Cosmologia - módulo 6

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Módulo 6 Ensino a Distância COSMOLOGIA Da origem ao fim do universo 2015 Algumas formas de descrever o Universo

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Módulo 6 do curso de Cosmologia oferecido pelo Observatório Nacioanl

Transcript of Cosmologia - módulo 6

  • Mdulo 6

    Ensino a DistnciaCOSMOLOGIADa origem ao m do universo

    2015Algumas formas de descrever o Universo

  • Esta publicao uma homenagem a Antares Cleber Crij (1948 - 2009) que dedicou boa parte da sua carreira cientfi ca divulgao e popularizao da cincia astronmica.

    Presidente da RepblicaDilma Vana Rousse

    Ministro de Estado da Cincia, Tecnologia e InovaoJos Aldo Rebelo Figueiredo

    Secretrio-Executivo do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovaolvaro Doubes Prata

    Subsecretrio de Coordenao de Unidades de PesquisasAdalberto Fazzio

    Diretor do Observatrio NacionalJoo Carlos Costa dos Anjos

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    Criao, Produo e Desenvolvimento (Email: [email protected])

    Carlos Henrique VeigaCosme Ferreira da Ponte NetoRodrigo Cassaro ResendeSilvia da Cunha LimaVanessa Arajo SantosGiselle VerssimoCaio Siqueira da SilvaLuiz Felipe Gonalves de Souza

    2015 Todos os direitos reservados ao Observatrio Nacional.

    Equipe de realizao

    Contedo cientfi co e textoCarlos Henrique Veiga

    Projeto grfi co, editorao e capaVanessa Arajo Santos

    Web DesignGiselle VerssimoCaio Siqueira da Silva

    ColaboradoresAlexandra Pardo Policastro NatalenseNey Avelino B. SeixasAlex Sandro de Souza de Oliveira

    A NGC 2442 uma galxia espiral que contm estrelas brilhantes ao longo da sua regio central, classifi cada como uma galxia espiral barrada. Esta galxia localiza-se na direo da constelao do Peixe Voador. Ela pode ser observada atravs de pequenos telescpios, desde que estejam instalados em regies distantes das grandes cidades, onde a luminosidade e qualidade do cuprejudicam a observao astronmica.

    Crditos:NASA/ESA e ESO

  • Mdulo 6Algumas formas de descrever o Universo

    Ensino a DistnciaCOSMOLOGIADa origem ao m do universo

    2015

  • 284 Mdulo 6 Algumas formas de descrever o Universo

    as sOlues cOsmOlgicas das equaes de einstein

    Vimos que a matria existente em todas as partes do universo se apresenta sob as mais diversas formas e densidades. Ela pode formar grandes agregados de matria, as galxias por exemplo, mas tambm pode constituir nuvens de gs e poeira intergalcticos muitssimo rarefeitos. Toda essa matria est, lo-calmente, em interao e isso quer dizer que inmeros processos fsicos acon-tecem a todo momento entre os tomos que a forma.

    Todos os possveis processos fsicos que a ocorrem so regidos pelas qua-tro interaes fundamentais bsicas existentes na natureza: as interaes eletromagntica, forte, fraca e gravitacional. Veremos no prximo mdulo as caractersticas de cada uma delas, mas no momento sufi ciente saber que todos os fenmenos que ocorrem em larga escala no universo so muito mais fortemente afetados pela interao gravitacional do que por qualquer uma das outras. Embora a interao gravitacional seja a mais fraca entre as quatro fun-damentais citadas acima, tendo em vista que os processos astronmicos que estamos considerando so somente aqueles de grande escala, ou seja, aqueles que ocorrem sobre distncias muito grandes e no aqueles que ocorrem, por exemplo, no interior de uma estrela fazendo-a gerar energia, a gravitao a interao dominante.

    A teoria da gravitao que analisaremos aqui, e que sobrepujou a teoria da gravitao proposta anteriormente pelo fsico ingls Isaac Newton, aquela apresentada por Albert Einstein e David Hilbert. Essa a teoria relativstica da gravitao, regida por importantes equaes matemticas que descrevem como o campo gravitacional se comporta ao longo do espao-tempo.

    Logo aps essa teoria relativstica ter sido apresentada, a despeito da com-plexidade de suas equaes, cientistas como o fsico alemo Karl Schwarzschild conseguiram obter solues locais, ou seja, solues que descreviam fenme-nos fsicos que ocorriam em uma determinada regio do espao-tempo.

    A pergunta que se colocava era a seguinte: as equaes da teoria relativs-tica da gravitao podem fornecer uma soluo que descreva o universo em sua larga escala? Seria possvel encontrar uma soluo das equaes da teoria relativstica da gravitao ou, em outras palavras, um modelo do universo que fi sicamente pudesse ser aceito como soluo?

    Uma soluo cosmolgica das equaes relativsticas de campo est pre-ocupada em explicar apenas os fenmenos de larga escala do universo. Esse tipo de soluo no leva em considerao os fenmenos locais que esto ocorrendo no universo. Processos nucleares que ocorrem a todo instante no interior das estrelas, processos atmicos que ocorrem nas nebulosas gasosas e at mesmo os processos relativsticos que esto ocorrendo nas estrelas de nutrons e nos buracos negros no fazem parte dessa soluo em larga escala, ou seja, soluo cosmolgica. Tudo isso deve ser separado de qualquer soluo cosmolgica, cuja nica preocupao o processo de interao gravitacional que existe entre os superaglomerados de galxias que permeiam o universo.

    No entanto, uma soluo cosmolgica, estritamente falando, uma soluo matemtica das equaes relativsticas que descrevem o comportamento do campo gravitacional em larga escala, no teria muita utilidade se no tivesse algum contato com os parmetros fsicos que podemos medir no universo. So esses parmetros que iremos defi nir primeiro para depois vermos como os modelos cosmolgicos podem ser validados ou no por eles.

    43 as solues cosmolgicas

    das equaes de einstein

    Karl Schwarzshil (1873 - 1916).

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 285

    O fatOr de escala universal

    Vimos que ao interpretarmos o deslocamento para o vermelho das linhas espectrais (redshift) das galxias distantes como sendo uma medida de sua velocidade de recesso, estamos de certa forma dizendo que o Universo est em expanso.

    Consideramos que todos os pontos do universo se expandem com a mes-ma taxa. Lembre-se sempre que o nosso universo considerado homogneo e isotrpico. Assim, ao longo de um intervalo de tempo todas as distncias en-tre pontos comveis aumentam pelo mesmo fator. Isso quer dizer que se uma determinada distncia aumenta 1% ento todas as outras distncias tambm aumentam por 1%. Lembre-se tambm que pontos comveis so aqueles de-finidos em um mesmo sistema de referencial inercial que se desloca com esses pontos. Em outras palavras, um sistema de referencial que, embora se des-loque, o faz com velocidade constante, no estando acelerado. Ele, portanto, no apresenta as chamadas foras fictcias que surgem em referenciais que no pertencem a essa categoria. Ao longo do texto, s trabalharemos com sistemas de referncia inerciais.

    Se imaginarmos um conjunto de trs galxias situadas nos vrtices de um tringulo qualquer em um dado referencial comvel, a afirmao acima nos diz que suas distncias permanecero as mesmas. Seus trs lados sero al-terados pelo mesmo valor e, conseqentemente, o tringulo aumentado pela expanso do universo mantm sua forma original. Dizemos ento que os trs lados do tringulo sofreram uma transformao de escala gerada pelo mesmo fator de escala.

    Como a expanso do Universo , em um determinado instante, a mesma em todos os seus pontos, dizemos que existe um fator de escala universal que atua em todo o universo em um determinado instante. Esse fator de escala usualmente representado pela letra R.

    importante notar que R em qualquer instante tem o mesmo valor em qualquer ponto do universo. No entanto, ele varia com o tempo, aumentando seu valor com o passar do tempo em um universo em expanso.

    Deste modo, vemos que, em um universo em expanso, a distncia entre pontos comveis aumenta de uma maneira proporcional a R. As medidas de reas, por serem bidimensionais, aumentam proporcionalmente a R2 enquan-to que os volumes, tridimensionais, aumentam proporcionalmente a R3.

    O fator de escala R foi durante muito tempo (e ainda !) chamado de raio do universo. Esse nome deve ser evitado porque, como veremos mais tarde, existem solues cosmolgicas cujas geometrias no permitem uma aceitao natural do termo raio ( o caso, por exemplo, das solues planas do universo).

    O fator de escala R mostra toda sua importncia ao utilizarmos o conceito de distncia entre duas galxias, por exemplo, em um universo em expanso. Vimos anteriormente que conceitos fsicos devem sempre ser definidos em relao a um determinado sistema de referncia ou sistema de coordenadas. Vimos tambm que usamos os chamados sistemas de coordenadas com-veis quando queremos definir grandezas fsicas. Um sistema de coordenadas comveis aquele que se desloca com o observador. Conseqentemente, todos os pontos comoveis esto separados por distncias que permanecem constan-tes e que chamamos de distncias coordenadas. Mas se o universo est em expanso as distncias coordenadas no so as distncias verdadeiras entre os pontos considerados. Dizemos que a distncia verdadeira obtida multipli-cando-se a distncia coordenada pelo fator de escala R. Assim,

  • 286 Mdulo 6 Algumas formas de descrever o Universo

    Veja que a distncia coordenada, aquela medida em um sistema de coor-denadas comvel, permanece constante, mas a distncia verdadeira aumenta com a mesma taxa que o fator de escala do universo R.

    Considere um corpo comvel situado a uma distncia coordenada de ns. Por estar em um sistema de coordenadas comvel, essa distncia coordenada fi xa. A distncia real entre ele e ns dada pela expresso mostrada acima. Veja que medida que o fator de escala R aumenta (lembre-se que esse fa-tor varia com o tempo) a distncia real (que passaremos a citar simplesmente como distncia) tambm aumenta, signifi cando que o objeto est se afastando de ns. Quanto maior o valor de R, ou melhor, quanto mais rpido R aumenta, mais rpido o objeto se afasta de ns.

    Se a distncia entre corpos varia com o tempo, podemos defi nir uma ve-locidade, uma vez que sabemos que velocidade pode ser mais simplesmente defi nida como a variao da distncia em um intervalo de tempo. Deste modo, a velocidade de recesso de um corpo comvel exatamente a taxa na qual sua distncia est aumentando. Defi nimos ento a velocidade de recesso de um objeto como sendo o produto entre a taxa de aumento de R (que sabemos variar no tempo devido expanso do universo) e a distncia coordenada (que constante).

    O termo taxa de aumento de R nos diz como o fator de escala varia com o tempo. Vamos representar essa taxa de aumento pela mesma letra R com um pequeno ponto em cima dela ou seja, R .

    Temos ento que:

    Se multiplicarmos e dividirmos o lado direito dessa expresso por R no a alteraremos. Temos ento que:

    e como sabemos que a distncia coordenada multiplicada por R nos d o valor da distncia real (ou simplesmente distncia) temos que

    Chamamos o termo de que o termo de Hubble.

  • Cosmologia - Da origem ao fi m do universo 287

    ou seja,

    Veja que a expresso acima uma consequncia direta da expanso uni-forme do universo.

    O perOdO de huBBle e a idade dO universO

    Defi nimos perodo de Hubble como sendo a idade que o universo teria atingido se ele tivesse se expandido a uma taxa constante R igual sua taxa atual de expanso que chamaremos de Ro.

    Vemos que o perodo de Hubble uma medida de tempo, uma idade, e dada por:

    Algumas vezes o perodo de Hubble chamado de tempo de expanso. Note que o perodo de Hubble est diretamente associado com o fator de

    escala R e sua variao no tempo.Em quase todos os modelos de universo estudados pelos cosmlogos o fa-

    tor de escala R no aumenta a uma taxa constante. Em alguns casos R aumenta mais rapidamente com o passar do tempo e isso interpretado como sendo um universo cuja expanso est acelerada. Em outros casos R aumenta mais lentamente medida que o tempo passa. Nesse caso, dizemos que o universo est desacelerando.

    Vemos, portanto, que a maneira como a variao do fator de escala R ocorre nos mostra que os modelos de universo podem estar ou acelerando ou desacelerando.

    Quando o universo est acelerando, ou seja, quando R aumenta mais rapi-damente com o passar do tempo, a idade real do universo sempre maior do que o perodo de Hubble.

    Quando o universo est desacelerando, ou seja, quando R aumenta mais lentamente medida que o tempo passa, a idade do universo sempre menor do que o perodo de Hubble.

  • 288 Mdulo 6 Algumas formas de descrever o Universo

    O parmetrO de desaceleraO dO universO

    Sabemos da fsica clssica que a taxa devariao temporal da velocidade de um corpo nos d sua acelerao. Do mesmo modo como fi zemos com o conceito de variao de distncia no tempo, representando a sua variao no tempo por uma letra com um ponto em cima (d ), usaremos um ponto sobre a letra v para representar a variao da velocidade no tempo. Isso nos leva a representar ento o smbolo R do fator de escala com dois pontos em cima nas equaes da acelerao da recesso, uma vez que ele ir variar a primeira vez com a mudana da distncia em funo do tempo (um ponto em cima) e, em seguida, variar de novo com as alteraes temporais da velocidade (um outro pontinho). Temos ento que

    Lembrando que a distncia coordenada constante. Como j vimos:

    ou ento:

    Temos que, substituindo isso na expresso da acelerao de recesso,

    ou seja,

    O termo:

    chamado de termo de acelerao e algumas vezes representado pela letra h (Observe com ateno a diferena entre H e h!).

    O termo de acelerao defi nido acima no usado com frequncia. Ao invs dele, usamos o chamado termo de desacelerao ou parmetro de desacelerao.

    O parmetro de desacelerao, representado pela letra q, obtido matema-ticamente como sendo

  • Cosmologia - Da origem ao fi m do universo 289

    O termo desacelerao usado por causa da relao linear existente entre

    e O termo desacelerao usado por causa da relao linear existente entre

    Como Como

    Podemos escrever que:

    e como:

    Temos que:

    Veja que o parmetro de desacelerao q varia no tempo, tal como o termo de Hubble H. No entanto, em u m determinado instante do tempo, o parme-tro de desacelerao q possui o mesmo valor em todos os pontos do universo.

    Vejamos alguns outros pontos interessantes do parmetro de desacelerao q. Note que h um sinal negativo no lado direito dessa defi nio. Isso nos diz que o parmetro de desacelerao q pode assumir valores positivos ou negati-vos, dependendo dos sinais dos termos que fazem parte dessa expresso. Quan-do o parmetro de desacelerao q positivo h uma desacelerao no universo ou seja, uma diminuio da sua taxa de expanso. Quando q negativo h uma acelerao no universo ou seja um aumento na taxa de expanso do universo.

    Quando q positivo, ou seja, nos universos em desacelerao, a idade do universo menor que um perodo de Hubble. Quando q negativo ou seja, nos universos que esto acelerados, a idade do universo maior do que um perodo de Hubble.

    O parmetro de desacelerao q tambm pode ser igual a zero. Isso ocorre quando a taxa de expanso R nunca muda e isso faz com que R seja zero. Nesse caso, o parmetro de desacelerao q igual a zero.

    A imagem ao lado mostra os possveis comportamentos do parmetro de desacelerao do universo, tornando-se, como exemplo, o intervalo para q (Soluo de Friedmann).

    at Onde pOdemOs ver nO universO?

    Sabemos que o perodo de Hubble nos d a idade que o Universo teria se ele fosse representado por 1/H a uma taxa constante igual atual de expanso. Isso uma medida de tempo e, como sabemos da fsica clssica, a distncia percorrida por um objeto obtida como o produto entre sua velocidade e o intervalo de tempo em que o objeto se moveu.

    Toda a informao que obtemos no universo nos chega sob a forma de radiao eletromagntica. A luz que observamos proveniente das estrelas, como j sabemos, uma parte dessa radiao eletromagntica. A teoria da relatividade restrita nos diz que a radiao eletromagntica se propaga no

    NOTA: Uma relao linear entre duas variveias

    representada num grfi co por um seguimento de reta.

  • 290 Mdulo 6 Algumas formas de descrever o Universo

    vcuo com a velocidade constante de aproximadamente 300.000 quilmetros por segundo.

    Vemos, portanto, que se multiplicamos o perodo de Hubble pela velocida-de da luz obtemos o chamado comprimento de Hubble.

    O comprimento de Hubble a distncia na qual a velocidade de recesso igual velocidade da luz.

    Podemos ento defi nir uma esfera de Hubble como sendo aquela que tem um raio igual ao comprimento de Hubble. Note que cada ponto no espao o centro de uma esfera de Hubble.

    O universo observvel aquela parte do universo em torno de um obser-vador que pode ser vista. Falando livremente, o universo observvel tem um tamanho comparvel com aquele apresentado pela esfera de Hubble.

    No entanto, em quase todos os modelos de universos em expanso, a esfera de Hubble se expande mais rapidamente do que o prprio universo. A borda da esfera de Hubble se afasta mais rapidamente do que as galxias e, ao longo do tempo, vemos mais e mais galxias que eram previamente no observveis.

    para entender Os grficOs a seguir

    Vamos agora estudar as diversas solues cosmolgicas obtidas pelos cientistas para o conjunto de equaes matemticas que descrevem a teoria relativstica da gravitao. Como veremos, algumas so fi sicamente plausveis, outras no. Algumas foram aceitas durante muito tempo mas agora novos da-dos fsicos nos mostram que elas so inviveis.

    Antes de estudarmos essas solues precisamos prestar muita ateno aos grfi cos utilizados e, por esse motivo, discutiremos aqui um grfi co geral como o mostrado ao lado.

    Note que temos dois eixos, chamados eixos coordenados, que, como o nome sugere, nos do quais as propriedades fsicas que esto ali descritas.

    No nosso caso, o eixo vertical representar sempre o fator de escala R en-quanto que o eixo horizontal ser sempre o marcador de tempo. Um outro fato importante que o eixo vertical tem seus valores aumentando medida que nos deslocamos para cima enquanto que o eixo do tempo tem valores aumentando continuamente para a direita. Note tambm que esses eixos co-ordenados no possuem valores numricos associados a eles e, portanto, esses valores so quaisquer. No h qualquer marcao de valor zero neles e isso muito importante.

    Mais importante ainda notar que os eixos coordenados no se cruzam. Com isso, no estamos defi nindo qualquer associao de par de coordenadas entre o fator de escala R e um determinado instante de tempo. Melhor dizen-do, no estamos considerando que em um determinado instante de tempo o fator de escala R tem necessariamente um determinado valor.

    Note tambm que embora algumas curvas que representam solues cos-molgicas matemticas, obtidas pelos cientistas, se apresentem tocando ou cortando um dos eixos coordenados, seja ele o que representa o fator de escala R ou o tempo, tanto faz, em nenhum momento os dois eixos coincidem ou so cortados simultaneamente. Isso nos diz que no h clculos associando as grandezas fsicas envolvidas e, portanto, falar em valores numricos (mesmo que seja tempo zero!) no correto.

  • Cosmologia - Da origem ao fi m do universo 291

    alguns cOnceitOs em cOsmOlOgia

    Certamente aqueles que tm interesse em cosmologia j se depararam com conceitos tais como universo fechado, aberto, fi nito, infi nito, limitado, no-limitado, com contorno, sem contorno , etc. Afi nal, o que isso quer dizer?

    Essa talvez seja a parte da cosmologia que mais causa danos irreversveis ao crebro de quem se interessa por esse assunto. Como alguma coisa pode ser infi nita e ter contorno? Como alguma coisa pode ser no limitada mas fi nita?

    Tudo isso facilmente explicvel se entendermos um pouco de...geometria!Vamos ento por partes.Vimos que o astrnomo norte-americano Edwin Hubble obteve dados ob-

    servacionais que indicavam que o Universo estava em expanso. Observaes de galxias mostravam que suas linhas espectrais estavam deslocadas para a regio vermelha do espectro eletromagntico, o redshift , e isso era um indica-dor de que elas estavam se afastando de ns.

    Se a maior parte das galxias apresenta deslocamento para o vermelho (redshift ) em suas linhas espectrais, ento nada mais normal do que enten-dermos que todas elas esto se afastando de ns. Como consequncia dessa interpretao, podemos concluir que estamos no centro do Universo. Certo? No! Daqui a pouco veremos porque isso no est correto.

    Uma outra concluso que podemos tirar dos resultados obtidos por Hubble que se o Universo est expandindo, podemos fazer uma regresso temporal e concluir que ele teve um comeo. Assim, a expanso detectada por Hubble nos mostra que a idade do Universo fi nita. Dizendo de outra forma, o Universo no infi nito no tempo.

    Fica ainda a velha pergunta: o Universo infi nito no espao? Esta a inter-rogao que incomoda os pesquisadores h milhares de anos!

    A discusso sobre se o Universo fi nito ou infi nito no nova. Ela pode ser encontrada nos primeiros estgios da civilizao humana. De fato, em quase todas as civilizaes que j existiram no nosso planeta, ao longo de toda a histria do ser humano, podemos encontrar, com extenses variadas, pronun-ciamentos sobre a questo: o Universo fi nito ou infi nito?

    O mais interessante que se olharmos para trs, ao longo dos vrios milha-res de anos da histria, encontraremos quase o mesmo nmero de pesquisa-dores e fi lsofos que apresentam argumentos justifi cando um Universo fi nito ou infi nito! Ao longo de todo esse tempo parece ter havido uma fl utuao contnua entre essas duas vises opostas e isso dura at hoje.

    Apesar das difi culdades, os cientistas tm procurado uma resposta para essa questo.

    finitO versus infinitO

    Na antiga Grcia quase todos os modelos primitivos que tentavam des-crever a estrutura do Universo supunham que ele era fi nito e no limitado. A cosmologia de Eudoxus e de Aristteles representativa dessa maneira de descrever o Universo. Nos seus esquemas eles apresentavam a Terra como uma bola circundada por uma srie de esferas concntricas e transparentes. A ca-mada esfrica mais externa tinha o nome de esfera das estrelas fi xas. O cosmos material inteiro estava contido nessa esfera de estrelas fi xas.

    Por que praticamente no existiam modelos de Universo infi nito? Em primeiro lugar, os modelos infi nitos no tm bases empricas diretas como os modelos fi nitos. Depois, mais difcil para um modelo infi nito explicar o fenmeno das estrelas que surgem no leste e se pem no oeste.

    44 alguns conceitos em cosmologia

  • 292 Mdulo 6 Algumas formas de descrever o Universo

    O fato da viso infinita ter dificuldade em fazer afirmaes quantitativas no quer dizer que a viso finita tivesse uma posio dominante na histria. Na verdade, a viso de um Universo finito era assunto de constante crtica.

    Um tipo de crtica racional viso de um Universo finito era a seguinte: ser finito significa que h um contorno e um contorno implica em uma existncia alm dele.

    Com isso chegvamos a um dilema: o contorno tem um alm? Se no tem, ento isso contradiz a noo de um contorno. Se tem, ento isso contradiz a prpria noo de Universo. Universo significa todas as coisas: tudo em con-junto e no pode haver alguma coisa fora dele!

    Aristteles parece ter notado essa crtica fatal e tentou superar a dificul-dade. Ele dizia que a esfera de estrelas fixas no era um contorno ordinrio, que embora ela tenha um lado de dentro e um lado de fora, o lado de dentro o espao fsico enquanto que o lado de fora o mundo dos deuses. Alm da esfera das estrelas fixas existem mais trs camadas celestiais: a esfera de cristal, a esfera mais elevada e a esfera de puro fogo. Essas so espirituais e das almas e assim no ocupam o espao fsico. Com isso ele colocava uma existncia no fsica alm do contorno do Universo finito, removendo a contradio.

    Certamente, do ponto de vista cientfico moderno, tal descrio no pode servir como razo suficiente. Consequentemente, depois da evoluo da cin-cia moderna, esse ponto de vista foi rejeitado.

    a visO da cincia mOderna

    A cincia epitomizada pela mecnica Newtoniana. O prprio Newton mantinha que o Universo era infinito. Um dos pontos de partida bsico da me-cnica Newtoniana a existncia do espao absoluto, ou seja, o espao Eucli-diano infinito. Com isso, as esferas de cristal de Aristteles foram esmagadas.

    Entretanto, o debate no parou.O contemporneo de Newton, o grande cientista alemo Leibiniz, tambm

    acreditava que o espao era infinito. Entretanto, ele discordava fortemente de Newton no que diz respeito distribuio das estrelas. Newton acreditava que as estrelas deviam estar distribudas no espao finito, mas se elas estivessem presentes no espao infinito, deveriam ser em nmero infinito e um nmero infinito de estrelas teria uma gravitao infinita fazendo por conseguinte o sistema inteiro ser instvel.

    Leibniz mantinha a posio de que as estrelas deviam estar uniformemente distribudas em todo um espao infinito e sua razo era que se a distribui-o de estrelas era finita, ento o sistema fsico inteiro est ainda limitado e tem um centro. Portanto, isso era inaceitvel para qualquer cosmologia ps-copernicana.

    Foi o filsofo alemo Kant quem encerrou este debate racionalista. Ele pen-sou ter encontrado uma resposta que finalizaria a questo para sempre - sua antinomia do espao.

    Kant diz: se ns insistirmos que o sistema de estrelas estvel, que o siste-ma de estrelas no tem centro e que o espao o espao Euclidiano infinito, ento possivelmente no podemos encontrar uma resposta lgica auto-con-sistente. Isso quer dizer que no somente impossvel construir um modelo de universo finito sem contradio interna, mas tambm impossvel para ns construir um modelo de universo infinito. A concluso somente pode ser que o Universo no pode ser nem finito nem infinito. Da a prpria questo finito-infinito no tem significado e no devemos discuti-la de modo algum.

    A anlise de Kant era bastante perspicaz. Podemos dizer que sua teoria colocou um ponto final no debate racionalista finito-infinito que tinha durado

    Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 - 1716).

    Immanuel Kant (1724 - 1804).

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 293

    pelo menos dois mil anos. A concluso dele que a prpria questo finito-in-finito impossvel.

    Entretanto, a despeito de ser famoso pelo rigor de seus fundamentos, o argumento insolvel de Kant no de modo algum rigoroso. Um exame cui-dadoso revelar que seu argumento implicitamente usou algumas teses no provadas. Elas so:

    finitude deve significar que existe um contorno

    ter um contorno deve significar finitude

    infinitude deve significar no ter contorno

    no ter contorno deve significar infinitude

    Kant pensava estas serem as mais ordinrias teses de senso comum que no exigiam discusso cuidadosa.

    Entretanto, a cincia frequentemente a demonstrao de construtividade no que olhado como erro pelo senso comum.

    finitude nO limitada

    As afirmaes acima, baseadas no senso comum, no so corretas. Na verda-de, ter um contorno no necessariamente significa finitude. Isto , podemos ter uma finitude sem um contorno, assim como uma infinitude com um contorno.

    No sculo V antes de Cristo alguns estudiosos j discutiam se a Terra infinita ou no. Aqueles que defendiam o argumento de infinito tinham a seguinte linha de raciocnio: se a Terra finita, ento certamente as pessoas cairo dela depois de terem alcanado o contorno? A outra escola acreditava, entretanto, que a Terra era finita mas no tinha contorno. As esferas tm essa propriedade. A superfcie de uma esfera finita mas ela no tem contorno. A idia de que a Terra uma esfera nasceu nessa poca.

    Partindo de uma Terra sendo finita e sem contorno, para um Universo sendo fi-nito e sem contorno, precisamos apenas de uma pequena generalizao na geome-tria, ou seja, uma generalizao de duas para trs dimenses. Em outras palavras: de duas dimenses finitas e sem contorno para trs dimenses finitas e sem con-torno. A humanidade levou dois mil anos para que esse pequeno passo fosse dado.

    Em sua palestra Sobre as Hipteses das Bases da Geometria, proferida em 1854, Riemann primeiro mostrou que a no existncia de contorno do espao no implica em infinitude do espao. Ele disse:

    No nosso conhecimento do mundo externo, o espao suposto ser uma variedade tri-dimensional. O alcance de nossa conscincia real est sendo reabastecido constantemente por esta afirmao e as possveis posies de objetos que procuramos esto constantemente sendo determinadas por esta afirmao. Com aplicaes em tais assuntos, esta suposio est continuamente sendo confirmada. por causa dessa circunstncia que a no existncia de contorno do espao tem um grau de certeza maior do que qualquer outra experincia externa. Mas ns certamente no devemos inferir a infinitude do espao a

  • 294 Mdulo 6 Algumas formas de descrever o Universo

    partir disso. Ao contrrio, se supusermos que a existncia da matria independente da posio - e da podemos dotar o espao com uma curvatura constante, ento, contanto que essa curvatura tenha um valor positivo, embora pequeno, o espao somente pode ser finito.

    Essas afirmaes de Riemann so inteiramente anlogas ao argumento, mostrando que a Terra uma superfcie curvada sem contorno e finita. Reco-nhecer a ausncia de contorno da Terra no justifica a inferncia de infinitude. Ao contrrio, uma vez que a Terra tem mais ou menos a mesma curvatura positiva em todos os lugares, a rea da Terra somente pode ser finita.

    A pesqusia de Riemann nos libertou do impasse da antinomia do espao de Kant e mostrou que a questo finito-infinito no impossvel. Um significado maior da teoria de Riemann que ela terminou a era do estudo da questo de espao finito ou infinito pelo pensamento puro e comeou a era de estudar esta questo pelo mtodo da verificao. De acordo com a teoria de Riemann, o Universo ser finito ou infinito determinado pela curvatura do espao, e esta ltima , em princpio, uma quantidade mensurvel.

    Na verdade, algum tempo antes de Riemann, Gauss j havia descoberto cer-tas partes da geometria Riemanniana, mas ele nunca ousou publicar seus re-sultados por que sentia que tal geometria do espao curvo era demasiadamente contra o senso comum e provavelmente seria olhada como uma heterodoxia. Entretanto, Gauss era, no fim de tudo, um cientista que sabia que ser contra o senso comum no podia ser uma razo suficiente para rejeitar uma teoria. Afirmao ou negao em cincia somente podem ser realizadas por meio do mtodo positivista. Da, como a histria conta, Gauss foi at as montanhas Harz medir se o espao era curvo ou no. Ele selecionou trs picos, Inselberg, Brocken e Hoher Hagen, como os vrtices de um tringulo e mediu para ver se os trs ngulos internos somados somavam 180o. Se isso ocorresse, ento a geometria do espao seria Euclidiana e no curva. Se isso no ocorresse, ento o espao seria curvo. Essa histria quase certamente fictcia, contudo altamente filo-sfica: ela nos diz que para clarear a questo finito-infinito devemos recorrer a experincias.

    a expansO dO universO e a questO finitO-infinitO

    Mesmo se a experincia de Gauss tivesse sido realizada, ela no teria tido sucesso porque exigiria medies de alta preciso, que so difceis de obter, mesmo com a tecnologia de hoje. somente confiando em medies em uma escala csmica que uma abordagem experimental questo finito-infinito possvel.

    A expanso do Universo o primeiro fenmeno observado sobre a escala csmica. O que ele nos revela sobre a questo finito-infinito?

    primeira vista, poderia parecer que se o universo est em expanso, ento o espao csmico deveria ser finito. A expanso de um sistema significa que o tamanho dele est aumentando e um sistema com um tamanho deve ser finito. Da, para muitas pessoas, to logo ouvem falar de expanso do Universo, pensam que o Universo finito como se os dois fossem sinnimos. Mas isso um erro.

    Sistemas finitos podem se expandir, sistema infinitos tambm podem se expandir.

  • Cosmologia - Da origem ao fi m do universo 295

    No instante t1 as galxias esto distribudas em intervalos iguais, mostrando que a matria csmica homognea. Se esse Universo est se expandindo de modo que no instante t2 a galxia original 1 est agora na posio da galxia original 2, a galxia 2 est agora na posio da galxia original 4, e assim por diante, ento uma expanso uniforme. Antes da expanso h um espao infi nito contendo um nmero infi nito de galxias, depois da expanso ele tambm o mesmo.

    Isso pode ser chamado expanso de infi nitude para infi nitude.O matemtico Cantor desenvolveu uma teoria que trata de infi nitos, que

    pode ser usada para comparar vrios tipos de inifi nitos. De acordo com sua teoria, as duas sequncias seguintes representam o mesmo infi nito:

    n = 1,2,3,4,5,...m= 2,4,6,8,10,...

    Seu raciocnio o seguinte: h uma relao biunvoca entre os elementos dessas duas sequncias infi nitas, ou seja, m = 2n. Ou os elementos de m e n podem ser colocados um contra um, de modo que nenhuma sequncia mais numerosa do que a outra e as duas sequncias so a mesma. Esse argumento de Cantor pode ser aplicado palavra por palavra para elucidar a propriedade da expanso universal: o Universo est sempre expandindo, enquanto o espao infi nito sempre mantm o mesmo carter fi nito.

    Em resumo, meramente a partir da idia grosseira de expanso univer-sal, no podemos deduzir qualquer coisa nova no que diz respeito questo fi nito-infi nito.

    mOdelOs de universOs

    A partir da apresentao das complicadas equaes propostas por Albert Einstein e David Hilbert para a teoria relativstica da gravitao, os cientis-tas passaram a investigar se era possvel encontrar solues deste conjunto de equaes, puramente matemticas, que pudessem ser interpretadas como representantes de situaes fsicas reais. Como j vimos, algumas solues foram encontradas quase que imediatamente. Uma delas, a soluo proposta pelo fsico alemo Karl Schwarzschild, nos trouxe, junto a resultados simples, surpresas que nos remetiam a conceitos inteiramente novos como o de bu-raco negro.

    No entanto, por ser uma teoria da gravitao universal, a teoria da relati-vidade no deveria oferecer apenas solues locais, como no caso dos buracos negros, e sim globais, solues fi sicamente vlidas que pudessem representar todo o universo ou seja, solues cosmolgicas.

    Certamente essa era uma proposta ambiciosa mas perfeitamente justifi -cvel, pois se estamos tratando com uma teoria relativstica da gravitao e a gravidade a interao de longo alcance que domina todo o universo, nada mais razovel do que esperar que essa nova teoria, independente de sua com-plexidade matemtica, nos trouxesse solues vlidas em todo o universo.

    Havia alguma novidade nesse raciocnio? No, nenhuma! A teoria da gra-vitao clssica no relativstica, proposta muitos anos antes pelo fsico ingls Isaac Newton, tambm se ocupava em tentar explicar todos os fenmenos de interao gravitacional existentes no universo.

    No entanto, ao contrrio do que muitos poderiam ser levados a pensar, as equaes relativsticas da gravitao no nos conduziram a uma nica soluo cosmolgica, a uma nica descrio do Universo, e sim a vrias descries.

    Vejamos a seguir algumas solues obtidas e analisaremos rapidamente suas realidades fsicas. Os modelos apresentados abaixo foram todos obti-

    45 modelos de universos

  • 296 Mdulo 6 Algumas formas de descrever o Universo

    dos aps clculos matemticos realizados sobre as equaes relativsticas da gravitao, onde simplificaes foram colocadas. Nenhum desses modelos uma simples opinio, um eu acho que assim de algum cientista. Todas as descries foram obtidas matematicamente e esto comprometidas com as possibilidades de resoluo das equaes que existiam na poca em que foram obtidas, muito diferente do que encontramos hoje com os poderosos compu-tadores. Naquele momento, cosmologia era feita com lpis e papel ou giz e quadro-negro somente.

    O universO de einstein

    Einstein acreditava que o universo era esttico. Para satisfazer a isso ele foi obrigado a modificar as equaes de campo da gravitao que havia proposto anteriormente. Sua modificao foi a introduo de uma constante cosmol-gica em suas equaes de campo.

    Quando esta nova constante positiva, ela age como uma fora de repul-so que se ope gravitao universal. Essa constante reduz o efeito dinmico da gravidade ou seja, sua possvel expanso, mas no a curvatura do espao.

    importante notar que um universo que esttico em um determinado instante de tempo no necessariamente esttico em momentos anteriores ou posteriores a este.

    Um outro ponto importante que para assegurar que o universo perma-nea esttico, em um estado de equilbrio, Einstein mostrou que a curvatura do universo deve ser positiva. O universo esttico de Einstein , portanto, um espao esfrico. Ele fechado e finito e contm uma misteriosa fora que compensa a atrao gravitacional.

    Existem algumas caractersticas importantes nesse modelo:

    quando medimos distncias em termos do tempo de deslocamento da luz, o raio de curvatura do espao no universo de Einstein o fator de escala R.

    a distncia em torno desse universo ou seja, o tempo de circunavega-o da luz, igual a 2R.

    o antpoda de um observador, ou melhor dizendo, o ponto do lado oposto a ele no universo, est a uma distncia R.

    um universo como esse, se o supusermos ser idealmente suave, age como uma gigantesca lente ptica: um corpo que se afasta de um ob-servador parecer a princpio ficar cada vez menor no sentido usual. Quando esse corpo estiver a meio caminho do antpoda, ele cessar de ficar menor e medida que ele se afasta parecer ficar cada vez maior. Todos os objetos colocados na regio antpoda so vistos como imagens, como se eles estivessem bem perto da regio local. Nesse universo esttico de Einstein, pessoas na regio antpoda nos veriam como se ns estivssemos prximos a eles e ns os veramos como se eles estivessem prximos a ns.

    curiosamente, tendo em vista que a luz circunavega o globo csmico, tambm seramos capazes de nos ver pelas costas!

    O astrofsico ingls Arthur Eddington mostrou, em 1930, que o universo de Einstein instvel. Isso quer dizer que se existissem habitantes nele, eles deveriam fazer tudo de modo a no criar qualquer perturbao. Uma pertur-bao feita em um sentido poderia fazer a gravidade dominar e o universo colapsar para um futuro novo Big Bang em um intervalo de tempo igual

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 297

    ao tempo de circunavegao. Se a perturbao fosse em outro sentido a fora repulsiva comearia a dominar, o universo inflaria e se transformaria em um universo oscilante. Veja que um universo esttico no permitiria a criao de matria pois isso um efeito perturbativo!

    Alm dessas, existem algumas outras surpreendentes caractersticas, mui-to importantes, que podem ser percebidas no universo de Einstein. Estamos tratando com um continuum 4-dimensional de espao-tempo e vemos que embora a distncia em torno de um espao esfrico de raio R seja dada pela usual expresso 2R, o volume desse espao esfrico dado por 22R3 e no pela familiar equao de um volume esfrico que 4R3/3.

    O universO de de sitter

    O universo de de Sitter, proposto em 1917, no mesmo ano que o universo esttico de Einstein, era to simples que foi inicialmente considerado como uma diminuio no status da teoria cosmolgica de Einstein.

    O universo de de Sitter consiste de um espao plano e ligeiramente ab-surdo no sentido de que ele no contm matria. Mas as galxias nos mostram que matria existe em todo o universo. Ento, qual a utilidade de um modelo desse tipo? Simplesmente a maior facilidade de voc estudar como se compor-taria o universo em situaes extremas.

    Um universo vazio, de espao euclidiano, ou seja, espao plano, no deve-ria exibir propriedades no usuais e, no entanto, o universo de de Sitter o faz quando a intrigante fora no zero.

    O universo de de Sitter est em um estado estacionrio e nada muda em qualquer momento. Os termos de Hubble e o parmetro de desacelerao so constantes e no h matria contida nele que seja diluda pela expanso.

    O universo de de Sitter tem um passado infinito e um futuro infinito e ele acelera a uma taxa constante de q = -1, como mostra a figura.

    O universo de Einstein, que contm matria mas no tem movimento, e o universo de de Sitter, que tem movimento mas no tem matria, foram os primeiros modelos cosmolgicos propostos. A imagem ao lado compara o universo de Einstein com o proposto por de Sitter.

    O universO de friedman

    Alexander Friedmann nasceu na Rssia em 1888. Embora sua famlia te-nha sido de msicos, Friedmann logo se interessou por vrias cincias e mais tarde tornou-se professor de matemtica na Universidade de Leningrado.

    Friedmann foi o primeiro a perceber que havia um erro no artigo sobre cosmologia publicado por Einstein em 1917. Foi esse erro que levou Einstein concluso de que o universo comportava-se necessariamente de modo esttico quando a fora era introduzida nas equaes relativsticas da gravitao.

    Friedmann escreveu uma carta para Einstein mostrando suas concluses mais gerais, porm no obteve qualquer resposta. Somente aps a interferncia de um amigo que estava visitando Berlin que Friedmann obteve de Einstein o que ele chamou de uma carta irritada. Nessa carta Einstein concordava com as concluses de Friedmann.

    Isso fez com que Friedmann publicasse em 1922, na conceituada revista cientfica alem Zeitschrift fr Physik, um importante artigo chamado Sobre a Curvatura do Espao. Em 1924 ele publicou, nesta mesma revista, um se-gundo artigo chamado Sobre a Possibilidade de um Universo com Curvatura Negativa Constante. Esses dois artigos foram muito importantes para o de-senvolvimento da cosmologia.

  • 298 Mdulo 6 Algumas formas de descrever o Universo

    Curiosamente, os artigos de Friedmann surgiram no momento certo, no momento em que foram descobertos os deslocamentos para o vermelho (redshift) das linhas espectrais dos objetos extragalcticos. Mesmo assim, embora esses artigos tenham sido publicados em uma das mais importantes revistas cientficas da poca, eles foram praticamente ignorados pela comu-nidade cientfica, a razo disso sendo um completo mistrio para os historia-dores da cincia. Inacreditavelmente, os artigos de Friedmann no tiveram qualquer impacto sobre a cosmologia na poca de sua publicao.

    Somente em 1927 que o abade francs George Lematre redescobriu as equaes originalmente formuladas por Friedmann e a cosmologia entrou em uma nova era.

    Hoje, em homenagem ao trabalho pioneiro de Friedmann chamamos os universos de constante cosmolgica zero e que se expandem uniformemente como sendo universos de Friedmann.

    Vamos descrever os universos de Friedmann. Todos os universos de Friedmann comeam com Big Bangs. A partir do valor do parmetro de desacelerao q = 1/2 podemos dividir

    os modelos possveis de universos em:

    Na cosmologia que surge a partir das equaes relativsticas da gravitao a curvatura do espao definida pela expresso

    K = k/R2

    Nessa equao k a conhecida constante de curvatura e R o fator de escala do universo.

    A constante de curvatura k tem sempre um dos trs possveis valores ou seja, k = 0 ou k = + 1 ou k = - 1.

    O significado desses trs valores diferentes mostrado na tabela abaixo.

    Vejamos alguns detalhes desses modelos de Friedman. k = 0

    Neste tipo de universo o espao-tempo que se expande plano, in-finito e no limitado. Esse universo se expande continuamente e do tipo grande exploso - oscilante.

    Como podemos facilmente notar, esse modelo de universo dura um perodo infinito de tempo no futuro.

    O modelo de universo que estamos descrevendo o mais simples de todos os universos conhecidos mas no foi considerado nem por

    parmetro de desacelerao geometria constante de curvaturaq > 1/2 esfrico k = + 1 (fechado)

    q = 1/2 plano k = 0 (aberto)

    q < 1/2 hiperblico k = - 1 (aberto)

    constante de curvatura k

    rbitas no espao newtoniano

    espao relativstico em expanso

    + 1 elpticas esfrico

    0 parablicas plano

    -1 hiperblicas hiperblico

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 299

    Friedmann nem por Lematre, sendo primeiro proposto por Einstein e de Sitter em 1932. Mesmo assim ele conhecido ou como universo de Friedmann de curvatura zero ou universo de Einstein - de Sitter.

    Pensando em uma descrio Newtoniana do universo, esse modelo de Friedmann corresponderia a uma bola que se expande continua-mente. Nesse universo, as partculas em queda livre seguem rbitas parablicas e tm velocidades iguais s suas velocidades de escape.

    k = + 1

    Nesse tipo de universo o espao-tempo que se expande esfrico, finito e no limitado.

    Esse universo se expande at um tamanho mximo e ento colapsa. Ele , portanto, do tipo grande exploso - grande exploso (Big Bang - Big Bang). Portanto esse universo existe somente por um perodo finito de tempo.

    Esse modelo de universo foi descoberto por Alexander Friedmann em 1922 e posteriormente redescoberto pelo abade francs Georges Lematre em 1927.

    Pensando em uma descrio Newtoniana do universo, esse modelo de Friedmann corresponderia a uma bola que se expande e em seguida colapsa. Nesse universo, as partculas em queda livre seguem rbitas elpticas e tm velocidades menores do que suas velocidades de escape.

    k = - 1

    Nesse modelo de universo de Friedmann o universo em expanso hiperblico, infinito e no limitado. Ele se expande continuamente e dura por um perodo infinito de tempo no futuro.

    Esse modelo de universo foi descoberto por Friedmann em 1924 e foi investigado em 1932 pelo cosmlogo alemo Otto Heckmann.

    Pensando em uma descrio Newtoniana do universo, esse modelo de Friedmann corresponderia a uma bola que se expande continua-mente. Nesse universo as partculas em queda livre seguem rbitas hi-perblicas e tm velocidades maiores do que suas velocidades de escape.

    As solues de Friedman tambm nos permitem concluir algo sobre a pos-svel idade do universo. Temos que:

    parmetro de desacelerao idadeq > 1/2 menor do que 2/3 do perodo de Hubble

    q = 1/2 igual a 2/3 do perodo de Hubble

    q < 1/2 maior do que 2/3 do perodo de Hubble

    Note que, para as solues obtidas por Friedmann consideradas com o mesmo H mas q diferente, quanto mais alto o valor de q mais curta a idade do universo.

    As solues de Friedmann tambm nos dizem algo sobre a densidade do universo. Vemos que:

  • 300 Mdulo 6 Algumas formas de descrever o Universo

    O universO de lematre

    George Lematre nasceu em 1894 e foi ordenado padre em 1922. Em 1927, no mesmo ano em que obteve seu Ph.D pelo Massachusetts Institute of Tech-nology nos Estados Unidos, Lematre publicou seu principal trabalho sobre a expanso do universo.

    Como j dissemos, Lematre redescobriu as equaes cosmolgicas que haviam sido desenvolvidas anteriormente por Friedmann.

    No meio da discusso sobre o significado e o mrito dos universos de Eins-tein e de de Sitter, o trabalho de Lematre no foi notado at que o fsico ingls Arthur Eddington chamou a ateno para ele, trs anos mais tarde, e fez com que ele fosse traduzido para o ingls.

    Lematre foi o primeiro a advogar a existncia de um estado inicial de alta densidade, que ele chamou de tomo primitivo. Por esse motivo, ele con-siderado por muitos como o pai do Big Bang.

    Lematre destacou entre as vrias possveis solues das equaes de Fried-mann aquela que descrevia um universo fechado com uma fora repulsiva . Neste caso a constante cosmolgica positiva.

    O universo estudado por Lematre tem os mesmos ingredientes bsicos que o universo de Einstein com a importante diferena de que tem um valor ligeiramente maior do que aquele escolhido anteriormente por Einstein. Por conseguinte, o universo de Lematre no pode ser esttico.

    O universo de Lematre comea com um Big Bang e tem dois estgios de expanso. No primeiro estgio a expanso desacelera porque a gravidade mais forte do que a repulso da fora . Ele ento se aproxima lentamente do raio do universo de Einstein. Aproximadamente nessa fase a repulso se torna maior do que a gravidade e tem incio o segundo estgio de expanso. O universo agora se expande a partir do raio de Einstein, a princpio lentamente e ento a uma taxa crescente.

    O universo de Lematre, por conseguinte, comea como um Big Bang, se desenvolve eventualmente em um estgio oscilante e, ao longo desse caminho, hesita quando passa pelo tamanho do universo de Einstein. Ele combina suave-mente as propriedades dos universos de Einstein e de Sitter: ele fechado como o universo de Einstein, ele tem repulso csmica como ambos os universos e , sob o estmulo dessa repulso, ele mais tarde infla como o universo de de Sitter.

    O universO de eddingtOn

    George Lematre foi atrado pelo Big Bang possivelmente por motivos religiosos. O fsico ingls Arthur Eddington no gostava da ideia e a achava esteticamente desagradvel.

    Em vez de adotar um comeo abrupto para o universo, em 1930 Eddington passou a defender um novo modelo de universo no qual permitia-se que a evoluo comeasse em um instante de tempo infinito, o que necessrio se o universo deve ter um comeo natural.

    O universo de Eddington existe inicialmente, durante um perodo infinito de tempo, de modo semelhante a um universo esttico de Einstein. Ento,

    parmetro de desacelerao densidadeq > 1/2 maior que a densidade crtica

    q = 1/2 igual densidade crtica

    q < 1/2 menor que a densidade crtica

    NOTA: A densidade crtica um parmetro que

    considera a possibilidade do Universo colapsar devido a sua prpria gravidade.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 301

    como resultado de uma perturbao acidental, ele deixa de ser esttico e co-mea a se expandir. Veja que esse universo existe inicialmente em um estado esttico de Einstein e mais tarde muda seu comportamento para o estado de um universo de de Sitter no qual a repulso domina a gravidade. Desse modo, o universo de Eddington junta os dois modelos de universo que previamente tinham sido discutidos por esses dois grandes cosmlogos que o antecederam.

    curioso notar que Eddington, o cientista que descobriu que o modelo de universo esttico proposto por Einstein era instvel, tenha escolhido uma soluo de universo que existe, inicialmente, por um perodo indefinidamente longo no estado esttico instvel, exatamente como aquele descrito por Eins-tein. J vimos que isso nos diz que nenhuma formao de galxia poderia ter ocorrido e nenhuma vida existido nesse universo esttico, precariamente equilibrado por tanto tempo, que acordou somente h 15 bilhes de anos.

    Eddington foi forado a postular um passado infinito para exorcizar o espectro de um comeo catastrfico. Ele foi o primeiro, mas no o ltimo, dos cosmlogos modernos a ficar terrificado pelo pesadelo de nascimento e morte csmicos.

    O universo de Eddington existe em um estado de inatividade. Ele comea a se manifestar, envelhece graciosamente e termina em uma oscilao. Entre-tanto, no se pode escapar da implacvel lei da cosmognesis: criao no pode ser considerada apenas como um evento que ocorreu no passado infinito pois o universo contm tempo e o tempo, seja finito ou infinito, criado com o universo, embora hoje j sejam levantadas dvidas sobre essa ltima afirmao.

    mas, afinal, O que essa grande explOsO chamada Big Bang?

    O Big Bang frequentemente citado como uma grande exploso. Esse termo pode nos levar a grandes erros de interpretao.

    Uma exploso algo que ocorre em um ponto no espao enquanto que o Big Bang teria sido um fenmeno englobando todo o espao-tempo existente.

    Em uma exploso ordinria o gs lanado para fora de uma determinada regio bem localizada no espao por um gradiente de presso, ou seja, uma grande diferena de presso entre o centro da exploso e a borda do gs em ex-panso. No universo no existem tais gradientes de presso porque a presso a mesma em todos os lugares. No existe centro e no existe borda.

    O termo bang, que seria melhor traduzido como barulho, sugere que ondas sonoras so emitidas e que um rudo ouvido. No entanto, as equaes que definem a possvel ocorrncia desse processo no universo mostram que nenhuma onda sonora produzida.

    muito comum encontrarmos, at mesmo em livros de cosmologia, ter-mos tais como a hiptese do Big Bang e a teoria do Big Bang. Se essas expresses possuem algum significado elas devem ser apenas alguma maneira disfarada de se referir ao estado singular encontrado em vrios modelos de universo previstos pela teoria relativstica da gravitao.

    Isso nos leva a afirmar que a expresso Big Bang, ou em portugus grande exploso, embora seja algo fcil de imaginar, nos induz a uma ideia absolutamente errada sobre o que pode ter acontecido e deve ser evitada. uma pena que o termo Big Bang, introduzido casualmente e ironicamente pelo cientista ingls Fred Hoyle em uma de suas crticas aos modelos de uni-verso em expanso feita em um programa radiofnico da companhia inglesa BBC, tenha adquirido a divulgao que ele tem hoje, nos levando a entender de modo absolutamente errneo o que pode ter acontecido nesse momento no universo.

  • 302 Mdulo 6 Algumas formas de descrever o Universo

    um catlOgO de mOdelOs de universO

    Classificao cinemtica Existem vrias maneiras pelas quais podemos classificar os modelos de

    universo obtidos a partir das equaes relativsticas da gravitao. Uma dessas maneiras considerando de que modo o fator de escala R varia com o tempo nesses diferentes casos. As figuras abaixo mostram esse tipo de classificao.

    Sabemos que o universo est se expandindo no momento. Ento, podemos dizer que existem nove modelos possveis aceitveis. So eles:

    Os outros cinco possveis modelos so abandonados pelo fato de que eles no prevm perodos de expanso. So eles:

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 303

    Classificao dinmica

    Uma outra maneira de classificar os possveis modelos cosmolgicos est fundamentada nas equaes de Friedmann. Eles se baseiam nos trs valores possveis da constante de curvatura k, levando em considerao que para cada valor de k a constante cosmolgica pode ter dois valores especficos signifi-cantes, podendo ser igual a zero ou igual ao valor proposto por Einstein, E. Alm disso, a constante cosmolgica pode ter trs intervalos significantes de valores podendo ser menor que zero, maior do que zero, porm menor do que o valor de Einstein E, e maior do que o valor de Einstein E. Temos ento 15 possveis classes de modelos cosmolgicos.

    Tirando o caso bvio quando = 0, nos casos quando igual ao valor de Einstein E, ou est no intervalo em que maior do que zero e menor do que o valor de Einstein E, ou ento maior do que o valor de Einstein E, a fora repulsiva e se ope gravidade. No caso em que menor do que zero, a fora atrativa e aumenta a gravidade.

    No entanto, quando igual ao valor de Einstein E, ou maior do que zero e menor do que o valor de Einstein E, ou ento maior do que o valor de Einstein E, nos casos em que k = 0 ou k = -1 eles so dinamicamente equivalentes.

  • 304 Mdulo 6 Algumas formas de descrever o Universo

    Ficamos ento com apenas 11 classes distintas:

    Note que nem todas as descries cinemticas so possveis de acordo com o esquema de classificao dinmica mostrada acima.