Coral de Empresa Um Valioso Componente Para o Projeto de ... · O Canto Coral na Empresa ......

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EDUARDO MORELENBAUM Coral de Empresa Um Valioso Componente Para o Projeto de Qualidade Total Dissertação Apresentada como Requisito Parcial do Grau de Mestre em Música Área de Concentração: Musicologia Conservatório Brasileiro de Música Centro de Pós-Graduação, Pesquisa e Ensino ORIENTADOR: EDUARDO PASSOS 1999

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EDUARDO MORELENBAUM

Coral de Empresa Um Valioso Componente Para o Projeto de

Qualidade Total

Dissertação Apresentada como Requisito Parcial do Grau de Mestre em Música

Área de Concentração: Musicologia Conservatório Brasileiro de Música

Centro de Pós-Graduação, Pesquisa e Ensino

ORIENTADOR: EDUARDO PASSOS

1999

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Agradecimentos

Agradeço profundamente ao professor Eduardo Passos pela orientação e amizade. Aos meus pais por todo apoio e carinho que sempre me deram. Minha gratidão a todos os entrevistados na realização desta dissertação e a todos que compartilharam comigo de momentos maravilhosos na atividade coral dentro das empresas nas quais trabalhei (Shell, Coca-Cola, Cimento Portland Paraíso, Cia Brasileira de Petróleo Ipiranga e Firjan), sempre me proporcionando oportunidades para importantes aprendizados. Agradeço em especial à minha esposa Gina e a meus dois filhos, Jayme e David, por todo apoio e compreensão pelas centenas de horas que precisei estar ausente em função da realização deste trabalho.

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Resumo

O objetivo desta dissertação é refletir sobre a atividade coral dentro de uma empresa como um valioso elemento em prol de se atingir os objetivos da filosofia da Qualidade Total.

Para isso, procuramos focalizar os vários aspectos que envolvem a atividade coral, baseando este trabalho numa pesquisa bibliográfica especializada em educação musical, criatividade, psicologia social, musicoterapia e Qualidade Total, e também numa pesquisa de campo feita com o Coral da Cia. Brasileira de Petróleo Ipiranga, mostrando de que forma a atividade coral dentro de uma organização contribui para o incremento da qualidade de vida dos funcionários, com indiscutíveis reflexos na vida da empresa.

Palavras chave: Coral, Qualidade, Empresa

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Abstract

This dissertation aims to contemplate the activity of choirs in a

company as a valuable element that helps reaching the objectives of the philosophy of the Total Quality. We have tried to focus on the several aspects which involve the choirs, basing this work on a bibliographical research specialized in musical education, creativity, social psychology, musical therapy and Total Quality. Furthermore, research was done with the choir of Cia. Brasileira de Petróleo Ipiranga, showing how the practice of choirs inside an organization contributes to the development of the quality of the employees’ life, and its unquestionable impact on the life of the company.

Key words: Choir, Quality, Company

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Índice

Capítulo Página

1. Introdução ....................................................................................... 1

1.1 Os Princípios da Qualidade Total ............................................. 2 1.2 Qualidade de Vida ..................................................................... 16 2. O Canto Coral na Empresa ........................................................... 28

2.1 O Canto Coral e a Musicalização .............................................. 31 2.1.1 Ação e prática nas metodologias do século XX

............. 35

2.1.2 Percepção e sensibilidade ............................................... 44 2.1.3 O ouvido pensante .......................................................... 47 2.1.4 Ritmo .............................................................................. 53 2.1.5 A prática coral ................................................................ 54 2.2 O Canto Coral, Improvisação e Criatividade ............................ 58 2.3 O Canto Coral e a Socialização ................................................. 65 2.4 O Canto Coral e a Saúde ........................................................... 72 2.5 Conclusão .................................................................................. 83 3. Relato de um Caso – Coral da Cia. Brasileira de Petróleo Ipiranga ........................................................................................... 87

3.1 A Festa – A identificação de uma motivação ............................ 89 3.2 A Relação dessa Motivação com a Qualidade Total

................. 90

3.3 O Início do Trabalho – A formação do grupo ........................... 93 3.4 Estratégias de Condução do Trabalho ....................................... 96 3.5 A Relação da Empresa com o Coral .......................................... 100 3.6 As Dificuldades Encontradas e de que Maneira Foram Enfrentadas ............................................................................... 103 3.7 A Festa dos 61 Anos da Ipiranga – Show Marcas do Brasil

..... 106

3.8 O Coral de Empresa e a Comunidade ....................................... 108 4. Conclusão ........................................................................................ 110 Referências Bibliográficas .................................................................. 112

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1. Introdução

No Rio de Janeiro, a grande maioria da população nunca teve a

oportunidade de praticar a atividade coral. Neste trabalho mostramos a importância que um coral pode ter dentro da engrenagem de uma empresa que busca atingir os princípios da filosofia da Qualidade Total. Apoiamo-nos em uma pesquisa que se realizou numa dupla vertente. Por um lado, uma pesquisa da bibliografia especializada em filosofia da Qualidade Total, Educação Musical, Criatividade, Psicologia Social e Musicoterapia. Por outro lado, uma pesquisa de campo onde trouxemos dados a partir de nossa experiência com o Coral da Cia. Brasileira de Petróleo Ipiranga situado no Rio de Janeiro. Entrevistamos o antigo e o atual gerente geral de Recursos Humanos, o diretor da Sociedade de Empregados da Ipiranga, um membro da equipe contratada para a condução do trabalho do Coral, um coralista, um ex-coralista e um funcionário que mesmo não tendo participado do Coral acompanhou seu desenvolvimento, além das observações registradas em um diário de campo ao longo de dois anos de existência deste grupo, e ainda entrevistas com especialistas em medicina do trabalho e uma terapeuta corporal.

Vamos abordar os diversos aspectos do funcionamento de um coral, procurando compreender o que leva uma empresa a criá-lo e de que forma essa atividade pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos funcionários, influenciando, conseqüentemente, na sua produti-vidade. Vamos expor ainda o trabalho do maestro como gestor do coral para que se possa alcançar resultados que contribuam em prol desta qualidade de vida e, como decorrência, da Qualidade Total. Procuramos também traçar um paralelo entre o funcionamento do coral e o funciona-mento de uma empresa.

Para isso, neste primeiro capítulo vamos descrever as bases da filosofia da Qualidade Total e dos seus princípios, ressaltando o fato de que muitos deles podem ser aplicados através de atividades extratrabalho, como é o caso do coral de empresa, tornando a organização mais sadia e, portanto, mais eficiente, já que a administração baseada nessa filosofia privilegia a melhoria da qualidade de vida dos recursos humanos envolvidos.

Edwards Deming, um dos teóricos da filosofia da Qualidade Total, em seu livro Qualidade: A Revolução da Administração, fala sobre a importância de se estimular a formação e o auto-aprimoramento de todos. Entendemos que este estímulo deve ser amplo, buscando não

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só o aprimoramento profissional, mas também o aprimoramento pessoal, através de atividades que auxiliem no autoconhecimento, fazendo com que o funcionário tenha mais equilíbrio entre seu corpo e mente, tendo uma vida melhor e como decorrência podendo assim dedicar-se com mais qualidade ao trabalho. Tais atividades podem ser as mais variadas possí-veis, como: ginástica, dança, competições esportivas, eventos culturais, música (geralmente através dos corais), entre outras.

Como veremos no segundo capítulo, a opção pela música, através da atividade coral, parece ser uma das atividades mais completas. Discutiremos alguns aspectos relativos à prática coral, tais como: a criatividade, a saúde e a socialização dos funcionários. Veremos que a prática coral é uma excelente forma de desenvolver a memória e a inteligência, e que através da musicalização despertamos o lado emocional que, muitas vezes, pela maçante rotina diária, não é poten-cializado.

No terceiro capítulo relataremos o caso do Coral da Ipiranga, mostrando de que forma este trabalho, iniciado em junho de 97, tem influenciado a vida dos funcionários, e conseqüentemente, da empresa.

Entendemos que a importância da presente pesquisa deve-se também à inexistência de estudos sobre o coral de empresa como um importante e valioso componente dos mecanismos que impulsionam as empresas em sua evolução permanente, objetivando a Qualidade Total, e acreditamos que ela possa servir de subsídio para o desenvolvimento dos corais já existentes e dos que possam surgir. 1.1 Os Princípios da Qualidade Total ( Uma apresentação panorâmica focalizando o setor de Qualidade de Vida)

A qualidade é um tema em constante evolução e tem se tornado uma questão primordial na atualidade, fazendo parte dos objetivos da empresa. Ela pode se tornar um conceito vago, se não houver na empresa um consenso quanto a sua definição. Vários estudiosos apresentaram definições para a palavra qualidade, todos buscando um enfoque dentro do seu ramo de atuação. Mas o que é a qualidade?

Para melhor compreensão do termo, Luiz Cesar Barçante, em seu livro Qualidade Total - Uma Visão Brasileira (1998) reuniu as definições de teóricos envolvidos com o tema Qualidade Total que considera as principais:

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“Juran - Qualidade é adequação ao uso. Feigenbaum - Qualidade é uma maneira de se gerenciar os

negócios da empresa. Aprimoramento da Qualidade só pode ser alcançado em uma empresa com a participação de todos.

Crosby - Qualidade é conformidade com especificações, e não elegância.

Deming - Qualidade é sentir orgulho pelo trabalho bem feito. Aprimoramento da Qualidade eleva a produtividade.

Ishikawa - Rápida percepção e satisfação das necessidades do mercado, adequação ao uso dos produtos e homogeneidade dos resultados do processo (baixa variabilidade).

Masaaki Imai - No contexto mais amplo, Qualidade é qualquer coisa que pode ser melhorada. Quando se fala em Qualidade, tende-se a pensar primeiro em termos da Qualidade do produto. Quando discutida no contexto de Kaizen (aprimoramento), nada poderá estar mais longe deste objetivo. O interesse principal aqui é a Qualidade das pessoas.

George English - Qualidade é medida pelo custo de fazer coisas erradas.

Cerqueira Neto - Qualidade é sempre resultado de esforços inteligentes; Qualidade não é só para companhias. Indivíduos podem esforçar-se por excelência em seu dia-a-dia.

Pedro Demo - Qualidade é uma questão de ser, e não de ter.” (p. 38-39)

O conceito de qualidade, como se vê, é bastante amplo e varia de

acordo com o uso de cada autor, mas percebe-se nas entrelinhas um consenso. No que se pode notar, qualidade é, para todos, uma busca de aprimoramento, envolvendo aí não só os produtos, mas também, e principalmente, o ser humano, que é quem vai dar origem ao produto.

Portanto, se por um lado a concorrência acirrada que envolveu as empresas na década de 90, com o advento da globalização, trouxe a necessidade de produtos cada vez melhores por conta de consumidores mais atentos e exigentes, por outro, a aproximação do século XXI e as doenças, como o estresse, que se abateram sobre o homem moderno, trouxeram o questionamento da valia do excesso de trabalho. Até onde a dedicação de um workaholic traz benefícios ao indivíduo e à empresa como um todo?

Mas o conceito de qualidade que vem sendo aplicado nas organizações não se reduz apenas a produto e trabalhador, e sim, faz parte de uma série de ações que irão interferir nos processos de produção, vendas, comunicação da empresa, sua relação com o meio ambiente e com a comunidade em geral. Para o Dr. Paulo Pegado, médico, professor

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de Medicina do Trabalho, consultor organizacional e dirigente da ADVISER - Pegado & Associados, com 20 anos de experiência no desenvolvimento de programas de promoção da qualidade de vida no Brasil, e um dos entrevistados para este trabalho, qualidade é “uma variável que determina a continuidade de tudo, inclusive da vida.”

A sigla ISO significa International Organization for Standardization (Organização Internacional para Normalização). É uma organização internacional, não-governamental, que elabora normas (internacionais). Foi fundada em 23 de fevereiro de 1947 e tem sede em Genebra, na Suíça.

Fazem parte da ISO entidades de normalização de cerca de noventa países, o que vem a representar mais de 95% da produção industrial do mundo.

O Brasil participa da ISO através da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), que é uma sociedade sem fins lucrativos reconhecida pelo governo brasileiro e que tem como associados pessoas físicas e jurídicas.

A ISO tem como objetivos criar normas que representem o consenso dos diferentes países do mundo. As normas identificadas como normas brasileiras têm a sigla NBR. Atualmente, se uma empresa adota as normas ISO dispondo de documentação que provê isto, ela estará demonstrando que administra com qualidade, garantindo assim que seus produtos estejam de acordo com os parâmetros internacionais de qualidade.

A relação entre cliente e fornecedor tem passado por profundas transformações no cenário mundial. Os clientes, cada vez mais exigentes, querem uma garantia de qualidade baseada nos moldes da ISO.

No Brasil, atualmente a qualidade é um fator estratégico fundamental para o sucesso de uma empresa. Com a aplicação das normas da ISO, o trabalho de uma empresa fica mais organizado e menos sujeito a erros, resultando em redução de custos e benefícios gerais tanto para a empresa e clientes como também para a sociedade.

Vejamos, a seguir, a partir das indicações dadas por Barçante (1998, p.170-171), alguns termos e definições usados pela NBR ISO 8402/1994, ISO 14004 e Fundação para o Prêmio Nacional da Qualidade, para entendermos melhor um pouco do conceito de qualidade. “Gestão da Qualidade Total - Modo de gestão de uma organização, centrado na qualidade e baseado na participação de todos os seus membros, visando ao sucesso a longo prazo através da satisfação do cliente e dos benefícios para todos os membros da organização e para a sociedade (NBR ISO 8402/1994).”

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“Melhoria da Qualidade - Ações implementadas em toda a organização a fim de aumentar a eficácia e a eficiência das atividades e dos processos, para proporcionar benefícios adicionais tanto à organização quanto aos clientes (NBR ISO 8402/1994).” “Qualidade - Totalidade de características de uma entidade que lhe confere a capacidade de satisfazer as necessidades explícitas e implícitas (NBR ISO 8402/1994).” “Qualidade Total - Filosofia que coloca qualidade como ponto focal dos negócios da organização, disseminando-a em todas as atividades, para todos os funcionários e colaboradores. Normalmente, a qualidade como ponto focal é explicitada através dos princípios da Qualidade Total, base dessa filosofia (NBR ISO 8402/1994).” “Sistema de Qualidade - Estrutura organizacional, procedimentos, processos e recursos necessários para implementar a gestão de qualidade (NBR ISO 8402/1994).” “Visão - Estado que a organização deseja atingir. A visão tem a intenção de propiciar o direcionamento dos rumos de uma organização (ISO 14004 - FNPQ).”

Mas, mesmo sem ter plena consciência, o homem sempre buscou a

qualidade. É bem verdade que a busca pela qualidade assumiu formas distintas, que segundo Barçante, divide-se nas seguintes eras: da Inspeção, do Controle Estatístico da Qualidade, da Garantia da Qualidade e da Gestão Qualidade Total. Nota-se que nos primórdios o objetivo das organizações era dar uniformidade aos produtos, através da inspeção dos produtos. Os métodos utilizados eram ainda meros instrumentos de medição. A qualidade só passou a ser gerenciada a partir da última era, que teve início no Ocidente, já a partir da década de 70, com a invasão dos produtos japoneses na América.

Falar do caso japonês é indispensável para entendermos os 14 princípios enunciados por W. Edwards Deming (1990). Os produtos japoneses eram conhecidos no mercado mundial como muito ruins e baratos. O problema é que até meados do século XX o Japão utilizava apenas a inspeção para garantir a qualidade dos produtos. A transformação da administração japonesa, e conseqüentemente de sua produção, decorreu de quatro fatores citados por Barçante (1998):

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“1) A contribuição dos experts americanos W.E Deming e J.Juran. 2) A criação e ação da Japanese Union of Scientists and Engineers (JUSE). 3) A padronização ampla dos produtos. 4) A ampla comunicação e educação pública.” (p.15)

E foi Deming, consultor de renome internacional, quem mais

colaborou para que a indústria japonesa adotasse novos princípios de administração, revolucionando sua qualidade e produtividade. Dessa forma, “o papa da qualidade total” contribuiu para a transformação da administração ocidental e oriental, e instituiu algumas regras para a administração voltada para a qualidade que são conhecidas como os “Os 14 Princípios de Deming” (Deming, 1990, p.18-19):

1 - “Estabeleça constância de propósitos para a melhora do produto

e do serviço, objetivando tornar-se competitivo e manter-se em atividade, bem como criar emprego.”

A empresa tem que saber as metas que deseja atingir. Se o sucesso

e o lucro são os objetivos finais, deve-se estabelecer um caminho claro e bem entendido por todos para chegar lá. A constância de propósito espelha-se no planejamento que a empresa faz para o futuro.

Deve-se inovar os processos de produção, aliando-se à tecnologia, e investir sem pensar em lucros imediatos, mas visando a melhoria do produto/serviço para agradar e conquistar novos clientes. Dessa forma a empresa vai ampliar seu mercado de atuação. São estes esforços que mantêm uma organização sempre viva e gerando novos empregos.

2 - “Adote a nova filosofia. Estamos numa nova era econômica. A administração ocidental deve acordar para o desafio, conscientizar-se de suas responsabilidades e assumir a liderança no processo de transformação.”

A nova filosofia traduz-se na Era da Gestão da Qualidade Total. É preciso tomar novos rumos no processo de administração. É preciso diminuir os níveis de erros e falhas no processo produtivo. Bem como trazer as pessoas para o engajamento total no que estão fazendo. Para engajar os funcionários no processo, é preciso que a empresa proporcione um treinamento eficiente e também que a comunicação dentro da organização seja feita de forma transparente.

3 - “Deixe de depender da inspeção para atingir a qualidade.

Elimine a necessidade de inspeção em massa, introduzindo a qualidade no produto desde o seu primeiro estágio.”

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O simples fato de haver inspeção significa, de acordo com Deming, “planejar defeitos, reconhecendo que o processo não está capacitado para satisfazer às especificações”. O que fazer? Partir para o processo de qualidade do produto, pois refazê-lo dá ensejo a custos dobrados. Além disso, Deming alerta para o perigo do trabalho de inspeção tornar-se burocrático, fazendo com que a inspeção acabe sendo ineficiente.

4 - “Cesse a prática de aprovar orçamentos com base no preço. Ao

invés disto, minimize o custo total. Desenvolva um único fornecedor para cada item, num relacionamento de longo prazo fundamentado na lealdade e na confiança.”

É bem típico de quem quer lucrar muito aventurar-se em

orçamentos de fornecedores e serviços bem abaixo da média do mercado. Neste caso há uma frase popular que espelha muito bem o risco em que incorre quem opta apenas pelo preço baixo: “O barato sai caro”.

O recado é simples: mude a mentalidade do departamento de compras da sua empresa. Opte pela parceria com seu fornecedor — que deverá ser previamente escolhido levando-se em conta dados como antecedentes, através de processos de licitação, com critérios específicos para comprovar a qualidade dos seus serviços — e você terá garantido um serviço de qualidade, sem precisar depois gastar com a reprodução.

5 - “Melhore constantemente o sistema de produção e de prestação

de serviços, de modo a melhorar a qualidade e a produtividade e, conseqüentemente, reduzir de forma sistemática os custos.”

Este item ratifica a importância da qualidade estar envolvida em

todas as etapas do processo. Desde o início do projeto, quando ainda é uma simples idéia, até o produto final. O objetivo é atingir um produto o mais perfeito possível e satisfazer o cliente. Deming lembra que é a administração da direção que deve determinar este processo. E quando se consegue erradicar, ou pelo menos diminuir, os problemas de produção, otimizando-a, é possível reduzir custos.

6 - “Institua treinamento no local de trabalho.” Os recursos financeiros aplicados em treinamento de pessoal

deverão retornar em dobro para a empresa. Além disso, um funcionário que sabe o que está fazendo, que conhece bem o seu serviço, poderá fazer um trabalho melhor, produzindo mais e tendo um senso crítico apurado para desenvolver a qualidade do produto ou serviço que presta.

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7 - “Institua liderança. O objetivo da chefia deve ser o de ajudar as

pessoas e as máquinas e dispositivos a executarem um trabalho melhor. A chefia administrativa está necessitando de uma revisão geral, tanto quanto a chefia dos trabalhadores de produção.”

Cabe à administração perceber as qualidades de seus funcionários

e otimizá-las. Mas, para isso, é preciso que a chefia conheça os processos da produção e saiba as tarefas do seu pessoal. Nos novos tempos de gestão de qualidade, a nova administração deve criar o espírito de liderança nos seus funcionários, através do engajamento de todos no processo de trabalho.

8 - “Elimine o medo, de tal forma que todos trabalhem de modo

eficaz para a empresa.” Medo e produtividade não combinam. Como uma pessoa pode dar

o melhor de si quando se sente insegura? O funcionário deve ter liberdade para exprimir suas idéias e fazer os questionamentos que julgar necessário. É preciso saber administrar também o receio que as pessoas têm das novidades e mudanças introduzidas com os novos processos tecnológicos. Deming ilustra em seu livro algumas frases que constatam o medo dos funcionários: “Receio perder o meu emprego porque a empresa vai fechar!” ; Tenho medo de apresentar uma idéia. Eu seria culpado de traição se o fizesse!” ; “O sistema em que trabalho não me permitiria expandir minhas habilidades”. Regras e uma hierarquia muito rígidas em uma administração também podem atrapalhar o desempenho do funcionário, que fica mais preocupado em satisfazer determinadas normas e quota de produção, deixando a qualidade do serviço para segundo plano.

9 - “Elimine as barreiras entre os departamentos. As pessoas

engajadas em pesquisas, projetos, vendas e produção devem trabalhar em equipe, de modo a preverem problemas de produção e de utilização do produto ou serviço.”

O trabalho em equipe elimina custos, porque um departamento vai

saber o que o outro necessita e poderá complementar a produção. O contrário gera perdas, pois quando não se visualiza o processo de produção como um todo, pode-se deparar com um problema de duplicidade de serviços ou de processos que não se encaixam. Além do que, o trabalho produzido por equipes compostas por todos os departa-mentos de uma organização vai diminuir consideravelmente erros no

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projeto, já que oferece uma visão do todo, proporcionando importantes melhorias no produto.

10 - “Elimine lemas, exortações e metas para mão-de-obra que

exijam nível zero de falhas e estabeleçam novos níveis de produtividade. Tais exortações apenas geram inimizades, visto que o grosso das causas da baixa qualidade e da baixa produtividade encontram-se no sistema, estando, portanto, fora do alcance dos trabalhadores.”

Antes de advertir e espalhar na organização o sentimento da

inimizade, é preciso que a administração reflita sobre o processo de produção. Quando existe alguma coisa errada, o culpado pode não ser o funcionário, mas o modo como ele desenvolve o seu trabalho, ou até mesmo o modo como o processo de produção foi concebido pela administração da empresa.

Por isso, é preciso que a administração assuma que qualquer responsabilidade final é sempre sua, pois o funcionário não tem ingerência sobre todo o processo. A administração deve refletir sobre as possíveis falhas que existem no processo de produção, ou até mesmo na forma de comunicação com o seu funcionário. É papel da administração eliminar este tipo de erro, através da implantação da gestão da qualidade.

11 a - “Elimine padrões de trabalho (quotas) na linha de produção.

Substitua-os pela liderança.” 11 b - “Elimine o processo de administração por objetivos.

Elimine o processo de administração por cifras, por objetivos numéricos. Substitua-os pela administração por processos, através do exemplo de líderes.”

Como já foi falado no item 8, o funcionário que preocupa-se

demasiadamente em obedecer a determinados padrões ou regras pode ter baixa produtividade. Um exemplo citado por Deming, e que acreditamos ilustra bem o problema, é o de uma telefonista que tem como meta fazer 25 chamadas/hora, mas seu serviço é atender o telefone, fazer reservas e prestar informações. Acontece que, por ter uma quota a cumprir, ela deixa de atender bem os clientes, fazendo tudo de modo apressado.

A sugestão é que a quota de trabalho exigida do funcionário seja substituída pelo serviço bem feito. As chefias têm que conhecer as tarefas desenvolvidas pelos funcionários para saber o que deve cobrar deles, e qual a melhor forma para aumentar a sua produtividade.

E, a partir do momento em que o funcionário cumprir as tarefas, atendendo bem ao cliente, ele vai sentir orgulho do que faz, vai ser mais feliz e, conseqüentemente, vai aumentar a produtividade.

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12 - “Remova as barreiras que privam as pessoas do justo orgulho

pelo trabalho bem executado.” “Afinal, qual é a minha tarefa?”. A pergunta reflete o sentimento

de incerteza dos funcionários, tanto dos horistas como dos assalariados e dos administradores. As pessoas não querem ser mercadorias pagas. É preciso valorizar o trabalho das pessoas. Como? Propiciando um bom e saudável ambiente de trabalho, investindo em equipamentos e manutenção dos mesmos, ouvindo as sugestões e tomando as devidas providências, na medida do possível. Isso permitirá dar mais qualidade ao produto/serviço realizado pelo funcionário, o que vai fazer com que ele sinta orgulho do que produz. Para Deming, “a possibilidade de realização profissional é algo mais significativo para o operário do que a existência de quadras de esportes e áreas de lazer”.

13 - “Estimule a formação e o auto-aprimoramento de todos.” Cada um deve ser responsável por seu conhecimento. O

profissional moderno sabe que é necessário estar sempre em busca da reciclagem, e de olho nas necessidades do mercado de trabalho. Mas o estímulo pode e deve partir da organização, que vai saber reconhecer e valorizar o funcionário preparado e que busca novas oportunidades. Por sua vez, o funcionário ficará feliz e grato por sua empresa estar investindo na sua formação, criando um círculo vicioso, que certamente resultará em maior qualidade e produtividade para a empresa.

14 - “Engaje todos da empresa no processo de realizar a

transformação. A transformação é da competência de todo mundo.” O processo de transformação é sempre lento e por vezes

traumático. Mas vale a pena enfrentar. Os 14 princípios de Deming mostram que, em busca da qualidade, a administração deve adotar essa nova filosofia, compreender suas novas responsabilidades e envolver todos os setores da empresa nesse processo, pois só assim vai conseguir obter os resultados esperados e alcançar o sucesso.

Eficácia, eficiência, sucesso, satisfação das necessidades e

benefícios são algumas palavras que formam o quebra-cabeça da gestão de qualidade total. O implemento da globalização e o aumento da competitividade em âmbito mundial acarretam, às portas do século XXI, uma nova visão para empresa/empregado. Hoje, muitas empresas

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(algumas ainda não descobriram) já sabem que para conseguir maior produtividade e melhoria dos serviços é preciso uma organização sadia.

Os clientes estão cada vez mais exigentes e querem produtos e serviços cada vez melhores. Quem não oferece bons produtos e serviços certamente não vai alcançar o sucesso. Para Barçante (1998), por exemplo, os fatores críticos para uma empresa atingir o sucesso hoje são: a satisfação total do cliente e o baixo custo operacional. Só uma organização sadia poderá equacionar estes fatores de modo a atingir o objetivo final, que é o sucesso. Mas como se consegue uma organização sadia? Através de um esforço coletivo, tanto do empregador quanto do empregado.

Nos novos tempos descobriu-se, na verdade, que não há fórmulas para se alcançar o sucesso e o crescimento do negócio. O caminho parece, sim, estar neste esforço coletivo. Uma empresa precisa integrar seus diversos setores, que por sua vez precisam ter uma visão global, voltada para o objetivo final: o sucesso da empresa. Citamos abaixo algumas necessidades listadas por Barçante (1998, p.81) que fazem com que as empresas desenvolvam e implantem medidas voltadas para a Qualidade Total ( Eficácia + Eficiência):

1 - Controlar o seu destino. O importante é que a organização construa pilares fortes, como

ocorre na construção de uma edificação, que tem que ter uma base sólida para agüentar ventos fortes e tempestades. Uma empresa deve ter metas definidas para estabelecer-se no mercado. É fundamental ter as rédeas do negócio nas mãos.

2 - Conscientizar-se de que o sucesso no passado não garante o

sucesso no futuro, muito pelo contrário, pode até atrapalhar. É preciso não ficar preso a fórmulas de sucesso. Num mundo em

que o processo tecnológico supera-se a cada dia, a organização deve ser flexível. É importante estar antenado com o mundo, ou seja, uma organização eficiente é aquela que consegue captar o desejo de seu público (externo e interno) e perceber quais os novos processos existentes no mercado que podem ser absorvidos e adaptados com sucesso dentro da filosofia da empresa.

3 - Resolver os problemas atuais.

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Os problemas devem ser enfrentados de maneira destemida e transparente. A empresa deve desencadear ações precisas. No cenário globalizado, as organizações devem se preparar para enfrentar turbulências que, se mal administradas, podem mudar o rumo dos negócios. Deve-se encarar de frente os problemas e eliminá-los sem utilizar paliativos. Mas, sem esquecer de tomar as decisões baseadas em fatos e dados concretos.

Os problemas também são uma forma de aprendizado, e podem ser vistos como uma oportunidade de melhoria. A atividade coral é uma ótima oportunidade para se “aprender a aprender”. Esse trabalho possibilita que pessoas que nunca tiveram contato com o canto aprendam, não somente a cantar, mas a conviver em equipe, a superar obstáculos, a descobrir como funcionam as partes do seu corpo que envolvem o canto. O coral é um ótimo laboratório para se treinar o aprendizado.

4 - Desenvolver um senso de equipe. Um automóvel só anda porque a engrenagem possui múltiplas

peças que trabalham em conjunto para acontecer o movimento. Para dar certo, qualquer estrutura tem que utilizar a equipe. Para obter sucesso, uma empresa deve desenvolver dentro da organização a cultura da equipe, em que cada um faz a sua parte, mas sempre deixando bem claro que a parte é que vai formar o todo. Quando se trabalha com senso de equipe cria-se também a cultura da responsabilidade coletiva. Todos respondem pelo que acontece na organização e, com o mesmo empenho, se envolvem para suprir as demandas. Como veremos no capítulo seguinte, o coral pode e deve funcionar como um laboratório onde desenvolvemos a essência da idéia do trabalho em equipe.

Mas a delegação da competência é algo que poucas empresas no Brasil fazem em sua estratégia de administração. Luiz Fernando Cime Lima, diretor-superintendente da Copesul - Companhia Petroquímica do Sul, empresa vencedora do Prêmio Nacional da Qualidade em 1997, escreveu em artigo na Revista Comunicação Empresarial da Aberje (1998), sobre delegação da competência:

“A delegação de competência é um componente muito forte

da cultura da empresa, e conceder autonomia aos colaboradores, em todos os níveis , é uma ousadia que poucas organizações se arriscam a assumir. Mesmo em empresas ditas modernas — com louváveis exceções, felizmente —, o que se vê é um círculo vicioso. Não há delegação nem de autonomia; o funcionário faz seu servicinho, se protege atrás da cadeira quando a demanda sai da rotina e não se compromete com o resultado global do grupo. Havendo uma

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realidade de atribuição de competência, alicerçada em confiança total, o colaborador procura fazer o melhor possível o seu trabalho e se compromete com os resultados. Em outras palavras, é responsável por tudo”.(p.33-34)

5 - Gerar mais recursos. Toda empresa com fins lucrativos procura e precisa gerar recursos.

Gerar recursos dentro da visão da Qualidade Total parte da mudança do gerenciamento e da alteração dos sistemas empregados na produção. O início da experiência japonesa em qualidade, nos anos 50, de acordo com Deming, surgiu com a iniciativa de alguns engenheiros que estudaram textos sobre controle de qualidade e perceberam que a melhoria da qualidade gera o aumento da produtividade. A melhoria dos vários processos que dão origem à produtividade criou uma reação em cadeia e envolveu não só os engenheiros que iniciaram o processo, mas também os operários e fornecedores, estendendo-se mais tarde para outras empresas do país.

Os produtos japoneses, que até então eram de baixa qualidade, passaram a ter boa qualidade e a ser muito bem considerados no mercado nacional e internacional. O que Deming quer mostrar é que os recursos pessoais envolvendo as aptidões e o conhecimento das pessoas foram otimizados, e isso também acontece no coral, nesse processo de envolvimento com a produção de um produto de alta qualidade. Tudo isso provoca uma reação em cadeia: A melhor qualidade faz diminuir os custos. Os erros são menores, os obstáculos também, e a utilização do tempo é melhor, gerando melhor produtividade. O aumento da produtividade gera preços menores, propiciando o surgimento de novos mercados. Se o produto é bom, mantêm-se os negócios e, por fim, amplia-se o mercado de trabalho.

6 - Explorar novas oportunidades. A sociedade moderna exige que a empresa esteja atenta a novas

oportunidades de negócios. É preciso inovar prestando novos serviços, utilizando novos materiais, novos métodos de produção, dar treinamento e educação para os funcionários. Quando uma empresa investe na existência de um coral, ela está fazendo exatamente isso. Está utilizando uma nova forma adicional de capacitação de seus funcionários estimulando a superação de obstáculos e desafios a cada ensaio ou apresentação.

Além disso, a empresa deve destinar recursos para a pesquisa e formação de pessoal, melhorar constantemente os processos produtivos,

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sem esquecer de um fator muito importante às vésperas do ano 2000: aliar-se à tecnologia. Mas, nada disso poderá ser feito se os dirigentes não levarem em conta as necessidades do mercado. É preciso, acima de tudo, saber ouvir a voz dos públicos externo e interno e estar bem informado do que acontece no mercado.

7 - “Passar o bastão” - desenvolver parcerias. Consideramos que este item está intrinsecamente ligado ao item de

número 4. Para desenvolver parcerias é preciso que a organização tenha um senso de equipe bastante desenvolvido, e é essa uma das principais características de um coral. O funcionário, seja de qual escalão for (assim como o coralista de qualquer naipe), deve estar engajado com o processo de produção como um todo, e não apenas limitar-se às suas funções. A comunicação é fator chave nesse processo de engajamento. É preciso que toda a organização tenha acesso às informações de maneira uniforme, e não através de boatos. A partir daí é possível “passar o bastão”.

Acreditamos que as medidas de Barçante, e também os princípios

de Deming, têm forte relação com a função que um coral pode vir a exercer dentro de uma empresa.

O canto coral no contexto de uma organização propicia, aos funcionários que participam desta atividade, uma permanente capacitação para o aprendizado. Os coralistas vão aprender a trabalhar em equipe, a ouvir os integrantes do seu e dos outros naipes, a timbrar, a cantar afinado com a voz na mesma altura e intensidade, a estar no mesmo tom que o grupo; enfim, o coralista tem que estar em harmonia com o todo. Com o tempo, as pessoas, até mesmo aquelas com maior potencial de voz, passam a entender que não adianta cantar mais forte do que os outros, pois isso não ajudará, pelo contrário, irá comprometer o resultado final.

Segundo um dos entrevistados do nosso trabalho, o Dr. Paulo Pegado, as pessoas que têm facilidade para atividade do canto coral são pessoas mais flexíveis, que percebem que os fatos têm uma determinada hora e ordem para acontecer, sendo, geralmente, pessoas menos ansiosas.

Como vamos ver na segunda parte deste capítulo, podemos dizer que a cultura dos workaholics criou a filosofia da competição entre os funcionários dentro das empresas — cada um quer aparecer mais do que o outro — e instalou o medo nas pessoas, que, inseguras, temem perder o espaço conquistado. Isso não só prejudica o trabalho em equipe, mas, e principalmente, o resultado final da empresa.

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Um dos pontos que pretendemos mostrar neste trabalho é que o coral dentro da organização serve como um facilitador para a transformação desse comportamento de competição destrutiva e desses sistemas de trabalho que vêm sendo comumente empregados na produção até hoje, mas que a sociedade moderna já percebeu não serem os corretos.

A instituição de um coral dentro da empresa vai permitir que os funcionários tenham um espaço onde aprender uma nova forma de encarar os problemas e a solucioná-los, da melhor forma possível, dentro das suas capacidades.

O sistema de produção tem que ser alterado mediante alguns mecanismos que não são específicos do ambiente de trabalho. Fatores como a competitividade, o desgaste físico e emocional, o clima de avaliação constante não permitem que o local de trabalho seja apropriado para o aprendizado mais amplo dos funcionários.

Nesse contexto o coral vai ser, justamente, o laboratório onde os funcionários vão poder treinar essa mudança de filosofia de trabalho proposta no novo tipo de administração intitulado de gestão de Qualidade Total. A mudança tem que ser feita através do conhecimento das pessoas, envolvendo suas aptidões e seus recursos pessoais. O espaço do coral, mais descontraído e sem maiores cobranças, pode e deve ser utilizado pela empresa como um estágio onde serão aplicados princípios dessa nova filosofia, que o funcionário empregará mais tarde em seu setor de trabalho.

Para dar forma a todo esse processo de mudança, o coral vai precisar gerar recursos pessoais, que estão, na maioria das vezes, escondidos dentro das pessoas. Por isso, um dos principais desafios de um maestro é perceber as qualidades específicas das pessoas do grupo que comanda e tentar otimizá-las, obtendo o melhor desempenho dessas qualidades, sem perder de vista a harmonia do conjunto.

A experiência mostra que é comum surgirem naturalmente lideranças dentro dos naipes do coral. São pessoas que sentem mais facilidade para lidar com os problemas que surgem e ajudam os colegas, repassando o que aprenderam. O maestro (no caso, a chefia), trabalha para formar um espírito de equipe e dar espaço para que as lideranças se criem dentro dos naipes. Esse tipo de dinâmica de trabalho cria líderes, e, no caso das empresas, pode vir a gerar novos e excelentes gerentes, diretores, etc. E estas lideranças surgem inclusive em funcionários tímidos e introvertidos, que muitas vezes são preteridos e pouco utilizados no ambiente de trabalho, ou seja, ocupam espaços onde sua capacidade de criação é pouco explorada. Este tipo de funcionário, por exemplo, tem mais chances de se revelar no ambiente mais solto e descontraído do coral.

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O engajamento de todos permite que essa ajuda mútua em busca de um resultado melhor consolide ainda mais o espírito de equipe existente no coral. Esta é mais uma característica do coral que pode ser aplicada dentro do sistema de produção da empresa. As pessoas passam a se comprometer com o resultado, a comunicação entre o grupo é mais eficiente, as diferenças diminuem e cria-se um clima de afetividade dentro do mesmo, que também pode ser transposto para o organismo maior que é a empresa.

O coral faz parte desse processo de transformação. As pessoas vêem que são capazes de superar desafios, de trabalhar em equipe, de liderar, de construir e transformar algo. Todas essas possibilidades abertas no coral passam a ser praticadas, mesmo que inconscientemente, dentro do ambiente de trabalho podendo ate extrapolar beneficamente na vida pessoal.

Além de tudo isso, o coral, como vamos ver no próximo capítulo, traz grandes benefícios à saúde do funcionário, o que, conseqüentemente, fará com que ele renda mais, beneficiando a empresa. O coral otimiza os recursos humanos, e a organização não deve perder nunca de vista que para o sucesso final, ou seja, produtividade e lucro, um dos principais caminhos é preservar e cuidar muito bem de seus funcionários. 1.2 Qualidade de Vida

Após esse breve panorama do que é a gestão da Qualidade Total,

percebemos, segundo os princípios expostos por Deming e as medidas de Barçante, que o recurso maior para a implantação de uma administração voltada para a qualidade é o homem. Por isso, uma revolução em termos de qualidade de vida vem, impreterivelmente, acompanhando a implantação da gestão de Qualidade Total nas empresas.

O progresso dos últimos quarenta anos foi estruturado de acordo com o conceito de que o desenvolvimento industrial, ao lado da evolução econômica das empresas e do país, trariam uma vida melhor, no que concerne à riqueza e condição social das pessoas. Isto foi “a grande promessa” que influenciou não somente a organização das empresas, mas também a relação empresa/empregado, criando muitas expectativas neste último. Muitos homens abraçaram este conceito, que culminou no aparecimento dos workaholics. Eles são aqueles indivíduos que mergulham de cabeça no trabalho, acreditando que com isso vão atingir não só o sucesso profissional, mas também o pessoal.

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A falsidade desta grande promessa acabou sendo descoberta e praticamente derrubou o mito do workaholic no início da década de 90. Neste momento, esse homem viciado em trabalho deixou de servir como modelo e todos começaram a voltar seus olhos para a qualidade de vida, porque mesmo tendo ficado afastado por muitos anos do seu lazer e de seus hobbies, ele descobriu que isso não foi suficiente para atingir as benesses da grande promessa. Além disso, uma vasta literatura especializada nos princípios da Qualidade Total constatou que, da década de 70 à de 90, esses homens extremamente dedicados ao trabalho ficaram alheios às situações familiares. E o mais grave de tudo: os workaholics perderam o contato consigo mesmo, deixando de considerar suas próprias vontades, necessidades e motivações.

Foi também nos anos 70 que as empresas americanas começaram a perceber e a se preocupar com o elevado custo da saúde agregado aos seus produtos. Para reduzir esses gastos, as empresas começaram a implantar ações de prevenção e promoção da saúde. Na década de 80, os aspectos social, mental e espiritual passaram a ser contemplados nesses programas. O estilo de vida tornou-se o conceito central.

E, a partir dos anos 90, a preocupação com a qualidade de vida (wellness) passou a fazer parte da estratégia das organizações, afetando os indivíduos que antes davam lucros e acabaram por se tornar problemas para a empresa pela dificuldade de relacionamento com os colegas e, principalmente, pela queda da produtividade. Iniciou-se uma mudança de comportamento: o indivíduo que não olhava para si e não fazia o que gostava, e sim apenas o que a empresa achava importante para ele, percebeu que precisava de algo mais para ter satisfação na vida. Ele acreditou que o trabalho poderia levá-lo à felicidade absoluta. Mas esqueceu-se das outras necessidades vitais da vida: os relacionamentos social e emocional, necessidades que o trabalho, por si só, não preenche. Até o final da década de 80, a empresa, também envolvida no processo de desenvolvimento econômico, visando a produtividade, não observou o fato de que o homem é um ser composto de emoções, sentimentos, religiosidade, e precisa, definitivamente, de relações com a família, os amigos, e de atividades de lazer para se sentir harmonizado consigo mesmo e com a sociedade.

A insatisfação e angústia do funcionário que vive apenas para o trabalho alteram seu estado de espírito e afetam a sua saúde. Isso acarreta um desgaste muito maior de energia por parte deste funcionário ao desempenhar suas funções, o que agrava ainda mais o seu estado. Todo este processo de desgaste do workaholic pode ser facilmente comparado à situação em que uma pessoa interessada em ganhar músculos fortes e bem torneados resolve usar anabolizantes. Sabemos que apenas ginástica e musculação não vão a curto prazo desenvolver músculos tão grandes e

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bem torneados como os de um halterofilista, mesmo que o candidato se dedique aos exercícios com afinco. O que acontece é que, muitas vezes, o candidato utiliza-se de remédios que possibilitam um resultado mais rápido, mas que produzem, a médio e longo prazo, efeitos colaterais devastadores à sua saúde.

O grande erro das empresas foi, e em alguns casos continua sendo, acreditar que compensações externas como salários, prêmios, poder, status, podem eliminar os sentimentos negativos desses indivíduos que têm o trabalho como tema central da vida. Essas compensações apenas amenizam uma situação que certamente vai explodir no futuro, com conseqüências desastrosas tanto para a empresa quanto para o funcionário.

O comportamento da competitividade, muitas vezes estimulado pelas empresas, acaba trazendo à organização muitos problemas. As pessoas têm dificuldade de trabalhar em grupo, pois temem o outro e muitas vezes se acham o máximo enquanto indivíduos. O modelo de relacionamento competitivo de onde surgiram os workaholics só traz sofrimentos ao indivíduo, como o estresse, por exemplo. Por outro lado, se o trabalho em equipe está comprometido, provavelmente o resultado final alcançado vai ser aquém das expectativas.

Isso também gera a sobrecarga de trabalho para algumas pessoas e a pouca utilização de outras. É muito comum, nessa estrutura organizacional que preza os workaholics, encontrarmos também outros funcionários que não têm o seu potencial bem explorado dentro da organização. Outro fator é que a hierarquia rígida desse tipo de administração arcaica não permite às pessoas serem mais criativas, acaba por disseminar o medo, e desenvolve nas pessoas a frustração por não poderem demonstrar toda a sua capacidade.

No Brasil, com o crescimento exagerado de doenças, entre elas as doenças cardíacas, que atingiram números assustadores na década de 80, e os sintomas psicossomáticos resultantes do estresse, o trabalhador dos anos 90 começou a buscar maior harmonia entre a vida pessoal e o trabalho, através de um cotidiano mais saudável, de atividades de lazer, de hobbies, de participação em atividades sociais e, principalmente, de um convívio social e familiar mais intenso.

Elyseu Mardegan Jr., em seu livro A Empresa Inteligente (1995), ressalta que existe uma grande relação de influência e efeito entre o trabalho e a vida pessoal do indivíduo, que, infelizmente, ainda é pouco considerada por muitas empresas no Brasil. Segundo o autor, as características principais do perfil do funcionário da atualidade são:

“ - Maior participação na educação dos filhos e no convívio

familiar

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- Maior tempo para si mesmo, seja para uma atividade de lazer, um hobbie, seja para negócio próprio.

- Divisão mais clara entre o tempo dedicado à empresa e à vida pessoal

- Busca de novas experiências e caminhos alternativos que lhe permitam um maior autoconhecimento (meditação, terapia).

- Preocupação com a saúde física por meio de prática de esportes, dieta balanceada, baixo consumo de álcool e cigarro.

- Desejo de fazer do trabalho uma atividade prazerosa, desafiadora, realizando um trabalho no qual acredita.

- Redefinição do que significa o sucesso profissional, que agora também considera os vários aspectos acima mencionados.” (p.55-56)

O novo perfil do trabalhador mostra um comprometimento mais

saudável com o trabalho e com a empresa. O trabalho não é menos importante em sua vida, pelo contrário, a dedicação à sua vida pessoal, de forma satisfatória, vai acarretar mais eficiência no trabalho, mesmo fazendo uma jornada menor. O que se vê aí, portanto, é que trabalhar menos pode significar aumento de produtividade quando o trabalho é otimizado e o indivíduo se vê mais como ser humano do que apenas como uma pequena peça dentro da empresa.

Por outro lado, as empresas também perceberam que é impossível falar em Qualidade Total sem investir na qualidade de vida dos seus funcionários. Mas esses conceitos, que há dez anos restringiam-se a países como Japão, Estados Unidos e Canadá, mais recentemente estão chegando ao Brasil. As empresas começam a perceber que não basta garantir a assistência médica a seus funcionários. É preciso evitar que a doença apareça.

Mas, para um país como o Brasil, que ainda luta para romper as barreiras de seu subdesenvolvimento, falar em qualidade pode parecer utopia. O que devemos ter consciência, na verdade, é que o país necessita encarar os problemas sociais seriamente. E as empresas e organizações podem ajudar. De que forma? Investindo maciçamente em programas de educação e qualificação da população. “Uma força de trabalho saudável, bem alimentada, bem educada, capacitada e recompensada financeiramente de forma justa, é a melhor base para o crescimento com desenvolvimento”, afirma Luiz Cesar Barçante (1998, p.73). Isso não quer dizer que as empresas devam ser instituições filantrópicas, mas apenas que elas devem investir no homem, seu recurso mais precioso, pois só assim poderão participar do desenvolvimento econômico sustentado do país e, conseqüentemente, ver seus negócios em franca expansão.

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O conceito de Qualidade Total, que só é alcançado se o produto ou serviço oferecido tiver qualidade, passa pela qualidade de vida de quem produz, e por isso mesmo o funcionário deve ser visto como um “sócio”, e não apenas como um instrumento de trabalho pelos empresários.

A modificação da política dentro de uma empresa acontece por dois fatores essenciais: pela mudança da mentalidade dos trabalhadores e, principalmente, pela reavaliação que o empresário faz a respeito da produtividade de sua empresa.

O estudo do comportamento humano, em constante evolução, gerou várias teorias. Os dirigentes modernos já concluíram ser crucial a implantação de programas que visem o bem-estar do corpo funcional. Esses programas, geralmente, são realizados através do departamento de Recursos Humanos. Em algumas empresas já existem pessoas especializadas em qualidade de vida, como é o caso da Recofarma Indústria do Amazonas — a Coca-Cola do Rio de Janeiro. A médica Mônica Eloisa Nunes Vieira, gerente do Serviço de Saúde da Coca-Cola, é a responsável pela implantação do programa de qualidade de vida da empresa.

Segundo a Dra. Mônica, em entrevista realizada em novembro de 1997, a Coca-Cola estava contratando uma consultoria especializada em qualidade de vida, a MediQuality, para fazer um levantamento da qualidade de vida dos funcionários através de um questionário, com metodologia científica, que deveria ser respondido por no mínimo 30% do efetivo da empresa. A empresa queria fazer um autodiagnóstico para saber qual o seu perfil.

O histórico da Coca-Cola do Rio, de acordo com a gerente do serviço de saúde da empresa, é bem parecido com o de outras empresas que começaram a se preocupar com a produtividade e, conseqüentemente, com o seu funcionário. A empresa começou “atacando” por pontos: iniciou um programa de saúde, com a implantação de atividade física e depois de vacinação contra a gripe. Mas, logo após os primeiros resultados, a organização percebeu que precisava também tratar dos seus funcionários de uma forma inteira, ou “holística” (corpo, mente e espírito), como denominou a própria Dra. Mônica E. N. Vieira. Ela compreende que não bastam apenas medidas paliativas, é preciso atacar o problema de frente. Com o laudo nas mãos, a Coca-Cola vai poder iniciar a implantação de um programa de qualidade de vida de acordo com a estratégia pré-definida por toda a diretoria.

A Coca-Cola é um exemplo clássico de empresa que percebeu as necessidades dos funcionários, mas, em princípio, não soube qual o caminho a seguir. Antes de resolver fazer um levantamento da qualidade de vida dos funcionários, a empresa investiu em alguns programas que

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acreditou serem de grande utilidade para a melhoria de vida dos seus recursos humanos, mas sem um embasamento técnico e sem um programa previamente direcionado. O resultado, apesar de positivo, não foi o esperado, e em alguns casos fracassou. Dentro desses casos inserimos, por exemplo, a implantação do Coral no ano de 1996, que, apesar do interesse dos funcionários integrantes, não foi bem sucedida, durando apenas dois anos. Este foi um dos coros que havia sido tomado inicialmente para universo da presente pesquisa; mas, em decorrências que vão ficar aqui explicitadas, foi preciso interromper este processo. A seguir será feito um rápido relato do que se passou e, mais adiante, no terceiro capítulo, será relatado o caso de um dos corais que atualmente estamos regendo: o Coral da Cia. Brasileira de Petróleo Ipiranga .

A Coca-Cola dividia o mesmo prédio, situado na Praia de Botafogo nº 370, com a empresa de petróleo Shell. Esta tinha um coral há muitos anos, regido por nós, que sempre na véspera do Natal fazia uma apresentação no saguão do prédio, e era assistida por funcionários de ambas empresas. A Coca-Cola, motivada pelo sucesso e repercussão do Coral Shell, resolveu criar seu próprio coral. Foi então que a responsável pelo Recursos Humanos, Lina Souza nos chamou para conversar, pedindo que apresentássemos um projeto para a implantação do Coral Coca-Cola. O projeto teve a aprovação da diretoria, e foi feita então uma pesquisa para saber quantos funcionários estariam interessados em participar, ressaltando os benefícios que esta atividade pode trazer e deixando claro que não era necessário ter experiência e nem conhecimento musical. O resultado foi bastante satisfatório, com 53 pessoas inscritas.

As dificuldades começaram desde o primeiro dia de ensaio, quando normalmente seria feita uma palestra sobre o trabalho Coral dentro da empresa e a classificação das vozes nos quatro naipes. Dos 53 inscritos, apenas 15 apareceram. Podemos afirmar que isso foi um reflexo da falta de apoio necessário para a liberação dos funcionários e de conscientização quanto à importância que o Coral tem para a melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Este trabalho de conscientização foi sendo paulatinamente feito por nós e pelos dois monitores e pianista, que também eram contratados dentro do projeto do Coral Coca-Cola. Quando o trabalho começou a engrenar, atingimos o número de 25 coralistas. Dos 53 inicialmente inscritos, alguns nunca apareceram e outros não conseguiram organizar sua vida para a inclusão da atividade coral, além de um número menor que não se adaptou ao tipo de trabalho proposto.

Nossa primeira apresentação ocorreu na Festa de Fim de Ano da empresa, realizada no Hotel Méridien do Rio, quando cantamos músicas brasileiras, natalinas e terminamos a apresentação com um famoso jingle

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da Coca-Cola. A apresentação foi um sucesso e a sensação de orgulho era geral, tanto dos funcionários coralistas quanto dos não coralistas. Neste mesmo dia cantamos em um Encontro de Corais no Grajaú Country Club. Para os funcionários coralistas, era uma maneira emocionante de terminar o ano de 96 e a impressão que se tinha era que, a partir destas apresentações, o Coral ganharia um lugar de maior destaque dentro da empresa, com a adesão de novos integrantes.

Veio o mês de férias, e ao reiniciarmos as atividades isto não se concretizou, porque a empresa começou a atravessar uma fase difícil, com excesso de trabalho e diminuição de pessoal, inclusive com a demissão de alguns coralistas. O trabalho de divulgação do Coral dentro da empresa continuou nos quadros de aviso, mas a crise era mais forte. Chegamos a participar de mais alguns encontros de corais, com destaque para os da Associação Scholem Aleichem (ASA) e Casa da Itália, além de algumas poucas festas na empresa.

O excesso de trabalho na empresa era grande. Mesmo assim, alguns apaixonados pelo Coral não deixavam de vir, mesmo que atrasados, o que prejudicava bastante o rendimento. No segundo semestre de 97, quando foi elaborado o planejamento financeiro para 98, o departamento de Recursos Humanos foi obrigado a fazer vários cortes pesando quais as prioridades para a vida da empresa. O Coral foi cortado, uma vez que o número de integrantes era pequeno em relação ao número de funcionários da empresa. Estávamos então com 15 coralistas; e para que a interrupção do trabalho não tivesse um aspecto muito ruim, nos foi encomendada uma apresentação de Natal no restaurante da empresa. Foi uma bela apresentação, com muita emoção, não só por se tratar de músicas natalinas, mas principalmente porque os funcionários sabiam que o Coral estava sendo temporariamente desativado.

Baseados nesta experiência, chamamos a atenção para o fato de que implantar um programa de qualidade de vida exige ter em mente os objetivos a serem atingidos, de acordo com o primeiro princípio de Deming (1990):

1 - “Estabeleça constância de propósitos para a melhora do

produto e do serviço, objetivando tornar-se competitivo e manter-se em atividade, bem como criar emprego.” (p.18)

Dentro do conceito de qualidade de vida, o importante é ser. A

partir do momento em que as pessoas alcançam um maior equilíbrio individual, passam a adquirir maior consciência e ampliam a sua capacidade de lidar com as dificuldades, começando a modificar a realidade a sua volta. Todas as pessoas reagem à presença, ou ausência, da qualidade, pois em qualquer tipo de relacionamento a que somos

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submetidos ela está presente. Por exemplo, no nível físico: a qualidade do ar que respiramos, da comida que comemos; no nível social: a qualidade de vida (baixos índices de violência, relacionamentos harmoniosos, etc.); ou no nível profissional: a qualidade do nosso dia-a-dia de trabalho.

A qualidade não é estática. Ela está presente e orienta os mais diversos tipos de relacionamentos. O “estado da qualidade” de uma pessoa interfere diretamente no de outra, formando um ciclo, e pode representar um estímulo ou resposta. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos comprovam que, a cada dólar investido em programas de qualidade de vida, são economizados de três a quatro dólares. As organizações conseguem diminuir os gastos com assistência médica, caem as faltas de funcionários por conta de doenças e aumenta a produtividade da empresa, como afirmou a Dra. Mônica E.N. Vieira.

Por isso, especialistas como a Dra. Mônica, da Coca-Cola, e o Dr. Paulo Pegado, da ADVISER - Pegado & Associados, entrevistados neste trabalho, concordam que o resultado positivo da implantação de programa de qualidade de vida nas organizações é inquestionável. As pessoas mais saudáveis passam a contribuir para a instalação de uma cultura voltada para a solidariedade e para o trabalho em equipe — e não para o individualismo competitivo — e têm maior capacidade de se identificar com os objetivos da companhia. E a sinergia, soma de esforços para um objetivo comum, é uma forte alavanca para a produtividade e rentabilidade da empresa. Não basta ser o melhor individualmente. Todos devem trabalhar tendo em vista a coletividade dos esforços para que o resultado seja o mais adequado à organização de que o indivíduo faz parte.

O programa de qualidade deve visar a uma atitude positiva do funcionário em relação à empresa e à qualidade dos produtos e serviços por ela desenvolvidos. Dentro destas mudanças empresariais, foram desenvolvidos sistemas de endomarketing (Cerqueira, 1994). Esses sistemas são a forma de comunicação com o público interno das organizações — no caso, os seus funcionários. Eles visam a difusão de uma linguagem cultural própria em toda empresa, para todos os seus funcionários, independentemente do nível hierárquico. A base desta linguagem é um conjunto de valores estabelecidos por eles próprios e aceitos como necessários e bons para regular a relação entre os funcionários, e destes com a empresa.

E a comunicação é ferramenta estratégica para o engajamento dos funcionários nesse novo processo de administração da empresa. Mas, o que mais dificulta o processo de comunicação dentro da empresa? Uma pesquisa feita pela consultoria paulista W2 Comunicação, que entrevistou mais de 2000 executivos, durante quatro anos, afirma que a

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maioria deles não faz idéia de qual a missão, os valores e os objetivos da empresa para a qual trabalham. O estudo foi publicado pela Revista Exame (Bernardi, 1998).

O problema é grave, pois não compreender o que a empresa é, e por que ela existe, como sobrevive, quais os seus objetivos, metas e estratégias, resulta, obviamente, em não-comprometimento. E o não- comprometimento, como já vimos, pode tornar a implantação de programas de qualidade um fracasso. Outra deficiência apontada pela pesquisa é a gestão autoritária. Segundo a pesquisa, não existe a percepção de que a “gestão seja um processo compartilhado entre gestor e equipe e há muita retenção de informação” (Bernardi, 1998, p.120-124).

A pesquisa também cita fatos que dificultam a comunicação eficiente na empresa: a falta de um objetivo comum entre os diversos setores da organização; a falta de preocupação com o meio externo, pois a visão de que a empresa também abrange o mercado e a comunidade na qual ela atua, e vice-versa, ainda é muito restrita; e, por fim, os profissionais, que são um fator decisivo para o sucesso ou fracasso da comunicação nas empresas.

O que chama atenção na pesquisa é o universo pesquisado. Se os executivos responsáveis pela condução da administração mostram-se tão deficientes diante da comunicação, como vão se comportar os funcionários subordinados a eles? Ao lermos o resultado desse estudo, percebemos a importância da utilização do processo de endomarketing enquanto estratégia de comunicação voltada para o público interno da empresa, ou seja, seus funcionários.

Os valores propagados no processo de endomarketing serão os modelos do comportamento individual e coletivo, na busca de melhores índices de produtividade e qualidade em tudo que se faça. Os pioneiros nos projetos de endomarketing foram os japoneses, e foi a partir da observação deste modelo de administração participativa que surgiu um grande número de projetos no mundo ocidental, dentre eles o projeto de corais de empresa.

Apesar de não haver em Cerqueira (1994) referência direta à utilização de projetos de corais, podemos dizer que estes se encaixam nos projetos de desenvolvimento que ajudam a consolidar a base cultural estabelecida, bem como aceleram qualitativamente a sinergia do comprometimento, através do reconhecimento e valorização do ser humano. Estes projetos têm como finalidade o desenvolvimento da auto-estima dos funcionários. Sua elaboração e implantação estão centradas nas equipes da área de recursos humanos.

Ainda dentro do processo de endomarketing, outro fator importante a ser levado em consideração é a comunicação da empresa

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com o mundo exterior. José A. Bonilla, em seu livro Resposta à Crise (1993), diz:

“O enfoque moderno de Administração de Empresas traduz-

se na consideração da comunidade como um ecossistema e a empresa como um componente do mesmo, portanto, já não há mais espaço para o antigo conceito de empresa-ilha que até pouco tempo atrás prevalecia na percepção da maioria dos executivos e que hoje arregimenta um número considerável deles.”(p.94)

Temos, portanto, um conceito relativamente novo, conhecido

como “responsabilidade social das empresas”. Responsabilidade social é a obrigação que têm os administradores de empreender ações que protejam e desenvolvam o bem-estar social como um todo, juntamente com os seus próprios interesses.

Várias empresas, especialmente as multinacionais, já financiam projetos importantes para a comunidade em várias áreas, como por exemplo: saúde, educação, lazer, atividades artísticas, etc. A empresa moderna faz parte do tecido social que precisa de equilíbrio entre seus componentes para a sua manutenção, crescimento e desenvolvimento sadio, e não é apenas uma geradora de riquezas e empregos.

Uma empresa que queira sobreviver a longo prazo precisa adequar-se aos novos tempos. Precisa entender que o mundo na década de 90 é completamente diferente daquele da década de 60, e que no século XXI será ainda mais distinto. Essas diferenças ficam evidentes em relação a sua tendência básica: a conscientização humana e as ações decorrentes desta. As empresas terão cada vez mais funcionários sensíveis, conscientes, ativos e que conhecem seus direitos.

A conscientização cada vez maior do ser humano é uma realidade. O homem está deixando de ter uma percepção meramente linear, de simples causa-efeito, para ter uma percepção do conjunto, do contexto, da essência, adquirindo gradualmente um enfoque holístico, ecossistêmico.

Esta moderna linha de organização empresarial, conhecida como Qualidade Total, não é apenas um conjunto de técnicas gerenciais e operacionais, mas sim uma filosofia de vida para ser aplicada na prática.

Segundo Ishikawa (um dos papas do moderno gerenciamento de empresas no Japão), “numa administração, a preocupação fundamental deverá ser a felicidade dos indivíduos que contribuem para a empresa. Isto significa que eles deverão ser remunerados de uma forma digna e respeitados como seres humanos.”(apud Bonilla, 1993, p.50)

A estratégia da qualidade de vida e Qualidade Total começa a fazer parte da preocupação dos dirigentes brasileiros. Mas alguns

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detalhes devem ser levados em conta na hora de implantar esses programas:

* “...é preciso diagnosticar as necessidades, determinar

prioridades, metas e desenvolvimento de indicadores para se ter claro onde se quer chegar.

* O sucesso dos programas depende do comprometimento das lideranças.

* Os resultados devem ser mensurados, assim como o grau de envolvimento e satisfação.

* Os programas devem envolver também as famílias, e não apenas os trabalhadores.

* É preciso reconhecer as limitações para implantação dos programas, mas manter a determinação de seguir adiante.

* A ênfase deve ser para a educação e a conscientização. Cada indivíduo é responsável por sua própria saúde.

* Entusiasmo e autenticidade na comunicação são indispensáveis para influenciar as pessoas. A comunicação informal e bem-humorada é ingrediente essencial para obter adesão ao programa, e disseminar a consciência da saúde.

* É fundamental que as áreas relacionadas à saúde desenvolvam um trabalho integrado. O trabalho isolado é um dos principais motivos de não adesão aos programas.

* É preciso investir na melhoria da assistência curativa. De nada adianta trabalhar apenas na prevenção e deixar o indivíduo desamparado quando ele está doente.

* Os gastos com promoção de saúde e prevenção de doenças representam de 1,5% a 2% do custo com assistência curativa. Ou seja, prevenir é muito mais barato do que curar, e isso só pode ser feito através de ações educativas...” (Carvalho, 1995, p.2)

A qualidade de vida é uma atividade para mudar a cultura não

apenas do indivíduo, mas da comunidade. E por que investir em qualidade de vida? As relações trabalhistas

vêm-se estreitando muito, pois estamos em busca de caminhos novos e alternativos para a resolução dos conflitos. O investimento no ser humano estampa-se como meta das organizações inteligentes. O ser humano como força de trabalho jamais poderá ser substituído completamente pela tecnologia ou pela informatização, pela razão básica: o homem pensa.

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O que vamos discutir no próximo capítulo é, justamente, a importância da atividade coral como um valioso elemento a ser utilizado em prol dos objetivos enunciados pelas teorias de organização das empresas modernas neste final de século.

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2. O Canto Coral na Empresa

Por que uma empresa deve querer um coral de funcionários? Porque a existência de um coral numa empresa é um fator altamente positivo, com efeitos que se refletem tanto internamente, no seu dia-a-dia, como externamente, na sua imagem dentro da comunidade onde está inserida. Externamente porque enriquece a imagem da empresa junto a outras empresas, entidades culturais, clubes, associações, universidades, ou seja, o seu público externo. E internamente porque a atividade coral aproxima e facilita a convivência entre os funcionários através da linguagem universal da música, trazendo grandes benefícios para a saúde das pessoas, além de estimular ideais a todos os funcionários, aprimorando-lhes o gosto e a sensibilidade, com indiscutíveis reflexos em sua produção individual dentro da empresa. Ceição de Barros Barreto, em seu livro Canto Coral (1973), escreveu:

“O canto em conjunto, independente da satisfação emotiva provocada pela própria música, contribui para o desenvolvimento físico, intelectual e moral do indivíduo, apurando-lhe o sentido auditivo, facultando a utilização apropriada da voz, despertando-lhe a sensibilidade, o raciocínio, a inteligência, aperfeiçoando os conhecimentos musicais e ampliando a cultura geral por meio de uma recreação superior. Como fator associativo favorece o espírito de cooperação e cordialidade; controlando os ritmos individuais, ensina a esperar, a intervir oportunamente, a trabalhar em grupo sem prejuízo da personalidade, nivelando diferenças e abolindo preconceitos, conjugando esforços, interesses e iniciativas num objetivo comum, no caso, a interpretação perfeita da obra executada.” (p.59-60)

O canto coral é um veículo natural para o desenvolvimento dos

vários aspectos da musicalidade, sociabilidade, criatividade, e também atua de forma muito eficaz na saúde do indivíduo. Segundo o maestro Nelson Mathias, em seu livro Coral um Canto Apaixonante (1986), “O grupo coral poderá ser um agente transformador da sociedade por meio de sua educação musical” (p.21).

A introdução da atividade coral na vida de uma empresa funciona como uma injeção de equilíbrio pessoal, espiritual, social e político para seus integrantes. É importante para isso que o dirigente do coral tenha a sensibilidade necessária para avaliar e captar a potencialidade do grupo, realizando então um trabalho adequado, conseguindo que os integrantes realmente se apaixonem pela atividade coral.

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“...a função primordial do mestre deve consistir em despertar a curiosidade, o interesse e a vontade de aprender do aluno e em canalizar e dar direção acertada á atividade que tenha logrado despertar.” (Sá Pereira, 1937, p. 28)

Na atualidade brasileira, um funcionário a quem é oferecida a

oportunidade de integrar um coral de empresa, em geral, ainda não teve qualquer experiência musical ou mesmo artística. Para ele, trata-se de uma primeira experiência neste sentido, abrindo-se assim um novo universo em sua vida.

“Não se pode negar que o ensino de música na imensa maioria das escolas de 1º e 2º graus é sumariamente secundarizado e, quando presente, não passa de uma forma de passatempo institucionalizado, cujo objetivo central costuma ser as apresenta-ções corais, instrumentais e coreográficas nas festas de escola.” (Fonseca, 1990, p. 9)

Por isso mesmo, para melhores resultados o regente de um coral de

empresa deve se preocupar com que o momento do ensaio seja sempre um momento prazeroso, dinâmico, relaxante e sublimador, de forma que em nenhum instante seus integrantes tenham a impressão de estarem fazendo algum esforço. Assim como um mestre, o maestro de um coral também realiza um trabalho de educação. O trabalho do maestro não se limita apenas a reger o coral; ele deve propiciar ao coralista, nesse caso, quem vai ser educado, um ambiente favorável para o despertar das suas potencialidades. Segundo Nelson Mathias (1986), existem quatro áreas que devem ser desenvolvidas para o sucesso de um regente: habilidades físicas, consciência auditiva, comunicação e interpretação.

Portanto, cabe ao maestro, como um bom professor, uma postura e atitude que despertem em seu educando empatia e admiração, características fundamentais no processo de ensino. “A alegria deve reinar nas aulas. Alegria naturalmente disciplinada pelo professor” (Mignone e Fernandez, 1947, p.5).

O maestro também deve saber dividir o tempo do ensaio para ter um melhor aproveitamento. “Não se deve insistir demasiado na mesma aula, na aprendizagem de um determinado exercício, mas sim, retomá-lo nas aulas consecutivas até a completa assimilação” (Mignone e Fernandez, 1947, p.6).

O maestro, além de demonstrar constantemente seu entusiasmo com o trabalho, deve procurar, na medida do possível, não desanimar diante dos obstáculos.

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“O professor que se impacienta diante das dificuldades encontradas no decorrer deste curso não obterá os resultados con-seguidos por outro que souber contornar estas dificuldades, pro-curando, no momento oportuno, uma nova brincadeira que torne o exercício, o mais complicado, acessível aos pequenos alunos”. (Mignone e Fernandez, 1947, p.5).

A paciência é uma das características básicas no ensinamento, seja

ele de crianças, adolescentes ou adultos. Em seu livro Educação Musical - Método Willems, a educadora Carmem Maria Mettig Rocha escreve: “Educação é obra de doação, é obra de amor e somente com amor poderá o educador realizar a sua obra educacional.” (1990, p.61). O maestro, assim como o professor, não pode prender-se apenas a técnicas de ensino — por isso afirmamos que ele não deve se limitar a somente reger o coro. Ensinar é um trabalho que requer entrega e disposição para construir um relacionamento afetivo com os educandos (no caso, os coralistas), e o ideal é que o maestro seja bastante cativante e sensível, a ponto de envolver a todos no trabalho a ser desenvolvido.

Para que o funcionário de uma empresa possa conviver sempre bem com seus colegas e ser mais produtivo em seu trabalho, ele deve ser incentivado a aperfeiçoar-se através de atividades extratrabalho, como o canto coral, por exemplo. O coral funciona justamente como um agente transformador eficaz, pois o ato de cantar artisticamente, em conjunto, estabelece um maior contato das pessoas com a sua sensibilidade e emoção. As pessoas vivenciam a força e a harmonia resultantes dessa união que é o coral.

E a empresa, sendo um exemplo de trabalho em equipe, é o local onde se põe em prática o ditado “a união faz a força”, buscando-se atingir um objetivo comum — no caso, a maior e melhor produtividade. Por isso, a cumplicidade entre os membros desta equipe tem que ser a maior possível. O coral é um excelente laboratório para se trabalhar os ingredientes geradores desta cumplicidade. Ele é composto por uma equipe que busca atingir um mesmo objetivo. E isto é trabalhado através de exercícios de grupo, que muitas vezes parecem brincadeiras ou recreação, mas resultam em crescimento e amadurecimento desta cumplicidade entre os coralistas, fator de grande importância para o melhor desempenho do trabalho musical. A educadora musical Cecília Conde, em entrevista realizada para este trabalho em abril de 99, confirma a importância do canto em conjunto por ser uma atividade que gera prazer e alegria, podendo resgatar o lado lúdico do ser humano, além de despertar nas pessoas um senso de responsabilidade de grupo.

A música tem o poder de despertar uma série de sentimentos, emoções e paixões no ser humano. Ela interfere diretamente na

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dimensão emocional do funcionário coralista, fazendo-o se conhecer melhor, ficar mais confiante e perder o medo de se expor, o que está intimamente ligado aos princípios da Qualidade Total.

Sendo o coral de empresa uma atividade de equipe, onde se desenvolve o senso de cooperação, integração e disciplina, ele vem preencher uma importante lacuna na formação de grande parte dos funcionários. Em geral, estes não tiveram a oportunidade de vivenciar esta experiência na época de sua formação escolar. Isto se constata quando a grande maioria dos integrantes de corais de empresas no Rio de Janeiro confirmam não ter tido nenhuma experiência musical anterior. 2.1. O Canto Coral e a Musicalização

Mais do que cantar, os funcionários de uma empresa ao participa-

rem de um coral vão aprender princípios básicos de música. Ao cantar, o coralista passa a prestar atenção a uma série de elementos da música como noções de ritmo, afinação, timbre, intensidade, melodia e harmonia. O ouvido é peça fundamental, pois, como comentamos anteriormente, a grande maioria das pessoas não tem praticamente conhe-cimento formal e/ou teórico sobre música. Além disso, ao acompanhar as partituras, seguindo, a princípio, a letra das músicas, os funcionários são apresentados a símbolos e códigos para eles desconhecidos como o pentagrama, claves, notas, pausas, símbolos de dinâmica, termos musicais, etc. Portanto, o ato de cantar propicia um despertar todo especial para a música, que podemos chamar de musicalização. Mas, o que é musicalização? Para a educadora musical Maura Penna (1990), musicalizar é:

“...desenvolver os instrumentos de percepção necessários

para que o indivíduo possa ser sensível à música, apreendê-la, recebendo o material sonoro/musical como significativo - pois nada é significativo no vazio, mas apenas quando relacionado e articulado no quadro das experiências acumuladas, quando compatível com os esquemas de percepção desenvolvidos.” (p.22)

Cecília Conde, na sua entrevista, completa:

“Musicalizar é desenvolver a capacidade musical que todo ser humano tem. É desenvolver noções de ritmo, enfim, trabalhar com os parâmetros do som, que são: duração, timbre, altura e

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intensidade. A duração vai gerar o ritmo, a altura vai gerar a melodia, o timbre vai gerar a qualidade do som e a intensidade vai gerar as noções de dinâmica.” (Comunicação pessoal, abril de 1999)

Acreditamos que a musicalização é o ato de despertar nas pessoas,

sejam elas crianças ou adultos, a atenção para os vários aspectos que envolvem a música, desde os mais simples sons até os aspectos mais complexos como ritmo, harmonia, melodia, afinação, enfim, fazê-las compreender e capacitá-las, paulatinamente, para o universo musical. Quando falamos despertar é porque acreditamos ser a música inerente ao ser humano, desde quando ele nasce. “Os princípios vitais da Música estão dentro do Ser Humano” (Edgar Willems apud Carmem Rocha, 1990, p. 9). A autora do livro Fundamentos, Materiales y Tecnicas de la Educacion Musical* (1977), Violeta H. de Gainza, também defende e reforça esta teoria ao dizer que: “A música é uma linguagem tão natural para o homem como o seu próprio idioma” (p.3).

Segundo ela, o interesse pela música é demonstrado pelo homem ainda quando este é apenas um bebê, ou mesmo quando está dentro da barriga da mãe. A criança, já nos seus primeiros meses de vida, mostra-se sensível à mensagem da música e muitas vezes até consegue reproduzir com relativa fidelidade o que escuta. “Esse primeiro interesse pelos estímulos sonoros e musicais, é, sem dúvida, o gerador da futura musicalidade da criança” (Gainza, 1977, p.3).

Edgar Willems ressalta em seu livro La Preparación Musical de los Más Pequeños (1962) a importância da palavra no processo de musicalização:

“A criança deve chegar pouco a pouco a conhecer os diversos elementos da música. Por isso, sem cair prematuramente na teoria podemos dar importância as palavras: música, som, ruído, ritmo, escala, acorde, agudo e grave, forte e piano, etc...” (p.42)

Em El Valor Humano de la Educacion Musical (1981), Willems

afirma que esta deve seguir as mesmas leis psicológicas que a educação da linguagem, e exemplifica isto com o seguinte quadro comparativo:

“Linguagem

1.Escutar as vozes *Neste trabalho optamos por fazer uma tradução própria dos textos em outras línguas.

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2.Eventualmente, olhar a boca que fala 3.Reter, sem precisão, elementos da linguagem 4.Reter sílabas e palavras 5.Sentir o valor afetivo, expressivo da linguagem 6.Reproduzir palavras, ainda sem compreendê-las 7.Compreender o significado semântico das palavras 8.Falar de forma independente e inteligentemente 9.Aprender as letras, escrevê-las, lê-las 10.Escrever o ditado 11.Fazer pequenas redações e poemas 12.Chegar a ser escritor, poeta ou professor

Música

1.Escutar os sons, os ruídos e os cantos 2.Olhar as fontes sonoras, instrumentais ou vocais 3.Reter sons e sucessões de sons 4.Reter sucessões de sons, trechos de melodias 5.Tornar-se sensível ao encanto dos sons das melodias 6.Reproduzir sons, ritmos, pequenas canções 7.Compreender o sentido de elementos musicais 8.Inventar ritmos, sucessões de sílabas (la-la-la, etc) 9.Aprender os nomes das notas, escrevê-las, lê-las

10.Escrever o ditado 11.Inventar melodias, pequenas canções 12.Chegar a ser compositor, regente de orquestra ou professor” (p. 28)

A educadora musical Liddy Chiaffarelli Mignone, em seu livro

Guia para o Professor de Recreação e Iniciação Musical (1961), afirma que a educação musical infantil nasceu da

“...necessidade de acompanhar a evolução processada nos

outros ramos do aprendizado, nos quais a atividade espontânea da criança, a educação pelo brinquedo, formam a base, por assim dizer, viva, para o futuro saber; era óbvio que a música, representando ação, vida coordenada pelo ritmo, pode ser considerada de suma importância no ambiente educativo da criança” (p.7)

Disso tudo, podemos concluir que a musicalidade não é um dom

que só alguns possuem. Os sons que nos rodeiam despertam naturalmente interesse em todos e quanto mais cedo e atraentemente esse interesse for estimulado, mais fácil será para o indivíduo entrar neste universo.

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“Se postergada, a tarefa de musicalização pode se ver dificul-tada, por interferências psicológicas diretas ou por resistências cole-tivas que se observam em certos ambientes entre as crianças e os jo-vens em relação ao canto.” (Gainza, 1977, p.4)

Muitas destas interferências e resistências podem acontecer porque

as pessoas ficam muito expostas ao lidar com a expressão musical e, quando se atinge determinada idade, por conta das barreiras impostas pela sociedade, isto pode gerar inibição ou situações de constrangimento.

O ensinamento musical não depende apenas das habilidades específicas, fato que a própria autora do livro Fundamentos, Materiales y Tecnicas de la Educacion Musical questiona em determinado momento:

“ As crianças e adultos não fracassam na música e no canto

porque lhes faltam aptidões específicas (cuja existência, a nível normal, é muito questionável) e sim por causa de um ensinamento incorreto e por falta de condições apropriadas no ambiente familiar e escolar.” (Gainza, 1977, p. 4)

Por isso, a educação musical deve buscar a harmonização profunda

das pessoas, tentando aproveitar as tendências expressadas por cada uma e encontrar outras que ainda não afloraram. As técnicas aplicadas para ensinar música devem ser bem flexíveis, de forma a despertar e desenvolver nas pessoas o máximo do seu potencial de musicalidade.

“De um modo geral a criança gosta de música, mas não gosta de enfrentar a sua parte teórica. Se lhe for apresentada de maneira a interessá-la, a dar-lhe prazer, ela quererá conhecer os símbolos que a representam e que lhe darão a possibilidade de progredir, de evo-luir.” (Mignone, 1961, p.58)

Muitos músicos e psicólogos acreditam que a aptidão musical é

uma soma de capacidades e aptidões parciais que um indivíduo possua, como, por exemplo, a percepção melódica, rítmica, harmônica, a capacidade de concentração, a memorização e a criatividade, muitas das quais suscetíveis de medição e avaliação. “A soma desses dados parciais não equivalem necessariamente à musicalidade” (Gainza, 1977, p.10).

Esta aparente dicotomia será sempre satisfatoriamente resolvida com um trabalho metódico e cuidadoso de musicalização.

Na verdade, ao trabalharmos com adultos, cuja personalidade já está formada, fica evidenciado que nem todos nascem (com exceções, é claro) com aptidão musical pronta, mas sim, com tendências sensoriais passíveis de desenvolvimento; e, para isso, devemos propiciar-lhes os

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meios favoráveis, dos quais a prática coral tem se mostrado das mais eficazes. 2.1.1 Ação e prática nas metodologias do século XX

Acreditando na musicalidade “desenvolvida”, a partir dos anos 20 a pedagogia musical começou a sofrer importantes mudanças, surgindo novas metodologias, onde a música passou a ser ensinada com base na ação e na prática. Em seu artigo “Do gesto ao musical: uma nova pedagogia”, publicado em Cadernos de Estudo: Educação Musical nº 2 (1991), a pesquisadora e educadora musical Bernadete Zagonel cita algumas interessantes semelhanças entre os métodos de educadores musicais que muito contribuíram para essa nova visão do ensinamento musical, como o suíço Jacques-Dalcroze, o alemão Orff, o húngaro Kodally e o belga Willems:

“ - predominância da prática em relação à teoria; - percepção da criança como um ser dotado de personalidade

original e não como um mini-adulto; - direito de todos ao aprendizado musical, e não somente de

alguns privilegiados mais dotados; - concepção mais abrangente do ensino da música, tendo por

objetivo o desenvolvimento do ser humano em sua totalidade e a sensibilização a uma arte, e não somente um treinamento técnico que leve ao domínio de um instrumento: nascimento de uma proposta musical;

- utilização do corpo e do movimento para concretização de experiências musicais;

- estímulo à criação; - ênfase à audição, e não à escrita e à leitura.” ( p.41)

Tais semelhanças muito se relacionam com o trabalho realizado

num coral de empresa. Trata-se de dar preferência a uma pedagogia mais participativa, optando pela prática como uma forma mais eficaz de apren-dizado, também denominado por alguns educadores musicais de método ativo.

A seguir faremos um pequeno panorama das metodologias de musicalização de maior repercussão deste século, destacando a do

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pedagogo Edgar Willems, por ser um método que enfatiza a importância da voz no trabalho de musicalização.

Comecemos com Émile Jaques-Dalcroze, que inventou a Eurritmia, ou Ginástica Rítmica. Este processo de musicalização nasceu quando o músico constatou o que para ele eram os dois principais problemas no ensino tradicional: o primeiro, de que nas escolas de música a ênfase no virtuosismo, na leitura e escrita, na análise e classificação eram feitos de forma mecânica, por serem tais exercícios realizados sem o desenvolvimento da sensibilidade e da imaginação auditiva. E o segundo, de que nas escolas primárias a música tinha a conotação de um simples passatempo.

“Uma espécie de compromisso entre a inspiração e forma, a arte da auto-expressão pelo ritmo pessoal” (Jaques-Dalcroze apud Santos, 1986, p.122). Assim Jaques-Dalcroze concebe a música, revolucionando a educação musical com a filosofia de que esta deve “reintegrar corpo e mente, pensamento e comportamento, pensamento e sentimento, consciente e subconsciente, gosto e entendimento” (Santos, 1986, p.122).

“A preocupação de Jaques-Dalcroze recai sobre o processo de ensino, sobre o ‘metódo’. Assim sendo, ele propõe uma educação musical baseada na audição (escuta consciente), entendendo-se que esta se dá através da participação de todo o corpo, da ativação do sistema nervoso, num cultivo de ‘sensações táteis e auditivas combinadas’. Parte do pressuposto de que os ‘sons são percebidos por outras partes do organismo humano além do ouvido’. Ora, se para o músico ‘seu corpo é um meio involuntário de expressão do pensamento’ e ele marca, freqüentemente, acentuações com algum gesto corporal, ‘por que não usar o organismo todo na produção de efeitos necessários à evocação da consciência tátil-motora’, ao invés de limitar-se a exercícios musculares com dedos e mãos para a conscientização de ritmos?” (Santos, 1986, p.122-123)

Percebemos que a ginástica rítmica de Jaques-Dalcroze enfatiza a

importância da audição, e que seu processo de Eurritmia caracteriza-se, segundo Regina Santos (1986), pela:

“1.expressão e conscientização do ritmo natural de cada ser, antes da abordagem de ritmos externos;

2.expressão da música corporalmente, segundo as relações de ‘espaço, tempo e peso’, como uma ‘experiência individual’, para o ‘deleite’ pessoal;

3.criação de ‘imagens rítmicas definidas na mente’ como conseqüência da ‘automatização de ritmos naturais do corpo’;

4.‘representação corporal dos valores musicais’; 5. capacidade ‘tanto de criar quanto de responder às

criações de outros’ ” (p.123)

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No processo de musicalização de Jaques-Dalcroze, a consciência

rítmica é fundamental. Segundo ele, a consciência musical vem da experiência física e o ritmo é movimento e essencialmente físico. Por isso, um dos principais objetivos da Eurritmia é:

“Capacitar os alunos, ao final do curso, a poderem dizer: ‘eu

sinto’, em lugar de dizer ‘eu sei’, e então, criar neles o desejo de se expressarem, pois as faculdades emotivas despertam o desejo de comunicação.” (Jaques-Dalcroze apud Santos, 1986, p. 124)

A proposta de Jaques-Dalcroze de ginástica rítmica faz com que a

consciência musical seja ampliada através do movimento corporal; é a realização concreta, “tátil-motora” do som, onde “todo músculo pode contribuir para avivar, clarificar, moldar e aperfeiçoar a consciência rítmica” (Jaques-Dalcroze apud Santos, 1986, p.125). Dalcroze acredita que a Eurritmia pode ser útil não só para instrumentistas, mas também para cantores, produtores, regentes, dançarinos e atores. Segundo ele, “o movimento não deve ser mecânico, matemático ou racional, mas decorrer de um estado de mente e espírito evocado pelo próprio estímulo musical” (Jaques-Dalcroze apud Santos, 1986, p.127).

Trata-se de uma revolução da musicalização, lançando as sementes para uma educação musical ativa, baseada na sensorialidade e na sensibilidade do corpo, regido por uma consciência auditiva.

Carl Orff é outro pilar na formação do processo de musicalização moderna e, apesar de ter herdado de Dalcroze a ênfase no movimento corporal como reação à excessiva teorização da música, ele centraliza seu trabalho na criação musical. Seus alunos dançavam o que tocavam e compunham improvisando melodias e ritmos para os movimentos que criavam.

“Os objetivos da proposta de Orff em suma são: favorecer a expressão espontânea do aluno por meio da

música, como uma experiência lúdica, ‘jogando’ com os sons, ritmos, pés, mãos e palavras;

proporcionar vivência musical integrada (palavras, canto, movimento, instrumento) e efetiva, sem ‘contaminação’ do adulto, respeitando o mundo da criança e do adolescente;

propiciar a inter-relação dos integrantes na prática musical em grupo, seja no trabalho de criação como no de interpretação;

favorecer a vivência musical que englobe a apreciação musical do próprio fazer do grupo, culminando na auto-avaliação e no crescente domínio de habilidades (reproduzir, inventar, interpretar, grafar e ler) com os elementos da linguagem musical.

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Orff propõe um trabalho sobre ‘música elementar’, que tem a ver com o ‘arcaísmo inconsciente na criança’, com o ‘mundo sonoro primitivo’...” (Santos, 1986, p.133-134)

John Paynter, como Orff, enfatizou em seu trabalho a questão da

criatividade musical nas escolas. Sua abordagem é a da “composição empírica”, onde ocorre o “fazer direto no material, se vai experimentando e improvisando até a consecução da forma final” (Paynther e Aston apud Santos, 1986, p.140-141).

O trabalho proposto pelo músico inglês visa: “- a ampliação da capacidade auditiva (qualitativa e

quantitativamente); - a investigação e experimentação de todo e qualquer

fenômeno sonoro, livremente; - a utilização de todo e qualquer fenômeno sonoro como

fonte potencial de criação musical; - o despertamento da sensibilidade e da imaginação

auditivas, indo além do mero registro sensorial ou da explicação racional;

- a ‘educação do sentimento’ (Paynter, 1972, p. 11) - ou despertar da ‘mente do artista’ (Paynter & Aston, 1970, p. 4) que existe em cada um: a educação do sensível, da recepção e da expressão disso em materiais;

- a interação grupal na prática musical, conduzindo à auto-disciplina.” (Santos, 1986, p. 140-141)

As aulas, de acordo com a metodologia de Paynter, são verdadeiras

“oficinas de trabalho”, onde os alunos mais e menos evoluídos vivenciam juntos a experiência musical através do fazer. Por isso, na concepção de Paynter, ocorre um envolvimento muito maior do aluno. Para ele, a música criativa baseia-se na experimentação, mas também envolve modos de “organização musical mais convencionais” (Santos, 1986, p.143). Ele acredita que o treino e a exposição constantes são fundamentais para a assimilação das regras estruturais da música. Um exemplo citado por Paynter é o do aprendizado intuitivo dos encadeamentos harmônicos, quando se trabalha voz e ouvido:

“...não precisamos de um conhecimento teórico de harmonia mais do que precisamos de um conhecimento de lingüística antes de podermos falar. Música, em suma, diz respeito a padrões ‘que são mais sentidos que entendidos intelectualmente’ ” (Paynter apud Santos, 1986,p.143-144)

O músico japonês Shinichi Suzuki propôs em sua metodologia a

renovação para o ensino de instrumentos musicais a partir do princípio

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“ouça e toque”. Toca-se não o que se lê, mas o que já foi suficientemente ouvido e memorizado. Ele chegou a esse princípio depois de constatar que:

“...a aprendizagem da língua materna se dá através da imersão do indivíduo em situações práticas, concretas, socialmente significativas, onde o convívio com modelos, ouvindo-os e imitando-os, gera o domínio da língua, sem qualquer conhecimento prévio de vocábulos, regras gramaticais ou escrita.” (Santos, 1986, p.147)

Suzuki também faz parte da corrente de estudiosos que acredita no

talento construído. “...talento não é inato... As habilidades brotam da “experiência e repetição” (Suzuki apud Santos, 1986, p.148). A metodologia de Suzuki é baseada na disciplina, na perseverança e na auto-confiança no trabalho, e não visa a formação de músicos, e sim, o desenvolvimento integral da personalidade.

A base de seu método de musicalização é:

“a) a exposição do aluno, através de audições informais, mas sistemáticas e o mais cedo possível, às músicas que deverá vir a executar mais tarde;

b) o contato, antes da primeira aula, com crianças e com a própria mãe tocando a primeira peça do repertório;

c) a prática diária das peças em estudo e sua constante comparação com o modelo apresentado na gravação, exercitando-se na auto-avaliação;

d) a execução periódica, para pessoas de seu relacionamento, desenvolvendo-se o hábito de tocar em público como uma atividade natural;

e) a conservação e aprimoramento das músicas já trabalhadas, ao lado das que estão sendo treinadas no momento.” (Santos, 1986, p.149)

Em linhas gerais, vimos que antes de qualquer outra coisa, para

estes quatro músicos e educadores a música deve ser “sentida”. O domínio dos elementos e construções da linguagem musical, segundo Dalcroze, Paynter, Orff e Suzuki, só acontece depois do despertar da “consciência sensível”. Concordamos com a afirmação da autora Regina Marcia Simão Santos a respeito das principais semelhanças destes métodos:

“As propostas de Jaques-Dalcroze, Orff, Paynter e Suzuki,

empregadas na educação musical formal, constituem alternativas de conceber tal prática. Ou favorecem o imediato contato do aluno com o instrumento — propiciando uma prática onde a execução

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instrumental não depende de conhecimento racional dos elementos musicais empregados (exemplo: leitura de símbolos gráficos convencionais) ou de técnicas de execução, — ou condicionam esta experiência a uma etapa anterior, preparatória, onde os elementos da linguagem musical são vivenciados com o corpo, com a voz e/ou com instrumentos musicais de mais fácil manejo.” (Santos, 1986, p.203).

Mas neste trabalho temos interesse em focalizar o método de um

dos principais educadores musicais do nosso século, o belga Edgar Willems, porque ele privilegiou a voz como experiência fundamental no processo de musicalização. Ele desenvolveu um método que se baseia no desenvolvimento da sensibilidade auditiva e do sentido rítmico, tomando a voz como um instrumento de trabalho importantíssimo. “A melodia sempre foi e sempre será o elemento mais característico da Música” (Willems apud Rocha, 1990, p.27).

“Nunca será demais insistir sobre a importância dos cantos

na educação musical das crianças. Os cantos constituem uma atividade sintética; englobam a sensibilidade e o ritmo e além disso sugerem o acorde e fazem pressentir as funções tonais.” (Willems, 1962, p.53)

Willems concebe a canção como um dos principais temas no

desenvolvimento musical infantil, por estar embutida nela, ao mesmo tempo, “ o ritmo, a melodia e introduzir de modo inconsciente seu conteúdo harmônico”. Ele aconselha aos professores trabalharem com canções simples, mas buscando manter um elevado nível artístico, o que “vai influir diretamente no desenvolvimento da sensibilidade musical” (Rocha, 1990, p.28).

“O canto como expressão no dinamismo sonoro livre e como reflexo de elementos afetivos, é acessível para a criança antes que a palavra. A memória rítmica (de natureza motora) e a memória do som (de natureza sensorial e afetiva) precedem normalmente a memória semântica das palavras (de natureza mental). Por outro lado, muitas crianças podem cantar numerosas canções antes de falar.” (Willems, 1962, p.26-27)

Ao utilizar a canção como forma de desenvolvimento musical, o

professor tem que estar bastante atento à forma de cantar dos seus alunos. Pelo fato de falarem gritando, as crianças costumam cantar da mesma forma, ou seja, colocando a voz na garganta erroneamente, produzindo um som feio e áspero. O Método Willems chama a atenção para isso, considerando caber ao mestre ensinar as crianças a cantar “suavemente,

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com voz mais linda e doce que puder” (Rocha, 1990, p.28). Mas o que é prioritário nesse momento não é a técnica vocal das crianças, e sim sua percepção como um todo.

“Com as crianças daremos pouca importância à voz. Não se trata com elas do canto propriamente dito, e não é necessário, sobretudo, fazer-lhes crer que o canto é principalmente uma questão vocal — como pensam dedicadamente tantos cantores — mas sim de atrair sua atenção sobre o fato de escutar e de sentir a afinação justa.” (Willems, 1962, p.63)

Da mesma forma que o maestro num coral deve organizar uma

série de exercícios de relaxamento, vocalizes e cânones para a parte inicial dos ensaios, segundo Willems “cada pedagogo deveria preparar uma série de pequenos cantos para seu uso pessoal” (1962, p.56). Ele acredita que o professor de música tem que ser um pedagogo especia-lizado em música e que o instrumento funciona como um acessório na preparação musical das crianças. Ele acha bastante conveniente que o professor seja também um psicólogo, podendo representar para os olhos de uma criança um ideal musical e humano.

É importante que o maestro, assim como o pedagogo, abra espaço para a criatividade criando melodias ou exercícios na hora do ensaio ou da aula. “O ato de criar curtas canções na mesma hora, com ou sem a ajuda das crianças, tem um resultado interessante não só para elas como também para o próprio pedagogo” (Willems, 1962, p.56).

Para Willems, toda criança tem um potencial musical e o problema da educação é saber como cultivá-lo.

“As primeiras classes estão destinadas a despertar na criança

o amor pelo som e pelo movimento acompassado. Por isso, ensinamos aos pequenos a escutar os sons e a mover-se com canções ou ritmos.” (Willems, 1962, p.50)

Ele acredita que, da mesma forma que se criou com sucesso o

jardim de infância como uma preparação para a escola primária, também na música deve haver uma preparação antes que se aprenda um instrumento e a parte teórica. Segundo Willems, nessa fase preparatória deve-se trabalhar o sentido do movimento, a sensibilidade e a afetividade.

“Aqui o instinto rítmico, o senso auditivo e a sensibilidade afetiva ocupam um plano de primeira importância e merecem uma preparação adequada para conduzir a criança pelo caminho da arte.” (Willems, 1962, p.9-10)

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Esse método, segundo a autora do livro Educação Musical - Método Willems (1990), Carmem Maria Mettig Rocha, é baseado em:

“01. As relações psicológicas estabelecidas entre a música e o ser humano. 02. não utilizar recursos extra-musicais no ensino musical. 03. enfatizar a necessidade do trabalho prático antes do ensino musical propriamente dito.” (p.16)

O método Willems é amplamente calcado em relações

psicológicas. Ele faz um paralelo entre os elementos constitutivos da música e os elementos da vida de ordem fisiológica, afetiva e mental. Assim, descobre que os três elementos fundamentais da música estão relacionados com três funções humanas diferentes:

RITMO MELODIA HARMONIA Vida fisiológica Vida afetiva Vida mental

Ação Sensibilidade Conhecimento (Rocha, 1990, p.17)

Segundo Willems, cada elemento acima citado tem um aspecto

triplo (físico, afetivo, mental) que deve ser levado em consideração pelo professor na hora de ensinar os alunos. Carmem Rocha exemplifica tal teoria da seguinte forma:

“ritmo - aspecto físico - instinto rítmico aspecto afetivo - (sentido plástico do ritmo que nos fornece diferentes caracteres) aspecto mental - (escrita rítmica) melodia - aspecto físico - (os sons) aspecto afetivo - (relações intervalares, melodia) aspecto mental - (nome das notas, leitura e escrita) harmonia - aspecto físico - (os sons do acorde) aspecto afetivo - (os intervalos, relações sonoras) aspecto mental - (acordes, funções harmônicas)” (Rocha, 1990, p.18).

Este método surgiu da “experiência viva com as crianças; do terreno virgem que as mesmas oferecem. Willems acreditava que a música deve ser feita pela “vida interior, e não pelo intelecto”. Ou seja, antes da teoria vem a prática. “O método é ativo; deve-se partir da vida para a teoria, e não o contrário. A técnica vem da vida e a vida vem antes

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da consciência, vem antes da perfeição” (Willems apud Rocha, 1990, p.19).

O método ativo de Willems possui em comum com os métodos de Dalcroze, Paynter, Orff e Suzuki a filosofia do “aprenda fazendo”. O trabalho inicial de musicalização baseia-se no sensorial e no afetivo, e deixa para uma próxima etapa o aspecto cerebral (no ensino do solfejo). Tudo isso de forma progressiva, para que as dificuldades sejam superadas a cada nova etapa.

Entre as características fundamentais do Método Willems citadas por Carmem Rocha estão:

“- Ligação entre a música, o ser humano e o cosmos. - Segue ordens naturais e hierárquicas. - Baseia-se na natureza íntima dos elementos essenciais da

música, e não só dos seus aspectos exteriores. - Segue uma ordem de desenvolvimento semelhante ao da

aquisição da língua materna. - A Educação no método Willems é accessível a todos,

dotados ou não. Graças a essas bases ordenadas e vivas, assegura o desenvolvimento do ouvido, do sentido rítmico, preparando a prática do solfejo, instrumento ou qualquer outra disciplina musical.(...)

- Utiliza na prática e conscientemente elementos inspirados só na música:

a) Material auditivo variado; b) Batimentos para o desenvolvimento da audiomotricidade,

instinto rítmico, bases da métrica viva. c) Canções escolhidas com objetivos pedagógicos em vista

do desenvolvimento da sensibilidade e da prática do solfejo e do instrumento.

d) Vocabulário de termos musicais sem teoria. e) Baseia-se na escala diatônica. Utiliza 3 símbolos: 1. Nomes das notas (dó, ré, mi etc) 2. Algarismos Romanos para os graus (quantitativo) I, II,

III, etc. 3. Algarismos Arábicos ordinais para os intervalos

(qualitativo) 1ª, 2ª, 3ª etc. (...) - Movimentos corporais naturais: andar; correr; saltar;

galopes, etc., partindo da própria música e tendo por finalidade o desenvolvimento do mínimo de corporalidade e do máximo de sentido de tempo.

1º é o ritmo físico e plástico 2º ritmo expressivo. As lições de solfejo, visando: - O desenvolvimento auditivo (sensorial, afetivo, mental) - As canções de intervalo - A leitura por relatividade antes da leitura absoluta (nas

claves)

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- O ditado baseado na memória musical, na audição interior, no automatismo do nome das notas, e no conhecimento dos valores métricos.

- A improvisação rítmica e melódica.” (Rocha, 1990, p.22-23)

O método Willems encara a música como a arte ideal para

propiciar a educação global da criança. É que a música viabiliza de uma forma muito mais espontânea a expressão pessoal das crianças, auxiliando o desenvolvimento de suas personalidades.

Nossa experiência como maestro de coral de empresa tem nos mostrado que a maioria dos princípios aplicados na iniciação musical das crianças também pode ser utilizada para os adultos. Quando dizemos, por exemplo, que a criança acha a música mais interessante através das brincadeiras, da mesma forma, depois de um dia de trabalho, o funcionário não está predisposto a aprender teorias e regras, mas pode evoluir nesse sentido através de uma musicalização lúdica e descontraída, baseada na ação e na prática.

Aliás, ao fazermos este trabalho percebemos que a maior parte da literatura sobre educação musical está voltada para a criança e adoles-centes. Alertamos para o fato de que há um grupo enorme sendo esque-cido pelas pessoas que se dedicam a musicalizar: os adultos que ainda não tiveram nenhum tipo de iniciação musical (muitos deles em processo de musicalização através de corais). Verificamos também que, apesar de existirem especificidades no trabalho com adultos, encontramos muitos pontos em comum com o processo de musicalização infantil. Portanto, podemos dizer que este trabalho, por visar a educação de adultos, pertence a uma parcela pouquíssimo explorada na literatura especializada. 2.1.2 Percepção e sensibilidade

Em um trabalho feito com pessoas adultas, ou adolescentes, que ainda não desenvolveram sua potencialidade musical, o maestro deve procurar recuperar aquela percepção das crianças, espontânea e despreo-cupada dos sons, aumentando a resposta ao estímulo auditivo, tanto de forma qualitativa quanto quantitativa, através da música. E os primeiros contatos que estas pessoas vão ter com a percepção musical são: a audi-ção, a reprodução do modelo e o controle da voz que vão estar sujeitos a

45

progressivos ajustes, seguindo as orientações do maestro que muitas vezes é auxiliado por um preparador vocal.

Vários educadores musicais dizem ser a vivência um ponto crucial no processo de musicalização das pessoas. Cecília Conde, no entanto, chama a atenção para a dificuldade de se transpor a barreira da vivência no processo de musicalização:

“Edgar Willems diz que a grande dificuldade do ensino da

música é justamente passar dessa vivência intuitiva, natural que a criança tem, para a noção consciente. Então, quando você resgata isso num Coral de empresa, você está resgatando aquela criança que tinha uma necessidade de se expressar cantando e deixou de cantar.” (Comunicação pessoal, abril de 1999)

A criança, mais ou menos por volta dos três anos de idade, começa

a tomar “consciência da linguagem musical”. Este processo se dá através da imitação do canto e também dos instrumentos. “O manejo empírico desta linguagem desemboca num processo natural e progressivo de delineamento dos aspectos melódicos, rítmicos, harmônicos e formais da música” (Gainza, 1977, p.12).

A partir daí, a criança já tem condições de reconhecer, isolar e nomear os vários aspectos da música, podendo diferenciar alguns parâmetros musicais como o agudo do grave, o forte do piano, e até mesmo distinguir elementos melódicos e rítmicos. Todos estes conceitos criam uma base para o conhecimento musical. Depois disso, numa próxima etapa, a criança já está pronta para aprender a leitura e escrita musical.

Quando se trabalha com pessoas adultas que não tiveram esta base musical quando criança, obviamente o processo de musicalização será diferente e talvez mais difícil, mas totalmente possível.

“... cabe ao regente do coral realizar o papel de educador musical com os seus coralistas, no desenvolvimento do ritmo, do som, da coordenação motora e da criatividade musical. É aqui que se encontra o sucesso de muitos grupos corais.” (Mathias, 1986, p.32)

“Durante muitos anos, acreditou-se que a aprendizagem

acontecia quase que exclusivamente com crianças e adolescentes, e que a idade adulta não seria uma fase propícia para iniciar um novo tipo de conhecimento ou habilidade. Pesquisas mais recentes envolvendo a relação entre idade cronológica e aprendizagem de adultos, têm mostrado a possibilidade do indivíduo — mesmo numa fase considerada por muitos como ‘não ideal’ — iniciar qualquer tipo de aprendizagem.” (Medeiros, 1998, p.5)

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“A criança brasileira possui talento musical invulgar, mas nem

sempre tem a perseverança necessária para desenvolvê-lo proveito-samente” (Mignone e Fernandez, 1947, p.21). Em nosso entender, esta falta de perseverança é fruto direto da deficiente educação musical do país, e por isso mesmo deparamos com a grande parcela da população adulta sem qualquer formação musical.

“Na escola regular, a ação educativa no campo musical

enfrenta uma série de limites que, em geral, não estão presentes na escola especializada (pelo menos não de modo tão contundente): a carência de material, de salas adequadas e, sobretudo, de tempo, além de turmas numerosas. E se, em termos de Brasil o espaço reservado para a música é o da educação artística, esta volta-se, na maioria das vezes, para o campo das artes plásticas, ou então está a cargo de um professor em licenciatura curta, que encontra dificuldades em desenvolver objetivos propriamentes musicais. Assim, raras vezes o trabalho orientado de musicalização tem condições de continuidade, o que parece ser o obstáculo mais grave.” (Penna, 1990, p.59)

O trabalho do maestro num coral de empresa deve ser o de fazer a

síntese correta das experiências adquiridas pelas pessoas ao longo da vida, e promover a evolução do processo educativo, suprindo as carências e procurando sempre aproveitar as tendências e potencialidades de cada um. “É muito importante para o educador musical de adultos desenvolver o hábito de ouvir cuidadosamente as questões e observações feitas pelos alunos.” (Medeiros, 1998, p.55).

Na falta de uma formação teórico-musical, o coralista comum tende a imitar o som que escutou. Acreditamos que, neste contexto, o desenvolvimento da memória é a essência para o progresso artístico do grupo. Para Garmendia (1981), memorizar, neste caso, não significa apenas guardar notas, intervalos, ritmos ou elementos isolados, e sim conjugar todos estes aspectos, onde forma e conteúdo constituem um todo, incluindo-se até a dinâmica, o caráter e a expressão.

Segundo Violeta H. de Gainza, em seu livro Fundamentos, Materiales y Tecnicas de la Educacion Musical (1977), nesse primeiro passo da musicalização, o som, que acontece em um mundo exterior ao homem, entra em contato com as chamadas “zonas receptivas” do indivíduo, ou seja, os sentidos, afeto e mente, e vai penetrando através delas até chegar a um mundo sonoro interno onde o indivíduo o processa e o manda de volta para o mundo exterior através da imitação e reprodução do som que ouviu e sentiu. Então, podemos dizer que a

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pessoa absorve o som, o interioriza e o projeta depois, através de sua expressão musical.

“Aprender a escutar pressupõe aprender a fazer, uma vez que a tomada de consciência auditiva está ligada a uma vivência musical. Se escuta bem o que se faz bem e se faz bem o que se escuta bem.” (Garmendia, 1981, p.1)

Esse processo é comparável ao aplicado à linguagem falada. A

pessoa ouve, compreende o que está sendo dito e por último fala. No caso da música, a grande diferença é que viver e expressar plenamente a riqueza musical pressupõe um processo de musicalização onde estão envolvidos os lados afetivo, intelectual e estético do indivíduo. Mas, segundo Cecília Conde, os educadores musicais devem tomar cuidado para que tal percepção não seja feita desprovida de sensibilidade.

“Por uma exigência de afinação, timbre, acorde, ritmo, esquece-se de trabalhar o lado sensível dos alunos, fazendo com que ele perceba as diferentes nuances da música, o que acaba dando origem a uma musicalidade mais bruta” (Comunicação pessoal, abril de 1999)

Ela acredita que a sensibilidade está ligada à criatividade do

indivíduo e que, ao ser capaz de identificar o que lhe emocionou em determinada música, mais fácil será para o indivíduo projetar o que sentiu. Além disso,

“Quanto mais se apura a percepção musical (o ouvido),

podendo-se cantar a duas ou mais vozes, mais trabalha-se a sensibilidade, seja pela melodia, pelo ritmo, pela letra. Desta forma, estamos puxando de nós mesmos o ser sensível que todos temos. Assim, nos tornamos pessoas mais abertas e preparadas para reivin-dicarmos um mundo melhor, uma qualidade global de vida.” (Comunicação pessoal, abril de 1999)

2.1.3 O ouvido pensante

Mas todo esse processo perceptivo do mundo tem um forte aliado:

o ouvido, órgão fundamental. A este respeito, Maura Penna (1990) cita o educador musical Raimundo Martins:

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“A aprendizagem musical começa com percepções e destas percepções são formados os conceitos que embasam o pensamento musical. Há uma relação de dependência entre percepção e a formação de conceitos.” (p.48)

Aliás, a audição é um dos tópicos mais importantes do Método

Willems. Em 1919, ele define o triplo aspecto da audição, conforme esquema apresentado no livro Educação Musical - Método Willems (1990), de Carmem Rocha.

“Vida Sensorial Afetiva Mental nervo auditivo nível bulbar nível diencefálico nível cortical”

(p.34)

Somente mais tarde seria derrubada a teoria de que o nervo auditivo transmitia as mensagens diretamente ao cérebro, chegando-se à conclusão, através de confirmações científicas, de que o nervo auditivo não vai diretamente ao cérebro, passando primeiro pelo bulbo (sede das ações nervosas), daí até o nível diencefálico (sede das emoções), até, finalmente atingir o córtex cerebral (sede das reações intelectuais). Portanto, Willems acreditou, antes mesmo de uma confirmação científica, que a audição, embora seja uma atividade global, acontece em três esferas:

“- A sensorialidade auditiva, base material indispensável à música, refere-se à atitude do órgão para receber impressões (aspecto passivo) que podemos desenvolver utilizando um vasto material sonoro.

- A sensibilidade afetiva auditiva, que se inicia no instante em que se passa do ato passivo de ouvir para o ativo, subjetivo de escutar; nesse caso, o escutar é acompanhado do interesse, que exige por sua vez o uso da atenção, reforçando assim o funcio-namento dos nervos acústicos.

Com a sensibilidade auditiva, exercitamos todos os elementos de ordem melódica (escalas, intervalos melódicos, audição relativa, canções).

A inteligência auditiva, comportando elementos de ordem mental, sintetiza de maneira abstrata as experiências sensoriais e afetivas; é em realidade o conhecimento do que se ouviu e escutou.

É através da inteligência auditiva que utilizamos a leitura e escrita musical para fixar e transmitir o pensamente sonoro.” (Rocha, 1990, p.34 )

Por isso mesmo, Edgar Willems acredita que o ouvido pode ser

desenvolvido:

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“...se o ouvido, diz ele, na sua estrutura biológica não pode ser modificado (no caso de alguma lesão), pode entretanto desenvolver seu funcionamento, sua capacidade funcional através de uma prática auditiva eficiente.” (Rocha, 1990, p.34)

O musicoterapeuta Gérard Ducourneau também destaca a impor-

tância de preparar o ouvido para diferenciar os sons no aprendizado da linguagem falada e da leitura, o que podemos associar também a iniciação musical. Em seu livro Introdução à Musicoterapia - A comunicação Musical: Seu Papel e Métodos em Terapia e Reeducação (1984), ele afirma que o aprendizado da linguagem está apoiado na experiência sensível e no conhecimento sonoro da criança: “Antes de entrar no mundo de sua língua materna, a criança possui os sons comuns a todas as línguas. E mais ainda: o conhecimento que possui do mundo é um conhecimento sonoro” (p.9).

Na atividade coral, principalmente quando se trata de um coral amador, como os corais de empresa, onde a maioria das pessoas não tem o conhecimento de teoria e solfejo, o maestro tem que desenvolver um trabalho de musicalização, e para isto a audição é ferramenta básica. “É preciso nos convencermos da importância que tem a audição, isso desde a mais tenra idade” (Ducourneau, 1984, p.20). Através do ouvido somos capazes de captar o mais simples estado vibratório, ou seja, de captar as impressões do mundo exterior. Ducourneau afirma, no entanto, que não basta ouvir a mensagem. É preciso recebê-la com perfeição e fidelidade. E para isso é preciso educar o ouvido. Educação esta que, segundo o autor, pode ser feita através da musicalização. “A música ensina a criança a ouvir, a escutar de maneira ativa e refletida. Dirigindo-se também à imaginação, a música cria um terreno favorável ao despertar de suas faculdades criadoras.” (p.21).

Acreditamos que na atividade coral o funcionário vivencia uma situação das mais apropriadas para o desenvolvimento de sua percepção auditiva, que não se resume apenas ao ato de ouvir, mas de escutar, prestar atenção, decodificando a mensagem que lhe foi transmitida. “A emissão dos sons está muito mais do que se imaginava até o momento condicionada pela faculdade de escutar e ouvir interiormente os sons” (Willems, 1962, p.64).

Emma Garmendia, em seu livro Educacion Audioperceptiva (1981), também diz que a base da conexão entre a música e a natureza do homem é a educação do ouvido, denominado por ela de educação audioperceptiva. Vemos, portanto, ser a percepção auditiva um dos fatores mais importantes no aprendizado musical. A educadora musical Maura Penna também defende a idéia de que:

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“A musicalização se baseia na vivência do fato sonoro, na

experiência musical concreta, a partir da qual se formam os conceitos, como referenciais para a apreensão das estruturas musicais enquanto elementos de uma linguagem.” (Penna, 1990, p.52)

Por exemplo, ao analisarmos o programa didático de modernas

escolas de música, como é o caso da Berklee College of Music de Boston, constatamos que elas costumam dedicar maior número de horas/aula para o treinamento da percepção (ear training) em relação a outras matérias. Emma Garmendia (1981) afirma ser a educação audioperceptiva que estabelece o vínculo entre o aluno e a música, capacitando-o para o desenvolvimento de sua expressividade.

Em seu livro O Ouvido Pensante (1991), o compositor e educador R. Murray Schafer mostra, entre outros assuntos, a importância da audição para a música, e como deve-se, através de exercícios práticos, fazer com que as pessoas percebam os mais sutis dos sons, já que o universo está envolvido em som. “Cada coisa que você ouve é um objeto sonoro. O objeto sonoro pode ser encontrado em qualquer parte. Ele pode ser agudo, grave, longo, curto, pesado, forte” (p.177).

Mas, ao ministrar um curso de música experimental aos alunos do primeiro ano da Universidade Simon Fraser, Schafer percebeu que, antes de falar sobre qualquer teoria da educação musical, era preciso “abrir o ouvido” das pessoas. “Procurei sempre levar os alunos a notar os sons que na verdade nunca haviam percebido, ouvir avidamente os sons de seu ambiente e ainda os que eles próprios injetavam nesse mesmo ambiente” (Schafer, 1991, p.67).

Através de exercícios, Schafer fez os alunos começarem a notar os ruídos e a tentar encontrar o silêncio. Depois, partiu para os sons. “O som corta o silêncio (morte) com sua vida vibrante. Não importa o quão suave ou forte, ele está dizendo: ‘Estou vivo’ ”(Schafer, 1991, p.73). Ele também mostrou aos alunos as diferenças entre timbre, amplitude, melodia, ritmo e textura do som, através de experiências e exercícios práticos como, por exemplo, um exercício de reconhecimento da diferença de timbre que consiste em fazer diferentes alunos cantarem ou declamarem a mesma passagem de um texto, pedindo à classe para identificar, de olhos fechados, os companheiros e descrever as diferenças dos sons. Outro exemplo prático proposto por Schafer é o de que alguns alunos improvisem com a voz diferentes melodias, sugerindo algumas palavras, para que a classe analise as características das diferentes melo-dias produzidas.

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“Não é minha vontade confinar o hábito de ouvir música aos estúdios e salas de concerto. Os ouvidos de uma pessoa verdadei-ramente sensível estão sempre abertos. Não existem pálpebras nos ouvidos.

Descobri que é possível executar valiosos exercícios de treinamento auditivo com os sons do ambiente. Como, precisamente, vocês estão ouvindo neste momento? (Schafer bate palmas)

Qual foi o último som que vocês ouviram antes que eu batesse palmas? Qual foi o primeiro, depois das palmas?

Como está a memória auditiva? Qual foi o som mais agudo que vocês ouviram nos últimos dez minutos? Qual o mais forte? E assim por diante.

Muitas vezes faço a meus alunos perguntas como: a. Quantos aviões você ouviu hoje? b. Qual foi o som mais interessante que você ouviu hoje de

manhã? c. Quem tem a voz falada mais bonita na sua família? E aqui

na classe? etc...” (Schafer, 1991, p.288)

Pudemos perceber na citação acima que para educar o ouvido e treinar a memória auditiva Schafer utiliza-se da prática.

“Vocês estavam começando a compreender que muitos dos meus exercícios, que pareciam simples na superfície, introduziam profundas questões referentes à natureza da música e suas relações com o ambiente e com a sociedade.” (Schafer, 1991, p.376-377)

Ele acredita que “o ambiente sonoro de uma sociedade é uma fonte importante de informação” (Schafer, 1991, p.289). Por vivermos numa sociedade cada vez mais barulhenta, com níveis de poluição sonora cada vez mais alarmantes, tentamos não prestar atenção nos ruídos, no intuito de nos preservarmos deles. “Uma das definições de ruído é que ele é o som que aprendemos a ignorar. E, como nós o temos ignorado por tanto tempo, ele agora foge completamente ao nosso controle” (Schafer, 1991, p.289).

Schafer nos propõe uma nova forma de ouvir. Nos desafia para um olhar mais atento ao universo no qual estamos inseridos, capacitando-nos para prestarmos atenção nas mínimas e inesperadas sonoridades, que podem vir do barulho das metrópoles, do som dos pássaros, do som do amassar de uma folha de papel, dos pingos da chuva, enfim, de toda e qualquer “paisagem sonora do mundo” (Schafer, 1991, p.90).

E exercitar constantemente o ouvido musical contribui para a aquisição da atenção e do hábito de concentração. Segundo Cecília Conde, “por englobar todos os parâmetros do som, o canto tem grande importância no processo de musicalização que pode ser totalmente

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trabalhado através do cantar.” (Comunicação pessoal, abril de 1999). Talvez por isso a professora de música e especialista em Educação Musical Edla Lobão Lacerda tenha escrito em seu artigo Musicalização Infantil na FEA (Fundação de Educação Artística de Belo Horizonte) que, no processo de musicalização, tem procurado apoiar-se no trabalho vocal através do canto coral infantil e da flauta doce:

“Buscamos esse apoio no trabalho vocal, com a prática de coral infantil e flauta doce, atividades que se aproximam na forma de expressão corporal e que devido à facilidade inicial proporcionam resultados estimulantes.” (Lacerda, 1991, p.80).

Emma Garmendia (1981) também reforça tal teoria ao dizer que “o

canto é a atividade básica e fundamental para o desenvolvimento da afinação e audição da mesma forma que o movimento é para o ritmo” (p.3). Por esta razão, acreditamos que num trabalho de musicalização é aconselhável que o canto seja utilizado como ferramenta desde o início. Segundo Garmendia, a evolução deste processo amplia e aprofunda o conhecimento dos timbres e das possibilidades expressivas decorrentes da voz, sendo que tais descobertas geram um alto grau de sensibilidade, ao mesmo tempo em que incitam o desenvolvimento da capacidade criativa. A música é, portanto, uma atividade bidirecional (entra e sai do indivíduo). E é através da educação musical que o mundo sonoro exterior vai elucidar-se, interiorizar-se e desenvolver-se progressi-vamente nas pessoas.

Entendemos que o processo de educação musical pode ser dividido em duas etapas: a compreensão e a expressão. A etapa de compreensão da música envolve o ouvido, o afeto, a mente e todo o corpo. Nesta etapa, as pessoas escutam a música e a absorvem, apreciando o que se está escutando. Depois de digerir aquele som, envolvendo todos os aspectos acima citados, vem a segunda parte, que trata da expressão, ou seja, a projeção daquilo que se ouviu. Em um outro estágio viria a criação (a composição), momento em que o indivíduo aglutina todas as suas referências e vivências para criar algo novo, no caso, uma música nova.

Segundo as técnicas de educação musical de Violeta H. de Gainza, o método de ensino deve ser o mais objetivo possível. “Trata-se de explicar a música com ela mesma, a partir do ambiente sonoro mais próximo constituído por estereótipos da linguagem musical e local” (Gainza, 1977, p.25). Esta opinião também é compartilhada por Liddy Chiaffarelli Mignone (1961), que afirma:

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“Não podemos ensinar música a uma criança de maneira incompreensível para ela, quando ainda não lhe demos o prazer de vivê-la, senti-la em sua essência, de integrá-la em seu mundo íntimo e misterioso, tão longe do nosso alcance.” (p.12)

Liddy Chiaffarelli Mignone e Marina Lorenzo Fernandez, no livro

Iniciação Musical – Treinos de Ouvido, Ritmo e Leitura (1947), também destacam como objetivos da musicalização infantil:

“A iniciação musical visa não somente a acentuar as aptidões

inatas das crianças, como também despertar o interesse musical, nas menos dotadas pela natureza, por meio de jogos e exercícios divertidos e variados.

A aproveitar a atividade da criança para movimentá-la em ritmos seguros, fixando-lhe o ‘senso rítmico’, pois é nele que se baseia toda a educação musical.

A apurar-lhe o ouvido até conseguir a justa percepção da altura dos sons e a diferenciação das tonalidades maiores e menores.

A desenvolver-lhe a memória auditiva e estimular-lhe a imaginação na criação de pequenas melodias, etc.” (p.5)

2.1.4 Ritmo

Como vimos no Método Willems, o ritmo é um dos três principais elementos da música. Segundo o pedagogo,

“...o verdadeiro ritmo é inato e está de fato presente em todo

ser humano normal. O andar, a respiração, as pulsações, os movimentos mais sutis provocados por reações emotivas, por pensamentos, todos esses movimentos são instintivos e é a esses movimentos que o educador deve recorrer a fim de obter, seja da criança, do aluno virtuose, o verdadeiro ritmo vivo interior, criador no pleno sentido de termo”. (Willems apud Rocha, 1990, p.31)

Mas Willems, como diz a autora Carmem Rocha (1990), faz ques-

tão de deixar claro que em seu método, diferentemente do que já vimos em outros métodos, o ritmo “não se relaciona nem à mímica, nem à dança, nem a rítmica propriamente dita” (p.31). Relacionado à vida física, o trabalho rítmico inicial não depende obrigatoriamente do lado consciente do cérebro, mas sim da energia vital do nosso corpo. É a experiência prática que acontece instintivamente. “Ele trabalha os movimentos naturais que utilizam as mãos, os braços e o corpo (marcha, corridas, saltos, balanceios)” (p.31).

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“Três elementos são enfatizados no desenvolvimento da vida rítmica, primeiramente de forma inconsciente e depois de forma consciente: o tempo, o compasso e a divisão do tempo, sendo acrescidos ainda o próprio ritmo e a subdivisão do tempo.” (Rocha, 1990, p.31)

Willems diz que nesse trabalho as quadras, canções e provérbios podem ser aproveitados com sucesso. As palmas e estalos de dedos utilizados com freqüência para acompanhar as músicas nos corais que regemos, servem como marcação da pulsação e também para a percepção do compasso, do tempo forte, do tempo fraco, etc.

“Insistimos na necessidade de unir continuamente o ritmo à

vida. Mesmo um ritmo medido, regular, não deve ser encarado como um movimento mecânico, matemático, ou como uma realização de um conceito, mas sim como um movimento natural, vivo.” (Willems apud Rocha, 1990, p.30)

Por isso mesmo, ele acredita, assim como nós, que a iniciação à

leitura e escrita rítmica só deve ser iniciada após um bom trabalho de aprendizado prático. 2.1.5 A prática coral

Por tudo que acabamos de ver, acreditamos que a educação musical deve ser feita com metas predeterminadas, sabendo onde se quer chegar e utilizando materiais adequados para cada fase distinta do aprendizado. “A atividade musical deverá ser planejada com cuidado para que se resulte rica e equilibrada” (Gainza, 1977, p.25). O que a autora quer dizer é que quem musicaliza, no nosso caso o maestro do coral, tem que driblar as dificuldades, manuseando materiais úteis e interessantes, e, ao mesmo tempo, compreendendo as dificuldades do aluno (coralista), explicando e estabelecendo relações, ou seja, integrando o indivíduo adequadamente ao universo musical.

Quando o ensinamento musical é feito de forma adequada não existe tema inacessível para quem está iniciando, seja a pessoa adulta ou criança. Uma vez exercitados alguns aspectos básicos como ouvido, ritmo, memória, caráter e expressão, o coralista estará mais capacitado para executar peças musicais de maior complexidade.

Mas, num ambiente de empresa, nos deparamos com uma situação peculiar onde os coralistas, na maioria das vezes, não tem como finalidade tornar-se profissionais de música, e, por isso, não têm urgência

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em aprimorar-se tecnicamente. Por isso mesmo, o maestro deve adotar uma postura de ensinamento bastante espontânea, até mesmo informal, de modo que o encadeamento das informações se realize de maneira bastante descontraída, não cansando os coralistas, para que estes encarem o coral e a música como uma forma de distração e lazer.

“Se examinarmos atentamente as nossas atividades e lhes procurarmos os motivos originários, encontraremos sempre, em última analise, como motivo propulsor — embora não raro encoberto por outros motivos mais salientes —, a tendência, a necessidade, o instinto fundamental enraigados de evitar a dor e tudo que é desagradável e de procurar o pólo afetivo oposto, o agradável, o prazer. A finalidade biológica de conservação e de expansão da vida assim exige essa fuga ao desprazer e procura do prazer.” (Sá Pereira, 1937, p.67)

Na educação musical de adultos, devemos utilizar mecanismos que

ensinem e, ao mesmo tempo, tornem os exercícios prazerosos. Para um coralista novato num coral amador, muitas vezes os elementos básicos da música, como timbre, intensidade e altura, não são muito claros e cabe ao maestro, através de exemplos e exercícios adequados, esclarecê-los.

“No começo a altura dos sons não constitui para todas as crianças um elemento diferenciado do timbre ou da intensidade. Cabe ao professor levar a criança, por meio de exercícios adequados, a perceber esta distinção e obter dela uma apreciação justa da altura do som.” (Willems, 1962, p.68)

No caso específico da altura dos sons, é de grande valia a

expressão “Isto sobe, isto desce”, recorrendo à utilização dos gestos para indicar a direção da melodia.

“Não esqueçamos de dizer para as crianças as frases: ‘Isto sobe, isto desce’, etc... A palavra favorece a assimilação da experiência. Por outro lado, recorremos com freqüência ao gesto da mão, mediante o qual a criança imitará o movimento sonoro, seja dos instrumentos ou da própria voz.” (Willems, 1962, p.72)

Guy Reibel, compositor, regente de coral, responsável pela classe

de música eletroacústica do Conservatório Nacional Superior de Paris e autor do livro Jeux Musicaux, , segundo conta Bernadete Zagonel (1991), desenvolveu jogos e exercícios para serem feitos com grupos de adultos cantores, que foram experimentados em diversos corais. Em tais experiências, ele concluiu que o gesto facilita e aprofunda a assimilação das noções musicais.

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“Todo fenômeno, afirma, para ser assimilado pelo espírito e

se transformar no suporte abstrato (sinal) de uma realidade (concreta) deve ser vivido primeiramente pelo gesto, que permite acompanhar fisicamente o seu desenvolvimento.” (Zagonel, 1991, p.43)

Ainda segundo nos relata Zagonel, Reibel afirma que o “ouvir” e o

“fazer” são ações fundamentais para a transformação de comportamentos dos indivíduos. E acreditamos, assim como o compositor, que o ensino é muito mais fértil quando se utiliza a audição e a prática.

“Uma nova consciência do som, do fenômeno sonoro em geral, não o som que escutamos de maneira abstrata e cultural, como simples suporte de uma música, mas aquele vivido em si mesmo, como uma matéria e uma forma, nas suas relações profundas com o corpo, o gesto, e nos seus efeitos múltiplos. ” (Zagonel, 1991, p.43)

Mas, nos corais de empresa por nós regidos (Shell, Cia. de

Cimento Portland Paraíso, Coca-Cola, Petróleo Ipiranga e Firjan) constatamos ser bastante comum uma certa resistência à atividade coral por parte de muitos funcionários que alegam não serem afinados. A afinação é um aspecto importante no desenvolvimento do trabalho coral, porém, no início, ela não deve ser demasiadamente enfatizada para evitar a inibição das pessoas, permitindo assim maior liberdade de expressão através do canto.

“A afinação é um aspecto importante no trabalho de iniciação musical, e Willems lembra que ela reside na sensibilidade afetiva e não na perfeição vocal, como muitos pensam; a afinação está diretamente ligada à faculdade de ouvir, de escutar e de sentir a justeza dos sons, daí a validade do trabalho de desenvolvimento auditivo.” (Rocha, 1990, p.28)

Mesmo assim, geralmente, no aprendizado de uma música num

coral amador a primeira preocupação do maestro deve ser ensinar a altura dos sons para depois preocupar-se com timbre (qualidade sonora) e inten-sidade (dinâmica). “Na educação musical, a altura do som é que deve merecer os mais assíduos cuidados da parte do professor. O timbre e a intensidade não devem nos preocupar muito no começo” (Willems, 1962, p.78).

Talvez por isso Garmendia (1981) acredite ser ideal, na primeira etapa da musicalização, o ensino de diversas canções populares e folclóricas destituídas de dificuldades, para serem entoadas em uníssono, criando-se assim uma atmosfera favorável para que os coralistas se libe-

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rem mais facilmente de suas inibições, decorrentes da falta de experiência e formação musical. Da mesma forma, é da maior utilidade o uso de cânones que, cantados inicialmente em uníssono, são uma das melhores vias de acesso à polifonia.

Acreditamos que o coral também é uma forma de iniciação musical, por trabalhar de maneira peculiar todos os elementos musicais que vimos nas mais variadas propostas de metodologia. E este desenvolvimento musical realizado no coral de empresa resultará em diversos benefícios para os coralistas (no caso, os funcionários), refle-tindo-se em sua vida pessoal e profissional. Porque, mais do que aprender a ler e escrever música, o trabalho que propomos, baseado no Método Willems, é o de educação através da música:

“ - educação dos sentidos, - educação da sensibilidade, - educação da inteligência”. (Rocha, 1990, p.62)

Nesse processo, o coralista pode despertar uma série de elementos

que fazem parte da sua vida, mas que, pela massificante rotina diária, en-contram-se adormecidos: a afetividade, a sensibilidade, o ouvido, o ritmo, a capacidade de compreensão. O trabalho no coral também nos possibilita exercitarmos não só as cordas vocais, mas a memória, a percepção e a concentração, além de possibilitar a socialização e a integração (tópico que veremos ainda neste capítulo). Willems acredita ser a importância da música em nossa vida muito grande: “pode-se viver sem música mas com ela vive-se bem melhor” (Willems apud Rocha, 1990, p.63).

O trabalho de iniciação musical feito pelo coral, além de representar uma forma de lazer e distração para os funcionários, pode, como constatado por vários educadores musicais, contribuir para uma mudança de comportamento, ou seja, para o surgimento espontâneo da disciplina, da receptividade, da alegria e do companheirismo entre as pessoas, além do crescimento da responsabilidade diante de novas atividades.

Enfim, num processo de musicalização as pessoas aprendem a se expressar através da música, contagiando aqueles com quem se está em contato. Segundo a educadora musical Cecília Conde,

“na musicalização do adulto tem-se a oportunidade de aflorar

aquilo que a criança possui naturalmente: a linguagem expressiva. Todo o desenvolvimento da criança se dá através dessa linguagem, que depois a escola e a sociedade sufocam, travando seu desenvolvimento.” (Comunicação pessoal, abril de 1999)

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Essa experiência reflete-se de forma positiva no trabalho. O empregado aprende a lidar com novos elementos, aprende a escutar, a absorver mensagens, a decodificá-las e a expressá-las para que o trabalho seja executado da melhor maneira possível. A empresa, dessa forma, poderá contar com um empregado que não se limita apenas a fazer o seu serviço, mas um empregado atento e preocupado em afinar-se com o resto do grupo, com seus colegas de trabalho. Ele vai estar mais preparado para reflexões, e certamente poderão surgir daí algumas importantes idéias que contribuirão para a melhoria da qualidade de sua empresa. 2.2. O canto coral, improvisação e criatividade

Em qualquer atividade artística, o item criatividade sempre estará

presente, variando apenas no que se refere à sua essência, grau e profundidade. Por isso, se compararmos um coral apenas artístico com um coral de empresa, ressaltará de imediato que, enquanto no primeiro o item criatividade resultará naturalmente em conseqüência das potencialidades envolvidas, no coral de empresa a criatividade, pelo lugar e importância que lhe é atribuída na filosofia de Qualidade Total, deverá ser objeto de especial atenção por parte do regente, podendo o coral funcionar como um verdadeiro laboratório, com desdobramentos de seus benefícios em prol da própria empresa.

“O homem é, acima de tudo, um ser que se caracteriza pela

sua criatividade; é através dela que ele reage, de forma mais positiva ou menos positiva, aos problemas do cotidiano. Por isso, a Educação Artística é fundamental para a sua formação.

Dentre as atividades artísticas, como fator de educação, a música, pela sua posição central de relacionamento com as demais, deveria ser a atividade básica, mormente nas primeiras classes, notadamente como atividade coral.” (Mathias, 1986, p.13)

Uma forma bastante objetiva de colocar isso em prática é criar

situações que permitam a improvisação, como, por exemplo, a criação conjunta de uma melodia, onde cada coralista é responsável pela inclusão de uma nota musical, ou a criação de uma bateria de escola de samba feita somente com as vozes, onde cada coralista imita um instrumento, criando seu próprio ritmo.

“As atividades criadoras estão sendo sempre mais reconhe-cidas como importantes, e mesmo essenciais, em muitas fases da

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educação. A verdadeira atividade criadora em música consiste na improvisação de ritmos e melodias ...” (Mignone, 1961, p.11)

Por outro lado, uma maneira mais complexa de trabalhar a impro-

visação e a criatividade em grupo é quando o maestro ensina ao coral uma base harmônica, em forma de ostinato, que serve de acompanhamento para que cada integrante, ordenadamente, crie melodias e ritmos, desenvolvendo a imaginação de forma espontânea e intuitiva, inclusive possibilitando a superação do medo e da insegurança de estar exposto perante seus colegas de trabalho.

“...propostas criativas — estruturas para improvisação coletiva, improvisações dirigidas sobre alguns elementos extraídos das próprias peças etc. — deveriam ser introduzidas, podendo ser uma forma de recriar e dar sentido pessoal às obras que se cantam.” (Penna, 1990, p.70)

Maura Penna é da opinião que o trabalho de improvisação “deve,

sempre que possível, ser gravado e ouvido, pois na avaliação de resultado também estão sendo formados esquemas perceptivos” (1990, p.72).

É comum, no início desse tipo de trabalho, que alguns coralistas, ao ficarem mais expostos, sintam-se envergonhados, ocorrendo enrubes-cimento da face, tremor no corpo, na voz, muitas vezes chegando a ficar tão tensos que não conseguem emitir uma nota sequer. Mas, com o passar do tempo, é bastante animador perceber a superação da timidez e o desenvolvimento da criatividade e da improvisação, em geral com gratas revelações de coralistas muito talentosos. Já vimos que a superação do medo e da insegurança estão em sintonia com os pilares da filosofia da Qualidade Total.

“A improvisação é como um jogo que permite integrar o desenvolvimento de habilidades analíticas de audição, execução e análise musical, que mais tarde, poderão motivar o desenvolvimento da aprendizagem da notação musical.” (Campbell apud Medeiros, 1998, p.71).

E o que é criatividade? Parece não haver um consenso sobre este

conceito, apenas divergências de opiniões e teorias. Não existe uma con-cordância entre os estudiosos se a criatividade seria um aspecto distinto da inteligência ou uma faceta desta, não explorada. Há também a questão da relatividade, podendo a criatividade variar dependendo das pessoas envolvidas e da época.

Mas um dos pontos que parece ser comum à maioria das teorias é a definição da criatividade como “a capacidade de dar origem a coisas novas e valiosas, e além disso, é a capacidade de encontrar novos e

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melhores modos para se fazer as coisas” (Mirshawka e Mirshawka Jr., 1993, p.24).

Ao longo da história da humanidade, inúmeras invenções revolu-cionaram o processo de desenvolvimento da espécie humana, compro-vando que a criatividade é um potencial inerente ao homem, e que se processa, segundo os autores do livro Qualidade da Criatividade - A vez do Brasil (Mirshawka e Mirshawka Jr., 1993), baseada em três fases: a pessoa criadora, o processo criativo e o objeto criado.

Os autores acima descrevem uma pessoa criativa como aquela que se move ao longo do tempo, conseguindo prever o futuro. É também uma pessoa capaz de sentir e vivenciar as coisas mais abstratas da vida, como as cores, as sensações e emoções, ou seja, ter sensibilidade, criar objetos, desobedecer regras e fazer nascer idéias. Além disso, segundo os mesmos autores, para ser criativo o indivíduo deve combinar uma série de qualidades (que podem estar despertas ou não na pessoa) como:

“ ... poder de fantasiar além da realidade; capacidade de

descobrir relações entre as coisas; sensibilidade e força de percep-ção; certo grau de inquietude e anticonformismo; facilidade para imaginar hipóteses; audácia para empreender novos caminhos.” (Mirshawka e Mirshawka Jr., 1992, p.25)

A artista plástica Fayga Ostrower, autora do livro Criatividade e

Processos de Criação (1977), acredita que o processo de criação está intrinsecamente ligado ao trabalho. E é justamente o trabalho que vai impor a necessidade da criatividade.

“Nem na arte existiria criatividade se não pudéssemos

encarar o fazer artístico como trabalho, como um fazer intencional produtivo e necessário que amplia em nós a capacidade de viver.” (Ostrower, 1977, p.31)

Para comprovar sua teoria sobre a interligação entre a necessidade,

o trabalho e a criatividade, Fayga Ostrower cita em seu livro o exemplo do homem de Choukoutien, que viveu na China há cerca de 500.000 anos, e, nessa época, já conhecia o fogo e produzia artefatos de pedras lascadas. Segundo ela, arqueólogos encontraram enormes quantidades de pontas de pedras que serviam de armas, ferramentas, cunhas, dentre outras utilidades para esse povo. Portanto, acreditamos que esses antepassados foram impelidos a inventar tais artefatos não apenas pelo gosto de criar, mas também por uma questão de sobrevivência.

Nesse caso, o trabalho funcionaria como um incitador para a imaginação criativa; e a atividade coral, guardadas as proporções, pode e

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deve servir para despertar nos funcionários da empresa estas qualidades geradoras da criatividade. Sem criatividade, há acomodação.

Na atividade do canto coral, principalmente no início dos ensaios, quando é normalmente realizado um trabalho de relaxamento corporal e aquecimento vocal, costumamos fazer uso de situações lúdicas onde os funcionários coralistas têm a oportunidade de despertar seu lado criança, que, segundo especialistas, é uma das chaves mais espontâneas da criati-vidade.

“Recordamos que a criatividade se transmite por indução

(pelo professor) e se adquire por osmose (pelo educando). Nela se fundem o afetivo e a sensibilidade, com o cognitivo e a curiosidade científica criadora. As técnicas de improvisação introduzidas adequadamente ao longo de todo processo da educação musical contribuem para que se alcance a tão almejada integração do fazer com o sentir e o conhecer. À pedagogia contemporânea interessam os processos, tanto ou mais que os objetivos. A música, antes que arte e ciência, constitui uma linguagem cujo domínio se adquire paulatinamente dentro de um processo dialético no qual a improvisação constitui um recurso de suma eficiência e transcendência.” (Gainza, 1990, p.29)

Como Gainza, entendemos que a criatividade necessária para a

harmonia do dia-a-dia não depende apenas das qualidades dos indivíduos ou da inspiração divina. Ao contrário, ela deve ser constantemente exercitada e desenvolvida por todos. Numa empresa, seus dirigentes devem ter esta consciência, podendo contribuir muito para o desen-volvimento do lado criativo de seus funcionários, organizando cursos e atividades que somem para a aquisição de novos conhecimentos e habilidades, principalmente aquelas que trabalham com a memória e a imaginação. E a música pode ser um excelente instrumento para isso.

O psicanalista Rollo May (1982) acredita que no mundo moderno todas as profissões estão passando por mudanças muito radicais e que isso exige dos indivíduos disposição para mudanças. “a coragem criativa é a descoberta de novas formas, novos símbolos, novos padrões segundo os quais uma nova sociedade pode ser construída” (p.19). Além disso, a criatividade vem sendo citada por analistas de recursos humanos, educadores e consultores de empresas como característica essencial no perfil do profissional moderno.

Em artigo divulgado pela Internet, o publicitário Bruno Carvalho Castro Souza escreve sobre o processo de criação, e mostra, com base em idéias do físico e psicólogo alemão Hermann von Helmholtz, que viveu no século XIX, e de Graham Wallas, acadêmico da Universidade de Londres, que tal processo deve seguir algumas etapas básicas.

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Segundo ele, a primeira etapa deste processo, denominada de “saturação ou informação”, envolve uma ampla e profunda pesquisa sobre o problema a ser solucionado. Por ser a primeira, esta fase requer um raciocínio intenso e concentrado sobre o trabalho, até se chegar a um ponto tal de exaustão que o assunto não consiga mais ser absorvido.

Na etapa seguinte, denominada de “incubação”, o indivíduo deve procurar relaxar e deixar que apenas o inconsciente trabalhe, para que aquelas informações colhidas no processo de saturação sejam transfor-madas em novos conceitos na busca de uma solução.

A terceira fase deste processo corresponde à “iluminação”: é o instante em que surge a idéia. Para intensificar este momento é recomendável, segundo os estudiosos, que se mantenha uma atitude positiva em relação às idéias, sem rejeitá-las num primeiro momento, aceitando tudo que vier à cabeça. A etapa final refere-se à “verificação” das idéias, ou seja, a hora de julgar sua validade, verificando se elas poderão resolver o problema efetivamente, considerando a praticidade e a possibilidade de sua implantação.

Já o sociólogo italiano Domenico De Masi, especialista em criatividade que se dedica ao assunto há mais de 20 anos, é mais radical e acredita que a receita para estimular a criatividade dos funcionários é “o ócio criativo”. “As idéias vêm de noite, enquanto se dorme, durante o ba-nho, no cinema, enquanto se faz amor, em qualquer lugar” (De Masi apud Mendes, 1999, p.62). Ele chama a atenção para a necessidade de administrar melhor o tempo e reservar um tempo para o ócio:

“A administração do tempo é fundamental para a

criatividade, porque a criatividade se nutre do ócio. Para se ter idéias é preciso tempo para a introspecção.” (De Masi apud Mendes, 1999, p.62)

Professor de Sociologia do Trabalho na Universidade de Roma, De

Masi ficava intrigado porque alguns ambientes eram motivadores de idéias e outros não, e resolveu fazer uma pesquisa sobre os métodos de 13 das equipes de trabalho mais criativas da Europa entre 1850 e 1950, que incluíam, por exemplo, o Instituto Pasteur de Paris, o Círculo Filosófico de Viena e a Escola de Biologia de Cambridge. Ele publicou os resultados no livro A Emoção e a Regra, e hoje participa intensamente de seminários sobre competitividade e qualidade de vida no trabalho no mundo inteiro.

Em entrevista feita pela repórter Maria Luisa Mendes, De Masi diz que “a criatividade é o maior capital dos países ricos” (Mendes, 1999, p.62). Ele defende a teoria de que o trabalho com horário fixo dificulta o surgimento de novas idéias, que, na maioria das vezes, vêm em

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momentos de relaxamento. Como solução para este problema, ele recomenda:

“É preciso estar sempre alimentando um clima de criatividade, de motivação. A criatividade como humor é conta-giante. Também a burocracia é contagiosa. Se você estiver num grupo burocrático, atento a horários, a procedimentos, você também se torna burocrático.” ( De Masi apud Mendes, 1999, p.66)

E continua dizendo o que o trabalhador deve fazer ao constatar que

o trabalho está tolhendo sua criatividade:

“É muito difícil modificar o ambiente de trabalho, ou seja, educar o chefe e colegas para que respeitem mais a sua individualidade. Uma alternativa é mudar de trabalho, quem sabe dentro da própria empresa. A outra possibilidade é suportar essa situação e criar oportunidades criativas fora da empresa, como fez Kafka, que trabalhava numa companhia de seguros e escrevia literatura depois do expediente.” (De Masi apud Mendes, 1999, p.68)

Entendemos que o coral de empresa funciona como esse espaço

de “ócio criativo” para os funcionários. Lá os coralistas poderão esti-mular pontos importantes para o desenvolvimento de sua criatividade, como a memorização (a memória é bastante exigida do coralista, princi-palmente daquele que não tem conhecimento musical específico), tornando possível criar associações, fazendo correspondências, à base de semelhanças, entre músicas, sons, dinâmicas, timbres e ritmos.

“Para alunos adultos que se encontram em etapas anteriores à notação musical, atividades que envolvam improvisação musical podem oferecer oportunidades para manter o interesse e o prazer, ao mesmo tempo, que estimula o pensamento musical.” (Medeiros, 1998, p.71)

Inclusive, alguns coralistas altamente motivados pela atividade

musical acabam procurando, por conta própria, aprimoramento técnico e teórico, buscando, muitas vezes a prática de um instrumento.

No livro Qualidade da Criatividade - A Vez do Brasil (1993), os autores ressaltam o que acreditam ser os principais benefícios do desenvolvimento da criatividade:

“- Renovar-se, renascer, ou seja, nascer a cada dia. - Dar a própria vida pela emoção de poder ter uma variedade

de experiências e, assim, alcançar o sentido de auto-realização.

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- Produzir coisas valiosas que sejam aceitas pelos demais e que perdurem.

- Buscar o autodesenvolvimento através do valor, da audácia e da aceitação de riscos.

- Atingir o progresso, alcançar o prestígio e achar o caminho do êxito.

- Ter agilidade para se adaptar. - Perceber a multiplicidade e a riqueza das alternativas. - Ter fina sensibilidade para as situações e para os

problemas. - Ter confiança e segurança no futuro. - Conseguir a expansão da personalidade e da própria

sobrevivência o mais que possa. - Achar as soluções mais elegantes para os problemas da

própria vida. - Formar equipes de trabalho dinâmicas, eficientes e

progressistas. - Atingir produtividade nas empresas. - Levar o desenvolvimento, a expansão e a vitalidade para

todas as instituições.” (Mirshawka e Mirshawka Jr., 1993, p.9-10)

Em todos os fatores acima, fica evidente o fato de que a criatividade está implícita na arte do viver, principalmente com qualidade. Alguns dos exercícios trabalhados no coral podem estimular a criatividade do ser humano, tirando-o da passividade que tão comumente impera nos tempos modernos, além de combater um dos grandes problemas da vida contemporânea: a alienação.

Segundo Ostrower (1977), por vivermos num mundo cada vez mais totalitário, onde os indivíduos tendem a recalcar seu potencial de criação, o ser humano “aliena-se de si, de seu trabalho, de suas possi-bilidades de criar e de realizar em sua vida conteúdos mais humanos” (p.6).

As tensões do dia-a-dia, as múltiplas exigências da convivência em sociedade e o bombardeio de informações que o homem é incapaz de absorver completamente são outros vilões desse processo de massificação que a autora denomina de “processo de desintegração”.

“Dos sistemas e dos processos dirigidos de massificação só

vemos resultar um condicionamento muito grande para os indivíduos, um aviltamento e um esmagamento do seu real potencial criador.” (Ostrower, 1977, p.7)

Entendemos que, dentro deste aspecto de massificação, o confor-

mismo, o comodismo, o medo de se expor às críticas, a insegurança profissional, a mente fechada e a falta de tempo para reflexão são alguns dos aspectos que impedem e bloqueiam a criatividade das pessoas. E,

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diante de tantas dificuldades cotidianas, a pergunta é: o que fazer para despertar a criatividade? Não existem fórmulas definidas ou mágicas. Mas alguns especialistas recomendam que, entre outros pontos, o indivíduo tenha conhecimento de si mesmo, procure ter método e disciplina, e, acima de tudo, confie em si e no seu trabalho.

Quando a pessoa se conhece e sabe exatamente os objetivos que deseja alcançar, tendo domínio sobre suas limitações e habilidades, fica muito mais fácil estimular a imaginação. Ao mesmo tempo, buscar objetivos a longo prazo facilita a inspiração e estimula a criatividade. E a confiança em si mesmo torna mais provável o sucesso e o êxito nas tarefas a serem realizadas.

Acreditamos que a criatividade é elaborada a partir e de acordo com o contexto cultural em que vive o indivíduo. A realidade social molda o ser humano e, conseqüentemente, sua criatividade. Portanto, ao mesmo tempo em que a criatividade representa as potencialidades da pessoa, o objeto por ela criado, muito provavelmente, será a tradução do todo, ou seja, da sua realidade cultural.

Exatamente por dar forma a alguma “coisa”, seja ela concreta ou abstrata, a criação também pode ser considerada uma maneira de comuni-cação com o mundo. Ao criar, a pessoa se expressa, e pode, através do objeto criado, mostrar um pouco do seu desenvolvimento interior. Inventar uma nova maneira de se fazer determinada coisa também é uma forma de ser criativo. Uma pessoa pode ser criativa até mesmo fazendo algo simples como mudar de lugar os móveis de sua sala, inventar um novo estilo de vida ou criar um novo sistema de gestão no trabalho, por exemplo. Segundo o psicanalista Rollo May (1982), o indivíduo sente uma grande satisfação ao realizar alguma coisa para a estruturação de um mundo novo, por menor que seja sua contribuição.

Portanto, vimos que a criatividade pode ser tirada da inércia ou ser desenvolvida de várias formas; e, por ser uma potencialidade inerente ao ser humano, acaba sendo uma exigência não só nas artes, mas em qualquer atividade da vida. Buscar o desenvolvimento e a livre expressão da personalidade ajuda o indivíduo a sair da passividade, tornando-o mais espontâneo. Por isso mesmo, entendemos ser o coral de empresa uma excelente atividade para desenvolver a criatividade, fazendo com que os coralistas superem o cotidiano de uma forma mais positiva e saudável, o que está diretamente ligado aos princípios da filosofia da qualidade de vida, e conseqüentemente, da Qualidade Total.

2.3 O Canto Coral e a Socialização

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Por tratar-se de matéria tão ampla e complexa, que ainda suscita muito trabalho de pesquisa pela Psicologia Social, não temos a pretensão de conceituar socialização. Vamos apenas considerar esse processo de integração mais intensa dentro de um grupo, para destacar as características vividas no coral de empresa.

Segundo a Psicologia Social, que “estuda as manifestações comportamentais suscitadas pela interação de uma pessoa com outras pessoas, ou pela mera expectativa de tal interação” (Rodrigues, 1972, p. 19), as pessoas vivem em constantes processos de dependência e interdependência. Estudiosos da Psicologia Social acreditam que o com-portamento das pessoas é afetado pelo comportamento de outras, ou pela forma como as pessoas acreditam que vão ser avaliadas e recebidas.

Em seu livro Psicologia Social (1972), Aroldo Rodrigues apresenta a teoria de Zajonc, que explica a diferença entre dependência e interdependência comportamentais. Segundo Zajonc, a dependência com-portamental caracteriza-se pela influência que uma pessoa exerce sobre outra(s), sem necessariamente ser influenciada por esta (s). Já a situação de interdependência refere-se a um comportamento recíproco, onde existem sentimentos de cooperação e de competição. Entendemos que o que mais interessa para este trabalho, no momento, é o fenômeno da interdependência, presente nas atividades em grupo e que tende à facilitação do rendimento individual.

Para a Psicologia Social, a presença de outras pessoas influencia o comportamento do indivíduo. Segundo Rodrigues, Zajonc acredita que, se por um lado esta influência auxilia no desempenho das questões aprendidas anteriormente, por outro, tende a inibir o aprendizado de novos comportamentos.

“Para Zajonc a presença de outras pessoas tem como

conseqüência a produção de um certo excitamento na pessoa observada. Tal excitamento aumenta a probabilidade de emissão de respostas dominantes no seu repertório de comportamentos. Por outro lado o aumento da probabilidade de emissão de respostas dominantes causa uma maior dificuldade por parte da pessoa em aprender respostas novas, de vez que predominará a emissão da resposta dominante. Verifica-se, pois, uma interferência no processo de aprendizagem. Vencidas as dificuldades e a pessoa finalmente conseguindo aprender a nova resposta, a presença de outros funcionará como facilitador da emissão da resposta aprendida.” (Rodrigues, 1972, p.239)

Ao participar de um grupo, as pessoas geralmente apresentam

sentimentos antagônicos. Ao mesmo tempo em que ficam perturbadas e inseguras, por acreditar ser este um momento de medição da sua capa-

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cidade, elas também se sentem estimuladas a fazer coisas que certamente não fariam quando estão sozinhas. “Pertencer a um grupo ou estar, simplesmente , na presença de outras pessoas faz com que um indivíduo se comporte e pense diferentemente de quando está sozinho” (Freedman, Carlsmith e Sears, 1975, p.176).

Portanto, segundo a Psicologia Social, a associação pode ser um fator auxiliador no processo de aprendizado e mudança de comporta-mento das pessoas envolvidas no grupo. No processo de interdepen-dência, comportamentos cooperativos e competitivos andam lado a lado. Por isso mesmo, no caso do coral de empresa, o maestro deve estar sempre atento aos fatores que favorecem ou dificultam a cooperação e a competição. Nosso interesse, de acordo com os princípios da filosofia da Qualidade Total, é sempre o de despertar este ambiente cooperativo e o trabalho em grupo.

Em um coral de empresa as pessoas precisam ser cooperativas, pois não adianta alguém cantar mais forte, ou com um timbre diferente que sobressaia aos outros, já que o bom resultado de um coral depende do equilíbrio que deve resultar do senso de união e empenho de todo o grupo. Comportamentos competitivos e individualistas sempre estarão presentes em conjuntos como um coral, porém deverão ser habilmente controlados e mesmo dissuadidos, pois em nada contribuirão para o sucesso do trabalho e para os objetivos que lhe são próprios.

Mas a Psicologia Social já comprovou que o desejo competitivo no ser humano é muito mais forte do que a vontade de cooperação, até mesmo em casos em que a cooperação trabalha a favor das pessoas, levando-as a resultados mais satisfatórios. Freedman, Carlsmith e Sears (1975), acreditam que, mesmo quando é óbvio que cooperar é a melhor estratégia para chegar a um bom resultado, a maioria das pessoas prefere competir. Por isso mesmo, é necessário ter noção dos fatores que diminuem e os que aumentam a competição.

Sabemos que a influência cultural sofrida pelo homem incita à competição. Esta influência é muito grande e ajuda a perpetuar este sentimento. Aroldo Rodrigues (1972) acredita que entre os principais fatores que aumentam este tipo de comportamento, tão prejudicial para o desenvolvimento das pessoas e de uma sociedade mais justa, estão “a orientação competitiva entre as pessoas, a rigidez cognitiva das partes em conflito, as distorções perceptivas e as profecias auto-realizadoras”. (Rodrigues, 1972, p.265).

Sabe-se também que as situações de pânico e de pressão impedem o surgimento da cooperação. “O comportamento mais freqüente nestas condições é o comportamento competitivo, resultando em prejuízos generalizados para os que estão na situação de interdependência”. (Rodrigues, 1972, p.255)

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Os incentivos como dinheiro ou uma premiação, as ameaças, o tipo de motivação que é dada ao trabalho ou a um jogo e até mesmo a forma de comunicação entre as pessoas ou grupos podem influenciar no sentido de comportamentos mais ou menos competitivos e cooperativos.

“Numa pesquisa realizada por Deutsch (1960), os sujeitos receberam uma de três diferentes instruções. As instruções cooperativas sublinhavam o interesse pelo bem-estar do outro jogador, as instruções competitivas recomendavam com instância a cada jogador que ganhasse tanto dinheiro quanto pudesse e, sobretudo, que ganhasse mais do que o outro jogador; e as instruções individualistas declaravam que a única finalidade do jogo era ganhar o máximo possível e que o resultado obtido pelo outro jogador deveria ser ignorado” (Freedman, Carlsmith e Sears, 1975, p.188)

Acreditamos que, partindo deste princípio de instrução, o coral

deve ser estruturado em moldes cooperativos. Dentro desse grupo específico as pessoas incorporam o espírito de cooperação, aprendendo ou reaprendendo a respeitar o colega e sabendo que, para o benefício do todo, é preciso trabalhar em conjunto. A afirmação da educadora musical Cecília Conde, confirma esta idéia: “No coral, ao mesmo tempo em que se está fazendo um trabalho individual, pois cada voz é necessária, trabalha-se também o coletivo”(Comunicação pessoal, abril de 1999).

No coral de empresa as pessoas acabam percebendo que só é possível alcançar o seu objetivo quando todos os outros integrantes também alcançam os seus. E mais, no coral todos têm um mesmo objetivo final: aprender a cantar, preparando-se da melhor forma possível para as apresentações. A situação social de cooperação vivida no coral acaba induzindo à maior interação entre as pessoas e aumentando a atração interpessoal, o que melhora o desempenho, aumenta a auto-estima e diminui a atitude preconceituosa e, por vezes, muito crítica das pessoas.

“A recreação musical é muito importante para a socialização da criança, para a formação do espírito de equipe” (Mignone, 1961, p.17). Esta citação específica para a educação musical infantil é válida também para o trabalho com adultos. As brincadeiras utilizadas no coral, como, por exemplo, a de formar pequenos grupos como quartetos ou octetos, geralmente com pessoas que até então não tiveram contato direto, estimula essa situação social cooperativa e incrementa o processo de interação entre as mesmas. Nesta situação, pedimos aos coralistas selecionados para este subgrupo que fiquem na frente do coral e se apresentem para os demais integrantes, geralmente dizendo o seu nome, setor onde trabalha e há quanto tempo, ou seja, um rápido histórico

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pessoal dentro da profissão e dentro da empresa. Muitas vezes perguntamos também a cada integrante deste subgrupo qual a porcentagem de coralistas conhecidos por eles e quem eles teriam a curiosidade de conhecer. Uma vez apontado, este colega deve também se apresentar para os demais. Em geral essas apresentações geram um ambiente bastante descontraído e acolhedor. Feitas as apresentações, este pequeno grupo interpreta uma peça do repertório tendo os demais coralistas como platéia. Dessa forma, esse pequeno grupo vivencia uma prévia do que será uma apresentação em público, além de permitir que os demais coralistas tenham uma visão externa do trabalho realizado.

“Como a música é atividade que atinge diretamente a sua sensibilidade, encontramos nela um caminho certo para a sua educação integral. O brinquedo musical liberta e afirma, socializa, equilibrando e fortalecendo sua personalidade. Cultiva e educa a atenção por meio de interesse sempre presente, disciplinando sem constrangimento.” (Mignone, 1961, p.10)

Nota-se que o desempenho do coral melhora à medida que as pes-

soas vão se conhecendo melhor. “A interação entre os estudantes tem significativas conseqüências em sua educação” (Rodrigues, 1972, p.269). A afirmação serve para ratificar a nossa experiência prática. E o maestro, assim como o educador, pode interferir nesta interação maximizando esse processo ao estimular um ambiente de cooperação no lugar da competição. “A integração dos sons será maior a partir do momento em que as pessoas estiverem integradas socialmente.” (Mathias, 1986, p.88)

Outros fatores que segundo a Psicologia Social levam à interação entre as pessoas são a proximidade física e a identidade de valores e atitudes, diretamente relacionados ao que acontece no coral de empresa. Os ensaios, em geral duas vezes por semana, e as eventuais apresentações, dão aos participantes do coro esta oportunidade de interação, tendo em vista que a proximidade permite o desenvolvimento da atração entre as pessoas, conforme diz Rodrigues no livro citado.

Convivendo em um mesmo ambiente as pessoas acabam se conhecendo melhor, trocando idéias, encontrando objetivos comuns. Estudos de Zajonc, citados por Rodrigues, demonstram que o indivíduo tende a nutrir mais sentimentos positivos por objetos que lhe são apresen-tados com maior freqüência. É óbvio que as pessoas não são objetos e que só a proximidade física não vai fazer com que uma eventual animo-sidade entre duas pessoas acabe, mas ela pode dar uma oportunidade às mesmas de se conhecerem um pouco melhor. A educadora musical Cecília Conde, por exemplo, acredita que

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“o fato de estarem juntos na atividade coral ajuda também no relacionamento, porque eu posso não me entender muito com um colega no diálogo verbal, mas ao cantar junto eu estou, de alguma maneira, me comunicando com ele, quer dizer, a música é um facilitador.” (Comunicação pessoal, abril de 1999)

Além disso, no coral todos já têm um ponto em comum: o interesse

pela música. Isso, segundo Rodrigues, ajuda a criar um sentimento positivo entre as pessoas, auxiliando na interação das mesmas.

“De fato, se uma pessoa tem atividades e valores semelhantes aos de outra, é possível que haja menos polêmica, menos conflito, maior consenso de opinião. Ora, todos esses fatores reduzem os custos da interação, produzindo resultados mais satisfatórios para ambos.” (Rodrigues, 1972, p.277)

Para Newcomb, citado por Rodrigues, a semelhança é um dos

principais fatores para que haja atração interpessoal. Esta atração vai trazer benefícios à vida dos coralistas, pois pessoas que se conhecem melhor se comunicam melhor e acabam por criar um elo afetivo, o que é um excelente condutor à cooperação mútua dos coralistas.

Mas não podemos falar sobre interação social sem citar a tendência que o ser humano tem de se associar a outras pessoas. “As pessoas procuram associar-se a outras porque as outras lhes permitem saciar a sua necessidade de avaliar suas habilidades e opiniões” (Rodrigues, 1972, p.302). Ao juntar-se a um grupo como o do coral, além de procurar por diversão e relaxamento após horas estressantes de trabalho, as pessoas podem estar procurando esse mesmo grupo, inconscientemente, para aferir a realidade social. Quando os indivíduos se reúnem eles não permanecem indiferentes uns aos outros. Acabam desenvolvendo padrões de comportamento, dividindo responsabilidades e assumindo diferentes papéis. É desta forma que se criam lideranças.

“O atributo central da liderança é a influência — o líder é, geralmente, a pessoa que, no grupo, tem mais influência sobre as suas atividades e convicções. É a pessoa que inicia a ação, dá ordens, toma decisões, resolve dissídios entre os membros, julga e sentencia.” (Freedman, Carlsmith e Sears, 1975, p.143)

No coral de empresa também não é diferente. Mas, no caso que

será apresentado no próximo capítulo — o coral da Ipiranga, que possui monitores, músicos contratados que auxiliam no trabalho dos naipes — encontraremos, em princípio, o que a psicologia chama de liderança de tarefa, ou seja, eles não foram escolhidos pelo grupo, mas possuem características básicas para liderar o trabalho de naipe. Entre os coralistas

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vão surgir o que se chama de “lideranças sociais”. Os autores Freedman, Carlsmith e Sears definem estes líderes como pessoas agradáveis, conciliatórias e que estão interessados no bem-estar social do grupo. São pessoas que se envolvem tanto com o trabalho e com os colegas do grupo, que quando surge qualquer problema estão sempre prontos para fomentar discussões e delas tentar encontrar as soluções necessárias.

Mas para se obter êxito no trabalho com um coral é necessário também que o maestro tenha um conjunto de qualidades que o tornarão um líder. Acreditamos que o ideal seria que esta liderança combinasse qualidades das denominadas “liderança de tarefa” e “liderança social”.

“O maestro, líder, é aquele que faz com que as pessoas

cresçam, aquele que valoriza o esforço de cada elemento através de inter-relações pessoais, buscando uma unidade dentro do grupo. E só poderemos conseguir esta unidade pela fraternidade, nos conhecendo melhor em nossas aspirações e nos compreendendo melhor em nossas limitações.

Cada maestro deve sentir as necessidades de seus cantores e propiciar-lhes momentos de descoberta, fazendo com que cada um se perceba uma peça importantíssima dentro da engrenagem social.

Os discípulos são um reflexo do seu mestre; se ele irradia amor, paz, alegria, dinamismo, entusiasmo pelo que faz, todo o grupo será movido e contagiado por esta beleza e por esta graça de levar às comunidades a música que sai da alma e que é vivida intensamente. Para tal, é preciso que a figura do maestro seja um testemunho vivencial de sua filosofia de vida, porque suas atitudes influenciarão muito mais que o seu discurso.” (Mathias, 1986, p.18)

Portanto, analisando o coral de empresa sob a ótica da Psicologia

Social, podemos dizer que se trata de um grupo heterogêneo, mas com al-guns objetivos comuns: cantar, se apresentar, relaxar, fazer amigos, enfim, buscar a integração social. O coral de empresa é um espaço onde as pessoas, por estarem cantando juntas num mesmo naipe, ou até mesmo em naipes diferentes, se aproximam e criam laços de intimidade, que podem ser estreitados também fora desse ambiente. Podem surgir amizades e até diminuir animosidades preexistentes sem um motivo aparente.

A comunicação ampla e irrestrita entre os coralistas, monitores dos naipes e maestro forma um grupo mais coeso, onde os problemas são analisados e discutidos em conjunto e onde as soluções têm mais chance de surgir democraticamente. A comunicação favorece a cooperação mútua. E quando o grupo é orientado para cooperar, como acontece num coral de empresa, à medida em que vai se produzindo uma maior integração, a tendência é que haja um desempenho cada vez melhor.

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“Um grupo deste tipo terá elevado moral, forte motivação e grandes pressões contra os conflitos que possam interferir com o desempenho. A essa qualidade do grupo é dado o nome de coesão. Quanto mais os membros forem atraídos uns para os outros e para o grupo, mais compartilharão dos objetivos do grupo e maior será a coesão do grupo.” (Freedman, Carlsmith e Sears, 1975, p.199)

Baseado em todos estes conceitos da Psicologia Social,

concluímos que os grupos adequadamente organizados e orientados para a cooperação podem apresentar resultados mais criativos e eficientes do que os grupos onde reinam a competição e o individualismo. O coral de empresa só tem a contribuir para este fim, e esta interação social tende a ampliar-se e estender-se além dos limites do coro. 2.4 O Canto Coral e a Saúde

Nos tópicos anteriores vimos que o coral pode servir como um laboratório, onde os funcionários têm noções de musicalização e também aprendem e/ou resgatam princípios de criatividade e socialização que, certamente, serão aplicados em sua rotina pessoal e profissional. Agora vamos tentar mostrar, dentro da ótica da “música como terapia”, que benefícios o ato de cantar, principal objetivo do coral, traz à saúde das pessoas.

Rolando O. Benenzon, médico psiquiatra, fundador do curso de musicoterapia da Faculdad de Medicina da Universidad del Salvador de Buenos Aires, e um dos pilares dessa disciplina, em seu livro Manual de Musicoterapia (1985), define a musicoterapia de duas maneiras:

“1) Com respeito ao ponto de vista científico, considero que a Musicoterapia é uma especialização científica que se ocupa do estudo e investigação do complexo som/ser humano, seja o som musical ou não, tendente a buscar os elementos diagnósticos e os métodos terapêuticos do mesmo;

2) Com respeito ao ponto de vista terapêutico, considero que a Musicoterapia é uma disciplina paramédica que utiliza o som, a música e o movimento para produzir efeitos regressivos e abrir canais de comunicação, com o objetivo de empreender através deles o processo de treinamento e recuperação do paciente para a sociedade”. (p.11)

Segundo o autor, musicoterapia é “um termo pouco feliz”, já que a

música não é o único elemento utilizado no processo terapêutico: “também se utiliza o som em seu aspecto mais amplo da sua concepção e o movimento” (Benenzon, 1985, p.12). A Comissão de Prática Clínica da

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Federação Mundial de Musicoterapia mostra a mesma preocupação em ampliar a definição de musicoterapia, para além da nomenclatura música:

“Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos seus ele-mentos musicais (som, ritmo, melodia e harmonia) por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou um grupo, num processo planificado com o objetivo de facilitar e promover a comu-nicação, a relação, a aprendizagem, a mobilidade, a expressão, a organização e os outros objetivos terapêuticos importantes, que vão ao encontro das suas necessidades físicas, emocionais, mentais, soci-ais ou cognitivas.” (Comissão de Prática Clínica da Federação Mun-dial de Musicoterapia, 1996, p.1,)

Gérard Ducourneau, professor primário e musicoterapeuta francês,

define a musicoterapia como “a abertura dos canais de comunicação, utilizando o som, o ritmo, o movimento.” (1984, p.4). E, para a educadora musical Cecília Conde, “Na musicoterapia ressalta-se a importância de abrir canais de comunicação, fazendo emergir conteúdos que nenhuma outra arte faz. Com a música a gente pode chorar, emocionar-se e arrepiar-se” (Comunicação pessoal, abril de 1999).

De acordo com essas definições, percebemos que a musicoterapia considera a música muito mais do que fenômenos acústicos e de movi-mentos. “A música é arte e ciência, dois elementos que correspondem a um processo evolutivo do ser humano” (Benenzon, 1988, p.11). Mais do que simples prazer, o cantar na musicoterapia está relacionado a uma forma de se comunicar com o mundo, de externar sentimentos e emoções, através da linguagem não-verbal que é a música.

“A humanidade sentiu sempre necessidade da música em sua vida, por ser forma de exteriorização dos próprios sentimentos mais íntimos, que a palavra não podia dar, por vários motivos.”(Mignone,1961, p.12-13)

A música, segundo a musicoterapia, é capaz de influir em ampla

variedade de curas. Para os musicoterapeutas, a voz é vista como a identidade das pessoas. A música, dentro desse prisma, pode prevenir e tratar dificuldades de comunicação e expressão existentes nas pessoas, mobilizando aspectos biológicos, psicológicos e culturais.

“A musicoterapia é uma auxiliar da Medicina que coadjuva com as demais técnicas terapêuticas para recuperar o paciente para a sociedade ou para atuar na prevenção das enfermidades físicas e mentais.” (Benenzon, 1985, p.15)

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A descrição dos objetivos da musicoterapia, segundo o musicoterapeuta Rolando O. Benenzon (da Comissão de Prática Clínica da Federação Mundial de Musicoterapia) e Sônia Prazeres, uma das entrevistadas para esse trabalho, mostra, em síntese, que a música pode ser um complemento poderoso no processo de cura, tendo como resultado final o bem-estar e a saúde dos indivíduos.

“É o momento de dizer que a Musicoterapia, segundo a própria palavra, tem como objetivo fundamental a terapia.

Esse conceito, talvez simplista, tem como finalidade valori-zar o aspecto terapêutico sobre o musical. E compreendemos, ao longo deste tratado, que se confundem os termos e se dá mais ênfase ao problema musical, sendo este último um elemento que só distin-gue os meios e as técnicas do verdadeiro objeto, que é o terapêu-tico.” (Benenzon, 1988, p.14)

“A Musicoterapia tem por objetivo desenvolver potenciais

e/ou restaurar funções do indivíduo, a fim de melhorar a sua organização intrapessoal e/ou interpessoal e, em conseqüência, adquirir uma melhor qualidade de vida, através de prevenção, reabilitação ou tratamento.” (Comissão de Prática Clínica da Federa-ção Mundial de Musicoterapia, 1996, p.1)

“A VozTerapia poderia se inserir no contexto das terapias

holísticas, porque ela não busca apenas, como a medicina ortodoxa, o ponto neutro, ou ausência de sintomas. A VozTerapia busca o optimum de saúde, ou seja, o funcionamento total e equilibrado entre corpo, mente e espírito, e a integração desta unidade funcional no ambiente.

O interesse fundamental da VozTerapia é a ex-pressão, em oposição ao mecanismo da de-pressão. O indivíduo saudável é mais capaz de ex-pressar, isto é, colocar para fora, no mundo, depois de recebidas, digeridas e recicladas, as constantes pressões que ele recebe incessantemente da vida. E a voz cantada é espontânea, não-lógica, primal, sendo assim o melhor veículo para a emoção pura. Através da voz cantada e dos sons não-verbais, a VozTerapia busca tornar o indivíduo mais expressivo, saudável, feliz e criativo, integrando seus conteúdos psicológicos à sua consciência e à sua performance vital.” (Sônia Prazeres, Comunicação pessoal, setembro de 1998)

Mas encontramos no musicoterapeuta e professor de teoria

musicoterápica Even Ruud um modo diferente de encarar os tradicionais conceitos de musicoterapia. Em seu livro Caminhos da Musicoterapia (1990), Ruud chega a criticar tais definições que, segundo ele, em geral, baseiam-se em conceitos específicos de “terapia” e “doença”:

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“De um modo geral, as definições de musicoterapia podem ser criticadas pelo seu descaso quanto ao contexto social maior dentro do qual ela atua. Doença ou incapacidade são vistas como um resultado de entidades existentes separadas e que estão localizadas no corpo do paciente. Acentua-se, com freqüência, que se obtêm mudanças terapêuticas através de procedimentos individualistas que enfatizam estratégias indutoras do crescimento e desenvolvimento no indivíduo. Seria mais correto, no entanto, tratar a ‘doença’ como um conflito ou contradição entre o estado biológico/psicológico do paciente e o meio econômico e material em que vive. Isto significa que a doença pode ser causada não apenas pelo status biológico ou psicológico do paciente mas, muitas vezes, por uma ausência de possibilidades de crescimento e auto-realização devido a recursos materiais insuficientes. ‘Doença’ ou ‘incapacidade’ podem, dessa forma, ser reduzidas não por intervenção terapêutica mas por mudança de contexto material ou cultural da pessoa.” (p.15)

Entendemos que a grande diferença entre as definições anteriores e

o que diz Even Ruud sobre a musicoterapia está no fato dele acreditar que a “doença” pode ser provocada por fatores sociais, como, por exemplo, a falta de uma nova perspectiva de vida, e que a terapia através da música deve levar em consideração o contexto social em que vive o paciente/grupo que será tratado. Ruud acredita que se deve enfatizar os aspectos profiláticos do uso funcional da música.

“Em outras palavras: muitas atividades realizadas pelo musi-coterapeuta poderiam ser exercidas pelos pais, pelo professor ou educador musical. Isso mais uma vez significa que existe um aspecto cultural, em vez de médico, na utilização da música.” (Ruud, 1990, p.15)

Dentro deste contexto, entendemos que o coral de uma empresa

pode servir como um incentivador na vida das pessoas. Um funcionário, muitas vezes desmotivado ou cansado de sua rotina de trabalho, pode se encher de ânimo ao empenhar-se em uma atividade prazerosa como é a música, e onde, certamente, ele enfrentará novos desafios.

“As pessoas, normalmente, chegam para participar dos ensaios do seu coral, vindas dos mais variados lugares, executando atividades diversificadas, com a mente cheia dos mais complexos problemas, com diferentes níveis de disposições físicas e mentais, e, conseqüentemente, com maior ou menor motivação para se envolver em um ensaio dinâmico e produtivo.” (Mathias, 1986, p.22)

Falar e cantar bem são ações que exigem do indivíduo um cuidado

específico com a sua saúde; corpo e mente precisam estar em harmonia. No coral, o funcionário poderá aprender alguns princípios que possibi-

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litam uma vida mais saudável. São princípios básicos de educação vocal, com grande ênfase na respiração, além da aprendizagem e prática de exercícios e técnicas de percepção auditiva e corporal, técnicas diversas de auto-expressão e também de profilaxia da voz, paralelamente a um trabalho de conscientização para que se evitem maus hábitos como o fumo e o álcool, uma vez que ambos são muito prejudiciais à saúde.

O corpo vai servir ao coralista como um eixo referencial para que ele possa adaptar-se às novas situações que vão surgir na atividade do canto coral, que, para a grande maioria, na realidade brasileira atual, é inédita.

“O cantor deve desenvolver o seu corpo. Seu corpo não

somente contém a laringe, que produz os sons vocais, mas é o seu instrumento. Ele deve imaginar seu corpo como tendo as mesmas possibilidades de sonoridade como a caixa de som do violino, e nunca como uma pedra. Deve o cantor desenvolver um senso de consciência do seu corpo e estar totalmente alerta fisicamente.” (Mathias, 1986, p.62)

O homem é o todo e, nesse processo, corpo, voz e emoção in-

teragem simultaneamente. As emoções estão intrinsecamente ligadas ao equilíbrio corporal e a postura correta é determinante na qualidade da voz. Essa visão holística, da qual o coral se utiliza amplamente, é um dos pilares da filosofia de qualidade de vida, inserida na filosofia da Qualidade Total.

Escrevendo sobre essa visão holística da musicoterapia, Even Ruud afirma concordar:

“...se a mentalidade implícita na questão implicar uma perspectiva mais holista quanto à saúde, isto é, colocar a questão da saúde não apenas como uma questão biológica mas também como uma preocupação com os aspectos pessoais, sociais e econômicos do ser humano. Se a nova mentalidade significa a adesão a uma atitude anti-reducionista — uma maneira de preservar a complexidade da questão ‘a influência da música sobre o homem’ e a utilização dessa influência num discurso terapêutico — pode ser possível ajudar a música a atuar de maneira profilática.” (Ruud, 1990, p.18)

A atividade de canto coral também trabalha muito com a

respiração, aumentando a capacidade respiratória e promovendo o desenvolvimento do tórax e do abdômen. A boa respiração aumenta a oxigenação do cérebro.

“A inspiração é um gesto ativo, desencadeado pelo centro respiratório, e a expiração é uma réplica desse gesto, constituindo a

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volta ao nível de repouso dos músculos que entraram em ação durante a tomada de ar.” (Cerqueira, 1996, p.18).

Ao mesmo tempo, é possível perceber através da respiração o estado emocional das pessoas. Uma das principais manifestações do estresse, por exemplo, é a ansiedade caracterizada pela respiração curta, que compromete o fluxo ventilatório pulmonar. Com isso o indivíduo pode sofrer uma série de alterações bioquímicas. O canto pode ser um remédio para o estresse.

“Atualmente, médicos clínicos e cirurgiões, bem como terapeutas, estão indicando, mesmo para casos de estresse físico ou psicológico grave, técnicas de meditação musicais e de imaginação orientada para propiciar o relaxamento e reduzir a necessidade de tranqüilizantes e sedativos. Os relatórios dos pesquisadores médicos mostram melhores resultados desse tipo de relaxamento na qualidade de vida, na diminuição dos efeitos colaterais dos medicamentos, em menor número de mortes acidentais e menos dinheiro gasto em medicamentos.” (Halpern, 1996, p.63)

“Recentemente, no meio médico, tem havido uma produtiva

documentação e aceitação do uso da música na redução do estresse e dor vinculada ao tratamento de diversas doenças (ver Spintge, 1985), assim como o uso da música no ajuste de processos fisiológicos relacionados a técnicas de relaxamento.” (Rudd, 1990, p.31-32)

Podemos dizer, portanto, ser inegável o bem-estar provocado pelo

canto. Ao cantar as pessoas passam a expirar ativamente. Por isso mesmo, o coralista deve saber respirar conscientemente, o que produz uma sensação de maior bem-estar e relaxamento. O cuidado e a atenção com a respiração devem ser uma constante na maneira como nós funcionamos, agimos, sentimos e pensamos.

Respirar é o único processo fisiológico que pode ser voluntário ou involuntário. Quando se começa a trabalhar o controle da respiração, temos como resultado um despertar interior, relacionado com esse meca-nismo que nos é vital. Todo o sistema respiratório — nariz, pulmões, sistema circulatório e os músculos relacionados — tem como objetivo transportar e transformar o oxigênio do ar, disponibilizando-o para cada célula individualmente. A respiração tem grande influência no funcionamento do organismo, desde sutis processamentos moleculares para a formação do ATP (trifosfato de adenosina), que é uma molécula de energia liberada pela célula, até os movimentos físicos que propulsionam a entrada e saída do ar nos pulmões.

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Todos nós já tivemos a experiência de mudar a maneira de respirar devido a um susto, uma dor ou uma forte emoção. Uma mudança na maneira de respirar pode alterar o estado emocional e fisiológico do corpo. Exemplo disso é a respiração diafragmática, que tem sido usada como uma ferramenta terapêutica em diversas situações. Ela, combinada com exercícios de relaxamento, que geralmente iniciam os ensaios de corais, geram resultados bastante significativos no tratamento da ansiedade tão comum na vida dos funcionários, além de não causar nenhum efeito colateral negativo. Acreditamos que o estudo da inter-relação entre emoção, respiração e o sistema nervoso pode potencial-mente vir a colaborar na prevenção e tratamento de inúmeros males.

Os exercícios respiratórios que geralmente fazemos no início dos ensaios visam desenvolver um maior controle da coluna de ar, que é essencial para a produção do som vocal. Nesses exercícios, o coralista, além de ganhar paulatinamente mais resistência, aprende a controlar a intensidade de saída do ar, adquirindo um domínio cada vez maior da musculatura diafragmática, que é primordial neste mecanismo. Este controle é fundamental para se obter uma sonoridade vocal de qualidade.

O trabalho do relaxamento também tem grande valor, pois faz com que as pessoas se livrem das tensões do cotidiano. O movimento de vibração da voz ao cantar estimula todo o corpo, ajudando a diminuir as tensões. Como faz todo nosso corpo vibrar, a música atua sobre ele, tanto em nossas células e órgãos como em nossas emoções, formando um círculo vicioso onde o organismo influi nas emoções que agem no próprio organismo. A ciência já provou que a música e o som atuam em nosso metabolismo e humor, influenciando inclusive em nossa atividade muscular, na respiração, pressão sangüínea, e até na pulsação cardíaca. Por isso, o ato de cantar aciona todo o nosso corpo, que vai servir como uma caixa de ressonância para o som que iremos produzir como uma forma de automassagem de dentro para fora.

“Mostrou a investigação que a música influi na digestão, nas

secreções internas, na circulação, na nutrição e na respiração. Verificou-se que até as redes nervosas do cérebro são sensíveis aos princípios harmônicos” (Tame, 1996, p.81).

Portanto, para trabalharmos mais profundamente a voz é

necessário praticar exercícios de relaxamento físico e mental, além de termos mais consciência do meio ambiente em que vivemos e um contato maior com as sensações do nosso corpo e mente. Na verdade, quando fazemos tudo isso, estamos nos conhecendo melhor e podemos, desta forma, ter um controle maior e melhor sobre nossas vidas, o que certamente também reverterá em benefício de nossa rotina.

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Outro ponto trabalhado também pelo coral — esmiuçado no tópico sobre musicalização — e que ajuda a pessoa a conhecer um pouco mais de si mesma é a questão do ritmo. Na verdade, a relação do homem com os sons e ritmos inicia-se desde sua vida intra-uterina. Inúmeras pesquisas comprovam que o feto reage ao som com movimentos corpo-rais.

“Esses fenômenos acústicos, sonoros, vibratórios e de movimento surgem desde o preciso momento em que o óvulo se une ao espermatozóide para formar o princípio de um novo ser. Nesse instante, existem infinitos processos que rodeiam esse ovo que se aninha no útero, e que produzem, por sua própria dinâmica, movimento, vibração e som.” (Benenzon, 1988, p.13)

Dizem os especialistas em musicoterapia que é pela música que

começamos a decifrar o mundo, e o choro é a primeira manifestação sonora de um indivíduo. Aos poucos, inicialmente de forma gutural, vamos nos organizando e evoluindo do balbucio até uma série de inflexões rítmicas e sonoras que continuam se desenvolvendo até se chegar à fala.

A atividade coral proporciona ao indivíduo um maior domínio e controle do seu ritmo, que pode sofrer variações de acordo com seu estado de espírito. “O ritmo está presente em todos os seres humanos, é um fato da vida. O andar, a respiração, a pulsação, são movimentos instintivos.” (Ducourneau, 1984, p.34) É bem provável que uma pessoa estressada tenha um batimento cardíaco muito mais rápido e um ritmo de respiração alterado em relação a uma pessoa que está em seu estado normal.

Em entrevista realizada em setembro de 1998 para este trabalho, a terapeuta corporal, graduada na School for Voice and Movement Therapy em Londres, Sônia Prazeres, disse ser o canto uma atividade inerentemente terapêutica, porque faz a pessoa entrar em contato com o prazer, a alegria, o bem-estar e a expressividade.

Segundo ela, a “voz terapia” está ligada à capacidade expressiva do indivíduo. Ao trabalhar a voz, o indivíduo traz toda expressão para ela, tornando-se uma pessoa mais expressiva, criativa e saudável. Sônia Prazeres também afirma que, quanto mais o indivíduo estiver bem consigo mesmo, melhor ele desempenhará sua função dentro da empresa, sendo a expressividade e a emoção fatores de suma impor-tância para a realização desse quadro.

Estudos feitos por profissionais da saúde demostram que situações que envolvem esforço físico e prazer ativam o corpo para a produção da endorfina, poderoso tipo de proteína (polipeptídeo) que transmite uma sensação de bem-estar, é tranqüilizante, alivia a dor e a ansiedade,

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estimula o interesse, a atenção e concentração, melhora o rendimento profissional e protege dos malefícios que o estresse traz à memória e ao raciocínio, além de combater a fadiga, mantendo a mente alerta com o corpo relaxado.

Segundo o neurologista Gilberto Ottoni de Brito, da Universidade Federal Fluminense, em entrevista realizada pela jornalista Cintia Parcias (1999), “A endorfina é a morfina endógena do cérebro. Sua principal função é modular a dor, porém já se verificou que sua liberação em grandes quantidades está relacionada a situações de prazer”.

Também em entrevista realizada pela mesma jornalista, a terapeuta corporal e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Cecília Meireles informa que a principal forma de aumentar a produção de endorfina é praticar uma atividade física. “Qualquer exercício com o qual se sinta prazer produz hormônios que, aliados à endorfina, atuam contra a depressão” (1999, p.6).

Podendo funcionar como um excelente divertimento e terapia, o coral atua sobre a emoção e o corpo do indivíduo. Os exercícios propos-tos no aquecimento vocal como práticas de respiração; alongamento; exercícios de percepção musical que trabalham o ritmo, melodia, harmonia, polifonia, dinâmica e equilíbrio; além de exercícios lúdicos, que integram técnicas de biodança, bioenergética e teatro, facilitam o relaxamento e a descontração dos integrantes do coral e influem eficientemente na expressão vocal e corporal dos indivíduos.

Estes exercícios ajudam a aumentar a auto-estima e a auto-confiança das pessoas, possibilitando que elas aprendam a cantar, superando, com freqüência, bloqueios nascidos muitas vezes na infância. O coral propicia experiências grupais que abrem caminho a um nível de sensibilização e contato consigo mesmo e com os outros, que dentro da nossa cultura, muitas vezes repressiva, é comumente limitado à infância, através de jogos e brincadeiras.

Por isso, a terapeuta Sônia Prazeres sugere utilizarmos a voz tanto no contexto artístico quanto no terapêutico (Comunicação pessoal, setembro de 1998). Para ela, as pessoas com problemas comportamentais e restrições físicas, psicológicas ou emocionais podem superar estas dificuldades utilizando a voz e os sons não-verbais de maneira curativa e educativa.

Ela propõe uma terapia experimental, onde o terapeuta vai acompanhar os pacientes, observando seus movimentos, expressão corporal, a respiração e o timbre da voz, interagindo através de orientação para que a emoção seja liberada e a voz possa se expandir em toda a sua extensão. Essa técnica, intitulada por ela de o canto que cura, acaba sendo utilizada indiretamente no coral, através dos exercícios monitorados pelo maestro.

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Em uma empresa, a atividade coral pode e deve combinar técnicas que educam e desenvolvem a voz com técnicas de terapia através da voz. É lógico que, no coral, o primeiro objetivo é encarar a voz como objeto da música. Mas o ambiente de pessoas totalmente amadoras e, na maioria das vezes, sem maiores pretensões artísticas, propicia que a voz também funcione como objeto de autoconhecimento para cada parti-cipante.

Assim, os coralistas aprendem a cantar, mantendo a voz limpa e afinada, ao mesmo tempo em que trabalham, sem perceber, problemas e bloqueios, através de exercícios de relaxamento e integração com o pró-prio corpo e com o grupo.

Sabemos que o poder de comunicação da voz é muito amplo. Através dela podemos descobrir até mesmo o estado emocional e as carências psicológicas da pessoa. Citamos, por exemplo, a desafinação de certas pessoas, que muitas vezes é oriunda de bloqueios físicos, afetivos e também emocionais, como insegurança, baixa auto-estima e falta de autonomia. Todos esses problemas dificultam a expressão e a criativida-de, provocando, no caso dos bloqueios físicos, uma forte tensão dos mús-culos, o que altera a qualidade do canto.

No coral, os indivíduos têm a oportunidade de trabalhar esses pro-blemas. As atividades musicais dão às pessoas a chance de serem admira-das, reconhecidas, e também de colocarem para fora os desejos mais ínti-mos, além de, segundo Sônia Prazeres, estimularem o timo, a glândula da auto-estima. Segundo a terapeuta, o timo — glândula localizada sobre os grandes vasos da base do coração —, é acionado automaticamente quando cantamos. Mas, no chamado “mundo civilizado”, esta glândula vai se atrofiando à medida que as pessoas vão se tornando adultas, en-quanto nas civilizações indígenas, mesmo nos índios adultos, esta glân-dula ainda hoje é bastante desenvolvida.

A música estimula as pessoas a liberar e entender os seus sonhos, desejos, medos e expectativas. Sônia Prazeres conta em seu texto, ainda não publicado, “O Canto que Cura”, que Alfred Wolfsohn, médico judeu nascido em Berlim em 1896, que serviu nas trincheiras da 1ª Guerra e que ouviu com horror as emissões vocais macabras dos soldados em sofrimento e em desespero, iniciou uma pesquisa, quase que intuitiva, para livrar-se daqueles sons que chamou de in extremis e que o perseguiram durante muitos anos depois da Guerra.

Ele começou fazendo uma espécie de “exorcismo oral” que o fez compreender a relação entre a psiquê humana e a capacidade expressiva da voz. E, a partir do momento em que começou a reproduzir os sons que assombravam sua mente, percebeu que estes sons o faziam chegar a um estado de profunda emoção. Isto o fez ficar curado.

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Compreendemos ser a voz um objeto de comunicação, de descoberta e de crescimento interior. E por isso mesmo concordamos com a afirmação do musicoterapeuta Even Ruud: “a música pode tornar-se um catalisador, um ponto de partida para que se reescrevam experiên-cias pré-verbais” (1990, p.100).

“As possibilidades de se alcançar experiências não-verbais ou baseadas no corpo surgem quando a música penetra em áreas não pesquisadas do corpo e da mente e quando as experiências resultantes estão prestes a ser traduzidas ou representadas em nossa linguagem verbal.” (Ruud, 1990, p.100)

Na verdade, a música, como já vimos, foi usada como forma de

comunicação e expressão desde os primórdios do homem.

“Os primeiros elementos utilizados pelo homem primitivo para se comunicar e se expressar, antes da utilização da palavra foram sons e ritmos. Aos poucos, e por necessidade do próprio homem, essas manifestações rítmico-sonoras foram se transfor-mando e, de meio de comunicação e expressão, passaram a ser vividas também como experiência estética”. (Barcellos, 1982, p.6)

Mas entendemos que a atividade coral dentro de uma empresa não

tem a pretensão de ser apenas utilitária e muito menos de “curar”, mesmo porque para isso seriam necessários, além de um local apropriado, que também o maestro tivesse formação musicoterápica, o que em geral não é o caso. Nosso objetivo é a utilização da voz de uma forma estética. Na maioria dos momentos estaremos mais preocupados com a técnica e com o resultado final, que é a música de boa qualidade. Mas isso não impede que acreditemos ser a música um instrumento dos mais apropriados para fazer com que as pessoas melhorem o seu autoconhecimento, tornando-se mais comunicativas e criativas, e que utilizemos técnicas aplicadas na musicoterapia para desenvolver um trabalho que envolva o ser humano como um todo, não só artisticamente, mas também com objetivo de auxiliar o seu crescimento.

Ao trabalharmos com a voz estamos inevitavelmente trabalhando com o corpo, e por isso a atividade canto coral não se limita ao ato de cantar, mas envolve muitos outros elementos importantes relacionados à vida das pessoas.

“...não se pode dissociar um trabalho sobre voz de um trabalho total sobre o corpo. É preciso especificar bem que quando se fala em corpo, fala-se de sua totalidade. O que não quer dizer que deve-se encarar o corpo com uma panacéia. O que deve haver é um trabalho total do indivíduo.” (Benenzon, 1988, p.94)

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A possibilidade de o homem poder expressar seus sentimentos

através de uma linguagem não-verbal como a música é muito valiosa e traz uma sensação gratificante que o impulsiona a novas manifestações expressivas, criando-se assim um círculo vicioso que resultará em mudanças de comportamento. Sobre essa questão de mudança de comportamento e influências culturais e sociais do processo musical, escreve o musicoterapeuta Even Ruud em seu livro Caminhos da Musicoterapia:

“Possivelmente, num futuro próximo, possamos necessitar de um ‘ser humano improvisador’ como uma base para o ser humano atuante, que possa viver num processo onde a estabilidade e a segurança interna, como pressuposição e resultado de sua capacidade de improvisar, possibilitem a flexibilidade psíquica. Para que isso ocorra torna-se necessário uma pessoa não apenas apta a se reajustar num mundo em mudança, mas uma pessoa que, em suas categorias verbais, absorveu uma extensa porção da realidade e onde a base para a experiência inclua reações corporais, novos textos psíquicos, assim como a compreensão dos processos culturais e suas interações com as estruturas políticas e econômicas da sociedade. Se a musicoterapia se entende como uma parte do movimento cultural e não apenas como uma profissão de tratamento, ela pode ser uma importante contribuição à formação de tal conceito humano.” (Ruud, 1990, p.101)

Cantar é um ato de despertar, abre-nos novos horizontes, nos leva

a um futuro que esperamos viver e torna o presente mais prazeroso. Todo este processo certamente contribuirá para melhorar a qualidade de vida do funcionário, que será mais sensível, realizado, terá mais saúde e, conseqüentemente, produzirá mais.

2.5 Conclusão

Como vimos neste capítulo, o ato de cantar é muito mais complexo do que se imagina e está presente desde o início da vida do ser humano.

Dentro de uma empresa, o coral pode estimular a musicalização das pessoas, influindo nos processos psíquicos, físicos e emocionais dos coralistas através dos exercícios inerentes à atividade coral, e possibilitar a interação e a socialização das pessoas, formando um grupo unido. Estudos dos vários especialistas citados neste capítulo comprovam que quem se expressa através da linguagem musical alcança

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resultados surpreendentes, como a superação de problemas e o desenvolvimento da criatividade.

Mais do que isso, todo esse aprendizado tende a ser posteriormente aplicado na vida de cada um, seja em sua rotina de trabalho, seja em sua vida particular. Enfim, o coral é um laboratório bastante eficaz onde o funcionário poderá trabalhar muitos dos ingredientes citados no programa de Qualidade Total, resultando numa qualidade de vida melhor para ele e para a comunidade em que vive, com reflexos diretos em seu trabalho na empresa.

A atividade coral exerce grande e significativa atração sobre o funcionário não só pelo repertório, mas também pela oportunidade de eventualmente subir num palco para uma apresentação dentro ou fora da empresa. Essa atração se dá também pelo fato de estarem realizando um trabalho que lhes proporciona um maior conhecimento de suas próprias faculdades vocais, compreendendo o domínio rítmico, melódico e polifônico, além da prática mais consciente do ato de cantar, que engloba técnica respiratória e relaxamento corporal.

Tudo isso tem como conseqüência um aumento considerável de autocontrole e autoconfiança, melhorando o relacionamento dos funcionários coralistas dentro e fora do grupo. Não há como negar que a atividade coral dentro da empresa é um importante fator de integração social, que, por sua vez, de acordo com o proposto pela filosofia da Qualidade Total, está diretamente relacionado com o aumento e melhoria da produtividade na própria empresa. Forma-se um grupo orientado para a cooperação, que vai criar laços de amizade e facilitar a comunicação entre seus membros, possibilitando que o trabalho em grupo se realize.

Por isso, para levar as pessoas a uma dedicação e auto-superação de seus limites, tornando os ensaios momentos prazerosos e alegres, o regente deve ser um incentivador, criando um ambiente positivo. O mesmo deve acontecer na administração da empresa, onde o gerente precisa cativar as pessoas pela emoção, fazendo com que o trabalho seja encarado como um prazer diário e não como uma rotina desmotivadora.

O problema é que a grande maioria das pessoas, como vimos no livro de Violeta H. de Gainza (1977), acredita que só nas artes encontra-se a emoção, dissociando este sentimento tão importante de outras atividades, como a administração de uma empresa, por exemplo. Mas o que se percebe na prática é que, mesmo lidando com coisas não tão abstratas quanto as artes, a emoção tem que estar presente em todas as atividades, pois caso contrário o fazer pode tornar-se mecânico e sem atrativos.

Devemos, na medida do possível, estimular as pessoas a ter prazer no trabalho. E, para se conseguir a motivação dos funcionários para o trabalho e buscar a qualidade, inevitavelmente terá que se mexer com a

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emoção das pessoas. E a filosofia da Qualidade Total nos mostra que um dos segredos para alcançar o sucesso é fazer com que o trabalho, seja ele qual for, envolva emocionalmente todo o grupo.

Por outro lado, os princípios de musicalização ensinados dentro de um coral de empresa também ajudam o desenvolvimento psicomotor das pessoas. Sabe-se que ao aprender música o indivíduo desenvolve a coordenação motora e a capacidade de memória e concentração. Espe-cialistas também acreditam que a pessoa passa a ter um sistema nervoso mais refinado, mais preciso e aguçado, o que vai torná-lo um melhor profissional em qualquer área.

Alguns regentes, como Walter Lourenção, também psicólogo, sociólogo e filósofo, ex-diretor do Departamento de Música do Museu de Arte de São Paulo, acreditam que a música torna as pessoas mais aptas para o trabalho, aproximando-as das qualidades necessárias a gerenciar uma empresa ou a própria família.

Aliás, Walter Lourenção é o responsável por um trabalho pioneiro. Apresentando-se ao vivo com orquestras em treinamentos e cursos empresariais, ele especializou-se em mostrar a esse público diversas se-melhanças entre o funcionamento de uma orquestra e a organização de uma empresa, citando, durante as apresentações, como os conceitos de gestão empresarial se aplicam às orquestras e vice-versa.

Segundo ele, em entrevista com Juliana Ricci, publicada na Revista Manager Magazine (1998), para se obter sucesso, um dos requisitos básicos é que a orquestra não seja formada por um grupo de solistas, mas sim por pessoas capazes de solar e que, ao mesmo tempo, saibam se envolver no trabalho do grupo. E o regente deve ser não apenas um controlador, mas um líder, capaz de levar o conjunto ao sucesso que ele se propôs.

Ele acredita que a mentalidade e a motivação que devem ter os funcionários de uma empresa são semelhantes às dos músicos de uma orquestra. No caso da empresa, boa parte disto está implícito no trabalho do dia-a-dia, mas o funcionário, assim como o músico, precisa se atualizar.

“Cada trabalho é treinamento para o próximo, mas nada impede que fora disso ele se atualize, se reavalie objetivamente, mude de atividade, descubra um talento que não foi despertado ainda, modifique seu repertório de atitudes, enfim, não pode ser levado pela rotina. Se isso acontecer, ele está perdido.” (Lourenção, in Ricci, 1998, p.28)

Isso se aplica a funcionários de uma empresa da mesma forma

como se aplica aos músicos de uma orquestra. Mesmo porque quem não

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se atualiza pode sair fora dos padrões de qualidade da empresa ou da orquestra, sendo, mais cedo ou mais tarde, expurgado do grupo.

Além disso, Lourenção acredita que os músicos de uma orquestra, assim como os funcionários de uma empresa, devem se comportar como uma família. O termo família, neste caso, significa ter objetivos comuns e estar disposto a criar uma tradição, atingir um futuro remoto, enfim, ter uma missão a ser cumprida. Para ele, a orquestra, assim como a empresa, deve ser formada por um grupo heterogêneo, que tenha plena confiança em si mesmo e, se for preciso, entre em conflito. Isto tem um lado bastante positivo.

“Quando a gente seleciona músicos, não quer que um seja a reprodução do outro,

queremos que sejam diferentes, como pessoas e com relação ao estilo musical. Nas empresas acontece do mesmo jeito.” (Lourenção, in Ricci, 1998, p.28)

Como vimos, uma orquestra ou coral de empresa e uma empresa possuem semelhanças, não só em aspectos referentes à gestão, como citou Walter Lourenção, mas também na maneira como são constituídos os grupos que os formam e o trabalho que desenvolvem. Além disso, particularmente no caso do coral de empresa, pode-se despertar nos funcionários um maior cuidado para aspectos de saúde e criatividade que acabam passando despercebidos devido à sua estressante rotina diária. Enfim, depois de tudo o que vimos, podemos afirmar que a música, mais do que uma diversão, pode ser uma atividade altamente pedagógica.

O coral também pode ser visto como uma forma de disseminar a história da empresa entre os funcionários e a comunidade. Sabemos que a música, como qualquer outra atividade cultural, tem forte relação com o processo histórico que vivemos. No Brasil, podemos citar muitos exemplos de movimentos que se identificaram com o momento político e histórico vivido, como a Bossa Nova, que refletia a beleza dos “anos dourados”, ou o Tropicalismo, que mostrava, através da poesia e das metáforas, a dureza dos anos de regime militar.

Ao cantar, o povo fala das suas emoções, alegrias, tristezas, frustrações, ambições, esperanças e vontades. A música pode levar o funcionário integrante do coral a ter os mais variados sentimentos, criando um forte elo entre o ser humano e o universo sonoro. O funcionário coralista extravasa através da música os seus sentimentos. O coral passa a ser um veículo de auto-expressão onde se somam as emoções de todos os seus integrantes numa grande unidade. O hino e jingles comemorativos da empresa, que costumam fazer parte do repertório do coral, também são uma forma de fazer esta ligação entre a organização e o funcionário, que através da música conhece um pouco mais sobre a empresa em que trabalha e a sua história, ao mesmo tempo que se sente um elemento integrante dela.

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3. Relato de um caso - Coral da Cia. Brasileira de Petróleo Ipiranga Este capítulo decorre de uma pesquisa de campo baseada em

observação participante de ensaios e apresentações, acrescida de todos os ingredientes preparatórios concernentes, inclusive observações e entrevistas com coralistas, gerentes da empresa e uma pianista ensaiadora, colhidas no decorrer do presente ano.

Em 1996 fui contatado pela Cia. Brasileira de Petróleo Ipiranga − CBPI, através do Sr. Fernando Guimarães, na época gerente geral de Recursos Humanos, para criar um coral, e logo percebi que tal idéia era baseada numa questão que indica uma forte filosofia da empresa: a valorização do funcionário. O projeto por mim apresentado foi posterior-mente aprovado pela diretoria e nele constava a contratação, além do maestro, de quatro monitores vocais −um para cada naipe−, um pianista e um percussionista que estaria presente somente nos ensaios gerais e nas apresentações.

Nesse primeiro contato, além de conversar sobre corais de empre-sas em geral, o Sr. Fernando Guimarães levou-me para visitar os espaços destinados à cultura e lazer dos funcionários, como auditório, refeitório, bar - local onde uma vez por mês as sextas-feiras acontecia um happy hour musical, e quadras de esportes. E, ao perguntar-lhe sobre o motivo que estaria levando a Empresa a querer criar um coral, ele respondeu:

“Porque o coral integra as pessoas não pelo trabalho, mas

pela cultura e pelo lazer, e além disso o coral dentro de uma empresa é motivo de orgulho para os funcionários que vêem a empresa tendo uma representatividade no âmbito da cultura e não apenas na questão do próprio negócio. Eu diria que é outra imagem da empresa. É uma imagem mais fina, mais delicada, mais culta e extravasa um pouco daquela relação de trabalho e salário do dia-a-dia.” (Comunicação pessoal, março de 1999)

O Sr. Fernando Guimarães acreditava que a participação de um

coral de funcionários nas comemorações dos 60 anos da Ipiranga seria a grande força propulsora da desejada “emoção” que ele tanto sentiu falta na festa do ano anterior, onde a atração da noite foi um show do conjunto Roupa Nova. Acreditando que esta emoção é crucial para o sucesso de uma verdadeira comemoração, o Sr. Fernando Guimarães teve a idéia de fazer a solenidade de abertura da festa dos 60 anos com um coral de funcionários.

Vimos, portanto, que as duas primeiras preocupações do Sr. Fer-nando Guimarães ao criar o Coral eram: dar mais emoção às comemo-

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rações dos 60 anos da Ipiranga e possibilitar aos funcionários um espaço para maior integração. Em entrevista concedida para este trabalho, ele falou sobre a filosofia da Empresa de valorizar a qualidade de vida dos seus funcionários:

“A Ipiranga tem uma cultura humanista fora dos padrões

normais. Evidentemente, tem pessoas que não estão inseridas dentro desta cultura, mas ela, como uma empresa orientada pela própria diretoria e acionistas, é uma empresa humanista”. (Comunicação pessoal, março de 1999)

Esta filosofia também foi fortemente percebida pelo funcionário

Jaci Guilherme Dias Filho, que é um dos gerentes da Divisão de Informática e trabalha há 14 anos na Empresa. Apesar de nunca ter cantado no Coral, ele acompanhou a evolução do trabalho desde o início e relatou em entrevista concedida para esta dissertação:

“Uma das coisas que eu notei logo que eu entrei na Ipiranga

foi uma grande valorização e preocupação com o ser humano. Com isto você tem uma sensação de estar em casa. E o Coral contribui muito neste sentido, permitindo que o funcionário participe, fazendo alguma coisa em nome da empresa ao mesmo tempo que está tendo lazer e realizando arte” (Comunicação pessoal, julho de 1999)

Acreditamos que a filosofia da Qualidade Total orienta esta cultura

humanista, freqüente na administração contemporânea que se preocupa com o bem-estar dos funcionários. Como vimos no primeiro capítulo deste trabalho, tal filosofia é regida por alguns princípios propostos por Edward Deming, que revolucionou a administração ocidental e oriental. E um dos 14 princípios estabelecidos por ele trata justamente dessa necessidade de envolver todos os funcionários nos processos criativos e produtivos da empresa. “Engaje todos da empresa no processo de realizar a transformação. A transformação é da competência de todo mundo” (Deming, 1990, p.19).

Neste caso específico, a transformação inicial será a da estrutura da festa de aniversário da Ipiranga, que antes contava com grandes atrações externas, mas, segundo ressaltou o Sr. Fernando Guimarães, carecia de emoção. A companhia então resolveu buscar esta emoção dentro dela mesma, no caso, nos funcionários.

A idéia dada inicialmente pelo Sr. Lincoln Brandão Alves, atual diretor da Sociedade de Empregados da Ipiranga, que apresentou o projeto da criação de um coral de funcionários à diretoria, foi inicialmente negada, pois acreditava-se que este fosse um projeto caro para ser mantido pela SEI. Então, o Sr. Fernando Guimarães, que sempre

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quis criar um coral nas empresas onde trabalhou, esperou o momento ideal para reapresentar este projeto; no caso, a festa dos 60 anos da Ipiranga.

A participação na comemoração dos 60 anos da Ipiranga tornou-se então a primeira motivação dos funcionários que participam do Coral, pois ao assumirem uma responsabilidade dessa relevância dentro da Empresa eles começaram a ter consciência da importância do seu papel para o sucesso do produto final da organização − nesse momento, a festa. 3.1 A Festa - A identificação de uma motivação

Sem dúvida nenhuma, a responsabilidade de cantar no Canecão na festa dos 60 anos, para todos os funcionários da Empresa e toda a diretoria, foi uma grande motivação que ajudou muito na fase de formação do Coral da Ipiranga.

Começamos nosso trabalho em junho de 1997 e tivemos, portanto, menos de quatro meses para preparar as cinco músicas que seriam cantadas na festa. Escolhemos o samba “Berimbau”, de Baden Powell, com arranjo de Arlindo Teixeira, e o maracatu “Verde Mar de Navegar”, do compositor pernambucano Capiba, com arranjo do também pernambucano maestro Duda. Estas duas músicas, apesar de não terem um alto grau de dificuldade, produziram grande impacto por serem dois ritmos fortes que rapidamente cativaram os coralistas, que demonstravam grande prazer em cantá-las.

Também preparamos, estrategicamente, um arranjo para duas músicas que foram criadas pela agência de publicidade da Ipiranga : o jingle de 60 anos da empresa e a canção “Amigos”, espécie de hino da organização. Estas músicas tiveram um forte poder de apelo no grupo de funcionários. Em sua entrevista, o Sr. Fernando Guimarães nos contou que, após a apresentação do Coral na festa, ouviu comentários como o do Sr. João Pedro Gouvêia Vieira Filho, membro do comitê executivo da Ipiranga: “A emoção foi tão grande que parecia que a Ipiranga toda estava ali naquele palco”. Também o Sr. Pedro Paulo Rodrigues Salvador, funcionário há nove anos e meio da Ipiranga na área de infra-estrutura tecnológica da Divisão de Informática, e coralista assíduo desde a criação do Coral até os dias de hoje, comentou:

“Logo depois da primeira apresentação, na festa dos 60 anos

no Canecão, vários colegas vieram me cumprimentar, dizendo com

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grande empolgação que o Coral tinha ‘arrebentado’.” (Comunicação pessoal, maio de 1999)

O que percebemos foi que a apresentação do Coral nesta festa foi

um desafio e uma grande motivação para os funcionários que estavam participando. Devido ao pouco tempo de preparação que tivemos − foram apenas quatro meses − as pessoas deram tudo de si para que o resultado fosse o melhor possível. E, segundo a filosofia da Qualidade Total, o desafio é um importante motivador para que as pessoas encontrem novas soluções para os problemas do dia-a-dia. No caso, o Coral era uma responsabilidade que tinha sido assumida por todos e que deveria ser bem cumprida.

Entendemos que o Coral conseguiu unir os funcionários partici-pantes em torno de um objetivo comum: o sucesso da sua apresentação na festa dos 60 anos da Ipiranga. E a criação do Coral, segundo relatou o Sr. Fernando Guimarães, foi o melhor caminho encontrado pela Empresa para obter maior integração dos funcionários:

“O Coral tem um poder mágico de mostrar a face nobre da

Empresa. O que é a Ipiranga? É o posto de gasolina? É a sigla do I? São os escritórios? A Ipiranga tem que ter alguma coisa que possa materializar a sua existência. Eu acho que o coral é o que mais traduz a filosofia e a nobreza de uma empresa. É algo de classe e de categoria. É um orgulho para todos os funcionários, mesmo para aqueles que não cantam, mas que assistem e admiram.” (Comunicação pessoal, março de 1999)

3.2 A Relação dessa Motivação com a Qualidade Total

A responsabilidade colocada em torno da participação do Coral

recém-criado num evento de tal importância como foi a festa dos 60 anos da Ipiranga muito influenciou na motivação dos funcionários que, além do pouco tempo que tinham para aprender tantas coisas novas, tiveram que lidar com a descrença de muitos colegas quanto ao sucesso deste empreendimento. O depoimento da Sra. Simone Signoret, secretária da Divisão de Serviço de Marketing e que há oito anos trabalha na CBPI demonstra bem essa visão:

“Eu nunca havia cantado num coral antes e imaginava que

fosse completamente diferente. Acho que no começo, inclusive, teve muita descrença por parte de várias pessoas, achando que a

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gente não fosse conseguir um resultado com tanta qualidade como saiu na festa no Canecão. Eu adorei a experiência.” (Comunicação pessoal, maio de 1999)

Entendemos que tal responsabilidade faz parte do princípio da

delegação de competência, inserido na filosofia da Qualidade Total. Ao criar o Coral, a Ipiranga, que antes organizava e produzia a festa para os funcionários, mas sem um envolvimento maior deles, delegou-lhes uma parte da tarefa e os envolveu com o resultado global do evento. As pessoas tiveram consciência da importância do seu trabalho, pois sabiam que se alguma coisa fracassasse poderia afetar todo o resto. Desta forma, o funcionário coralista sentiu-se prestigiado por estar participando de algo tão marcante na história da Ipiranga como a comemoração dos seus 60 anos. No Coral todos eram representantes da Ipiranga, e iriam expressar com a música seu pertencimento à empresa.

Além disso, o desafio incentivou o trabalho de equipe, aproximando mais rapidamente os funcionários e possibilitando a sua integração, uma das metas da Ipiranga ao criar o Coral. No Coral também conseguimos remover as barreiras hierárquicas, porque durante os en-saios não existe divisão entre chefes e subordinados, os coralistas são apenas colegas de trabalho. Como vimos na primeira parte desta dissertação, a necessidade do trabalho em equipe está entre os princípios da filosofia da Qualidade Total. Para se conseguir melhores resultados é preciso que a organização incentive a cooperação e não mais a competição destrutiva que, certamente, irá afetar os resultados da empresa.

Entendemos que a criação do Coral para ser uma das atrações da festa dos 60 anos da Empresa está relacionada com a filosofia de administração com Qualidade Total realizada pela Ipiranga. Ao dividir com os funcionários a responsabilidade pelos resultados do evento, a Empresa utilizou vários ensinamentos dessa filosofia. Um dos teóricos da filosofia da Qualidade Total, Luiz Cesar Barçante (1998), diz que as empresas que desejam atingir a qualidade total devem saber “passar o bastão”, desenvolvendo uma verdadeira parceria com os funcionários, valorizando o trabalho em equipe. Já o teórico Deming (1982), em seu 9º princípio, fala da necessidade de se eliminar as barreiras entre os vários departamentos, o que também pode se aplicar às barreiras entre chefes e subordinados, pois a integração dos funcionários, segundo a filosofia da Qualidade Total, é um dos pontos essenciais para que o trabalho flua melhor.

Além disso, com a implantação do Coral, a Ipiranga também esti-mulou a formação e o auto-aprimoramento dos funcionários, permitindo

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que eles obtivessem conhecimentos musicais, o que para a maioria dos participantes do Coral era novidade.

“Eu me surpreendi com toda a técnica que existe por trás de

um coral. Muitos acham que é só chegar lá e cantar como você canta em baixo do chuveiro, e não é bem assim. Eu me surpreendi com a seriedade com que esse trabalho é levado.” (Comunicação pessoal, maio de 1999)

O depoimento acima, da ex-coralista Sra. Simone Signoret,

demonstra que o coral também é uma oportunidade para muitos de aprenderem algo novo em suas vidas, no caso a música e o canto. O depoimento do Sr. Pedro Paulo Rodrigues Salvador para este trabalho também enfatiza isso:

“Eu também estava procurando através da atividade coral

ampliar a minha cultura geral, pois esta atividade dá margem a muito conhecimento de música e de história, seja da música, da arte, da civilização, etc...Eu gostava muito de assistir aos ensaios do Coral Infantil, na preparação para a festa dos 60 anos, pois lá você era super didático, e acabava me esclarecendo certas coisas que eu não tinha coragem de perguntar. E meus dois filhos que cantaram nesse coral até hoje me cobram quando é que a Ipiranga vai reativar o grupo infantil.” (Comunicação pessoal, maio de 1999)

Aliás, a criação do Coral Infantil para participação na festa dos 60

anos também foi outra iniciativa da Ipiranga com base na filosofia da Qualidade Total. A Empresa estava trazendo para dentro dela a família do funcionário e, desta forma, conseguindo ampliar o envolvimento emo-cional dos empregados.

“Para esta festa também criamos um Coral Infantil, formado

por filhos de funcionários. A criança traz um sentido muito lírico, porque você vê os pais com os filhos, no mesmo cenário, dando a sensação de uma grande família.” (Fernando Guimarães, comunicação pessoal, março de 1999)

No Coral Infantil também contamos com o apoio de uma monitora

e de uma pianista, e adaptamos os arranjos para a inclusão das vozes infantis. Este Coral garantiu ainda mais o caráter emotivo do evento, mas, infelizmente, não teve continuidade após a festa, principalmente pela dificuldade de se encontrar um horário compatível aos participantes, que também dependiam dos responsáveis. A mobilização dos pais para a realização dos ensaios aos sábados era extremamente desgastante.

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Vimos portanto, que o Coral, de acordo com a filosofia da Qualidade Total, serviu como uma nova oportunidade de expressão, não só dos funcionários, mas também de seus familiares. E o excelente resul-tado obtido na festa também provocou uma transformação na mentalidade de muitos funcionários não participantes do coral que não acreditavam no sucesso desse trabalho.

“A primeira tensão mesmo foi a nossa estréia no Canecão,

pois a responsabilidade era grande e não se tinha idéia de qual seria a repercussão entre os colegas da Empresa, pois muitos não acreditavam no sucesso do Coral. Mas, depois da calorosa receptividade que houve, as pessoas relaxaram positivamente em relação às apresentações seguintes.” (Comunicação pessoal, maio de 1999)

O relato da funcionária Simone Signoret demonstra que as pessoas

passaram a acreditar e a respeitar o trabalho coral depois que lhes foi oferecida a oportunidade de conhecê-lo melhor. 3.3 O Início do Trabalho - a formação do grupo

Foi feita uma pesquisa para saber quantos funcionários estariam

interessados em participar do Coral com o primeiro objetivo definido, que seria a participação na festa comemorativa dos 60 anos da Ipiranga. Tivemos 80 interessados, que foram convocados para um primeiro encontro, onde expusemos como seria nosso trabalho e buscamos desmistificar a atividade coral, uma vez que muitos tinham uma idéia equivocada do que era ou poderia vir a ser um coral.

Procuramos mostrar aos funcionários que o Coral seria um espaço que a Empresa estava oferecendo não somente para se cantar, mas que esta atividade poderia contribuir positivamente na socialização e no desenvolvimento da emoção, sensibilidade e cultura de seus

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participantes, além de propiciar uma oportunidade de poder levar o nome da Empresa à comunidade, fazendo inclusive ações sociais como cantar em orfanatos, asilos, levar música a escolas públicas, etc..., além de estar, é claro, presente de forma mais participativa nas festividades da Empresa. Para melhores resultados, foi da maior importância a utilização de um mecanismo que nos possibilitou tomar os rumos adequados adotando o seguinte modelo de ficha de inscrição:

CORAL IPIRANGA Ficha de Inscrição

Nome................................................................................................ Endereço .......................................................................................... Telefone ........................................................................................... Setor de Trabalho ............................................................................. Data de entrada no Coral .................................................................. Classificação da voz ......................................................................... 1) Já possui alguma experiência anterior com música? Caso afirmativo,

qual? 2) O que gostaria de cantar num coral? Que tipo de música? 3) O que espera de um coral?

Com a avaliação dessas fichas de inscrição tivemos condições de adequar o trabalho com a escolha de um repertório que, ao mesmo tempo que atendesse ao gosto dos coralistas, tivesse a função de aprimorar seu gosto artístico e sensibilidade, qualidades estas que futuramente, a curto, médio ou longo prazo, extrapolariam para os companheiros não integrantes do coro, para os seus superiores (nos diversos setores de cada um) e finalmente para seus familiares e futuro público potencial − a comunidade.

E nesse mesmo dia, juntamente com a equipe dos quatro monitores e pianista, fizemos a classificação vocal de cada coralista. Apesar da pouca experiência e do conhecimento formal da música quase nulo, pudemos perceber que se tratava de um grupo com um potencial musical muito bom e ficou combinado com todos que começaríamos o nosso trabalho ensaiando duas vezes por semana, na hora do almoço.

Logo no primeiro ensaio começamos a aprender o maracatu e o samba; mais adiante, acrescentamos ao repertório o jingle de 60 anos e a canção “Amigos”, além de uma pequena peça folclórica africana. Com

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isto, o repertório para a grande festa estava delineado, sendo que, tão intenso quanto o trabalho com essas músicas, foi o esforço para desenvolver a musicalidade de todos.

Como já vimos no segundo capítulo desta dissertação, a educação brasileira não privilegia o conhecimento formal da música. Em entrevista concedida para este trabalho, a pianista Tereza Madeira, integrante da nossa equipe, relatou:

“Eu já trabalhei em corais comunitários quando morei na

cidade de Iowa, nos Estados Unidos, e a gente sente uma grande diferença no que diz respeito à educação musical, pois no Brasil ela ainda é muito deficiente. Lá, mesmo num coral comunitário formado por pessoas amadoras, a grande maioria tinha conhecimento de teoria e leitura musical. O que eles vão fazer com aquilo depois é uma incógnita, mas eles têm acesso a esse conhecimento, e é isso que eu acho importante. Aqui a gente sente que as pessoas vêm para o coral de empresa muito cruas”. (Comunicação pessoal, junho de 1999)

Esta educação à qual se refere a pianista Teresa Madeira é o que

chamamos de educação formal da música, que, como sabemos, é geral-mente bem difundida nos países do primeiro mundo. No entanto, no Brasil, apesar desta educação formal da música não atingir a maior parte da população, nos deparamos com um povo extremamente musical, e isto se deve a uma forte educação não-formal da música. Entendemos que o responsável dessa musicalidade é justamente o pertencimento do brasileiro, muito freqüentemente, a vivências musicais em grupo, como a roda de samba, a roda de choro, as igrejas e a manifestações musicais populares como Maracatu, festas de São João e Carnaval, entre outras. Assim como estas manifestações citadas, também a atividade coral é uma atividade musical coletiva, desta forma possibilitando que se realize uma passagem de uma educação não-formal para uma educação formal, já que o coro pode permitir que o código musical seja conhecido a partir da experiência informal da música, que, como vimos, é natural à cultura brasileira. O coral potencializa nas pessoas o que elas já têm de habitual, que é uma experiência musical coletiva, e sistematiza gradativamente os conteúdos formais. Obviamente que nossa maior intenção através da atividade coral numa empresa, em geral, não é atingir mais profundamente uma educação formal da música com os coralistas, embora sempre exista, ainda que latente, uma tendência de aproximá-los destes códigos.

Entendemos, por isso mesmo, que o coral no Brasil pode acabar servindo para a grande maioria das pessoas como um eficaz auxílio no seu progresso cultural e educacional. Como vimos no segundo capítulo,

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a musicalidade desenvolve muitos fatores importantes na vida das pessoas, como a memória, a percepção, o ritmo, a sensibilidade, enfim, aspectos que são de extrema importância para o desenvolvimento e formação do indivíduo. 3.4 Estratégias de Condução do Trabalho

Procuramos a utilização de vários artifícios para que os

funcionários coralistas pudessem sintonizar o mais rápido e da melhor forma possível com a atividade coral. Logo no início das atividades trouxemos algumas fitas de vídeo e gravações mostrando diversos grupos vocais interpretando diferentes estilos de música, principalmente a música popular, para surpresa e empolgação de muitos que não sabiam ser possível realizar este tipo de música com um coral. O depoimento do funcionário e coralista Pedro Paulo Rodrigues Salvador ilustra bem esse pensamento:

“Quando eu me inscrevi para participar no Coral eu

imaginava que seria um negócio mais clássico, como o Coral da refinaria do Rio Grande, que já veio se apresentar na sede aqui do Rio. Para minha grata surpresa, nós adotamos um estilo moderno e atual, e o repertório, principalmente agora, está muito legal, com ênfase na música brasileira com canções de Caetano, Milton Nascimento e Gilberto Gil, entre outros, e isto está agradando a todos. O repertório tem que estar em sintonia com o que o pessoal gosta.” (Comunicação pessoal, maio de 1999)

Este depoimento retrata o espanto da grande maioria dos coralistas

no que se diz respeito ao caminho escolhido para o desenvolvimento do trabalho do Coral, uma vez que este baseou-se, em sua maior parte, na música popular. Assim como na unidade anterior percebemos que o coral permite uma passagem entre a educação musical não-formal e a formal, entendemos que o coro também é um elemento interessante para estabelecer uma passagem entre o popular e o erudito, funcionando como um dispositivo que permite que estas duas culturas, geralmente separadas, possam se comunicar. Este mesmo fato também é ressaltado pelo Sr. Jayme Henrique Sieppel, atual gerente de Recursos Humanos da Ipiranga:

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“A experiência que eu tinha com o elemento coral dentro da Ipiranga era com o Coral do Rio Grande, que eu diria que é um coral nos moldes tradicionais. O que de fato eu fiquei surpreso, quando comecei a trabalhar no Rio de Janeiro e tive os primeiros contatos com o Coral daqui, foi a diferença de foco dos dois corais. O Coral daqui me parece mais moderno. Ele te coloca mais dentro da realidade do momento. As músicas são mais modernas e atualizadas e, portanto, fazem com que as pessoas sintam-se muito mais integrantes. O coral para mim, até então, era aquela coisa tradicional e isso me chamou muito a atenção.

Se você seguir uma linha de repertório muito fora da realidade do mundo em que as pessoas estão vivendo, voltar-se muito para o passado ou demais para o erudito, você estará eventualmente criando uma dificuldade. A escolha do repertório adequado é crucial para a manutenção do trabalho. O grande desafio para a manutenção do coral não é a empresa continuar ‘patrocinando o coral’, mas é o gerenciamento desta questão, ou seja, o maestro e sua equipe terem a sensibilidade aguçada e antecipada para perceberem que determinado tipo de repertório vai ter maior ou menor adesão e, portanto, maior ou menor satisfação.” (Comunicação pessoal, maio de 1999)

Das duas opiniões formuladas em relação ao tipo de repertório,

provindas de um gerente e de um funcionário coralista, vimos que ambos afinam no sentido da grande utilidade de uma escolha de repertório que abranja não só um dos lados, mas sim os dois lados: o lado popular, que faz parte do dia-a-dia que está em voga, e o lado clássico, que é uma forma de fazer o corista ter um contato com os tesouros já estratificados da melhor cultura do passado. Evidentemente que a nossa opinião é exatamente esta, e por isso já vínhamos adotando este caminho. As opiniões citadas apenas confirmam que a linha que nós temos adotado é a linha certa. Percebemos também que o popular de hoje pode ser o clássico de amanhã, assim como o melhor do popular do passado se tornou clássico hoje. Portanto, juntando essas duas idéias e tendo a sensibilidade e sorte de acertar na escolha do repertório, estamos sedimentando o melhor caminho não só para o bom resultado do coro, mas especialmente para o desenvolvimento cultural dos seus participantes, que, pelo fato de participarem desta atividade, contagiam os outros que não participam mas vão ouvi-los. Então, há uma cadeia positiva de somatório: nós plantamos no coralista que vai se apresentar e ele tira proveito disto, ao mesmo tempo que na sua apresentação ele faz com que o público ouvinte aproveite também, criando-se então um círculo virtuoso e positivo que mostra ser esse o caminho mais adequado para o desenvolvimento do trabalho.

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Outra estratégia que aplicamos, e que consideramos crucial para o sucesso deste tipo de trabalho, foi dedicar a primeira parte do ensaio para fazer um trabalho de relaxamento físico e mental, que serve para aliviar as tensões do dia-a-dia, através de exercícios de respiração, alongamento e massagens que os colegas fazem uns nos outros. Aliás, isto é de extrema importância para o início dos ensaios, pois, como vimos, as pessoas saem das atividades mais diversas possíveis para ensaiar, e portanto, podem chegar com níveis de motivação bem diferentes. Daí ser crucial ajudar os coralistas a controlar o estresse e animá-los para mais esta atividade, que, mesmo sendo prazerosa, não deixa de ser uma tarefa em sua rotina.

O depoimento da ex-coralista Sra. Simone Signoret nos faz entender a importância do relaxamento para o estado emocional dos coralistas:

“Eu sempre voltava para o trabalho depois dos ensaios mais

animada, com muito mais disposição. Era uma forma de desestressar. O início dos ensaios, com o trabalho de relaxamento, ajudava muito no sentido de desligar um pouco dos problemas, e quando voltamos para o trabalho estamos mais animados e com mais pique. O Coral me deixou mais bem-humorada, inclusive na minha vida pessoal, além de ter despertado em mim uma sensibilidade maior para perceber a música.” (Comunicação pessoal, maio de 1999)

Os benefícios do trabalho de relaxamento também foram

percebidos pelo funcionário Pedro Paulo Rodrigues Salvador:

“Quando foi feita a convocação, em 1997, eu e mais alguns colegas entramos no Coral, hoje me arrependo de não ter participado de uma atividade como esta há mais tempo. O fato de você extravasar alguma coisa do seu corpo te causa um relaxamento muito grande. Antigamente, eu extravasava raiva. Não era uma raiva de insatisfação com o trabalho, mas aquela ânsia de fazer o trabalho bem feito às vezes fazia com que eu entrasse em atrito com os meus colegas criando um clima muito tenso e estressante. Depois de um certo tempo no Coral eu mudei, e esta mudança foi notada inclusive na minha última avaliação onde consta uma melhora no relacionamento. Antes, nos momentos de maior pressão, eu não agüentava, acabava explodindo e perdia a cabeça. Hoje, após dois anos de Coral, essas situações difíceis do trabalho são muito mais facilmente contornadas”. (Comunicação pessoal, maio de 1999)

Vimos que este depoimento destaca a importância do coro como

elemento socializante, ajudando sobremaneira que os laços sociais se desenvolvam e fortaleçam; a isso soma-se um trabalho de relaxamento,

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constatado também pelo Sr. Jayme Sieppel como um item altamente positivo para a saúde física e mental dos coralistas:

“O Coral vem ajudando de forma importante no combate ao

estresse. O Coral vem sendo, neste momento, para aquelas pessoas que participam, uma espécie de válvula de alívio. Isto porque as pessoas conseguem, durante a sua jornada de trabalho, durante a pressão do dia-a-dia, um momento para descontrair e relaxar. O Coral e a música propiciam um momento para você extravasar um pouco. Entendo que o Coral tem servido como um grande elemento de apoio ao programa de qualidade de vida, porque se eu estou diminuindo o estresse das pessoas, se estou fazendo com que essas pessoas se sintam mais alegres, felizes e integradas, eu crio uma oportunidade delas conversarem sobre outros temas extratrabalho dentro da Empresa. Eu estou de fato colocando um elemento facilitador do processo de melhoria da qualidade de vida dessas pessoas dentro da Empresa.” (Comunicação pessoal, maio de 1999)

O gerente da divisão de informática, Sr. Jaci Guilherme Dias Filho,

relatou que:

“Na hora que termina o ensaio e muitos coralistas entram no restaurante para almoçar, dá para notar que eles estão com outro aspecto, em geral mais sorridentes e mais descontraídos. Acho que a Empresa deve continuar investindo em atividades artísticas.” (Comunicação pessoal, julho de 1999)

O atual gerente geral de Recursos Humanos da Ipiranga também

ressalta o fato de que as pessoas não participam de um coral de empresa apenas para cantar e se apresentar. Elas vão em busca de algo mais, como integração, relaxamento, descontração.

“Elas não vão ao coral simplesmente para cantar e participar

de um grupo de pessoas que vai fazer música em conjunto, preparar uma apresentação e representar a Ipiranga. O que eu percebo nos bastidores de quem vai ao coral é muito mais uma busca de harmonização e de um alívio, e de uma compensação do ponto de vista individual.” (Jayme Henrique Sieppel, comunicação pessoal, maio de 1999)

Percebemos que a música dentro da ótica da administração com

Qualidade Total é encarada como algo utilitário, ficando claro que a música para os empresários é um meio e não um fim, como veremos mais detalhadamente no item 3.5.

Depois do relaxamento, procuramos fazer também um trabalho para despertar a musicalidade dos coralistas. Através de vocalizes e

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exercícios, muitas vezes em forma de brincadeiras, desenvolvemos a percepção, o ritmo, a afinação, o controle vocal, a criatividade, a sensibilidade, etc. Enfim, percebemos na prática que o Coral é um excelente veículo para o despertar e desenvolvimento da musicalidade das pessoas.

Além de tudo isso, o Coral se beneficiou com alguns incentivos criados pelo antigo gerente geral de Recursos Humanos, Sr. Fernando Guimarães, que organizava eventuais sorteios de prêmios entre os coralistas mais assíduos. 3.5 A Relação da Empresa com o Coral

Não podemos esquecer em nenhum momento que a função do coral dentro de uma empresa é compensar a pesada e estressante rotina dos funcionários, funcionando como uma válvula de escape das tensões ou um harmonizador do espírito, fazendo com que os coralistas voltem ao trabalho mais leves e felizes e, desta forma, mais capacitados para encarar e superar os problemas do dia-a-dia, com indiscutíveis reflexos em sua produção. Por isso mesmo, além de ter um grande cuidado na escolha do repertório, em geral devemos ter uma agenda de apresentações não muito atribulada para que a função inicial da existência do coral dentro da empresa não fique deturpada.

Percebemos que, por um lado, temos os funcionários coralistas que vão ao coral buscando uma atividade prazerosa e desestressante, mas também com uma forte intenção de realizar música. Por outro lado, fica claro que o coral de empresa, sob a ótica empresarial, não tem como prioridade fazer música, pois, como vimos, para os empresários e administradores imbuídos da filosofia da Qualidade Total, a música é tratada como um meio e não como um fim.

Apesar disso, procuramos, dentro desta realidade em muitos casos fria e calculista, que prioritariamente visaria apenas maior produtividade, encontrar brechas para uma realização musical e artística. Dessa forma, vemos claramente quão contraditório é o discurso empresarial. A filosofia da Qualidade Total é muito bonita na teoria, mas na prática está submetida ao utilitarismo e aos esquemas de hierarquia e jogos de poder. Mas, apesar desta realidade, tivemos a oportunidade de constatar na prática o quanto a atividade coral dentro da Ipiranga tem resultado proveitosa para o bem-estar dos próprios funcionários. Com todas as limitações enfrentadas pelo Coral, acreditamos estar encontrando um

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caminho equilibrado e promissor no sentido da realização artístico-musical do mesmo, e isto fica evidenciado, principalmente neste terceiro ano de existência do Coral da Ipiranga, através de compromissos de maior relevância assumidos, como apresentações na Casa de Cultura Estácio de Sá (na Barra), no Teatro da Universidade Federal Fluminense, no Encontro de Corais do Sistema Firjan, no Paço Imperial, entre outras. Ao mesmo tempo, percebemos um grande amadurecimento do Coral, o que tem possibilitado uma ampliação no repertório, incluindo peças de maior grau de refinamento e dificuldade.

O atual gerente geral de Recursos Humanos, Sr. Jayme Henrique Sieppel, ressaltou em sua entrevista a visão empresarial, dizendo:

“Nós temos que ter em mente que o Coral ou qualquer outra

atividade que a Empresa tenha, em sendo parte de um processo que não é o processo da Empresa, sendo um processo que busca compensar o dia-a-dia pesado que todos nós temos, à medida que ele passa a gerar algum tipo de estresse por passar a ser um compromisso e uma responsabilidade, com uma agenda com muitas apresentações e requisições de todos os lados, eu acabo fazendo com que o objetivo pelo qual o Coral foi implantado, que seria aliviar a tensão, acabe mudando, pois eu acabo tendo mais uma pressão. E aí, aquele funcionário que ia para o Coral ensaiar e cantar para relaxar e se apresentar eventualmente, passa a ter mais um problema, que é ter que se preparar para uma agenda lotada. Então, eu acho que o caminho para a manutenção do Coral está exatamente na percepção de quem coordena as atividades para mantê-lo atendendo ao propósito para o qual foi criado. Na medida em que isso começa a inverter, nós passamos a ter um problema”. (Comunicação pessoal, maio de 1999)

É claro que é extremamente importante para a vida do Coral que

tenhamos eventuais apresentações, pois sem dúvida nenhuma estas funcionam como o melhor combustível para a continuidade da motivação, tão crucial para uma vida longa neste tipo de trabalho. Mas estas apresentações devem ser escolhidas a dedo, levando-se em conta a importância do evento, seja por alguma razão política, social ou cultural. Como vimos, de acordo com a declaração do Sr. Jayme H. Sieppel, nós e a equipe contratada para o desenvolvimento do trabalho coral na Ipiranga temos a autonomia para elaborar a agenda do Coral, mas percebemos que esta autonomia existe até o ponto em que esteja atendendo às necessidades da empresa:

“À medida que os coralistas estão prontos para apresentar

um repertório, isto precisa ser feito para que todos sintam a realização daquele investimento. Tudo isto sem fugir da esfera de

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compensar o estresse para ajudar na qualidade de vida. As eventuais apresentações são importantes também até para manter a motivação do pessoal. Se esta dosagem de apresentações e esse mix de compensações não for muito bem equilibrado, estaremos nos distanciando da proposta inicial do Coral dentro da Empresa. Eu acho que esse é o segredo para a gente manter o Coral funcionando bem, com as pessoas percebendo sempre uma ajuda no trabalho do dia-a-dia na Empresa; e individual, obviamente”. (Jayme Henrique Sieppel, comunicação pessoal, maio de 1999)

Na sua função de gerente, é mais do que justo que o Sr. Jayme

Sieppel exponha a sua posição de forma a preservar o interesse da Empresa como absoluto primeiro plano. Mas, apesar disso, em nossa posição como músico, temos procurado caminhos intermediários com os quais temos conseguido conciliar os interesses da Empresa com o que entendemos possa salvaguardar ambos os lados da questão. Isto é; apesar das limitações, os resultados também tem sido de modo a salvaguardar o interesse artístico-musical. A comprovação disso é facilmente verificável, tanto pela satisfação dos resultados do trabalho do coro por parte da Empresa como, por outro lado, pela visível satisfação dos funcionários participantes e do público presente às apresentações do Coral.

Outro aspecto interessante ressaltado pelo gerente geral de Recursos Humanos da Ipiranga, Jayme H. Sieppel, é o fato de poder-mos traçar um paralelo entre o funcionamento de um coral e o de uma empresa:

“O coral é uma forma de caricaturização de um processo de

gestão dentro da empresa. O maestro na hora do ensaio é um gestor, um gerente ou diretor de um grupo de pessoas que têm um objetivo comum: desenvolver com a melhor qualidade possível aquela música. Você, de forma lúdica, passa para as pessoas o funcionamento de uma estrutura organizacional que tem um objetivo definido. E esse é um dos pontos que nós estamos trabalhando muito dentro da Ipiranga. Você está no fundo, pegando as pessoas nos seus mais variados papéis e habilidades, fazendo com que cada uma delas desenvolva o melhor possível, no local adequado, com um objetivo comum. Isto é gerenciamento. A gente pode tirar dessa experiência não só o aspecto mais ligado à questão da melhoria da qualidade de vida, mas também uma boa experiência de gestão. Dessa forma você estará mostrando para as pessoas como e quão desafiante também é o papel de harmonia de gestão, o foco das pessoas por um objeto e por um objetivo em comum. Harmonizar os diversos interesses com um foco comum é uma função do gerenciamento”. (Comunicação pessoal, maio de 1999)

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Este depoimento nos faz acreditar que as empresas estão come-çando a perceber estas semelhanças, que já há algum tempo vêm sendo expostas ao mundo empresarial, através de um trabalho pioneiro feito pelo maestro e psicólogo Walter Lourenção, como vimos no segundo capítulo desta dissertação. Assim como Lourenção, o Sr. Jayme Sieppel entende que o regente do coral, assim como os gerentes e diretores de uma empresa, deve ser capaz de envolver todos no trabalho, criando um ambiente onde deve reinar a integração e a cooperação mútua entre as pessoas. Cabe, neste particular, ressaltar a diferença que se verifica, ao compararmos o produto do trabalho na empresa e no coral. O trabalhador na empresa, cumprindo a sua função, harmonizado com o seu departamento ou dentro de um determinado esquema, raramente vê ou tem o prazer do produto final pronto, a não ser pelas estatísticas de venda da organização, mesmo que receba prêmios pelo seu desempenho e eficiência. Já no coro, o fato se dá num outro nível. O coralista atua na construção, na criação, no desenvolvimento e no aperfeiçoamento, participando ele mesmo na colheita do produto final, recebendo diretamente a resposta do público, ao que se soma o prazer de sentir-se realizando o trabalho de uma forma afetiva muito profunda, num grau raramente atingido em sua função na empresa. Apesar destas virtudes e de nossos ideais como músico, devemos sempre ter em mente que a existência de um coral na empresa será sempre acessória à mesma em prol dos melhores valores humanos e sociais. 3.6 As Dificuldades Encontradas e de que Maneira Foram Enfrentadas

Uma das primeiras dificuldades que causou um certo impacto na

vida dos funcionários coralistas foi a questão do horário de ensaio, pois duas vezes por semana eles tinham que sacrificar boa parte do seu horário de almoço para se dedicarem ao Coral. Tal dificuldade foi agravada pelo fato do horário de almoço ser de 11h às 14h, sendo que os funcionários podem escolher seu horário de acordo com o andamento do trabalho de cada dia. Já o horário do ensaio do Coral é fixo, fazendo com que muitos chefes tivessem que freqüentemente liberar seus subordina-dos. Isto gerava um certo atrito, pois muitos não aceitavam esta situação. Para contornar este problema, o apoio do Sr. Fernando Guimarães foi fundamental. Ele enviou, mais de uma vez, cartas a todos os chefes de

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setores, explicando a necessidade e a importância do trabalho com o Coral, tentando dessa forma mudar a mentalidade dessas pessoas.

A declaração do Sr. Fernando Guimarães nos mostra que o coral dentro de uma empresa é mais um incentivo dentro da política de recursos humanos voltada para a qualidade de vida dos funcionários, e, conseqüentemente, para a filosofia da administração com Qualidade Total.

“O homem não é só razão. O homem também é emoção. As

políticas de Recursos Humanos hoje são voltadas não somente para o racional, ou seja, educar e treinar as pessoas dentro de processos e sistemas, mas, sobretudo, desenvolver as emoções, porque as conclusões de vários estudos recentes é que as pessoas trabalham e tomam decisões através não só da razão, mas com forte conteúdo da emoção, e esta emoção nada mais é que a sensibilidade. Não existe processo cartesiano que desenvolva a emoção se você não desenvolve a sensibilidade das pessoas. É por isso que eu sempre disse, e continuo dizendo hoje na empresa que estou, que o gerente que não for capaz de desenvolver uma sensibilidade por esta relação, vai ser ‘soterrado’, pois as pessoas se mobilizam pelas emoções. Elas precisam ir para a empresa amando o local de trabalho, e não para trocar salário por trabalho. E, para isso, precisam sentir emoção onde trabalham.

A Ipiranga é uma empresa humanista que tem tido uma grande preocupação com a qualidade de vida de seus funcionários, a despeito de alguns chefes e gerentes. Lamentavelmente, ainda temos espécimes meio trogloditas que acreditam que o trabalho é ficar de cara feia, com um chicote na mão e exercendo uma autoridade que, na realidade, não vale absolutamente nada. Cada um é dono de seu pensamento e de seu coração. Se você não mobiliza as pessoas por isso, não vai ser com um chicote que você vai conseguir algum resultado favorável. É lamentável, mas ainda existe isso.

Na minha época na Ipiranga, eu conversava com muitos desses chefes, e cheguei a mandar cartas para todos os gerentes dizendo que ‘fulano de tal’, da área dele, estava fazendo um esforço muito grande, realizando aquilo que era uma política de Recursos Humanos, e dessa forma conseguimos contornar a situação”. (Comunicação pessoal, março de 1999)

Tendo surgido para abrilhantar as comemorações de 60 anos da Empresa, o Coral já nascia com uma carga de tensão e responsabilidade imposta pelo próprio compromisso de se apresentar num local consagrado como é o Canecão.

Evidentemente, este foi o gancho a partir do qual o Sr. Fernando Guimarães, um gerente idealista e de visão, vislumbrou a oportunidade para viabilizar a criação do Coral.

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Ele tinha querido criar o Coral em outras ocasiões, mas não tinha conseguido o apoio necessário por parte da diretoria , conforme contou em sua entrevista:

“Num primeiro momento, o trabalho foi o de vender esta

idéia internamente, pois muitas pessoas não têm a percepção do que um coral pode representar em termos de melhoria no ambiente do trabalho e da integração das pessoas. Em geral, os trabalhos de integração realizados pelas empresas estão sempre associados ao trabalho em si. Acho que a integração efetiva acontece quando se dá espaço dentro da empresa para a pessoas poderem expressar o outro lado que não o profissional. Se o funcionário gosta de música, de poesia, teatro, dança, pintura ou artes plásticas, a empresa tem que criar espaço para que ele possa se expressar. Desta forma, na medida em que ele tem esta liberdade, sente-se mais valorizado e isto aumenta, sensivelmente, a motivação interna. A criação do Coral foi um passo fantástico neste sentido”. (Comunicação pessoal, março de 1999)

Por isso, para que o Coral pudesse ter vida longa e chegar ao que

entendemos ser a função do mesmo dentro de uma empresa, tivemos que passar por esta prova de fogo que nos foi imposta. A partir daí, o fato de quase a totalidade dos funcionários coralistas não ter nenhum conhecimento teórico-musical ou prática coral, e não fazer sequer idéia do que na verdade era ou poderia ser um coral, passou a ser um problema, pois o tempo que tínhamos era muito curto. Foi necessário um trabalho ágil que propiciasse o despertar e o desenvolvimento da musica-lidade dos coralistas. Consideramos esta a maior das dificuldades, que, como vimos, foi criada involuntariamente pela própria direção da Empresa. Para contornar esta situação, sempre na primeira parte dos ensaios fazíamos, e continuamos fazendo até hoje, exercícios, muitas vezes em forma de brincadeiras, que trabalham a musicalidade e a criatividade, e que vão aos poucos preparando o coralista para o canto coral propriamente dito.

Outro fato interessante, e que tivemos a preocupação de contornar, é que muitos coralistas não se conheciam, ou se conheciam superfi-cialmente, e para que o coral se transformasse realmente num grupo coeso foi necessário fazer um trabalho básico de socialização. O depoimento do coralista e coordenador geral da Sociedade dos Empregados da Ipiranga – SEI, Sr. Lincoln Brandão Alves, nos mostra o quanto este trabalho vem sendo importante:

“Eu, como coralista, me sinto muito gratificado, porque

além de estar me relacionando com os colegas e criando vínculos cada vez mais forte, me sinto um representante da Empresa. É super

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gratificante também representar a Companhia, além da emoção que você sente ao cantar”. (Comunicação pessoal, abril de 1999)

De início, para integrar as pessoas, buscamos fazer sempre

exercícios com pequenos grupos, muitas vezes por nós entrevistados na frente do restante do Coral, o que propiciou maior conhecimento e aproximação dos coralistas. Nestas entrevistas, costumávamos fazer perguntas como: nome, setor de trabalho, tempo de trabalho na Empresa, experiência musical, preferências musicais, de que colega no Coral gostaria de saber o nome, etc. A partir da segunda etapa, já participando na atividade musical dos ensaios, começa, além do mútuo conhecimento pessoal crescente, o desenvolvimento da confiança recíproca e da conscientização da co-responsabilidade participativa no caminho e busca coletiva do resultado artístico, consolidando paulatinamente a identidade do grupo.

Simultaneamente, há que reconhecer que um novo espaço está criado. Não para a produção direta de um bem específico, porém de um espaço de criação artístico-musical que rompe a rotina até aí reinante. Criam-se novos ambientes, mudando um pouco os ares de puro pragmatismo, aventurando-se em esferas superiores do espírito.

Há que ter consciência, além das dificuldades inerentes ao trabalho de estruturação e desenvolvimento artístico do Coral, da possível vulnerabilidade deste projeto, sempre sujeito a fatores estranhos ao simples fazer musical, que podem ser desde crises externas de várias ordens, até mudanças na diretoria da Empresa.

3.7 A Festa dos 61 Anos da Ipiranga - Show Marcas do Brasil Graças ao grande sucesso atingido na festa dos 60 anos da

Empresa, pudemos garantir a continuidade do trabalho coral. Este tinha sido patrocinado até então com a verba destinada para a realização da grande festa. Quanto a esta transição o Sr. Fernando Guimarães relatou:

“Uma vez realizada a festa, muitos perguntavam quanto à

continuação do Coral, e isto foi possível encaixando o projeto do Coral dentro dos projetos da SEI (Sociedade de Empregados da Ipiranga).” (Comunicação pessoal, março de 1999)

Segundo ele, todo e qualquer projeto não vive apenas pela sua

poesia ou beleza. É necessário ter uma estratégia política. Ele não queria que o Coral tivesse a sua cara, mas sim que fosse realmente um projeto

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da Empresa e de seus funcionários. Por isso mesmo, teve a idéia de passar o Coral para a SEI, para que fosse caracterizado como uma atividade dos funcionários, e não do departamento de Recursos Humanos. Hoje, passado mais de um ano, ele acredita ter sido este o caminho mais acertado. A SEI é dirigida por funcionários, mas funciona como um instrumento ou entidade cultural e social, podendo ser utilizada para gestão do departamento de Recursos Humanos. “Ela deve funcionar a serviço de uma política maior de recursos humanos”, ressaltou o Sr. Fernando Guimarães. O atual coordenador geral da SEI, Sr. Lincoln Brandão Alves, ainda acrescentou:

“Eu acho que a finalidade da SEI é dar para o funcionário tudo o que for do seu interesse, criando um vínculo maior dele com a Empresa, aumentando a integração dos funcionários. Eu tenho certeza, depois desses 24 anos de dedicação à Empresa, que por isso e por outras tantas razões os funcionários da Ipiranga a amam. Porque a empresa valoriza muito o lado humano do seu funcionário”. (Comunicação pessoal, abril de 1999)

O Sr. Fernando Guimarães foi quem idealizou a comemoração dos

61 anos da empresa, onde ocorreu um show inteiramente realizado por funcionários, que foram dirigidos por profissionais. Ele se aposentou antecipadamente um mês antes desta festa, que foi realizada no dia 25 de setembro de 1998 no Rio Centro, tendo sido o convidado de honra daquela noite. Este show, que foi intitulado “Marcas do Brasil”, teve a direção geral e roteiro de Túlio Feliciano e direção musical de Josimar Carneiro. Foi baseado em músicas conhecidas, de várias épocas da MPB, e para sua realização foram mobilizados, além do Coral, um grupo instrumental, um grupo de dança, solistas e locutores, todos funcionários da Empresa. A mobilização foi tão grande que chamou a atenção de vários diretores da Ipiranga e do Sr. Fernando Guimarães, que descreveu:

“Foi uma das maiores emoções que tive, vendo a

mobilização das pessoas, até com um certo sacrifício de cada um, ensaiando por várias noites e, inclusive, fins de semana. Vários diretores passavam no primeiro andar do prédio da Ipiranga, por volta das oito ou nove horas da noite, e ficavam espantados, pois parecia que estavam dentro de uma academia de artes. Era dança de um lado, conjunto musical e o Coral de outro”. (Comunicação pessoal, março de 1999)

A idéia de um show na festa dos 61 anos, realizado quase que

exclusivamente pelos funcionários, na teoria era muito bonita, mas na prática causou uma certa tensão, porque, apesar da mobilização de todos,

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a responsabilidade acabou sendo um problema na vida da Empresa. O gerente geral de Recursos Humanos, Sr. Jayme Henrique Sieppel, ressaltou este fato:

“Na ocasião das vésperas da festa dos 61 anos, nós tivemos

alguns questionamentos, muito mais em função da intensidade dos ensaios. Na medida em que a gente inseriu no contexto da festa, que virou um show, um coral, uma banda e um grupo de dança, criamos todo um enredo que teve uma lógica. No fundo, nós assumimos um compromisso que foi um grande desafio. A partir daí, o Coral, nos últimos três meses antes da festa, passou a ser um compromisso. Nós assumimos este compromisso perante um grande número de pessoas, dentro de um enredo, com um investimento da Empresa, e isto substituiu um show externo. A partir daí, até a realização da festa, o Coral passou a ter um tom de compromisso. À medida que houve esse tom de compromisso, passou a haver uma exigência maior, uma agenda mais requisitada a nível de presença. Esta situação levantou um certo questionamento a respeito. Na realidade, esta festa foi fora do padrão, no sentido positivo, porque ela surpreendeu a todos. Ninguém de fato conseguiria imaginar que juntar tudo que se juntou daria tão certo. Realmente, foi um desafio impressionante para uma festa de empresa. Isso acabou mobilizando um número grande de funcionários, foram mais de 100 pessoas envolvidas, e obviamente que essa mobilização nas vésperas da festa fez com que muitas pessoas que não estavam ligadas ao assunto questionassem a situação. Naturalmente que, depois da festa, depois que todos viram o que realmente estava sendo organizado e, para a surpresa da maioria, com grande desempenho de todos, eu diria que todos os reclames ficaram em segundo plano e não se falou mais no assunto. Passando este momento, o Coral continuou com uma vida própria, e o que se percebe no dia-a-dia é uma situação absolutamente conciliável.” (Comunicação pessoal, maio de 1999)

Deste fato se depreende que aquilo que se destinava a ser um mero

meio de festejar os 61 anos da Empresa, em conseqüência da “responsabilidade” surgida e assumida acabou “extrapolando os padrões” convencionais, tornando-se um fim em si mesmo; e, apesar dos eventuais e justificáveis “questionamentos” e críticas de caráter empresarial, o evento, em decorrência do sucesso e da satisfação geral, acabou por vencer essas barreiras, merecendo aplausos generalizados.

O receio de ver um “meio” transformar-se em “fim” foi agradavelmente superado, merecendo a ponderação de que nada impede que, no futuro, situações como esta se repitam, e da mesma forma sejam superadas, em benefício não apenas da arte e cultura, mas também da própria Empresa. 3.8 O Coral de Empresa e a Comunidade

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Um dos tópicos mencionados pelos teóricos em Qualidade Total é

a responsabilidade social que a empresa deve ter. A empresa faz parte de uma comunidade e, segundo José Bonilla (1993), citado no Capítulo 1 desta dissertação, a empresa não pode ser uma ilha. Ela faz parte da sociedade, e não é apenas uma geradora de empregos. Dentro desse novo conceito da filosofia de Qualidade Total, os administradores devem promover ações que protejam e desenvolvam o bem-estar social da comunidade em que vivem, como patrocinar projetos de saúde, educação, lazer, atividades artísticas. Acreditamos que o coral está inserido neste contexto, levando, juntamente com o nome da empresa, música e cultura para diversos lugares como orfanatos, asilos, hospitais, clubes, associa-ções, escolas públicas, universidades, centros culturais, etc.

Nosso primeiro contato feito com o público fora da Ipiranga foi no Encontro de Corais organizado pela Casa da Itália, em novembro de 1997, onde diversos funcionários tiveram, pela primeira vez, a oportunidade de mostrar esta nova atividade para amigos e familiares, além de assistirem, muitos também pela primeira vez, a outros corais, descobrindo um novo universo em suas vidas.

A segunda apresentação aberta para a comunidade foi realizada em novembro de 1998 no hall dos elevadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, e teve uma grande importância para o Coral, pois foi a primeira apresentação somente da Ipiranga aberta ao público, obtendo excelente resultado.

E em dezembro de 1998 o Coral da Ipiranga participou do Encontro Natalino de Corais organizado pelo Coral da Fundação Getúlio Vargas, realizado no auditório do Instituto dos Arquitetos do Brasil. Além dessas apresentações, tivemos as festas internas da empresa.

Para o ano de 1999 já temos marcadas quatro apresentações abertas ao público, a serem realizadas no dia 4 de agosto, no Teatro da Universidade Federal Fluminense; em 5 de agosto, na Casa de Cultura da Universidade Estácio de Sá da Barra; no dia 9 de agosto, no Encontro de Corais do Sistema Firjan, no Teatro do SESI; e no dia 12 de setembro, no Paço Imperial, dentro do Projeto “Fim de Semana no Centro”.

Mas, por sermos um Coral novo, ainda não conseguimos realizar plenamente nossas intenções de levar esse trabalho à comunidade mais carente, principalmente em asilos e orfanatos.

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4. Conclusão

Neste trabalho ressaltamos alguns aspectos importantes da exis-tência de um coral dentro de uma empresa e procuramos mostrar de que forma ele possibilita que modificações relevantes nela ocorram, tal qual como se espera a partir da filosofia da Qualidade Total.

Vimos que esta concepção busca a qualidade dos serviços e produtos da empresa, estabelecendo alguns princípios para que isso possa ser atingido. Iniciada na década de 70, com a invasão dos produtos japoneses no mercado ocidental, esta concepção vem sendo difundida no mundo e modificando os conceitos da administração. Acredita-se, segundo a mesma, que a valorização do funcionário, em todos os aspectos, é o caminho para se alcançar bons resultados, tendo em vista que o funcionário é o maior recurso da empresa. Para isto, as organizações têm feito mudanças em seus departamentos de recursos humanos e procurado investir em atividades que possam beneficiar seus funcionários. Neste contexto inserimos a atividade coral, como mais um valioso componente para o projeto de Qualidade Total.

No segundo capítulo, baseado em deduções de educadores musi-cais, empresários de marketing, psicólogos e musicoterapeutas, consta-tamos que o coral dentro de uma empresa pode desenvolver a musi-calidade, instigar a criatividade e permitir uma maior integração, com a aproximação de funcionários de diferentes setores da empresa, além de influenciar na saúde física e mental dos coralistas.

O despertar da musicalidade no coral de empresa muito se deve aos exercícios geralmente realizados na primeira parte dos ensaios. Para facilitar a absorção de tantas informações novas, procuramos realizar este trabalho de maneira bastante descontraída. Como a grande maioria dos coralistas não possui conhecimento formal da música, a memória é fundamental, e tende a se desenvolver, pois é a grande aliada no aprendizado do repertório.

Este trabalho de musicalização contribui também para o desenvolvimento da criatividade dos membros do coral, pois procuramos fazer com que eles improvisem em cima de bases harmônicas, fazendo com que, aos poucos, até os mais tímidos se soltem e descubram o potencial de sua voz. Percebemos que um local mais descontraído e relaxado, como é o do coral, possibilita que as pessoas se aproximem mais facilmente e troquem idéias sobre outros assuntos extratrabalho. À medida que esta integração aumenta, percebe-se também uma nítida melhora no nível artístico do coral; os naipes ficam mais entrosados, há uma maior

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cooperação entre os coralistas, influenciando até na qualidade do som do conjunto.

Também percebemos, através das entrevistas que foram concedidas a este trabalho, que os coralistas sentem uma melhoria em sua saúde. Os exercícios de respiração e relaxamento feitos no início dos ensaios ajudam as pessoas a descarregar as tensões, diminuindo o estresse. Além disso, o ato de cantar, como vimos no segundo capítulo, envolve uma série de sensações físicas e emocionais, mexendo com todo o organismo do coralista.

Todos esses aspectos trabalhados no coral, como pudemos perceber na prática diária do trabalho como maestro e também através das entrevistas realizadas para esta dissertação, refletem-se na vida pessoal de cada um, contribuindo também de forma bastante positiva na vida profissional, com reflexos até na vida da empresa.

Acreditamos que uma organização que almeja a administração baseada na filosofia da Qualidade Total deve investir em atividades que possam trazer benefícios aos seus funcionários.

Compreendemos que a qualidade está nas pessoas e é feita por elas. Por isso mesmo, deve-se ter, como ponto de partida, o ideal de elevar e valorizar a auto-estima dos funcionários, pois já se disse que só aqueles que têm amor em si e por si serão capazes de se entregar mais completamente ao trabalho.

Apesar disso, não temos uma posição ingênua de acreditar que o coral tem o poder de resolver os problemas da qualidade de vida dos funcionários, ou que os objetivos da Qualidade Total possam ser atingidos apenas pela intervenção de um recurso humano como este, tendo em vista toda a complexidade econômica, social, política e cultural dentro da qual se encontra a empresa.

Entendemos que o coral é mais uma efetiva ferramenta neste sentido, não devendo estar desarticulado de vários outros fatores que não estão sendo tratados neste trabalho, mas sem os quais não podemos pensar efetivamente numa modificação qualitativa de um quadro empresarial. Acreditamos, portanto, que o coral é mais um valioso elemento dentro dessa engrenagem, e comprovamos isso através do relato da experiência prática do Coral da Cia. Brasileira de Petróleo Ipiranga, analisando seu desenvolvimento, desde sua criação até os dias de hoje.

Percebemos, enfim, que diante dos desafios e dificuldades inerentes à existência de um coral numa empresa, caberá ao maestro encontrar caminhos e soluções que viabilizem a melhor realização artístico-musical, em estreita cumplicidade com os ideais que harmonizem o utilitarismo natural da empresa com os ideais de superação do ser humano que nela trabalha e de todos que se beneficiam de seus produtos.

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