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CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA 30 ISSN 1413-4551 Associação dos Geógrafos Brasileiros Seção Local Presidente Prudente Presidente Prudente-SP Dezembro de 2008

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CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA

30

ISSN 1413-4551

Associação dos Geógrafos Brasileiros

Seção Local Presidente Prudente

Presidente Prudente-SP Dezembro de 2008

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DIRETORIA EXECUTIVA Diretor:

Cláudia Marques Roma Vice-diretor:

Raul Borges Guimarães Secretários:

Clayton Ferreira Dal Pozzo Cristina Buratto Gross Machado

Tesoureiros: Gilnei Machado

Paulo Jurado da Silva

COMISSÃO DE PUBLICAÇÃO Eliseu Savério Sposito

Alexandre Bergamin Vieira Vitor Koiti Miyazaki

Indexação: Os artigos publicados no Caderno Prudentino de Geografia são indexados por: GeoDados: Indexador de Geografia e Ciências Sociais www.uem.br/dge

CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA é editado pela Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Local Presidente Prudente – AGB-SLPP. Rua Roberto Simonsen, 305 – CEP: 19.060-900, Presidente Prudente, SP, Brasil. Tel.: (18) 3229-5379. E-mail: [email protected]. www.agb.org.br

CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA Associação dos Geógrafos Brasileiros. – vol.1, nº1, 1981 – Presidente Prudente, SP: AGB. v.30: 22cm, il. ISSN 1413-4551 1981-2008, 1-30 Periodicidade: Anual 1. Geografia – 2. Geografia Humana – 3. Geografia Física

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CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA

EDITOR RESPONSÁVEL Eliseu Savério Sposito, Vitor Koiti Miyazaki e Alexandre Bergamin Vieira

CONSELHO EDITORIAL

Antonio Carlos Vitte (UNICAMP), Antonio Thomaz Júnior (FCT/UNESP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira (FFLCH/USP), Arlete Moysés

Rodrigues (UNICAMP), Arthur Magon Whitacker (FCT/UNESP), Cláudio Zanotelli (UFES), Diamantino A. C. Pereira (PUC/SP),

Diana Lan (Universidad del Centro - Argentina), Eliane Tomiasi Paulino (UEL), Eliseu Savério Sposito (FCT/UNESP), Élson Luciano Silva

Pires (IGCE/UNESP), Giovanni Alves (FCC/UNESP), Horário Capel (Universidade de Barcelona - Espanha), João Ferrão (Universidade

Técnica de Lisboa - Portugal), João Lima Sant’Ana Neto (FCT/UNESP), Jonas Teixeira Nery (UNESP - Ourinhos), Jorge Pickenhayn (Universidad

Nacional de San Juan - Argentina), José Bueno Conti (FFLCH/USP), Júlio César de Lima Ramires (UFU), Márcio Rogério Silveira (UNESP – Ourinhos),

Maria Encarnação Beltrão Sposito (FCT/UNESP), Neide Barrocá Faccio (FCT/UNESP), Oscar Alfredo Sobarzo Miño (UFRGS), Raul Borges Guimarães (FCT/UNESP), Ricardo Aguero (Universidade Nacional de Rio

Cuarto - Argentina), Roberto Gonzáles Souza (Universidade de Havana - Cuba), Rubén Lois Gonzáles (Universidade de Santiago de Compostela - Espanha),

Ruy Moreira (UFF), Sérgio Leite (CPDA/UFRRJ), Silvia Regina Pereira (FCT/UNESP), William Ribeiro da Silva (UFRJ)

CAPA

Vitor Koiti Miyazaki Caio Beltrão Sposito

DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO

Vitor Koiti Miyazaki

IMPRESSÃO Gráfica CopySet

TIRAGEM

500 exemplares

Os textos aqui publicados são de exclusiva responsabilidade dos autores. Permite-se a reprodução parcial, desde que mencionadas as fontes.

Solicita-se permuta – Se solicita intercambio – We ask for exchange

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

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ARTIGOS

ECONOMIA E MEIO AMBIENTE Encarnita Salas MARTIN

9

A GEOGRAFIA FÍSICA: DA CONFORMIDADE-A-FINS À PAISAGEM

Antonio Carlos VITTE

37

REFLEXÕES SOBRE O PATRIMÔNIO DE BRASÍLIA Igor CATALÃO, Leni GASPAR e

Raquel Carvalho de ARRUDA

55

AS DIFERENTES TRAJETÓRIAS DOS PAÍSES DE INDUSTRIALIZAÇÃO TARDIA ASIÁTICOS E LATINO-

AMERICANOS Leandro Bruno dos SANTOS

69

ENSAIO DA DÚVIDA: O QUE VEM DEPOIS DA FASE B DO QUARTO CICLO ECONÔMICO DE KONDRATIEFF

Túlio BARBOSA

95

TERRITÓRIO E IDENTIDADE: ELEMENTOS PARA A IDENTIDADE TERRITORIAL

Adriano Amaro de SOUSA

119

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NOTAS

ANÁLISE DOS IMPACTOS SÓCIO-AMBIENTAIS RELACIONADOS À SUINOCULTURA NO MUNICÍPIO DE

DOIS VIZINHOS (PR - BRASIL) Gilnei MACHADO e Odair SONEGATTI

133

QUANDO A FORMA ALTERA O CONTEÚDO: ABOLIÇÃO E REFORMA AGRÁRIA, CONFLITOS E CONIVÊNCIAS NA TERRITORIALIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Diego Vilanova RODRIGUES

161

COMPÊNDIO

171

PARECERISTAS DESTA EDIÇÃO

188

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 189

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APRESENTAÇÃO

É com muita satisfação que a Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Local de Presidente Prudente traz aos leitores mais uma edição do Caderno Prudentino de Geografia. Neste número apresentamos um conjunto de artigos e notas de pesquisas que exploram temas bem variados, apresentando aos leitores, mais uma vez, a diversidade contida nestas “múltiplas geografias”.

Esta multiplicidade é caracterizada, neste número, por temas ligados à questão ambiental, econômica, epistemológica, urbana, cultural e histórica. A princípio, Encarnita Salas Matin realiza um importante debate sobre Economia e Meio Ambiente, discutindo a questão da valoração dos recursos naturais, frente aos atuais desafios ligados à questão ambiental. Em seguida, Antonio Carlos Vitte apresenta a influência da filosofia kantiana na gênese da geografia moderna, mais particularmente na Geografia Física, como mais uma possibilidade de se entender a Ciência Geográfica e sua relação com a modernidade. Já Igor Catalão, Leni Gaspar e Raquel Arruda trazem um importante debate sobre o tombamento de Brasília, chamando atenção para as contradições existentes entre o patrimônio e as reais necessidades da vida cotidiana da população, o que reforça a necessidade de uma reestruturação territorial. Leandro Bruno dos Santos, por sua vez, faz uma análise das diferentes trajetórias dos países de industrialização tardia na Ásia e América, mostrando que apesar dos ideais da teoria econômica liberal, o Estado desempenhou importante papel nestes países. Com o intuito de provocar o leitor quanto a dúvida que envolve o futuro dos ciclos longos de Kondratieff na contemporaneidade econômica, Túlio Barbosa apresenta um debate sobre os períodos de recessão e ascensão do capitalismo. A seguir, Adriano Amaro de Sousa faz uma reflexão teórica sobre a construção da identidade territorial, visando entender esse elemento simbólico-cultural na dinâmica do território que forja(m) identidade(s), destacando a importância da relação de pertencimento de um grupo social a partir da delimitação de uma escala (i)material de referência identitária. Por fim, apresentamos duas notas de

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pesquisa: a primeira, de autoria de Gilnei Machado e Odair Sonegatti, analisa as conseqüências ambientais da suinocultura no município de Dois Vizinhos (Paraná) e, em particular, a propriedade Marmentini, com o intuito de propor alternativas técnicas para a solução de problemas ambientais gerados; a segunda, de autoria de Diego Vilanova Rodrigues, trata a questão da abolição e da reforma agrária, enfocando as implicações destes dois componentes da História política e social do país na conformação do Estado Nacional no Brasil

Por fim, cabe ressaltar que este número do Caderno Prudentino de Geografia inaugura a versão eletrônica do periódico, que passa a estar disponível on-line, ampliando assim as possibilidades de divulgação, difusão e intercâmbio entre profissionais e estudantes de diferentes localidades.

Comissão Editorial

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ECONOMIA E MEIO AMBIENTE

Encarnita Salas MARTIN Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente, UNESP -

Campus de Presidente Prudente. [email protected] RESUMO: A valoração dos recursos naturais e a economia ambiental são campos de interesse e investigação que têm despertado a atenção de profissionais chamados a lidar, direta ou indiretamente, com a área do meio ambiente nos últimos anos. A expansão desta área de estudos encontra relação com a pequena efetividade dos controles públicos sobre a poluição, revelada através da baixa eficácia da legislação específica sobre a questão que tem, como contrapartida, o avanço da contaminação ambiental no nível planetário. Tenta-se recuperar, a partir da ciência econômica, os conceitos, noções e teorias que subsidiem a análise ambiental na direção da valoração dos recursos naturais. A análise se deterá em apenas duas correntes do pensamento econômico, as escolas clássica e neoclássica. Além de uma visão geral de cada uma destas correntes teóricas a ser analisada, o esforço será concentrado nos autores mais representativos e nos conceitos que mais de perto interessam na condução dos objetivos propostos. Assim, não são discutidos todos os autores e suas construções teóricas individuais, mas sim a contribuição que cada um pode fornecer à discussão da valoração dos recursos naturais. Palavras-chave: economia ambiental; valoração dos recursos naturais. ABSTRACT: The valuation of natural resources and environmental economics are fields of interest and research that have attracted the attention of professionals required to deal, directly or indirectly, with the area of the environment in recent years. The expansion of this area of study is the effectiveness of government controls on pollution, revealed through the low effectiveness of specific legislation on the issue that has, in return, the advancement of environmental contamination at the planetary level. Tries to recover from the economic science, concepts, ideas and theories that subsidize environmental analysis towards the valuation of natural resources. The analysis is on hold only two streams of economic thought, the classical and neoclassical schools. In addition to an overview of each of these theoretical currents to be analyzed, the effort will be concentrated in the most representative authors and the concepts that a closer interest in the conduct of objectives. Thus, not all authors are discussed and their individual theoretical constructions, but the contribution that each can bring to the discussion of valuation of natural resources. Key-words: environmental economics; valuation of the natural resources.

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INTRODUÇÃO

A valoração dos recursos naturais e a economia ambiental são campos de interesse e investigação que têm despertado a atenção de profissionais chamados a lidar, direta ou indiretamente, com a área do meio ambiente nos últimos anos.

Por um lado, a expansão desta área de estudos encontra relação com a pequena efetividade dos controles públicos sobre a poluição, revelada através da baixa eficácia da legislação específica sobre a questão que tem, como contrapartida, o avanço da contaminação ambiental no nível planetário. Por outro lado, existe já um relativo consenso, tal como afirma AGUILERA KLINK citado por BERMEJO (1994:107) de que

“... a atividade econômica se desenvolve de uma forma linear, de maneira que os recursos naturais são extraídos, transformados e consumidos. Nas três fases são gerados resíduos em quantidade maior que a dos recursos extraídos ou coletados, já que a matéria não é criada nem destruída, somente transformada e os resíduos aparecem combinados com outros elementos, particularmente água e oxigênio. Os impactos ambientais não são fatos excepcionais e sim habituais dos processos econômicos e, portanto, as ‘externalidades’ (...) são parte normal e inevitável desses processos”.

A questão que cada vez mais se coloca para pesquisadores, agentes

públicos e mesmo várias organizações não governamentais refere-se à criação de critérios claros e abrangentes que permitam monitorar, mensurar e valorar a poluição e contaminação ambiental como estratégia para impor aos agentes responsáveis pela degradação os ônus decorrentes de suas ações. Busca-se, assim, uma alternativa mais operacional e eficaz que o controle e/ou a inibição de ações poluidoras. Trata-se da cobrança pelos danos ambientais causados.

Porém, os instrumentos para esta mudança de posição ainda são precários. AZQUETA OYARSUN e FERREIRO (1994:67) afirma que

“a economia em geral, e não só a neoclássica, construiu seus modelos como se a Terra fosse um sistema aberto, no qual não existissem limitações exteriores ao crescimento do

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mesmo. Progressivamente, entretanto, foi-se tomando consciência das limitações que um sistema desta natureza apresenta e os perigos de se continuar trabalhando como se os problemas não existissem”.

Como afirma categoricamente este autor, “(...) estamos em um

sistema fechado, no qual existe uma limitação ao crescimento”. Claro está que se trata de uma mudança radical no enfoque dado à questão. Com base nisso, desloca-se o campo das preocupações das medidas regulatórias para o campo das medidas executórias. Incorpora-se a perspectiva que, mais eficiente que o combate contra os agentes causadores de danos ambientais e suas fontes poluidoras, é a valoração dos danos e a imposição de multas, taxas ou impostos que, em última instância seriam utilizados para a reversão/mitigação dos processos poluidores.

Aceita-se a contaminação/poluição para em seguida efetuar a cobrança pelos impactos por ela causados.

Como não poderia deixar de ser, esta mudança de perspectiva é acompanhada pela mudança de conceitos, métodos investigativos e técnicas de análise que suportem esta nova visão sobre o problema da poluição. Não é demais afirmar que pouco a pouco se substitui, no campo das questões ambientais, uma visão extremamente voltada para o fenômeno da poluição, seus processos naturais e biológicos e passa-se a incorporar uma perspectiva social e econômica em relação aos processos poluidores, seus responsáveis e mesmo sobre seus impactos sócio-econômicos.

É desta maneira que expressões e conceitos como os de valor, valoração, externalidades negativas e usuário-pagador passam a fazer parte das freqüentes discussões ambientais dentro e fora da academia, em fóruns, congressos e mesmo em gabinetes oficiais. É desta maneira, também, que pouco a pouco se retoma uma tradição de pensar as questões ambientais vis a vis às questões econômicas e assistimos à reaproximação de duas áreas do conhecimento que etimologicamente sempre estiveram ligadas: a ecologia e a economia1.

O objetivo mais imediato, pretendido aqui, é recuperar, a partir da ciência econômica, os conceitos, noções e teorias que subsidiem a análise                                                             1”Etimologicamente, a palavra economia vem do grego oikos (casa) e nomos (norma, lei). Seria a ‘administração da casa’, que pode ser generalizada como ‘administração da coisa pública’” (VASCONCELLOS e TROSTER, 1998:20).

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ambiental na direção da valoração dos recursos naturais. Ou, dito de outra maneira, compreender como e de que maneira a economia pode subsidiar o manejo de ferramentas concretas e operacionais que sejam utilizadas no campo da análise, ação e reversão dos processos poluidores em geral.

Não se trata de uma operação intelectual ou técnica de caráter simples. Como lembram AGUILERA KLINK e ALCÁNTARA (1994:21),

“A grande dificuldade, quando se trata de economia e meio ambiente é a valoração, pois quantificar o uso ou a perda de um determinado recurso natural, requer que se considere um número muito grande de variáveis. Além disso, outro aspecto que não pode deixar de ser considerado é que na maioria dos casos não é possível saber qual vai ser a demanda futura por um determinado recurso”.

 Algumas observações preliminares devem ser feitas neste momento.

Em primeiro lugar, é importante destacar que não se trata aqui de uma discussão econômica stricto-sensu, no sentido de recuperar em cada corrente teórica da economia as explicações para todos os fenômenos econômicos. Trata-se sim de resgatar conceitos e idéias que têm embasado a discussão proposta no sentido de formar um campo analítico para o problema em mãos: a valoração dos recursos naturais.

Em segundo lugar, e coerente com a proposta acima, não será realizada uma análise de todas as correntes teóricas que conformam a história da economia. A análise se deterá em apenas duas correntes do pensamento econômico, as escolas clássica e neoclássica. É de duas ordens a justificativa para tal recorte analítico: operacional e funcional. Operacional, no sentido que foge ao escopo deste trabalho dar conta da história de uma ciência multifacetada e complexa como a economia, onde se sucedem escolas e correntes do pensamento divergentes em seus princípios, métodos e conceitos operativos. Funcional, no sentido de que este trabalho se apóia, no sentido de contribuir, com várias análises já realizadas sobre o tema que tomam apenas as duas correntes citadas na medida em que fornecem os elementos e conceitos largamente utilizados na discussão.

Por fim, além de uma visão geral de cada uma destas correntes teóricas a serem analisadas, o esforço será concentrado nos autores mais representativos e nos conceitos que mais de perto interessam na condução dos objetivos propostos. Assim, não serão discutidos todos os autores e

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suas construções teóricas individuais, mas sim a contribuição que cada um pode fornecer à discussão da valoração dos recursos naturais.

Justificados então os recortes teóricos assumidos, bem como a estratégia e os objetivos gerais, este texto é construído da seguinte maneira: após esta Introdução são apresentados os principais autores e idéias de duas correntes do pensamento econômico: a escola clássica e a escola neoclássica. Assim, no segundo item do texto estão expostos os princípios da economia clássica, enfatizando, principalmente os conceitos de valor de uso e valor de troca. No terceiro item coloca-se em destaque as contribuições da economia neoclássica, principalmente a discussão a respeito do funcionamento do mercado e dos mecanismos de determinação de preços.

No quarto item, a análise se restringe à discussão do conceito de externalidades. Procura-se ressaltar que este é um conceito chave para investigações no campo das relações entre economia e meio ambiente, particularmente no que diz respeito à particularidade do caráter público dos recursos naturais e nas implicações das externalidades negativas das atividades econômicas sobre seu meio.

Por fim, à guisa de conclusão, são analisados os limites e potencialidades da utilização dos conceitos econômicos trabalhados ao longo deste texto para a construção de uma economia do meio ambiente. 1 - A ESCOLA CLÁSSICA: O SURGIMENTO DE UMA TEORIA GERAL DO VALOR

O que se considera hoje como Escola Clássica, no interior da economia, na verdade trata-se de um conjunto de trabalhos que se iniciam no final do século XVIII e se estende até meados do século XIX. Os autores mais representativos desta corrente, em que pesem suas diferenças teórico-metodológicas, são Adam Smith, David Ricardo, Malthus, Senior e Say. Seus trabalhos, além de terem significado um importante instrumento na construção da ordem liberal, a partir da revolução industrial inglesa que marca um período de expansão da economia baseada na indústria e na intensificação do comércio internacional sob o domínio inglês, apresentam também significativos avanços na construção de um corpo teórico científico para a economia.

Os traços comuns presentes na obras destes autores são vários. Destaca-se que os preceitos e regras de funcionamento da economia

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ganham o status de proposições gerais e generalizáveis. Os princípios econômicos poderiam, a partir destes autores, servir para a análise das relações econômicas presentes em qualquer momento histórico ou em qualquer nação em particular.

Tão importante quanto isso, é a busca de explicações para os processos econômicos a partir da análise dos processos de produção em geral e, em particular, da produção industrial. Assim, ao contrário dos Fisiocratas que restringiam suas análises apenas à agricultura e dos Mercantilistas que centravam suas análises nas relações de troca e no comércio, a Escola Clássica concebe a produção em geral como o centro dos processos econômicos e procura, através do conceito de valor, estabelecer os princípios e fundamentos da dinâmica econômica.

É justamente esta a preocupação de Adam Smith (1723-1790) em seu livro ‘A Riqueza das Nações’, datado de 1776, momento em que a revolução industrial demonstra sua capacidade de aumentar a produção fabril através da utilização e organização de grandes massas de trabalhadores, de inovações tecnológicas e da expansão do mercado e do comércio.

Smith coloca no centro de sua obra a importância do trabalho como fonte exclusiva de geração do valor, causa final da riqueza das nações. Nasce assim, a teoria do valor-trabalho, que pressupõe a compreensão de dois outros conceitos: valor de uso e valor de troca.

O valor de uso refere-se à utilidade de um objeto, à capacidade que este possui em satisfazer as necessidades de quem o consome e está diretamente relacionado às características físicas e materiais deste objeto. Por sua vez, o valor de troca exprime-se através da relação de troca, ou seja, a valor de troca de um bem está diretamente relacionado com a capacidade e possibilidade que este bem oferece ao seu detentor de ser trocado por outros em proporções determinadas. Desta maneira, a troca entre duas mercadorias, em quantidades determinadas refere-se à troca de quantidades de trabalho contidas em cada uma.

Assim, qualquer bem que não tivesse sido produzido pelo trabalho não teria valor de troca. De acordo com SANDRONI (1994:365), a concepção de Smith implica em reconhecer

“As coisas que têm maior valor de uso têm, em geral, pouco ou nenhum valor de troca. A água, por exemplo, é de grande utilidade, mas dificilmente se pode comprar algo com ela. Um diamante, por sua vez, dificilmente apresenta algum

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valor de uso e, no entanto, pode-se obter grande quantidade de objetos com ele”.

 Esta comparação, conhecida mais tarde na literatura econômica

como o paradoxo da água e do diamante era, para Smith, apenas a constatação que valor-de-uso e valor-de-troca não estavam sistematicamente relacionados entre si. Porém, a verdade é que a teoria do valor de Smith não consegue avançar para além destes dois “atributos” do valor. Somente mais tarde é que outros autores conseguirão estabelecer as relações entre ambos e construir uma teoria genérica do valor.

Esta dupla concepção a respeito do valor terá um peso posterior fundamental em todo o desenvolvimento da ciência econômica, na medida em que ficando estabelecida a origem do valor, alcança-se também a possibilidade de mensurar de maneira objetiva sua magnitude em cada bem ou produto. Enquanto, a teoria do valor-de-uso servirá como alicerce para a Economia Neoclássica, o valor-de-troca e mais tarde o valor (tomado em sua forma abstrata) serão os elementos da Economia Política.

Coerente com suas postulações sobre a possibilidade de aumento da riqueza da comunidade, através do aumento da produção de mercadorias, do aprofundamento da divisão do trabalho e da ampliação do comércio, Smith lança as bases do liberalismo, na medida em que somente através da não intervenção estatal sobre a economia e quando os interesses individuais forem deixados livres e desimpedidos se alcançaria uma otimização/maximização da produção e, conseqüentemente, o mercado poderia funcionar livremente.

David Ricardo (1772-1823) segue tais princípios. Em sua obra “Princípios de Economia Política e Tributação” (1817), Ricardo elabora uma complexa construção teórica que segue em linhas gerais os princípios do liberalismo ou da “mão invisível” de Smith, com o qual compartilha a origem do valor-de-troca no trabalho.

Neste ponto em particular, a formulação de uma teoria do valor, percebe-se que Ricardo avança em relação a Smith uma vez que situa sua análise exclusivamente no trabalho como fonte de valor, descartando a utilidade (valor-de-uso) como determinante do valor. No que se refere particularmente às mercadorias que não seriam produzidas pelo trabalho humano, que seriam claramente exceções de pouca importância, Ricardo afirma que seria a escassez o elemento fundamental para a compreensão de seus preços. Mesmo tendo se referido a obras de arte, como exemplos

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deste tipo de mercadoria, a analogia é inevitável. Os bens naturais não reprodutíveis seriam também valorados ou “precificados” de acordo com sua escassez (HUNT: 1982, 117-8).

Porém, Ricardo avança na análise dos processos econômicos ao elaborar uma concepção refinada das relações que se estabelecem entre diferentes setores da atividade econômica, particularmente no que se refere à relação entre os lucros obtidos na indústria e a exploração de terras agrícolas.

A formulação destas relações levou à concepção de uma teoria geral do comércio internacional, de cunho liberal, onde cada país deveria se especializar na produção daquelas mercadorias para as quais tivesse vantagens comparativas (a outros países) maiores. A divisão do trabalho internacional seria assim justificada. Porém, o que importa para os objetivos aqui propostos é alertar para o fato de que esta concepção de que a exploração de novas terras menos férteis levaria a uma estagnação da acumulação, tem como pressuposto que a propriedade privada de um recurso natural, como a terra, deveria obedecer a uma lógica mais geral de reprodução do sistema econômico. Ou seja, de uma maneira ou outra este recurso natural, mesmo não sendo produzido pelo trabalho e, portanto não tendo valor, conferia aos seus proprietários um rendimento e teria seu preço determinado por suas qualidades naturais (e no argumento ricardiano, também pela distância dos centros consumidores).

Outro fator importante a ser ressaltado na análise de Ricardo é quando afirma que os agentes naturais não são objeto de nenhum preço porque são inesgotáveis e estão à disposição de todos” (GREDILLA, 1974, IV:2-9).

Um outro autor que merece destaque é Malthus que, segundo ROMERO (1994:15),

“(...) foi talvez um dos primeiros economistas a preocupar-se com questões relacionadas com os recursos naturais. Sua bem conhecida visão demonstra grande pessimismo ao considerar que os limites de recursos em nível planetário fazem com que a capacidade de crescimento da produção de alimentos seja inferior ao crescimento da população”.

O que se coloca aqui é a teoria populacional de Malthus que, de

maneira simplificada, afirma que a população cresce em ritmo geométrico, enquanto a produção de alimentos cresce a ritmo aritmético. Ou seja, haveria uma tendência permanente ao conflito entre o crescimento da

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população e a satisfação de suas necessidades. Está colocada aí uma concepção de limites à produção e expansão da produção de alimentos dada pela própria natureza. Em outras palavras, aborda-se de uma maneira clara os limites da natureza, a limitada capacidade da natureza em fazer frente à expansão do crescimento da população.

Finalizando, é necessário ressaltar que todo o esforço realizado pelos autores da Escola Clássica se referiu a sucessivas tentativas de construir uma teoria do valor objetiva. Isto é, uma teoria onde o valor seria produzido, mensurado e trocado por outras mercadorias.

Infelizmente, porém, tanto Smith quanto Ricardo não conseguem seu intento. O primeiro não consegue se livrar da dupla condição do valor, enquanto valor-de-uso e enquanto valor-de-troca. A circularidade desta múltipla determinação para o valor impediu Smith de avançar no terreno da discussão do valor como elemento genérico e abstrato, decorrente da atividade humana, tal como Marx formularia mais tarde. Por seu lado, Ricardo, em que pese ter percebido e trabalhado um conceito de valor baseado no trabalho humano e ter percebido que a determinação do valor se dá pela quantidade de trabalho incorporado a cada mercadoria, não consegue estabelecer uma medida específica para o valor, o que também Marx resolveria mais tarde através do conceito de tempo de trabalho.

Por fim, podemos afirmar que, apesar de tais problemas teóricos, a Escola Clássica conseguiu estabelecer as bases para a análise dos processos econômicos que têm, como fundamento, a acumulação da riqueza através da transformação da natureza pelo homem. 2- A ESCOLA NEOCLÁSSICA: UTILIDADE E ESCASSEZ COMO BASE DE VALOR

A chamada Escola Neoclássica ou Marginalista caracteriza-se, fundamentalmente, por construir seus postulados teóricos a partir de uma leitura específica da teoria do valor, desenvolvida a partir da Escola Clássica.

O valor-de-uso assume um lugar de destaque como princípio básico neste corpo teórico e sua manifestação, a utilidade que cada bem proporciona ao seu possuidor ou produtor, é o ponto de partida da construção de uma teoria subjetiva do valor.

Assim, o pensamento econômico que predomina entre meados do século XIX até a Primeira Guerra Mundial será constituído pela

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permanente tentativa de criar modelos de comportamento para indivíduos e firmas que reafirmem a busca constante de maximização de suas necessidades ou desejos.

Coerentes com esta postura de análise individual de cada agente econômico e sua posição no mercado como produtor ou consumidor, os autores desta corrente teórica restringem suas análises aos aspectos microeconômicos do comportamento destes agentes.

Dessa forma, é comum encontrarmos quase uma seqüência lógica nos manuais e livros-texto desta Escola, que se iniciam sempre com uma discussão da teoria do consumidor para logo em seguida elaborarem uma teoria da firma (ou dos produtores). O equilíbrio geral, ou a teoria do bem estar social é alcançada pela agregação da análise pela soma das ações individuais dos agentes econômicos.

Coerente também com seu enfoque do valor enquanto valor-de-uso, utilidade, nesta corrente não existe qualquer distinção entre valor e preço. A realidade subjetiva dos desejos individuais comparece no mercado através dos preços. Elimina-se, assim, qualquer distinção entre valores e preços na medida em que o mercado se encarrega de “traduzir”, através dos preços, as utilidades/desejos subjetivos dos agentes econômicos.

Os principais postulados presentes nesta escola do pensamento econômico são: a harmonia enquanto enfoque central das relações entre produtores e consumidores, o equilíbrio estático das forças de mercado, a livre concorrência, a maximização e racionalidade da produção e do consumo.

Ao conceituar a economia como a ciência que estuda a alocação dos recursos escassos entre fins alternativos, a economia neoclássica incorpora a perspectiva de que as necessidades humanas, sendo ilimitadas não podem ser satisfeitas todas ao mesmo tempo, na medida em que não existiriam recursos disponíveis para tanto. A escassez, assim, precisa ser regulada pelo mercado, através dos preços e do funcionamento da lei da oferta e da procura.

A propriedade privada de cada fator de produção, isto é, do capital, do trabalho, da terra e do dinheiro conferem a seus proprietários a possibilidade e o direito de serem remunerados pela sua utilização na produção. O lucro, o salário a renda da terra seriam, assim, a remuneração dos fatores produtivos expressos através dos preços que adquirem por seu uso na produção. A lei da oferta e da procura garante que os preços de cada um destes fatores se equilibrem como preços de mercado.

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Sintetizando, a propriedade privada assume um papel fundamental, uma vez que a clara delimitação dos direitos de cada proprietário é o que lhes permite ter acesso à remuneração de cada um pela utilização do bem ou produto.

Os agentes econômicos se encontram então no mercado, estabelecem seus preços e a produção aparece como uma relação entre produtores, fornecedores de recursos e consumidores. A “mão invisível” de Smith ganha status de mecanismo regulador das relações de troca e garantidor de relações harmônicas na medida em que o mercado possui esta capacidade de auto-regulação presente.

Ao mesmo tempo, as variações de preços de cada bem ou produto, neste marco teórico, somente ocorrem quando o excesso ou escassez do bem em questão força um novo equilíbrio dos preços em um mercado em permanente adaptação aos desejos e necessidades de seus agentes.

Tais patamares de equilíbrio somente são conseguidos, também, porque o marco conceitual admite um mercado em concorrência perfeita. Isto significa que um grande produtor, ou consumidor ou mesmo proprietário de um fator de produção em particular não conseguiria influenciar os equilíbrios do mercado, distorcendo através de sua vontade individual a lei da oferta e da procura. O monopólio e as estruturas monopolistas são tratadas como exceção e levam, inexoravelmente a desequilíbrios que precisam ser combatidos. No mesmo sentido, a análise neoclássica não admite a intervenção do Estado sobre a economia, na medida em que prejudicaria o equilíbrio do mercado e os preços daí resultantes não revelariam, em sua plenitude, os desejos de produtores/consumidores.

Este é um ponto interessante da teoria neoclássica: a racionalidade explícita dos agentes econômicos, comparecendo ao mercado a cada momento e revelando seus preços ou os preços dos bens, que por sua vez servirão como parâmetros para todos os outros agentes e aos bens que compareçam ao mercado. Admite-se, portanto, que as decisões individuais são racionais no sentido de, a cada momento, procurarem o máximo e melhor uso dos fatores produtivos, a máxima e melhor rentabilidade dos fatores empregados, a máxima satisfação e os melhores usos possíveis. As ações individuais maximizadoras garantem também a maximização coletiva ou social para o processo econômico, resolvendo o problema de um suposto equilíbrio geral macroeconômico.

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Por fim, há que se ressaltar que o mercado adquire aqui uma conotação de instrumento de regulação das atividades econômicas. A escassez e a utilidade ao conferirem valor, e conseqüentemente preços aos bens, sinalizam a todos os agentes econômicos o marco onde se movem suas relações econômicas, assegurando a coerência necessária aos interesses divergentes presentes na economia. Os preços são, portanto, indicadores da importância de cada bem no conjunto da produção e do consumo e podem ser tomados também como instrumentos reveladores da escassez, utilidade e importância em determinado contexto ou conjuntura econômica.

O alto preço de um bem hoje, decorrente de sua escassez, significa uma racionalização de seu uso futuro. Em contrapartida, bens facilmente reprodutíveis ou dispensáveis (pouco úteis) ou ainda abundantes teriam seus preços baixos garantidos. Mesmo assim, podemos encontrar em alguns autores desta corrente teórica algumas afirmações que, mesmo não sendo compartilhadas e aprofundadas por todos, indicam que as disponibilidades ilimitadas de determinados recursos poderiam restringir o crescimento econômico de longo prazo.

Mesmo correndo-se o risco de classificações rígidas que não correspondam à realidade dos fatos, é possível ainda incluir dois autores que chamam particularmente a atenção pelas contribuições que aportam às questões relativas aos bens cuja reprodução não se daria em grande escala (John Stuart Mill) e no campo da questão do bem estar provocado por alterações na composição dos bens de consumo entre diferentes indivíduos (Vilfredo Pareto).

Como afirma ROMERO (1994:15) “John Stuart Mill postulou que as disponibilidades limitadas dos recursos naturais imporiam limites ao crescimento econômico, embora o equilíbrio final seja visto por Mill com mais otimismo que seus predecessores”, até mesmo porque a crença ilimitada no mercado se encarregava de fazer crer que os preços seriam impostos a estes tipos de bens de acordo com os benefícios que a sociedade obteria de sua existência ou exploração. Porém, ao chamar a atenção para o caráter limitado destes bens, Mill avança na concepção da economia como uma ciência que deve necessariamente se preocupar com a utilização futura de determinados bens e mercadorias em função de sua demanda e uso presentes.

Por seu lado, Pareto constrói uma teoria do valor distinta daquela baseada na hierarquização dos bens segundo a utilidade que

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proporcionassem aos seus detentores. Rompe, assim, com a teoria subjetiva do valor ao afirmar que a utilidade é muito mais uma questão ligada a uma ordem de preferências (preferências ordinais) do que medida de maneira matemática, obtida através de números cardeais. Ao ordenar as preferências seria possível estabelecer-se padrões de consumo/produção alternativos dentre diferentes tipos de bens.

Conjugando este critério com o conceito de otimalidade, que tenta dar conta de que as ações econômicas tendem a criar uma situação de bem estar geral para todos, a partir das ações individuais, chega-se ao conceito de ótimo de Pareto.

Segundo ROMERO (1994:17) de acordo com este princípio paretiano,

“... uma mudança é socialmente desejável se melhora o bem estar de todos os membros da sociedade ou pelo menos melhora o de alguns membros, não piorando o bem estar comum. Quando a possibilidade de realizar melhorias paretianas, tenha se esgotado, o resultado final será uma alocação de bens que não pode ser alterada sem piorar o bem estar de algum membro da sociedade”.

A questão que se coloca neste momento é que a partir deste

argumento de equilíbrio geral, uma alteração de produção e ou consumo de um bem somente pode ser avaliada em relação às mudanças que venham a causar sobre o conjunto de indivíduos/firmas, não sendo possível, porém, responder à questão crucial de como alterações potencialmente melhores para alguns poderiam afetar negativamente o bem estar individual ou coletivo.

Tais questões, em seu conjunto, acabariam por ter uma importância não desprezível na construção daquilo que mais tarde passou a ser denominado “economia ambiental”.

A livre competição (concorrência) como melhor alocadora de recursos através do sistema de preços, a busca da maior rentabilidade/utilidade presente na utilização de determinado fator de produção ou bem, a escassez como parâmetro de avaliação da importância de uma mercadoria, a introdução da noção dos bens de reprodução limitada ou não reprodutíveis e por fim a busca de critérios objetivos de julgamento do bem estar coletivo, tendo como pano de fundo o melhor e maior uso racional individual possível dos fatores de produção, são todos

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elementos que vão se juntando para uma possível elaboração de uma teoria econômica dos recursos ambientais.

Porém, será o conceito de externalidade que possibilitará a discussão aprofundada da questão ambiental no seio da teoria econômica e providenciará os instrumentos concretos para se lidar com as questões relativas à poluição, valoração de recursos e danos ambientais e mesmo, mais recentemente, com o princípio do usuário pagador. 3- EXTERNALIDADES: PRINCÍPIO ECONÔMICO PARA A VALORAÇÃO AMBIENTAL

De acordo com SANDRONI (1994:110), externalidades ou economias externas podem ser assim definidas: “Benefícios ganhos pelas unidades produtivas que se formam em decorrência da expansão de uma indústria ou de um setor industrial”.

Tal conceito, então, relaciona-se à capacidade de geração de benefícios mútuos entre diferentes agentes produtivos ou mesmo consumidores, a partir de sua proximidade ou associação na medida em que podem compartilhar das mesmas redes de infra-estruturas, redes de transporte e comunicações, mercados consumidores etc. A questão central colocada é a redução geral de custos para todos que, de outra maneira, deveriam ser apropriados individualmente. Daí também, o fato de que ao não poderem ser mensurados individualmente (por seus óbvios efeitos interpessoais) não podem ser também objetos de imposição de preços precisos por parte de todos os seus usuários.

Segundo alguns autores que se dedicam à economia ambiental o conceito de externalidade reveste-se de importância fundamental. COMUNE (1994:51), por exemplo, afirma

“... a base econômica para o tratamento das questões ambientais é bastante recente. A moderna economia neoclássica do bem estar desenvolveu o conceito de economias externas ou externalidades para tratar com as questões dos custos sociais, conceito este que, com refinamentos, serve de linha básica na análise sobre o assunto”.

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No mesmo sentido, podem ser encontradas na literatura sobre o tema, afirmações sobre o referido conceito, no seguinte sentido

“Este conceito, em sentido amplo, define todos os efeitos da atividade econômica que são externos ao mercado. Em um sentido mais restrito e habitual, define os efeitos ambientais da atividade econômica, entendendo que pode haver externalidades positivas e negativas. Apesar de que o mais comum é que a atividade econômica se traduza em impactos ambientais negativos, também existe a possibilidade de que sua influência seja positiva” (BERMEJO, 1994:105).

Ainda neste sentido puramente econômico, aponta RICUPERO (1993:11) que “Lipietz define externalidades como ‘efeitos de uma transação comercial da qual são vítimas, terceiros não envolvidos pela transação’. Assim, uma indústria, por exemplo, paga por seus custos internos de produção, mas não por seus custos externos. Não deixa de ser natural, portanto, que os homens, que segundo a teoria econômica neoclássica são agentes racionais motivados por interesses próprios, venham a agir para externalizar seus custos privados para toda a sociedade. O que evidencia a divergência entre custo privado e custo social da atividade econômica.

Um aspecto a ser ressaltado a respeito deste último ponto é a divergência entre custos privados e custos sociais da atividade econômica, na medida em que reside justamente aí um dos principais conflitos entre os usos privados dos recursos naturais e seu caráter de bens pertencentes a toda comunidade, ou mesmo, à toda a humanidade.

Do ponto de vista de cada produtor individual o que importa é a maximização da produção com a conseqüente minimização de custos. Se para tanto, determinados tipos de custos podem ser externalizados ao processo produtivo em si e socializados junto a outros produtores ou consumidores, melhor será para aquele produtor individualmente.

Obviamente, neste ponto a discussão torna-se bastante complexa: de um lado coloca em debate os limites e poderes da propriedade privada frente aos interesses públicos e, de outro, coloca frente a frente a distinção entre economias externas positivas e economias externas negativas e ambas as questões necessariamente precisam ser analisadas no processo de construção de uma economia ambiental.

Primeiro porque como já foi mencionado, os recursos naturais podem e devem ser considerados como bens públicos. Em segundo lugar,

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porque ao lado do conceito de externalidade positiva (efeitos benéficos) é necessário introduzir também o conceito de externalidade negativa. 3.1- Bens Públicos e Interesses Privados

Para se enfrentar corretamente a discussão acerca do conceito de externalidades desde uma perspectiva que não seja apenas econômica é necessário um conceito de recursos naturais associado a bens que sejam públicos, bens livres que não devem ser apropriados privadamente, no mínimo porque “As externalidades podem referir-se a bens privados ou a bens públicos, mas tendo em conta a natureza dos problemas que são preocupação hoje, somente os bens públicos vêm sendo definidos como bens livres” (BERMEJO, 1994:107).

De acordo com CANO (1998:18), “os bens e serviços podem ser classificados em: a) livres: quando implicam nenhum sacrifício para a sua obtenção: o ar, a água, a luz e o calor solar, o mar, etc. b) econômicos: têm a característica fundamental de requerer para sua obtenção, um certo esforço humano, apresentam-se com o caráter de relativamente escassos, são objetos de propriedade e de posse, e seu valor se expressa por meio dos preços”.

A natureza por ser o suporte para o desenvolvimento de todas as

atividades dos seres humanos, passou a estar associada à idéia de habitat, de casa onde mora o conjunto da espécie humana. “A associação da natureza à idéia de morada da espécie humana nos ajuda a entender o meio ambiente como um espaço comum, habitado por distintos indivíduos, grupos sociais e culturas. Compartilhados por todos o ar, as águas e os solos podem ser entendidos como bens coletivos, cujo uso por alguns pode afetar o uso que deles é feito por outros” (ACSELRAD, 1992:20).

No mesmo sentido, o autor afirma ainda

“O meio ambiente é constituído, basicamente, por elementos que não são passíveis de apropriação privada. Este é o caso do ar e, em grande parte, das águas. Ninguém pode, portanto, ser privado do acesso a estes bens, ainda que no caso da água este processo possa ser condicionado ou não pela distância relativa dos rios, lagos e nascentes, ou pela

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existência de sistemas artificiais de distribuição” (ACSELRAD, 1992:20).

Na medida em que as externalidades têm como princípio a

influência de uma determinada atividade econômica sobre o meio, gerando custos à sociedade em geral ou a terceiros, o conceito de propriedade passa a ser de grande importância, pois na maioria dos casos, apenas os prejuízos é que são socializados, enquanto que os lucros e benefícios são obtidos por alguns poucos.

“A passagem de um bem livre (são bens livres aqueles cuja oferta é praticamente ilimitada e a custos insignificantes) para um bem com caráter econômico implica normalmente que esse bem tenha um titular, que tenha um proprietário (seja particular ou público)” (FRANCO SALA, 1995:34).

  

Não havendo direitos de propriedade bem definidos os bens públicos podem sofrer apropriação por parte daqueles que estariam respaldados pela inexistência de mercados que cobrem um “preço” por isso (MARGULIS, 1991:80).

“(...) reconhecer que a unidade de gestão apropriada é o ecossistema e não o recurso questiona a noção de propriedade privada, em sua acepção ideológica mais extensa e precisa, assim como a solução tão em voga de recorrer à privatização do meio ambiente uma vez que ‘o exercício total da propriedade privada é virtualmente impossível num contexto de ecossistemas’ (Regier et al. 1989, p.114). Dentro do marco institucional ou legal, cujo objetivo seja a gestão do Planeta e o acesso eqüitativo à renda e à riqueza, é necessário deixar de contemplar os direitos privados como direitos absolutos e independentes de um fim” (AGUILERA KLINK e ALCÁNTARA, 1992:29).

Uma diversidade muito grande de recursos naturais que durante

grande parte da história foram considerados como bens livres, por existirem em quantidades consideradas ilimitadas, passaram a ser considerados bens econômicos. Isso é conseqüência de que começaram a escassear, pelo fato de que sua demanda não parou de aumentar e sua disponibilidade se reduziu quantitativa e/ou qualitativamente.

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“Além disso, a degradação de bens sem direito de propriedade e as externalidades negativas originadas, não dão lugar habitualmente a compensações por parte dos responsáveis, precisamente porque não há um titular concreto que reclame pelas perdas de utilidade do bem derivadas de sua deterioração. Na ausência de compensações pelos custos externos causados se poluirá mais e o mercado funcionará incorretamente. Ao contrário, se sustenta que uma alocação clara de direitos faria com que diminuísse a degradação e com que o mercado funcionasse corretamente” (FRANCO SALA, 1995:35).

O economicismo dominante na corrente neoclássica que leva à

redução da análise aos bens apropriados e valorados que são considerados produtíveis, implica na necessidade de superação deste paradigma. “Daí a suposta necessidade de estabelecer critérios de valoração monetária diretos e indiretos, para estes bens, fora do mercado real (Fischer, 1970) (AGUILERA KLINK e ALCÁNTARA, 1994).

Esta incapacidade da economia neoclássica de cuidar por si só desta questão tão complexa é tratada por diversos autores. A síntese destas diferentes posições pode ser tomada através de dois autores que colocam a questão da seguinte maneira:

“O conceito de externalidade tem um caráter estático. Afirma-se que os impactos ambientais devem ser internalizados mediante o pagamento de uma quantidade proporcional à sua magnitude, para que sejam corrigidos. Na medida em que essa correção é realizada, a atividade econômica pode continuar indefinidamente. Mas como os custos para eliminar toda a poluição são muito grandes, são estabelecidos limites de contaminação toleráveis. A concepção estática da natureza pressupõe que, se as emissões contaminantes permanecem dentro dos padrões permitidos, os ecossistemas manterão sua capacidade de carga, ou seja, serão capazes de recuperar o equilíbrio depois de terem recebido a descarga. Entretanto, o que sucede é precisamente o contrário: os contaminantes costumam acumular-se e geram, portanto, um impacto crescente que faz com que o ecossistema implicado não possa recuperar o equilíbrio inicial. Isto acarreta, entre outras conseqüências, a

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perda da capacidade primitiva para absorver contaminantes” (BERMEJO, 1994:108).

Por fim, tem-se ainda que:

“Convém ressaltar que a teoria neoclássica não é inteiramente satisfatória para tratar dos problemas do meio ambiente. As dificuldades provêm dos seguintes aspectos: a) a análise econômica neoclássica se baseia nos valores monetários do mercado, mas o meio ambiente não tem ‘cotação’ neste mercado; b) o princípio de soberania do consumidor é um dos conceitos básicos da construção do sistema neoclássico, mas a demanda de meio ambiente não é levada em consideração; c) o patrimônio cultural não é também levado em consideração, uma vez que a análise destaca preponderantemente os fluxos” (MAY e SERÔA DA MOTTA, 1994:55).

3.2- As Externalidades Negativas

A segunda questão é a do conceito de externalidades negativas, de uma forma mais relacionada ao tratamento dos recursos naturais e do meio ambiente.

A discussão a respeito das externalidades positivas versus as negativas pode ser facilmente observável na medida em que os efeitos das atividades econômicas sobre o ambiente são, na maioria das vezes (para não dizer inevitavelmente), negativos e destruidores.

Seguindo Jiménez Herrero (1982:230) apud BERMEJO (1994) seriam quatro as classes de efeitos negativos ou externalidades negativas possíveis:

“Desde uma perspectiva econômica e levando em consideração as atividades do sujeito ou sujeitos poluidores e do sujeito ou sujeitos sofredores da degradação ambiental, distinguem-se 4 classes de efeitos externos negativos (Jiménez Herrero, 1982:230): a) Efeitos da produção sobre a produção: o exemplo típico é o da fábrica que emite fumaça e a lavanderia que estende a roupa ao ar livre. A atividade primeira incide nas funções de produção da segunda, e o output (a quantidade e a qualidade de roupa limpa) será inferior, como conseqüência da fumaça, mantendo-se constantes os restantes inputs da lavanderia.

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b) Efeitos da produção sobre o consumo: é o caso de um rio que é utilizado na parte superior do curso d’água por uma empresa para o despejo de seus resíduos e nas partes inferiores usado por banhistas. A atividade da primeira impede ou diminui o desfrute dos últimos. c) Efeitos do consumo sobre o consumo: é o caso de um caminho que é usado por automóveis que circulam para deslocarem-se em um feriado e pedestrianistas. As emissões dos veículos afetam a utilidade do passeio dos pedestrianistas. d) Efeitos do consumo sobre a produção: Seria o caso das emissões de fumaça dos automóveis das famílias que começam suas férias e que circulam por uma estrada próxima à lavanderia do primeiro exemplo, ocasionando-lhes com as emissões de seus escapamentos os mesmos prejuízos que anteriormente eram provocados pela fábrica”.

Assim, pode-se conceituar externalidade negativa, de um ponto de

vista econômico, como sendo os reflexos que impliquem em prejuízos ou custos das atividades de uma empresa ou grupo de empresas sobre outras empresas ou sobre os consumidores.

Porém, de um ponto de vista mais amplo que o estritamente econômico é necessário, afirmar que uma vez que os efeitos de tais externalidades ou influências na maior parte das vezes são difusos e dificilmente mensuráveis, não existem mecanismos concretos e satisfatórios para a mensuração e imputação correta de seus custos.

Como afirma PEREIRA DE SOUZA, 1993:23) “O que ocorre nestes casos é que o sistema de mercado mostra-se deficiente para fazer coincidir os custos privados e os custos sociais. Estes últimos, representados pela totalidade dos custos derivados da poluição, obviamente são superiores às despesas efetuadas pelas empresas. Para que o bem estar da coletividade seja preservado, torna-se necessário, então, que as empresas sejam penalizadas pelos prejuízos causados ao meio ambiente sob a forma de um imposto, tarifa ou taxa cobrada sobre sua atividade, o que permitirá a aproximação dos custos privados e sociais. Espera-se, além disso, que as receitas (arrecadações) obtidas sirvam, no mínimo, para amenizar as condições desfavoráveis criadas pelo agente poluidor”.

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Tal postura significa que um agente externo, no caso o Estado,

através de diferentes mecanismos, deva interferir sobre o mercado uma vez que este é incapaz de por si só regular atividades, seus benefícios e custos desde um ponto de vista social ou coletivo.

Porém, durante muito tempo acreditou-se que o mercado atuaria como um regulador de preços, determinando a intensidade da utilização dos recursos naturais.

O instrumento que permitiria, segundo a economia ortodoxa, que este processo se realizasse seria o mercado, que, mediante uma alocação eficiente de preços, evitaria que se produzissem situações de escassez permanente de recursos ou que fizesse que uma atividade econômica imputasse a uma coletividade ou mesmo a outras empresas custos criados por ela mesma e não devidamente internalizados (BERMEJO,1994).

Segundo ainda BERMEJO (1994:135), “para muitos economistas o mercado livre não existe. A existência de monopólios e oligopólios, de acordos entre empresas, de grupos de pressão, de regulações governamentais, de barreiras de entrada em um número crescente de setores econômicos, etc. comprovam tal afirmação”.

Outros argumentam que o mercado não reflete custos que a atividade econômica geralmente produz, como são os da poluição e o esgotamento de recursos. 4- EM BUSCA DA ELABORAÇÃO DE UMA ECONOMIA AMBIENTAL

Com este texto procurou-se abordar as contribuições teóricas de alguns ramos da ciência econômica à discussão da questão dos recursos naturais e do meio ambiente.

Tenta-se demonstrar que partindo apenas das regras e da dinâmica de funcionamento do mercado (em suas variáveis de preços e quantidades produzidas e/ou consumidas de cada bem ou produto), do conceito de valor desde um ponto de vista estritamente econômico e, mesmo, do conceito de externalidades, construir uma economia dos recursos naturais ou uma economia ambiental não é tarefa fácil e vai requerer, todavia, o aporte de várias reflexões e contribuições.

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Entretanto, a partir das questões tratadas até o momento é possível estabelecer alguns elementos, à guisa de conclusão.

A primeira questão a ser abordada é justamente deixar clara a distinção feita por vários autores entre os objetos de estudo da economia dos recursos naturais e outros que seriam próprios da economia ambiental.

FIELD (1995:26) sintetiza esta discussão da seguinte maneira: “O estudo da natureza em seu papel de provedora de matérias-primas denomina-se economia dos recursos naturais”, enquanto “O estudo do fluxo de resíduos e os impactos resultantes no mundo natural denomina-se basicamente economia ambiental”.

A mesma distinção é realizada por MERICO (1996:15) quando afirma que

“A Economia dos Recursos Naturais, análise bastante difundida nas décadas de 60 e 70, tinha sua ênfase na forma de utilização dos recursos naturais. Seu grande objetivo era alcançar o uso ‘ótimo’ de recursos renováveis e não renováveis (o que freqüentemente significava apenas maior retorno financeiro com menor custo). Percebeu-se, porém, que mesmo sob esse uso ‘ótimo’, não se evitava a degradação ambiental e podia-se levar os recursos naturais à completa exaustão ou extinção. Já a Economia Ambiental, que alcançou grande desenvolvimento na década de 80, teve sua ênfase largamente voltada à questão da poluição. Nessa análise, a poluição é percebida como uma externalidade do processo de produção e consumo, ou seja, uma falha dos mecanismos de mercado, que pode ser tratada pelos vários meios de internalização de custos ambientais nos preços dos produtos”.

Colocada sob esta perspectiva, a economia ambiental significa um

avanço em relação à economia dos recursos naturais. Para sua problematização e, principalmente, para buscar sua aplicação prática e concreta é que se buscou neste texto, as construções teóricas da economia clássica e neoclássica que foram analisadas nos itens anteriores, principalmente porque, vários autores consideram que a economia ambiental é um ramo de estudos que parte da microeconomia neoclássica aplicada com uma forte ênfase no princípio da externalidade.

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Porém, mais recentemente pode ser detectada uma ampliação das questões sob análise pela economia ambiental, sintetizadas nos seguintes pontos por Barde (1991), citado em RICÚPERO (1993:24):

“1. Elaboração de técnicas de valoração em termos monetários dos fenômenos ambientais e da análise de custo benefício; 2. Formulação e execução de instrumentos de políticas ambientais; 3. Desenvolvimento de estudos sobre a dimensão internacional dos fenômenos e políticas ambientais; 4. Reflexão e execução de um processo de desenvolvimento sustentável”.

Cada um dos pontos acima significa campos de análise

extremamente complexos para a economia ambiental, que de um lado lhe retira o caráter de uma análise meramente microeconômica e lhe confere um grau de preocupação e uma escala de análise macroeconômica e, de outro lado, abre a possibilidade à crítica à visão puramente econômica dos fenômenos ambientais, encontrados nas escolas econômicas analisadas até o momento. Isto leva a crer que possivelmente outras correntes teóricas da economia deverão ser incorporadas ao debate futuro da área.

Finalizando, é possível exemplificar nesta direção através de algumas (re)qualificações que podem ser realizadas no sentido de relativizar a utilização estritamente econômica que vem sendo dada, por exemplo, ao papel desta instituição denominada mercado.

O sistema de mercado é normalmente compreendido, no interior das escolas econômicas analisadas até o momento, como a solução encontrada para se resolver o eterno dilema entre, de um lado, as crescentes necessidades humanas para satisfazer seus desejos e necessidades e, de outro, os recursos escassos que impede que esta satisfação seja imediata ou completa. Ou seja, o mercado aparece como um racionalizador de recursos, onde o uso de determinado bem ou a fabricação de determinado produto se faz através de uma análise racional a respeito de relação custo/benefício de se produzir/consumir aquele bem, naquele momento e não outro bem qualquer.

Neste contexto, os preços comparecem como os verdadeiros guias ou sinalizadores destas decisões econômicas racionais e sua análise

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resultaria, em última instância, na análise das decisões de uma sociedade sobre o que, quanto, quando e de que maneira produzir e consumir.

Procurando aproximar tal conceituação das preocupações da denominada economia ambiental tem-se que, tal como afirmam TURNER, PEARCE e BATEMAN (1994:65)

“A grande maioria dos recursos do mundo são, portanto, usados em economias de tipo mercado (market type economics), que são por isso, responsáveis por uma significante proporção da poluição do mundo. É, portanto, importante que se entenda que o processo pelo qual as forças de mercado determinam quanto de algum recurso um produtor usará nos processos de manufatura e, similarmente, por que a operação de mercados afeta o tipo e quantidades de poluição produzida. Entender como o mercado opera e os tipos de sinais que ele dá para os produtores também ajudam a entender como devemos modificar os mercados para assegurar que os produtores não vão superexplorar recursos ambientais escassos e podem ser dados incentivos para reduzir a quantidade de poluição que eles produzem”.

Um entendimento simplista destes processos, porém, pode levar a

uma visão de que os preços dos recursos utilizados nos diferentes processos produtivos, os preços dos produtos dele resultantes e mesmo os preços dos subprodutos, ou na linguagem dos autores citados, da poluição que esta produção causa podem ser perfeitamente mensuráveis e imputados ao produtor.

Mensurar, impor custo e preços não parece ser, assim uma solução econômica neutra entre usos mais ou menos intensos ou entre usos presentes ou futuros ou mesmo entre aumento de produção com aumento de poluição.

Além de todos os problemas decorrentes da apropriação de bens que a princípio não teriam preço e estariam assim fora do mercado, tem-se

“O uso de recursos ambientais e a poluição do ambiente podem ser incorretamente ressarcidos pela empresa considerada. Entretanto, elas impõem custos para o resto da sociedade. Conseqüentemente, o mercado falha quando surgem situações em que uma firma produz unidades de produto que criam lucros/benefícios privados, mas impõem

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altos custos externos para a sociedade” (TURNER, PEARCE e BATEMAN, 1994:77).

Finalizando, pode-se afirmar

“Propriedades únicas e singulares do ambiente indicam que não se pode aguardar que os recursos naturais tornem-se escassos e criem seus próprios mercados. A valoração ambiental é essencial se se pretende que a degradação da grande maioria dos recursos naturais seja interrompida antes que ultrapasse o limite da irreversibilidade (Schweitzer, 1990). A evidente degradação dos recursos hídricos e do ar é uma prova incontestável de que a valoração da capacidade do ambiente, um dos serviços prestados pelo meio ambiente ao homem, não pode se dar via mercado. A espera da solução de mercado pode resultar em perdas de tais funções, redundando em redução do bem estar não somente da geração presente, mas também da futura já que o meio ambiente desempenha funções econômicas” (MARQUES e COMUNE, 1996:22).

Ou seja, gera-se uma falsa impressão de que através do livre

funcionamento do mercado é possível que sejam estabelecidos parâmetros de incentivo ou contenção para a utilização dos recursos naturais e, tão importante quanto, para a valoração da poluição, esta externalidade negativa já analisada. Em outras palavras, a crença de que somente o funcionamento do mercado seria suficiente para garantir o melhor e maior uso racional possível até mesmo de um “produto” como a capacidade de assimilação de resíduos pelo meio ambiente, não parece tão tranqüila e possível como pode parecer à primeira vista. CONCLUSÃO

A Escola Neoclássica é a primeira a considerar a Terra como um sistema fechado e com uma capacidade limitada para absorver os resíduos produzidos pelas atividades econômicas. Além disso, cria o conceito de externalidade que, como já foi dito, é o suporte para conceitos mais recentes como: poluição, contaminação e impactos ambientais.

Tratar a poluição como uma externalidade negativa foi um avanço, principalmente quanto ao fato de se considerar que os custos dos danos causados deveriam ser internalizados pelos causadores, o que levou à

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necessidade de revisão e de formulação de conceitos e, principalmente, à conscientização da necessidade de uma mudança de postura por parte do Estado na gestão de determinados recursos, do mercado e dos usuários.

A valoração dos recursos naturais comparece como mais um instrumento a ser utilizado para conter e controlar a degradação ambiental e até mesmo como um instrumento de gestão ambiental.

Permitirá uma utilização mais racional, na medida em que se pagará pela forma como se dará essa utilização e, principalmente, pelos problemas ambientais, ou seja, pela poluição e contaminação provocadas por ela. BIBLIOGRAFIA ACSELRAD, Henri (org.) Meio ambiente e democracia. Rio de Janeiro: IBASE, 1992. AGUILERA KLINK, Federico, ALCÁNTARA, Vicent (orgs.) De la economía ambiental a la economía ecológica. Barcelona: ICARIA, 1994. 405 p. AZQUETA OYARZUN, Diego, FERREIRO, Antonio (eds.) Análisis económico y gestión de los recursos naturales. Madrid: Alianza Editorial, 1993. 373 p. AZQUETA OYARZUN, Diego Valoración económica de la calidad ambiental. Madrid: McGraw Hill, 1994. 300 p. BENAKOUKE, Rabah, SANTA CRUZ, René Avaliação monetária do meio ambiente. São Paulo: Makron Books, 1994. 200 p. BERMEJO, Roberto Manual para una economía ecológica. Bilbao: Bakeaz, 1994. 333 p. BLANCH, Antonio et al. Grandes dilemas ambientales. Madrid: Centro de Perfeccionamiento Profesional y Empresarial, 1974. 292 p. CANO, Wilson Introdução à economia: uma abordagem crítica. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. 265 p. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988. COMUNE, Antonio Evaldo Meio ambiente, economia e economistas: Uma breve discussão. In: Valorando a natureza. Análise econômica para o desenvolvimento sustentável. MAY, Peter Herman, SERÔA DA MOTTA, Ronaldo (orgs.). Rio de Janeiro: Campus, 1994. pp. 45-58

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A GEOGRAFIA FÍSICA: DA CONFORMIDADE-A-FINS À PAISAGEM

Antonio Carlos VITTE

Departamento de Geografia, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociências, UNICAMP, Campinas (SP).

E-mail: [email protected]. Pesquisador CNPq. RESUMO: Imannuel Kant lecionou Geografia Física de 1756 a 1802 na Universidade de Königsberg, motivado pelo terremoto de Lisboa de 1755. Sua reflexão filosófica é fortemente marcada por um traço cosmológico, em que o espaço evolui de uma matriz geométrica para um meio de conexões e regularidades da natureza. Essa passagem fica muito bem marcada se observarmos a sua concepção de espaço na Crítica da Razão Pura, de 1781 e sua reflexões na Crítica do Juízo de 1791, onde a natureza foi concebida como um sistema e uma totalidade. É na Crítica do Juízo que Kant desenvolverá a noção de conformidade-a-fins, que mediada pela noção de organismo e finalidade técnica, permitirá a passagem da noção de forma para a concepção de morfologia em Goethe. Essa transformação representa um novo conceito de natureza que influenciou os trabalhos de Alexander von Humboldt, como as obras Quadros da Natureza e Kosmos que constituem-se em marcos para o desenvolvimento da moderna ciência geográfica, onde a paisagem será a síntese do sublime e do belo da natureza, instrumentalizada pela pesquisa geográfica. Palavras-chave: Filosofia kantiana, Natureza, Goethe, Paisagem, Humboldt, Geografia Física.

MODERN PHYSICS: FROM “CONFORMIT OF ENDS” TO LANDSCAPE

ABSTRACT: Imannuel Kant has taught physical geography from 1756 to 1802 at the University of Königsberg motivated by the Lisbon earthquake event that happened in 1755. His philosophical reflection highlights a cosmologic perspective that incorporates an evolution of the concept of space, from a geometric matrix to a nature spot of connections and regularities. This happening turns out to be clear when the space conception from the Critique of Pure Reason (1781) is pointed out, as well, Kant’s reflection conceiving nature as a system and a totality on Critique of Judgment (1791). Taken from the Critique of Judgement book, the concept of “conformit of ends” mediates the “organism” and “technical end” notions in order to allow the evolution of “form” to Goethe’s morpholohy concept. This transformation brought by a a new conception of nature has furthered influenced Alexander von Humboldt investigations such as “Views of Nature” and “Kosmos” that have been considered landmarks for the development

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of modern scientific geography through the instrumentalization use of landscape by geographical search as a synthesis of the beauty and the sublime of nature. Keywords: Goethe, Humboldt, Kantian philosophy, Landscape, Nature, Physical Geography. Introdução Segundo Schafer (1953) a influência de Imannuel Kant (1764-1804) para o desenvolvimento metodológico da Ciência Geográfica, foi problemática com repercussões negativas para a inserção da Geografia no contexto das demais ciências sociais.

Embora Hartshorne (1955) tenha advogado a favor de Kant e defendido a sua importância para o desenvolvimento metodológico e analítico da Geografia, parece que o filósofo foi relegado ao esquecimento ou, quando no máximo, explorado de maneira tangencial nos cursos introdutórios de Geografia e na disciplina de História do Pensamento Geográfico.

Dos 268 ciclos de cursos ministrados pelo filósofo de Königsberg de 1755 a 1796, 54 foram dedicados a lógica e a metafísica, 49 à Geografia Física, 46 a Ética, 28 a Antropologia, 24 Física teórica, 20 de Matemática, 16 de Direito, 12 Enciclopédias de Ciências Filosóficas, 11 de Pedagogia, 4 Mecânica, 2 Mineralogia, 1 Teologia (KUEHN, 2001, p. 83).

Frise-se que Kant foi o primeiro filósofo a introduzir a disciplina de Geografia na Universidade, antes mesmo que a primeira cátedra de Geografia fosse criada em 1820 por Carl Ritter em Berlim (KUEHN, 2001, p.84).

Por esta pequena explanação biográfica percebe-se que a Geografia era uma preocupação constante para Kant, sendo o seu curso de Geografia Física ministrado concomitante ao curso de Lógica e Metafísica.

Assim, o objetivo deste trabalho é apontar a influência da filosofia kantiana na gênese da geografia moderna, mais particularmente na Geografia Física, como mais uma possibilidade de se entender a Ciência Geográfica e sua relação com a modernidade.

A premissa deste trabalho é que a Geografia Física completou e fechou o sistema cosmológico kantiano, ao mesmo tempo em que forneceu elementos empíricos para o repensar filosófico e estético sobre a Natureza e sua independência em relação ao sujeito, tema este desenvolvido na obra

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Crítica da Faculdade do Juízo, de 1791, que exerceu forte influência em Goethe (SCHIEREN, 1998) e em Alexander von Humboldt (1769-1859). A questão do espaço e as críticas de Herder

As discussões sobre a Estética surgiram no escrito de 1768 intitulado Observações sobre o Belo e o Sublime (KANT, 1993), a partir de uma forte influência da filosofia inglesa e de seus estetas, particularmente Shaftesbruy (Pimenta, 2007) e Burke (1993). Mas na Crítica da Razão Pura, em 1781, (KANT, 1989) a Estética estará relacionada a sensibilidade e a possibilidade de se construir o conhecimento, fato que será radicalmente oposto na Crítica da Faculdade do Juízo (KANT, 1995), de 1791, em que a Estética será associada a crítica do gosto.

Na Crítica da Razão Pura, a Estética Transcendental é a ciência de todos os princípios a priori da sensibilidade, ou seja, é a ciência que permite a ordenação do mundo segundo determinadas relações do fenômeno, a saber: a sensação. Já na Critica da Faculdade do Juízo (KANT, 1995), a estética e particularmente a faculdade estética de julgar permite a vinculação, a passagem do conceito de natureza sob a legislação do entendimento ao domínio do conceito da liberdade sob a legislação da razão.

O pano de fundo para esta discussão acarretou a chamada revolução copernicana (LEBRUN, 1993) e, por conseguinte, a estruturação da modernidade, na qual foi fundamental os conceitos de espaço e natureza. É justamente a questão do Espaço e da Natureza que irá fundamentar a revolução copernicana de Kant com a Crítica da Razão Pura (1989). É justamente a partir desta questão que o esquematismo transcendental irá, de um lado, revolucionar a filosofia ocidental e, de outro, colocar como problema a questão da Natureza e de sua abordagem empírica.

Assim, em qualquer debate sobre a estética e os juízos estéticos é preciso estar consciente destes dois conceitos que inclusive foram os responsáveis pelo repensar do próprio Kant sobre a sua Crítica da Razão.

A natureza aparece como um problema para Kant após a publicação da Crítica da Razão Pura em 1781, quando a Natureza foi concebida como um mero ordenamento empírico de fenômenos e, o Espaço, como um a priori, portanto, intuitivo e sem relação com o empírico. Nada tinha existência independente do sujeito e o amalgama era dado pelo mecanicismo newtoniano.

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No entanto, as questões relativas à natureza e do espaço não eram desconhecidas de Kant, um leibniziano de formação, que, em 1756, sob o impacto do terremoto de Lisboa, começou a lecionar Geografia Física ainda sob influência da Física e da Monadologia de Leibniz (KUEHN, 2001) . Provavelmente, ao realizar a revolução copernicana e o seu anseio pela universalidade da razão, Kant, ao inserir a Natureza na parte relativa à Dedução Transcendental das Categorias, retirou da mesma qualquer possibilidade de ser compreendida como um fenômeno independente da razão, ainda que representada por esta mesma razão, mas mediada pelo juízo.

Nesse contexto de profundas transformações filosóficas, econômicas e sociais, marcadas pela Revolução Francesa em 1789, ocorreram também grandes transformações na explicação da Natureza, como, por exemplo, o Sistema da Natureza de Buffon, as reflexões de James Hutton sobre a Geologia e de Lavoisier sobre a Química e principalmente, surgimento da noção de organismo na Biologia.

Essas transformações marcaram fortemente as reflexões kantianas, cujo exemplo é a Crítica a da Faculdade do Juízo de 1791. Nesse caldo cultural deve ser inserida a concepção de Kant sobre a Geografia Física e as transformações na noção de Espaço, Natureza e Estética, que influenciará as análises da Naturphilosophie e particularmente, de Goethe sobre a Ciência da Morfologia, base para a estruturação da concepção geográfica de paisagem e geoesfera, como categorias de organização natural da superfície da Terra, que foram desenvolvidas e operacionalizadas por Alexander von Humboldt. em suas obras: a Geografia das Plantas, de 1803, os Quadros da Natureza de 1808 (HUMBOLDT, 1952) e o Kosmos, publicados em cinco volumes de 1845 a 1862, (HUMBOLDT, 1848-1862).

Essas transformações associadas às informações e descrições fornecidas pelos viajantes e naturalistas sobre os novos continentes e suas “maravilhas”, no que tange aos quadros da natureza, obrigarão Kant, assim como os filósofos da Naturphilosophie, a voltarem os olhos para o passado, o que será feito por meio de uma releitura de Leibniz, Espinosa e Aristóteles (VITTE, 2006, 2007).

Foi o momento em que a filosofia newtoniana de Voltaire era colocada em xeque e exigiu o desenvolvimento de uma nova forma de olhar e ver o mundo, pois o novo quadro empírico e a abertura das fronteiras colocaram como imperativo o desenvolvimento de novos

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padrões explicativos e de como situar o homem ocidental perante o mundo e a natureza.

Naquele momento, a postura do esclarecimento no processo de construção da modernidade exigiu um diálogo com o passado que havia sido radicalmente deixado de lado a partir da influência newtoniana. Mas seria um diálogo não para se pensar de maneira dogmática a volta ao presente ou reclamar os tempos felizes de outrora, mas sim, para, racionalmente, se apropriar de categorias e conceitos agora re-trabalhadas com nova roupagem para, com isso, desenvolver uma nova postura filosófica, estética e metodológica, no que se refere à Ciência, a Natureza e ao Mundo. Era uma situação paradoxal, que foi mantida até meados do século XIX, coincidindo com a publicação do último volume do Cosmos de Alexander von Humboldt.

Foi assim que a Geografia Física teve um papel primordial na sustentação da filosofia kantiana e nas discussões filosóficas e estéticas que foram desenvolvidas por Schelling, Schiller, Goethe, Schopenhauer e depois canalizadas nas reflexões de Alexander von Humboldt.

Essa revolução em seu sistema filosófico e em suas concepções estéticas surgiria a partir de suas reflexões sobre a Geografia Física que eram realizadas nos cursos ministrados no verão. Nesses cursos, a observação e a descrição dos naturalistas colocavam em xeque o primado da universalidade da razão, obrigando o filósofo a rever a posição da Natureza em seu sistema, uma vez que a situação da mesma na Dedução das Categorias Transcendentais passava a ser insustentável. Nesse quadro, Kant dará maior visibilidade aos Juízos, que na Crítica da Razão Pura estavam subordinados à Razão, enquanto que na Crítica da Faculdade do Juízo estarão relacionados ao entendimento e ganharão independência relativa e o seu objetivo será mediar a relação entre o Empírico, a Imaginação e a Razão na produção do conhecimento (GUYER, 1997; 2006).

Esta revisão nasce a partir de uma problemática geográfica que é colocada para sua filosofia. É a questão da particularidade e da diferenciação da natureza na superfície terrestre, pois se ele advogava na Crítica da Razão Pura o primado da universalidade da razão perante a experiência, agora tornava-se insustentável o esquematismo da razão perante a multiplicidade e a heterogeneidade de fenômenos sobre a superfície da Terra (VITTE, 2005).

É nesse momento que o Juízo ganhará novo status na filosofia kantiana, assim como a imaginação. Um livre jogo entre ambos - Juízo e

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Imaginação - permitiu a constituição da representação e da arte, cujos papéis serão fundamentais na constituição da natureza, assim como na reconstrução da noção de Natureza e Espaço.

A partir da influência da filosofia kantiana a Geografia nascerá como sendo a representante de uma nova poiesis no mundo, nascida a partir da relação dialética entre a natureza e a arte, cujos representantes são Goethe e Alexander von Humboldt.

Essa postura newtoniana de Kant perante o Espaço e a Natureza colocou-o frente a fortes críticas, que inicialmente foram dirigidas por Herder (1964), para quem a Crítica da Razão Pura retirava a substância da metafísica da natureza e ao mesmo tempo desprezava uma metafísica da história, seja da natureza e da civilização. A partir do esquematismo da razão e de sua transcendentalidade, a experiência era subjugada, ao mesmo tempo em que em que era retirada qualquer possibilidade de se desenvolver um conhecimento sobre a evolução histórica e universal sobre a civilização. Ainda, segundo Herder (1964) Kant, dando preferência ao tempo e não ao espaço, concebia a história como sendo uma série de acontecimentos em uma dada sucessão em um dado espaço, não permitindo, com esta postura, compreender as conexões causais que poderiam estar associadas as diferenciações no grau de evolução histórica das nações, que, segundo Herder (1964) seriam dadas por peculiaridades em um complexo devir entre uma trama natural e uma trama histórica de causas e efeitos.

Ainda segundo Herder (1964) faltava a Kant uma filosofia da história, pois no seu pensamento, conforme foi evidenciado na Crítica da Razão Pura, a sua concepção de transcendentalidade representava, na realidade, o fim da história e de qualquer possibilidade da civilização no mundo, uma vez que a história era a possibilidade construída entre a Natureza e a Cultura em um determinado Espaço e não meramente um aspecto apenas da ética.

O erro de Kant, segundo Herder (1964) foi o de não perceber a história como uma manifestação múltipla e infinita da vida e da humanidade. Kant errava, segundo Herder (1964) em não considerar o Espaço como um elemento importante no processo de produção do conhecimento, pois o espaço permite, no seu entender, demonstrar a diferenciação, a particularidade e a multiplicidade de manifestações da vida e da relação entre a Natureza e a Cultura.

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Para Herder, considerado por Kant o seu melhor aluno de metafísica e de Geografia Física, a ditadura da razão na Crítica da Razão Pura não permitira a Kant perceber que o Espaço, a Natureza e a Cultura evoluiriam na forma de um conjunto vivo, havendo uma sistematicidade orgânica e viva, uma totalidade ditada pela evolução da Natureza (Herder, 1964). A partir das diversas críticas dirigidas a função da natureza na Crítica da Razão Pura, associadas às reflexões desenvolvidas no seu curso de Geografia Física e do contato com os relatos dos naturalistas e viajantes, aflorava em Kant o problema da incapacidade da razão, como montada na Crítica da Razão Pura, pois os cânones newtonianos não davam conta de explicar a Natureza com suas diferenciações e multiplicidades e, de construir de fato, uma arquitetônica da razão que representasse a totalidade. A Crítica do Juízo: organismo, natureza e estética

A partir das críticas de Herder (1964), as noções desenvolvidas na Crítica da Razão Pura e frente a todas os avanços que estavam acontecendo no final do século XVIII, o velho Kant provoca mais uma revolução no mundo ocidental com a Crítica da Faculdade d Juízo de 1791, também chamada de Terceira Crítica, onde a Natureza e o Espaço ganham objetividade e independência em relação à Razão, ao mesmo tempo em que ela produz a sistematicidade de ambos, a Natureza e o Espaço.

A Crítica da Faculdade do Julgar não apenas complementa a Crítica da Razão Pura, mas também avança no sentido de tratar de temas multiplamente conectados com a totalidade da Razão, pois propõe uma vinculação entre o mundo natural e a liberdade ou, mais propriamente, entre o mundo sensível e o moral. A Terceira Crítica procura uma mediação entre Natureza e Cultura, cabendo ao Juízo e mais propriamente a faculdade de julgar reflexiva harmonizar esta relação segundo uma concepção de sistematicidade e totalidade, que exercerão influência no Idealismo Alemão e na formação da Geografia Moderna.

A Terceira Crítica nasceu marcada pelo forte impacto da Biologia e da noção de organismo, o que exercerá importante papel ontológico e epistemológico no sistema kantiano, tanto que a Terceira Crítica também é chamada de a Filosofia do Organismo (LEBRUN, 1993).

Para Marques Filho (1987), a concepção de organismo rompe com o mecanicismo newtoniano, levando a estruturação da natureza como um

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sistema, como uma totalidade. Para Lebrun (1993) o organismo como totalidade pressupõe a independência da Natureza e do Espaço em relação à razão e mais do que isto, fundamenta-se na tese da epigenia, termo criado por William Harvey em 1651 (CRAMPE-CASNABET, 1994) que advoga contra o pré-formacionismo de base mecanicista, e postula que o ser forma-se a partir de uma matéria indiferenciada. O ser vivo, segundo a tese epigênica, não se forma a partir de planos pré-estabelecidos, mas a partir da natureza.

Mas, o fato é que se a Biologia é o paradigma para Kant, a Geografia Física, a diversidade da natureza na superfície da Terra é a geratiz de toda a crise do sistema filosófico kantiano (Vitte, 2006). Tanto, que o principal objetivo da Crítica da Faculdade do Juízo é construir uma regra que permita introduzir a unidade na Natureza, uma ordem na diversidade empírica que o entendimento não foi capaz de fornecer na Crítica da Razão Pura.

É uma problematização geográfica, a de explicar a Natureza e sua diferenciação espacial, que leva Kant na Crítica da Faculdade do Juízo a desenvolver a noção de crítica da faculdade de julgar estética e teleológica, cujo eixo é o juízo reflexionante ( MARQUES FILHO, 1987; VITTE, 2006). O juízo reflexionante deve ser entendido como uma pressuposição transcendental que media a subsunção do particular ao universal, mas também o poder de encontrar no particular o universal (TERRA, 1995).

Neste momento, é notória a interlocução entre a Filosofia e a Geografia em Kant, pois a partir do impacto das descrições dos naturalistas sobre os diversos ambientes, particularmente no mundo tropical (KANT, 1999), será desenvolvido a noção de juízo reflexionante e principalmente a sua empiricização por meio da forma, que já havia sido tratada na Crítica da Razão Prática, ainda que sob a perspectiva das formas da intuição, espaço e tempo, que se relacionam diretamente com a sensibilidade e que conduzem ao conhecimento (KANT, 1989). Já na Crítica da Faculdade do Julgar (KANT, 1995), esta concepção irá significar a matéria do objeto e da arte o que demonstra uma finalidade da natureza.

Diferentemente da Crítica da Razão Pura, a forma, a partir de então, a forma será o produto de uma totalidade, o que Kant diz ser o produto da ligação de todas as coisas enquanto causa. Assim, as partes não existem sem o todo, sendo a forma a demonstração da organização e da força formadora do todo, a epigênese.

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Kant admite na Terceira Crítica que certas produções naturais parecem manifestar na natureza uma atividade artística, como se a natureza perseguisse a realização de certos fins que produzissem no ser humano um prazer estético. É o caso das florestas tropicais, das cadeias montanhosas, dos rios meandrantes em planícies circundados por montanhas recobertas por florestas, enquanto que o seu fundo de vale está multicolorido devido à primavera. Situações naturais, como aquelas, já haviam chamado á atenção de Kant em suas Observações sobre o Belo e o Sublime de 1768, (KANT, 1993) mas aqui na Terceira Crítica, a questão é a finalidade da natureza e da bela Arte.

Kant faz da natureza o artista que realiza uma obra espontânea, imediata e fruto de interconexões causais entre as partes e o todo, sendo na natureza onde a forma expressa a perfeição desta relação (KANT,1995).

Mas para Kant a natureza não é capaz de produzir a penas o belo, aquilo que agrada e harmoniza o entendimento. Ela produz também o sublime. Kant compreende o sublime como sendo aquilo que é absolutamente grande, onde não há harmonia entre entendimento e sentimento. Mesmo a razão produzindo uma representação da natureza como totalidade, a ordem de grandeza do sublime não pode ser abarcada pela intuição. Por isto, a imaginação fica impotente em representar o evento da natureza. Em outras palavras, o sublime destrói toda e qualquer possibilidade de realização da razão e da liberdade humana.

Mais uma vez Kant utilizará exemplos da Geografia Física para desenvolver a sua concepção de sublime. Assim, o sublime corresponde a eventos terrificantes da natureza, como os terremotos, os maremotos, as explosões vulcânicas, as grandes inundações. Estes eventos da natureza fazem o homem sentir medo, ou seja, demonstram a sua fraqueza, mas ao mesmo tempo permitem a ele refletir sobre o seu poder perante a natureza no sentido de dominá-la, para com isto produzir uma nova harmonia e um novo prazer estético.

A faculdade estética, como o próprio Kant diz “é pensar o particular enquanto contido no universal” (KANT, 1995, p. 179). A faculdade de julgar reflexionante subsume o particular ao universal, a uma regra, a um princípio ou a uma lei. Coloca-se, aqui um problema, que é o da subjetividade. Afinal, como mediante uma espontaneidade subjetiva, pode-se submeter algo que é dado a partir da sensibilidade a uma determinação que é válida universal e independentemente da experiência?

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Isto será possível somente com o uso da noção de conformidade a fins ou seja, um universal que não surge da experiência que é descoberta por espontaneidade, mas que permite a intermediação entre o particular, os fenômenos que são constatados empiricamente e o universal, que é a suposição da totalidade.

A conformidade a fins permite, então, a constituição nos juízos estéticos de uma unidade formal e estética da natureza e do organismo.

Na primeira introdução (TERRA, 1995), Kant desenvolveu a conformidade a fins formal da natureza como um princípio transcendental da faculdade de julgar. Com este princípio Kant constituiu uma versão racional crítica ao pensamento da conformidade a fins universal da natureza. A natureza passou a ser considerada em sua totalidade e não apenas como uma vida orgânica, como, aliás, pensaram Aristóteles e Tomás de Aquino (CAYGILL, 2000;GUYER, 2006). Mas a diferença de Kant para esses últimos é que este filósofo não concebe a natureza como um fim. Para Kant, a conformidade a fins é apenas operacional, pois nos permite procurar a regularidade da natureza, quando deparamos com a sua multiplicidade de eventos e que se apresentam comunicantes nas leis empíricas.

O fundamento da conformidade a fins é subjetivo e transcendental, ou seja, é a consideração de que a natureza é estruturada e não caótica. Tais expectativas não são dadas pela experiência, mas dependem de pressupostos subjetivos a priori de toda a experiência da natureza e é independente da causalidade ou de representações objetivas da conformidade a fins.

A partir destas reflexões, Kant reconstrói as bases metafísicas da causalidade e legitima a busca das regularidades e das interconexões sistemáticas da natureza, segundo um esforço de uma dedução transcendental que precisou também ser refeita (VITTE, 2007).

Com esta nova metafísica da causalidade, desenvolvida a partir da conformidade a fins e da nova dedução transcendental, Kant conceberá a natureza como sendo objetiva, assim como o seu conhecimento, rompendo com a sua concepção de natureza da Crítica da Razão Pura (Kant, 1989) e re-fundando as teses dos Primeiros Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza, que deram as bases para as ciências naturais e a Geografia Moderna (VITTE, 2007).

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Os impactos da filosofia kantiana na geografia física moderna. Goethe: da metodologia do olhar à ciência da morfologia.

De uma maneira geral, pode-se dizer que as reflexões de Kant contidas na Crítica da Faculdade do Juízo, marcam o início de uma relação muito especial entre o empirismo baconiano, as noções de substância e estética. Esta conexão é o produto de uma nova metafísica da causalidade e de uma nova dedução transcendental, que redundou na formação da noção de conformidade a fins sobre a natureza (STAFFORD, 1984).

Com os trabalhos de Goethe e Alexander von Humboldt esta conformidade a fins da natureza tornar-se-á empírica e instrumentalizada. A partir de então, a Geografia Física que havia propiciado o fechamento do sistema cosmológico kantiano e a produção de uma nova estética no mundo ocidental (TROTTEIN, 2000) será inserida em um quadro metafísico da Naturphilosophie que redefinirá a substância aristotélica.

Neste processo de redefinição, a própria noção de substância confunde-se com a Geografia Física, de tal maneira que se pode asseverar que a Geografia Física, como o produto de uma reflexão metafísica da natureza, passa a ser encarada pelos filósofos e naturalistas da Naturphilosophie, dentre eles Goethe e Humboldt, como a realização da substância, empiricamente determinada, instrumentalizada e passível de ser cartografada. Este retrabalhamento metafísico é o produto de uma forte sinergia entre as reflexões kantianas e a retomada das leituras de Aristóteles, Platão, Tomás de Aquino, Giordano Bruno, Leibniz e Espinosa (DE MAURO E FORMIGIARI, 2007).

Nessa reconstrução do mundo, Goethe com a sua ciência da morfologia, propunha uma ciência fundamentada na dinâmica e não na segmentação do fenômeno (GOETHE, 1963), na qual a unidade e a variedade formariam um todo orgânico e sempre em uma relação de reciprocidade. Goethe entendia que o estudo da natureza deveria voltar-se sempre para apreender os processos formadores do mundo como sistema metafísico, enquanto que os objetos empíricos e as morfologias eram dadas por princípios plasmadores e dinâmicos, havendo, assim, sempre uma metamorfose na natureza.

Em suma, para Goethe a natureza é um conjunto de forças plasmadoras que geram morfologias, que, por sua vez, só podem ser compreendidas a partir do entendimento dos princípios formadores da própria natureza. Isto exigia uma nova metodologia científica e uma

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posição estética para a análise da natureza que, segundo Goethe (1963), somente poderia ser conhecida por meio dos processos plasmadores, que se realizam nas morfologias e em seus conteúdos.

Tem-se assim, um extraordinário desenvolvimento da estética kantiana, agora mediada por outras reflexões filosóficas já apontadas. Goethe (1993, 1999) procura desenvolver a noção de conformidade a fins da Terceira Crítica considerando que a natureza é um organismo composto de estruturas energéticas que se relacionam e que é necessário uma metodologia do olhar para captar as relações na Natureza. Goethe, assim, caminha para uma filosofia do olhar, que influenciado por Shaftesbury (BARBOZA, 2003) passará a dar grande importância para a contemplação do objeto na qual sempre se deve procurar entender a plasticidade, que, segundo Goethe é dada por uma potência que se realiza na interconexão dos elementos da Natureza (GOETHE, 1963; 1993).

O mundo da natureza como totalidade é dinâmico e sua geratriz é a polaridade (Barboza, 2003). Em termos metodológicos é necessário observar a natureza e a paisagem, sendo que o estudo das formas individuais é importante para se compreender o princípio geral (Goethe, 1963). A totalidade deixa de ser cada dia mais uma idéia transcendental como a desenvolvida na Crítica da Faculdade do Juízo (KANT, 1995) e passa a ganhar corporeidade com o estudo das morfologias individualizadas e a busca de sua constituição a partir da análise da totalidade.

Segundo (SCHIEREN, 1998) o princípio da totalidade é uma das maiores influências de Espinosa em Goethe, enquanto que o princípio da comparação que irá influenciá-lo assim como a Alexander von Humboldt seria uma influência direta da filosofia de Leibniz. Outra influência importante de Espinosa em Goethe foi a noção de que as formas evoluem historicamente e que deveriam também ser procurada pela contemplação do objeto (SCHIEREN, 1998).

A metodologia científica de Goethe, e que tanto influenciará Alexander von Humboldt, fundamenta-se no olhar. É o momento da descoberta da observação e do desenho do objeto em seu contexto de relação permitindo com isto a comparação, que são importantes para a análise processual da natureza. É claramente uma metodologia em que arte, ciência e natureza se unem. Mais propriamente, a Estética e a Natureza formam uma totalidade que permite vivenciar o belo e o sublime, agora não mais entendido como um espanto (SCHOPENHAUER, 2001). É o momento em que o olhar procura captar o sublime que é dado pela

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transformação plástica da Materie em Stoff, cuja totalidade-plasticidade Goethe entende como sendo a paisagem (VITTE, 2007).

O desenho é uma busca de captar o singular dentro do processo sistêmico de desenvolvimento da forma e da paisagem, em um processo mediado pelo olhar. Nesse contexto que devemos considerar a doutrina das cores (GOETHE, 1993), pois o olho permite uma dupla apreensão: objetiva e estética da natureza e do mundo. O desenho das formas e de suas relações é para Goethe também uma fonte de pesquisa sobre a natureza, um ato epistêmico, em que a natureza metafísica é transformada em objetiva, tangível pelo microscópio e pelo desenho.

Pelo apresentado, vê-se que Goethe foi aquele que possivelmente melhor soube processar a estética kantiana no sentido de torná-la, a partir de sua concepção de arte e ciência, um elemento importante não apenas para o deleite do observador de uma paisagem, mas para a própria investigação científica daquela paisagem.

Humboldt e a Geografia Física: a instrumentalização do olhar e a percepção do Cosmos.

É em Alexander von Humboldt onde melhor se espelha o cruzamento do empirismo com a estética kantiana, agora retrabalhada por Goethe. Se a conformidade a fins de Kant estava sendo interpretada por Goethe como uma plasticidade das formas da natureza geradas a partir da sua relação com o todo; Humboldt irá instrumentalizar esta noção com a concepção de conexões entre os elementos da natureza, cujo produto será uma paisagem com plasticidade e produto de uma finalidade da natureza. É desta perspectiva que Humboldt irá compor. Os Quadros da Natureza, de 1808, em que até no título expressa as influências de Kant e de Goethe e que, definitivamente, fundam a paisagem como sendo algo concreto nas pesquisas geográficas.

A escrita humboldtiana está toda ela fundamentada na observação, sendo que para ele era necessário “ver, ouvir e sentir a paisagem” (HUMBOLDT, 1952). Para Humboldt, a pintura de paisagens era tão importante quanto a escrita, tanto que dedicou um capítulo no Kosmos à pintura das paisagens no estudo da natureza (HUMBOLDT, 1848-1862).

Para Humdoldt caberia ao pintor captar o caráter individual da paisagem e das interrelações de seus elementos, sendo importante considerar a luz e o olhar que tinham a função de captar o movimento da

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natureza, do horizonte, os limites e a organização da paisagem (HUMBOLDT, 1848-1862). A paisagem deveria ser em uma pesquisa considerada como sendo uma posição sensorial, pois, segundo Humboldt, a paisagem também é o som, a cor e a sua organização em momentos episódicos.

Com esta postura, Humboldt empiriciza e instrumentaliza a noção de conformidade a fins de Kant e da metafísica da substância que estava sendo construída no final do século XVIII e na primeira metade do século XIX. Foi neste momento que ocorreu uma extrema valorização da paisagem por meio de uma forte mediação estética. A estética também operacionaliza a concepção da Naturphilosophie (GLOY E BURGER, 1993), onde a natureza passa a ser entendida como uma totalidade viva e organizada. Para Humboldt a Natureza é também uma conexão sem fim das coisas, em que o conhecimento estético também permite o conhecimento do mundo.

Nascia, assim, por intermédio de Humboldt, a “natureza-paisagem” produto de um livre jogo entre a imaginação e o entendimento, como preconizado na Terceira Crítica kantiana. Agora a Natureza, estética e cientificamente operacionalizada, permitia por meio do conceito de paisagem realizar materialmente a metafísica da substância, convertendo o transcendental em objetividade. Assim a natureza se converte em paisagem, que é particular e delimitada, fazendo parte de um todo, mas que na análise, a paisagem torna-se uma totalidade independente. É possível falar que a natureza como totalidade torna-se individualizada em paisagens, que funcionam e apresentam limites. A delimitação das paisagens, segundo Humboldt, deveria obedecer a particularidade de cada paisagem que eram marcadas pela diferença de rochas, solos, vegetação, relevo, culturas e usos da terra. Caberia ao naturalista-geógrafo, a partir de uma posição experimental, científica e estética encontrar a individualidade (eixo transcendental) e delimitar a paisagem, onde ao juízo teleológico estaria a responsabilidade de explicar as particularidades de cada paisagem e conectá-las ao universal.

Para que esta delimitação de fato representasse a individualidade, a estratégia de Humboldt, e que perdura até os dias de hoje nos trabalhos de campo, era observá-la, descrevê-la e representá-la, só que por meio da pintura. O observador deveria estar sempre em um relevo topograficamente alto, de tal maneira que ele tivesse a visão total da paisagem e das relações de seus elementos. Assim, segundo Humboldt,

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esta primazia do sujeito em relação a paisagem fazia confluir Ciência, Arte e Literatura.

Considerações:

Há uma forte influência da filosofia kantiana no desenvolvimento da Geografia Física Moderna que está marcada pela noção de plasticidade da morfologia em Goethe e a criação da noção de “natureza-paisagem” em Humboldt, que operacionaliza a conformidade a fins da Estética da Crítica da Faculdade do Juízo, no sentido de viabilizar a regionalização da natureza em paisagens;

A Geografia Física exerceu um importante papel na reflexão filosófica de Kant, na medida em que colocou ao filósofo de königsberg o problema da heterogeneidade e multiplicidade da natureza, obrigando-o a rever as posições estéticas defendidas na Crítica da Razão Pura;

O produto desta relação entre Filosofia e a Geografia em Kant foi o desenvolvimento da Crítica da Faculdade do Juízo, em que houve uma reformulação da estética ocidental e da metafísica da causalidade, com o desenvolvimento do juízo reflexionante, que, por meio da forma permitiu o desenvolvimento da conformidade a fins, abrindo assim espaço para os trabalhos de Goethe e Humboldt.

A partir da filosofia kantiana e dos trabalhos de Goethe e Humboldt, uma nova metafísica da substância foi gerada, sendo a noção de paisagem o produto filosófico e geográfico desta reflexão;

A Geografia Física, produto do cruzamento do empirismo baconiano e das formulações filosóficas de Kant e Goethe, encontrou em Humboldt o seu herdeiro e o seu operacionalizador.

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REFLEXÕES SOBRE O PATRIMÔNIO DE BRASÍLIA

Igor CATALÃO Mestrando em Geografia – FCT/UNESP, Presidente Prudente-SP

E-mail: [email protected] Leni GASPAR

Geógrafa/UnB, Brasília-DF Raquel Carvalho de ARRUDA

Geógrafa/UnB, Brasília-DF RESUMO: O Plano Piloto de Brasília é a concretização dos princípios da arquitetura modernista do século XX. Seu tombamento é aqui questionado por estar ligado à visão ultrapassada de patrimônio como monumentalidade, que buscou salvaguardar os preceitos arquitetônicos modernistas em detrimento da vivência quotidiana. Por ter-se Brasília tornado muito mais que seu plano original, questiona-se também a manutenção do seu tombamento nos moldes em que ele foi feito, os quais – na tentativa de reafirmar a utopia da urbe ideal – se mantêm à custa da segregação socioespacial dos trabalhadores das periferias. Dessa forma é que a cidade ideal faz-se cidade real para uma maioria que vive a contradição da sua não-apropriação quotidiana plena. Assim, torna-se essencial discutir o porquê da imposição do patrimônio, sua relação com a vivência quotidiana e a necessidade de uma reestruturação territorial que considere a excessiva centralização das atividades econômicas, dos empregos e dos equipamentos urbanos dentro do Plano Piloto de Brasília. PALAVRAS-CHAVE: patrimônio, tombamento, vivência quotidiana, Brasília.

REFLECTIONS ON BRASILIA’S HERITAGE ABSTRACT: Brasilia’s Plano Piloto is the concretisation of the 20th century modernist architecture principles. The heritage labelled it represents is questioned here because it is related to the down-to-date view of heritage as monumentality, which looked for preserve the architectonical modernist precepts in despite of the quotidian life. As Brasilia has become much more than its original plan, it is also questioned the maintaining of the heritage in the way it had been made, that is, the attempt of reassert the ideal urbe utopia which remains due to the socio-spatial segregation of the periphery’s workers. That is the way the ideal city becomes real city for the large part of the population that live the contradiction of not fully appropriating the city in their everyday life. As follows, it is essential to discuss why the heritage was imposed, its relation with the quotidian life and the need of a territorial restructuring which considers the disproportionate centralisation of the economical activities, the employments and the urban equipments inside Brasilia’s Plano Piloto. KEY-WORDS: heritage, labelling, quotidian life, Brasilia.

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Introdução

Falar de patrimônio no caso de Brasília é algo desafiador por se tratar de um tema que parece estar acima de qualquer discussão.

Criada a partir de um plano de cidade nova, elaborado por Lucio Costa com base nos preceitos da Carta de Atenas1 e da arquitetura modernista surgida no fim do século XIX, Brasília já tinha antes de sua construção uma funcionalidade pré-definida: a de ser o centro político-administrativo do país, espacializado na cidade que se pretendia ideal.

Com base também em ideais socialistas de eqüidade, a existência de periferia estava totalmente fora de questão na organização do espaço urbano, que estaria destinado à população ligada ao serviço estatal, desde os mais altos até os mais baixos escalões do governo. A organização espacial das quadras residenciais expressa no memorial descritivo de Lucio Costa, por exemplo, revela bem a utopia das classes sociais convivendo harmonicamente em espaços contíguos.

Brasília trouxe em seu plano original a possibilidade de concretização da vida em todos os seus níveis de plenitude – o trabalho, o lazer, a circulação etc. –, plenamente integrados em um conjunto urbanístico que não tolheria o desenvolvimento das atividades intelectuais, pois se configuraria em algo diferente dos outros centros urbanos brasileiros. Os problemas urbanos – ideologicamente denominados de “caos urbano” e que passaram a ser objeto de ataque dos políticos – não existiriam na cidade que Lucio Costa “inventou”.

Assim, a cidade pensada para ser a capital do Brasil moderno trazia em si a utopia da urbe ideal na qual todos quereriam habitar. O sonho da cidade nova – construída no meio do quase vazio demográfico que era o Centro-Oeste brasileiro, e que alavancaria o país do atraso do modelo agro-exportador para o novo Brasil industrial da era moderna – era motivo suficiente para que Brasília fosse perfeita mesmo antes de sua efetiva construção.

Ora, nesse sentido, é difícil pensar que a idéia do tombamento já não estivesse presente no pensamento dos idealizadores da cidade. Ter a materialização dos preceitos urbanísticos da arquitetura modernista no Brasil seria algo valioso para um país que se queria futurista e desvinculado do atraso econômico vigente até então. Tal fato pode ser evidenciado pela                                                             1 A Carta de Atenas é um documento que contém os princípios do urbanismo modernista elaborados a partir dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna – CIAM.

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Igor Catalão, Leni Gaspar e Raquel de C. Arruda – Reflexões sobre o patrimônio...

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maneira impositiva como o Plano Piloto de Brasília, com sua área adjacente, fora tombado. O privilégio de ser Patrimônio da Humanidade não cabe à Brasília real, construída pelos operários que nunca a quiseram abandonar, pois o processo que lhe conferiu a forma de cidade modernista, segundo o plano, também produziu uma periferia jamais imaginada por Lucio Costa e territorialmente disposta como a existente nos demais grandes centos urbanos do país.

Dessa forma, pretendemos aqui discutir em que medida a cidade de Brasília pode ou não ser tomada como patrimônio, considerando o quotidiano e o espaço vivido como categorias analíticas.

Plano e patrimônio

A partir das idéias expostas na Carta de Atenas e dos preceitos estabelecidos nos CIAM, Lucio Costa pensou o Plano Piloto de Brasília (FIG. 1) para ser uma cidade onde o ordenamento e a funcionalidade criariam um novo modo de vida, diferenciado do que havia no país até então.

No Plano sugerido, a qualidade de vida na cidade viria a partir da perfeita articulação entre a circulação, a habitação, o trabalho e o lazer2, advindos de escalas3 segundo as quais o conjunto urbanístico se organizaria, quais sejam: a monumental, a residencial, a gregária e a bucólica.

Indubitavelmente o Plano Piloto de Brasília congregou, ainda que de forma tardia, a ideologia do pensamento modernista nascida no final do século XIX. Sua característica de patrimônio surge em função de sua excepcionalidade pelo próprio sentido arquitetônico-urbanístico, em que foi explicitada a intencionalidade da preservação de sua forma e função. Seu tombamento ligou-se à visão de patrimônio como monumentalidade, que buscava salvaguardar os preceitos arquitetônicos modernistas em detrimento da vivência quotidiana da população local.

                                                            2 Princípios estabelecidos na Carta de Atenas. 3 Seria mais adequado à linguagem geográfica denominar as escalas de funções urbanas.

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Fonte: Extraído de Costa (1991)

FIGURA 1. Plano piloto de Brasília elaborado por Lucio Costa

Comumente, costumava-se atribuir ao patrimônio a idéia da excepcionalidade de algo que sobressaía visualmente de um conjunto, a forma, e que suportasse também uma memória celebrativa. Contudo, “hoje o valor quotidiano se superpõe ao excepcional” (YÁZIGI, 2000, p. 253), num “recente entendimento do patrimônio como um importante direito social” (NIGRO, 2000, p. 167).

A forma arquitetônica modernista, que foi tombada para ser vista e apreciada por todos, hoje é muito mais que pura forma, é uma forma-conteúdo, isto é, um componente espacial que contém e “amarra” a sociedade que não é estática e que, portanto, configura-se num espaço apropriável por aqueles que o habitam.

Contudo, a definição do Plano Piloto de Brasília e algumas de suas adjacências como patrimônio pelo Estado, e sem participação popular, tolheu o processo de apropriação social do espaço, pois tanto patrimônio quanto espaço só podem existir “a partir de uma apropriação coletiva que

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lhes atribui significações e que é expressa numa base espacial” (NIGRO, 2000, p. 169).

Nesse sentido, notamos então que existem dois níveis superpostos a serem considerados: o simbólico, abstrato, o da cidade como sede do poder estatal e referência para a nação; e o real, prático-sensível, aquele experimentado pelos que residem, que trabalham e vivem em torno da lógica de Brasília, realizando, em meio às contradições do espaço, o seu quotidiano. Este último nível é o que estamos valorizando em nossa análise.

No âmbito do poder local, ou seja, em nível do Governo do Distrito Federal – GDF –, a deliberação da preservação da concepção urbanística de Brasília foi efetivada pelo Decreto nº 10.829, de 14 de outubro de 1987, que regulamentou o artigo 38 da Lei Orgânica do Distrito Federal, Lei nº 3.751, de 13 de abril de 1960. Este artigo, mesmo antes da inauguração da Capital Federal, já tratava da preservação do conjunto arquitetônico-urbanístico do Plano Piloto. Em nível federal, o Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural da Secretaria de Cultura instituiu a portaria nº 314, de 08 de outubro de 1992, para salvaguardar a mesma concepção.

Em nível mundial, o International Council on Monuments and Sites – ICOMOS –, da UNESCO, inscreveu Brasília na Lista do Patrimônio Mundial em outubro de 1987, sob o nº 445, com a condição de que as autoridades brasileiras adotassem uma legislação que assegurasse a proteção da criação urbanística de Lucio Costa e Oscar Niemeyer (UNESCO, 1987).

Vale ressaltar ainda o imbróglio que envolve o nome Brasília, corroborado pelo tombamento e pela ideologia da elite local. Embora Brasília tenha extrapolado há muito a cidade “inventada” por Lucio Costa, isto é, o Plano Piloto stricto sensu – que, aliás, nunca se efetivou como pressupunha o plano original –, nas leis de tombamento, o termo refere-se a uma área urbana extensa composta por localidades às quais os preceitos da arquitetura modernista não foram aplicados tal como no Plano Piloto (FIG. 2).

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FIGURA 2. Área tombada de Brasília

A referida área envolve o Plano Piloto, mas o extrapola, atingindo o Cruzeiro e a Candangolândia, o primeiro, uma localidade criada para abrigar trabalhadores da administração estatal de menor renda, e o segundo, antigo acampamento de trabalhadores da construção da cidade. Com efeito, a área tombada, na verdade, impede o adensamento da área adjacente ao Plano Piloto, reforçando a segregação socioespacial muito evidente na cidade.

A construção do espaço da cidade

Brasília não surgiu do simples ato deliberado de Juscelino Kubitschek para atender a um apelo de um eleitor num comício realizado no Estado de Minas Gerais. Sua criação já estava proposta desde o período colonial e sua consolidação, na segunda metade do século XX, ocorreu em função da conjuntura sócio-político-econômica da época.

Sendo a meta-síntese do plano de metas de Juscelino Kubitschek, Brasília fora concebida para ser o centro articulador do Sudeste com o Norte e o Nordeste. Seria uma alavanca para o desenvolvimento regional do Brasil, que fugia de sua função agro-exportadora no cenário mundial e

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aspirava à construção de um novo papel que o levasse à era moderna e industrial experienciada por outras nações.

A escolha do vazio do Centro-Oeste brasileiro para a implantação da nova capital justificava-se primeiramente por se tratar de um plano de cidade nova que encontraria dificuldades de implantar-se na rede urbana mais consolidada do Sul e do Sudeste (SANTOS, 1993). A localidade escolhida apresentava as condições ideais para sua implementação, facilitada por rugosidades4 menos consolidadas.

Assim, a cidade partia como que “do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse” (COSTA, 1991, p. 20), explicitando a intencionalidade do Estado de apropriar-se ele mesmo do espaço, moldando-o e mantendo-o dentro do modelo pretendido, que romperia com o Brasil arcaico, levando-o a um futuro idealizado.

A criação de uma nova capital no país materializava o sonho de progresso aspirado por toda a nação. O próprio processo de construção da cidade já significava, para muitos, a oportunidade de partilhar desse novo momento. Os candangos5, ao mesmo tempo em que construíam Brasília, aspiravam construir também uma nova história para si, deixando para trás – assim como o próprio Brasil o pretendera – seu passado de atraso e sofrimento.

Brasília, assim, constituiu-se num caso sui generis de cidade, cuja construção estava atrelada à idéia de futuro. A partir dela, a história do país seria reescrita, não havendo lugar para os sonhos dos candangos.

A negação da inclusão dos construtores na nova cidade foi a gênese da negação do próprio projeto, pois a periferia induzida pelo Estado jamais fora pensada por Lucio Costa. Essa periferia acabou tornando-se maior que o Plano Piloto, segregando sua população e tornando cada vez mais o projeto pouco válido e seu patrimônio descaracterizado.

O Plano Piloto de Brasília possuía funções específicas pré-determinadas de Capital do país, não havendo lugar para o acúmulo de funções. Como motor do desenvolvimento regional, sua forma atenderia

                                                            4 Segundo Santos (1986, p. 138), as rugosidades são acúmulos de tempos sobre o território; são elementos da paisagem pretérita que perduram até o presente e que “nos oferecem [...] restos de uma divisão internacional do trabalho, manifestada localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho utilizado”. 5 O termo candango em sua origem africana possuía conotação negativa e localmente foi utilizado para denominar os trabalhadores vindos de outros estados para a construção da nova Capital.

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às expectativas e seu tombamento seria, então, mais compatível, pois não haveria a necessidade da implementação de outros serviços que atendessem a populações externas ao centro urbano, dado que estas não existiriam. Entretanto, com a expansão da aglomeração e como o Plano Piloto tornou-se o principal centro econômico e de atividades diversas de uma vasta região, houve a necessidade de discutir a adequação da cidade ao novo momento e, portanto, toda e qualquer modificação proposta pressionaria inevitavelmente a área tombada.

Assim sendo, o tombamento veio novamente reiterar a ação deliberada do Estado na produção e dominação do espaço em detrimento da vivência quotidiana de seus habitantes. A historicidade conferida no ato do tombo veio perpetuar a idéia de progresso, portanto, futura e não pretérita.

É evidente que, em sentido restrito, a construção de Brasília cumpriu sua meta de integração do território, de expansão da fronteira agrícola e expansão do mercado consumidor, além de ter-se tornado o lócus mesmo do serviço burocrático estatal. Entretanto, o desenvolvimento e o rompimento com o Brasil atrasado não se efetivaram plenamente. Um exemplo disso é que a própria cidade que havia sido pensada para ser moderna, funcional e eficiente, conformando uma cidade ideal, reproduziu as características dos grandes e tradicionais centros urbanos do país, que se pretendiam negar: a cidade real brasileira.

A vivência quotidiana

Brasília é uma cidade imersa numa contradição básica que dificulta a plena realização da vida quotidiana. Pretende-se que exista uma cidade ideal, o Plano Piloto de Lucio Costa, o qual se deseja manter intocável a qualquer custo. Porém, além desta, existe uma cidade real, aquela formada por um centro circunscrito por uma área tombada e por um conjunto de localidades externas a esta, de dimensões territoriais e demográficas bem maiores.

O tombamento do centro foi realizado na intenção de preservar as quatro escalas que lhe deram origem e que proporcionariam um ordenamento territorial e uma conseqüente qualidade de vida. Contudo, as escalas foram preservadas apenas individualmente, como apontam Mathieu e Barbosa Ferreira (2006). A articulação entre elas, ponto fundante do plano de Lucio Costa, tem-se tornado cada vez mais impossibilitada pela

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dinâmica urbana da cidade em sua evolução histórico-geográfica. Servindo a uma população de mais de dois milhões e meio de habitantes, o Plano Piloto é pressionado e, de certa forma, a manutenção das escalas, se por um lado proporciona qualidade de vida a uma minoria, por outro transforma o quotidiano da grande população brasiliense em rotina mecanizada. Além disso, as escalas representam nada mais do que o marco da segregação socioespacial da Capital, pois estão restritas a uma pequena parcela de seus habitantes.

A escala residencial foi negada desde o começo aos candangos, haja vista ter sido pensada segundo princípios de eqüidade social apenas para os trabalhadores da burocracia estatal. Porém, hoje nem todos esses trabalhadores habitam o Plano Piloto e este, além de não ter capacidade para comportar a todos, se isso se fizesse necessário, é alvo de forte especulação imobiliária que dificulta o acesso aos funcionários de mais baixa renda. Assim, localidades como Cruzeiro ou Guará e até mesmo as cidades goianas próximas, como Cidade Ocidental ou Valparaíso de Goiás, tornaram-se dormitórios também de servidores do Estado.

A escala gregária também foi pensada para garantir facilidade e qualidade de vida na cidade moderna, tanto do ponto de vista do trabalho quanto do lazer. No entanto, a monofuncionalidade dos setores acabou por asfixiar uma maior vivência espacial da cidade, transformando a rotina num contínuo ir-e-vir, no trajeto casa-trabalho-casa, dificultado pela precária acessibilidade metropolitana. Como afirma Gouvêa (1998, p. 45):

Com efeito, os setores administrativos, comercial e bancário de Brasília, apesar de extremamente bem equipados, ficam ociosos durante praticamente todo o horário noturno e nos fins de semana, enquanto isso, áreas residenciais densamente ocupadas [...] não dispõem de equipamentos mínimos, caracterizando uma configuração urbana onerosa para a sociedade como um todo, tanto do ponto de vista de desempenho social, quanto do ponto de vista econômico.

A orla do lago, que, em princípio, deveria permitir o acesso a todos, apresentava-se no plano como o lugar de plena realização da escala bucólica. Sua continuidade se estenderia por meio das árvores e arbustos até os pilotis dos apartamentos de forma que “no ritmo e na harmonia dos espaços urbanos” se fizesse sentir a “passagem, sem transição, do ocupado para o não ocupado” (COSTA, 1987, p. 02). Ora, se a escala residencial já

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havia sido negada, também o foi, no mesmo sentido, a escala bucólica contígua. Igualmente o ir-e-vir no ritmo dos transportes urbanos serviu como empecilho ao usufruto desta escala.

A escala monumental, criada para ser o símbolo palpável da presença efetiva do Estado em Brasília, verdadeiramente se impõe por sua monumentalidade, configurando-se, dentre as quatro escalas, na que mais se aproxima da vontade de seus idealizadores.

Considerando que a importância do patrimônio consiste na apropriação quotidiana dos lugares, o Plano Piloto de Brasília deixa a desejar. Brasília – na verdade seu conjunto urbanístico modernista – é Patrimônio da Humanidade mas, em nível mundial, a importância da cidade não consiste em nada mais do que na mera realização da arquitetura modernista do século XX6. Portanto, apenas os sentidos formal e funcional do Plano atingem a consciência de povos estrangeiros. Já no caso da população brasileira, o significado de Estado-nação fica também presente, restando a plena vivência do patrimônio, se esta existe, apenas aos citadinos residentes no Plano Piloto.

O espaço vivido e o direito à cidade

Brasília, no começo do século XX, apresenta-se como uma grande cidade dispersa que apresenta a especificidade de possuir um centro planejado e uma grande área central tombada. Diferentemente do que ocorreu em outras cidades planejadas, como Goiânia e Belo Horizonte, por exemplo, o centro de Brasília, o Plano Piloto, manteve-se fiel ao seu planejamento, sobretudo às custas do tombamento que lhe foi imposto pelo Estado.

Contraditoriamente, a monumentalidade do patrimônio afasta aqueles que não habitam o centro. Além disso, a ideologia que insiste em qualificar como “Brasília” apenas o Plano Piloto, ou a área tombada um pouco mais extensa que este, exclui os demais habitantes da metrópole e retira-lhes a possibilidade de apropriação do espaço. Ainda que compartilhando o mesmo quotidiano metropolitano e realizando, de

                                                            6 A despeito de ser o Plano Piloto de Brasília uma grande e singular realização da arquitetura do século XX, a utilização aqui do termo mera justifica-se porque a definição de patrimônio apenas pela monumentalidade contraria o sentido com o qual estamos trabalhando, isto é, aquele advindo da apropriação quotidiana que confere identidade ao espaço.

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maneira dificultada, muitas das funções essenciais da vida humana no próprio Plano Piloto, os que residem fora dele não têm o direito efetivo de pertencimento e apropriação, isto é, o direito à cidade (LEFEBVRE, 2001). As distâncias, a acessibilidade precária, a falta de transporte público eficiente e a centralização excessiva das atividades tende a impedir qualquer possibilidade de apropriação mais efetiva, seja do Plano Piloto, seja das outras localidades residenciais.

A qualidade de vida que se deseja manter no Plano Piloto está longe de ser realizada nas demais localidades, porque, primeiro, estas estão territorialmente ordenadas segundo princípios bem diversos daqueles que originaram o Plano Piloto e, segundo, porque os recursos do Distrito Federal são desigualmente distribuídos entre suas localidades, privilegiando o centro na maioria das vezes.

Em Brasília, a vida humana reproduz-se quotidianamente pela reprodução do espaço que, por decisão política, tende a manter-se como está; é à custa dos trabalhadores das periferias que a Capital consegue manter-se. Isso faz com que Brasília não seja tão-somente uma forma planejada aos moldes da arquitetura modernista, mas um espaço produzido e vivido por seus habitantes, ainda que o direito à cidade lhes seja sempre negado.

Ora, falar de direito à cidade, seguindo Lefebvre (2001) e Carlos (2001), é falar de produção do espaço pela revalorização do uso. É considerar que somente pela instauração do quotidiano como possibilidade de reprodução da vida e apropriação do espaço que se pode pensar numa cidade que não mais seja dominada pela ação do Estado e alvo de deliberações políticas alheias à realidade dos que vivem o e realizam o quotidiano.

É necessário que Brasília seja entendida não apenas como seu Plano Piloto ou sua área tombada por imposição, mas como o complexo urbano do qual fazem parte todas as localidades que compartilham o mesmo quotidiano. Só assim poderia ser aberta a possibilidade de ela tornar-se patrimônio efetivo, surgido por apropriação, não só das camadas economicamente mais altas como também das mais baixas.

O direito à cidade expressa a necessidade daqueles que estão impossibilitados de apropriar-se de um espaço que mundialmente figura como uma das mais belas obras da arquitetura, mas que localmente segrega e exclui seus habitantes reais. Com isso, sustentamos a idéia de que se

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Brasília é Patrimônio da Humanidade, tanto mais o seria se fosse reconhecido o direito de apropriação de seus próprios habitantes.

Considerações finais: abrindo outras possibilidades

Brasília surgiu como uma cidade planejada, entretanto sua construção gerou contradições no espaço urbano quanto à questão das moradias da população de baixa renda. Para resolver as contradições, foram criadas localidades periféricas que, além de não constarem no planejamento inicial da cidade, foram resultado de uma forma de gestão ineficaz. A população das invasões foi deslocada para áreas distantes do Plano Piloto a fim de protegê-lo da descaracterização, sem, contudo, proporcionar locais que lhes oferecessem satisfatória qualidade de vida.

Em Brasília, o medo de que o projeto inicial de construção fosse maculado criou uma periferia cada vez mais distante e segregada. Assim, a idéia inicial de que Brasília seria uma cidade perfeita mostrou-se fracassada, pois a falta de uma política de planejamento mais abrangente e menos ideológica transformou sua área central em centro quase único de serviços e equipamentos urbanos próximo necessários à população periférica. Essa centralização das atividades acabou pressionando o plano inicial, já que uma adequação à nova realidade torna-se cada vez mais necessária.

Por ter-se Brasília tornado muito mais que seu Plano Piloto, questiona-se também a manutenção do seu tombamento nos moldes em que ele foi feito, os quais – na tentativa de reafirmar a utopia da urbe ideal – se mantêm calcado na segregação socioespacial dos trabalhadores das periferias. Dessa forma é que a cidade ideal se faz cidade real para uma maioria que vive a contradição da sua não-apropriação quotidiana plena.

Nesse sentido, aludimos a uma perspectiva para se pensar Brasília que parte do entendimento de que um planejamento eficiente que resolva os problemas urbanos deveria passar necessariamente pela reestruturação territorial, com a descentralização das atividades econômicas e dos empregos e com a desconcentração dos equipamentos urbanos, pois isso traria mais autonomia às localidades urbanas periféricas, diminuindo a pressão sobre a área central e possibilitando, inclusive, a concretização plena da idéia original segundo a qual Brasília seria a indutora do desenvolvimento regional, não apenas em nível de país, mas também em nível de sua própria região.

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AS DIFERENTES TRAJETÓRIAS DOS PAÍSES DE INDUSTRIALIZAÇÃO TARDIA ASIÁTICOS E LATINO-

AMERICANOS1

Leandro Bruno dos SANTOS Mestrando do programa de Pós-Graduação em Geografia da

FCT/UNESP, Campus de Presidente Prudente. Bolsista FAPESP. E-mail: [email protected].

RESUMO: Este artigo é dedicado à análise das diferentes trajetórias dos países de industrialização tardia na Ásia e América, entre os anos de 1950 e 2000. Países como Argentina, Brasil, China, Coréia do Sul, México, Singapura, entre outros, durante a segunda metade do século XX, procuraram superar as condições econômicas de atraso. Ao contrário dos ideais da teoria econômica liberal, o Estado teve um papel essencial na industrialização desses países, atuando através de incentivos à indústria, através do investimento na atividade industrial, através da disciplina do trabalho e do capital etc. Apesar das semelhanças entre os latecomers, durante os anos de 1980 e 1990, o que ficou claro foi mais um descolamento do que uma aproximação entre os países asiáticos e latino-americanos. Estes últimos obtiveram os piores índices de crescimento do PIB, do PIB per capita, de P&D e de índices de desigualdade social. Pretende-se, assim, realizar alguns ensaios sobre as diferenças entre esses países de industrialização tardia e quais são os seus principais fatores condicionantes. PALAVRAS-CHAVE: Estado; industrialização tardia; multinacionais do terceiro mundo.

THE DIFFERENT PATHS OF LATE INDUSTRIALIZATION COUNTRIES IN ASIA AND LATIN AMERICA

ABSTRACT: This article is focused on the analysis of different paths of late industrialization countries in Asia and America, between the 1950s and 2000s. Countries like Argentina, Brazil, China, South Korea, Mexico, Singapore, among other, during the second half of the twentieth century, tried to overcome the backwardness situation. Unlike ideas of the traditional economic theory, the government had an important role in the industrialization of these countries, acting through support to the industry, through investment for industrial activity, stating rules for work and capital. In spite of similarities among latecomers, along the 1980s and 1990s, what became clear was more a decoupling than a

                                                            1 Trabalho final de conclusão da disciplina “Capitalismo, desenvolvimento regional e infra-estruturas no Brasil”, ministrada pelo Prof. Dr. Márcio Rogério Silveira, a quem agradeço pelas valiosas contribuições.

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convergence of Asian and Latin American countries. These ones reached the lowest rates of GDP, per capita GDP, R&D and social inequality. Hence, we intend to make a draw about the differences among these countries and main causes of late industrialization KEYWORDS: State; late industrialization; third world multinationals. INTRODUÇÃO

Entre as décadas de 1950 e 1970, os países menos desenvolvidos experimentaram um crescimento econômico sem precedentes históricos, com um avanço da industrialização das indústrias leves às pesadas. É nesse contexto que emergem os NIPs (Novos Países Industrializados) latino-americanos e asiáticos, nos quais as mudanças econômicas ocorreram, de forma profunda, na infra-estrutura, no desenvolvimento científico e tecnológico, na indústria de base etc.

Nas três décadas, compreendendo os anos de 1950 a 1970, o crescimento industrial dos países latino-americanos e dos países asiáticos foi muito similar, apresentando taxas muito próximas. Houve, nessas duas regiões, uma luta intensa visando à superação do atraso em relação aos países desenvolvidos. O papel principal nesse processo de catching up coube ao Estado, que lançou mãos de uma série de políticas com o fito de lograr a industrialização, o desenvolvimento tecnológico e a constituição de uma infra-estrutura econômica.

Todavia, os anos de 1980 e de 1990 foram marcados por um descolamento e por uma assimetria entre a Ásia e América Latina, no que se refere ao crescimento econômico, à renda e à desigualdade social. Inclusive, os anos de 1980 foram chamados, por autores da Cepal, de a década perdida para a América Latina. Quais foram os fatores condicionantes para essa assimetria entre os países latino-americanos e asiáticos?

A resposta à pergunta não é uma tarefa fácil. Este texto é uma tentativa de compreender os diferentes caminhos perseguidos por esses países a partir dos anos de 1980. Aventa-se, aqui, que as diferentes trajetórias dos países latino-americanos e asiáticos, entre os anos de 1980 e 1990, podem ser compreendidas a partir de três pontos:

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O atraso da América Latina em relação à Ásia deve-se às forças externas, especialmente com os impactos da crise da dívida externa nos anos de 1980 e as suas conseqüências à economia com um todo;

Os NIPs asiáticos, ao contrário dos latino-americanos, optaram por romper com o paradigma fordista de produção e por ingressar no paradigma da Terceira Revolução Industrial, durante os anos de 1970 e 1980;

Os países latino-americanos seguiram à risca as recomendações dos países desenvolvidos e das políticas internacionais controladas pelo establishment a adotar “políticas boas” e “boas instituições” para promover o desenvolvimento. O resultado dessas políticas foi decepcionante, com crescimento econômico medíocre.

Os três pontos acima serão a base da argumentação sobre o atraso

da América Latina em relação à Ásia. O artigo está dividido em quatro partes, além desta introdução. Na primeira parte, através de exemplos históricos, busca-se desconstruir o mito do livre mercado e de atuação mínima do Estado na industrialização dos países desenvolvidos. Na segunda parte, é avaliado o papel do Estado nos países de industrialização tardia. Na terceira parte, são apresentadas algumas hipóteses para as diferentes trajetórias de crescimento econômico e de indicadores sociais entre América Latina e Ásia, regiões que apresentavam indicadores similares. Na última, analisa-se a internacionalização das empresas multinacionais provenientes das duas regiões pesquisadas como resultado da ação do Estado e das escolhas de políticas econômicas adotadas desde os anos de 1950.

O MITO DO LIVRE MERCADO

Durante a maior parte da história do pensamento econômico, a idéia

laissez-faire prevaleceu como sendo o principal mecanismo pelo qual os países desenvolvidos conseguiram superar os seus atrasos. Do ponto de vista ideológico, os economistas ingleses Adam Smith, Jean Baptiste Say, David Ricardo e William Pitt, com suas obras, ajudaram a cimentar a doutrina cosmopolita de políticas de mercado livre e de livre comércio como os principais responsáveis pelo desenvolvimento da Inglaterra, primeiro país a se industrializar.

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Adam Smith e David Ricardo defendiam a idéia de diferenças de produtividade do trabalho entre os diferentes países para explicar a divisão internacional do trabalho. O que está por trás disso é a defesa de que cada país deveria se especializar na produção de bens que conseguissem produzir com menos horas de trabalho em comparação a outros países. Com a defesa dos benefícios de uma economia aberta face a uma economia fechada, com os preços da mercadorias em declínio devido à especialização, o protecionismo é atacado em nome do livre comércio (MICHALET, 2003).

Por todo o século XIX, a filosofia do laissez-faire foi utilizada para justificar o desenvolvimento industrial da Inglaterra, onde o livre comércio proporcionou a paz e a prosperidade sem paralelo. A França, em contrapartida, segundo o saber econômico convencional, tinha um sistema antiquado e impróprio de tarifas e proibições na primeira metade do século XIX. De acordo com esse mesmo saber convencional, o abandono da proteção e o subseqüente sucesso inglês estimulou outros países europeus a adotar o livre mercado, enquanto a França permanecia uma fortaleza onde reinava a proteção tarifária.

Nye (1991) reuniu dados sobre os índices médios de receitas obtidas com a taxação sobre produtos importados e concluiu que, durante a maior parte de todo o século XIX, a França foi menos protecionista que a Inglaterra. Outro aspecto relevante observado nos dados deste autor é que a Inglaterra procurou vincular o seu sucesso industrial à idéia de laissez-faire quase um século depois de ter iniciado a sua revolução industrial.

Levando-se em conta que a Primeira Revolução Industrial ocorreu entre as décadas de 1770 e 1780, os índices de proteção à indústria de 53,1% entre os anos de 1821-1825, quarenta anos depois de iniciada a revolução industrial, dão mostras de que vincular o desenvolvimento industrial e econômico inglês ao livre comércio não passou de uma estratagema. A França, no mesmo período, apresentou índices de proteção à indústria de, apenas, 20,3% (tabela 1).

Portanto, a Inglaterra contou não só com os retornos das descobertas tecnológicas, mas também com um forte protecionismo frente às demais nações. Após a consolidação de sua industrialização, contando com economias de escala suficientes e desenvolvimento tecnológico necessários à competitividade mundial, propagou a ideologia de livre mercado, através de Adam Smith e David Ricardo. Não seria incorreto, então, afirmar que a o livre comércio não passa de um simples mito.

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Tabela 1: Protecionismo na Grã Bretanha e na França, 1821-1913 (medido pela renda alfandegária líquida como uma porcentagem dos

valores líquidos de importação) Anos Grã Bretanha França

1821-1825 53.1 20.3 1826-1830 47.2 22.6 1831-1835 40.5 21.5 1836-1840 30.9 18.0 1841-1845 32.2 17.9 1846-1850 25.3 17.2 1851-1855 19.5 13.2 1856-1860 15.0 10.0 1861-1865 11.5 5.9 1866-1870 8.9 3.8 1871-1875 6.7 5.3 1876-1880 6.1 6.6 1881-1885 5.9 7.5 1886-1890 6.1 8.3 1891-1895 5.5 10.6 1896-1900 5.3 10.2 1901-1905 7.0 8.8 1906-1910 5.9 8.0 1911-1913 5.4 8.8

Fonte: Nye (1991, p. 26). Org: Leandro Bruno Santos, 2007

Friedrich List, em sua obra Sistema nacional de economia política,

demonstra que, mediante um sistema de restrições, privilégios e incentivos, os ingleses conseguiram transplantar para o solo nacional a riqueza, o talento e o espírito empreendedor dos estrangeiros. List (1983) oferece uma interpretação diferente daquela de uma economia de mercado livre e destemida, advertindo que o livre comércio é benéfico para países em mesmo estágio de desenvolvimento e não entre os que têm diferentes níveis de desenvolvimento (CHANG, 2004).

List (1983) utiliza a expressão “chutar a escada” referindo-se à estratégia da Inglaterra, depois de utilizar uma série de políticas protecionistas, de propagar, por meios de seus intelectuais, os benefícios da adoção de políticas de mercado livre e do livre comércio. Ou seja, era uma

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forma de “chutar a escada” dos países desejosos de se industrializar, como a Alemanha, por exemplo. List levou Bismarck a constituir a Zollverin, em 1883, visando estabelecer uma união alfandegária entre a Prússia e outros principados alemães e a estabelecer uma tarifa comum em relação aos demais países.

List (1983) defendia a proteção das indústrias nascentes (infant industry) durante o tempo que fosse o suficiente para que elas adquirissem condições de competir com adversários mais fortes no âmbito industrial, que, na sua época, era a Inglaterra. Essas idéias de proteção à indústria até que alcancem níveis de produtividade e competitividade internacional serão utilizadas, mais tarde, no processo de industrialização de alguns países asiáticos (isso será detalhado ao longo das próximas seções do artigo).

Nos Estados Unidos, os pensadores Alexander Hamilton e Daniel Raymond formularam argumentos em prol da indústria nascente, contrariando a idéia disseminada pelos ingleses de que os Estados Unidos seriam uma Polônia – exportadora de produtos primários. Assim, tanto Alemanha e Estados Unidos, ao perceberem que a Inglaterra estava chutando a escada para que eles não conseguissem avançar no processo de catching up, adotaram medidas protecionistas e produziram, através de seus intelectuais, ideologias contrárias ao livre comércio inglês.

Chang (2004, 2005), numa análise histórica das políticas pró-desenvolvimento de um elevado número de países desenvolvidos (Inglaterra, Estados Unidos, Holanda, Suécia, Suíça, França, Alemanha etc.), indica que houve diversos modelos de promoção à indústria nascente, como subsídios à exportação, concessão do direito de monopólio, acordos para a cartelização, redução das tarifas de insumos usados para a exportação, créditos diretos, planejamento dos investimentos, apoio à P&D, promoção de instituições que viabilizassem a parceria público-privada etc.

Com base nesses “achados”, Chang (2004) destaca que os países em desenvolvimento têm sido menos protecionistas que os Países Atualmente Desenvolvidos (PADs) em suas trajetórias de desenvolvimento. Para Chang (2005, p. 34), “eles nunca praticaram o que eles agora pregam para os países em desenvolvimento em termos de política comercial. Nos primeiros dias de sua industrialização, esses países usaram numerosas medidas protecionistas e intervencionistas (especialmente tarifas) para promover suas indústrias”

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Os dados da tabela 2 mostram as taxas adotadas pelos países desenvolvidos nos seus primeiros estágios de desenvolvimento.

Tabela 2: Taxa tarifária média dos produtos manufaturados em países desenvolvidos selecionados nos primeiros estágios de desenvolvimento

(peso médio; em porcentagem do valor)

1820 1875 1913 1925 1931 1950 Áustria R 15-20 18 16 24 18 Bélgica 6-8 9-10 9 15 14 11 Dinamarca 25-35 15-20 14 10 n.d. 3 França R 12-15 20 21 30 18 Alemanha 8-12 4-6 13 20 21 26 Itália n.d. 8-10 18 22 46 25 Japão R 5 30 n.d. n.d. n.d. Holanda 6-8 3-5 4 6 n.d. 11 Rússia R 15-20 84 R R R Espanha R 15-20 41 41 63 n.d. Suécia R 3-5 20 16 21 9 Suíça 8-12 4-6 9 14 19 n.d. Reino Unido 45-55 0 0 5 n.d. 23 EUA 35-45 40-50 44 37 48 14

Fonte: Chang (2004, p. 36). Modificado. Notas: R: Eram muitas e importantes restrições à importação de bens manufaturados, de modo que o índice médio de tarifas não é significativo. n.d.: Não disponível.

Com base na tabela 2, depreende-se que a Inglaterra e os Estados

Unidos lançaram mãos de tarifas alfandegárias altas nos primeiros estágios de industrialização. As tarifas americanas permaneceram altas até a década de 1930. Embora, pelos dados da tabela 2, a Alemanha não tenha apresentado altos índices de proteção tarifária, o Estado alemão favoreceu a concessão de monopólios, o fornecimento de produtos baratos pelas fábricas reais e a intervenção direta do Estado nas indústrias-chave (CHANG, 2004, p. 65).

Nesta seção, procurou-se demonstrar que os países desenvolvidos de hoje não foram, sempre, o palco onde prevaleceu o livre jogo dos mercados – capaz de engendrar a competição e as ondas de inovações tecnologias. Pelo contrário, o Estado teve um papel essencial no

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desenvolvimento, utilizando-se de políticas que, hoje, são condenadas ao serem utilizadas pelos países menos desenvolvidos (CHANG, 2005).

O PAPEL DO ESTADO NOS PAÍSES DE INDUSTRIALIZAÇÃO TARDIA

Nos países de industrialização tardia, pode-se dizer que o papel do Estado foi mais importante e mais profundo que nos países desenvolvidos. Países como Argentina, Brasil, Coréia do Sul, China, México, Cingapura, entre outros, diferentemente da Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha - países que contaram com a presença de novas tecnologias em seus processos de industrialização – tiveram que, na ausência de tecnologias, primeiro ter que “aprender” para poder competir (AMSDEN, 1992).

Coutinho (2000) é mais enfático ao afirmar que

[...] não resta dúvida – para qualquer analista sério e informado – que o desdobramento e a concretização dos processos de industrialização dos países periféricos dependeram diretamente da iniciativa, fomento e coordenação do Estado (p. 357).

Os países desenvolvidos foram e são marcados por demasiados

investimentos em pesquisa básica – cuja função é contribuir para inovações e descobertas tecnológicas -, enquanto os países de industrialização tardia, ao tomarem emprestado as tecnologias maduras (estandardizadas) dos países ricos, tiveram que priorizar a pesquisa aplicada, buscando melhorar as tecnologias emprestadas no processo de produção, isto é, procurando obter os melhores resultados de uma dada tecnologia disponível no chão da fábrica.

Os ensinamentos da teoria econômica ortodoxa – a mesma que defende uma história oficial do capitalismo baseada nas virtudes do livre comércio -, baseados no modelo de mercado, colocam que os países atrasados em processo de catching up devem se especializar na produção de bens cuja força de trabalho é mais barata. Todavia, alguns exemplos históricos mostram que, mais do que o valor médio dos salários, a competitividade deve envolver os instrumentos de produção, como infra-estrutura, equipamentos de produção, administração, Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), investimentos em educação, entre outros.

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Outros artifícios disseminados pela teoria ortodoxa são a atração de Investimentos Diretos Estrangeiros (IDEs) de países de tecnologia avançada e, em caso extremo, a obtenção de vantagens competitivas com a desvalorização cambial. No entanto, os exemplos brasileiro e mexicano de dependência de IDEs para criar círculos virtuosos de desenvolvimento tecnológico sinalizam que isso não passa de falácia. A P&D está concentrada nas mãos das transnacionais em seus laboratórios nos países-sede. Por outro lado, o câmbio maquia a competitividade e, às vezes, age negativamente, com o aumento dos preços dos insumos importados e da inflação.

Nos países periféricos emergem teorias contrárias à do modelo de mercado. As teorias do “Big Push” e da Dependência foram as que mais avançaram, tendo influenciado, inclusive, no âmbito das opções políticas dos países. Cardoso; Faletto (1970), com a teoria da dependência, defendiam que a industrialização era possível aos países periféricos, com a aliança entre Estado, firmas estrangeiras e firmas nacionais. Todavia, com o processo de acumulação nas mãos das multinacionais, a industrialização passava a ser dependente das estratégias dessas grandes empresas. Os países latinos estavam, com isso, à mercê das vicissitudes do capital no seu movimento de concentração, acumulação e centralização.

Na Ásia, diferentemente dos países latino-americanos, o enfrentamento do atraso e a efetiva industrialização deu-se sob o controle efetivo do Estado. Isso não quer dizer que não havia a presença de empresas multinacionais, mas, acima de tudo, o desenvolvimento e as diretrizes políticas e econômicas eram dadas pelo Estado nacional. Aqui comparece uma primeira diferença entre os países da Ásia e da América Latina – o grau de isonomia do Estado nas decisões econômicas e no controle do processo de acumulação do capital.

O Japão foi, sem dúvida, o primeiro país a se industrializar tardiamente, no final do século XIX e início do século XX, e que contou com uma forte presença estatal. A vitória de Meiji sobre o regime xogunato foi o marco de uma trajetória que logrou proporcionar o take-off da economia japonesa em apenas 35 anos, transformando uma estrutura puramente feudal em estrutura econômico-social capitalista (OKABE, 1974).

O Estado japonês, na ausência de iniciativas empresariais, criou fábricas estatais modelo em diversos ramos industriais (construção naval, mineração, siderurgia, cimento e têxtil), em segmentos militares, em infra-

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estrutura (estradas de ferro). Mais tarde, com as privatizações das empresas estatais, os comerciantes e os bancos foram privilegiados pelo governo de Meiji, dando origem aos grandes grupos econômicos (zaibatsu). Além de transferir as empresas a um preço baixo, o governo continuou a subsidiar algumas atividades (NIVEAU, 1969; CHANG, 2004; OKABE, 1974).

Entre os anos de 1950 e 1973, depois do período inicial de take-off, o governo japonês, visando provocar uma transformação veloz da estrutura da economia, adota instrumentos como

el financiamiento bancario y el crédito dirigido, los controles a la importación y las medidas proteccionistas, las restricciones al ingreso y egreso de empresas del mercado interno, el control cambiario, y, no menos importante, la limitación de la importación de tecnología extranjera (SINGH, 1995, p. 526).

Outros países asiáticos, após o período do pós-guerra, dentre eles

Coréia do Sul, Taiwan e, mais recentemente, a China, vão recorrer às mesmas diretrizes de política econômica que foram adotadas pelo Japão. Devido a um atraso maior do que aquele enfrentado pelo Japão, essas economias foram marcadas por uma ação estatal muito mais profunda que a japonesa.

Ferreira Jr; Santos Filho (1990), a partir de um estudo acerca da política industrial implementada na Coréia do Sul e em Taiwan, desmistificam a idéia de que estes países se industrializaram graças a uma obediência à livre atuação das forças de mercado e a uma integração liberal a uma economia de mercado. Os autores demonstram, na verdade, o forte papel do Estado no controle das fontes de financiamento bancário (tendo o poder de escolher os projetos prioritários e agindo a favor de um capital financeiro subordinado à indústria), no controle seletivo das importações e através do uso da taxação e no controle para que as empresas estrangeiras não controlassem completamente firmas locais (exceto quando as firmas dedicavam-se exclusivamente à exportação).

Na Coréia do Sul, o Estado deixou aos grandes grupos econômicos (Chaebols) o mercado interno cativo para que pudessem avançar no que se refere ao upgrading tecnológico (FERREIRA JR; SANTOS FILHO, 1990). Ao mesmo tempo, as empresas estrangeiras interessadas em atuar no mercado coreano tiveram que, em contrapartida, transmitir know-how aos

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grandes grupos econômicos locais, seguindo a mesma prática adotada pelo Japão (BUSTELO, 1991).

A ascensão ao poder na Coréia do Sul do General Park Chung Hee é o marco histórico para o salto de um país pobre à condição de uma fortaleza industrial. Antes de Park, no governo de Syngman Rhee, houve a adoção, sob apoio estadunidense, de algumas medidas visando superar o atraso econômico, com o suporte à industrialização de bens de consumo não duráveis, à criação de grupos capitalistas nacionais mediante a privatização de empresas remanescentes da ocupação japonesa, reforma agrária e uma política de alfabetização (COUTINHO, 2000).

Park, por meio de planos qüinqüenais de desenvolvimento, criou as condições de upgrade à indústria sul-coreana, passando das indústrias leves às pesadas. Para tanto, estatizou os bancos e utilizou os créditos bancários como uma importante alavanca para avançar para setores mais intensivos em tecnologia e em capital. Ao crédito bancário, deve-se acrescentar a desvalorização da taxa de câmbio, os subsídios fiscais oferecidos aos grandes grupos nacionais (visando fortalecer os Chaebols), a criação de bancos de desenvolvimento (Korea Development Bank) e de apoio à exportação (Eximbank) (COUNTINHO, 2000).

O governo de Taiwan, na ausência de grandes grupos econômicos, teve o papel de continuar sozinho na promoção de indústrias com alto conteúdo de P&D - como semicondutores, por exemplo -, lançando mãos da criação de parques de ciência e tecnologia. O Estado desenvolvimentista taiuwanês procurou criar um “espaço ideal em que se desenrole, sob seu controle, o jogo de forças da tríplice aliança, indispensável às industrializações tardias da segunda metade do século XX” (OLIVEIRA, 1993, p. 89, grifo do autor).

Na Ásia, a experiência de Estado desenvolvimentista sul-coreana e taiwanesa tem sido, mais recentemente, seguida pela China. A chegada ao poder de Deng Xiaoping, no ano de 1978, vai ser o marco da guinada da economia chinesa em direção à sociedade da informação. A economia chinesa tinha, nesse momento, altos índices de crescimento, mas este era obtido à custa de cada vez mais do aumento dos investimentos, ficando clara a necessidade de um upgrading tecnológico. Diferentemente do desprezo stalinista pela ciência capitalista, Deng Xiaoping “enfatizou continuamente o papel crucial da ciência e da tecnologia para a modernização da China” (OLIVEIRA, 1999, p. 2).

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Sobre a integração econômica da China à economia internacional, é necessário destacar dois pontos: i) O Estado tem procurado extrair o máximo de ganho com a abertura da economia, sem deixar escapar, porém, o seu papel na economia2; ii) Por meio das alianças com as redes familiares da diáspora chinesa e da criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), o Estado chinês tem procurado trazer de volta, para sua órbita, os territórios de Hong Kong, Macau e Taiwan (OLIVEIRA, 1999).

Segundo Oliveira (1999), a exemplo de Coréia do Sul e de Taiwan, o Estado chinês tem destinado recursos à capacitação tecnológica do país, elegendo as telecomunicações como o carro-chefe de sua modernização econômica. Esse setor é controlado pelo Estado, que tem vedado a participação de estrangeiros e beneficiado o surgimento de grandes empresas nacionais. Além de usar o grande mercado como estímulo ao surgimento de grandes empresas multinacionais chinesas, o governo tem investido em instituições de pesquisa e desenvolvimento, visando estimular as tecnologias de ponta e Pequenas e Médias Empresas (PMEs) inovadoras.

No Brasil, o Estado estimulou o desenvolvimento de algumas indústrias nas primeiras décadas do século. Todavia, como os incentivos e subsídios eram concedidos a empresas específicas e não a setores ou indústrias, não havia uma política propriamente industrial por parte do Estado. Suzigan (1988) destaca que é a partir da década de 1950 que o Estado brasileiro começa a desempenhar um papel importante na estruturação do setor industrial, a partir de quatro instrumentos: i) com a articulação entre capital privado, capital estrangeiro e o próprio Estado; ii) com o aumento da proteção ao mercado interno, por meio de tarifa aduaneira e de controle do mercado de câmbio; iii) com o fomento ao desenvolvimento industrial através do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE); iv) com a ampliação de sua participação no mercado mediante participação na indústria de base e investimentos em infra-estrutura econômica.

                                                            2 Na China, nenhuma empresa estrangeira pode controlar mais de 50% do capital de uma empresa local. O Estado força as empresas multinacionais a se associaram com as firmas locais por meio de joint-ventures, cujo objetivo principal é extrair know-how estrangeiro usando como barganha o grande mercado chinês. Notícias jornalísticas divulgaram recentemente que a Arcelor Mittal, maior produtora de aço no mundo, tenha solicitado, às autoridades chinesas, o direito de deter mais de 50% das ações de uma empresa local.

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No Brasil, portanto, alguns fatores foram bem diferentes em relação aos países asiáticos, quais sejam: i) grande mercado consumidor e enormes reservas de matérias-primas; ii) ausência de uma política de nacionalização dos bancos com o fito de implementar um projeto nacional de desenvolvimento com capitais de longo prazo; iii) dependência de capitais internacionais; iv) construção de uma tríplice aliança na qual o capital nacional ocupou um papel menor e secundário no processo de acumulação de capital; v) ausência de uma política de universalização da educação, das infra-estruturas sociais e da reforma agrária (COUTINHO, 2000).

O Brasil, assim como os demais países latino-americanos, principalmente Argentina e México, foi fortemente influenciado pelas idéias da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), que defendia a industrialização como única maneira de escapar do modus operandi baseado na economia agrário-exportadora. Por trás disso está a idéia de que a industrialização é a única capaz de internalizar o processo de acumulação do capital e, portanto, deveria ser buscada pelos países.

Na falta de capitais, os países latino-americanos optaram por contar com o apoio do capital multinacional – capacitado financeira e tecnologicamente. Formava-se, assim, a tríplice aliança entre Estado, empresas multinacionais e empresas nacionais. Na prática, as empresas multinacionais, já presentes em muitos países, passaram a controlar (e aumentar as suas participações) setores importantes – aqueles responsáveis pela internalização da acumulação do capital. No fundo, a dependência latino-americana foi aprofundada, com o seu fluxo de acumulação do capital e dinamização econômica sendo dominados por empresas multinacionais dos países desenvolvidos (SAWAYA, 2006).

Suzigan (1988), referindo-se à competitividade das empresas brasileiras, destaca que, embora o Estado tenha desempenhado um papel importante na industrialização entre os anos de 1950 e 1970, as políticas contribuíram para criar uma mentalidade protecionista, agravar o atraso tecnológico e manter a indústria com baixa eficiência e pouco competitiva. O resultado do baixo desenvolvimento científico e tecnológico foi uma indústria ineficiente e pouco competitiva no cenário internacional.

Com base nos dois últimos parágrafos, fica evidente que, embora o Estado tenha participado ativamente na industrialização de países atrasados latino-americanos e asiáticos, não é possível falar de apenas um modelo de industrialização tardia. Na Ásia, o Estado não renunciou ao seu papel no processo de acumulação de capital, tampouco deixou as empresas

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multinacionais controlar setores importantes. Os subsídios, a proteção tarifárias, entre outros mecanismos, não foram perpétuos, sendo exigidos retornos em exportação e em avanços tecnológicos das empresas. Os países latino-americanos fizeram o oposto dos países asiáticos, com o capital multinacional sob o controle dos setores econômicos mais importantes, com a ausência de uma estratégia de desenvolvimento científico e tecnológico etc. FATORES DETERMINANTES NAS DIFERENÇAS ENTRE ÁSIA E AMÉRICA LATINA, ENTRE 1980 E 1990

A Ásia e a América Latina apresentaram índices de crescimento econômico muito similares nas décadas de 1960 e 1970. Isso se deve, como apresentado acima, às políticas desenvolvimentistas que foram adotadas pelos Estados dessas regiões. Contudo, a partir dos anos de 1980 começa a delinear um descolamento e/ou assimetria entre essas duas regiões, com a América Latina apresentando índices de crescimento que denotam a interrupção do crescimento, enquanto a Ásia segue adiante em sua industrialização (tabela 3).

Com base na tabela 3, nota-se que, durante os anos de 1980, a Ásia deu continuidade ao seu processo de industrialização com a mesma intensidade que nas décadas anteriores, enquanto a América Latina ficou estagnada. A resposta a esse descolamento presente na literatura pode ser agrupadas em três interpretações: i) crise da dívida, resultado dos choques externos; ii) a opção tecnológica adotada pelos países das duas regiões; iii) por último, a adoção, indiscriminada, do receituário neoliberal imposto pelos órgãos multilaterais Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM) – representantes diretos dos interesses dos EUA e do establishment.

A idéia de crise da dívida é uma interpretação hetorodoxa que procura fazer frente a um discurso ortodoxo liberal. Segundo os autores vinculados à visão ortodoxa, o fracasso latino-americano deve-se: i) à utilização dos empréstimos sem empregar-lhes nas indústrias de exportação; à busca de uma política de substituição de importações com uma economia fechada, enquanto os asiáticos abriram a economia e orientaram-na à exportação; à corrupção e à má administração pública; à utilização câmbios inapropriados, que causou a fuga de capitais.

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Tabela 3: Taxa de crescimento do PIB nos países asiáticos e latino-americanos (porcentagem anual)

1960-70 1970-80 1980-90 Ásia China 5,2 5,8 9,5 Índia 3,4 3,6 5,5

Indonésia 3,9 7,6 5,5 Coréia do Sul 8,6 9,5 9,7

Malásia 6,5 7,8 5,2 Paquistão 6,7 4,7 6,3 Filipinas 5,1 6,3 0,9

Siri Lanka 4,6 4,1 4,0 Taiwan - - -

Tailândia 8,4 7,2 7,6 Mediana 5,2 6,3 5,3

América Latina

Argentina 4,2 2,2 - 0,4 Bolívia 5,2 4,8 -0,1 Brasil 5,4 8,4 2,7 Chile 4,5 2,8 3,2

Colômbia 5,1 5,9 3,7 Equador - 8,8 2,0 México 7,2 5,2 1,0

Peru 4,9 3,0 - 0,3 Venezuela 6,0 5,0 1,0

Mediana 5,1 5,0 1,0 Fonte: Singh (1995, p. 518). Org: Leandro Bruno Santos, 2007.

Essa visão ortodoxa e seus pressupostos não passam de uma falácia. Conforme apresentado na seção anterior, os países asiáticos não se industrializaram unicamente porque estavam voltados à exportação (aliás, a única saída para algumas economias com mercado consumidor pequeno, como Hong Kong e Taiwan), mas porque o Estado agiu disciplinando o capital. Esses fatores de atraso serão os mesmos utilizados para defender a abertura econômica, o afastamento do Estado na economia e os benefícios da globalização econômica.

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Para Singh (1995, p. 515), “la razón fundamental de su fracaso económico fue la crisis de la deuda, provocada por fuerzas externas sobre las que estos países carecían de control”. Singh (1995) é favorável à interpretação heterodoxa, segundo a qual os países latino-americanos, devido a seus níveis de endividamento mais elevados que os asiáticos, sofreram mais fortemente com a crise. Assim, como o Estado cumpria um papel direto e destacado no investimento industrial ou em seu financiamento, a crise acabou por gerar menores investimentos na indústria e em infra-estruturas.

A segunda interpretação é de que, durante a década de 1970, os países asiáticos procuraram abraçar as nascentes tecnologias da informação, visando uma economia com autonomia em ciência e tecnologia, enquanto os países latino-americanos não souberam ou não puderam dar esse passo (OLIVEIRA, 1993, 1999; AMSDEN, 2004). Países como Coréia do Sul e Taiwan, diante da exaustão das manufaturas leves e da competitividade de outros países com salários menores, procuram transitar para um novo estágio de industrialização, baseado nos produtos de eletrônica (TVs, rádios, calculadoras, gravadores etc.) (FERREIRA JR; SANTOS F., 1990).

Com a crise e enveredando-se nos argumentos da corrente ortodoxa, a América Latina desmantela as instituições que foram importantes em seu processo de industrialização e abre seus mercados às exportações e a maiores investimentos das empresas multinacionais. Em contrapartida, na Ásia, particularmente na Coréia do Sul, China, Índia e Taiwan,

la política gubernamental se orientaba hacia la sustitución de importaciones de las piezas y componentes utilizados en la fabricación de esos productos con el fin de crear empleos bien pagados en el mercado interno, y empresas de capital nacional capaces de competir en el mercado externo (AMSDEN, 2004, p. 76)

O sucesso da política científica e tecnológica asiática deve-se a pesados investimentos em pesquisa superior e na criação de laboratórios de pesquisa como suporte às empresas. O Estado também obrigou as empresas multinacionais a repassar tecnologia aos concorrentes locais em troca da atuação no mercado interno. Mesmo em Cingapura, país dependente de investimentos estrangeiros que se parece muito com os

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países latino-americanos, o Estado atuou pesadamente no investimento do ensino superior e na criação de laboratórios de pesquisa, isto é, dando o suporte às empresas multinacionais (AMSDEN, 2001). Cingapura é uma anomalia entre os países de industrialização tardia, porque apresenta altos índices de P&D, cujo maior investidor são as multinacionais.

Na América Latina, por outro lado, a educação superior apresenta deficiências no que se refere à P&D e os setores mais importantes – irradiadores de inovação e capazes de internalizar o fluxo de acumulação do capital – são controlados por empresas multinacionais. Ao invés de competir em segmentos de maior conteúdo tecnológico, os países latino-americanos continuaram como grandes produtores de commodities. Isso decorre, logicamente, das mazelas de uma industrialização baseada no capitalismo associado, na falta de uma política de universalização do ensino e das infra-estruturas sociais básicas, entre outros fatores.

A tabela 4 traz alguns dados sobre dispêndio em P&D em milhões de US$ e o percentual que os dispêndios têm sobre o PIB de algumas economias.

Os dados contidos na tabela 4 mostram que o Brasil está atrás de países que se industrializaram tardiamente no que se refere à P&D. Países como Coréia do Sul, Cingapura e China apresentam melhores indicadores que o Brasil, tanto com maiores percentuais de investimento do PIB em P&D como com maiores investimentos em P&D por habitante. Em termos de volume dos investimentos, o país consegue superar Cingapura, que tem uma população e um PIB milhares de vezes menores do que o brasileiro. O Brasil só supera dois países de industrialização tardia, respectivamente, o México e a Argentina.

A terceira interpretação defende que os países latino-americanos, principalmente Argentina, Brasil e México, desde a crise econômica nos anos de 1980, seguiram as recomendações dos países ricos (EUA) de crescer com poupança externa, realizar reformas para o mercado, privatizar e combater a inflação. Essa política macroeconômica, perversa e marcada pelas elevadas taxas de juros e apreciação do câmbio, logrou um crescimento econômico medíocre (CARLEIAL, 2004; BRESSER PEREIRA, 2007; GUILLÉN, 2007).

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Tabela 4: Dispêndios nacionais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de países selecionados, em relação ao produto interno bruto (PIB) e per capita

País

Ano

Dispêndio em P&D

Dispêndio em P&D em

relação ao PIB

Dispêndio em P&D per

capita (milhões US$

correntes de PPC)

percentual

(US$ correntes PPC por

habitante) Alemanha 2002 55.054,9 2,51 667,5 Argentina 2002 1.560,2 0,39 (2) 49,0 Austrália 2000 7.803,7 1,55 404,9

Brasil 2000 12.452,9 1,00 73,2 Canadá 2002 17.340,2 1,82 552,0 China 2002 72.076,8 1,29 (2) 44,9

Cingapura 2002 2.129,7 2,19 (2) 477,4 Coréia 2001 22.009,2 2,92 464,9

Espanha 2001 8.227,2 0,96 204,3 EUA 2002 277.099,9 2,67 963,7

França 2002 36.143,8 2,20 590,3 Israel 2002 6.359,7 4,73 (2) 1.060,8 Itália 2000 15.475,3 1,07 267,9 Japão 2001 103.846,4 3,06 816,3

México 1999 1.714,4 0,43 35,9 Portugal 2002 1.714,4 0,93 165,4 Reino Unido

2001 29.353,3 1,89 499,3

Rússia 2002 14.190,4 1,24 (2) 89,1 Fonte: Ministério da Ciência e da Tecnologia/FINEP, 2005. Notas: 1) refere-se ao ano de 1999; 2) refere-se ao ano de 2001. PPC - Paridade do poder de compra.

Por trás dessa terceira interpretação há uma crítica as políticas impostas pelo establishment, cujos resultados foram a estagnação econômica da América Latina, e proposições de retomada do crescimento econômico tendo como fulcro o mercado interno. Guillén (2007) defende que o desenvolvimento não pode ser alcançado através da ação espontânea e exclusiva do mercado, senão a partir de um projeto político e social – um projeto de Nação – que permita modificações estruturais no sistema

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produtivo, na melhora qualitativa da qualidade de vida das pessoas e na preservação da identidade da Nação.

Para Bresser-Pereira (2007), o novo-desenvolvimentismo constitui-se numa estratégia nacional de desenvolvimento que tem como objetivo rejeitar as propostas dos países ricos e desenvolver a economia, que está estagnada há anos. Porém, serão necessárias duas estratégias. Primeiro, no âmbito econômico, reduzir a taxa de juros, elevar a taxa de câmbio, desvincular a taxa de juros de curto prazo daquela que remunera os títulos do tesouro, desindexar os preços das empresas nos serviços públicos, realizar o ajuste fiscal. Segundo, no âmbito político e social, uma aliança nacional pró-desenvolvimento, cuja base seja formada por empresários, técnicos do governo, trabalhadores e intelectuais, que vise reconstruir a Nação. AS MULTINACIONAIS DO TERCEIRO MUNDO

O motivo de o tema Multinacionais do terceiro mundo (Third world multinationals) ser adicionado à discussão vai além do envolvimento do autor deste texto com a temática. Muitas das multinacionais do terceiro mundo contaram e contam com o apoio de alguns Estados, foram empresas estatais, receberam incentivos e subsídios governamentais. Portanto, a análise das multinacionais dos países terceiro-mundistas passa, obrigatoriamente, pela articulação com as estratégias de desenvolvimento adotadas pelos países de industrialização tardia.

Os primeiros casos registrados de multinacionais de países do terceiro mundo datam do final do século XIX. A empresa argentina Alpargatas, de atuação nos setores têxtil e calçados, montou uma filial no Uruguai em 1890 e, em 1907, uma outra filial no Brasil. Outras empresas argentinas fizeram o mesmo, como a empresa de comércio de grãos, finanças e produtos diversos Bung Born e a empresa de engenharia mecânica Siam di Tella.

Todavia, esses investimentos pioneiros argentinos não indicaram um processo de multinacionalização, tampouco a conformação de corporações multinacionais, porque as matrizes não supriam de tecnologias e habilidades suas filiais, não tomavam decisões estratégias e não exerciam o poder de controle. Em muitos casos, devido à crise no país sede, as filiais acabaram tornando-se as maiores e com mais crescimento que as matrizes (LALL, 1983).

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Até o momento, a internacionalização de empresas multinacionais do terceiro mundo conheceu três ondas. A primeira onda, entre os anos de 1960 e 1970, teve uma significativa presença de empresas latino-americanas. A segunda onda, por sua vez, durante os anos de 1980, foi marcada pela prevalência dos países asiáticos, como Coréia do Sul e Taiwan, enquanto os países latino-americanos perderam terreno. A terceira onda ocorre a partir dos anos de 1990, com a retomada de investimentos de multinacionais latino-americanas no exterior, mas com a prevalência dos IDEs asiáticos (CHUDNOVSKY; LÓPEZ, 2000).

O volume de investimentos latino-americanos no exterior está concentrado em indústrias maduras e em produtos agropecuários e minerais, como cimento, aço, papel e celulose, suco de laranja, exploração de petróleo, couro, carne etc. Ou seja, as vantagens competitivas não estão baseadas em ativos tecnológicos – como capacidade organizacional, de marketing e financeira -, mas, em muitos casos, em vantagens ricardianas de baixos salários e recursos naturais. Os países asiáticos, por sua vez, têm sido marcados por empresas multinacionais que competem em segmentos tecnológicos mais avançados.

Para Chudnovsky; López (2000, p. 69), a ausência de políticas industrial, educacional e tecnológica, como aquelas implementadas nos países asiáticos mais avançados, também explica por que são poucas operações de IDE por firmas latino-americanas em indústrias de alta tecnologia e intensivas em habilidades.

Novamente, aqui comparece uma diferença, das várias expostas,

entre os países asiáticos e latino-americanos. Nos primeiros, o Estado agiu disciplinando o capital, isto é não só oferecia ajuda financeira (subsídios, tarifas aduaneiras etc.) e apoio tecnológico e educacional, como também exigia retornos em produtividade e competitividade, conduzindo as empresas à inovação e, em alguns casos, patrocinando-as a adquirir empresas no exterior com ativos importantes (principalmente, marcas e tecnologias) (HIKINO; AMSDEN, 1995). Nos países latino-americanos, no entanto, o que houve foi uma ajuda estatal sem qualquer contrapartida em termos de upgrading tecnológico. Na década de 1980, inclusive, países como o Brasil, visando frear o problema da balança de pagamentos, desvalorizam o câmbio e estimulam as exportações de commodities.

As firmas multinacionais chinesas têm adotado duas estratégias no que se refere ao avanço tecnológico, uma interna e outra externa. No

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âmbito interno, elas têm optado por joint-ventures e, no externo, por meio de aquisições e de expansões orgânicas em outros países. Portanto, o caso chinês, assim como fez a sua província de Taiwan décadas atrás, oferece uma experiência contrária às teorias dominantes que foram elaboradas para explicar as multinacionais dos países desenvolvidos – em que as empresas se multinacionalizam para tirar vantagens de seus ativos tecnológicos (CHILD; RODRIGUES, 2005).

Em relatório recente, The Boston Consulting Group (2006) destaca como 100 companhias de economias de rápido desenvolvimento econômico estão mudando o mundo e, ao mesmo tempo, desafiando as multinacionais dos países desenvolvidos (gráfico 1).

Há um número razoavelmente grande de multinacionais emergentes na Ásia, como Acer, Lenovo, Huawei Tecchnologies, Dtang, Great Dragon. Entre as 12 multinacionais brasileiras destacadas estão Braskem, Coteminas, Companhia Vale do Rio Doce, Embraco, Gerdau, Natura, Perdigão, Petrobras, Sadia, Votorantim e Weg. Com o aumento dos investimentos de empresas no exterior, os estoques de investimentos aumentaram e colocaram o Brasil na sexta colocação (tabela 1).

Gráfico 1: Os 100 novos desafiantes globais

Fonte: BCG, 2006. Org: Leandro Bruno Santos, 2007.

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Tabela 5: Estoques de investimentos realizados por países em desenvolvimento

Ranking Países (US$ bi.) 1 Hong Kong 470 2 Ilhas Virgens Britânicas 123 3 Federação Russa 120 4 Cingapura 111 5 Taiwan 97 6 Brasil 72 7 China 46 8 Malásia 44 9 África do Sul 39 10 Coréia do Sul 36 11 Ilhas Caiman 34 12 México 28 13 Argentina 23 14 Chile 21 15 Indonésia 14

Fonte: UNCTAD, 2006. Org: Leandro Bruno Santos, 2007.

Com base nos dados expostos acima, nota-se a importância da China nos IDEs, quando somadas as suas Províncias de Hong Kong e Taiwan, seguida por Cingapura e pelo Brasil. Muitas das empresas multinacionais chinesas são estatais, e as que não o são contam com o apoio do aparelho estatal. Dados mais recentes, publicados no prelo e não permitidos para a citação ainda, de publicação conjunta entre a Business School Brasileira Fundação dom Cabral e The Columbia Program on International Investment, indicam que o Brasil possui ativos no exterior que ultrapassam US$ 100 bilhões.

Por fim, o que se depreende desta seção é que muitas das empresas multinacionais do terceiro mundo contaram e contam com forte apoio do Estado. Algumas empresas ainda são estatais, como Petrobrás, outras são ex-estatais (Vale do Rio Doce, Embraer), outras contaram com o apoio do Estado em seus processos de expansão e concentração, como as mexicanas América Móvil e Cemex, as brasileiras Brasken e Votorantim, e as chinesas Lenovo, Huawei Technologies, Dtang, Great Dragon. Atualmente, as firmas do terceiro mundo têm jogado um papel importante no processo de centralização do capital – marcado por fusões e aquisições, cuja

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importância pode ser destacada com a prevalência das fusões e aquisições realizadas no mundo, em termos absolutos, sendo maiores para as empresas sediadas nos países do terceiro mundo. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do trabalho, cujo enfoque utilizado foi o histórico, alguns aspectos ficaram, direta e indiretamente, bastante evidentes. Esse trabalho permite destacar estes pontos: 1. Dados históricos de política econômica e comercial indicam que os

atuais países desenvolvidos nunca foram o berço do livre comércio. Aliás, o mito do laissez-faire só foi utilizado quando esses países tinham atingido altos níveis de desenvolvimento industrial e tecnológico, capazes de lhes proporcionar retornos com a abertura comercial. Portanto, utilizando a expressão de List, os países desenvolvidos, por meio de seus intelectuais subordinados e de seus “bastiões” (OMC, Banco Mundial e FMI), têm procurado “chutar a escada” dos países menos desenvolvidos, tendo como objetivo evitar que eles cheguem ao topo.

2. Se o Estado teve uma atuação importante nos atuais países desenvolvidos, este papel foi ainda maior nos países de industrialização tardia, a começar pelo Japão. Foi graças às políticas consideradas “ruins” pelos “bastiões” que representam os países desenvolvidos, como proteção tarifária, subsídios, manipulação do câmbio, atuação estatal em alguns setores importantes, entre outros, que muitos países conseguiram avançar em seus processos de catching up. Durante esse período, os países de industrialização tardia obtiveram os seus maiores índices de crescimento econômico. Atualmente, diante do fraco crescimento econômico conseguido com a implementação de políticas neoliberais, principalmente na América Latina, pode-se questionar a validade de um discurso que, na prática, mostra-se incapaz de conduzir os países ao desenvolvimento.

3. Os países de industrialização tardia conheceram condições singulares de industrialização. Não é possível, portanto falar em um modelo geral. O que é possível afirmar é que em todos os países houve uma forte intervenção estatal e que todos tiveram que se industrializar a partir de empréstimos e melhoramentos tecnológicos no processo

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produtivo. Os países asiáticos conheceram uma maior participação do Estado no processo de acumulação – disciplina ao capital -, com restrições às empresas multinacionais. Os países latino-americanos, por sua vez, embora tenham sido marcados pela atuação estatal na economia, não foram disciplinadores do capital. As multinacionais controlaram e controlam setores importantes e muitos países se industrializaram via endividamento externo, o qual será, na década de 1980, um dos fatores de descolamento das economias asiáticas e latino-americanas. Essas assimetrias de crescimento econômico entre as duas regiões resultam da forma de atuação do Estado. Na América Latina, a dependência do Estado em relação às empresas multinacionais e aos capitais externos será marcada mais tarde, com a crise da dívida e do próprio Estado, pela subordinação aos países desenvolvidos e suas políticas de “chutar a escada”.

4. Nos países de industrialização tardia surgiram muitas empresas estatais e privadas com atuação em diversos ramos. Essas empresas estão, atualmente, no contexto da centralização do capital, jogando um papel importante, com aquisições de empresas em países com níveis menores ou iguais de desenvolvimento que o país sede ou, em muitos casos, feitos aquisições estratégicas de empresas dos países desenvolvidos. Entre as empresas pode-se se destacar as Brasileiras Petrobrás, Vale do Rio Doce, Camargo Corrêa, Votorantim, Gerdau, JBS-Friboi. Alguns trabalhos sinalizam que este século será dos mercados emergentes, não só pela prevalência das aquisições e fusões sob as mãos das empresas sediadas nestes países, mas também porque apresentam as maiores taxas de crescimento econômico.

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ENSAIO DA DÚVIDA: O QUE VEM DEPOIS DA FASE B DO QUARTO CICLO ECONÔMICO DE KONDRATIEFF?1

Tulio BARBOSA

Departamento de Geografia – Universidade Federal do Tocantins. E-mail: [email protected].

RESUMO: O presente ensaio tem como objetivo central enumerar elementos críticos que colaborem para o entendimento da contemporaneidade econômica, bem como provocar o leitor quanto a dúvida que envolve o futuro dos ciclos longos de Kondratieff. Os períodos de recessão ou de ascensão do capitalismo vinculam-se diretamente a organização do setor privado e do Estado, portanto, os ciclos econômicos longos são resultados dos pactos de poder, do avanço tecnológico, dos fatores geoeconômicos, da organização interna dos países e das suas relações estrangeiras. Nos últimos anos muito especulam-se quanto ao quarto ciclo de Kondratieff, principalmente quanto a sua Fase B, uma vez que não é possível identificar claramente o término desta Fase B e o início de uma Fase A (Quinto Ciclo de Kondratieff); assim, a resposta para esta dúvida possibilita entender o avanço do capitalismo e projetar cenários econômicos e sociais, por meio do planejameno público e do planejamento das empresas capitalistas. PALAVRAS-CHAVE: capitalismo, ciclos econômicos, Kondratieff, geografia econômica, fase de transição.

ESSAI DU DOUTE : CE QUE VIENT APRES LA PHASE B DU QUATRIEME CYCLE DE KONDRATIEFF ?

RESUME : Le présent essai a comme objectif central énumérer des éléments critiques qui collaborent pour l'accord de l'actualité économique, ainsi que provoquer le lecteur combien le doute qui implique l'avenir des cycles longs de Kondratieff. Les périodes de récession ou d'ascension du capitalisme s'attachent directement l'organisation du secteur privé et de l'État, donc, les cycles econômicos longs sont en résultant des pactes de de pouvoir, de l'avance technologique, des facteurs économiques et géographiques, de l'organisation interne des pays et de leurs relations étrangères. Dans les dernières années beaucoup s'est spéculé combien au quatrième cycle de Kondratieff, principalement combien sa Phase B, vu qu'il n'est pas possible d'identifier clairement à la fin de cette Phase B et le début d'une Phase (Cinquième Cycle de Kondratieff) ; ainsi, la réponse pour ce doute rend possible comprendre l'avance du capitalisme et

                                                            1 Trabalho apresentado como requisito para avaliação da disciplina “Capitalismo, desenvolvimento regional e infra-estruturas no Brasil”. Disciplina ministrada pelo prof. Dr. Márcio Rogério Silveira.

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projeter des scénarios économiques et sociaux, au moyen de l’organisation publique et de la planification des sociétés capitalistes. MOTS CLES : capitalisme, cycles de l'économie, Kondratieff, géographie économique et phase de transition.

Nunca duvidar da possibilidade do perigo em tempos de paz, nem duvidar da possibilidade de fracasso em tempos de prosperidade, nem duvidar da possibilidade de Caos em tempos de Ordem.

I Ching, imperador Fu-Hsi.

Uma das lições mais claras das últimas décadas é que o capitalismo é indestrutível.

Slavoj Zizek

1 – Crescimento e Crise nos Ciclos Econômicos: uma pequena introdução a Kondratieff

A temática envolvendo os ciclos de Kondratieff ainda é pouco

trabalhada nas ciências geográficas, pois a Geografia ficou engessada na questão de método à partir da Geografia Crítica ou Radical e tudo que lembrasse formulações matemáticas, padrões e geometrizações era/é considerado inoportuno para compreender a realidade. Portanto, os ciclos de Kondratieff (que contribuem para a compreensão ampla da realidade do meio técnico-científico-informacional) foram, de forma imprudente, classificados como positivistas; assim, negados e negligenciados. Todavia, os ciclos de Kondratieff contribuem para o entendimento da organização do espaço, como afirmou Mamigonian (1999), e também, conforme Rangel (2005), para o planejamento nacional em seus múltiplos aspectos sociais, econômicos, científicos e políticos-institucionais.

Para entendermos os ciclos de Kondratieff é necessário compreendermos os processos de um ciclo econômico. Existem várias teorias de ciclos econômicos, segundo Estey (1965) as estruturas básicas de toda teoria cíclica econômica relacionam-se com as flutuações econômicas, com as mudanças recorrentes ou irregulares, mudanças estruturais, flutuações estacionais e cíclicas. A combinação dos fatores mencionados anteriormente resultam em cenários econômicos, políticos e tecnológicos específicos; assim, os fenômenos espaciais e suas projeções poderão ser

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Túlio Barbosa – Ensaio da dúvida: o que vem depois da fase B do quarto ciclo...

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compreendidos por meio do estudo dos ciclos econômicos, os quais norteiam os fluxos e refluxos das atividades econômicas, sociais e políticas.

Segundo Estey (1965) um dos primeiros pontos para constatar se realmente existe um ciclo econômico são as verificações das séries cronológicas e suas análises enquanto materiais estatísticos somados aos períodos (curtos, médios ou longos); assim, Kondratieff trabalhou com muitas séries em períodos, principalmente, longos. Kondratieff partiu das análises das semelhanças na verificação dos preços ingleses de atacado, rendimento dos juros dos governos da França e da Inglaterra, depois comparou os dados de rendimento deste países com os salários dos trabalhadores nos mesmos períodos, bem como verificou a produção de ferro, carvão e chumbo na Inglaterra e seu respectivo consumo na França. Logo, Kondratieff constatou que os ciclos econômicos surgiram com a Primeira Revolução Industrial à partir das novas invenções, tais como a máquina a vapor, a máquina de fiar e a máquina-ferramenta (MAMIGONIAN, 1987).

Kondratieff, segundo Estey (1965), verificou a produção e consumo de ferro e de lingotes de aço como ponto fundamental dentro dos processos industriais, uma vez que o aumento do uso destes metais revelou o aumento da atividade industrial, conseqüentemente os países compradores destes metais (in natura ou industrializados) se endividaram e os países exportadores tiveram grande crescimento e desenvolvimento econômico. Segundo Niveau (s.d) o aumento da utilização de metais ligou-se diretamente a procura de ferramentas, inicialmente, para a agricultura e posteriormente para a indústria.

Conforme Estey (1965) a comparação dos rendimentos nacionais (Inglaterra e França) com os rendimentos da classe operária realizados por Kondratieff fez com que o mesmo entendesse que o salário dos trabalhadores era desproporcional aos rendimentos nacionais, mas serviam como reguladores nos ganhos dos industriais e perpetuaram seus poderes, tal como afirmou Marx (1965, p. 105): “O moinho movido a braços, dá-nos a sociedade dos senhores feudais; o moinho de vapor, a sociedade dos capitalistas industriais”.

O sistema capitalista, segundo Mészáros (2002), nasce e permanece totalizador, uma vez que suas articulações fogem do controle do trabalhador e até mesmo os patrões (a classe dominante) não tem pleno domínio dos caminhos da evolução do próprio sistema, uma vez que o mesmo é um mix de conservadorismo e revolução. Neste sentido, Rangel

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conseguiu explicar muito bem o capitalismo ao definir sua ação constante como movimento dialético de superação de uma elite dominante por outra que já estava vinculada aos interesses da elite que perdeu a hegemonia, ou seja, o capitalismo é formado por pactos de poder que conseguem exercer um papel conservador e revolucionário ao mesmo tempo na política e na economia. Infelizmente, as idéias de Rangel foram pouco trabalhadas em termos de Brasil e menos ainda de mundo. Daí, a importância em compreender os movimentos cíclicos do capitalismo, pois um mínimo de previsibilidade será alcançado.

Assim, entender os ciclos econômicos significa ir além do momento atual através de possíveis projeções de situações e tendências econômicas num futuro próximo ou não tão próximo, portanto, o sistema capitalista é imprevisível em muitos aspectos, todavia o estudo dos ciclos econômicos relacionados as novas invenções, as inovações tecnológicas, as classes dominantes, ao poder institucionalizador e a situação sócio-econômica da população em geral permite que se tenha uma visibilidade maior do futuro econômico, óbvio que projetar o entendimento da totalidade no processo econômico do sistema capitalista é impossível. Os ciclos, portanto, servem como material “didático”.

Mamigonian (1999), referente aos ciclos econômicos, explica que os mesmos têm fases ascendentes e descendentes, bem como podem ser longos ou médios, respectivamente, ciclos de Kondratieff (em média 50 anos) e ciclos de Juglar (em média 10 anos).

Os ciclos econômicos têm fases de crescimento e de crise, por quê? Para compreender os processos econômicos do sistema capitalista urge responder a questão anterior. Para Mamigonian (1999) as crises decenais ligam-se a superprodução ou subconsumo, enquanto que as crises longas ocorrem por causa da queda da taxa de lucro de longo prazo. Segundo Marx (1978 e 1982) a variação da taxa de lucro depende do capital constante, do capital variável, da composição orgânica do capital e da taxa de mais-valia, ou seja, a taxa de lucro depende da relação da mais-valia sobre a soma do capital constante e do capital variável.

Assim, o capital constante (K) e o capital variável (S) relacionados (K/S) resultam na composição orgânica do capital (a proporção entre K e S). Se o capital variável (S) investido obtiver lucro a partir de si (nas suas variáveis) ou por meio de salários, então, resultará na taxa de mais-valia (L) e a taxa de lucro será a relação entre L/K+S (como foi mencionado anteriormente). Portanto, para se entender a taxa de lucro e seu respectivo

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crescimento ou crise é necessário compreender que a mais-valia é resultado de uma relação direta e constante com S, ao mesmo tempo em que o K é proporcional ao S resultando na composição orgânica (representada pelo capital fixo e circulante – K – e pelo salário - S).

Os investimentos de K e S tem a tendência de se expandirem positivamente a longo prazo, mas isso não significa que a taxa de lucro sempre será a mesma, uma vez que a taxa de mais-valia tende a permanecer com os mesmos indíces ou ter subtraída seu ritmo de crescimento e, portanto, cresceu (cresce) menos que a composição orgânica do capital, daí as crises a longo prazo são inevitáveis e o ciclo econômico tende a declinar, ou seja, adentra na fase B do ciclo de Kondratieff.

Para Mamigonian (1999) as crises longas (queda da taxa de lucro) relacionam-se ao esgotamento de um padrão tecnológico e de seus respectivos produtos, por isso é importante avançar tecnicamente e tecnologicamente e investir nos setores estrangulados da economia, por meio, segundo Rangel (2005), de outros setores que possuem capacidade econômica ociosa. Logo, os invesimentos, invenções e inovações proporcionarão um cenário mais otimista para a economia, podendo levar a economia da fase B de Kondratieff para a fase A.

A aceleração da economia – fase A - e a depressão da mesma – fase B – foi ciclicamente entendida por Mamigonian (1999) através das idéias de Kondratieff adaptadas por Rangel:

CICLOS DE KONDRATIEFF FASE A FASE B

PRIMEIRO 1790-1815 1815-1848 SEGUNDO 1848-1873 1873-1896 TERCEIRO 1896-1920 1920-1948 QUARTO 1948-1973 1973-1996 (?) QUINTO2 199?-20xx ?

Tabela 01: os Ciclos de Kondratieff. (adaptação de Tulio Barbosa)

Segundo Silveira (2003) o primeiro ciclo econômico longo para Kondratieff surgiu na primeira revolução industrial – final do século XVIII -, com o desenvolvimento da metalurgia do ferro e a máquina de fiar e tear. A fase A – como consta na tabela 01 – teve o início da depressão a partir de 1815 com a subtração do número de importações

                                                            2 Por enquanto são apenas especulações.

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realizadas pelos países capitalistas centrais, bem como a depressão do segundo ciclo, segundo Mamigonian (2000, p. 27):

Nas fases depressivas dos ciclos longos emanados do centro (1815-1848 e 1873-1896), as compras de matérias-primas e alimentos da periferia decresciam bem como os preços, ocorrendo contração da DIT mais do que proporcional à economia, grande ociosidade de capital-dinheiro, terras e força de trabalho voltados à produção exportadora, provocando tendências desiguais a estagnação ou ao crescimento para dentro, pela via de substituição de importações.

Assim, segundo Mamigonian (1999) são nos períodos depressivos que existem profundas mudanças conjunturais, portanto, as mudanças sócio-econômicas-espaciais são responsáveis pela reestruturação geral dos países em processo cíclico depressivo. Portanto, nestes períodos de crises são fundamentais inovações tecnológicas e nova reorganização econômica e política, tal como fez Keynes durante a década de 1930.

Para Schumpeter (1982) o desenvolvimento econômico de um país capitalista liga-se diretamente as inovações, ou seja, os produtores capitalistas iniciam as mudanças por meio de renovações das necessidades dos consumidores; assim, os consumidores são “educados” pelos produtores. Também, Schumpeter (1982), afirma que os consumidores tem certo poder para acelerar a produção e as inovações, todavia são os produtores capitalistas que detêm maiores poderes para a realização de mudanças.

Schumpeter (1982) afirmou que o desenvolvimento vem atrelado às mudanças, todavia não se trata de mudanças radicais, pois “ [...] produzir significa combinar materiais e forças que estão ao nosso alcance [...] Produzir outras coisas, ou as mesmas coisas com método diferente, significa combinar diferentemente esses materiais e forças”. (p. 48).

Deste modo, Schumpeter (1982) entendeu o desenvolvimento a partir de cinco pontos:

1 – Introdução de um novo bem 2 – Novo método de produção 3 – Novos mercados 4- Nova fonte de matérias-primas ou bens semi-manufaturados 5- Nova organização econômica-produtiva

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Para Schumpeter (1982) os cinco pontos combinados produzem um boom na economia, isto é, um boom é um aumento que dura até o ponto máximo de desenvolvimento. Todavia, esta elevação econômica não dura para sempre, consequentemente surge uma recessão que é a queda do ponto máximo até um ponto médio. Ao continuar o processo de queda econômica o ciclo entra num processo depressivo, isto é, a depressão é a queda da média até o ponto mínimo (vale). Daí, as combinações dos cinco pontos acima leva a economia a se recuperar, ou seja, a recuperação é o aumento do produto até a média. O desenvolvimento neste ponto leva a um novo boom. Portanto, os ciclos schumpeterianos são congruentes aos ciclos de Kondratieff, segundo Egler (1994) ambos pensadores dos ciclos econômicos contribuíram para o rompimento da visão neo-clássica de que o capitalismo é estável e linear a longo prazo.

No terceiro ciclo de Kondratieff (1896-1948), conforme Silveira (2003), houve a gradativa substituição dos interesses agrícolas pelo capital urbano. A fase depressiva desse ciclo ocorreu de 1921 a 1948, segundo Mamigonian (1999), as consequências deste período foram inúmeras mudanças na política econômica mundial, tais como o abandono do livre-cambismo pela Inglaterra e na periferia do sistema capitalista houve substituições de importações. O destaque deste período recessivo foi a crise dos Estados Unidos em 1929 (Crash da Bolsa).

A queda da bolsa de Nova Iorque indicava uma forte crise e a economia estava concentrada no vale do terceiro ciclo de Kondratieff; assim, muitos economistas acreditavam que esta crise seria definitiva e destruiria o capitalismo definitivamente, segundo Mészáros (2002), o capitalismo consegue se reorganizar a partir de suas falhas e projetar novas possibilidades de avanço e fortalecimento, ao mesmo tempo em que precisa reorganizar os símbolos e a cultura para que as massas aceitem as mudanças e não causem desordem no status quo.

Segundo Harvey (2005), adepto da escola de regulação, as crises ocorrem por excedentes da produção, do capital e do trabalho, isto é, houve uma queda acentuada da taxa de lucro e do crescimento econômico, revelando; assim, uma certa irracionalidade do sistema capitalista (naquele momento – antes de 1945) que tem seus rendimentos à partir da relação produção-venda, ou seja, o excesso da produção faz com que os preços caiam, uma vez que o consumidor passa a ter “poderes” decisivos na rentabilidade das empresas. Entendemos que o capitalismo se fortalece e se desenvolve enquanto os capitalistas detêm grande parte do poder de

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produzir, vender e criar símbolos vinculados ao consumo, portanto, a Fase A de qualquer um dos ciclos de Kondratieff revela o poder total dos capitalistas e a capacidade dos mesmos em manipularem a sociedade por meio da economia.

Ainda conforme Harvey (1993 e 2005) as crises são processadas por um desequilíbrio entre os fatores produto e consumo, logo a superacumulação capitalista leva o roteiro do ciclo econômico em direção ao vale, portanto, faz-se necessário novas estratégias políticas e econômicas, tais como o expansionismo geográfico econômico como forma de diluir a produção concentrada e desvalorizada.

No caso da depressão de 1929 (E.U.A.) as mudanças se iniciaram a partir de iniciativas administrativas públicas com objetivos centrados no equilíbiro e estabilização da economia capitalista, para isso Keynes propôs o equilíbrio entre o trabalho, o capital e o Estado. Neste cenário decadente da década de 1930 houve o fortalecimento do fordismo que se aliou as idéias de Keynes , tal fortalecimento e entrelaçar de idéias e projetos econômicos entre o fordismo e o keynesianismo se destacou no pós-guerra (1945), uma vez que as grandes empresas dos E.U.A. tiveram como estratégia a expansão e a criação de uma mercado mundial homogêneo, portanto, a rota no quarto ciclo de Kondratieff (1948-1996 ?) iniciou sua recuperação e posterior boom, mas em 1973 o quarto Kondratieff entrou na sua Fase B.

A recuperação na Fase A (1948-1973) do quarto ciclo somente ocorreu por causa das mudanças estruturais na relação Estado e produtores capitalistas, uma vez que “[...] o Estado se esforçava por controlar ciclos econômicos com uma combinação apropriada de políticas fiscais e monetárias no período pós-guerra”. (HARVEY, 1993, p. 129).

Enfim, o Estado planejava suas ações e procurava uma maior interação prática com as necessidades do capital, logo os investimentos públicos eram realizados em setores decadentes da economia, pois objetivava uma escalada positiva destes setores da economia que estavam estrangulados. Tal como verificou e propôs Rangel (2005) com os investimentos dos capitais com capacidades ociosas nos setores decadentes da economia brasileira.

Todavia, o Estado (em geral) perde capacidade de intervenção na economia, por causa das modificações estruturais efetuadas durante a década de 1960, isto é, o Estado (principalmente os países centrais) afrouxa suas políticas econômicas e permite uma flexibilidade maior do

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capitalismo. O resultado destes fatores após o fim da rigidez são as inúmeras mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais que ocorreram no mundo, tais como o fim do acordo de Bretton Woods, o aumento das fusões empresariais, aumento do desemprego e o aumento de empregos temporários (HARVEY, 1993).

Diante disso, urge entendermos as mudanças que flexibilizaram a economia, portanto, partiremos do quarto ciclo de Kondratieff, no qual houve o redimensionamento dos papéis dos atores sociais, econômicos e políticos; bem como não temos certeza se estamos ainda em tal ciclo.

2 – Ciclo longo de Kondratieff: para o caos? Para a ordem?

O quarto ciclo ainda é uma polêmica, principalmente a sua Fase B, pois não se tem certeza de seu término; assim, alguns autores (como Mamigonian) consideram 1996 como término do quarto ciclo, outros (como Harvey) dão pistas quanto ao fechamento do ciclo ocorrido em 1998 ou ainda Coutinho que entendeu a Terceira Revolução Industrial como início da Fase A do quinto ciclo. Todavia, os últimos acontecimentos econômicos em 2007 revelam o anúncio de uma crise nos E.U.A., crise relacionada ao setor imobiliário e que afeta toda a sua economia e também a economia mundial, portanto, será que o quarto ciclo está no seu fim apenas no ano de 2007? Nos primeiros dias de 2008 o preço do barril de petróleo chegou a marca histórica de US$ 100,00, tudo indica que o preço do petróleo continuará elevado e continuarão elevando o mesmo, logo poderá existir uma crise energética mundial, consequentemente crises multifacetadas oriundas dos fatores combustíveis. Por outro lado, a China tem média de crescimento nos últimos anos superior a 10% e a Europa nos últimos meses de 2007 teve ganhos consideráveis no mercado mundial, mesmo diante deste cenário na Europa existem alguns pontos estranguladores da “paz” econômica, uma vez que diversas partes do setor financeiro europeu tiveram conseqüências negativas com a crise imobiliária nos E.U.A., tal como o Banco Francês BNP Paribas que proibiu temporariamente saques de alguns de seus fundos de investimentos. Somente com o socorro dos Bancos Centrais da Europa, E.U.A. e Japão para os bancos destas respectivas regiões geográficas é que não houve uma crise generalizada, todavia houve indícios de uma grave crise. Será tal crise que foi apenas acalmada? (ADVFN, 2008 e FOLHA DE S. PAULO, 2007).

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Diante disso, faz necessário a compreensão das modificações estruturais políticas e econômicas no início da Fase B do quarto ciclo (1973). Segundo Harvey em sua obra “Condição pós-moderna” as modificações estruturais da economia mundial após 1973 merece atenção especial, visto que as mudanças paradigmáticas influenciaram toda a organização mundial, principalmente nos fatores políticos-econômicos, para uma nova ordem econômica e política flexibilizante e flexibilizada no lugar do paradigma fordista-keynesiano.

Para Chesnais (1996) este cenário de mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais deve ser identificado como um processo de mundialização do capital; assim, este processo mais recente de liberalização econômica (ou segundo Harvey: acumulação flexível) permitiu a desregulamentação de toda política estatal keynesiana, portanto, os avanços da política neoliberal tiveram impulsos dados por Reagan e Thatcher durante a década de 1980, logo a política neoliberal influenciou muitos países em poucos anos, por causa dos seus investimentos externos diretos fazendo com que as empresas multinacionais ordenassem as redes e os territórios por meio dos fluxos tecnológicos e pela indução do comércio mundial.

Chesnais (1996) e Harvey (1993) compreenderam que os novos processos de domínio, expansão e articulação do capital tiveram sua iniciação por meio de estratégias que substiuíram o poder do Estado (enquanto organizador) pelas organizações corporativas. Logo, os investimentos externos diretos (IED) foram utilizados como “manipuladores”, isto é, os IED, conforme a OCDE acordada com o FMI (apud Chesnais), são investimentos com ampla duração e tem como objetivo influenciar as regiões nas quais existem tais investimentos. Os objetivos dos IED relacionam-se com a capacidade produtiva da região, bem como sua capacidade de matérias-primas, seu desenvolvimento tecnológico, o custo mais baixo da produção e o domínio político-econômico que tais empresas terão na região que estabelecerem seus investimentos. A crise é feita pela incapacidade de equilibrar investimentos externos diretos com a produtividade e o mercado consumidor.

Portanto, a partir de 1973 as nações capitalistas entraram em disputas comerciais representadas por suas empresas privadas (ao mesmo tempo em que a URSS se enfraquecia politicamente e economicamente), num primeiro momento os Estados autorizam as mudanças nos procedimentos econômicos visto que o acordo de Bretton Woods entrou

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em colapso e o poder regulador direto dos Estados Unidos na economia mundial foi abalado; assim, as empresas tiveram maior capacidade para concentrar seus objetivos e criar acordos corporativos, por meio dos IED, de investimentos de carteiras, dos fluxos tecnológicos e a regulamentação de um mercado global estruturado no livre comércio e na livre negociação financeira. (CHESNAIS, 1996; COUTINHO, 1992).

Os resultados das mudanças paradigmáticas a partir da década de 1970 revelaram uma nova estrutura política e econômica que culminou na década de 1980 com uma desaceleração das economias dos Estados Unidos e da União Soviética, o que favoreceu a formação de blocos econômicos e o fortalecimento das economias asiáticas (Tigres Asiáticos, Japão e China).

A formação de blocos econômicos pós-muro de Berlim foi resultado da expansão territorial das firmas multinacionais e da tendência dos países de se precaverem quanto aos possíveis resultados negativos desta internacionalização da economia mundial. Desta forma, a expansão do capital produtivo e financeiro revelam o perigo e o temor de vários países de terceiro mundo quanto a dominação política das grandes empresas dos países desenvolvidos, daí a justificativa para que os mesmos buscassem fortalecimentos entre os mesmos por meio da formação de blocos econõmicos. Lênin (1979) já havia constatado que o capitalismo se expande do centro para a periferia econômica quando o mesmo já está maduro para tecer relações exploratórias que num primeiro momento parecerem ajustes importantes para os países periféricos, ou seja, Lênin anteviu a expansão forçada do capital dinheiro e do capital produtivo, posteriormente a prevalência do capital financeiro.

Para Benko (2002) na última década o número de investimentos diretos estrangeiros (ou investimentos externos diretos) aumentou consideravelmente, segundo Silva (2004) tais investimentos foram mínimos na periferia do sistema, pois houve maior concentração de IED nos Estados Unidos, Canadá e Europa Ociental. Também Silva (2004) aponta que grande parte dos investimentos de capitais e investimentos na produção são concentrados nos países de origem. Benko (2002) enumera os investimentos diretos estrangeiros como resultado das aberturas econômicas e produtivas de países que - ao buscarmos anacronicamente Lênin (1979) - se submeteram a uma política econômica mundial pela batuta das multinacionais.

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O cenário econômico na década de 1990 foi tomado pelas aberturas econômicas, pelas mudanças do papel do Estado e pela soberania do capital especulativo, ao mesmo tempo em que as inovações técnicas e tecnológicas avançaram consideravelmente (os avanços na nanotecnologia e nos estudos genéticos). (COUTINHO, 1992, MOREIRA, 1998, GONÇALVES, 2006). O capital, portanto, subordinou os interesses dos Estados aos seus interesses, para Harvey (1993), a flexibilização do capital influenciou as estruturas produtivas, o comércio e as relações sociais; assim, as conseqüências, conforme Moreira (1998), desta política neoliberal foi o desemprego generalizado nos países, visto que a expansão do toyotismo (enquanto padrão administrativo-contábil) somado ao desenvolvimento tecnológico permitiu a substituição de mão-de-obra por equipamentos tecnologicamente desenvolvidos e também a transferência de inúmeras unidades fabris para países com maior latência de lucro para as empresas.

Ao analisarmos a tabela abaixo identificamos números interessantes, visto que dos cinco países apresentados apenas dois possuem saldo positivo na balança comercial, enquanto o saldo total da balança destes cinco países é negativo. Apenas a Alemanha teve saldo positivo considerável em 2006, pois possui mesmo antes da União Européia grande número de parceiros comerciais, portanto, a Alemanha construiu um grande pátio industrial, possui uma grande capacidade para pesquisa e desenvolvimento de produtos e tecnologias, bem como foi um dos países que teve gradual abertura econômica para a União Européia. A (EXAME, 2006 e LOPES, 2003). Os outros quatro países apresentaram situação negativa quanto a Alemanha, visto que os mesmos não tiveram os mesmos sucessos em investimentos produtivos, o nível de consumo interno foi maior com os produtos importados e os investimentos públicos foram abaixo do necessário para elevar a economia destes países, este quadro já havia sido detectado em 2003 por meio do estudo de Alexandra F. Lopes (Os ciclos econômicos nos países pertencentes à UE). Portanto, este quadro revela-nos uma Fase B mais lenta na Europa? Ou o início de uma Fase A com países mais estruturados que os outros? A explicação deste cenário pode estar nos ciclos de Juglar?

Segundo Tolmasquim (1991) o ciclo de Juglar (breve) modula o ciclo longo (Kondratieff), já que segundo Rangel (2005) os desajustes estruturais de um país são rearranjados a partir da passagem de um setor economicamente estrangulado para um setor ocioso. Explicar a atual

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situação econômica da Europa depende da observação dos ciclos decenais e das suas mudanças que implicam na transformação dos ciclos longos de Kondratieff. São os ciclos de Juglar que apontam as tendências das próximas décadas, pois somente depois de 50 ou 60 anos é que poderemos avaliar as ocorrências nos ciclos.

Países Cresc. do PIB -

% em relação ao ano anterior

Balança Comercial –milhões de U$

Saldo da Balança Comercial –

milhões de US$ Exportação ImportaçãoAlemanha 0,8 1016 801 + 215 Espanha 3,4 194 271,8 - 77,8 França 1,15 443,4 473,3 - 29,9

Inglaterra 1,8 372,7 483,7 - 111 Itália 0 371,9 369,2 + 2,7

Tabela 02. Fonte: Revista Exame – Abril de 2006. (modificado por Tulio Barbosa).

Segundo Mamigonian (1999, p. 153): “As fases depressivas são fases de expansão geográfica [...]”. Portanto, ao compararmos os dados da tabela 02 verificamos que há uma retroação dos países quanto a sua expansão econômica, já que o número de exportação é, em geral, inferior ao de importação. Por outro lado se tais países europeus possuem desajustes na balança comercial há países que possuem um saldo muito positivo na balança comercial por estarem comercializando com tais países europeus. Também é importante frisar que, segundo dados da ADVFN (2008), nos últimos quatro anos a moeda Euro teve sua valorização em média 30% maior que a moeda Dólar – no dia 15 de janeiro de 2008 1 Euro equivalia a 1,4843 Dólar -, isso significa que houve melhoramentos (fundamentais) na economia da União Européia, portanto, o saldo da balança comercial é apenas parte de dados macroeconômicos que explicam a realidade destes Estados, mas não a totalidade que é explicada por meio do entendimento dos ciclos longos.

Segundo o jornal Folha de S. Paulo (29/12/2007) no ano de 2007 a Alemanha mostrou um desempenho econômico positivo, com queda fantástica do desemprego (que em 2005 era de 5 milhões de desempregados e 2007 são 3,38 milhões de pessoas desempregadas), segundo o jornal tal queda foi ocasionado por mudanças estruturais internas que pressionaram os desempregados crônicos, ou seja, ou o jornalista responsável pela matéria não entende nada de economia ou é pessimamente intencionado, pois o desemprego na Alemanha depende do

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consumo interno (privado e público), de investimentos privados e públicos e também dos níveis de exportações/importações.

Segundo Lopes (2003) as diferenças no crescimento econômico entre os países da UE (União Européia) relacionam-se com o nível do produto, do emprego e da produção industrial – que em concordância com Silva (2004) agregam grande poder para a economia à partir do consumo interno da produção também interna.

Diante disso, as análises para os ciclos econômicos não podem ser realizadas simplesmente a partir de dados temporais curtos, tal como Kondratieff as análises precisam ter períodos médios e curtos para alcançar qualquer tipo de conclusão; assim, os indicadores econômicas de períodos curtos apontam tendências dos ciclos curtos e variáveis (possíveis) dos ciclos longos.

A produção de um país depende do nível de desenvolvimento tecnológico, portanto, o consumo, a produção e o comércio são interdependentes à capacidade de pesquisa e desenvolvimento científico, segundo Freeman (1984, p. 6):

Na teoria de Schumpeter, a capacidade e a iniciativa dos empresários, apoiados nas descobertas de cientistas e inventores, criam oportunidades totalmente novas para investimentos, crescimento e emprego. Os lucros que se originam dessas inovações constituem, pois, um impulso decisivo para novas ondas de crescimento, agindo como sinal para um exame de imitadores.

Portanto, Freeman (1984) concorda com Schumpeter e com Gerhard Mensch quanto a relação da taxa de lucro com os investimentos tecnológicos-científicos das indústrias, daí a importância da inovação e aperfeiçoamento tecnológico para que as ondas econômicas não mergulhem em vales, ao mesmo tempo em que tal mergulho proporcionará futuros avanços na pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, pois a crise precisa ser solucionada. E a constante solução de crises leva o capitalismo a ser indestrutível (ZIZEK, 2008).

Nos dias 15 a 18 de janeiro de 2008 as Bolsas de Valores de todo o mundo tiveram ligeira queda ou aumento insignificante, mais uma vez a moeda Euro teve maior valorização mundial do que a moeda Dólar e a economia dos Estados Unidos foi abalada pela crise imobiliária-financeira e pela desvalorização do Dólar, conseqüentemente houve e haverá queda do consumo interno o que acarretará uma diminuição na produção e no

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comércio dos Estados Unidos, isso, provavelmente, poderá aumentar a crise. Como medidas paliativas o presidente dos E.U.A. G. Bush anunciou no dia 18 de janeiro de 2008 cortes em impostos e investimentos em áreas estanguladas pela recessão econômica, principalmente no setor imobiliário. Portanto, as crises no sistema capitalista, mesmo no neoliberalismo, não “andam” livres, pois há intervenções do Estado; assim, as crises sempre são superadas, uma vez que inúmeros pensadores se articulam para que as crises não avancem; daí Zizek (2008) tem razão quanto a indestrutibilidade do capitalismo.

As análises da conjuntura dos últimos meses e a interferência do governo dos E.U.A. na economia faz-nos concordar com Delbeke (1984) e Rangel (2005), ou seja, existe vinculação entre as mudanças econômicas e institucionais nos ciclos longos, portanto, as crises ocorrem pela incoerência e inadaptabilidade do poder institucional e do poder econômico. Quando nos E.U.A. o governo Bush anunciou adaptações econômicas, ele colabora para o fortalecimento do capitalismo; assim, os vínculos econômicos-institucionais estão se fortalecendo. Será que tal fortalecimento contribuirá para um novo ciclo de crescimento da economia dos E.U.A., para um novo ciclo de Juglar?

Ao mesmo tempo em que a economia dos E.U.A. está num processo de recessão desde 2007, as economias dos países da União Européia estão em ascensão desde 2007, bem como a China (que em 2007 cresceu mais de 10%) e até mesmo países periféricos como o Chile e o Brasil. A explicação deste quadro econômico mundial (ciclo ? ) encontra-se em Rangel (1982) quando o mesmo concorda com Lênin quanto ao desenvolvimento desigual do capitalismo, isto é os países com melhores condições econômicas possuem capacidade técnicas e tecnológica superior aos demais, somado a sua enorme capacidade comercial, financeira e administrativa-planejadora.

Para que exista maior compreensão dos vínculos que movimentam os ciclos econômicos em Delbeke (1984) temos um questionamento importante, ou seja, o papel das inovações tecnológicas e as mudanças institucionais estão relacionadas ao crescimento econômico e político dos países quando os mesmos estão em acordo? No momento a crise anunciada nos Estados Unidos não relaciona-se com a capacidade das inovações tecnológicas, mas aos indiscriminados financiamentos realizados pelo setor imobiliário, ou seja, os credores tinham como objetivo máximo obter recursos, logo os mesmos financiavam para inúmeras pessoas com

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critérios nada rígidos; assim, as financeiras, pelo grande número de inadimplentes, foram obrigadas a aumentar as taxas de juros e as conseqüências foram a subtração do número de compradores do setor imobiliário, que entre 2006 e 2007 anunciou e materializou tal crise. Portanto, as crises também estão relacionadas a capacidade produtiva, a capacidade comercial, tecnológica e a capacidade institucional de regulamentação da economia (as teorias de Keynes ainda são fundamentais).

Para Coutinho (1992) as crises são superadas pela inovação econômica, por meio do avanço tecnológico, de políticas financeiras e cambiais em equilíbrio com o comércio e os setores produtivos. Deste modo, a suposta crise dos Estados Unidos já está sendo freiada por medidas internas e também por políticas internacionais, ou seja, inúmeros países e blocos econômicos discutem e põe em prática relativo protecionismo para evitar uma queda generalizada da economia mundial, tais instrumentos de “defesa”, segundo Chesnais (1996 e 1999), são as proteções e patentes às inovações tecnológicas, uma vez que por meio de tais mecanismo consegue (provisoriamente) ter monopólio de algum setor da economia.

Segundo Chesnais (1999) as crises no sistema capitalista, principalmente após a crise de 1997 (crise da Ásia) tem como tripé no sistema bancário e no plano de bolsas de valores a produção, o comércio e os preços. Portanto, a atual conjuntura revela tais pontos no ciclo longo, tal ciclo pode estar no fim de uma Fase B pronto para ser direcionado para uma Fase A. Ainda não há possiblidade de afirmarmos seguramente o caminho do ciclo longo de Kondratieff (Fase B do Quarto Ciclo), pois as crises hoje são mais complexas e muito mais sensíveis às informações; assim, ligeiras quedas nas principais bolsas de valores já assustam investidores e os mesmos subtraem seus investimentos das respectivas bolsas. Eis o caos.

O caos na contemporaneidade seria muito mais terrível do que 1929, pois o caos é resultado da crise (e agora a crise é atrelada a velocidade da informação) e por algum tempo o sistema capitalista fica perdido, sem rumo, realmente sem enxergar. Somente após certo período de turbulência é que os sistema, por meio de pensadores e inventores (no sentido schumpeteriano) consegue se organizar e dinamizar a produção, o comércio, o consumo, a política e as pesquisas e desenvolvimentos científicos. Eis a ordem.

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Do caos até a ordem o capitalismo ondula ciclicamente de uma fase depressiva para uma fase, realmente, agressiva, isto é, há urgência de aumento das taxas de lucros, logo o Estado e o setor privado encontram mecanismo econômicos para que exista, de fato, aumento considerável da taxa de lucro e acumulação. Segundo Rangel (1985) nas crises o setor privado procura o Estado como organizador de ferramentas articuladas a recuperação econômica, ao setor produtivo e financeiro. Ainda conforme Rangel (1985), após a crise o setor privado endurece suas exigências para com o Estado, uma vez que é importante para o fim da crise “[...] mudanças que interessam ao aparelho de intermediação financeira”. (p.57).

Segundo Chesnais (1999) o capital financeiro se articula com o Estado quando o mesmo corre riscos diretos na capacidade de obter lucros e acumulação, todavia nos últimos anos os países periféricos sofreram enormes perdas quanto a sua capacidade produtiva e, principalmente conforme Rangel (1982), desde a década de 1980 perderam a capacidade de organização e planejamento nacional.

Mesmo nos períodos de ascensão do capitalismo e crescimento/desenvolvimento da economia, há incontáveis aspectos negativos, principalmente por causa da acumulação e diferenciação de áreas de investimentos, ou seja, mesmo nos períodos de avanços da economia o sistema capitalista produz áreas paupérrimas, isto é, enquanto algumas partes do globo terrestre recebem muitos investimentos outras são extremamente exploradas ou não recebem qualquer investimentos diretos ou aplicações financeiras. Óbvio, que nos períodos de recessão do capitalismo há, conforme Mamigonian (1999), uma expansão significativa dos investimentos em novas áreas geográficas, todavia isso não significa que tais investimentos são suficientes para alavancar as áreas que tiveram investimentos, visto que tanto os investimentos produtivos como as aplicações financeiras são especulações, aliás típicas.

No momento atual (2008) existem várias interrogações quanto ao cenário macroconômico, pois há surtos de keynesianismo na União Européia e políticas protecionistas nos Estados Unidos, bem como as bolsas de valores do mundo tiveram baixas (algumas consideráveis outras insignificantes) por causa da economia dos Estados Unidos que está num período recessivo. Na Ásia há considerável crescimento da China e recuperação econômica dos Tigres Asiáticos, um novo folego para o Japão e o aumento substancial do preço do petróleo beneficiando todo o Oriente Médio. Todavia, nos útimos anos, segundo Chesnays (1996 e1999) e

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Harvey (1993), o aumento do desemprego, da pobreza e de países mergulhados em dívidas evidenciam o lado negativo do processo de flexiblização e desregulamentação da economia mundial. O nível de pobreza e de concentração de riquezas no mundo aumentou consideravelmente, nem mesmo Engels (s.d) conseguiria projetar o cenário atual: pobrezas extremas, degradação ambiental e o consumismo em níveis extremamente elevados.

As pistas evidenciadas pelo cenário mundial atual tendem a apontar um período de transição de uma Fase B para uma Fase A (1996 (97) -2008 -? ). Para que isso se confirme são necessárias verificações das inovações tecnológicas e dos quadros de investimentos externos diretos e aplicações financeiras.

Figura 01: Fase de transição cíclica. Organizado por Tulio Barbosa.

3 – Considerações Finais

As fases de transição (A-B e B-A) são instáveis, a economia capitalista encontra-se num processo de regulação e de tentativa de equilíbrio pelos meios possíveis em cada período da História.

O capitalismo, mesmo nas crises, sempre esteve em desenvolvimento e evolução, uma vez que são nas crises que o capitalismo busca maior equilíbrio. Ao buscar a estabilidade o capitalismo consegue absorver grande parte das negatividades e transformá-las em positividades, ou seja, os períodos de recessão são (em poucos anos ou poucas décadas) transformados em períodos de ascensão máxima do capitalismo.

A atual fase de transição (B →A, talvez 1996 (97) – 2008) aponta uma continuidade dos sintomas das crises ocorridas na década de 1990,

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pois em 2008 a relação entre financiamentos imobiliários, péssimos credores e devedores com prazos e juros elevados desmobilizou a recuperação das bolsas de valores do mundo (que vinha ocorrendo desde 2006). Se por um lado as crises do México, da Argentina, da Ásia, dos Estados Unidos trouxeram recessões para a economia mundial, por outro lado (no mesmo período) o avanço tecnológico foi extraordinário e a aceleração tecnológica permitiu a recuperação de vários países afetados pelas crises. Eis a fase de transição: período crítco, porém tecnologicamente avançado (CHESNAIS, 1996 e 1999; HARVEY, 1993 e 2005).

O cenário que temos e teremos da flexibilização e desregulamentação da economia para os próximos anos vincula-se ao desenvolvimento acelerado da tecnologia e uma disputa teórica (com vistas práticas ao papel do Estado) entre economistas keynesianos, marxistas e neoliberais. Todavia, ao interpretarmos a conjuntura atual entendemos que cada vez mais o papel da tecnologia será decisivo para fortalecer os laços da globalização e das políticas neoliberais (BRAVERMAN, 1987; CHESNAIS, 1996; DE MASI, 2001). Logo, questões relacionadas a localização geográfica (principalmente para produção e comércio) serão secundárias diante do avanço da tecnologia.

Para De Masi (2001) a robótica e as novas organizações empresariais serão capazes de construírem um novo espaço, com novas relações sociais e trabalhistas. Assim, talvez, as futuras crises econômicas serão muito mais catastróficas, visto que as relações sociais, econômicas e políticas estão (estarão) presas por fios cada vez mais delicados e interdependentes, como também afirmou Chesnais (1999).

Segundo Estey (1965) o prolongamento de uma fase ascendente de um ciclo econômico relaciona-se, obrigatoriamente, aos investimentos em circulação e tecnologia. Para Estey (1965) todos os fatores econômicos e sociais melhoram apenas com os investimentos realizados na tecnologia, todavia o autor não visualizava as contradições próprias do capitalismo e, portanto, os problemas relacionados a tecnologia, ou seja, segundo Mészáros (2002) os países desenvolvidos fizeram com que os países subdesenvolvidos fossem quase que totalmente dependentes dos mesmos, bem como o número de desempregados, miseráveis e países “falidos” (dependentes de socorros externos) aumentaram nas últimas três décadas.

Portanto, mesmo que a economia mundial entre numa Fase A o que realmente sempre existirá na reprodução do capital são as diferenciações

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típicas de tal reprodução, portanto, a pobreza e a concentração de riquezas é operação padrão dentro dos ciclos econômicos no sistema capitalista.

Urge, portanto, estratégias de crescimentos vinculadas às exigências sociais e uma redefinição dos Estados (principalmente os periféricos) para que os mesmos cumpram seus papéis de propagadores da organização do espaço-nação, com propósitos limitados pela justiça social e econômica; assim, as políticas nacionais dos Estados poderão se proteger de fases recessivas da economia mundial, consequentemente, as questões quanto as fases dos ciclos econômicos longos de Kondratieff terão respostas mais independentes e asseguradas por decisões vinculadas ao benefício geral da população de um país, de um bloco econômico, enfim, de um continente – desde que não prejudique aos demais países.

Afinal, o que vem depois da fase B do quarto ciclo econômico de Kondratieff?

O cenário econômico indica o fim do quarto ciclo, isto é, a fase B está no período terminal. A atual fase de transição é caracterizada pelos problemas relacionados a elevação contínua do preço do petróleo e o aumento em progressão geométrica dos preços dos alimentos, ao mesmo tempo em que há significativa perda das soberanias nacionais por meio da opção em ter seus países vinculados aos mercados financeiros e as políticas neoliberais de financiamentos do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e de outras instituições financeiras. Portanto, internamente os países se enfraquecem (principalmente os subdesenvolvidos ou emergentes) quanto ao controle das oscilações típicas do capitalismo; assim, os mercados financeiros e os países desenvolvidos detêm poderes de convencimentos para a organização sócio-espacial e econômica destes países (um contrato territorial). Neste sentido, os países desenvolvidos também não gozam totalmente de autonomias econômicas e políticas, mas são privilegiados por suas empresas, por suas reservas econômicas, pelo desenvolvimento tecnológico, pela pressão social amena e pelo poder militar-industrial em contínuo desenvolvimento.

O capitalismo, nesta fase de transição, aparentemente direciona-se para uma crise, uma vez que todo mercado mundial foi atropoledado por quedas constantes nos primeiros meses do primeiro semestre de 2008, todavia, as crises atuais são apenas momentos de transição para o quinto ciclo de Kondratieff, pois os avanços tecnológicos e a implementação das inovações nas relações dos sujeitos com as tecnologias proporciona ao capitalismo lucros extraordinários, visto que o momento é de inovações e

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de aperfeiçoamentos pela batuta do desenvolvimento da informática, das telecomunicações, da própria internet; assim, cada vez mais a população gasta com tecnologias e as pessoas são seduzidas pelo modus vivendi da tecnologias atreladas às vontades dos capitalistas em obterem lucros, como afirmou Marx (1965) ao apontar que as coisas tem valor à partir de uma opinião montada, estruturada e direcionadora dos indivíduos. Quanto aos problemas envolvendo o fim e o preço abusivo do petróleo, inúmeras multinacionais já estão organizadas para pesquisar e comercializar produtos que substituírão o petróleo, tais como os biocombustíveis; assim, serão necessários investimentos mundiais a médio e longo prazo, tanto em tecnologia como em capacitação profissional. Quanto ao elevado indíce dos preços mundiais dos alimentos, consideramos este ponto fundamental para o desenvolvimento econômico, social e tecnológico de um país, pois com a subtração da quantidade de água limpa e potável, as mudanças climáticas, a poluição atmosférica e os desmatamentos teremos um cenário desanimador ambientalmente, portanto, os países celeiros conseguirão acumular capitais e negociarão com mais peso no cenário mundial.

Diante disso, as inovações técnicas e tecnológicas para “salvar o planeta” por meio dos biocombustíveis (pois causam menos impactos ambientais) promoverão uma reestruturação produtiva, logística e trabalhista, consequentemente, as indústrias precisarão de novas matérias-primas, de nova capacitação profissional e de um novo perfil de consumidor, que já foi gerado desde as muitas inovações tecnológicas no período de 1980-2000. Trata-se de um consumidor que busca praticidade, que busca facilidade e que atrela-se a comodidade da informação (mídia) e da informática.

O término da Fase B do quarto ciclo foi anunciada. Surge, timidamente, a fase A do quinto ciclo. Esta nova fase não é diferente das demais quanto a opressão dos mais ricos para com os pobres, a luta de classes, a subserviência dos países periféricos ao centro do sistema, a concentração de renda, a força militar dos países líderes e os sujeitos alienados e estranhos quanto ao seu próprio mundo.

O quinto ciclo econômico de Kondratieff terá como característica máxima um dos maiores avanços tecnológicos da história e também o aprisionamento dos indivíduos pela própria tecnologia, pelo mercado e a subtração gradativa das soberanias dos Estados por meio de um contrato territorial global.

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Assim, o contrato territorial é resultado do processo civilizatório capitalista, isto é, o espaço e os indivíduos são subordinados a lógica de organização, regulação e regulamentação capitalista. A maioria dos países não almejam uma libertação das imposições capitalistas, muito contrário a isso, pois a maioria dos países desejam integrar e assumir a liderança de tal contrato, ou seja, os países líderes continuam economicamente e politicamente subordinados a racionalidade capitalista, porém tais países proporcionam variações da mesma racionalidade capitalista. Neste sentido, a diferenciação espacial é resultado do contrato territorial e das tipologias racionais capitalistas em cada ciclo econômico longo.

Na fase A do quinto ciclo existem tentativas de fortalecimento das redes tecnológicas, dos mercados financeiros e das grandes empresas capitalistas, logo neste primeiro momento o Estado perde um pouco de sua autonomia econômica e até mesmo política. Talvez, a crise de transição da fase A para fase B no quinto ciclo estará na tentativa de retorno das soberanias das burguesias nacionais em Estados que busquem relativa autonomia, logo este retorno ao Estado-nação só será possível com outra reestruturação capitalista ou mesmo pós-capitalista. Tal reestruturação econômica poderá levar ao confronto bélico potências mundiais, motivadas por suas burguesias nacionais que perderam áreas de influências no mundo, que não desejam perder a capacidade para ditar as regras de um contrato territorial.

Neste momento, a fase A do quinto ciclo já está presente. Referências Bibliográficas BENKO, G. Mundialização da economia, metropolização do mundo. Revista do Departamento de Geografia. São Paulo: USP. V. 15, 2002. p. 45-54. BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século CHESNAIS, F. Tobin or not Tobin? Porque tributarar o capital financeiro internacional em apoio aos cidadãos. São Paulo: UNESP – ATTAC, 1999. CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. COUTINHO, L. A terceira revolução industrial e tecnológica. Revista do Instituto de Economia da Unicamp. Campinas: Instituto de Economia – Unicamp. n. 1, Agosto de 1992. p. 69-88.

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TERRITÓRIO E IDENTIDADE: ELEMENTOS PARA A IDENTIDADE TERRITORIAL*

Adriano Amaro de SOUSA

Mestrando em Geografia PPGG/FCT/UNESP-PP [email protected]

RESUMO: Desenvolveremos, aqui, uma breve reflexão teórica sobre a construção da identidade territorial, visando entender esse elemento simbólico-cultural na dinâmica do território que forja(m) identidade(s). Para isso, fizemos inicialmente um resgate das principais idéias sobre o conceito de território no pensamento geográfico brasileiro balizados nos estudos de Claude Raffestin, Milton Santos e Rogério Haesbaert, dando ênfase nos aspectos relacional e dialético da abordagem territorial e identitária de Marcos Saquet. Posteriormente, analisamos o conceito de identidade nas ciências humanas apresentando uma gama de características (contraste, diferença e alteridade) e ramificações (étnica, cultural, resistência e territorial) da identidade social. Desse modo, a identidade territorial é um tipo de identidade social que se expressa na relação de pertencimento de um grupo social a partir da delimitação de uma escala (i)material de referência identitária. PALAVRAS-CHAVE: espaço geográfico; identidade; território; identidade territorial. TERRITORY AND IDENTITY: ELEMENTS FOR TERRITORY

IDENTITY ABSTRACT: Develop here, a brief theoretical discussion about the construction of local identity, aiming to understand this cultural-symbolic element in the dynamic of territory to forge identities. For this reason, did a ransom initially the main ideas on the concept of geographic thought in Brazilian territory marked out in the studies of Claude Raffestin, Milton Santos and Rogerio Haesbaert, emphasizing the aspects of relational and dialectical approach and territorial identity of Marcos Saquet. Subsequently, we analyzed the concept of identity in the humanities presenting a range of characteristics (contrast, difference and otherness) and branches (ethnic, cultural resistance and territorial) of social identity. Thus, the local identity is a kind of social identity that is expressed in the relationship of belonging to a social group from the definition of an intangible scale of reference identity. KEY WORDS:: geographic space, identity, territory, territorial identity.

                                                            * Texto apresentado como trabalho final da disciplina “O espaço, o tempo e o território: uma questão de método”, ministrado pelo Prof. Dr. Marcos Aurélio Saquet no segundo semestre de 2007, no curso de Pós-graduação em Geografia, na Faculdade de Ciência e Tecnologia – FCT/Unesp – Presidente Prudente/SP.

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Introdução

A identidade territorial está (in)diretamente envolvida na produção do território (objetiva e subjetivamente) por meio da TDR (des-territorialização, re-territorialização e territorialização), devido aos processos históricos desiguais determinados pela expansão do capitalismo e seus aspectos culturais.

Simultaneamente, à des-territorialização dá-se a re-territorialização. São processos intimamente ligados na dinâmica socioespacial. Na primeira, há perda do território inicialmente apropriado e construído, a supressão dos limites, das fronteiras, como afirma Raffestin (1984), e na segunda, uma reprodução de elementos do território anterior, pelo menos, em algumas das suas características. O velho é recriado no novo, num movimento que representa as forças sociais, em que um dos papéis do Estado é justamente a reterritorialização (SAQUET, 2003, p. 39).

Para o autor, o processo de produção do espaço geográfico apresentado na des-re-territorialização está eminentemente articulado com o Estado e com o capital, sendo que a desterritorialização dá-se por fatores econômicos e políticos. Contudo, a reterritorialização decorre de elementos políticos e culturais.

Esta tríade (TDR’s) apreende o movimento da sociedade e do espaço no tempo. Ela está fundamentada na territorialização como fruto de uma estratégia para tomar posse de um espaço geográfico. Já a desterritorialização é o abandono espontâneo ou forçado da territorialização. Por último, a reterritorialização é a construção de uma nova territorialização.

Assim, o presente artigo apresenta uma reflexão teórica sobre a construção da identidade territorial, por meio da dinâmica do território que forja(m) identidade(s). Território

Etimologicamente o conceito de território nasce com duplo sentido, material e simbólico. No primeiro, apresenta como dominação

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Adriano Amaro de Sousa – Território e identidade: elementos para...

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(jurídico-político e econômico), pois o território tem significado de terra (territorium) e de controle (terror e aterrorizar). Já no segundo, o território tem característica de apropriação no sentido simbólico-cultural. Nesta perspectiva, o poder é um dos componentes centrais na análise do conceito de território, por isso ele tem tanto uma abordagem de dominação no sentido mais concreto, quanto de apropriação no sentido mais abstrato.

Assim, para entendermos o debate sobre o conceito de território no pensamento geográfico brasileiro é preciso analisar os principais estudiosos do conceito em questão. A nosso ver, os principais autores que se destacaram no Brasil foram Claude Raffestin, Milton Santos e Rogério Haesbaert.

Iniciamos com o Claude Raffestin que elaborou o conceito de território balizado nas relações sociais de controle e dominação (poder). Para isso, ele coloca em confronto dois conceitos: espaço e território. Sendo, assim, necessário compreender bem que o espaço é anterior ao território e que o território se forma a partir do espaço. Ambos não são termos equivalentes. “O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou trabalho, seja energia ou informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder” (1993, p. 143-4). Já a produção territorial advém da “comunicação entre os modos de produção e o espaço” (p.152), assentada na construção de malhas, nós e redes para compreensão da formação territorial. Tal formação está pautada nas relações de poder e nas redes de circulação e comunicação. O sistema territorial busca a integração e a coesão do território. Em síntese, a abordagem de Raffestin sobre o território é política e econômica. E, também, areal devido à atuação do poder do Estado se limitar às dimensões político-administrativa da sua zona (limites e fronteiras). Duas outras abordagens avançam na discussão das relações de poder no/do território. Michael Foucault (1985) considera o poder para além do Estado (instituições, empresas, cotidiano, entre outros). Já Marcelo Lopes de Souza (1995), numa outra concepção, estabelece as relações de poder no campo de tensão (conflito) balizado pelas diferenças culturais de grupos sociais distintos, superando, assim, as teias de relações do Estado.

Por outro lado, Santos e Silveira (2003), têm uma obra considerada atual “O Brasil: território e sociedade no início do século XXI” que interpreta a sociedade brasileira através do território a partir de sua

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história, de seu desenvolvimento e de seus usos pelos atores sociais. Aqui, o território é conceituado de território usado que, por sua vez, é sinônimo de espaço geográfico, contudo, restrito a escala nacional. Para entender o Brasil globalizado é necessário o intermédio de diversas técnicas sociais do uso do território nacional denominadas de meio técnico-científico-informacional. Além do mais, a importância do papel da informação e do conhecimento para dinamizar a economia nesse(s) novo(s) espaço(s) geográfico(s). Os novos mercados reorganizam os territórios produtivo e financeiro, acirrando, assim, as desigualdades e competitividades das economias regionais, centralizando mais o capital na região concentrada. Assim, a idéia de território usado deve ser utilizada quando se quer definir qualquer pedaço de território, neste deve-se levar em conta a interdependência e a inseparabilidade entre a materialidade (inclui a natureza e o seu uso, também, inclui a ação do homem), isto é, o trabalho e a política. Para Saquet (2007), a gênese deste conceito está “materializada” na obra de Milton Santos (1994) “Território: globalização e fragmentação” cuja abordagem é econômico-material, ampliando a discussão para além da concepção areal, enaltecendo o uso e o controle social.

Rogério Haesbaert (2004) entende o território a partir da apropriação (simbólico-cultural) e dominação (político-econômico). Apresenta as três principais vertentes do território: jurídico-política (espaço de poder do Estado, das instituições e grupos sociais), cultural (simbólicas e identitárias) econômica (produção material e contradições sociais). A natureza é vista como território de recurso econômico que é dominado por um seleto grupo social. Essas vertentes básicas apontam diferentes enfoques da perspectiva parcial do território. Porém, Haesbaert visualiza o território contemporâneo (globalização e fragmentação) balizado numa visão integradora, pois a leitura do território como espaço não pode ser considerado estritamente político, nem unicamente cultural e tão pouco econômico ou natural. Ou seja, ele é melhor analisado pelas suas diferentes dimensões. Assim, o território é relacional (espaço-tempo, movimento, fluidez e interconexão). O processo de produção do espaço geográfico está sempre relacionado com a des-territorialização (econômico-político) e a territorialização (político-cultural) de grupos sociais e empresas. Com a globalização e o processo de re-territorialização ocorrem uma transformação (política, cultural e econômica) no espaço mundial

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emergindo o fenômeno da multiterritorialidade balizado em novas três vertentes detectadas por Haesbaert: território-zona (tradicional, lógica política do Estado-Nação), território-rede (lógica econômica das grandes corporações globais) e aglomerado de exclusão (áreas de desordem sócio-espacial e pobreza estrutural). Por fim, o conceito de território em Haesbaert tem centralidade nas dimensões política e cultural.

Nesta perspectiva, Saquet (2007) afirma que as redes têm um papel territorizalizador e des-territorializador. Ainda, argumenta que o processo que promove a multiterritorialidade apresenta diversas relações com o “vivido” por diferentes grupos sociais, em distintas escalas de inteirações (área-rede, rede-rede e rede-lugar).

Saquet (2003) ainda colabora destacando não somente as vertentes político-cultural, mas também a econômica, por que o território é constituído de relações sociais e (i)materialidade.

Um território não é construído e, ao nosso ver, não pode ser definido apenas enquanto espaço apropriado política e culturalmente com a formação de uma identidade regional e cultural/política. Ele é produzido, ao mesmo tempo, por relações econômicas, nas quais as relações de poder inerentes as relações sociais estão presentes num jogo contínuo de dominação e submissão, de controle dos espaços econômico, político e cultural. O território é apropriado e construído socialmente, fruto do processo de territorialização.

Após estudar as diversas abordagens sobre o conceito de território Marcos Aurélio Saquet materializa suas discussões na obra “Abordagem e concepções de território”, em 2007. Nela o autor apresenta quatro possibilidades para compreender o território: a) relações de poder; b) redes de circulação e comunicação; c) identidades simbólicas e culturais; e, por último d) a natureza exterior ao homem. Tais reflexões são frutos de um diálogo com autores italianos (J. Gottamann, C. Raffestim, G. Dematteis, A. Turco, E. Turri, entre outros). Assim, concordando com Saquet (2006, p. 83), o território é:

[...] natureza e sociedade: não há separação; é economia, política e cultura; edificações e relações sociais; des-continuidades; conexão e redes; domínio e subordinação;

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degradação e proteção ambiental, etc.. Em outras palavras, o território significa heterogeneidade e traços comuns; apropriação e dominação historicamente condicionadas; é produto e condição histórica e trans-escalar; com múltiplas variações, determinações, relações e unidade. É espaço de moradia, de produção, de serviços, de mobilidade, de des-organização, de arte, de sonhos, enfim, de vida (objetiva e subjetivamente). O território é processual e relacional, (i)material, com diversidade e unidade, concomitantemente.

A nosso ver, o território é marcado pelo resultado do processo histórico das relações sociais. Ele é móvel, dinâmico e está em constante transformação. É produto e condição de articulação existente entre o tempo histórico e os coexistentes. Além do mais, o território integra as múltiplas dimensões: econômica, política e cultural. O poder é exercido nas relações socioespacias e tem centralidade no território. Ou seja, o território também é constituído de sociedade e natureza, trabalho e capital, produção e circulação, fixo (área) e fluxo (rede), energia e informação (técnico-científico), entre outros. Tudo isso numa abordagem totalizadora e complexa.

Assim, o território apropriado tem características objetivas (territorial) e subjetivas (simbólica, identitária e afetiva) do “espaço vivido”, este(s) por meio da(s) territorialidade(s), forja(m) as identidades territoriais.

Identidade territorial

O conceito de identidade ao longo da história filosófica deriva da

raiz idem que significa igualdade e continuidade & unidade e diversidade. No período contemporâneo está relacionada ao individualismo. Foi nos EUA, em meados dos anos 1950, que disseminou o uso desse conceito contrapondo à sociedade de massa, dando visibilidade a “busca da identidade”, em especial de grupos sociais considerados de minorias (negros, judeus, homossexuais, grupos religiosos, entre outros) e depois para toda a sociedade moderna.

Há duas discussões sobre a identidade nas ciências sociais: psicodinâmica e sociológica. A identidade psicodinâmica é composta pelo cerne do indivíduo e de sua cultura, quando esta entra em conflito

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ocorre aquilo que denominamos de “crise de identidade”. Já a identidade sociológica é construída pelas pessoas a partir da cultura em que vivem, a interação do eu com o simbólico e com o concreto faz com que o indivíduo atinja um estado de identificação, ele se reconhece e diz “este é o meu verdadeiro eu” (OUTHWAITE e BATTOMORE, 1996).

O princípio da identidade assume um sentido novo, um sentido concreto. Se a contradição é mais essencial que a identidade, a identidade nem por isso deixa de ser essencial. Sem contradição, a identidade estagna. Para ser, para viver, para vir a ser, é preciso dilacerar-se do interior. Mas, através da contradição, a identidade se restabelece em nível superior. Sem isso, o ser se encaminharia rapidamente para sua ruína. Assim, a razão, o conceito, ou simplesmente o ser vivo, repousam sobre contradições resolvidas. A identidade, portanto, é posta em seu lugar, no movimento (no conjunto de relações, diferenças, interações e contradições que formam a realidade concreta) (LEFEBVRE, 1995, p. 195).

Para o autor, o princípio da identidade tem um sentido dialético que envolve a teoria da lógica da contradição. Essa contradição traz consigo certas rugosidades que compõem os traços identitários. Nela unidade e contradição são elementos estruturantes da identidade do ser e do vir-a-ser.

A identidade é uma construção de caráter contrastante ou de oposição com uma forte a ação individual ou grupal, implicando, assim, a afirmação do nós diante dos outros. Nesse sentido, Cardoso de Oliveira em sua obra “Identidade, etnia e estrutura social” argumenta que a essência da identidade étnica é a identidade contrastiva. De modo geral, a identidade étnica é uma modalidade da identidade social, sendo que a diferença parece ser típica de qualquer identidade em processamento. Esta diferença está presente em qualquer situação social podendo ser geradora de desigualdade. Em outras palavras, a identidade do diferente pode ser revelada na relação contrastiva. Não há identidade entre idênticos, porque eles não se diferenciam, não havendo o que contrastar. Sem a diversidade de grupos sociais e os interesses político e econômico contido nelas, não há identidade.

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Castells (1999) entende a identidade social como sendo a “fonte de significação e experiência de um povo” (p. 22). Assim, o significado e a experiência são há base para a estruturação dos grupos sociais, ambos buscam permanecer no tempo e no espaço. Estes grupos possuem uma forte ligação com o seu lugar de origem estabelecendo uma verdadeira identidade com o território. As identidades têm conseqüências geográficas aparentemente contraditórias que ocorrem devido as relações sociais. De modo geral, no nosso tempo histórico as identidades religiosas, nacionais, territoriais, étnicas e de gênero, aparecem como princípios fundamentais de auto-definição, cujo desenvolvimento marca a dinâmica das sociedades e da política de forma decisiva.

[Há] identidade de resistência – criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos (CASTELLS, 1999, p. 24) [grifo nosso].

Por outro lado, há comunidades que são aparentemente

homogêneas e os indivíduos que as compõem não se diferenciam uns dos outros nem pela etnia, nem pela nacionalidade e muito menos pela situação de classe social, porém, mesmo assim, os indivíduos e se diferenciam entre si, e fortalece(m) a sua identidade de grupo. Haja vista o trabalho de Nobert Elias & Jhon Scotson “Os estabelcidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade” sobre a cidade pequena denominada de Winston Parva no interior da Inglaterra. Nela, numa certa localidade, os moradores de dois bairros mais antigos se diferenciavam dos moradores do bairro mais novo pelo tempo de morada no local. Com isso, criaram estratégias de preservação da sua identidade para manutenção dos cargos comunitários numa tentativa de afirmarem a sua superioridade com relação aos habitantes novos vistos como intrusos. Esta diferença sedimenta uma identidade balizada entre os estabelecidos e os “outsider”. Por sua vez, essa relação social estava carregada de signos que estrutura há identidade social baseada no poder.

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Hall (1997), afirma em sua obra “Identidades Culturais na Pós-Modernidade” que as identidades modernas estão em crises e são fragmentadas pela globalização, devido os seus impactos sobre os sujeitos contemporâneos. Com isso, o autor propõem três contra-tendências a hegemonização cultural global: a) glolocalização (fortalecimento das identidades locais); b) indivíduo híbrido (cruzamento de culturas diferentes); e, por último c) sujeitos traduzidos (migrante identidade dupla)1. As identidades são plurais e não existem mais identidades “puras”, isto mostra que as identidades mudam com o tempo e com o espaço. No jogo das relações sociais e de produção, alguns indivíduos terão mais facilidades ou dificuldades, dependendo da cultura ou classe social em que estão inseridos.

Desse modo, Haesbaert entende que a identidade social tem uma relação com a identidade territorial, ambas acabam tendo proximidades, já que definem o território e as relações sociais (idéia e matéria).

O território envolve sempre, ao mesmo tempo [...], uma dimensão simbólica, cultural por meio de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de controle simbólico sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos (HAESBAERT, 1997, p. 42).

Assim, o autor afirma que a identidade territorial é um tipo de

identidade social que expressa na relação de pertencimento de um grupo a partir da delimitação de uma escala territorial de referência identitária.

Saquet (2007) apresenta duas abordagens diferentes de estudos de identidade com enfoque territorial. A primeira tem aspectos históricos-culturais, simbólicas e afetivas da vida de grupos sociais em um determinado lugar. Já na segunda, a identidade apresenta característica de unidade transescalar, entre os sujeitos e lugares. Porém, as duas abordagens acima não são excludentes. A reprodução da identidade [territorial] é (i)material, histórica, relacional e multiescalar.

                                                            1 Mais detalhes ver em Haesbaert e Bárbara (2001).

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O destaque dessa nova perspectiva é o caráter político da identidade, como uma possibilidade de transformação social. Ela está referenciada nas reflexões e contribuições dos autores italianos (G. Dematteis, Magnaghi, Governa, Ruallani e Bagnasco), sobretudo, pela temática da identidade tendo o desenvolvimento local e sustentável como pilares.

[...] a identidade é territorial e significa, além de pertencimento a um certo lugar, o resultado do processo de territorialização, com elementos de continuidade e estabilidade, unidade e diferencialidade. O território é produto e condição social, influenciando na constituição de identidade local em virtude de ações coletivas; tem um conteúdo dinâmico e ativo, com componentes objetivos e subjetivos, nos níveis local e extralocal (SAQUET, 2007, p 152).

A territorialidade é a dimensão simbólico-cultural no qual se

materializam os processos de identificação territorial. Haesbaert (2004) sintetizou o conceito de territorialidade da seguinte forma:

1) Territorialidade num enforque mais epistemológico: “abstração” condição genérica (teórica) para a existência do território [...]; 2) Territorialidade num sentido mais ontológico: a) como materialidade (ex: controle físico do acesso através do material), b) como imaterialidade (ex: controle simbólico, através de uma identidade territorial ou “comunidade territorial imaginada”), c) como “espaço vivido” (frente aos espaços – neste caso, territórios, formais – institucionais), conjugando materialidade e imaterialidade) (p. 10).

A territorialidade é balizada pelas relações sociais expressas no território, seja pela materialidade (produção, troca e consumo) ou pela imaterilidade (idéia, controle, autoridade, estratégias etc.), essas relações forjam identidades territoriais. A identidade é dinamizada pelas diversas práticas sociais que acontece pela ação dos sujeitos na produção territorial.

A identidade territorial é o resultado do enraizamento de um grupo social nas relações cotidianas balizada por tradições e mudanças

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no tempo e no espaço. Nesse sentido, Saquet (2003) apresenta a re-territorialização da imigração italiana no Rio Grande do Sul pela dinâmica do território e da identidade na Colônia Silveira Martins fundada em 1878, onde se verificou a reprodução de elementos e características de seu modo de vida anterior e novo. Agora, analisaremos, resumidamente, como Saquet apreendeu as relações de identidade territorial nesse grupo social:

a) Produtos agrícolas: milho, trigo, arroz, aveia, cevada, uva, etc.; artesanais: fabricação de vinho, serrarias, sapatarias, moinhos, ferrarias, entre outras; atividades comerciais: alguns italianos que migraram já haviam exercido o papel de negociantes, intermediando relações de compra e venda, de troca. Assim, criam os primeiros estabelecimentos mercantis (chamados de vendas) em Silveira Martins, Nova Palma e Ivorá; b) Elementos da vida cultural: alimentação (polenta, massas, vinhos, salame, forglia, queijos...), objetos da vida diária (como mesas, cristaleiras... específicas), práticas religiosas ligadas ao Catolicismo (igrejas/templos, Santos, capitéis, canções, festas, etc., os dialetos (vêneto e fruilano, principalmente). Criaram, desta forma, as chamadas linhas, como Vale do Vêneto, Val Veronês, Novo Treviso, Val Feltrina, Nova Údine, Val de Búia, lembrando e homenageando alguns dos seus lugares de origem de muitas famílias; c) Formam associações de ajuda mútua, desde a década de 1980, e, pequenas cooperativas para comercialização da produção agrícola, entre outras iniciativas políticas, culturais e econômicas (2005, p. 13876).

Diante desse quadro, visualizamos a identidade territorial dos imigrantes italianos pela produção territorial baseada na cultura/economia de origem deles, que estabelecem traços identitários entre si. Tais traços são frutos de processos estruturais e conjunturais de uma ação coletiva fundamentada(s) na(s) vivência(s) e nos saberes do grupo do social ítalo-brasileiro neste território chamado de Silveira Martins.

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Por fim, como vimos acima com Stuart Hall, as identidades contemporâneas são globais, pluriculturais e de resistência. Elas se apresentam em espaços culturalmente híbridos e desiguais.

Hoje num mundo dito globalizado, juntamente com esta identidade continua/contígua, aparecem identidades descontínuas, fragmentadas e/ou sobrepostas, onde vigora o confronto ou o diálogo, a relativa fluidez e a interseção elaborando assim, novas formas de identificação social.

Para o autor, o território é produto e produtor de identidade não

só apenas no âmbito do poder, mas, também, no campo da afetividade e do significante. Considerações finais

Podemos sintetizar que, o conceito de identidade não pode ser

entendido sem o contraste/alteridade, ou seja, sem o outro. É outro que fortalece esse jogo de identificação, que é também histórica, dinâmica, complexa e está em constante transformação. Tais observações podem e devem ser visualizadas no ensino de geografia sob o enfoque da identidade territorial.

Identificar, no âmbito humano-social, é sempre identificar-se, um processo reflexivo, portanto, e identificar-se é sempre identificar-se com, ou seja, é sempre um processo relacional, dialógico, inserido numa relação social. Além disso, como não encararmos a identidade como algo dado, definido de forma clara, mas como um movimento, trata-se sempre de uma identificação em curso, e por em estar em processo/relação ela nunca é una, mais multipla. Toda a identidade só se define em relação a outras identidades, numa relação complexa de escalas territorias e valorizações positivas e negativas (HAESBAERT, 1999, p. 174-175).

Nesse sentido, para compreendermos o conceito de identidade territorial temos que levar em consideração a territorialidade (relações sociais), devido a sua apropriação subjetiva, este pode ser considerado

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de enraizamento, pertencimento e afetividade. A identidade territorial tem uma forte repercussão no espaço geográfico por que ela produz a territorialização e a des-territorialização.

A identidade territorial é histórica, processual e trans-escalar. É, também, unidade e contradição, simples e complexa, homogeneidade e heterogeneidade, mudança e permanecia, continuidade e descontinuidade, entre outras. Ela trás consigo elementos concretos (espaço e matéria) e abstratos (representação e idéia) que nós carregamos, além de rugosidade(s) que deixa(m) traços identitários impressos na paisagem.

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CONSEQÜÊNCIAS AMBIENTAIS RELACIONADOS À SUINOCULTURA NO MUNICÍPIO DE DOIS VIZINHOS

(PR - BRASIL)

Gilnei MACHADO Doutorando em Geografia pela FCT/UNESP, Presidente Prudente-SP

E-mail: [email protected]. Odair SONEGATTI

Mestrando em Geografia pela FCT/UNESP, Presidente Prudente-SP E-mail: [email protected]

RESUMO: A suinocultura, no Brasil, é uma atividade importante do ponto de vista social e econômico, pois serve como instrumento de fixação do homem no campo, emprega mão-de-obra tipicamente familiar e constitui uma importante fonte de renda e de estabilidade social. A mesma apresentou, nas últimas duas décadas, significativas mudanças na estrutura organizacional, o que contribuiu para maior produtividade e aumento da carga poluidora. O presente trabalho pretende analisar as conseqüências ambientais da suinocultura, no município de Dois Vizinhos (Paraná) e em particular a propriedade Marmentini, e propor alternativas técnicas para a solução de problemas ambientais gerados. A minimização dos impactos causados pelos dejetos suínos depende da redução do volume gerado, de um bom manejo e aproveitamento destes dejetos. O tratamento dos dejetos deve-se embasar em cinco etapas: a produção; coleta; armazenagem; tratamento; distribuição e utilização na forma sólida, pastosa ou líquida. No tratamento pode-se utilizar as lagoas anaeróbicas, aeradas, facultativas e as de aguapé, bem como os decantadores, esterqueiras (depósitos), a prensa mecânica, a desidratação, a compostagem e os sistemas biodigestores, possibilitando a utilização dos dejetos como adubo orgânico e diminuindo a poluição e contaminação, tornando a produção suína ambientalmente sustentável. Palavras-chave: produção de suínos, sustentabilidade, dejetos, impactos ambientais.

ENVIRONMENT CONSEQUENCES RELATED TO HOG RAISING IN THE MUNICIPAL DISTRICT OF DOIS

VIZINHOS (PR - BRAZIL) ABSTRACT: In Brazil, the hog raising is an important activity in a socio-economic point of view because it serves as an instrument to maintain farmers on the land and to increase source of income, employing family labour, being a relevant factor to social stability. This activity had presented in the last two decades meaningful changes in its organizational structure, contributing for a higher productivity and an increase of pollution charge too. This work aims to

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contribute to find techno-economic solutions that allow the use of swine waste and has the municipal district of Dois Vizinhos (PR-Brazil) as area of study, particularly, one farm called Marmentini. The minimization of impacts caused by swine waste depends of its volume reduction, of a good management and better use for it. The waste management should be based in five stages: production; gathering; storage; treatment; distribution; and use in solid, pasty or liquid state. The treatment could be use anaerobic, aerobics, optional and aquatic macrophyte ponds, as well decanters, manure piles, mechanical press, dehydration, composting and biodigestors systems, allowing the use of waste as organic fertilizer, lowering the pollution and contamination making the swine production an sustainable environment activity. Key-words: hog raising, sustainability, wastes, environmental impacts. Introdução

A suinocultura, no Brasil, é uma atividade predominantemente de

pequenos estabelecimentos rurais, estando presente em aproximadamente 50% das propriedades existentes no país. Ela é importante do ponto de vista social e econômico, pois serve como instrumento de promoção da fixação do homem no campo, já que, emprega mão-de-obra tipicamente familiar e constitui uma importante fonte de renda e de estabilidade social. Essa atividade é considerada pelos órgãos ambientais como "potencialmente causadora de degradação ambiental", sendo enquadrada como de grande potencial poluidor, o que a faz merecer cuidados, particularmente por parte do produtor que pode vir a ser responsabilizado criminalmente por eventuais danos causados ao ambiente e à saúde de homens e animais (LEI 9.605/98 - Lei de Crimes Ambientais).

Os dejetos suínos, até a década de 70, não constituíam fator preocupante, pois a concentração de animais por propriedade era pequena e automaticamente a quantidade de dejetos produzidos, de modo que o solo das mesmas tinha capacidade para absorvê-los na forma de adubo orgânico. Porém, o desenvolvimento da suinocultura ao longo das décadas de 80 e 90 trouxe consigo a produção de grandes quantidades de dejetos.

A suinocultura brasileira vêm apresentando, nas últimas duas décadas, significativa mudança na estrutura organizacional, seja pela especialização da produção ou pela busca de economias de escala. A produtividade, por animal e por área, aumentou consideravelmente, passando-se a produzir grandes quantidades de dejetos em pequenas

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extensões de terra. Simultaneamente, iniciaram-se os problemas com o mau cheiro, oriundo das criações, e com os efluentes gerados.

O sistema de produção denominado de alta tecnologia emprega as mais modernas técnicas de produção no que se refere à seleção genética, manejo do plantel e padrão sanitário, adotando o sistema intensivo e confinado dos suínos. Por outro lado, esta estratégia tem provocado uma discussão relativa à questões ambientais e à sustentabilidade da produção de carne suína. O comércio internacional que hoje se mobiliza para atender as normas de qualidade das famílias ISO, busca na série ISO 14000 os reguladores que contemplam os atendimentos das exigências ambientais.

Sob este binômio competitividade e sustentabilidade da suinocultura, o presente trabalho procura contribuir na busca de soluções técnico-econômicas que viabilizem a utilização dos dejetos da suinocultura, com foco no estudo de caso do município de Dois Vizinhos, localizado na região Sudoeste do Estado do Paraná, explorando o problema da poluição sob o contexto econômico social.

Por meio desta pesquisa busca-se realizar uma análise das conseqüências negativas do manejo e disposição inadequados dos resíduos da produção suína, como a liberação direta em rios e riachos com riscos sanitários e de poluição. Para esta análise selecionamos como área foco o município de Dois Vizinhos, como um todo, e a propriedade Marmentini, em particular, por esta ser representativa do tipo de produção e de propriedade existente na região Sudoeste do Paraná e no município em questão.

O município de Dois Vizinhos está localizado no 3º planalto Paranaense, na 16ª micro-região de Francisco Beltrão, no Sudoeste do estado do Paraná. O mesmo conta com uma área de 423,54 Km2, e de acordo com o censo populacional de 2007, elaborado pelo IBGE, com uma população estimada de 34.001 habitantes. Tal município (coordenadas 25º 44’ 30” sul e 53º 04’ 30” W) limita-se ao norte com Boa Esperança do Iguaçu, a leste com São Jorge D’Oeste, ao sul com Verê e a Oeste com o município de Salto do Lontra e Enéas Marques (figura 1).

A economia de Dois Vizinhos possui como principais atividades: a agricultura (feijão e milho), avicultura, suinocultura, agroindústria e o comércio. Sendo que o mesmo destaca-se também como o maior exportador de carne de frango do estado do Paraná e, como o maior produtor de suínos da região sudoeste. Sua agricultura é caracterizada pela pequena propriedade de terra, isso em razão das questões históricas de

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colonização, bem como das condições do relevo que dificultam a agricultura mecanizada em larga escala, favorecendo assim a agricultura familiar.

Figura 1 – Localização do Município de Dois Vizinhos no Sudoeste do Estado do Paraná.

Como detalhamento para o estudo dos impactos da suinocultura no município de Dois Vizinhos, escolheu-se o empreendimento denominado de Granja Dalmar ou Marmentini (figura 2). Esta propriedade localiza-se nos lotes 7-16 da gleba 36, sua área é de 239.000 m2. Deste total 5.000 m2 de área são ocupados com instalações mistas (alvenaria e madeira). O empreendimento localiza-se às margens da rodovia PR-473, no município de Dois Vizinhos, saída para Fazenda Mazurana, a cerca de 3 km do centro da cidade.

A principal atividade do estabelecimento, como não poderia deixar de ser, é a suinocultura, sendo sua finalidade predominante, a criação de leitões, podendo-se destacar também, a avicultura (18.500 aves/mês), a pecuária de leite (10 cabeças) e culturas de subsistência (5 ha).

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Figura 2 – Granja Marmentini.

Fonte: Família Marmentini, 2002.

Impactos da suinocultura na qualidade do ar

Dentre os impactos significativos da suinocultura no ambiente

encontra-se o impacto ou a perda de qualidade do ar e a incidência de doenças relacionadas aos órgãos respiratórios, que se apresenta também como um impacto socioeconômico.

Cerca de 50% dos suínos criados em sistemas confinados, apresentam problemas de saúde e muitos criadores (produtores) tornam-se precocemente incapacitados para o trabalho, face aos danos causados em seu sistema respiratório pela exposição constante a ambientes com elevadas concentrações de gases e poeiras.

A concentração de bactérias dos tipos estafilococos e estreptococos no ar em edifícios fechados, variam de 17.650 durante o verão e 353.000 no inverno por m3 de volume de ar, mas em edifícios que possuem uma das laterais abertas, as concentrações reduzem-se a 3.530 e 175.500 por m3 de volume de ar durante o verão e inverno, respectivamente (CURTIS, 1978). Estas concentrações internas de bactérias podem ser consideradas elevadas quando comparadas à externa que é da ordem de 353 por m3 de volume do ar.

Neste caso, um bom sistema de ventilação, possibilitaria manter a concentração de partículas suspensas no ar em níveis adequados, auxiliando também na diminuição do número de bactérias.

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Em relação aos gases produzidos, os de maior destaque são a amônia, dióxido de carbono e hidrogênio sulfídrico. Duas grandes preocupações no sistema de produção são o nível da concentração e o tempo de permanência destes gases nas instalações.

A amônia (NH3) é facilmente detectada através do odor característico nas concentrações a partir de 5 partes por milhão (ppm), a partir de 50 ppm passa a afetar o crescimento e a saúde dos animais. Por ser mais leve que o ar, este gás tende a concentrar-se junto ao forro.

A concentração do gás amônia é dependente da higiene e da ventilação das instalações, portanto, estes dois fatores são preponderantes no controle da produção e armazenamento da mesma.

A grande concentração deste gás é extremamente prejudicial também a própria produção, pois quando expostos as concentrações de 50; 100 e 150 ppm de NH3 durante quatro semanas seguidas, os suínos apresentam reduções de 12 a 30% do ganho de peso de suínos (8,5 kg de peso vivo) (DRUMOND et al.,1980). Desta maneira, o recomendado seria que os níveis de NH3 não ultrapassem os 10 ppm.

O dióxido de carbono (CO2), diferentemente da amônia, é mais pesado do que o ar, sendo o mesmo, inodoro e asfixiante. A concentração máxima admissível nas edificações é de 3.500 ppm sendo que valores superiores a 20.000 ppm provocam aumento dos batimentos cardíacos, sonolência e dores de cabeça. Cabe destacar que um suíno de 50 kg pode produzir cerca de 450 kg/ano de CO2. (TAMMINGA & VERSTEGEN, 1992). Este gás permanece nas camadas mais baixas das edificações e das estruturas de armazenagem, deslocando gradualmente os gases mais leves para as partes mais altas das edificações.

Perdomo (1995) encontrou concentrações de 0,030% em edifícios climatizados naturalmente e de 0,038% naqueles climatizados artificialmente, muito abaixo dos valores definidos como tóxicos. O Hidrogênio sulfídrico (H2S), segundo o autor, é detectado na concentração de 0,01 ppm ou mais, e entre 50–200 ppm pode acarretar sintomas, tais como: perda de apetite, fotofobia, vômitos e diarréias nos animais. Para evitar este problemas ou para a sua solução recomenda-se que os níveis de H2S nas edificações não ultrapassem os 20 ppm.

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Impactos da suinocultura na Qualidade da água e do solo

O problema da adição de dejetos aos recursos hídricos, resulta do rápido aumento populacional das bactérias e na extração do oxigênio dissolvido (OD) na água para o seu crescimento. As bactérias são as principais responsáveis pela decomposição da matéria orgânica. Se o corpo de água contem OD, os organismos envolvidos na decomposição da matéria orgânica são as bactérias aeróbias ou facultativas, sendo o CO2 e a H20 os subprodutos finais da digestão aeróbia.

Quando se adiciona uma grande quantidade de dejetos num corpo de água, teoricamente, a população de bactérias pode dobrar a cada divisão simultânea, ou seja, uma bactéria com tempo de multiplicação de 30 minutos pode gerar uma população de 16.777.216 novas bactérias em apenas 12 horas de vida (KRUEGER et al,1995).

O lançamento indiscriminado de dejetos não tratados em rios, lagos e no solo, pode provocar doenças (verminoses, alergias, hepatite, hipertensão, câncer de estômago e esôfago). Além disso, traz desconforto à população (proliferação de moscas, borrachudos, mau cheiro) e, ainda, a degradação do ambiente (morte de peixes e animais, toxicidade em plantas e eutrofização dos cursos de água). Constitui-se, dessa forma, um risco para a sustentabilidade e expansão da suinocultura como atividade econômica.

Dentro das circunstâncias e do nível tecnológico em que operam os suinocultores, as ações para a melhoria da qualidade da água, do ar e a redução do poder poluente dos dejetos suínos a níveis aceitáveis pela legislação vigente, requerem investimentos significativos, normalmente acima da capacidade dos pequenos criadores e, muitas vezes, sem garantia de atendimento das exigências de Saúde Pública e preservação do meio ambiente.

O grande desafio resulta ser, nestas condições, a definição de um sistema que seja capaz de harmonizar a utilização do uso racional da água, dos dejetos como fertilizante, geração de energia e redução do seu potencial de poluição.

Os resíduos orgânicos contêm elementos químicos que, ao serem dispensados no solo, passam a se constituir em nutrientes para o desenvolvimento das plantas. Tais nutrientes, após a sua transformação em minerais no solo, passam a ter a mesma função para as plantas que a dos fertilizantes químicos. Desta maneira, as plantas podem se desenvolver

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utilizando os nutrientes que provém dos dejetos (COMISSÃO DE FERTILIDADE DO SOLO RS/SC, 1995; BRANDJES et al. , 1996). Porém, a disposição de uma grande carga de dejetos suínos nos solos pode provocar a contaminação destes com altas cargas de nitrato, cobre e zinco que podem vir a percolar à profundidades consideráveis e contaminar os lençóis de água e aqüíferos subterrâneos ou mesmo as águas superficiais pelo escoamento destas na superfície dos solos.

Poderíamos ainda, destacar outros impactos provocados pela criação de suínos, como é o caso dos impactos sobre a diversidade biológica. Com o aperfeiçoamento genético, deixa-se de estimular a criação de suínos “selvagens” ou “naturais”, uma vez que os genéticamente modificados crescem mais rápidos e dão lucros mais elevados. Sendo os “selvagens”, porém mais resistentes às doenças. Estas homogeneizações genéticas têm impactos também sobre os ecossistemas, onde os porcos “selvagens” não mais existirão.

Tabela 01: Interferência direta e indireta dos dejetos suínos no ambiente.

Interferência Direta Interferência Indireta Ar - Proliferação de moscas e

borrachudos; - Desconforto ao homem; - Gases alteram qualidade do ar;

- Problemas de Saúde (alergias, hepatites, câncer);

Água

- Poluição de recursos hídricos;

- Problemas de Saúde (alergias, hepatites, câncer); - Morte de peixes e outros seres que vivem nos rios; pela queda do OD na água;

Biodiversidade

-redução de diversidade genética

- Influencia em ecossistemas naturais

Solo -Contaminação do solo; - Contaminação do lençol freático;

Fonte: Organização do autor.

Por meio da figura 03 e da tabela 01, apresentamos um resumo dos principais impactos sócio-ambientais provocados pela suinocultura, não apenas de Dois Vizinhos e Sudoeste do Paraná, mas de todo e qualquer

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lugar onde esta atividade é realizada, por meio delas, sugere-se refletir sobre a sustentabilidade da criação de suínos.

Figura 03: Principais impactos ambientais derivados da suinocultura

Fonte: Adaptado de www.sadia.com.br/br/instituto/programa_40948.asp

Minimização dos Impactos e utilização dos dejetos suínos

A minimização dos impactos causados pelos dejetos suínos parte, essencialmente, de uma redução do volume gerado, de um bom manejo e aproveitamento destes dejetos, por isso, todo e qualquer suinocultor deveria ter um programa de controle dos dejetos, visando a sua correta utilização e evitando problemas de poluição. Este programa deveria por sua vez, levar em consideração cinco etapas quais sejam: a produção; coleta; armazenagem; tratamento; distribuição e utilização dos dejetos na forma sólida, pastosa ou líquida. O conhecimento de cada etapa é fundamental para o sucesso e a sustentabilidade do sistema produtivo.

O primeiro passo é determinar o volume e o grau de diluição dos dejetos, pois diferentes consistências exigem técnicas específicas de

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manejo, tratamento e de distribuição. Essa fase é fundamental para o dimensionamento correto das demais etapas do sistema.

O volume pode ser determinado em função do tamanho do rebanho e categoria dos suínos e das práticas de manejo ou pela observação na própria granja, como realizado na granja Marmentini (Tabelas 02 e 03), enquanto a consistência é dada pela quantidade de matéria sólida (MS) dos dejetos.

Tabela 02. Quantidade de suínos/ano produzidos na Granja.

Categoria Quantidade de Suínos Leitões em lactação 600 Leitões 700 Leitoas 60 Suínos em crescimento e fase terminal 30 Porcas 328 Machos 25 TOTAL 1.743

Fonte: Família Marmentini, 2003.

Tabela 03 - Produção média diária de esterco por categoria de suíno. Categoria de Suínos Cabeças Volume Dejetos

Unitário/Dia (L)Volume Total (cab. X vol./dia)

Fêmeas (maternidade) 328 27 8.856 Machos 25 9 225 Suínos em terminação 30 7 210 Leitoas 60 16 960 Leitões (creche) 1.300 1,4 1.540 Total 1.743 11.791 litros

Fonte: Família Marmentini, 2003 (medição in locu).

Convém lembrar que a armazenagem é temporária e visa facilitar o uso dos dejetos em lavouras, pastagens ou para outros fins, na época adequada, sendo preciso estabelecer um plano de utilização, determinar o período e local de estocagem; o fluxo de operação; o impacto da estocagem sobre a consistência e as características dos dejetos. Não se deve armazenar dejetos para uso agrícola além do limite máximo de adubação que a propriedade pode suportar. O excedente deve ser tratado adequadamente.

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A escolha de um decantador (figura 04) para realizar a separação das fases sólida e líquida dos dejetos deve-se à sua boa eficiência, baixo custo e fácil operacionalidade. Sua função é importante, não só para redução do volume, remoção da carga orgânica e de nutrientes, diminuição do mau cheiro, mas, também, para evitar o assoreamento das lagoas.

A parte sólida (lodo) representa mais ou menos 15% do volume total de dejetos e será destinada ao uso como fertilizante. O decantador retira dos dejetos brutos cerca 48% dos sólidos totais, 40% da carga orgânica, 16% do nitrogênio e 39% do fósforo total, mantendo a mesma concentração de potássio e uma eficiência de remoção de coliformes fecais de 27%. O volume de lodo produzido é cerca de 0,45 m3/dia. Isso significa que a carga orgânica e de nutrientes que sai do decantador ainda continua elevada e precisa de tratamento.

Figura 04: Decantador de Fluxo Ascendente

Fonte da Imagem: http://www.cnpsa.embrapa.br/invtec/06.jpg

Tratamento dos Resíduos com o uso de Lagoas

Existem inúmeros tipos de lagoas que podem ser utilizados no tratamento dos resíduos da produção de suínos, dentre as quais se podem citar as lagoas anaeróbicas, as lagoas facultativas, as de aguapé.

A principal função das lagoas anaeróbicas é reduzir a carga orgânica e facilitar os tratamentos subseqüentes. Sua vantagem é a de exigir menor

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área superficial, mas exige uma profundidade adequada para obter boa eficiência. Para boa eficiência do sistema de lagoas anaeróbicas, a propriedade deve estar equipada com pelo menos duas lagoas.

Lagoa anaeróbia 1: com base na vazão diária dejetos e num tempo de detenção hidráulico de 35 dias, estimou-se ser necessário uma lagoa com capacidade de volume de 106 m3. A lagoa anaeróbia 1 remove dos dejetos oriundos do decantador, cerca de 51% dos sólidos totais, 80% da carga orgânica, 28% do nitrogênio e 70% do fósforo total e 97,7% de coliformes fecais. A carga orgânica e de nutrientes que sai da lagoa, ainda que atenda às exigências da legislação ambiental, continua elevada (1.541 mg/L de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), 4.888 mg/L de sólidos totais, 1.411 mg/L de nitrogênio e 120 mg/L de fósforo total) e precisa de tratamento. Sugere-se uma segunda lagoa anaeróbia, uma vez que a carga orgânica ainda é elevada.

A eficiência combinada do decantador e da primeira lagoa anaeróbia é de remoção de 75% dos sólidos totais, 89% da matéria orgânica (MO), 40% de nitrogênio e 82% do fósforo total.

Lagoa anaeróbia 2: com base na vazão diária de dejetos (3 m3) e num tempo de detenção hidráulico de 46 dias, estimou-se ser necessário uma lagoa com capacidade de volume de 137m3. A lagoa anaeróbia 2 remove dos dejetos oriundos da primeira lagoa, cerca de 27% dos sólidos totais, 64% da carga orgânica, 29% do nitrogênio e 44% do fósforo total e 97,5% de coliformes fecais. A carga orgânica e de nutrientes que sai da lagoa, ainda que atenda às exigências da legislação ambiental, continua elevada (674 mg/L de MO, 3.436 mg/L de sólidos totais, 982 mg/L de nitrogênio e 60 mg/L de fósforo total) e precisa ainda de tratamento.

Como a carga orgânica é mais leve, sugere-se uma lagoa facultativa. A eficiência combinada do decantador e das duas lagoas anaeróbias é de remoção de 82% dos sólidos totais, 95% da carga orgânica, 58% de nitrogênio e 91% do fósforo total.

As lagoas facultativas são indicadas para águas residuárias brutas que já tenham recebido algum tratamento anterior. Com base na vazão diária de dejetos e num tempo de detenção hidráulico de 24 dias, estimou-se ser necessário uma lagoa com capacidade de volume de 73 m3.

Efluente líquido: a lagoa facultativa remove dos dejetos oriundos da lagoa anaeróbia 2, cerca de 42% dos sólidos totais, 42% da carga orgânica, 57% do nitrogênio e 29% do fósforo total e 97,3% de coliformes fecais. A carga orgânica e de nutrientes que sai da lagoa, ainda que atenda às

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exigências da legislação ambiental, continua elevada (442 mg/L de M.O., 2 097 mg/L de sólidos totais, 446 mg/L de nitrogênio e 44 mg/L de fósforo total) e precisa ainda de tratamento. Sugere-se, então, a utilização de uma lagoa de aguapé para a depuração final. A eficiência combinada do decantador, das duas lagoas anaeróbias e da facultativa é de remoção de 89% dos sólidos totais, 97% da carga orgânica, 81% de nitrogênio e 93% do fósforo total.

As lagoas com aguapés constituem uma excelente alternativa de tratamento terciário para a remoção de nitrogênio e de dejetos, dada a sua grande capacidade de produção de biomassa e da ramificação das raízes dos aguapés. Com base na vazão diária de dejetos (3 m3) e num tempo de detenção hidráulico de 20 dias, estimou-se ser necessário uma lagoa com capacidade de volume de 58 m3.

A eficiência combinada do decantador, lagoas anaeróbias, lagoas facultativas e de aguapé é de remoção de 98% dos sólidos totais, 99% da carga orgânica (DBO), 94% de nitrogênio e 98% do fósforo total e 99,999% de coliformes fecais. Desta maneira, uma propriedade que possua um sistema de acumulação e tratamento como este, não provocará impactos nos solos e água, porém, simulamos aqui um empreendimento com vazão mínima de 3m3/dia, lembrando que, quanto maior for a vazão, maiores deverão ser as lagoas, o que torna imprescindível a redução do volume de dejetos.

Podemos ainda utilizar lagoas aeradas mecanicamente, onde há uma agitação mecânica do seu conteúdo, promovendo desta forma uma maior redução dos odores desagradáveis dos dejetos, bem como baixando a taxa de DBO em mais de 60%.

A grande barreira deste sistema de lagoas está na disponibilidade de área adequada para sua implantação. Onde tem-se como limitação a área da propriedade, deve-se optar por tratamentos mais caros, mas que utilizem menos espaço.

Os principais métodos para este tratamento são os tratamentos microbiológicos, que utilizam bactérias para a decomposição da matéria orgânica, resultando na produção de gases (Biodigestores). Estes biodigestores podem ser convencionais, onde são abastecidos uma vez e após fechados poderão ser reutilizados somente após o termino do processamento, ou reatores de fluxo descendente, ou então reator anaeróbio de fluxo ascendente, que têm a vantagem de poder ser

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continuamente utilizados pelo abastecimento contínuo com os dejetos a serem tratados.

Outros tipos de tratamento de dejetos ou simplesmente formas de separação das partes sólida e líquida são:

esterqueiras (depósitos); prensa mecânica; desidratação; compostagem.

A forma mais tradicional da utilização dos dejetos ainda é a adubação orgânica, que pode ser feito através de fertirrigação com bombas jogando o dejeto total, ou através de tanques ou carretas onde se utiliza somente a parte sólida, mais concentrada. Na parte que segue analisaremos como é possível a utilização dos dejetos na agricultura. Utilização dos dejetos na agricultura

A concentração média de NPK por m3 de lodo é de 4,98 kg de

fósforo, 1,1 kg de potássio e 3,2 kg de nitrogênio, ou seja, 9,2 Kg de N-P2O5-K2O por m3 de lodo. Isso representa um aumento de concentração de nutrientes 30% superior ao dos dejetos brutos.

De acordo com pesquisas da EMBRAPA a produção de grãos (milho) utilizando-se dejetos de suínos tende a aumentar. As respostas produtivas com adição de 30, 60 e 90 kg/ha de nitrogênio em cobertura aos dejetos aplicados, não tiveram efeito em qualquer das doses aplicadas, o que leva a conclusão que os dejetos de suínos nas doses utilizadas supriram as necessidades em termos de nitrogênio para produções de 7.000 a 8.000 kg/ha de milho.

A doses de 45; 90 e 135 m3/ha, em Latossolo Vermelho de cerrado, comparadas a 0, 30, 60 e 90 kg de nitrogênio por hectare, não mostraram nenhuma diferença na produção de milho entre os tratamentos, em sistema de plantio convencional.

As pesquisas realizadas pela EMBRAPA, demonstraram que os dejetos de suínos têm baixo efeito residual, mesmo com doses de 135 e 180 m3/ha. No primeiro ano de efeito residual do esterco, a produtividade decresceu 60%, para 45 a 90 m3/ha, e 50%, para 135 a 180 m3/ha. Já no terceiro ano, praticamente não houve efeito residual, igualando-se as produções de 90, 135 e 180 m3 com a adubação química. O comportamento apresentado pelo uso da dose de 45 m3 se igualou ao

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comportamento apresentado pelo adubo químico. Esses resultados levam à recomendação de doses anuais que variem entre 45 a 90 m3/ha, como manutenção, para se manter a produtividade.

A EMBRAPA desenvolveu, além destas pesquisas, um trabalho de utilização de dejetos de suínos com 5, 4, 3 e 2 meses antecipados ao plantio do milho. A dose única de 64 m3/ha, foi aplicada de maneira exclusiva e associada a 30, 60 e 120 kg/ha de nitrogênio em cobertura. As produções mais elevadas de 6.000 e 6.500 kg/ha foram atingidas nas aplicações com 4 e 5 meses antecipados ao plantio.

Os produtores de Dois Vizinhos e região, de uma forma geral, preferem os "adubos químicos", face a menor necessidade de investimentos e maior facilidade de manejo quando comparado ao orgânico. Além disso, no caso dos dejetos suínos, o grande volume produzido na granja, o relevo acidentado e a reduzida área para lavouras, dificultam o seu aproveitamento como adubo. Por outro lado, os investimentos para viabilizar a sua utilização, a exemplo de tratores e tanques distribuidores, geralmente estão muito acima da capacidade de endividamento dos pequenos e médios criadores, levando-os ao despejo contínuo na natureza.

Considera-se mais adequado utilizá-los como fertilizante, pois melhoram as condições físicas, químicas e biológicas do solo, além de fornecer nutrientes essenciais às plantas. Seu emprego deve ser planejado em função das características do solo, exigência das culturas, declividade do terreno, taxa e época de aplicação, formas e equipamentos de aplicação.

A recomendação técnica para o manejo destes resíduos é o armazenamento e tratamento em esterqueiras ou lagoas para posterior uso em lavouras como fertilizante. Os trabalhos de pesquisa desenvolvidos na área de manejo de efluentes da suinocultura indicam que nenhum tratamento de dejetos em uso no Brasil, é capaz de tratar o resíduo final a ponto de que este possa ser lançado diretamente nos cursos de água, uma vez que, o tratamento dos dejetos de suínos reagrupa um conjunto de ações de transformação por diferentes meios (físico-químico e biológico) com a finalidade de “modificar” a composição química (figura 05) e consistência física, o tratamento diminui a carga sólida e bio-química, mas não a elimina totalmente, de modo que, o destino dos dejetos como fertilizante agrícola gera um grande risco de poluição ambiental.

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Figura 05: Principais problemas a serem resolvidos no manejo dos dejetos de suínos.

Fonte: Oliveira (2008).

Outra forma de utilização dos dejetos é por meio dos Biossistemas.

Trata-se de uma cadeia produtiva que permite o aproveitamento total dos dejetos suínos, transformando-os em novos produtos como o biogás, nutrientes para a piscicultura e adubo para plantações, eliminando quase que totalmente a contaminação ambiental.

No Biossistema Integrado, os dejetos dos suínos são direcionados a um biodigestor onde são decompostos através de digestão anaeróbica, reduzindo em até 60% sua carga poluente. Neste processo é obtido o biogás que pode substituir o gás de cozinha no aquecimento de aviários, além de apresentar outras utilidades. Com alto teor nutriente, os resíduos sólidos do biodigestor são transformados em fertilizante natural para plantas e os resíduos líquidos vão para tanques de algas, servindo de alimento para a criação de peixes. No tanque de peixes pode-se também produzir plantas aquáticas, através da técnica de hidroponia. Neste estágio, a água que volta à natureza não contém qualquer resíduo poluente. Além

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disso, as áreas em redor dos tanques tornam-se naturalmente ricas em nutrientes, sendo ideal para o cultivo de hortas e pomares.

O Biossistema Integrado já está sendo monitorado para uma avaliação quanto aos produtos resultantes, que são o biogás, biofertilizantes e os nutrientes para peixes e plantas, obtendo-se uma correta visão do aspecto econômico e financeiro. A perspectiva é de que em breve, uma grande parte dos 30.000 suinocultores da região Sudoeste do Paraná possa estar apta a implementar biossistemas integrados em suas propriedades.

Além da geração direta de milhares de postos de trabalho, contribuindo para a fixação do homem no campo, essa nova tecnologia propiciará um incremento na renda de toda a população da região através das novas atividades advindas da produção e comercialização dos subprodutos do Biossistema Integrado. Diagnóstico da Propriedade Marmentini e do Município de Dois Vizinhos

O sistema de criação de suínos usado pela propriedade é o de confinamento, tendo como principal sistema de produção a criação de leitões. Devido à sua alta produção, a mesma pode ser classificada como propriedade de grande porte, conforme tabela 03.

A localização das instalações das pocilgas da Granja Marmentini obedece, em grande parte, às normas ambientais e condições de instalação sugeridas pela Embrapa Suínos, como pode ser visualizado na figura 06 construída partir de fotografia aérea da propriedade e de normas das Embrapa Suínos.

O sistema de distribuição de água para os suínos utilizado na propriedade é o linear, o qual garante uma pressão uniforme. Os bebedouros utilizados nas pocilgas são os bebedouros tipo taça, que facilitam a limpeza e evitam a contaminação da água pelos dejetos, por ficarem a uns 20 centímetros do solo.

A preocupação com o tipo de bebedouro utilizado não é nem tanto relativa a contaminação humana, mas sim com a perda de produtividade, uma vez que, os suínos não gostam de beber a água contaminada com fezes e urina. A contaminação da mesma faz com que os suínos a bebam apenas para a sobrevivência, deixando de consumir as quantidades necessárias à maximização da produtividade.

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Figura 06. Instalações da Pocilga

Fonte: Organizado com base em foto aérea da propriedade e nas normas da

Embrapa Suínos.

Em visita à propriedade observou-se que são produzidos 11.791 litros/dia de dejetos (Tabela 03), os quais passam por tubulações, mas não recebem nenhum tipo de tratamento, sendo lançados diretamente nas esterqueiras, onde permanecem cerca de 60 dias até poderem ser utilizados como adubo orgânico. A propriedade possui esterqueiras revestidas com paredes de cimento e esterqueiras sem qualquer revestimento, conforme figuras 07 e 08.

Após visita à propriedade constatou-se que apesar da mesma possuir esterqueiras revestidas, as mesmas causam alguns impactos ambientais, já que estas esterqueiras não possuem nenhuma proteção na parte superior, e os dejetos ficam muito tempo ali armazenado, causando a liberação de

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gases e odores muito fortes, que são prejudiciais à saúde. Além disso, as esterqueiras sem revestimento, têm grandes possibilidades de transbordamento, particularmente nos períodos de inverno quando a pluviosidade na região é maior, podendo assim, vir a contaminar as águas superficiais. Além desse fato, como a propriedade é abastecida por água subterrânea (poço artesiano), o proprietário corre o risco de ter esse aqüífero contaminado, devido à infiltração dos dejetos no solo. Figura 07: Esterqueiras com revestimento.

Figura 08: Esterqueiras sem revestimento.

Fonte: Foto do autor, 2003. Fonte: Foto do autor, 2003.

Os impactos ambientais causados pela criação de suínos na granja Marmentini precisariam ser melhores analisados para a determinação se são ou não significativos, porém, água e solo estão sendo contaminados e por isso tal propriedade merece atenção de seus proprietários e dos órgãos ambientais competentes.

Os dados coletados pelos Censos Agropecuários do IBGE permitem-nos perceber que a partir dos anos 1970, a produção suína no município de Dois Vizinhos apresentou uma tendência de aumento. Em apenas uma década, entre 1970 e 1980, o número de cabeças aumentou em cerca de 30.000 unidades (figura 09). Esta tendência, porém, não se manteve por muito tempo, já que na década que se seguiu, isto é 1980-1990, ocorreu uma redução drástica no número de cabeças criadas.

Uma das explicações para a redução do número de cabeças suínas criadas em Dois Vizinhos é a implantação, em 1981, do “Moinho da Lapa S.A”, pela Sadia, cuja estrutura contava com uma fábrica de rações, silo graneleiro, um abatedouro de aves e uma câmara de estocagem (Sadia, Relatório Anual, 80/81, p. 2), o que contribuiu para a migração de muitos produtores de suínos para a produção de aves.

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No primeiro semestre de 1981 esta unidade da Sadia já alcançava o segundo lugar dentre os abatedouros do Paraná e tinha 70% de seus frangos congelados destinados à exportação, contribuindo com 16% do total de abates de aves do Estado.

Em Dois Vizinhos, entrou também em operação, em 1985, uma filial da Sadia Agropastoril Paulista Ltda., com capacidade para produção mensal de 1,89 milhões de pintos em um dia (Sadia, Relatório Anual, 1985, p.8), o que direcionou a produção agrícola para a criação de frangos e patos.

Este direcionamento da atividade econômica para a produção de aves contribuiu para a redução na produção suína, entretanto, não foi a única responsável, porque a Sadia também começou a investir na produção suína. O município de Dois Vizinhos, no ano de 1992, cedeu parte de seu território, cerca de 35%, para a formação de outros dois municípios, Cruzeiro do Iguaçu e Boa Esperança do Iguaçu, o que contribuiu para uma redução de 20% em sua produção total, já que parte de sua antiga área passou a ser contada para outros municípios. Desta maneira, destacamos que na figura 09 o dado relativo aos anos de 1995/96 deve ser encarado como subjetivo, uma vez que não corresponde à mesma área que os demais.

Além destes fatos, a grande oferta de carne suína, no mercado, provocou a baixa nos preços, o que também contribuiu para o abandono da atividade por parte de muitos dos pequenos criadores. Este variação na quantidade de cabeças criadas pode ser visualizada nas figuras 09 e 10 que apresentam o efetivo do rebanho suíno de Dois Vizinhos para o período 1970-1996 e para o período 1990-2006.

Em se tratando de Sudoeste do Paraná, a produção suína apresentou uma queda de cerca de 700.000 cabeças, da década de 1980 para a década de 1990, o que também teve relação com a entrada da Sadia no mercado agroindustrial da região. Além de Dois Vizinhos, a Sadia inaugurou um abatedouro de aves em Francisco Beltrão e outro em Toledo. Este último, além do abate de frangos, trabalhava também com o abate de bovinos e suínos.

A tendência de aumento da produção retorna ao município de Dois Vizinhos a partir de 1996, um aumento tímido, mas constante, que entre o ano de 1990 e 2000 acumula um acréscimo de cerca de 40.000 unidades na produção suína, no período 1994-2004, como se pode verificar na figura 10.

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Figura 09: Efetivo do rebanho suíno em Dois Vizinhos 1970-1996.

77.729

100.685110.365

63.417

29.352

0

20.000

40.000

60.000

80.000

100.000

120.000

1970 1975 1980 1985 1995/96

Fonte: IBGE - Censos Agropecuários de 1970 a 1995/96.

Figura 10: Efetivo do rebanho suíno em Dois Vizinhos – 1990-2006.

010.00020.00030.00040.00050.00060.00070.00080.00090.000

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

Fonte: IBGE - Pesquisa Pecuária municipal de 1990 a 2006.

No Sudoeste do Paraná, região onde o município de Dois vizinhos

está inserido, o acúmulo na produção suína foi de cerca de 50.000 unidades no mesmo período, entretanto, para o período 1990 – 2006 este acúmulo foi da ordem de 350.000 unidades (figura 11), já que a produção chegou a 700.000 cabeças de suínos em 2006 no Sudoeste, enquanto que em Dois Vizinhos o número de cabeças era de cerca de 70.000 unidades (10% da produção total da região), as quais produziam diariamente um volume de

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dejetos considerável, provocando impactos ambientais e sociais, conforme veremos nos itens que seguem.

Figura 11: Efetivo do rebanho suíno por tipo.

0100.000200.000300.000400.000500.000600.000700.000800.000900.000

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

Fonte: IBGE – Pesquisa Pecuária municipal de 1990 a 2006.

Impactos Sócio-Ambientais da Suinocultura em Dois Vizinhos

A produção de suínos, apesar de trazer benefícios econômicos para a população local, como a geração de emprego e renda, provoca uma série de impactos sócio-ambientais como gases, vapores, nitrogênio, fósforo, sais, bactérias e poeiras gerados pela suinocultura comprometem o conforto ambiental e a saúde.

A capacidade poluidora dos dejetos de suínos é superior ao de outras espécies animais, a exemplo da humana, pois enquanto a DBO de um suíno com 85 kg de peso vivo varia de 189 a 208 g/dia, a humana é de apenas 45 a 75 g/dia (ASAE, 1993).

A degradação de fibras vegetais e de proteínas presentes nas fezes suínas provoca a formação de compostos voláteis enquanto que os ácidos presentes nos dejetos dão origem ao CO2, NH3 e aos ácidos graxos voláteis (AGV).

Segundo Pain e Bonazzi (1991), a concentração de AGV varia de 4 a 27 g/L de dejetos. Sob condições aeróbias o CO2 é o principal gás produzido, mas em processos anaeróbios predomina o CH4 (60 a 70%) e o CO2 (30%).

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A produção de CH4 é pequena na produção de suínos, representando menos de 1% da energia consumida e, comparada a produção de ruminantes resulta insignificante, sendo levemente superior a 1 kg de CH4 por cabeça/ano (TAMMINGA & VERSTEGEN, 1992).

Vários fatores influenciam no volume de dejetos produzidos, tais como o manejo, o tipo de bebedouro, sistema de higienização adotado, bem como, o número e categoria de animais. O volume de dejetos produzidos pelos suínos, de uma forma geral, pode ser estimado usando-se os dados da Tabela 04 (OLIVEIRA, 1993), porém os valores contidos na tabela foram obtidos pela análise somente do esterno+urina, não são valores obtidos pela real diluição causada pela água normalmente perdida pelos bebedouros e usada na limpeza das baias.

A quantidade total dos dejetos líquidos produzidos varia de acordo com o desenvolvimento dos animais. De uma forma geral, estima-se que um suíno (na faixa de 16 a 100 kg de peso vivo) produz de 8,5 a 4,9 % de seu peso corporal em urina + fezes diariamente (OLIVEIRA, 1993).

O volume dos dejetos líquidos produzidos também depende do manejo preconizado, do tipo de bebedouro e do sistema de higienização adotado, freqüência e volume de água utilizada, bem como, do número de animais. Por isso, é importante que se realize o manejo adequado ao longo do processo de criação.

Tabela 04. Produção média diária de esterco (kg), esterco + urina (kg) e dejetos líquidos (L) por animal por fase.

Esterco Esterco + Urina

Dejetos Liquidos

Categoria de Suinos

2,30 4,90 7,00 25 – 100 Kg 3 ,60 11,00 16,00 Porcas em

gestação 6,40 18,00 27,00 Porcas em

Lactação 3,00 6,00 9,00 Machos 0,35 0,95 1,40 Leitão

Desmamado 8,60 5,80 2,35 Média

Fonte dos Dados: Oliveira (1993).

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As alternativas propostas a seguir são importantes para que os produtores de suínos possam reduzir o problema da poluição por dejetos suínos. A maioria delas promove conjuntamente melhoria no desempenho e qualidade dos animais além de reduzir, em muitos casos, o custo de produção: realizar pesquisas com a finalidade de melhorar o conhecimento das

exigências nutricionais dos suínos; buscar a melhoria da eficiência alimentar e do aumento de

produtividade por produtor, pois estão diretamente relacionados à redução da quantidade de dejetos produzidos; reduzir o sal das dietas, de maneira a atender apenas os níveis exigidos

de sódio, isso, além de reduzir a excreção de sódio, promove redução do consumo e excreção de água e aumento do volume de dejetos produzidos; utilizar, dentro do possível, alimentos com nutrientes de alta

digestibilidade; evitar o uso de altos níveis de cobre e zinco como promotores de

crescimento; utilizar a técnica da restrição alimentar em suínos na fase final de

crescimento. Por intermédio dos resultados pode-se perceber que as estratégias

ambientais enfrentadas para o encaminhamento da questão da poluição, ou seja, do tratamento dos dejetos de suínos, não estão efetivamente equacionadas ao longo da cadeia produtiva. Essas estratégias deveriam informar ao suinocultor da potencial agregação de valor que poderia auferir ao produto final, pelo correto tratamento e utilização dos dejetos sólidos e líquidos.

A especialização na produção e a produção em larga escala, sistema desenhado e contratado pelas agroindústrias, como a Sadia, tende a causar maior impacto ambiental. Uma possível solução para a região de Dois Vizinhos, seria o caminho contrário da concentração ocorrida na década de 80, com a redução da concentração da produção de suínos nesta região. Como isso dificilmente ocorrerá, ações preventivas para reduzir a contaminação causada pela concentração de dejetos parecem ser mais efetivas.

Dos impactos, provocados pela suinocultura no município do Dois Vizinhos, detectados, pode-se destacar os impactos sobre a qualidade do ar, da água e do solo (tabela 01, figura 03).

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Considerações Finais

Por meio deste trabalho pode-se detectar que a suinocultura é uma atividade de grande importância econômica e social para a região Sudoeste do Paraná e para o município de Dois Vizinhos, em especial, uma vez que o mesmo representa cerca de 10% de toda a produção suína do Sudoeste. Verificou-se também que a mesma se caracteriza por apresentar uma série de impactos positivos, por gerar emprego e renda para uma parcela significativa da população rural e contribuir para a manutenção desta população no campo. Por outro lado, tal atividade acarreta impactos ambientalmente negativos por contribuir para a poluição e contaminação do ar, da água, dos solos e a degradação e transformação de ecossistemas naturais.

A análise de informações censitárias permitiu verificar que a produção suína no município de Dois Vizinhos tem apresentado aumento significativo nas últimas duas décadas o que, por sua vez, contribuiu para o aumento da quantidade de dejetos produzidos e a contaminação ambiental, devido ao manejo inadequado destes dejetos. Tal aumento na produção foi patrocinado, em grande parte, pela instalação da Sadia já que, além da produção de aves, a Sadia investiu também produção suína por meio de e pela cooperação desta com os agricultores da região,

A análise dos dados referentes à Propriedade Marmentini, mostrou que tal propriedade pode ser enquadrada como sendo de grande porte, uma vez que sua produção é de quase 2.000 suínos ao ano e a carga de dejetos produzidas diariamente é de 11.791 litros. Vimos que a propriedade não se adequa totalmente às normas ambientais estabelecidas pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP), por não apresentar um sistema de tratamento e utilização adequado dos dejetos e que por isso contribui para causar impactos ambientais, os quais deveriam ser melhor analisados para determinar-se o grau.

A situação ambiental da região Sudoeste do Paraná, no que diz respeito aos dejetos suínos, não é tão crítica quanto à da região Oeste do estado de Santa Catarina. Uma explicação para isso talvez seja à forte atuação do Instituto Ambiental do Paraná que procura evitar que a região chegue ao nível de degradação existente na região citada e que procura fazer com que os produtores de suínos façam o manejo adequado dos dejetos.

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Neste trabalho apresentamos algumas possibilidades de manejo que podem ser utilizadas pelos pequenos e médios produtores de Dois Vizinhos e região, por se tratarem de opções de tratamento de relativo baixo custo. Vimos que para a realidade financeira dos produtores da área analisada, o melhor sistema é o de tratamento com o uso de lagoas e a destinação dos dejetos depois de tratados para uso agrícola, entretanto, os biossistemas poderiam ser uma ótima alternativa para os produtores, já que por meio deles se poderia produzir gás para o aquecimento das pocilgas no inverno.

Sugere-se, assim, que a atividade seja desenvolvida tendo por base o binômio competitividade-sustentabilidade e não apenas a competitividade e que se utilize das técnicas aqui propostas procurando a eficiência na produção suína, a diminuição dos dejetos e por conseqüência a melhoria da qualidade ambiental da região.

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Caderno Prudentino de Geografia – número 30 – p.132-160

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QUANDO A FORMA ALTERA O CONTEÚDO: ABOLIÇÃO E REFORMA AGRÁRIA, CONFLITOS E CONIVÊNCIAS NA

TERRITORIALIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO1.

Diego Vilanova RODRIGUES - FCT/UNESP, Pres.Prudente-SP RESUMO: Na leitura da Obra de Manuel Correa de Andrade reside uma provocação básica para os que almejam a compreensão da territorialização do Estado brasileiro. Referimo-nos à questão da abolição e da reforma agrária. O objetivo deste texto é compreender esses dois componentes da História política e social do Brasil no tempo e no espaço e suas implicações na conformação do Estado Nacional no Brasil. Partindo da provocação colocada por Andrade (1991), é feita uma leitura crítica da abordagem desse autor pautada em revisão bibliográfica pretérita, efetuada por ocasião de pesquisas vinculadas ao projeto “O poder Moderador no Brasil Imperial” sob coordenação do Profº Drº Jayro Gonçalves Melo. Nossa tentativa é contribuir para o debate sobre a territorialização do Estado brasileiro, suas dimensões e seus desdobramentos, bem como na compreensão do componente Histórico que está na base da questão agrária, da violência urbana, da corrupção etc. PALAVRAS-CHAVE: abolição, reforma agrária, Estado, Império.

WHEN FORMS MODIFIES CONTENTS: ABOLITION AND AGRARIAN REFORM, CONFLICTS AND CONNIVANCES IN THE TERRITORIALIZATION OF THE BRAZILIAN STATE.

ABSTRACT: In reading the work of Manuel Correa de Andrade, one encounters fundamental challenges for those who long to understand the territorialization of the Brazilian state. We refer to questions arising from his discussions of abolition and agrarian reform. These two components of Brazilian social and political history have appeared as an essential backdrop for Andrade’s work and, in their specific time and space, their implications in the formation of the Brazil’s national government are the object of analysis of this text. Provoked by Andrade (1991) a critical reading of both phenomenon is made based a bibliographical research undertaken to as part of the “O poder Moderador no Brasil Imperial” project coordinated by Profº Drº Jayro Gonçalves Melo. Our goal is to contribute historical analysis to the debate about the territorialization of the Brazilian State, based on evidence of the significance of factors such as the agrarian question, urban violence and corruption. KEYWORDS: Abolition, Agrarian Reform, State, Empire.

                                                            1 Trabalho desenvolvido em 2006 sob orientação do Prof. Dr. Jayro Gonçalves Melo. Faz parte do relatório final de Iniciação Científica (CNPq/PIBIC) vinculada à pesquisa do referido professor. O título da pesquisa é “O Poder Moderador no Brasil Imperial”.

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[...]Com os fundos doados pelo Senhor teremos oportunidade de colocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas próprias trabalhando na agricultura e na pecuária e delas tirando seus próprios proventos. Fiquei mais sentida ao saber por papai que esta doação significou mais de 2/3 da venda dos seus bens, o que demonstra o amor devotado do Senhor pelo Brasil. Deus proteja o Senhor e todo a sua família para sempre! [...]( 11 de agosto de 1889 - Paço Isabel)

A discussão da questão do escravo no Brasil foi bastante abordada

por autores do Brasil e do Exterior, dentre eles Russel-Wood (2005), Costa (2008), Gorender (1983), Armitage (1972), Bandecchi (1964), Barbeiro (1978), Lima (1986) etc. Trata-se de uma análise que serve para reconstruir, na medida do possível e pelo apontamento de lacunas do discurso da historiografia, a realidade da formação do Estado brasileiro. Nosso objetivo é evidenciar e compreender fenômenos sensíveis no presente, mas que, segundo nossa concepção, estão na gênese do Estado brasileiro, pautada historicamente sob a disputa de poder.

Ler fenômenos na perspectiva das suas respectivas formações genéticas, portanto, é nossa ambição e a territorialização do escravo liberto é um elemento importante de análise. As disputas de poder que permanentemente caminharam junto à formação da sociedade brasileira, perpassam, inevitavelmente, pela questão da escravidão e seu tortuoso processo de abolição. Esse processo, o da abolição da escravatura, ajuda na compreensão do fenômeno histórico gerador da concentração fundiária no Brasil e na conseqüente luta pela reforma agrária (GORENDER, 1983). A reforma agrária, portanto, é componente que nem de longe se apresenta somente na atualidade. Suas formas e propostas são componente ativo das relações de poder no Brasil desde sua conformação enquanto Estado Nacional. A contradição central que originou e, até hoje, caracteriza o Brasil, é a da aliança do atraso, como nos diz José de Souza Martins (2004). É o pacto de setores conservadores e oligárquicos, representados por grandes proprietários de terras de orientação política coronelista2; de setores liberais ligados aos industriais; pelos que queriam ver o Brasil industrializado e moderno, situação descrita de forma mais romântica na História do Brasil do Jornalista britânico John Armitage (1972).                                                             2 Sobre o “Coronelismo”, ver trabalho publicado no final da década de quarenta por Vitor Nunes Leal, intitulado “Coronelismo, enxada e voto”.

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Nesta perspectiva, confrontar fenômenos de disputa de poder presentes na sociedade brasileira, tais como a abolição da escravatura e a reforma agrária, constitui uma leitura que busca entender a realidade de permanentes conflitos etno-sócio-idelógico-territoriais posta em nossos dias.

Neste sentido, Manuel Correa de Andrade (1991), no livro “Abolição e Reforma Agrária” que subsidia esta discussão, justifica a junção, em uma mesma obra, de dois movimentos políticos que ocorreram com um intervalo de tempo de cem anos, a saber: a campanha abolicionista e a campanha pela reforma agrária. Não são processos isolados e dissociados. Um gerou o outro e vice-versa.

O fato se justifica, e até se impõe, quando analisamos que a causa remota de um e de outro é a mesma e que a luta dos grupos sociais menos favorecidos para alcançar um lugar ao sol se processou e se processa através de fases bastante semelhantes [...] na verdade, esses dois movimentos surgiram em conseqüência da conquista do território brasileiro pelos portugueses, do sistema de posse e uso da terra imposto á população indígena que habitava o vasto território e aos grandes contingentes de negros trazidos da África [...]. (ANDRADE, 1991, p.5).

Além disso, o autor tem por objetivo “caracterizar a formação da

sociedade brasileira e as transformações que ela vem sofrendo através dos vários estágios de modernização” (ANDRADE, 1991, p.12).

Inicia-se um remonte das condições e forças que sustentaram o Estado escravocrata, além das posturas diante da questão assumida pelos diversos agentes sociais da época, inclusive associando essas condições à Monarquia: Eram os proprietários de terras e de escravos que, aliados aos militares e altos dignatários portugueses, sustentavam o governo Monárquico. (ANDRADE, 1991, p. 14)

Na luta pela independência, os escravos não tiveram uma participação maior, tendo sido a mesma conquistada pelos segmentos das classes dominantes, proprietárias de terra, que admitiam a procura de um caminho para a solução para o problema servil apenas em escritos e pronunciamento. Assim, nem mesmo os revolucionários pernambucanos de 1817 e 1824, apesar do seu republicanismo, tomaram medidas efetivas em favor da abolição; na Assembléia Constituinte de 1823 não foram marcantes os

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pronunciamentos favoráveis à grande reforma da sociedade. A todos repugnava, no discurso, a presença da escravidão, mas todos, ou grande maioria, a justificava, uma vez que era legitimada no direito civil.3 (ANDRADE, 1991, p. 14-15)

Para o autor, assim como para outros estudiosos da História do

Território e da política brasileira, a questão da abolição era tratada entre conservadores e liberais de acordo com conveniências muito mais do que por ideologia (MARTINS, 2004). Tanto foi assim que o partido conservador foi o maior representante do abolicionismo dentro e fora do parlamento (BRASIL, 1987), contraditoriamente, uma vez que a abolição da escravidão estava bem mais próxima do conjunto de princípios do partido liberal, este último tão “conservador” quanto o primeiro: “Os liberais, porém, o eram apenas no nome, pensando e agindo, quando no poder, da mesma forma que os conservadores, ou até de forma menos avançada” (ANDRADE, 1991, p. 30).

A discrepância era tamanha na política brasileira, que, aos 28 de setembro de 1871, após uma disputa acirrada na Câmara e no Senado e com um grande esforço do Ministro do Império João Alfredo4, era sancionada pela princesa Isabel a Lei do ventre livre5:                                                             3 É obscura essa passagem do autor, uma vez que não fica evidente a que se refere quando diz “direito civil”. Pode ser que se refira ao direito à propriedade, assegurado na proposta de carta da Constituinte, ou ao Código Civil, no qual se sabe que havia referência a penas destinadas a regular por meio de leis as relações entre escravo e senhor. Pode se referir, ainda ao imaginário liberal que, pautado nas teorias de superioridade do branco europeu, legitimava a escravidão perante a sociedade, garantindo, por meio de discurso ideológico, a manutenção dessa instituição. 4 João Alfredo Corrêa de Oliveira (1835-1919). Senador pela província de Pernambuco, tomou posse em fevereiro de 1877. Doutor em Direito, foi Deputado Provincial e Deputado Geral, assim como Presidente das províncias do Pará e de São Paulo. Foi ainda Delegado de Polícia de Pernambuco, Juiz Municipal e de Direito e Promotor Público. Ocupou os cargos de Ministro da Fazenda e da Agricultura no Império, e de Presidente do Conselho de Ministros. Como senador, trabalhou em prol da conciliação entre a Igreja e a Coroa na Questão Religiosa. Como presidente do Conselho de Ministros (1888), referendou a Lei Áurea, num período em que o país vivia grande crise em conseqüência da campanha abolicionista e da Questão Militar (ENCICLOPÉDIA DIGITAL “WIKIPÉDIA”). 5 Declara a condição livre dos filhos de mulher escrava que nascessem desde a data da lei, de escravos libertos e outros. Toma providência, também, sobre a criação e tratamento daqueles filhos menores e sobre a libertação anual de escravos. O projeto da Lei do Ventre Livre foi proposto pelo gabinete conservador presidido pelo visconde do Rio Branco em 27 de maio de 1871. Por vários meses, os deputados dos partidos Conservador e Liberal

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ficando esta data como uma das mais importantes da História do partido conservador. Na realidade, o partido conservador fazia aprovar uma lei que estava bem enquadrada no ideário do partido liberal, seu contendor, mas este não a quis aprovar. (ANDRADE, 1991, p.23)

O modo de produção no Brasil no século XIX, pautado sob a mão-de-obra escrava, já se encontrava como um entrave ao desenvolvimento capitalista do país. A onda liberal vinda da Europa e dos EUA sinalizava a bancarrota desse sistema. Além disso, o autor considera, na análise, a sensibilidade de Pedro II à opinião dos europeus sobre a escravidão:

O Imperador Dom Pedro II era sensível à pressão da opinião pública européia, profundamente antiescravagista e transmitida a ele pelos seus amigos intelectuais da Europa e por pessoas de sua família, lá residentes. (ANDRADE, 1991, p. 20).

Sobre o processo de abolição, marcado pela disputa entre

conservadores e liberais, abolicionistas e escravocratas, emancipacionistas e assíduos defensores do direito à propriedade, Manuel Correia de Andrade indica que houve também uma disputa, que ás vezes é ocultada ao contar-se a história da abolição no Brasil. É a disputa entre escravo e senhor, ou seja, o componente oprimido do sistema manifestou-se também pela sua emancipação, ao contrário do que a história oficial tem nos mostrado ao longo do tempo. A luta emancipatória de setores oprimidos da sociedade sempre esteve presente na História do País e é responsável também, conjugado, é claro, com diversos outros fatores, pela conformação de nosso território.

Daí a necessidade de se desmistificar a idéia de que a abolição foi um movimento que partiu de brancos desinteressados e idealistas que resolveram levar de mão beijada ao negro a sua liberdade. Tampouco foi um

                                                                                                                                    discutiram a proposta. Em 28 de setembro de 1871, a lei nº. 2040, após ter sido aprovada pela Câmara, foi também aprovada pelo Senado. Embora tenha sido objeto de grandes controvérsias no Parlamento, a lei representou, na prática, um passo tímido na direção do fim da escravatura.

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movimento feito por idealistas cândidos que procuravam tirar de suas costas o peso da cumplicidade com a opressão e com a exploração de uma raça. Na verdade, a campanha abolicionista reuniu, nas classes dominantes, figuras idealistas que compreenderam que a abolição era uma necessidade humanitária: não se podia admitir que um povo continuasse a ser explorado em nome do direito à propriedade, e ele próprio sem acesso a nenhum direito. (ANDRADE, 1991, p. 33-34).

E continua:

Esse movimento nas classes dominantes, que se beneficiava há três séculos, da escravidão, confluía para um movimento de escravos, que, conscientes da situação injusta a que estavam submetidos, se levantaram, assassinaram os senhores ou simplesmente fugiam para os quilombos, situados em locais de difícil acesso ou se refugiavam nas cidades. Muitos líderes das classes dominantes passaram a temer uma sublevação geral dos escravos, compreendendo que era mais prudente conceder a abolição por caminhos pacíficos e legais do que esperar uma luta armada, de conseqüências imprevisíveis. Esse grupo foi fortalecido ao compreender que o controle sobre os escravos havia sido perdido quando as forças armadas avisaram ao governo que não admitiam ser usadas como capitães-do-mato na perseguição a negros fugitivos (cf. MAGALHÃES JUNIOR, 1957), demonstrando que elas sofriam uma grande infiltração abolicionista. (ANDRADE, 1991, p.34).

Consideramos importante inserir essa variável como agravante

crucial no processo de abolição da escravatura no Brasil, uma vez que o discurso vencedor é o da abolição e não do escravo liberto (DE DECCA, 1994), sendo assim, dos abolicionistas. Defenderam a abolição, como já vimos, por diversos motivos diferentes e não somente pela questão humanitária, por tratar-se a escravidão de uma agressão à pessoa humana.

Discurso que oculta a luta do escravo pela liberdade e minimiza a ação de movimentos como a formação dos quilombos. Cumpre o papel de reprodutor de uma ideologia dominante que não quer associar a luta direta como elemento de transformação social, pois isso seria um risco à sua própria existência.

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O projeto de abolição foi elaborado pelo gabinete Imperial chefiado pelo Ministro João Alfredo com a colaboração de outros projetos elaborados por personalidades abolicionistas como Joaquim Nabuco6 e André Rebouças7.

Tais projetos visavam não só o fim da escravidão, mas medidas que transformassem os ex-escravos em colonos. Via-se aí uma proposta, mesmo que rudimentar, mas muito avançada para a época. Era a proposta de reforma agrária. Sobre esse assunto o autor diz o seguinte de João Alfredo:

Propôs, na fala do trono com que abriu a Assembléia Geral, a 3 de maio de 1889, a desapropriação das terras situadas á margem das estradas de ferro que não fossem cultivadas, a fim de implementar colônias agrícolas, igual medida se pretendia às terras situadas à margem dos rios navegáveis e nas costas, o que, semelhantemente, foi proposto em relação às rodovias pelo presidente João Goulart8, em março de 1964 à favor da reforma agrária. (ANDRADE, 1991, p.37).

A proposta de abolição vitoriosa foi a que previa a liberdade dos

escravos sem indenização aos senhores. Expressava uma posição diferente daquela dos emancipacionistas, que julgavam a indenização devida um direito constitucional. Na medida em que não havia caixa, no Império, capaz de arcar com uma indenização “justa” a todos os proprietários de escravos, a proposta emancipacionista inviabilizou-se.

A comparação dos dois processos com cem anos de intervalo, o da abolição da escravidão e o da reforma agrária, acompanha o autor durante toda a análise. Tanto que, para ele, a abolição, através da lei áurea9 de 13 de

                                                            6 Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (1849-1910) era político, diplomata, historiador, jurista e jornalista. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ENCICLOPÉDIA DIGITAL “WIKIPÉDIA”). 7 André Pinto Rebouças (1838-1898) era engenheiro e abolicionista brasileiro. Advogado, deputado e conselheiro de Dom Pedro I (1822-1831), seu pai era filho de uma escrava alforriada e de um alfaiate português (ENCICLOPÉDIA DIGITAL “WIKIPÉDIA”). 8 João Belchior Marques Goulart (1918-1976), conhecido popularmente como Jango, presidente do Brasil de 1961 a 1964 (ENCICLOPÉDIA DIGITAL “WIKIPÉDIA”). 9 Texto da lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, que declara extinta a escravidão no Brasil: “A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte: Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil. Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário”.

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maio de 1888, teve características revolucionárias, pois culminou em um ato radical de expropriação dos donos de escravos, algo somente cogitado hoje por movimentos e partidos comprometidos com uma verdadeira transformação na sociedade (LIMA, 1986) e que entendem a emergência da desconcentração da terra para viabilizar a supressão das desigualdades de posses aflorada no capitalismo.

Constitui-se em um acontecimento revolucionário, pois determinou a libertação dos escravos sem que os senhores tivessem direito a indenização, ferindo, assim, o direito à propriedade. Ela foi bem mais avançada do que as leis que propõem hoje a reforma agrária. (ANDRADE, 1991, p.8)

Segundo ele, “as medidas preconizadas por João Alfredo não foram transformadas em lei, o que indica que o 13 de maio encontrou seu termidor, não se concluiu”(ANDRADE, 1991, p. 38). O Ministério da Abolição conservador de João Alfredo foi substituído pelo Ministério Liberal chefiado pelo Visconde de Ouro Preto, que “relegou a segundo plano a questão agrária” (ANDRADE, 1991, p.38). O resultado foi que a substituição da mão-de-obra escrava por mão-de-obra livre européia fez com que contingentes de ex-escravos ficassem marginalizados, sem acesso à terra e sem acesso ao trabalho, agravando o problema agrário no Brasil e criando outro: o dos migrantes que pretendiam também adquirir suas propriedades na terra Tupiniquim.

Os fazendeiros e proprietários de escravos descontentes com o monarca, concluíram que não deviam mais fidelidade ao trono, pois haviam sido traídos. A Monarquia estava debilitada e, em 15 de novembro de 1889, Deodoro da Fonseca deu, sem grandes dificuldades, um golpe de Estado que instaurou a República (LIMA, 1986).

O governo republicano, porém, não procurou tomar medidas que beneficiassem os recém-libertos, esquecendo-se dos projetos de Joaquim Nabuco, de André Rebouças e de João Alfredo, da transformação dos ex-escravos em colonos. Apenas Rui Barbosa mandou incinerar os documentos referentes à escravidão, a fim de que os proprietários não tivessem condições de efetivar o projeto de indenização pelos escravos libertados, alegando, porém, que procurava apagar de nossa História a mancha da escravidão. (ANDRADE, 1991, p. 39).

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Essa análise traz a idéia de que se os projetos iniciais de abolição fossem levados a cabo, assim como haviam sido propostos por João Alfredo, as questões sociais relativas à situação dos ex-escravos teriam sido resolvidas através de sua inclusão na economia de mercado pela via da reforma agrária. No entanto, até hoje a reforma agrária no Brasil, diz o autor, encontra seu maior obstáculo “legal” nas cláusulas constitucionais garantidoras de um pagamento prévio, justo e em dinheiro pelas terras desapropriadas (COMPANHOLE, 1989). É o que se nota nas constituições brasileiras desde a Lei de Terras de 1850.

Os interesses latifundiários, representados na constituinte e aliados à burguesia urbana, permitiram a existência desse dispositivo por saberem que com a exigência de indenização justa, com pagamento prévio em dinheiro, nenhuma reforma agrária poderia sair. (ANDRADE, 1991, p.52)

Sendo assim, faz-se um discurso de reforma agrária que

praticamente se inviabiliza. Esse artifício é utilizado pelos setores dominantes na sociedade brasileira de longa data. No palanque ou no parlamento há um consenso de que se necessita de uma reforma agrária mas, assim como no discurso abolicionista da Constituinte de 1823, a maioria justifica a sua não efetivação no direito à propriedade privada. De outro lado os movimentos sociais pressionam, por meio de ocupações e acampamentos, a desapropriação das terras para a reforma agrária, tendo como mediador da disputa entre latifundiários e sem-terras, o governo, seus institutos e ministérios, além de um setor que, assim como os emancipacionistas de um século atrás, defendem as reforma agrária com base em um plano “nacional de reforma agrária” que exproprie com indenização o latifúndio improdutivo. Sendo assim:

Repetem-se, com as modificações de um século de distância, as posições que foram tomadas, nas décadas de 1881 e 1890, por Joaquim Nabuco, José Mariano10, Antônio Prado11 e João Alfredo, de um lado, em favor da abolição, e por Cotegipe12, Andrade Figueira13 e outros em favor da manutenção da escravidão (ANDRADE, 1991, p. 76-77).

                                                            10 José Mariano (1850- 1912) era abolicionista amigo de Joaquim Nabuco. 11 Antônio da Silva Prado (1840-1929) era político e abolicionista. Foi o prefeito de São Paulo que mais ficou no poder (12 anos) (ENCICLOPÉDIA DIGITAL “WIKIPÉDIA”). 12 João Maurício Wanderley (1815-1889) era o Barão de Cotejipe. Foi presidente do Banco do Brasil, ministro da Marinha, ministro da Fazenda, ministro dos Negócios Estrangeiros,

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Bibliografia: ANDRADE, Manuel Correa de. Abolição e reforma agrária. 2ª edição. São Paulo: Ática, 1991. ARMITAGE, Jonh. História do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Ime, 1972. BANDECCHI, Brasil. História do Brasil. São Paulo: Editora Didática Irradiante S.A, 1964. BARBEIRO, Heródoto. História do Brasil. São Paulo: Editora Moderna, 1978. BRASIL. Congresso. Câmara dos deputados. Centro de documentação e informação. Coordenação de arquivo. Inventário analítico do arquivo da assembléia geral constituinte e legislativa do Império do Brasil, 1823: Descrição do acervo e sinopse de tramitação. Brasília: Câmara dos deputados, 1987. CAMPANHOLE, Adriano. As constituições do Brasil. São Paulo: Atlas, 1989. DE DECCA, Edgard Salvadori. 1930. O silêncio dos vencidos. 6ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1994. GORENDER, Jacob. A burguesia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1983 LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Omega, 1975. LIMA, Manuel de Oliveira. O Império brasileiro: 1822 – 1889. Nova Edição. Brasília: UNB – Universidade de Brasília, 1986. (1ª edição de 1927). MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de sociologia da História lenta. São Paulo: Hucitec, 1999. RUSSEL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. 1ª edição. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2005.

                                                                                                                                    presidente do Conselho de Ministros, deputado provincial, deputado geral, presidente de província e senador do Império do Brasil de 1856 a 1889 (ENCICLOPÉDIA DIGITAL “WIKIPÉDIA”). 13 Domingos Andrade Figueira (1834-1919) era político monarquista (ENCICLOPÉDIA DIGITAL “WIKIPÉDIA”).

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COMPÊNDIO - CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA:

1981-2008 Ano 1, nº 1 – 1981 GARMS, Armando. O Pantanal Matogrossense e Corumbá: roteiro de uma excursão. p. 7-27. ANTONIO, Armando Pereira. A presença do imigrante alemão no município de Presidente Venceslau-SP (Primeiras notas).p. 28-34. LITHOLDO, Augusto. Geografia e dialética. p. 35-50. ABREU, Dióres Santos. Que é História? p. 51-53. SALGADO, Fernando Carlos F. A Colônia Entre-rios (Primeiras notas). p. 54-74. LEITE, José Ferrari. Geografia e planejamento regional. p. 75-81. TEIXEIRA, Márcio Antônio. A Geografia rural no Brasil: contribuição aos estudos de revisão e tendências. p. 82-89. BENITES, Miguel Gimenez. Notas sobre o abastecimento de carne bovina nas metrópoles nacionais. p. 90-92. Ano 1, nº2 – 1981 ASARI, Alice Yatiyo; USSAMI, Yoshie. Algumas considerações sobre um núcleo de habitação popular – Conjunto Habitacional Bartholomeu Bueno Miranda – Presidente Prudente – SP. p. 7-24.

GARMS, Armando. A sobrevivência das pequenas cidades: o exemplo da Alta Sorocabana. p. 25-34. ANTONIO, Armando Pereira. A cultura da cana-de-açúcar na região de Presidente Prudente e suas implicações ecológicas. p. 35-40. ANTONIO, Armando Pereira; BARREIRA, José. Projeto de reassentamento rural no extremo sudoeste paulista – Lagoa São Paulo – um exemplo pioneiro no Brasil (primeiras notas). p. 41-52. MELO, Jayro Gonçalves. Historiografia e testemunho histórico. p. 53-58. ZAVATINI, João Afonso. O registrador de umidade superficial e sua aplicabilidade em estudos agroclimatológicos. p. 59-64. BARREIRA, José. Ensaio sobre o esvaziamento populacional na região de Presidente Prudente. p. 65-74. LEITE, José Ferrari. Alta Sorocabana (Uma região em busca de sua vocação). p. 75-83. PASSOS, Messias M. dos. Observações fitossociológicas no noroeste do Mato Grosso. Interflúvio das bacias dos Rios Jurema, Paraguai e Guaporé. p. 84-89. AOKI, Yolanda Shizue; SPOSITO, Maria Encarnação B. Crescimento e concentração das redes comerciais paulistas. p. 90-115.

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Compêndio – Caderno Prudentino de Geografia: 1981/2008

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Ano 2, nº2 – 1982 BARROS, Omar Neto Fernandes. O caso da agricultura no Brasil. p. 11-16. PASSOS, Messias Modesto dos. Devastação das matas no estado de São Paulo. p. 17-27. TITARELLI, Augusto Humberto Vairo. Alteração do clima local nos centros urbanos: efeitos adversos da urbanização. p. 28-35. STIPP, Nilza Aparecida Freres. As conseqüências do manejo inadequado do solo. p. 36-43. SUDO, Hideo. Planalto Ocidental Paulista. p. 44-48. BERTTI, Latife Jacob. Dificuldades de aplicação das propostas dos materiais instrucionais da Secretaria de Educação. p. 51-55. SANTOS, Douglas. A Geografia que se ensina. p. 56-63. MARINI, Thereza. Quem ensina o ensino da Geografia. p. 34-72. ARAÚJO FILHO, José Ribeiro de. A questão da terra no Brasil. p. 75-77. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Os posseiros e a luta contra o capital: “a terra é de ninguém”. p. 78-93. SALGADO, Fernando Carlos Fonseca. Colonização nos campos gerais do Paraná (Alguns comentários). p. 94-100. VIANA, Myrna Terezinha Rego. Poder político e a luta pela terra na cidade. p. 101-105. SEABRA, Odete Carvalho de Lima. As empresas de construção civil e a

produção do espaço urbano no Brasil. p. 106-114. LACAVA, Oduvaldo O. O Projeto Lagoa São Paulo. p. 115-120. ABREU, Dióres Santos. A fundação de Presidente Prudente. p. 123-126. LEITE, José Ferrari. Um retrato da região prudentina. p. 127-135. ALEGRE, Marcos. Alta Sorocabana: população. p. 136-144. ZAVATINI, João Afonso. A distribuição das chuvas e suas anomalias em Presidente Prudente (SP) – Período 1942/76. p. 147-152. SIMONIC, Janez. Rotações do solo e suas aplicações na agricultura. p. 153-157. RODRIGUES, Donizete Aparecido. O homem em quatro dimensões. p. 158-163. GRIGOLETTO, Marina Fátima; SOUZA, Neide de Melo. Análise de uma agro-indústria de tomate na Alta Sorocabana. p. 164-168. RONCHEZEL, José Antonio. Programa Cura – contribuição para a análise do significado de sua aplicação. p. 169-170. VIZINTIN, Miriam; BRAGUETO, Cláudio Roberto; QUADROS, José Luiz R. de. Norte do Paraná – situação agrária e suas relações com a mão-de-obra. p. 171-175. Ano 2, nº4 – 1982 ROCHEFORT, Michel. Regionalização e rede urbana. p. 7-28.

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Caderno Prudentino de Geografia, nº30 - 171-187

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ROCHEFORT, Michel. Problemas de organização do espaço urbano. p. 29-52. ROCHEFORT, Michel. Aspectos da pesquisa sobre os serviços de saúde e instrução em Campina Grande e Londrina. p. 53-81. Ano 3, nº5 – 1983 LITHOLDO, Augusto. Teoria científica, ideologia e epistemologia. p. 7-20. PASSOS, Messias Modesto dos. Correntes de pensamento em Biogeografia. p. 21-26. GODOY, Manoel Carlos Toledo Franco de. O tratamento da paisagem e a qualidade de vida nas cidades. p. 27-32. RODRIGUES, Donizete Aparecido. Bolívia, mito e realidade. p. 33-42. MENECOZI, Arnaldo Rodrigues; FORTUNATO, Elizabeth. Aspectos econômicos e geográficos da produção leiteira na Alta Paulista. p. 43-96. SPOSITO, Eliseu Savério. Breve histórico da AGB (notas). p. 97-100. ALVES, Sergio Paulo do Carmo. Universidade e sociedade (notas). p. 101-102. TEIXEIRA, Márcio Antonio. Notas sobre a cultura do algodão no contexto dos “ciclos” econômicos do Oeste Paulista (notas). p. 103-106. Ano 3, nº6 – 1983

ABREU, Dióres Santos. A industrialização brasileira na década de 1930. p. 9-16. SPOSITO, Eliseu Savério. Universidade e educação. p. 17-34. GODOY, Manoel Carlos Toledo Franco de. Forças de atração geográfica da indústria cimenteira no Brasil. p. 35-62. LINS, Maria de Lourdes Ferreira. A catedral como “patrimônio histórico”. p. 63-73. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; TOMASELLI, José Tadeu Garcia. Comportamento dos solos de Presidente Prudente em relação às temperaturas mínimas e geadas, nas diferentes estações do ano. p. 74-98. SALGADO, Fernando Carlos Fonseca. O espaço agrário brasileiro. p. 101-102. BARREIRA, José. A organização do espaço agrário regional como fator de mobilidade populacional. p. 102-104. ANTONIO, Armando Pereira. Projeto Co-lagoa – os problemas de uma colonização dirigida no sudoeste paulista. p. 105-110. LEITE, José Ferrari. As “crises” e a conservação da natureza. p. 111-112. GODOY, Manoel Carlos Toledo Franco de. Problemas ambientais relacionados à mineração do carvão. p. 113-116. PASSOS, Messias Modesto dos. O nível das discussões ecológicas. p. 117-118. Mesa Redonda 3: Ambiente climático SUDO, Hideo. Ambiente Climático. p. 119-121.

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RAO, Nandamudi Jagan Mohana. Distribuição de freqüência das precipitações de diferentes intensidades para Presidente Prudente. p. 122-123. ZAVATINI, João Afonso; BEXIGA, Janete Aparecida; MENARDI JUNIOR, Ary. O ritmo pluvial do inverno de 1983 no extremo oeste paulista. p. 123-128. BARRIOS, Neide Aparecida Zamuner. Clima e produção agrícola. p. 129-132. LEISTER, Adalberto. Cartografia e Geografia. p. 133. SILVA, José Carlos Plácido da; BACH, Lílian Maria Klinger. Estudo comparativo de projeções cartográficas UTM e cônica conforme Lambert. p. 133-134. SPOSITO, Eliseu Savério. Mapa mental. p. 134-136. KUNZLI, Ruth. Povos indígenas – realidades e perspectivas. p. 137-143. RODRIGUES, Donizete Aparecido. O genocídio na América Latina. p. 144-150. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; TOLEDO, Victor Lucio. Métodos estatísticos da interpolação dos dados de chuva – escolha do melhor método. p. 151-152. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; PARO, Rosângela. Método da “Spline” – interpolação rápida. p. 152-153. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; TOMASELLI, José Tadeu G. Previsão das chuvas máximas para Presidente Prudente. p. 154-155.

RAO, Nandamudi Jagan Mohana; SIMONIC, Janez. Influencia da pluviosidade para irrigação das culturas de algodão e amendoim na região de Presidente Prudente. p. 155-157. MENARDI JUNIOR, Ary; BEXIGA, Janete Aparecida. A validade das observações meteorológicas – o exemplo da Estação Meteorológica de Presidente Prudente-SP. p. 158-161. FREITAS, Olga Lúcia Castreghini de. A aplicação do capital local no setor secundário em Presidente Prudente. p. 162-163. RAMOS, Noêmia. Preconceito de cor no Brasil. p. 164-166. RODRIGUES, Donizete Aparecido. O problema dos sítios pré-históricos no Brasil. p. 167-171. OLIVEIRA, Luzia Alves de; LISBOA, Maria Cristina. Algumas considerações sobre a utilização do método de observação participante. n. 6, p. 172-173, 1983. Ano 4, nº7 – 1984 SCHLITTLER, Flávio Henrique Mingante. O reflorestamento como um recurso natural: problema ecológico ou racionalidade? p. 7-12. SUDO, Hideo. O efeito estufa e suas aplicações geográficas. p. 13-18. MARTINS, Olimpio Beleza. As transformações ocorridas na economia da Alta Sorocabana. p. 19-28.

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VALVERDE, Orlando. Quarenta anos de serviços prestados (palestra). p. 29-42. SPOSITO, Eliseu Savério. Migração e capitalismo (notas). p. 43-45,. RODRIGUES, Donizete Aparecido. Notas sobre a arqueologia da Alta Sorocabana (notas). p. 46-50. TEIXEIRA, Márcio Antonio. Notas sobre a questão demográfica em Presidente Prudente (notas). p. 51-54. TEIXEIRA, Márcio Antonio; MARTINS, Olimpio Beleza. A Geografia a serviço do Estado (notas). p. 55-59. Ano 6, nº8 – 1986 SILVEIRA, Fátima Rotundo da. A coexistência da pequena e grande exploração agrícola no Brasil. p. 5-14. FREITAS, Olga Lúcia Castreguini de. Capital e força de trabalho no setor secundário em Presidente Prudente. p. 15-32. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; AZEVEDO, Roberto Bernardo; GARCIA, José Antonio P. Previsão probabilística de data de ocorrência de temperatura extrema. p. 33-38. GARMS, Armando; ALVES, Sérgio Paulo do Carmo; LEISTER, Adalberto. O bairro rural do campinho. p. 39-62. ALVES, Sérgio Paulo do Carmo. Movimentos migracionais em Rondônia até 1982. p. 63-74. SALGADO, Fernando Carlos Fonseca. Notas sobre a Fazenda Rebojo do Incra (Município de

Estrela do Norte, SP) (notas). p. 75-78. MARINI, Thereza. Palavras aos formandos de 1984 da XXI Turma do Instituto de Planejamento e Estudos Ambientais – UNESP – Campus de Presidente Prudente (notas). p. 79-84. Ano 7, nº9 – 1987 KOGA, Keiko Tokunaga. Geografia aplicada ao estudo da realidade: pesquisa sócio-econômica e cultural de uma comunidade. p. 5-29. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Os agentes produtores do espaço urbano em Presidente Prudente – a ação privada: 1970-1982. p. 30-41. GAETA, Antonio Carlos. Transformação no espaço urbano em São Paulo, o anarquismo e as mudanças no Estado na Primeira República. p. 42-55. GAETA, Antonio Carlos; CAROLLO, Denise Helena Monteiro de Barros. A questão do conteúdo ideológico no ensino brasileiro – a utilização da História e da Geografia. p. 56-61. SCHLITTLER, Flávio Henrique Mingante. Avaliação e análise dos impactos ambientais. p. 62-68. MARTINS, Ana Victória Vieira. O papel das destilarias de álcool na Alta Sorocabana. p. 69-101.

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CANÔAS, José Walter. Recursos humanos em usinas de açúcar e álcool. p. 102-111. ANTONIO, Armando Pereira. A ação estatal no processo de organização agrária no município de Teodoro Sampaio, SP (Primeiras notas). p. 112-135. SILVEIRA, Fátima Rotundo da; SPOSITO, Eliseu Savério. A modernização da agricultura brasileira. 136-145. Ano 7, nº10 – 1987 SPOSITO, Eliseu Savério. Seção de Presidente Prudente: Relatório.p. 5-7. ABREU, Dióres Santos. As constituintes e as constituições brasileiras – a participação popular e a dependência econômica. p. 8-14. TEIXEIRA, Márcio Antonio. “Geografias”, “Geógrafos” e constituinte. p. 15-20. COSTA, José Fernandes Afonso Costa. A participação do geógrafo na elaboração da constituição. p. 21-23. ANTONIO, Armando Pereira. O profissional em Geografia e sua participação nos movimentos populares para a elaboração da constituição brasileira. p. 24-25. SILVA, Éder Luis da. É necessária a participação do estudante. p. 26. SUDO, Hideo. Perspectivas da Geografia na constituinte. p. 27-28. AGB. Geografia e constituinte. Documento resultante das teses e resoluções do VI Encontro Nacional de Geógrafos. p. 35-38.

SEÇÃO LOCAL DE BRASÍLIA. O espaço da educação. p. 39-41. FERREIRA, Yoshiya Nakagawara. Contribuições das seções locais: Londrina – Reforma urbana. p. 42-44. Qual será a cara da constituinte? p. 45-46. BLEY, Cícero (coord.). Propostas do Simpósio Nacional “Constituinte, vida e meio ambiente”. p. 47-49. PORTO ALEGRE – Movimento pró-constituinte. p. 50. SANTOS, Milton. O Geógrafo e a constituinte. p. 51-52. GAETA, Antonio Carlos. Violência urbana e ideologia em São Paulo. p. 53-61. SPOSITO, Eliseu Savério. A interligação/integração de Guarulhos na região metropolitana de São Paulo. p. 62-87. CÁCERES, Tomás Rafael Cruz. Subsídio de preços de alimentos ao consumidor final como intervenção nutricional. p. 88-97. LEITE, José Ferrari. O curso de pós-graduação em Geografia do IPEA. p. 98-105. ALVES, Sérgio Paulo do Carmo. Subsídios teóricos para a discussão do espaço-fronteira. p. 106-119. Ano 9, nº11/12 – 1989 LADOUCEUR, Micheline. Identidade nacional, imagem do Brasil e os discursos da Geografia. p. 5-10. SILVA, Dora Martins Dias e. Aplicação da proposta curricular de

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Geografia da CENP na 5ª série do 1º grau... utopia? p. 11-26. MOREIRA, Ruy. Marxismo e Geografia. p. 27-42. PASSOS, Messias Modesto dos; MARTINS, Olímpio Bezerra. A exploração da floresta amazônica: o exemplo de Jauru/MT. p. 43-52. MARTINS, Olímpio Bezerra; PASSOS, Messias Modesto dos. Vale do Guaporé: conflitos pelo espaço. p. 53-60. RODRIGUES, Arlete Moysés. Na procura do lugar, o encontro da identidade: a Geografia de um movimento social (palestra). p. 61-80. MASSACRE EM NOME DO DESENVOLVIMENTO (Documento). p. 81-82. COMPRO OURO, VENDO DECADÊNCIA HUMANA (Documento). p. 83-84. Ano 11, nº13 – 1991 MELO, Jayro Gonçalves. O ponto de apoio. p. 6-9. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Gestão da cidade e uso do solo urbano. p. 10-15. THOMAZ JÚNIOR, Antonio. Em defesa do trabalho de campo. p. 16-27. GUIMARÃES, Raul Borges. Metodologia de projetos: uma proposta para o ensino de Geografia. p. 28-39. FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. Crise na renovação da Geografia: a

angústia e a relação teoria/prática. p. 40-48. LAGANÁ, Liliana. O sagrado e o profano na percepção do espaço. p. 49-60. SANT’ANNA NETO, João Lima. A abordagem sistêmica nas relações sociedade-natureza. p. 61-66. MOREIRA, Ruy. O conceito de natureza na Geografia física. p. 67-113. FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. Algumas reflexões sobre a questão da região: o caso do nordeste. p. 114-140. SANTOS, Milton. A revolução tecnológica e o território: realidades e perspectivas. p. 141-152. LAGANÁ, Liliana. Imagem e realidade na configuração mental do espaço: o exemplo dos imigrantes italianos em Pedrinhas. p. 153-159. LUIZ, Lindomar Teixeira. Uma experiência reveladora. p. 160-167. MELO, Jayro Gonçalves. O nacional e a revolução em Caio Prado Júnior. p. 168-188. Ano 12, nº 14 – 1992 MOREIRA, Ruy. Assim se passaram dez anos (a renovação da Geografia no Brasil – 1978-1988). p. 5-39. BETTINI, Rita Filomena A. Januária. De Descartes a Ford: uma explicação da racionalização do trabalho. p. 40-43. SILVEIRA, Fátima Rotundo da. Os camponeses na região de Presidente Prudente. p. 44-53.

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FERNANDES, Bernardo Mançano. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a territorialização da luta pela terra no Brasil. p. 54-69. ANTONIO, Armando Pereira. O movimento social rural e o assentamento de camponeses. p. 70-76. SANT’ANNA NETO, João Lima. Um olhar sobre o Sudeste Brasileiro. p. 77-82. HORA, Mara Lúcia Falconi da; SILVA, Maria José Martinelli. A (re)estruturação da cidade. p. 83-92. CANÔAS, José Walter. Desenvolvimento de recursos humanos na empresa e o serviço social. p. 93-99. GODOY, Manoel Carlos T. Franco de. Aspectos da geodinâmica em estudos aplicados à gestão do meio ambiente. p. 100-118. BARRIOS, Neide Aparecida Zamuner; HERNANDES, Maria Cristina Martinez. Aplicação de técnicas para escolha de anos-padrão, como base de estudo dinâmico das chuvas no extremo oeste paulista. p. 119-157. ADORNO, Lúcio Flavo Marini. A conferência das Nações Unidas para o meio ambiente e o desenvolvimento: da questão ambiental à geopolítica. p. 158-167. SANTOS, Milton. A involução metropolitana: a região cresce mais que a metrópole. p. 168-175. Ano 13, nº15 – 1993

ANDRADE, Manuel Correia de. Homem e natureza por uma política de meio ambiente para o Brasil. p. 6-17. ALVES, William Rosa. De quem é o espaço? Estado x sociedade nas cidades brasileiras. p. 18-27. SOUSA, Silvia Aparecida de. Políticas de Estado e a questão da moradia em Presidente Prudente. p. 28-59. GALLÉRO, Alvaro Lopez. Uruguay, zonas francas y Mercosur. p. 60-70. GRIGORIEV, A. A. Os fundamentos teóricos da moderna Geografia física. Tradução de João Lima Sant’Anna Neto. p. 71-82. PEIXOTO, Adão José. A questão do planejamento e da metodologia numa perspectiva dialética de educação. p. 83-88. MARACCI, Moacir Teles. Dificuldades para a organização do trabalhador rural (notas). p. 89-92. Ano 14, nº16 – 1994 SILVA, Armando Corrêa da. Software e valor. p. 8-23. WALDMAN, Maurício. Tempo, modernidade e natureza. p. 24-73. THOMAZ JÚNIOR, Antonio. A biodiversidade para além da preservação. p. 74-93. AMORIM, Margarete Crisitiane de Costa Trindade. O processo de urbanização e a degradação ambiental. p. 94-114.

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FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. Linguagem e cotidiano na arte de ler e viver o espaço. p. 115-135. GEBRAN, Raimunda Abou. A presença de mecanismos alienantes no ensino de Geografia no Primeiro Grau – análise do cotidiano. p. 136-151. FERNANDES, Bernardo Mançano. Amassando a massa: para uma crítica ao conceito de massa. p. 152-158. ALMEIDA, Rosemeire A. de. A conquista da terra pelo MST e a estrutura fundiária no Pontal do Paranapanema. p. 159-167. THOMAZ JÚNIOR, Antonio. A terceirização no contrapasso da ação sindical. p. 168-186. FABRINI, João Edmilson. Frente pioneira e ocupação do sul do Mato Grosso do Sul. p. 187-197. CHAVES, Manoel Rodrigues. Cerrado brasileiro: principais fatores norteadores de sua ocupação. p. 198-212. PASSOS, Messias Modesto dos. Teledetecção aplicada ao estudo da paisagem. p. 213-229. ABREU, Silvana de. A noção de espaço e sociedade no primeiro grau: teoria e prática (notas). p. 230-235. Ano 15, nº17 – 1995 VESENTINI, José William. O ensino de Geografia no século XXI. p. 5-19. SANTOS, Douglas. Conteúdo e objetivo pedagógico no ensino de Geografia. p. 20-61.

PEREIRA, Diamantino. Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos? p. 62-74. FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. A institucionalização do ensino de Geografia no Brasil da primeira metade do século XX. p. 75-93. RUFINO, Sonia M. V. Castellar. A construção do conceito de espaço e o ensino de Geografia. p. 94-114. SOUZA, José Gilberto de. A cartografia e a proposta da CENP. p. 115-131. FERNANDES, Bernardo Mançano. Geografia em canção: o som e a imagem no processo de construção do conhecimento. p. 132-144. LOURENÇO, Claudinei. O toponômio, o toporâmico e a topofobia no ensino de Geografia. p. 145-152. SILVA, Eduardo Carlos. Olhar periférico (resenha). p. 153-156. Ano 16, nº18 – 1996 SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. Globalização e Geografia: a compartimentação do espaço. p. 5-17. CARVALHO, Marcos Bernardino de. Reflexões sobre Geografia, biodiversidade e globalização em tempos neoliberais. p. 18-39. MOREIRA, Ruy. Ascensão e crise de um paradigma disciplinar. p. 40-64. KURZ, Robert. A terceira força. p. 65-83.

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SILVA, Armando Corrêa da. A Geografia do mundo atual e a globalização. Novos paradigmas, mudanças de escala e incertezas. p. 24-88. ALANTEJANO, Paulo Roberto. O sentido da reforma agrária no Brasil dos anos 90. p. 89-107. SOUZA, José Gilberto de. A reforma fiscal e a propriedade rural. p. 108-129. SPOSITO, Eliseu Savério. La mondialisation du capital (resenha). p. 130-134. LOURENÇO, Claudinei. Ano 501: a conquista continua (resenha). p. 135-139. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Au coeur des villes (resenha). p. 140-144. Ano 17, nº19/20 – 1997 PAULINO, Eliane Tomiasi. A questão agrária e o campesinato: um retorno aos clássicos. p. 5-20. MARTIN, Jean-Yves. A geograficidade dos movimentos socioespaciais. p. 21-35. ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. Os (des)caminhos do campesinato brasileiro: o ontem e hoje nos assentamentos do Pontal do Paranapanema. p. 36-58. SAQUET, Marcos Aurélio. Colônia Silveira Martins/RS: gênese e desenvolvimento. p. 59-77. PASSOS, Messias Modesto dos; UGIDOS, Miguel Angel Luengo. Biogeografia da caatinga. p. 78-103.

RAMOS, Marcos Lupércio. A temática ambiental: “um problema” das sociedades contemporâneas? p. 104-127. RAMOS, Marcos Lupércio. Educação ambiental: causas e soluções à degradação ambiental. p. 128-138. SPOSITO, Eliseu Savério. As transformações no território do Oeste da Bahia (notas). P. 139-156. BARONE, Luis Antonio. Notas sobre a questão agrária no Brasil (notas). p. 157-162. Ano 19, nº21 – 1999 FISCHER, André. Migrações seletivas: uma resposta à crise?. p. 5-16. GUIMARÃES, Raul Borges. Serviços de saúde, circuitos econômicos e cadeias produtivas. p. 17-24. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. A análise urbana na obra de Milton Santos. p. 25-42. SPOSITO, Eliseu Savério. A teoria dos dois circuitos da economia urbana nos países subdesenvolvidos: seu esquecimento ou sua superação? p. 43-52. OLIVEIRA, José Aldemir de. As cidades da Amazônia: novas territorialidades e velhas exclusões reencontradas. p. 53-70. CALAÇA, Manoel. Geoestratégia do capital: novas formas de subordinação do trabalho ao capital

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na Amazônia sul ocidental brasileira. p. 71-84. ADORNO, Lúcio Flavo Marini. A abordagem geopolítica no final do século XX: novos e velhos paradigmas. p. 85-101. RIBAS, Alexandre Domingues; SANTOS, Dirceu Evaldo Pereira dos; RIBEIRO, Júlio Cézar; SOUZA, Marcos Timóteo Rodrigues de. Marxismo e Geografia: paisagem e espaço geográfico – uma contribuição para o entendimento da sociedade contemporânea. p. 102-123. BAUAB, Fabrício Pedroso. Romantismo e natureza em Humboldt: um breve debruçar analítico. p. 124-133. GOETTERT, Jones Dari. A festa: espaço de múltiplos tempos. p. 134-144. NUNES, Flaviana Gasparotti. Avaliação, ensino de Geografia e projeto educacional. p. 145-157. TORRES, Eloiza Cristiane. A cartografia no ensino de Geografia: construindo os caminhos do cotidiano (resenha). p. 159-161. MATUSHIMA, Marcos Kazuo. El eje Irún-Aveiro. Geografía de un eje de desarrollo (resenha). p. 161-164. CASTRO, Luis Antonio de Carvalho. Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas (resenha). p. 164-166. SILVA, Patrícia Monteiro da. Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas (resenha). p. 166-168.

Ano 20, nº22 – 2000 HESPANHOL, Antonio Nivaldo. A expansão da agricultura moderna e a integração do Centro-oeste brasileiro à economia nacional. p. 7-26. PEREIRA, Aparecido de Oliveira. A lógica do PRONAF. Ampliação e perpetuação das desigualdades regionais. p. 27-40. HESPANHOL, Rosângela Aparecida de Medeiros. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF: uma avaliação preliminar. p. 41-60. ROSAS, Celbo Antonio de Fonseca. Elementos para uma análise da modernização da agricultura no estado de São Paulo. p. 61-74. BOZZANO, Horacio. Atratividade industrial e cemitérios industriais: fortalezas e debilidades da reestruturação industrial na Região Metropolitana de Buenos Aires. p. 75-98. PEREIRA, Silvia Regina. O processo de reestruturação interna das cidades. p. 99-124. SOUZA, Marcos Timóteo Rodrigues de. Impactos ambientais do transporte urbano. 125-142. PASSOS, Messias Modesto dos. Brasil 438 DC. p. 143-162. SILVEIRA, Márcio Rogério. Reflexões sobre o processo de integração econômica: o caso brasileiro. p. 163-178. MEDEIROS, Célia Maria Vieira de. Geografia política: papéis do Estado-

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nação e da sociedade na reestruturação da economia mundial. p. 179-192. FISCHER, André. Problemas de integração espacial na Europa. p. 193-200. FERNANDES, Bernardo Mançano. Formação e territorialização do MST no Pará. p. 201-214. SILVA, João Marcio Palheta da. Desigualdades geográficas: territórios de globalização na Amazônia. p. 215-222. MEDEIROS, Marlon Clóvis. Marxismo e análise regional: perseguindo o capital. p. 223-232. SPOSITO, Eliseu Savério. La discontinuité critique. Essai sur les principes a priori de la géographie humaine (resenha). p. 233-240. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Métapolis (ou l’avenir des villes) (resenha). p. 240-244. PEREIRA, Silvia Regina. A produção social do espaço urbano. p. 245-248. SILVA, Patrícia Monteiro da. Economia global e exclusão social: pobreza, emprego, estado e o futuro do capitalismo (resenha). p. 248-249. SILVA, Patrícia Monteiro da. O impacto da globalização na economia brasileira (resenha). p. 249-250. BOMTEMPO, Denise Cristina. Por que migramos do e para o Japão (resenha). p. 251-254. GONÇALVES, Marcelino Andrade. O Estado capitalista e a questão urbana (resenha). p. 254-256.

GUIMARÃES, Raul Borges; MAGALDI, Sérgio Braz; MARTIN, Encarnita Salas; MELAZZO, Everaldo Santos; SPÓSITO, Eliseu Savério. Sistema de informação geográfico direcionado ao enfrentamento da desigualdade social (notas). p. 257-259. Ano 21, nº23 – 2001 ALENTAJANO, Paulo Roberto Raposo. Espaço, território e região: uma tentativa de conceituação. p. 7-37. FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. O ensino de geografia para além da geometrização do espaço: apontamentos entre o redondo e as retas. p. 38-50. RODRIGUES, Jean Carlos. O pensamento geográfico e os paradigmas em geografia: algumas considerações. p. 51-70. SANT’ANNA NETO, João Lima. Alegres trópicos: primeiras impressões dos cronistas e viajantes sobre o tempo e o clima no Brasil colônia. p. 71-92. LEAL, Antonio Cezar; GUIMARÃES, Eliana Maria Alves. Gestão de recursos hídricos e educação ambiental. p. 93-114. AMORIM, Margarete C. de C. Trindade. Análise temporal dos elementos climáticos em Presidente Prudente. p. 115-131. JÚLIO, Marcelo de Oliveira. Reestruturação produtiva e qualificação. p. 132-153.

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GONÇALVES, Marcelino Andrade. O processo de territorialização dos camelôs em Presidente Prudente: determinações e conflitos. p. 154-179. GOETTERT, Jones Dari. Mobilidade do trabalho: sulistas em Rondonópolis (MT). p. 180-205. SILVA, Márcia da. O comerciante, o poder local e a produção do espaço urbano de Presidente Prudente (1920-1950). p. 206-228. HESPANHOL, Rosângela Aparecida de Medeiros. A inserção econômica e social da produção familiar na região de Presidente Prudente-SP. p. 229-245. TEIXEIRA, Jodenir Calixto; HESPANHOL, Antonio Nivaldo. As alterações na agropecuária de Três Lagoas no contexto de Mato Grosso do Sul. p. 246-264. CHELOTTI, Marcelo Cervo; BEZZI, Meri Lourdes. A cadeira produtiva da lavoura orizícola gaúcha frente ao Mercosul. p. 265-286. SILVA JÚNIOR, Roberto França da; MAGALDI, Sérgio Braz. Contraponto: sobre o desenvolvimento rural e reforma agrária. p. 287-291. BORDO, Adilson Aparecido. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI (resenha). p. 292-296. MEDEIROS, Daniel de Souza. A ilusão do desenvolvimento (resenha). p. 297-300. Ano 22, nº24 – 2002

FERRÃO, João. Território, última fronteira de cidadania? p. 7-15. BAUAB, Fabrício Pedroso. A similitude entre a transformação do conceber e a recriação da grafia do planeta: paralelos em Humboldt e Ritter. p. 16-32. MAGALDI, Sérgio Braz. Território como construção sócio-histórica: uma análise bibliográfica na perspectiva da escola da proximidade. p. 33-42. GÓMEZ, Luis Afonso Escudero; GONZÁLES, Rubén Camilo Lois. Diversidade na Espanha: imagem e tratamento mediático das comunidades autônomas. p. 43-59. NUNES, João Osvaldo Rodrigues; SANT’ANNA NETO, João Lima. A produção do espaço urbano e o destino dos resíduos sólidos. p. 60-73. GODOY, Manoel Carlos Toledo Franco de; SILVA, Lucia Helena Rodrigues da; SOUZA FILHO, Alcides de. O risco tecnogênico no planejamento físico territorial: exemplo de área de ampliação do distrito industrial de Presidente Prudente. p. 74-92. EZPELETA, Alberto Marti; MARTINEZ, Eduardo Garcia. El impacto socioeconômico de los temporales da lluvia y viento em Galicia (España). p. 93-114. GONZÁLES, Alejandro López. La gran distribución en España. p. 115-129. CAMARGO, Carlos Eduardo Secchi; MENOTTI, Simone Scatolon; AMORIM, Margarete C. de C.

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Trindade. A cidade e o campo: um estudo comparativo da variação da temperatura e umidade relativa na cidade de Presidente Prudente. p. 130-150. SILVA, Silvio Simione da. Apontamentos teóricos para a concepção dos estudos migratórios como um campo de investigação na Geografia. p. 151-166. NUNES, Marcelo. Políticas neoliberais e desintegração econômica no Cone Sul: o caso Brasil-Argentina. p. 167-173. WENCESLAU, Lucimaro Andriano. A invenção do ser negro (um percurso das idéias que naturalizaram a inferioridade do ser negro) (resenha). p. 174-177. Ano 23, nº25 – 2003 ROJAS, Luisa Iñiguez. Geografía y salud: entre historias, realidades y utopías. p. 9-28. BARCELLOS, Christovam. A saúde nos sistemas de informação geográfica: apenas uma camada a mais? p. 29-44. PEITER, Paulo. Geografia da saúde na fronteira continental do Brasil. p. 45-62. GUIMARÃES, Raul Borges. Planejamento urbano saudável. p. 63-76. TRUJILLO, Alberto Tomás Florido. Clima y salud: una mirada desde la percepción de la población. p. 77-96.

SILVA, Aldo Aloísio Dantas da. Complexo geográfico, espaço vivido e saúde. p. 97-110. CURTO, Susana Isabel. Mapas em geografia médica. p. 111-130. PICKENHAYN, Jorge A. Transición epidemiológica en San Juan. p. 131-144. MACHADO, José Roberto; MENDES, César Miranda. Espacialidade e centralidade: uma análise da área médica-hospitalar de Maringá-PR. p. 145-158. OLIVEIRA, Paulo Henrique Lima de. A metropolização de Belo Horizonte: a apropriação, pelo uso, dos centros de saúde de Ribeirão das Neves/MG. p. 159-170. FEITOSA, Tereza Maria Piccinini; ALMEIDA, Rosimary Teresinha de. Perfil de produção do Programa de Controle do Câncer do Colo do Útero do estado de Minas Gerais, no ano de 2002. p. 171-186. GONÇALVES, Cláudio Ubiratan. Geografia agrária do Norte Fluminense. p. 187-208. MELAZZO, Everaldo Santos; FERREIRA, Júlio César; MIYAZAKI, Vitor Koiti. Renda e desigualdade no espaço intra-urbano de Presidente Prudente-SP: uma análise empírica dos resultados dos Censos 1991 e 2000. p. 209-224. AMORIM, Margarete C. de C. Trindade. Ilha de calor noturna em episódios de verão. p. 225-240. Ano 24, nº26 – 2004

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VALENZUELA, Maria Cristina; SOSA, Elina del Carmen. Tiempo y espacio en la materialización de los desastres. p. 9-24. PERUSI, Maria Cristina; ZERO, Vânia M.; TOMMASELLI, José Tadeu Garcia; BRIGATTI, Newton. Erosividade das chuvas no estremo oeste do Estado de São Paulo nos anos de 1998 e 1999. p. 25-36. BEREZUK, André G.; GASPARETTO, Nelson V. L.; SANTOS, Manoel L. dos. Características físico-químicas da água subterrânea em Maringá-PR. p. 37-46. ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Elementos de epistemologia da Geografia. p. 47-64. HESPANHOL, Rosângela Ap. de Medeiros; NORONHA, Elias Oliveira. Poder local e agricultura: descentralização político-administrativa, desenvolvimento local e experiências de articulação. p. 65-90. GOES, Eda Maria; AQUINO, Ana Laura Cruz. Indícios para o estudo das relações de poder em uma instituição disciplinar: o caso da penitenciária de Presidente Prudente-SP. p. 91-108. VIEIRA, Alexandre Bergamin. Segregação socioespacial e exclusão social: múltiplas dimensões. p. 109-128. JESUS, Patrícia Maria de; ROMA, Cláudia Marques; ZANDONADI, Júlio César. A segregação socioespacial e suas expressões em

cidades médias e pequenas: algumas considerações. p. 129-142. FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. O olhar e a paisagem – caminhos de um poema. p. 143-162. MELO, Jayro Gonçalves. Passagem do trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil. p. 163-168. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. A divisão territorial do trabalho e as cidades médias no Estado de São Paulo. p. 169-180. NUNES, Flaviana Gasparotti. Naturaleza, localización y sociedad: tres enfoques para la geografía económica. (Resenha). p. 181-186. Ano 25, nº27 – 2005 OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Os posseiros e a luta contra o capital: “a terra é de ninguém”. p. 9-22. ROCHEFORT, Michel. Problemas de organização do espaço urbano. p. 23-38. VALVERDE, Orlando. Quarenta anos de serviços prestados (palestra). p. 39-58. FREITAS, Olga Lúcia Castreguini de. Capital e força de trabalho no setor secundário em Presidente Prudente. p. 59-76. LADOUCEUR, Micheline. Identidade nacional, imagem do Brasil e os discursos da Geografia. p. 77-82. SANTOS, Milton. A revolução tecnológica e o território: realidades e perspectivas. p. 83-94.

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GRIGORIEV, A. A. Os fundamentos teóricos da moderna Geografia física. Tradução de João Lima Sant’Anna Neto. p. 95-106. ANDRADE, Manuel Correia de. Homem e natureza por uma política de meio ambiente para o Brasil. p. 107-120. SILVA, Armando Corrêa da. Software e valor. p. 121-138-. PEREIRA, Diamantino. Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos? p. 139-152. SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. Globalização e Geografia: a compartimentação do espaço. p. 153-164. Ano 26, nº28 – 2006 RARTSHORNE, Richard. O conceito de geografia como uma ciência do espaço, de kant e humboldt para hettner. p. 9-33. FURINI, Luciano Antonio; GÓES, Eda Maria. Ideologia e espaço geográfico. p. 35 a 46. BASSO, Luis Alberto; VERDUM, Roberto. Qualidade das águas em bacias hidrográficas com foco de arenização, sudoeste do Rio Grande do Sul. p. 47 a 57. CASTILHO, Eduardo; AMORIM, Margarete C. de Costa Trindade. O clima urbano em Birigui-SP: uma análise comparativa da temperatura, umidade relativa do ar e direção do vento. p. 59 a 77.

VALENTE, Luis Paulo. Lazer e vida urbana em Presidente Prudente-SP: entre o rural e o urbano. p. 79 a 101. RIBEIRO, Eduardo Werneck. As disputas políticas na gestão da saúde em Presidente Prudente. p. 103 a 119. LOCATEL, Celso Donizete; HESPANHOL, Antonio Nivaldo. A nova concepção de desenvolvimento rural na União Européia e no Brasil. p.121 a 136. CARVALHAL, Terezinha Brumatti; THOMAZ JUNIOR, Antonio. Gênero, classe e trabalho. p.137 a 162. FERREIRA JUNIOR, Antonio Carlos; SANT’ANNA NETO, João Lima; CATELAN, Márcio José. O processo de segregação socioespacial na cidade do Rio de Janeiro: algumas considerações. (notas) p. 163 a 181. SANTOS, Leandro Bruno dos; SPOSITO, Eliseu Savério. O mistério do capital (resenha). p.183 a 186. MOREIRA, Érika Vanessa; HESPANHOL, Rosangela Ap. de Medeiros. Da totalidade ao lugar (resenha). p. 187 a 191. Ano 27, nº29 – 2007 ALMEIDA, Roberto Schmidt. de. Determinismo natural: origens e conseqüências na geografia. p.9-54. OURIQUES, Helton Ricardo. Breve panorama sobre o desenvolvimento do turismo nas periferias do capitalismo. p.55-66.

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CASTRO, Clóves Alexandre. Cursinhos alternativos e populares: origens, demandas e potencialidades. p.69-86. MELO, Nildo Aparecido. Neoliberalismo e mercado de trabalho no Brasil – desemprego e precarização do trabalho nos anos de 1990 e instabilidade/alta rotatividade do emprego formal sob o governo Lula. p.87-111. SILVA JUNIOR, Roberto França da. Logística: em busca de uma conceituação para a geografia. p.113-133. VIEIRA, Alexandre Bergamin; ROMA, Cláudia Marques; MIYAZAKI, Vitor Koiti. Cidades médias e pequenas: uma leitura geográfica. p.135-155. SPOSITO, Eliseu Savério; TRINDADE, Thiago Aparecido. Produção do espaço urbano: poder e conflito no projeto de expansão do Aeroporto de Viracopos em Campinas. p.157-180. SANTOS, Leandro Bruno dos. Chutando a escada. A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica (resenha). p.181-184. Ano 28, nº30 – 2008 MARTIN, Encarnita Salas. Economia e meio ambiente. p.9-36. VITTE, Antonio Carlos. A Geografia Física: da conformidade-a-fins à paisagem. p.37-54. CATALÃO, Igor; GASPAR, Leni; ARRUDA, Raquel de Carvalho.

Reflexões sobre o patrimônio de Brasília. p.55-66. SANTOS, Leandro Bruno dos. As diferentes trajetórias dos países de industrialização tardia asiáticos e latino-americanos. p.67-92. BARBOSA, Túlio. Ensaio da dúvida: o que vem depois da fase B do quarto ciclo econômico de Kondratieff. p.93-116. MACHADO, Gilnei; SONEGATTI, Odair. Análise dos impactos sócio-ambientais relacionados à suinocultura no Município de Dois Vizinhos (PR-Brasil). (nota). p.133-159. RODRIGUES, Diego Vilanova. Quando a forma altera o conteúdo: abolição e reforma agrária, conflitos e conivências na territorialização do Estado brasileiro (nota). p.161-170.

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PARECERISTAS DESTA EDIÇÃO

Prof. Dr. Aldo Paviani – Universidade Nacional de Brasília (UNB) - Brasília, DF. Profa. Dra. Alice Yatiyo Asari - Universidade Estadual de Londrina (UEL) – Londrina, PR. Prof. Dr. Carlos Alexandre Leão Bordalo - Universidade Federal do Pará (UFPA) – Belém, PA. Profa. Dra. Dirce Maria Antunes Suertegaray - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Porto Alegre, RS. Profa. Dra. Eda Maria Góes - Universidade Estadual Paulista (UNESP - campus de Pres.Prudente) - Pres.Prudente, SP. Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito - Universidade Estadual Paulista (UNESP - campus de Pres.Prudente) - Pres.Prudente, SP. Prof. Dr. Everaldo Santos Melazzo - Universidade Estadual Paulista (UNESP - campus de Pres.Prudente) - Pres.Prudente, SP. Profa. Dra. Gisele Mara Hadlich - Universidade Federal da Bahia (UFBA) – Salvador, BA. Prof. Dr. João Lima Sant’Anna Neto - Universidade Estadual Paulista (UNESP - campus de Pres.Prudente) - Presidente Prudente, SP. Prof. Dr. João Osvaldo Rodrigues Nunes - Universidade Estadual Paulista (UNESP - campus de Pres.Prudente) - Presidente Prudente, SP. Profa. Dra. Lirian Melchior - Universidade Estadual Paulista (UNESP - campus de Ourinhos) - Ourinhos, SP. Prof. Dr. Luis Antonio Barone - Universidade Estadual Paulista (UNESP - campus de Pres.Prudente) - Presidente Prudente, SP. Profa. Dra. Lisandra Pereira Lamoso - Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) - Dourados, MS. Profa. Dra. Neli Aparecida de Mello - Universidade de São Paulo (USP - EACH) - São Paulo, SP. Prof. Dr. Paulo Roberto Raposo Alentejano - Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ.

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CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA NORMAS DE PUBLICAÇÃO

1. O Caderno Prudentino de Geografia é uma publicação anual da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Local de Presidente Prudente. O periódico publica artigos, notas, resenhas e comunicações de pesquisa de todas as áreas do conhecimento geográfico, em português, espanhol e inglês. Os textos devem representar trabalhos originais e inéditos. Serão aceitas traduções de artigos publicados recentemente no exterior e também de Revistas Eletrônicas. As resenhas serão priorizadas sempre que possível, a partir de obras publicadas recentemente no Brasil e no exterior. 2. Os artigos deverão ter de 15 a 30 laudas, incluindo tabelas, mapas, figura, etc; as comunicações de pesquisa, de 5 a 8 laudas e as resenhas, de 3 a 5 laudas (texto em fonte Garamond, tamanho 11, espaçamento simples). Na primeira folha, deve constar título (Garamond, tamanho 12, negrito, centralizado, espaçamento simples), nome do(s) autor(es) (Garamond, tamanho 12, sobrenome em maiúsculas e negrito, espaçamento simples, centralizado), identificação funcional (endereço completo, telefone/FAX, e-mail e instituição na qual atua). A configuração das páginas deve seguir a formatação: Tamanho do papel personalizado com largura de 15,8 cm e altura de 21,9 cm; margens superior e externa de 2cm , inferior e interna de 2,5 cm, medianiz de 0 cm; cabeçalhos e rodapés com as opções “diferentes em páginas pares e ímpares” e “diferente na primeira página” selecionadas; cabeçalho de 1,0 cm e rodapé de 1,27 cm e alinhamento vertical superior. Os originais devem ser enviados para [email protected], obrigatoriamente no programa Microsoft Word. 3. As notas de rodapé (Garamond, tamanho 9, espaçamento simples e justificada) devem se restringir a 3 linhas e não devErão ser usadas para referências bibliográgicas. 4. Deverão ser encaminhados, necessariamente: resumo e abstract de no máximo 200 palavras em um só parágrafo cada um, título em português e inglês e palavras chave (até 5) em português e em inglês (key-words), seguindo as seguintes especificações: Garamond, tamanho 10, espaçamento simples, justificado. 5. Cabe ao Conselho Editorial a decisão final de publicar os trabalhos.

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6. As menções a idéias e/ou informações no decorrer do texto devem subordinar-se ao esquema (Sobrenome do autor, data) ou (Sobrenome do autor, data, página). Ex.: (TOLEDO, 1991) ou (TOLEDO, 1991, p.25). Caso o nome do autor esteja citado no texto, indica-se apenas a data entre parênteses. Ex.: “Nesse sentido, Monteiro (2003) afirma que...”. Diferentes títulos do mesmo autor publicados no mesmo ano devem ser identificados por uma letra minúscula após a data. Ex.: (TOLEDO, 1994a), (TOLEDO, 1994b). 7. A bibliografia deve ser apresentada no final do trabalho, em ordem alfabética de sobrenome do(s) autor(es) e deve obedecer às normas da ABNT. a) no caso de livro: SOBRENOME, Nome.Título: subtítulo.Edição. Local de publicação: Editora, Data. Número de volumes ou páginas. Ex.: CORRÊA, Roberto Lobato. Trajetórias geográficas. 2.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 235p. b) no caso de capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In: SOBRENOME, Nome (org). Título do livro. Local de publicação: Editora, data. Página inicial-final. página inicial-página final. Ex.: SIQUEIRA NETO, José Francisco. Contrato coletivo de trabalho. In: OLIVEIRA, Carlos Alonso (Org.). O mundo do trabalho. São Paulo: Página Aberta, 1994. p. 233- 264. c) no caso de artigo de periódicos: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico, Local de publicação, número do volume, número do fascículo, página inicial-final, mês abreviado e ano. Ex.: ALVES, Giovanni. As dimensões do proletariado tardio. Debate Sindical, São Paulo, n.33, ano 14, p. 51-53, maio, 1984. d) no caso de dissertações e teses: SOBRENOME, Nome. Título: subtítulo. data de publicação. Número de folhas ou volumes. Categoria (Grau e área de concentração) - Nome da Escola, Universidade, Cidade da defesa e data da defesa, mencionada na folha de aprovação (se houver). Ex: BUENO, M. S. S. O salto na escuridão: pressupostos e desdobramentos das políticas atuais para o ensino médio. 1998. 257 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília. 8. Ilustrações, gráficos, figuras, fotografias, mapas, quadros, tabelas, etc., deverão limitar-se ao espaço de diagramação da revista e ser de boa qualidade gráfica, e apresentados em tons de cinza.

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