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Primeira Edição Digital: 2011

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Meus especiais agradecimentos à minha esposa Nayara,querida companheira de tantas lutas e vitórias.

AGRADECIMENTO J. B. Cenzi

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INTRODUÇÃO Jornalista Itamar de Oliveira

Kansun não aceita a mesmice da vida de todosque o cercam, indigna-se com a sua luta pela simplessubsistência, acredita em seus sonhos e tem o arrojo edeterminação para buscá-los. Mas, sonhar pelos caminhos deKansun é viver uma grande aventura, é banhar-se na doçuraemanada dos seres que procuram respostas no imponderável,no exercício permanente da dúvida. É palmilhar terrenosafricanos, árabes e asiáticos decifrando os milenaresconhecimentos resguardados pelas metáforas do texto, embusca dos mais altos extratos do ser.

A Kansun não são prometidas as bênçãos póstumasdos céus, mas ele conquista o direito de escolher, pelo instintodo cão, sua face mais sublime, o seu jeito de viver. Emparedadoe horrorizado pelos animais de sua fauna interior, pelosfantasmas do bronze de seu caráter, pelos mil punhais que oespreitam na floresta de suas sombras, ele procura o que nãopode ser encontrado, mas deságua na pureza e notranscendental de uma conclusão forte e eivada de poesia,que cintila como os elementos naturais ali descritos.

Kansun sou eu, é você, qualquer espírito indócilque tenha sede de conhecimento, que ande pelo fio danavalha, saltando montanhas e engolindo nuvens como se foraalgodão-doce. Ao tempo em que exalta a coragem, subliminaa fraqueza; a despeito do medo, mostra vigor e inteligência,mas, sobretudo, evidencia um cão-humano, supostamentefrágil, que deseja decifrar os segredos da existência.

Na figura de um cão, Kansun pode ser um tigre,tão forte como o seu próprio algoz, ou um carneiro, ou oelefante de três trombas...

Kansun é como o brilho de uma lágrima, de alegriaou de dor.

Kansun, enfim, é o homem que vale a pena.

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PREFÁCIO Jornalista Itamar de Oliveira

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J. B. Cenzi é remanescente dos "Anjos de CalçaLee", aquela geração sequiosa por descobrir um mundo novo,ligada pelos liames da espiritualidade. De certo que bebera osliquens do Álbum Branco, dos Beatles, e se drogara nos mantrasdo Prabhupada Maharishi, na viagem indiana e caleidoscópicaque todos havemos percorrido nas décadas de insubordinação.

Nesse tempo de lutas pelos direitos civis, pelasliberdades individuais que contaminaram o mundo, sobreveioa cultura brâmane, budista, nas quais o pensamento e a filosofiase sobrepunham às religiões. John Lennon pediu "uma chanceà paz" e que os seres humanos não se matassem e nemmorressem, e que fossem banidas as religiões.

A new generation embarcou naquele comboio. Efoi preciso ressuscitar Hermann Hesse com toda a sua cargametafísica para que se pudesse assimilar os métodos filosóficosorientais - vai daí que Kansun guarda semelhanças com Sidarta,o peregrino de Hesse, prêmio Nobel de Literatura.

Nesse mesmo compasso e tempo fulgura o médicoinglês Cyril Henry Hoskins, de alcunha Lobsang Rampa,desvendando "A Terceira Visão". Através dela foi que Rampadescreveu os grandes êxtases espirituais a que o pensamentoe a meditação podem levar. Milhões de livros foram impressosnaquela ocasião de busca incessante pelas bem-aventuranças,que não raro se transformaram em catarses individuais.

Quando Kansun viaja, transmuta-se e aceitapassiva e humildemente os grandes desafios da vida; é opróprio autor que se revela no papel do andarilho, tirandoproveito de suas próprias experiências e dos delírios comunsaos sensitivos, entendendo que a existência é uma eternagarimpagem do ser. Até mesmo quando não tem para onde ir,ou onde chegar.

Entretanto, o comportamento de Kansun não écontemplativo e nem transcedental. Embora represente asociedade animal e seu estado de pureza, se contrapõe comdeterminação ao modernismo consumista, conflituoso dos

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humanos, que não perdeu a sua condição de violento e bélico.Se as sociedades primitivas também eram voltadas para asconquistas, as lições de Kansun se aplicam melhor aos dias dehoje, quando o planeta se vê encurralado pela degradaçãoambiental e depauperação dos costumes.

Kansun é uma violeta que surge na literaturanacional, com suas cores fortes, exatas, apenas o suficientepara encantar. Não é uma obra superlativa e nem tende aopedagógico, já que no seu conteúdo, os exemplos contidos éque prendem o leitor, da primeira à última página. Não foifeito com a intenção das glórias mundanas, senão que paraexpulsar o grito retido por tanto tempo na garganta. E paraexplodir com toda essa grandeza, foi necessário viajar pelascomplicadas ravinas do espírito, sugar as mitocôndrias da carne,atravessar os rios caudalosos, para que o resultado fossepróximo, tanto quanto possível, de um testamento existencial.

J. B. Cenzi traz uma nova forma de comunicaçãoescrita: a beleza desde o seu núcleo mais simples e luminoso,sem ranços e nem sotaques de falsa erudição. Embora se tratede um estudioso, Cenzi prefere as narrações moldadas natradição oral, como o contador de histórias que a gente podeouvir a noite inteira sem qualquer cansaço. Tem algo deSherazade, algo tão poético quanto a vermelhidão seca donordeste da Patativa do Assaré, ou reluzente como as cançõesde Cora Coralina. Como romance ambientado em regiãoimaginária, sua mensagem deixa transparecer que o cãozinhonão tem pátria. Trata-se de um peregrino, que com suasdescobertas quer fazer o mundo melhor, pelo pacifismo,temperança e o amor melhor dimensionado a estender-se

pelas gerações.

PREFÁCIO Jornalista Itamar de Oliveira

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1 - A INDIGNAÇÃO

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1-A INDIGNAÇÃO J. B. Cenzi

Apreensivo, Chien, o vira-lata, andava de um ladopara outro ansiosamente, aguardando o tão esperadomomento. Kun, sua companheira, deitada sobre a terra quenervosamente revolvera junto ao muro delimitador do beco,já sentia os sinais de que daria à luz a sua ninhada.

Enquanto o impaciente Chien aguardava, andando emagitados círculos, relembrava os bons momentos de suasaventuras pelas ruas daquela pequena cidade, sempre seguidopor Kun. Esta, feliz, aceitava de bom grado os desígnios docompanheiro, dedicando-lhe uma tranquila submissão.

Indiferente à impaciência do vira-lata, a Naturezaseguia seu curso e, ao cabo de algumas horas, cinco cãezinhosamontoavam-se junto à mãe. À medida que nasceram,ganharam dos pais os seus nomes: primeiro, nasceu Chen, umlindo machinho que trazia o mesmo nariz preto do pai; asegunda foi Li que tinha o pelo avermelhado da mãe; o terceirofoi Kansun, um suave cachorrinho de pelo marrom-escuro; oquarto foi Ken que nasceu quietinho e assim permaneceu;finalmente, veio Tui, a última a nascer e a mais agitada.

O tempo foi passando, enquanto Kun cuidavacarinhosamente de seus pirralhos, e Chien, orgulhosamente,alardeava pela vizinhança a beleza e a robustez de seusfi lhotes. Vaidoso, comentava com os amigos cadaparticularidade física e de comportamento deles, semprebuscando semelhanças com suas próprias características.

De fato, quem mais conhecia os dengos e caprichosdaqueles cãezinhos era mamãe Kun, que não descuidava delessequer um momento. Com maternal carinho e prazer, estavasempre pronta a se deitar para que os gulosos viessem mamar.

Nessas horas, Chen era, invariavelmente, o que davaos primeiros sinais de fome, movimentando-se por sobre osirmãos em direção à cadela, no que era seguido por Li. Tui, aoser despertada pelo movimento, disparava a abanar suapequena cauda, saltitando alegremente de um lado para outro,

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ora atravessando o caminho de um, ora trombando com outroe se escarrapachando no chão.

Ken demorava a se mover, a deixar seu repousantesono, sendo sempre o último a chegar na barriga da mãe parase alimentar. Kansun apenas olhava suavemente seus irmãosdisputando uma teta, pisoteando uns aos outros em busca deuma melhor posição para sugar o leite materno. Preferia deixarque o tumulto acalmasse para, só então, se servir na barriga damãe.

Nesse ambiente de tranquilidade e muito carinho, oscãezinhos cresceram fortes e saudáveis e já começavam aacompanhar os pais em pequenas incursões à busca de outrosalimentos.

Chien ia à frente, seguido de perto por suacompanheira Kun. Esforçando-se para acompanhar o vira-lata,porém sem se descuidar um segundo sequer dos filhotes, eraauxiliada por Chen, que fazia um enorme alarido quando umdos irmãos se distanciava dos demais.

Tui não se contentava em apenas acompanhar os passoscalmos. Saltitava e corria alegremente em volta dos irmãos,provocando-os à brincadeira. Li, indiferente, seguia os paisbem de pertinho. Ken, eterno sonolento, constantementeficava para trás com seu passinho vagaroso e preguiçoso.

Mas era Kansun quem mais trabalho dava à mãe e aoprovocador Chen, pois a todo instante se distraía com qualquerdetalhe que percebesse. Quando algo chamava sua atenção,esquecia por completo de tudo e de todos, e seguia a trilhaque seu faro indicasse.

– Kansun! – repreendia a mãe – Volte já para cá, menino.Acompanhe seus irmãos!

– Mas, mamãe! Encontrei um cheiro tão diferente!Deixe-me descobrir de onde ele vem, o que o exala. Só esse,mãe, juro. Só esse.

Não era raro ele ser desviado por qualquer inseto quecruzasse seu caminho, por um pássaro que sobrevoasse em

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rasante, ou por qualquer coisa que chamasse sua atenção. Suaaguçada curiosidade o impedia de obedecer a seus pais esegui-los docilmente. Seus irmãos pareciam nem se dar contada enorme variedade de odores, cores e movimentos que oscercavam, mas ele não podia deixar de notar.

Quando Chien farejava uma lata de lixo que semostrasse promissora por conter algum alimento, a derrubavae revolvia, ao que se juntavam Kun e os filhotes. Abocanhavamavidamente qualquer naco de comida que encontrassem,qualquer pedacinho de osso com que deparassem. Todos,exceto Kansun. Ele parecia não se importar com comida,absorto que estava a farejar qualquer coisa nas imediações,algumas vezes afastando-se tanto que sua mãe se via obrigadaa interromper sua refeição e sair em seu encalço. Ralhava comele, explicando que deveria se alimentar sempre que pudesse.Oferecia a ele algum alimento, mas recebia de volta os mesmoschoramingos e contestações do curioso cãozinho.

– Mamãe – resmungava ele. – Tenho muito tempo paracomer. Nós não fazemos outra coisa! Ficamos o dia todoandando por essas ruas, revolvendo latas de lixo e mastigando.Tem tanta coisa bonita e cheirosa por aí, deixe-me conheceralgumas delas. Só algumas, mãe. Juro que depois eu me juntoa vocês e vou comer.

Ainda bem jovem, mas quando já se aventurava sozinhoem pequenos passeios pela redondeza, Kansun continuavasendo motivo de preocupação para a mãe. Não raro, saíaolhando e farejando tudo ao seu alcance e, quando encontravaalgo que despertasse seu interesse, punha-se por horas a seguirsua trilha, esquecendo de tudo mais.

Quase sempre retornava muito mais tarde do que oprudente, faminto e cansado, pois sua curiosidade não lhepermitia parar para encontrar algum alimento. De nadaadiantavam as repreensões dos pais por não se alimentarconvenientemente e por não seguir as regras que lheimpunham, pois bastava afastar-se um pouco deles e já nem

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lembrava, envolvido com detalhes que aguçavam suacuriosidade.

Já crescido, sentindo-se confiante quanto às suaspossibilidades, Kansun abordou o pai, solicitando seuconsentimento:

– Pai, já estou bastante crescido e posso cuidar de mimmesmo. Estou farto de andar sempre pelas mesmas ruas,revolvendo as mesmas latas de lixo, comendo as mesmassobras de comida. Eu desejo ir mais longe, procurar novoslugares, talvez alguma comida diferente e mais gostosa.

– Meu filho, essa é a nossa vida. Para isso vivemos.Devemos nos alimentar quando podemos, senão poderemosmorrer de inanição. Não é fácil encontrar alimentos suficientespara todos nós. Nessa redondeza já conhecemos muito bemas latas de lixo, sabemos onde e quando encontrar o de queprecisamos. Para que iríamos nos afastar daqui, nosaventurando em lugares onde não temos certeza de encontraralguma coisa?

– Vale a pena, pai. Existem tantas outras ruas nessacidade, tantos outros lugares muito mais bonitos e cheirososdo que esses que conhecemos! Talvez, em um dia, eu nãoencontre comida suficiente, mas, certamente, em algummomento, haverei de encontrar até em excesso. Além disso,tudo me parece tão bonito, parece ter tanta coisa nova a seconhecer por aí!

Apesar de se preocupar com a segurança do filho, Chienconsentiu em deixá-lo aventurar-se em sua busca, mesmo quese ausentasse por alguns dias. Imediatamente, Kansun partiualegre e satisfeito. Haveria de explorar tudo o que quisesse,seguir a trilha que seu faro lhe indicasse, encontrar outroscães de outras redondezas e, quem sabe, aprenderia coisasnovas, interessantes.

Absorto em sua caminhada, deparou com um velho vira-lata desconhecido....

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...Culpando-se por comportamento tão estranho, chegou

ao abrigo de sua família já convencido a tentar conter suacuriosidade e ânsia pelo novo e se empenhar seriamente emse integrar às atividades rotineiras, que pareciam a essa alturanormais a todos e o correto a se fazer.

Durante muito tempo, se esforçou em imitar seus paise irmãos, em fazer tudo da forma como eles indicavam ser omodo correto e adequado. Passou a revolver diariamentealgumas latas de lixo que lhe foram destinadas, comendo semgosto os restos que encontrava. A fome e a fraqueza não maiso rondavam, porém sua tristeza só aumentava, dia a dia, poisnão conseguia ver sentido em nada do que fazia.

A simples busca da subsistência o angustiava, sentia-se como um legume espetado no chão, porém não tinha amínima ideia de como ou o que de diferente poderia fazer.Também não conseguia o mínimo vislumbre sobre comopoderia se satisfazer. Apenas sentia a enorme ansiedade empartir em busca de algo, compelido à aventura, aodesconhecido. Comprometera-se consigo mesmo a refrearseus ímpetos e se ajustar à vida normal de todos, mas isso ocorroía, roubava sua luz, transformava sua vida numa murcharotina sem cores.

Apesar de todo o esforço que empreendia para semostrar adaptado e feliz junto à sua família, sua tristeza edesânimo eram indisfarçáveis. A tal ponto que motivou Chiena procurá-lo para uma conversa reservada. Seu pai falou comoobservava sua tristeza e apatia, percebia o enorme esforçoque fazia para tentar se adaptar, mas apenas o via a cada diamais acabrunhado e desanimado. Quis saber como Kansunrealmente se sentia, o que desejava para sua vida.

O jovem confessou que empenhava todo seu esforçona adaptação à vida normal, mas não conseguia se sentir feliznessa empreitada, pois não era seu ideal de vida...

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...Recriminando-se por ter permitido que sua

ingenuidade e fome extremada o conduzissem a se alimentarcom a comida dos porcos, começou a arrastar-se para fora deseu abrigo. Ainda com todos os pensamentos da noite oremoendo, reuniu toda a energia que restava para,cambaleante e vagarosamente, sair em busca de ajuda.

Depois de um tempo que pareceu uma eternidade,após exaustivos esforços, conseguiu ver ao longe algumasedificações de uma cidade. Qual um farrapo ambulante,conseguiu chegar a seus limites, porém sentiu que o restantede suas forças se exauria e o abandonava.

Sua visão começou a se turvar, enquanto as imagensgiravam alucinadamente. Uma mancha branca crescia e tomavao lugar das imagens que ainda conseguia ver, ao mesmo tempoem que sentia suas pernas cederem sob seu peso. Imerso numaespessa nuvem branca, não resistiu e perdeu os sentidos. Tudomergulhou em um indefinível manto branco...

Despertou com algumas vigorosas batidas em sua cara,sem noção de onde estava e do que acontecia, conseguindosomente identificar o vulto de um cão que insistia em lhe darpatadas na cara e pedia que acordasse. Muito lentamente foirecuperando a consciência e as imagens se firmando em suasretinas.

Não tinha a mínima ideia de quanto tempo haviapermanecido desacordado, nem do que se teria passado,apenas se lembrava do enorme mal estar e daquela espessanuvem branca que o havia envolvido e roubado suaconsciência. Em pé ao seu lado, um cão afghanhound lhe davaas patadas na cara e o chamava à lucidez, recomendando quereagisse e acordasse.

Desde a noite anterior, quando havia encontradoKansun desacordado, Ughu, o cão afghanhound, se esforçavapara reanimá-lo, mas somente no início da manhã pareciaconseguir seu intento...

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... – ... A coragem de se arriscar em busca de seus sonhos,

a perseverança em continuar a busca, apesar de todos oscomentários iniciais em contrário que recebeu, e a obstinaçãoem procurar algo melhor para sua vida são virtudes que lhesão inatas e serão suas armas para que consiga atingir seuintento. No entanto, para deixar de se comportar como o cãosurrado, você deve estabelecer objetivos mais precisos parasua marcha, precisa atribuir-se metas claras e coerentes.

– Mas é exatamente esse um dos maiores problemasque enfrento: não tenho um objetivo claro e preciso, nãotenho metas. Apenas sei que preciso sair em busca de algoque realmente me satisfaça.

– Caminhante. O caminho se faz ao caminhar! Você temum sonho: almeja uma vida profícua e com satisfação pessoal.Uma vida que, quando bem mais velho, a olhar em retrospecto,lhe dê a certeza de que tenha valido a pena. No entanto, comosaber o que realmente vale a pena fazer durante essa longajornada? Só você mesmo poderá responder, meu jovem amigo,e você certamente descobrirá, logo mais ou muito mais tarde,mas não importa quando. O que importa é o que fará paradescobrir e o que descobrirá. Por enquanto, procure objetivosque pareçam estar próximos ou no caminho daquilo que,mesmo sem saber o que é, você busca. Por exemplo, que talencontrar-se com um elefante e arrancar dele o segredo desua força?

– Elefante? O que é um elefante?– Elefantes são os maiores e mais fortes dos animais

terrestres, porém extremamente serenos. Têm uma memóriaque lhes permite jamais se esquecer de nada, e vivem semtemer qualquer outro animal. Enfim, têm segredosvaliosíssimos. Você apenas precisa tomar cuidado com a formacomo abordá-los. Eles são muito serenos, porém esquivos eirritadiços...

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2 - O CAMINHO DE TROTA

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2-O CAMINHO DE TROTA J. B. Cenzi

Kansun reuniu sua determinação, atravessou a cidadee optou por uma estreita e poeirenta estrada que, deixandopara trás as edificações, atravessava um bonito campo devegetação baixa ornada por algumas poucas e tortuosasárvores. Com Ughu, havia aprendido a buscar comida saudávelna mata, o que lhe dava confiança.

Por vários dias, percorreu a estradinha apenasafastando-se dela para caçar sua comida e abrigar-se para osono. Aos crepúsculos de um final de tarde, avistou umapequena lagoa em meio ao campo e dirigiu-se a ela para aplacarsua sede. A lua, já no céu, despejava uma suave luminosidadeao ambiente, tornando a água mais convidativa.

Ao se abaixar para beber, firmando suas patasdianteiras à margem do lago, Kansun percebeu com bastantenitidez o seu reflexo na calma superfície da água, dando aimpressão de ter companhia. Divertiu-se com aquela sensaçãocausada pela sua imagem refletida no espelho do lago e levouo focinho para tocar a água e beber.

Nesse exato momento, emergiu uma grande lagosta,que se agarrou firmemente em seu focinho com uma de suaspinças. Assustado, Kansun ergueu-se atabalhoadamente e,num pulo para trás, saiu em disparada arrastando a lagostapendurada em seu nariz, uivando de dor. Somente um bomtempo depois e com bastante esforço, conseguiu livrar-se docrustáceo, porém à custa de uma dolorosa ferida no nariz.

Já com noite alta e bem longe do pequeno lago, quandoencontrou um local para pernoitar, Kansun ainda sofria com asdores do ferimento, o que lhe trouxe à mente também asagonias por que passara devido à intoxicação provocada pelarefeição com os porcos. Deu-se conta, então, de que, a despeitode sua aparência forte e robusta, tinha na verdade um corpofrágil que poderia ser ameaçado mesmo por pequenas coisas,como aquela lagosta. Refletindo sobre suas reais condiçõesno mundo e relembrando várias conversas com o amigo Ughu,Kansun adormeceu...

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...Nesse pouco tempo, desde que se despedira dele,

havia observado coisas que nem sonhava existir, e passadopor situações embaraçosas. Não sabia ainda o caminho corretoa seguir para encontrar um elefante, e sequer tinha certeza deque esse deveria ser o ideal de sua vida, porém estavapercebendo as situações de uma forma diferente, sem aangustiante hesitação de antes. Aceitara a sugestão de Ughude se impor uma meta – encontrar um elefante e obter dele osegredo da força – e dela não haveria de se afastar até que aatingisse!

Num final de tarde, quase início de noite, já tendoandado por muito tempo durante o dia, com o estômago areclamar algum alimento, Kansun se aproximou de um pequenoregato, à margem do qual, empoleirado na ramagem de umarbusto, descansava um pássaro.

“Comida à vista”, avisou o ronco da barriga. Resolveuaproximar-se dele como que desejando conversar e,aproveitando qualquer distração sua, abocanhá-lo. Aindanuma distância segura para a ave, que o observavaatentamente, dirigiu-se a ela, dando-lhe boa noite eperguntando se poderia dar algumas informações.

O pássaro foi bastante receptivo, retribuindo ocumprimento e oferecendo-se para prestar a ajuda que fossepossível. Aproximando-se vagarosamente do arbusto, Kansunexplicou ao pássaro que buscava o encontro com um elefante.Pensava que, por poder voar bem alto e bem longe, tendo seucampo de visão enormemente aberto, talvez ele tivesse vistoalgum nas imediações.

Antes de qualquer resposta, a ave quis saber dosmotivos que levavam o cão a desejar encontrar umpaquiderme, e este, sentindo que ganhava a confiança dooutro, começou a explicar as suas razões. Ao terminar, já estavasentado sobre as patas traseiras imediatamente abaixo doramo em que o pássaro estava pousado...

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...– Muito prazer, Kansun. – Retorquiu a ave em tom

carinhoso. – Meu nome é Trota. Você deve ter pensado que eutinha algum problema por estar com as asas assim curvadas,não é mesmo? Mas não se preocupe, meu jovem, não éproblema algum, pelo contrário. Diariamente posto-me poralguns instantes dessa forma para me lembrar de agradecerao Criador. Essa é a minha forma de reconhecer a Sua grandezae agradecer por todas as coisas que Ele proporciona a todos.

Kansun enterneceu-se com a serenidade e candura deTrota, que pareciam contagiá-lo. Sua grande espiritualidadetambém foi tocante. Sentou-se sobre as patas traseiras econtinuou a conversa. Tal era a serenidade que sentia nacompanhia daquela águia, que seu relato estendeu-se porlongo tempo. Contou para ela toda a sua história, explicandoestar à procura de um elefante, propositadamentedescrevendo os detalhes. Ao final da longa exposição,perguntou se conheceria um elefante.

– Já vi um elefante, embora de longe. Certa vez passoupor aqui um circo, que tinha, como uma de suas maioresatrações, um elefante.

– E como era ele?– Enorme. Tinha quatro patas que se assemelhavam a

pilares de concreto, orelhas tão grandes que, quando asabanava, dava a impressão de que voaria, apesar de suatonelagem, uma imensa tromba, ora a se arrastar pelo chão,ora a soprar a poeira do caminho, e um minúsculo e ridículorabinho. Um homem com uma pequena vara na mão ditava-lhe ordens e o conduzia. Mas, diga-me lá, para que você desejaencontrar um elefante?

– Meu amigo Ughu, de quem já falei, disse-me queposso obter de um elefante o segredo da força...

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...Muito mais tarde, quando conseguiu recuperar suas

forças, e após muitas reprimendas de seus própriospensamentos, Kansun levantou-se, afastou-se até um becosem movimento, que pareceu seguro, e pôs-se a refletir sobretodos os acontecimentos. Rememorou todos, desde quandose despedira de Ughu e iniciara a sua busca ao elefante.

Lembrou da lagosta que, dolorosamente agarrada aoseu nariz, mostrou-lhe quão frágil poderia ser seu corpo; dosbeligerantes animaizinhos agarrados na velha roda de madeira;do pássaro que quase engoliu, mas, mesmo assim, derainformações úteis; de Trota, com quem passara um dos maisagradáveis dias e que chegou a dar esperanças de, um dia,conquistar suas asas para explorar toda sua potencialidade; e,finalmente, do descabeçado ataque ao palhaço.

Repreendeu-se inúmeras vezes, dando-se conta de queo caminho que vinha seguindo, da forma como o fazia, nãoparecia estar conduzindo a atingir a sua meta. Essa cidade jáestava abrigando um circo que não tinha entre as suas atraçõesum elefante. Certamente aguardaria longo tempo até queoutro pudesse vir apresentar-se à sua população. E não haviaqualquer garantia de que, se um dia outro circo viesse a seinstalar ali, ele teria um elefante! Voltava à estaca zero!

Decidido a deixar a cidade e retomar sua busca,permaneceu em suas ruas mais alguns dias recuperando-sedos ferimentos. Quando se sentiu novamente em plena forma,ganhou as ruas periféricas, deixou os limites da cidade eretomou sua caminhada disposto a descobrir novos rumos...

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3 - A ESPESSA FLORESTA

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3-A ESPESSA FLORESTA J. B. Cenzi

43

O casario e as tortuosas ruas daquela cidade já eramuma lembrança quando Kansun encontrou duas serpentes quese enroscavam, cada qual num sentido, no pequeno tronco deum arbusto seco. Aproximou-se delas curioso.

– Quem vem lá? – Perguntou uma delas, que tinha apele úmida e prateada.

– Meu nome é Kansun. Estou viajando e desejaria saberse vocês poderiam me dar algumas informações.

– Olá, Kanssssun – disse a serpente prateada, com vozsibilante. – Eu ssssou Ida.

– Olá, Kanssssun – ecoou a outra, que tinha a pele secae avermelhada. – Eu ssssou Pingala. O que vossssê deseja?

– Eu procuro um elefante. Por acaso vocês saberiamonde posso encontrar?

– E para quê vossssê quer sssse encontrar com umelefante? – Quis saber Ida.

– Para conseguir dele o segredo da força.– Nobressss proprósitossss, Kanssssun – falou Pingala.

– Masssss vossssê esssstá pronto para sssseguir o rasssstro deum elefante?

– Como assim?– Ora, Kanssssun – retomou Ida – vossssê é um cão e,

naturalmente, ssssua arte é farejar, sssseguir rasssstrossss.– Massss como sssseguir o rasssstro de algo que vossssê

não conhesssse? – Continuou Pingala. – Vossssê pressssisasssse tornar um grande artissssta para poder sssseguir o sssseucaminho, então.

– Um grande artissssta ssssabe dissssolver asssspedrassss dassss dificuldadessss para encontrar o que farejar– sentenciou Ida. – Ssssabe coagular o pântano dassssinssssertezassss para poder atavessssá-lo.

– E o grande artissssta sssse aprende a sssser com oque esssstá à ssssua volta. – Emendou Pingala. – A arte é aimitassssão da natureza em ssssua maneira de operar.

– Não estou entendendo o que vocês querem me dizer...

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...Numa tarde, de cabeça baixa farejando o solo, sentiu

sua pata direita mergulhar numa superfície líquida, e afundoua perna e parte da cabeça num charco. Num rápido reflexo,segurou-se nas patas traseiras e puxou seu corpo de volta,gotejando um líquido com a mesma aparência e consistênciadaquele em que as pedras se dissolviam.

Estancado naquele local seguro, olhou adiante, masnão conseguia identificar qualquer diferença entre a aparênciado chão firme e da superfície que recobria o líquido, pois asfolhas mortas formavam o mesmo tapete. Apenas no local ondequase afundara, as folhas tinham algum movimento ao sabordas pequenas ondas que se formaram.

Cautelosamente começou a levar o pé adiante, testandoa resistência do solo para descobrir um caminho pelo qualpudesse circundar aquele estranho lago. No entanto, à suafrente, em qualquer direção que pretendesse se mover,apenas atingia a superfície fugidia do pântano. Instintivamentetentou recuar, mas espantado percebeu que também às suaspatas traseiras faltaria a solidez do chão.

Viu-se então completamente ilhado pelo charco, tendosomente aquele pequeno naco de terra firme para seequilibrar. Abaixou o focinho e farejou, verificando que a suatrilha não só estava ali bem presente, como também seguia,impávida, pela superfície do líquido metálico.

Sem saber o que fazer, permaneceu algum tempoimóvel, com receio de se desequilibrar em sua sólida ilha ecair no pântano. Talvez se desse um grande salto, quem sabenão poderia passar por sobre o líquido e aterrissar em algosólido do outro lado? Mas em que direção? Poderia ele nadarnaquele estranho líquido denso e prateado, caso não atingisseo solo? Saltar não parecia mesmo uma boa ideia, mas o quefazer? Como sair dessa enroscada? Ah! Se ele realmentepudesse ter as asas a que Trota se referira...

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...exatamente como estou lhe dizendo, você encontraráHyle. Se a abordar corretamente, ela poderá traçar o caminhoperfeito.

– Hyle? Quem é Hyle?– Seu pai é o sol e sua mãe é a lua. O vento nasceu em

seu corpo; sua nutriz é a terra. Você deverá encontrar amontanha que ela habita, que também não é de fácilidentificação, pois não é trivialmente visível. Se você a olhardiretamente, verá apenas partes dela, mas se focalizar suaatenção para seu reflexo, poderá observá-la por completo.Em verdade, certamente e sem dúvida, tudo o que estáembaixo é como o que está em cima, e tudo o que está emcima é como o que está embaixo. Lembre-se disso para realizaro milagre de poder ver a montanha que Hyle habita.

Kansun estava cada vez mais confuso. A cada perguntasua, mais estranhas e misteriosas eram as instruções querecebia. Tentou obter mais esclarecimentos, dirimir suasinúmeras dúvidas, mas o carneiro finalizou:

– Se seu coração não estiver pesado como chumbo,você terá as suas respostas. Siga o que lhe disse e você poderáobter êxito. Infelizmente, não posso me alongar em nossaconversa, pois o sol já se recolhe e devo fazer companhia aele.

Virou-se e começou a descer a encosta da pequenacolina, andando na direção em que o sol se escondia sob ohorizonte. Kansun ficou parado, observando a alvura de sua lãceder lugar ao enegrecido de sua silhueta contra o douradoclarão do crepúsculo.

O carneiro seguiu andando até sumir no longínquohorizonte, ao mesmo tempo em que o sol também se punhacompletamente. A noite não demoraria a trazer a suapenumbra, lembrou o cão, pensando em procurar abrigoenquanto ainda havia certa luminosidade...

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...– Já nem sei mais. Tanta coisa maluca me tem

acontecido! Por isso mesmo, mais do que nunca sou obrigadoa me ater apenas ao que me parece real.

– No entanto, não está discutindo com algo irreal?Kansun ficou momentaneamente mudo. Hyle o havia

conduzido a uma lógica do absurdo, de onde não tinha palavraspara se safar. Aquela voz tão... tão... “real”, parecia brotar dedentro de si mesmo, porém tinha muita personalidade.Superou o espanto e o medo e continuou, tentando obteralguma informação útil da voz.

– O carneiro me disse que você poderia me indicar umcaminho para encontrar um elefante.

– E você ainda não sabe o caminho, Kansun?– Por favor. Tudo o que você tem feito é me responder

com outra pergunta. Será que não poderia ser mais objetiva?– E você está pronto para a objetividade, Kansun?Apesar de já aborrecido pela insistência de Hyle em

apenas responder com outra indagação, novamente sentiu-seenredado pelas suas palavras.

Como um cão que havia se enveredado por uma florestade olhos fechados; passara dias escapando por milagre de seresmagado por árvores que caíam do nada ou por enormespedras que rolavam sobre seu caminho; quase sendoeletrocutado ou carbonizado por raivosos raios; visto pedrasse dissolver num líquido prateado e pântanos do mesmomaterial se coagular sob suas patas; atravessar em desabaladacorrida um inferno em erupção; conversado com um carneiroque se exprimia enigmaticamente e desapareceu no horizontejuntamente com o sol; andado solitário semanas a fio por entreuma vegetação baixa, rala e ressequida desviando de rio,redemoinho e fogo; e mais outros acontecimentos sem nexo,poderia afirmar que sabia viver com objetividade? Entretanto,insistiu em seu apelo...

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4 - A TERRA MUTANTE

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... Com o passar do tempo, magro e abatido, Kansun

apresentava ferimentos por todo o corpo, causados pelasferozes agressões do felino e pelos acidentes na caça. Adesnutrição a que era relegado roubava, a cada dia, um poucomais do seu já esmirrado vigor.

Seu grande sonho de encontrar um elefante haviaesmorecido ante aquela terrível situação, e ele somente aindapermanecia vivo graças à sua enorme capacidade de suportaros detratos e, apesar deles, conseguir atender aos mandos doseu tirano.

Até mesmo a espreita em que se colocara desde oinício, aguardando a mínima possibilidade de fuga, havia cedidofrente à constatação de que, em alguns momentos, pareciaser exatamente esse o desejo da fera, que assim teria umadesculpa definitiva para retirar o seu perdão e devorá-lo.

Kansun já se desesperava com seu ingrato destino,desejava ardentemente recuperar a sua liberdade e, quemsabe, retomar a sua busca, porém sentia a cada dia que essapossibilidade ficava mais distante e inviável.

Numa de suas incursões para obter comida para o tigrepassou perto de um cavalo que, alheio às suas agruras, pastavamansamente. Sabendo que, atrasando-se ou não, apanhariado tigre da mesma forma quando lhe levasse a comida, resolveudeter-se e conversar com o cavalo. Em rápidas palavras, soubeque seu nome era Nuchdios e lhe contou sua condição demaltratado escravo, sensibilizando-o.

– Você não consegue correr muito velozmente, Kansun– disse Nuchdios – pelo pequeno tamanho de suas pernas etambém pela fraqueza em que se encontra, mas eu estoubastante forte e tenho pernas longas. Vou me abaixar e vocêpula sobre minhas costas e se agarra. Sairei correndovelozmente e, como já temos uma certa dianteira sobre o tigre,conseguiremos fugir dele...

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...Aquela beleza e harmonia pareciam romper qualquer

barreira de tempo e espaço, pairando numa possibilidadeeterna. Entretanto, apesar de reconhecer que aquele era ohabitat ideal para seu amigo alado e de ter certeza de quetambém poderia viver ali, calmamente, pelo resto de sua vida,sentiu que não tinha como renunciar à sua busca.

Esse era, no fundo, o seu objetivo de vida. Umainconsciente imposição, algo a bater tão forte no peito,sobrepujava qualquer alternativa, por mais aprazível que

pudesse ser, e o compelia a encontrar um elefante e descobrircom ele o segredo da força.

Apesar da grande amizade por Písies, de sua eternagratidão pelo seu salvamento, de estar adorando todos osmomentos que agora vivia, decidiu que retomaria sua antigamarcha, já há tanto tempo abandonada. De manhã, logo quedespertaram, comunicou sua decisão ao amigo.

Písies tentou demovê-lo, argumentando quecultivavam uma grande amizade, o cão já estava totalmenteintegrado à vida daquelas paragens, vivia tão feliz entre todosos animais da região, porque desejaria partir e voltar à suadesorientada e infrutífera busca?

– Písies, nossa amizade, assim como a que construí comvários habitantes daqui, são algumas das melhores coisas quejá me aconteceram, tenho vivido verdadeiro êxtaseconhecendo lugares tão fabulosos. Essa região é tão cheia depaz e harmonia, tão agradável e bonita! Certamente, mecausará pesar ter de deixar tudo isso, mas não é esse o meureal objetivo. Não é isso o que sempre busquei, não é essa pazque almejo. Com toda certeza muito sentirei deixar para trásalgo tão maravilhoso, um amigo tão sincero e camarada comovocê, mas sinto que não me é possível encontrar minhaverdadeira paz enquanto não atingir o objetivo que me propus.

...

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5 - AS QUATRO CIDADES

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5-AS QUATRO CIDADES J. B. Cenzi

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Kansun foi trazido à consciência por um violentoimpacto nas costas, entre as escápulas. O súbito golpe forçouuma forte expiração e o fez expelir o peixe que, entalado emsua garganta, o asfixiava.

Assim que voou longe da garganta do cão, vendo-selivre novamente, mas também quase desfalecido, Houidsodebateu-se desesperadamente sobre a areia quente,arqueando freneticamente seu pequeno corpo numa espéciede convulsão, conseguindo pequenos saltos instintivamenteem direção à água.

Enquanto Kansun observava passivamente a luta dopeixe pela sobrevivência, ainda em estado de completoentorpecimento, transfigurado como em um sonho, conseguiaum inebriado vislumbre do que acontecia. A seu lado estavaparado em pé o grande leão que havia acabado de desferir aviolenta patada nas costas.

Mesmo estando escarrapachado sobre a escaldanteareia, o golpe que o felino aplicou foi tão preciso e forte quelhe devolveu a consciência e provocou a rápida expulsão dopeixe.

Ainda sem forças para esboçar qualquer reação, malpodendo ver as difusas imagens do pequeno e assustado peixese debatendo em direção à água e do leão parado a seu lado,recuperando fiapos de seus sentidos, Kansun se viu numadúbia situação.

Seria aquele leão um salvador que, com o preciso eviolento impacto o livrara de morrer asfixiado e envenenadopelo peixe, ou estaria ele, com o mesmo golpe, tentandoexatamente matá-lo de vez para se banquetear com sua doídacarne? Fosse o que fosse, nada poderia fazer, estava à mercêde seu destino. Os segundos de indefinição transformaram-se em uma angustiante eternidade.

– Cuidado com o que engole, cão – falou o leão comuma poderosa voz grave, quebrando sua espera pelo pior...

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...– Não me deixe mais ansioso, Disier. Você sabe o nome

dessas quatro cidades?– Segundo a indicação de Kabara a Layla, você deve se

dirigir inicialmente a uma cidade chamada Tunas. Dela vocêdeverá seguir para Katari. Talvez já na terceira cidade, Jaburat,você possa ver algum elefante, porém não se detenha aí, poiseles não poderiam ensinar o que você precisa. Somente apóspassar pela quarta cidade, Tuhal, e se dirigir à floresta ondeeles vivem em meio à natureza, conseguirá se comunicarconvenientemente com eles e poderá obter deles seuspreciosos segredos.

– E como faço para ir até Tunas?– Infelizmente eu apenas sei em que direção fica e

alguns poucos detalhes do caminho, que ouvi dos bandidosquando se preparavam para deixar Butsan, mas não tenhocomo explicar o caminho completamente. Isso você mesmoterá de descobrir.

– Já é o suficiente, Disier. Isso até me fez lembrar umadas frases favoritas de Ughu: “Caminhante, o caminho se fazao caminhar”.

– Ughu realmente sabia o que falava, Kansun. Prestemuita atenção nessa simples frase.

– Sem dúvida a terei sempre em mente, meu amigo.Eu terei de realmente construir o meu próprio caminho atéatingir o meu objetivo. Aliás, acho mesmo que é o que tenhofeito desde que deixei minha família.

Nessa noite, Kansun teve um estranho sonho em queviu Kabara, como descrito por Disier, sair da palmeira que lheservia de morada e vir ter com ele. Sentiu seu coração batermais forte ante a presença da energia, permanecendo estáticoa admirá-la, ansiosamente aguardando as palavras deesclarecimento que, pensava, certamente ouviria...

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6 - O CAMINHO DO AMOR

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6-O CAMINHO DO AMOR J. B. Cenzi

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Poucos dias de uma tranquila marcha através davegetação que se adensava e Kansun chegava à floresta doselefantes, não demorando a avistar ao longe um que vinhasolitariamente em sua direção. Seu coração acelerou ante aperspectiva de finalmente concretizar sua longa busca.

Quis correr em sua direção para rapidamente abordá-lo, mas lembrou-se das várias recomendações recebidas edecidiu permanecer o mais sereno possível, aguardando aaproximação. Como se buscasse em seu íntimo umaorientação, fechou os olhos e respirou fundo.

Seu coração haveria de instruí-lo. Postou-secompletamente estático à margem da trilha que, acreditava, oelefante continuaria a seguir, porém de forma a não perdê-lode vista em nenhum momento e nem de se esconder da visãodele.

O elefante continuou a se aproximar em seu pesado elento passo, indiferente aos movimentos do cão ao longe,enquanto Kansun o observava sem nem piscar. Seguindo comoo previsto, o grande animal lentamente foi se avizinhando,porém sequer dava a impressão de o ter notado.

Já estava a menos de dois metros de Kansun, e este,absolutamente imóvel, aguardava com apreensão. Seuacelerado ritmo cardíaco traía-lhe toda a emoção do momento.Qual poderia ser a reação do paquiderme?

Pesadamente, no entanto, o elefante continuou a suamarcha, indiferente, já estando a seu lado, sem nem mesmo oter olhado. Para não perder um só detalhe, Kansun começou amover a cabeça, acompanhando-o com a visão, mas, nem beminiciou o movimento do pescoço, teve seu corpo envolvidopela forte tromba do paquiderme que, num vigorosomovimento, arremessou-o com grande força de encontro auma enorme pedra à beira do caminho...

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...– Sem dúvida. Essa iria lhe tirar o tutano dos ossos.– E todo meu esforço, todo meu empenho, toda minha

determinação, somente teriam servido para me conduzir àminha definitiva morte?

– Se você é tão apegado a essa sua vida, dê meia-voltae caminhe sobre suas próprias pegadas.

– Isso seria como me condenar à morte. Como iria viver,então?

– Você pode escolher entre continuar essa sua vida,seguindo suas pegadas de volta, talvez ainda por um longotempo, a esperar por sua morte, ou quem sabe definir umoutro objetivo a alcançar, e outro, e outro, conforme os fosseatingindo, até que a morte interrompa definitivamente as suasmúltiplas buscas, ou então desejá-la e aceitá-la, submetendo-se a ela agora mesmo.

– Nunca imaginei, em toda a minha longa jornada, queelefantes fossem tão mórbidos!

– Se você soubesse como nós somos, não precisaria tergastado tanto tempo e energia para me encontrar.

– E quando encontro, só o que me oferece é a morte,não o segredo da força!

– Um elefante sabe quando sua morte se aproxima e,resignado, recolhe-se e se submete a ela. Eis um dos segredosde nossa força.

– Mas ainda não estou convencido a deixar-me matar.– Nunca pretendi convencê-lo. Quando você se

aproximou de mim pela primeira vez, apenas o matei. Agora,no entanto, que será de forma definitiva, só você pode decidir,você é o seu próprio juiz. Se quiser, venha a mim, inteiro.Mesmo que não seja inteiro, venha. Pode vir mesmomancando. Se assim o desejar, venha, mesmo que lhe faltealguma parte do corpo, ou a coragem, ou a determinação. Sedeseja asas de anjo, venha...

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...Não seria necessária mais nenhuma pergunta. Sem

mais conversa, afastou-se cabisbaixo, procurando um localtranquilo da floresta onde pudesse permanecer recolhido a simesmo.

Durante muito tempo ficou meditando, tentandoidentificar os anseios de seu coração. Por várias vezes, narroupara si mesmo, em viva voz, toda a sua história, todo o caminhopercorrido desde que, abdicando do pacato e terno convíviocom seus familiares, lançara-se à busca de seus sonhos, atéchegar ao atual momento.

Passou e repassou todas as palavras de Khalad,buscando nelas seus verdadeiros significados, mas permaneciaconfuso. Tentou rememorar as conversas com Ughu que oconduziram a definir o rumo e objetivo de sua busca, tentandoidentificar nelas as verdadeiras razões pelas quais seu amigohavia sugerido encontrar um elefante. De repente deu-se contade que, na verdade, não tinha sido Ughu que traçara esseobjetivo, mas ele próprio. Ughu apenas o havia recomendadoque descobrisse um objetivo para sua vida e o seguisse pelocaminho que fosse necessário.

“Caminhante, o caminho se faz ao caminhar”.E por quantos caminhos ele havia passado! Quantos

perigos havia enfrentado! Quantas criaturas havia conhecido!Quantas boas amizades havia conquistado, passandomomentos tão felizes, aprendendo tanto com eles! Quantasboas amizades havia conquistado? Quantos momentos felizes?Quanto aprendera? Isso! Esse era o segredo! “Se acumular leaise sinceros amigos, será sempre feliz”.

De repente, Kansun deu-se conta de que nunca, atéagora, havia compreendido corretamente o significado da frasefavorita de Ughu: “Caminhante, o caminho se faz aocaminhar”...

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FIM?

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E aí? Gostou dos trechos da história do valente e curiosocãozinho? Como sofre esse cachorrinho nas páginas desselivro! Mas em vários momentos ele também desfruta de muitasalegrias.

Mas, aqui e agora, não é bem isso o que importa!Que tal você voltar ao primeiro capítulo – A Indignação

– e começar a ler um novo livro? Ou, melhor. Vamos começarpela capa do ebook.

Coloque-a no seu visor e a observe com atenção. Poucoabaixo da linha da água do mar, bem à direita, pode-se notaruma mancha mais escura, não é? Na verdade ela é um pequenobarco pesqueiro que, propositadamente, foi cortado para acomposição da capa. Tem-se a impressão de algosolitariamente perdido na vastidão de um mar que vaiadentrando a escuridão da noite, não?

Em algum momento de sua vida você chegou a se sentirassim? Numa solidão arretada, mesmo que em meio àmultidão, insignificantemente batalhando pela suasubsistência, perdido na incerteza de vislumbrar um redentorcardume em meio à vastidão, no ocaso da luz? Se não se sentiuainda, certamente, em algum dia, sentirá, com maior ou menorintensidade! Mas não se assuste! Esse é quase um lugar-comum das mentes indóceis, e é uma poderosa imagem quepode nos despertar a vontade de começar a refletir maisseriamente sobre o sentido de nossa vida.

Continuando na capa: KANSUN. De onde brotou essenome? O que pode ele significar?

O “I Ching – O Livro das Mutações”, compilação damilenar sabedoria chinesa feita pelo alemão Richard Wilhelm– lançado no Brasil pela Editora Pensamento, e que eurecomendo a leitura enfaticamente – baseia-se na combinaçãode oito trigramas. Se você não conhece nada de I Ching, oumesmo se desejar saber um pouco mais sobre ele, faça umapesquisa no Google com a frase “I Ching interpretação”. Vocêacessará ótimos sites que o apresentarão aos trigramas,

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hexagramas e outras características dessa Sabedoria. Masvoltemos aos oito trigramas básicos e seus atributos e imagens:

1-Chi´ien – O Criativo – Forte - Céu – Pai;2-K´un – O Receptivo – Abnegado, maleável – Terra – Mãe;3-Chên – O Incitar – Provoca o movimento – Trovão – Primeiro filho;4-Sun – A Suavidade – Penetrante – Vento, madeira – Primeira filha;5-K´an – O Abismal – Perigoso – Água – Segundo filho;6-Li – O Aderir – Luminoso – Fogo – Segunda filha;7-Kên – A Quietude – Repouso – Montanha – Terceiro filho;8-Tui – A Alegria – Jovial – Lago – Terceira filha.

Nas primeiras linhas do primeiro capítulo, você éapresentado à família de Kansun: Chien, o pai; Kun, a mãe,Chen, o primeiro irmão; Li, a primeira irmã; Kansun, o terceiroa nascer; seguido por Ken e, finalmente, Tui, totalizando setemembros. Você percebeu aí que, mesmo representando osoito trigramas originais do I Ching, essa família conta comapenas sete membros, pois o nome Kansun foi obtido da uniãodo segundo filho – K´an – com a primeira filha – Sun. Aimprovável união do Abismal, Perigoso, com a SuavidadePenetrante. Improvável? Nem tanto assim! Por mais perigosoe abismal que alguém possa ser, certamente ele não o serácem por cento. Terá sempre algo de suave, que com sua calmaação, penetra a alma de outrem. Ou seja, ninguém tem uma sócaracterística, todos somos uma mescla de várias delas, orauma assumindo uma proeminência, ora outra, e outras. Peçaaos seus familiares e amigos mais próximos que o descrevam,e verá a miríade de imagens que fazem de você!

Pois bem. A combinação desses oito trigramas originaisem duplas, gera os 64 hexagramas que expressam toda amilenar sabedoria do I Ching. Assim, a união de K´an e Sun,gera o hexagrama 48 Ching, O Poço que, segundo a tradiçãochinesa, aplicado à natureza humana, transmite a imagem deque, tal como na estrutura orgânica das plantas, na estrutura

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social da humanidade as partes cooperem para o benefício detodos. Uma das frases da interpretação desse hexagrama nolivro de Richard Wilhelm, dá o sentido para Kansun: “A meraordenação superficial da vida, que deixa insatisfeitas asnecessidades mais profundas e vitais, é, na verdade, inútil”.

E aí? Como está a sua vida agora mesmo? Desfrutandode todas as alegrias e prazeres proporcionados pela vidamoderna, ou atolado em compromissos, deveres, convençõessociais, numa frenética e inglória corrida para acertar o passocom os frequentes avanços da tecnologia? Quanto tempo vocêtem para dedicar aos seus mais íntimos sonhos? Ou pior,quanto tempo você tem para simplesmente sonhar? Quantotempo você tem para se conhecer melhor?

Mas, muita calma nessa hora! Você não precisa arrancara gravata no meio do escritório e partir para escalar oAconcagua! Nem precisa se aventurar por desertos e florestasamazônicas como Kansun! A viagem que o estou incitando aempreender é no próprio texto deste ebook.

O nome do quarto capítulo – A Terra Mutante – lhesugere algo? Mutante... Mutação... Isso mesmo: I Ching, a“bíblia chinesa” que nos ensina que nada é estático em nossavida. Pois bem. Esse capítulo, então (mas não apenas ele),está recheado de anagramas e passagens que remetem ao IChing. E é até emocionante constatar que uma sabedoria,mesmo remontando há mais de 4.000 anos, pode traçar umparalelo com algumas situações que vivemos em algunsmomentos nos dias de hoje!

O encontro de Kansun com o cavalo Nuchdios, quandoele ainda estava subjugado pelo tigre Lugalju, por exemplo.Nuchdios é um anagrama de “CHUN dois”, que remete aohexagrama 3 – CHUN –Dificuldade inicial, com a energiapredominante em sua linha DOIS. Nesse hexagrama, a linhadois sendo a de maior energia, a tradução literal feita porRichard Wilhelm diz:

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“Seis na segunda posição significa:As dificuldades se acumulam.O cavalo e a carroça se separam.Ele não é um malfeitor.Deseja cortejar no momento oportuno.A jovem é casta, não se compromete.Dez anos e então ela se compromete.”

Entre outros comentários, a interpretação dos mestreschineses que auxiliaram Richard Wilhelm em sua longapermanência na China, dá a entender que alguém está diantede dificuldades e obstáculos. Repentinamente algo ou alguémsurge oferecendo uma solução imediata. A milenar sabedoriachinesa, no entanto, sugere que a situação seja examinadacom esmero e cuidado pois, mesmo partindo de uma real boaintenção, essa repentina ajuda pode não ser uma real soluçãopara a situação que se impõe. Algum paralelo com situação jávivida por você?

E não só de I Ching vive Kansun. Essas foram apenasalgumas pistas para que você possa se sentir atraído a essaaventura a que o convido. O título do segundo capítulo, OCaminho de Trota, já esconde mais um anagrama. Alterando aordem da palavra TROTA, obtemos TAROT. A Espessa Floresta,que intitula o terceiro capítulo, é a forma como antigosocultistas se referiam aos seus estudos, a Alquimia. O Caminhodo Amor é o que os sufistas afirmam trilhar, e, nele, o quepoderia significar a figura de um leão no deserto?

Não significa, com essas referências todas, que estouincitando os leitores a mergulhar em qualquer dessas práticas,principalmente na forma mais comum hoje, que é utilizando-as como oráculos. Não. Isso não tem valor algum. Você não vaiprecisar aprender a jogar o baralho de Tarô para entender ouaproveitar o texto de Kansun. Se analisarmos friamente, porexemplo, os garimpeiros de ouro da Amazônia praticam hojea Alquimia, mesmo sem o saber. Utilizam o carvão para aquecer

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EPÍLOGO J. B. Cenzi

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seus cadinhos, algumas vezes aditivados com enxofre, que dáuma maior temperatura às chamas. Misturam um líquidoprateado – mercúrio – à terra contida pelo cadinho – minério –e a transmutam em ouro líquido. Poluem profundamente osrios, mas realizam o sonho dourado de todos os antigosalquimistas.

Mas, por outro lado, os antigos alquímicos foram osprecursores da Química como hoje a conhecemos. Como eramaltamente espiritualizados e, no fundo, verdadeiros cientistasmesmo antes do nascimento da Ciência, traçaram paralelosentre suas experiências e o comportamento humano, legando-nos, além de rudimentos de pura Química, constataçõesfilosóficas que se aplicam mesmo nestes tempos modernos.

E é nessa direção que o convido a fazer uma releiturade Kansun, tão logo você tenha acabado de ler a história deum valente e curioso cãozinho. Uma leitura dos detalhes, dasentrelinhas, dos anagramas, das metáforas, enfim, uma leiturade reflexão, de busca de pistas para o Conhecimento,principalmente quando você depara com trechos que, vistosagora de novo ângulo, lhe possam trazer imagens de passagensde sua própria vida.

Depois dessa nova leitura, venha compartilhar conoscoas suas descobertas, e mesmo as suas dúvidas. Acesse o sitede Kansun – www.kansun.com.br – e abra a seção “Leitores”.Você encontrará ali os comentários de alguns leitores, e nossaintenção é abrir ali um diálogo permanente para a troca deexperiências.

Não se acanhe.Acesse e anote os seus comentários:

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(Mesmo que você não tenha gostado do livro!)

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EPÍLOGO J. B. Cenzi