CORPO E GÊNERO: FOTOGRAFIAS DE PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ... · O presente trabalho objetiva...
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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4222
CORPO E GÊNERO: FOTOGRAFIAS DE PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESCOTISMO EM REVISTAS ILUSTRADAS
NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
Maria Augusta Martiarena de Oliveira1
Introdução
A educação da mente e do corpo foi considerada um dos objetivos a serem atingidos no
âmbito do contexto escolar, durante as primeiras décadas do século XX. Embora tal
preocupação ocorresse em esfera global, essa perspectiva era adequada à conjuntura política
que o Brasil, vivenciava. Nesse momento de afirmação do regime republicano, a classe
governante dirigiu os seus esforços para a formação do “cidadão”, com o intuito de realizar
uma uniformização ao mesmo tempo em que as diferenças sociais oriundas do Império e
agravadas na República tornavam-se mais evidentes, notadamente pela tendência a
“urbanizar”, “sanear” e “higienizar” a população, destinando lugares para determinados
grupos e realizando uma seleção/exclusão dos habitantes. A educação surgiu, então, como
instrumento de disciplinarização, sugerindo-se propostas educativas coerentes com tal
período histórico.
O presente trabalho objetiva analisar como as práticas de educação física e escotismo
eram divulgadas na imprensa ilustrada, durante as primeiras décadas do século XX. O tema
proposto relaciona-se ao estudo da corporeidade e de práticas de educação física entre 1900 e
1930, com uma proposta de estudo pautada em corpo e gênero. Deve-se ter em conta que a
disciplina de educação física teve papel importante no que tange às contribuições para a
formação cidadã durante a Primeira República e o movimento escoteiro, considerado
atividade extraescolar, esteve estreitamente relacionado a essas práticas.
A escolha de tal recorte temporal deve-se ao fato de que as revistas ilustradas ganharam
muito espaço na cena nacional a partir do final do século XIX e início do século XX. Desse
período, destacam-se publicações como a Revista Illustração Brazileira e a Revista Fon Fon,
ambas de circulação nacional. Destaca-se que ambas serão utilizadas como fontes de
1 Doutora em Educação – linha de pesquisa Filosofia e História da Educação. Pós-doutorado em Educação, Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, E-Mail: <[email protected]>.
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pesquisa para o trabalho proposto. Além delas, optou-se por utilizar, também, revistas de
circulação regional: a Revista Illustração Pelotense e o Almanach de Pelotas. Destaca-se que
este é um resultado parcial e a presente pesquisa encontra-se em andamento.
A imprensa ilustrada nas primeiras décadas do século XX e a fotografia como fonte de pesquisa em História da Educação
Entre o final do século XIX e o início do século XX, as revistas ilustradas tiveram
grande circulação em diferentes partes do país. Durante todo o período colonial, a imprensa
não se desenvolveu em função do pacto colonial. Durante o Império, a mesma cresceu pouco,
porém, foi durante a Primeira República que se deu início ao desenvolvimento do processo de
comunicação em massa no Brasil.
Dentre as fontes utilizadas nesta investigação, a Revista Fon Fon contava com
circulação nacional e era publicada no Rio de Janeiro, então capital do país. Segundo Lins, o
Rio de Janeiro, nesse período, era um centro de debates políticos, dominada por engenheiros
e escritores ufanistas, como Coelho Neto y Olavo Bilac. A resistência a esse movimento se
dava por meio do movimento simbolista, que originou o modernismo. Nos cafés da cidade,
foram criados muitos periódicos, entre eles, em 1907, a Revista Fon Fon, o qual relacionava
literatura, ironia e fotografias de modernização da esfera urbana. Entretanto, faz-se
necessário mencionar que, na década de 1920, a revista contava com um direcionamento
mais tradicional e atrelado aos interesses políticos republicanos.
Em Pelotas e região sul, além dos jornais diários, a revista Illustração Pelotense teve
ampla circulação. Seu estilo publicitário utilizava tanto textos como imagens. Foi publicada
entre 1919 e 1927, com a proposta de manter-se um quinzenário e abranger um mercado
maior do que o da cidade. Em sua primeira edição, já se propunha a arquivar pela fotografia
os mais importantes acontecimentos sociais, como festas públicas, cívicas, religiosas,
carnavalescas, literárias, entre outros. Em suas páginas, tem-se registrado, por exemplo,
várias fotografias de exposições de trabalhos manuais, de formandos, tanto do ensino
elementar como do ensino superior, de inaugurações de escolas e das próprias escolas, sejam
elas públicas ou particulares. Entre as imagens analisadas da referida revista, encontram-se,
notadamente, as fotografias de alunos, do corpo docente, de quadros de formandos e de
práticas escolares. A sua importância reside no fato de que essas fotografias tratam da
autoimagem da elite, publicada como um espelho da própria cidade. Isto se constitui em um
uso do poder simbólico como instrumento de formação de um senso comum e da
manutenção de uma classe dominante e de seu modo de vida. Por se tratar de imagens de
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pessoas, ou seja, retratos, deve-se levar em conta o que afirma Moura (1983) quando diz que
pouco se pode desconfiar destes, especialmente daqueles que somente representam do busto
para cima – eram fotografias, também retocáveis, é claro, mas que claramente estavam
desejando somente mostrar a fisionomia, sem o desejo de perpetuar mensagens ou alusões à
“personalidade” a ser documentada. Para o autor, era na fotografia de corpo inteiro que a
imaginação se expandia – a imaginação do fotógrafo atendendo às expectativas do
fotografado e à imaginação do observador distante, que sempre estaria embevecido com a
felicidade serena e bem comportada do retratado. Segundo o autor, a forma “artista pintor”,
com que frequentemente o fotógrafo se assinava, por sua vez, define bem o “documento
artístico” representado pela fotografia, imagem “moderna” que não raro era reelaborada pelo
fotógrafo como pintor, conferindo maior artisticidade ao documento. Com relação ao
“Almanach de Pelotas”, pode-se dizer que também foi outra importante publicação do
período investigado. Suas primeiras edições foram realizadas por Ferreira & Cia. Mas, de
acordo com Michelon e Schwonke (2008), é quando Florentino Paradeda assume a
organização do Almanach de 1917, que fica explicitado o principal objetivo da publicação, a se
repetir até o último número utilizado como fonte, fazer propaganda, registrar o progresso de
Pelotas e enaltecer e premiar o esforço de sua elite. Entre similaridades e diferenças, o traço
singular do Almanach de Pelotas é o assumido propósito de divulgar a cidade. Sobre o
próprio Almanach, pode-se ler em suas páginas:
Annualmente, e devotado á propaganda de Pelotas e exaltação dos dedicados obreiros do seu progresso, apparece o “Almanach de Pelotas!, fundado pelo mallogrado e saudoso conterrâneo dr. Antonio Gomes da Silva, Ignácio Alves Ferreira e capitão Florentino Paradeda, este há muitos annos já seu único director e proprietário, (ALMANACH DE PELOTAS, 1928).
Segundo Michelon e Schwonke (2008), embora o capitão Paradeda repetisse nos seus
editoriais uma breve lamentação que enunciava as dificuldades em manter a periodicidade do
Almanach, em um panorama financeiramente desfavorável, estas faziam vencidas pelo desejo
de ver a publicação no mercado. Como mencionado anteriormente, o início e o fim das
atividades do Almanach de Pelotas definem o recorte temporal desta pesquisa. Pode-se dizer
que tanto os inícios como o fim dessa publicação representam a situação financeira da cidade.
Em 1913, à beira da Primeira Guerra Mundial, a cidade ainda vivia um momento de euforia,
especialmente nos primeiros anos de publicação do Almanach de Pelotas, quando a cidade
exportava charque para os países em guerra e o Coronel Pedro Osório tentava incrementar a
produção de arroz, iniciada uma década antes, enquanto a década de 1930 marca o período
de crise que a cidade viveu, notadamente após a quebra da bolsa em 1929, e o posterior
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fechamento do Banco Pelotense, em 1931. Por motivos financeiros, assim como vários outros
negócios de Pelotas, o Almanach fechou as suas portas.
Imagens de educação física e escotismo: corpo e gênero
Tanto práticas de educação física, como de escotismo foram amplamente divulgadas na
imprensa, seja nacional ou local. Essas imagens raramente representavam práticas
cotidianas, dedicam-se a retratar atividades de cunho comemorativo que se desenvolviam no
espaço urbano da cidade. Tal opção provavelmente encontra-se relacionada aos custos que
envolviam a produção de fotografias, as quais, diferentemente das atuais, eram realizadas por
profissionais e contavam com suporte de papel. Entretanto, deve-se ter em conta, também, a
existência de motivações que envolvam o papel da imprensa e os interesses políticos,
doutrinários, ideológicos daqueles que levavam a cabo essas publicações. Mais do que esses
interesses, precisamos vislumbrar quais elementos referem-se a essas escolhas editoriais e
quais estão intrinsecamente relacionados aos valores sociais do período estudado.
As fotografias que retratam práticas de educação física e escotismo são permeadas
pelas intencionalidades anteriormente mencionadas, além de permitir um estudo das
representações ideais de corpo e gênero presentes na sociedade no recorte temporal
selecionado. Em primeiro lugar, faz-se necessário remeter às propostas higienistas bastante
recorrentes durante o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Tais práticas
inserem-se tanto no contexto de higiene física, como no de higiene moral.
Além das imagens publicadas no Almanach de Pelotas e na Revista Illustração
Pelotense, os jornais diários que circulavam na cidade de Pelotas também contaram com
publicações referentes à prática da educação física e ao escotismo. Entretanto, neste trabalho
optou-se por dedicarmos à análise de uma fotografia constante no Almanach de Pelotas e
uma da Revista Illustração, selecionadas não apenas pela singularidade com que abordam os
temas, mas pelo papel preponderante que a fotografia ocupava nessa modalidade de
publicação.
Na figura 1, vê-se um grupo de escoteiros, alinhados em 11 colunas, cada uma formada
por quatro jovens, somente a última (da esquerda para a direita) consta de apenas um jovem,
cuja função poderia ser instruir os colegas. Os escoteiros se organizavam de maneira a formar
um trapézio. O formato geométrico é um dos ícones que demonstra a disciplinarização da
juventude. Além disso, a sua organização se encontra em consonância com os formatos
geométricos preexistentes na Praça da República, cuja arborização e jardinagem eram
constituídos por canteiros em formato de triângulos, quadrados e retângulos.
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Figura 1 – “Exercício de Esgrima de Vara-pau, á Praça da República” Fonte: Almanach de Pelotas de 1918
Cada jovem segurava uma vara, a qual se constituía em uma ferramenta para a
realização dos exercícios propostos. Suas vestimentas de escoteiros eram semelhantes a
uniformes militares, constando de botinas, bermuda, camisa e chapéu. Os jovens se
posicionaram na parte central da praça, contando com um público que os observava, o qual
se posicionou na parte de trás de um canteiro.
As apresentações dos escoteiros eram uma constante na vida pública pelotense. Ocorriam, especialmente, nas comemorações cívicas. De acordo com o Almanach de Pelotas: Nesse mesmo dia offerecia seus serviços, para auxiliar a instrucção dos noveis escoteiros, o seu actual e dedicado director Rubens Weyne, que a 12 do mesmo mez de novembro inaugurava os exercícios com uma turma de 70 aspirantes, perante grande concurrencia popular, a praça da Republica (ALMANACH DE PELOTAS, 1918, p.185).
É provável que o público não constasse apenas dos observadores presentes na
fotografia, tendo em vista o grande espaço da Praça da República. Ao observar o público
presente na imagem é possível afirmar que pelas vestes, assistir às apresentações que
ocorriam na praça era um acontecimento que merecia determinados cuidados com a
aparência. Entre os presentes, a maior parte é constituída por homens, os quais trajavam
terno, sobretudo e chapéu.
Provavelmente o público representado se referia às autoridades presentes, o que
infelizmente não pode ser confirmado, pela baixa qualidade da imagem. À direita, algumas
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crianças se sentaram no degrau e assistiam à apresentação desinteressadamente. Ao fundo é
possível observar os prédios do entorno da praça. Nesse período, é possível afirmar que a
Praça da República se constituía no centro laico de poder. Ao contrário da maior parte das
cidades, em que o poder religioso e o poder secular ocupam o entorno da mesma praça, em
Pelotas, por disputas de poder oriundas do período imperial, a Igreja e a prefeitura situaram-
se em lugares diferentes. A referida distinção que não ocorrera por motivos de diferenças
ideológicas, mas por disputas econômicas entre membros da elite que se formara, ganhou
uma nova roupagem ideológica na República. Assim como as instituições públicas e as
privadas confessionais representavam, respectivamente, o Estado laico e o poder da Igreja, os
dois espaços na urbe constituiriam a mesma disputa.
O escotismo se inseria no âmbito do nacionalismo e do civismo e era natural que suas
práticas ocorressem no centro laico da cidade. Ao recorrer novamente à figura 1, retoma-se a
temática da militarização dos jovens, percebida não só pelo uniforme, mas por sua postura. O
anseio por militarização não era um discurso presente nas entrelinhas, mas fazia parte de um
ideário oficial, o qual se alimentava do contexto de guerra mundial. Faz-se mister informar
que, quando da constituição do grupo de escoteiros em Pelotas e da realização da campanha
cívica de Olavo Bilac, o mundo vivia a sua primeira grande guerra.
Até o presente momento, encontrou-se apenas imagens na imprensa de ampla
circulação, as quais se dedicavam a retratar os escoteiros do sexo masculino. Sabe-se, no
entanto, que, segundo Nascimento (2008), a Associação Brasileira de Escotismo implantou o
escotismo para meninas, o qual contava com o departamento para dirigi-lo. A partir de 1915,
a Associação Brasileira de Escoteiras passou a atuar. Essa ausência ou raridade da
representatividade feminina pode indicar os receios com a inserção feminina no escotismo
por parte da sociedade brasileira. Deve-se ter em conta, que ao estudar a forma como as
mulheres eram compreendidas socialmente no país durante as primeiras décadas do século
XX, pode-se dizer que as atividades escoteiras, notadamente pelo fato de que uma parcela
considerável dos grupos escoteiros terem surgido junto aos Tiros de Guerra, não seriam
entendidas como aceitáveis para as jovens da época.
As fotografias permitem vislumbrar a representação de um ideal de corpo, o qual está
claramente distinto entre o que é esperado para o corpo masculino (virilidade, força) e o para
o corpo feminino (delicadeza, recato). Entretanto, a figura 2, publicada na Revista Illustração
Pelotense, em 1919, apresenta uma singularidade, retrata as atiradoras do Gymnasio
Pelotense. As jovens, estudantes de uma instituição de ensino que foi municipalizada nesse
período. Trata-se de uma instituição mista, na qual as meninas podiam aceder o ensino
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secundário e estudar conjuntamente com os meninos. A fotografia, entretanto, indica para o
fato de que a prática de tiro seria realizada separadamente. A figura 2, retrata, ao centro, o
instrutor, vestido com trajes militares. Em duas fileiras, dispõem-se nove estudantes, sendo
que vemos duas sentadas do lado direito e duas do lado esquerdo do instrutor. Na fileira de
trás, cinco jovens apresentam-se de pé, sendo que duas, assim como o seu preceptor, vestem
trajes militares.
Figura 2 – “As disciplinadas atiradoras do Gymnasio Pelotense e seu dedicado instructor” Fonte: Revista Illustração Pelotense, 1919
A figura 2 encontra-se, também, disponível no Museu do Ginásio Municipal Pelotense,
a qual é identificada como: “Equipe feminina de tiro ao alvo, em 1919”. Além disso, as
integrantes e o integrante da imagem são identificados: Celina F., Arzelinda, Isbella,
Chrysallida C., Alda E., Maria L., Sylvia S., Instructor Sr. Aldrovando Leão, Lucia e Helena.
De acordo com Pinto (2015), competições femininas em ambiente militar constituiam-se em
raridade, nesse período. O autor, inclusive, relaciona esse diferencial à presença de alunas no
mesmo ambiente educacional que os alunos de sexo masculino, o que teria favorecido este
acontecimento.
Essa imagem demonstra um conflito entre o ideal de feminino presente no período e a
atividade retratada. A maior parte das jovens encontra-se vestida conforme os padrões da
época. Trajam vestidos, usam chapéus, seus sapatos e meias são delicados. Por outro lado, as
duas jovens que vestem os uniformes militares se contrapõe ao ideal de fragilidade feminino,
ao ideal de mulher circunscrita à esfera doméstica como bem retrata Perrot (1998). As
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secundaristas, entretanto, não foram retratadas nas aulas de tiro, no ambiente externo, mas
em uma das salas da escola em que estudavam. Tampouco estavam presentes as armas que as
mesmas utilizavam nessas aulas de tiro. Logo, essa imagem permite um pequeno avanço no
que tange às roupas das jovens fardadas, porém, uma ruptura com o padrão de feminino não
ocorre, tendo em vista que armas não estão presentes no retrato e que a maior parte das
jovens é retratada com vestimentas socialmente aceitas para o sexo feminino. A fotografia
apresenta, ainda, uma bandeira ao centro (ainda que a qualidade da imagem não permita a
sua identificação, acredita-se que seja a bandeira nacional). Essa bandeira, bem como a
distribuição das fileiras confere o equilíbrio simétrico presente nas fotografias das primeiras
décadas do século XX.
Os mesmos ideais de civilidade estão presentes nas atividades retratadas nas figuras 3,
4 e 5. Essas imagens foram extraídas da Revista Fon Fon número 33, de 1926. As três
encontram-se publicadas em uma única página: a primeira das três fotografias (figura 3)
referia-se a uma apresentação das alunas do Grupo Delphim Moreira, de Juiz de Fora, as
quais executavam a marcha da Aida, por ocasião das festas comemorativas do 14 de julho; a
segunda (figura 4), retratava, também, outro número do programa de comemorações da
mesma data, o qual executava “Gioconda”; a terceira (figura 5), dedicava-se à apresentação
de ginástica rítmica com bastão, realizada pelos alunos do terceiro ano, do mesmo Grupo, em
homenagem ao senador Antônio Carlos.
Duas das três atividades retratadas referem-se às comemorações do 14 de julho e as
fotografias foram produzidas no próprio espaço da escola (Grupo Delphim Moreira, em Juiz
de Fora). A legenda da terceira fotografia traz uma informação que causa dubiedade, pois
informa que retrata os alunos do terceiro ano, da mesma escola, os quais encontravam-se na
então capital nacional e promoviam uma homenagem ao senador Antônio Carlos2. Faz-se
necessário destacar que, das três imagens, apenas uma não é identificada como ginástica
rítmica em sua legenda. Entretanto, pode-se identificar visualmente uma clara diferença
entre as atividades presentes nas figuras 3 e 4, e as atividades físicas retratadas na figura 5.
2 O Senador Antônio Carlos Ribeiro de Andrada foi um político mineiro que atuou tanto como senador, como deputado federal.
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Figura 3 – “Alumnas do Grupo Delphim Moreira, de Juiz de Fóra, executando a “Marcha da Aida” interessante gymnastica rythmica, por occasião das festas commemorativas do 14 de julho realizadas naquella cidade mineira”.
Fonte: Revista Fon Fon, n.33, 1926.
A figura 3 retrata apenas pessoas do sexo feminino. São, ao todo, quinze meninas, das
quais onze formam um semicírculo, enquanto quatro se dispunham em posição central, no
formato de losango. Trata-se de uma fotografia bastante simétrica, a qual retratava uma
atividade de cunho artístico e cujo posicionamento das jovens também era simétrico. Todas
as meninas carregam na mão o mesmo instrumento e trajam roupas que apresentam a
temática egípcia, contexto em que a ópera Aida é ambientada. Todas as meninas estão
descalças. Como mencionado anteriormente, a atividade é identificada como ginástica
rítmica, entretanto, ao observar a fotografia, a característica teatral é a que se destaca.
A figura 4 apresenta elementos semelhantes à imagem anterior. Em primeiro lugar, foi
realizada no mesmo espaço e refere-se a outra atividade de cunho artístico, que se levou a
cabo no âmbito das comemorações do 14 de julho. Ainda que a qualidade da imagem não
permita uma afirmação segura, acredita-se que somente meninas integravam essa atividade.
A preocupação com a simetria também é uma característica bastante evidente, a qual é
conferida pela forma como algumas integrantes estão dispostas na apresentação: algumas
deitadas, nas pontas, outras em pé, na fileira de trás. Além da organização na disposição das
meninas, verifica-se uma preocupação com o figurino, tendo em vista que são utilizadas
coroas de flores e vestidos, com saias rodadas.
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Figura 4 – “Outro numero do programma das commemorações da data de 14 de julho, do Grupo Delphim Moreira, em Juiz de Fóra: “Gioconda”, dansa das heras.
Fonte: Revista Fon Fon, n.33, 1926.
A figura 5, entretanto, diverge em diversos elementos. Em primeiro lugar, ainda que
seja identificada como ginástica rítmica, ela não apresenta os elementos de teatralidade
presentes nas figuras apresentadas anteriormente. Destaca-se que, nessa imagem, o grupo é
retratado trajando os uniformes escolares. Em segundo lugar, ao contrário das outras
atividades que aparentemente eram realizadas apenas por estudantes do sexo feminino, essa
atividade conta com estudantes de ambos os sexos. Em terceiro lugar, verifica-se a presença
da professora, figura ausente nas imagens do mesmo grupo. Faz-se necessário relembrar que
a legenda dessa fotografia traz uma dubiedade: a mesma parece indicar que o retrato foi
produzido durante às homenagens ao senador Antônio Carlos, no Rio de Janeiro. Entretanto,
é possível que esse grupo tivesse viajado para a capital para integrar as comemorações, nas a
fotografia, retrataria os mesmos no âmbito das comemorações de 14 de julho, na esfera
escolar. Destaca-se que o muro, ao fundo, bem como as colunas à direita, são semelhantes às
retratadas nas figuras 3 e 4.
Na figura 5, os alunos dispunham-se em três fileiras, formadas em média por 13
estudantes. As fileiras laterais são constituídas por meninas, enquanto a fileira central, é
formada por meninos. Os uniformes escolares são distintos conforme o gênero: as meninas
usam saia, blusa e gorro ornado; os meninos usam camisa e bermuda. A diferenciação dos
uniformes (uma característica da época em praticamente todo o território nacional) e a
divisão em fileiras distintas, representam, também, a divisão por gênero. A própria ausência
dos meninos nas imagens anteriores também indica as perspectivas para cada sexo durante
as primeiras décadas do século XX. Destaca-se que a presente fotografia, cuja legenda indica
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uma homenagem a um senador da República constitui-se em uma forma de incitar na
infância e na juventude o respeito às autoridades estabelecidas. Além disso, atua no sentido
de valorizar políticos da região que atingem renome nacional.
F
Figura 5 – “Os alumnos do terceiro ano do mesmo Grupo, que se acha no Rio, onde veio tomar parte dos festejos em homenagem ao senador Antonio Carlos, numa gymnastica rythmica executada com bastão”.
Fonte: Revista Fon Fon, n.33, 1926.
A figura 6 faz parte de um grupo de três fotografias, as quais estão dispostas na mesma
página. A primeira imagem retrata a mesa que presidiu a solenidade de inauguração da
biblioteca infantil, oferecida à Escola Delfim Moreira, pelo Rotary Club. A segunda, referia-se
à diretora e um grupo de alunas no espaço da biblioteca recém inaugurada. Por fim, a figura
6, trata-se de uma fotografia produzida na parte externa da escola e refere-se a uma
apresentação das alunas, as quais realizavam exercícios físicos, em comemoração à
inauguração da biblioteca. Algumas dúvidas se colocam sobre esse grupo de imagens: em
primeiro lugar, questiona-se se realmente trata da mesma escola que foi foco de fotografias
no número 33 da mesma revista. Em segundo lugar, é mencionada apenas a presença de
alunas, porém, na figura 6 é possível perceber a presença de meninos, ainda que em número
menor. Essa presença indica para o fato de que se trata de uma escola em que ocorre a
coeducação, ou seja, uma escola mista. Essa imagem destaca-se, também, pelo fato de que a
mesma não apresenta a mesma rigidez simétrica presente nas fotografias contemporâneas e
que representam exercícios físicos e atividades de educação física. Os alunos estão dispostos
em fileiras, entretanto elas desalinham-se em alguns momentos. Além disso, a maioria
levanta lenços nas mãos, enquanto outros não o fazem. A falta de padronização dos
uniformes atua no sentido de uma fotografia pautada não pela informalidade completa, tendo
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em vista que os padrões persistem, mas que apresenta elementos de informalidade ou que,
aproxima-se mais de elementos da cotidianidade, embora retrate uma comemoração, um
evento.
Figura 6 – “As alumnas em exercícios physicos, após a inauguração, sabbado á tarde” Fonte: Revista Fon Fon, n.40, 1926
Destaca-se a superioridade do número de meninas (ao menos nas primeiras fileiras) em
relação ao de meninos. Tal imagem pode indicar para o grande contingente de meninas que
ingressava no ensino primário (mas que muitas vezes não acediam ao secundário e ao
superior pelas limitações sociais para o gênero feminino). Outro elemento importante, é
como o uniforme, que frequentemente é utilizado com o intuito de padronizar, deixa
transparecer pelos detalhes, tais como calçados, meias e estado do próprio uniforme.
A educação e a higiene estavam estreitamente relacionadas, como pode ser verificado
na inclusão da temática higiene escolar como um incremento do ensino. Higiene e moral
constituíam dois aspectos de uma mesma problemática, tendo em vista que a higiene do
corpo atuava significativamente para representar a higiene do caráter. Dessa forma:
Uma educação física, intelectual e moral da mocidade, com a finalidade de possibilitar ao espírito todas as noções necessárias para melhor garantir a ordem, se colocou como central para que todos os homens tivessem consciência de seu papel social. Em outras palavras, a educação foi vinculada à formação do cidadão” (CORSETTI, 1997, p.167).
A formação moral ganhava a mesma relevância em território argentino: “El acento
puesto en el caracter moralizador de la educación atraviesa cada uno de los modos”
(KUMMER, 2010, p. 80). Nesse trecho de Kummer (2010), que analisa a obra de José María
Torres, evidencia-se a importância da formação moral na escola, a qual seria um tema
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transversal nos anteriormente mencionados modos de atividades das crianças. A formação
moral ocorreria tanto em âmbito físico, como intelectual. Em concordância com esse
contexto educacional: “Os ensinos cívico e moral tem sido um dos pontos que hão merecido o
maior carinho de parte dos respectivos instructores” (ALMANACH DE PELOTAS, 1918,
p.185).
Percebe-se que educação física, civismo e escotismo eram elementos que atuavam
conjuntamente no sentido de promover a higiene social e de divulgar determinados valores.
Além disso, a educação física foi amplamente utilizada em comemorações com o intuito de
promover valores, também, para os expectadores.
Considerações Finais
A educação física e as atividades do escotismo estiveram estreitamente relacionadas
às práticas disciplinadoras presentes no âmbito educacional. Destaca-se que as fotografias
utilizadas na presente investigação, a qual se encontra em fase de desenvolvimento, foram
extraídas de periódicos de circulação regional ou nacional. Ao utilizar-se esse tipo de imagem
como fonte de pesquisa, deve-se ter em conta que as mesmas foram produzidas com o intuito
de terem uma circulação ampla, além das fronteiras do espaço escolar. As imagens
encontradas na imprensa estão presentes de ideais: feminino e masculino, disciplina,
respeito à autoridade, higiene física. Pode-se perceber que existe uma série de semelhanças
entre as fotografias publicadas na imprensa de circulação local/regional e as publicadas no
periódico de circulação nacional. Em geral, meninos e meninas utilizam vestimentas
diferenciadas. A separação por gênero ainda está muito presente nas atividades. Destaca-se,
ainda, que a educação física, além de atuar no sentido de higienizar o corpo e a mente, possui
uma função cerimonial.
Referências
CORSETTI, Berenice. O poder em migalhas – a escola no Rio Grande do Sul na Primeira República. Santa Maria, Universidade Federal de Santa Maria, 1997. KUMMER, Virginia. José María Torres: las huellas de su pensamiento en la conformación del campo pedagógico normalista. 1.ed. Paraná: Universidad Nacional de Entre Rios. UNER, 2010. LINS, Vera. Em revistas, o simbolismo e a virada do século. In: OLIVEIRA, Cláudia de. O moderno em revistas: representações do Rio de Janeiro de 1890 a 1930. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4235
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