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CIÊNCIA POLÍTICA PROFA. MS. GIANE ALBIAZZETTI A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO POLÍTICO NA MORDERNIDADE E A IMPORTÂNCIA DA POLÍTICA EM NOSSA VIDA Você já parou para pensar sobre a importância da política? Afinal, gostando ou não, querendo ou não, a política faz parte do nosso cotidiano, e interfere diretamente em nossa vida e nas relações sociais. Em geral, e infelizmente, a maioria das pessoas pensa a política de modo bastante negativo, com argumentos do tipo: “não gosto de política”, “política é coisa de gente desonesta”, “todo político é corrupto”, “política é um negócio sujo”, e muitas outras afirmações com conotações parecidas com estas. Mas, política é algo muito maior, essencial para a organização da vida em sociedade. Política é algo que está sempre presente em nossas vidas, interferindo no presente e no futuro. Na verdade, a política é um atributo essencialmente humano, isto é, todo homem é um ser político por natureza, e a história revela isso, pois a vida em sociedade exige relações de aproximação, acordos, regras de conduta, limites, e um amplo conjunto de valores e de normas que viabilizam o convívio social. Pensem no seguinte: desde os primórdios da humanidade, o ser humano teve que vencer as adversidades naturais (animais mais fortes e eventos da natureza), criando estratégias de sobrevivência, e a mais efetiva de todas foi organizar-se em sociedades, em coletividades. No entanto, o homem também é um ser competitivo por natureza, e no convívio com os demais se revelam relações de poder e de hierarquia, que podem ser facilmente observadas em todos os grupos sociais, em todas as épocas da história. E é aqui que entra a política. Essa característica fundamental do ser humano – sua natureza associativa - já havia sido assinalada na Antiguidade pelo filósofo Aristóteles, que afirmava ser a convivência uma necessidade essencial do homem. Por outro lado, todo ser humano é essencialmente livre e cada um tem as suas próprias ideias, preferências, experiências e conhecimentos, o que configura a individualidade. Esta relação entre a necessidade de conviver com outros e de manter sua individualidade é fonte de muitos conflitos, que podem ser harmonizados e convertidos em fatores positivos para o crescimento de todos, estimulando o dinamismo e a criatividade, se forem estabelecidas regras justas e eficazes para organizar e disciplinar a convivência entre os indivíduos. Como afirma Durkheim (apud TOMAZI, 2000, p. 17): [...] na vida em sociedade o homem defronta com regras de conduta que não foram diretamente criadas por eles, mas que existem e são aceitas na vida em sociedade, devendo ser seguidas por todos. Sem essas regras, a sociedade não existiria, e é por isso que os indivíduos devem obedecer a elas. Estabelecer regras e normas de convívio coletivo e definir objetivos sociais são tarefas da política; essas regras, normas e objetivos devem refletir as vontades e os interesses de todos os indivíduos que participam do grupo social, preservando sua autonomia e liberdade

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CIÊNCIA POLÍTICA

PROFA. MS. GIANE ALBIAZZETTI

A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO POLÍTICO NA MORDERNIDADE E A IMPORTÂNCIA DA POLÍTICA EM NOSSA VIDA

Você já parou para pensar sobre a importância da política? Afinal, gostando ou não, querendo ou não, a política faz parte do nosso cotidiano, e interfere diretamente em nossa vida e nas relações sociais.

Em geral, e infelizmente, a maioria das pessoas pensa a política de modo bastante negativo, com argumentos do tipo: “não gosto de política”, “política é coisa de gente desonesta”, “todo político é corrupto”, “política é um negócio sujo”, e muitas outras afirmações com conotações parecidas com estas. Mas, política é algo muito maior, essencial para a organização da vida em sociedade.

Política é algo que está sempre presente em nossas vidas, interferindo no presente e no futuro. Na verdade, a política é um atributo essencialmente humano, isto é, todo homem é um ser político por natureza, e a história revela isso, pois a vida em sociedade exige relações de aproximação, acordos, regras de conduta, limites, e um amplo conjunto de valores e de normas que viabilizam o convívio social.

Pensem no seguinte: desde os primórdios da humanidade, o ser humano teve que vencer as adversidades naturais (animais mais fortes e eventos da natureza), criando estratégias de sobrevivência, e a mais efetiva de todas foi organizar-se em sociedades, em coletividades. No entanto, o homem também é um ser competitivo por natureza, e no convívio com os demais se revelam relações de poder e de hierarquia, que podem ser facilmente observadas em todos os grupos sociais, em todas as épocas da história. E é aqui que entra a política.

Essa característica fundamental do ser humano – sua natureza associativa - já havia sido assinalada na Antiguidade pelo filósofo Aristóteles, que afirmava ser a convivência uma necessidade essencial do homem. Por outro lado, todo ser humano é essencialmente livre e cada um tem as suas próprias ideias, preferências, experiências e conhecimentos, o que configura a individualidade. Esta relação entre a necessidade de conviver com outros e de manter sua individualidade é fonte de muitos conflitos, que podem ser harmonizados e convertidos em fatores positivos para o crescimento de todos, estimulando o dinamismo e a criatividade, se forem estabelecidas regras justas e eficazes para organizar e disciplinar a convivência entre os indivíduos.

Como afirma Durkheim (apud TOMAZI, 2000, p. 17):

[...] na vida em sociedade o homem defronta com regras de conduta que não foram diretamente criadas por eles, mas que existem e são aceitas na vida em sociedade, devendo ser seguidas por todos. Sem essas regras, a sociedade não existiria, e é por isso que os indivíduos devem obedecer a elas.

Estabelecer regras e normas de convívio coletivo e definir objetivos sociais são tarefas da política; essas regras, normas e objetivos devem refletir as vontades e os interesses de todos os indivíduos que participam do grupo social, preservando sua autonomia e liberdade

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(desde que não prejudiquem a convivência conjunta). Pressupõe-se, portanto, que no campo da política cada pessoa tem que aprender a agir dentro de certos limites, seguindo as regras, normas e leis da sociedade.

A ciência política tal como é hoje conhecida se desenvolveu a partir das ideias filosóficas de pensadores do início da Modernidade, mas o estudo da política remonta à Antiguidade grega, sendo Platão e Aristóteles os primeiros filósofos a se dedicarem a este campo de conhecimento (sem uma preocupação científica).

A filosofia política, até hoje, busca analisar racionalmente a organização da vida em sociedade e as estruturas e estratégias de poder que configuram, caracterizam e ordenam as relações entre os homens.

Para Norberto Bobbio (2000 b), a filosofia política assume quatro significados distintos, os quais, de algum modo, se complementam. São eles: 1) a filosofia política representa uma forma de se descrever, projetar e teorizar a formação dos Estados e das repúblicas, especialmente em seus aspectos éticos e não éticos; 2) a filosofia política estuda e propõe modelos explicativos acerca dos fundamentos do poder e da obediência coletiva, isto é, dos critérios adotados nas mais diversas sociedades para a legitimação do poder de um ou de uns sobre os demais; 3) outra forma de se conceber o pensamento filosófico sobre o universo político é considerá-lo em uma perspectiva mais geral, como um campo de conhecimento autônomo, que não pode ser confundido com a economia, a religião ou o direito, por exemplo. Nesta perspectiva, estudar a política é buscar conhecer e compreender suas particularidades em relação a outras esferas do conhecimento, ainda que estabeleça relações diretas com essas; 4) finalmente, é possível pensar a filosofia política como um tipo de leitura crítica da ciência política, portanto, uma metaciência, cujo fim é colocar em questionamento permanente os modos pelos quais os estudos políticos e seus saberes são produzidos.

A filosofia política é a base indispensável dos conhecimentos que sustentam a ciência política, como veremos nesta disciplina.

Uma forma de definir o campo da política é pensar na articulação entre a vida privada e a vida pública. Noções de público e privado e de formas de governo já podiam ser constatadas na Grécia e na Roma antigas, mas não havia uma clara distinção entre os limites e características de cada um desses aspectos da vida social. Somente na época moderna, quando o Estado adquiriu uma autonomia relativa diante das influências da sociedade civil, foi possível ampliar a compreensão da relação entre a esfera privada e a pública.

Enquanto na esfera privada predominam os interesses individuais ou de pequenos grupos, na esfera pública o que prevalece são os interesses e necessidades da sociedade como um todo, isto é, da coletividade, como por exemplo: definir leis e regras que se aplicam a todos os cidadãos; construir espaços que podem ser utilizados por todos, indistintamente; criar serviços para atender necessidades específicas da população, tais como saúde, educação, transporte, saneamento, iluminação, segurança, etc.; estabelecer taxas e impostos a serem pagos pelos indivíduos e empresas; entre outros. Portanto, a “coisa pública” é de interesse de todas as pessoas que fazem parte da sociedade, por isso deve (ou deveria) ser muito bem fiscalizada e tratada pelo conjunto de cidadãos.

Os fenômenos que contribuíram para o desenvolvimento da ciência política foram a constituição do Estado Moderno e suas diferentes formas e sistemas de governo, que predominavam no continente europeu após o fim da Idade Média. O período histórico que compreende a passagem da Idade Média para a Modernidade foi caracterizado pelo aumento do interesse em relação aos assuntos da vida política, pelas ações dos governantes (reis e príncipes) na condução da ordem social, e pela necessidade de se compreender as relações de poder intra e entre os povos. Surgem, assim, os filósofos precursores da Ciência Política.

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FILOSOFIA POLÍTICA MODERNA: DE NICOLAU MAQUIAVEL A MAX WEBER

Durante o Absolutismo, na Modernidade, os reis organizavam poderosos

exércitos e travavam lutas grandiosas para conquistar territórios e aumentar seus impérios (ainda não se falava em nação e em soberania dos países). Foi nessa época que alguns filósofos começaram a pensar a política de um modo mais avançado em relação aos antigos pensadores gregos. Esses precursores da ciência política enfatizavam que todo Estado Moderno deveria ter, necessariamente, um sistema de governo, cujos representantes (eleitos ou não pelo povo) teriam o dever e o poder de conduzir ações de interesse coletivo, assegurar a execução das leis, a ordem social, seu desenvolvimento e a sua condição de soberania (nas relações internas e externas). Esses filósofos ainda não falavam em “sociedade civil”, termo que surgiu somente no século XVIII. Até então, concebia-se a idéia de que a sociedade se organizava coletivamente, pactuando um “contrato social” inicialmente informal, e depois na forma de leis formais (por isso são chamados de filósofos “contratualistas”).

Nicolau Maquiavel (Itália - 1469-1527) foi o primeiro pensador a refletir sobre a formação dos Estados Modernos. O Estado absolutista foi a primeira forma de Estado moderno, que começa com a crise da sociedade feudal. Foi um filósofo renascentista, e em sua obra procurou enfatizar o papel e a ação dos governantes (na época, os reis absolutistas). Seu livro de referência é “O príncipe” (1513), dedicado a Lourenço II da dinastia Médicis, revelando um teor profundamente realista em termos políticos. Maquiavel descreve a política como ela é e discute como os governantes devem agir para governar com soberania. Foi o primeiro a conceber a ideia de “Estado” como o conjunto de instituições políticas, jurídicas e sociais de uma sociedade. A afirmação abaixo, extraída de “O Príncipe”, nos mostra o modo como ele procurou explicar as relações de poder e os governos através de uma visão profundamente realista.

É necessário a um príncipe que deseja manter-se príncipe aprender a não usar apenas a bondade [...]. Bem sei que cada qual admitirá que seria coisa muito louvável que num príncipe se encontrassem, de todas as qualidades que acima arrolei, aquelas que são julgadas boas. Todavia, visto que não pode possuí-las todas, nem de todo praticá-las, dada a condição humana que o veda, o príncipe terá de mostrar-se prudente o bastante (MAQUIAVEL, 1999, p. 88).

Em sua obra, Maquiavel apresenta para nós, leitores, algumas “lições” clássicas sobre a ação política – esta mais pensada enquanto ação de um governante – cuja finalidade é conquistar e manter o poder. Dentre essas lições maquiavélicas, menciono algumas que nos ajudam a refletir sobre a política no mundo de hoje. Vejamos: “Os fins justificam os meios” – os fins, segundo o filósofo, referem-se ao modo concreto com que um governante assegura sua dominação política, ou melhor, o modo como assume o poder perante uma sociedade. Ao lermos esta passagem de “O Príncipe” temos a clara impressão de que não importam os meios adotados, desde que o governo seja mantido. Para tanto, Maquiavel nos mostra caminhos que ainda hoje ainda são comumente trilhados pelos homens da política. Se pensarmos no Brasil contemporâneo, é possível observar, nos políticos eleitos e naqueles que desejam se eleger, inúmeros comportamentos que nos sugerem um aprendizado consistente das ideias do filósofo renascentista.

“A um príncipe é necessário ter o povo ao seu lado”, aqui Maquiavel admite a importância da aceitação do conjunto da sociedade em relação às políticas adotadas pelo governo. Por isso, ao promover ações que de alguma forma atendam àquilo que a coletividade anseia, o governante consegue obter apoio dos cidadãos, o que amplia suas possibilidades de

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se manter no poder. Basta observarmos, por exemplo, como os candidatos às vagas do executivo e do legislativo (federal, estadual ou municipal) se comportam em períodos de campanha eleitoral. Na última disputa presidencial brasileira, em 2010, os dois candidatos com maior percentual de intenção de votos nas pesquisas (Dilma Rousseff, eleita pelo PT – Partido dos Trabalhadores, e José Serra, do PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira) procuravam oferecer aos eleitores um conjunto de propostas que atendiam, naquele momento, aos interesses da população, em clara tentativa de “ter o povo ao seu lado”, como defendia Maquiavel.

Em outra parte de sua obra, Maquiavel (1999) defende que para ascender politicamente e fortalecer-se no poder o governante depende de apoio, tanto do povo quanto dos homens mais poderosos. Nesta sua afirmação, o autor orienta que o fortalecimento do poder político do governante depende diretamente de duas forças: por um lado, o apoio da população, através de sua aceitação, obediência e aval, por outro, o apoio daqueles que detêm outras formas de poder ou liderança, seja do ponto de vista político, bélico, econômico ou mesmo social. Se pensarmos novamente no exemplo da atual política brasileira, podemos destacar, a título de ilustração, as alianças partidárias que são realizadas antes das eleições e suas posteriores concessões de cargos políticos. Trata-se, portanto, de uma das mais eficazes formas de conquistar e manter o poder político em um Estado.

Em outro momento da obra, Maquiavel (1999) escreve que o governante deve se preocupar em obter a simpatia e o temor de seu povo, mas agindo sobretudo de modo a mostrar-se temeroso. Quando aborda esta questão, o filósofo parece lançar sobre os governantes de seu tempo – os monarcas absolutistas – um grande desafio, que é mostrar-se ao mesmo tempo carismático (emprestando aqui um termo mais weberiano do que maquiavélico) e forte perante a sociedade. Ao expor sua concepção de “amor e medo”, defende que, na impossibilidade de conseguir conciliar ambos esses sentimentos entre o povo, é mais importante garantir uma conduta política que revele um estilo de comando a ser temido, o que, em outras palavras, corresponderia a uma maneira de obter respeito e subserviência da sociedade, bem como um controle sobre os adversários.

Uma outra lição interessante é a que diz que existem duas maneiras de se conquistar e manter o poder político: pelas leis e pela força. Aqui Maquiavel aponta para a necessidade da existência de um corpo de leis (uma das ideias convergentes entre os filósofos da política moderna), instituídas pelo príncipe – lembrando que estamos falando do primeiro grande pensador clássico do Estado Moderno – e também da existência de um aparato militar que esteja a serviço do monarca (no século XV, o exército real). Sendo assim, para que se conquiste o poder político e nele se mantenha, o governante deve ter o respaldo desses dois pilares: as leis e as armas (que posteriormente Max Weber chamará de monopólio da violência).

Outro momento de destaque nas frases contundentes do autor é quando afirma que o governante precisa agir como um dissimulador, pois ao usar de mentiras sempre haverá quem se deixe convencer sobre as mesmas, o que lhe será politicamente muito proveitoso. Nesta passagem, o livro “O Príncipe” nos remete ao comportamento de grandes líderes de Estado (e suas sociedades) do século XX e tempos atuais. Neste ponto a obra se torna tão realista que parece transportar o leitor para os bastidores da política contemporânea. Desde a chamada modernidade (leia-se aqui o período correspondente aos séculos XV e primeiras décadas do século XX, na óptica de alguns historiadores), o jogo político vem se constituindo de práticas de dissimulação, de mentiras e enganação, amplamente consentidas pela coletividade. Mais uma vez, se quisermos exemplificar, podemos pensar no que os grandes ditadores do século XX, passando por Josef Stalin, Adolf Hitler, Benito Mussolini, Augusto Pinochet, Francisco Franco, Kim Il-Sung, António de Oliveira Salazar, Saddam Hussein, entre

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outros, fizeram para conseguir o poder, tendo, inclusive, o apoio de parcelas imensas da população de seus países.

Para Nicolau Maquiavel (1999), o que realmente conta é a opinião e a força política da maioria da população, desde que esta se sinta amparada pelo governante. Mais uma vez, em política a obtenção de apoio é fundamental. Neste caso, Maquiavel aponta para o fato de que o governante deve demonstrar sua benevolência em ajudar a parcela maior do povo a fim de obter, em troca, seu apoio irrestrito (uma relação de troca). Sendo assim, ainda que haja opositores o governo se sustenta no poder, pois a maioria da população se sente politicamente amparada. É o caso do recente cenário brasileiro, onde grande parcela da sociedade manifestou aprovação ao governo federal, devido à percepção de que nos últimos anos o padrão de vida das famílias havia melhorado – ao menos do ponto de vista do emprego, da renda e do consumo – conforme apontaram os relatórios de 2011 sobre o Índice de Expectativas das Famílias – IEF, do IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA, 2011).

Outra ideia doa autor é que em muitos casos o governante irá precisar e até mesmo depender de apoiadores corruptos, e nesse caso deve adaptar-se às suas exigências e condições (MAQUIAVEL, 1999) – impressionante pensarmos que a corrupção na política já fazia parte dos governos absolutistas da Europa, não é mesmo? O que parece mais interessante é que Maquiavel destaca que a aliança do governante com aliados corruptos pode se fazer necessária a fim de se conquistar e manter o poder. Mais uma vez, ao analisarmos o caso brasileiro podemos observar claramente esta tese maquiavélica, especialmente nos governos democráticos, onde a vitória nas urnas depende de alianças entre partidos e concessão de altos cargos públicos para os aliados, ainda que muitos desses possam estar envolvidos em denúncias ou casos de corrupção. Nesses casos, como ensina o filósofo, é mais prudente ao governante adequar-se às circunstâncias e satisfazer os interesses de seus apoiadores corruptos.

Uma outra lição extraída do livro “O Príncipe” é bastante conhecida, inclusive do público leigo, quando o filósofo observa que os que pretendem conquistar e se manter no poder político precisam oferecer ao povo entretenimento, festas e espetáculos, ou, em outras palavras, o governante deve exercer a prática de oferecer ao povo “pão e circo”. Há muitos exemplos de como conquistar a simpatia dos eleitores, e um dos meios mais eficazes é promover ações de concessão de benefícios não contributivos e grandes eventos festivos. Se pensarmos novamente no Brasil, basta lembrarmos que as duas “paixões” nacionais – futebol e carnaval – foram estratégias ideológicas utilizadas durante o Estado Novo (1937-1945), no primeiro governo de Getúlio Vargas, como forma de consolidar o país como nação frente ao cenário internacional (DEBRUN, 1990; GARFIELD, 2000).

Thomas Hobbes (Inglaterra – 1588 - 1679), é considerado o filósofo defensor da monarquia absolutista e do despotismo. Sua obra de referência é o livro “Leviatã” (1651). O "Leviatã" é a representação de uma fera citada na Bíblia (Jó, 40-41), poderosa, forte, destemida e fria. Compara esta fera ao Estado. Hobbes defende a necessidade de um Estado forte e soberano como único meio de manter a ordem e a paz na sociedade. Trabalha com a hipótese de como seria catastrófico um mundo em que os homens vivessem em seu estado de natureza, sem o Estado e suas leis.

O estado de natureza seria, para Hobbes (e, posteriormente, para outros filósofos também), uma espécie de condição mais primitiva e irracional do ser humano, em que cada um, individualmente, lutaria pela sobrevivência em seu meio natural. Trata-se de um conceito meramente hipotético, uma vez que o homem desde sempre procurou se associar coletivamente para superar as adversidades. Para transpor o estado de natureza, que poderia ser mais uma ameaça, ou uma guerra de todos contra todos, como afirma o filósofo, os

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homens tiveram que estabelecer, desde suas origens, um tipo de pacto coletivo – o chamado “contrato social”.

A ideia de um contrato social na modernidade representa a transferência de poder dos indivíduos para o Estado, por meio do estabelecimento de leis e de controle das condutas humanas. Thomas Hobbes concebe o Estado como um grande corpo social, organizado a fim de zelar pela sociedade. Vejam como ele se expressa diante desta questão:

Entendo por leis civis aquelas leis que os homens são obrigados a respeitar [...]. E em primeiro lugar é evidente que a lei, em geral, não é um conselho, mas uma ordem. E também não é uma ordem dada por qualquer um, pois é dada por quem se dirige a alguém já anteriormente obrigado a obedecer-lhe [...], a pessoa do Estado (HOBBES, 1997, p. 207).

Hobbes é um absolutista que se contrapõe totalmente à concepção anteriormente aceita de que o poder dos monarcas seria atribuição divina. Em sua filosofia política concebe a racionalidade e a secularização (finitude do homem) como pilares para se analisar as relações sociais e políticas das sociedades e governos de seu tempo. Assim, sua teoria sobre o Estado Moderno defende que é a vontade humana e não mais a vontade de um ser sobrenatural que impõe as regras da vida social (CASTELO BRANCO, 2004).

Sua teoria se organiza em três partes: De Corpore, De Homine e De Cive. Na primeira e na segunda o filósofo teoriza sobre a condição natural do homem, discorrendo acerca da necessidade de superação do pensamento teológico/religioso predominante na cultura ocidental até então por meio dos enunciados das ciências naturais. A moral e a política se inserem nesses textos como elementos capazes de elevar a racionalidade humana, promovendo a autonomia do pensamento e das ideias sobre o mundo (LISBOA, 2005). Em De Cive Hobbes trata da sociedade, aprofundando sua análise política sobre o papel do Estado. Este é o texto considerado por muitos intérpretes da obra hobbesiana como sendo “a primeira redação de sua obra-prima, o Leviatã” (NOGUEIRA FILHO, 2010, p. 95).

No “Leviatã” o Estado se fundamenta nas leis e através delas se empodera, assumindo o direito legítimo de intervir na organização da vida humana. Trata-se de um poder temporal, secular, fruto da razão humana. Sem isto a sociedade civil sucumbiria. Esse aparato legal é que impede os homens de retornarem ao estado de natureza, à condição originária de todo ser humano, onde cada um competiria ferozmente em defesa da própria sobrevivência. O homem hobbesiano é um ser natural, mas acima de tudo um ser político, que precisa se organizar coletivamente por meio do contrato social, submetendo-se às leis estabelecidas pelo Estado.

Para analisar a obra de Hobbes, é preciso começar lembrando que as bases teóricas do chamado modelo jusnaturalista (do direito natural), sobre a origem e os fundamentos do Estado, já existiam antes e continuaram a existir depois de Hobbes. Elas implicam a existência de uma grande dicotomia entre o “estado da natureza” e o “estado civil”. Entre ambos existe uma relação de contraposição, na medida em que o estado civil é a antítese do estado da natureza. Este é constituído, principalmente, de indivíduos, associados ou não em grupos como as famílias, livres e iguais, uns em relação aos outros, ou seja, um estado em que preponderam tanto a liberdade quanto a igualdade. A passagem de um estado a outro é o resultado de uma convenção estabelecida pelos

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que desejam sair do estado de natureza, o que faz supor a crença de que o estado civil é uma entidade artificial, produto da nossa cultura. O princípio legitimador do estado civil é, portanto, o consenso, estabelecido entre aqueles que desejam passar de um estado a outro (NOGUEIRA FILHO, 2010, p. 96, grifo do autor).

Esse homem concebido na filosofia de Thomas Hobbes é um ser competitivo por natureza, que busca de alguma forma ter poder nas suas relações com o mundo, e assim conseguir garantir a sobrevivência. E a solução encontrada pelo pensador absolutista o arranjo societário dos grupos humanos por meio da sociedade civil, a qual transfere para o Estado todo o poder. Mas esse consenso descrito por Nogueira Filho é um modelo hipotético, meramente teórico, no qual Hobbes pressupõe uma intencionalidade originária – que o autor chama de “desejo” – em tornar os grupos humanos associados de modo mais organizado e controlado, através de um “contrato social”, que representa o início da formação do Estado Moderno. Deduz-se, portanto, que o poder que antes era diluído entre os indivíduos e grupos humanos agora passa a se concentrar totalmente nas mãos do Estado – o Leviatã.

Por outro lado, o entendimento hobbesiano acerca do Estado Moderno se traduz como uma contraposição também ao poder religioso, atemporal. Conforme afirma Castelo Branco (2004, p. 28), “Para dar cabo à disputa política do Estado e da Igreja, o autor submete a Igreja ao poder estatal. O Estado absolutista de Hobbes suprime qualquer forma de poder ou instituição autônoma – seja econômica, religiosa ou de qualquer outra espécie [...]”, incluindo a autonomia dos indivíduos e dos monarcas. Por isso a figura metafórica do Leviatã é adotada como forma de explicar a dominação integral da vida humana e das sociedades por parte do Estado.

Sem dúvida, as crises religiosas do século XVI e as perturbações civis que as acompanharam, ao fazerem surgir os grandes medos da anarquia e da destruição das estruturas políticas e sociais, permitiram a constituição, tida como vital, de um Estado forte. (GOULEMENT, 1987 apud NOGUEIRA FILHO, 2010, p. 93).

Ao defender o Estado como uma espécie de ser forte, poderoso, dominador e destemido (usando a metáfora do monstro bíblico), que se coloca acima da sociedade e dos reis – ainda que regulado por leis –, o filósofo procura enfraquecer ou mesmo suprimir qualquer possibilidade de que interesses particulares, alheios à vontade geral, possam assumir o comando da política nas sociedades absolutistas.

Podemos perceber, então, que Hobbes elabora parâmetros de ética e de justiça na conduta política dos governantes (LISBOA, 2010), mas não faz um discurso orientador como fez Maquiavel. Se comparados, suas ideias parecem se aproximar mais de uma perspectiva idealista acerca do papel do Estado e do governante nas sociedades modernas.

Se quisermos fizer uma análise do Estado brasileiro contemporâneo a partir da perspectiva hobbesiana, é possível perceber o quanto nossas vidas, seja do ponto de vista individual, familiar, profissional, social ou econômico, estão subordinadas às leis e às ações e decisões daqueles que ocupam o poder político. Afinal, o Estado brasileiro nada mais é do que um grande organismo que se forma a partir das várias instituições da sociedade, cujo poder é exercido pelas três esferas constitucionais: o executivo, o legislativo o judiciário, sob o aval da população que os elege. Mas Hobbes não defende esse modelo de divisão do poder, pois sua

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teoria política é conservadora, deixando somente a cargo de um monarca centralizador – o soberano – a direção do Estado e suas leis.

John Locke (Inglaterra – 1632 - 1704), filósofo crítico do absolutismo (ao contrário de Hobbes), é reconhecido como o grande precursor do liberalismo político e um defensor dos ideais burgueses. Observem que ele viveu em pleno contexto do Iluminismo, corrente de pensamento que muito inspirou a revolução política da burguesia na Europa moderna (a Revolução Francesa, expressão histórica da tomada do poder político pelos burgueses, ocorreu em 1789). O livro de referência de Locke é o “Segundo Tratado sobre o Governo Civil” (1690), onde descreve a importância da razão humana para a superação do estado de natureza, e defende como princípios essenciais em uma sociedade a existência de um governo civil que assegure a todos, indistintamente, os “direitos naturais”.

Para este filósofo todo ser humano tem, naturalmente, o direito à vida, à felicidade, à liberdade, à independência e à propriedade (isso combina com os ideais burgueses, não é mesmo?). Para superarem o estado de natureza, os homens devem obedecer às leis que são pactuadas coletivamente – o contrato social - e que são organizadas e defendidas pelo governo.

John Locke é o primeiro defensor de um governo que seja escolhido pela própria sociedade, ao invés da tradicional herança monárquica, por isso se contrapõe ao poder divino atribuído aos reis e príncipes absolutistas de sua época. Sendo assim, defende que um governante deve ser substituído quando não estiver conseguindo assegurar a todas as pessoas os seus direitos naturais.

Vamos agora a um trecho de seu livro. Observem que ele defende a existência do poder legislativo a fim de assegurar a toda a sociedade seus direitos naturais por meio da ação do Estado.

Os homens reuniram-se em sociedades [...] para proteger e defender suas propriedades [...]. Foi com esta finalidade que os homens renunciaram a todo o seu poder natural e o depuseram nas mãos da sociedade em que se inseriram, e a comunidade social colocou o poder legislativo nas mãos que lhe pareceram as mais adequadas; ela o encarregou também de governá-los segundo leis promulgadas, sem as quais sua paz, sua tranquilidade e seus bens permaneceriam na mesma precariedade que no estado de natureza (LOCKE, 1999, p. 165).

Vale destacar a diferença entre monarquia e república. O termo Monarquia significa o governo ou poder de um só, no caso o rei ou rainha. Já o termo República representa o governo ou poder de vários, os quais representam a coletividade, o que implica, portanto, em um nível mais avançado de elaboração política por parte da sociedade.

O pensamento político de Locke corresponde a uma ruptura teórico-ideológica em relação às ideais predominantes até então, e para compreender sua concepção de política é necessário fazer uma contextualização da Europa de seu tempo. No período em que viveu, entre 1632 a 1704, as sociedades europeias, em particular a inglesa e a francesa, viviam uma intensa transformação cultural. No caso da Inglaterra, a Revolução Gloriosa, que ocorreu no século XVII, representou uma espécie de acordo entre as classes econômicas dominantes (no caso, os proprietários rurais e a burguesia urbana), que se empenharam em participar mais diretamente das decisões políticas do país sem ter que derrubar a monarquia (CAMARGO NETO, 2005). É importante lembrar que foi nesse contexto que o Parlamento inglês se constituiu, migrando de uma Inglaterra monárquica absolutista para uma monarquia

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parlamentarista, como é até hoje, onde o poder político do monarca é subordinado às demais lideranças parlamentares.

Nesse cenário, o filósofo John Locke elabora sua teoria acerca do Estado moderno. Ao contrário de Thomas Hobbes, que como vimos foi um defensor da centralização política absolutista, para ele o poder soberano teria quer da sociedade civil, representada pelo parlamento e pelas leis do país, os quais teriam que promover os princípios do liberalismo em favor de todos os indivíduos (NOGUEIRA FILHO, 2010).

É possível observar como Locke é contundente ao se posicionar contrariamente ao absolutismo e à centralização do poder político na seguinte afirmação:

Desde que surgiu no mundo uma geração pronta a lisonjear os príncipes formulando a opinião de que estes são investidos de um direito divino de exercer o poder absoluto, sem levar em conta leis destinadas a reger a instituição de seu cargo e o exercício de seu governo, ou condições para que eles iniciem suas funções, ou ainda o compromisso de respeitá-las, fosse este ratificado por juramentos ou promessas da maior solenidade, estas pessoas negaram à humanidade seu direito à liberdade natural: assim fazendo, não somente expuseram todos os indivíduos à pior miséria da tirania e da opressão, tanto quanto puderam, mas ainda os títulos dos príncipes tornaram-se duvidosos e seus tronos abalados (pois, segundo esta doutrina, todos os príncipes, com uma única exceção, também eles nascem escravos, e, em virtude de um direito divino, são herdeiros legítimos de Adão), como se eles quisessem entrar em uma guerra contra todo o governo e inverter as próprias bases da sociedade humana (LOCKE, 1999, p. 53).

O que o pensador liberal defende é, na verdade, a valorização de cada indivíduo, e o respeito supremo à liberdade natural do homem, independentemente de sua condição social. Reis e nobres se tornam, portanto, igualmente humanos, destituídos de privilégios concedidos por qualquer força sobrenatural divina. Por exemplo, quando aborda o tema do “estado de natureza” da humanidade, hipoteticamente anterior ao estado da sociedade civil (pelo contrato social), o filósofo concebe que “toda a humanidade aprende que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens” (LOCKE, 1999, p. 84).

Assim, ao humanizar os poderosos monarcas absolutistas de sua época, e ao afirmar que seu poder é meramente um instrumento racional, secular, temporal, Locke se torna uma espécie de intérprete do pensamento burguês, um porta-voz das intenções políticas das classes economicamente dominantes da Europa capitalista, o que o coloca na posição de “pai do liberalismo político”, de grande defensor dos ideais burgueses.

Charles-Louis de Secondat ou Barão de Montesquieu (França - 1689 - 1755). Filósofo monarquista republicano, crítico do despotismo, e defensor da existência de uma Constituição que legitimasse e racionalizasse o poder monárquico, é reconhecido pelo livro “Do Espírito das Leis” (1748), em que defende a necessidade de divisão do poder monárquico em três esferas: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Distinguiu três diferentes formas de governo: a Tirania (fundamentada no medo em relação ao governante), a Monarquia (cuja base seria a honra e o respeito para com o governante), e a Democracia (baseada na virtude do governante).

Para Montesquieu, a República da Grécia Antiga representava a democracia

clássica, enquanto que a Monarquia Constitucional por ele defendida representava a

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democracia moderna (daí a importância da Constituição e da divisão dos três poderes).

O governo monárquico tem uma grande vantagem sobre o despótico. Como é próprio de sua natureza existirem, sob a dependência do príncipe, várias ordens que se relacionam com a Constituição, o Estado é mais estável, a Constituição mais sólida, e a pessoa dos que governam mais garantida (MONTESQUIEU, 1997, p. 97).

Em sua análise sobre os governos monárquicos, Montesquieu destaca que as leis têm a função de regular o poder político, dificultando possíveis abusos de poder por parte do governante. Sua noção de política é de certa forma relativista, pois defende que cada sociedade deve ter leis específicas, em respeito às necessidades e características que lhe são próprias. Para muitos intérpretes de sua obra, trata-se de um pensador com viés republicano, na medida em que coloca a sociedade como potencialmente soberana em relação ao monarca.

No segundo livro da obra “Do espírito das leis”, o filósofo descreve a natureza de três diferentes formas de governo: o monárquico, o despótico e o republicano (que pode ser aristocrático ou democrático). As monarquias, para ele, deveriam seguir o modelo inglês da época, governando sob princípios constitucionais (por ele chamados de “leis fundamentais”), ainda que houvesse uma considerável parcela de poder político nas mãos dos príncipes: “[...] na monarquia o príncipe é a fonte de todo poder político e civil. Essas leis fundamentais supõem necessariamente canais médios por onde o poder se manifesta, pois se no Estado apenas existe a vontade momentânea e arbitrária de uma só pessoa, nada pode ser fixo” (MONTESQUIEU, 1997, p. 52). É importante frisar que sua obra foi produzida depois que a Inglaterra já havia se tornado uma monarquia parlamentar, daí sua compreensão de que o poder monárquico deveria ser diluído em diferentes esferas: legislativo, executivo e judiciário.

Quanto ao Estado despótico, o problema consiste, segundo o filósofo, no fato de que o poder do príncipe é extremamente concentrado, colocando em risco o bem estar da sociedade. Sendo assim, não há consentimento para a existência de outras forças políticas legítimas; não há, portanto, oposição ao governo. Essa passagem de Montesquieu faz lembrar de um debate bastante atual que vem acontecendo em diversos países, inclusive no Brasil: muitos governos que se autoproclamam democráticos vêm se revelando, na prática, bastante centralizadores e autoritários. Por exemplo, quando tentam minar a ação dos partidos de oposição ao realizar alianças políticas estratégicas com partidos fisiológicos (menos ideológicos).

Os partidos de oposição, ao se tornarem minorias no parlamento ou no Congresso, ficam enfraquecidos, com menor possiblidade de exercer o contra-controle ideológico/programático necessário ao fortalecimento da democracia. Outro exemplo, ainda, é quando tais governos ameaçam cercear as liberdades de opinião e de manifestação políticas, seja inibindo movimentos de expressão da sociedade ou ameaçando coibir o trabalho dos canais midiáticos e dos meios de comunicação de massa (PIERANTI; MARTINS, 2008). Mas, voltando ao pensamento clássico de Charles-Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu, o que se observa é uma crítica contundente às formas despóticas de governar.

Quanto à aristocracia, esta forma de governo pode acontecer em uma sociedade republicana, mas nunca em monarquias. O autor enfatiza que “o poder soberano encontra-se em mãos de um número certo de pessoas. São elas que estipulam as leis e as fazem executar” (MONTESQUIEU, 1997, p. 50). Significa, então, que em uma república aristocrática o poder político se concentra nas mãos de uma pequena parcela de homens, os quais compõem uma elite política e econômica que governa para atender seus próprios interesses. O povo, neste caso, fica à margem, alheio às decisões de quem governa.

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Ainda em relação à república, outra forma de governo destacada por Montesquieu é a democracia, que, ao contrário da aristocracia, coloca o povo como soberano das decisões políticas. Neste caso, admite-se o sufrágio, isto é, o voto como meio de se promover a vontade geral e a participação política dos cidadãos, sendo que esta deve se dar através da eleição de assembleias (parlamentos). No entanto, o sufrágio não é pensado como um direito universal, tal como se define nas atuais democracias. Para Montesquieu, os cidadãos representam somente uma parcela da sociedade, como nas democracias clássicas.

O pensador, entusiasmado com o ideal republicano e democrático defendido pelos muitos iluministas de sua época, afirma que “O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua autoridade” (MONTESQUIEU, 1997, p. 46). Contudo, admite que não é possível ao povo exercer por si mesmo o governo, sendo necessário, para tanto, que se proceda com a eleição de representantes mais capacitados. Neste caso, o poder executivo deve se subordinar às orientações constitucionais elaboradas pelo legislativo, bem como à rigorosa supervisão do judiciário.

Como afirma Nogueira Filho (2010, p. 121), a essência da teoria política “do nobre francês é a de que nenhum poder seja ilimitado”, o que o coloca como um dos mais respeitados intérpretes do Estado Moderno. Ainda que não tenha tido a pretensão de se colocar como um intelectual revolucionário, sua obra é reconhecida por muitos cientistas políticos como um “divisor de águas”, na medida em que propõe a divisão dos poderes que impera nas constituições democráticas da contemporaneidade.

As ideias desses primeiros precursores do pensamento político moderno devem ser analisadas a partir do seu contexto histórico e social, na passagem da ordem feudal para a moderna. Batista (2009), no artigo “O Estado Moderno: da gestão patrimonialista à gestão democrática”, contextualiza muito bem a formação do Estado Moderno, afirmando que:

A construção histórica, político e social do Estado Moderno encontra-se vinculada às profundas transformações ocorridas principalmente, nos séculos XIV, XV, XVI, quando começa a gradativa superação do modo de produção feudal e o surgimento do capitalismo mercantil. Estes eventos desencadearam a redefinição da organização do Estado que paulatinamente, começava a delinear-se a partir das revoluções burguesas. Foi assim que no final do século XVII, a lei divina, como fundamento das hierarquias políticas, começava a ser substituída pela formulação sistemática dos direitos naturais e a atribuição ao Estado da realização do bem comum (BATISTA, 2009, p. 1).

Jean-Jacques Rousseau (Suíça – 1712 - 1778), filósofo iluminista, músico e poeta exerceu grande influência entre os séculos XVIII e XIX. Precursor do Romancismo e do Idealismo, foi um grande crítico do racionalismo e um defensor apaixonado da democracia. Obra de referência: “Do Contrato Social” (1762), onde argumenta sobre os efeitos maléficos da sociedade sobre o homem, por ter perdido sua nobre condição natural e sua individualidade, substituindo-a pelo “estado de guerra”, onde impera a competição, a racionalidade e a desigualdade social (observem que este pensador está se referindo à sociedade européia de sua época, ou seja, a sociedade capitalista industrial).

Segundo Rousseau, todo Estado tem que ser governado pela democracia, e a

sociedade deve eleger seus representantes para trabalhar em favor dos interesses da coletividade. A todos devem ser assegurados direitos iguais. Observem suas palavras:

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O pacto social estabelece entre os cidadãos uma igualdade tal, que eles se obrigam todos debaixo das mesmas condições, e todos devem gozar dos mesmos direitos. Assim, pela natureza do pacto, todo o ato de soberania, isto é, todo o ato autêntico da vontade geral obriga ou favorece igualmente todos os cidadãos, de maneira que o soberano só conhece o corpo da nação e não distingue nenhum daqueles que a compõem (ROUSSEAU, 2000, p. 44).

Ele defende os princípios de justiça e igualdade social (igualdade de direitos e de deveres), de respeito à “vontade geral” e aos sentimentos individuais, a liberdade civil, educação para todas as pessoas, o patriotismo, o bem comum e a moral. Acredita que a condição natural do homem o torna bom, mas a condição de civilizado o torna mau ( a sociedade corrompe o homem), por isso é necessário que todos pactuem por meio de um “contrato social”. O soberano, para Rousseau, é o próprio povo, e não o governante.

Para este pensador, a sociedade civil possui poderes muito maiores do que qualquer governante, uma vez que reúne as forças políticas individuais, ou, em outras palavras, a capacidade de cada um pensar racionalmente e de agir segundo seus próprios interesses e paixões. Assim, as ações do Estado somente podem ser pensadas e executadas segundo a vontade geral. O “bem comum” é tomado como o princípio básico e norteador da política, pois é por meio deste que a vida coletiva se torna possível. Ao considerar que ao passar a viver em sociedades os homens abdicaram de sua liberdade individual natural, Rousseau teoriza que a sociedade civil se tornou o único caminho possível para a sobrevivência da humanidade, particularmente em um mundo marcado pelas lutas egoístas entre grupos que disputam o poder no mundo capitalista de seu tempo. Em seu livro Do Contrato Social, afirma que “é somente nesse comum interesse que deve ser governada a sociedade. [...] Porque a vontade particular tende por sua natureza às preferências, e a vontade geral à igualdade” (ROUSSEAU, 2000, p. 39).

Como podemos observar, o sentido do termo “igualdade” na obra rousseouniana se revela essencialmente idealista, pois nela aparece uma crença de que o homem político é capaz de realizar o bem comum ou a vontade geral em função de seu desejo de viver harmoniosamente a vida social.

Contudo, Rousseau admite que os homens podem errar e desejar o mal ao

pensar egoisticamente, e isto ocorre quando o povo é iludido por governantes que lhe prometem satisfazer suas vontades individuais, privadas. Para ele, não é o povo quem age mal, mas sim os governantes, de tal forma que a sociedade, quando muito, é apenas ludibriada e seduzida por promessas de uma vida melhor. Um bom exemplo dessa tese é quando observamos, no Brasil, o comportamento dos candidatos aos cargos públicos nas eleições, e também o processo de escolha dos mesmos por parte dos eleitores; aqueles que prometem dar melhores condições de vida material para os indivíduos e as famílias conseguem maior sucesso nas urnas.

Para este grande filósofo iluminista, o contrato social que possibilita à

humanidade viver coletivamente deve ser obtido por meio de um pacto que assegure a igualdade entre todos os homens, onde cada qual viva sob as mesmas regras e bases materiais, e tenha os mesmos direitos. Observa-se aqui a necessidade do uso da razão e da existência de leis que sirvam unicamente aos interesses coletivos. Somente assim pode existir a soberania do povo, capaz de enfraquecer o poder político de um governo movido por interesses privados. Esse ato de soberania do corpo social é, segundo Rousseau, “uma convenção do corpo com cada um de seus membros; uma convenção legítima, porque se escora no contrato social; justa, por ser a todos comum; útil, porque não pode ter outro alvo que o bem geral; e sólida, porque a força pública e o poder supremo lhe servem de garantia”

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(ROUSSEAU, 2000, p. 44). Em outra passagem do livro, onde trata especificamente das leis, o autor

trabalha com a tese de que a sociedade deseja o bem comum, mas não sabe exatamente como consegui-lo. Por isso é preciso que os legisladores – que são uma pequena parte do corpo social – elaborem as regras da convivência coletiva sem delas tirar proveito próprio, visto que esses homens também fazem parte da sociedade e, da mesma forma que todos os demais, são movidos por desejos e paixões individualistas. Interessante observar que Rousseau separa os legisladores dos governantes, dando a cada um apenas parte do poder político, pois se os primeiros elaboram as leis, os segundos somente as executam. Assim, sua obra revela um traço semelhante ao que aparece no pensamento de Montesquieu, uma divisão de poderes, muito embora desta vez é o povo quem detém o poder inalienável e intransferível de decidir quais leis devem existir para reger a vida social, pois o povo é o único poder soberano.

O pensador entende que essa formatação do Estado e da sociedade civil por meio de um conjunto de leis que atendam a todos igualmente, sob o consentimento coletivo, é a base de uma república. Por república Rousseau concebe o tipo de governo que busca sempre servir à coisa pública, ou seja, àquilo que é de interesse da sociedade em geral, e nunca de uns poucos (ROUSSEAU, 2000, p. 48).

Como afirma Nogueira Filho (2010), a obra filosófica de Rousseau não foi apenas ousada ao propagar a igualdade como direito de todos, em pleno auge da exploração capitalista e da desigualdade de classes no curso da Revolução Industrial da Europa; e também não surgiu somente como um contraponto teórico dos filósofos anteriores que tanto defendiam o renascimento das ciências, das artes e da política como meios de explicação e de reordenamento da vida social daquele continente; sua obra representou, sobretudo, uma revolução no campo das ideias e do comportamento político de seu tempo, influenciando lideranças anticapitalistas que sonhavam com uma sociedade mais justa, livre e igualitária. Por todas essas razões, é considerado um dos maiores filósofos iluministas da Revolução Francesa, revolução esta que é reconhecida por ter sido o início do fim das monarquias absolutistas.

Aléxis de Tocqueville (França – 1805 – 1859) é outro importante filósofo político, tido por muitos como um liberal-democrático. Produziu suas idéias na França pós-revolucionária, contrapondo-se aos filósofos contratualistas anteriores. Seu livro mais conhecido é “Democracia na América” (1834), onde procurou analisar a especificidade da organização política dos Estados Unidos, defendendo que seu modelo de democracia representaria a essência do pacto social capaz de assegurar o bem comum. Procurou comparar diversas realidades políticas, especialmente a francesa e a americana, demonstrando as causas históricas de sua condição política e suas possíveis tendências.

Tocqueville (1987) estabeleceu o conceito de democracia (a exemplo da democracia americana) como a condição essencial da garantia de liberdade e igualdade. Sobre a concepção de democracia neste pensador, Silva (2007) afirma que:

Daí a afirmação de Tocqueville de que os anglo-americanos que se instalaram no Novo Mundo se encontravam num estado de igualdade social, pois, entre eles, não havia homens de baixo nascimento, nem pobres. Ao invés disso, eram homens com “maior igualdade de fortuna e de intelecto” (1969: 66). Essa igualdade de condições existente entre os anglo-americanos foi o fator decisivo para que, na prática, a democracia fosse instalada na América, garantindo que, constitucionalmente, a soberania fosse colocada nas mãos do povo e não nas mãos de um só ou de poucos. É a igualdade geradora do gosto pela liberdade que levaria a Nova Inglaterra a respeitar as liberdades provinciais e a criar, depois da luta das colônias pela independência, uma constituição democrática e um

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sistema federativo, onde seriam contemplados não só os interesses comuns existentes entre elas, mas também as diversas aspirações provinciais (apud SILVA, 2007, p. 1 grifos do autor).

Tocqueville foi educado em meio aos padrões aristocráticos da França pós-revolucionária, não tendo recebido influência dos pensadores democráticos de seu tempo. No ano de 1830 foi para os Estados Unidos e lá observou que as leis facilitavam a democracia, passando a admirar o modo como esse regime havia sido implantado naquele país e o modo como se organizava no cotidiano, sem que uma classe social economicamente dominante ou uma ideologia religiosa mais forte determinassem os rumos da vida social, a exemplo do que ocorrera nos países europeus, sobretudo na França.

Segundo o que relata em seu livro, na América do Norte o povo parecia viver de fato a democracia tão teorizada por inúmeros filósofos, especialmente porque foram os levantes populares que fizeram com que o país se tornasse independe da Inglaterra, entre os anos de 1776 e 1783. Os norte-americanos instituíram uma república federalista, tendo como princípios constitucionais o liberalismo e a prosperidade econômica, sem distinção entre as pessoas, a despeito das profundas diferenças sociais existentes entre países do Norte e do Sul (TOCQUEVILLE, 1987).

Sua análise sobre a democracia dos Estados Unidos passa pela compreensão de que foram os imigrantes chegados da Europa revolucionária os responsáveis por difundir os ideais democráticos tão sonhados, e por implantar um modelo político mais próximo do ideal iluminista, em que é o povo quem governa, pois em seus países de origem tal modelo não havia se concretizado. Esses imigrantes, inconformados com a imposição política e econômica da monarquia inglesa no Novo Mundo, se organizaram em inúmeras assembleias para garantir seus direitos civis e políticos, bem como para discutir formas de se libertarem do poderio inglês.

Tocqueville (1987) escreve que as eleições periódicas nos Estados Unidos foram uma escolha do próprio povo, cujo objetivo seria a possiblidade de alternância do poder político e de substituição dos governantes, da maneira como John Locke havia pensado muitos anos antes. No entanto, este pensador observa que nas democracias em geral há o risco de os governos gastarem mais do que deveriam, uma vez que há mais interesses em jogo, daí a necessidade de que os impostos pagos pela população sejam devidamente fiscalizados, pois, caso contrário, os riscos de haver corrupção e mau uso das verbas públicas também aumentam. O autor acreditava que a democracia, embora tivesse vencido as monarquias absolutistas, não iria se opor à nova classe governante: a burguesia capitalista. E seria justamente essa nova classe econômica, com esse novo modelo político, que iria ganhar força e se enraizar pelo mundo afora.

Tocqueville estava certo. Em sua obra “Democracia na América” conseguiu prever uma nova forma de dominação política construída a partir dos pilares da igualdade, da liberdade e das leis, com a vitória do capitalismo em todo o planeta. Ao olharmos para a história do século XX e para os tempos atuais, o que observamos é uma fermentação, cada vez maior, dos princípios democráticos nos mais diferentes países e nas mais diversas culturas. Povos que antes aceitavam se submeter a governos ditatoriais, povos que viveram por décadas sob o domínio de governantes centralizadores e totalitários, agora se rebelam nas ruas – e nas redes sociais – em defesa da democracia e da descentralização política. Em muitos países, a exemplo do Brasil, as constituições se proclamam democráticas. Resta saber se os novos modelos de democracia existentes serão capazes de por fim às inúmeras manifestações de desigualdade, de exclusão e de aprisionamento humano que ainda imperam neste mundo regido pelo capital.

Karl Marx (Alemanha – 1818 – 1883) é um dos grandes nomes das ciências

sociais, filósofo materialista que teve grande influência das idéias de Kant e Hegel, e que difundiu, ao lado de Friedrich Engels, os princípios do Socialismo Científico e do Comunismo.

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Em seus livros procura analisar e explicar a sociedade capitalista, suas contradições e as relações entre as classes sociais predominantes: a burguesia e o proletariado (trabalhadores livres assalariados).

Marx, juntamente com Friedrich Engels, critica o Socialismo Utópico e defende o Socialismo Científico, segundo ele o único caminho possível para uma sociedade baseada nos princípios comunistas e livre da economia liberal (defensora do direito à propriedade privada).

Marx entende que a realização do comunismo só seria possível através da

transição do capitalismo para o socialismo, e para isso seria necessário manter um Estado forte, governado pelo Partido Comunista, legítimo representante dos interesses coletivos

Na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência [...]. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência (MARX, 1982, p. 25).

Vejam que Marx concebe a política como um dos pilares do modo de produção capitalista, ao lado da superestrutura jurídica. Para este pensador, a sociedade como um todo é levada a aceitar a realidade como ela se apresenta, sem conseguir perceber os mecanismos de reprodução do capital que são respaldados pelo Estado – um Estado burguês, portanto. O proletariado representa o principal agente de transformação da realidade social, através da organização coletiva em sindicatos de trabalhadores e partidos políticos de cunho socialista-comunista, único caminho possível, segundo Marx e Engels, para a revolução do proletariado, a tomada do poder político e a instauração de uma sociedade mais justa e igualitária.

Em sua obra, afirmam que “A verdadeira crítica analisa não as respostas, mas as questões” (MARX; ENGELS, 1980, p.183), referindo-se ao método de investigação sociológica por eles adotado: o método dialético histórico-crítico. Sua análise identifica que os processos históricos que culminaram com o fim da ordem feudal da Idade Média levaram a humanidade a colocar a economia como a base das sociedades modernas, ou aquilo que chamaram de infraestrutura, deixando o universo da política e a organização da vida social como suas extensões, uma superestrutura, portanto. Os pensadores ideólogos do socialismo e do comunismo tinham como certo que ao se consolidarem as forças produtivas do capitalismo, e ao se desenvolver o trabalho livre assalariado das indústrias urbanas, o mundo conheceu uma nova e muito mais opressora forma de escravidão humana, baseada nas relações de exploração entre diferentes classes sociais.

A teoria política de Marx e Engels não pode ser separada de sua teoria econômica. Em inúmeras obras, como “Para a crítica da economia política” (1859) e em “O Capital” (1867) é feita uma espécie de descrição crítica acerca do modo como se dá essa “exploração do homem pelo homem”, anteriormente teorizada em outros textos, como “O Manifesto do Partido Comunista” (1848). Muitas dessas obras foram escritas pelos dois pensadores, parceiros intelectuais na luta contra o capitalismo.

A teoria de Marx e Engels se revelou, na prática, um arcabouço ideológico para diversos modelos de ditadura em todo o mundo. Ao defenderem que o Estado deveria ser governado por partidos políticos de esquerda, contrários ao sistema capitalista, durante o tempo necessário para que os países se adequassem a uma nova ordem social regida pelo comunismo e pela ausência de classes, acabaram servindo de inspiração e de justificativa para

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as revoluções socialistas e comunistas ocorridas no século XX. A Revolução Russa representou o primeiro marco histórico do socialismo real.

Ocorreu no ano de 1917, quando o poder político foi tomado pelos bolcheviques, membros do Partido Operário Socialdemocrata Russo, insatisfeitos com a monarquia czarista e sua opressão contra a população. O partido era comandado por Vladimir Lenin, que assumiu o poder e depois acabou se tornando um dos maiores ditadores do século XX, seguido por Josef Stalin (a partir de 1922, já na União Soviética). Esta primeira revolução armada foi realizada a partir da crença de que serviria de base para todas as demais revoluções marxistas que ainda tomariam o poder nos países capitalistas mais avançados da Europa. Foi, portanto, uma espécie de laboratório experimental para as futuras revoluções socialistas-comunistas defendidas por Marx e Engels e seus seguidores (BARROS, 1998).

Os revolucionários acreditavam que o capitalismo e seu modelo de exploração econômica do homem estavam com os dias contados. Uma nova ordem social, em um primeiro momento socialista, e depois, no futuro, uma ordem regida pelo ideal comunista de igualdade e liberdade, seriam as consequências naturais das inúmeras revoluções que seriam realizadas pelos partidos operários de esquerda em todo o mundo. Esses partidos representavam, para muitos ideólogos e líderes políticos, o único caminho possível para a organização do proletariado e seu preparo ao exercício do poder político nos Estados provisórios, após a queda dos governos burgueses capitalistas que a cada dia se fortaleciam nos grandes países industrializados (sobretudo na Inglaterra, Alemanha e França).

A Revolução Russa constitui um dos principais marcos da história humana, cuja importância se deve não apenas a seus efeitos políticos e econômicos de alcance global, mas também à capacidade de cativar a imaginação das gerações que se seguiram. O ano de 1917 deu corpo a esperanças e anseios reprimidos pelos rígidos padrões implantados no final do século XIX e início do século XX (BARROS, 1998, p. 19).

Mas a história revelou que a tão sonhada revolução do proletariado e sua consequente sociedade igualitária fracassaram. Porém, antes disto, outras revoluções ocorreram, mostrando a face opressora e sanguinária dos opositores do modo de produção capitalista.

Após a instauração da Rússia socialista, outros países seguiram rumo ao chamado “mito fundador do comunismo do Século XX” (GROPPO, 2008, p. 115), principalmente no leste europeu (Tchecoslováquia, Iugoslávia, Polônia, entre outros), parte da Ásia, com a China (Revolução Comunista, em 1949), e na América Central, com Cuba (Revolução Cubana, em 1959). O fortalecimento do pensamento de esquerda ocorreu a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, quando a então URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas saiu vitoriosa com a ação de seu poderoso exército vermelho, o qual libertara, com pequeno apoio dos Estados Unidos, Reino Unido e França (os Aliados), os países que se encontravam sob o domínio da Alemanha nazista.

Mas o que realmente impressiona no nome “URSS” é o fato de ele não conter nenhuma indicação geográfica, contrariamente às denominações habitualmente utilizadas para definir as entidades políticas, que fazem referência a um determinado território (República Francesa, Estados Unidos da América etc.). Esse nome designava, portanto, uma entidade política potencialmente universal, capaz de englobar um número indefinido de outros países (como ocorreu, por exemplo, com os três países bálticos – Estônia, Letônia, Lituânia – em 1940). A adoção da bandeira vermelha como emblema do novo Estado e da Internacional

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como hino oficial explicitava a ligação com o movimento socialista do século precedente. A URSS pretendia situar-se na tradição do socialismo, ao mesmo tempo que o partido bolchevique rompia com essa tradição de muitas maneiras, inclusive no plano linguístico, optando, em 1918, por se chamar comunista em vez de social-democrático (GROPPO, 2008, p. 118, grifo do autor).

Para Groppo (2008), o socialismo resultou em uma extrema concentração de poder político pelos partidos comunistas. Estes se colocavam como defensores de uma “forma superior de democracia”, a qual se revelou, na prática, como mero discurso ideológico, pois nada mais representou do que um meio de conquistar o apoio dos intelectuais de esquerda e das massas exploradas para se manter no poder.

Com o fim da Segunda Guerra, os países se dividiram em duas poderosas (e antagônicas) forças político-econômicas: de um lado o bloco dos países capitalistas, liderado pela nova potência mundial – os Estados Unidos da América; de outro lado o bloco dos países socialistas, liderado pela União Soviética. Ao longo de um período que durou pouco mais de quarenta anos (pode-se dizer que de 1945 até a queda do muro de Berlim, em 1989), e sob um clima de intensas disputas em termos de produção armamentista, tecnológica, científica, econômica, política e social, essa bipolarização do mundo foi o resultado das tentativas de diferentes governos imporem, à força ou por meio das leis, os ideais defendidos por cada lado (liberalismo e prosperidade econômica versus igualdade com ausência de classes sociais). Mas, Karl Marx e Friederich Engels não viveram para ver as consequências de suas ideias políticas revolucionárias que tanta força tiveram entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do século XX.

Maximillian Carl Emil Weber (Alemanha – 1864 – 1920), economista, jurista e precursor da Sociologia, também se dedica à Ciência Política. Parte da análise do Estado capitalista e da burocracia do Estado Moderno, tendo a Alemanha de industrialização tardia como parâmetro. Para Weber a política deve ser realizada com a ajuda da ciência, sendo esta considerada um instrumento de saber a serviço da sociedade como um todo. Vejam o que ele diz a respeito do papel dos homens que fazem a política:

Qualquer um que deseja dedicar-se à política e, em especial, aquele que deseja dedicar-se à política em termos de vocação, deve tomar consciência dos paradoxos éticos e da responsabilidade [...] e, além disso [...] vemos que a ética da convicção e a ética da responsabilidade não se contrapõem, mas se completam e, juntas, formam o homem autêntico, ou seja, um homem que pode aspirar à vocação política (WEBER, 2004, p. 121-123).

Entende a política como uma vocação de homens que se dedicam à vida pública, servindo aos interesses do bem comum e do Estado por meio de ações responsáveis (ações racionais movidas por fins). O político deve perseguir princípios éticos, e agir em prol das necessidades coletivas. O Estado é a instituição legítima da ação política, que tem autoridade para usar mecanismos de poder, como a força e o monopólio da violência, através do aparato policial, militar e bélico.

Que entendemos por política? É extraordinariamente amplo o conceito e abrange toda espécie de atividade diretiva autônoma. [...] Por política entenderemos tão somente a direção do agrupamento político hoje denominado “Estado” ou a influência que se exerce nesse sentido (WEBER, 2004, p. 59, grifo do autor).

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A base da ação do Estado Moderno é a racionalidade, a burocracia e as leis. O homem da política, segundo Weber, deve ter foco nas decisões e ações voltadas para as questões práticas da vida social (fundamentado na ciência). As idéias políticas de Weber correspondem a uma forte ênfase na autonomia dos indivíduos (por isso opondo-se a Durkheim e a Marx).

A concepção política em Weber pressupõe uma relação de dominação entre homens, com base no instrumento da violência legítima, ou seja, no monopólio da violência. Essa violência legitimada socialmente representa a existência de um aparato policial e bélico, por meio das polícias e das forças armadas, que servem para proteger a sociedade de possíveis ameaças internas ou externas. Essas, por usa vez, se subordinam ao poder maior do governante, líder político do povo. Significa que o Estado assume o papel de ordenador da sociedade, e para tal necessita do uso constante desse monopólio da violência (WEBER, 2004).

Para o autor, o poder político legítimo pode se apresentar de várias formas, e para explicar isso ele desenvolve uma teoria que parte das seguintes premissas: primeiramente, o poder decorre da possibilidade de que um indivíduo ou um pequeno grupo exerça domínio sobre outras pessoas. Portanto, há que se ter duas partes envolvidas – quem exerce a dominação e quem se submete a ela, aceitando o poder e a autoridade o outro. Nessa relação há uma série de interesses em jogo, e cada parte consegue obter aquilo que deseja ou necessita. Acontece que não existe somente um tipo de dominação política, segundo Weber (1979). O autor propõe três formas básicas, as quais ele chama de “tipos puros de dominação”. A primeira delas é a dominação tradicional – ocorre quando a liderança política obtém o poder por força da cultura de um povo. É o caso dos caciques indígenas, dos monarcas ou mesmo de alguns governantes civis que se perpetuam no poder durante anos, pois a sociedade reconhece essa forma liderança como algo incorporado aos seus costumes, admitindo uma espécie de obediência cega. Uma segunda forma pura de dominação é aquela que se fundamenta na capacidade ou na habilidade do líder em se tornar simpático e confiável, que o autor chama de dominação carismática. Este tipo de liderança política é conquistada a partir de certos comportamentos que despertam a afetividade e o respeito daqueles que são liderados, muito comuns quando se trata de grupos sociais mais vulneráveis ou que se organizam em função de uma identidade própria, onde predominam fortes laços de dependência mútua entre os membros, como uma associação de moradores ou um movimento social, se quisermos pensar em exemplos mais próximos da nossa realidade. Essa forma de liderança carismática também nos sugere o padrão de comportamento político manifesto por certos governantes (presidentes, governadores e prefeitos) de perfil populista, que sempre surgem na história política brasileira. É comum, no caso das democracias, que candidatos mais simpáticos, que dizem exatamente aquilo que o povo quer ouvir, saiam vitoriosos nas urnas.

Que significa, na atualidade, para a formação dos partidos, esse spoil system, ou seja, a atribuição de todos os postos da administração federal aos partidários do candidato vitorioso? Significa, meramente, que os partidos desprovidos de base doutrinária, reduzidos a meros instrumentos de disputa de postos, opõem-se uns aos outros e elaboram, para cada campanha eleitoral, um programa que é função das possibilidades eleitorais (WEBER, 2004, p. 98, grifo do autor).

Mas, na perspectiva weberiana, esses dois modelos podem comprometer o desenvolvimento de uma sociedade, dependendo de sua complexidade. Líderes tradicionais ou carismáticos nem sempre conseguem assegurar uma administração imparcial ou racional. Daí a necessidade de se configurar a terceira forma de dominação pura: a dominação racional-legal. Trata-se do tipo de liderança mais comum entre os Estados capitalistas, compondo, portanto, o padrão das sociedades que se apoiam em bases jurídicas, isto é, em constituições

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e leis que garantem a legitimidade administrativa governamental (WEBER, 1979). Max Weber (1979) analisa as bases econômicas como substrato do Estado

moderno capitalista. Para ele, a burocracia se faz necessária em virtude da complexidade das relações institucionais desse tipo de sociedade regida pelo poder racional-legal. O poder que se funda nas leis e na razão força a todos, incluindo o próprio líder, a uma obediência às normas instituídas. E para dar concretude à vida social, esse Estado racional-legal depende tanto do monopólio da violência quanto do trabalho de um conjunto de técnicos especialistas, que em seu exercício profissional coloca em andamento as políticas e ações necessárias à sociedade. Essa forma de organização e de administração do Estado é, segundo o autor, necessariamente hierárquica, disciplinada e burocrática, a fim de proteger o povo de possíveis instabilidades e irracionalidades (características comuns em sociedades governadas por líderes tradicionais ou carismáticos). Todos esses filósofos acima, de Nicolau Maquiavel a Max Weber, contribuíram e continuam contribuindo, até hoje, com a compreensão da política, do Estado Moderno, das formas e sistemas de governo e das relações de poder que muito definem nossa existência.

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