Correio do Minho

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E JOÃO RICARDO LOPES Dos Maus e Bons Pecados aos Dias Desiguais m abono da verdade, escreve João Ricardo Lopes no blog ‘Dias Desiguais’ — que tem por subtítulo ‘um lugar onde as palavras moram’ — “a época já não é convidativa para sessões de literatura”. “Eu próprio venho acumulando um cansaço cada vez mais difícil de dissimular”, acrescenta, admitindo que por isso, foi “com sacrifício que todos, incluindo o José Manuel Costa, nos dispusemos a reabordar o projecto ‘Dos Maus e Bons Peca- dos’. É um livro enxuto e feito! Dois meses depois da sua publicação, sinto já a vontade de me curar com silêncio de todas as palavras ditas até agora para me acercar do tra- balho seguinte: ficção, poesia, teatro … quem sabe?!”. No momento em que acedemos curiosos àquela página pessoal, ao nosso olhar de internauta impõe-se um texto onde lemos: “Vinha o rótulo como uma poeira que assentasse bem sobre os ombros. Ele, felizmente, aguenta- va-se bem. O truque era não dar importância demasiada às conver- sas e continuar cismando com aqui- lo que interiormente o atapetava”. Acrescenta: “Podia ser um rótulo, porque não?, podia ser uma deban- dada da lógica para lado nenhum, e depois?, ele continuaria a cismar com viagens e regressos, mesmo se os olhares compulsivamente se es- forçavam esforço por roê-lo de fo- ra. Muita vez a sorte se finta não prestando qualquer atenção ao que junto de nós ameaça armadilhar a boca. É melhor assim. Tudo passa”. O subtítulo “lugar onde as palavras moram” tem expressão em capas de livros e textos que João Ri- cardo Lopes propõe ao internauta. ALTINO TOJAL DESDE O MINGOS QUE QUERIA IR PARA A TERRA DOS MARICANOS Um exemplo: “Ruínas e Gente', assim se chama o romance que o Altino do Tojal me fez chegar hoje pelo correio. E é tão bom receber presentes destes, e so- bretudo de amigos como o Altino, e livros como este que me dão ganas de não parar. Ando atra- sadíssimo com as minhas leituras, facto de que me lamento desde quase sempre. E há livros que de- viam ser acariciados, estudados, relidos logo que connosco se cruzam. Vou procurar não cometer essa injustiça com este título, não só porque gosto lidimamente do que escreve o Altino (desde há muito, desde o “Mingos” que queria ir para a terra dos “ma- ricanos”), como pela amizade que devoto a este senhor da nossa lite- ratura”. Propõe ainda , expondo as capas, títulos de leitura como ‘Titânia’, de Mário Cesariny (Assírio & Alvim), ‘Oriente Próximo’, de Alexandra Lucas Coelho (Relógio d’ Água), ‘Haverá vida antes da morte?’ (Quasi Edições), ‘Outrora Dezembro’ de Cláudio Lima, (edição de autor) e ‘Páginas Minho- tas’, de Alfredo Pimenta (Opera Omnia). É desta editora, propriedade de José Manuel Costa, animador de programas da Antena Minho, o tí- tulo ‘Dos Bons e Maus Pecados’ que teve apresentação há dois meses. Santiago, um poeta do Porto que vadiava pela Ribeira, deixou-lhe um dia, num papel, um poema: “Entre cada palavra existe a fome de todas as palavras. Apenas lhe conhecemos o rasto da nossa des- graça — Céleres havemos de esquecer- nos”. Santiago pedia esmola. Do talento engendrava um ganha-pão humilde. Como se de um postal se tratasse, vendia os seus poemas espontÂneos ao preço de qualquer refeição. Santiago enforcou-se. 26 PESSOAS 23 de Dezembro 2007 REPORTAGEM C Distinguido com o prémio Revelação de Poesia Ary dos Santos pela Associação Portuguesa de Escritores, João Ricardo Lopes nasce, em 1977, na freguesia de Azurém. Aos 30 anos, o poeta licenciado em lín- guas e literaturas modernas e com entrada na Wikipedia publica ‘Dos Maus e Bons Pecados’ e man- tém o blog ‘Dias Desiguais’. TEXTOS E FOTOS RUI SERAPICOS “ANDO ATRASADÍSSIMO COM AS MINHAS LEITURAS, FACTO QUE ME LAMENTO DESDE QUASE SEMPRE. E HÁ LIVROS QUE DEVIAM SER ACARICIADOS, ESTUDA- DOS, RELIDOS LOGO QUE CONNOSCO SE CRUZAM”

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JOÃO RICARDO LOPESDos Maus e Bons Pecadosaos Dias Desiguais

m abono da verdade, escreveJoão Ricardo Lopes no blog ‘DiasDesiguais’ — que tem por subtítulo‘um lugar onde as palavras moram’— “a época já não é convidativapara sessões de literatura”.

“Eu próprio venho acumulandoum cansaço cada vez mais difícil dedissimular”, acrescenta, admitindoque por isso, foi “com sacrifício quetodos, incluindo o José ManuelCosta, nos dispusemos a reabordaro projecto ‘Dos Maus e Bons Peca-dos’. É um livro enxuto e feito! Doismeses depois da sua publicação,sinto já a vontade de me curar comsilêncio de todas as palavras ditasaté agora para me acercar do tra-balho seguinte: ficção, poesia,teatro … quem sabe?!”.

No momento em que acedemoscuriosos àquela página pessoal, aonosso olhar de internauta impõe-seum texto onde lemos:

“Vinha o rótulo como umapoeira que assentasse bem sobre osombros. Ele, felizmente, aguenta-va-se bem. O truque era não darimportância demasiada às conver-

sas e continuar cismando com aqui-lo que interiormente o atapetava”.Acrescenta: “Podia ser um rótulo,porque não?, podia ser uma deban-dada da lógica para lado nenhum,

e depois?, ele continuaria a cismarcom viagens e regressos, mesmo seos olhares compulsivamente se es-forçavam esforço por roê-lo de fo-ra. Muita vez a sorte se finta não

prestando qualquer atenção ao quejunto de nós ameaça armadilhar aboca. É melhor assim. Tudo passa”.

O subtítulo “lugar onde aspalavras moram” tem expressão emcapas de livros e textos que João Ri-cardo Lopes propõe ao internauta.

ALTINO TOJAL DESDE O MINGOS QUE QUERIA IR PARAA TERRA DOS MARICANOS

Um exemplo:“Ruínas e Gente', assim se chama

o romance que o Altino do Tojal mefez chegar hoje pelo correio. E é tãobom receber presentes destes, e so-bretudo de amigos como o Altino,e livros como este que me dãoganas de não parar. Ando atra-sadíssimo com as minhas leituras,facto de que me lamento desdequase sempre. E há livros que de-viam ser acariciados, estudados,

relidos logo que connosco secruzam. Vou procurar não

cometer essa injustiça comeste título, não só porquegosto lidimamente doque escreve o Altino(desde há muito, desdeo “Mingos” que queriair para a terra dos “ma-ricanos”), como pela

amizade que devoto aeste senhor da nossa lite-

ratura”. Propõe ainda , expondo as

capas, títulos de leitura como‘Titânia’, de Mário Cesariny (Assírio& Alvim), ‘Oriente Próximo’, deAlexandra Lucas Coelho (Relógio d’Água), ‘Haverá vida antes damorte?’ (Quasi Edições), ‘OutroraDezembro’ de Cláudio Lima,(edição de autor) e ‘Páginas Minho-tas’, de Alfredo Pimenta (OperaOmnia).

É desta editora, propriedade deJosé Manuel Costa, animador deprogramas da Antena Minho, o tí-tulo ‘Dos Bons e Maus Pecados’ queteve apresentação há dois meses.

Santiago, um poeta do Porto quevadiava pela Ribeira, deixou-lhe umdia, num papel, um poema:

“Entre cada palavra existe a fomede todas as palavras. Apenas lheconhecemos o rasto da nossa des-graça

— Céleres havemos de esquecer-nos”. Santiago pedia esmola. Dotalento engendrava um ganha-pãohumilde.

Como se de um postal setratasse, vendia os seus poemasespontÂneos ao preço de qualquerrefeição. Santiago enforcou-se.

26 PESSOAS 23 de Dezembro 2007

REPORTAGEMC

Distinguido com oprémio Revelaçãode Poesia Ary dosSantos pelaAssociaçãoPortuguesa deEscritores, JoãoRicardo Lopesnasce, em 1977,na freguesia deAzurém. Aos 30anos, o poetalicenciado em lín-guas e literaturasmodernas e comentrada naWikipedia publica‘Dos Maus e BonsPecados’ e man-tém o blog ‘DiasDesiguais’.

TEXTOS E FOTOSRUI SERAPICOS

“ANDO ATRASADÍSSIMO COM AS MINHAS

LEITURAS, FACTO QUE ME LAMENTO DESDE

QUASE SEMPRE. E HÁ LIVROS QUE DEVIAM

SER ACARICIADOS, ESTUDA-DOS, RELIDOS LOGO QUECONNOSCO SE CRUZAM”