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AÇÃO PENAL N. 634-RJ (2010/0084218-7)

Relator: Ministro Felix Fischer

Autor: R H F

Advogado: Tiago Lins e Silva e outro(s)

Réu: A C F de M

Advogado: Eduardo de Moraes e outro(s)

EMENTA

Penal e Processual Penal. Ação penal originária. Queixa. Injúria.

Transação penal. Ação penal privada. Possibilidade. Legitimidade do

querelante. Justa causa evidenciada. Recebimento da peça acusatória.

I - A transação penal, assim como a suspensão condicional do

processo, não se trata de direito público subjetivo do acusado, mas sim

de poder-dever do Ministério Público (Precedentes desta e. Corte e do c.

Supremo Tribunal Federal).

II - A jurisprudência dos Tribunais Superiores admite a aplicação

da transação penal às ações penais privadas. Nesse caso, a legitimidade

para formular a proposta é do ofendido, e o silêncio do querelante não

constitui óbice ao prosseguimento da ação penal.

III - Isso porque, a transação penal, quando aplicada nas ações

penais privadas, assenta-se nos princípios da disponibilidade e da

oportunidade, o que signifi ca que o seu implemento requer o mútuo

consentimento das partes.

IV - Na injúria não se imputa fato determinado, mas se formulam

juízos de valor, exteriorizando-se qualidades negativas ou defeitos que

importem menoscabo, ultraje ou vilipêndio de alguém.

V - O exame das declarações proferidas pelo querelado na

reunião do Conselho Deliberativo evidenciam, em juízo de prelibação,

que houve, para além do mero animus criticandi, conduta que,

aparentemente, se amolda ao tipo inserto no art. 140 do Código Penal,

o que, por conseguinte, justifi ca o prosseguimento da ação penal.

Queixa recebida.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, receber a queixa-crime, nos termos do voto do Senhor Ministro

Relator. Vencida na preliminar a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Quanta à preliminar, os Srs. Ministros Gilson Dipp, Francisco Falcão, Laurita

Vaz, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Massami Uyeda, Humberto Martins

e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Quanto ao mérito, os Srs. Ministros Gilson Dipp, Francisco Falcão,

Laurita Vaz, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Massami Uyeda, Humberto

Martins, Maria Th ereza de Assis Moura e Cesar Asfor Rocha votaram com o

Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justifi cadamente, as Sras. Ministras Eliana Calmon e Nancy

Andrighi e os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Arnaldo Esteves Lima.

Sustentaram oralmente o Dr. Sérgio Guimarães Riera, pelo querelante, e o

Dr. Alexandre Lopes de Oliveira, pelo querelado.

Brasília (DF), 21 de março de 2012 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Felix Fischer, Relator

DJe 3.4.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de queixa ofertada por Roberto

Horcades Figueira, Ailton Bernardo Ribeiro, Alcides Pereira Antunes Neto,

Carlos Henrique Ferreira, Daniel Mahon Bastos, Delso Martins Castello,

José Murta Ribeiro Neto, Luiz Emmanuel Novaes, Ricardo Cravo Albin,

Roberto Ferreira Guimarães, Sandro Pinheiro Lima e Tito Sauret Cavalcanti

de Albuquerque em face de Antonio Carlos Flores de Moraes, Conselheiro do

Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, na qual lhe é imputada a

prática do crime inserto no art. 140, c.c. art. 141, inciso III, do Código Penal.

Narra a exordial que no dia 30 de março de 2010, durante reunião

do Conselho Deliberativo do Fluminense Futebol Clube, na presença de

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aproximadamente 300 (trezentas) pessoas, “o Querelado, quiçá infl uenciado

pela rivalidade política e desejo de ver eleita sua chapa nas próximas eleições do

Clube, ao discursar da tribuna, disparou aleivosias contra os Presidentes e Vice-

Presidentes dessa agremiação, não deixando dúvidas que sua ação teve o fi to de

denegrir e ofender a honra dos Querelantes.” (Fl. 05).

Eis, na íntegra, as declarações do querelado, constantes na queixa:

(...) o que ocorreu de forma deplorável foi a prática da continuidade das contas defi citárias dos dirigentes dissipadores.

Na minha experiência de vida, em mais de 30 anos na administração pública, poderia enquadrar o atual Presidente, se fosse aqui Brasília - Governador Arruda é um santo - em mais de 30 anos da administração poderia enquadrar o atual Presidente em pelo menos 2 crimes, sejam:

- no crime de responsabilidade por desrespeitar o inciso 17 do artigo 1º do Decreto-Lei n. 201 de 1967. Esse Decreto-Lei diz: “ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito”.

- ou de crime contra fi nanças públicas por não atender o art. 359-D do Código Penal, por ordenar despesas não autorizadas por lei, sujeitando à pena de reclusão de um a quatro.

Observe-se que a situação de hoje do Fluminense Football Club seria motivo de penalidades sérias se estivéssemos sob a égide das normas das finanças públicas (fl . 06).

Consta, ainda, que as declarações proferidas na sessão do Conselho

Deliberativo foram reproduzidas em matéria publicada no jornal “Extra” que

circulou no dia 1º.4.2010 (cópia juntada).

O querelado, notifi cado, apresentou resposta no prazo legal na qual aduziu

a precipitação dos autores que, a seu ver, deveriam ter se valido, preliminarmente,

do mecanismo disposto no art. 144 do Código Penal (pedido de explicações) para

“dirimir dúvidas acerca do real signifi cado dos vocábulos empregados” (fl . 64).

Apontou indevida ausência de formulação, pelos autores, de proposta de

transação penal, a qual consistiria em direito do acusado. Sustenta, nesse ponto,

que a falta da referida proposta ocasionou vício insanável do feito. Assevera que

os institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/1995 são aplicáveis aos

procedimentos penais originários.

Sustenta, ainda nesta senda, que “somente os Querelantes, por serem os

únicos e verdadeiros titulares da ação penal privada, poderiam, e deveriam,

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propor, dentro do prazo decadencial, a transação penal e, em não assim

procedendo, patenteou-se a falta de interesse de agir, o que torna imperativa a rejeição liminar da inicial acusatória” (fl . 67). Ressalta que o Parquet não teria legitimidade para propor a transação penal em substituição aos querelantes.

Com relação a este tópico, pleiteia, ao final, seja declarada extinta

a sua punibilidade nos termos do art. 107, inciso IV, do Código Penal. Subsidiariamente, requer seja designada audiência preliminar em que se busque a conciliação ou a formulação de posposta de transação penal.

Consignou a ilegitimidade de todos os querelantes, à exceção do então Presidente da agremiação, Roberto Horcades Figueira.

Quanto ao mérito, afirmou que “decidiu subir à tribuna, na reunião realizada entre os conselheiros, para apresentação de suas críticas, meramente técnicas, aproveitando de sua vasta experiência, dentro da Administração Pública, ocupando funções quase sempre ligadas às fi nanças” (fl . 72).

Aduz a existência de falhas no balanço patrimonial e nas demonstrações contábeis do Clube, ressaltando o agravamento da situação fi nanceira no período da gestão do querelante.

Obtempera que a utilização da palavra dissipador não teve o intuito de ofender os querelantes, e que foi utilizada em razão da conduta da direção fi nanceira que esbanjava em seus gastos, ignorando o grave problema da falta de capital de giro do Clube.

Ainda com relação às suas declarações, tidas pelos querelantes como injuriosas, esclarece:

a) Ao afirmar, segundo constou na inicial, que “se fosse aqui Brasília - Governador Arruda é um santo”, objetivava-se tecer comentário de conteúdo ácido sobre como a sociedade brasileira condena um homem público, sem julgamento;

b) De fato, naquela oportunidade, o que apenas estava provado em relação ao então governador Arruda seria a falta de transparência de suas contas;

c) Em seguida, o Respondente cingiu-se a comparar a legislação de contabilidade pública com a privada, concluindo: “observem que a situação de hoje no FFC seria motivo de penalidades severas contra seu dirigente, se estivéssemos sob à égide das normas de Finanças Públicas. No entanto, pela simples razão de o FFC ser uma entidade de Direito Privado, não justifi ca por si só o fato de este Conselho Deliberativo aceitar uma administração tão desastrosa como a que estamos presenciando na atualidade. Deve-se refl etir no presente e em um futuro breve, sobre esse fato, assim, espero e desejo”.

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Resta claro que o Respondente procurou, dessa maneira, prevenir e aconselhar os dirigentes da Instituição sobre as boas práticas da administração, não se justifi cando inexistirem leis tão rígidas na parte privada, como há na pública, em se tratando de hipóteses em que o orçamento não é respeitado e a prestação de contas não é satisfatória.

Eis a real intenção do Respondente; não pretendeu ofender “A”, “B” ou “C”, mas, apenas, dizer, dentro do campo da liberdade de expressão, que a administração não poderia ser esbanjadora.

Sobre “dissipadores” - expressão que teria ofendido os Querelantes - o verdadeiro significado, que pretendeu conferir o Respondente, é o de que seriam “esbanjadores”, como se colhe no Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Caldas Aulete, 2ª edição, Editora Delta, p. 1.127 e no sítio eletrônico http://priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=dissipador.

Aludir que alguém gastou em excesso não traduz ofensa à honra, mormente considerando que o palco de discussão e de explanação se cingia a uma reunião do Conselho Deliberativo de um Clube de futebol, sendo inequívoco o tom crítico da fala do Respondente. Não se pode tolerar tamanha suscetibilidade daquele que, no exercício de suas funções como administrador de uma entidade privada, é adjetivado como esbanjador. (Fls. 73-75).

Assevera a razoabilidade de suas críticas - que reitera serem realizadas tão

somente para o bem da agremiação - ao apontar a rejeição das contas do Clube

referentes ao exercício de 2010.

E, ao fi nal, arremata:

Em síntese, a ausência do elemento subjetivo do tipo penal imputado ao Respondente, já nessa fase processual, desnuda-se manifesta. Criticar a gestão de um Clube de futebol, em reunião, dentro da sede do próprio Clube, em que se discutia a fi nança da Instituição, não é ofender, não é atingir a honra de alguém. Falar que fulano, em determinado lapso da gestão, foi esbanjador, em nítido tom de crítica, não é ofender. Comparar a administração privada com a pública, em nítido tom de crítica, também não é ofender, como se demonstrou, mediante precedentes jurisprudenciais. (Fls. 77-78).

A d. Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo

reconhecimento da ilegitimidade ativa de onze dos doze querelantes e, com

relação ao remanescente, Roberto Horcades Figueira, para que lhe seja facultada a

possibilidade de oferecer proposta de transação penal nos termos do art. 76 da Lei

n. 9.099/1995.

Acolhido o parecer da douta Subprocuradoria-Geral da República, declarei a

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ilegitimidade ativa de todos os querelantes, à exceção do Presidente do Clube, Roberto

Horcades Figueira e, por conseguinte, determinei a sua intimação para que

formulasse, caso entendesse possível, proposta de transação penal.

Eis a decisão:

É pacífi ca a jurisprudência desta Corte quanto à possibilidade de formulação de proposta de transação penal pelo querelante em sede de ação penal privada (APn n. 566-BA, Corte Especial, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 26.11.2009, HC n. 31.527-SP, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 28.3.2005 e EDcl no HC n. 33.929-SP, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 29.11.2004).

Ademais, verifi ca-se que a pena máxima cominada ao crime (injúria praticada na presença de várias pessoas) descrito na exordial se insere no conceito de delito de menor potencial ofensivo.

Portanto, dúvida não há de que se faz necessário franquear o exame da possibilidade de oferta do benefício em comento pelo legitimado a promover a persecutio criminis in iudicio.

Contudo, o exame da inicial acusatória evidencia, de plano, a necessidade de ajustamento do polo ativo da ação penal e, consequentemente, da defi nição do titular a quem cabe examinar se seria o caso de ofertar-se, ou não, a proposta de transação penal (razão pela qual a correção do polo ativo da ação penal se mostra necessária neste momento embrionário do procedimento).

Ressalte-se, desde logo, que a presente decisão limitar-se-á ao exame da legitimação ativa para a propositura da ação, o que, a toda evidência, não implicará qualquer manifestação acerca do meritum causae.

Pois bem, o fato veiculado na queixa refere-se à manifestação do querelado durante uma reunião do Conselho Deliberativo do Fluminense Football Club, nos seguintes termos:

(...) o que ocorreu de forma deplorável foi a prática da continuidade das contas defi citárias dos dirigentes dissipadores.

Na minha experiência de vida, em mais de 30 anos na administração pública, poderia enquadrar o atual Presidente, se fosse aqui Brasília - Governador Arruda é um santo - em mais de 30 anos na administração poderia enquadrar o atual Presidente em pelo menos 2 crimes, sejam:

- no crime de responsabilidade por desrespeitar o inciso 17 do artigo 1º do Decreto-lei 201 de 67. Esse Decreto-lei diz: ‘ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito’.

- ou de crime contra fi nanças públicas por não atender o art. 359-D do Código Penal, por ordenar despesas não autorizadas por lei, sujeitando à pena de reclusão de um ano a quatro.

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Observe-se que a situação de hoje do Fluminense Football Club seria motivo de penalidades sérias contra seus dirigentes se estivéssemos sob a égide das normas das fi nanças públicas (fl . 06).

Depreende-se do excerto acima transcrito que as ofensas teriam sido irrogadas, na ótica dos querelantes, ao Presidente do Clube, bem como a seus “dirigentes”. Com efeito, como bem destacado pela eminente representante do Ministério Público Federal, os dados declinados na exordial assim como os documentos a ela juntados só permitem a identifi cação do primeiro (o então presidente da agremiação, o Sr. Roberto Horcades Figueira). Os dirigentes referidos, por outro lado, não são passíveis de identifi cação.

Assim, avulta dos autos que, para a identifi cação dos demais, seria necessário, nesse contexto, que os outros querelantes tivessem comprovado a condição de dirigentes, e, ainda, se utilizado do expediente previsto no art. 144 do Código Penal, denominado pedido de explicações, para sanar qualquer dúvida quanto ao alcance das afi rmações proferidas pelo querelado.

Neste sentido, confi ra-se o seguinte precedente emanado desta Corte:

(...)

Impende asseverar, por outro lado, que o reconhecimento da ilegitimidade ativa não decorre somente da ausência de indicação do nome dos querelantes nas declarações do querelado, mas sim da falta de elementos que permitam identifi cá-los como sendo os referidos dirigentes da mencionada agremiação desportiva. (Fls. 101-104).

A decisão transitou em julgado. O querelante, por sua vez, quedou-se inerte

quanto à formulação de proposta de transação penal (fl .112).

Desse modo, os autos foram encaminhados ao Parquet que, por meio

do Procurador-Geral da República, opinou pela sua ilegitimidade para oferecer

proposta de transação penal em substituição ao querelante e, quanto ao mérito,

pelo recebimento da queixa em parecer assim ementado:

Queixa-Crime. Crime de injúria. Utilização de expressão ofensiva pelo querelado contra o querelante, amoldando-se os fatos ao tipo penal. Infração de menor potencial ofensivo. Artigo 76 da Lei n. 9.099/1995. Querelante que não se manifesta sobre eventual oferecimento de proposta de transação penal, não podendo o Ministério Público Federal atuar em seu lugar para tal fi m. Satisfação dos requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. Presença da intenção do querelado de ofender a honra do querelante. Parecer pelo recebimento da queixa. (Fl. 123).

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Antes de adentrar o exame da

admissibilidade da acusação faz-se necessário enfrentar as preliminares levantadas

pela defesa.

Com relação à apontada ilegitimidade de alguns dos querelantes, conforme

ressaltado no relatório, a matéria já foi resolvida, ocasião em que se ajustou o polo

ativo da ação penal, nele mantendo-se somente Roberto Horcades Figueira, então

Presidente do Fluminense Futebol Clube. Dessa decisão, vale lembrar, não houve

qualquer recurso.

A preliminar remanescente trata da ausência de formulação de proposta de

transação penal por parte do querelante, que intimado, deixou transcorrer in albis

o prazo para sua manifestação (fl . 112).

Instado a se manifestar, o Procurador-Geral da República assentou que na

ação penal privada a proposta de transação compete tão somente ao querelante (fl s.

123-126).

Muito se controverteu sobre a natureza jurídica da transação penal. De

acordo com a jurisprudência fi rmada no âmbito do c. Supremo Tribunal Federal

(RE n. 296.185, 2ª Turma, Rel. Min. Neri da Silveira, DJ de 22.2.2005 e HC n.

83.250-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, v.g.), e também desta e. Corte

(HC n. 18.003-RS, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 25.5.2009, v.g.),

trata-se, assim como a suspensão condicional do processo inserta no art. 89 da Lei n.

9.099/1995, de um poder-dever do Ministério Público, em contrapartida à posição

minoritária, notadamente doutrinária, de que seria um direito público subjetivo

do acusado.

Nesse sentido, ilustrativamente:

Ementa: Habeas corpus. Crime de tentativa de homicídio qualiicado, desclassificado para lesão corporal grave. Pretendido direito subjetivo à suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/1995) ou à suspensão da pena (art. 77 do CP). Ordem denegada.

O benefício da suspensão condicional do processo não traduz direito subjetivo do acusado. Presentes os pressupostos objetivos da Lei n. 9.099/1995 (art. 89) poderá o Ministério Público oferecer a proposta, que ainda passará pelo crivo do magistrado processante. Em havendo discordância do juízo quanto à negativa do Parquet, deve-se aplicar, por analogia, a norma do art. 28 do CPP, remetendo-se os autos à Procuradoria-Geral de Justiça (Súmula n. 696-STF).

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(...)

Ordem denegada.

(HC n. 84.342-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 23.6.2006) (grifos aditados).

Ademais, tem-se a Sumula n. 696 editada pelo c. Pretório Excelso: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”.

Consagrou-se, então, o entendimento segundo o qual o Magistrado não

poderia se sobrepor à vontade do representante do Ministério Público e, assim, ele mesmo, sem a participação do Parquet, formular a proposta de transação ou de suspensão condicional do processo, a quem competiria a última palavra, na pessoa do Procurador-Geral.

Referidos institutos - transação penal e o sursis processual - não custa rememorar, foram criados pela Lei n. 9.099/1995 como medidas denominadas despenalizadoras. Visam conferir tratamento diferenciado às infrações de menor potencial ofensivo (no caso da transação penal), e aos delitos em que a pena mínima cominada não ultrapassasse um ano (requisito específico para a suspensão condicional do processo). Os mencionados institutos por relativizarem o princípio da indisponibilidade da ação penal acarretaram diversas polêmicas interpretativas.

A par das controvérsias aqui já referidas, insta destacar, também, a celeuma instaurada em torno da possibilidade de aplicação das medidas acima mencionadas às ações penais privadas. Quanto ao tema, esta Corte, em diversos julgados (APn n. 566-BA, Corte Especial, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 26.11.2009, HC n. 31.527-SP, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 28.3.2005 e EDcl no HC n. 33.929-SP, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 29.11.2004), manifestou-se pela possibilidade de aplicação, não obstante

o silêncio da Lei n. 9.099/1995, que somente as previu para as ações penais públicas. Admitida a aplicação, surge, no entanto, outra questão, consistente em saber a quem caberia, neste caso, a legitimidade para a proposta. Entendo que, uma vez admitida a possibilidade, como o fez a jurisprudência deste Tribunal, a competência, inquestionavelmente, deve recair sobre o ofendido.

Isso porque, se ele é o legitimado, na condição de substituto processual, para

ajuizar a ação penal e, assim, exercer o ius persequendi, nada mais lógico que se

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lhe transfi ra o encargo que, nas ações penais públicas, pertence ao Ministério

Público com exclusividade. Neste caso (no âmbito da ação penal privada), aliás, o

Parquet funciona tão somente como fi scal da lei, e não como parte.

No caso em exame, feito o ajustamento do polo ativo da ação, não custa

rememorar, abriu-se vista ao querelante para que formulasse, se fosse o caso,

proposta de transação penal. Contudo, ela não foi formalizada. O Procurador-

Geral da República, instado a se manifestar, na linha do que aqui foi consignado,

entendeu que a legitimidade para propor a aplicação do benefício restringia-se ao

ofendido.

Esse o quadro, não vislumbro, ao contrário do que sustentado pela

combativa defesa, qualquer mácula no feito.

Segundo afirmado pelo Pretório Excelso, “a transação penal pressupõe

acordo entre as partes...” (RE n. 492.087-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto).

Na mesma linha, pontifi cou o eminente Ministro Sepúlveda Pertence: “... a

transação penal - bem como a suspensão condicional do processo - pressupõe

o acordo entre as partes...” (RE n. 468.161-GO, 1ª Turma). Ou seja, não

se pode compelir o querelante a formular proposta se esse não é seu desiderato. O

eminente Ministro da Suprema Corte, Ayres Britto, em outro julgado, que

tratava de suspensão condicional do processo, e que pela natureza do instituto

pode ser aqui utilizado, advertiu que “não há que se falar em obrigatoriedade

do Ministério Público quanto ao oferecimento do benefício da suspensão

condicional do processo. Do contrário, o titular da ação penal seria compelido

a sacar de um instrumento de índole tipicamente transacional, como é o sursis

processual. O que desnaturaria o próprio instituto da suspensão, eis que não se

pode falar propriamente em transação quando a uma das partes (o órgão de

acusação, no caso) não é dado o poder de optar ou não por ela.” (HC n. 84.342-

RJ, 1ª Turma).

Esse raciocínio, a meu juízo, adquire maior propriedade e relevância se

transposto para a aplicação da transação penal na ação penal privada. É que nesta

vigoram os princípios da oportunidade e da disponibilidade, o que signifi ca que o

ofendido pode optar entre propor ou não a ação penal, pode ainda renunciar

ao direito de queixa, perdoar o ofensor e, ainda, abandonar o feito, dando azo à

perempção, todas causas de extinção da punibilidade (ex vi do art. 107, incisos IV

e V do CP), faculdades de que não dispõe o Ministério Público no âmbito da ação

penal pública, justamente por aqui vigorar os princípios diametralmente opostos

da obrigatoriedade e da indisponibilidade.

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Essa orientação - que justifi ca a possibilidade de não oferecimento de

proposta de transação penal na ação penal privada em decorrência dos princípios

da disponibilidade e oportunidade - encontra ressonância na doutrina. Confi ra-

se:

No tocante à vítima, porém, tratando-se de infrações de ação penal privada, outros princípios vigoram. Imperam os princípios da discricionariedade e da disponibilidade, daí por que, entendendo-se que a transação e a suspensão não são direito público subjetivo do autor do fato e do acusado, a sua formulação fi ca na estrita conveniência do ofendido, que, ao se recusar a formulá-las, inviabilazará a transação e a suspensão. (André Estefam Araújo Lima e Luiz Antônio de Souza, in Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, ano I - n. 4 - 2005, Porto Alegre, p. 83).

Dessarte, se ao ofendido abrem-se tantas possibilidades, o que se dirá em

relação à formulação de proposta de transação penal que, repita-se, não constitui

direito subjetivo público do acusado. Com efeito, sublinhou o c. Pretório Excelso

que “admitida que seja, porém, a suspensão condicional do processo de ação

penal privada, a oposição do querelante é irremediável.” (HC n. 81.720-SP, 1ª

Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Em suma, quando a jurisprudência estendeu às ações penais privadas

a possibilidade de transação penal, o fez em razão de uma lacuna da lei, que

somente previa a aplicação do instituto para as ações penais públicas. A partir de

então admitiu-se o que antes não era permitido. Não se pretendeu e nem poderia,

todavia, que para seu âmbito fossem transportadas as regras que se aplicam ao

Ministério Público. Signifi ca dizer, o ofendido pode, ou não, oferecer a proposta.

Confere-se, dessa forma, ao querelante, a opção pela formulação de

proposta de transação penal já que achou conveniente, anteriormente, ajuizar a

queixa. Contudo, não se pode forçá-lo a oferecê-la, ainda que sob o argumento de

preenchimento dos requisitos por parte do acusado, sob pena de desnaturar-se

o instituto que, importado para a ação privada, exige mútuo consentimento das

partes.

Bruno Calabrich, Procurador da República, em artigo específi co sobre a

matéria formula a seguinte indagação:

o que ocorre quando o particular deixa de propor a transação, mesmo quando preenchidos os requisitos pelo autor do fato?

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Ao que, mais adiante, responde:

Percebe-se, destarte, que somente a parte está autorizada a transigir sobre o direito que exclusivamente lhe compete - o direito de ação. Na ação penal privada, o MP não pode substituir o particular e oferecer transação. Tampouco pode fazê-lo o juiz. Assim agindo estariam maculando a natureza transacional do instituto, que deixaria de ser negócio para transformar-se em imposição. (in Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, ano IV - n. 24 - Fev-Mar 2004, Porto Alegre, p. 31-32).

Ainda no plano doutrinário:

(...) Não cabe aqui falar-se em direito subjetivo do querelado, diferentemente da suspensão do processo, no caso, não se trata de direito subjetivo do acusado, mas sim de opção das partes em transacionarem, tanto que o não cumprimento da transação, por ser ato administrativo, não tem o condão de se transformar em pena. Outro entendimento poria fi m às ações penais privadas, não foi isso o que fez a lei em questão (Alberto Silva Franco e Rui Stoco, in “Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial - Vol. 1”, Ed. RT, 7ª edição, revista atualizada e ampliada, 2001, p. 1.911).

Assim, a ausência de manifestação por parte do querelante, por evidenciar

falta de interesse na transação, acarreta o prosseguimento do feito, com a

consequente deliberação sobre o recebimento da queixa. Por conseguinte, em

razão dos fundamentos expostos, não procede a tese da defesa de que teria

ocorrido a decadência.

Passo ao exame do mérito, e ao fazê-lo, verifi co que a queixa preenche todos

os requisitos formais, estando apta a defl agrar a persecutio criminis in iudicio.

O crime imputado ao querelado é o inserto no art. 140, c.c. art. 141, inciso

III, do Código Penal:

Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

Além da honra objetiva, é dizer, a reputação, o valor social da pessoa,

o apreço que esta goza no meio social (Nelson Hungria e Heleno Cláudio

Fragoso, in “Comentários ao Código Penal - Volume VI - arts. 137 a 154”, Ed.

Forense, 5ª edição, 1980, p. 84), que podem ser ofendidos tanto pela calúnia

como pela difamação, tem a pessoa também o que a doutrina chama de honra

subjetiva, sendo essa a estima própria, o juízo que faz de si mesma, a sua dignidade

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 31

ou decoro, que podem ser ofendidos pela injúria (E. Magalhães Noronha, in

“Direito Penal - 2º Volume - Dos crimes contra a pessoa. Dos crimes contra

o patrimônio”, Editora Saraiva, 11ª edição, p. 123). Ao inverso do que sucede

na calúnia e na difamação, na injúria não se imputa fato determinado, mas se

formulam juízos de valor (Francisco Muñoz Conde, in “Derecho Penal - Parte

Especial”, Ed. Tirant lo Blanch, 8ª edição, 1990, p. 124), exteriorizando-se

qualidades negativas ou defeitos que importem menoscabo, ultraje ou vilipêndio

de alguém.

Conforme leciona Fragoso: “A injúria constitui ofensa menos grave porque

nela não há imputação de fatos, mas de vícios ou defeitos morais, que, como

em todos os crimes contra a honra, atinge a pretensão ao respeito inerente à

dignidade da pessoa” (in “Lições de Direito Penal - Parte Especial”, Volume I,

11ª Edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1995, p. 138).

Como bem lembrado por Nélson Hungria, a injúria apenas traduz

uma opinião pessoal do agente, desacompanhada da menção de fatos concretos ou

precisos, bastando apenas a palavra insultuosa, o epíteto aviltante, o impropério

(“Comentários ao Código Penal - Volume VI - arts. 137 a 154”, Ed. Forense,

5ª edição, 1980, p. 91), ou seja, no exemplo de E. Magalhães Noronha “Se se

diz que fulano não paga suas dívidas, injuria-se; mas falar que ele não pagou a

quantia de tanto a beltrano, emprestada em condições angustiosas, é difamar”.

(“Direito Penal - 2º Volume - Dos crimes contra a pessoa. Dos crimes contra o

patrimônio”, Editora Saraiva, 11ª edição, p. 123).

Cumpre rememorar, neste instante, o teor das declarações do querelado

proferidas por ocasião da reunião do Conselho Deliberativo do Fluminense

Futebol Clube, verbis:

(...) o que ocorreu de forma deplorável foi a prática da continuidade das contas defi citárias dos dirigentes dissipadores.

Na minha experiência de vida, em mais de 30 anos na administração pública, poderia enquadrar o atual Presidente, se fosse aqui Brasília - Governador Arruda é um santo - em mais de 30 anos da administração poderia enquadrar o atual Presidente em pelo menos 2 crimes, sejam:

- no crime de responsabilidade por desrespeitar o inciso 17 do artigo 1º do Decreto-Lei n. 201 de 1967. Esse Decreto-Lei diz: “ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito”.

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- ou de crime contra fi nanças públicas por não atender o art. 359-D do Código Penal, por ordenar despesas não autorizadas por lei, sujeitando à pena de reclusão de um a quatro.

Observe-se que a situação de hoje do Fluminense Football Club seria motivo de penalidades sérias se estivéssemos sob a égide das normas das fi nanças públicas. (fl . 06).

Em primeiro lugar, não se questiona o direito de criticar do querelado, ainda mais se considerado o contexto em que realizada a ação: reunião do Conselho Deliberativo, cujo objetivo é analisar as contas apresentadas pela Diretoria de um clube de futebol de larga tradição no cenário nacional que, certamente, abriga diversos grupos políticos. Assim, a atmosfera é propícia ao

debate acalorado, especialmente se considerado que essas questões ultrapassam a simples fi scalização das contas por refl etir uma relação afetiva dos sócios e conselheiros com a agremiação desportiva - o futebol é, sem dúvida, um forte traço da cultura brasileira. Dessarte, assegura-se ao querelado, na condição de membro do Conselho Deliberativo que fi scalize e critique as contas que lhe forem submetidas, notadamente se considerada a sua qualifi cação profi ssional.

Dessa forma, mencionar que o Presidente seria um dissipador (no sentido de esbanjador), aliado as críticas proferidas quanto à forma de gestão do clube, por si só, não evidenciaria o intuito de injuriar (animus injuriandi, que é o

elemento subjetivo adicional do tipo em foco). Até aí, haveria, como dito, o exercício regular de um direito, qual seja, o de criticar.

Contudo, verifi ca-se neste juízo de prelibação que as declarações do querelado, a primeira vista, extrapolaram o limite que tornaria a conduta legítima, no

instante em que foi feita alusão à pratica de delitos contra as fi nanças públicas, associada a uma comparação com o ex-governador do Distrito Federal que, à época, era o centro da atenções do país, em virtude das graves acusações contra ele formuladas, que, a toda evidência, certo ou não, o desqualifi cavam e muito, perante a opinião pública, tendo, inclusive, sido preso cautelarmente, fato inédito na história da Capital Federal (a prisão foi decretada no dia 11.2.2010,

portanto, em data anterior às declarações do querelado).

Não há como, portanto, não vislumbrar, de forma indiciária, o animus

injuriandi na ação do querelado ao afi rmar que: “Na minha experiência de vida, em mais de 30 anos na administração pública, poderia enquadrar o atual

Presidente, se fosse aqui Brasília - Governador Arruda é um santo - em mais de

30 anos da administração poderia enquadrar o atual Presidente em pelo menos 2

crimes...”

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 33

Essa a razão pela qual entendo ser prescindível, no caso, ao contrário do

que sustentado pela defesa, que o querelante formulasse previamente pedido

de explicações, nos termos do art. 144 do Código Penal, pois conforme mansa

orientação fi rmada no âmbito do Supremo Tribunal Federal: “A notifi cação

prevista no Código Penal (art. 144) (...) traduz mera faculdade processual, sujeita

à discrição do ofendido. E só se justifi ca na hipótese de ofensas equívocas.” (RTJ

142/816, Rel. Min. Celso de Mello).

Em suma, ultrapassado o animus narrandi, bem como o animus criticandi

nas últimas declarações prestadas e acima destacadas pelo querelado, a queixa

se revela, neste juízo de recebimento e, portanto, não exaustivo, apta ao

prosseguimento da ação penal.

Ante o exposto, voto pelo recebimento da queixa.

VOTO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura: Acompanhando o debate

acerca do recebimento da denúncia, em ponto preliminar, tenho convicções

diversas das que externou o eminente relator.

Di-lo em relação à exigência da proposta de transação penal.

Sua Excelência bem dispôs que a Lei n. 9.099/1995 não trouxe norma

específi ca quanto à possibilidade da transação penal no rito da ação penal de

iniciativa privada. E mais: disse que a jurisprudência tem entendido ser cabível a

aplicação do instituto em tal situação.

Esse ponto parece ser incontroverso.

Contudo, defende o eminente Relator não ser obrigatório por parte do

querelante realizar a proposta de transação penal, não tendo qualquer infl uência o

fato de, conquanto intimado para realizá-la, deixar sem resposta a determinação;

assim como defende que o ministério público, enquanto órgão de fi scalização,

não teria legitimidade para, na ausência de indicação do autor da queixa, ultimar

a previsão do art. 76 da Lei n. 9.099/1995, que prevê:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especifi cada na proposta.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Pondero, inicialmente, que o instituto da transação penal, na mesma

medida que a suspensão condicional do processo, trouxe à tradicional conjuntura

do direito brasileiro uma nova forma de resolução do confl ito penal, a que a

doutrina consagrada pontuou como a via alternativa entre a resposta da prisão,

no caso da ação penal pública, e a sua renúncia, no caso da ação penal de

iniciativa privada.

Isso se dá porque, como sabido, a ordem jurídica confi a ao ministério

público a obrigatoriedade da ação penal pública e a proposta alternativa de

transação processual mitiga essa realidade da norma cogente.

Daí dizer-se que o princípio regente dessa nova forma de solução da

controvérsia penal é o da oportunidade ou discricionariedade regrada, pelo qual

o titular da ação pode dispor da persecução penal em favor de uma proposta

alternativa.

No entanto, afi rme-se que o sentido da ordem legal, ao contrário do

que possa indicar a previsão do art. 76 da Lei n. 9.099/1995, quando usa a

expressão “poderá”, não é a de conferir ao Ministério Público uma faculdade

simplesmente, de modo a afastar o poder-dever de seu múnus público.

Na verdade, o parquet continua a ser infl uenciado pela imposição legal e

dentro de certos requisitos. Por sinal, a doutrina sempre ressaltou na função

ministerial como aquela que se pauta pela proteção da sociedade na medida

exata da previsão legal. Veja-se:

(...) É a lei, em última análise, que traça a atuação do Ministério Público. A ordem jurídica, destarte, não só constitui objeto da sua atuação (CF, art. 127), senão também seu limite. É objeto da sua defesa e ao mesmo tempo preside qualquer atuação sua. Todos os poderes públicos estão submetidos ao império da legalidade, pois é isso que caracteriza o Estado de Direito; todavia, primordialmente é o Ministério Público o órgão projetado constitucionalmente para atuar em defesa da ordem jurídica. (Ada Pellegrini Grinover et al. Juizados Especiais Criminais (Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995). 5ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 260).

Por esse viés, se estamos por aplicar, analogicamente, a transação penal ao

rito da ação penal privada, é de ser ter por correto que o querelante deve utilizar

o mesmo poder na medida exata do grau de intensidade regrada efetivamente

destinado ao titular da ação penal pública.

De fato, a questão há de merecer melhor enquadramento em hipóteses

como as tais, porque expõe eventual violação ao princípio de isonomia entender,

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 35

como tem entendido a jurisprudência, que o ministério público deve realizar

a proposta de transação ou justifi car a sua não proposição, cabendo, inclusive,

a utilização do art. 28 do CPP para o caso de recusa, e, noutro lado, por meio

do mesmo instituto que o obriga, entender que o querelante não tem a mesma

imposição.

No caso, a exigência de motivação é também constitucionalmente prevista

como regra do sistema, consoante os termos do art. 93, IX, na medida em que

o querelado tem o direito de saber os motivos pelos quais não se permite a

transação penal.

É certo que o querelante na ação penal privada é parte legítimada para dar

início à persecutio criminis e detém, inclusive, a discricionariedade de fazê-lo.

Ocorre que isso não lhe transfere o poder absoluto de, por ato unilateral, impedir

a realização da proposta de transação penal, que tem cunho despenalizante,

portanto, de política criminal.

A propósito, bem o disseram os professores da obra citada, verbis:

O princípio da oportunidade (regrada) instituído pela Lei n. 9.099/1995, entretanto, não chega a permitir ao Ministério Público deixar de atuar pura e simplesmente. Ele pode dispor da persecutio criminis projetada pela lei, para adotar uma via alternativa. Mas não pode deixar de agir por razões de oportunidade. Presentes os requisitos legais, tem que atuar em favor da via alternativa eleita pelo legislador. Quem traçou a política criminal consensual, portanto, foi o legislador. Não é o Ministério Público o detentor dessa política. Ele a cumpre. Assim como a cumpre o juiz. A ratio legis, portanto, reside na conquista de fi nalidades públicas supremas (desburocratização, despenalização, reparação, ressocialização etc.), não no incremento de poderes para uma ou outra instituição. (Obra citada, p. 261).

Por esse motivo, entendo que o querelante não pode manter-se

simplesmente silente diante da intimação para realizar a proposta de transação

penal, como, aliás, preconizou precedente desta Corte:

RHC. Juizados especiais criminais. Competência. Crime de difamação. Ação penal de iniciativa privada. Proposta de transação. Ministério Público. Possibilidade.

1 - A teor do disposto nos artigos 519 usque 523, do Código de Processo Penal, o crime de difamação, do art. 139 do Código Penal, para o qual não está previsto procedimento especial, submete-se à competência dos Juizados Especiais Criminais.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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2 - Na ação penal de iniciativa privada, desde que não haja formal oposição do querelante, o Ministério Público poderá, validamente, formular proposta de transação que, uma vez aceita pelo querelado e homologada pelo Juiz, é defi nitiva e irretratável.

3 - Recurso improvido. (RHC n. 8.123-AP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 16.4.1999, DJ 21.6.1999, p. 202)

E, mesmo assim, persistindo a omissão, penso ser possível a legitimidade

do Ministério Público com base na previsão do art. 45 do CPP, que o autoriza a

aditar a queixa.

Em conclusão, preliminarmente, voto no sentido de intimar o Ministério

Público Federal para o fi m de realizar a proposta de transação, ante a desídia do

querelante. E acaso não sendo este o entendimento da Corte, que se reconheça,

na hipótese, em face da desídia da parte, a perempção, consoante defendido da

tribuna pelo patrono do querelado.

Vencida quanto à preliminar, voto com o relator pelo recebimento da

denúncia.

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA N. 1.427-CE (2011/0185577-1)

Relator: Ministro Presidente do STJ

Agravante: Ministério Público Federal

Agravado: Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária - Infraero

Advogado: Marcela Cavalcante Sampaio e outro(s)

Requerido: Desembargador Relator do Agravo de Instrumento n.

80999420114050000 do Tribunal Regional Federal da 5ª

Região

EMENTA

Pedido de suspensão de medida liminar. Interferência do Judiciário na

atividade administrativa. Flagrante ilegitimidade e lesão à ordem pública.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 37

Ao Judiciário cabe o controle da legalidade dos atos da Administração.

O ativismo judicial pode legitimar-se para integrar a legislação onde

não exista norma escrita, recorrendo-se, então, à analogia, aos costumes

e aos princípios gerais de direito (CPC, art. 126). Mas a atividade

administrativa, propriamente tal, não pode ser pautada pelo Judiciário.

Na espécie, em última análise, o MM. Juiz Federal fez mais do que

a Administração poderia fazer, porque impôs o que esta só pode

autorizar, isto é, que alguém assuma a responsabilidade pela prestação

de serviço público. Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do

Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Gilson Dipp,

Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo

Esteves Lima, Massami Uyeda, Humberto Martins, Maria Th ereza de Assis

Moura e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes,

justifi cadamente, os Srs. Ministros Eliana Calmon, Francisco Falcão e João

Otávio de Noronha. Convocado o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior para

compor quórum. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília (DF), 5 de dezembro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Felix Fischer, Presidente

Ministro Ari Pargendler, Relator

DJe 29.2.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a decisão de fl .

242-245, que deferiu o pedido de suspensão à base da seguinte fundamentação:

Na forma do art. 21, XII, da Constituição Federal, compete à União explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária. Há uma empresa pública federal dedicada a explorar os serviços de infra-estrutura aeroportuária, qual

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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seja, a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária - Infraero. Ao invés de transferir-lhe essa exploração, o Estado do Ceará teve a primazia. Este, o Estado do Ceará, foi quem subrogou a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária - Infraero em alguns dos direitos e obrigações que havia ajustado com a União. Portanto, se bem percebidos os fatos, o MM. Juiz Federal tornou letra morta a relação entre a União e o Estado do Ceará para obrigar a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária - Infraero a assumir a administração do aeroporto de Juazeiro do Norte.

Ao Judiciário cabe o controle da legalidade dos atos da Administração. O ativismo judicial pode legitimar-se para integrar a legislação onde não exista norma escrita, recorrendo-se, então, à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito (CPC, art. 126). Mas a atividade administrativa, propriamente tal, não pode ser pautada pelo Judiciário. Na espécie, em última análise, o MM. Juiz Federal fez mais do que a Administração poderia fazer, porque impôs o que esta só pode autorizar, isto é, que alguém assuma a responsabilidade pela prestação de serviço público. Decidindo assim, incorreu em flagrante ilegitimidade e afrontou a ordem administrativa (fl . 244-245).

A teor das razões, in verbis:

Percebe-se que o ilustre Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Ari Pargendler, salientou haver o MM. Juiz Federal, ao conceder a antecipação de tutela suspensa, exorbitado de seus poderes ao transferir a administração do Aeroporto de Juazeiro do Norte à União, incorrendo em “fl agrante ilegitimidade” e afronta à ordem administrativa, tornando “letra morta a relação entre a União e o Estado do Ceará”.

Tal decisão, contudo, merece pronta reforma por estar dissociada da realidade dos fatos que permeiam a ação civil pública proposta em face da União e da ora requerente, conforme documentação juntada aos autos respectivos, notadamente considerando haver o Estado do Ceará promovido a renúncia unilateral do convênio celebrado junto à União.

De fato, o convênio em tela, celebrado em 07 de dezembro de 2000, através do qual o Comando da Aeronáutica transferiu ao Estado do Ceará a administração, manutenção, operação e exploração, entre outros, do Aeroporto de Juazeiro do Norte, previu, em sua cláusula Décima Primeira, item 11.2, a possibilidade de denúncia unilateral, a qual se efetiva após 90 (noventa) dias da comunicação formal de qualquer das partes.

Ocorre que o Estado do Ceará, conforme o Ofício GC-n. 306/10, de 21 de dezembro de 2010, promoveu a denúncia unilateral do citado convênio.

(...)

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 39

Promovida, dessa forma, a denúncia unilateral do convênio pelo Estado do Ceará, não há que se falar, como sustentado pela requerente, no aguardo de qualquer negociação entre a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária - Infraero e o Estado do Ceará, já que o mesmo não mais mantém qualquer vínculo com a União para esse fi m.

Não se pode afi rmar, portanto, tenha a decisão judicial combatida tornado letra morta a relação entre a União e o Estado do Ceará, já que tal relação não mais existe por força de ato de vontade unilateral e irrevogável do Estado, não mais mantendo qualquer vínculo jurídico que o obrigue a administrar, direta ou indiretamente, o Aeroporto de Juazeiro do Norte.

(...)

A manutenção da decisão ora combatida, por outro lado, se apresenta suscetível a ensejar grave risco à continuidade na prestação do serviço público de administração do Aeroporto de Juazeiro do Norte, posto que, ante a desvinculação do Estado do Ceará, por força de ato unilateral de vontade, cabe à União, diretamente ou através da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária - Infraero, fazê-lo.

Estando as mesmas desobrigadas de fazê-lo, contudo, tem-se que no momento não existe qualquer ente, público ou privado, juridicamente responsável pela administração, manutenção, gestão e operação do Aeroporto de Juazeiro do Norte, o que pode prejudicar a continuidade no seu funcionamento, causando prejuízo a milhares de usuários dos serviços de transporte aéreo.

Em razão desses fatos, impende salientar que, não mais permanecendo em vigor o convênio mantido entre o Comando da Aeronáutica e o Estado do Ceará, não há como vigorar e se manter efi caz o instrumento de subcontratação celebrado entre o Estado do Ceará e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária - Infraero.

(...)

Não podendo perdurar, como reconhecido na decisão do juízo monocrático, a lacuna administrativa referente à gestão aeroportuária, sob pena de serem encerradas e/ou paralisadas as atividades administrativas e operacionais do Aeroporto de Juazeiro do Norte, cabe a reforma da decisão atacada, ante o periculum in mora inverso.

Destaca-se, por fi m, não haver a decisão proferida pelo juízo monocrático determinado a realização de qualquer novo dispêndio de recursos por parte da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária - Infraero, notadamente considerando que as despesas referentes à instalação dos módulos operacionais provisórios já se encontram contempladas em seu orçamento, razão pela qual promoveu a licitação para adquiri-los.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Portanto, não confi gurada a grave lesão à ordem pública ou administrativa, estando evidente, por outro lado, o periculum in mora inverso em detrimento da sociedade, notadamente dos usuários dos serviços de transporte aéreo do Aeroporto de Juazeiro do Norte, deve ser mantida a decisão de antecipação de tutela determinada pelo Juízo de primeira instância (fl . 262-268).

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): Conforme está dito na decisão

agravada, ao Judiciário cabe o controle da legalidade dos atos da Administração.

O ativismo judicial pode legitimar-se para integrar a legislação onde não exista

norma escrita, recorrendo-se, então, à analogia, aos costumes e aos princípios

gerais de direito (CPC, art. 126). Mas a atividade administrativa, propriamente

tal, não pode ser pautada pelo Judiciário. Na espécie, em última análise, o MM.

Juiz Federal fez mais do que a Administração poderia fazer, porque impôs

o que esta só pode autorizar, isto é, que alguém assuma a responsabilidade

pela prestação de serviço público. Decidindo assim, incorreu em flagrante

ilegitimidade e afrontou a ordem administrativa.

Nem mesmo a alegada denúncia do convênio pelo Estado do Ceará,

por meio do Ofício n. 306/10 de 21 de dezembro de 2010, autoriza o Poder

Judiciário a interferir na administração do Aeroporto de Juazeiro do Norte,

porque se de fato houve o distrato, cabe à União explorar, diretamente ou

mediante autorização, concessão ou permissão, o referido aeroporto.

Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA N. 1.448-MA (2011/0246320-5)

Relator: Ministro Presidente do STJ

Agravante: Estado do Maranhão

Procuradores: Helena Maria Cavalcanti Haickel e outro(s)

Miguel Ribeiro Pereira e outro(s)

Roberto Benedito Lima Gomes e outro(s)

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 41

Agravado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis - Ibama

Procurador: Adriana Maia Venturini e outro(s)

Requerido: Desembargadora Relatora do Agravo de Instrumento n.

19491120114010000 do Tribunal Regional Federal da 1ª

Região

Interessado: Gusa Nordeste S/A e outros

Advogado: Sandra Cristina Pires Togneri e outro(s)

EMENTA

Pedido de suspensão de medida liminar. Suspensão de incentivos e

benefícios fi scais concedidos pelo Poder Público. A lesão de que trata a Lei

n. 8.437, de 1992 é aquela que resulta diretamente da decisão judicial.

Na espécie, quem, de fato, sofre imediatamente os efeitos da decisão

sub judice é empresa que não tem legitimidade para pedir a respectiva

suspensão. Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do

Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Gilson Dipp,

Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo

Esteves Lima, Massami Uyeda, Humberto Martins, Maria Th ereza de Assis

Moura e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes,

justifi cadamente, os Srs. Ministros Eliana Calmon, Francisco Falcão e João

Otávio de Noronha. Convocado o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior para

compor quórum. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília (DF), 05 de dezembro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Felix Fischer, Presidente

Ministro Ari Pargendler, Relator

DJe 29.2.2012

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a seguinte

decisão, in verbis:

1. Os autos dão conta de que, no ano de 2006, Gusa Nordeste S/A sofreu autuação por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama por ter adquirido carvão vegetal sem origem legal comprovada, sendo tal conduta considerada infração ambiental por força do Decreto n. 3.179, de 1999. Ajuizou, então, no ano seguinte, ação anulatória, objetivando a desconstituição da multa aplicada no auto de infração. O pedido foi julgado procedente em primeira instância, seguindo-se apelação, ainda pendente de julgamento.

Paralelamente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama propôs ação civil pública contra Gusa Nordeste S/A, visando à responsabilização da empresa pelos danos causados ao meio ambiente. Pediu o deferimento de medida liminar para que fosse determinada a suspensão ou perda de incentivos ou benefícios fi scais concedidos pelo Poder Público à empresa e seus proprietários, bem assim a suspensão ou perda de acesso a linhas de crédito concedidos com recursos públicos por instituições ofi ciais de crédito, até que tenha início a efetiva recuperação do dano ambiental (fl . 19-49).

O MM. Juiz Federal da Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Maranhão deferiu a medida liminar, mas depois reconsiderou a decisão (fl . 63-71).

Sobreveio agravo de instrumento, a que a relatora, Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, deferiu o efeito suspensivo, “determinando a suspensão de incentivos e benefícios fi scais concedidos pelo Poder Público ao agravado” (fl . 75).

A decisão impugnada está assim fundamentada:

O art. 225, § 3º, da Constituição Federal dispõe que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Sendo assim, a atuação administrativa não impede o controle judicial das condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

O artigo constitucional citado acima consagra, ainda, os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral. Tais princípios não visam apenas a compensar os danos causados, mas, sim, procuram evitar o dano ambiental.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu no sentido de que a tutela contra as atitudes lesivas ao meio ambiente não se esgota no fato já consumado, mas se prolonga no sentido de evitar a intensifi cação de seus efeitos (...)

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 43

(...)

Assim, levando-se em consideração a dificuldade de constatação e avaliação dos danos ambientais e que os efeitos de tais danos só aparecem após vários anos ou, o que é pior, já em outra geração, entendo que as provas colacionadas aos autos bastam para a comprovação da conduta lesiva ao meio ambiente praticada pelo agravado.

Ora, o meio ambiente danifi cado não tem à disposição todo o tempo do mundo para aguardar uma eventual condenação do devastador. Ademais, o dano ambiental não pode, em circunstância alguma, valer a pena para o devastador.

Há, portanto, que se impedir a continuidade da conduta lesiva ao meio ambiente e possibilitar eventual condenação ao ressarcimento dos danos causados (fl . 129).

É oportuno relembrar que, em questões ambientais, o exame de qualquer pedido observa o princípio da precaução, pois de nada adianta atuar após o estabelecimento do desmatamento ou da degradação, afi gurando-se desarrazoada, portanto, a decisão impugnada.

Não há justificativa para manter tal entendimento, sob pena de inobservância ao princípio da precaução, possibilitando a ampliação de eventual dano que já tinha sido causado.

Assim, é necessária a ampla averiguação dos danos provocados e de suas conseqüências futuras, sendo importante a alteração da decisão impugnada.

Entendo, portanto, que deve ser privilegiado o princípio da precaução, especialmente, estando em jogo a incolumidade do meio ambiente, que está sob o risco de danos irreversíveis à fauna e à fl ora. Ademais, não se justifi ca a proteção a direito individual em detrimento de direito coletivo (fl . 130).

Cumpre ressaltar que, ao aplicar o princípio da precaução, ‘os governos encarregam-se de organizar a repartição da carga dos riscos tecnológicos, tanto no espaço como no tempo. Numa sociedade moderna, o Estado será julgado pela sua capacidade de gerir os riscos.

Em sede de matéria ambiental, portanto, não há lugar para intervenções tardias, sob pena de se permitir que a degradação ambiental chegue a um ponto no qual não há mais volta, tornando-se irreversível o dano.

Como bem observou o MM. Juiz a quo, em sua decisão de fl . 25-30, que a documentação demonstra o contínuo descumprimento de normas ambientais, nada mais justo que suspender os fi nanciamentos e incentivos fiscais ao agravante para que, amanhã ou depois, deduzir-se que o indeferimento do pedido liminar formulado implicaria na continuação do

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favorecimento, pelo Poder Público, do exercício de atividade contrária aos ideais constitucionais de proteção ao meio ambiente e desenvolvimento econômico sustentável (fl . 73-75).

2. O Estado do Maranhão pediu, então, a suspensão da decisão proferida no Agravo de Instrumento n. 0001949-11.2011.4.01.0000-MA, alegando grave lesão à ordem e economia públicas (fl . 01-18).

A teor da inicial:

(...) a manutenção da decisão proferida no referido agravo de instrumento poderá causar grave lesão à ordem administrativa e à economia estadual, com prejuízos econômicos incalculáveis, não só à população do município de Açailândia-MA, onde está instalada a indústria, mas, na verdade, à ordem administrativa e econômica de todo o Estado do Maranhão (fl . 04).

Na verdade, como bem observou o MM. Juiz a quo na decisão ora agravada, “Na inicial não há nenhuma descrição de atividade nociva ao meio ambiente pela empresa requerida no presente momento (...)” O suposto dano ambiental (mera suposição baseada na alegada ausência de comprovação da origem legal do carvão vegetal adquirido) teria ocorrido entre 2001 e 2004.

Não há falar, pois, de “continuidade lesiva”, considerando que se o suposto dano teria ocorrido isoladamente no período de 2001/2004, cessando logo em seguida.

Além disso, é preciso observar que o auto de infração relativo à matéria foi anulado já em 2007, por decisão judicial proferida em ação anulatória, pendente de recurso. Ocorre na hipótese, assim, litispendência entre a ação civil pública em que foi proferida a decisão agravada e a ação anulatória que resultou na anulação do Auto de Infração n. 487094-D, que inviabiliza o presente feito, a depender de solução defi nitiva naquela ação na qual foram apresentadas provas da improcedência do auto de infração (fl .05).

A decisão liminar, pois, ora restabelecida, em parte, pela ilustre Desembargadora Federal, ao deferir liminarmente no presente agravo de instrumento atribuindo “efeito suspensivo ao recurso, determinando a suspensão dos incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público”, caracteriza, na verdade, periculum in mora inverso, eis que como observa com lucidez o MM. Juiz a quo, “centenas de pessoas perderão seus empregos diretos e outras tantas seus empregos indiretos, quando a ação pode ser resolvida com indenização”, se for realmente o caso de indenização, o que a Gusa Nordeste, ora agravada, contesta com base nas provas apresentadas na Ação Anulatória n. 2007.37.00.002634-5 (fl . 06).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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Em síntese, a perda, no tocante aos benefícios fi scais, corresponde a R$ 89.767,00 (oitenta e nove milhões setecentos e sessenta e sete mil quatrocentos e sete reais) e a perda de empregos direitos será de 2.631 (dois mil seiscentos e trinta e um) - fl . 06.

É evidente que, se o Estado do Maranhão concedeu benefícios e incentivos fi scais para viabilizar o empreendimento - Gusa Nordeste S/A - isso signifi ca que há o absoluto interesse administrativo na consolidação econômica da empresa.

Não poderia, assim, a medida liminar concedida, ou seja, o efeito suspensivo atribuído ao agravo de instrumento proibir o Estado do Maranhão de continuar a concessão dos citados benefícios e incentivos fi scais, sob pena de interferir na sua ordem administrativa, o que legitima o Estado do Maranhão para requerer a presente suspensão de segurança.

Se não fosse sufi ciente tal fundamento jurídico, acrescente-se a ele as enormes repercussões negativas relativamente à ordem econômica do Estado que ocorrerão, se mantida a liminar - provocando o periculum in mora inverso para o Estado do Maranhão, trazendo como consequência o desemprego de milhares de pessoas que trabalham para a própria Gusa Nordeste e para as diversas empresas que trabalham na ampliação do empreendimento, construção de uma aciaria, que perderão seus empregos diretos e indiretos, como a consequente grande redução da arrecadação projetada para os próximos quinze a vinte anos, por via direta e indireta, já que tanto as empresas que lhe prestam serviços, quanto a Gusa Nordeste, e os seus trabalhadores geram o pagamento de tributos quando consomem produtos e serviços, movimentando a economia local e do Estado (fl . 12-13).

3. Pedido idêntico foi articulado pelo Município de Açailândia, o qual deixou de ser conhecido (SLS n. 1.441-MA).

Salvo melhor juízo, a lesão de que trata a Lei n. 8.437, de 1992 é aquela que resulta diretamente da decisão judicial. Na espécie, esta pode, é verdade, repercutir na economia do Estado do Maranhão, mas de modo indireto. Quem, de fato, sofre imediatamente os efeitos da decisão sub judice é Gusa Nordeste S/A, que não tem legitimidade para pedir a respectiva suspensão.

Não conheço, por isso, do pedido (fl . 88-92).

A teor das razões:

É evidente que a referida empresa não tem legitimidade processual para pedir a suspensão de liminar, mas o requerente é o Estado do Maranhão e, portanto, o pedido deve ser conhecido e ser examinado o respectivo mérito (fl . 99).

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O risco de grave lesão à economia de todo o Estado do Maranhão, com evidentes refl exos na ordem administrativa, resta claramente demonstrado com as informações e os dados apontados e explicitados nos itens anteriores. A perda de mais de dois mil empregos diretos representa grave lesão ao interesse público, bem como a arrecadação tributária propiciada pelo referido empreendimento visto que o referido empreendimento tem previsão de arrecadação de ICMS de R$ 131.506.000,00 nos doze primeiros anos e R$ 225.544.000,00 nos anos seguintes conforme informado pela Secretaria de Fazenda Estadual e devidamente instruído no pedido de suspensão (fl . 112).

Finalmente, resta claramente demonstrado que a liminar (o efeito suspensivo atribuído ao agravo de instrumento) não apenas interfere indevidamente na política fi scal do Estado do Maranhão para atrair investimentos vitais para o seu desenvolvimento econômico e social, mas também confi gura ameaça de grave lesão à ordem administrativa e econômica estadual (fl . 128).

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): A lesão de que trata a Lei

n. 8.437, de 1992 é aquela que resulta diretamente da decisão judicial. Na

espécie, a decisão que determinou a suspensão de incentivos e benefícios fi scais

concedidos pelo Poder Público à Gusa Nordeste S/A pode, é verdade, repercutir

na economia do Estado do Maranhão, mas de modo indireto.

Quem, de fato, sofre imediatamente os efeitos da decisão sub judice é Gusa

Nordeste S/A, que não tem legitimidade para pedir a respectiva suspensão.

O Estado do Maranhão não pode defender na via da suspensão o interesse

econômico de empresa privada.

O interesse público primário a ser protegido, na espécie, é aquele que foi

tutelado pela decisão judicial impugnada:

(...) a documentação demonstra o contínuo descumprimento de normas ambientais, nada mais justo que suspender os fi nanciamentos e incentivos fi scais ao agravante para que, amanhã ou depois, deduzir-se que o indeferimento do pedido liminar formulado implicaria na continuação do favorecimento, pelo Poder Público, do exercício de atividade contrária aos ideais constitucionais de proteção ao meio ambiente e desenvolvimento econômico sustentável (fl . 75).

Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 830.577-RJ (2011/0065741-6)

Relator: Ministro João Otávio de Noronha

Agravante: Sapucaia de Máquinas e Motores Ltda e outros

Advogados: Antônio de Oliveira Tavares Paes e outro(s)

Ronei Ribeiro dos Santos e outro(s)

Agravado: Norma Tamm Drumond

Advogados: Antonio Vilas Boas Teixeira de Carvalho

Fernando Setembrino Márquez de Almeida e outro(s)

Interessado: Roberto Ferreira Cordeiro de Melo

Advogado: Roberto F Cordeiro de Melo (em causa própria)

Interessado: Semenge S/A Engenharia e Empreendimentos

Advogados: Gabriel de Oliveira Ottoboni

Luís Eduardo Corrêa Ribeiro

EMENTA

Processual Civil. Agravo regimental. Embargos de divergência. Recurso especial. Conhecimento. Aplicação de regra técnica. Inviabilidade de discussão. Matéria de ordem pública. Prequestionamento. Imprescindibilidade. Súmula n. 168-STJ.

1. Em sede de embargos de divergência, é inviável a discussão acerca de regra técnica relativa ao conhecimento do recurso especial.

2. O Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência de que, na instância especial, a apreciação de ofício de matéria, mesmo de ordem pública, não prescinde do indispensável requisito de prequestionamento.

3. Incidência da Súmula n. 168-STJ.

4. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do

Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Massami Uyeda,

Humberto Martins, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer, Francisco Falcão, Nancy

Andrighi e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp, Eliana Calmon,

Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima e Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 07 de maio de 2012 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro João Otávio de Noronha, Relator

DJe 17.5.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Sapucaia de Máquinas e Motores

Ltda. e outros interpõem agravo regimental contra decisão que, indeferindo

liminarmente os embargos de divergência (fl s. 1.766-1.770), recebeu a ementa

abaixo:

Processual Civil. Duplos embargos de divergência. Primeiros embargos. Intempestividade. Segundos embargos. Paradigmas originários de Turmas da mesma Seção e de Seção diversa. Competência. Discussão acerca da aplicação de regra técnica relativa ao conhecimento do recurso especial. Impossibilidade.

1. São intempestivos os embargos de divergência opostos após o décimo quinto dia seguinte à publicação do acórdão embargado.

2. Quando suscitada a divergência entre paradigmas de Turmas da mesma Seção e de Seção diversa daquela de que provém o aresto embargado, ocorre a cisão do julgamento com primazia da Corte Especial, com posterior remessa à Seção competente em relação aos demais paradigmas.

3. É inviável, em sede de embargos de divergência, discussão acerca da admissibilidade do recurso especial.

4. Embargos de divergência indeferidos liminarmente.

Aduzem os recorrentes o seguinte:

A divergência, resumidamente, consistia no fato de que a Egr. 3ª Turma entendeu que a ausência de prequestionamento a impedia de examinar alegação de nulidade do processo (por ausência de litisconsorte necessário), mesmo tendo

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 49

a Egr. Turma conhecido do recurso; já nos acórdãos paradigmas, as demais Turmas manifestaram diametralmente contrário, no sentido de que uma vez conhecido o recurso, questões de nulidade conhecíveis ex offi cio não poderiam deixar de ser conhecidas sob o pretexto da falta de prequestionamento da matéria.

A divergência é clara e suscita a indagação: como deve se posicionar o STJ, em se tratando de um Tribunal uniformizador da jurisprudência nacional, sobre a questão? É ou não exigível o prequestionamento para que o Tribunal conheça, de ofício ou por provocação, de questões de ordem pública, mesmo tendo conhecido o recurso especial?

[...]

Não se trata, portanto, de boa ou má aplicação de regra de conhecimento de recurso, mas, sim, de se saber se essa regra pode, por analogia, impedir ou obstar o exame de matéria de ordem pública, uma vez aberta a via do especial pelo conhecimento do recurso.

Sustentam ainda que não se pretende questionar regra de conhecimento

do recurso, inclusive diante da especifi cidade da questão tratada nos autos, e que

é clara a dissonância entre a decisão embargada e os acórdãos paradigmas.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator): O recurso não reúne

condições de acolhimento.

Nada obstante o louvável esforço na defesa da tese ora deduzida, a parte

agravante não apresentou nenhum motivo apto a desconstituir a decisão

agravada, que deve ser mantida por seus próprios fundamentos, expressos nestes

termos:

A irresignação não ultrapassa o juízo de admissibilidade.

Os embargos de divergência visam discutir a falta de prequestionamento da matéria tratada no especial e a aplicação da Súmula n. 7-STJ. Ocorre que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífi ca quanto à impropriedade de discussão, em sede de embargos de divergência, acerca da aplicação de regra técnica relativa ao conhecimento do recurso especial.

Nesse sentido, cito os seguintes julgados:

Corte Especial: AgRg nos EREsp n. 793.725-SC, relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 11.10.2007; EREsp n. 650.209-PR, relator Ministro Castro Meira,

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DJe de 13.3.2008; EREsp n. 415.671-SC, relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 12.6.2006.

Primeira Seção: EREsp n. 743.223-RJ, relator Ministro Castro Meira, DJ de 3.4.2006; AgRg nos EREsp n. 616.719-GO, relator Ministro Luiz Fux, DJ de 20.3.2006; e AgRg nos EREsp n. 724.577-SC, relator Ministro José Delgado, DJ de 20.2.2006.

Segunda Seção: AgRg nos EAg n. 668.164-RJ, relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 1º.8.2007.

De mais a mais, o Superior Tribunal de Justiça fi rmou jurisprudência

de que, na instância especial, a apreciação de ofi cio de matéria, mesmo de

ordem pública, não prescinde do indispensável requisito de prequestionamento,

segundo se depreende dos julgados da Corte Especial abaixo:

Processo Civil. Agravo regimental. Embargos de divergência. Fato novo. Conhecimento. Impossibilidade. Matéria de ordem pública. Prequestionamento. Necessidade. Recurso não provido.

1. No âmbito dos embargos de divergência, não é possível modifi car a base fática da controvérsia, sendo irrelevantes as alterações ocorridas posteriormente ao julgamento do recurso especial. Matéria pacifi cada pela Corte Especial.

2. Segundo a firme jurisprudência do STJ, na instância extraordinária, as questões de ordem pública apenas podem ser conhecidas, caso atendido o requisito do prequestionamento. Aplica-se, no caso, o óbice da Súmula n. 168-STJ.

3. Agravo regimental não provido. (AgRg nos EREsp n. 999.342-SP, relator Ministro Castro Meira, DJe de 1º.2.2012.)

Agravo regimental. Embargos de divergência. Prescrição. Falta de prequestionamento.

- A jurisprudência do STJ é fi rme no sentido de que, na instância especial, é vedado o exame ex offi cio de questão não debatida na origem, ainda que se trate de matéria de ordem pública, como a prescrição.

Agravo regimental improvido. (AgRg nos EDcl nos EAg n. 1.127.013-SP, relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe de 23.11.2010.)

Agravo regimental em embargos de divergência. Similitude entre os acórdãos embargado e paradigma. Inexistência. Pretensão de reexame do recurso especial. Incabimento. Prequestionamento. Necessidade. Súmula n. 168-STJ.

1. Inexiste divergência jurisprudencial a ser dirimida quando o acórdão paradigma decide que, conhecido o recurso especial, que possui efeito devolutivo, deve a Corte aplicar o direito à espécie e apreciar a questão posta, desde que tenha sido deduzida nas instâncias ordinárias, e o acórdão embargado nada decide acerca do tema, recusando apreciação da alegada violação do parágrafo 1º do artigo 103 da Lei n. 8.112/1990, à falta de prequestionamento.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 51

2. O puro e simples reexame do recurso especial não se coaduna com a natureza jurídica dos embargos de divergência, cuja fi nalidade é a uniformização de teses jurídicas dissidentes.

3. Tal como decidido no acórdão embargado, o Superior Tribunal de Justiça é fi rme em que, na instância especial, é vedado o exame de matéria, inclusive de ordem pública, que não tenha sido objeto de discussão na origem, tendo incidência, assim, o Enunciado n. 168 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se fi rmou no mesmo sentido do acórdão embargado.”

4. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EREsp n. 787.696-SC, relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJe de 20.10.2008.)

Nesse contexto, cabível a incidência da Súmula n. 168-STJ.

Importante também ressaltar que a fi nalidade dos embargos de divergência

é a uniformização da jurisprudência do Tribunal, não se prestando para discutir

o acerto ou desacerto do aresto embargado nem para corrigir eventual equívoco

que possa ter ocorrido no julgamento do recurso especial.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 884.083-PR (2009/0070499-7)

Relatora: Ministra Eliana Calmon

Embargante: Jocelito Canto

Advogado: Antônio Carlos de Andrade Vianna e outro(s)

Embargado: Ministério Público do Estado do Paraná

EMENTA

Processual Civil. Embargos de declaração. Violação do art. 535 do CPC não caracterizada. Inclusão do feito em pauta. Adiamento.

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Julgamento realizado em tempo razoável. Omissão. Efeitos infringentes.

1. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que não se faz necessária nova publicação nos casos de adiamento de processo de pauta, desde que o novo julgamento ocorra em tempo razoável.

2. Restando nítido o propósito infringente do recurso de embargos de declaração, não há como ele ser acolhido.

3. Embargos de declaração rejeitados.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça A

Corte Especial, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos

termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Teori

Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins,

Maria Th ereza de Assis Moura, Sidnei Beneti, Mauro Campbell Marques,

Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra

Relatora.

Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão e a Sra.

Ministra Nancy Andrighi e, ocasionalmente, os Srs. Ministros João Otávio de

Noronha e Massami Uyeda.

Convocados os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Mauro Campbell Marques

para compor quórum.

Brasília (DF), 09 de junho de 2011 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministra Eliana Calmon, Relatora

DJe 1º.8.2011

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se de embargos de declaração

opostos contra acórdão assim ementado:

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 53

Processual Civil. Agravo regimental. Embargos de divergência. Ausência de pressupostos de admissibilidade.

1. Não se configura o dissídio jurisprudencial quando ausente similitude jurídica entre os arestos confrontados.

2. Agravo regimental não provido.

Insurge-se o embargante, pugnando pela concessão de efeitos infringentes

aos declaratórios, sob o argumento de que houve nulidade no julgamento

impugnado, aduzindo, para tanto, que apesar do agravo regimental ter sido

incluído na pauta de 19.5.2010, o recurso somente foi julgado em 29.6.2010, fato

que causou prejuízo ao embargante que fi cou impossibilitado de acompanhar a

sessão por intermédio de advogado, apresentar memoriais e eventualmente

suscitar questão de ordem naquela assentada.

Afi rma que o julgamento do recurso deveria ter sido precedido de nova

inclusão em pauta com consequente intimação das partes.

Alega, ainda, que o aresto embargado restou omisso e violou os arts. 5º,

XXXV, LX e 93 da CF/1988, asseverando que:

a) o acórdão impugnado não examinou a viabilidade da inconstitucionalidade

de lei poder ser suscitada em sede de embargos declaratórios;

b) o aresto recorrido deixou de pronunciar-se quanto à possibilidade de

conceder ao embargante a oportunidade de realizar sustentação oral.

Ouvido, opinou o MPF pela rejeição dos declaratórios e aplicação da

multa prevista no art. 264, parágrafo único, do RISTJ.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Rejeito a pretensão do

embargante de ver declarada a nulidade do julgado recorrido.

Verifi ca-se que o agravo regimental interposto pelo embargante foi julgado

pela Corte Especial em 29.6.2010, terceira sessão subsequente à de 19.5.2010,

para a qual as partes foram intimadas da inclusão do feito em pauta.

Observa-se, portanto, que não se fazia necessária nova inclusão do feito em

pauta com consequente intimação das partes, já que o julgamento ocorreu em

tempo razoável.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Nesse sentido, confi ra-se os seguintes precedentes deste Tribunal:

Processual Civil e Administrativo. Medida cautelar incidental para empresar efeito suspensivo a recurso especial. Medida liminar deferida monocraticamente e levada ao órgão colegiado para ser referendada. Interpretação do art. 26-C da Lei Complementar n. 135/2010 (cognominada “Lei da Ficha Limpa”). Ação civil pública por atos de improbidade administrativa. Supostas irregularidades na aplicação de recursos provenientes do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental-Fundef. Questões formais que, em tese, evidenciam a possibilidade de êxito do apelo nobre. Afronta ao devido processo legal. Prazo exíguo para o Tribunal Regional Eleitoral defi nitivamente apreciar o pedido de registro de candidatura e das respectivas impugnações. Presença do fumus boni iuris e do periculum in mora.

(...)

4. O julgamento do recurso de apelação foi marcado para o dia 15 de abril de 2008 (fl . 1.416). Sucede que, por motivos desconhecidos, não houve a realização desse ato na data aprazada, vindo tão somente a ocorrer em 1º de julho de 2008, todavia, sem a renovação da intimação dos patronos do requerente para o comparecimento à sessão de julgamento. Diante disso, subjaz outra questão formal que ostenta, em tese, a propriedade de contaminar o julgamento do recurso de apelação, porquanto, à mingua de ampla defesa e de contraditório, princípio do devido processual legal foi afrontado.

5. O entendimento assente no âmbito do STJ justamente preconiza que “O adiamento de processo de pauta não exige nova publicação, desde que o novo julgamento ocorra em tempo razoável (três sessões, no máximo, sob pena de violação do princípio do due process) [...]” (REsp n. 736.610-DF, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 15 de dezembro de 2009). Dessarte, exsurge o fumus boni iuris.

(...)

12. Mantida a decisão liminar que deferiu o efeito suspensivo ao recurso especial interposto pelo ora requerente.

(MC n. 17.110-PE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 10.8.2010, DJe 20.9.2010)

Processual Civil. Julgamento de apelação. Processo retirado de pauta e incluído mais de um ano depois. Necessidade de nova intimação da União.

(...)

4. O adiamento de processo de pauta não exige nova publicação, desde que o novo julgamento ocorra em tempo razoável (três sessões, no máximo, sob pena de violação do princípio do due process), o que não se verifi ca na hipótese, em que o intervalo de tempo foi superior a um ano.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 55

5. Recurso Especial da União provido. Recurso Especial do Ministério Público Federal prejudicado.

(REsp n. 736.610-DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1º.9.2009, DJe 15.12.2009)

Embargos de declaração em reclamação. Processual Civil. Ausência de publicação do feito em pauta. Nulidade do julgamento. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes.

1. O Superior Tribunal de Justiça formou a compreensão segundo a qual, na hipótese de adiamento de processo de pauta, não se faz necessária nova publicação, desde que o julgamento ocorra em razoável lapso temporal. (EREsp n. 474.475-SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 14.3.2007).

2. No caso dos autos, tem-se que, entre a data em que estava previsto o julgamento da presente reclamação e aquela em que ele efetivamente ocorreu, transcorreu o lapso de, aproximadamente, um ano.

3. À luz das considerações acima, a hipótese em tela exige a aplicação do entendimento consubstanciado nos precedentes desta Corte, consoante os quais a nulidade do aresto se demonstra medida incontornável, afi gurando-se necessária a publicação da pauta.

4. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes.

(EDcl na Rcl n. 1.215-DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira Seção, julgado em 24.6.2009, DJe 1º.7.2009)

Ação popular. Processo incluído em pauta. Adiamento do feito. Longo decurso de prazo. Necessidade de nova publicação quando do efetivo julgamento.

1. Este Tribunal tem entendimento de que na hipótese de adiamento de processo de pauta não se faz necessária nova publicação, desde que o novo julgamento ocorra em razoável lapso temporal.

2. In casu, restou constatado o adiamento do feito inicialmente previsto para julgamento em 20.5.2003. Contudo, o efetivo julgamento apenas realizou-se após sete meses, sem nova publicação, de forma a cercear o direito dos recorrentes e impedir, inclusive, a sustentação oral.

3. Evidenciado o prejuízo do recorrente, pela não-publicação da pauta de julgamento em que se incluía o processo adiando, necessária a anulação do julgamento, para que outro seja proferido, com respeito ao devido processo legal.

Embargos de divergência providos.

(EREsp n. 474.475-SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 14.3.2007, DJ 26.3.2007, p. 184)

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Recurso especial. Processo Civil. Art. 552 do CPC. Adiamento automático. Desnecessidade de nova publicação. Novo dia de julgamento. Prazo razoável.

1. O entendimento desta Corte Superior já se fi rmou pela desnecessidade de nova publicação da pauta, quando de seu adiamento automático, como se observa na espécie.

2. Realizado o julgamento na terceira sessão após aquela em que originariamente deveria ter ocorrido, não se há falar, à luz do princípio da razoabilidade, em imposição ao advogado de um dever de comparecer a todas as sessões a serem realizadas pelo órgão julgador, mormente quando uma simples diligência junto ao Gabinete do Desembargador-Relator já seria sufi ciente para afastar eventuais incertezas quanto à data da apreciação do feito.

3. Recurso especial não conhecido.

(REsp n. 692.506-MT, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, julgado em 7.12.2006, DJ 5.2.2007, p. 243)

Consigno, ainda, que o fato do julgamento do agravo regimental ter sido

adiado para a sessão do dia 29.6.2010 não impediu o embargante de apresentar

memoriais, já que o recorrente foi intimado da inclusão do feito na pauta da

sessão do dia 19.5.2010.

Ademais, verifi ca-se da leitura do art. 159, caput, do Regimento Interno do

STJ, que não há previsão de sustentação oral em sede de regimental:

Art. 159. Não haverá sustentação oral no julgamento de agravo, embargos declaratórios, argüição de suspeição e medida cautelar.

Quanto às omissões apontadas pelo embargante, entendo que pretende o

recorrente, na verdade, rediscutir questão já examinada pelo julgado recorrido,

fi nalidade incompatível com a estreita via dos embargos de declaração, quando

ausentes os requisitos do art. 535 do CPC, como na hipótese.

De fato, os embargos de declaração são instrumento integrativo da decisão

judicial e visam escoimá-la de vícios que prejudiquem a efetivação do comando

judicial, tais quais a obscuridade, a contradição e a omissão.

Diz-se omissa a sentença ou o acórdão que não aprecia a pretensão ou

parte dela ou que ainda não analisa a causa sob o prisma de questão relevante.

A relevância da questão surge da comprovação nos autos do fato jurídico

(AgRg no Ag n. 960.212-RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado

em 27.3.2008, DJe 28.4.2008) ou da correção da norma aplicável (EREsp

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 57

n. 739.036-PE, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministra Eliana

Calmon, Primeira Seção, julgado em 23.8.2006, DJ 20.11.2006 p. 262). Por

se tratar de conceito aberto, é construído diuturnamente pela jurisprudência.

Nessa hipótese, poder-se-ia denominá-los embargos prequestionadores, ex vi da

Súmula n. 98-STJ.

A obscuridade é vício que afeta a compreensão do julgado (EDcl nos

EDcl no AgRg na MC n. 12.596-MT, Rel. Ministro Benedito Gonçalves,

Primeira Turma, julgado em 6.11.2008, DJe 13.11.2008). Embora sejam muito

tênues os limites entre a pretensão de expelir a obscuridade do acórdão e a

de lhe emprestar efeitos modifi cativos, são cabíveis os declaratórios sempre

que a decisão comportar interpretação dúbia, que deve ser sufi cientemente

demonstrada pela parte interessada.

Já a contradição, que deve ser interna, inerente ao julgado, entre suas partes

estruturais (EDcl no AgRg no AgRg no REsp n. 865.951-RS, Rel. Ministra

Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 9.12.2008, DJe 27.2.2009), é a

utilização de premissas diversas das que levam ou levariam à conclusão adotada,

expressa na parte dispositiva da decisão.

O sistema admite ainda a correção do provimento judicial pelo

reconhecimento de erro material. Erro material é o equívoco manifesto na

decisão, resultante de inexatidões materiais (erro do nome da parte ou do

advogado (AgRg nos EDcl no Ag n. 1.058.521-RJ, Rel. Ministro Carlos

Fernando Mathias ( Juiz Federal convocado do TRF 1ª Região), Quarta Turma,

julgado em 17.2.2009, DJe 2.3.2009), erro na indicação de fl s. do processo;

inclusão de índice de correção monetária reconhecidamente indevido ((EDcl

nos EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no REsp n. 931.956-SP, Rel. Ministro

Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18.12.2008, DJe 11.2.2009),

etc.) e erros de cálculo (grafi a incorreta do valor de R$ 2.000.000,00 quando o

correto seria R$ 2.000,00, etc).

Advirto que a eventual oposição de novos declaratórios com o objetivo de

rediscutir o juízo de admissibilidade do recurso dará ensejo à aplicação da multa

do art. 538, parágrafo único, do CPC.

Com essas considerações, rejeito os embargos declaratórios.

É o voto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO N. 1.186.352-DF (2010/0069857-1)

Relator: Ministro Teori Albino Zavascki

Relator para o acórdão: Ministro Cesar Asfor Rocha

Embargante: Adélio Cláudio Basile Martins e outro

Advogados: Sandra Míriam de Azevedo Mello ECK

José Kleber Leite de Castro e outro(s)

Embargado: Ministério Público Federal

EMENTA

Embargos de divergência em agravo de instrumento. Enunciado n. 315 da Súmula-STJ. Embargos não conhecidos.

– Nos termos do art. 546, incisos I e II, do Código de Processo Civil e do art. 266 do RISTJ, cabem embargos de divergência, apenas, contra acórdão proferido em recurso especial e em recurso extraordinário.

– São cabíveis embargos de divergência, ainda, diante da exceção criada pela jurisprudência da Corte, nas hipóteses em que se conhece do agravo de instrumento previsto no art. 544, caput, do Código de Processo Civil para dar provimento ao recurso especial na forma do § 3º do mesmo dispositivo. É que, nesse caso, embora dispensada a reautuação do feito, o próprio recurso especial terá sido julgado.

– Inadmitido o recurso especial na origem e desprovidos o agravo de instrumento (atual agravo em REsp) e o respectivo agravo regimental nesta Corte, mesmo que adotada fundamentação que passe pelo exame do mérito do apelo extremo, descabe a interposição de embargos de divergência, incidindo a vedação contida no Enunciado n. 315 da Súmula-STJ.

Embargos de divergência não conhecidos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça,

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 59

na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, prosseguindo

no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Humberto Martins não

conhecendo dos embargos de divergência, e as retifi cações de voto dos Srs

Ministros Massami Uyeda e Maria Th ereza de Assis Moura, e os votos dos

Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz, a Corte Especial,

por maioria, não conhecer dos embargos de divergência, nos termos do voto

do Senhor Ministro Cesar Asfor Rocha. Vencidos os Srs. Ministros Relator e

Arnaldo Esteves Lima.

Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. Votaram com o

Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp,

Laurita Vaz, Castro Meira, Massami Uyeda, Humberto Martins e Maria

Th ereza de Assis Moura.

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Eliana Calmon, Francisco

Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Arnaldo Esteves Lima.

Brasília (DF), 21 de março de 2012 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator p/ o acórdão

DJe 10.5.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Trata-se de embargos de divergência

opostos em face de acórdão da 2ª Turma que, ao negar provimento a agravo

regimental e, assim, manter o improvimento de agravo de instrumento, decidiu

que, “nos termos do art. 806 do CPC, o prazo para a propositura da ação

principal é contado do efetivo cumprimento da cautelar preparatória, ainda que

em liminar” (fl . 389), como tal considerado o “último ato de consumação do

cumprimento da medida” (fl . 431).

Sustentam os embargantes que o acórdão embargado diverge do

entendimento manifestado pela 3ª Turma (REsp n. 757.625-SC, Min. Nancy

Andrighi), segundo o qual, em se cuidando de medida liminar que deve ser

efetivada em partes, o prazo para o ajuizamento da ação principal inicia-se a

partir do cumprimento do primeiro ato, e não de sua execução integral.

Em impugnação (fls. 465-469), o MPF aduz, em preliminar, o não

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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conhecimento dos embargos, tendo em vista a Súmula n. 315-STJ. No mérito,

pleiteia a rejeição dos embargos, pois o acórdão impugnado está em consonância

com a orientação do Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 669.353-AP e REsp

n. 1.053.818-MT).

É o relatório.

VOTO

Ementa: Processual Civil. Medida cautelar. Cumprimento por

partes. Indisponibilidade de bens. Início do prazo para o ajuizamento

da ação principal: primeiro ato constritivo. Art. 806 do CPC.

1. Ao estabelecer o prazo de trinta dias “contados da efetivação da

medida cautelar” como marco fi nal do ajuizamento da ação principal,

o art. 806 do CPC tem o evidente propósito de resguardar a situação

do demandado, cujo patrimônio - material ou jurídico - não pode fi car

sujeito indefi nidamente a constrição judicial, sem que a parte autora

deduza em juízo a correspondente demanda, que, além de dar suporte

e justifi cação à medida constritiva, ensejará oportunidade de defesa e

contraditório.

2. Assim, a interpretação teleológica e sistemática do art. 806 do

CPC conduz à conclusão de que, em se tratando de medida cautelar

que comporta efetivação por partes, o prazo para o ajuizamento da

ação principal inicia-se a partir do cumprimento do primeiro ato

constritivo do patrimônio do demandado, e não do último.

3. Embargos de divergência providos.

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. Ao julgar o agravo

regimental (fl s. 387-392), mantendo decisão que negou provimento ao agravo de

instrumento (fl s. 363-365), o acórdão embargado apreciou a matéria do próprio

recurso especial, aplicando-se, portanto, a Súmula n. 316-STJ, segundo a qual

“cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental,

decide recurso especial”.

2. Há identidade fática entre o acórdão embargado e o paradigma,

que versam sobre o início do prazo para a interposição da ação principal,

quando a medida cautelar deferida comporta cumprimento por partes. No

acórdão embargado, fi cou reconhecido que tal prazo tem início com o efetivo

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 61

cumprimento da cautelar preparatória, ou seja, “do último ato de consumação do

cumprimento da medida” (fl . 431), ao passo que, no acórdão paradigma, decidiu-

se que o cômputo do referido prazo deve se dar a partir do cumprimento do

primeiro ato. Conheço, pois, dos embargos de divergência.

3. No mérito, dou-lhes provimento, confirmando o entendimento

assentado no acórdão paradigma - REsp n. 757.625-SC, de relatoria da Min.

Nancy Andrighi. Com efeito, ao estabelecer o prazo de trinta dias “contados

da efetivação da medida cautelar” como marco fi nal do ajuizamento da ação

principal, o art. 806 do CPC tem o evidente propósito de resguardar a situação

do demandado, cujo patrimônio - material ou jurídico - não pode fi car sujeito

indefi nidamente a constrição judicial, sem que a parte autora deduza em juízo

a correspondente demanda, que, além de dar suporte e justifi cação à medida

constritiva, ensejará oportunidade de defesa e contraditório. Tanto isso é verdade

que a conseqüência decorrente do não-atendimento do referido prazo é a

cessação da efi cácia da medida cautelar, conforme faz certo o art. 808, I do CPC.

Não é por outra razão, aliás, que a observância do prazo previsto no citado art.

806 só é obrigatória em relação a medidas cautelares que acarretem invasão na

esfera jurídica ou patrimonial da parte contrária.

Assim, a interpretação teleológica e sistemática do art. 806 do CPC conduz à convicção do acerto do acórdão paradigma, segundo o qual, em se tratando de medida liminar que deve ser efetivada em partes, o prazo para o ajuizamento da ação principal inicia-se a partir do cumprimento do primeiro ato, e não de sua execução integral, cuja efetivação não tem prazo determinado. Esse é, aliás, o entendimento predominante no STJ, como se pode constatar, entre outros, no REsp n. 7.084-RS, 3ª Turma, DJ de 15.4.1991, de relatoria do Min. Eduardo Ribeiro, em cujo voto a matéria fi cou assim defi nida:

A concessão de cautelar - especifi camente o seqüestro - importa seja afetada a disponibilidade do bem, atingida, pois, a esfera jurídica do réu, sem que se possa ainda afi rmar tenha o autor razão. Isto só será defi nido após o trânsito em julgado da sentença, no processo cuja efi cácia a cautelar visa a garantir. Mister que ele diligencie, desde logo, no sentido de obter provimento jurisdicional defi nitivo. Ora, a restrição ao direito do réu ocorre no momento mesmo em que se verifi ca um ato qualquer de constrição, obstando-lhe disponha do bem seqüestrado. Não importa que a medida compreenda outros bens. Releva que já existe sério embaraço ao exercício de direito pelo réu.

Admitir-se a tese aceita pelo acórdão conduzirá à possibilidade de o autor providenciar no sentido da apreensão de alguns bens e desinteressar-se quanto

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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a outros, não fornecendo os meios a isso necessário, o que poderia alongar indefi nidamente o prazo de que dispõe.

Não se alegue que a medida há de ser executada em trinta dias, pena de tornar-se inefi caz (art. 808, II). O entendimento corrente é de que tal prazo tem-se como atendido, uma vez praticados os primeiros atos de apreensão, ainda que não concluídos todos. O argumento, aliás, reforça a tese de que o prazo se conta da lavratura do primeiro auto.

Tenho, pois, como exata a observação de HUMBERTO THEODORO JR ao escrever:

Mas o prazo de ajuizamento da ação principal deve forçosamente ser contado do primeiro ato de execução material da medida cautelar e não do último da série, porque, desde o primeiro, já existira “efetivação da medida” - Comentário ao C.P.C v. 5 p. 153 Forense 1978.

O outro argumento diz com a necessidade da ciência, ao autor, de que a medida foi efetivada. Para tanto, seria mister a juntada do mandado aos autos.

Se o prazo só fl ui do momento em que se possa afi rmar que o autor teve conhecimento da realização do ato, não bastaria o ingresso do mandado nos autos. Seria impositivo se procedesse a intimação. Tal exigência, entretanto, de modo nenhum se encontra na lei. Esta é claríssima em mencionar que os trinta dias serão contados “da data da efetivação da medida cautelar”.

Perfeitamente justifi cável que assim seja. A medida cautelar supõe urgência. Se a providência requerida apresenta-se com esse caráter, é evidente que a parte cuidará para que seja quanto antes executada e tomará conhecimento de que o foi. O Código teve em conta essa realidade e dispôs em consonância com ela. Distanciando-me, no ponto, da lição de GALENO LACERDA, tenho como exata a advertência de CALMON DE PASSOS, quando assinala:

Da efetivação da medida não é intimado o autor. A ele se dá ciência da concessão da media. Essa ciência, entretanto, não opera para efeito de contagem do prazo de 30 dias. Destarte, cumpre ao autor estar atento à efetivação da medida, porquanto desse ato ele não terá ciência e no entretanto com ele se iniciará o curso do prazo que tem para ajuizar a ação principal.

Comentário ao Código de Processo Civil – vol. X - tomo I – p. 213 - Rev. dos Tribunais - 1984.

Ressalva, apenas, a hipótese de o autor não haver sido cientifi cado da decisão concessiva da medida, questão não versada no caso em julgamento.

Por todo o exposto, conheço do recurso, pelas alíneas a e c, e dou-lhe provimento, por entender que contrariado o disposto no artigo 806 do Código de Processo Civil.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 63

O Sr. Ministro Dias Trindade: Sr. Presidente, é possível entender que a efetivação da medida cautelar se dá no primeiro ato de constrição. Assim, como foi esclarecido da Tribuna, o ato pelo qual foi efetivado o seqüestro, foi aquele em que o Ofi cial de Justiça chegou ao depósito e disse: “Está apreendida essa mercadoria”, e lavrou o auto. O transporte dessa mercadoria para outro depósito, para fi car à disposição do depositário, são atos subseqüentes, mas a contagem deve ser daquele primeiro ato.

No mesmo sentido: REsp n. 1.115.370-SP, 1ª T., Min. Benedito Gonçalves,

DJe de 30.3.2010; e REsp n. 119.743-PR, 1ª T., Min. José Delgado, DJ de

6.4.1998.

Esse entendimento tem o amparo de boa doutrina, como demonstra

Alcidez Munhoz da Cunha (Comentários ao Código de Processo Civil - Do

processo cautelar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 716-717):

Razão assiste a CALMON DE PASSOS, quando diz que se deve considerar como efetivada a medida a partir do ato que documenta, nos autos, o cumprimento da decisão judicial. Deve tratar-se de documentação formal nos autos e essa documentação deverá ser pertinente ao primeiro ato de execução e não ao último da série, como adverte HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, que nesse passo contraria posição de OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA. Assim, se a decisão é de efi cácia executiva lato sensu e seu cumprimento deve ser imediato, através de atos materiais que não dependem do concurso da vontade do destinatário, tal como se dá com ordem de busca, apreensão e depósito, considerar-se-á efetivada a medida a partir do momento em que se documentar a efetivação da diligência; se a decisão é de efi cácia mandamental, considerar-se-á efetivada a partir do momento em que se documenta nos autos que ocorreu a cientifi cação do destinatário da medida que suspendeu um contrato, uma licitação ou que, de qualquer modo, determinou um fazer ou não fazer ao destinatário (...).

4. Diante do exposto, dou provimento aos embargos de divergência. É o

voto.

VOTO-VENCIDO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Sr. Presidente, embora o art. 806

diga que esse prazo de trinta dias para propor a ação principal conta-se da

data da efetivação da medida cautelar, creio que, realmente, se se trata de uma

medida que vai se efetivar por etapas, cumprida a primeira, a parte pode muito

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bem ajuizar essa ação, e as demais serão cumpridas no curso, para não fi car essa

situação indefi nida para a parte contrária.

Acompanho o voto do eminente Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Massami Uyeda: Sr. Presidente, admito e acompanho

o voto do eminente Relator no sentido de dar provimento aos embargos de

divergência.

VOTO-VISTA

Ementa: Processual Civil. Indisponibilidade de bens. Prazo

decadencial. Termo a quo da efetivação da medida liminar. Voto em

concordância com o relator.

O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de embargos de divergência

em agravo opostos por Adélio Cláudio Basile Martins e Outro em face de acórdão

de minha relatoria que negou provimento ao agravo de instrumento dos

agravantes, conforme ementa que segue:

Processual Civil. Indisponibilidade de bens. Liminar. Ação principal. Termo a quo. Efetivação da liminar. Acórdão recorrido em consonância com jurisprudência do STJ. Súmula n. 83-STJ.

1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, nos termos do art. 806 do CPC, o prazo para a propositura da ação principal é contado do efetivo cumprimento da cautelar preparatória, ainda que em liminar.

2. Verifi ca-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte. Incidência da Súmula n. 83-STJ, verbis: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se fi rmou no mesmo sentido da decisão recorrida”.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no Ag n. 1.186.352-DF, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 9.2.2010, DJe 22.2.2010.)

Voto proferido pelo Relator Ministro Teori Zavascki deu provimento aos

embargos, acolhendo a jurisprudência da 3ª Turma do Superior Tribunal de

Justiça, a saber:

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 65

Processo Civil. Recurso especial. Medida cautelar preparatória à ação principal, cujo provimento só foi obtido em acórdão proferido no julgamento da apelação de sentença de improcedência. Efetivação das providências deferidas pelo acórdão. Interposição do recurso especial. Alegação de perda do prazo de trinta dias para o ajuizamento da ação principal antes que fosse possível verifi car a concretização do provimento jurisdicional cautelar. Impossibilidade de provimento ao recurso especial, para se declarar extinta a cautelar, em face da juntada de documentos em fase posterior à interposição do recurso. Ausência de prequestionamento. Defi ciência de fundamentação. Violação ao art. 535 do CPC afastada.

- Não se reconhece violação ao art. 535 do CPC quando ausentes omissão, contradição ou obscuridade no acórdão.

- Nos termos da jurisprudência consolidada pela 2ª Seção do STJ, não basta o fato de que a ação principal deixou de ser proposta em 30 dias após a concessão da cautelar, pois é da efetivação do provimento concedido que se dá início à contagem do prazo decadencial para a propositura da ação principal.

- Mais precisamente, nos termos da jurisprudência da 3ª Turma do STJ, para hipóteses nas quais o provimento cautelar pode ser executado por partes, como ocorre na presente hipótese, conta-se o prazo decadencial de 30 dias para a propositura da ação principal a partir do primeiro ato de execução.

- Para delimitar com clareza o momento em que se iniciou o primeiro ato restritivo na presente hipótese, contudo, seria necessário analisar fatos e provas posteriores à propositura do próprio recurso especial, o que não se afigura possível. Precedente.

- Apesar disso, deve-se consignar expressamente, para evitar prejuízo à ora recorrente, que a ausência de propositura da ação principal, e a possível extinção do processo cautelar em face dessa circunstância, são questões que permanecem em aberto para exame nas instâncias ordinárias.

- Quanto à alegada ausência de fumus boni iuris e de periculum in mora, tais questões estão vinculadas à matéria probatória, incidindo sobre a questão a Súmula n. 7-STJ. Precedentes.

- Não se conhece de recurso especial quando ausente o prequestionamento da matéria.

- Não se conhece de recurso especial na parte em que este se encontra defi cientemente fundamentado.

Recurso especial não conhecido.

(REsp n. 757.625-SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.10.2006, DJ 13.11.2006, p. 257 - grifei.)

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Em judicioso voto, o Ministro Teori Zavascki propôs a seguinte ementa:

Processual Civil. Medida cautelar. Cumprimento por partes. Indisponibilidade de bens. Início do prazo para o ajuizamento da ação principal. Primeiro ato constritivo. Art. 806 do CPC.

1. Ao estabelecer o prazo de trinta dias “contados da efetivação da medida cautelar” como marco final do ajuizamento da ação principal, o art. 806 do CPC tem o evidente propósito de resguardar a situação do demandado, cujo patrimônio - material ou jurídico - não pode ficar sujeito indefinidamente a constrição judicial, sem que a parte autora deduza em juízo a correspondente demanda, que, além de dar suporte e justifi cação à medida constritiva, ensejará oportunidade de defesa e contraditório.

2. Assim, a interpretação teleológica e sistemática do art. 806 do CPC conduz à conclusão de que, em se tratando de medida cautelar que comporta efetivação por partes, o prazo para o ajuizamento da ação principal inicia-se a partir do cumprimento do primeiro ato constritivo do patrimônio do demandado, e não do último.

3. Embargos de divergência providos.

É, no essencial, o relatório.

Acompanho o voto do Relator Ministro Teori Zavascki.

O acórdão que relatei merece reforma, porque não está em sintonia com a

jurisprudência desta Corte Superior.

Com efeito, quando afi rmei no julgado embargado que o prazo para a

propositura da ação principal é contado do efetivo cumprimento da cautelar

preparatória, ainda que em liminar, quis dizer que o prazo inicial é aquele do

cumprimento da decisão que deferiu a indisponibilidade dos bens. Não foi por

outro motivo que coloquei na decisão a expressão “ainda que em liminar”.

Por este motivo, observo que o fundamento do julgado da minha relatoria

está correto, mas não o resultado.

Com efeito, se entendo ser o efetivo cumprimento da cautelar ainda que

em liminar, evidentemente que o prazo decadencial para a propositura da ação

inicia-se da primeira execução que determinou a indisponibilidade dos bens.

Por este motivo, concordo com o voto apresentado pelo Ministro Teori

Zavascki, pois compartilho do entendimento de que “a interpretação teleológica

e sistemática do art. 806 do CPC conduz à conclusão de que, em se tratando de

medida cautelar que comporta efetivação por partes, o prazo para o ajuizamento

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 67

da ação principal inicia-se a partir do cumprimento do primeiro ato constritivo

do patrimônio do demandado, e não do último”.

Ante o exposto, acompanhando o Ministro Relator, dou provimento aos

embargos de divergência.

É como penso. É como voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Embargos de divergência opostos por

Adélio Cláudio Basile Martins e por Maria Marli dos Santos Martins contra

o acórdão de fl s. 387-392, da Segunda Turma, da relatoria do em. Ministro

Humberto Martins, assim ementado:

Processual Civil. Indisponibilidade de bens. Liminar. Ação principal. Termo a quo. Efetivação da liminar. Acórdão recorrido em consonância com jurisprudência do STJ. Súmula n. 83-STJ.

1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, nos termos do art. 806 do CPC, o prazo para a propositura da ação principal é contado do efetivo cumprimento da cautelar preparatória, ainda que em liminar.

2. Verifi ca-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte. Incidência da Súmula n. 83-STJ, verbis: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se fi rmou no mesmo sentido da decisão recorrida”.

Agravo regimental improvido.

A Segunda Turma rejeitou, ainda, os declaratórios dos ora embargantes,

asseverando, também, que:

Com efeito, ainda que se considere a argumentação dos agravantes de que fi cou claro que se trata de execução de medida liminar por partes quando o Tribunal de origem consignou que a medida liminar não foi totalmente efetivada, a hodierna e pacífi ca jurisprudência desta Corte é no sentido de que o prazo para a propositura da ação principal é contado do efetivo cumprimento da medida cautelar, ainda que em liminar, ou seja, do último ato de consumação do cumprimento da medida, consoante julgados acima colacionados (fl . 414).

Sobre o cabimento dos embargos, alegam os embargantes, preliminarmente,

que não incide no caso a vedação contida no Enunciado n. 315 da Súmula

desta Corte. Apesar de se cuidar de agravo de instrumento interposto contra

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a inadmissibilidade de recurso especial, a Segunda Turma teria enfrentado

o mérito do referido apelo, relativamente ao prazo do art. 806 do Código

de Processo Civil. Ressaltam, ainda, que, na decisão que julgou o agravo de

instrumento, consta a referência ao art. 544, § 3º, primeira parte, do Código de

Processo Civil.

Sustentam, no mérito recursal, que a jurisprudência atual do Superior

Tribunal de Justiça tem entendido “que o prazo para a interposição da ação

principal começa a contar do cumprimento do primeiro ato, quando se tratar

de liminar que deva ser efetivada por partes” (fl . 429). Para comprovar o dissídio

jurisprudencial, trazem o seguinte precedente da Terceira Turma:

Processo Civil. Recurso especial. Medida cautelar preparatória à ação principal, cujo provimento só foi obtido em acórdão proferido no julgamento da apelação de sentença de improcedência. Efetivação das providências deferidas pelo acórdão. Interposição do recurso especial. Alegação de perda do prazo de trinta dias para o ajuizamento da ação principal antes que fosse possível verifi car a concretização do provimento jurisdicional cautelar. Impossibilidade de provimento ao recurso especial, para se declarar extinta a cautelar, em face da juntada de documentos em fase posterior à interposição do recurso. Ausência de prequestionamento. Defi ciência de fundamentação. Violação ao art. 535 do CPC afastada.

[...]

- Nos termos da jurisprudência consolidada pela 2ª Seção do STJ, não basta o fato de que a ação principal deixou de ser proposta em 30 dias após a concessão da cautelar, pois é da efetivação do provimento concedido que se dá início à contagem do prazo decadencial para a propositura da ação principal.

- Mais precisamente, nos termos da jurisprudência da 3ª Turma do STJ, para hipóteses nas quais o provimento cautelar pode ser executado por partes, como ocorre na presente hipótese, conta-se o prazo decadencial de 30 dias para a propositura da ação principal a partir do primeiro ato de execução.

[...]

- Não se conhece de recurso especial na parte em que este se encontra defi cientemente fundamentado.

Recurso especial não conhecido (REsp n. 757.625-SC, Terceira Turma, Ministra Nancy Andrighi, DJ de 13.11.2006).

O em. Ministro Teori Albino Zavascki admitiu os embargos de divergência

assim:

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 69

1. Trata-se de embargos de divergência opostos em face de acórdão da 2ª Turma que, ao negar provimento ao agravo regimental e manter a negativa de provimento do agravo de instrumento, afi rmou “(...) nos termos do art. 806 do CPC, o prazo para a propositura da ação principal é contado do efetivo cumprimento da cautelar preparatória, ainda que em liminar” (fl . 389).

Sustentam os embargantes que o acórdão embargado diverge do entendimento manifestado pela 3ª Turma (REsp n. 757.625-SC, Min. Nancy Andrighi), segundo o qual, em se tratando de medida liminar que deve ser efetivada em partes, o prazo para o ajuizamento da ação principal inicia-se a partir do cumprimento do primeiro ato, e não de sua execução integral.

2. Diante do exposto, admito os presentes embargos de divergência, com vista ao embargado para impugnação, nos termos do artigo 267 do Regimento Interno do STJ. Intime-se (fl . 460).

O Dr. Aurélio Virgílio Veiga Rios, ilustrado Subprocurador-Geral da

República, apresentou contrarrazões arguindo, como preliminar, a incidência

do Enunciado n. 315 da Súmula desta Corte. No mérito, postula a rejeição dos

embargos, por entender que o prazo do art. 806 do Código de Processo Civil

corre a partir do efetivo cumprimento da cautelar preparatória (fl s. 465-469).

O em. Ministro Teori Albino Zavascki, então, deu provimento aos

embargos de divergência. Preliminarmente, afi rmou que, ao julgar o agravo

regimental, o acórdão embargado apreciou a matéria do próprio recurso especial,

aplicando-se, portanto, o Enunciado n. 316 da Súmula desta Corte, segundo o

qual “cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental,

decide recurso especial”.

No tocante ao mérito, acompanhou o entendimento do paradigma, tendo

em vista que a interpretação teleológica e sistemática do art. 806 do Código

de Processo Civil conduz à orientação de que o prazo para o ajuizamento da

ação principal inicia-se a partir do cumprimento do primeiro ato, e não de sua

execução integral, cuja efetivação não tem prazo determinado. Cita, ainda: REsp

n. 7.084-RS, REsp n. 1.115.370-SP e REsp n. 119.743-PR.

O em. Ministro Humberto Martins, em voto-vista, acompanhou o relator,

ressaltando que, quando afi rmou no julgado embargado que o prazo para a

propositura da ação principal é contado do efetivo cumprimento da cautelar

preparatória, ainda que em liminar, quis dizer que o prazo inicial é aquele do

cumprimento da decisão que deferira a indisponibilidade dos bens. Assim, o

fundamento do acórdão embargado estaria correto, mas não o resultado.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Acompanharam, também, o relator os em. Ministros Castro Meira,

Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda e Maria Th ereza de Assis Moura.

Encerrado o relatório acima, passo a votar, entendendo, preliminarmente,

que os presentes embargos de divergência são incabíveis. Ressalto a importância

de que essa questão seja uniformizada defi nitivamente neste Tribunal.

Nos termos do art. 546, incisos I e II, do Código de Processo Civil e do

art. 266 do RISTJ, cabem embargos de divergência, apenas, contra acórdão

proferido em recurso especial e em recurso extraordinário. A jurisprudência

da Corte abriu exceção para a hipótese em que se conhece do agravo de

instrumento previsto no art. 544, caput, do Código de Processo Civil para dar

provimento ao recurso especial na forma do § 3º do mesmo dispositivo. É que,

nesse caso, embora dispensada a reautuação do feito, o próprio recurso especial

terá sido julgado.

No caso em debate, entretanto, inadmitido o recurso especial na origem, por

“contrariar a jurisprudência” desta Corte Superior – incidência do Enunciado n.

83 da Súmula-STJ (fl . 350) –, ao agravo de instrumento (atual agravo em REsp)

e ao respectivo agravo regimental se negou provimento com base no mesmo

enunciado (cf. fl s. 364-365 e 387-392).

Para afastar qualquer dúvida e porque alegado nos embargos de divergência,

observo que a decisão monocrática do em. Ministro Humberto Martins de fl s.

363-365, apesar de mencionar inicialmente o art. 544, § 3º, do Código de

Processo Civil e dizer que, “atendidos os pressupostos de admissibilidade do

agravo de instrumento” (fl . 364), passaria “ao exame do recurso especial” (fl .

364), julgou tão somente, na verdade, o agravo de instrumento, negando-lhe

provimento, volto a dizer, com base exclusivamente no enunciado n. 83 da

Súmula desta Corte. E nem poderia ser diferente, tendo em vista que a norma

do § 3º do art. 544 do Código de Processo Civil apenas permite o provimento

do recurso especial nos próprios autos do agravo de instrumento, sem necessidade

de reautuação do feito, quando “o acórdão recorrido estiver em confronto com

a súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça”. Aqui,

como o em. relator do agravo invocou o enunciado n. 83 da Súmula desta Corte

para manter a negativa de seguimento do recurso especial, apenas seria possível

o simples desprovimento do mesmo agravo.

Com isso, certo ou errado, o recurso especial permaneceu não admitido,

sendo incabíveis os embargos de divergência, mesmo que se tenha passado pelo

tema de mérito do apelo extremo mediante o exame da jurisprudência predominante.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 71

Incide a orientação do Enunciado n. 315 da Súmula desta Corte, com o

seguinte teor:

Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial (Enunciado n. 315).

Entender de forma diversa, a meu ver, implica criar, sem amparo na lei ou

no regimento interno, mais uma hipótese recursal neste Tribunal, não bastassem

as tantas já existentes.

Para encerrar a análise desse ponto, quanto ao Enunciado n. 316 da

Súmula do STJ, invocado pelo em. Ministro Teori Albino Zavascki, data venia,

é de ver que não é aplicável ao caso em debate. O referido enunciado é expresso

ao dispor sobre o cabimento de embargos de divergência “contra acórdão que,

em agravo regimental, decide recurso especial”.

A necessidade de sumular esse entendimento surgiu com a edição da

Lei n. 9.756, de 17.12.1998, que, dando nova redação ao art. 557 do Código

de Processo Civil, passou a permitir, expressamente, ao relator que julgasse

monocraticamente, também, o recurso especial. A partir daí, passou-se a admitir

o cabimento de embargos de divergência contra acórdão proferido em agravo

regimental, desde que esse tenha sido interposto contra decisão monocrática de

relator que tenha julgado o recurso especial. Enfi m, amenizou-se a orientação

do Supremo Tribunal Federal, representada no Enunciado n. 599 da Súmula-

STF, com o seguinte teor:

São incabíveis embargos de divergência de decisão da Turma, em agravo regimental (grifo meu).

Aqui, portanto, não tendo sido julgado pelo em. Ministro Humberto

Martins, efetivamente, o recurso especial, mas o agravo de instrumento –

improvido –, não incide o enunciado n. 316 da Súmula desta Corte, sendo

irrelevante que se tenha feito menção à jurisprudência deste Tribunal Superior.

Para ilustrar, confiram-se os seguintes acórdãos desta Corte Especial

a respeito do descabimento dos embargos de divergência em agravo de

instrumento:

Revisão de renda mensal inicial de aposentadoria por invalidez. Reexame necessário. Ausência de apelo fazendário. Recurso especial inadmitido na origem. Preclusão lógica. Agravo de instrumento não provido. Embargos de divergência. Descabimento. Precedentes. Súmula n. 315-STJ.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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I - Os embargos de divergência em agravo de instrumento somente são cabíveis quando o agravo é conhecido e o recurso especial provido, com base no art. 544, § 3º, do CPC, sendo possível, no julgamento dos embargos, apenas discussão sobre o mérito do apelo especial, jamais a revisão dos requisitos de sua admissibilidade, nos temos da tranquila jurisprudência desta Corte Especial e da Súmula n. 315-STJ. Precedentes: AgRg nos EAg n. 682.475-DF, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Corte Especial, DJe de 23.3.2009; AgRg nos EAg n. 865.381-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe de 21.8.2009; AgRg na Pet n. 1.590-MG, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Terceira Seção, DJ de 21.3.2005; AgRg nos EAg n. 995.092-SP, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, DJe de 4.8.2009.

II - Agravo regimental improvido (AgRg nos EAg n. 1.193.812-MG, Ministro Francisco Falcão, DJe de 29.8.2011).

Agravo regimental. Embargos de divergência em agravo. Recurso especial não admitido na origem. Enunciado n. 315 da Súmula desta Corte. Divergência não caracterizada.

– “Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial” (Enunciado n. 315 da Súmula desta Corte).

– Descabimento dos embargos também porque não comprovada a divergência. Enquanto o acórdão embargado negou provimento ao agravo regimental diante da ausência dos requisitos necessários à admissibilidade do recurso especial, os paradigmas enfrentaram o tema de mérito, relativo à URV.

– Paradigma do mesmo colegiado que proferiu o acórdão embargado não serve para comprovar a divergência.

Agravo regimental improvido (AgRg nos EAg n. 1.349.632-MG, da minha relatoria, DJe de 1º.7.2011).

Ante o exposto, preliminarmente, não conheço dos embargos de divergência.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Castro Meira: Senhor Presidente, peço licença para

encampar o detalhado relatório elaborado pelo Sr. Min. César Asfor Rocha e,

assim, passar a tratar diretamente da questão processual em discussão que, como

bem destacado, exige, de uma vez por todas, um tratamento homogêneo por este

Superior Tribunal de Justiça – o cabimento dos embargos de divergência contra

acórdão tirado de agravo regimental em agravo de instrumento.

No caso vertente, os embargos de divergência foram apresentados contra

acórdão que, no âmbito de agravo regimental, confi rmou a decisão singular que

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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deixou de prover agravo de instrumento em razão da incidência da Súmula n.

83-STJ, isto é, diante da harmonia entre o entendimento da instância ordinária

e a jurisprudência desta Corte Superior quanto à matéria de fundo da querela.

A meu sentir, essa é a situação perfeita para que sejam definidos os

estritos contornos do cabimento dos embargos de divergência em agravo de

instrumento, porquanto a espécie envolve os dois pontos que, combinados,

geram os mais acalorados debates acerca desse tópico, a saber, (i) a inadmissão

do próprio agravo, sem prévia ou concomitante convolação em recurso especial,

e (ii) o contato com o mérito da controvérsia através da análise da jurisprudência

majoritária.

Afi nal, o que importa a determinar a admissibilidade dos embargos de

divergência? Aplicar a Súmula n. 83-STJ seria sufi ciente a autorizar o manejo

dos embargos, ainda que o aresto contestado tenha somente ratificado o

desacolhimento puro e simples do agravo de instrumento?

Após meditar sobre o tema e consultar comparativamente legislação,

doutrina e jurisprudência, tenho que a resposta é negativa, o que me leva a

acompanhar, assim, a divergência inaugurada pelo ilustre Min. César Asfor

Rocha, acrescentando aos precedentes já coligidos em seu voto-vista os seguintes

julgados da Corte Especial em igual sentido:

Processual Civil. Agravo regimental nos embargos de divergência em agravo de instrumento. Súmula n. 315-STJ. Incidência. Agravo não provido.

1. “Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial” (Súmula n. 315-STJ). O óbice em referência não tem sido aplicado nos casos em que o agravo de instrumento é convertido em recurso especial ou quando este é julgado diretamente, conforme autoriza o art. 544, § 3º, do CPC, havendo exame do próprio mérito. Precedentes do STJ.

2. Agravo regimental não provido (AgEAg n. 727.416-MG, Corte Especial, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 9.11.2010);

Processual Civil. Agravo regimental. Embargos de divergência. Decisão proferida em agravo de instrumento. Descabimento. CPC, art. 546, I. RISTJ, art. 266. Súmula n. 315-STJ.

I. A orientação firmada pelo STJ é no sentido de apenas serem cabíveis embargos de divergência contra decisão proferida no âmbito de recurso especial, inadmissível o recurso em sede de agravo de instrumento, em face do preceituado nos arts. 546, I, do CPC e 266 do Regimento Interno, salvo se, nos autos do agravo, for decidido o mérito do recurso especial, nos termos do art. 544, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, o que não ocorreu na hipótese.

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II. “Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial” - Súmula n. 315-STJ.

III. Agravo improvido (AgEAg n. 682.475-DF, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 23.03.2009);

Processo Civil. Embargos de divergência. Cabimento. Agravo regimental. Agravo do art. 544, CPC. Enunciado n. 599-STF. Aplicação. Precedentes do Tribunal. Agravo regimental desprovido.

1. Na linha da jurisprudência deste Tribunal, após a edição da Lei n. 9.756, de 17.12.1998, o Enunciado n. 599-STF passou a ser interpretado com ressalvas, uma vez autorizado o relator a decidir o próprio mérito do recurso, monocraticamente, não sendo razoável, em conseqüência, vedar os embargos de divergência em tal circunstância.

2. No caso dos autos, a decisão proferida no agravo interno se alicerçou no art. 544, § 2º, não se tratando, portanto, das hipóteses contempladas nos arts. 544, § 3º, 557, caput e 557, § 1-A, com a redação da referida Lei.

3. Em outras palavras, permanecem incabíveis embargos de divergência contra acórdão em agravo interno manifestado contra decisão monocrática que examina o agravo do art. 544, CPC, salvo se a decisão der provimento ao próprio recurso especial, amparada no atual § 3º do art. 544.

4. Agravo regimental desprovido (AgEAg n. 542.031-MG, Corte Especial, Rel. Min. Denise Arruda, DJU 2.8.2004).

De todas as Seções Especializadas colhem-se ainda:

Processual Civil. Embargos de divergência. Acórdão proferido em sede de agravo de instrumento não provido. Súmula n. 315-STJ.

1. Consoante preconizam os arts. 546, I, do CPC, e 266 do RISTJ, o cabimento dos embargos de divergência restringe-se aos julgados de Turma, proferidos em sede de recurso especial.

2. Diante das alterações introduzidas pela Lei n. 9.756/1998, fi rmou-se nesta Corte a orientação de que aquelas hipóteses de cabimento do recurso alcançam, inclusive, os acórdãos proferidos em sede de agravo regimental interpostos de decisão que conhece do agravo de instrumento para julgar o próprio mérito do recurso especial, conforme previsão do art. 544, § 3º, do CPC, sendo, todavia, inadmissíveis os embargos de divergência interpostos nos autos de agravo de instrumento não conhecido ou não provido. Precedentes: AgRg nos EAg n. 979.805-MG, Primeira Seção, rel. Ministro Herman Benjamin DJe 4.5.2009; AgRg nos EAg n. 682.475-DF, Corte Especial, Ministro Aldir Passarinho Junior, DJe 23.3.2009.

3. Agravo regimental não provido (AgEAg n. 865.381-SP, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 21.8.2009);

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 75

Agravo regimental na petição. Agravo de instrumento desprovido. Embargos de divergência. Inadmissibilidade. Súmula n. 315-STJ. Não-impugnação do fundamento da decisão agravada. Súmula n. 182-STJ. Recurso desprovido.

1 - O agravante deixou de infi rmar especifi camente o fundamento da r. decisão agravada relativa à aplicação da Súmula n. 315-STJ, pelo que incidente, na espécie, a Súmula n. 182 da Corte.

2 - Consoante entendimento cristalizado neste Tribunal, os Embargos de Divergência, segundo previsão contida nos arts. 29 da Lei n. 8.038/1990, 546, I, do CPC, e 266 do RISTJ, somente são cabíveis contra decisão colegiada proferida por Turma em Recurso Especial ou em Agravo de Instrumento julgado conforme o art. 544, § 3º, do CPC, e não contra decisão proferida em Agravo Regimental em Agravo de Instrumento desprovido. Incidência da Súmula n. 315-STJ.

3 - Agravo Regimental desprovido (AgPet n. 4.648-RS, Segunda Seção, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 5.6.2006);

Embargos de divergência. Agravo de instrumento improvido. Artigo 544, § 3º, do CPC. Não incidência. Súmula n. 315-STJ.

1. Os embargos de divergência são cabíveis apenas contra decisões prolatadas pelas Turmas deste Tribunal em sede de recurso especial. Inteligência dos artigos 546 do CPC e 266 do RISTJ e Súmula n. 315-STJ.

2. Como exceção à regra, admitem-se embargos de divergência quando o relator conhecer do agravo de instrumento para dar provimento ao próprio recurso especial, aplicando o disposto no art. 544, § 3º, do CPC. Precedente da Corte Especial.

3. Agravo regimental improvido (AgEAg n. 1.108.281-SE, Terceira Seção, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 11.9.2009).

Em comum, esses precedentes somente admitem os embargos de

divergência em sede de agravo de instrumento quando aplicado o art. 544, §

3º, do CPC na redação dada pela Lei n. 9.756/1998 – isto é, anteriormente

à substituição do instrumento pelo agravo nos próprios autos, em razão do

advento da Lei n. 12.322/2010 –, que assim preconizava: “Poderá o relator, se o

acórdão recorrido estiver em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do

Superior Tribunal de Justiça, conhecer do agravo para dar provimento ao próprio

recurso especial; poderá ainda, se o instrumento contiver os elementos necessários ao

julgamento do mérito, determinar sua conversão, observando-se, daí em diante, o

procedimento relativo ao recurso especial”.

Como se vê, esse dispositivo legal apenas permite o conhecimento do

agravo para o subsequente provimento do recurso especial ou sua convolação

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no apelo nobre, não sendo admissível que, por analogia, seja criada mais uma

hipótese recursal, sob pena de ofensa ao estrito princípio da legalidade que

rege a matéria. Nesse diapasão, o Sr. Min. César Asfor Rocha assinalou com

propriedade que “entender de forma diversa, a meu ver, implica criar, sem amparo

na lei ou no regimento interno, mais uma hipótese recursal neste Tribunal, não

bastassem as tantas já existentes”.

A moderna doutrina processual sufraga também essa orientação, a exemplo

do que escrevem Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha:

Como se sabe, é possível ao relator do agravo de instrumento, no STF ou no STJ, se o acórdão recorrido estiver em confl ito com a súmula ou jurisprudência dominante do tribunal superior, conhecer do agravo para já dar provimento ao próprio recurso extraordinário ou ao próprio recurso especial (CPC, art. 544, §§ 3º e 4º). De igual modo, é possível ao relator, no recurso extraordinário ou no recurso especial, já lhe dar provimento, quando a decisão recorrida estiver contrariando súmula ou jurisprudência dominante do tribunal superior (CPC, art. 557, § 1º-A).

Em tais situações, a parte contrária poderá interpor o agravo interno (CPC, arts. 545 e 557, § 1º), daí se seguindo a decisão colegiada da turma. Caso esse acórdão venha a manter a decisão do relator, serão cabíveis os embargos de divergência. esse, aliás, tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. O Supremo Tribunal Federal também mantém esse entendimento, tendo, inclusive, cancelado o enunciado n. 599 da súmula de sua jurisprudência predominante, em cujos termos se estabelecia não serem cabíveis embargos de divergência de decisão de turma em agravo regimental.

Nesse caso, provido, por decisão do relator, o recurso especial ou extraordinário, vindo a parte contrária a interpor o agravo interno, se do julgamento deste houver dissídio proferido por outro órgão do tribunal, cabem os embargos de divergência. A decisão não foi proferida em recurso especial nem em recurso extraordinário, mas em agravo interno no agravo de instrumento. Sem embargo desse detalhe, o mérito do recurso especial ou extraordinário terá sido examinado no julgamento do agravo, sendo cabíveis, segundo orientação já fi rmada no âmbito do STF e do STJ, os embargos de divergência (Curso de Direito Processual Civil - Volume 3. Salvador: Editora Jus Podivm, 7ª ed., 2009, p. 355-356).

Por conseguinte, rogando vênia ao Sr. Min. Teori Albino Zavascki e aos

demais colegas que entendem de forma diversa, retifi co o voto que proferi

na sessão do dia 1º de junho de 2011 para, acompanhando a divergência, não

conhecer dos embargos.

Na eventualidade de restar vencido nessa preliminar, devo manter o voto

anteriormente proferido. Com efeito, a jurisprudência desta Corte mostra-se

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 77

uníssona em reconhecer que o cumprimento do primeiro ato constritivo fi xa

o termo a quo para o ajuizamento da ação principal, independentemente de

sua execução integral, na hipótese de múltiplos atos, nos termos do art. 806 do

CPC. Dessarte, seguindo a orientação traçada pelo Sr. Min. Relator, se superada

a preliminar, também dou provimento aos embargos de divergência.

É como voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de embargos de divergência

em agravo, opostos por Adélio Cláudio Basile Martins e Outro, contra acórdão

de minha relatoria que negou provimento ao agravo de instrumento dos

embargantes, conforme a seguinte ementa:

Processual Civil. Indisponibilidade de bens. Liminar. Ação principal. Termo a quo. Efetivação da liminar. Acórdão recorrido em consonância com jurisprudência do STJ. Súmula n. 83-STJ.

1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, nos termos do art. 806 do CPC, o prazo para a propositura da ação principal é contado do efetivo cumprimento da cautelar preparatória, ainda que em liminar.

2. Verifi ca-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte. Incidência da Súmula n. 83-STJ, verbis: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se fi rmou no mesmo sentido da decisão recorrida”.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no Ag n. 1.186.352-DF, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 9.2.2010, DJe 22.2.2010.)

Voto proferido pelo Relator, Min. Teori Zavascki, deu provimento aos

embargos, acolhendo a jurisprudência da Terceira Turma do Superior Tribunal

de Justiça, a saber:

Processo Civil. Recurso especial. Medida cautelar preparatória à ação principal, cujo provimento só foi obtido em acórdão proferido no julgamento da apelação de sentença de improcedência. Efetivação das providências deferidas pelo acórdão. Interposição do recurso especial. Alegação de perda do prazo de trinta dias para o ajuizamento da ação principal antes que fosse possível verifi car a concretização do provimento jurisdicional cautelar. Impossibilidade de provimento ao recurso especial, para se declarar extinta a cautelar, em face da

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juntada de documentos em fase posterior à interposição do recurso. Ausência de prequestionamento. Defi ciência de fundamentação. Violação ao art. 535 do CPC afastada.

- Não se reconhece violação ao art. 535 do CPC quando ausentes omissão, contradição ou obscuridade no acórdão.

- Nos termos da jurisprudência consolidada pela 2ª Seção do STJ, não basta o fato de que a ação principal deixou de ser proposta em 30 dias após a concessão da cautelar, pois é da efetivação do provimento concedido que se dá início à contagem do prazo decadencial para a propositura da ação principal.

- Mais precisamente, nos termos da jurisprudência da 3ª Turma do STJ, para hipóteses nas quais o provimento cautelar pode ser executado por partes, como ocorre na presente hipótese, conta-se o prazo decadencial de 30 dias para a propositura da ação principal a partir do primeiro ato de execução.

- Para delimitar com clareza o momento em que se iniciou o primeiro ato restritivo na presente hipótese, contudo, seria necessário analisar fatos e provas posteriores à propositura do próprio recurso especial, o que não se afigura possível. Precedente.

- Apesar disso, deve-se consignar expressamente, para evitar prejuízo à ora recorrente, que a ausência de propositura da ação principal, e a possível extinção do processo cautelar em face dessa circunstância, são questões que permanecem em aberto para exame nas instâncias ordinárias.

- Quanto à alegada ausência de fumus boni iuris e de periculum in mora, tais questões estão vinculadas à matéria probatória, incidindo sobre a questão a Súmula n. 7-STJ. Precedentes.

- Não se conhece de recurso especial quando ausente o prequestionamento da matéria.

- Não se conhece de recurso especial na parte em que este se encontra defi cientemente fundamentado.

Recurso especial não conhecido.

(REsp n. 757.625-SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.10.2006, DJ 13.11.2006, p. 257 - grifei.)

Em judicioso voto, o Min. Teori Zavascki propôs a seguinte ementa:

Processual Civil. Medida cautelar. Cumprimento por partes. Indisponibilidade de bens. Início do prazo para o ajuizamento da ação principal. Primeiro ato constritivo. Art. 806 do CPC.

1. Ao estabelecer o prazo de trinta dias “contados da efetivação da medida cautelar” como marco final do ajuizamento da ação principal, o art. 806 do CPC tem o evidente propósito de resguardar a situação do demandado, cujo

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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patrimônio - material ou jurídico - não pode ficar sujeito indefinidamente a constrição judicial, sem que a parte autora deduza em juízo a correspondente demanda, que, além de dar suporte e justifi cação à medida constritiva, ensejará oportunidade de defesa e contraditório.

2. Assim, a interpretação teleológica e sistemática do art. 806 do CPC conduz à conclusão de que, em se tratando de medida cautelar que comporta efetivação por partes, o prazo para o ajuizamento da ação principal inicia-se a partir do cumprimento do primeiro ato constritivo do patrimônio do demandado, e não do último.

3. Embargos de divergência providos.

Na sessão do dia 1º.6.2011, após o voto proferido pelo Ministro Relator

dando provimento aos embargos de divergência, no que foi seguido pelos

Ministros Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima e Massami Uyeda, pedi vista

dos autos para melhor análise.

Prosseguindo o julgamento, na sessão do dia 9.6.2011, proferi Voto-Vista

no sentido de acompanhar o Ministro Relator, o qual também, na ocasião, foi

acompanhado pela Ministra Maria Th ereza de Assis Moura. Empós, pediu vista

o Ministro Cesar Asfor Rocha.

O Ministro Cesar Asfor Rocha, na sessão de 5.12.2011, apresentou Voto-

Vista e, preliminarmente, não conheceu dos embargos de divergência. Por

sua vez, o Ministro Relator ratifi cou o seu voto no sentido de conhecer dos

embargos de divergência.

Pediu vista dos autos o Ministro Castro Meira.

O Ministro Castro Meira acompanhou a divergência instaurada pelo

Ministro Cesar Asfor Rocha, no sentido de não conhecer dos embargos de

divergência.

Pedi vista dos autos para avaliar a questão da admissibilidade do presente

recurso.

É, no essencial, o relatório.

Quanto ao cabimento dos embargos de divergência, o art. 546, I, do

Código de Processo Civil, bem como o art. 266 do RISTJ, estabelecem que é

embargável decisão de Turma que, em recurso especial, divergir do julgamento

de outra turma, da seção ou do órgão especial.

Na hipótese, o recurso especial foi inadmitido pela Corte de origem, em

razão do óbice da Súmula n. 83-STJ (e-STJ fl . 350). Por sua vez, em sede de

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agravo de instrumento, este Ministro, relator do acórdão embargado, também

aplicou a referida Súmula na decisão monocrática (e-STJ fl s. 364-365), no voto

condutor do agravo regimental (e-STJ 387-392), bem como nos embargos de

declaração (e-STJ fl s. 410-416).

O debate cinge-se ao conhecimento ou não dos embargos de divergência

quando o acórdão embargado foi proferido no âmbito de agravo de instrumento,

no qual se aplicou a Súmula 83-STJ, verbis:

Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se fi rmou no mesmo sentido da decisão recorrida.

É o caso de aplicação da Súmula n. 315-STJ, que assim dispõe: “Não cabem

embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite

recurso especial”?

Em meu sentir, a resposta é afi rmativa.

Isso porque, a inteligência dos arts. 546 do CPC e 266 do RISTJ, bem

como da Súmula n. 315-STJ, somente excepcionaria o conhecimento dos

embargos de divergência quando o relator conhecer do agravo de instrumento para

dar provimento ao próprio recurso especial, aplicando o disposto no art. 544, § 3º,

do CPC.

Entendo por correta a posição adotada pelo Ministro César Asfor Rocha,

ao afi rmar em seu Voto-Vista:

Nos termos do art. 546, incisos I e II, do Código de Processo Civil e do art. 266 do RISTJ, cabem embargos de divergência, apenas, contra acórdão proferido em recurso especial e em recurso extraordinário. A jurisprudência da Corte abriu exceção para a hipótese em que se conhece do agravo de instrumento previsto no art. 544, caput, do Código de Processo Civil para dar provimento ao recurso especial na forma do § 3º do mesmo dispositivo. É que, nesse caso, embora dispensada a reautuação do feito, o próprio recurso especial terá sido julgado.

No caso em debate, entretanto, inadmitido o recurso especial na origem, por “contrariar a jurisprudência” desta Corte Superior – incidência do Enunciado n. 83 da Súmula-STJ (fl . 350) –, ao agravo de instrumento e ao respectivo agravo regimental se negou provimento com base no mesmo enunciado (cf. fl s. 364-365 e 387-392).

[...]

Com isso, certo ou errado, o recurso especial permaneceu não admitido, sendo incabíveis os embargos de divergência, mesmo que se tenha passado pelo tema

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 81

de mérito do apelo extremo mediante o exame da jurisprudência predominante. [...] (grifo meu)

Nesse sentido, os precedentes já colacionados nos judiciosos votos

divergentes dos Ministros Cesar Asfor Rocha e do Ministro Castro Meira.

Acrescento, ainda, recente precedente da Corte Especial:

Revisão de renda mensal inicial de aposentadoria por invalidez. Reexame necessário. Ausência de apelo fazendário. Recurso especial inadmitido na origem. Preclusão lógica. Agravo de instrumento não provido. Embargos de divergência. Descabimento. Precedentes. Súmula n. 315-STJ.

I - Os embargos de divergência em agravo de instrumento somente são cabíveis quando o agravo é conhecido e o recurso especial provido, com base no art. 544, § 3º, do CPC, sendo possível, no julgamento dos embargos, apenas discussão sobre o mérito do apelo especial, jamais a revisão dos requisitos de sua admissibilidade, nos temos da tranquila jurisprudência desta Corte Especial e da Súmula n. 315-STJ. Precedentes: AgRg nos EAg n. 682.475-DF, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Corte Especial, DJe de 23.3.2009; AgRg nos EAg n. 865.381-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe de 21.8.2009; AgRg na Pet n. 1.590-MG, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Terceira Seção, DJ de 21.3.2005; AgRg nos EAg n. 995.092-SP, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, DJe de 4.8.2009.

II - Agravo regimental improvido. (Grifo meu.)

(AgRg nos EAg n. 1.193.812-MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, julgado em 1º.8.2011, DJe 29.8.2011.)

E ainda, como leciona Athos Gusmão Carneiro, “permanecem descabidos

embargos de divergência contra acórdão proferido no agravo interno que haja

sido manifestado contra decisão monocrática que simplesmente examina o

agravo do artigo 544, salvo se a decisão de provimento ao próprio recurso especial”

(Recuso Especial, Agravos e Agravo Interno. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Forense,

2009, p. 158).

Assim, a decisão proferida no agravo (reafi rmada em agravo regimental)

aplicou a Súmula n. 83-STJ, alicerçando-se no art. 544, § 2º, do Código de

Processo Civil (apesar de mencionar o § 3º), não se tratando, portanto, das

hipóteses contempladas no art. 544, § 3º, do CPC, verbis:

§ 3º Poderá o relator, se o acórdão recorrido estiver em conformidade com a súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, conhecer do agravo para dar provimento ao próprio ao próprio recurso especial; [...] (Redação anterior à alteração introduzida pela Lei n. 12.322/2010, grifo meu).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Pertinente a ponderação do Ministro Castro Meira quando afi rma sobre o

art. 544, § 3º do CPC:

Como se vê, esse dispositivo apenas permite o conhecimento do agravo para o subsequente provimento do recurso especial, sob pena de ofensa ao estrito princípio da legalidade que rege a matéria. (grifo meu)

Na hipótese, portanto, o recurso especial permaneceu inadmitido (em

razão da incidência da Súmula n. 83-STJ), o que inviabiliza o conhecimento dos

embargos de divergência.

Ante o exposto, com as devidas vênias ao Ministro Relator, retifi co o meu

voto (apenas quanto ao conhecimento) e acompanho a divergência inaugurada

pelo Ministro Cesar Asfor Rocha, no sentido de não conhecer dos embargos de

divergência.

Caso vencido quanto à preliminar, mantenho o voto anteriormente

proferido e acompanho o Ministro Relator.

É como penso. É como voto.

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA N. 6.335-EX (2011/0072243-3)

Relator: Ministro Felix Fischer

Requerente: L D C B S A

Advogados: João Berchmans Correia Serra e outro(s)

Frederico do Valle Abreu

Requerido: L V L de C

Advogado: Wagner Barbosa Pamplona e outro(s)

EMENTA

Homologação de sentença arbitral estrangeira contestada.

Competência do Superior Tribunal de Justiça (cf. Art. 105, I, i; Lei n.

9.307/1996, art. 35). Pedido adequadamente instruído. Deferimento.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 83

I - A sentença estrangeira não terá efi cácia no Brasil sem a

prévia homologação pelo e. Superior Tribunal de Justiça ou por seu

Presidente (Resolução n. 9-STJ, art. 4º).

II - A atuação jurisdicional do e. STJ no processo de homologação

de sentença arbitral estrangeira encontra balizas nos artigos 38 e 39

da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/1996). Se não houver transgressão

aos bons costumes, à soberania nacional e à ordem pública, não se

discute a relação de direito material subjacente à sentença arbitral.

III - In casu, verifi ca-se a existência de contrato assinado pelas

partes com cláusula compromissória. Sem embargo, no âmbito de

processo de homologação de sentença arbitral estrangeira, é inviável a

análise da natureza do contrato a ela vinculado, para fi ns de caracterizá-

lo como contrato de adesão. Precedente do e. STF.

IV - Não há inexistência de notifi cação e cerceamento de defesa

“ante a comprovação de que o requerido foi comunicado acerca

do início do procedimento de arbitragem, bem como dos atos ali

realizados, tanto por meio das empresas de serviços de courier, como

também, correio eletrônico e fax” (SEC n. 3.660-GB, Corte Especial,

Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 25.6.2009)

V - “A propositura de ação, no Brasil, discutindo a validade de

cláusula arbitral porque inserida, sem destaque, em contrato de adesão,

não impede a homologação de sentença arbitral estrangeira que, em

procedimento instaurado de acordo com essa cláusula, reputou-a

válida” (AgRg na SEC n. 854-GB, Corte Especial, Rel. p./Acórdão

Minª. Nancy Andrighi, DJe de 14.4.2011).

VI - Constatada a presença dos requisitos indispensáveis à

homologação da sentença estrangeira (Resolução n. 9-STJ, arts. 5º e

6º), é de se deferir o pedido.

Sentença Arbitral homologada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, deferir o pedido de homologação, nos termos do voto do Senhor

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Ministro Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz, Teori Albino

Zavascki, Castro Meira, Massami Uyeda, Humberto Martins, Maria Th ereza de

Assis Moura e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Eliana Calmon, Francisco

Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Arnaldo Esteves Lima.

Brasília (DF), 21 de março de 2012 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Felix Fischer, Relator

DJe 12.4.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Felix Fischer: Louis Dreyfus Commodities Brasil S.A., pessoa

jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ 47.067.525/0001-08, com sede

na Avenida Brigadeiro Faria Lima, n. 1.355, 12º ao 14º andares, em São

Paulo-SP, formula pedido de homologação de laudo arbitral estrangeiro proferido

por Tribunal Arbitral (International Cotton Associaion Limited) que condenou

Leandro Volter Laurindo de Castilhos ao pagamento de indenização pela quebra

do contrato de compra e venda futura de algodão bruto.

A empresa requerente narra na inicial que ela e o requerido são membros

da ICA - International Cotton Association - e, em 20.7.2005, fi rmaram contrato

de compra e venda futura de 2000 toneladas métricas de algodão bruto. Segundo

sustentado na inicial, o requerido (vendedor) deixou de adimplir sua parte

na negociação, qual seja, a entrega da mercadoria contratada, razão pela qual

Louis Dreyfus Commodities Brasil S.A.(compradora) iniciou procedimento de

arbitragem.

Em 3.10.2008, o laudo arbitral proferido resultou na condenação de

Leandro Volter Laurindo de Castilhos ao pagamento do valor de US$ 993.017,56

(novecentos e noventa e três mil e dezessete dólares americanos e cinquenta e

seis centavos - fl s. 122), mais taxa de juros até a data do efetivo pagamento.

A requerente informa, ainda, que o laudo arbitral tornou-se defi nitivo

em 5.11.2008 e que, até a presente data, o requerido não cumpriu a obrigação

nele contida, motivo pelo qual teve seu nome incluído na lista existente no

âmbito da ICA (International cotton association), que registra os nomes dos

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 85

associados que deixam de cumprir voluntariamente os laudos arbitrais advindos

de procedimentos que correm sob sua administração.

Pede, ao fi nal, a homologação do laudo arbitral em referência e, na hipótese

de impugnação deste pedido, a condenação do requerido ao pagamento das

custas e dos honorários de sucumbência (fl s. 05).

Citado, o requerido contestou o pedido (fl s. 253-269) e apresentou os

documentos de fl s. 271-430.

Em sua defesa alegou, em síntese, a impossibilidade da homologação

da sentença arbitral estrangeira, em razão da: (i) invalidade da cláusula

compromissória dada a natureza do contrato de adesão firmado com a

requerente; (ii) ofensa ao artigo 5º, II da Resolução n. 9/2005 do e. STJ e ao Art.

6º da Lei de Arbitragem; (iii) ofensa à soberania nacional; (iv) competência da

Justiça brasileira para decidir sobre eventuais questões surgidas no âmbito do

contrato; (v) existência de ação, em trâmite na Justiça Estadual da Bahia, na

qual se discute a relação jurídica entre requerente e requerido.

Em nova manifestação (fl s. 441-450), Louis Dreyfus Commodities Brasil S.A.

afasta as objeções levantadas pelo requerido e reitera o pedido de homologação

da sentença arbitral estrangeira.

O d. representante do Ministério Público Federal, por sua vez (fls.

454-455), opinou pelo deferimento do pedido, destacando, em síntese, que

a documentação apresentada satisfaz os pressupostos de homologabilidade

enunciados pelo art. 5º da Resolução n. 9 deste e. STJ.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Louis Dreyfus Commodities Brasil

S.A. formula pedido de homologação de laudo arbitral proferido pelos “Sócios

da International Cotton Association Limited” (Procedimento de Arbitragem

n. A01/2008/16), que condenou o requerido, em razão do inadimplemento

contratual, ao pagamento da quantia de US$ 993.017,56 (novecentos e noventa

e três mil e dezessete dólares americanos e cinquenta e seis centavos - fl s. 122),

mais os juros que especifi ca nos sub-itens (3) e (4) da fl s. 122.

Assim, a homologação da referida decisão arbitral de fl s. 115-122 da

International Cotton Association Limited é o objeto do presente procedimento.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

86

Inicialmente, destaco que a Lei de Arbitragem brasileira (Lei n.

9.307/1996) prevê, em seu artigo 35, que “Para ser reconhecida ou executa no

Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação

do Supremo Tribunal Federal”.

Por sua vez, os arts. 38 e 39 da Lei n. 9.307/1996 estabelecem as hipóteses

em que a sentença arbitral estrangeira não poderá ser homologada. Eis o teor

desses dispositivos:

Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:

I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;

II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida;

III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;

IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;

V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;

VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.

Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que:

I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem;

II - a decisão ofende a ordem pública nacional.

Assim, constata-se que o controle judicial da sentença arbitral estrangeira

está limitado a aspectos de ordem formal, não podendo ser apreciado o mérito do

arbitramento, razão pela qual a contestação ao pedido de homologação deve

restringir-se às hipóteses dos artigos transcritos.

De outro lado, é preciso verifi car, também, se a pretensão homologatória

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 87

atende os requisitos preconizados pela Resolução n. 9/2005-STJ, mais

especifi camente aos comandos dos artigos 5º e 6º, verbis:

Art. 5º Constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira:

I - haver sido proferida por autoridade competente;

II - terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verifi cado a revelia;

III - ter transitado em julgado; e

IV - estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor ofi cial ou juramentado no Brasil.

Art. 6º Não será homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur a carta rogatória que ofendam a soberania ou a ordem pública.

Passo ao exame da questão.

Relembro, inicialmente, que, após o advento da EC n. 45/2004, a

competência para homologar as Sentenças Arbitrais Estrangeiras deixou de

ser atribuição do e. STF (de acordo com a previsão contida no art. 34 da Lei

n. 9.307 - editada em momento anterior ao do advento da EC n. 45/2004),

e passou para o rol de competências outorgadas a este e. Superior Tribunal de

Justiça (CF, art. 105, I, i).

Assentada a competência desta e. Corte para o julgamento do presente

pedido, verifi co que a requerente observou o disposto no art. 37 da Lei de

Arbitragem e instruiu a petição inicial com os documentos nele exigidos

(sentença arbitral traduzida, às fl s. 154-163 e 117-122; contrato fi rmado que

contém a convenção de arbitragem às fl s. 207-208 e 145-146).

A defesa do requerido, por sua vez, ao contestar o pedido, alegou, em

síntese (i) a invalidade da cláusula compromissória dada a natureza do contrato

de adesão fi rmado com a requerente; (ii) ofensa ao artigo 5º, II da Resolução

n. 9/2005 do e. STJ e ao Art. 6º da Lei de Arbitragem; (iii) ofensa à soberania

nacional; (iv) a competência da Justiça brasileira para decidir sobre eventuais

questões surgidas no âmbito do contrato; (v) existência de ação, em trâmite na

Justiça Estadual da Bahia, na qual se discute a relação jurídica entre requerente

e requerido.

Analiso, inicialmente, as alegações formuladas na contestação.

A defesa do requerido alega a invalidade da cláusula compromissória, em

razão da ofensa ao disposto no § 2º, do art. 4º da Lei de Arbitragem, in verbis:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

(...)

§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá efi cácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

Para justificar a ofensa ao dispositivo legal mencionado, alega que o

contrato de compra e venda por ele fi rmado com a requerente teria natureza de

contrato de adesão, razão pela qual a cláusula compromissória nele contida seria

inefi caz em face da inexistência de concordância expressa em documento anexo

ou em negrito.

Argumenta que esse tema já restou decidido por esta e. Corte Superior

quando do julgamento da SEC n. 967-GB, Rel. Min. José Delgado, DJ 20.3.2006

e da SEC n. 978-GB, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 5.3.2009.

Entendo não assistir razão ao requerido.

Em primeiro lugar, é preciso ter presente que o contrato subjacente ao

laudo arbitral homologando (fl s. 207-208; tradução fl s. 145-146), foi assinado

por ambas as partes contratantes e previa que “este contrato está sujeito às regras

e estatutos da ICA - International Cotton Association Ltd - em vigor na data

deste contrato. Essas regras contêm, dentre outras coisas, disposições em relação

à cláusula de contrato e estabelecer a resolução de litígios por arbitragem” (fl s.

146).

A parte requerida alega que, por se tratar de contrato de adesão, sua assinatura

deveria ter sido posta em documento anexo ou em negrito ou com visto

especialmente para essa cláusula.

Destaco que, no âmbito do procedimento de homologação de sentença

estrangeira, não se viabiliza a discussão acerca da natureza do instrumento

contratual subjacente à sentença que se pretende homologar, pois “o controle

judicial da homologação da sentença arbitral estrangeira está limitado aos

aspectos previstos nos artigos 38 e 39 da Lei n. 9.307/1996, não podendo ser

apreciado o mérito da relação de direito material afeto ao objeto da sentença

homologanda” (SEC n. 507-GB, Corte Especial, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de

13.11.2006).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 89

Assim, em princípio, se a convenção de arbitragem era válida segundo a

lei à qual as partes a submeteram (art. 38, II, da Lei n. 9.307/1996), e foi aceita

pelos contratantes mediante a assinatura do contrato, não há espaço para, em

sede de homologação do laudo arbitral resultante desse acordo, questionar-se

aspectos específi cos e intrínsecos à natureza contratual subjacente ao laudo

homologando.

Isso não signifi ca dizer que a eventual ofensa ao disposto no art. 4º, §

2º, da Lei n. 9.307/1996 esteja alheia à possibilidade de controle jurisdicional,

especialmente se ofender a ordem pública (art. 6º, da Resolução n. 9-STJ). O

próprio e. STJ, por vislumbrar ofensa ao princípio da autonomia da vontade e à

ordem pública, já indeferiu pleitos homologatórios semelhantes ao aqui registrado

(SEC n. 978-GB, Corte Especial, Rel. Min. Hamilton Carvalhido; SEC n. 967-GB,

Corte Especial, Rel. Min. José Delgado, SEC n. 885-US, Corte Especial, Rel. Min.

Francisco Falcão, SEC n. 866-GB, Corte Especial, Rel. Min. Felix Fischer).

Na SEC n. 978-GB, esta c. Corte reconheceu, em razão da ausência da

assinatura contratual, faltar aos autos prova da manifesta declaração autônoma

de vontade em renunciar à jurisdição estatal em favor da arbitral. Nesse caso,

todavia, o laudo arbitral reconheceu a existência de vínculo contratual sem

que houvesse nem mesmo instrumento escrito. Lê-se, no corpo do voto, a

seguinte transcrição do laudo arbitral: “nem o princípio legal e nem a prática

comercial tornam as contra-assinaturas essenciais para o estabelecimento de

um relacionamento contratual válido, desde que uma oferta e aceitação válidas

possam ser estabelecidas. Neste caso, e levando em conta, particularmente,

o curso das negociações entre as partes e o então relacionamento comercial

contínuo existente entre eles, acho que a negação por parte dos Vendedores da

existência do contrato em questão contradiz a prova disponível”.

Na SEC n. 885-US, o pedido homologatório foi indeferido em razão da

ausência, nos autos, da prova de convenção de arbitragem.

Na SEC n. 967-GB, o pedido foi indeferido em razão da ausência

de aceitação da cláusula compromissória. O eminente Relator destacou,

naquela ocasião, que não havia identifi cado “na documentação apresentada

pela requerente a existência de cláusula compromissória aceita pela parte

requerida”. Salientou, ainda, na ocasião, que “o Tribunal de arbitragem aceitou

ser competente, afastando a exceção, sob o argumento de que, conforme as

leis inglesas, ‘cláusula de arbitragem dentro de um contrato produz efeito seja

assinada ou não pelas partes’”.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Nesses casos, é nítida a violação à autonomia da vontade das partes de

abdicar da jurisdição estatal em favor da arbitral.

Eu mesmo fui Relator de um caso (SEC n. 866-GB), no qual foi negado

o pedido de homologação do respectivo laudo arbitral, porque os contratos

foram negociados de forma verbal entre as partes. Na ocasião, destaquei que

a legislação brasileira exigia que a cláusula compromissória fosse estipulada

por escrito no contrato, ou, ainda, em outro documento apartado referente ao

contrato. Não seria aceitável, diante da regra contida na Lei de Arbitragem, a

renúncia não escrita à jurisdição estatal.

Nenhuma dessas situações transcritas, no entanto, socorre a parte ora

requerida, que busca anular a cláusula compromissória alegando que “não

há documentos anexos ou em negrito com assinatura ou visto especialmente

para essa cláusula” (fl s. 257). A análise dos documentos produzidos nesta sede

processual revela que o contrato de número INT-584/05, assinado pelas partes,

previa a cláusula de arbitragem (fl s. 145-146 – tradução e fl s. 207-208 – original,

na qual, inclusive, nota-se a rubrica oposta pelos contratantes ao fi nal da página,

junto à cláusula “Rules and Arbitration”- fl s. 207).

De outro lado, também não ampara o ora requerido a alegação de que o

contrato assinado seria de adesão e que por isso deveria ter havido concordância

expressa com a cláusula compromissória. Pois, ainda que se considerasse que tal

alegação teria o condão de benefi ciar uma das partes, não há como, em sede de

processo homologatório, analisar a natureza do contrato subjacente ao pedido

que se busca homologar, para fi ns de reconhecê-lo como contrato de adesão.

O e. STF, ao analisar questão idêntica à presente, recusou a possibilidade

de examinar, no âmbito de processo homologatório, a caracterização do contrato

como contrato de adesão para fi ns de incidência do art. 4º, § 2º, da Lei n.

9.307/1996.

Com efeito, ao julgar a SEC n. 5.847, sua Excelência, o saudoso

Ministro Maurício Corrêa, Relator do caso, destacou, em seu douto voto, que

a caracterização do contrato de adesão é questão “ínsita ao mérito, insuscetível

de apreciação em procedimento homologatório” (STF n. 5.847-GB, Pleno, DJ

17.12.1999).

Vale reafi rmar, no ponto, que não há, neste juízo delibatório, próprio

do procedimento de homologação, discussão acerca da matéria de fundo da

sentença estrangeira ou mesmo do mérito da causa, porquanto estranho ao

próprio objeto da homologação, ressalvada a análise de aspectos relacionados à

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 91

ordem pública e soberania nacional, ao contraditório e ampla defesa e ao devido

processo legal.

O e. Supremo Tribunal Federal, Corte à qual competia a homologação

de sentença estrangeira até a edição da EC n. 45/2004, já se manifestou sobre

o juízo de delibação exercido quando do processo homologatório. Cito, nesse

sentido, precedente:

Sentença estrangeira. Homologação. Sistema de delibação. Limites do juízo delibatório. Pressupostos de homologabilidade. Ausência de autenticação consular da certidão de trânsito em julgado. Condenação da parte sucumbente a verba honoraria. Possibilidade. Recusa de homologação por ausência de um de seus requisitos. Extinção do processo sem julgamento do mérito.

- (...).

- O sistema de controle limitado que foi instituído pelo direito brasileiro em tema de homologação de sentença estrangeira não permite que o Supremo Tribunal Federal, atuando como Tribunal do Foro, proceda, no que se refere ao ato sentencial formado no exterior, ao exame da matéria de fundo ou a apreciação de questões pertinentes ao meritum causae, ressalvada, tão-somente, para efeito do juízo de delibação que lhe compete, a analise dos aspectos concernentes a soberania nacional, a ordem pública e aos bons costumes. Não se discute, no processo de homologação, a relação de direito material subjacente a sentença estrangeira homologanda.

- (...).

(SEC n. 4.738-EU, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 7.4.1995).

O entendimento jurisprudencial desta Corte Superior alinha-se ao

entendimento acima exposto (SEC n. 646-US, Corte Especial, Rel. Min. Luiz

Fux, DJe de 11.12.2008; EDcl na SEC n. 507-GB, Corte Especial, Rel. Min.

Gilson Dipp, DJ de 5.2.2007, v.g.).

Assim, a caracterização do contrato subjacente à sentença arbitral que se

pretende homologar como do tipo “contrato de adesão”, deve ser procedida no

juízo próprio, sendo vedada a discussão nesta sede homologatória.

Superada essa questão, analiso agora a alegada ofensa aos artigos 5º, II da

Resolução n. 9-STJ e ao art. 6º da Lei n. 9.307/1996. Sustenta o requerido, para

tanto, a inexistência de notifi cação (ciência inequívoca) para o início e demais

atos da arbitragem (fl s. 259). Conclui que a ausência de citação/notifi cação

válida torna nulo o procedimento arbitral subjacente à presente demanda (fl s.

263).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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O art. 6º, da Lei n. 9.307/1996 dispõe:

Art. 6º - Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, fi rmar o compromisso arbitral.

Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa.

Por sua vez, o art. 5º, II, da Resolução n. 9-STJ prevê:

Art. 5º Constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira:

(...)

II- terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verifi cado a revelia;

Não vislumbro, no caso, o alegado desrespeito às regras legais mencionadas

pelo requerido. Conforme destacou o ilustre representante do Ministério Público

Federal, há nos autos cópias das notifi cações para o início do procedimento de

arbitragem entregues no endereço do requerido. Houve também notifi cação via

correio eletrônico (e-mail).

Destaco, no ponto, do douto parecer, a seguinte passagem: “não merece

acolhida a nulidade de citação no processo arbitral pleiteada pelo requerido. Os

recibos fornecidos pela empresa encarregada da postagem - Fedex - (fl s. 169,

170, 175 – tradução fl s. 133, 135 e 136) mostram-se sufi cientes para confi rmar

a efetiva entrega dos documentos citatórios à parte requerida. A ausência de

assinatura da parte requerida não tem o condão de invalidar a confi rmação da

entrega, que conforme documentação comprobatória, foi efetivamente entregue

no endereço do requerido. Ademais, há comprovação de que as notifi cações

foram também realizadas por e-mail (fl s. 171-173, 178, 180-181, 184, 191, 194,

198 – tradução fl s. 123-125, 127, 130-131, 134, 137-141). Logo, não há que se

falar em citação inválida ou cerceamento do direito de defesa” (fl . 454, verso).

Quanto a essa questão, vale ter presente que o e. Superior Tribunal de Justiça

decidiu que “Nos termos do art. 39, parágrafo único, da Lei de Arbitragem,

é descabida a alegação, in casu, de necessidade de citação por meio de carta

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 93

rogatória ou de ausência de citação, ante a comprovação de que o requerido foi

comunicado acerca do início do procedimento de arbitragem, bem como dos

atos ali realizados, tanto por meio das empresas de serviços de courier, como

também via correio eletrônico e fax.” (SEC n. 3.660-GB, Corte Especial, Rel.

Min. Arnaldo Esteves Lima).

Destacou-se, no referido julgamento, que “a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal entendia necessária a comprovação da citação por meio de

carta rogatória. Com o advento da Lei n. 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), a

questão tomou novos contornos, ante o disposto no parágrafo único do art.

39: ‘Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da

citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção

de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem,

admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento,

desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de

defesa.’”

Assim, tenho por superada a questão da notifi cação do requerido.

Alega a parte requerida, ainda, que a existência de Cédula de Produto Rural

(CPR) emitida em favor da requerente (compradora) e atrelada aos contratos de

fornecimento do autor, inclusive o contrato que gerou o presente laudo arbitral

homologando, “atrai toda a relação jurídica estabelecida entre as partes para

o abrigo da legislação brasileira. Inclusive pelo fato de ser título de crédito

nacional e ser liquidado através da entrega de mercadoria neste País” (fl . 265).

Assim, fi caria “latente a inaplicabilidade da referida previsão de arbitragem,

uma vez que não pode ser afastada a jurisdição brasileira na discussão sobre

o inadimplemento da obrigação e entrega de algodão em território nacional,

tendo-se com base não só a LICC, como também o inciso II do artigo 88 do

Código de Processo Civil” (fl s. 266-267).

Tenho para mim que essa argumentação não merece prosperar. Com a

celebração, entre as partes, do Contrato INT n. 584/05, criou-se relação jurídica

própria na qual restou acordada a submissão dos contratantes ao juízo arbitral.

Do inadimplemento dessa relação jurídica, a Corte Arbitral foi chamada para

compor o litígio, da forma como previamente pactuado.

Em princípio, não há impedimentos para que uma das partes leve a

matéria ao Judiciário pátrio, haja vista tratar-se de direito constitucionalmente

garantido. Ocorre que, nessa hipótese, a discussão do objeto contratual fi rmado

pelas partes ou mesmo a própria discussão a respeito do laudo arbitral em

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

94

referência, não tem o condão de tornar exclusiva a jurisdição pátria, eis que se

trata de questão adstrita ao âmbito da competência concorrente, sem que seja

confi gurada qualquer das hipóteses de jurisdição exclusiva previstas no art.

89 do CPC (Art. 89 - Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão

de qualquer outra: I- conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II-

proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da

herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional).

Assim, a invocação, por parte do requerido, da regra inscrita no inciso II

do art. 88 do CPC, em nada interfere na competência arbitral previamente

pactuada.

Finalmente, é preciso destacar que “a prositura de ação, no Brasil,

discutindo a validade de cláusula arbitral porque inserida, sem destaque, em

contrato de adesão, não impede a homologação de sentença arbitral estrangeira

que, em procedimento instaurado de acordo com essa cláusula, reputou-a válida”

(SEC n. 854-AgR-GB, Corte Especial, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi,

DJe de 14.4.2011).

Assim, não prospera a pretensão do requerido para que seja indeferida

a homologação da presente sentença em face da pendência de ação proposta

na Justiça Brasileira “com a fi nalidade de discutir não só o contrato objeto do

presente pedido de homologação, e sim de toda a relação jurídica entre eles” (fl s.

267).

Demais disso, e conforme bem destacou a douta Procuradoria-Geral

da República “é irrelevante a pendência da ação proposta pelo requerido na

Justiça brasileira: ‘o fato de ter-se, no Brasil, o curso de processo concernente a

confl ito de interesses dirimido em sentença estrangeira transitada em julgado

não é óbice à homologação desta última (STF SEC n. 7.209/IT); ‘Sentença

estrangeira: não obsta à sua homologação a pendência, perante juiz brasileiro,

de ação entre as mesmas partes e sobre a mesma matéria’ (STF SEC n. 2.727

AgR). Merece destaque o fato de que a liminar concedida (fl s. 421-424) pelo

Juízo de Direito titular da Terceira Vara Cível da Comarca de Barreiras-BA não

faz menção específi ca ao contrato, INT-584/05, objeto do presente pedido de

homologação, mas tão somente aos Contratos n. 2006-021,2006-012 e 2007-

94, estranhos ao contrato-objeto da sentença homologanda” (fl s. 455).

Sendo assim, por vislumbrar presentes os requisitos indispensáveis à

homologação do pedido (Resolução n. 9-STJ, art. 5º, I, II, III e IV), e por

entender que a pretensão deduzida não ofende a soberania nacional, a ordem

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 24, (226): 17-95, abril/junho 2012 95

pública, nem os bons costumes, voto no sentido de se homologar o presente

laudo arbitral.

No que concerne à fi xação dos honorários advocatícios, destaco que o

processo de homologação da sentença estrangeira contestada está adstrito

à análise de seus requisitos formais, sendo inconfundível com a relação de

direito que lhe deu causa. Mais ainda, a fi xação do valor da verba honorária

baseada na condenação imposta no laudo arbitral, acabaria por gerar grave

prejuízo ao requerido uma vez que o pleito homologatório não possui natureza

condenatória.

Sobre o tema, esta c. Corte Superior já decidiu que:

(...)

VI - O ato homologatório da sentença estrangeira limita-se à análise dos seus requisitos formais. Isto significa dizer que o objeto da delibação na ação de homologação de sentença estrangeira não se confunde com aquele do processo que deu origem à decisão alienígena, não possuindo conteúdo econômico. É no processo de execução, a ser instaurado após a extração da carta de sentença, que poderá haver pretensão de cunho econômico.

VII - Em grande parte dos processos de homologação de sentença estrangeira - mais especifi camente aos que se referem a sentença arbitral - o valor atribuído à causa corresponde ao conteúdo econômico da sentença arbitral, geralmente de grande monta. Assim, quando for contestada a homologação, a eventual fi xação da verba honorária em percentual sobre o valor da causa pode mostrar-se exacerbada.

VIII - Na hipótese de sentença estrangeira contestada, por não haver condenação, a fi xação da verba honorária deve ocorrer nos moldes do art. 20, § 4º do Código de Processo Civil, devendo ser observadas as alíneas do § 3º do referido artigo. Ainda, consoante o entendimento desta Corte, neste caso, não está o julgador adstrito ao percentual fi xado no referido § 3º.

(SEC n. 507-ED, Corte Especial, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 5.2.2007).

Assim, condeno o requerido ao pagamento das custas processuais e dos

honorários advocatícios, que fi xo no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais),

com fundamento no art. 20, § 3º, alíneas a, b e c e § 4º do CPC.

É o voto.

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