vez que é usado ou compreendido, ao passo que a expressão máquina de falar quereria análise e síntese para sua interpretação. Tanto lacunamento como máquina de falar poderiam vir a ser incorporadas ao léxico e glossário mental respectivamente se aparecessem consistentemente o número de vezes necessário para se convencionalizarem.O tipo de leitura que não envolve análise e síntese deve necessariamente ocorrer com lexias e idiomatismos, que são por natureza inanalisáveis, mas acredito que esse processo estende-se a conceitos complexos altamente convencionalizados dentro de uma área. Tais expressões podem, da mesma forma que os termos especializados, figurar no glossário visual do leitor, o qual possibilitaria o reconhe41

Page 25: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

cimento instantâneo, tanto de sua forma como de seu conteúdo.Tomemos para ilustrar o seguinte texto:No final de 1980, quando a mudança da política econômica levou os economistas de oposição e os empresários a alertar contra uma recessão econômica, os ministros econômicos garantiram que tal não aconteceria, nem era o objetivo. Mas ao mesmo tempo continuaram a praticar uma política monetária deliberadamente recessionista. Quando a recessão se tornou definida (mas não evidente), a partir de abril, os ministros continuaram a negá-la. Quando, por volta de agosto, a recessão tornou-se absolutamente evidente, com a produção industrial despencando, os índices de desemprego alcançando taxas socialmente dramáticas, as vendas varejistas caindo sistematicamente... (extraído de "Mentiras, medos e milagres em 1981", de Luiz Carlos Bresser Pereira, Folha da Manhã, 12/O1/82, p. 2).Temos no texto acima as lexias no final de, ao mesmo tempo, a partir de e por volta de que deverão fazer parte do glossário mental de qualquer falante. As outras expressões grifadas, que pertencem à área da economia, devem ter uma leitura instantânea para leitores que acompanham notícias econômicas em jornais. Tanto essas expressões como as lexias não exigiriam trabalho algum da memória temporária, havendo nesses casos apenas uma operação de confronto com o léxico e o glossário da memória permanente do leitor.Herfert S. Simon (1974), ao tentar definir a extensão permissível de um bloco, separa as seqüências de mais de uma palavra em dois tipos: as que fazem sentido e as que não fazem sentido. Dentre as primeiras, que chama de "familiares", inclui expressões que, segundo nossa proposta, deveriam42constar do glossário mental e que, portanto, não deveriam exigir trabalho da memória temporária para sua produção ou processamento.As seqüências (por exemplo: criminal lawyer, differential calculus, In the beginning was the word, All's fair in love and war) são justamente as formas que Fillmore8 chamaria de formulaic e que Bolinger (1976) propõe não serem geráveis por regras de estrutura frasal e nem interpretáveis por regras projetivas semânticas, constituindo blocos monolíticos normalmente não analisados, constando pois, nessa forma, da memória permanente.Simon não tece considerações sobre sintagmas que requerem análise e síntese para sua interpretação e que exigem, nesse processo, um trabalho intenso da memória temporária.Ao contrário, porém, dos blocos já registrados no glossário mental, esses sintagmas não passam da memória temporária para a permanente, nela permanecendo o tempo suficiente para serem integrados às unidades maiores a que pertencem.Assim, no texto de Pereira lido acima, sintagmas como economistas de oposição, deliberadamente recessionistas, taxas socialmente dramáticas, etc. requerem um processamento analítico-sintético, o que já exige um trabalho da memória superficial, além de seu conteúdo semântico (e talvez até sua forma) dever ser aí retido para poder ser integrado ao conteúdo dos sintagmas subseqüentes.Quanto às seqüências sem sentido de palavras, a leitura só pode ser feita item por item, não haven8. Notas do curso "Formulaic Speech", LSA Institute, University of Hawaii, 1977.43

Page 26: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

do possibilidade de integração do sentido através da memória temporária, a qual pode atuar apenas para a retenção das formas.Podemos, pois, considerar três tipos de seqüências de palavras:a) seqüência desordenada, sem sentido, lida palavra por palavra (não constituindo blocos);b) seqüência ordenada de palavras, cujo sentido se obtém por uma operação de análise-síntese, que exige o trabalho da memória temporária;c) seqüência de palavras ordenadas altamente familiar e convencionalizada, que não implica processamento analítico-sintético, exigindo apenas o confronto do input com o sentido global registrado na memória permanente.Consideraremos agora a leitura de um sintagma que recorre em um texto como tópico ou subtópico. O reconhecimento desses sintagmas constituirá o nosso terceiro processo. Leia-se o texto seguinte:Deixamos um carro vermelho e um caminhão de mudanças para trás.Na primeira bifurcação, por causa de nossa indecisão, o caminhão de mudanças emparelhou-se conosco e o carro vermelho nos ultrapassou. Reparamos que os motoristas dos dois veículos nos reconheceram. O do caminhão de mudanças até acenou para nós. O do carro vermelho apenas sorriu.Não podemos dizer que o sintagma carro vermelho faça parte da memória permanente, embora seja possível aceitar caminhão de mudanças como44um item constante do glossário mental, por constituir um possível item lexical. Podemos dizer, contudo, que o reconhecimento de carro vermelho na segunda e na terceira ocorrências seria instantâneo, tendo havido já um processamento analítico-sintético na primeira ocorrência.Como o sintagma em questão recorre além da fronteira da sentença (período), seu reconhecimento dificilmente poderia ser atribuído à retenção na memória temporária.Usarei aqui a noção de "estado de consciência" (consciousness) de Chafe (1974) e direi que o reconhecimento instantâneo pode se dar se tal sintagma e seu conteúdo do semântico estiverem presentes no estado de consciência do leitor.A noção de estado de consciência vincula-se à de "informação velha", numa teoria funcionalista da linguagem. Para Chafe, o sentido de "velho", contudo, é vago, pois podemos ter um referente conhecido do escritor e do leitor (ou do falante e do ouvinte), mas que não constitua informação velha no texto. Tal informação conhecida pode estar na memoria permanente (profunda) do escritor e do leitor, mas não estar presente na memória superficial ou mesmo "rasa". A informação que está no "estado de consciência" é denominada por Chafe de CONCEPT, embora ele admita que muitas vezes ela é veiculada pelas próprias palavras da estrutura superficial.Assim sendo, o reconhecimento instantâneo dos sintagmas recorrentes no texto dar-se-á ou porque o leitor encontra novamente um bloco anteriormente lido e interpretado ou porque o conteúdo semântico (o CONCEPT) da expressão encontra-se no seu es45

Page 27: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

tado de consciência e qualquer termo que possa veiculá-lo (termos anafóricos: pronomes, sinônimos, superônimos, descrições definidas, etc.) será formalmente identificado com rapidez.Podemos concluir então que, ao lado da memória temporária (curto prazo) e da memória permanente (longo prazo), teremos uma memória rasa (médio prazo), que daria conta do fenômeno de reconhecimento de algo já introduzido no texto e que mantém dentro dele o status de informação velha.Uma diferença que podemos supor existir entre blocos que constituem expressões de um glossário mental e sintagmas reconhecíveis em virtude da memória a médio prazo seria o caráter genérico ou episódico, particular da expressão. Da mesma forma que o que está dicionarizado é a palavra designadora de um conceito genérico e nunca um termo de referência dêitica, as expressões mais complexas que tenham apenas essa função não poderiam nunca constar do glossário permanente. Assim, embora sintagmas como o ensino superior, o homem que bebe possam figurar no glossário mental, sintagmas como esta comissão ou o homem que encontrei, pela referência dêitica que contêm, não poderiam dele constar, devendo ser identificados através do armazém da memória a médio prazo, ou ser processados por análise e síntese.Quando se trata, porém, de um texto cujo tópico ou subtópico é um conceito genérico e ele é reiterado no texto ainda com o sentido genérico através de um sintagma convencional, glossarizado, as ocorrências desse sintagma podem ser reconhecidas no confronto apenas com a forma, já que o CONCEPTestará no estado de consciência do leitor. Leia-se, por exemplo, o seguinte texto:46No texto acima, conjunto vazio, que é um sintagma pertencente ao glossário de qualquer pessoa familiarizada com conceitos de matemática moderna, aparece também como o tópico do texto recorrendo várias vezes. A ocorrência 1 seria reconhecida (forma e conteúdo) por estímulo resposta; a ocorrência 2 (forma) seria confrontada com o CONCEPT e identificada. A ocorrência 3, por ter status de informação nova, seria novamente reconhecida em sua forma e conteúdo por resposta imediata; a ocorrência 4, com status anafórico, sofreria apenas identificação formal.Concluindo, poderíamos dizer que a leitura de palavras e blocos pode se dar de três maneiras:a) através da resposta instantânea diante do estímulo devido à existência do item no acervo de palavras e blocos do armazém da memória permanente, em sua forma e conteúdo;b) através da resposta instantânea ao estímulo devido à existência desse item no estado de consciência, ou memória a médio prazo, do leitor, em sua forma e/ou conteúdo;c) através da análise e síntese dos componentes do bloco, reconhecidos por um dos três processos aqui hipotetizados.Unicidade do conjunto vazio: demonstrar que o conjunto vazio é único,1a demonstração,: se o não fosse único, então, haveria um conjunto vazio, tal que o = A, e por conseguinte A conteria ao menos um elemento não pertencente a o ... Mas isto é impossível, porque A não possui elementos. Logo A = o, e o conjunto vazio, é único. 22 demonstração: 1(extraído de Teoria Elementar dos Conjuntos, de Edgar Alencar Filho, Livraria Nobel S/A).47CAPÍTULO 4PROCESSOS DE DECODIFICAÇÃO: A INTEGRAÇÃO

Page 28: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

DO VELHO COM O NOVO EM LEITURA*Meu propósito, neste trabalho, é examinar os processos de decodificação propostos pelos teóricos das áreas de ciência da cognição' e da inteligência artificial' e o papel desses processos na integração da informação nova ao conhecimento prévio do leitor e à informação já dada no texto.Trabalho apresentado no I Congresso de Relê, PUCSP, agosto de1982.1. São lingüistas, psicolingüistas, psicólogos e teóricos na área da computação trabalhando com modelos de compreensão, produção e memória tais como Fillmore (1981), Rumelhart (1980), Bobrow e Collins (eds.) (1975).2. São lingüistas, psicolingüistas e teóricos da área de computação trabalhando com modelos de parceladores (parsers). Vide, por exemplo, Wanner e Maratsos (1978) e, mais recentemente, Marcus (1980)49

Page 29: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Os estudiosos dessas áreas referem-se a dois tipos básicos de processamento de informação: o que chamam de top-down (literalmente = descendentes) e o que chamam de bottom-up (literalmente = ascendente).O processamento descendente (top-down) é uma abordagem não-linear, que faz uso intensivo e dedutivo de informações não-visuais e cuja direção é da macro para a microestrutura e da função para a forma.O processamento ascendente (bottom-up) faz uso linear e indutivo das informações visuais, lingüísticas, e sua abordagem é composicional, isto é, constrói o significado através da análise e síntese do significado,das partes. A lingüística estruturalista tem privilegiado esse segundo tipo, fato que se justifica pela sua própria história, na qual se partiu das unidades menores para as maiores.A psicologia cognitivista, por outro lado, tem enfatizado a abordagem descendente, em seus modelos de aprendizagem'.Na área específica da leitura, há teóricos que esposam modelos essencialmente descendentes como Smith (1978) e Goodman (1967); outros são advogados da abordagem ascendente: Gough (1972) e Kolers (1975).Esses dois tipos de processamento podem servir de base para descrever tipos de leitores. Teríamos o tipo que privilegia o processamento descendente, utilizando muito pouco o ascendente. É o leitor que apreende facilmente as idéias gerais e principais do texto, é fluente e veloz, mas por outro lado faz excessos de adivinhações, sem procurar confirmá-las3. Vide, por exemplo, Ausubel et al. (1968).50com os dados do texto, através de uma leitura ascendente. É, portanto, o tipo de leitor que faz mais uso de seu conhecimento prévio do que da informação efetivamente dada pelo texto.O segundo tipo de leitor é aquele que se utiliza basicamente do processo ascendente, que constrói o significado com base nos dados do texto, fazendo pouca leitura nas entrelinhas', que aprende detalhes detectando até erros de ortografia, mas que, ao contrário do primeiro tipo, não tira conclusões apressadas. É, porém, vagaroso e pouco fluente e tem dificuldade de sintetizar as idéias do texto por não saber distinguir o que é mais importante do que é meramente ilustrativo ou redundante. O terceiro tipo de leitor, o leitor maduro, é aquele que usa, de forma adequada e no momento apropriado, os dois processos complementarmente. É o leitor para quem a escolha desses processos é já uma estratégia metacognitiva, isto é, é o leitor que tem um controle consciente e ativo de seu comportamentos.Uma vez que é mais fácil imaginar como se dá o processamento ascendente, já que ele se apóia basicamente na informação visual, vejamos como se dá o processamento descendente. Se a informação vem apenas parcialmente do input visual, de onde viria o resto da informação? Falamos em conhecimento prévio, mas não pensamos em como esse conhecimento atua ou como ele está organizado.No processamento descendente, o estímulo visual apenas acionaria o que Rumelhart e outros cha

4. Consulte-se Scott (1983) para um tratamento detalhado desse tipo de leitura.5. Consultem-se Brown (1980) e Kato (1984) para um tratamento mais detalhado sobre estratégias metacognitivas em leitura.51

Page 30: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

mam de Esquemas. Estes são pacotes de conhecimentos estruturados, acompanhados de instruções para seu uso. Tais esquemas ligam-se a subesquemas e a outros esquemas formando uma rede de interrelações que podem ser sucessivamente ativadas. Cada esquema ou subesquema representa objetos ou eventos em sua forma normal, canônica, de tal forma que quaisquer objetos ou eventos, ou até mesmo raciocínios, podem ser reconhecidos ou compreendidos em sua variação, a partir de seu protótipo. Nesse sentido, os esquemas assemelham-se a teorias por serem capazes de predizer situações novas não experienciadas pelo compreendedor, da mesma forma que um falante ideal é capaz de entender e produzir frases nunca antes ouvidas ou produzidas.Fazendo uma analogia com modelos estritamente lingüísticos e psicolingüísticos, podemos dizer que o pacote de conhecimento está para a gramática da competência assim como as instruções para seu uso estão para as estratégias psicolingüísticas que determinam a compreensão e a produção de sentenças. Poder-se-ia supor ainda que tanto a gramática como as estratégias psicolingüísticas sejam um tipo especial desses esquemas.Os esquemas estariam armazenados em nossa memória de longo-termo, tendo a possibilidade de automodificar-se à medida que aumenta ou se altera o nosso conhecimento do mundo.O acionamento de um esquema pode levar ao acionamento sucessivo de seus subesquemas ou de esquemas que lhe são superordenados, fazendo o leitor predizer muito do que o texto vai dizer ou adivinhar aquilo que não está explícito.O processamento descendente (top-down) pode ocorrer em vários níveis. No nível da palavra, o52leitor usa apenas algumas pistas (letra inicial, contorno - extensão da palavra, fim da palavra) como input visual e utiliza o seu léxico mental e as regras fonotáticas e de composição grafêmica bem como as regras de formação de palavras como input não visual.Assim, ao lermos a palavra plantar ao lado de cisalhamento é possível fazermos para a primeira uma leitura descendente (um reconhecimento instantâneo) utilizando apenas as pistas apontadas e nosso conhecimento prévio, ao passo que a leitura de cisalhamento é essencialmente ascendente, isto é, letra por letra ou sílaba por sílaba, com exceção de -mento, que lemos globalmente, sem necessidade de análise-síntese. A possibilidade de leitura descendente está pois diretamente ligada à familiaridade, isto é, à presença ou não da palavra em nosso léxico mental.No nível do sintagma, a segmentação descendente (top-down) obedece basicamente a critérios semânticos vinculados a esquemas. Assim, um sintagma do tipoBolsa de mulher de crocodiloseria segmentado conforme (a), em uma abordagem descendente (top-down), e conforme (a) ou (b), em uma abordagem ascendente (bottom-up):(a) bolsa de mulher/de crocodilo (b) bolsa/de mulher de crocodiloIsto porque a segmentação (a) codifica uma situação mais plausível remetendo a um esquema para a maioria dos leitores, enquanto a segmentação (b) pressupõe um processamento linear ascendente, que trabalha mais com a contigüidade do que com a plausibilidade.6. Vide Kato (1981).53

Page 31: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

O processamento descendente, a nível textual, utiliza esquemas acionados por palavras ou expressões temáticas e também esquemas que codificam estruturas retóricas. Leia-se, por exemplo, o texto seguinte:

O dia do casamento da filha do prefeito amanheceu lindo. A igreja foi toda engalanada de cravos e rosas. O noivo chegou meiahora antes da cerimônia e já encontrou a igreja cheia de convidados. Os padrinhos e as damas de honra tambémestavam lá. As damas de honra vestiam túnicas de cetim cor-de-rosa.A noiva chegou finalmente, com 20 minutos de atraso. Estava vestida de preto e na mão carregava uma cruz.

No texto acima, a palavra casamento constitui a palavra temática, fazendo acionar o esquema relativo ao evento "casamento". Todas as frases do texto são mais ou menos previsíveis, exceto a última. Isto porque têm a elas subjacentes subesquemas de "casamento". Quanto à última frase, para quem tem um esquema para esse tipo de estrutura retórica, o inesperado é o que vai de encontro à sua predição ou expectativa. Para o leitor que não possui esse tipo de esquema retórico, a leitura pode passar a ser ascendente, desacelerando-se o ritmo da leitura. Convém salientar que a compreensão do inesperado, do novo, nem sempre se dá pela ligação direta com os esquemas arquivados em nossa memória de longo-termo. No exemplo acima, por exemplo, o esquema acionado funciona para se reconhecer instantaneamente os eventos que dele decorrem, pois estes sãopreditos pelos subesquemas desencadeados. Porém, os esquemas como tal são constituídos de variáveis e não de constantes, como são os eventos descritos no texto. Assim, o que sabemos através de esquemas tem caráter genérico enquanto o texto nos dá o que Fillmore (1981) chama de envisionement, a que me referirei como representação mental consciente. A diferença entre essa representação mental criada durante a leitura do texto e o esquema e que aquela é uma instanciação deste. O armazenamento da representação mental dar-se-ia em uma memória mais rasa do que a de longo-termo, embora eu a acredite mais profunda do que a de curto-termo, pois esta se define em termos de número de unidades, enquanto a retenção dos episódios de uma estória ou dos argumentos que levam a uma conclusão parece ter um caráter mais qualitativo do que quantitativo7. Chafe (1974) chamou essa memória rasa de "estado de consciência" e eu, em um trabalho anterior (Kato, 1981), chamei-a de memória a médio prazo.A medida que os esquemas são acionados e as variáveis são preenchidas, constituindo-se em representação mental consciente, as informações passam a ser dadas (velhas), e, estando no nível consciente, possibilitam sua integração com novas informações que se obtêm no texto. É por isso que termos ana7. Miller [ aptd Simon (1974)] propôs o número mágico 7 (+ ou - 1), isto é, de 6 a 8 itens, como o limite quantitativo para a retenção na memória temporária, ou seja de curto-termo. Cada item, porém, pode se constituir de mais de uma unidade se o conjunto tiver um significado estruturado. Assim, podemos reter o número 2854756, com sete unidades, ou a sequência 285-47-56-39-456-8-260, também com 7 unidades. No caso em questão, não me parece que a dificuldade ou facilidade possa ser atribuída à quantidade, mas sim à relevância ou coerência.5455

Page 32: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

fóricos possibilitam uma computação mais rápida do que termos que constituem informação nova no texto, pois estes exigem o acionamento de outros esquemas ainda não utilizados (embora arquivados em nossa memória), ou a construção de novos esquemas.A interpretação de termos anafóricos em um texto merece aqui algumas considerações. Ao começarmos a ler um texto, esperamos que um tema ou subtema se mantenha por algum tempo. Isto porque procuramos com as frases do texto construir, não pequenas representações mentais, mas uma representação ampla que contenha todas as informações apreendidas. Para isso, a fim de não congestionar o cenário da representação mental, o leitor interpreta muitos termos como tendo um possível antecedente no texto, isto é, como sendo co-referenciais a algum termo que já apareceu. A essa tentativa do leitor de diminuir participantes, ações e eventos em sua representação mental Fillmore e Kay chamam "princípio da parcimônia". Veja, por exemplo, o texto seguinte:Maria casou-se quase criança. Os pais da moça estão inconsoláveis.O termo moça no texto poderia ser interpretado como não co-referencial a Maria, uma vez que esta é referida como quase criança. No entanto o leitor procura um antecedente para o termo e o encontra em Maria, pois isso lhe possibilita eliminar um personagem em sua representação mental8. A procura do an

8. Embora eu tenha atribuído essa busca de antecedente ao princípio da parcimônia, de Fillmore e Kay, poderíamos atribuí-Ia à máxima do antecedente de Clark e Havilland, que será apresentada mais adiante.tecedente não obedece apenas ao princípio da parcimônia. Ela é também determinada pela presença do artigo definido, pois, se ao invés de definido o artigo fosse indefinido, a procura não teria sentido.A procura do antecedente não será bem-sucedida se o leitor se fiar apenas nas informações explícitas do texto e não usar sua capacidade inferencial. Assim, no exemplo seguinte, o antecedente de elas2 não será identificado se o leitor usar apenas as pistas formais do texto.

Maria levou suas sobrinhas ao Shopping Center, onde comprou uma camisa para cada uma. Elas, lhe agradecem por elas29.

Note-se que o pronome elas, pode ser identificado por ter um antecedente feminino plural em sobrinhas. O pronome elas2, por outro lado, não tem nenhum antecedente feminino plural. Para saber qual o antecedente, o leitor terá que inferir que, se Maria comprou uma camiseta para cada uma das sobrinhas, então ela comprou duas camisetas. O antecedente de elas2 para o leitor que faz esse raciocínio não está no texto, mas em sua representação mental, após o raciocínio.Analisemos agora um caso diferente de interpretação anafórica. Vejamos principalmente a frase (a) sem contexto e depois contextualizada em (b):

(a) João estava com Pedro quando ele foi preso.(b) Toda vez que João vai ao supermercado ele rouba algo.9. Exemplo e explicação extraídos de Webber (1980). Tradução da autora.5657

Page 33: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Hoje, ele está na cadeia e é bem feito para ele. João estava com Pedro quando ele foi preso"'.

Em (a) o pronome ele pode ser interpretado anaforicamente em relação a João ou a Pedro. No exemplo com contexto, ele é interpretado como sendo João. Ora, em nossa representação mental desse texto, temos fatos que são instanciações de partes do esquema geral "roubo":x roubar y -f x ser preso por w --> x permanecer na cadeia x ser ladrão w ser políciaLogo, ao ouvirmos ou lermos que João está na cadeia, já sabemos através do nosso conhecimento prévio que João foi preso. Portanto, ao ouvir ou ler a última frase, a oração adverbial já constitui informação velha e o antecedente do pronome ele independente da presença de João e Pedro no mesmo período, isto é, não buscamos o antecedente como nos casos anteriores, pois ele já está pressuposto.O esquema "roubo" visto no exemplo anterior, que pode ser um subesquema do superordenado "crime", é um esquema que revela um aspecto institucional da sociedade humana, bastante universal. Vejamos agora um exemplo cuja compreensão depende de subesquemas culturais mais restritos:

Hoje é aniversário de Cacá. Helô e Ju saíram para comprar um triciclo de presente. Acabaram, porém, escolhendo uma boneca que faz pipi".10. Exemplo e explicação extraídos de Kato (1980/1981). 11. Exemplo e explicação extraídos de Kato (1983, a).O termo aniversário em sua definição estrita de dicionário nada diz sobre presentes. Aliás, há culturas em que aniversário natalício não se festeja com presentes, como é o caso do Japão. Portanto, a coerência entre a primeira frase e a segunda só se estabelece segundo um subesquema de caráter cultural, não universal. Note-se ainda que do mesmo texto extraímos informações que não estão explícitas no texto, através de esquemas internalizados e de operações de inferência:a. Se é aniversário de Cacá, Cacá ganhará presentes'b. Se Helô e Ju saíram para comprar um triciclo de presente, o triciclo é para Cacá.°c. Triciclo é brinquedo de criança.(.1) Logo, Cacá é uma criança.')d. Se Helô e Ju compraram uma boneca e não um triciclo, e boneca é brinquedo de menina,(') então Cacá é uma menina.()As partes sublinhadas do texto acima são informações que não estão explícitas no texto. Algumas são devidas a instanciações de esquemas, como (1), (3) e (5), e outras a resultados de operações de inferência, como (2), (4) e (6). Convém ressaltar que são essas informações não-explícitas que emprestam coerência ao texto, da mesma forma que nos exemplos anteriores as redes coesivas de co-referência estabeleceram-se com antecedentes não visualmente presentes.Para tornar mais concreta a distinção entre os processos, faremos a projeção de um pequeno texto e pediremos aos presentes que façam a leitura e em seguida procurem responder à pergunta nele contida.5859

Page 34: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Um avião americano que voava de Boston para Vancouver caiu exatamente na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá. Em que país os sobreviventes deveriam ser enterrados?1zTivemos aqui dois tipos de leitores: aqueles que responderam à pergunta de alguma forma ou ficaram em dúvida, e aqueles que acharam graça e não responderam.Podemos dizer que o primeiro tipo fez uma leitura excessivamente descendente (top-down), não tendo usado o processamento ascendente para confirmar sua leitura. Assim, tendo acionado o esquema "Acidente Aéreo", adivinha através de seus subesquemas que houve mortos e que, portanto, a pergunta é sobre onde enterrar esses mortos.O segundo leitor faz uma leitura descendente associada a uma leitura ascendente, na qual detecta o nome definido ossobreviventes, que leva a uma proposição existencial houve sobreviventes. Percebendo a contradição da pergunta, esse leitor acha graça e não interpreta a questão como uma pergunta real, mas como uma cilada bem armada, com segundas intenções. É possível que esse leitor tenha feito a leitura ascendente da mesma forma que o primeiro tipo de leitor, mas possivelmente houve uma leitura regressiva com leitura mais pausada para confirmar sua leitura.Imaginemos agora que em lugar de sobreviventes eu tivesse usado a palavra doentes. Acredito que mesmo o primeiro tipo de leitor teria estranhado a presença dessa palavra por não lhe ser possível lo12. Exemplo extraído e traduzido de Morton (1979).60calizar um antecedente possível. Haveria aqui a violação da máxima do antecedente, postulada por Clark e Havilland (1977) para a produção, mas que pode ser aplicada à compreensão:Máxima do antecedente. Procure construir seu enunciado de forma que o seu ouvinte tenha apenas um antecedente possível para uma dada informação e que este seja o antecedente pretendido. (p. 4)O termo sobreviventes, ao contrário de doentes, tem seu antecedente em "passageiro de avião", que já faz parte da representação mental. Coloca-se então a seguinte questão: o primeiro tipo de leitor leu ou não a palavra sobreviventes? Se a leu, como a leu? O contraste entre doentes e sobreviventes nos leva a crer que a palavra foi lida, mas não inteiramente processada. Parte da interpretação ficou por conta da adivinhação. Houve um processamento a nível estrutural e funcional que conferiu à palavra função de pró-forma de "passageiros do avião". Na adivinhação essa pró-forma teria a referência "passageiros do avião, que morreram". Para o segundo tipo de leitor, os sobreviventes têm como antecedente "passageiros do avião que sobreviveram" em virtude da proposição existencial pressuposta.Para complementar a leitura que fizemos do texto sobre o acidente aéreo, gostaria de submetêlos a um outro experimento. Leiam o seguinte texto, procurando entendê-lo:Analisam-se dados micrometeorológicos relativos à camada limite superficial, a fim de determinar os flu61

Page 35: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

xos adimensionais de calor através das funções de cisalhamento proposta por Businger e colaboradores..."Acredito que a leitura que todos fizeram (a menos que haja algum físico presente) foi uma leitura linear, vagarosa, utilizando todas as pistas visuais, isto é, uma leitura essencialmente ascendente (bottom-up). Conclui-se, portanto, que o mesmo tipo de leitor pode variar o tipo de processamento que usa, dependendo do texto conter ou não esquemas que lhe são familiares'".Este trabalho pretendeu mostrar que a compreensão em leitura é uma atividade que envolve a integração do velho com o novo - integração essa subjacente também à aprendizagem em geral - e que os processos estudados são uma função direta do grau de novidade ou certeza da forma ou do significado. Assim, para formas ou funções pouco familiares ou inteiramente desconhecidas, o processamento do leitor é basicamente ascendente (bottom-up) ao passo que para decodificar palavras, estruturas e conceitos familiares ou previsíveis no texto o processo privilegiado é o descendente (top-down).O que se pode depreender dessa colocação, em termos pedagógicos, é que uma abordagem metodológica que desenvolve no aprendiz a capacidade de predizer e inferir só será plenamente satisfatória se o levar também a conferir graus de certeza e de13. Texto extraído de Nogueira e Viswanadham. Fluxos adimensionais de calor e momentuns na camada limite superficial da atmosfera. Ciência e cultura, 33 (9), 1981, pp. 1246-1250.14. Para maiores detalhes sobre fatores que levam à utilização de uma ou outra estratégia, vide Kato (1983, a).62confiabilidade distintos a informações antecipadas ou inferidas e a informações efetivamente extraídas do estímulo visual, mesmo que estas às vezes venham apenas homologar a interpretação dada pela interpretação descendente.63

Page 36: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

CAPÍTULO 5

LEITOR: DE ANALISADOR A RECONSTRUTOR'No presente trabalho pretendo descrever as várias hipóteses sobre os processos mentais subjacentes à leitura e apresentar mais detalhadamente aquela que vê a leitura como um processo de reconstrução do planejamento do discurso por parte do escritor.Nas disputas entre concepções radicais sobre leitura temos algo semelhante ao que 'o popular cientista Carl Sagan diz acerca das conclusões sobre a existência de vida em Marte:

Há muitos anos, assim diz a história, um editor de um jornal famoso enviou um telegrama a um astrônomo conceituado: ENVIE PELO TELÉGRAFO QUI* para o Boletim Bibliográfico da Biblioteca Mário de Andrade, vol. 44, n2 1/2, 19, 1983.65

Page 37: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

NHENTAS PALAVRAS SOBRE SE HÁ VIDA EM MARTE. O astrônomo respeitosamente replicou: NINGUÉM SABE, NINGUÉM SABE, NINGUÉM SABE... 250 vezes. A despeito dessa confissão de ignorância, sustentada por uma pertinência obstinada de um especialista, ninguém a levou em consideração e, desde aquela época até hoje, ouvimos pronuciamentos autorizados de pessoas que pensam ter concluído haver vida em Marte, e de outros que concluem o contrário. Muitas pessoas gostariam que houvesse vida lá, outras não. Em ambos os lados têm havido excessos. Estas grandes paixões têm desgastado, de alguma forma, a tolerância da ambigüidade que é essencial à ciência'.Na área de compreensão e leitura, onde temos processos inacessíveis à observação direta, tivemos também, até recentemente, duas concepções radicalmente opostas, oposição essa que se manifesta na denominação com que elas são conhecidas hoje: a hipótese ascendente (bottom-up), ou de dependente do texto, e a hipótese descendente (top-down), ou dependente do leitor'.Leitor analisador versus leitor construtorO leitor idealizado pelo modelo ascendente é aquele que analisa cuidadosamente o input visual e que sintetiza o significado das partes menores para obter o significado do todo.1. O autor é famoso por seus trabalhos de vulgarização científica.2. Para um tratamento mais minucioso sobre esses processos vide meu artigo "Processos de decodificação: a integração do velho com o novo'.O leitor idealizado pelo modelo descendente é aquele que se apóia principalmente em seus conhecimentos prévios e sua capacidade inferencial para fazer predições sobre o que o texto dirá, utilizando os dados visuais apenas para reduzir incertezas.Tanto o primeiro como o segundo modelo pretendem descrever os comportamentos do leitor ideal e são calcados em observações empíricas de sujeitos leitores tanto proficientes como também ineficientes.Kolers3, por exemplo, conclui que os maus leitores são aqueles que, em lugar de fazer uma leitura textual precisa, procuram, com base em seu conhecimento do mundo, fazer adivinhações, quase sempre mal-sucedidas. Goodman, por outro lado, verificou que justamente o leitor mais competente é aquele que faz mais adivinhações acertadas e que o leitor imaturo é aquele que faz uma leitura linear com pouca predição.

O leitor construtor-analisador

Esses resultados aparentemente contraditórios só se tornam coerentes se for aceita uma concepção de leitura na qual os processos ascendentes e descendentes aparecem como duas possibilidades complementares, isto é, se a leitura for vista como uma interação entre leitor e texto, sem privilegiar ou depreciar o valor dos dados lingüísticos, que teriam, entre outras, uma função restritiva em relação ao uso excessivo de predições.3. Vide Kolers (1975).4. Vide Goodman (1967).6667

Page 38: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Em trabalhos anteriores' proponho que o leitor proficiente é aquele que faz uso apropriado desses processos, o que o torna um leitor ao mesmo tempo fluente e preciso. As estratégias são determinadas por vários fatores: o grau de novidade do texto, o local do texto, o objetivo da leitura, a motivação para a leitura, etc.O leitor cooperativo

É interessante observar que até agora falamos em interação leitor-texto, mas em nenhum momento falamos em interação leitor-escritor. Contudo, em situações de comunicação oral, o que é relevante é a interação falante-ouvinte. Na verdade, essa interação entre produtor e compreendedor é o objetivo de qualquer comunicação, mas, como tem sido freqüentemente observado, na comunicação escrita esse objetivo é muito mais dependente do código verbal e muito menos apoiado nas pistas contextuais, na linguagem gestual, no universo semântico partilhado ou nas regras conversacionais.Contudo, uma vez atingido o equilíbrio dialético do conflito anterior, faz-se necessário um novo elemento desestabilizador, no caso, o autor do texto. No modelo descendente há lugar para o autor, mas apenas como parte dos esquemas do leitor e não como seu interlocutor.A ênfase, na nova concepção, passa do conteúdo proposicional do texto para as intenções do5. Vide meu artigo citado em 2 e também meus artigos "Estratégias de interpretação de frases e compreensão de textos" e "Estratégias gramaticais e lexicais em leitura em língua estrangeira68autor. Em sua versão ingênua, a leitura é definida como um ato de adivinhação das intenções do autor', e, na versão mais elaborada, como um ato de comunicação regido por regras conversacionais, isto é, um contrato de cooperativismo'. Assim, o escritor é regulado para ser: a) informativo na medida certa, b) sincero, c) relevante e d) claro. O leitor, por sua vez, deverá compreender o objetivo do autor, acreditar em sua sinceridade, procurar a relevância dos subjetivos ao objetivo central e esperar que os objetivos venham codificados através de recursos lingüísticos mais simples.Se algum dos princípios não é obedecido pelo escritor, o leitor, guiado ainda pelo princípio do cooperativismo, deverá pensar que tal violação é intencional e que indiretamente o escritor está tentando dizer-lhe alguma coisa. Assim, se a uma carta pedindo informações sobre a competência de um determinado candidato a chefe de setor chega uma resposta do seguinte teor:Informo que Fulano é extremamente gentil, benquisto e agradável e muito atento a detalhes como encapar os prontuários, colocar os objetos em ângulo reto, etc.o recebedor da carta perceberá que a omissão de informação, ou a violação da máxima de informação, significa indiretamente que Fulano é incompetente.Um outro exemplo que pode ilustrar o cooperativismo pode ser visto no texto a seguir:6. Esta posição é encontrada em materiais didáticos recentes e em comunicações sobre leitura.7. Vide um estudo dentro desse enfoque em Braga e Busnardo (1983) e seu texto de referência Tierney e Lazansky (1980).69

Page 39: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Um avião americano que voava de Boston para Vancouver caiu exatamente na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá. Em que país os sobreviventes deveriam ser enterrados? 8

Para muitos leitores, o termo sobreviventes passará desapercebido. Esse fato corrobora a tese da leitura como processo descendente, pois pode ter acontecido de o leitor simplesmente não ler e apenas adivinhar o termo que ocorre nessa posição. Por outro lado, outros leitores terão percebido a palavra e reagirão achando graça. Isso mostra que o leitor entendeu a intenção indireta do escritor de fazer uma brincadeira e que o uso do termo não foi acidental, mas proposital. A violação aqui foi do postulado da sinceridade (regra b).Vê-se portanto que, mesmo nessa abordagem, o texto é de fundamental importância pois é na sua leitura literal que o leitor encontrará os indícios para significados não literais. Nesse sentido ela vem parcialmente sanar o impasse criado pela abordagem estritamente descendente que desenfatiza o papel do texto na leitura.Poder-se-ia, neste momento, levantar a seguinte

questão: supondo que tanto o escritor quanto o lei

tor são comunicadores cooperativos e que partilham

essencialmente do mesmo universo cognitivo e do

mesmo sistema de valores, seria verdadeiro dizer

que uma leitura eficiente recuperará só, e somente,

as intenções efetivamente pretendidas pelo escritor?

A experiência nos diz que há significados tex

tuais que surpreendem os próprios autores por não8. Vide Morton e Marshall (1979).70terem sido pretendidos, mas que são reconhecidos como autorizados pelo texto. Isso se explica pelo fato de não haver uma correspondência biunívoca entre forma e função e pelo fato de nem sempre o autor ter ciência da ambigüidade da forma produzida, ou dos significados por ela acarretáveis. Além disso, nem toda ambigüidade pode ser desfeita contextualmente.Vê-se portanto que, conquanto a leitura não possa ser vista como um processo que extrai o sentido final do texto, este é o elemento que delimita a gama de interpretações possíveis, algumas das quais podem não ter sido planejadas pelo próprio autor.

O leitor reconstrutor

As diversas concepções vistas conferem um papel maior ou menor ao texto na extração de significados, mas mantêm-no como unidade formal, com significado próprio. Uma visão diferente delas é aquela que considera o texto não apenas como unidade formal, mas sobretudo como uma unidade funcional, isto é, uma unidade de comunicação.

Page 40: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Consistente com essa visão de texto é o modelo de leitura que a define como um ato de reconstrução dos processos de sua produção.É fácil dizer que ler é captar os objetivos do autor ou suas intenções e idéias, sem se posicionar quanto ao modo como isso se dá. A concepção de Levy', que vê a leitura como um ato de reconstrução dos processos de produção, parece-nos dar9. Vide Levy (1979).71

Page 41: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

conta dessa interação leitor-autor, dado ela não se centrar no texto já estruturado, mas na simulação de sua construção.A visão de Levy parece vir ao encontro das nossas intuições no que diz respeito ao que ocorre na língua oral. Com efeito, freqüentemente observamonos fornecendo palavras ou expressões para quem está falando conosco, repetindo como um eco partes de seu discurso ou complementando-o a nível frasal ou textual10. Isso mostra que a recepção é um comportamento ativo de simulação da produção, o que nos leva a supor que na leitura também façamos a mesma coisa. Quando dizemos que, ao ler, acompanhamos o pensamento do autor, na verdade o que estamos dizendo é que entendemos o texto imaginando-nos como seus produtores. O texto-produto é visto como um conjunto de pegadas a serem utilizadas para recapitular as estratégias do autor e através delas chegar aos seus objetivos.Um modelo de tal natureza só pode ser concebido na medida em que modelos de produção se desenvolvem. Por muito tempo a psicolingüística ocupou-se principalmente da recepção - oral e escrita -, mas mais recentemente tem havido uma ênfase paralela nos processos de produção. É interessante observar que, enquanto os processos de compreensão são vistos como domínio da psicolingüística, muito do que se faz sobre produção parece estar na área que hoje se denomina análise do discurso. Podemos atribuir essa diferença ao fato de os estudos sobre compreensão terem sido feitos em10. Alguns desses processos acham-se descritos em Martins (1983).72condições experimentais altamente controladas e os estudos de produção mais sobre a fala ou produção escrita espontâneas.Usando como corpus a produção lingüística espontânea, Levy propõe um modelo em que a produção é vista como um processo de planejamento, através do qual o autor da mensagem codifica seus objetivos usando estratégias comunicativas. Planejamento, no sentido usado pelo autor, é o processo por meio do qual o produtor arma um curso de ação para satisfazer a um ou mais objetivos. Por estratégia comunicativa, o autor entende o modo como o produtor realiza seu objetivo comunicativo. Os objetivos de um produtor são suas intenções e podem ter subobjetivos que com aqueles formam uma rede de relações dentro da qual estes se definem. O planejamento, além disso, pode ser tanto a nível macroestrutural como microestrutural.Para tornar mais clara esta exposição, utilizarei, em lugar dos exemplos de Levy, o material de um experimento que fiz com língua falada e escrita, obtido durante conversa informal com um grupo de familiares, prevenidos de que estaria gravando trechos da conversação para uma pesquisa posterior. Transcrevi trechos da fala de quatro adolescentes, de diferentes idades, correspondentes a respostas a questões por mim formuladas, mas que deveriam ser dirigidas a outra pessoa.Horas mais tarde pedi-lhes que escrevessem as respostas a essas mesmas questões. Analisarei aqui apenas a fala e a escrita do sujeito mais velho, Mi, uma moça que na ocasião tinha 19 anos e estava no segundo ano da universidade.73

Page 42: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

- Mi, conta pra tia Y a trajetória das suas opções vocacionais.- Bom, primeiro resolvi fazer medicina porque eu já estava na biologia, né? Eu acho que foi mais assim por acomodação. Daí a mamãe me falou da Unicamp pra mim, né, e achei legal assim, né?A mamãefalou que tinha bastante campo científico, e tal, pesquisa... e aí eu fiquei interessada. E a Engenharia de Alimentos era um campo assim ainda não desenvolvido e eu estava afim de ver como é que era, né? Eu não gostei. Descobri que não gostava de química. Aí, eu resolvi fazer computação porque computação é o que eu gosto mesmo e tem ainda mais campo.O texto escrito correspondente é o seguinte:Pela primeira vez optei porMedicina por mera acomodação pois já estava no curso de Biologia no Colégio. Antes de optar pela segunda vez (já que na primeira eu não havia entrado) ouvi falar de um curso novo na Unicamp, um curso interdisciplinar, que daria margem à pesquisa e eu me interessei. Mas não gostei do curso e resolvi desistir. Na terceira vez, então, optei pelo curso de Física, que na Unicamp oferece mais opção para se fazer matérias de outros cursos; não que Física fosse uma opção definitiva. Decidi afinal cursar Ciências da Computação a partir do ano que vem.O objetivo do texto fica claro diante do contexto em que ele foi produzido: descrever a trajetória das escolhas vocacionais feitas. Normalmente o título ou as palavras iniciais contêm o objetivo. Alguns autores mais didáticos utilizam a estratégia de colocar a pergunta como parte do texto para deixar transparecer o objetivo da comunicação ou do texto. Veja, por exemplo, o seguinte trecho introdutório de um texto de Sagan:74Durante toda a minha vida tenho ~perguntado sobre a possibilidade da vida em outros locais. Como será ela? De que será formada?..."

A popularidade de Sagan está justamente nessa capacidade de incitar o leitor a pensar junto com ele e, portanto, a planejar conjuntamente as estratégias para atingir os objetivos.Voltando aos nossos textos, verificamos que as estratégias utilizadas são determinadas pelo próprio objetivo. Observe-se que tanto no texto oral como no escrito o produtor opta por alistar cronologicamente as escolhas feitas. O sujeito apresenta ainda justificativas para as escolhas, que não foram explicitamente solicitadas. Entretanto, a decisão de expressar essas justificativas é determinada por um subobjetivo de Escolha-Consecutiva-Múltipla. Esquematicamente podemos representar esse planejamento da seguinte forma:OBJETIVO SUBOBJETIVO Escolha-Consecutiva-Múltipla justificativa-de-cada-Escolha ESTRATÉGIASListagem cronológica das Listagem cronológica par a paropções com as opções das justificativas

Quanto à codificação desses processos a nível de microestrutura, verificamos que é aí que se percebe a diferença entre o discurso oral e o escrito. Veja, por exemplo, que a justificativa para a primeira11. Vide Sagan (op. cit), p. 24.75

Page 43: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

escolha aparece, no texto oral, como uma reflexão a posteriori, no texto escrito, porém, vem sintaticizado como parte do período que contém a expressão da escolha. A estratégia a nível de escrita é, portanto, escolher um grau maior de compactação sintática, resultado característico de um discurso mais planejado. Uma segunda diferença digna de nota é a maneira como o sujeito passa da primeira opção para a segunda opção. No texto oral ela utiliza apenas um conectivo temporal "daí", enquanto no texto escrito essa ligação é estabelecida por uma oração adverbial que contém a justificativa. Os dois exemplos mostram que a estratégia no texto oral foi de não diferenciar sintaticamente as informações que eram partes do objetivo e aquelas que eram parte do subobjetivo. No texto escrito, a estratégia escolhida foi a de colocar as informações relativas ao subobjetivo em orações subordinadas.Levy acha possível que ao lado das regras que regem o comportamento do escritor e do leitor haja uma representação mental mais estática que relacione estruturas funcionais a estruturas formais.Essa dualidade na concepção é importante para o autor, na medida em que ela permite clarear a relação entre produção e compreensão. A compreensão pode ser vista, nesta perspectiva, como a reconstrução de processos mentais do produtor a partir da representação mental mais estática desses processos, parte da qual se apresenta de forma concreta no texto.Embora o autor não deixe muito clara a relação entre representação mental e processos de simulação, imagino que o texto funcione como suporte para a hipotetizadão dos processos e que, uma vez76hipotetizados, o compreendedor passa a atuar como planejador simulador, voltando ao texto apenas para verificar se o resultado de sua simulação coincide com o produto do autor.Após a apresentação de sua resposta, Levy levanta duas questões para a sua abordagem:1) Se a competência do compreendedor é dependente da competência do produtor, é possível conceber que um compreendedor possa se arranjar com uma versão mais franca dessa competência? Quanto da competência de produção é essencial para a competência de compreensão?2) Qual a natureza ontológica desses processos e representações? Que valor descritivo e explicativo eles podem ter?Deixarei a discussão da segunda questão para pessoas mais capacitadas, mas a segunda questão pode ser discutida apenas utilizando os próprios termos usados pelo autor. Se concebemos nossa capacidade de produzir e compreender discursos como competência, no sentido chomskyano do termo, essa capacidade deve ser concebida como não estática, mas criativa e preditiva. Assim, o fato de não produzirmos certas formas não significa que não possamos potencialmente produzi-las e, portanto, compreendê-las.

Conclusão

Embora Levy tenha sido o único autor a levantar a questão teórica sobre a natureza ontológica dos processos mentais, a mesma questão pode ser colocada para as abordagens anteriores.77

Page 44: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Contudo, como diz o próprio Levy, as especulações são válidas pois têm lugar em nossa fenomenologia, na psicologia leiga de que fazemos uso para entender o que ocorre na comunicação lingüística.78CAPÍTULO 6ESTRATÉGIA EM INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇAS

E COMPREENSÃO DE TEXTOS*O objetivo deste trabalho é analisar as noções teóricas subjacentes ao termo estratégia, que parece codificar hoje um conceito fundamental em teorias de compreensão de textos e de interpretação de sentenças.2. Predição em leitura

Na área da leitura, principalmente entre os cognitivistas (ou construtivistas) como Goodman (1967)

' Apresentado no I Grupo de Trabalho sobre Leitura, PUCSP, 1982.79

Page 45: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

e Smith (1978), esse termo vem sendo empregado para caracterizar os diversos comportamentos hipotetizados no leitor durante o processo de ler.Para o primeiro, o processo receptivo nas línguas naturais é constituído por processos cíclicos de estratégias de colheita de amostragem, predição, testagem e confirmarão, estratégias essas que lhe fornecem, através do uso mínimo das informações disponíveis, as predições mais confiáveis. A leitura é definida pelo autor como um jogo psicolingüístico de adivinhação.Para Smith, ler buscando diretamente o significado, sem a preocupação de decodificar palavra por palavra, ou mesmo letra por letra, é a melhor estratégia de leitura. Esta envolve mais especificamente formularperguntas apropriadas e encontrar respostas relevantes.Para ambos, a estratégia de predição, ou adivinhação, é fundamental numa leitura significativa, e ela ocorre, segundo eles, porque a leitura não envolve apenas o input visual, mas também informações não-visuais, do universo cognitivo do leitor. É esta interação das pistas visuais com o conhecimento armazenado na memória do leitor que lhe possibilita antever, ou predizer, o que ele irá encontrar no texto.Nem todos os estudiosos da leitura, porém, aceitam esta estratégia como sendo a fundamental ou como aquela que caracteriza o leitor competente.Gough', por exemplo, apresenta um modelo radicalmente oposto ao de Goodman:1. P. B. Gough (1972). "One second of reading", in J. F. Kavanagh e I. C. Mattingly (orgs.), Language by ear and by eye, Cambridge, Mass., The MIT Press, apud Gibson e Levin (1975).

80Kolers2, embora acredite que um leitor possa ser um adivinhador, mostra através de experimentos que essa estratégia não pode ser correlacionada com leitura proficiente. Ao contrário, seus dados mostram que os que mais fizeram adivinhações foram os maus leitores.Gibson e Levin (1975), embora utilizem a noção de estratégia para caracterizar o leitor maduro, mostram-se cautelosos quanto às estratégias propostas por Goodman, alegando ser o modelo excessivamente vago. Algumas das perguntas que os autores fazem: a) qual a natureza das predições? b) como o leitor sabe quando confirmar suas previsões? c) onde procurá-las? etc. Voltaremos a discutir a posição desses autores mais tarde.Como afirmamos inicialmente, o termo estratégia é também utilizado por alguns teóricos da lingüística e da psicolingüística para explicar problemas de processamento de sentenças. A importância de se estudar a noção de estratégia nesses autores está, a meu ver, no fato de que eles a utilizam de2. P. A. Kolers (1975). "Pattern analysing disability in poor readers", Developmental Psychology, 1975, 11, 282-290, avid Adams (1980).In the model I have outlined, the Reader is not a Guesser. From the outside, he appears to go from print to meaning as if by magic. But I have contended that this is an ilusion, that he really plods through the sentence, letter by letter, word by word. He may not do so; but to show that he does not, his trick will have to be expressed. (p. 354)3. Estratégia e gramática81

Page 46: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

modo bem mais explícito, formulando algumas hipóteses sobre sua forma e natureza, o que leva a outros questionamentos, como os levantados por Slobin (1979): a) "Será que um conjunto inteiramente elaborado de estratégias de processamento - em todos os níveis, da fonologia à pragmática - constituiria uma descrição completa do conhecimento da língua por parte do ser humano? Ou temos nós, guardada num canto da mente, uma representação mais sistemática da nossa língua, abstraída das exigências do uso de toda hora?" b) "Uma vez que as gramáticas provavelmente existem para possibilitar a realização da frase, não pode acontecer que elas sejam universalmente constrangidas a assumir certas formas por causa dos meios pelos quais a língua deve ser usada?" (grifo nosso)4. Teoria da complexidade derivacionalversus estrategias perceptuaisPartindo do exame de sentenças de difícil decodificação sintática, como as que contêm encaixes centrais, Bever (1970)3 propôs uma teoria psicolingüística que oferecia uma alternativa mais interessante do que a hipótese derivacional, para dar conta da interpretação dessas sentenças. Até então, a complexidade sintática de uma sentença era atribuída ao número de regras gramaticais empregadas em sua derivação.Bever propôs em sua teoria que o receptor estaria equipado com um conjunto de técnicas heurís3. Bever (1970) sintetiza e complementa trabalhos anteriores, de alguns dos quais ele é co-autor.82ticas ou estratégias perceptuais que lhe permitem recuperar as relações de estrutura profunda, através de pistas fornecidas pela estrutura superficial. Tais estratégias possibilitam ao sujeito representar e rotular com as devidas funções a cadeia de superfície, usando pistas de vários tipos: ordem dos elementos, marcas morfológicas, o conteúdo lexical dos itens, etc.Bever prefere o termo estratégia a algoritmo', porque sua aplicação não é infalível e pode apresentar variações individuais. São do seguinte tipo as estratégias por ele propostas:a) procure uma seqüência de palavras que corresponda a sujeito-verbo-objeto (i.é.: ator-ação-objeto) da estrutura profunda;b) considere a primeira seqüência desse tipo como a oração principal, a menos que ela venha precedida de conjunção como embora, se, enquanto, etc. Se alguma dessas palavras precede a seqüência, considere essa seqüência como uma sentença subordinada;c) use sempre que possível restrições semânticas para ajudar na atribuição de funções sintáticas. Na ausência de informações semânticas, use (a);d) se encontrar um determinante, marque o início de um NP.Esse conjunto de estratégias, exceto (c), segundo Kaplan5, pode ser facilmente incorporado a mo4. O termo algoritmo é utilizado por Klima, segundo Ruwet, mas presta-se mais para uso em inteligência artificial do que para comportamento humano,5. R. M. Kaplan (1972). "Augmented transition networks as psychological models of sentence comprehension", Artificial Intelligence, 3, 7710O, aped Huggins and Adams (1980).

83

Page 47: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

delos de processamento do tipo ATN (Augmented Transition Network), que são parceladores que incorporam gramáticas de Estrutura Frasal acrescidas de sub-rotinas para dar conta de elementos descontínuos. Em resumo, as estratégias propostas por Bever são de natureza sintática e sua função é efetuar cortes na estrutura superficial de modo a obter fatias (chunks) e suas respectivas funções. É importante assinalar sua afirmação de que, por terem natureza comportamental e não algorítmica, elas permitem variações, não sendo infalíveis.5. Estratégia e ambigüidade

Se na psicolingüística a noção de estratégia foi introduzida para explicar problemas de complexidade sintática, na abordagem estritamente lingüística essa noção é utilizada para resolver principalmente problemas de ambigüidade estrutural.Ruwet (1972), por exemplo, postula uma estratégia que explicaria:a) por que um ouvinte interpreta à Pierre como objeto indireto e não sujeito de porter na sentença"(28) Je dis à Jean que je ferai porter ce message à Pierre". (p. 263)quando essa forma poderia potencialmente derivar de uma estrutura profunda em que Pierre é sujeito;b) por que a sentença"(19) a. *Pierre, a qui j'ai fait porter ce message à Jean" (p. 256)não é aceitável como a relação exibida em (a), mas o é na relação (b):84"a. J'ai fait (Jean porter ce message à Pierre)b. J'ai fait (Pierre porter ce message à Jean)." Essa estratégia teria a seguinte forma:Estratégia I: Sob condições idênticas e na ausência de marcas morfológicas especiais e/ou de diferenciações léxico-semânticas, se dois sintagmas preposicionados da forma à NP estão presentes em uma sentença contendo uma construção factiva, a posição faire V/(NP) - é a do objeto indireto de V. (p. 262).Essa estratégia é proposta como uma alternativa melhor do que a de impor condições sobre transformações ou a de bloquear uma das derivações, através de uma regra transderivacional.Ruwet advoga a superioridade das estratégias perceptuais sobre as restrições as regras com o seguinte argumento: as restrições às regras, derivacionais ou transderivacionais, operam de forma absoluta - sim ou não -, isto é, ou se aplicam ou não se aplicam. A aplicação de estratégias, por outro lado, pelo fato de explicar comportamentos, é sujeita a variações individuais e contextuais, o que explica as diferenças de interpretação obtidas em experimentos que testam ambigüidade de sentenças. Ruwet concede, pois, que essa noção de estratégia tem mais a ver com uma teoria de desempenho do que com uma teoria de competência e remete sua proposta aos estudos de Bever (1970) e outros.Parece haver, portanto, uma espécie de filtro que liga a gramática da competência e a do desempenho, de modo a não permitir que certas formas potenciais da primeira sejam acionadas pela segunda. As estratégias propostas teriam então essa função de filtro?

85

Page 48: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Convém ressaltar aqui que o processamento através dessas estratégias para Ruwet é a nível sintático, embora ele chegue a considerar a possibilidade de se fazer um processamento a nível semântico diretamente, sem a mediação sintática. Mostra, porém, que em alguns casos essa decodificação direta não é possível. Estudando as interrogativas em francês, Ruwet mostra que há uma inversão estilística nessa língua que pospõe o sujeito ao verbo quando há anteposição do elemento interrogativo:"(80) b. Qui critiqueront ces imbeciles?" (p. 278) obj. suj.Quando o verbo, porém, aparece não marcado morfologicamente, o elemento que segue o verbo só é interpretado como objeto e não como sujeito:"(79) b. Qui critiquera cet imbecile? (p. 278)obj. obj.A estratégia proposta para explicar essa interpretação é a seguinte:"Estratégia II: numa sentença de forma X qui V NP Y, onde qui é uma palavra interrogativa, na ausência de qualquer critério morfológico ou semântico que permita diferenciar sujeito do objeto, a posição V --- é do objeto". (p. 277)Examinando os verbos psicológicos mepriser e dégoúter, que apresentam na superfície uma distribuição inversa com relação aos papéis semânticos, Ruwet verifica que a mesma estratégia aplica-se a eles:"(98) (a) Pierre méprise Paul lugar Tema psicológico(b) Qui méprise Paul?Tema, objeto(c) Qui méprise Pierre"lugar psic., sujeito"(99) (a) Pierre dégoúte PaulTema lugar psic.(b) Qui dégoúte Paul?(c) Qui dégoúte Pierre?" (p. 284)Note-se que o elemento que segue o verbo é interpretado como objeto gramatical, independentemente do verbo requerer LugarPsicológico ou Tema como seu papel semântico. Temos, portanto, casos em que, para a obtenção da interpretação semântica, e imprescindível uma etapa de processamento sintático.Ruwet discute ainda a natureza ad hoc das estratégias propostas, mas formula uma estratégia mais geral da qual elas são apenas casos particulares. Essa estratégia geral diz o seguinte:

Estratégia IV: Sob condições idênticas, na ausência de marcas morfológicas especiais ou de diferenciações léxico-semânticas, cada vez que uma sentença é, nasua estrutura superficial, absolutamente ambígua, estruturalmente por causa da dupla ocorrência de uma mesma categoria, ela só é aceitável na leitura em queuma ao menos das duas ocorrências ocupe a posição que ela ocupava na estrutura profunda. (pp. 280-81)Em outras palavras, no caso de mais de uma interpretação, o lugar (V - -) é interpretado como o do objeto direto e o lugar (V NP - -) é interpretado como o do objeto indireto pelo fato destes serem os lugares que lhe são designados na estrutura profunda.8687

Page 49: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Respondendo às perguntas de Gibson e Levin, podemos afirmar, em vista da proposta de Ruwet, que há estratégias de natureza estritamente perceptual-sintática, baseada no nosso conhecimento de regras de estrutura frasal, ou da ordem canônica natural dos elementos sintáticos. As confirmações se efetuam se não houver nenhuma marca morfológica que comprometa essa interpretação ou relações léxico-semânticas que imponham outro tipo de interpretação.As regras de estrutura frasal, e, portanto, a noção de estrutura profunda, parecem ter motivação psicológica para uma teoria que englobe estratégias desse tipo.6. Estratégias e princípios não-sintáticos

Ainda dentro da teoria lingüística temos o trabalho de Mulford (1975), que procura analisar a interpretação dada a estruturas coordenadas lacunadas (com gapping ), propondo o uso de estratégias perceptuais.Como se sabe, o processo de lacunamento em coordenadas é usado como exemplo clássico de ambigüidade estrutural. A sentença 1.(a) abaixo, por exemplo, pode potencialmente ser derivada de duas fontes - 1.(b) e 1.(c).Vários lingüistas observaram também que, embora uma dada estrutura profunda apresentasse condições estruturais para lacunamento, a sua aplicação redundava em má-formação superficial. É o caso do exemplo anômalo abaixo:

2. (a) * João aconselhou Pedro a lavar-se e Suzana a barbear-se.(b) João aconselhou Pedro a lavar-se e Suzana (aconselhou Pedro) a barbear-se.(c) *João aconselhou Pedro a lavar-se e (João aconselhou) Suzana a barbear-se.

Para explicar problemas desse tipo, Kuno (1976) propõe que o lacunamento está sujeito a várias restrições não-sintáticas, às quais ele chama de princípios, mas que poderiam ser entendidos com estratégias, segundo Mulford.Assim, a explicação da interpretação de 2 poderia ser qualquer dos seguintes princípios por ele estabelecidos:A. O princípio de distância mínima (de ordem perceptual): os dois constituintes remanescentes após o lacunamento são mais facilmente associados aos constituintes (de mesma categoria) do primeiro conjunto que foram processados por último.Observe-se que na primeira oração:2. (d). João aconselhou Pedro a lavar-se, os últimos elementos processados foram o objeto direto de aconselhar e o infinitivo. Portanto, os remanescentes Suzana e barbear-se são associados a esses dois constituintes.2. (c). João aconselhou Pedro a lavar-se e (Joãoaconselhou) Suzana a barbear-se.1. (a) Catarina pôs o filho numa escola técnica e Rosinha numa escola de música.(b) Catarina pôs o filho numa escola técnica e Rosinha pôs o filho numa escola de música.(c) Catarina pôs o filho numa escola técnica e Ca

tarina pôs Rosinha numa escola de música.8889

Page 50: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

A aplicação dessa estratégia leva o receptor a recuperar uma estrutura profunda semanticamente anômala.B. Oprincípio da Perspectiva Funcional da Sentença: a) Os dois constituintes remanescentes do lacunamento representam necessariamente informação nova e, portanto, devem ser associados com os constituintes do primeiro conjunto que veiculem informação nova. b) Geralmente quanto mais próximo um constituinte está do final da sentença, mais nova é a informação que ele veicula.Examinando o mesmo caso visto anteriormente, verificamos que na primeira oração Pedro ocupa posição de informação mais nova do que João. Logo, o constituinte Suzana deve ser associado a Pedro e não a João. Aplicando esta estratégia, o receptor recupera também 2.(c), uma estrutura profunda semanticamente anômala.C. O princípio da Tendência de Interpretação Sujeito-Predicado (de ordem semântica e perceptual):Se o lacunamento deixa um NP seguido de um VP inteiro ou parcial, os dois constituintes são mais prontamente interpretados como se constituíssem um padrão sujeito-predicado.Ora, se os constituintes Suzana e barbear-se são interpretados como constituindo um padrão setencial sujeito-predicado, o receptor estará novamente recuperando a estrutura profunda anômala 2.(c).Voltemos agora ao exemplo 1.(a), que, como vimos, pode ter duas possíveis interpretações. Para explicar a interpretação (c), qualquer dos princípios90(1, 2 ou 3) poderia ter sido usado. Para explicar a interpretação (b), teríamos um princípio proposto por Thráinsson6:D. O princípio do Paralelismo Semântico (de ordem semântica):Os dois constituintes remanescentes do lacunamento tendem a ser associados com constituintes no primeiro conjunto, de modo a maximizar o paralelismo entre os conjuntos.Veja-se que na interpretação (b) Rosinha está sendo associada a Catarina, ambos nomes próprios de mulher. Para associarmos Rosinha a o filho, do ponto de vista semântico, haveria a necessidade de se fazer uma operação de inferência (Rosinha, filha de Catarina, ou alguém por quem Catarina é responsável).Logo, essa interpretação é mais facilmente obtida através de outras estratégias. No caso, podemos ter, pois, variação na aplicação da estratégia, o que redunda em interpretações diferentes.Respondendo novamente às perguntas de Gibson e Levin, podemos dizer que as estratégias vistas procuram predizer, como nos casos estudados por Ruwet, os rótulos funcionais dos elementos presentes na estrutura superficial e valem-se de conhecimentos semânticos e funcionais de linguagem para perceber e confirmar as relações sintáticas obscuras da estrutura superficial.A estratégia da interpretação sujeito-predicado e a da perspectiva funcional obedecem ambas, a6. H. "t'hráinsson (1975). "Gapping in Icelandic: Functional Explanation and the No-ambiguity Condition", Chicago LS Papers, 11th Annual Meeting, apud Mulford (1975:189).91

Page 51: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

nosso ver, a uma estratégia mais geral, mais ampla ainda do que a proposta por Ruwet: a busca da canonicidade, seja ela uma ordem canônica gramatical ou funcional.O princípio de Thráinsson tem a ver com o conhecimento que o receptor tem da natureza de coordenação. Esta tem como caracteristica fundamental ligar sentenças com a mesma função (duas declarativas, duas interrogativas, mas não uma interrogativa e uma declarativa), sentenças com estruturas internas paralelas em termos de constituintes (NP V NP PP + NP V NP PP), sentenças com nódulos de mesma função preenchidas com categorias lexicais semelhantes [(+ animado) ... (+ animado)] e, os casos mais freqüentes, sentenças com constituintes idênticos, preenchidas com elementos idênticos, o que leva ao processo da elipse.Essas características típicas da coordenação fazem dela uma das estruturas mais previsíveis e, portanto, mais fáceis de entender e produzir.O princípio do paralelismo semântico é, portanto, decorrente do conhecimento da natureza sintática e semântica das sentenças coordenadas.O princípio da distância minima parece ter a ver unicamente com a retenção na memória e é possivelmente a estratégia preferida, quando o tamanho de cada conjunto vem a causar sobrecarga na memória operacional temporária.Esses estudos sobre lacunamento levam-nos aconcluir que o parcelamento sintático, necessáriopara a compreensão das predicações, não dependeapenas de estratégias sintáticas, como as propostaspor Bever, mas pode ser ditado por estratégias funcionais, semânticas ou ainda pela limitação da memória92operacional. Diríamos que esse último recurso (o primeiro da lista de Kuno), quando usado na ausência de outras estratégias que possam atuar como elementos confirmadores, pode redundar numa adivinhação mal-sucedida. O estudo da interpretação de estruturas elípticas como as lacunadas leva-nos a apontar para a relevância das perguntas de Gibson e Levin. Podemos dizer que a distância (princípio da distância mínima) atuaria como pista superficial e as estratégias apontadas nos outros princípios como as confirmadoras? Ou seria o contrário? Isto é, predizemos a partir de estratégias semânticas ou funcionais e utilizamos as pistas puramente formais para confirmação?

7. Estratégias de processamento e aquisição de linguagem

Nos estudos sobre aquisição de linguagem, Slobin é quem mais se tem preocupado em propor estratégias, não apenas como procedimentos heurísticos para a criança construir estruturas internas, como também para ela processar o que ouve e para expressar suas intenções.Slobin mostra a importância das estratégias que buscam os limites dos constituintes e daquelas que procuram associar estas a relações semânticas fundamentais, como, por exemplo, a relação atoração-objeto, possuidor-objeto possuído, e outras relações mais complexas. Evidência deste tipo de estratégia e apresentada por experimentos clássicos em psicolingüística, que mostram crianças em fase de aquisição interpretando estruturas passivas, cuja ordem é objeto-ação-agente como agente-ação-objeto.93

Page 52: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

A formulação de estratégias de cunho semântico é tirada por Slobin, de Clark e Clark':1. Encontrando um verbo, procure o número e espécie de argumentos apropriados a esse verbo.2. Procure constituintes que se ajustem às exigências semânticas de função relativa à proposição, função essa subjacente a todo verbo, adjetivo, advérbio, preposição e substantivo.Slobin, contudo, não se limita a mencionar as estratégias de ordem sintática e de ordem semântica. Considera, também, aspectos discursivos, inferenciais e intencionais da fala, mas de uma forma muito rápida, sem nada dizer sobre a forma que teriam as estratégias dessa natureza. Sua conclusão é que "os ouvintes usam, assim, evidentemente, todo tipo de informação disponível para descobrir os significados das frases". Isso significa que um modelo psicolingüístico completo de compreensão deve incluir muito mais que uma gramática, embora deva certamente aproveitar regras e categorias gramaticais". (p. 77)Nas seções seguintes procuraremos tecer considerações mais detalhadas sobre as estratégias que vão além da gramática e do limiar da frase.8. Estratégias e interpretação de relações anafóricas

Entre as estratégias mais importantes para extrair o sentido de um texto, temos aquelas que conferem7. E. V. Clark e H. H. Clark (1977). Psychology and Language. an Introduction to Psycholinguistics, Nova York, Harcourt, Brace and Jovanovich, Inc., aped Slobin (1979:64).94a correta interpretação referencial dos elementos pronominais nele existentes. Como'diz Webber (1980), a escolha de possíveis antecedentes requer do leitor sofisticadas habilidades sintáticas, semânticas, pragmáticas e inferenciais.A partir de uma descrição que fizemos sobre interpretação anafórica' em português, procuraremos formular algumas estratégias (ainda a nível programático) que conduzem a uma correta interpretação de formas pronominais no texto.Eis algumas propostas no referido trabalho:1) "as informações sintáticas (de superfície) determinam as posições que excluem a leitura endofórica de seus ocupantes.Assim, se o pronome preceder e comandar um nome, ele será interpretado como não co-referencial a esse nome; caso contrário, permanecerá não marcado o, ou vago, esperando ser` interpretado por outros critérios.3. (a) Ele sabe que João é um bom presidente. (ele(- co-ref.) João)(b) João sabe que ele é um bom presidente. (ele(o co-ref.) João)O fato de existir um antecedente no discurso não modifica a interpretação de (a). 4.

Porque o João age assim?- Ele sabe que João é um bom presidente.A interpretação possível no caso é de que o João da pergunta e ele da resposta são co-referenciais. Mas João da resposta é certamente distinto desse referente.8. Vide Kato (1980/81).95

Page 53: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Tal regra pode ser reformulada na seguinte estratégia:1) se o pronome preceder e comandar um nome, marque-o como não co-referencial a esse nome. Se, ao contrário, ele seguir ou for comandado por um nome, suspenda sua interpretação e busque mais informações.2) "as informações semânticas, através da rede de co-referencialidade contida na representação semântica dos verbos, nomes ou adjetivos, permitem às vezes determinar o antecedente do pronome, marcando-o positivamente com relação àquele e negativamente a outros SNs da vizinhança". (p. 21)"(23) João exigiu de Paulo que ele não roubasse mais." (p.21)pista sintática: ele (o co-ref.) Paulo e(o co-ref.) JoãoA pista semântica seria obtida através da informação do léxico que diria algo como:Exigir Agente,, Fonte,, (Fazer Algo Agente)A relação de co-referencialidade é, portanto, parte da leitura do próprio verbo, a qual diz ser a fonte de exigir co-referencial com o agente da ação da oração complemento.A estratégia correspondente seria algo como 2'):2) Procure o verbo e veja o seu sentido; veja se ele não exige, na oração complemento (quando houver), algum argumento co-referencial a um elemento na proposição principal. Se houver, assinale, na estrutura superficial, o pronome na oração complemento e esse argumento na oração principal como co-referenciais;963) as informações textuais poderão marcar um pronome não marcado por critérios sintático e/ou semântico. Veja o enunciado (24) fora do texto e depois contextualizado em (25):"(24) João estava com Pedro quando ele foi preso." (p. 21)pista sintática: ele (o co-ref.)pista semântica: ele (o co-ref.)"(25) Toda vez que João vai ao supermercado, eleconsegue roubar algo. Hoje, ele está na cadeia e é bem feito para ele. João estava com Pedro quando foi preso." (p. 22)pista textual: se João está na cadeia é porqueele foi preso. Logo ele (+ co-ref.) João e (- co-ref.) Pedro

A última proposta envolve, na verdade, estratégias que não exigem apenas habilidades estritamente lingüísticas, dependendo, para sua aplicação, do nosso conhecimento do mundo e da nossa capacidade inferencial. Mas é importante lembrar que as condições sintáticas e semânticas atuam como sinal verde para a possível inferência positiva. Se a última frase do texto fosse:(5) ... Ele estava com Pedro quando João foi preso,teríamos um texto malformado, pois as condições sintáticas não teriam sido respeitadas para deixar o pronome livre de ser interpretado como co-referencial, através de regras de inferência.São poucos os estudos que trabalham concretamente com o uso de estratégias na área textual. O trabalho de Clark e Havilland (1977) é o que mais de perto atende aos propósitos deste estudo e em97

Page 54: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

especial ao problema da anáfora textual. Os mesmos autores já haviam apresentado em trabalhos anteriores o que chamaram de "estratégias do dado-novo", que, eles propõem, o ouvinte usa para compreender sentenças.Essa estratégia é composta de três fases de procedimento, que relacionam a sentença em processamento com um conhecimento de base. Esse conhecimento consiste no conteúdo da conversação, representado na memória relativamente permanente (o que chamei de memória a médio-termo, em Kato - 1982). Na primeira fase, o ouvinte isola a informação dada da informação nova na sentença em processamento. Na segunda etapa, ele procura na memória um antecedente direto para a informação dada. Na terceira etapa, o ouvinte integra a informação nova na estrutura da memória, ligando-a com o antecedente localizado na etapa dois. Esta estratégia opera em função da "máxima do antecedente" postulada pelos autores, como uma regra adicional às regras conversacionais Griceanas.Máxima do antecedente: procure construir sua emissão de tal forma que o ouvinte tenha um e apenas um antecedente para uma dada informação e que ele seja o antecedente pretendido. (p. 4)Voltando ao nosso exemplo (25), verificamos que, ao processar a sentença João estava com Pedro quando ele foi preso, a sentença em si não fornece pistas para conferir a identidade do pronome ele. Contudo, quando ele foi preso constitui o elemento dado desse período. Procurando-se o antecedente desse elemento dado, encontra-se ele está na cadeia, no qual ele já foi interpretado como João, por ser ele o único antecedente possível. Note-se que no98caso tivemos a aplicação recursiva da estratégia dado-novo.Um caso diferente de referência anafórica, através de uma interpretação inferencial. É aquele descrito por Webber (1980:144) e traduzido abaixo:

(6) Maria levou suas sobrinhas ao design Research, onde ela comprou uma camiseta para cada uma.Elas, lhe agradeceram por elas1.Os pronomes elas, e lhe têm um antecedente com as mesmas marcas morfológicas e semânticas suas sobrinhas e Maria, respectivamente. O antecedente de elas2 , que deveria ser um sintagma plural e feminino, não aparece no texto. Para se interpretar elas2, então, deve-se chegar inferencialmente a um conjunto não unitário, a partir do sintagma uma camiseta para cada uma.Outro exemplo do mesmo tipo, analisado por Webber (p. 144), é:(7) João foi se encontrar com Pedro e Carlos no aeroporto de Logan. Eles tomaram um táxi para voltar.(eles = João + Pedro + Carlos)Esse exemplo mostra que á anáfora não liga simplesmente um pronome a um antecedente lingüístico, mas a um referente sugerido por esse antecedente lingüístico. Portanto, no caso da entidade referida ser um conjunto não-utilitário, os elementos desse conjunto não precisam necessariamente vir codificados em um único sintagma nominal. É o caso, por exemplo, ilustrado por (7), onde João forma um sintagma independente de Pedro e Carlos.99

Page 55: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

9. Estratégias e Esquemas

Muito do sentido que apreendemos em um texto deve-se ao nosso conhecimento e uso de regras anafóricas, mas estas não explicam por que e como o leitor é capaz de conferir coerência a um texto, lendo nas entrelinhas (v. Scott, neste volume).Os modelos lingüísticos que englobam um componente semântico encaram-no, em geral, como um componente relativamente passivo, constituído de caracterizações taxonômicas dos itens lexicais e de regras de composição (por exemplo, as regras de projeção na gramática gerativa) e regras de relação (por exemplo, as regras anafóricas).Há, porém, casos em que dificilmente um léxico semântico explicaria certos significados que extraímos do texto. Considere-se, por exemplo, o seguinte texto:

Hoje é aniversário de Cacá. Helô e Juliana saíram para comprar um triciclo de presente. Acabaram, porém, escolhendo uma boneca que faz pipi.

Vários fatos podem ser extraídos desse texto, e que não estão aí lingüisticamente explícitos.A primeira inferência que fazemos é que o presente é para Cacá. O raciocínio dedutivo que ocorre em nossa leitura é o seguinte: se é aniversário de Cacá, ela provavelmente vai ganhar presentes. Logo, o presente que Helô e Juliana saíram para comprar deve ser para Cacá.A segunda inferência: triciclo é algo usado por crianças. Logo, se Cacá ia ganhar um triciclo, ela deve ser uma criança.100A terceira inferência: boneca é um brinquedo típico de menina. Logo, se Cacá ganhou uma boneca, ela deve ser uma menina.Note-se que, nos três raciocínios, a primeira asserção é fundada em nossa experiência, em nosso conhecimento do mundo, isto é, de suas situações ou eventos em sua forma mais usual, mais típica.Para explicar, portanto, como extraímos do texto mais do que ele expressa lingüisticamente, é preciso que, em nossas estruturas internas, tenhamos mais do que uma gramática e instruções para seu uso (estratégias).Uma noção hoje bastante atraente para o estudo do discurso é a de Esquema (Schemata), proposta por estudiosos da Ciência da Cognição, como Rumelhart e Ortony9 e retomada por Rumelhart (1980). O atrativo desta proposta está justamente no fato de pretender ser uma teoria do conhecimento que engloba uma teoria prototípica do significado e ser, ao mesmo tempo, uma teoria de procedimento, cuja função é reconhecer a sua adequação aos dados que estão sendo processados.Um Esquema é uma teoria prototípica do significado, porque corresponde ao significado de um conceito codificado em termos de situações ou eventos típicos, ou normais, que instanciam esse conceito. Nesse sentido, os esquemas representam mais um conhecimento do sujeito do que uma defi9. D. E. Rumelhart e A. Ortony (1977). "The representation of knowledge in memory", in R. C. Anderson, R. J. Spiro e W. E. Montague (orgs.) Schooling and the Acquisition of Knowledge, Hillsdale, NJ, Lawrence Erlbaum Associates, apud Rumelhart (1980).101

Page 56: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

nição. Esse conhecimento não se limita a conceitos veiculados por palavras, mas também àqueles expressos por sintagmas mais complexos, tais como crise do petróleo, homem de negócios, etc.Cada Esquema é constituído de Subesquemas, havendo um conjunto de Subesquemas primitivos. Os Esquemas podem referir-se a entidades lingüísticas ou conceituais e, nesse sentido, atuam também como parceladores, reconhecendo constituintes e subconstituintes lingüísticos ou não. Mas sua função não é apenas essa.Eles têm um papel importante também em nosso raciocínio, uma vez que, segundo os autores, as habilidades de raciocinar prendem-se sempre a áreas particulares do conhecimento.Os Esquemas podem ser ativados de duas formas:a) através do processamento top-down (do todo para as partes), isto é, de Esquemas em direção a seus Subesquemas, eb) através do processamento bottom-up (das partes para o todo), isto é, dos Subesquemas para os Esquemas.Os proponentes 'da teoria dos Esquemas sustentam a existência e a necessidade dos dois processos na compreensão. Esta é vista como a constituição de uma teoria, sua testagem diante dos dados disponíveis, seu refinamento ou modificação.Podemos dizer que a adivinhação é parte da estratégia top-down, por ser esta mais preditiva, mas a bottom-up seria responsável pela confirmação, pelo refinamento e pela revisão da teoria.10. Estratégias subconscientes e conscientes

Posição similar à de Rumelhart e Ortony é encontrada no sistema BBN de compreensão da fala, da autoria de Woods et al.10. Para eles, o processo para se chegar à interpretação do estímulo envolve a formulação e avaliação de muitas hipóteses alternativas parciais sobre esse input, em vários níveis. Este processo ocorre, em grande parte, abaixo do nível da consciência introspectiva do receptor. A percepção (entendida por Woods como compreensão) é vista como um processo de formação de uma teoria coerente e verossímil, que dê conta de todos os dados presentes no estímulo.Woods (1980) fala no uso de subconjuntos do estímulo de entrada para formar a hipótese-semente e no uso de mecanismos para derivar hipóteses sobre constituintes outros, através de uma teoria parcial, preditiva.Podemos dizer que esses dois usos correspondem aos conceitos de uso de informação visual e não visual de Smith, referidos no inicio deste trabalho.Woods não nega a existência de estratégias conscientes, mas afirma que o processamento consciente é, em grande parte, seqüencial e vagaroso, enquanto as estratégias de processamento subconsciente aplicam-se, de forma extremamente rápida, do meio para as extremidades (esquerda e direita), podendo várias estarem operando paralelamente. No processo de leitura, o leitor pode ter consciência10. Woods et al. (1976). Speech understanding systems (BBN FinalReport n2 3438) Cambridge, Mass. Bolt Baranek and Newman, Inc., aped Woods (1980).102103

Page 57: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

da interpretação final de um estimulo, mas não dos vários procedimentos ocorridos durante o processo. Woods mostra que há também processos inferenciais significativos, que ocorrem abaixo do nível de introspecção.Brown (1980), citando Vigotsky11, afirma que há duas fases no desenvolvimento do conhecimento: a primeira, a aquisição automática e inconsciente desse conhecimento, seguida de um aumento gradual no controle consciente e ativo sobre esse conhecimento. Para a autora, "metacognição é, portanto, o controle deliberado e consciente de nossas ações cognitivas". (p. 453)As estratégias metacognitivas ocorrem, por exemplo, quando o leitor sente alguma falha em sua compreensão. Essas estratégias funcionariam nesses casos como mecanismos detectores de falhas (debugging devices) e são resultado de um esforço maior de nossa capacidade de processamento.Estratégias metacognitivas também são empregadas quando se lê com o propósito de memorização ou de aprendizagem.Quando Brown usa a expressão "estratégias em leitura", são essas estratégias metacognitivas que estão sendo consideradas. A autora enumera uma lista dessas estratégias, que, segundo ela, subjaz a qualquer controle planejado e deliberado de atividades que levam à compreensão (p. 456):

1. Esclarecer os propósitos da leitura, isto é, compreender as exigências da tarefa, tanto as explícitas quanto as implícitas.11. L. S. Vigotsky (1962), Thought and Language, Cambridge, Mass., MIT Press, aped Brown (1980).104Quando Gibson e Levin falam de estratégias autodirigidas que devem seguir o que chamam de percepção de invariantes e de relações ordenadas, estão provavelmente se referindo a essas estratégias metacognitivas.Para Gibson e Levin, essas estratégias autodirigidas são estratégias cognitivas mais gerais e a identidade se justifica para eles porque compreender o que se lê mais do que se vê na estrutura superficial é como pensar, isto é, um complexo processo cognitivo.11. Estratégias de natureza pragmaticaOs teóricos cognitivistas limitam-se, de modo geral, à natureza cognitiva da leitura, nada especulando sobre as intenções de quem escreveu o texto.Há, porém, alguns autores preocupados não com o que o texto diz, mas com o que o autor quis dizer com o texto.Morgan e Green (1980) tecem algumas considerações sobre a pragmática e a compreensão na leitu1052. Identificar os aspectos da mensagem que são importantes.3. Distribuir a atenção, de modo que haja mais concentração nos conteúdos principais, e não em detalhes.4. Monitorar as atividades em processo para verificar se ocorre compreensão. Engajar-se em revisão e auto-indagação, para ver se os objetivos estão sendo atingidos.6. Adotar ações corretivas quando se detectam falhasna compreensão.7. Prevenir-se contra truncamentos e distrações, etc.5.

Page 58: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

ra, mas não chegam a propor nenhuma estratégia concreta de natureza pragmática.Slobin (1979), que lida com a aquisição da fala e não da escrita, postula que o ouvinte está equipado para determinar o significado pretendido pelo autor, e não só isso, mas o efeito que o falante está querendo produzir. Significa, portanto, ir além da forma, isto é, daquilo que o texto diz.As estratégias propostas por Smith e a que nos referimos no início deste trabalho (formularperguntas apropriadas e encontrar respostas relevantes) seriam, também, estratégias metacognitivas e de natureza pragmática, sendo que, no caso da leitura, o leitor atua como os dois interlocutores.Na verdade, quando o leitor busca o significado pretendido pelo autor, ele está simplesmente obedecendo ao princípio do cooperativismo, que rege a comunicação humana.

12. Considerações finais

O uso e a conceituação do termo estratégia por autores na área da lingüística, da psicolingüística e da inteligência artificial nos dão um quadro mais claro dos tipos e da natureza dos conceitos de estratégia hipotetizados pelos estudiosos na área deleitura.A leitura pode ser entendida como um conjunto de habilidades que envolve estratégias de vários tipos.Essas habilidades seriam:106Para atingir tais objetivos, o leitor utiliza seus Esquemas, dos quais faz parte a sua Gramática. Os Esquemas (e portanto a gramática também) contêm, além de regras e taxonomias, um componente de procedimentos (estratégias), que dita como utilizar suas partes para processar os estímulos que recebe ou para codificar intenções.A utilização desses Esquemas faz-se, como vimos, em duas direções: de Esquemas para Subesquemas (de fatias maiores para menores, de conceitos mais abrangentes para menos abrangentes) ou o contrário. Para alguns, ainda, a diferença entre topdown e bottom-up está também na direção conteúdo-forma, forma-conteúdo, respectivamente.Para se efetuar o parcelamento sintático ou estabelecer relações anafóricas (rede coesiva), o leitor, como vimos, pode utilizar vários níveis de sua "competência" gramatical e não apenas de seu conhecimento de regras e padrões sintáticos.Esse apelo à semântica e a Esquemas funcionais justifica-se tendo em vista que o leitor não está interessado apenas em fatias sintaticamente bem-formadas, mas em parcelas sintaticamente possíveis e tama de encontrar parcelas (fatias) significativas do texto;b) a de estabelecer relações de sentido e de referência entre certas parcelas do texto;c) a de estabelecer coerência entre as proposiçõesdo texto;d) a de avaliar a verossimilhança e a consistência das informações extraídas;e) a de inferir o significado e o efeito pretendido pelo autor do texto.a)107

Page 59: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

bém semântica e funcionalmente coerentes com seus outros Esquemas.A variação na escolha do tipo de estratégia, um dos pontos que viemos enfatizando em nosso trabalho, está sujeita, pelo que pudemos depreender de nossos estudos, a vários fatores:a) à maturidade do leitor - enfatizada por autores como Goodman e Smith;b) à natureza do texto, apontada por Gibson e Levin;c) ao lugar onde o leitor se encontra na frase ou no texto, hipótese minha, desenvolvida em linhas gerais em Kato (1981);d) ao propósito da leitura.De modo geral, o leitor parece recorrer a mais de uma estratégia quando a complexidade do estímulo assim o exige. Essa complexidade pode ser devida a problemas estruturais que dificultam a percepção do estímulo, como foram os casos analisados por Ruwet e por Mulford.A complexidade pode não ser inerente ao estímulo, mas ser relativa ao nível de maturidade doleitor.O mesmo leitor, enfrentando um texto único, pode também variar suas estratégias. Assim, trechos que veiculam informação nova ou imprevisível tendem a ser parcelados sintaticamente com mais cuidado, enquanto trechos previsíveis e de alta redundância semântica tendem a ser decodificados quase sem uma mediação sintática.Podemos dizer então que, quando o leitor enfrenta uma tarefa mais difícil, ele tende a regredir no uso de estratégias, isto é, tende a imprimir a inter108pretação mais canônica ao estímulo, através de uma ativação bottom-up de seus Esquemas.O que lingüistas e psicolingüistas denominam "estratégias" seriam procedimentos inconscientes, distintos das estratégias metacognitivas de Brown ou das estratégias autodirigidas de Gibson e Levin. Estas me parecem atuar principalmente com relação ao fator d), isto é, o propósito em leitura. Assim, o grau de atenção que damos ao texto e os lugares que focalizamos têm muito a ver com o propósito consciente de procurar uma determinada informação no texto. Podemos, por exemplo, dar apenas uma olhada no título (o que fazemos com manchetes de jornais), podemos correr os olhos para ver do que o texto trata, podemos ler apenas o início de cada parágrafo para ver o fio de argumentação do autor ou podemos ainda ler, por inteiro, o primeiro e último parágrafos para saber os objetivos de um trabalho e suas conclusões. São apenas algumas das estratégias conscientes de que um leitor se utiliza para apreender a informação procurada no texto.As questões que levantamos no final deste estudo são as seguintes:- Quando se fala em ensinar estratégias de leitura, que estratégias estão sendo consideradas? São todas elas ensináveis? Ou têm os pedagogos da área de leitura uma noção diversa de estratégia das que descrevemos neste trabalho?109CAPÍTULO 7ESTRATÉGIAS GRAMATICAIS E LEXICAIS NA LEITURA

EM LÍNGUA ESTRANGEIRA'Por muitos anos o ensino da leitura em língua estrangeira resumiu-se ao estudo da gramática e do vocabulário do texto, através dos quais chegava-se à sua tradução, entendida então ambiguamente como o resultado da compreensão ou um meio para atingi-la.

Page 60: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

O estruturalismo, cuja ênfase era a linguagem oral, pressupôs um modelo de leitura em que a compreensão não dependia da mediação da língua materna, mas exclusivamente da língua estrangeira oral em estudo. A habilidade para compreensão oral era, nessa perspectiva, um pré-requisito essencial para a compreensão da escrita, associando-se, assim, a apren* proferida na UFRS, curso de Letras, 1982.111

Page 61: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

dizagem da leitura em língua estrangeira às condições então preconizadas para a aprendizagem de leitura em língua materna: para ambas, a compreensão se daria via decodificação sonora. A gramática é entendida, nessa fase, como algo que se adquire automática e inconscientemente na língua oral, não devendo ser, portanto, abordada no ensino de leitura.Contrariamente a essa posição, Chomsky (1965), em um pronunciamento público contra a reforma ortográfica do inglês segundo uma aproximação fonética maior, mostra que a escrita possibilita uma interpretação semântica mais direta do que a forma oral. Por exemplo, as palavras medical e medicine têm na pronúncia de seu radical dois sons distintos, /k/ e /s/, que a escrita neutraliza na letra c, estabelecendo uma correspondência biunívoca entre forma e significado'. Como no modelo lingüístico chomskyano a interpretação semântica e a interpretação fonética são independentes, podemos dizer que um modelo de leitura compatível com essa visão lingüística seria aquele que permite uma leitura diretamente pelo significado, sem a mediação sonora, e uma decodificação sonora sem interpretação semântica.Podemos representar esquematicamente o modelo com mediação sonora (CMS) e o modelo sem mediação (SMS) da seguinte forma:(1) a. CMS input visual -* cadeia sonora -> significado b. SMS input visual --~ cadeia sonora significado1. Há, porém, outros casos como `high' e height', cuja representação fonética (hai) e (hait) apresentam maior semelhança do que sua representação ortográfica.112A existência de leitores que são capazes de ler vocalizando um texto em língua estrangeira sem nada entender (é o meu caso com alemão) e de outros que são capazes de entender um texto sem conseguir falar a língua do texto (é o caso da maioria dos cientistas com competência em leitura técnica) mostra que o segundo modelo é mais adequado para explicar tipos de leitura em língua estrangeira.O esquema (1) b. (SMS) levanta, porém, outras indagações: (1) que tipo de operação mental está envolvido nessa conversão input visual-sentido?; (2) o que se entende por sentido nessa visão?Novamente, aqui, a resposta não é única, pois dependerá da concepção de leitura que se tem.Uma possibilidade é entender que as operações envolvidas nesse mapeamento são de análise-síntese, calcadas em um modelo composicional semântico, que implica antes de tudo um parcelamento sintático adequado. É o modelo que se convenciona chamar ascendente (bottom-up)2. A leitura é linear, composicional e indutiva. Esta visão é coerente com modelos lingüísticos que partem de unidades menores para maiores.Na própria literatura gerativista, porém, começase já a introduzir a noção de estratégia3 para explicar por que, em certas situações potencialmente ambíguas do ponto de vista sintático, a interpretação semântica não é igualmente ambígua. Propõe-se então que o falante, na ausência de pistas contextuais, seja guiado por certos princípios a parcelar a frase, em2. A nível frasal temos o modelo de Katz e Fodor (1963) e a nível de texto o de Kintsch et al. (1975).3. Vide maiores detalhes em Kato (1983, a).113

Page 62: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

momento de incerteza, preferencialmente de uma certa maneira e não de outra. Outros estudos' mostram que a segmentação sintática na leitura pode ser muitas vezes definida pelo nosso conhecimento da realidade e que, portanto, a interpretação não é determinada apenas pela forma sintática e os itens que compõem a frase, mas também por fatores externos à gramática (plausibilidade, coerência, etc.).Ao mesmo tempo em que esses problemas eram apontados na lingüística, aparecem na psicolingüística modelos de leitura que enfatizam a leitura descendente, dedutiva, na qual o: conhecimento prévio do leitor passa a ter um papel igual ou até mesmo mais importante, que os dados do texto. A leitura de uma frase passa a ser vista não mais como uma operação precisa de análise e síntese, mas como um jogo ativo de adivinhações'. Os dados da frase passam a ser apenas parcialmente apreendidos para reduzir incertezas, postulando-se que a compreensão se dá de forma gestáltica.Os avanços na área da lingüística textual' estendem esses processos para a integração das partes do texto utilizando marcas formais de coesão e de estrutura retórica.Com a incorporação das noções da pragmática, outra guinada é observada. O foco passa a ser não mais sobre o que o texto diz em função da interação do leitor com os dados lingüísticos, mas sobre o que o autor quis dizer, isto é, suas intenções. Nessa visão,4. Vide detalhes em Kato (1981).5. Autores mais representativos dessa linha de pensamento são Goodman (1969) e Smith (1978).6. Para uma boa visão sobre lingüística textual vide Marcuschi (1983).114o ato de ler passa a ser visto como um ato comunicativo em que princípios de cooperatividade griceanos passam a reger o comportamento do leitor.Assim, o leitor, que era incialmente visto como um analisador passa a ser visto como construtor e finalmente como um "vidente" cooperativo, que capta a mensagem que estava na mente do autor.Se examinarmos a ênfase dada nos modelos propostos, iremos constatar que, de certa forma, todos eles têm ou tiveram algum papel no nosso ato de ler. Embora os leitores maduros sintam-se atraídos pela visão cognitivista e pragmática, que parece retratar o comportamento do leitor maduro, é necessário ter-se em mente que com textos complexos e altamente informativos recorremos muitas vezes a uma segmentação sintática consciente e cuidadosa, à leitura vocalizada e até mesmo à tradução.Se como diz Bever (1975), em situações de conflito, regredimos em nossas estratégias, recorrendo àquelas já em desuso, podemos hipotetizar que tais processos marcaram etapas produtivas em nossa aprendizagem da leitura.Porém, é evidente que, em se tratando de língua estrangeira, a leitura vocalizada quase nunca é usada automaticamente para se chegar à compreensão, mas simplesmente como um meio auxiliar para se fazer tentativas de segmentação sintática adequada.Neste momento, outra questão se coloca: é possível dizer então que o conhecimento de gramática só seria ativado pelo leitor maduro nesses momentos de incerteza? Segundo minha intuição, o que parece ocorrer e que a interpretação gramatical, necessária para a interpretação semântica, é, na maior115

Page 63: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

parte do tempo, um processo mecânico de reconhecimento de padrões prontos e que a análise só se faz necessária quando há um equívoco nesse reconhecimento ou quando não ocorre o reconhecimento pelo fato de o padrão ser menos freqüente e menos familiar. É como se o leitor tivesse uma série de moldes invisíveis, com funções marcadas para as formas a serem identificadas, moldes esses que ele iria sobrepondo à seqüência visual. A escolha do molde seria feita conforme algumas pistas superficiais mais salientes tais como palavras gramaticais, palavras regentes, constituinte inicial ou final, extensão, etc.O leitor poderia, às vezes, equivocar-se e sobrepor um molde que não se ajusta à seqüência do texto que ele está lendo. Haveria, então, a necessidade dele analisar o inputs mais cuidadosamente para em seguida escolher o molde mais apropriado. A escolha imediata bem-sucedida do molde seria a operação de reconhecimento.Pode-se supor ainda que a escolha é determinada por dois fatores: a) o padrão escolhido é aquele que o contexto prevê como mais provável e b) o padrão escolhido é o mais acessível pela simplicidade ou pela freqüência de uso, podendo esses dois aspectos estarem relacionados.O equívoco pode resultar muitas vezes do fato do input apresentar, à primeira vista, feições de um padrão preferencial. O que em literatura psicolingüística convencionou-se chamar a estratégia do sentóide canônico seria um caso particular de aplicação de um molde preferencial (SVO) a uma estrutura qualquer. O que regeria esse tipo de escolha seria o princípio da canonicidade, que leva o116leitor a interpretar uma unidade sintática como simples e direta.Ilustraremos essas suposições com a leitura de um texto em inglês feita por um sujeito P que foi instruído a ler silenciosamente e ir traduzindo à medida que lia, não havendo necessidade de tradução precisa e literal. O sujeito P havia freqüentado cerca de 6 semestres de inglês em um instituto de línguas e o assunto do texto lhe era bastante familiar.Segue abaixo o texto usado com as partes que apresentaram dificuldades sublinhadas e numeradas.THE FUEL ECONOMY OF LIGHT VEHICLES

As domestic oil production decreases, cars with better fuel economy become more attractive. By 1995 it should be possible without major innovations to have fuel economies of more than 60 miles per gallon.THE US is coming out of an era in which economic growth was stimulated by an abundance of cheap petroleum and going a difficult period in which energy, particularly in the form of liquid fuel, will be much costlier and in limited supply. That this will be a dangerous period is (I) already clear from the anxiety expressed by US officials about the security of the nation's continued access to the world's largest-know reservoirs of underground oil, those in the Persian Gulf region. Consumers are therefore being urged to conserve energy while government and industry focus on developing costly (II) new domestic supplies. Useful as these measures may be, we believe the possibility of making a successful economic transmition to the post petroleum era depends (III) on a much more determined effort by both government and industry to in crease the efficacy with which energy is utilized in those sectors of the economy that depend on liquid fuel, starging with the single largest consumer: the automobile.

117

Page 64: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

The automobile has given Americans an extraordinary degree of personal mobility. Today there are about 100 million passenger cars and 20 million light trucks (mostly privately owned pickup (V) trucks and vans) registered in the US, nearly one for every adult. In 1980 this vast fleet of vehicles consumed about six million barrels of petroleum products per day, the approximate equivalent of all US imports or about 60 per cent of US domestic production.(extraído de Charles Gray Jr. e Frank von Hippel, Scientific American, vol. 244, 5, p. 36, ano 1981)Descreveremos a seguir o comportamento de P na leitura dos textos sublinhados:

I - "Isso... este será um período perigoso é... / espera um pouco, como é que é isso? Ah! Tava achando esse that this esquisito / que este será um período perigoso já está claro..."Note-se que P tentou inicialmente aplicar uma interpretação de frase simples à oração subjetiva sublinhada, revendo sua interpretação quando encontrou o verbo `is'.

II - "... enquanto o governo e a indústria focalizam, fazem força em desenvolver... custo... com custo novos equipamentos domésticos".

Observa-se que o sufixo ambíguo `-ly' que pode tanto ser afixo adverbial como adjetival, mas é mais freqüentemente adverbial, levou P a intepretá-lo como advérbio e, portanto, como modificador do verbodeveloping ' e não como modificador de `new domestic supplies' É possível que tal segmentação tenha sido influenciada pelos múltiplos modificadores que o118nome supplies já tenha. Aqui, a re-análise não ocorreu, tendo havido intervenção do autor neste artigo.

III - "... acreditamos na possibilidade de fazer uma transição econômica bem-sucedida para a era do petróleo... /não, não é assim/ - we belive the possibility ta-ta-ta depends on - ah! - nós acreditamos que a possibilidade de fazer uma transição econômica bem-sucedida para a era do petróleo depende de um esforço..."Neste trecho P foi levado a intepretar 'the possibility' que se segue a 'we believe' como objeto do verbo e não como sujeito da oração encaixada que lhe serve de complemento. Ocorreu, portanto, novamente a estratégia do sentóide canônico, isto é, a interpretação SVO para essa cadeia. A ausência do complementador 'that' propiciou esse equívoco.IV - "e 20 milhões de caminhonetes leves (a maioria para uso particular /não/ a maioria caminhões pickups e caminhonetes para uso particular).Novamente ocorre aqui uma re-análise para possibilitar a inclusão de outros elementos que vão aparecendo, em uma mesma moldura.Em todos os casos vistos, com exceção de II, verificou-se assim uma tendência a um fechamento sintático precipitado que permitiu, contudo, extrair uma informação coerente e significativa até o ponto do fechamento. No momento em que o leitor perce119

Page 65: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

be que sua decisão foi ineficaz para integrar elementos posteriores, recorre ao seu conhecimento gramatical para analisar com mais cuidado o input visual. Podemos dizer então que o conhecimento da sintaxe atua de duas maneiras na leitura. Uma que é mecânica e inconsciente e que atua na base de reconhecimento instantâneo de padrões e funções e a segunda que é consciente e que atua em situações de equívoco e incerteza.O reconhecimento automático instantâneo dos padrões sintáticos pode ser atribuído a duas competências: a) o conhecimento da tipologia sintática da língua e b) o conhecimento da regência das palavras. Assim, saber que o inglês é uma língua SVO faz-nos procurar nessa ordem as cadeias de elementos com essas funções e a prever ainda a ordem de aparecimento de constituintes não essenciais. Sabe-se pela literatura referente à tipologia lingüística que a ordem de constituintes menores e a ordem de constituintes essenciais se determinam mutuamente de forma que saber, por exemplo, que o inglês é uma língua SVO faz-nos prever que as relativas seguirão o nome e que os complementos seguirão o verbo. A tipologia mostra ainda que há línguas que apresentam impurezas. Assim, o inglês tem em seu sintoma nominal características de língua SOV, o qual permite vários modificadores pré-nominais. Padrões com essas estruturas certamente não serão os moldes preferenciais de um aprendiz brasileiro.A regência lexical, por seu lado, faz-nos prever o tipo de complementos que deve ocorrer no contexto, o que nos leva a interpretar automaticamente as funções desses constituintes. As marcas formais como sufixo, preposições e determinantes são oselementos auxiliares que nos ajudam a definir os limites de cada constituinte.A estratégia lexical atua, portanto, juntamente com a estratégia sintática para interpretar sintaticamente a cadeia visual.O conhecimento lexical do leitor não se limita, contudo, à informação do comportamento sintático interno das entradas lexicais. Ao contrário do dicionário comum, onde os itens aparecem alistados de forma alfabética, acredita-se que, no léxico mental, o item lexical não aparece isolado, mas sim dentro de uma rede de relações paradigmáticas e sintagmáticas. Assim, o aparecimento de um item no texto deverá ativar outros da mesma área, fazendo o leitor prever o desencadeamento temático possível a partir desses itens.Voltando ao nosso texto, observe-se que, no título, ocorrem vários itens que formam com outros itens do texto uma rede de relações. Assim, o fuel' se relaciona com Ml', petroleum, `energy' em relação paradigmática ou sintagmática. 'Vehicles' tem em 'vans', 'cars' e 'trucks' alguns de seus hipônimos. Economy' coloca-se com production, cada um dos quais por sua vez estabelece relações com outros itens do texto.A compreensão de um item não se dá, portanto, de forma isolada, da mesma forma que não pode haver aprendizagem de um termo fora de sua rede de relações. A compreensão e a aprendizagem de um item lexical parece tanto mais efetiva quanto maior o número de relações que esse item consegue estabelecer com itens já compreendidos ou aprendidos.Nesse sentido, a compreensão e a aprendizagem assemelham-se ao processo lingüístico de mu120121

Page 66: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

dança ou extensão de sentido, que, segundo a literatura semântica, afetam não itens isolados mas conjuntos do mesmo campo semântico.Convém observar aqui que nem sempre fica clara a distinção entre informação lexical e conhecimento do mundo. Sabemos, porém, intuitivamente que nem tudo que envolve um conceito, em termos do nosso conhecimento do mundo, pode vir codificado no léxico, entendido aqui como um dicionário lingüístico e não enciclopédico.Com essa análise não tivemos a pretensão de atribuir apenas a estratégias sintáticas e lexicais a possibilidade de extrair o sentido de um texto. A compreensão exige, como vimos, a interação do leitor com dados do texto, dados de sua memória e de sua capacidade cooperativa-comunicativa com um autor que ele geralmente não conhece.Pretendemos, antes, ilustrar a importância dos procedimentos gramaticais e lexicais na leitura, procedimentos esses que parecem ter sofrido, nas abordagens descendentes radicais dos últimos anos, uma desenfatização imerecida e pouco sensata. Da mesma forma que abordar o texto apenas do ponto de vista formal abstrai-nos perigosamente de seu sentido global explícito e implícito, procurar depreender o sentido do texto sem uma interpretação criteriosa de sua forma pode levar-nos a imprecisões, distorções e equívocos igualmente indesejáveis.122CAPÍTULO 8ESTRATÉGIAS COGNITIVAS E METACOGNITIVAS

NA AQUISIÇÃO DE LEITURA*O presente trabalho tem como objetivo aprofundar os conceitos de estratégias cognitiva e metacognitiva, conceitos esses já apresentados em Kato (1983, a), e fazer algumas considerações sobre seu papel na aprendizagem'.1. Estratégias cognitivas versusestratégias metacognitivasA oposição entre cognição e metacognição é inspirada em Vigotsky (1962) e sua lei do estado de" Apresentado no I Encontro de Leitura, U.E. Londrina, 19841. Não estamos fazendo aqui a clássica distinção entre aquisição e aprendizagem por acreditarmos que esta também é basicamente determinada pelos fatores que regem aquela.

Page 67: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

consciência, segundo a qual podemos distinguir duas fases no desenvolvimento do conhecimento: uma fase de desenvolvimento automático e inconsciente e uma em que se observa um aumento gradual ao controle ativo desse conhecimento'.Flavell (1978)1 distingue ainda duas categorias, não necessariamente exclusivas, do conhecimento metacognitivo: conhecimento de aspectos da cognição e conhecimento que controla e seleciona aspectos da atividade cognitiva. Em outras palavras, a primeira categoria refere-se ao controle desse conhecimento. No presente estudo, estaremos trabalhando com o segundo conceito de metacognição, que poderia ser definido como o domínio de estratégias que regem o comportamento do leitor.Estratégias cognitivas em leitura designarão, portanto, os princípios que regem o comportamento automático e inconsciente do leitor, enquanto estratégias metacognitivas em leitura designarão os princípios que regulam a desautomatização consciente das estratégias cognitivas.Nas seções seguintes, examinaremos cada uma dessas noções através de uma análise de seus subtipos.2. Estratégias cognitivas

Em meu artigo Estratégias em Interpretação de Sentenças e em Compreensão de Textos examinei2. A obra de Vigotsky utilizada é uma coletânea de traduções para o inglês de originais que datam dos anos 30.3. J. Flavell (1978) "Cognitive Monotoring". Draft prepared for the conference on Children's Oral Communication skills, U. of Wisconsin. Apud Moore (1983).

124fatos referentes à segmentação sintática e à interpretação de frases que eram explicáveis não por regras gramaticais, mas por estratégias cognitivas que regem o desempenho do compreendedor.Para ilustrar aqui como elas operam, relatei fatos observados em trabalho anterior - Estratégias Gramaticais e Lexicais em Leitura em Língua Estrangeira'- com sujeito em fase de aquisição de língua estrangeira. As observações são válidas, a meu ver, para o caso de língua materna.Solicitado a ler silenciosamente um texto em inglês, de conteúdo de interesse do sujeito, e a traduzir livremente em voz alta, esse sujeito cometeu vários equívocos, alguns dos quais foram seguidos de autocorreção, mostrando claramente que houve da parte dele um controle ativo de sua atividade cognitiva.(1) ... That this be a dangerous period is already clear from the anxiety..."... Isso... este será um período perigoso é... (espera um pouco, como é que é isso? Ah! tava achando esse that this meio esquisito)... que este será um período perigoso está claro pela ansiedade..."O equívoco aqui revela a tendência do sujeito a interpretar a primeira oração como principal e não subordinada (uma estratégia cognitiva); as pausas revelam perplexidade ou planejamento. Após a detecção da falha em sua interpretação, o leitor se autocorrige, em um comportamento que denuncia claramente uma estratégia metacognitiva.4. V. Kato (1984).125

Page 68: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

(2) ... we believe the possibility of making successful economic transmission to the post petroleum era depends on..... acreditamos na possibilidade de fazer uma transição economicamente bem-sucedida para a era do petróleo... (não, não é assim - we believe the possibility ta-ta-ta depends on ah!) nós acreditamos que a possibilidade de fazer uma transição economicamente bem-sucedida para a era do petróleo depende..."Verifica-se que a tendência a um fechamento precipitado de uma seqüência tão logo ela contenha os elementos necessários mínimos para constituir-se em uma unidade sintática mínima. Da mesma forma que no exemplo anterior, o sujeito se autocorrige. Note-se ainda que o leitor vocaliza sua leitura quando ele tenta reparar o erro. Essa vocalização parece ter muito a ver com a fala egocêntrica da criança - a que se refere Vigotsky (1962) - quando esta enfrenta uma situação de resolução de problema.Pedrosá (1984) observa esse fenômeno de fechamento precipitado em crianças desempenhando testes cloze.

(3) ... gostávamos de o gado pastando.(observar)... gostávamos de curral o gado pastando. ... gostávamos de ração - gado pastando.

O item no texto original era observar, um verbo, mas as duas crianças preencheram a lacuna com um substantivo, efetuando assim um fechamento sintático precipitado. Kleinan (1983) observa o mesmo fenômeno.126O fato de termos ilustrado a existência de uma estratégia cognitiva através de um equívoco ou erro, não significa, porém, que ela leve necessariamente a isso. Na verdade, o que ocorre é que normalmente as estratégias cognitivas possibilitam uma grande eficiência na leitura e que só não funcionam (e nesse caso causam equívoco) quando há uma situação marcada, que foge aos padrões esperados pelo leitor. O equívoco do leitor apenas acusa, de forma mais clara, a existência dessas estratégias.As estratégias cognitivas não se limitam apenas a explicar comportamentos relativos à interpretação sintática da frase. A nível intersentencial elas se revelam na tendência do leitor a fazer correspondência entre a ordem linear do texto e a ordem temporal dos eventos, ou a interpretar vários sintagmas do texto como sendo co-referentes. Essa última tendência é explicada pelo Princípio da Parcimônia de Fillmore e Kay (1981), segundo o qual o leitor tende a reduzir os personagens do cenário mental, que se forma a partir do texto.Poderíamos dizer que existe um princípio mais geral que governa tanto as estratégias cognitivas de natureza sintática quanto as semânticas e este seria o Princípio de Canonicidade, ou da ordem natural. Assim, em sintaxe a ordem natural é SVO (sujeitoverbo-objeto) assim como a oração principal antes da subordinada; a nível semântico, teríamos o animado antes do inanimado, o agente antes do paciente, a causa antes do efeito, o positivo antes do negativo (assim como a tese antes da antítese) etc.Podemos dizer ainda que um outro princípio geral que rege nosso comportamento diante do texto é o Princípio da Coerência. Esse princípio, bem127

Page 69: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

como os outros, não rege apenas o comportamento do leitor, mas também o do produtor de textos. Agar e Hobbs (1982), que trabalham com esse conceito do ponto de vista do produtor de textos, utilizando estudos da antropologia e da inteligência artificial, propõem para a análise do discurso uma noção central - a da coerência - entendida por eles em três níveis. O primeiro nível, a que eles chamam global, tem a ver com o objetivo do produtor de efetuar com o texto alguma mudança no mundo. O segundo nível - o local - tem a ver com o que o autor objetiva fazer em algum lugar do texto. Uma maneira de ser coerente é, por exemplo, dizer o que acontece em seguida; outra é elaborar sobre o que foi dito; outra ainda é estabelecer um paralelo, contraste, etc. O terceiro nível - o temático - tem a ver com o uso recorrente de uma mesma fatia de informações no texto e se confunde com o Princípio da Parcimônia.Se entendermos leitura como um ato de simulação do planejamento do escritor, ela deverá consistir na busca da coerência nesses três níveis.Scott (1983), embora não discrimine o princípio da coerência em três níveis, propõe-nos já como um princípio regulador da recepção e postula ainda submáximas que guiam o leitor nos casos em que há insucesso nessa busca. São as seguintes as máximas propostas (p. 10):

A. Pressuponha que o discurso é coerente (isto é, que os itens se organizam como unidades em seqüência, a não ser que esteja explicitado o contrário).B. Onde parece faltar informação (falha no "fio"), pressuponha que a informação que falta não é surpreendente, conflitante ou inconsistente.128As máximas A e E parecem ter a ver com a busca da coerência local; as máximas D e E com a busca de coerência global e a F já sobrepõe a uma estratégia cognitiva uma estratégia metacognitiva.Concluindo, podemos dizer que pelo menos dois princípios básicos regem nosso comportamento inconsciente na leitura: a) o Princípio da Canonicidade e b) o Princípio da Coerência, este último englobando o Princípio da Parcimônia.129C. Onde a informação parece sem sentido, irrelevante, conflitante ou surpreendente, 1) procure no co-texto "dicas" para a seqüência da informação, e, se isto não restaurar a coerência, 2) procure uma função lingüística interpessoal para suplementar a função do conteúdo ideacional.D. Se a máxima falhar momentaneamente (isto é, em apenas um ou dois itens), pressuponha que lhe falta informação prévia necessária. Decida sobre os custos e benefícios de ignorá-la ou de procurar a informação prévia necessária em outras fontes.E. Se falhar permanentemente no discurso (isto é, os itens seguintes estão coerentes entre si mas não com os itens que você está focalizando), pressuponha que você chegou ao fim daquela unidade do discurso.F. Mesmo que o discurso pareça coerente, pressuponha que há em jogo funções interpessoais de linguagem inexplícitas, ou pelo menos um ponto de vista, assim como a função ideacional. Procure-as perguntando-se no que o autor pode querer levar você a acreditar. Procure as pressuposições do autor. Teste para verificar se não há falhas nas máximas de Grice.

Page 70: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

3. Estratégias metacognitivas em leituraA autora que trabalha em maior detalhe a questão das estratégias metacognitivas é Brown (1980)'. No artigo Metacognitive Development andReading, a autora alista as seguintes atividades em leitura, às quais ela confere natureza metacognitiva:a) explicitação dos objetivos da leitura;b) identificação de aspectos da mensagem que são importantes;c) alocamento de atenção em áreas que são importantes;d) monitoração do comportamento para ver se está ocorrendo compreensão;e) engajamento em revisão e auto-indagação para ver se o objetivo está sendo atingido;f) tomada de ações corretivas quando são detectadas falhas na compreensão;g) recobramento de atenção quando a mente se distrai ou faz digressões.A meu ver, temos aqui apenas duas estratégias básicas, sendo as demais apenas subtipos dessas estratégias:

a) estabelecimento de um objetivo explícito para a leitura;b) monitoração da compreensão tendo em vista esse objetivo.Assim, o item b) me parece ser apenas um subtipo de a'), e c), e) e f), subtipos de b'). O item g) parece ser algo que nada tem a ver com o conceito de estratégia. Outros subtipos poderiam ser acresci5. Veja também Moore (1983).130dos a a'), recorrendo-se às estratégias cognitivas mencionadas anteriormente. Poderíamos ter, por exemplo, identificação do tema do texto ou das premissas que levam à conclusão. Ao selecionarmos um aspecto de nossa atividade cognitiva, no caso um tipo de coerência, estaríamos desautomatizando essa busca, tornando-a consciente.Se formalizarmos as estratégias cognitivas e metacognitivas em forma de máximas, como fez Scott, teríamos o seguinte contraste:I. Estratégias cognitivas:1. Pressuponha que o texto apresente ordem canônica.2. Pressuponha que o texto seja coerente. II. Estratégias metacognitivas:1. Explicite claramente seus objetivos para a leitura.Exemplos:Procure o tema do texto.- Analise a consistência interna do texto.- Compare o que o texto diz com o que vocêsabe sobre o assunto e veja se as duas informações são coerentes, etc.2. Monitore sua compreensão tendo em mente essesobjetivos.

A natureza inconsciente de nossas estratégias cognitivas fica clara nessa formalização, pois quase nunca temos consciência de nossas pressuposições.As estratégias cognitivas têm merecido atenção constante por parte da literatura referente à aquisição da linguagem6, mas parece-nos que as meta6. Karmillof-Smith (1979) apresenta dados de aquisição oral que mostram uma clara atividade de natureza metacognitiva no ato da produção de narrativas.131

Page 71: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

cognitivas é que têm um interesse especial para a aprendizagem formal na escola em virtude de sua natureza consciente. Em vista disso, discutirei, na seção seguinte, apenas o aspecto de desenvolvimento referente a essas últimas.

4. Desenvolvimento de estratégias metacognitivas

Brown dedica uma boa porção de seu trabalho aos aspectos do desenvolvimento das estratégias metacognitivas e discute o desempenho da criança na escola com respeito ao uso das mesmas. Mas a atitude da autora face a esse desempenho tem por base a tese do déficit, isto é, a de encarar o aprendiz como deficiente em relação a um saber e comportamentos ideais, o que parece contradizer seu objetivo de estudar o assunto em uma abordagem desenvolvimentista. As seguintes afirmações de Brown atestam essa atitude:O estudo de Pedrosa (op. cit.) mostra, contudo, que a criança, desde muito cedo, começa a monitorar seu comportamento como leitor. A diferença entre crianças menos experientes e mais experientes reside no nível lingüístico em que tal monitoração se dá. Assim, Pedrosa mostra que as crianças menos experientes começam monitorando a nível da palavra, para progressivamente passarem a monitorar a nível de sintagmas, orações e unidades maiores que o período. Pedrosa constata esses fatos tanto na leitura oral, através das pausas, erros e reparos do pequeno leitor, como também na leitura silenciosa, através de desvios cometidos em teste cloze. A nível textual, por exemplo, algumas crianças cometem erros tentando preencher lacunas com itens que ocorreram em outro lugar do texto (antes ou depois da lacuna), o que já evidencia uma busca de coerência temática bastante consciente.Nesse mesmo teste, Pedrosa mostra que muitas crianças deixam de preencher lacunas, o que mostra que a criança tem consciência de uma falha em sua compreensão. Como diz a própria Brown:"The good student may be one who often says he does not understand, simply because he keeps constant check on his understanding" (p. 459).O fato de a maioria das crianças de Pedrosa não apresentar monitoração a nível textual não significa, porém, que elas não tenham ainda estratégias cognitivas de natureza textual. Significa apenas que o cloze, por não constituir um texto real, mas sim um problema de reconstrução de um objeto (o texto), requer constantemente a aplicação de estratégias metacognitivas nesse nível.133.. we identified many areas in which children's metacognitive deficiencies caused severe problems" (p. 456)."Metacognitive deficiencies are the problem of the novice, regardless of age. Ignorance is not necessarily agerelated; rather it is more a function of inexperience in a new problem situation" (p. 475). "Apparently the monitoring necessary to detect a comprehension failure is not routinely undertaken by young children" (p. 459)."They are less conscious of the workings of their mind, less facile with the introspective modes necessary to reveal their mental states, and therefore, less able to exert conscious control of their own cognitive activity" (p. 471).132

Page 72: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

A observação de Brown sobre a dificuldade da criança em aprender a idéia central ou principal parece também ter evidência apenas no nível metacognitivo, pois segundo ela:"It is important to note, however, that recall of the passages at all ages was sensitive to the importance level of the units" (p. 464).Essa afirmação revela que a criança tem estratégias cognitivas textuais, mas grande parte das crianças não consegue ainda fazer afirmações ou desempenhar atividades que exijam dela capacidade metacognitiva no nível textual. Um trabalho que a faça perceber os motivos que a levaram a deixar certos trechos do texto em sua rememoração poderão darlhe gradativamente a noção consciente de que algumas idéias são mais importantes do que outras.A posição de Brown parece resultar de seu julgamento face ao desempenho da criança em tarefas escolares, como mostra a afirmação abaixo:"Planful strategic behavior in the face of school-type tasks does appear to be relatively late in developing: witness the large amount of dat suggesting that efficient study skills are less tham well developed in college population" (p. 457).Em nenhum momento, porém, a autora chega a questionar as tarefas escolares, isto é, a indagar se o problema não estaria na própria escola e não no aprendiz. A falha no ensino da leitura pode estar na falta de objetivos claros para a leitura. Se a criança enfrenta o texto sem nenhum objetivo prévio, ela dificilmente poderá monitorar sua compreensão tendo134em vista esse objetivo. Sua monitoração, quando muito, poderá se dar apenas a nível de uma compreensão vaga e geral. Ou ainda, ela poderá ler o texto, tendo em mente apenas o tipo de perguntas que a escola está acostumada a lhe fazer. Sua compreensão, nesse caso, será monitorada apenas para atender à expectativa da escola e não dela mesma.5. Considerações pedagógicasComo vimos, as estratégias cognitivas munem o leitor de procedimentos altamente eficazes e econômicos, responsáveis pelo processamento automático e inconsciente, enquanto as metacognitivas orientam o uso dessas estratégias para desautomatizá-las em situações de problema.A escola pode oferecer condições propícias para a criança desenvolver tanto as primeiras como as últimas, oferecendo para o primeiro caso um estímulo compreensivo, no sentido de Krashen (1981), e motivador, e para o segundo, situações problema.Como acredito que as primeiras desenvolvemse naturalmente em função do input e da motivação, concentrar-me-ei em sugestões sobre o desenvolvimento das estratégias metacognitivas.A criança que está fazendo uma leitura sem um objetivo específico pode ter falhas em sua compreensão, mas não detectá-las como problemas, situação essa que não ativa suas estratégias metacognitivas. A escola pode, então, oferecer atividades de leitura orientadas com o fim específico de criar situações que exijam a aplicação dessas estratégias.135

Page 73: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Penso especificamente em dois tipos de ação pedagógica: a) uma ação sobre a leitura em curso e b) uma ação sobre o produto da leitura que determine, todavia, um retorno ao texto. No primeiro caso, o próprio aprendiz guia sua leitura para atingir um determinado fim, e no segundo, o professor age como um previsor de falhas de compreensão.Vejamos alguns exemplos do primeiro tipo:

1. Procure uma palavra única que possa preencher todas as lacunas do texto. Depois de preenchidas, leia para ver se ficou bom. Escreva agora todas as palavras ou expressões que fizeram você adivinhar a palavra que estava faltando.

O estímulo aqui não é um texto na acepção normal do termo, mas um exercício de reconstrução de um texto, que, como o doze, exige um constante controle da compreensão por parte da criança. A criança é obrigada a usar pistas gramaticais, semânticas, seu conhecimento prévio e sua capacidade de raciocínio para desincumbir-se da tarefa. Ao contrário do teste doze, que pode levar a criança a perder as pistas textuais, fazendo-a prender-se apenas a pistas locais, esse tipo de exercício trabalha principalmente com uma busca consciente de coerência temática. Ao mesmo tempo em que desenvolve suas estratégias cognitivas, o leitor deverá eventualmente fazer retrocessos até lacunas já preenchidas e substituir a palavra já escolhida, em uma atividade nitidamente metacognitiva.

2. Ouça a história que vou contar. Agora leia a estória da folha mimeografada.a) assinale as passagens que são diferentes da estória ouvida ou136b) acrescente o que falta no texto da folha, redigindo novo texto, ouc) suprima o que não apareceu na estória da professora.Temos aqui atividades que contrastam dois esquemas. de compreensão advindos de códigos diferentes, contraste esse que levará a criança a refinar sua compreensão na busca consciente de uma coerência intertextual (um tipo de coerência global). A atividade conjuga ainda a leitura com a escrita - habilidade esta também em desenvolvimento - e se apóia na linguagem oral, sobre a qual a criança tem maior domínio.Quanto ao segundo tipo de ação, não estamos pensando em atividades do tipo que a escola privilegia, de mera rememoração literal do texto, caso em que a ação se limita a trabalhar com o produto da leitura, mas em atividades que propiciem uma monitoração tardia da compreensão por parte da criança. Assim, questões formuladas a partir de uma predição do professor de que houve falhas na compreensão podem levar a criança a uma re-leitura do texto em um nível em que ela provavelmente não operou.Outra atividade que pode resultar em uma monitoração tardia da compreensão seria a re-leitura do texto doze já preenchido pelo aprendiz. A leitura após algum tempo fará com que a criança atue como um leitor frente a um texto não lacunado, mas sua leitura, ao contrário do que ocorre em situação normal, será muito mais crítica e com possibilidade de reparos de seu desempenho inicial como co-produtora do texto.137

Page 74: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

Isto é apenas uma ilustração do que se pode fazer a partir de uma concepção teórica clara do que o leitor faz no ato da leitura.O professor criativo e experiente poderá utilizar-se do conhecimento que tem a criança e da situação de aprendizagem para, a partir delas, propor atividades significativas que levem a criança a utilizar e desenvolver toda sua capacidade cognitiva e metacognitiva'.7. V. Elias (1983) para uma noção clara de esquemas de compreensão.138REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Abaurre, B. "Regionalismo lingüístico e a contradição da alfabetização no intervalo", Comunicação no Seminário Interdisciplinar de Alfabetização, PUCSP, 1983.2. Adams, M. A. "Failures to comprehend and levels of processing in reading", in: Spiro et al. (orgs.). Theoretical Issues in Reading Comprehension, Nova Jersey, L. Erlbaum Associate Publishers, 1980.3. Agar, M. e J. R. Hobbs. "Interpreting Discourse: coherence and the analysis of ethonographic interviews". Discourse Processes, 5, 1, 1982, pp. 1-32.4. Ausubel, D. P., J. D. Novak e H. Hanesian (1968). Psicologia Educacional. 22 ed. (1978), tradução da Editora Interamericana, Rio de Janeiro, 1980.5. Bever, T. G. "The cognitive basis for linguistic structures", in: J. R. Hayes (org.) Cognition and the Development of Language, Nova York, John Wiley and Sons, 1970.6. Bever, T. G. "Psychological real grammar emerges because of its role in Language acquisition", in: P. Dato (org.) Developmental Psycholinguistics, Washington, Georgetown University Press, 1975.7. Bickerton, D. Roots of Language, Ann Arbor, Karome Publishers, 1981.8. Boborow, D. G. e A. M. Collins (orgs.) Representation and Understanding: Studies in Cognitive Science, Nova York, Academic Press, 1975.

139

Page 75: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

9. Bolinger, D. Meaning and memory, forum Linguisticum, 1.1.1976, pp. 111-133.10. Braga, D. e J. Busnardo. A contribuição do ensino da leitura para a deformação do leitor. Estudos Lingüísticos VIII, pp. 24-29.11. Brown, A. "Metacognitive development and reading", in: Spiro et al. (orgs.) Theoretical Issues in Reading Comprehension, Nova Jersey, L. Erlbaum Associate Publishers, 1980.12. Bruner, J. Beyond the Information Given, Londres, George Allen and Unwin, 1980.13. Chafe, W. L. "Language and consciusness", Language, 50, 1, pp. 1-4.14. Chomsky, N. "Comments for Project Literacy Meeting", in: M. Lester (org.) Reading in Applied Transformational Grammar, Nova York, Holt Rinehart and Winston, 1970.15. Clark, H. e S. E. Havilland. Comprehension and the givennew contract. In: R. Freedle (org.) Discourse Production and Comprehension. Nova Jersey, Ablex Publishing Corporation.16. Elias, M. S. "Efeitos da estrutura formal do texto sobre procedimentos seletivos e inferenciais na leitura". Estudos Lingüísticos VIII, 1984, pp. 30-39.17. Ferreiro, E. "Vers une théorie génétique de 1'apprentissage de la lecture, Revue Suisse de Psychologie Pure et Appliquée, 36, 2, 1977, pp. 109-13018. Ferreiro, E. "Investigación sobre el desarrollo y la transformación de los esquemas conceptuales de los ninos en el proceso de adquisición de la lengua escrita", Lectura y Vida, Ano IV, 2, 1983, pp. 11-18.19. Ferreiro, E. e A. Teberosky. El Sistema de la Escritura en el Desarrollo del Nino, Mexico City, Siglo XXI, 1979.20. Fillmore, C. Ideal readers and real reader. Proceedings of the 32nd Georgetown Round-table on Languages and Linguistics, Washington DC, Georgetown University Press, 1981.21. Fronkin, V. e R. Rodman. An Introduction to Language, Nova York, Holt Rinehart and Winston, Inc. 1974.14022. Gelb, I. J. A Study of Writing, Reised Edition, Chicago, The University of Chicago Press, 1963.23. Gibson, E. e H. Levin. The Psychology of Reading, Cambridge, Mass., The MIT Press, 1975.24. Givón, T. (org.) Syntax and Semantics 12: Discourse and Syntax, Nova York, Academic Press, 1979.25. Goodman, K. S. "Reading: a psycholinguistic guessing game", in: D. Gunderson (org.) Language and Reading, Washington, Center for Applied Linguistics, 1970.26. Gough, P. B. e R. L. Diehl. "Experimental Psycholinguistics", in: W. O. Dingwall (org.) A Survey of Linguistic Science, Stamford, Connecticut, Greylock Publishers, 1978.27. Goyano, A. P. M. Aspectos metalingu sticos da capacidade de segmentação em crianças de 5 a 9 anos de idade. Dissertação de mestrado, PUCSP, 1984.28. Huggins, A. W. e M. A. Adams. "Syntatic Aspects of Reading Comprehension", in: R. J. Spiro et al. (orgs.) Theoretical Issues in Reading Comprehension, Nova Jersey, L. Erlbaum Associates Publishers, 1980.29. Karmillof-Smith, A. A. "Language as a formal problemspace for children", Comunicação apresentada no Congresso do MPG/NIAS sobre "Beyond Description in Child Language", Niymejen, Holland, 1979.30. Kato, M. "Reconhecimento instantãneo e processamento", Série Estudos 8. Linguagem escrita e oral. Uberaba, 1981,

Page 76: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

pp. 9-17.31. Kato, M. "Estratégias em interpretação de textos e compreensão de textos", Cadernos PUC, 16, São Paulo, Editora EDUC-Cortez, 1983a, pp. 8-17.32. Kato, M. "Processos de decodificação: a integração do velho com o novo em literatura". Anais do I Encontro Nacional de Redação-Leitura no 32 Grau, PUC, São Paulo, 1983b, pp. 33-42.33. Kato, M. "Leitor: de analisador a reconstrutor". Boletim Bibliográfico da Biblioteca Mário de Andrade, vol. 44, n4 1/2, jan./jun. 1983c, a ser publicado.34. Kato, M. "Estratégias gramaticais e lexicais em leitura em

lingua estrangeira", Cadernos PUC, 1984, pp. 132-141.141

Page 77: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

35. Kato, M. "Fatores facilitadores e pré-requisitos na aquisiçãoda leitura em segunda lingua", Anais do Encontro de Linguagem, Aprendizagem e Integração, Unicamp, no prelo. 36. Kato, M. "Aquisição da escrita e métodos de alfabetização".Comunicação apresentada no Encontro de Alfabetização,UFMG, 1983.37. Kato, M. "Estratégias cognitivas e metacognitivas e a aquisição de leitura". Comunicação no Encontro de Leitura, U. E. Londrina, 1984.38. Katz, J. J. e J. Fodor. "The structure of a semantic theory". Language 39, pp. 170-210.Kintsch, W. et al. Comprehension and recall of text as afunction of content variable. Jl. of Verbal Learning andVerbal Behavior 14, 196-214.40. Kleiman, A. "Diagnóstico de dificuldades na leitura: uma proposta de instrumento", Cadernos PUC, 16, São Paulo, Editora EDUC-Cortez, pp. 34-50.41. Kolers, P. A. "Patterns analysing disability in poor readers", Developmental Psychology, 11, pp. 282-290.42. Krashen, S. "The Fundamental Pedagogical Principle in Language Teaching", in: B. Sigurd e J. Svartvik (orgs.) AILA, 81 Proceedings, 1981.43. Kuno, S. Harvard Studies in Syntax and Semantics, Harvard University Press, Cambridge, Mass., 1975.44. Kuno, S. "Gapping: a functional analysis". Linguistic Inquiry,7, 2, 1976, pp. 30O-318.45. Lavine L. The Development of Perception of Writing in Prereading Children. Dissertação de Doutorado, Cornell University, 1972.46. Lemle, M. "Heterogeneidade dialetal: um apelo à pesquisa", Tempo Brasileiro: Lingüística e Ensino do Vernáculo, 53/54, org. por L. M. P.47. Lemle, M. "A tarefa da alfabetização: etapas e problemas

no português". Letras de Hoje, 15 (4), 1983, pp. 41-60.48. Levy, D. "Communicative goals and strategies", in: T. Givón (org.) Syntax and Semantics 12: Discourse and Syntax. Nova York. Academic Press, 1979.49. Marcus, M. P. A Theory of Syntatic recognition for Natural Languages. Cambridge, Mass., The MIT Press, 1980.14250. Marcuschi, L. A. "Linguística do Texto: o que é e como se faz". Série Debates 1. Universidade Federal de Pernambuco, 1983.51. Martins, A. S. Reflexos da Atividade de Planejamento no Discurso Espontâneo. Dissertação de Mestrado inédita. PUCSP, 1983.52. Miller, G. "Semantic relacions among words", in: M.Halle, J. Bresnan e G. Miller (orgs.) Linguistics Theory and Psychological Reality. Cambridge, Mass., The MIT Press, 1978.53. Morgan, J. L. e G. Green. "Pragmatics and reading comprehension", in: R. J. Spiro et al. (orgs.) Theoretical Issues in Reading Comprehension. Nova Jersey. L. Erlbaum Associate Publishers, 1980.54. Moore, P. "Aspects of metacognitive knowledge about reading". Journal of Research in Reading, 6 (2), 1983, pp. 87-102.55. Morton, J. "Word recognition", in: J. Morton e J. Marshall

(orgs.) Psycholonguistic Series, 2. Londres, ELEK, 1979.

Page 78: Copvright © 1985, Luraria Marins Fortes Editara Ltda file · Web viewSão Paulo. para a presente edição. 11 edição. outubro de 1985. 51- edição. junho de 1999. 21 tiragem.

56. Pedrosa, R. C. Desenvolvimento da Leitura em Crianças da 2A 30 e 4° Séries da Escola Rural. Dissertação de Mestrado inédita, PUCSP, 1984.57. Perini, M. et al. "Definição linguistica da legibilidade". Projeto INEP, 1982.58. Rego. L. B. "Aprendendo a ler: uma conquista da criança ou o resultado de um treinamento?" Seminário do INEP: Aprendizagem da Língua Materna, 1982.59. Rumelhart, D. E. "Schemata: the building blocks of cognition", in: R. J. Spiro et al. (orgs.) Theoretical Issues in Reading Comprehension, Nova Jersey, L. Erlbaum Associates Publishers, 1980.60. Ruwet, N. Theorie Syntaxique et Syntaxe du Français. Paris. Edition du Seuil, 1972.61. Scott, M. "Lendo nas entrelinhas". CadernosPUC 16, 1983, pp. 101-124.62. Simon, H. A. "How big is a chumk?" Science 163, 1974, pp. 482-488.63. Smith, F. Understanding Reading: a Psycholinguistic Analysis of Reading and Learning to Read. Nova York. Holt Reinehart and Winston, 1971.

14339.64. Smith, F. (org.) Psycholinguistics and Reading, Nova York,Holt Rinehart and Winston, 1973.65. Smith, F. Reading. Nova York, Holt Rinehart and Winston,1978.66. Spiro, R. J. B. C. Bruce e W. F. Brewer. Theoretical Issues in Reading Comprehension. Nova Jersey. Lawrence Erlbaum Ass. Publishers, 1980.67. Temple, C. A. et al. The Beginnings of Writing, NovaYork, Allyn and Bacon Inc., 198268. Tierney, R. J. e J. Lazansky. "The rights and responsibilitiesof readers and writers: a contractual agreement", Education Report 15, Center for the Study of Reading, Illinois,1980.69. Vigotsky, L. S. "Thought and Language", organizado e traduzido por E. Hanfman e G. Vakar, Cambridge, Mass., The MIT Press, 1962.70. Vigotsky, L. S. Mind in Society: The Development of Higher Psychological Process. Cambridge, Harvard U. Press, 1978.71. Wanner, E. e M. Maratsos. "An ATN approach to comprehension", in: M. Halle et al. (orgs.) Linguistics Theory and Psychological Reality. Cambridge, Mass., The MIT Press, 1978.72. Weber, B. L. "Syntax Beyond sentences", in: R. J. Spiro et al. (orgs.) Theoretical Issues in Reading Comprehension. Nova Jersey. L. Erlbaum Associates Publishers, 1980.