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1 CPV fgv091dnovdir_redacao 50% das vagas da GV Direito ficaram para os alunos do CPV FGV DIR – 1/novembro/2009 CPV O cursinho que mais aprova na GV REDAÇÃO Observe atentamente as mensagens-estímulo que se seguem, pois são a base para o desenvolvimento da proposta de Redação. Texto I (imagem) Salvador Dali. Soft Self-Portrait with Fried Bacon. (Tenro Auto-Retrato com Bacon Frito) 1941. Surrealism. The Movement and the Masters. UWE M. SCHNEEDE (org.) Harry N. Abrams, New York. Texto II Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido? Será essa, se alguém a escrever, A verdadeira história da Humanidade. O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo; O que não há somos nós, e a verdade está aí. Sou quem falhei ser. Somos todos quem nos supusemos. A nossa realidade é o que não conseguimos nunca. Que é daquela nossa verdade ― o sonho à janela da infância? Que é daquela nossa certeza ― o propósito à mesa de depois? Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas Sobre o parapeito alto da janela de sacada, Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar. Que é da minha realidade, que só tenho a vida? Que é de mim, que sou só quem existo? Trecho extraído do poema Pecado Original de Fernando Pessoa por Álvaro de Campos. PESSOA, Fernando. Obra Poética. RJ: Aguilar, 1976. p. 388. Texto III O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder (não é — não obstante um mito, de que seria necessário esclarecer a história e as funções — recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles que souberam se libertar). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. Michel Foucault in Microfísica do Poder (Org. e Tradução de Roberto Machado. 26 a ed. SP: Edições Graal, 2008). O estudo sobre as diferentes concepções acerca da verdade foi tema do Simulado 1 - Segundo Semestre, da Turma Direito FGV 2009, tendo sido retomado nas aulas de Revisão.

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50% das vagas da GV Direito ficaram para os alunos do CPV

FGV – DIR – 1/novembro/2009

CPV O cursinho que mais aprova na GV

redação

Observe atentamente as mensagens-estímulo que se seguem, pois são a base para o desenvolvimento da proposta de Redação.

Texto I (imagem)

Salvador Dali. Soft Self-Portrait with Fried Bacon.

(Tenro Auto-Retrato com Bacon Frito) 1941. Surrealism. The Movement and the Masters.

UWE M. SCHNEEDE (org.) Harry N. Abrams, New York.

Texto II

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?Será essa, se alguém a escrever,A verdadeira história da Humanidade.

O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;O que não há somos nós, e a verdade está aí.

Sou quem falhei ser.Somos todos quem nos supusemos.A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Que é daquela nossa verdade ― o sonho à janela da infância?Que é daquela nossa certeza ― o propósito à mesa de depois?

Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostasSobre o parapeito alto da janela de sacada,Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

Que é da minha realidade, que só tenho a vida?Que é de mim, que sou só quem existo?

Trecho extraído do poema Pecado Original de Fernando Pessoa por Álvaro de Campos.

PESSOA, Fernando. Obra Poética. RJ: Aguilar, 1976. p. 388.

Texto III

O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder (não é — não obstante um mito, de que seria necessário esclarecer a história e as funções — recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles que souberam se libertar). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.

Michel Foucault in Microfísica do Poder (Org. e Tradução de Roberto Machado. 26a ed. SP: Edições Graal, 2008).

O estudo sobre as diferentes concepções acerca da verdade foi tema do

Simulado 1 - Segundo Semestre, da Turma Direito FGV 2009,

tendo sido retomado nas aulas de Revisão.

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FGV - 01/11/2009 CPV o cursinho que mais aprova na FGV

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PROPOSTA

Ao analisar as mensagens-estímulo dos três discursos — plástico, poético e filosófico —, é possível perceber questões concernentes à verdade ou ao verdadeiro apresentadas de maneiras diversas, todavia, convergentes, visto que, nelas, a noção de verdadeiro é permeada pela linguagem. Acrescenta-se, na abordagem de Michel Foucault, a estreita relação entre verdade e poder.

Elabore um texto Dissertativo problematizando a referida convergência entre as três mensagens; esse texto deverá ter um título que sintetize o ponto de vista por você defendido.

Comentário do CPV

A prova de Redação do Vestibular 2010, para a carreira de Direito da Fundação Getulio Vargas, propunha a elaboração de uma dissertação, em prosa, acerca das questões concernentes à verdade e ao verdadeiro, levando em consideração a abordagem feita por Michel Foucault, destacada na proposta, sobre a estreita relação entre verdade e poder.

Como tradicionalmente o faz, a Banca ofereceu como mensagens-estímulo discursos de diferentes gêneros: plástico, poético e filosófico, exigindo do candidato capacidade de leitura e interpretação.

Os candidatos poderiam destacar, em primeiro lugar, que a verdade é, para os seres humanos, um valor, pois confere às coisas, ao mundo, um sentido que não teriam se fossem considerados indiferentes à verdade e à falsidade. A busca pela verdade aparece muito cedo nos seres humanos e manifesta-se como desejo de confiar, isto é, de acreditar que tudo é exatamente tal como se percebe e o que as pessoas dizem é digno de confiança e crédito. Os seres assumem, assim, uma atitude dogmática, ou natural, quando tomam como verdadeiro aquilo que funciona e não surpreende: é o já sabido, o já dito e o já feito. Verdade e realidade, neste caso, parecem ser idênticas. Entretanto, o cotidiano humano é feito de pequenas e grandes decepções que fazem essa identidade entre a verdade e a realidade se desfazer ou se quebrar. A verdade nasce, então, da decisão e da deliberação do homem de encontrá-la. Porém, a ideia de verdade somente pôde ser construída ao longo dos séculos com base em três pilares: o ver, o falar e o crer.

Vale lembrar que, no correr da história humana, existiram diversas maneiras de compreender o que é a verdade. O critério da evidência prevaleceu na Antiguidade e na Idade Média e sofreu alterações na modernidade, com Descartes, que não renunciou à possibilidade do conhecimento. Posteriormente, as posições conflitantes entre dogmáticos e céticos nos ensinam a desconfiar das certezas, postura que se tornou mais aguda na contemporaneidade.

Marilena Chauí, em seu Convite à Filosofia, afirma que as várias concepções de verdade estão mesmo articuladas a mudanças históricas, tanto no sentido da estrutura e da organização das sociedades, como no interior da própria Filosofia. Assim, por exemplo, nas sociedades antigas, baseadas no trabalho escravo, a ideia da verdade como utilidade e eficácia prática não poderia ser valorizada, pois a busca da verdade era considerada a realização superior do espírito humano, portanto, desligada do trabalho e das técnicas, e tomada como um valor do conhecimento enquanto pura contemplação da realidade, isto é, como theoria. Segundo a filósofa, em contrapartida, nas sociedades nascidas com o capitalismo — em que o trabalho escravo e servil foi substituído pelo trabalho assalariado, que produz a riqueza — e regidas pelo princípio do crescimento das forças produtivas e por meio do aumento da capacidade industrial para dominar e controlar as forças da natureza e a sociedade, a verdade tenderá a aparecer como utilidade e eficácia, ou seja, como algo que tenha uso prático e verificável, diretamente relacionada à ideia de poder.

Sendo assim, as mudanças históricas e as transformações internas ao conhecimento mostram que as várias concepções da verdade não são arbitrárias nem casuais ou acidentais, mas possuem causas e motivos que as explicam, e que a cada formação social e a cada mudança interna do conhecimento surge a exigência de reformular a concepção de verdade para que o saber possa realizar-se.

Percebemos então que, como afirma Foucault, a verdade estabelece forte relação com o poder, já que é produzida em função dos interesses e valores, sobretudo da classe dominante, de cada sociedade, em sua respectiva época. Logo, a verdade é, ao mesmo, tempo, frágil e poderosa. Frágil porque os saberes estabelecidos pelo dogmatismo podem destruí-la, assim como as mudanças teóricas podem substituí-la por outra. Poderosa porque a exigência do verdadeiro é que dá o sentido à existência humana. Se conhecer é dar sentido ao mundo, a busca pela verdade segue como um propósito humano necessário e vital, que exige a liberdade de pensamento e o diálogo, para que os indivíduos compartilhem as interpretações possíveis do real.