Correia Rita Para Quem Escrevem Os Jornalistas

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Para quem escrevem os jornalistas? Rita Correia * Índice 1 Para as audiências 1 2 Para os líderes de opinião 2 3 Para os outros jornalistas 2 4 Para os outros jornais 3 5 Para os patrões 4 6 Para o meio de comunicação 4 7 Para as fontes 5 8 Para os potenciais anunciantes 6 9 Para si próprios 6 10 Para os cidadãos 7 11 Conclusão 7 12 Bibliografia 8 “O jornalista deve relatar os factos com ri- gor e exactidão e interpretá-los com hones- tidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.” 1 Mas, quem é este “público”? Afinal, para quem escrevem os jornalistas? 1 Para as audiências A teoria dos media convencional, como re- fere Fred Inglis (Inglis, 1993: 179), de- * Mestranda em Comunicação, Cultura e Tecnolo- gias de Informação no ISCTE. 1 Código Deontológico do Jornalista, 1993 fine público como audiência. No entanto, e apesar dos dois conceitos serem compos- tos, muito frequentemente, pelos mesmos in- divíduos, existe uma diferença de “ponto de vista e de perspectiva de avaliação” (Rieffel, 2003: 165) entre eles – enquanto os estudos da audiência são mais quantitativos, os estu- dos sobre o público são mais qualitativos e relacionados com as condições efectivas da recepção da informação. Mas abordemos aqui a questão, quantita- tiva, das audiências. Como referem Kovach e Rosenstiel (Kovach, 2004: 64), “quando a responsabilidade financeira entrou na redac- ção, trouxe consigo a linguagem comercial”, os leitores e espectadores passaram a ser vis- tos como clientes e, consequentemente, as notícias passaram a serviço ao cliente. Ora, sendo o cliente “aquele que compra bens ou serviços”, e os meios de comunicação pro- dutos de consumo, importa vender cada vez mais, pelo que este aspecto não pode ser des- curado na altura da elaboração da notícia. Aqui surge, como refere Mar de Fontcu- berta (Fontcuberta, 2002: 35), uma nítida contradição: se, por um lado, existe uma exi- gência progressiva de cada leitor em ser tra- tado de forma personalizada e adequada aos seus gostos pessoais (sendo por isso necessá- rio os meios conhecerem aprofundadamente os seus receptores), por outro lado, o mer- cado para se expandir tem a necessidade de

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  • Para quem escrevem os jornalistas?

    Rita Correia

    ndice1 Para as audincias 12 Para os lderes de opinio 23 Para os outros jornalistas 24 Para os outros jornais 35 Para os patres 46 Para o meio de comunicao 47 Para as fontes 58 Para os potenciais anunciantes 69 Para si prprios 610 Para os cidados 711 Concluso 712 Bibliografia 8

    O jornalista deve relatar os factos com ri-gor e exactido e interpret-los com hones-tidade. Os factos devem ser comprovados,ouvindo as partes com interesses atendveisno caso. A distino entre notcia e opiniodeve ficar bem clara aos olhos do pblico.1Mas, quem este pblico? Afinal, para

    quem escrevem os jornalistas?

    1 Para as audinciasA teoria dos media convencional, como re-fere Fred Inglis (Inglis, 1993: 179), de-

    Mestranda em Comunicao, Cultura e Tecnolo-gias de Informao no ISCTE.

    1 Cdigo Deontolgico do Jornalista, 1993

    fine pblico como audincia. No entanto,e apesar dos dois conceitos serem compos-tos, muito frequentemente, pelos mesmos in-divduos, existe uma diferena de ponto devista e de perspectiva de avaliao (Rieffel,2003: 165) entre eles enquanto os estudosda audincia so mais quantitativos, os estu-dos sobre o pblico so mais qualitativos erelacionados com as condies efectivas darecepo da informao.Mas abordemos aqui a questo, quantita-

    tiva, das audincias. Como referem Kovache Rosenstiel (Kovach, 2004: 64), quando aresponsabilidade financeira entrou na redac-o, trouxe consigo a linguagem comercial,os leitores e espectadores passaram a ser vis-tos como clientes e, consequentemente, asnotcias passaram a servio ao cliente. Ora,sendo o cliente aquele que compra bens ouservios, e os meios de comunicao pro-dutos de consumo, importa vender cada vezmais, pelo que este aspecto no pode ser des-curado na altura da elaborao da notcia.Aqui surge, como refere Mar de Fontcu-

    berta (Fontcuberta, 2002: 35), uma ntidacontradio: se, por um lado, existe uma exi-gncia progressiva de cada leitor em ser tra-tado de forma personalizada e adequada aosseus gostos pessoais (sendo por isso necess-rio os meios conhecerem aprofundadamenteos seus receptores), por outro lado, o mer-cado para se expandir tem a necessidade de

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    criar consumidores homogneos, de formaa aumentar as audincias dos produtos comcontedos tambm necessariamente homo-gneos.Apesar da contradio existente, estes dois

    aspectos acabam por influenciar a escrita jor-nalstica. O jornalista escreve para as au-dincias quando pretende produzir os con-tedos de forma homognea e quando pre-tende adequar os contedos aos gostos es-pecficos dos leitores, de acordo com os re-sultados dos estudos de audincias, uma vezque . . . solicitado para sondagens concebi-das unicamente dentro do quadro do exis-tente, o pblico no aponta alternativas, le-gitima o que existe e obriga os media suacontnua reproduo (Correia, 1997: 201).

    2 Para os lderes de opinioOs lderes de opinio so especialmente im-portantes para os jornalistas.Num primeiro aspecto, mais do que do re-

    conhecimento do grande pblico, a notori-edade dos jornalistas dada pelas relaesestreitas existentes entre estes e os lderesde opinio (dirigentes polticos, econmicos,mediticos) pelo que, para os jornalistas, es-tes lderes constituem o seu pblico privile-giado (Correia, 1997: 190).Num segundo aspecto, e apesar dos efei-

    tos da massificao da informao, os lde-res de opinio continuam a ter um papel im-portante na modelao das atitudes e valo-res das comunidades e grupos coesos (Inglis,1993: 194) que tambm no pode ser des-curado pelo jornalista, principalmente agoraque este sentido de comunidade tem vindoa ganhar novo flego e mais importnciacom o desenvolvimento e crescimento dasnovas comunidades virtuais (blogs, messen-

    ger, etc.). No convm aos jornalistas entrarem ruptura com os lderes de opinio en-quanto promotores de respostas, de reaces,a notcias relativas ao seu grupo ou que aoseu grupo possam, indirectamente, interes-sar (Rebelo, 2002: 32).O terceiro aspecto diz respeito ao resul-

    tado das presses efectuadas por alguns lde-res de opinio. Dispondo da possibilidadede conhecer, antes do prprio jornalista, ofuturo desencadear de uma dada ocorrncia,eles podem funcionar como fontes do jorna-lista ou do jornal. Podem estar, assim, na ori-gem dos prprios fluxos de informao, ge-radores da notcia difundida qual acrescen-tam os seus comentrios. Para no conside-rar os casos em que a ocorrncia criada poreles mesmos (Rebelo, 2002: 32). Os jor-nalistas so hoje destinatrios de um fluxoininterrupto de informaes produzidas poroutros profissionais de comunicao que, porum lado, os dispersam e, por outro, lhes tra-zem, em troca, algumas gratificaes mate-riais suplementares: organizao de eventoscriados pela empresa, animao de semin-rios ou almoos-debates altamente remune-rados, encomendas de artigos para o jornalinterno, etc. (Rieffel, 2003: 148).

    3 Para os outros jornalistasO jornalista, ainda que inconscientemente,escreve mais para os camaradas de profis-so e para as direces e chefias do que parao pblico, pois deles que, quotidianamente,recebe as orientaes e as indicaes, os elo-gios e as crticas, troca informaes e com-para notcias (Correia, 1997: 200). Estereconhecimento pelos colegas de profisso,para alm de conferir credibilidade aos jor-nalistas (Rieffel, 2003: 144), constitui um

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    elemento de identidade profissional e um ca-pital colectivo detido e valorizado pelas re-daces (Neveu, 2004: 72). Esta identidadeprofissional assume uma importncia tal que,apesar da imensido existente de notcias, amaioria dos rgos de comunicao socialde uma mesma regio costuma atribuir-lhesum grau de relevncia semelhante devido existncia de um cdigo no escrito parti-lhado pela maioria dos jornalistas, compostosimultaneamente por uma percepo seme-lhante da realidade (o to estafado lugar-comum do olfacto jornalstico) (Fontcu-berta, 2002: 45).Mas a importncia do reconhecimento dos

    pares para o jornalista pode no se limitar aestes aspectos, pode resultar de uma estrat-gia de abertura a uma eventual transfernciapara outro media: a mobilidade do mercadode trabalho e mesmo a instabilidade e a vidadifcil de muitas empresas do sector acon-selham compreensveis medidas de precau-o quanto ao futuro profissional (Correia,1997: 213), ou pode resultar da aspirao aascender s editorias nobres (poltica, econo-mia, finanas etc.) que possibilitam aos jor-nalistas o acesso a cargos de direco (Ne-veu, 2004: 67).Por outro lado, a profisso de jornalista

    tornou-se subitamente to importante quepodemos ver jornalistas em directo entrevis-tando jornalistas que entrevistaram ou estoa entrevistar outros jornalistas, para tudo serainda comentado, logo de seguida, por ou-tros jornalistas em estdio (Letria, 1998:12), tudo isto, para alm de poder conver-ter alguns profissionais em estrelas, contribuipara uma viso encantada do jornalismo, desuas funes democrticas, de seus poderes(Neveu, 2004: 14) que confere status e ali-menta o ego a qualquer um.

    Por ltimo, existe ainda um grupo de jor-nalistas cuja funo escrever para os outrosjornalistas os profissionais das agncias denotcias. As agncias so orientadas para ossistemas de assinaturas la carte, nos quaisos clientes de media podem optar pela recep-o de matrias mais interpretativas, por umfluxo de informao mais abundante sobrecerto assunto ou determinada rea geogr-fica. O agente torna-se, ento, cada vez maisum jornalista subordinado a uma sobrecargade pedidos de seus colegas clientes (Neveu,2004: 62).

    4 Para os outros jornaisA situao de competio entre os meios decomunicao de massas conduz a que to-dos queiram chegar primeiro com uma not-cia, compitam na obteno de exclusivos ouinventem novas rubricas e esta competio,inevitavelmente, reflecte-se na escrita jorna-lstica.Um destes reflexos consiste na divulgao

    prematura de algumas notcias, ou na suaelaborao precipitada antes de fazer a in-vestigao mnima, proceder s necessriasconfirmaes, etc. -, apenas e s para que seconsiga ultrapassar a concorrncia (Correia,1997: 270).Um outro reflexo consiste na seleco de

    uma notcia apenas pelo facto de se esperarque os outros jornais tambm o faam (Wolf,1992: 190), principalmente as grandes pu-blicaes (Neveu, 2004: 92). Desta forma,parte da importncia dada informao, econsequentemente notcia, resulta do des-taque que as outras publicaes lhe do.Podemos observar ainda um terceiro re-

    flexo na tendncia para centrar a coberturainformativa nas personagens de elite (Wolf,

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    1992: 190), por um lado porque os outrosjornais certamente tambm o faro e, por ou-tro, para tentar fornecer informaes exclu-sivas em primeira-mo.

    5 Para os patresAntes de mais, o jornalista um trabalhadorpor conta de outrem logo exerce a profissono quadro de uma empresa e, mais concreta-mente, numa das suas componentes, a salade redaco, sujeito a determinados cons-trangimentos e condies de produo da in-formao (Correia, 2006: 70). Neste sen-tido, podemos identificar duas grandes for-mas dos jornalistas escreverem para os pa-tres.Em primeiro lugar, a produo jornals-

    tica muito condicionada e motivada pe-los patres. So os proprietrios dos mediaque, em ltima instncia, decidem a quali-dade das notcias produzidas ou difundidaspelos respectivos departamentos de informa-o. So eles que, na maioria das vezes, se-leccionam, contratam, despedem e promo-vem directores e editores, directores-gerais,directores de informao e chefes de redac-o os jornalistas que comandam as re-daces. Os proprietrios determinam os or-amentos das redaces e a quantidade detempo e espao atribudo s notcias, poroposio publicidade (Kovach, 2004: 66).Em suma, so eles que pagam aos jornalis-tas e as situaes de insegurana e precari-edade no emprego, ainda mais sentidas nabase da pirmide da sala de redaco, origi-nam, por um lado, uma fragilidade profis-sional e pessoal que arrasta consigo, inevi-tavelmente, uma correspondente fragilidadedeontolgica e uma situao de maior vulne-rabilidade s presses (Correia, 2006: 74)

    e, por outro lado, uma concorrncia profissi-onal que conduz disputa pelos cargos maiselevados.Em segundo lugar, o empresrio jornals-

    tico, como qualquer outro empresrio, pre-tende alcanar o lucro mximo possvel mas,dada a especificidade do produto (factos eideias que afectam a nossa percepo domundo), torna-se imperativo que cada meiotente convencer serem os seus contedosos mais adequados aos interesses da audi-ncia (Fontcuberta, 2002: 42) para poderobter a mxima influncia, difuso e venda.E aqui que entra o jornalista. Este, jque o seu vencimento depende do desem-penho financeiro da empresa onde trabalha,deve zelar para que os objectivos patronaissejam atingidos, sofrendo a sua fidelidadeprofissional um redireccionamento dos lei-tores/ouvintes/espectadores para a empresa(Kovach, 2004: 62).

    6 Para o meio de comunicaoMuitas vezes os jornalistas so tambm con-dicionados pelo prprio meio de comunica-o onde trabalham. Tambm em relao aestes podemos identificar duas grandes ver-tentes.Em primeiro lugar, nem todos os aconte-

    cimentos esto igualmente disponveis paratodos os jornalistas. A todo o momento ne-cessrio analisar quo acessvel o aconte-cimento para os jornalistas, quo tratvel ,tecnicamente, nas formas jornalsticas habi-tuais; se j est estruturado de modo a ser fa-cilmente coberto; se requer grande dispndiode meios para o cobrir (Wolf, 1992: 182),etc. Desta forma, os jornalistas escrevem porvezes fechados sobre si prprios, acabandopor se sujeitar a uma prtica jornalstica re-

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    dutora, limitada nas temticas e nas fontes,submetida efemeridade de uma agenda co-mandada pela cacha e por interesses imedia-tos, e centrada nas fontes mais prximas oumais poderosas (Correia, 1997: 201).Em segundo lugar, o meio de comunica-

    o constitui uma realidade autnoma, pre-tensamente coerente e acabada, dentro doqual os factos tm de se encaixar. E se nocouberem, tanto pior para os factos (Cor-reia, 1997: 157). As notcias tm tamanhoe forma pr-determinada, o ttulo deve ocu-par um espao exacto, previamente delimi-tado pela maqueta; em nenhum caso o podeexceder, nem ficar curto, pois isso afectariaesteticamente a pgina (Fontcuberta, 2002:99). Assim, acontece os jornalistas terem deescrever, no tanto uma notcia que seja im-portante no momento, mas uma notcia so-bre certo tema ou de certo gnero que sirvapara colmatar a lacuna que afecta a harmoniaglobal do noticirio (Correia, 1997: 158).Associado a cada uma destas vertentes,

    existe ainda um aspecto no menos impor-tante. Devido presso a que esto constan-temente sujeitos, a primeira preocupao dosjornalistas deixa de ser o aprofundar e reflec-tir a essncia dos acontecimentos para passara ser recolher os dados mnimos suficien-tes para elaborar uma notcia para o prximonoticirio ou para o jornal do dia seguinte(Correia, 1997: 178).

    7 Para as fontesAs fontes de informao so fundamentaispara os jornalistas. Elas so pessoas, ins-tituies e organismos de todo o tipo quefacilitam a informao de que os meios decomunicao necessitam para elaborar not-cias. Esta informao de dois tipos: a que

    o meio procura atravs dos seus contactos;e a que o meio recebe por iniciativa dos v-rios sectores interessados. A relao entre osmeios e as fontes uma das mais complexase estruturantes de todo o processo de produ-o de notcias. Um meio sem fontes ummeio morto (Fontcuberta, 2002: 46).Mas, de que forma que os jornalistas es-

    crevem para as fontes? Essencialmente porduas formas: indirectamente ou consciente-mente.De forma indirecta, os jornalistas escre-

    vem para as fontes sempre que divulgamuma informao por elas fornecidas. Afonte cede ao jornal uma informao que in-teressa a este difundir e que interessa a elaque seja difundida. A relao negocial salda-se, pela parte da fonte, na medida em quea difuso da informao por si transmitida feita nos termos que julga mais proveito-sos. Salda-se, pela parte do jornal, na me-dida em que este verifica possuir informa-es cuja qualidade e oportunidade lhe per-mite acompanhar, seno ultrapassar, a con-corrncia (Rebelo, 2002: 28). E grandeparte das notcias escritas pelos jornalistastm origem em fontes institucionais, j quepara o jornalista muito mais cmodo lidarcom elas, porque: a) no se costuma verifi-car a informao, porque tem certificado decredibilidade; e b) frequentemente no pre-ciso ir procurar a informao, porque as pr-prias instituies lhe fornecem todo o tipo deelementos atravs dos seus gabinetes de co-municao (Fontcuberta, 2002: 107).De forma consciente, os jornalistas escre-

    vem para as fontes quando as alimentam,quando se deixam influenciar ou quando evi-tam situaes de ruptura. A relao entrejornalistas e fontes baseia-se numa constantenegociao na qual cada um dispe de cer-

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    tos recursos e exerce, efectivamente, uma in-fluncia sobre o outro (Rieffel, 2003: 143).Se verdade que a fonte ao conceder crditoa um jornalista est a reconhecer-lhe a capa-cidade para tratar as suas informaes, tam-bm o jornalista, ao ser acreditado, passa abeneficiar de uma relao privilegiada com ainstituio acreditante, converte-se, por ou-tro lado, em refm dessa mesma instituio(Rebelo, 2002: 30). Ora, desta negociaopodem resultar estratgias de cooperao ouconflitos (Rieffel, 2003: 143), mas, seme-lhana do que se passa em relao aos l-deres de opinio, estas situaes conflituan-tes no convm aos jornalistas ou aos jornaisdado que, para alm dos jornalistas serem es-pecialmente sensveis aprovao das suasfontes (Rieffel, 2003: 144), estas individua-lidades ou entidades so, muitas das vezes,fontes exclusivas de determinados conte-dos (Rebelo, 2002: 32).

    8 Para os potenciais anunciantesComo j referimos atrs, a responsabilidadefinanceira ao entrar na redaco transformouos leitores/espectadores em clientes, mas,na realidade, em vez de venderem conte-dos aos clientes, os profissionais do jorna-lismo esto a criar uma relao com o p-blico baseada nos seus valores, na sua ca-pacidade crtica, autoridade, coragem, pro-fissionalismo e empenho para com a comu-nidade. Desta forma criam-se laos com opblico que a organizao jornalstica alugadepois aos anunciantes (Kovach, 2004: 64).Resumindo, no o pblico o cliente quecompra os bens ou servios produzidos pe-los jornalistas, mas sim os anunciantes. Eeste facto tambm pesa na escrita dos jorna-

    listas, pelo menos de duas formas distintas:a auto-promoo e a auto-censura.Como auto-promoo consideramos o ele-

    vado peso dado s informaes que atraempublicidade (como os suplementos consagra-dos aos presentes de Natal, que os jornalistaschamam de armadilhas para anunciantes)(Neveu, 2004: 70); os entendimentos impl-citos ao trabalhar determinadas peas de quea primeira entrevista deve ser com um anun-ciante (Kovach, 2004: 63) ou a coberturade promoes comerciais dos grandes patro-cinadores sob a forma de eventos pblicosem directo, utilizando por vezes jornalistasou apresentadores conhecidos da meteorolo-gia ou do desporto (Kovach, 2004: 63).Por outro lado, a auto-censura refere-se

    aos casos em que surgem presses dos anun-ciantes, quando um anunciante importanteameaa retirar uma publicidade devido a umartigo considerado desfavorvel para si (Ri-effel, 2003: 147) ou quando declara aberta-mente que contribuir com mais dinheiro sea cobertura de um assunto comear a ser me-nos intensa ou se um certo reprter for des-pedido ou deslocado (Kovach, 2004: 63).Quando os directores (e jornalistas) so in-

    cumbidos de garantir lucros para cumprir osobjectivos, este no , certamente, um p-blico a negligenciar.

    9 Para si prpriosOs jornalistas conhecem muito pouco o seupblico e, mesmo que os rgos de infor-mao promovam pesquisas sobre as carac-tersticas da audincia, os seus hbitos e assuas preferncias, os jornalistas raramente asconhecem e pouco desejam faz-lo (Wolf,1992: 188). Desta forma, quando o jor-nalista tem de pensar no tipo de notcias

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    que mais importante para o pblico, serve-se mais da sua opinio acerca das notciasdo que de dados especficos sobre a com-posio, os gostos e os desejos daquelescom quem est a comunicar (Correia, 1997:199).Mas, o facto de no se saber realmente

    aquilo que o pblico prefere ou conheceno constitui problema: resolve-se a questo,baseando-se em pressupostos, possivelmenteplausveis, acerca do estado dos seus conhe-cimentos (Correia, 1997: 200) e no se no-ticiam os factos ou pormenores de aconte-cimentos cuja cobertura informativa (se pre-sume) que provocaria traumas ou ansiedadeno pblico ou feriria a sua sensibilidade ouos seus gostos (Wolf, 1992: 190).Por tudo isto, a imprensa continua a ter

    uma fraca interaco com a opinio pblicaportuguesa, o que no deixa de estar ligados suas baixas tiragens. Quer pela sua focali-zao temtica quer pela sua figurativizaodos autores e sujeitos que intervm no pro-cesso de produo de opinio ou nos actoresprotagonistas de noticiarizao, constata-seum ncleo duro, pouco variado, e particu-larmente dominado pelos mesmos autores daproduo de opinio da cena poltica (Cor-reia, 1997: 200).

    10 Para os cidadosNo meio de tantas pressas, presses e con-dicionantes, os jornalistas acabam no pen-sando em quem vai ler, excepto nos que es-to directamente implicados. O pblico apa-rece como o autor ausente das interacesdo jornalismo (Neveu, 2004: 103). No en-tanto, o compromisso com os cidados deveser fundamental. o pacto implcito como pblico, que diz aos leitores que as crticas

    de cinema so honestas, que as crticas dosrestaurantes no so influenciadas por quemcompra um anncio, que a cobertura dos fac-tos no defende interesses prprios nem deamigos. A noo de que aqueles que relatamas notcias no so impedidos de investigar ede dizer a verdade mesmo que isso preju-dique outros interesses financeiros dos pro-prietrios das organizaes jornalsticas um pr-requisito para relatar as notcias nos de forma exacta mas tambm persuasiva. a base para ns, enquanto cidados, acre-ditarmos nas organizaes jornalsticas. afonte da sua credibilidade. , em suma, opatrimnio mais importante de uma empresajornalstica e daqueles que nela trabalham(Kovach, 2004: 53).

    11 ConclusoFacilmente se percebe que, ainda que porvezes inconscientemente, os jornalistas aca-bam por escrever para cada uma das diferen-tes entidades referenciadas. Resta saber qual a entidade privilegiada. Tememos que, detodas, a menos considerada seja o cidado o indivduo pertencente a um estado livre,no gozo dos seus direitos civis e polticos, esujeito a todas as obrigaes inerentes a essacondio (AAVV, 2004: 354). Com tantasinfluncias e condicionantes, onde que ficaa vertente de garante da democracia?O postulado normativo que associa o jor-

    nalismo ideia de democracia pode se con-densar num silogismo. Uma sociedade depoltica no feita de consumidores, masde cidados. A cidadania consiste em tomarparte num debate permanente, pontuado pormomentos de participao, sobre as questesdo viver em comum e suas solues. Essepapel de cidado precisa de uma informao

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    inteligvel, completa e contraditria que dsentido a um mximo de dimenses da vidasocial e, portanto, no se polarize sobre osnicos discursos da instituio, no identifi-que as vias ordinrias do trivial ou do subal-terno, no reduza a sociedade a seus extre-mos. Se esses a priori normativos so acei-tos, a concepo do jornalismo e da imprensacomo uma actividade econmica entre outrase a viso das audincias como coleces deconsumidores constituem obstculos reali-zao de uma misso democrtica do jorna-lismo (Neveu, 2004: 196).Os responsveis editoriais, ao serem trans-

    formados em empresrios, passaram a ter degerir vises conflituantes da excelncia pro-fissional. Ao modelo de um jornalismo presoa valores de objectividade, de rigor deontol-gico, de distanciamento crtico e de anlise(Neveu, 2004: 74), opem-se agora outrasreferncias, nomeadamente a capacidade degerar audincia, de trabalhar ao vivo, de ex-pressar a actualidade na linguagem do emo-cional e at do sensacional (Neveu, 2004:74).Enquanto cidados, devemos ficar alar-

    mados. Por seu lado, os jornalistas devemperceber que a sua posio est agora debi-litada. Mas o que passa totalmente desper-cebido a forma como esta situao enfra-queceu os laos entre os cidados e os pro-fissionais que recolhem as notcias e at queponto ele contradiz a teoria que definiu a im-prensa moderna. A mudana gerou confusoe problemas morais no seio das organizaesjornalsticas e est a limitar a capacidade dosjornalistas para fornecerem as notcias semreceios ou favores. Este foi um dos princi-pais factores que conduziu perda de confi-ana dos cidados na imprensa e veio com-plicar a defesa do interesse pblico no seio

    das empresas por parte dos responsveis edi-toriais (Kovach, 2004: 52).

    12 BibliografiaAAVV (2004), Dicionrio da Lngua Portu-

    guesa 2004, Porto Editora, Porto

    Correia, Fernando (1997), Os Jornalistas eas Notcias, Caminho, Lisboa

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    Neveu, rik (2004), Sociologia do Jorna-lismo, Edies Loyola, S. Paulo

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    Traquina, Nelson (2004), A Tribo Jorna-lstica, Coleco Media & Sociedade,Editorial Notcias, Lisboa

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    Wolf, Mauro (1992), Teorias da Comunica-o, Editorial Presena, Lisboa

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    Para as audinciasPara os lderes de opinioPara os outros jornalistasPara os outros jornaisPara os patresPara o meio de comunicaoPara as fontesPara os potenciais anunciantesPara si prprios Para os cidados Concluso Bibliografia