Correio Braziliense 08/02/10

1
um adaptador para comer. De- pois, recebeu uma munhequeira desenvolvida para que pudesse manusear o teclado do computa- dor com tranquilidade. “Essas ferramentas foram tão importantes que, atualmente, consigo usar os talheres sem qual- quer recurso. Ou seja, aquelas ta- las adaptadas me ajudaram a reto- mar atividades que a perda da ha- bilidade mecânica não me permi- tia mais”, comemora o jornalista, apaixonado por futebol e torcedor ardoroso do Grêmio. Grando ain- da utiliza os adaptadores para di- gitar e é com a destreza no uso dessas ferramentas que ele ali- menta o blog de uma campanha criada para angariar fundos com objetivo de ir aos Estados Unidos participar de um tratamento no centro de recuperação Project Walk. O lugar, em San Diego, Cali- fórnia, também trabalha com mé- todos diferenciados e aparelhos inovadores na tentativa de treinar os espasmos para que esses se tor- nem movimentos controláveis pelos deficientes. A rede de hospitais Sarah Ku- bitschek também investe em pes- quisas de projetos maiores. A ca- deira de rodas vertical ficou fa- mosa depois de uma reportagem na tevê com o músico Herbert Vianna, que se tornou paraplégi- co em um acidente de ultraleve em 2001. O dispositivo permite que o cadeirante se locomova em pé, mas o uso só é permitido de- pois que os pacientes passam por longas baterias de testes, pois o comportamento dos ossos muda depois de uma lesão na medula. Assim, a cadeira de rodas vertical proporciona à pessoa que não possui os movimentos dos mem- bros inferiores a assumir uma postura com o campo visual na mesma altura das pessoas que andam. Os equipamentos desen- volvidos pelo hospital, no entan- to, não são comercializados e são utilizados apenas por pacientes da instituição. Outra cadeira de rodas com tecnologia de ponta é a iBot. A in- venção, comercializada apenas nos Estados Unidos, pode fun- cionar sobre duas ou quatro ro- das, o que permite ao cadeirante a se locomover em pé. A iBot tam- bém oferece a vantagem de, por meio de sistema de travas, freios e rodas adaptadas, permitir que o usuário suba e desça escadas e ande em terrenos irregulares com facilidade. Também destinada aos cadeirantes, para que o defi- ciente físico consiga usufruir da praia, há no mercado uma cadei- ra de rodas adaptada especial- mente para transitar na areia. As rodas são maiores e o material do acento é diferente dos conven- cionais, absorvendo melhor a água e o salitre. Aula facilitada Não são apenas paraplégicos e tetraplégicos os beneficiados pe- la tecnologia assistiva. Um proje- to desenvolvido na Universidade de Brasília (UnB), com o apoio da Finep, ajuda na inclusão social de surdos. O recurso é um software que funciona como uma aula pa- ra surdos e ouvintes aprenderem e aprimorarem o uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Com frases e situações mais comple- xas, o programa de computador, batizado de Bilingue, consegue melhorar a qualidade do material de ensino, geralmente precário, e aprimora as performances dos professores que dão aulas em turmas com surdos. Domingos Sábio, professor da Faculdade de Psicologia da UnB, onde o software é utilizado em um projeto de extensão, des- taca que o Bilingue consegue trabalhar com frases de estrutu- ras mais completas e imagens em movimento. Essas situações são descritas em português e na Libras. “Estamos procurando uma maneira de ampliar o soft- ware para que outras institui- ções de ensino possam utilizá- lo. O grande entrave desse proje- to é que nem todas as escolas têm computador ou estão co- nectadas à rede mundial de com- putadores, o que impossibilita, por enquanto, a expansão do programa”, pontua Sávio. C M Y K C M Y K Tecnologia Editora: Ana Paula Macedo // [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 16 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010 Não estamos interessados em apoiar, por exemplo, controles automáticos para abrir ou fechar uma cortina. Estamos falando de projetos prioritários, que vão melhorar a vida de milhões de pessoas” Maurício França, chefe do Departamento de Tecnologias Sociais da Finep Para ajudar O endereço do blog mantido por Fábio Grando é fabiogrando.blogspot.com. Lá, estão informações sobre a campanha Bora, Fabito!, o acidente sofrido pelo jovem, além de uma explicação mais detalhada sobre o Project Walk. Para conseguir ficar no centro de recuperação por 180 dias, tempo mínimo permitido, o jornalista precisa de US$ 55 mil. Doações, em qualquer valor, podem ser feitas por meio de depósito no Banco do Brasil, agência 3596-3, conta corrente 9411-0, em nome do próprio Grando. www.correiobraziliense.com.br Confira o edital da Finep para projetos de tecnologia assistiva » IGOR SILVEIRA F azer com que uma pessoa tetraplégica consiga subir escadas sem a ajuda de ninguém ou permitir que alguém que perdeu os movimen- tos das mãos digite um texto no computador. Existe um ramo da ciência que se dedica a proporcio- nar mais acessibilidade — e, con- sequentemente, direito à cidada- nia — aos deficientes físicos. Co- nhecido como tecnologia assisti- va, o setor, para se desenvolver no Brasil, ainda depende de iniciati- vas de apoio do governo, como o edital publicado no fim do mês passado pela Financiadora de Es- tudos e Projetos (Finep), órgão li- gado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). As propostas contempladas dividirão R$ 10 mi- lhões, o que representa a esperan- ça de que surjam novas soluções que ajudem na inclusão social de pessoas com algum tipo de defi- ciência física. Quando o Estado patrocinou projetos na área pela primeira vez, em 2005, ferramentas importan- tes foram incorporadas à rotina de cadeirantes, cegos e surdos, como a bengala com um sensor que faz uma varredura no caminho segui- do pelo deficiente visual e emite um alarme sonoro no caso de obs- táculos. Desenvolvido pela Uni- versidade do Vale do Itajaí (Univa- le), em Santa Catarina, o dispositi- vo traz o grande diferencial de avi- sar o usuário quando há a presen- ça de objetos no alto, evitando que a pessoa bata a cabeça em orelhões e placas de trânsito, por exemplo. Alunos do Centro Uni- versitário da Fundação Educacio- nal Inaciana, em São Paulo, tam- bém desenvolveram uma bengala eletrônica que consegue identifi- car não só obstáculos, mas as co- res dos objetos. O chefe do Departamento de Tecnologias Sociais da Finep, Maurício França, explica que as tecnologias assistivas são de abso- luto interesse da sociedade e que muitas empresas de pequeno e médio portes trabalham na cria- ção de projetos do tipo. Por isso, a intervenção do governo é funda- mental, já que as pesquisas tecno- lógicas custam muito caro. As ideias dos cientistas variam de simples protocolos fisioterápicos a softwares que auxiliam a acessi- bilidade. As invenções envolvem tecnologia de ponta e aparelhos que permitem uma vida com me- nos obstáculos a esse público. “Na primeira vez que lançamos o edital, há cinco anos, recebemos cerca de 200 propostas e muitas ideias interessantes. Esse tipo de ajuda financeira é fundamental para que o país tenha avanços sig- nificativos no campo da ciência. Não estamos interessados em apoiar, por exemplo, controles au- tomáticos para abrir ou fechar uma cortina. Estamos falando de projetos prioritários, que vão me- lhorar a vida de milhões de pes- soas”, garante França. Ele ressalta, ainda, que os estudos podem le- var ao desenvolvimento de equi- pamentos mais baratos e acessí- veis a uma grande parcela da po- pulação que acaba excluída por causa do baixo poder aquisitivo. Readaptação O jornalista Fábio Grando, 25 anos, sofreu um acidente em 2006. Durante um churrasco com amigos, ele bateu a cabeça no fundo de uma piscina e fraturou duas vértebras. Resultado: Gran- do ficou tetraplégico e, quatro anos depois, mesmo com o mo- vimento dos braços recuperados e a volta da sensibilidade nas per- nas, ainda é bastante dependen- te, porque não consegue mover as mãos. Simples tarefas como segurar um copo ou digitar um texto demandam grande esforço. No hospital de reabilitação Sarah Kubitschek, em Brasília, onde o jornalista ficou internado logo após o trauma, ele passou a usar Em nome da inclusão Tecnologia assistiva é a denominação dada à área da ciência que se dedica ao desenvolvimento de soluções e equipamentos que facilitam a vida de deficientes físicos. Edital lançado recentemente pela Finep prevê o repasse de R$ 10 milhões para projetos de pesquisa no setor Fábio ficou tetraplégico depois de bater a cabeça no fundo de uma piscina e perdeu o movimento das mãos. Com a ajuda de próteses, ele consegue atualizar o blog da campanha Bora, Fabito! Desenvolvida nos Estados Unidos, a iBot permite que o cadeirante fique na posição vertical, e suba e desça escadas Monique Renne/CB/D.A Press Ibot/Reprodução

Transcript of Correio Braziliense 08/02/10

Page 1: Correio Braziliense 08/02/10

um adaptador para comer. De-pois, recebeu uma munhequeiradesenvolvida para que pudessemanusear o teclado do computa-dor com tranquilidade.

“Essas ferramentas foram tãoimportantes que, atualmente,consigo usar os talheres sem qual-quer recurso. Ou seja, aquelas ta-las adaptadas me ajudaram a reto-mar atividades que a perda da ha-bilidade mecânica não me permi-tia mais”, comemora o jornalista,apaixonado por futebol e torcedorardoroso do Grêmio. Grando ain-da utiliza os adaptadores para di-gitar e é com a destreza no usodessas ferramentas que ele ali-menta o blog de uma campanhacriada para angariar fundos comobjetivo de ir aos Estados Unidosparticipar de um tratamento nocentro de recuperação ProjectWalk. O lugar, em San Diego, Cali-fórnia, também trabalha com mé-todos diferenciados e aparelhosinovadores na tentativa de treinaros espasmos para que esses se tor-nem movimentos controláveispelos deficientes.

A rede de hospitais Sarah Ku-bitschek também investe em pes-

quisas de projetos maiores. A ca-deira de rodas vertical ficou fa-mosa depois de uma reportagemna tevê com o músico HerbertVianna, que se tornou paraplégi-co em um acidente de ultraleveem 2001. O dispositivo permiteque o cadeirante se locomova empé, mas o uso só é permitido de-pois que os pacientes passam porlongas baterias de testes, pois ocomportamento dos ossos mudadepois de uma lesão na medula.Assim, a cadeira de rodas verticalproporciona à pessoa que nãopossui os movimentos dos mem-bros inferiores a assumir umapostura com o campo visual namesma altura das pessoas queandam. Os equipamentos desen-volvidos pelo hospital, no entan-to, não são comercializados e sãoutilizados apenas por pacientesda instituição.

Outra cadeira de rodas comtecnologia de ponta é a iBot. A in-venção, comercializada apenasnos Estados Unidos, pode fun-cionar sobre duas ou quatro ro-das, o que permite ao cadeirantea se locomover em pé. A iBot tam-bém oferece a vantagem de, por

meio de sistema de travas, freiose rodas adaptadas, permitir que ousuário suba e desça escadas eande em terrenos irregulares comfacilidade. Também destinadaaos cadeirantes, para que o defi-ciente físico consiga usufruir dapraia, há no mercado uma cadei-ra de rodas adaptada especial-mente para transitar na areia. Asrodas são maiores e o material doacento é diferente dos conven-cionais, absorvendo melhor aágua e o salitre.

Aula facilitadaNão são apenas paraplégicos e

tetraplégicos os beneficiados pe-la tecnologia assistiva. Um proje-to desenvolvido na Universidadede Brasília (UnB), com o apoio daFinep, ajuda na inclusão social desurdos. O recurso é um softwareque funciona como uma aula pa-ra surdos e ouvintes aprendereme aprimorarem o uso da LínguaBrasileira de Sinais (Libras). Comfrases e situações mais comple-xas, o programa de computador,batizado de Bilingue, conseguemelhorar a qualidade do material

de ensino, geralmente precário, eaprimora as performances dosprofessores que dão aulas emturmas com surdos.

Domingos Sábio, professorda Faculdade de Psicologia daUnB, onde o software é utilizadoem um projeto de extensão, des-taca que o Bilingue conseguetrabalhar com frases de estrutu-ras mais completas e imagensem movimento. Essas situaçõessão descritas em português e naLibras. “Estamos procurandouma maneira de ampliar o soft-ware para que outras institui-ções de ensino possam utilizá-lo. O grande entrave desse proje-to é que nem todas as escolastêm computador ou estão co-nectadas à rede mundial de com-putadores, o que impossibilita,por enquanto, a expansão doprograma”, pontua Sávio.

C M Y K C M YK

Tecnologia EEddiittoorraa:: Ana Paula Macedo // [email protected]

3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

16 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Não estamosinteressados emapoiar, porexemplo,controlesautomáticos paraabrir ou fecharuma cortina.Estamos falandode projetosprioritários, quevão melhorar avida de milhões depessoas”

Maurício França, chefe do Departamento deTecnologias Sociais da Finep

Para ajudarO endereço do blog mantido por

Fábio Grando éfabiogrando.blogspot.com. Lá,

estão informações sobre acampanha Bora, Fabito!, o

acidente sofrido pelo jovem,além de uma explicação mais

detalhada sobre o Project Walk.Para conseguir ficar no centro

de recuperação por 180 dias,tempo mínimo permitido, o

jornalista precisa de US$ 55 mil. Doações, em

qualquer valor, podem ser feitaspor meio de depósito no Banco

do Brasil, agência 3596-3, contacorrente 9411-0, em nome do

próprio Grando.

www.correiobraziliense.com.br

Confira o edital da Finep para projetos detecnologia assistiva

» IGOR SILVEIRA

F azer com que uma pessoatetraplégica consiga subirescadas sem a ajuda deninguém ou permitir que

alguém que perdeu os movimen-tos das mãos digite um texto nocomputador. Existe um ramo daciência que se dedica a proporcio-nar mais acessibilidade — e, con-sequentemente, direito à cidada-nia — aos deficientes físicos. Co-nhecido como tecnologia assisti-va, o setor, para se desenvolver noBrasil, ainda depende de iniciati-vas de apoio do governo, como oedital publicado no fim do mêspassado pela Financiadora de Es-tudos e Projetos (Finep), órgão li-gado ao Ministério da Ciência eTecnologia (MCT). As propostascontempladas dividirão R$ 10 mi-lhões, o que representa a esperan-ça de que surjam novas soluçõesque ajudem na inclusão social depessoas com algum tipo de defi-ciência física.

Quando o Estado patrocinouprojetos na área pela primeira vez,em 2005, ferramentas importan-tes foram incorporadas à rotina decadeirantes, cegos e surdos, comoa bengala com um sensor que fazuma varredura no caminho segui-do pelo deficiente visual e emiteum alarme sonoro no caso de obs-táculos. Desenvolvido pela Uni-versidade do Vale do Itajaí (Univa-le), em Santa Catarina, o dispositi-vo traz o grande diferencial de avi-sar o usuário quando há a presen-ça de objetos no alto, evitandoque a pessoa bata a cabeça emorelhões e placas de trânsito, porexemplo. Alunos do Centro Uni-versitário da Fundação Educacio-nal Inaciana, em São Paulo, tam-bém desenvolveram uma bengalaeletrônica que consegue identifi-car não só obstáculos, mas as co-res dos objetos.

O chefe do Departamento deTecnologias Sociais da Finep,Maurício França, explica que astecnologias assistivas são de abso-luto interesse da sociedade e quemuitas empresas de pequeno emédio portes trabalham na cria-ção de projetos do tipo. Por isso, aintervenção do governo é funda-mental, já que as pesquisas tecno-lógicas custam muito caro. Asideias dos cientistas variam desimples protocolos fisioterápicosa softwares que auxiliam a acessi-bilidade. As invenções envolvemtecnologia de ponta e aparelhosque permitem uma vida com me-nos obstáculos a esse público.

“Na primeira vez que lançamoso edital, há cinco anos, recebemoscerca de 200 propostas e muitasideias interessantes. Esse tipo deajuda financeira é fundamentalpara que o país tenha avanços sig-nificativos no campo da ciência.Não estamos interessados emapoiar, por exemplo, controles au-tomáticos para abrir ou fecharuma cortina. Estamos falando deprojetos prioritários, que vão me-lhorar a vida de milhões de pes-soas”, garante França. Ele ressalta,ainda, que os estudos podem le-var ao desenvolvimento de equi-pamentos mais baratos e acessí-veis a uma grande parcela da po-pulação que acaba excluída porcausa do baixo poder aquisitivo.

ReadaptaçãoO jornalista Fábio Grando, 25

anos, sofreu um acidente em2006. Durante um churrasco comamigos, ele bateu a cabeça nofundo de uma piscina e fraturouduas vértebras. Resultado: Gran-do ficou tetraplégico e, quatroanos depois, mesmo com o mo-vimento dos braços recuperadose a volta da sensibilidade nas per-nas, ainda é bastante dependen-te, porque não consegue moveras mãos. Simples tarefas comosegurar um copo ou digitar umtexto demandam grande esforço.No hospital de reabilitação SarahKubitschek, em Brasília, onde ojornalista ficou internado logoapós o trauma, ele passou a usar

Em nome da inclusãoTecnologia assistiva é a denominação dada à área da ciência que se dedica ao desenvolvimento de soluções e equipamentos que facilitama vida de deficientes físicos. Edital lançado recentemente pela Finep prevê o repasse de R$ 10 milhões para projetos de pesquisa no setor

Fábio ficou tetraplégico depois de bater a cabeça no fundo de uma piscina e perdeu o movimento das mãos. Com a ajuda de próteses, ele consegue atualizar o blog da campanha Bora, Fabito!

Desenvolvida nos Estados Unidos,a iBot permite que o cadeirantefique na posição vertical, e suba edesça escadas

Monique Renne/CB/D.A Press

Ibot/Reprodução