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28 ITALIAN FOOD Nº 31 - 2018 COZINHA REGIONAL ITALIANA A PUGLIA Puglia, também conhecida como Apúlia, em português, é uma região da Itália meridional com pouco mais de quatro milhões de habitantes e 19.345 km²; sua capital é Bari. Ocupa o “calcanhar da bota”. A Puglia faz fronteira com as regiões italianas Mar Ionio Mar Adriatico de Molise, ao Norte, Campania, a Oeste, e Basilicata, a Sudoeste. Do outro lado do mar Jôni- co, para o Leste, encontra-se a Grécia e o Mar Adriático. As províncias que compõem a re- gião de Puglia são Bari, Barletta- Andria-Trani, Brindisi, Foggia, Lecce e Taranto. A Puglia é a região menos montanhosa da Itália, formada por planícies largas e colinas baixas. As únicas áreas montanhosas são o promontório do Gargano e as montanhas Dauni, as quais não ultrapassam os 1.150 metros e estão no Norte da região. As Ilhas Tremiti, no Adriá- tico, também fazem parte da Puglia. Esta é uma região mui- to quente e seca, mas é uma das maiores e mais produtivas planícies da Itália, onde uma quantidade significativa de vinho e azeite é produzido. A cidade barroca de Lecce, na região de Salento, é um des- tino favorito para os visitantes.

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C O Z I N H A R E G I O N A L I TA L I A N A

A PUGLIA

Foggia

Taranto Brindisi

Lecce

Bari

BarlettaAndriaTrani

Puglia, também conhecida como Apúlia, em português, é uma região da Itália meridional com pouco mais de quatro milhões de habitantes e 19.345 km²; sua capital é Bari. Ocupa o “calcanhar da bota”. A Puglia faz fronteira com as regiões italianas

Mar Ionio

Mar Adriatico

de Molise, ao Norte, Campania, a Oeste, e Basilicata, a Sudoeste. Do outro lado do mar Jôni-co, para o Leste, encontra-se a Grécia e o Mar Adriático. As províncias que compõem a re-gião de Puglia são Bari, Barletta- Andria-Trani, Brindisi, Foggia,

Lecce e Taranto.A Puglia é a região menos

montanhosa da Itália, formada por planícies largas e colinas baixas. As únicas áreas montanhosas são o promontório do Gargano e as montanhas Dauni, as quais não ultrapassam os 1.150 metros e estão no Norte da região.

As Ilhas Tremiti, no Adriá-

tico, também fazem parte da Puglia. Esta é uma região mui-to quente e seca, mas é uma das maiores e mais produtivas planícies da Itália, onde uma quantidade significativa de vinho e azeite é produzido.

A cidade barroca de Lecce, na região de Salento, é um des-tino favorito para os visitantes.

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Apelidada de “a Florença do Sul”, a cidade está cheia de impressionantes monumentos barrocos. Outra atração da região são as famosas casas trulli, estranhas e cônicas casas brancas que foram construídas tradicionalmente sem usar argamassa, a fim de evitar o pagamento de impostos. Hoje, são as mais amadas pelos turis-tas e muito procuradas como casas de férias. Alberobello é uma cidade composta quase inteiramente de casas trulli e é possível ver centenas delas juntas. É extraordinário e cer-tamente vale uma visita.

Na Puglia há quilômetros e quilômetros de praias in-tactas, penhascos espetacula-res e ensea das rochosas. Isso, junto com o clima magnífico, as lindas cidades e um campo encantador, fazem da Puglia um destino muito popular. A gastronomia é excelente, vale a pena visitar locais que produ-zem azeites e vinhos.

Alongada entre os mares Adriático e Iônio, a antiga Apulia, a extrema região Sul oriental italiana, é uma ponte natural para o Oriente. A região é cercada por praias consideradas as mais lindas da Itália, como Torre dell’Orso, um balneário de pequenas fa-lésias que moldam e encantam

as areias de seu litoral. Outro destaque da região é a cidade de Otranto, a maior dessa parte do litoral, que possui sítios históricos que nos remetem a era da Itália medieval e ainda mantém algumas ruínas greco- romanas.

Puramente mediterrânea do ponto de vista climático e da vegetação, a região apre-senta modestos relevos e um sistema hidrográfico difícil, em alguns pontos tipicamen-te carsico; só a abertura do aqueduto Pugliese resolveu, em grande parte, a carência de água. A zona Norte de Puglia se distende na bem-servida e fértil planície de Tavoliere, à sombra de um rochoso promontório: o Gargano. A área central é caracterizada pelo amplo pla-nalto de Murge, cortado por profundas incisões torrenciais (mangues e penhascos), e se prolonga pela estreita penín-sula salentina.

A região de Puglia sub-divida-se em 11 sub-regiões: Gargano, Tavoliere di Foggia, Subappennino Dauno, Murge Alte, Premurgia, Cimosa lito-rânea ou Terra di Bari, Murgia dei Trulli, Anfiteatro Tarantino ou subregione delle Gravine, Salento delle Murge, Tavoliere Salentino ou de Lecce e o Sa-lento delle Serre.

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Introdução

Apesar do grande prestígio de que gozam as regiões mais setentrionais, o Sul da Itália é considerado o verdadeiro berço do vinho italiano. A região da Puglia é considerada a principal delas, não apenas pela enorme produção dos seus vinhedos, mas também pela excelente qualidade encontrada em seus rótulos.

A Puglia é tanto calcanhar como salto da bota que é a Itália e se estende por uma faixa de quase 400 km pela costa do Mar Adriático; no total, tem cerca de 860 km de borda costeira. Em termos de terroir, a Puglia tem

intensa presença de óxidos de ferro, resultado de milhares de anos de erosão de rochas basálticas, de origem vulcânica. O clima do terroir é o clássi-co mediterrânico, com verões muito quentes e secos, invernos moderados e grande aplitude térmica, que tem influência benéfica sobre a qualidade das uvas. Em termos de pluviosida-de, a região é muito seca, mas isso não é um problema, tendo em vista que as castas da Puglia foram muito bem escolhidas e estão completamente adaptadas às condições climáticas locais. Seu clima tipicamente medi-terrâneo, a composição calcária

AS UVAS E OS VINHOS DA PUGLIA

uma gama impressionante de recursos naturais que auxiliam no cultivo das uvas. O solo da Puglia tem papel fundamental na qualidade dos vinhos: a composição de calcário reflete a luz solar, melhorando a exposi-ção das videiras à luminosidade. Além disso, esse tipo de solo armazena o calor para o período noturno e facilita a penetração das raízes da planta na terra. Os solos são constituídos por uma camada fina de terre rosse, a terra vermelha, e possuem, geralmen-te, um substrato de calcário com afloramentos rochosos esparsos. A famosa tonalidade vermelha desses solos é derivada de uma

de seu solo, muito sol e ventos marítimos ocasionais são ideais para o crescimento dos vinhedos. Sua topografia é também muito favorável, sendo em sua maior parte plana.

Essa região mediterrânea, graças a sua posição geográfica de proximidade com o Oriente Mé-dio e o Norte da África, sofreu a influência de vários povos e cul-turas que cruzaram esse mar in-terior, tendo sido a grega a mais marcante. Essa Itália helenizada era conhecida como Magna Gré-cia e a influência da cultura grega do vinho sobre ela foi enorme. Quando os gregos estabeleceram ali suas colônias, referiam-se à

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com notas florais e um fundo herbá ceo. Em cortes, a parceria mais comum para a Trebbia-no é a Malvasia, que acres-centa perfume à Trebbiano, em vinhos como o Frascati.

península italiana como Enotria (Terra dos Vinhos). As regiões de Molise, Campânia, Basilicata, Calábria e Sicília, fazem parte dessa Itália helenizada, mas do ponto de vista vinícola é a Puglia a região mais importante, tanto pela enorme produção de seus vinhedos, quanto pelo destaque recente que seus vinhos vem merecendo.

A área coberta por vinhedos atinge 190.000 ha e seu volume de produção só se iguala à do Vêneto - e da Sicília -, chegando a produzir cerca de 17% dos vinhos desse país, que é o maior produtor de vinhos do mundo, com 48,8 milhões de litros. Os outros grandes produtores são a França (41,9 milhões de litros), a Espanha (37,8 milhões de litros), os Estados Unidos (22,5 milhões de litros) e a Austrália (12,5 milhões de litros). Interessante observar que a China, país sem nenhum passado vitivinícola, já está em sexto lugar, frente a países tradicionais, como o Chile, África do Sul, Argentina, Alemanha e Portugal!

Uma boa parte do vinho da Puglia ainda não é de grande qualidade, comercializado a granel ou engarrafado, como o Vino da Tavola, sendo também muito grande a parcela utilizada para a produção de vermutes.

O sistema de cooperativas é responsável por 60% dos vinhos da Puglia. Nos últimos anos, muitas delas passaram por difi-culdades financeiras, mas outras tantas se beneficiaram bastante com a contratação de enólogos

experientes do Novo Mundo.Atualmente, existem 25

marcas de vinho que podem exi-bir o selo DOC, Denominazione di Origine Controllata, e seis denominações IGT (Indicazione Geográfica Típica) nessa região.

Principais uvas cultivadas na Puglia

Como acontece em todo o Sul do país, a Puglia tem uma rica variedade de uvas nativas, que fazem o charme de seus vinhos nesses tempos de glo-balização. As principais uvas encontradas na Puglia são, por ordem meramente alfabético: Bombino Branco, Malvasia Nera, Montepulciano, Negro-amaro, Primitivo, Sangiovese, Trebbiano e Uva di Troia.

Na parte mais ao Norte da Puglia, próxima a San Severo, predominam as uvas Trebbiano e Sangiovese.

A Trebbiano é uma casta de uva branca, originária da Itália e cultivada na maior parte dos paí-ses. Notabiliza-se pelas suas pro-duções prodigiosas mais do que pelas suas qualidades intrínsecas. É considerada a uva mais produ-tiva do mundo, pois rende mais galões do que as demais uvas. Dentre todas as cepas plantadas na Itália, a Trebbiano é a branca mais cultivada! No Sudoeste da França essa uva é chamada de Ugni Blanc, mas tem, de fato, muitos outros nomes, como Albano, Saint Emilion, Lugana, Spoletino, White Hermitage,

Thalia, Procanico... Além da Itália e da França, encontramos a Trebbiano na Argentina, na Aus-trália, em Portugal, nos Estados Unidos, no Brasil... A Trebbiano não é uma uva que desfruta de muito prestígio, apesar de tão cultivada. Mas é possível en-contrar exemplares bem complexos de vinhos des-sa cepa. Somente na Itália está autorizada para a pro-dução de vinhos de mais de 80 denominações de origem. Nas videiras de Trebbiano, vigorosas e de alto rendimento, os cachos são cilíndricos e os bagos muito resistentes. E os vinhos produzidos à base de Trebbiano são extremamente refrescantes, secos e

com alta acidez. Seu s a romas mais comuns

são cítricos e d e a m ê n d o a s ,

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A harmonização de vinhos da uva Trebbiano é fácil e ampla. Esse vinho é uma ótima com-panhia para aperitivos, massas aromatizadas, aves, frutos do mar e peixes. A temperatura ideal de serviço é de 8°C. A uva Trebbiano também é utilizada na produção de Armagnac, Cognac e vinagre balsâmico.

A Sangiovese ocupa 10% dos vinhedos italianos e é uma das cepas mais importan-tes do país. É praticamente um sinônimo dos vinhos tin-tos da Toscana e está presente em alguns dos vinhos italianos mais famosos, como o Chianti e o Chianti Clás-sico, o Brunello di Montalcino, o Vino Nobile di Montepulcia-no, o Rosso di Montepulciano, o Morellino di Scansano e o Montefalco Rosso. Fora da Itá-lia é plantada em pouquíssima quantidade. Cerca de 90% de suas videiras estão na península italiana. Não é fácil encontrar bons resultados no cultivo da Sangiovese, e na produção de bons vinhos com essa cepa, em outros locais. Uma exceção que merece destaque é a Córsega, mas é possível encontrar tam-

bém alguns bons vinhos pro-duzidos na Califórnia, na Aus-trália, na Romênia, no Chile, na Argentina, no Brasil e, até mesmo, no Uruguai.

Assim como a Pinot Noir, a Sangiovese é uma cepa ca-maleão, muito influenciável pelo terroir. Dessa forma, tem inúmeros clones (todos de amadurecimento tardio) e, em consequência disso, acaba sendo conhecida por muitos nomes diferentes, como Sangioveto, Nielluccio, Nerino, Brunello, Morellino... As uvas Sangiovese cultivadas na região de Chianti apresentam, na maioria das vezes, bagos pequenos e pele fina, enquanto as de Brunello di Montalcino apresentam ta-manho maior e casca mais grossa. E, mesmo que essas diferenças sejam sutis, podem produzir resultados muito di-ferentes. Normalmente, as uvas Sangiovese produzem vinhos tintos de corpo médio, com es-trutura tânica que vai de média a forte. Mas é também utilizada para produzir espumantes, rosés, tintos leves ou encorpa-dos, passando, inclusive, por vinhos de sobremesa. Alguns exemplares encorpados, como os Brunello di Montalcino, são vinhos tão estruturados que envelhecem maravilhosamente bem em garrafa.

Um vinho Sangiovese de boa qualidade é notoriamente um

vinho de elevada acidez, taninos firmes, muito equilibrado e com final elegante. Os sabores mais marcantes costumam ser cerejas, ameixas e morangos, mas há um caráter também herbáceo e rústico, muitas vezes associado a esses vinhos.

Os vinhos produzidos com

Sangiovese harmonizam bem com sabores de frango, carne de porco e de cordeiro; e são grandes acompanhantes para as massas e pizzas italianas, em geral.

Os vinhos produzidos a partir dessas duas variedades de uva (Trebbiano e Sangiovese)

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*Para os europeus, vi­nho de mesa é um vinho que não se enquadra den­tro da legislação oficial de nenhuma denominação de origem ou indicação geográfica. Mesmo assim, é um vinho sempre pro­duzido, também, apenas com variedades de uva da espécie Vitis vinifera. São chamados de Vin de Table,

na França, Vino da Ta v o l a , na Itália, Vino de Mesa, na Espanha...

correspondem a 30% dos vinhos DOC produzidos na região.

A Montepulciano e a Bom-bino Bianco são cultivadas perto da província de Foggia. A uva di Troia, base dos DOC Castel del Monte, Rosso Canosa e Rosso Barleta, predomina na parte central da região.

A origem da Bombino Bianco não é certa, e é mais provável que seja da região da Espanha. Mas o fato é que é muito tradicional na Itália e já era popular entre os romanos nos anos 800 d.C. É uma varie-dade amplamente cultivada na Puglia, mas também é cultivada no centro do país e na costa do Mar Adriático. Também é conhecida pelo sinônimo Bonvino e, graças a sua enor-me produtividade, recebe os carinhosos apelidos de Pagade­bit, que significa “pagadora de dívidas”, e Straccia Cambiale, em referência ao ato de rasgar uma fatura. Existe um grande impasse se a Bombino Bianco tem ou não alguma relação com

a Trebbiano, associação que acontece com frequência, pois embora não esteja comprovado que está relacionada a qualquer subvariedade da Trebbiano, a Bombino Bianco e a Trebbiano d’Abruzzo são tidas, por alguns especialistas, como sendo a mesma uva.

Como muitas uvas, o se-gredo da Bombino Bianco está justamente no controle dos seus rendimentos, de maneira a con-centrar compostos. Sem contro-le, o vinho produzido é leve e relativamente neutro e, por isso, é por vezes consumida in natura ou, então, o vinho é exportado a granel para a Alemanha, onde acaba sendo engarrafado como vinho de mesa*.

Mas, quando a tentação é vencida e a Bombino Bianco é cultivada com baixos ren-dimentos, apresenta grande potencial para produzir vinhos com sutileza e de alta qualidade. Infelizmente, são exemplares difíceis de encontrar.

A harmonização desses vinhos, para valorizá-los e re-alçar o sabor dos alimentos, pode ser feita com linguado ou camarões na brasa.

A Nero di Troia não tem nenhuma relação com a famosa cidade de Tróia, é uma uva con-siderada nativa e típica da Puglia. Na realidade, existe uma lenda que liga o nome da uva à cidade mítica, afirmando que a cepa teria chegado à Itália levada por Diomedes, herói exilado após a Guerra (?). Mas a Troia da uva, nesse caso, é uma comuna ita-liana com pouco mais de 7.000 habitantes e que fica na região da Puglia. A Nero di Troia pode ser encontrada, também, sob outros nomes: Uva di Troia, Sumarello ou Sommarello.

É uma uva bastante resis-tente a uma ampla variedade de pragas comuns nos vinhedos e muito adaptada ao clima quente e seco da Puglia. Mesmo assim, cada vez menos cultivada. Muitos produtores, nos últimos anos, têm substituído seus vinhedos, plantando Negro-amaro e Primitivo, consideradas mais rentáveis comercialmente. O fato é que, Nero di Troia, Negroamaro e Primitivo são as maiores representantes da diversidade do setor vitivinícola da Puglia. Outro fato é que a Nero di Troia é, dentre essas três, a que mais demora para amadurecer.

Os aromas mais frequente-mente relatados, na degustação de vinhos produzidos com a Nero di Troia, são violetas, cereja preta madura, amora, couro, tabaco, cacau, cassis e anis. O vinho à base de Nero di Troia costuma ser profundo, complexo, fascinante, de cor viva e bastante rico em po-lifenóis, principalmente taninos. A adstringência típica dos taninos da Nero di Troia é, muitas vezes, atenuada pelo corte com outras uvas, como a Montepulciano. Inclusive, é comum encontrar, em vinhas velhas, fileiras inter-caladas de Montepulciano com Nero di Troia, na proporção de 1 para 3. Mas existe, atualmente, uma tendência de vinficar a Nero di Troia em vinhos varietais, em

geral notáveis! O Nero di Troia acompanha

bem carnes vermelhas, grelhadas ou assadas. Uma harmonização típica é com um prato local, a massa Orecchiette, ou Richitelle, com ragú de carne de coelho.

É possível encontrar a Nero di Troia, também, em vinhos rosés e, até mesmo, em vinhos brancos!

A Montepulciano é uma variedade tinta de uva, ampla-mente cultivada no centro da Itália, mais notavelmente nas regiões de Abruzzo, Marches e Molise, na costa oriental do país, voltada para o Mar Adriático.

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Curiosamente, a uva Monte-pulciano não está relacionada à comuna de Montepulciano, localizada na Toscana! De fato, a uva nem é utilizada na produção dos vinhos toscanos!

A Montepulciano é uma uva presente em aproximadamente 50 denominações de origens italianas, sendo a mais famosa delas, certamente, a Montepul-ciano d’Abruzzo. Esses vinhos são produzidos com pelo menos 85% da variedade na região de Abruzzo.

A Montepulciano é vista, frequentemente, em vinhos varietais; faz parcerias de sucesso em vinhos de corte, com a San-giovese, e também com a Syrah.

A Montepulciano é uma cepa que produz vinhos fru-tados, de sabor leve, relativa acidez, cores fortes e taninos suaves. Mesmo que a maioria desses vinhos seja consumido quando jovem, as melhores performances da uva podem envelhecer, com dignidade, por décadas.

Os aromas e sabores asso-ciados à Montepulciano cos-tumam ser os de amoras pretas e cerejas, com notas de cacau, tabaco e orégano. E, no palato, esses vinhos apresentam boa persistência.

Para valorizar ainda mais

as características da Montepulciano, acompanha, de preferência, pratos mais en-corpados, como guisados, carne de porco ou de cordeiro assada ou, então, massas com molhos vermelhos e temperos fortes, como a Orechiette com molho de tomate e manjericão.

Deve ser servido a uma tem-perature de 16°C ou 17°C; para uma safra antiga pode servi-la a uma temperatura um pouco mais elevada, mas ainda assim inferior a 20°C.

Pequenas quantidades de Montepulciano têm sido cul-tivadas fora da Itália, na Nova Zelândia, Austrália e Estados

Unidos. As uvas Primi-

tivo e Negroamaro são as que possuem maior destaque na Puglia. A casta Primitivo é nati-va de Manduria, região Sul da Pu-glia. Atualmente, os produtores da Puglia originam vinhos de corte com a Negroamaro, em conjunto com a casta Malvasia Ne-gra, formulando exemplares fortes e encorpados.

A Negroamaro é uma uva tinta, típica da Puglia. Apesar da semelhança, dizem que o nome não tem relação alguma com amargor, até porque essa é uma uva com elevados níveis de açúcar. O nome viria da junção da palavra latina Negro com a palavra grega Maru, sendo que

ambas dizem respeito a coloração escura dessa uva e, principal-mente, do vinho que ela produz, profundamente roxo. De fato, o vinho dessa uva é tão escuro que, por anos, ela foi usada para adicionar cor em vinhos do Norte da Itália. Mas é na Puglia que a Negroamaro encontrou um lugar com direito a varietais. Salento, ou a Península Salentina, é iden-

tificado como o local de origem dessa cepa, com uma história de mais de 1.500 anos. É uma variedade famosa por produzir vinhos muito tânicos e com aromas complexos, como canela, cravo e outras especiarias.

As uvas parceiras mais comuns da Negroamaro, em vinhos de corte, são a Mal-vasia Nera, a Sangiovese e a Montepulciano.

Quando combinado com a Malvasia Nera (que produz vinhos mais leves e aromáticos), obtem-se um feliz e equilibrado casamento. Essa mescla dá ori-gem aos vinhos DOC da região: Salice Salentino, Copertino, Squinzano, Leverano e Brindisi, sendo este último um vinho que vem obtendo grande destaque por sua textura macia, corpo generoso e riqueza de aromas e de sabores (ameixa, chocolate, caça), um bom exemplo do que a região pode produzir em termos de qualidade. Na denominação

Salice Salentino, os tintos e rosés devem ser produzidos com um percentual mínimo de 80% de Negroamaro.

O clima quente de estilo me-diterrânico combina muito bem com a Negroamaro, permitindo que chegue a um excelente grau de maturação. Além disso, essa é uma uva resistente a climas secos, que não se ressente pela pouca chuva

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de Piemonte - Malvasia di Ca-sorzo e Malvasia di Castelnuovo Don Bosco.

Na Puglia, a uva Malvasia Nera aparece comumente ao lado da casta Negroamaro, onde recebe maior importância em Salice Sa-lentino. Encontra-se também essa variedade de uva na Umbria, uti-lizada na elaboração de diferentes estilos de vinhos, também ao lado da tradicional uva Negroamaro.

Até a década de 1990, era uma prática comum na região da Toscana misturar a uva Malvasia Nera com a casta Sangiovese, visto que a Malvasia Nera é res-ponsável por adicionar caráter achocolatado e riqueza de com-plementos na natureza mais rús-tica da Sangiovese. No entanto, alguns produtores optam por utilizar a Cabernet Sauvignon ao lado da uva Sangiovese, ao invés da Malvasia Nera. Essa prestigiosa uva é responsável por dar origem a expressões mais ousadas e mais pronunciadas, substituindo a Malvasia Nera na elaboração de blends na Toscana.

Além disso, a Malvasia Nera é uma variedade de pele escura, cultivada, principalmente, em regiões do Sul da Itália, como a Calábria, e responsável pela ela-boração de vinhos com coloração vermelho-rubi, que apresentam de leve a médio corpo e sabores de ameixa e cereja.

A Primitivo e a Zinfandel são a mesma uva, assim como a Crljenak kaštelanski, uma antiga variedade da Croácia, da qual as duas descendem. A Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) classifica os três no-mes como sinônimos, utilizados conforme a localização geográfica, sendo Primitivo o nome utilizado na Itália, e Zinfandel o nome utilizado nos Estados Unidos. Se não são absolutamente, ou rigoro-samente iguais, também não são diferentes o suficiente para se ca-racterizar uma nova cepa. Geneti-camente, são extremamente seme-lhantes, podendo ser consideradas

simplesmente subtipos genéticos que ocorrem naturalmente, em função da alta adaptabilidade das uvas ao ambiente. Essa teo ria foi confirmada nos anos de 1990, por um estudo genético realizado por Carole Meredith, da Universidade da Califórnia.

Como nos Estados Unidos as leis de rotulagem, por enquanto, não permitem a substituição de um termo pelo outro, então, é possível encontrar vinhos de corte cuja combinação de uvas descrita é Zinfandel e Primitivo. Curioso, não?

Seu nome é uma referência a sua época de colheita. A Primitivo é uma uva precoce, o que significa que é a primeira casta tinta a ser colhida, em meados de agosto, en-quanto as outras são colhidas em outubro. E, por isso, costumam ter bastante açúcar residual, o que significa um potencial de produzir vinhos com alto teor alcoólico.

Como mencionado acima, a Primitivo é uma casta originária da Croácia, mais precisamente da costa da Dalmácia, que foi levada à Itália no século XVIII. Na Croa-cia ainda é chamada de Tribidrag. Uma das primeiras referências sobre a Primitivo data de 1799. No mapa da Itália, os vinhedos de Primitivo estão concentrados na Puglia, principalmente ao Oeste de Salento, sendo as zonas Primitivo di Manduria e Gioia del Colle como as melhores para a uva na Itália; nessa área passou

de uma casta considerada secun-dária a uma das mais importantes variedades da região, dando origem a vinhos perfumados e encorpados que estão ganhando o mundo. Os vinhos da Puglia feitos a partir de uva Primitivo equilibram doçura, acidez e den-sidade e vem merecendo, a cada ano, maiores atenções por parte da crítica especializada.

Além da Manduria, também merecem destaque as regiões de Lizzano e de Sava, que também produzem vinhos feitos com a uva Primitivo que apresentam excelente qualidade.

A Primitivo não é uma uva de fácil cultivo. O tamanho dos azulados bagos varia muito, in-clusive, em um mesmo cacho. É necessária certa experiência para lidar com o amadurecimento dessa cepa, nessas condições. Essa variedade parece um cama-leão, podendo ser utilizada para a produção de vinhos brancos, rosés, tintos e, até mesmo, forti-ficados. O estilo mais conhecido é o tinto: encorpado, de profunda coloração, muito frutado, com aroma de frutas silvestres e notas incrivelmente apimentadas. Um excelente acompanhamento para pratos elaborados com carne de porco e para salames, em geral. Ou, ainda, como o tradicional Braciole a là pugliese (carne à rolê, como é conhecida no Brasil) e queijos amarelos envelhecidos, como o tradicional Caciocavallo.

na região. Fora da Itália, Adelaide Hills, no Sul da Austrália, fornece um clima semelhante ao quente verão da Puglia e alguns enólogos têm produzido Negroamaro por lá. Nos Estados Unidos também é possível encontrar vinhedos dessa variedade.

Os vinhos produzidos a partir da Negroamaro são frutados, com aromas e sabores de ameixas, cerejas e amoras, com notas de canela, cacau e couro. De acidez moderada, apresentam taninos médios e macios. Além disso, um grande trunfo da Negroamaro é o preço, via de regra interessante, para o grande vinho que é. Uma dica para harmonizar: espaguete com almôndegas!

A Malvasia Nera, conhecida também como Black Malvasia, é a variante de coloração mais escura entre a família Malvasia. Essa va-riedade de casta é extremamente aromática e, graças a sua pele fina, pode ser utilizada na elaboração de bons vinhos espumantes, secos e doces, bem como em alguns exemplares rosés.

A Malvasia Nera é cultivada em diversas áreas vinícolas da Itália e do Mediterrâneo, sendo utilizada com maior frequência na elaboração de vinhos de corte, ao invés de varietais. No entanto, os exemplos de maior importân-cia entre os varietais Malvasia Nera são dois vinhos rotulados sob importantes denominações

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Primitivo de ManduriaOs vinhos Primitivo di

Manduria são produzidos com uvas da variedade Pri-mitivo e, na cidade italiana de Manduria ou em seus arredores, delimitados pelo regulamento da denominação.

Segundo a história, a Pri-mitivo foi implantada na Itália pelos beneditinos e recebeu esse nome pelo ama-durecimento precoce das suas vinhas. Em Manduria, essa cepa encontrou as condições ideias e acabou se tornando um dos emblemas do vinho de Puglia no mundo inteiro. De cor vermelho-púrpura, adqui-rindo reflexos laranjas com o

ZinfandelA história que se tem

notícia é que em meados do século XIX, imigrantes europeus levaram mudas da uva para os Estados Unidos. E, chegando na Califórnia, ela se desenvolveu surpre-endentemente, mostrando uma incrível adaptação na-tural ao terroir da região. Quando os viticultores per-ceberam que mais ninguém no mundo plantava essa variedade, pensou-se que a Zinfandel fosse uma uva tipicamente indígena nor-te-americana. De fato, os vinhedos são os mais antigos do país, principalmente na região de Lodi, alguns deles chegando a mais de 100 anos de idade! Não à toa, seu cultivo rapidamente se espalhou por ter sido a primeira casta replantada após a praga filoxera chegar à Califórnia. Até então, o vinho tradicional produzido a partir dela era um rústico tinto seco de cor rubi inten-sa, com frutas marcantes,

envelhecimento, os tintos Primi-tivo di Manduria têm aroma sutil, complexo e ca-racterístico, sabor agradável e en-corpado, que fica aveludado com o tempo, e um teor alcoólico mínimo de 14°.

O Primitivo di Manduria tem notas de ameixa e especiarias, mas tem um caráter menos frutado do que o Zinfandel; tem uma estrutura com características mais europeias, com notas rústicas de terra, chocolate, tabaco e espe-

Os vinhos da Puglia

A presença de inúmeros enólogos internacionais que chegaram à região nos últimos anos e melhoraram bastante seus vinhos, deu origem a uma série de vinhos varietais de boa qualidade, geralmente utilizan-do a nova denominação de IGT, como o Negroamaro del Salento e o Uva di Troia di Puglia.

São seis os vinhos IGT da Puglia: Salen-to, Tarantino, Valle d’Itria, Daunia, Le Murge e Puglia.

Os vinhos DOCG e DOC da Puglia são cerca de 30, veja a re-lação no quadro a seguir.

ciarias. Para har-monizar com um tinto Primitivo di Manduria, reco-menda-se carnes vermelhas assadas ou grelhadas, so-pas cremosas, ou queijos maduros.

Não bastasse tudo isso, o que pode surpreender a muitos é que, além do tradicio-

nal vinho tinto, a denominação Primitivo di Manduria também pode se referir a três diferentes vinhos de sobremesa: Dolce Na-turale (fortificado doce, com teor 16°), Liquoroso Dolce Naturale

(fortificado licoroso de 17,5° de álcool) e Liquoroso Secco (licoroso seco, 18°). Essas três versões, menos conheci-das, devem, obrigatoriamen-te, envelhecer pelo menos dois anos antes de serem comercializadas.

Na Puglia pode-se tam-bém encontrar as uvas Aglia-nico e Malbec. Além dessas, as chamadas uvas internacionais têm presença discreta na re-gião, com algum destaque para a Chardonnay, cultivada principalmente na área de Salento; Sauvignon, Cabernet e Pinot Noir, que também existem, porém não de forma relevante.

principalmente de compo-ta de amora, framboesa e ameixa.

Foi no ano de 1972, no entanto, que a uva foi utili-zada pela primeira vez para fazer um vinho rosé claro, resultado de um processo de vinificação que removia as cascas das uvas antes que ficassem em contato com o mosto. Esse vinho, produ-zido até hoje com o nome de White Zinfandel, é mais leve e doce do que se espera da casta.

Hoje, é considerada uma uva extremamente versátil da região americana, sendo utilizada para a produção de variedades muito diferentes de vinhos, do branco ou rosé claro aos tintos no estilo do vinho do Porto. Para se ter uma ideia, apenas 15% dos vinhos de Zinfandel cali­fornianos são tintos. Suas principais regiões produtoras nos Estados UnidosA são as montanhas de Napa, Sono­ma, Paso Robles e Sierra Foothills.

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Vinhos DOCG e DOC da PugliaNome Área de produção Nome Área de produção

Aleatico di Puglia Em toda a Puglia Matino Província de Lecce

Alezio Província de Lecce Moscato di Trani Província de Bari e Foggia

Barletta Província de Barletta-Andria-Trani Nardó Província de Lecce

Brindisi Província de Brindisi Negroamaro di Terra d’Otranto Província de Lecce

Cacc’e mmitte di Lucera Província de Foggia Orta Nova Província de Foggia

Castel del Monte Província de Bari Ostuni Província de Brindisi

Colline Joniche Taratine Província de Taranto Primitivo di Manduria Província de Brindisi e Taranto

Copertino Província de Lecce Rosso Barletta Província de Bari e Foggia

Galatina Província de Lecce Rosso Canosa Província de Bari

Gioia del Colle Província de Bari Rosso di Cerignola Província de Bari

Gravina Província de Bari Salice Salentino Província de Brindisi Lecce

Leverano Província de Lecce San Severo rosso (ou rosato) Província de Foggia

Lizzano Província de Taranto Squinzano Província de Brindisi Lecce

Locorotondo Província de Bari e BrindisiTavoliere delle Puglie ou “Tavo-liere”

Província di Foggia e de Barletta-Andria-Trani

Martina Província de Bari, Brindisi e Taranto Terra d’Otranto Província de Brindisi, Lecce e Taranto

Luigi Rubino, enólogo e presidente do consórcio patrocinador da região, a Puglia Wine Identity, afirmou: “52% dos vinhos produzidos em Puglia são agora vinhos DOC. Em primeiro lugar, Puglia é uma terra de grandes tintos ­ posso dizer que é a região que possui o maior potencial para os vinhos tintos da Itália”.

As regiões da Puglia e suas uvas

DaurniaÉ a parte mais ao Norte da

Puglia; as uvas Montepulciano d’Abruzzo (tinta) e Bombino Biano (branca) dominam a cena. A primeira cria tintos encorpados e, a segunda, fresca e elegante, de estrutura forte e considerável acidez, é usada geralmente para fazer vinhos brancos delicados.

MessapiaÉ o lar da Primitivo, uma

antiga variedade nativa cujos frutos amadurecem no final de agosto, antes da maioria das uvas (por isso o nome que in-dica “prematuridade”). Produz um vinho encorpado, cheio de caráter e álcool pronunciado. Entre as sub-regiões está a fa-mosa Manduria, Sava e Lizzano.

As vinhas da Primitivo são como pequenos arbustos - mui-tos com até 80 anos de idade -

Nerio Negroamaro Riserva 2010, da vinícola Schola SarmentiA vinícola Schola

Sarmenti de Nardò, na província di Lecce, é estabelecida nas edifi-cações de uma anti-ga bodega, erguida no início do século XIX, e produz um vinho considera-do como um dos melhores Negro-amaro, o Nerio Ne-groamaro Riserva 2010. No campo,

reflexos granada, denso e brilhante. Nariz expressivo, frutos negros, alcaçuz, es-peciarias, floral, baunilha, chocolate amargo, licor. En-corpado, fresco e com taninos vigorosos, firmes, a serem domados pelo tempo. Passa macio no palato, explodindo em um encontro dos frutos negros com o alcaçuz e algo defumado. Termina longuís-simo e elegante com uma nota de licor a acompanhar.

preservou vinhedos antigos, alguns de até 80 anos, das cepas locais. Os vinhedos

de onde saiu esse famoso vinho, por exemplo, tem idade média de 45 anos. Seus vinhedos são con-duzidos por um sistema tradicional na Puglia, co-nhecido como Alberello, onde as vides são planta-das livremente em situ-ações de estresse hídrico e nutricional. Rubi de

e dão o seu melhor na região graças ao clima ideal. Não é à toa que a denominação Primi-tivo di Manduria se tornou tão valorizada.

Valle d’ItriaO coração dos vinhos brancos

da Puglia. Seus vinhos, como Bianco d’Alessano e Verdeca, estão entre os mais famosos da Itália.

Salento

As cidades de Salento for-mam o parquet da Negroamaro, uva típica da região que cresce quase exclusivamente na Puglia. Seu nome, na verdade, reforça a profundidade da cor que seus vinhos alcançam. Negro, do adjetivo latim (niger, nigra, ni­grum i.e. preto, escuro), e Ama-ro, que deriva de maru, que tam-

bém significa negro (Negro maru = Negro amaro = negro negro) ou, em uma interpretação moderna, negro intenso, no grego antigo. Ambos significam negro, escuro, ou seja, um vinho de cor muito profunda. Maru tem a mesma raiz fonética de Merum, um vinho trazido para a Puglia por colonos que ali se estabeleceram antes dos gregos, no século VII a.C. Na literatura clássica en-

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contramos algumas referências a “mera tarantina”, por autores romanos, o que nos leva a crer que a Negroamaro poderia ser a uva usada no Merum.

É mais comum encontrar vinhos em que a Negroamaro é usada sozinha, todos bem escuros e de sabores intensos. Quando mesclada, é geralmente acompanhada da Malvasia Nera, outra uva intensa nascida no “salto” da Itália.

MurgiaÉ preciso falar no plural para

se referir a essa região da Puglia. Murgia é um território misto com diferentes paisagens que se originam de um mesmo terreno aos pés do Castel del Monte, seu principal terroir.

- Castel del Monte: Seu gran-de trunfo é a uva Nero di Troia; rodeada por antigas lendas, que dizem que foi trazida de Tróia pelo herói grego Diomede, faz vinhos vigorosos que evoluem bem na guarda. Outras varieda-des são a Aglianico, a Bombino Bianco, a Bombico Nero, a Montepulciano e a Pampanuto.

- Murgia Adriatica: A sub- região de Adriatica é a mais regular de toda. É nela que se encontra a preciosa Moscato di Trani, também conhecida como Moscato Reale.

- Bassa Murgia: Uma área

Rosso e Rosso Riserva

O que difere um Rosso de um Rosso Ri-serva é o tempo mínimo entre envelhecimento (carvalho) e afinamento (garrafa), sendo que os Riserva devem perma-necer maior tempo na vinícola para esses tra-tamentos (mínimo 24 meses).

vinhedos por lá, mantendo vivas na nova organização as tradições locais.

Desde a fundação de San Mar-zano, em 1962, outros vinhedos juntaram-se a cooperativa, o que contribuiu para a sua modernização e aquisição das novas tecnologias do mercado. A grande variedade de produtores que fazem parte da San Marzano hoje permite que a vinícola produza vinhos diversos, com personalidades próprias, mas com características regionais bem marcantes.

A San Marzano está localizada dentro da denominação de origem “Primitivo di Manduria”, reconheci-da como DOC desde 1974. Para que os vinhos estampem a denomi-nação de origem no rótulo, devem ser feitos 100% com a uva Primitivo e precisam ter sido produzidos ape-

nas na província de Taranto ou em municípios específicos dentro da província Brindisi.

Indicamos dois vinhos da vinícola San Marzano para você degustar o que há de melhor na Puglia:

San Marzano Taló Pri-mitivo Di Manduria 2013: Produzido a 100 metros de altitude, este tinto passa por envelhecimento em barris de carvalho, o que traz ao sabor notas de baunilha e cacau. Os aromas do Primitivo Di Manduria lembram ameixas maduras e cerejas e o vinho termina com final persistente.

San Marzano Sessantan-ni Primitivo di Manduria: Produzido no coração da denominação de origem Primitivo di Manduria, o Sessant’anni Primitivo traz aromas complexos de geleia de cereja, tabaco e pimenta. Já em boca, é possível perceber notas de cacau, café expresso, figo e alcaçuz.

Os 10 melhores Primitivo da ItáliaSegundo Antonio Tomacelli, redator do site italiano Intravino.

1. Es, Primitivo di Manduria DOC, de Gianfranco Fino.2. Muro Sant’Angelo Contrada Barbatto, Primitivo Gioia del Colle DOC, de Azienda Agrícola Tenute Chiaromonte. 3. Polvanera, Primitivo Gioia del Colle DOC, de Cantine Polvanera. 4. Attanasio, Primitivo di Manduria DOP, de Azienda Agri-cola Giuseppe Attanasio.5., Old Vines, Primitivo di Manduria DOC, de Azienda Agricola Morella.6. Riserva Pietraventosa, Primitivo Gioia del Colle DOC, de Agricole Pietraventosa.7. Giravolta, Primitivo di Manduria DOC, de Agricola Felline.8. Memor, Primitivo de Puglia IGT, de Cantine Ferri.9. Tradizione del Nonno, Primitivo di Manduria DOC, de Vinicola Savese.10. Fatalone Primitivo Riserva, Primitivo Gioia del Colle DOC, de Azienda Agricola.

verde, acima de tudo. Os produ-tores de Gioia del Colle pratica-mente mantêm uma competição com Manduria pela supremacia na produção da uva Primitivo.

- Murgia dele Gravine: Uma verdadeira e surpreendente arquitetura natural - com ca-nais, montes de pedra, grutas, cavernas e rios subterrâneos. Além de fascinante, o local tem excelentes vinhos brancos das uvas Bianco d’Alessano, Greco di Tufa e Verdeca.

Os vinhos da San Marzano

A vinícola pugliese San Marzano foi uma das pionei-ras no renasci-mento da Primi-tivo, em grande parte devido ao vinho San Mar-zano Sessantan-ni Primitivo di Manduria, que foi responsável por tornar a uva mais famosa e conhecida.

Um dos motivos dessa revolução é que a uva é perfeita para quem gosta de vinhos de estilo mais carnudo, concen-trados e com bastante fruta, mas com acidez mais baixa e taninos leves. Enquanto em climas mais quentes os sabores predominantes são de frutas vermelhas, em regiões de climas mais frios se sobrepõem as frutas pretas e uva passa. Em Manduria, onde os vinhos de Primitivo são mais concentra-dos, também é comum encon-trar a uva em corte com outra cepa regional, a Negroamaro.

A vinícola San Marzano nasceu na região da Puglia, a partir de um grupo de viti-cultores que se juntaram para produzir vinhos. Todos os inte-grantes vieram de famílias que há gerações trabalhavam com

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PUGLIA: UMA FATIA DE PARAÍSO PARA OS AMANTES DE QUEIJOS!

Como já mencionado em edição an-terior, a Itália, tal como a França, é

riquíssima em queijos. Essa grande variedade de queijos dife-

rentes é produzida a partir de leite de vaca, de búfala, de cabra e de carneiro. Muitos mencionam a existência de centenos de queijos diferentes, sendo o número mais frequentemente encontrado em torno de 300.

Na Itália, existe um organismo que certifica a qualidade do queijo. Em poucas palavras, é uma associação que garante a qualidade, origem e modo de produção dos produtos locais; se chama AFIDOP (Associa­zione Formaggi Italiani D.O.P e I.G.P). Para lembrar, a sigla DOP significa Denominação de Origem Protegida. Quer dizer que o queijo recebe o nome da região e lugar onde foi produzido e que as características do queijo dependem daquela determinada região.

IGP significa Indicação Geográfica Protegida, o que quer dizer que a ori-gem, elaboração e transformação de uma matéria-prima foi feita em uma determinada região, respeitando características e métodos de produção daquela zona. STG significa Especialidade Tradicional Garantida, não é ligado à origem do produto, mas somente ao método de produção. Se respeita o método tradicional de uma determinada região. Para receber essa certificação a empresa tem que ter 25 anos de produção!

A pequena palavra diferente é muito relevante no caso dos queijos. Determinados produtos são produzidos de forma similar, sendo a única diferença a raça bovina que produziu o leite! Ou, ainda, o lugar especí-fico onde foi produzido! Assim, a AFIDOP reconhece cerca de 40 tipos diferentes de caciocavallo, cacioricotta e caciotta, por exemplo.

Por essa razão, tentaremos nos limitar, nesta série de artigos sobre as diversas regiões italianas, em queijos mais especificamente regionais.

O mapa ao lado apresenta as grandes regiões da Itália e seus queijos típicos.

REGIÕES DA ITÁLIA E QUEIJOS TÍPICOS

Na Puglia são produzidos cerca de 20 queijos, a saber: burrata, caciocavallo, caciocavallo podolico, cacioricotta, caciori­cotta pugliese, canestrato pugliese, caprino (formaggio), fallone di Gravina, fior di latte, giuncata, manteca, mozzarella di bufala

campana, pallone di Gravina, pampanella (formaggio), ricota, ricotta di bufala campana, ricotta forte, scamorza e stracciatella di búfala. A seguir serão apresentadas informações sobre os principais, ou mais típicos, queijos da Apúlia.

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Burrata IGP. A burrata é um queijo fresco típico da Puglia, da área da Murgia. Trata-se de um queijo relativamente jovem. Alguns especialistas dizem que foi inventado nos anos 20 do século passado, no municipio de Andria (província de Barletta-Andria-Tra-ni), na Masseria Bianchini, que mais tarde se tornaria Caseificio Chieppa, pelas mãos experientes do queijeiro Lorenzo Bianchino Chieppa. Segundo outra historia, uma forte nevasca abateu-se sobre a região da Puglia, na Itália, em 1956. As ruas das cidades ficaram cobertas por uma camada espessa de quase dois metros de neve, com temperatura infe-rior a -10°C e uma violenta onda de frio que durou duas semanas. A origem era uma forte corrente de ar que vinha das regiões mais gé-lidas do continente europeu, principalmente do Norte da então União Soviética.

Em consequência disso, o transporte em todas as regiões da bota tornou-se caótico e a cidade de Andria, situada na faixa Centro-Sul do território italiano, ficou isolada. Com a crise de abastecimento e a falta de alimentos, coube a um cidadão, Lorenzo Bianchino (o mesmo que já existia em 1920?), a invenção de algo que ajudaria a amenizar os efeitos da nevasca para, em seguida, tornar-se uma iguaria tipicamente italiana e admirada em todo o mundo.

Bianchino criou um frasco de queijo recheado com crème de leite e stracciatella. A intenção era reaproveitar resíduos de pasta cortada (sfilacci), que sobravam da fabricação de mozzarella. Assim, a burra­ta consiste basicamente de uma mozzarella recheada

com restos de massa filada e creme de leite, o que faz dela um derivado nobre entre os quei-jos de massa filada. A forma como é moldada lembra o tradicional queijo cacciocavallo, feito inicialmente com leite de jumenta e um dos principais alimentos do povo nômade. Em resumo e de forma simplificada, sem história, provavelmente, na origem da preparação deste queijo, houve a intenção de reutilizar resíduos de pasta cortada (sfilacci) que sobravam da fabricação da mozzarella. Daí pensaram em combinar estes com um creme de leite fresco bem grosso e de fechar o recheio dentro de

uma “bola”, formada a partir de folhas da massa e moldada à

mão, deixando uma ponta menor, lembrando a for-ma tradicional de queijo cacciocavallo.

O diferencial deste tipo de queijo é moldar a massa acidificada em água quente. Antes de fechá-la, o recheio de creme de leite fermentado é misturado com um pouco de restos de massa fresca da mozzarella. Seu sabor é suave, extremamente fresco, acidu-lado e quando aquecida a massa derrete e forma fios.

As trouxinhas, 60 anos depois, permane-cem como a forma mais tradicional e caseira de burrata. É possível fazer, artesanalmente, 200 unidades em oito horas de trabalho de uma única pessoa. Depois de pronta, as trouxinhas são colocadas em tanques de água gelada para serem, mais tarde, embaladas em pequenos sacos plásticos. A sua conservação é bastante reduzida, devendo ser consumida em dois a três dia depois de produzida; con-serva-se uma semana em geladeira.

As primeiras burratas foram produzi-das com leite de búfala, sendo mais tarde substiuidas por leite de vaca da antiga raça podólica e depois por leite de vacas frisona, mais produtivas.

Os caseifici, como os italianos nomeiam suas queijarias, são dominados hoje na região da Puglia pela produção deste queijo típico, que espera pelo selo de proteção europeu que reconheceria apenas esta região italiana como a produtora da verdadeira burrata di Andria. Corato, Putignano, Gioia del Colle e Martina Franca são outros locais na região da Puglia que produzem a burrata original.

Em decembro de 2016, a Burrata di Andria ganhou o selo de proteção europeia, IGP e possui, agora, um orgão regulador, o Consorzio Tutela Burrata di Andria IGP (burratadiandria.it)

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Canestrato pugliese DOP. É um queijo que tem origens muito antigas, porque está ligado às tradições silvo-pastorais. Em particular, a transumância dos rebanhos entre as regiões montanhosas dos Abruzos e a Tavoliere delle Puglie. O nome deriva das cestas de juncos em que são inseridas após a extração da coalhada. É obtido com leite cru de ovelhas alimentadas com pastagem ou com forragem da área, obtida por uma ou duas ordenhas. É produzido nas províncias de Foggia e parte da provincia de Bari. Tem a denominação DOP desde 1996.

É um queijo de massa dura, não cozida, obtido a partir do leite integral de ovelhas da raça Gentile di Puglia, cuja origem genea-logica vem da raça merino, original do Sul

de Portugal.Como já mencionado, seu nome vem das

cestas de junco feitas na Puglia, as quais são um dos produtos artesanais mais tradicionais da região, e onde o queijo está colocado para amadurecimento (cura). O verdadeiro canes­trato pugliese é produzido de forma sazonal, de dezembro a maio. Embora se use cada vez mais meios mecânicos para o transporte do gado, a produção ainda está ligada às tradições pastorais das duas regiões.

A produção do canestrato pugliese é feito graças a uma tecnologia característica que vem da tradição queijeija da região Sul. O trabalho é bastante longo e muito variável, dependendo do tamanho das formas, varian-do de 7 a 14 kg. No período de tratamento, as formas, colocadas nas cestas típicas - que fornecem a rugosidade característica da crosta! -, são pressionadas para remover o

excesso de umidade.A salga é outro passo crucial na

preparação deste queijo. É feita a seco, espalhando sal grosso, típico das salinas de Margherita da Sabóia, ao redor da forma. Pode também ser realizada com salmoura. A operação começa dois a quatro dias depois do preparo, podendo ser feita em várias etapas, e continua durante todo o período de tratamento, ou seja, período duranto o qual o queijo é mantido nas cestas. O período de maturaçã dura de dois a dez meses, em locais frescos, leve-mente ventilados.

O produto assim obtido é usado tanto jovem quanto maduro; seu sabor é delica-do e intenso. O mesmo é oriundo do tipo de pastagem e de leite, mas principalmente do coalho seco de cordeiro, cuidadosa-mente conservado com cascas de laranjas

secas e de limões e folhas de urtiga.É usado como queijo de mesa ou queijo

para ralar, em cima de massas ou em polpetas.O canestrato pugliese apresenta faces pla-

nas (de 25 a 34cm de diâmetro) e superfície lateral ligeiramente convexa, com altura de 10 a 14 cm. O seu peso varia de 7 a 14 kg.

A crosta tem coloração amarelo ama-ronzada, é mais ou menos rugosa, dura e espessa, coberta com azeite de oliva, as vezes, misturado com vinagre A cor da massa é amarelo palha, mais ou menos intensa, dependendo da maturação. A estrutura da massa é compacta, mais ou menos friável, pouco elástica, com pequenos burracos de gordura, quase invisíveis. Tem gosto picante bastante acentuado e teor de gordura na matéria seca de, pelo menos, 38%.

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Stracciatella di bufala. Trata-se de um queijo típico da Puglia, particularmente da província de Foggia, feito com leite de búfala que, depois de coalhado, matura no próprio soro por algumas horas, antes de ser transfor-mado em cordões ou fitas - os straccetti - que se juntam com a nata para fazer o queijo. Já antes de existir a “receita oficial”, os campo-neses preparavam a stracciatella como forma de aproveitar restos de mozzarella. O queijo é dividido em cordões, que são, a seguir, di-vididos de novo em finas fitas e mergulhadas em nata. Essa mistura pode ser usada para rechear bolas de mozzarella, formando uma nova preparação conhecida como…burrata.

A stracciatella pode ser feita em casa, deixando fermentar leite gordo antes de juntar o coalho. A coalhada pode, então, ser esticada para fabricar imediatamente o queijo, ou ser congelada para ser preparada apenas antes de ser consumida. Para isso, a coalhada (ou uma parte) é deixada para des-congelar durante a noite e, no dia seguinte, é dividida em pequenas bolas que se misturam com sal e se cobrem com água quente para ficarem maleáveis; com uma colher de pau, retiram-se da água e deixam-se cair de novo, iniciando o processo de “fiação”, que é feito à mão, até obter as fitas mais finas, que são mergulhadas em uma tigela com nata, que deve ter uma boa quantidade de gordura e ter sido apenas pasteurizada (nata tratada a temperaturas muito elevadas tira o sabor do queijo) e refrigerada.

Embora produzido ao longo do ano, observa-se que o seu processamento alcança a melhor qualidade nos meses de primavera e verão.

A stracciatella pode ser usada em qualquer prato onde normalmente se usaria mozzarella.

Caciocavallo silano DOP. A origem do nome caciocavallo é provavelmente do costume, tão antigo quanto o queijo em si - e ainda usado hoje -, de amarrar as formas em pares e pendurá-las em uma viga.

O queijo caciocavallo silano é, sem dúvida, um dos mais antigos e mais típicos queijos de massa filada do Sul da Itália.

Em 500 a.C., Hipó-crates já citava esse produto para destacar

a capacidade dos gregos de prepa-

rar o queijo. A área de produção de cacioca­vallo silano está localizada, principalmente, ao longo da crista dos Apeninos do Sul e inclui territórios, principalmente, localizados nas regiões de Basilicata, Calabria, Campa-nia, Molise e Puglia.

A produção de caciocavallo silano começa por coalhar o leite fresco a uma temperatura de 36°C a 38°C, usando pasta de coalho de vitela. Quando a coalhada atinge a con-sistência desejada, depois de alguns minutos, é quebrada até a obtenção de pequenos grumos do tamanho de uma avelã. Depois, a coalhada começa a amadurecer, o que consiste em uma forte fermentação láctica que dura em média 4 a 10 horas e pode continuar, dependendo da acidez do leite processado, temperatura, massa ou outros fatores. O ponto de maturação da massa é atingido quando a mesma puder ser filada. Os tempos de maturação são monitorados retirando pequenos pedaços de massa em intervalos curtos e imergindo os mesmos em água quase fervente para testar sua elastici-dade, ou seja, para verificar se pode ser filada.

Nesse ponto do pro-cesso, é efetuada uma operação típica, que consiste em modelar um tipo de cordão para obter a forma deseja-da. Depois disso, cada pedaço de massa é fechado no topo e, rap-idamente, mergulhado em água fervente. Essa operação é completada manualmente.

O tempo mínimo requerido para a maturação do caciocavallo silano é de 30 dias.

Tem formato oval ou tron-cocônico, com cabeça ou s e m , d e altura e diâmetro variáveis . As formas podem ser tratadas na superfície com substâncias transparentes, sem corantes.

Em dezembro de 1993, por iniciativa de alguns produtores, foi criado o Consorzio di Tutella Formaggio Caciocavallo Sileno, com sede no município de Spezzano della Sila (CS).

Os objetivos do Consórcio, em cuja es-trutura social aparece a totalidade da cadeia DOP de caciocavallo silano, são a proteção, aprimoramento e supervisão da designação de origem protegida.

Esta marca garante a autenticidade e a integridade do caciocavallo silano, um queijo fabricado, exclusivamente, a par-tir de leite fresco proveniente da criação

de gado localizada nos territórios listados no Regulamento de Pro-dução, arquivado em Bruxelas, e de acordo com um processo de fabricação, minucio-samente, definido na norma, que tem suas raízes na mais nobre tradição leiteira do Sul. A denominação DOP foi concedida em 1996.

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QUEIJOS DE MASSA FILADA Mozzarella, Provolone e Cacciocavallo são alguns exemplos de queijos de massa filada.Obs.: Muçarela ou Mozarela, segundo a Academia Brasileira de Letras; mozzarella, na Itália; mussarela e muzzarella, de acordo

com Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Os queijos de massa filada se baseiam em alguns princípios de base tecnológicos e químicos, tais como:• Acidificação suficiente do leite por fermentação ou por adição de ácidos orgânicos.• Dessora e acidificação da coalhada a um pH entre 4,9 a 5,3.• Filagem, isto é, ação mecânica da coalhada em água quente, a fim de obter uma massa elástica que forma fios longos.• Resfriamento da massa filada depois de haver dado à massa a forma desejada.A base química que explica as características da filagem da massa deriva das reações que ocorrem na coalhada devido a acidi-

ficação. No esquema abaixo pode-se visualizar as reações que acontecem:

Caseinato de Ca + coalho pH ~ 6,2 Paracaseinato de cálcio (Precipitado insolúvel)

Paracaseinato de Ca + Ácido Láctico Paracaseinato Monocalcico + Lactate Cítrico ou Citrato de Ca (Solúvel em água quente + sal, fibroso, macio e elástico)

O paracaseinato monocálcico pos-sui a propriedade peculiar de quando aquecido a 54ºC ou mais, tornar-se macio, fibroso e elástico, mas retendo na sua rede a gordura incorporada durante a coagulação do leite.

A estrutura da coalhada da massa filada em função da sua propriedade elástica tem sido estudada por diversos autores; além disso, com o auxílio de microscópio eletrônico, destaca-se uma primeira estrutura granular da coalhada e, posteriormente, depois da filagem, uma estrutura de fibras, orientadas paralelamente, contento aglomerados de glóbulos de gordura.

A estrutura fibrosa da coalhada não aparece até que não seja atingido um pH de 5,8 ou menos. O aumento gradual da força e o número de ligações produzem uma contração da rede filamentosa de caseína e provoca a expulsão do soro.

A força de contração da coalhada é contrariada por outros fatores, como taxa de acidificação e diminuição simultânea do fosfato de cálcio coloidal da rede de caseína, que atua em caminho oposto. A água residual na rede capilar é uma característica específica da natureza da coalhada obtida.

Segundo alguns autores, quando o leite coagula, a micela da caseína se agrega e for-ma uma matriz contínua de massa proteica fluída. A matriz da proteína, a sua volta, é constituída de pequenas partículas mantidas unidas por várias ligações, como uma rede que inclui na sua malha a gordura, a água e as bactérias. A estabilidade da estrutura da rede depende da espessura das cadeias de micelas que, por sua vez, depende do espaço entre as células em que as cadeias estão livres para mover-se. Ao cortar a coalhada, com a saída do soro, a rede torna-se mais compacto e as micelas fundem para formar um cordão mais espesso pela contínua interação entre

as proteínas. Quando a coalhada é fundida e filada, a rede de caseína, que já está estruturado em cordões, se alinha em fibras contendo o soro, gorduras emulsionadas e agregados de bactérias. A propriedade de filagem da coalhada esta relacionada com o seu pH. No caso da mussarela obtida de leite de vaca, o alongamento ou elasticidade ótima se obtém com um pH entre 5,2 a 50; se o valor do pH é inferior a 4,8 ocorre excessiva desmineralização da rede da coalhada, comprometendo a resistência, a qual se torna baixa. Nas coalhadas produzidas com acidificação química, o pH pode ser de 5,6 a 5,8, contudo a boa propriedade funcional e plástica da coalhada se realiza igualmente, pre-sumivelmente, devido ao aumento da desmineralização, especialmente quan-do se usa um potente agente quelante do cálcio, como o ácido cítrico.

Giuncata Leccese. É produzido na província de Lecce, com leite parcialmente desnatado, de vaca ou misto (ovino e capri-no). Deve seu nome a faixa de junco na qual é colocada a coalhada. Não tem crosta; a massa é macia, mas consistente, com uma cor branca láctea. O sabor é fresco e delicado, levemente amanteigado. Não requer tempero, ou seja, não é submetido a sal-ga. Trata-se de um queijo

fresco, colocado à venda ime-diatamente após a produção.

As melhores giuncatas são produzidas entre maio e setembro.

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Caciocavallo podolico del Gargano PAT - (Prodotto Agroalimentare Tradizio-nale). O caciocavallo podolico del Gargano ou, ainda, caciocavallo podolico dauno, é um queijo de massa filada, produzido de maio a junho, em Gargano (FG), a partir de leite de vaca inteira, exclusivamente de raça podolica alimentadas com pastagem. Nessas áreas, onde são encontradas pastagens ruins e pouca água, a sobrevivência do gado é difícil, mas a raça podolica, uma raça de

LA VACCA PODÓLICA DEL GARGANO

origem ucraniana introduzida durante as invasões bárbaras, encontra seu ambiente natural. Esse queijo é uma raridade, porque esse tipo de raça de vaca produz pouco leite e somente em determinadas épocas do ano. Tem forma ovoíde, com casca fina, lisa e lustrosa, de cor clara, branco alabastro, que tende a amarelar com o amadurecimento; a massa é de cor palha e pode ser ligeiramente porosa. Após dois anos de maturação, as formas apresentam-se cobertas

por um mofo branco-acinzentado, a massa é dura, escamosa e friável, lembrando o queijo parmigiano, mas de um amarelo mais intenso.

Chegou na Itália no século V d.C. e em risco de extinção durante o século 20, está hoje protegida em toda a área. A vaca podólica é considerada a mais rústica entre as raças italianas. No Gargano, pode ser encontrada nas alturas de Rignano Garganico, Monte Sant’Angelo, San Marco em Lamis, San Nicandro Garganico, Mattinata, Carpino e nas terras de Santa Tecla em Vieste. Atualmente, no Parque Nacio-nal do Gargano existem 350 cabeças registradas no Livro Genealógico e outras 300 estão sendo registrados. A vaca podólica vem da Podólia (região da Ucrânia) com a invasão bárbara. Após a queda do Império Romano, desenvolveu-se ao longo da costa adriá-tica, do Vêneto até a região de Gargano.

Seu leite é muito aromático, graças ao fato de que as vacas são criadas soltas, na natureza, e se alimentam de ervas sel-

vagens ricas em caroteno. É uma raça muito resistente que requer pouco cuidado e é capaz de se alimentar com foragens grosseiros, mesmo arbustivos, em áreas semi áridas, que outras raças não poderiam explorar.

É uma raça mista. Antigamente, criado principalmente para a produção de carne,

conseguiu se converter em uma raça mista para a produção de carne e, secundariamente, de leite.

A raça podólica sobrevive apenas no Gargano, onde pode se ver pequenos rebanhos dessas espécimes, com sua típica pelagem cinza e chifres grandes.

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Fallone di Gravina. O fallone di Gravi­na é um queijo fresco e delicado, produzido na área de Gravina, na província de Bari. O queijo deve ser consumido fresco, preferen-cialmente no mesmo dia em que for prepara-do. A sua extrema perecibilidade é em grande parte devido ao fato de que durante séculos os pastores produziram o queijo usando leite cru, ao invés do leite pasteurizado usado hoje. As fabricações caseiras continuam utilizando leite cru, enquanto que os laticínios e quei-jarias usam leite pasteurizado. Além dessa diferença, a receita permaneceu inalterada,

segundo a qual uma porcentagem de leite de cabra (10% a 15%) é adicionada ao leite de ovelha, para dar à massa um caráter mais intenso. O processo de produção inclui o aquecimento do leite até cerca de 40 graus, então o coalho, com pelo menos um ano de idade e previamente derretido em água morna, é adicionado à massa. Nesse ponto, a coalhada deixa-se acomodar por 15 minu-tos, é finamente picada e a liberação do soro ocorre manualmente. A massa, dividida em porções, é colocada em moldes de plástico que substituíram os mais velhos de precipi-tação. O fallone di Gravina já está pronto para ser plenamente apreciado: suave, com bom teor de gordura, compacto, e com sabor característico.

Cacioricotta pu-gliese PAT - (Prodotto Agroalimentare Tradi-zionale). É um queijo muito conhecido, pro-duzido em todas as províncias da Puglia. O período de produção é de maio a setembro e o nome deriva da técnica de produção, a qual é uma misturada entre a do queijo e a da ricotta. A cacioricotta é feita a partir de leite integral

de ovelha mis-turado com leite de cabra de gado de pastagem.

A forma é cilíndrica, de tamanho pequeno no produto fresco, que pesa cerca de 200 gramas; na forma curada, o peso varia de 500 gramas até um quilo. Têm diâmetro de 10 a 20 cm e altura de 7 a 13 cm;

no produto fresco, a superfície é branca e lisa, o sabor é salgado. A forma curada apresenta uma pasta semidura, de cor amarelo-palha, e com pequenos buracos. No processamento, todo o leite de ovelha e cabra é aquecido até 90°C, o que permite separar as proteínas do soro de leite, que compõem a ricotta e o queijo: il Cacio. Daí o nome Cacioricotta.

Ou seja, é um produto obtido por uma técnica de produção híbrida, uma mistura de técnica de produção de queijo com a técnica de produção da ricota.

Depois de aquecido, o leite é resfriado a 37°C e coagulado com coalho de cabrito. A coalhada é então quebrada ao tamanho de “grão de arroz” e colocada

nas formas. A salga é realizada depois a seco para a dispersão de sal.

Geralmente, é consumido após uma maturação de 15 dias, mas também pode ser consumido fresco após dois ou três dias; pode-se também deixar o produto envelhecer por três ou quatro meses, para que assuma a cor típica amarelada, massa dura e compacta.

É usado tanto como um produto de mesa quanto como queijo ralado, em pratos da tradição local. O sabor é azedo e livemente picante.

Ricotta Marzo-tica. É um produto típico da península salentina (o Salto da Bota), a província de Lecce. Tem o formato de tronco de cone, com altura de 8 a 16 cm e diâmetro médio de 9 a 14 cm. A massa é friável e não elástica, o sabor é sapi-do, com um cheiro típico; a crosta é macia e enrrugada. A massa é amanteigada, com uma cor verde amarelada. É essencialmente produzido na primavera (de meados de fe-vereiro a maio), quando as cabras e ovelhas

se alimentam de forragem primaveril, tendo então um leite mais rico e saboroso. Para sua produção utiliza-se leite e soro de cabra, ovelha e vaca, misturados.

A maturação ocorre em locais bem ventilados e frescos, em temperatura entre 12°C e 15°C e umidade relativa entre 60% e 85%. O tempo de maturação varia de 10 a 20 dias. Quando a ricotta marzotica atinge a consistência certa, passa pelo all’insbimento, que consiste em envolver a ricotta com ervas da região, tal como gramigna (Agropyrum repens, da família Poaceae), lolium, etc.

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Scamorza di pecora. É um dos pou-cos queijos de massa filada de leite ovino. Apresenta a tradicional forma de pera, com pequena cabeça. O seu peso varia entre 300 e 600 gramas e a massa é semi dura.

Queijo sem casca e com pele lisa e elástica, branca ou de tonalidade palha. A massa é compacta, elástica, de cor branca, sem orifícios (buraquinhos).

É um queijo típico da província de Bari e um dos ingredientes do quagghiaridde, prato de Andria. O quagghiaridde, palavra quase que impronunciável, de origem des-conhecida, pertencendo ao dialeto local, se refere a um peito de cordeiro (antigamente carneiro), costurado e recheado com scamor­za de pecora, salame, miúdos, ovos, arômatas, sal e pimenta, azeite extra-virgem e um cálice de vinho branco.

A scamorza di pecora fica pronta para o consumo após uns quinze dias de maturação. Ainda pode ser defumada, mudando, assim, ligeiramente sua coloração e sabor.

Fior di latte. O fior di latte é o queijo fresco da Puglia mais famoso do mundo. Ao contrário da famosa mozzarella da região da Campânia, que é feita com leite de búfala, na Puglia, a mozzarella é feita com leite de vaca. A produção é a mesma da burrata até a parte da filatura. Tem cor branca e consis-tência elástica e filamentosa. É amplamente utilizado na cozinha e como condimento para pizzas.

Ainda poderia-se falar do cacio (P.A.T.), do cacio gargano ou caciogarganico, do cacio­fiore pugliese ou caciotta foggiana, do caciori­cotta leccese ou da ricotta forte, sem esquecer os pecorinos locais, tais como o brindisino, o foggiano e o leccese, todos iguarias da região! Mas, basta de queijos por ora!

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APÚLIA ITALIANA: A RICA COZINHA DOS POBRES

A Apúlia, instalada entre o Mar Jônico e o Adriático, imensamente plana e tremen-damente fértil, tem sido uma região muito apreciada ao longo da história, ocupada ou, às vezes, destruída pelos messápios, romanos, ostrogodos, sarracenos, lombardos, húnga-ros, eslavos, normandos e espanhóis.

O comércio, bem desenvolvido com os marinheiros das Índias Orientais e da Arábia, levou uma boa variedade de produtos, como o café, o tomate, o grão-de-bico e a beringela vermelha, que se espalharam e foram de ime-diato adotados pelas famílias de agricultores.

Durante três mil anos cresceu a dicoto-mia entre a cozinha dos camponeses e a das classes mais nobres. Os primeiros, majorita-riamente vegetarianos, dado que não podiam suportar o luxo que era a carne, aprenderam a contentar-se com o que tinham, encontrando usos variados e inteligentes para as legumino-sas, os feijões e as hortaliças, não esquecendo de mencionar a diversidade mediterrânica de trigo, azeite e vinho.

A sua culinária, muitas vezes, assumia o nome de cucina povera (cozinha pobre), porque se resumia ao uso dos poucos in-gredientes disponíveis, das mais diversas formas, desperdiçando o mínimo possível, de preferência nada.

As tradições da gastronomia da Puglia dividem-se, aproximadamente, em três áreas distintas, a área de Capitanata (Gargano e Tavoliere), a área de Bari e a de Salento. Um fator de distinção entre as três tendências é o molho: com alho, muito presente na Ca-pitanata, e substituído pela cebola a medida que se desloca mais para o Sul.

À medida que se percorre as bancas de um mercado pugliese, descobre-se uma imen-sidão de produtos locais: chicória selvagem, favas, farinha e pasta feita com trigo duro, orzo e sa-cos com macche­roni e orecchiette. Chama dos de ma­ritati (casados), uma

das massas foi inventada para fazer lembrar a forma de um pênis e a outra de uma vulva. Os apulianos adoram esse prato suculento,

particularmente quando é servido com alguns vegetais locais, ligeiramente amargos, os cimedi rapa (grelos).

OrzoOrzo (do latim hordeum)

ou Risoni, às vezes chamado de arroz italiano, é uma massa alimentícia típica da cozinha italiana, que tem a forma de grandes grãos de arroz. É frequentemente usado em sopas, saladas ou acompanhamento e comumente encontrado em toda a Bacia do Mediterrâneo Orien-tal; é chamado de kritharáki (Κριθαράκι, “cevada pequena”) em grego, arpa şehriye (noodle de cevada) em turco, lisan al­usfur (sparrow tongue ,روفصعلا ناسل)em Árabe, e ptitim (םיתיתפ, flocos) em hebráico e, também, conhecido na Alsácia sob o nome de riewele.

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O papel do azeite na Apúlia não pode passar despercebido. No passado, era ex-portado para todo o mundo, na forma de lamparinas, criando muita riqueza para alguns apulianos. Nesses tempos, a maior parte da terra fértil era utilizada para plantar oliveiras; hoje, estima-se que existam cerca de 60 milhões de árvores, garantindo 40 por cento da produção de azeite na Itália. Apimentado e com uma ligeira acidez, este produto enfatiza o caráter do prato onde é adicionado, mas é melhor poupá-lo quando cozinha-se no fogão e ser mais generoso quando o serve à mesa, uma vez que este azeite perde nuances do seu sabor a altas temperaturas. As azeitonas pretas e verdes (incluindo as famosas azeitonas de Cerignola) e o azeite extra virgem estão entre os pilares da dieta local.

O pão é delicioso, particularmente o da região de Altamura, na província de Bari, feito com farinha de trigo duro (triticum durum); em 2003, o Pane di Altamura

ganhou o estatuto de DOP (Denominazione di Origine Protetta). Outro famoso quitute local é o friseddha (frisella, frisedda ou, ain-da, fresella, em napolitano), pão de farinha

de grano duro, assado no forno, depois cortado no meio e assado novamente. O formato lembra o de um donut. Pode ser tempe-

rado com azeite, sal, pimenta e, se quiser, ainda, com tomates ou cebolas. Feito assim, lembra, vagamente, uma clássica bruschetta!

A produção de massas ca-seiras é muito importante e as mais conhecidas são a lasagne, a recchie ou orec­chiette, o troccoli, a chiancarelle e

os maccarroni, temperados com molho de tomate ou molho de carne ou peixe.

As recchie ou orecchiette são mas-sa s f e i t a s em forma de pequenas orelhas (daí o nome), em um formato côncavo; as tradicionais são feitas com farinha de sêmola ou farinha integral.

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Na área de Bari existe uma for-ma mais alon-gada, as chamadas strascinati. O nome deriva do fato de que no momento em que as pastilhas são criadas com a ponta da faca, ao invés de criar um círculo, são alongadas.

Os chiancarelle são nada mais do que uma massa de orecchiette menor, enquanto os troccoli são típicos do Gargano e produzidos com o homônimo rolo.

Entre os alimentos da gastronomia típica pugliese não podem faltar o peixe e os frutos do mar, como mexilhões, lulas, camarões, etc. Sendo a Puglia a região italiana com o mais extenso litoral (784 km), o que não falta é peixe. Eles são servidos cozidos, gratinados ou em sopas, temperados com azeite, tomate e cebola (alla marinara).

Vejamos, a seguir, alguns pratos bem típicos da região.

OrecchietteJá mencionamos aci-

ma o que é orecchiette, ou seja, uma massa local à base de sêmo-la de grano duro, tradicionalmente preparada à mão, com formato de orelinha! As recei-tas mais conheci-das são Orecchiette con le cime di rapa, Orecchiette al ragù di carne di cavalo e Orec­chiette con zucchini. No primeiro, a massa é refoga-da com azeite e temperada com os ingredientes principais do prato, folhas de nabo (Brassica rapa) e anchovas, na versão pugliese. Também pode ser degustado junto com várias outras iguarias, como as-

pargos, brócolis, linguiça, espinafre, molho de tomate, pesto e muito mais, mas a receita tradicional e regional é a que usa grelos.

Na segunda versão, o Orecchiette al ragù di carne di cavallo, a tradicional carne de boi usada para fazer o ragu é substituída por car-ne de cavalo. O verdadeiro ragu (veja no box anexo) pode ser feito de quase todos os tipos de carne, dependendo das variações locais. Um molho com ragu de coelho, típico dos feriados, de acordo com a receita tradicional

camponesa, é para pessoas que gostam de sabores intensos e de boa comida. O de carne de cavalo, também.

RAGU OU… RAGOUT

Ragu (do francês ragoût, de ragoûter, despertar o gosto ou o apetite) é um molho à base de carne cozida, tradicionalmente utilizado no acompanhamento de massas na culinária italiana. É também usado na cu-linária brasileira, principalmente paulista, de influência italiana. Criado por Alberto Alvisi, no século XVIII, a sociedade gastronômica Accademia Italiana della Cucina documenta diversas variações da receita, sendo as mais típicas o ragu à bolonhesa, à napoletano e à baresa. • Napoletano - Diferentes carnes cozidas

em fogo médio durante horas, extrato de tomate, azeite, cebola, vinho tinto, água - usado em rigatoni ou fusilli, com queijo parmesão. A carne é servida separada, em porções.

• Bolognese ou Emiliano - Carne moída, picada ou desfiada, com tomate - usado em fettuccinee pappardelle. Há muitas versões em Bolonha, cidade onde o molho é de fato comido com bastante frequência (segundo dizem, toda boa mãe ou avó prepara o ragu aos domingos). Uma delas, inclusive, foi registrada como a oficial na Accademia Italiana della Cucina, em 1982.

Há outros tipos, também italianos na origem: sardo, piemontese, lucano (alla po­tentina), abbruzzese, barese (de macellaio), alla calabrese, etc. e alguns especiais: di seppia (lula; di gamberi (camarão); de amêijoa e também… de soja.

O verdadeiro ragu à bolonhesa é feito com molho de carne e um pouco de tomate (e não molho de tomate e um pouco de carne). O molho vermelho com carne moída que estamos acostumados a comer no Brasil pode ser até muito bom. Mas é tudo, menos molho à bolonhesa. A principal característica do verdadeiro ragu à bolonhesa é o fato de ser um molho predominantemente de carne e que fica cozinhando durante muitas horas. Pode ou não levar tomate.

A outra característica importante é que não deve ser comido com espaguete, como se costuma fazer nos Estados Unidos (e no Bra-sil também), mas com tagliatelle ou qualquer outra massa feita com ovos, de preferência à mão. Mais rugosas, essas pastas absorvem melhor o sabor do que o liso espaguete. Tam-bém pode acompanhar polenta e lasanha. Mas ragoût é mais que isso: é a arte francesa (e italiana) de fazer molhos perfeitos, tendo

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a carne como base.“A verdade é que cada receita de ragu tem

a sua pequena variação”, diz o chef Alberto Bettini, da premida Trattoria da Amerigo, de Savigno, uma das melhores da região. Lá, além de servir seu famoso ragu todos os dias, vende também uma versão pronta, em simpáticos vidros com jeito vintage.

A receita de Bettini, executada pelo chef Gianluca Esposito, leva carne de vaca e de porco, cenoura, aipo, cebola, azeite e massa de tomate. Massa de tomate? “A receita tradicional foi feita sempre assim para que pudesse ser repetida sem variações, inclusive, no inverno, quando nem sempre se encontrava tomate”, diz Esposito. Outro ponto impor-tante: se quiser ser tradicional, coma sem parmesão. “Não sou purista”, avisa Bettini. “Quem quiser colocar parmesão pode. Mas vai comer ragu à bolonhesa com parmesão e não ragu à bolonhesa”. A seguir, a receita de Bettini e Esposito e seus muitos truques para um ragu perfeito.

Ingredientes: 500g de fraldinha moída; 300g de lombo de porco moído; 200g de pancetta moída (ou bacon cru); ½ cebola grande picada; ½ cenoura picada; ½ aipo; 100g de massa de tomate; 400ml de água; 100g de azeite de oliva; e sal a gosto.

Em uma panela, aqueça metade do azeite e, em seguida, coloque a cebola, o aipo e a cenoura (quanto menores os pedaços dos legumes, melhor). Refogue até que fiquem dourados e, depois disso, coloque sal. Em outra panela, aqueça a metade restante do azeite e refogue as carnes, sem sal. Primeiro coloque a mais gorda (pancetta) e doure. Depois, acrescente o lombo e, só quando o lombo estiver dourado, junte a carne de boi. Coloque as carnes aos poucos para se-rem refogadas, esfarelando-as com as mãos. Enquanto refogam, cuide para que não se formem grumos. Caso isso aconteça, vá desfazendo-os com a ajuda de um garfo ou espátula. Quando as carnes estiverem em uma tonalidade marrom-escura (cuidado para não queimar), transfira-as para a panela onde os legumes foram refogados. Acrescente a massa de tomate, a água e misture bem. Ajuste o sal se for preciso. Abaixe o fogo e deixe o ragu cozinhar por, pelo menos, duas horas. É essa uma das principais etapas que vai dar o gosto do molho e tirar totalmente a acidez. Depois de pronto, coloque na ge-ladeira por, pelo menos, um dia. A gordura vai subir. Antes de servir, retire-a, ou o ragu ficará muito pesado.

Braciole à lá bareseTrata-se de um enrolado de carne, comu-

mente encontrado no Brasil como bife à role, feito de carne de vaca ou de cavalo, recheado com presunto, salsinha e pecorino ralado.

Primeiro, é frito no azeite e cebola e, depois, é adicionado o tomate e, em seguida, deixado para cozinhar em fogo baixo. Na sua versão barese fica, pelo menos, seis horas cozinhando em molho de tomate. É um pra-to, geralmente, preparado para almoços de domingo, pela nonna, e comido em grandes mesas familiares.

Assim como o polpetone, o braciole possui inúmeras versões. Além dos recheios, que variam dos legumes ao ovo com presunto, a carne usada pode ser de cortes bovinos, suínos ou equinos.

Purè di fave con cicoria selvática ou, ainda, Fàe bianche e cecòre

Nada mais é do que um purê de favas com chicória, porém só pode ser preparado com os grãos secos, que devem cozinhar por um período suficientemente longo, de modo a serem facilmente esmagados com uma colher para criar um purê. São, geralmente, preparados com almeirão (chicória), que é servido separadamente ou misturado com o purê de feijão.

FAVAFava (não confundir com

feijão-fava) é a denominação de um ou mais espécies de plantas da família das Fa­baceae, em especial da espé-cie Vicia faba. Ao contrário do feijão, a fava tem como

caracte rística encontrar a sua radícula em uma das pontas espalmadas e não ao centro.As favas são originárias do Próximo-Oriente, segundo os primeiros restos

arqueológicos datados de seis a sete mil anos a.C.. A sua utilização como alimento foi, entretanto, disseminada pela região mediterrânica, tendo o Império Romano um papel importante no aumento do seu consumo. A expansão marítima dos Reinos Ibéricos teria feito a fava chegar à América. Hoje, o seu consumo é global.

A vagem da fava é rasa, alongada e ligeiramente curvada, medindo em média sete centímetros de comprimento. No interior das vagens residem entre duas a quatro sementes rasas com forma de rim, a que habitualmente nos referimos como favas. As sementes são geralmente de cor verde, apesar de algumas va-riedades incluírem cores como branco, vermelho, roxo, castanho ou preto. As favas têm sabor amidoso, semelhante ao da batata, e uma textura granulada, mas ligeiramente amanteigada.

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Peperoncini ripieniGeralmente, estamos acostumados

a ver as pimentas em sua forma cônica clássica, ligeiramente alon-gadas e com a típica cor vermelha brilhante. Na Puglia e na Calabria, se cultiva uma qualidade especial chamada Cerasella di Calabria, a qual pertence a espécie Capsicuum annuum. São frutas redondas, semelhantes às cerejas, com cerca de 3 cm de diâmetro. Também conhecido como ceraso, cerasella, cerasiello, é usado principalmente no estado fresco e em conservas em vinagre ou com óleo. É médiamente picante, 15,000 a 30,000 SHU (Scoville heat units).

Com atum, anchovas e alcaparras, queijo, azeitonas e mais, os peperoncini piccanti ripieni são uma iguaria irresistível, de grande tradição culinária na Apulia e Calabria. Requerem uma preparação cuidadosa e prudente que, inicialmente, envolve uma limpeza cuidadosa da pi-menta e a eliminação de todas as semen-tes. Depois disso, são fervidas em uma mistura 50% a 50% de vinagre branco e vinho branco e levemente salgado antes de serem drenadas em uma toalha, de ca-beça para baixo, durante uma noite, para que possam estar perfeitamente secas. O recheio pode ser feito, por exemplo, com atum, anchovas e alcaparras no sal, ou com outras iguarias. Depois, são colocadas em frascos de vidro e cobertas com azeite, certificando-se que o mesmo cubra bem os peperoncini; os frascos são lacrados de for-ma adequada e armazenados em local seco, fresco e escuro. Uma delícia para aqueles que desejam o sabor intenso e boa comida.

PanzerottiO panzerotto parece um calzone e lem-

bra a empanada de nossos vizinhos sul ame-ricanos. Na verdade, é uma versão pequena dos calzones de pizza ou pizza fechada. É preparado com a mesma massa usada para criar a pizza normal e é chamado panzerotto na Puglia (com exceção da província de Lecce, em que se chama calzone); ao con-trário de outras regiões, principalmente no Centro e Sul da Itália (Lazio, Abruzzo, Molise, Campania, Basilicata, Calabria e Sicília), para distingui-lo dos inúmeros tipos de calzone assado. Também pode ser feita com uma massa de pão mais macia e preparada com azeite.

Tem formato típico de meia lua.

Os recheios mais comuns são de tomate e mussarela, cebola e azeitonas pretas, cebolas com anchovas e alcaparras, ovos com queijo ou ricota. Pode ser cozido no forno ou frito em azeite extra virgem e é comido quente.

O panzerotto nasceu da tradição mais pobre da culinária da Apúlia, quando, com o restante da massa de pão, eram confeccio-nadas estas pequenas meias luas, recheadas com pedaços de queijo e tomates, para os camponeses levaram para se alimentar no campo.

Panzerotto - Variedade de nome

Província de Lecce, Província de Reggio, Calabria e Sicília

Calzone fritocomprimento cerca de 20 cm recheio usual; mussarela, tomate (presunto, azeitonas)

Calzone ao fornocomprimento cerca de 20 cm recheio usual; mussarela, tomate (presunto, azeitonas)

Pizza como calzonecomprimento cerca de 30 cm recheio usual: depende da pizza de referência

Basilicata Puglia(excluídas a Província de Lecce), Milano e Torino

Panzerotto Panzerotto ao forno Panzerotto ao forno

Napoli

calzone ou pizza fritacomprimento cerca de 20 cm recheio usual: torresmos e ricota, ou presunto e ricota, ou presunto e mussarela, ou mussarela e tomate (presunto e azeitonas)

calzone ao forno recheio

Entre as sobremesas, a cartellate ou a car­teddhrate são típicas do período de Natal. São tiras de massa obtidas a partir de uma mistura de farinha, óleo e vinho branco, dobradas e arredondadas. Uma vez definida em formas, são cozidas no forno ou fritas em uma panela, e depois temperadas com mel.

No geral, os pratos da Puglia são expressões de excelência da dieta mediterrânea, feitos de pratos autênticos, saudáveis e ricos em aromas. Muitos pratos são temperados com inúmeras especiarias, como alcaparras, orégano e manjericão, que aju-dam a definir os aromas e sabores dos pratos finais.