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Cotesia flavipes parasitando lagarta da broca-da-cana, já adulta, no detalhe 68 • MAIO DE 2003 PESQUISA FAPESP 87

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Cotesia flavipes parasitandolagarta da broca-da-cana,já adulta, no detalhe

68 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

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I TECNOLOGIA

AGRONOMIA

Inimigos valiososEmpresa de Piracicabaproduz e exporta insetos paracombater pragas agrícolas

DINORAH ERENO

Instaladaem um bairro residen-cial da cidade de Piracicaba, aempresa BugAgentes Biológicos,criada há apenas dois anos, viveuma rotina de intensa produção

para atender ao crescente aumento dademanda por insetos que são inimigosnaturais de pragas agrícolas. Traba-lhando em pequenos grupos em salasclimatizadas, 30 funcionários, mulhe-res em sua maioria, cuidam da dieta deinsetos, escolhem os mais vigorosos epreparam, em várias etapas manuais,inimigos naturais de ovos e lagartasusados para controlar pragas que ata-cam a cana-de-açúcar, o tomate, o mi-lho e outras culturas. No final do pro-cesso, boa parte da produção é enviadapara Suíça, França, Dinamarca e Es-tados Unidos.

"Há laboratórios similares em váriaspartes do mundo, que usam os ovospara criar, produzir e multiplicar a ves-pinha Trichogramma, responsável porcombater diversas espécies de maripo-sas", relata José Roberto Postali Parra,diretor da Escola Superior de Agricul-tura Luiz de Queiroz (Esalq), da Uni-versidade de São Paulo. Consultor doprojeto de criação e comercialização deinsetos para o controle de pragas agrí-colas da Bug, financiado pela FAPESPdentro do Programa de Inovação Tec-nológica em Pequenas Empresas (PIPE),Parra é professor do Departamento deEntomologia, Fitopatologia e ZoologiaAgrícola.

Atualmente, cerca de 300/0 da pro-dução mensal de 10 quilos de ovos da

traça Anagasta kuehniella, usados pelavespa Trichogramma para sua reprodu-ção, é enviada para o exterior. Esse vo-lume é suficiente para a formação de360 milhões de predadores de insetosdanosos à agricultura.

Ganho econômico - O interesse dessesclientes pelos produtos da Bug, quetem como sócios os engenheiros agrô-nomos Danilo Scacalossi Pedrazzoli eDiogo Rodrigues Carvalho, alunos demestrado na Esalq, pode ser medidotambém pelo crescente número deconsultas ao site da empresa. "Os aces-sos feitos a partir de países como Esta-dos Unidos, França, Dinamarca, 'Suíça,Itália, Holanda, Espanha e Portugal,por laboratórios que já são clientes ouprocuram pelos nossos produtos, re-presentam hoje 700/0 das visitas", se-gundo os cálculos de Danilo. Na ava-liação de Parra, o controle biológico éhoje uma forma aceita para barrar aação de pragas, em resposta ao uso ina-dequado de inseticidas, danosos para asaúde humana, animal e ao ambiente.

O fator econômico também é levadoem conta na adoção desse sistema. Nocaso da broca-da-cana (Diatraea sac-charalis), por exemplo, praga que causaprejuízos à cultura da cana-de-açúcar eao processo de produção industrial, ocontrole biológico, que inclui parasitas,frete e aplicação, custa cerca de R$ 15,00por hectare, enquanto o tratamentoquímico fica, em média, em R$ 45,00.Essa praga provoca, no campo, perdade peso da planta, em razão da abertu-

ra de galerias no colmo (caule) da canae falhas na germinação, entre outrosdanos. No processo industrial, devido àpodridão vermelha, causada pela brocaem associação com fungos, ocorremmudanças químicas, como transforma-ções da sacarose, diminuição da purezado caldo e contaminação do processode fermentação alcoólica, fatores quelevam a um menor rendimento do açú-car e do álcool.

Estudos demonstraram que cada 10/0de intensidade de infestação dessa pra-ga em uma plantação corresponde a0,250/0 de perda de açúcar, valor que sealtera de acordo com a variedade daplanta utilizada. "Isso significa a perdade 212 quilos de açúcar em uma pro-priedade que produza 85 toneladasde cana': contabiliza Alexandre de SenePinto, professor do Centro Universitá-rio Moura Lacerda em Ribeirão Preto,que coordena o projeto. "Se a brocaatingir 100/0 de intensidade de infesta-ção, o que não é difícil, serão 2.125 qui-10s perdidos." Na produção do álcool,para cada 1% de intensidade de infesta-cão, ocorre uma perda de 0,20%.

Dieta especial - O controle biológicoda broca é feito com uma pequena ves-pa importada, a Cotesia flavipes, queparasita a praga no estágio de lagarta.Tanto o inseto praga como o parasitói-de (animal que se alimenta e, freqüen-temente, mata o parasitado) são pro-duzidos nos laboratórios da Bug. "Acriação de inimigos naturais é feita nopaís há algum tempo pelas usinas pro-

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dutoras de açúcar, mas a novidade donosso projeto é o aperfeiçoamento datécnica de criação, com tecnologia ino-vadora", diz Parra.

Emsua forma adulta, a brocaé uma mariposa de hábitosnoturnos, de cor amarelo

. palha. As fêmeas colocamos ovos nas folhas. As lagar-

tas, depois de algum tempo, penetramna cana, onde se abrigam e se alimen-tam. A produção dessa lagarta na Bugcomeça com uma dieta especial, comproteínas, vitaminas, sais minerais, car-boidratos e lipídios, depositada em ummeio gelatinoso (agar). A dieta é colo-cada em tubos ou frascos, desenvolvi-dos pelos pesquisadores da empresa,para servir de alimento às lagartas. Osmelhores exemplares dessa forma lar-val são separados e oferecidos para oseu inimigo natural, a pequena Cotesia,que mede cerca de 2 milímetros. Depoisdessa fase, as lagartas, cheias de ovos davespa, são levadas para uma sala comtemperatura controlada. "O mecanis-mo evolutivo preparou o parasitóidepara não matar a lagarta rapidamente.Isso só ocorre quando a vespinha com-pletar o seu ciclo de desenvolvimento",explica Parra.

Os casulosde Cotesia,parecidos comuma massa branca, são então separadospara ser vendidos. A produção mensal

III'

O manejo integrado de pragas éum conceito que surgiu nos EstadosUnidos e na Europa nos anos 60, emsubstituição à tendência em vigor naépoca de aplicar inseticidas paracontrolar pragas, mesmo que elasnão estivessem presentes em grandesquantidades na cultura. "O controlebiológico leva em consideração nãosó o aspecto econômico, mas tambémo ecológico e social, que são impor-tantes", diz José Roberto Postali Par-ra, professor da Esalq/USP.O manejointegrado é um conjunto de medidasque tem como objetivo manter a pra-ga abaixo do nível de dano econômi-co. O uso de compostos químicos épermitido, desde que sejam poucoagressivosao meio ambiente, relacio-

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da Bug, de 40 milhões deinimigos naturais dabroca, é suficiente para ocontrole biológico de 6,6mil hectares de cana-de-açúcar. Considerando-seque no Brasil são planta-dos cerca de 5 milhõesde hectares de cana, opotencial de utilizaçãodesse inimigo natural émuito grande.

"Nas áreas em que aCotesia não se adaptaao clima, principalmen-te Mato Grosso e Goiás,recomendamos o Tricho-gramma, um parasitóidede ovos de diversas pra-gas agrícolas, como algo-dão, cana, soja, tomate erepolho", diz o consultor.Ele tem como grandevantagem o fato de poder ser criado emovos de hospedeiros alternativos, comoa Anagasta kuehniella, uma traça en-contrada em cereais armazenados. Adieta da traça é bem simples, apenas fa-rinha de trigo integral e levedura, o querepresenta economia no processo deprodução. O alimento e os ovos da tra-ça são colocados em cima de um pape-lão. Em pouco tempo, esse papelão setransforma em um ninho no qual a tra-ça completa o desenvolvimento e colo-

nados a outras medidas de controle,como o biológico e por feromônios(substâncias produzidas pelos inse-tos para se comunicar ou servir deatrativo sexual). "O ideal seria usar sóuma opção não química, mas isso àsvezesnão é possível,porque dependeda cultura': avalia Parra.

Os primeiros insetosvendidos nosEstados Unidos para controle bioló-gico de pragas em jardins e viveirosforam as joaninhas, na década de1960.O grande avanço na área ocor-reu a partir dos anos 80, mas já em1977, um estudo feito por pesquisa-dores norte-americanos listava 95empresas nos Estados Unidos e Ca-nadá que vendiam produtos destina-dos ao controle biológico de pragas.

ca novos ovos, onde a Trichogrammavai se reproduzir.

O ambiente do laboratório de cria-ção da traça lembra o de um armáriosem muita ventilação e com um levecheiro de mofo. Isso porque as traçassoltam escamas, obrigando as pessoasque ali trabalham a andar sempre commáscaras nas salas, onde também estãoinstalados exaustores para a filtragemdo ar. Em outra sala, concentram-se pi-lhas de bandejas com milhões de inse-

Joaninhas foram as primeirasNo Brasil, as primeiras experiênciascom esse tipo de técnica aplicada àbroca-da-cana datam da década de1950, realizadas pelo Departamentode Entomologia da Esalq. Na época,os pesquisadores começaram a liberarmoscas nativas, semelhantes às mos-casdomésticas,para combater a praga.No começo a estratégia surtiu efeito,mas após alguns anos a resposta bio-lógica ficou abaixo das expectativas.Por isso, na década de 1970, foramimportadas as primeiras linhagensda vespa Cotesia flavipes, posterior-mente substituídas por outras maisagressivas.Mas somente nos últimosanos a comercialização de inimigosnaturais tem começado a despertarinteresse nos agricultores.

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tos produtores de ovos que serãocolocados em embalagens de carto-lina parafinadas e perfuradas parapermitir a saída dos parasitóides nocampo. Essa embalagem, desenvol-vida pela equipe do projeto, pro-porciona maior segurança quantoàs possíveis mudanças de temperaturaou ocorrência de chuvas e de predado-res, especialmente formigas, de acordocom Alexandre Pinto. E pode ser pa-tenteada, segundo Parra, porque nãoexiste nada semelhante no mercadonacional para comercializar ovos comparasitóides.

Cada cápsula, que é coloca-da na própria planta o~em suportes, abriga cercade 2 mil ovos com Tricho-gramma. A data do nasci-

mento do inseto é prevista com baseem uma técnica chamada exigência tér-mica, que é a temperatura ideal para oinseto crescer. "Eu sou capaz de definirexatamente quando ele vai nascer con-trolando essa temperatura", diz Parra.Isso facilita a vida do cliente, que sabequando os adultos estarão prontos parasair das cápsulas. Os pesquisadores daBug criaram também um sistema parachecar a data da saída da Trichogrammada cápsula. Uma pequena parte dosovos encomendados, chamada de isca,fica em uma temperatura um poucomaior do que o restante. "Essa isca éum indicador da hora que o material

Cápsula com ovos de Trichogramma

deve ser colocado no campo no dia se-guinte", conta Danilo.

Qualidade controlada - Segundo osprincípios dos programas de manejointegrado, a praga pode ficar na planta-ção até o momento em que não causadanos econômicos. Quando a popula-ção da praga começa a crescer,é hora deintervir na lavoura. Aí é preciso um es-tudo para verificar a quantidade de ini-

o PROJETO

Criação Massal e Comercializaçãode Trichogramma sppe Cotes ia flavipes para o Controlede Pragas Agrícolas

MODALIDADEPrograma de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADORALEXANDRE DE SENE PINTO - BugAgentes Biológicos

INVESTIMENTOR$ 320.774,00

migos naturais que deve ser libera-da. Os cálculos são feitossempre poramostragem da área infestada. Paraa broca-da-cana, por exemplo, a li-beração de C. jlavipes é feita quan-do a intensidade de infestação esti-ver acima de 2,5%. Para cada ovo da

praga encontrado no campo, estima-se1,6 Trichogramma. Para o tomate, umacultura de ciclo curto, as cápsulas po-dem ser colocadas na plantação assimque aparecerem os primeiros ovos datraça-do-tomateiro (Tuta absoluta).

Parra ressalta que a procura pelocontrole biológico tem crescidonos últi-mos anos também no Brasil, embora aqualidade dos produtos nem sempre cor-responda à expectativa do cliente. Issoporque os insetos produzidos em con-dição artificial, controlada, nem sempresão competitivos como os da natureza.

Para garantir a qualidade desses ini-migos naturais, ele defende a necessida-de de haver ligação estreita com univer-sidades e institutos de pesquisa noprocesso de criação, armazenamento eliberação desses insetos. "Essa é a ga-rantia de credibilidade do produto." Oconsultor do projeto faz essa defesacom base em experiência de mais de 20anos na área. Esse conhecimento foifundamental para que a Bug pudesse,em tão pouco tempo, conquistar clien-tes não só no Brasil como também noexterior, em países que já possuem tra-dição em produzir insetos para comba-ter pragas agrícolas. •

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