corpo-projeto Berenice Bento.pdf

8
Estudos Feministas, Florianópolis, 17(1): 296, janeiro-abril/2009 265 Resenhas Resenhas Resenhas Resenhas Resenhas Corpo-projeto Corpo-projeto Corpo-projeto Corpo-projeto Corpo-projeto A construção dos corpos: perspectivas feministas. STEVENS, Cristina Maria Teixeira; SWAIN, Tânia Navarro (Orgs.). Florianópolis: Editora Mulheres, 2008. O que é um corpo? Hormônios, sangue, órgãos, aparelho reprodutor? A construção dos corpos, organizado por Cristina Maria Teixeira Stevens e Tânia Navarro Swain, reúne artigos que revelam muitos corpos sob o significado corpo. O livro é composto de 12 artigos escritos por sociólogas, historiadoras, psicólogas, educado- ras e críticas literárias espalhadas entre Brasília, São Paulo e Rio Grande do Sul. Essa diversidade de áreas do conhecimento produz uma riqueza singular nas abordagens sobre o corpo, o desejo, a reprodução e a subversão das normas. Corpo dócil, inútil, domesticado, abjeto, celiba- tário, puro, lugar de produção de invisibilidade; corpos que resistem, subversivos. A urdidura dos artigos nos expõe a um léxico singular que marca um campo de estudos caracterizado por uma disputa com concepções naturalizantes e essen- cialistas sobre as identidades. O livro é resultado de trabalhos apresentados no Seminário Internacional Fazendo Gênero, em 2006. O artigo “A construção de corpos sexuados e a resistência das mulheres: o caso emblemá- tico de Juana Inés de la Cruz”, de Ana Liési Thurler, é uma contribuição lapidar na luta pela visibilização de personagens femininas que afirmaram a importância da participação da mulher na vida política e pública. Juana Inés de la Cruz, mexicana, viveu entre 1651 e 1695, ingressou no Convento das Carmelitas Descalças aos 16 anos. Ana Liési aponta que a entrada para a vida religiosa pode ser entendida como uma estratégia de resistência, afinal, ali poderia ler, escutar música, escrever e conviver em um ambiente exclusivamente feminino. Nesse ambiente, Juana escreveu defesas do direito à educação da mulher e à interpretação das Escrituras. Mediante a história de Juana Inés, Ana Liési nos revela a disputa que circulava nas sociedades ocidentais em pleno processo de reorganização do contrato social. Ela viveu em um contexto histórico marcado por redefinições das posições que os gêneros deveriam ocupar na redistribuição dos poderes. Essa releitura caminhava de mãos dadas com a mudança que também estava em curso para a inter- pretação dos corpos do isomorfismo para o dimorfismo. Será a suposta diferença natural entre os sexos que sustentará as teses de contratualistas para justificar a exclusão da mulher da vida pública. Juana Inés seria a prova de que teses fundamentadas na estrutura biológica eram determinadas não por descobertas revolucionárias das ciências, mas por interesses de gêneros. Ana Liési, ao mesmo tempo que nos apresenta a obra e a vida de Juana Inés, discorre sobre o pensamento de John Locke, um dos fundadores do contrato social moderno. O projeto de estruturação dos estados modernos esteve atrelado a novas configurações dos gêneros e, simultaneamente, à produção da matriz heterossexual. Para Locke, o con- sentimento livre da esposa à subordinação ao marido, por meio do contrato do casamento, não seria uma imposição, mas algo natural, consentido. Os contratualistas são intelectuais responsáveis pela tessitura de um dos dispositivos discursivos que formarão a matriz heterossexual e que encontrarão inteligibilidade nas complementaridades sexual e de gênero. Ao pôr em diálogo Juana Inés e John Locke, Ana Liési termina por nos revelar as disputas e resistências em torno das verdades para os gêneros que estavam em processo de mudança. Juana Inés fez de sua vida um contraponto às normas então produzidas para presidir a vida das mulheres. A polaridade Locke e Juana é uma síntese dos acontecimentos mais amplos que ocorriam nessa época.

Transcript of corpo-projeto Berenice Bento.pdf

Page 1: corpo-projeto Berenice Bento.pdf

Estudos Feministas, Florianópolis, 17(1): 296, janeiro-abril/2009 265

ResenhasResenhasResenhasResenhasResenhas

Corpo-projetoCorpo-projetoCorpo-projetoCorpo-projetoCorpo-projeto

A construção dos corpos:perspectivas feministas.

STEVENS, Cristina Maria Teixeira; SWAIN,Tânia Navarro (Orgs.).

Florianópolis: Editora Mulheres, 2008.

O que é um corpo? Hormônios, sangue,órgãos, aparelho reprodutor? A construção doscorpos, organizado por Cristina Maria TeixeiraStevens e Tânia Navarro Swain, reúne artigos querevelam muitos corpos sob o significado corpo.O livro é composto de 12 artigos escritos porsociólogas, historiadoras, psicólogas, educado-ras e críticas literárias espalhadas entre Brasília,São Paulo e Rio Grande do Sul. Essa diversidadede áreas do conhecimento produz uma riquezasingular nas abordagens sobre o corpo, odesejo, a reprodução e a subversão das normas.Corpo dócil, inútil, domesticado, abjeto, celiba-tário, puro, lugar de produção de invisibilidade;corpos que resistem, subversivos. A urdidura dosartigos nos expõe a um léxico singular que marcaum campo de estudos caracterizado por umadisputa com concepções naturalizantes e essen-cialistas sobre as identidades. O livro é resultadode trabalhos apresentados no SeminárioInternacional Fazendo Gênero, em 2006.

O artigo “A construção de corpos sexuadose a resistência das mulheres: o caso emblemá-tico de Juana Inés de la Cruz”, de Ana Liési Thurler,é uma contribuição lapidar na luta pelavisibilização de personagens femininas queafirmaram a importância da participação damulher na vida política e pública. Juana Inés dela Cruz, mexicana, viveu entre 1651 e 1695,ingressou no Convento das Carmelitas Descalçasaos 16 anos. Ana Liési aponta que a entradapara a vida religiosa pode ser entendida comouma estratégia de resistência, afinal, ali poderialer, escutar música, escrever e conviver em umambiente exclusivamente feminino. Nesse

ambiente, Juana escreveu defesas do direito àeducação da mulher e à interpretação dasEscrituras.

Mediante a história de Juana Inés, Ana Liésinos revela a disputa que circulava nassociedades ocidentais em pleno processo dereorganização do contrato social. Ela viveu emum contexto histórico marcado por redefiniçõesdas posições que os gêneros deveriam ocuparna redistribuição dos poderes. Essa releituracaminhava de mãos dadas com a mudançaque também estava em curso para a inter-pretação dos corpos do isomorfismo para odimorfismo. Será a suposta diferença naturalentre os sexos que sustentará as teses decontratualistas para justificar a exclusão damulher da vida pública. Juana Inés seria a provade que teses fundamentadas na estruturabiológica eram determinadas não pordescobertas revolucionárias das ciências, maspor interesses de gêneros.

Ana Liési, ao mesmo tempo que nosapresenta a obra e a vida de Juana Inés,discorre sobre o pensamento de John Locke,um dos fundadores do contrato social moderno.O projeto de estruturação dos estados modernosesteve atrelado a novas configurações dosgêneros e, simultaneamente, à produção damatriz heterossexual. Para Locke, o con-sentimento livre da esposa à subordinação aomarido, por meio do contrato do casamento,não seria uma imposição, mas algo natural,consentido. Os contratualistas são intelectuaisresponsáveis pela tessitura de um dos dispositivosdiscursivos que formarão a matriz heterossexuale que encontrarão inteligibilidade nascomplementaridades sexual e de gênero.

Ao pôr em diálogo Juana Inés e JohnLocke, Ana Liési termina por nos revelar asdisputas e resistências em torno das verdadespara os gêneros que estavam em processo demudança. Juana Inés fez de sua vida umcontraponto às normas então produzidas parapresidir a vida das mulheres. A polaridade Lockee Juana é uma síntese dos acontecimentos maisamplos que ocorriam nessa época.

Page 2: corpo-projeto Berenice Bento.pdf

266 Estudos Feministas, Florianópolis, 17(1): 265-283, janeiro-abril/2009

O artigo “Corpos que escapam: ascelibatárias”, de Cláudia Maia, dialoga com ode Ana Liési visto estabelecer genealogias quedesnaturalizam a distribuição desigual de poderentre o masculino e o feminino. A autora analisaas estratégias discursivas articuladas pelasenunciações médico-científicas, nas primeirasdécadas do século XX no Brasil, as quais tinhamo corpo celibatário feminino como a negaçãoda natureza feminina. A referência denormalidade é o corpo feminino procriativo, noâmbito de uma relação regulada pelo Estado.A autora analisa a crônica A tragédia dassolteironas, escrita em 1937 por Berilo Neves,na qual as mulheres não procriativas sãointerpretadas como seres portadores de corposdefeituosos, doentes e inúteis. A matrizheterossexual atrelada à biopolítica do Estado,que teve nos contratualistas alguns dos seusidealizadores, estava em pleno funcionamento.Um dos pontos fortes do artigo de Cláudia Maiaestá em apontar as fissuras e resistências que odispositivo da sexualidade, nesse momentohistórico, encontrava. A autora resgata ostrabalhos de Maria Lacerda de Moura e ErcíliaNogueira, feministas que criticam os discursoshegemônicos que destinavam e aprisionavama mulher ao papel exclusivo de donas de casa.Cláudia Maia observa que há um alcancelimitado dessas críticas à medida que amaternidade, instituição fundante daheterossexualidade compulsória, não é objetode desconstrução na obra das feministas.

Os artigos da coletânea têm movimentosinternos similares. Ao apontar o corpo como umlugar saturado de discurso, de poder, destacamas possibilidades de resistências, de fissuras. Alémdessa questão, pode-se notar que há um núcleode autores que se repetem nas referênciasbibliográficas, com destaque para as obras deMichel Foucault e Judith Butler. Possíveis pontosde unidade não retiram a singularidade de cadaartigo, tampouco se pode esperar leiturasuníssonas sobre conceitos e experiências, aexemplo da discussão sobre a maternidadedesenvolvida por Cláudia Maia e Cristina Stevens.A maternidade para Cláudia Maia é umainstituição política, daí a leitura que médicosfazem do corpo celibatário, doente, varonil oufrígido. Assim, não é consequente criticar aheteronormatividade, para a autora, semconsiderar a maternidade como uma das formasprivilegiadas de controle dos corpos femininos.

A maternidade, para Cristina Stevens, noartigo “O corpo da mãe na literatura: umaausência presente”, tem uma potência

subversiva que deveria ser recuperada comoprioritária pelos discursos e estudos feministas. Aexperiência da maternidade é analisadamediante a leitura da escritora Michelle Roberts,que destacará as fantasias inconscientes sobrea maternidade presentes em sua obra. Osromances da autora são analisados por CristinaStevens como uma tentativa de pensar amaternidade para além da dualidade natureza/cultura, o que possibilita repensá-la a partir deuma perspectiva que desconstrói a mística damaternidade como identidade institucionalimposta, para afirmá-la, conforme CristinaStevens, como admirável experiência inovado-ra. Outra obra interpretada por Cristina Stevensé a do autor D. M. Thomas. Nessa obra, a autoradestacará o caráter performático dado àquestão do corpo da mãe e da maternidade.

Afirmar a maternidade como umaexperiência singular do corpo-fêmea nãosignifica que a autora não esteja atenta àsarmadilhas criadas pelas idealizações para arealização feminina pela reprodução. CristinaStevens recupera a discussão tensa entrenatureza e cultura, e, ao apontar a positividadedessa experiência, não resvala nos essencia-lismos que apontam uma suposta condiçãofeminina ancorada na diferença sexual.

Da mesma forma que as outras autorasprivilegiam pontos de tensão para pensar asrupturas e a reprodução da ordem de gênero,Cristina Stevens destacará os significadoscontraditórios da maternidade, entendendo-acomo um lócus de poder e opressão,autorrealização e sacrifício, reverência edesvalorização.

Outra riqueza dessa coletânea está napluralidade das pesquisas e do material utilizado.Ana Liési faz um estudo histórico do impacto daobra de Juana de la Cruz; Cláudia Maiadebruça-se sobre textos de literatura e deescritoras feministas brasileiras de década de1940; Cristina Stevens lê obras literárias parapensar a representação da maternidade. Noartigo de Diva Muniz, há um resgate da dimensãodesnaturalizante e desencializadora que aintrodução do conceito de gênero representounos estudos feministas. É municiada com essearcabouço teórico, previamente analisado, queDiva Muniz nos apresenta sua interpretação dofilme “O segredo de Brokeback mountain”.

Nos artigos, “Sobre gênero, sexualidade” e“O segredo de Brokeback mountain: uma históriade aprisionamentos”, Diva Muniz fará umaimportante e competente defesa da categoriagênero. Para ela, a introdução dessa categoria

Page 3: corpo-projeto Berenice Bento.pdf

Estudos Feministas, Florianópolis, 17(1): 265-283, janeiro-abril/2009 267

possibilitou pensar mulheres e homens não comoessências biológicas predeterminadas, ante-riores à história, mas uma identidade construídasocial e culturalmente no jogo das relaçõessociais e sexuais pelas práticas disciplinadoras epelos discursos/saberes instituintes. A autoraafirmará que os estudos orientados pela cate-goria analítica gênero recusam os limites empo-brecedores de uma abordagem descritiva edisciplinar. Dessa nova perspectiva advêm aspossibilidades subversivas. Sua força desestabi-lizadora estaria na capacidade de desnaturaliza-ção e desencialização do binarismo quecaracterizara os estudos sobre as mulheres.

Para Diva Muniz, a recepção ao gêneropelos estudos históricos processou-se sem anecessária problematização. Nessa adoçãodescritiva e despolitizada, gênero tornou-sesinônimo de mulheres, de estudos das mulheres.A autora estabelece uma aliança teórica comum campo que pensa gênero como produto eprocesso de diferentes tecnologias sociais,aparatos biomédicos, epistemologias, práticascríticas institucionalizadas e práticas da vidacotidiana. Nesse sentido, o gênero, assim comoo sexo/sexualidade, não é algo existente a priorinas pessoas, mas um conjunto de efeitos quefazem corpos.

A segunda parte do seu artigo é dedicadaà leitura do filme “O segredo de Brokebackmountain”. A autora nos oferece uma leitura dosmecanismos de produção/reprodução dosistema de gênero na história de amor, silencia-mento, aprisionamento, homofobia internalizadae violência que marca as biografias do casalEnnis e Jack.

Se no artigo de Diva Muniz há uma defesada força do conceito de gênero, HeleiethSaffioti, em “A ontogênese do gênero”, discutiráos limites desse conceito. A autora proporá arevitalização da noção de diferença sexual,assim como da importância de seguir adiantecom os estudos sobre mulher. Isso se justifica àmedida que a situação das mulheres não mudousubstancialmente nas últimas décadas, segundoa autora. A ênfase do seu artigo está nas formasde reprodução das estruturas assimétricas degênero. Em sua crítica à utilização do conceitode gênero, afirmará que há um esquecimentodo caráter biológico que constitui o ser social. Aleitura dos artigos de Heleieth Saffioti e de DivaMuniz nos revela que o gênero está em disputano âmbito das relações sociais e entre as/ospesquisadoras/os. Não há consenso.

A diversidade dos gêneros, os conflitos eas violências que fundam as identidades de

gênero revelam que gênero e biologia secomunicam na exata medida em que a própriabiologia já nasce generificada. O que enten-demos quando falamos de mulheres oprimidas?De estrutura biológica? Nessa taxionomiaorientada pela biologia para dividir as espécies,onde caberiam as mulheres transexuais? E mais:onde estariam as mulheres lésbicas transexuaisque trazem em suas biografias camadassobrepostas de exclusão e violência?

Além disso, conforme apontou Diva Muniz,resgatando Judith Butler,1 ainda que os sexospareçam não problematicamente binários emsua morfologia e constituição, não há razão parasupor que os gêneros também devam perma-necer em número de dois.

Heleieth Saffioti afirma que “[...] éexatamente este fundamento biológico oelemento não problematizado no conceito degênero” (p. 175). A dimensão biológica apareceno conceito de gênero não como um dado,estático, mas permanentemente desconstruído,desnaturalizado, em suspeição.

O que significou os estudos sobre asmulheres em termos de naturalização foidiscutido pelo artigo de Diva Muniz. Hápesquisadores/as que continuam operando oolhar sobre as relações sociais de gênero como olhar binário dos estudos sobre as mulheres. Ainvisibilidade das mulheres com cromossomasXX, das mulheres transexuais, das travestis e daslésbicas é um fato, no entanto, ao se proporvisibilizar as mulheres XX, mediante a recupe-ração da centralidade dos estudos sobremulheres; seria importante dizer de que mulheresHeleieth está reivindicando visibilidade. Seria dasmulheres heterossexuais brancas? Das mulheresnegras lésbicas? Das mulheres transexuaislésbicas? Ainda que se saiba que as hierarquiasde gênero produzem uma profunda exclusãodo feminino, é limitador e produtor de novasinvisibilidades equacionar mulheres XX como ofeminino e homens XY como o masculino.

Quando a autora afirma “seja no sentidode ter muitos filhos ou de ter apenas um, o fatoé que as mulheres são manipuladas, estando ocontrole do exercício de sua sexualidadesempre em mãos masculinas” (p. 156), terminapor produzir a invisibilidade de mulheres quefazem a opção por ter seus/suas filhos/as sozinhase de casais lésbicos que lutam na justiça pelodireito à adoção e que decidem ter seus/suasfilhos/as em novos arranjos familiares. Essas novasconfigurações tornam temerário afirmar que “anatureza do patriarcado continua a mesma” (p.157).

Page 4: corpo-projeto Berenice Bento.pdf

268 Estudos Feministas, Florianópolis, 17(1): 265-283, janeiro-abril/2009

O conceito de gênero, para HeleiethSaffioti, pode representar uma categoriameramente descritiva, embora prefira autilização de “categorias de sexo”. Concordocom Diva, quando afirma que “uma das razões,porém, do recurso ao termo gênero foi, semdúvida, a recusa do essencialismo biológico, arepulsa pela imutabilidade implícita em‘anatomia é o destino’” (p. 120). O conceito degênero não é palatável ou confortável,principalmente no âmbito dos estudos queer,marco teórico que me orienta na leitura dosartigos desta coletânea. Nas últimas décadas,nota-se uma considerável produção depesquisas sobre o caráter performático dasidentidades de gênero, com isso, a tese de quehá identidades de gênero normais e outrastranstornadas foi posta em xeque e abriu umtenso e intenso debate com o poder médico.

Para os estudos queer, gênero pressupõeluta, não há espaço para neutralidade, mas paradisputas, inclusive com a visão heterocentrada,que orientou e segue orientando parte dosestudos feministas. Gênero não é a dimensãoda cultura por meio da qual o sexo se expressa,conforme afirma Heleieth, pois não existe “sexo”como um dado pré-discursivo. O sexo, conformeButler, sempre foi gênero.2 O artigo de HeleiethSaffioti é importante à medida que nos revelaque “gênero” está em disputa.

A autora nos apresenta uma leitura poucootimista das mudanças nas relações entre osgêneros, posição contrastante com outrosartigos da coletânea, a exemplo do artigo deMargareth Rago e Luana Saturnino Tvardovskas.

Norma Telles, em “Bestiários”, leva-nos aomundo mágico da obra das artistas LeonoraCarrington e Remédio Varo. Os livros das bestas,populares durante a Idade Média, sãorecuperados pelo surrealismo, movimentoartístico que as influenciou consideravelmente.As taxonomias das espécies cedem lugar aoshibridismos, aos devaneios na obra das artistas.Norma Telles analisa como o pensamento vaisendo deslocado para a vida animalizada. Todoo esforço da ciência moderna em separar omundo humano do mundo animal é posto emxeque pelos surrealistas e, particularmente, pelasartistas. Ao analisar contos e quadros das artistas,a autora aponta para a interação de animais ehumanos, o que resulta em um mundo fantástico,onírico, onde imperam a indeterminação e aincerteza. A irreverência está presente na criaçãode corpos femininos, marcados pela liberdadeanimalesca. O hibridismo das personagens efiguras, segundo a autora, supera as limitações

definidoras, aproximando realidades distantese desconstruindo os gêneros.

Para Norma Telles, o binarismo arraigado edisseminado por todas as esferas da sociedadeé posto em suspeição quando a confusão e aperturbação são resgatadas como matéria-prima para a produção das artistas. A abjeçãode corpos sem definição, meio animal, meiogente, cria um campo de reflexão sobrenormalidade e patologias. As artistas, seusquadros e contos, não exigem provas nemverdades únicas. Apresentam novos arranjos,anedotas, para apresentar a maleabilidade docorpo, dos seres, das metamorfoses.

O horror à indeterminação e à confusãono processo de classificação dos gêneros resultana ideia de que a normalidade dos gênerosestá baseada na diferença sexual. A verdadedo sexo não permite ambiguidades. Homem emulher não se confundem nunca, afirma o sabermédico. A confusão e o hibridismo, se existem,são expressões de corpos enfermos. Caberia àciência corrigir os erros da natureza. Dessa forma,as transexuais e travestis seriam casos dehibridismo que encontram o único lugar possívelde existência nos compêndios médicos. Sãoexperiências identitárias carimbadas comotranstornos. Quando Leonora Carrington eRemédio Varo representam um mundo sem asuposta coerência linear e binária que estruturao pensamento moderno, dizem-nos que hámuitos mundos. O hibridismo não é algo externoao humano, mas está presente em nossossonhos, em nossos desejos e nas subjetividades.

Os artigos de Silvana Vilodre Goellner eTânia Fontenele-Mourão apresentam resultadosde pesquisas que analisam processos deconstrução de corpos femininos pautados pelasidealizações do gênero feminino. O artigo“Cultura fitness e a estética do comedimento:as mulheres, seus corpos e aparências”, deSilvana Vilodre Goellner, discute a cultura fitnesscomo mecanismos que funcionam em tornoda construção de uma representação de corpocomo sinônimo de saúde e beleza. O corpotrabalhado é associado a termos plenos depositividades, dentre eles, “bem-estar”,“qualidade de vida” e “vida saudável”. ParaSilvana Vilodre, a cultura fitness desdobra-se dediferentes maneiras e, de forma persuasiva,captura as mulheres com a promessa defelicidade.

Um dos pontos que podem ser destacados,a partir das reflexões da autora, é o caráterincluso da construção dos corpos generificados.A ideia de corpo-projeto materializa-se nas

Page 5: corpo-projeto Berenice Bento.pdf

Estudos Feministas, Florianópolis, 17(1): 265-283, janeiro-abril/2009 269

práticas que constituem a cultura fitness. Ocorpo apresenta-se como uma substânciaprecária que precisa da confirmação e doreconhecimento da feminilidade e masculini-dade, e que, nesse caso, encontra nas práticasde remodelação, fabricação e consertos dos“defeitos naturais” os dispositivos para tornar-sereal. As idealizações de gênero nos levam paralugares inabitáveis, um não-lugar, mas queoperam ações, opções e desejos. Já nascemoscom débitos e teremos a vida inteira paraconsertar os erros originais. Esse me parece sero eixo principal do artigo de Silvana Vilodre. Fazerdietas, aumentar ou diminuir partes dos corpos,injetar produtos, suar e suar, são práticas querevelam o caráter ficcional de um corpofeminino original que nasce pronto.

As múltiplas tecnologias de gênero estãoem pleno funcionamento, determinandolugares específicos para se fazer o trabalho dereconstrução dos corpos: academias, clínicas,centros de estética, enfim, fábricas de produçãode corpos inteligíveis. A experiência corpórea,materializada em determinadas performances,constitui as subjetividades de gênero, ou seja, aideia ou promessa de felicidade estádiretamente vinculada às formas corpóreas quese têm. Eis uma promessa que já nasce fadadaao fracasso.

No artigo “Mutilações e normatizações docorpo feminino – entre a bela e a fera”, TâniaFontele-Mourão apontará outras tecnologiasque produzem feminilidade, calcadas emsacrifício, dor, riscos. Escovas progressivas, dietasrigorosas, depilação, próteses, são práticas dereconstrução corporal, a exemplo da análisedo culto fitness, que nos expõem com dureza ocaráter ficcional de se pensarem identidadesde gênero como uma substância, desvinculadodas práticas, conforme discutirá Tânia Navarroem seu artigo. A proliferação de novas tecnolo-gias de gênero e o crescente consumo pelosfemininos e masculinos produzem uma inversão:práticas antes vinculadas exclusivamente atravestis e transexuais passam a ser rotinizadasem amplas esferas sociais. A proliferação douso múltiplo do silicone seria uma marca dasidentidades protéticas que se caracteriza pelapromessa de felicidade mediante reconstruçãodos corpos.

Esses processos mais radicais e incisivos deintervenção/fabricação produzem novas formas,porém não originais, de refazer o feminino. Sãomulheres cromossomaticamente XX queparodiam práticas e performances vinculadasao mundo trans. Nesse sentido, as pesquisas de

Tânia Fontele-Mourão e Silvana Vilodre sãofundamentais para pensar os canais decomunicação entre os muitos femininos, semperder de perspectiva os aprisionamentos e aspotencialidades de resistência que derivam dabiopolítica contemporânea aliada às novastecnologias de gênero que circulam pelasociedade.

Para Tânia Fontele-Mourão, o desejo deintervenções é interpretado como uma patolo-gia feminina que potencialmente poderia gerarresistência e rebelião, mas que é manipuladapara servir à manutenção da ordem estabe-lecida. Sintoma desse nível de patologia coletivaseria o fato de que nove em dez mulheres entre15 e 64 anos querem mudar algum aspecto decorpo, principalmente peso e forma de corpo,conforme pesquisa realizada pela Dove.

A histeria, a agorafobia e a anorexia, paraa autora, não são patologias individuais, masexpressões de um nível de sofrimento resultadodos aprisionamentos e controles do corpofeminino. Os corpos esqueléticos das anoréxi-cas, o desespero das histéricas, a ansiedadedas agorafóbicas, são protestos inconscientes,incipientes e contraproducentes, pois sãoexperiências corpóreas e existenciais que nãose constituem em voz política, mas estão alirevelando os aprisionamentos de um sistema degênero que prega, como se mantra fosse, quea felicidade está em ter um corpo adequadoaos padrões estéticos. A doença como sintomade um sistema de gênero que desvaloriza ofeminino e captura seus corpos também éanalisada por Tânia Navarro Swain, em seu artigonessa coletânea, quando observa que a TPMseria uma fórmula de interiorização e controledas mulheres, agrilhoando-as a um corpo quedita seu comportamento e sua ação no mundo.

Os artigos de Guacira Lopes Louro, “O‘estranhamento’ queer”, e de Margareth Ragoe Luana Tvardovskas, “O corpo sensual emMárcia X”, esboçam reflexões queer sobreidentidades, corpo e desejo. Guacira LopesLouro apontará a proposta dos estudos queercomo uma bússola teórica que oferecefundamentos radicais para a desconstrução daheronormatividade e do binarismo de todaordem. A autora reconhece a força dobinarismo que opera em todas as esferas sociais,inclusive no interior dos grupos chamadosminoritários. A política de identidade fixa umaidentidade gay, uma identidade lésbica, umaidentidade feminina. No campo da luta dasminorias, também se produzem exclusão einvisibilidades. As margens produzem seus

Page 6: corpo-projeto Berenice Bento.pdf

270 Estudos Feministas, Florianópolis, 17(1): 265-283, janeiro-abril/2009

centros e periferias, hierarquizando performan-ces, tornando uma expressão, ou jeito de estarno mundo, mais legítima.

A autora destacará a força das normassociais regulatórias que pretendem que umcorpo, ao ser identificado como macho oufêmea, determine, necessariamente, um gênero(masculino ou feminino) e conduza a uma únicaforma de desejo (que deve se dirigir ao sexo/gênero oposto). O processo de heteronormativi-dade, ou seja, a produção e reiteração compul-sória da norma heterossexual, inscreve-se nessalógica, supondo a manutenção da continuidadee da coerência entre sexo/gênero/sexualidade.

A discussão teórica apresentada porGuacira Lopes Louro dialoga com a leituraqueer que Margareth Rago e Luana Tvardovskasfazem da obra de Márcia X. As autorasdestacam a força desestabilizadora da artistaplástica, que, em suas instalações, brincava comobjetos sagrados, a exemplo do terço,produzindo deslocamento de olhares, corpos,sexualidade e desejo. A sua crítica aofalocentrismo tem um forte componente queer,à medida que inverte polos, desloca olhares,cria instabilidades. Para as autoras, a obra daartista revela a capacidade de autonomia dasmulheres e seu desejo de transformar suaeconomia desejante, desconstruindo osdiscursos misóginos masculinos, que visam impor-lhes uma identidade construída do exterior.Márcia X desenvolveu performances einstalações, questionando o estatuto da arte edo artista na sociedade, do corpo e dasexualidade, da normalidade e da perversão.

Em uma de suas performances, apresen-tou-se vestida com uma camisa e uma cueca,onde abrigava um volume que simulava o órgãosexual masculino. A imagem da mulher sensualera, em seguida, quebrada pela visão ambíguada genitália. Em outro momento, a artistaapresenta uma instalação com muitos terçosformando um pênis enorme. Embaralhamentodas fronteiras instituídas, diluição das oposiçõesbinárias, são marcas na obra dessa artista,segundo Margareth Rago e Luana Tvardovskas,que destacarão que as mulheres, que já nãosão ingênuas nem castas, ousam brincar com odesejo, afirmar o prazer, insinuar e expor o corpo,borrando ou desfazendo insistentemente asfronteiras do normal e do perverso. A obra deMárcia X seria uma referência para essasmudanças.

Em “Reações hiperbólicas da violência dalinguagem patriarcal”, Marie-France Dépécherealiza uma importante reflexão sobre a

linguagem como criadora de realidades,principalmente os atos linguísticos violentos. Osatos da fala produzem invisibilidades e posiçõesde poder. A força da linguagem commodalidade constitutiva das normas de gêneroé um dos pontos fortes na análise e posiçãopolítica dos estudos queer. A negatividade doinsulto é invertida, transformando em parteestruturante das identidades. Portanto, recuperara linguagem como um campo de disputa naluta pela transformação radical das relaçõesassimétricas de gênero é uma estratégiafundamental. É dessa luta que nos fala Marie-France Dépéche. Conforme discorre, o conceitode linguagem não se restringe a um sistema designos, fixos, a-histórico. A linguagem é umainstituição instável, um lugar de exercício dopoder, de confronto entre forças adversas e,portanto, potencialmente violenta, principal-mente quando define, a partir dos corpos, oslugares de fala e de inserção sociopolítica.

No debate sobre as formas de violênciasfísicas e simbólicas contra a mulher, a autoradestacará que a prostituição é a expressãomaior dessas múltiplas violências contra asmulheres. No entanto, sua posição carece deuma escuta mais atenta das mulherestrabalhadoras sexuais, sujeitas que vivem,produzem, reproduzem e interagem no mundodo comércio sexual. Uma concepção que nãolida com as muitas variáveis e imponderáveisque constituem esse campo social acaba porproduzir uma reificação das relações queacontecem no seu interior. Parece-mesimplismo transferir a responsabilidade exclusivapara os homens de práticas e relaçõescontinuamente negociadas. Se a realidade émultifacetada, escorregadia, quando se tratade trabalho sexual e trabalhadoras sexuais, essenível de incertezas é potencializado.

As mulheres trabalhadoras sexuais não sãodesprovidas de agência. Uma das lutas dessastrabalhadoras é pelo reconhecimentoprofissional e acesso aos direitos e às obrigaçõesprevidenciárias. Diante dessa demanda, o quefazer? Dizer-lhes: não, a luta é pela extinção dotrabalho sexual, pois esse trabalho é umadegradação da mulher? Esse argumento é omesmo utilizado pelos defensores da famíliaheterocentrada. Valeria perguntar qual a fonteexplicativa para trabalho sexual masculino. Seria,então, apenas uma inversão dos polos, ou seja,os homens veem seus corpos “apropriados” peloconjunto de mulheres?

Tânia Navarro Swain, em “Entre a vida e amorte, o sexo”, faz uma crítica radical à

Page 7: corpo-projeto Berenice Bento.pdf

Estudos Feministas, Florianópolis, 17(1): 265-283, janeiro-abril/2009 271

centralidade do sexo na vida contemporânea,alertando-nos sobre a força do dispositivo dasexualidade. Para a autora, diante do massacrea que somos submetidos/as diariamente commensagens de que só é possível ser feliz commuito sexo, de que não existe vida fora dasexualidade compulsória, devemos denunciarque esses enunciados são estratégias a serviçoda heterossexualidade compulsória e daheteronormatividade, ou seja, esses enunciadoscriam aquilo que dizem descrever.

Uma vigilância permanente, não aceitar ohegemônico, fazer do corpo um manifesto derecusa às idealizações, ao dispositivo dasexualidade e ao dispositivo amoroso, revelaros aprisionamentos e promover resistênciascapilares, reconstruindo o corpo como espaçode resistência e negação dos padrõeshegemônicos, são questões que atravessam oartigo de Tânia Navarro. Seu texto tem cheiro,vida, suor, posicionamento. É prazerosa sualeitura porque produz reverberações nasubjetividade da leitora. Os bons textos sãoaqueles que ao lê-los ficamos com a agradávelsensação de que estamos sendo lidos,plagiando Mário Quintana. Eis a sensação queTânia Navarro despertou-me ao analisar anecessidade de um mundo que funcione a partirde uma nova estética da existência que nãoproduza dor, exclusão e violência contra oscorpos construídos na condição de abjetos.

A autora articula seu desejo com umadiscussão teórica que nos fala de deslocamento,nomadismo, inconformismo. A estética daexistência leva a autora a pensar sobre aprodução crítica de si, sujeito político e histórico,quebrando os grilhões do natural, dasexualidade compulsória e das novas servidõesque se anunciam ao criar nossos corpos.

A radicalidade do seu texto está emrelacionar sexualidade à posse, à traição, àhonra, à autoestima, à emoção, valores que seconfundem em torno de corpos definidos pelopoder de nomeação, pela performatividadedos comportamentos codificados pelo social,pelas condições de imaginação que esculpemmodelos.

***

Uma ausência do livro refere-se às reflexõessobre os processos de construção dos corposmasculinos. Essa ausência pode gerar certoincômodo, pois pode sugerir que exclusiva-mente o corpo feminino foi objeto de reiteradasinversões discursivas para a construção da

heteronormatividade e que os homens, os queformulavam essas estratégias, estivessem foradessa matriz, como se fossem portadores deuma natureza que os predispõe à virilidade e àcompetição e tenham um desejo intrínseco pelocontrole do feminino. Seria a produção da ideiade que o feminino está para a cultura e omasculino, para a natureza?

Essa ausência, no entanto, não retira dolivro sua força e originalidade. Navegamos porum léxico que marca o campo de estudos sobreo corpo, desejo, poder, biopoder, e que estáem disputa com o poder/saber médico e comas ciências psi. Muitos corpos nos sãoapresentados ao longo dos 12 artigos, o que fazcair por terra a ideia de que nascemos e vivemoscom um único corpo. Mudamos, nossos corposmudam. A imagem de uma humanidade comdois corpos, pautados na diferença sexual,evapora-se.

Vivemos em uma época pós-humana. Ocorpo é refeito, retocado, manipulado, sejapara adequar-se às normas ou para subvertê-las. Um humano ciborgue, protético, revela-nosque a busca do masculino e do feminino, funda-mentada em uma origem biológica, é um contode fadas ou um conto de terror. Conformeapontou Norma Telles, vivemos em uma épocados corpos fragmentados, que desfazem erefazem a forma humana, sem uma fixação,mutável.

Os ciborgues sociais precisam dereconhecimento para ter vida. Não se recons-troem corpos para si mesmo. O desejo de reco-nhecimento, de felicidade, faz-nos seres paraos/as outros/as. Estamos sempre em relação eem disputa. Nenhuma identidade sexual e degênero é absolutamente autônoma, autêntica,original, facilmente assumida, isolada. Toda amaquinaria posta em movimento para fazercorpos dóceis ou corpos rebeldes só encontrasua eficácia se produz algum nível de reconhe-cimento. A identidade é um construto instável emutável, uma relação social contraditória e nãofinalizada.

NotasNotasNotasNotasNotas1 Judith BUTLER, 2003.2 BUTLER, 2003.

Referências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficas

BENTO, Berenice. A (re)invenção do corpo:sexualidade e gênero na experiênciatransexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismoe subversão da identidade. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2003.

Page 8: corpo-projeto Berenice Bento.pdf

272 Estudos Feministas, Florianópolis, 17(1): 265-283, janeiro-abril/2009

FONSECA, Claudia Lee Williams. “A dupla carreirada mulher prostituta”. Revista EstudosFeministas, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 7-34,1996.

HARAWAY, Donna. Simians, Cyborgs andWomen: The Reinvention of Nature. New York:Routledge, 1991.

PISCITELLI, Adriana Garcia. “Entre as ‘máfias’ e a‘ajuda’: a construção de conhecimento notráfico de pessoas”. Cadernos Pagu, SãoPaulo: Unicamp, v. 31, p. 29-65, 2008.

Berenice Bento Universidade Federal do Rio Grande do Norte