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    Cotas: prs e contras

    No Supremo Tribunal Federal, Luiz Felipe de Alencastro defendeu o uso de

    critrios raciais para o ingresso nas Uniersidades! "e#a o parecer na $ntegra!

    Luiz Felipe de Alencastro

    %arecer sobre a Argui&'o de (escumprimento de %receito Fundamental,

    A(%F)*+, apresentada ao Supremo Tribunal Federal

    Luiz Felipe de Alencastro

    Cientista Poltico e Historiador

    Professor titular da ctedra de Histria do Brasil da Universidade de Paris IV

    Soronne

    No presente ano de 2010, os brasileiros afro-descendentes, os cidados que se auto-definem como pretos e pardos no recenseamento nacional, passam a formar a maioria da

    populao do pas A partir de a!ora -, na conceituao consolidada em d"cadas depesquisas e de an#lises metodol$!icas do %&'( -, mais da metade dos brasileiros sone!ros

    (sta mudana )ai muito al"m da demo!rafia (la traz ensinamentos sobre o nossopassado, sobre quem somos e de onde )iemos, e traz tamb"m desafios para o nossofuturo

    *in+a fala tentar# untar os dois aspectos do problema, partindo de um resumo+ist$rico para c+e!ar atualidade e ao ul!amento que nos ocupa .s ensinamentossobre nosso passado, referem-se densa presena da populao ne!ra na formao do

    po)o brasileiro /odos n$s sabemos que esta presena ori!inou-se e desen)ol)eu-se na)iolncia ontudo, a etenso e o impacto do escra)ismo no tem sido suficientementesublin+ada A petio inicial de A34F apresentada pelo 3(* a esta orte fala!en"ricamente sobre 5o racismo e a opo pela escra)ido ne!ra 6 7pp 89-:0;, semconsiderar a especificidade do escra)ismo em nosso pas

    Na realidade, nen+um pas americano praticou a escra)ido em to lar!a escala como o&rasil 3o total de cerca de 11 mil+>0-1?>@; . outro !rande pas escra)ista do continente, os (stadosnidos, praticou o tr#fico ne!reiro por pouco mais de um s"culo 7entre 1@9> e 1?0?; erecebeu uma proporo muito menor -, perto de >@0000 africanos -, ou sea, >,>= dototal do tr#fico transatlantico1 No final das contas, o &rasil se apresenta como oa!re!ado poltico americano que captou o maior nBmero de africanos e que mante)edurante mais tempo a escra)ido

    3urante estes trs s"culos, )ieram para este lado do AtlCntico mil+

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    para sempre de suas famlias, de sua aldeia, de seu continente, eles foram deportadospor ne!reiros luso-brasileiros e, em se!uida, por traficantes !enuinamente brasileirosque os troueram acorrentados em na)ios ar)orando o auri)erde pendo de nossa terra,como narram estrofes menos lembradas do poema de astro Al)es

    No s"culo D%D, o %mp"rio do &rasil aparece ainda como a Bnica nao independenteque pratica)a o tr#fico ne!reiro em lar!a escala Al)o da presso diplom#tica e na)albritCnica, o com"rcio oceCnico de africanos passou a ser proscrito por uma rede detratados internacionais que a %n!laterra teceu no AtlCntico 2

    . tratado an!lo-portu!us de 1?1? )eta)a o tr#fico no norte do equador Na sequnciado tratado an!lo-brasileiro de 1?2@, a lei de 9 de no)embro de 1?81, proibiu a totalidadedo com"rcio atlCntico de africanos no &rasil

    (ntretanto, >0000 africanos oriundos do norte do (quador so ile!almentedesembarcados entre 1?1? e 1?81, e 910000 indi)duos, )indos de todas as partes da

    Efrica, so trazidos entre 1?81 e 1?>@, num circuito de tr#fico clandestino .ra, damesma forma que o tratado de 1?1?, a lei de 1?81 asse!ura)a plena liberdade aosafricanos introduzidos no pas ap$s a proibio (m conseqncia, os ale!ados

    propriet#rios desses indi)duos li)res eram considerados sequestradores, incorrendo nassan0, a lei (us"bio de Kueir$sque acabou definiti)amente com o tr#fico ne!reiro

    4or"m, na d"cada de 1?>0, o !o)erno imperial anistiou, na pr#tica, os sen+ores culpadosdo crime de seqestro, mas deiou li)re curso ao crime correlato, a escra)izao de

    pessoas li)res8 3e !olpe, os 9@0000 africanos desembarcados at" 1?>@ -, e a totalidadede seus descendentes -, continuaram sendo mantidos ile!almente na escra)ido at"1???: 4ara que no estourassem rebeli:, o ministro da Mustia, Nabuco de AraBo, pai de Moaquim

    Nabuco. tema subaz aos debates da "poca . pr$prio Moaquim Nabuco -, que est# sendo+omena!eado neste ano do centen#rio de sua morte -, escre)ia com todas as letras em5. Abolicionismo 71??8; 53urante cinqenta anos a !rande maioria da propriedadeescra)a foi possuda ile!almente Nada seria mais difcil aos sen+ores, tomadoscoleti)amente, do que ustificar perante um tribunal escrupuloso a le!alidade daquela

    propriedade, tomada tamb"m em massa>

    /al 5tribunal escrupuloso amais instaurou-se nas cortes udici#rias, nem tampouco na+istorio!rafia do pas /irante as a

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    Oesta que este crime coleti)o !uarda um si!nificado dram#tico ao arrepio da lei, amaioria dos africanos cati)ados no &rasil a partir de 1?1? -, e todos os seusdescendentes -, foram mantidos na escra)ido at" 1??? .u sea, boa parte das duasBltimas !era0 om o aoite, com a tortura, podia-se punir semencarcerar esta)a resol)ido o dilema

    Lon!e de restrin!ir-se ao campo, a escra)ido tamb"m se arrai!a)a nas cidades (m1?>0, o Oio de Maneiro conta)a 110000 escra)os entre seus 2@@000 +abitantes,

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    reunindo a maior concentrao urbana de escra)os da "poca moderna Neste quadrosocial, a questo da se!urana pBblica e da criminalidade assumia um )i"s especfico93e maneira mais eficaz que a priso, o terror, a amea do aoite em pBblico, ser)ia paraintimidar os escra)os

    .ficializada at" o final do %mp"rio, esta pr#tica puniti)a estendeu-se s camadasdesfa)orecidas, aos ne!ros em particular e aos pobres em !eral Munto com apri)atizao da ustia efetuada no campo pelos fazendeiros, tais procedimentostra)aram o ad)ento de uma poltica de se!urana pBblica fundada nos princpios daliberdade indi)idual e dos direitos +umanos

    (nfim, uma terceira deformidade !erada pelo escra)ismo afeta diretamente o estatuto dacidadania

    T sabido que nas elei

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    Kual o paralelo entre o &rasil e Ouanda, que alcanou a independncia apenas em 1G@2e )iu-se en)ol)ido, desde 1GG0, numa confla!rao !eneralizada que os especialistasdenominam a H primeira !uerra mundial africana 6, implicando tamb"m o &urundi,!anda, An!ola, o on!o Uinsas+a e o Vimbabu, e que culminou, em 1GG:, com o!enocdio de quase 1 mil+o de tutsis e mil+ares de +utus ruandenses R

    Na comparao com os (stados nidos, a ale!ao " inepta por duas raz0, as estatsticas sobre cor eram limitadas, no enso de 1G@0,elas ficaram inutilizadas e no enso de 1G90 elas eram ineistentes (ste lon!o perodode eclipse estatstica facilitou a difuso da ideolo!ia da 5democracia racial brasileira,que apre!oa)a de ineistncia de discriminao racial no pas /oda)ia, as 4NA3s de1G9@, 1G?:, 1G?9, 1GG>, 1GGG e os ensos de 1G?0, 1GG1 e 2000, incluram o crit"riocor onstatou-se, ento, que no decurso de trs d"cadas, a desi!ualdade racial

    permanecia no quadro de uma sociedade mais urbanizada, mais educada e com muitomaior renda do que em 1G:0 e 1G>0 .u sea, fica)a pro)ado que a desi!ualdade racialtin+a um car#cter estrutural que no se reduzia com pro!resso econImico e social do

    pas 3a o adensamento das rein)idica

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    so, a meu )er, duas quest:->G;, alin+a al!umas cifras e cita como Bnica fonte analtica, o li)ro do ornalistaAli Uamel, o qual, como " sabido, no " )ersado no estudo das estatsticas do %&'(, do%4(A, da .N e das incont#)eis pesquisas e teses brasileiras e estran!eiras quedemonstram, maciamente, a eistncia de discriminao racial no &rasil

    3a decorre a se!unda per!unta que pode ser formulada em dois tempos . sistema de

    promoo social posto em pr#tica desde o final da escra)ido poder# eliminar asdesi!ualdades que cercam os afrobrasileirosR A epanso do sistema de bolsas e decotas pelo crit"rio social pro)ocar# uma reduo destas desi!ualdades R

    .s dados das 4NA3 or!anizados pelo %4(A mostram, ao contr#rio, que as disparidadesse mant"m ao lon!o da Bltima d"cada *ais ainda, a entrada no ensino superioreacerba a desi!ualdade racial no &rasil

    3essa forma, no ensino fundamental 7de 9 a 1: anos;, a diferena entre brancos e ne!roscomeou a diminuir a partir de 1GGG e em 200? a taa de frequncia entre os dois!rupos " praticamente a mesma, em torno de G>= e G:= respecti)amente No ensinom"dio 7de 1> a 19 anos; +# uma diferena quase constante desde entre 1GG2 e 200?

    Neste Bltimo ano, foram re!istrados @1,0= de alunos brancos e :2,0= de alunos ne!rosdesta mesma faia et#ria 4or"m, no ensino superior a diferena entre os dois !rupos seescancara (m 200?, nas faias et#rias de brancos maiores de 1? anos de idade, +a)ia20,>= de estudantes uni)ersit#rios e nas faias et#rias de ne!ros maiores de 1? anos, s$9,9= de estudantes uni)ersit#rios10 4atenteia-se que o acesso ao ensino superiorconstitui um !ar!alo incontorn#)el para a ascenso social dos ne!ros brasileiros

    4or todas estas raz

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    so ambos fa)or#)eis s polticas afirmati)as e s polticas de cotas raciais

    A eistncia de alianas trans)ersais de)e nos conduzir -, mesmo num ano de elei