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CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM
DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM
RITA DE CÁSSIA DA SILVA SARAGOÇA BRUNO
PSICOMOTRICIDADE E APRENDIZAGEM
SÃO PAULO 2009
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CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM
CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU
EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM
RITA DE CÁSSIA DA SILVA SARAGOÇA BRUNO
PSICOMOTRICIDADE E APRENDIZAGEM
Trabalho apresentado como parte dos requisitos para aprovação no Curso de Especialização Lato Sensu em Distúrbios de Aprendizagem, do CRDA – Centro de Referência em Distúrbios de Aprendizagem, sob orientação da Professora MS. Rita de Cássia dos Reis Moura.
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RITA DE CÁSSIA DA SILVA SARAGOÇA BRUNO
PSICOMOTRICIDADE E APRENDIZAGEM
Trabalho apresentado como parte dos requisitos para aprovação no Curso de Especialização Lato Sensu em Distúrbios de Aprendizagem, do CRDA – Centro de Referência em Distúrbios de Aprendizagem, sob orientação da Professora MS. Rita de Cássia dos Reis Moura.
SÃO PAULO – 2009
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DEDICATÓRIA A meu marido, Luiz Carlos A meus filhos, Luiz Felipe e Renato À minha mãe, Armênia
A meus amigos e familiares E a todos que me incentivaram para que eu concluísse este trabalho. E a todas as crianças do mundo!
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus que me permitiu concluir este trabalho. Depois à minha
família pelo incentivo, pela paciência, pela cooperação constante, pelo carinho que
sempre me dedicaram e pela segurança de saber que estavam sempre a meu lado.
Obrigada Luiz! Aos meus amigos, pela atenção, palavras de estímulo e apoio nos
momentos de desânimo. Agradeço à minha amiga Maria de Lourdes pelas valiosas
contribuições. À Professora MS. Rita de Cássia dos Reis Moura que acompanhou a
elaboração desse trabalho.
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Examinador: _______________________________________________________ Nota: _____________________________________________________________
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RESUMO
Psicomotricidade é um fator essencial e indispensável ao desenvolvimento global
e uniforme da criança. A integração de propostas corporais às atividades de
aprendizagem constitui eixo de mudança e de renovação fundamental nos processos
de ensino-aprendizagem.
No desenvolvimento de nossa pesquisa, procuramos abordar os problemas de
aprendizagem e sua relação com o sujeito que aprende, a partir de uma bibliografia
específica, análise mais minuciosa de minha própria experiência prática com a
Psicopedagogia no atendimento a esses problemas. Pudemos perceber que o corpo é o
instrumento comum na relação psicopedagógica e psicomotora, sede dos sintomas do
não aprender e das experiências acumuladas para novas aprendizagens.
O presente trabalho tem por objetivo investigar as significações dadas ao corpo
na ação do aprender trazendo a possibilidade de reflexão sobre as relações entre o que
ensina e o que aprende, e entre o sujeito e o objeto de conhecimento, considerando-se
não apenas um corpo estético, mas um corpo construído a partir das experiências deste
sujeito que age e interage com o meio, com o outro, um corpo capaz de perceber a
realidade externa e transformar a realidade interna, provocando o desenvolvimento de
estruturas sejam elas afetivas, cognitivas ou motoras.
Este estudo baseado na leitura de livros, textos, artigos da literatura nacional e
internacional, utilizados em bibliotecas e sites e também no conhecimento adquirido
durante o curso de pós-graduação em Distúrbios de Aprendizagem, aborda a questão
da Psicomotricidade como instrumento de formação de base, indispensável a toda
criança tanto para evolução de sua personalidade como seu sucesso escolar. Mostra
como a educação psicomotora pode constituir um meio de prevenção adequado para
compensar a multiplicidade de dificuldades de aprendizagem. Destaca a importância do
papel do educador, fundamental na intervenção, que deve ocorrer de forma adequada,
no momento oportuno e com técnicas apropriadas.
Concluindo, podemos atribuir à Psicomotricidade um papel crucial no
desenvolvimento do potencial de aprendizagem da criança, uma vez que a
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Psicomotricidade contém o sentido concreto do comportamento e da aprendizagem
dando relevância ao corpo.
Palavras-chave: Corpo. Aprendizagem. Desenvolvimento. Prevenção. Educador.
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ABSTRACT
The current research has the intent to investigate the meanings given to the body at the
learning action bringing the possibility to think about the relationships bewteen teacher
and aprendice and between the person and the object of knowlodge, considering not
just a estetic body, but a body built from this person’s experiences that acts and
interacts with the enviroment, with the other, one body able to identify the external reality
and change the internal reality, causing the development of emotional, cognitives or
motor structures.
The theorical body of Psychomotricity is, in a great part, based on the knowledge
of authors like Wallon, Piaget, Vygotsky, Ajuriaguerra, Luria, Gesell, Le Boulch e
Fonseca. I have tried to approach these author’s contributions to fulfill and put a shape
on a global development research.
The research develops in a study about the main concepts about psychomotor
development, proposing to think about the relations between body and learning.
Presenting the basic elements of Psychomotricity and its importance at the childdren’s
development. Analise the Psychomotricity as an instrument to create base, indeniable to
every children to evolve it’s personality and for the school success. Shows how
psychomotor education can provide a prevention enviroment to compensate the multiple
learning dificulties. It Highlights the educator’s importance, vital at the intervention that
shall occur in a certain way, at the right moment and with right techniques.
To conclude, we can add to the Psychomotricity the crucial role at the
development of the children’s potential learning skills, once that it contains the concrete
meaning of behavior and learning giving attention to the body.
Keywords: Body.Learning. Development. Prevention. Educator.
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................... I – ABORDAGEM DA PSICOMOTRICIDADE 1.1 – Definição de Psicomotricidade....................................................................... 1.2 – Revisão Histórica sobre a Psicomotricidade ................................................. II – O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR 2.1 – O Movimento e o corpo ................................................................................. 2.2 – A Motricidade....................................................................................................... 2.3 – Padrões filogenéticos e ontogenéticos do desenvolvimento infantil.................... 2.4 – O Desenvolvimento Infantil............................................................................ III – ELEMENTOS BÁSICOS DA PSICOMOTRICIDADE 3.1 – Tonicidade...................................................................................................... 3.2 – Equilibração.................................................................................................... 3.3 – Esquema Corporal......................................................................................... 3.4 – Lateralização.................................................................................................. 3.5 – Estruturação Espaço-Temporal....................................................................... 3.5.1 – Estruturação Espacial.................................................................................. 3.5.2 – Estruturação Temporal................................................................................ 3.6 – Praxia Global.................................................................................................. 3.7 – Praxia Fina........................................................................................................ IV – APRENDIZAGEM 4.1 – A Aprendizagem............................................................................................ 4.2 – O Corpo na Aprendizagem............................................................................ 4.3 – A Psicomotricidade no Processo de Aprendizagem..................................... 4.4 – A Psicomotricidade e a Linguagem............................................................... CONCLUSÃO.......................................................................................................... BIBLIOGRAFIA........................................................................................................
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INTRODUÇÃO
O estudo do movimento é, como bem afirma Vitor da Fonseca, um meio para
conhecer o homem na sua totalidade indivisível e não uma pura descrição física e
muscular explicada por atlas ou tratados de anatomia e de fisiologia analítica. O
movimento é o meio pelo qual o indivíduo comunica e transforma o mundo que o
rodeia” (Fonseca, 1996, p.1).
A motricidade possibilita ao homem o confronto com o meio ambiente, ela é o
primeiro processo humano de aprendizagem e apropriação do real, meio através do
qual a inteligência humana se desenvolve, se materializa e se constrói. É através da
motricidade que o cérebro se desenvolve (ibid.).
Ao falar em aprendizagem, necessariamente é preciso falar em movimento,
motricidade, conhecimento e em todos os aspectos estudados pela Psicomotricidade. A
Psicomotricidade centra-se na motricidade do ser humano e nas implicações com seu
corpo. O homem é um ser que age, pensa, sente e se expressa através dos
movimentos. O movimento é o principal elemento no crescimento e desenvolvimento da
criança (Marinho, 2005).
Toda ação é pertinente a um movimento e todo ato motor tem uma ação e um
significado. Entretanto é necessário que um estímulo gere essa ação e, por essa
condição, coloque o ser humano sempre em relação a alguma coisa. De acordo com
autores como Vitor da Fonseca, Ajuriaguerra, Lapierre, Bueno, entre outros, o
movimento é visto como facilitador dos outros desenvolvimentos, tais como o cognitivo,
o afetivo, o social e o relacional (Fonseca, 1996)
A Psicomotricidade é uma ciência relativamente recente e, por ter o homem
como objeto de seu estudo, engloba outras áreas: educacionais, pedagógicas e da
saúde. Ela trabalha o indivíduo em seu aspecto global e estuda a implicação do corpo,
a vivência corporal e a interação entre os objetos e o meio para realizar uma atividade.
Relacionando-se a Psicomotricidade com a aprendizagem, é possível dizer que
as habilidades e os conhecimentos são aprendidos, mas a duração e a natureza dessa
aprendizagem, bem como seu conteúdo, variam de acordo com a cultura e com o
desenvolvimento de certas competências e habilidades, que são imprescindíveis para o
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desenvolvimento da criança. A Psicomotricidade utiliza o movimento para atingir outras
aquisições mais elaboradas, como as intelectuais. A estruturação das bases
psicomotoras, principalmente a organização espaço-temporal e a aquisição da
lateralidade, tornou-se uma preocupação para o desenvolvimento e a organização do
espaço gráfico e a prontidão para a leitura e escrita.
O trabalho da Psicomotricidade é da mais valiosa função, principalmente a partir
da educação infantil por haver um estreito paralelismo entre o desenvolvimento das
funções psíquicas, do comportamento social e acadêmico do homem. A
Psicomotricidade favorece a aprendizagem, trabalhando no ser humano, cada uma das
etapas, possibilitando-o alcançar a consciência corporal, a consciência do mundo que o
cerca, o relacionamento deste com o seu corpo e com o que está ao seu redor.
Proporciona ao indivíduo a capacidade de ser, ter, aprender a fazer e a fazer, na
medida em que se reconhece por inteiro, alcançando a organização e o equilíbrio das
relações com os diferentes meios e a sua distinção. Relacionando-se com o mundo de
forma equilibrada (Sánchez, 2003).
Esta pesquisa tem como objetivo mostrar a aplicabilidade da Psicomotricidade no
cotidiano educacional e, conhecendo seus mecanismos, ajudar a criança a ter uma vida
melhor e mais plena, com mais segurança e auto-estima. Procuramos evidenciar que a
Psicomotricidade pode se constituir em um meio de prevenção adequado para se
compensar as dificuldades de aprendizagem que traduzem a privação do movimento e
a repressão lúdico-espacial que caracterizam a vida da criança desde o nascimento até
a fase escolar. Essas dificuldades são resultado de diferentes causas como: orgânicas,
afetivas, sociais e de todo um complexo de situações da instituição educacional.
Wallon, Piaget, Vygotsky, Ajuriaguerra, Luria, Gesell e Fonseca descrevem como
evoluem os processos motores, perceptivos, relacionais e cognitivos da criança.
Material importante para que o educador possa reconhecer, no cotidiano escolar, o
ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso.
Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos uma relação entre a
Psicomotricidade e a Aprendizagem. Os autores afirmam que o biológico, o emocional,
o cognitivo e o motor estão presentes no ato de aprender e que cabe ao educador criar
ou resgatar o desejo de aprender da criança, eliminando os possíveis obstáculos e
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utilizando-se da Psicomotricidade como base de fundamentação que tem sua
contribuição indispensável nos processos de aprender.
Este trabalho destaca a importância da Psicomotricidade quando reconhece que
diferentes fatores de ordem física, psíquica e sociocultural atuam em conjunto para que
se dê a aprendizagem.
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I – ABORDAGEM DA PSICOMOTRICIDADE 1.1 - Definição de Psicomotricidade A Psicomotricidade é concebida como uma ciência terapêutica adotada na
Europa há mais de sessenta anos, que contém conceitos teóricos e aplicações práticas
de várias ciências como a Psicologia, a Psicanálise, a Neuropsicologia, a Pedagogia e
a Psiquiatria, entre outras, que convergem os seus interesses no estudo do movimento,
com o objetivo de dar qualidade de vida ao ser humano. Vários autores contribuíram
para as bases teóricas da Psicomotricidade, analisando as relações complexas entre o
movimento e o pensamento, e entre o corpo e o cérebro como: Wallon, Piaget,
Ajuriaguerra, Soubiran, Costallat, Boscaini, Paillard, Bernshtein, Luria, Gardner, Le
Boulch, Vitor da Fonseca, entre muitos outros.
O Professor Dr. Julian de Ajuriaguerra define: “A Psicomotricidade se conceitua
como ciência da Saúde e da Educação, pois indiferente das diversas escolas,
psicológicas, condutistas, evolutistas, genéticas, etc., ela visa à representação e a
expressão motora, através da utilização psíquica e mental do indivíduo” (ISPE-GAE,
2009).
A criadora da cátedra de Psicomotricidade, Profª. Drª. Giselle Soubiran diz: “A
Psicomotricidade em seus meios e fins, jamais se esquece da união psico-afetivo-
motora e atua sobre este conjunto, pois os transtornos psicomotores têm as mais
diversas manifestações” (Ibid.).
A Prof.ª Dr.ª Dalila M. M. de Costallat, que criou a primeira cátedra de
Psicomotricidade para professores de educação especial do Ministério da Educação
Nacional da Argentina, afirma: “Psicomotricidade é a ciência de síntese que, com a
pluralidade de seus enfoques, procura elucidar os problemas que afetam as inter-
relações harmônicas que constituem a unidade do ser humano e sua convivência com
os demais” (ISPE-GAE, 2009).
Para o pioneiro na constatação da atuação curativa e preventiva do movimento
físico nos distúrbios de aprendizado, Prof. Dr. Jean Le Boulch: “O trabalho psicomotor
beneficia a criança no controle de sua motricidade, utilizando de maneira privilegiada a
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base rítmica associada a um trabalho de controle tônico e de relaxação cautelosamente
conduzido” (ISPE-GAE, 2009). O autor ainda afirma que: ”O objetivo central da
educação pelo movimento é contribuir ao desenvolvimento psicomotor da criança, de
quem depende, ao mesmo tempo, a evolução de sua personalidade e o sucesso
escolar” (Le Boulch, 1987, p. 15).
O Prof. Dr. Franco Boscaini define: “A Psicomotricidade nos leva a abandonar
em reabilitação, a visão clássica e racional, onde o processo terapêutico realizado só
com a cabeça e o corpo é visto como objetivo final. O conceito psicomotor emerge
sobre o princípio de que o individuo conhece, comunica, aprende, opera e se adapta a
realidade externa, através de dois tipos de funções corporais que não podem nunca ser
separadas: a função tônica e a função motora. A função motora através da ação e a
tônica através da expressão qualitativa da ação” (ISPE-GAE, 2009).
Para o Prof. Dr. Vitor da Fonseca: “A Psicomotricidade pode ser definida como o
campo transdisciplinar que estuda e investiga as relações e as influências recíprocas e
sistêmicas entre o psiquismo e a motricidade. O psiquismo, nessa perspectiva, é
entendido como sendo constituído pelo conjunto do funcionamento mental, ou seja,
integra as sensações, as percepções, as imagens, as emoções, os afetos, os
fantasmas, os medos, as projeções, as aspirações, as representações, as construções
mentais, etc., assim como a antecede as aquisições evolutivas ulteriores” (Fonseca,
2008, p. 9). Ainda na mesma obra ele a define como: “... uma educação e uma
reabilitação especialmente concebidas, desenhadas e implementadas para satisfazer
as necessidades desenvolvimentais únicas de indivíduos normais e excepcionais, tendo
em vista a realização máxima possível do seu potencial humano” (ibid, p.9). O autor
ainda afirma: “No “século das dificuldades escolares”, que arrastam consigo problemas
familiares, pedagógicos e sociopatológicos, a Psicomotricidade pode desempenhar um
papel muito importante como medida preventiva, não só porque está baseada
antropologicamente e epistemologicamente, como também porque procura ser um meio
de intervenção critica na realidade pedagógica da escola atual” (Fonseca, 1996, p. 2).
Para os autores De Meur e Staes o conceito de Psicomotricidade é recente e,
inicialmente, fixou-se apenas sobre o desenvolvimento motor da criança, depois
estudou a relação entre o atraso no desenvolvimento motor e o atraso intelectual, a
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seguir estudou o desenvolvimento manual e as aptidões motoras em função da idade.
Hoje, as pesquisas se dirigem também a lateralidade, a estruturação espacial e a
orientação temporal, assim como para as dificuldades de crianças de inteligência
normal. Há também a preocupação com a tomada de consciência das relações que
existem entre o gesto e a afetividade. Eles afirmam: “A Psicomotricidade quer
justamente destacar a relação existente entre a motricidade, a mente e a afetividade e
facilitar a abordagem global da criança por meio de uma técnica” (De Meur e Staes,
1991, p. 5).
A pedagoga e psicomotricista Profª. Drª. Maria Beatriz da Silva Loureiro, diretora
do ISPE-GAE (ISPE-Instituto Superior de Psicomotricidade e Educação; GAE-Grupo de
Atividades Especializadas) e presidente da OIPR – Brasil (Organização Internacional de
Psicomotricidade e Relaxação) conceitua: “A Psicomotricidade é a otimização corporal
dos potenciais neuro-psico-cognitivo funcionais, sujeitos as leis de desenvolvimento e
maturação manifestados pela dimensão simbólica corporal própria, original e especial
do ser humano”.
A Sociedade Brasileira de Psicomotricidade a conceitua como sendo uma ciência
que estuda o homem através do seu movimento nas diversas relações, tendo como
objeto de estudo o corpo e a sua expressão dinâmica. A Psicomotricidade se dá a partir
da articulação movimento-corpo-relação. Diante da somatória de forças que atuam no
corpo – choro, medos, alegrias, tristezas... – a criança estrutura suas marcas, buscando
qualificar seus afetos e elaborar suas idéias. Vai constituindo-se como pessoa (SBP,
2009).
A Psicomotricidade é, como bem afirmam José&Coelho, “... a educação do
movimento com atuação sobre o intelecto, numa relação entre pensamento e ação,
englobando funções neurofisiológicas e psíquicas”. Além disso, possui uma dupla
finalidade: “assegurar o desenvolvimento funcional, tendo em conta as possibilidades
da criança, e ajudar sua afetividade a se expandir e equilibrar-se, através do
intercâmbio com o ambiente humano” (José&Coelho, 2004, p.108).
Ainda segundo as autoras, os movimentos expressam o que sentimos,
nossos pensamentos e atitudes que muitas vezes estão arquivadas em nosso
inconsciente. Estruturar o corpo com uma atitude positiva de si mesma e dos outros, a
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fim de preservar a eficiência física e psicológica, desenvolvendo o esquema corporal e
apresentando uma variedade de movimentos (ibid.).
Fátima Alves afirma que através da ação sobre o meio físico com o meio social e
da interação com o ambiente social, processa-se o desenvolvimento e a aprendizagem
do ser humano. É um processo complexo, em que a combinação de fatores biológicos,
psicológicos e sociais, produz nele transformações qualitativas. Para tanto,
desenvolvimento envolve aprendizagem de vários tipos, expandindo e aprofundando a
experiência individual (Alves, 2008).
É preciso estar atento às etapas do desenvolvimento da criança, colocando-se
na posição de facilitador da aprendizagem e baseando o trabalho no respeito mútuo, na
confiança e no afeto.
Para as autoras José&Coelho a Psicomotricidade integra várias técnicas com as
quais se pode trabalhar o corpo, relacionando-o com a afetividade, o pensamento e o
nível de inteligência. Ela enfoca a unidade da educação dos movimentos, ao mesmo
tempo em que põe em jogo as funções intelectuais. As primeiras evidências de um
desenvolvimento mental normal são manifestações puramente motoras (José&Coelho,
2004).
As atividades motoras desempenham na vida da criança um papel
importantíssimo, em muitas das suas primeiras iniciativas intelectuais. Enquanto explora
o mundo que a rodeia com todos os órgãos dos sentidos, ela percebe também os meios
com os quais fará grande parte dos seus contatos sociais.
A Educação Psicomotora na idade escolar deve ser antes de tudo uma
experiência ativa, onde a criança se confronta com o meio. A educação proveniente dos
pais e do âmbito escolar, não tem a finalidade de ensinar à criança comportamentos
motores, mas sim permitir exercer uma função de ajustamento individual ou em grupo.
As atividades desenvolvidas em grupo favorecem a integração e a socialização
das crianças com o grupo, portanto propicia o desenvolvimento tanto psíquico como
motor. Os movimentos, as expressões, os gestos corporais, bem como suas
possibilidades de utilização (danças, jogos, esportes...), recebem um destaque especial
em nosso desenvolvimento fisiológico e psicológico.
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1.2 – Revisão Histórica Sobre a Psicomotricidade
Para Vitor da Fonseca, fazer uma revisão histórica sobre a origem e a evolução
do conceito de Psicomotricidade significa, de certo modo, estudar o sentido de corpo ao
longo da história da civilização. A história do corpo é construída com a história da
humanidade (Fonseca, 1995).
O termo “corpo”, ao longo da história, foi marcado por significações diversas
atribuídas em certos momentos pela ciência em sua constante evolução, em outros
momentos pela cultura de diferentes povos e épocas, ou em outros pelo social cheio de
crenças e mitos. Platão salientava o corpo como “o lugar de transição da existência no
mundo de uma alma imortal” (Coste apud Costa, 2007, p. 21).
Desde os tempos de Aristóteles o corpo era negligenciado em função do espírito.
Descartes levou a considerar a crença de que o corpo e a mente eram unidades
distintas no próprio homem, ele assegurou que “o corpo é apenas um coisa externa que
pensa, a alma é substância pensante por excelência, que não participa de nada daquilo
que pertence ao corpo”. Numa visão cartesiana, o corpo é visto como objeto regido
pelas leis da mecânica e marcado por uma mente que pensa. O homem é superior aos
animais por sua inteligência e exterioriza seus pensamentos através da linguagem;
dividido em corpo e alma, refrea sua ação sociopolitica e educacional, impede a
criatividade e a espontaneidade, aperfeiçoa-se na repetição e no treinamento (Levin,
1995, p. 22).
Somente no século XIX é que o corpo passa a ser objeto de pesquisa, sujeito a
estudos sistemáticos e profundos no âmbito da experimentação. Diversos segmentos
da ciência passam a se interessar por essa pesquisa. Primeiramente a Neurologia e a
Neuropsicologia passam a estudá-lo de forma sistemática e experimental, pela
necessidade de compreensão das estruturas cerebrais e seu funcionamento, bem como
suas patologias. Depois, o corpo passou a ser estudado pela Psicologia e pela
Psicanálise com o objetivo de compreender a evolução da inteligência e suas
perturbações.
Com o desenvolvimento e as descobertas da Neurofisiologia, começa a
constatar-se que há diferentes disfunções graves sem que o cérebro esteja lesionado
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ou sem que a lesão esteja claramente localizada. São descobertos distúrbios da
atividade gestual, da atividade práxica. Portanto, o “esquema anátomo-clínico” que
determinava para cada sintoma sua correspondente lesão focal já não podia explicar
alguns fenômenos patológicos. A necessidade de explicar tais perturbações levaram
Dupré, em 1909, a buscar uma relação entre o sintoma e a localização cerebral. Assim,
ele cria o termo Psicomotricidade, que significa a relação entre o movimento, o
pensamento e a afetividade. Em suas pesquisas o autor constata que as perturbações
psicológicas tinham estreitas relações com as perturbações motoras.
Foi Piaget um dos autores que mais estudou as interelações entre a motricidade
e a percepção, através de uma ampla experimentação. Estudando as estruturas
cognitivas, descreve a importância do período sensório-motor e da motricidade,
principalmente antes da aquisição da linguagem, no desenvolvimento da inteligência. O
desenvolvimento mental se constrói, paulatinamente; é uma equilibração progressiva,
uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio
superior. O equilíbrio para ele significa uma compensação, uma atividade, uma resposta
do sujeito frente às perturbações exteriores ou interiores. Quando dizemos que houve o
máximo de equilíbrio, devemos entender que houve o máximo de atividades
compensatórias. Por exemplo, o desafio do meio pode levar a perturbações e provocar
um desequilíbrio. Em resposta, a pessoa vai procurar novas formas de equilíbrio no
sentido de uma maior adaptação ao meio e com isto atinge um maior desenvolvimento
mental.
A inteligência, portanto, é uma adaptação ao meio ambiente, e, para que isso
possa ocorrer, necessita inicialmente da manipulação pelo indivíduo dos objetos do
meio com a modificação dos reflexos primários.
Quando uma criança percebe os estímulos do meio através de seus sentidos,
suas sensações e seus sentimentos e quando age sobre o mundo e sobre os objetos
que o compõem através do movimento de seu corpo, está “experienciando”, ampliando
e desenvolvendo suas funções intelectivas. Por outro lado, para que a Psicomotricidade
se desenvolva, também é necessário que a criança tenha um nível de inteligência
suficiente para fazê-la desejar “experienciar”, comparar, classificar, distinguir os objetos.
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Henri Wallon é um dos pioneiros no estudo da Psicomotricidade. Em 1925
publica L´Enfant Turbulent (A criança turbulenta), uma obra fundamental para a
formulação teórica e prática da Psicomotricidade, talvez um dos primeiros trabalhos
científicos do mundo a falar sobre a criança hiperativa. Wallon salienta a importância do
aspecto afetivo como anterior a qualquer tipo de comportamento. Existe, para ele, uma
evolução tônica e corporal chamada “diálogo corporal” e que constitui o exercício
preliminar da comunicação verbal. Este diálogo corporal é fundamental na gênese
psicomotora, pois a ação desempenha o papel fundamental de estruturação cortical e
está na base da representação (Fonseca, 2008).
O movimento, portanto, assume uma grande significação. Inicialmente a criança
apresenta uma agitação orgânica e uma hipertonicidade global, ocasionando uma
relação com o meio ambiente de forma difusa e desorganizada. Pouco a pouco,
começa a se expressar através dos gestos que estão ligados a esfera afetiva e que
são, portanto, o escape das emoções vividas. Este mundo das emoções mais tarde
dará origem ao mundo da representação. O movimento, como um elemento básico de
reflexão humana, aparece depois, como um fundamento sociocultural e dependente de
um contato histórico e dialético.
Wallon afirma que é sempre a ação motriz que regula o aparecimento e o
desenvolvimento das formações mentais. Na evolução da criança, portanto, estão
relacionadas a motricidade, a afetividade e a inteligência (Fonseca, 2008).
A obra de Wallon continuou a influenciar investigações sobre crianças instáveis,
impulsivas, emotivas, obsessivas, apáticas, delinqüentes, assim como influenciou
diversas áreas de formação, psiquiátrica, psicológica e pedagógica, correntes médico-
pedagógicas (Descoeudres) e de educação física (Demeny, Herbert, Dalcroze...).
Para Vitor da Fonseca, Wallon é o principal responsável pelo nascimento do
movimento de reeducação psicomotora, que depois foi conduzida, com superioridade,
por Ajuriaguerra e Soubiran (Fonseca, 1995).
O movimento, de acordo com Wallon, é a única expressão e o primeiro
instrumento do psiquismo. Ele apresenta uma concepção original da evolução mental,
afirmando que o desenvolvimento psicomotor da criança é o resultado da oposição e da
substituição de atividades que precedem umas às outras (Fonseca, 2008).
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Wallon introduz, através do conceito de esquema corporal, dados neurológicos
nas suas concepções psicológicas. Ele refere-se ao esquema corporal não como uma
unidade biológica ou psíquica, mas como uma construção, elemento de base para o
desenvolvimento da personalidade da criança (ibid.).
Dando continuidade a obra de Wallon, Ajuriaguerra desenvolve intenso trabalho
científico no âmbito da Neurofisiologia, da Neuropatologia e, fundamentalmente, no
campo que mais interessa à teoria da Psicomotricidade, ou seja, o da Neuropsiquiatria
Infantil. Publica trabalhos sobre o tônus e desenvolve métodos de relaxamento. Torna-
se um psiquiatra infantil de renome mundial e vai consolidando os princípios e bases da
Psicomotricidade. Juntamente com Hécaen publica obras de grande importância
científica – Méconnaissances e Hallucinations Corporelles e Le Córtex Cerebral – que
auxiliam no esclarecimento do conceito de Psicomotricidade (Fonseca, 2008).
Para Ajuriaguerra, a criança elabora todas as suas experiências e organiza sua
personalidade através do corpo. Sua evolução se dá pela conscientização e
conhecimento cada vez mais profundos do seu corpo. Em 1947 ele redefine o conceito
de debilidade motora, considerando-a como uma síndrome com suas próprias
particularidades. É ele quem delimita com clareza os transtornos psicomotores que
oscilam entre o neurológico e o psiquiátrico (Fonseca, 2008).
Nas pesquisas de Wallon, Piaget e Ajuriaguerra destaca-se a preocupação com
uma educação psicomotora de base. Eles compreendem as determinantes biológicas e
culturais do desenvolvimento da criança como dialéticas na construção do motor
(corpo), da mente (emoção) e da inteligência.
O conhecimento da Psicomotricidade no campo evolutivo começa a delimitar
áreas mais distintas de abordagem técnica para serem aplicadas na prática
psicomotora. Os primeiros movimentos de trabalhos da Psicomotricidade foram
impulsionados dentro de uma proposta reeducativa, marcada pelo paralelismo mente-
motor sustentado pelos trabalhos de Le Boulch, Wallon, Pierre Vayer, Ajuriaguerra. A
reeducação é uma forma de estimular na criança suas funções psicomotoras, que foram
contrariadas em seu desenvolvimento. É uma ação dirigida ao déficit motor, com o
objetivo de atingir também o cognitivo. Piaget já antecipava a preocupação de estimular
as crianças de forma adequada, em cada fase de seu desenvolvimento. Dessa forma,
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ele redimensiona as questões da Psicomotricidade e não a limita apenas a uma ação
reeducativa, mas a uma primeira instância educativa.
Para Levin, a reeducação psicomotora pode ser considerada como o primeiro
movimento prático entre a conduta psicomotora e o caráter da criança. É nesse
momento que os estudos da Neurologia Infantil procuram superar o dualismo cartesiano
através da resposta produzida na relação e correspondência, debilidade mental
(psique) e debilidade motora (corpo). Com a reeducação surge um esboço de uma
“clínica pedagógica” da prática psicomotora, que tem como instrumento um corpo-
motor. Esta reeducação psicomotora responde a uma concepção de sujeito, que traz
consigo o conceito de corpo, como uma máquina de músculos que não funcionam e
que, portanto, devem ser reparados (Levin, 1995).
A Psicologia vem trazer a preocupação mais especifica com o motor
sobrepondo-se ao corpo. A Psicologia Genética tem uma contribuição importante
quando passa a admitir “o corpo como instrumento de construção da inteligência
humana”. Essa preocupação não se reduz apenas às questões motoras, mas a um
corpo que age e se movimenta (Levin, 1995, p.31).
Os movimentos mecânicos e específicos são substituídos por movimentos mais
leves, indicando o surgimento de uma outra postura no tratamento nas questões
psicomotoras. Surge a Terapia Psicomotora que, segundo Levin “... se ocupa, observa
e opera num corpo em movimento, que se desloca, que constrói a realidade, que
conhece à medida que começa a movimentar-se, que sente, que se emociona e cuja
emoção manifesta-se tonicamente”. Essa nova visão dada ao corpo centraliza sua
atenção na comunicação expressa pelo corpo em movimento. Esse movimento se
estabelece nas relações corporais por meio de diálogo tônico (ibid, p. 31).
Nessa abordagem terapêutica, o corpo não é só motor, sua representação é da
ordem do psiquismo e abrange o conjunto tônus muscular, postura, gestos e emoções,
que em cadeia determinam e qualificam uma ação e uma reação.
Ao perceber que a reeducação de uma prática mecanicista onde se deixa de
lado a demanda expressa pelo sujeito desejante e uma terapia psicomotora que em sua
prática volta sua atenção para a expressão corporal e verbal, sem se dar conta da
22
afetividade, nem da emoção, Sami-Ali propõe uma teoria psicanalítica da
Psicomotricidade (Costa, 2007).
Autores psicanalistas como J. Lacan, Manoni, Freud, F. Dalto, M. Klein, Reich,
Sami-Ali e outros, com suas pesquisas, contribuem para uma nova abordagem da
Psicomotricidade. O olhar da Psicomotricidade se volta para o “sujeito com seu corpo
em movimento”. Deixa-se de lado a “globalidade” ou “totalidade” e surge um sujeito
dividido, com um corpo real, imaginário e simbólico (Levin, 1995, p. 31).
A Sociedade Francesa de Educação e Reeducação Psicomotora, criada em
1968 por Vayer, Lapierre e Aucouturier, transforma os conceitos de “ginástica corretiva”
e influencia a maioria das escolas francesas, belgas, suíças e italianas. Na mesma
época, surgem os métodos de Borel-Maissony e o “Bon Départ”, que igualmente sofrem
evolução.
Autores americanos colocaram o desenvolvimento da percepção e do movimento
em termos de interdependência entre si, Strauss, Werner, Hebb e Gesell,
posteriormente Bruner e Piaget influenciam idéias nessa direção e sobressaem-se
trabalhos de Kephart, Barsh, Frostig, Getman, Cruickshank, Doman e Delacato, Cratty e
Ayres.
Surgem também estudos de autores soviéticos que se destacam na área da
psiconeurologia do movimento, Ozeretsky, Vygotsky, Bernstein, Elkonin e Luria. Esses
autores dedicaram-se a introdução, em psicologia, do conceito de que a origem de todo
movimento e de toda ação voluntária não se faz dentro do organismo, mas sim a partir
da história social do homem. Portanto, o movimento depende, primeiro, da função de
comunicação e, depois, do analisador verbal, ou seja, das sínteses aferentes.
A Psicomotricidade no Brasil foi norteada pela escola francesa. Antonio Branco
Lefévre, influenciado por sua formação em Paris e pelas idéias de Ajuriaguerra e
Ozeretski, organiza uma primeira escala de avaliação neuromotora para crianças
brasileiras.
A Drª. Helena Antipoff que era assistente de Claparéde no Instituto Jean Jacques
Rosseau em Genebra, e auxiliar de Binet e Simon em Paris, trouxe ao Brasil sua
experiência em deficiência mental, baseada na Pedagogia do Interesse, derivada do
conhecimento do sujeito sobre si mesmo, como via de conquista social.
23
Em 1972, a argentina, estagiária do Dr. Ajuriaguerra e da Dr.ª Soubiran em Paris,
Dr.ª Dalila de Costallat, é convidada para falar em Brasília para autoridades do
Ministério da Educação, sobre seus trabalhos sobre deficiência mental e assim, inicia
contatos permanentes com a Dr.ª Antipoff no Brasil.
Na década de 70, vários autores passam a definir Psicomotricidade como uma
motricidade de relação, enquanto na mesma época, são convidados profissionais
estrangeiros para vir ao Brasil e trabalhar na formação de profissionais brasileiros. Em
1977 é fundado o GAE – Grupo de Atividades Especializadas – que, a partir de 1980,
passou a promover encontros nacionais e latino-americanos. O 1º Encontro Nacional de
Psicomotricidade foi realizado em 1979. Em 1982, o ISPE-GAE – ISPE Instituto
Superior de Psicomotricidade e Educação – realiza o vínculo cientifico-cultural com a
Escola Francesa através da exclusiva Delegação Brasileira da OIPR – Organisation
Internationale de Psychomotricité et de Relaxation.
A SBP – Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, entidade de caráter cientifico-
cultural sem fins lucrativos, foi fundada em 19 de abril de 1980 com o intuito de lutar
pela regulamentação da profissão e contribuir para o progresso da ciência, promovendo
congressos, encontros científicos, cursos, etc. (SBP, 2009).
Tem início, então, uma diferenciação entre postura reeducativa e terapêutica, já
demonstrando diferenças em intervenções de Psicomotricidade, e que, ao
despreocupar-se da técnica instrumentalista e ao ocupar-se do corpo em sua
globalidade, vai dando, progressivamente, maior importância à relação, à afetividade e
ao emocional, acompanhando as tendências do momento por que passava. De acordo
com a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, a Psicomotricidade não é a soma da
psicologia com a motricidade, mas seu conceito ultrapassa a ligação psico-soma, sobre
essa visão o individuo é visto dentro de uma globalidade e não um conjunto de suas
inclinações.
Para Vitor da Fonseca, “A Psicomotricidade tende atualmente a ser
reconceitualizada, não só pela “intrusão” de fatores antropológicos, filogenéticos,
ontogenéticos, paralinguisticos, como essencialmente cibernéticos e psiconeurológicos.
É na integração transdisciplinar destas áreas do saber que provavelmente se colocará
24
no futuro a evolução e atualização do conceito de Psicomotricidade” (Fonseca, 1995, p.
13).
25
II – O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR
2.1 – O Movimento e o Corpo
O movimento é a primeira manifestação na vida do ser humano, pois desde a
vida intra-uterina realizamos movimentos com o nosso corpo, no qual vão se
estruturando e exercendo enorme influência no comportamento.
Como bem afirma Fátima Alves, o corpo reflete o orgânico, o emocional e o
neurológico, pois sem esta totalidade, ele não existe. Um corpo humano de
características próprias e únicas, individuais, organizadas e em organização, prontas a
novas adaptações e disponível à aprendizagem (Alves, 2008).
Vitor da Fonseca afirma “A explicação do movimento não pode ser satisfeita por
uma visão anatômica ou mecanicista, dado que se encobre o problema quando se
estudam os ossos, as articulações e os músculos e não se aborda o significado do
movimento como comportamento, ou seja, como relação consciente e inteligível entre a
ação do indivíduo e a situação circunstancial. O estudo evolutivo não pode recair em
métodos empíricos ou métodos correcionistas e padronizados, mas sim numa ciência
suscetível de inovação e permeabilidade experimental” (Fonseca, 1996, p. 8).
O movimento é resultado das situações concretas que o determinam, e ocupa
grande parte da história biológica do indivíduo significando uma exteriorização do
concreto vivido intrínseco ao sujeito.
De acordo com Vitor da Fonseca, na Psicomotricidade, os conhecimentos
anatômicos e fisiológicos terão utilidade quando levarem em conta que a razão da
execução do ato motor é atingir um objetivo. O essencial é a intencionalidade, a
significação e a expressão do movimento, e assim, o movimento põe em jogo toda a
personalidade do sujeito. O movimento também é uma antecipação da ação (Fonseca,
1996).
O estudo do movimento humano não é muito fácil, pois se tentarmos buscar uma
definição mais científica, tende-se a considerar o homem mais como um organismo, os
estudos da motricidade passam a seguir uma linha idêntica às ciências exatas e
resultam numa explicação mecanicista. Esse estudo do movimento exige que se
26
considere o que se passa no intimo do sujeito. Não se pode ficar apenas com as
descrições de movimentos, é preciso buscar as relações e os determinismos
biopsicosociais que presidem à elaboração motora do ser humano.
Ao se estudar o movimento, é preciso concebê-lo como fenômeno de
comportamento que reúne e engloba os movimentos expressivos e atitudes
significativas. Desta forma, é possível se perceber a inteligibilidade específica das
atitudes e dos movimentos do ser vivo. É a intenção que dá ao movimento um conteúdo
de consciência – a intenção do homem ao movimentar-se (Fonseca, 1996).
A Psicomotricidade busca compreender os movimentos como um conjunto de
comportamentos considerados significativos, intencionais e conscientes, e não apenas
um processo corporal. E o indivíduo, como portador de relações com seu meio e com
sua própria corporalidade.
Como afirmou A. Rey, o indivíduo nasce apenas com os reflexos, depois durante
sua evolução, vai acontecendo o equilíbrio orgânico provocado pela resistência e
estimulação que o meio oferece, passando através do corpo do indivíduo, por meio de
sua estruturação motora e se inicia a organização do sistema nervoso (Fonseca, 1996).
O organismo passa por constante atualização de possibilidades e capacidades
através dos estímulos que o meio possui. O meio, quando exige uma adaptação,
promove no indivíduo uma harmonia de crescimento, traduzida numa atividade
sucessivamente condicionada. À medida que há evolução, o psicomotor liberta-se do
orgânico, evoluindo por estruturações próprias onde o social interfere permitindo uma
conquista de autonomia e de cooperação.
“O movimento, mesmo o reflexo ou o movimento automático da respiração (o
primeiro e último movimento dos seres vivos) são sinônimos de vida, de presença e
conhecimento. Onde há movimento há vida” (Fonseca, 1996, p. 14).
Os potenciais humanos são apoiados nas áreas básicas da Psicomotricidade,
seu estudo e pesquisas constantes do esquema corporal e da imagem corporal, da
lateralização, da tonicidade, da equilibração e coordenação, são enriquecidos
instrumentalmente, estimulando o sentimento de competência, de auto-estima,
entendendo o ser humano em constantes e complexas adaptações, fazendo-o concluir
que é amado e aceito, tornando-o transformador e produtor social.
27
A criança busca experiências em seu próprio corpo, formando conceitos e
organizando o esquema corporal. A abordagem da Psicomotricidade irá permitir a
compreensão da forma como a criança toma consciência do seu corpo e das
possibilidades de se expressar por meio desse corpo, localizando-se no tempo e no
espaço. O movimento humano é construído em função de um objetivo. A partir de uma
intenção como expressividade íntima, o movimento transforma-se em comportamento
significante. É necessário que toda criança passe por todas as etapas em seu
desenvolvimento.
O trabalho da Educação Psicomotora com as crianças deve prever a formação
de base indispensável em seu desenvolvimento motor, afetivo e psicológico, dando
oportunidade para que por meio de jogos, de atividades lúdicas, se conscientize sobre
seu corpo. Através da recreação a criança desenvolve suas aptidões perceptivas como
meio de ajustamento do comportamento psicomotor. Para que a criança desenvolva o
controle mental de sua expressão motora, a recreação deve realizar atividades
considerando seus níveis de maturação biológica. A recreação dirigida proporciona a
aprendizagem das crianças em várias atividades esportivas que ajudam na
conservação da saúde física, mental e no equilíbrio sócio-afetivo.
É através do movimento que a criança se relaciona com o mundo, com os
objetos e com os outros, e através do qual desenvolve a inteligência e tranqüiliza seus
estados emocionais.
Autores como De Meur&Staes, Fonseca, José&Coelho, entre outros, destacam
que o desenvolvimento psicomotor é de grande importância na prevenção de
problemas de aprendizagem e na reeducação do tônus, da postura, da lateralidade e do
ritmo. A educação da criança deve evidenciar a relação através do movimento de seu
próprio corpo, levando em consideração sua idade, a cultura corporal e os seus
interesses. A Educação Psicomotora para ser trabalhada necessita que sejam utilizadas
as funções motoras, perceptivas, afetivas e sociais, pois assim a criança explora o
ambiente, passa por experiências concretas, indispensáveis ao seu desenvolvimento
intelectual, e é capaz de tomar consciência de si mesma e do mundo que a cerca (De
Meur&Staes,1991; Fonseca,2008; José&Coelho,2004).
28
De acordo com esses autores as atividades físicas devem ser de caráter
recreativo, que favoreçam a consolidação de hábitos, o desenvolvimento corporal e
mental, a melhoria da aptidão física, a socialização, a criatividade; tudo isso visando à
formação de sua personalidade. A recreação, através de atividades afetivas e
psicomotoras, constitui-se num fator de equilíbrio na vida das pessoas, expresso na
interação entre o espírito e o corpo, a afetividade e a energia, o indivíduo e o grupo,
promovendo a totalidade do ser humano.
2.2 – A Motricidade Podemos ainda definir movimento como uma variação em função do tempo, das
coordenadas de um corpo em relação a um referencial. É um deslocamento de um
ponto. Na vida intra-uterina o embrião já é ativo, pois a ontogênese da motricidade
precede ao da sensibilidade.
As primeiras estruturas do comportamento humano são essencialmente de
ordem motora. Os movimentos do recém-nascido são desordenados, não têm
intencionalidade, são apenas movimentos reflexos. Só mais tarde serão também de
ordem mental. O movimento é tudo o que constitui a vida da criança e traduz a unidade
do seu comportamento em estreita analogia com a organização progressiva do sistema
nervoso central.
Para Marina Pereira Gomes, a motricidade pode ser entendida, do ponto de vista
fisiológico, como a propriedade que certos neurônios possuem de determinar a
contração muscular quando excitados, os quais seriam responsáveis pela ação motora.
Psicomotor é um centro motor, uma região do córtex cerebral, que age quando recebe
a influência de uma excitação cerebral psíquica. Psicomotricidade é a interação entre
as diversas ações motoras e psíquicas (Oliveira, 1999).
Quando relacionada ao corpo, a definição de movimento, refere-se a todo e
qualquer deslocamento de uma parte, ou várias partes ou do corpo todo. Portanto,
nessa linha o conceito de movimento abrange os reflexos e também os atos motores,
sejam estes conscientes ou inconscientes, normais ou patológicos, significantes ou não
(Oliveira, 1999).
29
Para Fonseca, o ato motor não deve ser considerado como apenas um conjunto
de contrações musculares que o concretizam. Para ele, o movimento está vinculado ao
desejo (Fonseca, 1996).
Se o movimento for determinado por um desejo, uma intenção, o denominamos
“gesto”. E o “gesto”, além de ser uma realização motora, também é comunicação.
O projeto motor – quando a intenção passa para o ato – forma o encontro entre
as capacidades intelectuais e psíquicas e as possibilidades motrizes para resultar em
gesto.
O desenvolvimento motor bem como as capacidades sensoriais caminha de
forma paralela na primeira infância, fortalecendo-se reciprocamente. Um importante
acontecimento na infância e que se prolonga até a vida adulta, é a mielinização,
processo pelo qual se formam bainhas em torno dos nervos. Estas bainhas isolam os
nervos entre si, facilitando a transmissão das mensagens. A mielinização ocorre
rapidamente durante os primeiros meses e anos. É com a mielinização da medula
espinhal que a criança passa a se comunicar com a parte inferior do seu corpo
experimentando sensações no tronco e nas pernas e executando cada vez mais
controle sobre eles.
O desenvolvimento do controle motor depende, essencialmente, do
desenvolvimento neurológico, pois os movimentos estão ligados à maturidade das
formações nervosas. Para que o nervo exerça sua função, é necessário que as células
que o compõem estejam mielinizadas. O processo de mielinização é demorado e
gradativo cuja direção é eixo-distal – inicia-se no quinto mês de vida intra-uterina e só
termina após a adolescência (entre 15/20 anos de idade).
A musculatura estriada é responsável pelo movimento e apresenta duas
atividades complementares:
1 – Função clônica – permite o encolhimento ou alongamento das microfibrilas que
compõem o músculo, responsável pelo movimento;
2 - Função tônica – que responde pelo nível de tensão muscular, que varia de acordo
com as condições fisiológicas do indivíduo. O tônus muscular é de origem
essencialmente reflexa, e pode ser descrito como um estado de tensão permanente do
30
músculo, cujo papel fundamental é ajustar-se às posturas locais e a atitude geral
(Oliveira, 1999).
Todo movimento humano, sob todas as suas formas, inclusive no relaxamento
elabora-se sobre o fundo tônico.
O tônus muscular é uma tensão dos músculos pela qual as posições relativas
das diversas partes do corpo são corretamente mantidas e que se opõe às
modificações passivas destas posições; é um evento reflexo, originado no músculo e
que sua regulação está submetida ao cerebelo; depende dos estímulos ambientais; faz
parte de todas as funções motrizes – equilíbrio, coordenação, dissociação, - e pode
servir como base para a definição de personalidade, pois varia segundo a inibição, a
instabilidade, a extroversão (Oliveira, 1999).
Em condições normais o músculo esquelético está em repouso aparente, pois
ele é sede de uma constante contração tônica. Esta contração é controlada por centros
nervosos localizados no cerebelo e nódulos estriados
Verifica-se o estado do tônus muscular através da resistência de um músculo à
movimentação passiva de um segmento do corpo. Hipertonia é como denominamos
uma grande resistência ao movimento, hipotonia uma resistência diminuída ou mesmo
uma inexistência dele, e quando a musculatura estriada está em repouso, em
condições normais, denominamos tônus de repouso (Alves, 2008).
O tônus é responsável pelo movimento, assim sendo, desempenha papel de
grande importância na vida de relação, e dessa forma está intimamente ligado com a
afetividade.
A criança se relaciona com o ambiente através da atividade tônica; é no plano
tônico que a criança estabelece seu primeiro contato com o meio. Dessa forma, a
função tônica está ligada às manifestações de ordem afetiva.
Para um comportamento equilibrado, é necessário controle das reações tônico-
emocionais e esse controle é que permite a elaboração de uma gestualidade adaptada
ao mundo e integrada à personalidade.
As atividades tônica e tônico-postural são o suporte de comunicações pré-
verbais. A mãe é a primeira a interpretar as tensões e o relaxamento muscular
31
associado a significações afetivas. É o que Ajuriaguerra denominou de “diálogo tônico”
(Fonseca, 2008).
Sob vários aspectos, a comunicação entre mãe e bebê é diferente da
comunicação entre adultos. O bebê comunica-se apenas por sinais. No entanto, as
mensagens que se originam no parceiro adulto são sinais e signos que alcançam e são
recebidos pelo bebê nos primeiros meses de vida.
Essa comunicação compõe-se de equilíbrio, tensão muscular, posturas,
temperamento, vibração, contato de pele, ritmo, tempo, duração, timbre, ressonância e,
provavelmente, inúmeras outras formas das quais o adulto está consciente e pode
verbalizar.
O funcionamento deste subsistema está integrado ao conjunto de atividades
posturais e cinéticas e articulado às atividades corticais mais evoluídas por meio de
ligações entre fibras e o sistema nervoso superior. O próprio córtex está implicado em
regulações especializadas (praxias) e regulações difusas (ligadas à memória e à
atividade pelos mecanismos do nível de vigilância) de tônus muscular (Marinho, 2005).
O surgimento ou aquisição de determinados movimentos tem repercussões
importantes no desenvolvimento da criança. Para muitos autores, a função tônica é a
mais complexa e aperfeiçoada do ser humano. Ela se encontra organizada
hierarquicamente no sistema integrativo reticulado e toma parte em todos os
comportamentos de postura e movimento, por meio de uma maturação progressiva.
A capacidade de adaptação motora do ser humano depende do ajustamento
tônico. Qualquer tipo de motricidade automática ou voluntária está profundamente
dependente da melhor ou pior integração dos dados exteroceptivos (espaço/tempo) e
dos dados proprioceptivos (esquema corporal), organizados, codificados e
programados pela função tônica. Portanto, ela tem um papel muito importante na
tomada de consciência de si (formação do eu) e na edificação do conhecimento do
mundo e do outro.
A criança necessita de carinho, de se sentir amada, precisa ser tocada,
embalada, acariciada, cuidada, pois são: o toque das mãos, o colo, as carícias, os
cuidados que se traduzem no diálogo tônico. Essas atitudes são essenciais para a
32
tranquilização que o bebê precisa ter para sua sobrevivência dentro dos parâmetros de
saúde.
Os sinais afetivos gerados por disposições de ânimo da mãe tornam-se uma
maneira de comunicação com o bebê. Os intercâmbios entre mãe e filho continuam
sem interrupção mesmo que a mãe não se dê conta. Mãe e filho, mesmo inconscientes,
percebem o afeto do outro e respondem com afeto numa troca contínua e recíproca.
2.3 – Padrões filogênicos e ontogênicos do desenvol vimento infantil O ser humano é uma unidade indissociável, formada pela inteligência, pela
afetividade e pela motricidade. Seu desenvolvimento se processa através das
influências mútuas entre três aspectos – cognitivo, emocional e corporal – e qualquer
alteração que ocorra em um destes se refletirá nos demais.
O desenvolvimento psicomotor inclui o desenvolvimento funcional de todo o
corpo e suas partes. É através dele que a criança deixa de ser a criatura frágil da
primeira infância e se torna uma pessoa livre e independente do auxilio de outros.
Para que o desenvolvimento infantil aconteça, é necessário que estejam
presentes, na hora do nascimento, estruturas anatômicas e uma determinada
organização fisiológica, capazes de garantir o funcionamento biológico do organismo.
São elas o ponto de partida para que o recém-nascido continue vivendo. Essa
organização fisiológica (sistema endócrino e sistema nervoso) se manifesta através da
realização funcional e possibilita a evolução do ser humano.
Numa perspectiva filogenética, determinadas formações nervosas surgem
quando determinadas funções se organizam. Numa visão ontogenética, no
desenvolvimento infantil, surgem funções específicas quando ocorrem mudanças
morfológicas. O que quer dizer que a organização morfológica é responsável pela
maturação do organismo.
Como bem afirma Gesell: “... crescimento é um processo de estruturação que
produz mudanças estruturadas nas células nervosas, que por sua vez originam as
correspondentes mudanças nas estruturas de comportamento” (Gesell apud Oliveira,
1999, p. 128).
33
A criança desenvolve-se de maneira contínua desde os primeiros dias de vida.
Crescimento em altura e peso, desenvolvimento intelectual e afetivo dependem de
influências comuns. As seqüências básicas do desenvolvimento físico que provocam
mudanças como no peso, na altura, nas proporções do corpo, da estrutura óssea, do
sistema nervoso e hormonal atuam conjuntamente para que aconteça o
desenvolvimento motor. Esse desenvolvimento motor é a parte visível do
desenvolvimento físico. Não se pode separar a gênese da motricidade da maturação
nervosa: o desenvolvimento do controle motor depende basicamente do
desenvolvimento neurológico.
Dentro do útero, o bebê está em simbiose com o organismo materno, e as
exigências metabólicas de seu crescimento são garantidas conforme suas
necessidades.
É a função muscular que traduz o primeiro modo de expressão do embrião.
Durante a vida intra-uterina, o feto já vive num universo de sensações cutâneas,
sonoras e proprioceptivas. Os estímulos sonoros desencadeiam movimentos do feto. O
universo do feto é animado por certa musicalidade, determinada pelos ruídos do
coração, do intestino, da voz materna, etc. (Marinho, 2005).
A atividade motora se traduz por um comportamento postural que se manifesta
precocemente pelo equilíbrio no liquido amniótico. Em torno da 16ª semana, os
movimentos mais abundantes e fortes aparecem espontaneamente ou a partir de
estímulos sensoriais (ibid.).
Com base em estudos como os de Milner, McLean e de Wallon, Fonseca afirma
que os comportamentos surgem antes, no e depois do nascimento, isto é, subentendem
um desenvolvimento intra-uterino e outro extra-uterino, ou seja, logo que determinado
número de cuidados sócio-afetivos e condições de envolvimento sejam fornecidos.
Portanto, as aprendizagens e as funções psíquicas superiores são modificações dos
mecanismos inatos (Fonseca, 1995).
Nessa perspectiva, Tinbergen afirma: “Os estudos dos processos humanos
superiores terão que ser inexoravelmente precedidos pelo estudo dos alicerces inatos
do comportamento” (Fonseca, 1995, p. 23).
34
O ponto de partida para compreendermos o desenvolvimento da criança é a
observação de que o homem aprende comportamentos, coisa que nenhuma outra
espécie faz da mesma forma, mas para isso é preciso conhecer os padrões de
desenvolvimento e a organização funcional do cérebro.
O desenvolvimento neurológico coloca em questão o problema da ontogênese e
da filogênese. Para que se possa compreender como se dá o desenvolvimento
neurológico, a diferença existente entre o sistema nervoso do recém-nascido e do
adulto, como se processa a maturação neurológica, é preciso estudar a herança
psiconeurológica de nossa espécie.
É imprescindível para se entender o desenvolvimento neuropsicológico da
criança, o estudo da herança estrutural e funcional dos estágios envolutivos prévios, na
medida em que a herança psiconeurológica humana é expressa em forma,
funcionamento e desenvolvimento.
A herança hereditária do ser humano inclui estruturas neurológicas que são
únicas. Os centros neuronais, que medeiam os comportamentos humanos exclusivos,
começam a funcionar apenas após o nascimento. A herança genética está presente
apenas como potencial no momento do nascimento.
O comportamento humano é influenciado pelo envolvimento criado pela
civilização e pela história social. Em razão desse envolvimento criado pela ação
consciente do ser humano, a criança chega à sua autoconscientização (somatognosia),
e daí à simbolização, penetrando num envolvimento emocional e moral cada vez mais
complexo. A mediação na aprendizagem passa a ser uma condição de sobrevivência.
O estudo do comportamento humano pede, cada vez mais, a contribuição de
dados evolutivos filogenéticos, pois dessa maneira a evolução ontogenética torna-se
mais integrada e coerente.
Como assinala Fonseca, “Parece verificar-se que na evolução do homem
(ontogênese) se encontra escrita toda uma evolução da espécie (filogênese), que no
campo motor apresenta paralelismos extremamente originais e significativos que
emprestam ao estudo da motricidade uma visão científica que se deve reconhecer”
(Fonseca, 1996, p. 40).
35
Schneirla afirma: “O desenvolvimento do comportamento em qualquer nível
filogenético não é apenas um retraçar dos estádios e dos níveis das formas ancestrais
sucessivas, mas sim uma nova tonalidade, que tende a um novo padrão distinto”
(Fonseca, 1995, p. 29).
Prechtl coloca que o desenvolvimento ontogenético não é apenas a
recapitulação da filogênese, mas sim uma nova combinação e uma nova tonalidade.
Para ele, os resíduos filogenéticos são estruturas de transição que estão presentes em
certos períodos da ontogênese, para guarnecer o sistema nervoso com certas
propriedades que lhe permitem satisfazer determinadas exigências do desenvolvimento
(Fonseca, 1995).
As proposições filogenéticas, de alguma forma, traduzem-se na ontogênese
neurológica pré-natal, Arey, 1954; Carmichael, 1951; e Zubek e Solberg, 195, afirmam
que os centros do neuroeixo têm uma perspectiva horizontal (de cada centro) e vertical
(dos vários centros) do seu desenvolvimento (Ibid.).
Por meio dos padrões filogenéticos e ontogenéticos podemos observar a
evolução da criança do reflexo à reflexão, do ato ao pensamento e do gesto à palavra,
como também podemos notar o reflexo das dificuldades ou incapacidades com relação
à aprendizagem.
Os caminhos ontogênicos de interligação no sistema nervoso humano confirmam
o padrão filogenético de forma que não se pode pensar em desenvolvimento infantil
sem a sua contribuição.
2.4 – O Desenvolvimento Infantil As fases do desenvolvimento psicomotor não podem ser consideradas apenas
segundo um quadro de maturação neurológica, mas como resultado de um processo
reacional e relacional complexo. Ao enfocarmos o desenvolvimento psicomotor,
devemos levar em conta as reações do ser ao ambiente que o cerca e as relações com
os demais.
O ser humano nasce com as condições anátomo-fisiológicas dos reflexos, mas
para que estes se manifestem é imprescindível que o meio atue, sob a forma de
estímulos, que irão tirar o equilíbrio da organização, provocando a reação reflexa. O
36
reflexo constitui-se em uma modalidade assimiladora, que se acomoda ao meio,
quando se põe em funcionamento.
O desenvolvimento motor da criança, especialmente durante os primeiros anos,
acompanha duas tendências básicas da organização neuromotora: realiza-se da
cabeça para a parte inferior do corpo – tendência céfalo-caudal – e do tronco para as
extremidades – tendência próximo-distal. As leis do desenvolvimento céfalo-caudal e
próximo-distal nos permitem perceber a evolução significativa do controle do córtex
cerebral, que assegura a coordenação de vários grupos musculares. Observando-se
crianças pequenas nota-se que elas sustentam a cabeça antes de poder controlar os
membros e são capazes de controlar os braços e as mãos antes de poderem controlar
bem as pernas e os pés. A evolução da motricidade está em diminuir o tônus nos
membros e aumentar a do eixo corporal.
O recém-nascido não realiza movimento voluntário organizado, ele apresenta
reações automático-reflexas bastante complexas. Sua movimentação é praticamente
uma descarga de energia muscular, de reações clônicas e tônicas, gestos
incoordenados decorrentes da intensa hipertonia inicial, e basicamente relacionados a
duas experiências vividas pela criança: a de bem-estar e a de mal-estar. Através dessa
ação motora, tem inicio uma comunicação com o mundo e com o outro.
A criança recém-nascida oscila entre um estado de necessidade que se
manifesta pela elevação do tono, origem de descargas musculares impulsivas e por
gritos e um estado de prazer que é paralelo à diminuição do tono.
Esta fase da vida não é consciente, mas Spitz considera muito importante, pois
as experiências corporais vividas ficam registradas devido à memória corporal, forma
mais primitiva do inconsciente (Marinho, 2005).
Conforme vai se desenvolvendo, a criança passa a realizar movimentos isolados
e cada vez mais independentes, até ser capaz de utilizar seu corpo como instrumento
de exploração do meio externo, quando então, seus movimentos passam a ter
significado e representatividade.
O desenvolvimento infantil, além de receber influência da herança genética
quanto às suas características físicas e biológicas, recebe também a influência do
ambiente tanto do ponto de vista físico quanto da organização egóica.
37
A criança precisa de espaço e oportunidades para agir num meio ambiente
favorável que permita que ela estabeleça comunicação com o mundo de forma segura.
A possibilidade dessa ação corporal influenciará positivamente em seu
desenvolvimento.
Para E. Pikler, é preciso assegurar à criança a liberdade de ação, condição
básica para que esta adquira a consciência de si mesma e do ambiente. O adulto não
deve interferir durante os primeiros estágios do desenvolvimento motor, pois sua
interferência, não é condição para aquisição desses estágios – ficar de bruços, sentar-
se, ficar de pé, caminhar – pois, em condições favoráveis, a criança pode realizar esses
movimentos por sua própria iniciativa. O papel do adulto deve ser o de contribuir
apenas com atitudes que satisfaçam a necessidade infantil de verbalização, de
esclarecimento diante de alguma dúvida, de encorajamento, de aceitação de regras
sociais (Oliveira, 1999).
As fases de desenvolvimento são comuns para todas as crianças, no entanto, o
meio ambiente, o convívio familiar, as mobilidades físicas e as diferentes maneiras de
ser, mostram que crianças com a mesma idade podem apresentar comportamentos
diferentes.
Os primeiros anos de vida de uma criança são de uma importância fundamental:
o desenvolvimento da inteligência, da afetividade, das relações sociais é tão rápido que
sua realização determinará em grande parte as capacidades futuras. Qualquer
perturbação poderá também, se não for detectada a tempo e tratada de maneira
adequada, diminuir consideravelmente essas mesmas capacidades futuras.
O estudo e observação do desenvolvimento e da atividade motora da criança são
necessários não apenas devido às implicações de ordem neurológica, mas também por
tratar-se de um aspecto que possibilita a verificação de sua maturidade, tanto em
relação à evolução da motricidade global quanto em relação à coordenação motora-
fina.
Fonseca afirma que são muitos os estudos relacionados às etapas do
desenvolvimento psicomotor realizados por diversos autores de grande importância. A
determinação de estágios de desenvolvimento da criança é indispensável para que se
estabeleçam as condutas educativas que poderão favorecer os diversos aspectos de
38
desenvolvimento e conhecimento e, portanto, simplificar a adaptação da criança ao
meio em que vive. Torna-se necessário apresentar as concepções e contribuições de
alguns desses grandes estudiosos do desenvolvimento psicomotor infantil (Fonseca,
2008).
Os estudos de R. Mourgue e Von Monakow, de 1928 até Minkowski, de 1938,
sobre a motricidade dedicaram-se aos reflexos proprioceptivos e à organização bulbo
espinal. No período fetal, a mielinização e a função nervosa são fatores de maturação
de grande importância, onde estão incluídos os fenômenos de condução do impulso
nervoso, que, partindo do músculo, atinge o cérebro, provocando uma integração
genética que apóia todo o desenvolvimento psicomotor da criança (Fonseca, 1996).
A mielinização eleva-se desde a medula até o terreno cortical, tendo por base a
atualização das possibilidades motoras, requisitadas pelo meio. O sistema nervoso do
recém-nascido está em constante ordenação e reestruturação, originando novas
conexões que possibilitam o enriquecimento do potencial motor, criador de todas as
trocas entre o organismo e o meio.
Coghil, em seus trabalhos, conclui que “... a maturação nervosa põe em
destaque as leis de desenvolvimento céfalo-caudal e próximo-distal”. Através destas
leis é que se pode perceber o controle dos músculos óculo motores (de 1 a 4 meses),
dos músculos de equilibração da cabeça (dos 3 aos 5 meses) e dos músculos do tronco
(dos 5 aos 10 meses) (Fonseca, 1996, p.41).
A evolução da motricidade explica o progresso do controle do córtex cerebral que
assegura a coordenação de vários grupos musculares; da hipertonia dos membros e da
hipotonia do eixo corporal, essa evolução está em diminuir o tônus nos membros e
aumentar no eixo.
Essa evolução passa por diversas fases espasmódicas e agitadoras,
desencadeadas bruscamente e em massa o que origina uma reação totalitária e
anárquica dos movimentos simétricos e bilaterais, que provam que a mielinização do
feixe piramidal ainda não se encontra completa, não realizando a inter-relação do córtex
com as extremidades, a fim de permitir uma melhor adaptação da criança às exigências
do meio. A maturação nervosa acontece através da regulação protuberancial,
cerebelosa, mesencefálica e talâmica, atingindo o córtex como estrutura nervosa em
39
permanente ação e retroação, que se modifica constantemente a fim de adaptar os
diferentes movimentos à finalidade a que se propõe. Esta ação cortical requer uma
ampla experiência motora vivida, a fim de se servir do conhecimento da sensibilidade
enviada pelas articulações e pelos músculos com o objetivo de realizar uma ação mais
ajustada como resultado de uma maturação coordenadora. As informações resultantes
da ação atingem o córtex que se incumbe de planejar a ação mais adequada,
econômica e eficiente (José&Coelho, 2004).
A preensão é considerada como o fator mais humano do desenvolvimento motor.
As inúmeras possibilidades de execução transmitidas pela mão permitem um
aperfeiçoamento constante de diversas aprendizagens. Essa progressiva escolha de
grupos musculares nas praxias possibilita um número maior de formas de intervenção
nos movimentos, e de inibição dos efeitos inúteis através de um mais adequado
ajustamento motor.
A gênese da Psicomotricidade é comprovada por um desaparecimento das
sincinesias (movimentos involuntários e inconscientes), por uma melhora da
coordenação da motricidade, por um acréscimo progressivo de rapidez de execução e
por uma aquisição simbólica que facilita toda a extensão de comunicação e de
existência individual e social.
Henri Wallon
Wallon salienta a importância do aspecto afetivo como anterior a qualquer tipo de
comportamento. Para ele, existe uma evolução tônica e corporal denominada diálogo
corporal que constitui o primeiro passo para a comunicação verbal. Esse diálogo
corporal tem como instrumento operativo e relacional o corpo (Fonseca, 1996).
Para o autor, as primeiras atividades da criança são na verdade apenas gestos
de sobrevivência que expressam a modulação tônica e emocional de ajustamento ao
meio ambiente (Fonseca, 2008).
A motricidade é a primeira forma de expressão emocional e de comportamento,
pois é a primeira estrutura de relação da criança com o meio, com o outro e com o
40
objeto de onde se originará o psiquismo. Durante todo o processo de desenvolvimento,
o movimento assume uma importância cada vez maior.
Em termos evolutivos, segundo Wallon, a motricidade se apresenta sob três
formas (Fonseca, 2008):
Deslocamentos passivos
ou exógenos
- quando nasce, o bebê comunica suas necessidades
por impulsos de desconforto, irritabilidade, mas não é
capaz de produzir ações adequadas que as
satisfaçam;
- as respostas do adulto possuem significação afetiva;
-a mediatização entre o biológico e o social dá inicio ao
psiquismo da criança;
- evolução da posição de deitado para sentado;
- reptação, quadrupedia, rolar, locomoção de gatinhas.
Deslocamentos ativos ou
autógenos
- surgem como resposta e reações do corpo ao mundo
exterior;
- aparecimento do psiquismo através da motricidade,
unificando a descoberta do corpo somático, de onde
surgirá o eu, e a do corpo relacional, de onde surgirá o
não-eu;
- apropriação da postura bípede e da preensão; a
modulação tônica, a proprioceptiva e a postural se
estruturam e organizam;
- a gestualidade e a mímica se orientam para funções
e aprendizagens pré-simbólicas.
Deslocamentos práxicos - aquisições dos primeiros hábitos sociais;
- os deslocamentos motores no espaço e prensor da
mão proporcionam uma nova concepção de si mesmo
e da realidade
41
Nos aspectos psicomotores, Wallon destaca os estádios (Fonseca, 2008):
- Estádio impulsivo (recém-nascido)
- Os movimentos e os reflexos são espasmos descoordenados sem significado
ou intenção, ligados basicamente às necessidades de sobrevivência. A ação possui
uma carga afetiva que alterna entre o bem-estar e o mal-estar.
- A interação da criança com o meio, mediatizada pela ação do adulto, assume
um poder de comunicação. Ao responder às solicitações do bebê, o adulto desenvolve
um repertório comunicativo de reciprocidade afetiva.O bebê progride de uma
indiferenciação corporal para uma identidade de si, a partir das interações motoras com
os adultos.
- Estádio tônico-emocional (dos 6 aos 12 meses)
- Surge o movimento significativo, uma das principais formas de comunicação da
vida psíquica do bebê, pois é através dele que vai se relacionando e interagindo com o
exterior.
- A criança evolui da postura deitada para a postura sentada, de reptações, a
locomoções quadrúpedes e com o corpo elevado com o apoio das mãos.
- As descargas motoras dão lugar a gestos mais coordenados, precisos, com
significado comunicativo.
- Nas interações e trocas com os adultos, a criança vai estabelecendo
associações e aprendendo. Sua atenção seletiva começa a antecipar efeitos, os
primeiros sinais de cognição começam a emergir, os primeiros atos voluntários e traços
de uma motricidade planificada começam a surgir.
- Surge o interesse em tocar os orifícios do corpo, mãos e pés na boca,
explorações dos órgãos genitais, a noção e a consciência do corpo têm origem nestas
reações.
- Estádio sensório-motor (dos 12 aos 24 meses)
- O mundo exterior passa a ser objeto a descobrir, a explorar e a manusear, não
só em termos motores, mas em termos psíquicos.
- Uma linguagem corporal complexa está em pleno desenvolvimento e dá
suporte para a linguagem falada.
42
- A criança coordena ações com sensações, ajustando o gesto aos seus efeitos,
essas ações vão refinando sua preensão manual, apreensão visuoespacial e
auditiva,percepção, linguagem, a descoberta das propriedades e atributos, tornando a
sua motricidade cada vez mais organizada, pensada e percebida.
- A marcha bípede e assimétrica favorece sua relação com o mundo exterior,
aumentando seus poderes de investigação e modificação do ambiente, permite o
acesso a novos meios de interação com os objetos.
- Com a marcha e com a linguagem, a criança pode distanciar-se das ações
imediatas, pode prolongá-las no espaço e no tempo, pode recordá-las, antecipá-las e
imaginá-las.
- A motricidade global e fina e a linguagem permitem à criança se projetar no
mundo simbólico. Na exploração e descoberta do mundo exterior ocorre a descoberta
do mundo interior, uma consciência corporal que destaca o eu do não-eu.
- Estádio Projetivo (dos 2 aos 3 anos)
- Neste período surgem a imitação, o simulacro e as reações em eco como
processos fundamentais do desenvolvimento psicomotor da criança. Eles induzem a
atos que relacionam a motricidade com a representação, a ação com a imaginação.
- A criança já pode comunicar-se com base em atos sem objetos reais, é capaz
de encontrar uma representação para um objeto e um signo para uma representação.
- A linguagem passa a ser o instrumento do pensamento , a ferramenta de sua
atividade mental. Sem a presença de sujeitos ou objetos, a criança pode torná-los
presente no palco de sua ação na sua imaginação.
- Estádio Personalistico (dos 3 aos 4 anos)
- O estádio personalístico está direcionado para o enriquecimento do eu, para a
construção da personalidade onde a consciência corporal e a aquisição da linguagem
tornam-se os principais componentes. O modelo do outro adquire importância como
experiência pessoal.
- Estádio Categorial (dos 6 aos 11 anos)
- A criança torna-se mais atenta e autodisciplinada, mais inibida em termos
motores e mais concentrada em termos atencionais e sensoriais.
43
- O meio onde vive, atua e é influenciada vai dirigindo as suas condutas e
orientando a fixação de seus hábitos. A aprendizagem dos diversos papéis que deve
desempenhar confere-lhe um determinado lugar na rede de relações sociais.
- Novas estruturas vão emergir neste estágio subdividindo-o em duas etapas:
- Pensamento pré-categorial (dos 6 aos 9 anos) –a criança não consegue distinguir o
fato da causa, o agente da ação, a ação do seu efeito, por isso classifica os objetos e
as situações de acordo com a relação concreta e imediata que tem com eles.
- Pensamento categorial (dos 9 aos 11 anos) – Há uma maturação da criança como um
todo, em sua relação com o meio, no qual ela se integra de acordo com suas
necessidades e possibilidades.Identifica, analisa, defini, sintetiza e classifica objetos,
pessoas, acontecimentos, com procedimentos entre objetivos e fins. Conhece melhor a
si própria, mais sociável e responsável, posiciona-se melhor em situações conflituosas
e toma melhor consciência dos papéis que ocupa em diferentes grupos.
- Estádio da Puberdade e Adolescência
- Fase marcada por mudanças evolutivas significativas em termos biológicos,
psicológicos e sociais e por conta de tais modificações, a eficácia e a coordenação
motoras podem evocar episodicamente certas dispraxias e imperícias mímicas e
gestuais, certas instabilidades posturais, daí a divergência dos fatores psicomotores
neste período de desenvolvimento.
- Afetivamente, a imagem corporal pode passar por abruptos desequilíbrios
interiores, fobias, sentimentos de vergonha e timidez, sonhos e fantasias que podem
levar o jovem a sentir-se desvalorizado. Este período é de grande reorganização do
esquema corporal. A vivência do outro e o preâmbulo do namoro são outros fatores que
podem desencadear novas inquietações e questionamentos que acabam por refletir nas
suas funções cognitivas e nos seus valores.
- Surgem novos circuitos de inter-relação afetiva e de responsabilidade que
substituem os da família e isso influencia na formação da personalidade. Os grupos
passam a ser fundamentais para a construção da cidadania e da identidade do jovem,
mas é necessário que a sua orientação e organização sejam mediatizadas pelos
valores positivos da sociedade, nos quais a família, a escola e a comunidade no seu
todo têm um papel muito importante a desempenhar.
44
Jean Piaget
Piaget considera que a motricidade interfere na inteligência, antes da aquisição
da linguagem (Fonseca, 2008).
O autor possui uma visão da inteligência ou da cognição humana como uma
adaptação biológica de um ser complexo a um envolvimento igualmente complexo, um
sistema cognitivo ativo que seleciona e interpreta a informação do envolvimento à
medida que constrói o seu conhecimento. Essa adaptação é composta de dois
componentes – a assimilação e a acomodação.
A assimilação, processo de adaptação dos estímulos externos às estruturas
mentais internas e a acomodação, processo complementar de adaptar essas estruturas
mentais à estrutura dos mesmos estímulos, são integrantes de um processo cognitivo
que sugere uma constante interação e colaboração entre o interno-cognitivo e o
externo-ambiental, ambos contribuindo para a construção do conhecimento.
Piaget mostra, em seu estruturalismo genético, que todas as crianças passam
por estádios estáveis de estruturação de pensamento em crescente complexidade
genética, e esses estádios seguem uma progressão bem definida de aquisições
intelectuais. O autor ainda explica que entre um estádio e outro existe um intermediário
no qual convivem, em estado de desequilíbrio, as concepções do estádio anterior ou do
posterior (Fonseca, 2008).
A criança parte de uma posição egocêntrica, vai formando sua inteligência
através de processos de adaptações, assimilações e acomodações, chegando a uma
interação com o mundo externo, e, portanto, reduzindo o egocentrismo.
Em seus estudos, Piaget partiu de uma teoria biológica sobre a construção do
conhecimento humano, ou seja, da epistemologia genética (Pulaski, 1986).
Os estádios de desenvolvimento das operações intelectuais são:
Sensório-motor
0 a 2 anos
- Conhecimento do mundo baseado nos sentidos e
habilidades motoras.
- No final do período, emprega representações mentais.
Pré-operatório
2 a 6 anos
- Uso de símbolos, palavras, números para representar
aspectos do mundo.
45
- Relaciona-se apenas por meio de sua perspectiva
individual. O mundo é fruto da percepção imediata.
Operatório-concreto
7 a 11 anos
- Aplicação de operações lógicas a experiências
centradas no aqui e agora.
- Inicio da verificação das operações mentais, revertendo-
as e atendendo a mais de um aspecto.
Operatório-formal
A partir dos 11 anos
- Pensamento abstrato, especulação sobre situações
hipotéticas, raciocínio dedutivo.
- Planejamento, imaginação.
A ordem de sucessão destes estádios não deve ser considerada de uma forma
rígida e exclusivamente cronológica, mas sim em uma perspectiva de evolução
estruturada e construtivamente hierarquizada. Cada estádio é uma fase necessária à
formação da seguinte, mas o envolvimento socioeconômico e sociocultural poderão
acelerar ou retardar a evolução dos períodos de desenvolvimento mental (Pulaski,
1986).
Julian de Ajuriaguerra
Para Ajuriaguerra a evolução da criança é sinônimo de conscientização e
conhecimento cada vez mais profundo do seu corpo. É com o corpo que a criança
elabora todas as suas experiências vitais e organiza toda a sua personalidade.
(Fonseca, 1996).
A motricidade constitui uma atividade biológica interna equivalente à organização
de uma resposta adaptativa a uma estimulação recebida do mundo exterior.
A evolução da motricidade ocorre desde que existam possibilidades de ação,
como a manipulação de objetos, que justificam, por esse fato, a razão de uma
maturação, esta analisada através do desaparecimento dos reflexos primitivos dando
lugar à aquisição de sinergias que, por sua vez, regulam o movimento e impedem as
sincinesias e as paratonias.
Ajuriaguerra aponta três fases cruciais sobre a organização psicomotora da
criança (Fonseca, 1996):
46
- Organização psicomotora de base
(postura)
-aquisição progressiva do sistema
postural e desaparecimento das reações
primitivas;
-os reflexos geram atos a partir de
estímulos que a criança recebe do meio,
que interrompe a imobilidade da sua
organização postural;
-a atualização dos reflexos é um
processo de assimilação que se
acomoda ao meio,
- Organização da planificação motora
(somatognosia)
- tomada de consciência do corpo como
realidade vivida e convivida;
-movimentos já são ajustados porque
são autocontrolados e auto-regulados
psicologicamente;
-formação dos primeiros movimentos
intencionais integrados;
-tem inicio a descoberta e conquista dos
planos gnósicos, práxicos e sociais da
motricidade.
- Automatização (praxia)
-motricidade aprendida, mais inteligente,
eficaz, precisa, perfeita, isto é, práxica;
-diferenciação cognitiva que distingue
dois componentes da psicomotricidade:
o aspecto figurativo, mais do domínio
psíquico e o aspecto operativo, mais do
domínio motor, unificando a síntese
funcional ou a simbiose da própria
praxia.
47
Lev Semenovich Vygotsky
Para Vygotsky, o desenvolvimento psicomotor da criança está relacionado com o
contexto sócio-histórico. A criança, ao se inserir no seu contexto social e cultural, o faz
de maneira dialética e dinâmica, através de rupturas e desequilíbrios ocasionados por
continuas reorganizações que ocorrem dentro dela (Fonseca,2008).
Todas as conquistas psicomotoras decorrem em um contexto social e são
aprendidas por meio da mediatização cultural.
Quando internalizados e incorporados em funções psíquicas superiores, os
processos começam a ocorrer sem a intermediação de outras pessoas.
Aleksandr Romanovich Luria
Os principais objetivos do estudo de Luria são a análise da atividade psicológica
humana que está por detrás da ação propriamente dita, a estrutura interna da atividade
mental, a organização dos diferentes componentes que contribuem para a estrutura
final da atividade mental, que se reflete na motricidade e na linguagem humana
(Fonseca, 1995).
O desenvolvimento e a aprendizagem são resultados da criação de conexões
entre um grande número de células que se encontram em diversas áreas do cérebro.
Para que ocorra a aprendizagem, é necessário que no cérebro da criança aconteça um
processo ativo conjuntural e reorganizador de sistemas funcionais múltiplos e de
integração progressiva.
O ser humano nasce com condições biológicas para poder manter-se em pé e
andar, mas precisa desenvolver o controle interior, proprioceptivo, tátil-cinestésico e
vestibular, para garantir uma postura bípede que lhe liberte as mãos para executar
atividades. Esse controle interior representa a organização cortical da motricidade
humana de relação entre corpo e cérebro, e entre movimento e comportamento,
compreendido como relação inteligível e internalizada entre a situação e a ação. O
homem habita o mundo exterior através do corpo e a partir dele vivencia e dirige todas
48
as suas experiências. A motricidade humana é uma relação entre o sujeito e o mundo
que o envolve.
Considerando a progressiva maturação do sistema nervoso, o autor sugere uma
seqüência bem definida, cada vez mais integrada e complexa de cinco estádios
evolutivos:
- 1º Estádio –Desenvolvimento da unidade de vigilância e de atenção que
corresponde ao desenvolvimento das capacidades de focalização
atencional com ramificações tônico-emocionais e tônico-posturais
específicas.
- 2º Estádio –Desenvolvimento das áreas motoras e sensoriais primárias
(integração).
-Emergência de coordenações motoras vertebradas das
reptações, das quadrupedias.
-A seqüência do desenvolvimento obedece a uma hierarquização:
no 1º ano há um desenvolvimento motor; no 2º um
desenvolvimento somestésico e somatognósico, com a aquisição
do eu corporal, desenvolvimento visual e espacial, surgimento das
praxias finas e lúdicas; no 3º um desenvolvimento auditivo
culminando com a emergência definitiva das competências da
linguagem.
- 3º Estádio –O processamento de informação está mais afinado às
circunstâncias e às tarefas, permitindo afinar a percepção e a ação
com memórias mais consistentes. Surgimento do pensamento
simbólico e da praxia, permitindo à criança evoluir das
experiências motoras espaciais lúdicas para as experiências
simbólicas e representacionais.
- 4º Estádio – O desenvolvimento da área sensorial terciária gera e diversifica
novos circuitos neuronais característicos das aprendizagens
escolares básicas da leitura, da escrita e do cálculo.
49
- 5º Estádio – O desenvolvimento neuropsicológico, integrando o
desenvolvimento psicomotor, emocional e cognitivo se dá pela
emergência de sistemas funcionais cada vez mais complexos e
integrados em cadeias, implicando uma multiplicidade de zonas
cerebrais.
Arnold Gesell
O autor pesquisou o desenvolvimento de recém-nascidos e crianças pré-
escolares e estabeleceu normas de maturidade para determinados comportamentos
considerados normais no que se refere às áreas motora ou postural, adaptativa, verbal
dou da linguagem e social. descreve as características motoras que a criança
apresenta ao longo de seu desenvolvimento (Oliveira,1999):
Até a 4ª semana - acompanha estímulos colocados em seu campo visual;
- a mão abre e fecha.
Até a 16ª semana - senta-se com apoio e levanta a cabeça;
- olha para as mãos e objetos colocados ao seu redor;
- toca objeto diante de estimulo visual.
Até a 28ª semana - mantém-se sentada sem auxilio;
- ao avistar um objeto, pega-o e passa de uma mão à outra.
Até a 40ª semana - domina o equilíbrio da posição sentada;
- engatinha;
- movimento de pinça;
- as pernas sustentam o corpo mas precisa de apoio.
Com 1 ano - pode engatinhar com agilidade e caminha com apoio;
- preensão hábil e precisa;
- solta bola com intuito de lançamento.
Com 18 meses - caminha mais depressa e mantém-se em pé sem apoio;
- sobe cadeira e sobe escada com auxilio;
- introduz objetos em espaços, empilha dois ou três cubos;
50
- vira folhas de um livro- duas ou três de uma só vez.
Com 2 anos - anda mais rápido mas ainda não corre;
- pode saltar do primeiro degrau sem ajuda;
- expressa suas emoções rindo, gritando;
- constrói torres de até seis cubos, corta com a tesoura, enfia
contas;
- permanece sentada por mais tempo;
- vira páginas de um livro uma a uma.
Com 3 anos - maior capacidade de inibir e delimitar movimentos;
- constrói torres de até dez cubos;
- maior coordenação na marcha e na corrida, aumentando ou
diminuindo a velocidade;
- sobe e desce escadas alternando os pés; pedala;
- salta a uma altura de 30cm com os dois pés;
- durante um segundo pode manter-se em um pé só;
- demonstra interesse por lápis e possui uma manipulação
mais fina.
Com 4 anos - corre com mais facilidade e é capaz de saltar em meio a
uma corrida;
- refinamento e precisão de gestos; abotoa e dá laços;
- ao desenhar, concentra-se em um detalhe.
Com 5 anos - possui maior equilíbrio e controle; caminha em linha reta;
- pára com os pés juntos, chuta e arremessa;
- olhos e cabeça movem-se quase simultaneamente;
- sobe e desce escadas alternando os pés;
- salta sobre um pé só alternadamente;
- brinca por mais tempo em um lugar limitado;
- maior destreza com as mãos e reconhece qual usa para
escrever ou desenhar ;
- observa alguém para imitar;
- gosta de copiar desenhos, letras e números.
51
Com 5a e 6m a 6
anos
- cava, dança, trepa, arrasta-se debaixo, em cima e ao redor;
- arma e desarma coisas, recorta, cola e modela com argila;
- manipula melhor o lápis e gosta de desenhar e colorir;
- maior consciência da mão como ferramenta;
- atividade oral intensa;
- distrai-se facilmente com estímulos do ambiente.
Vitor da Fonseca
Fonseca considera que o desenvolvimento infantil depende de dois tipos de
herança: a biológica, resultante do potencial genético transmitido pelos progenitores e a
social resultante do potencial cultural infundido pelo grupo a que pertence (Fonseca,
2008).
Para ele, é a partir das experiências sociais que a criança se apropria da cultura
humana convertendo as ações em abstrações, por meio de coordenações e operações
mentais. Essas ações se dão primeiro com o objeto, depois com as imagens e depois
com as palavras, símbolos e números. Quando a criança explora os objetos e
reconhece seus atributos e propriedades, suas significações e finalidades, ela vai
integrando, edificando e organizando a linguagem. Nesse sentido, a linguagem não só
como meio de regulação e verificação interna dos movimentos, mas como instrumento
da expressão do pensamento e do sentimento, unificando uma aprendizagem que se
origina da ação à emoção, do ato ao pensamento e do gesto à palavra.
Sobre o desenvolvimento humano, Fonseca afirma que ele se desenvolve
segundo uma espiral evolutiva e ocorre com base nos estádios passados, mas que os
repete ou integra de forma cada vez mais diferenciada se direcionando a um nível
superior. O autor apresenta três períodos de maturação e hierarquização
(Fonseca,2008):
52
1º- Período de informação - aquisição da postura, das praxias globais e finas e da
linguagem não verbal;
- passagem dos movimentos indiferenciados para os
mais diferenciados;
- surgem as formas de movimento integrado e de
exploração lúdica, de sinergias e de processos
inibitórios, caminho para a atenção compartilhada, a
interação, a imitação, ao jogo e a mediatização
simbólica, atos mentais que vão dar origem a
linguagem verbal.
2º- Período de Formação - a linguagem falada edifica-se a partir da experiência
com os outros e os objetos;
- a criança primeiro age, depois sente para em seguida
conhecer e reconhecer; ela manipula primeiro o real
para depois nomear, identificar e simbolizar.
3º- Período de
Transformação
- a motricidade passa a ser reestruturada por
intenções;
- elaboração de processos psíquicos internos como
atenção, processamento simultâneo e sequenciação
de dados internos/externos, antecipação e regulação
da execução práxica;
- aquisição da leitura, da escrita e do cálculo.
- a criança passa a manipular e revelar a realidade
pelo espaço, tempo e instrumentos;
- surge a inteligência social que vai se multiplicar em
estruturas mentais dedutivas e indutivas que vão
proporcionar a inserção social, cultural, intelectual e
afetiva na sociedade.
53
III – ELEMENTOS BÁSICOS DA PSICOMOTRICIDADE A organização psicomotora humana envolve a participação dos sete fatores
psicomotores, cada um contribuindo para o todo da atividade humana de forma
particular, eles são: tonicidade, equilibração, lateralização, noção de corpo,
estruturação espaço-temporal, praxia global e praxia fina (Fonseca, 1995).
3.1 – Tonicidade
Vitor da Fonseca, referindo-se ao modelo psiconeurológico de Luria, afirma que a
função principal da tonicidade, que é a de alerta e de vigilância, assegura as condições
genéticas e seletivas, sem as quais não haveria qualquer atividade mental (ibid.).
Para o autor, a tonicidade é o alicerce fundamental da organização psicomotora.
A tonicidade garante as atitudes, as posturas, as emoções, de onde surgem todas as
atividades motoras humanas. Ela tem um papel fundamental no desenvolvimento
motor, assim como no desenvolvimento psicológico.
Paillard declara que a tonicidade assegura a preparação da musculatura para as
diversas formas de atividade postural e práxica. Para Sherrington, a tonicidade envolve
planos de organização fisiológica e os reflexos posturais, do qual depende a
organização da postura bípede humana, como envolve a preparação dos estados de
representação mental. Ainda de acordo com este autor, a tonicidade é uma função
integrada do sistema nervoso, pois “é a atividade postural dos músculos que fixa as
articulações em posições determinadas, solidárias umas com as outras, que no seu
conjunto compõem a atitude” (Fonseca, 1995).
As atividades tônica e tônico-postural são o suporte de comunicações pré-
verbais. Essas comunicações compõem-se de equilíbrio, tensão muscular, posturas,
temperamento, vibração, contato da pele, ritmo, tempo, duração, tom, timbre,
ressonância e inúmeras outras formas.
O funcionamento desse sistema está integrado ao conjunto de atividades
posturais e cinéticas e articulado às atividades corticais mais evoluídas por meio de
ligações entre fibras e o sistema nervoso superior.
O surgimento de determinados movimentos tem repercussões importantes no
desenvolvimento da criança. Vitor da Fonseca cita autores como André-Thomas,
54
Ajuriaguerra, Chailley-Bert, Mamo, Laget e Paillard que consideram a função tônica
como a mais complexa e aperfeiçoada do ser humano. Ela se encontra organizada
hierarquicamente no sistema integrativo reticulado e toma parte em todos os
comportamentos de postura e movimento, por meio de uma maturação progressiva
(Fonseca, 1996).
A capacidade de adaptação motora do ser humano é dependente do melhor ou
pior ajustamento tônico. Qualquer tipo de motricidade automática ou voluntária está
profundamente dependente da melhor ou pior integração dos dados exteroceptivos
(espaço/tempo) e dos dados proprioceptivos (esquema corporal), organizados,
codificados e programados pela função tônica. Portanto, ela tem um papel, muito
importante na tomada de consciência de si (formação do eu) e na edificação do mundo
e do outro.
A tonicidade caracteriza-se por um fenômeno complexo que permite o suporte da
postura e é regulador e modulador da ação. O estado tônico é responsável pela
organização e função das estruturas neurológicas (medulares, sub-corticais e corticais).
As principais funções deste estado são a expressão emocional e relacional, as
atividades motoras básicas e as funções de alerta, atenção e vigilância. Um certo nível
tônico é indispensável a qualquer atividade mental, da mesma forma que um certo nível
tônico-postural é indispensável à preparação de qualquer movimento voluntário.
Compreende todos os músculos responsáveis pelas funções biológicas e
psicológicas, além de toda e qualquer forma de relação e comunicação social não-
verbal, tendo como característica essencial o seu baixo nível energético, que permite ao
ser humano manter-se em pé por longos períodos.
Para Fonseca, a tonicidade está relacionada com as respostas de adaptação à
gravidade e com todas as aquisições antigravítacionais onde se incluem os padrões
hierarquizados do controle da cabeça ao controle da postura de sentado, da
quadrupedia, da braquiação e conquista da postura bípede. A maturação neurológica
reflete a expressão de duas leis: a lei céfalo-caudal, relacionada com a maturação
neuromuscular da coluna e a lei próximo-distal, relacionada com a maturação
neuromuscular das extremidades, pés e mãos (Fonseca 1995).
55
Portanto, a tonicidade reflete o primeiro escalão de maturidade neurológica do
ser humano, sustentando os padrões antigravitacionais e preparando as aquisições do
desenvolvimento postural e do desenvolvimento da preensão.
A função da tonicidade é de grande importância para todo o processamento da
informação (decodificação-codificação) da mais simples a mais complexa, porque tem o
poder de discriminar e diferenciar a informação que circula no córtex seja de origem
interna ou externa ao corpo.
3.2 – Equilibração – (Fonseca, 1995)
A equilibração tem a função de vigilância, alerta e de atenção (Fonseca, 1995,
p.144)
Para Ajuriaguerra, o tônus que prepara e guia o gesto é simultaneamente a
expressão da realização ou frustração do individuo. O tônus apresenta-se como uma
tensão que regula e controla a atividade postural como suporte do movimento
(Fonseca, 2008).
Os movimentos se apóiam num estado de tensão que é o meio pelo qual se
torna possível o equilíbrio mecânico indispensável para que ocorra a coordenação entre
os movimentos dos vários segmentos corporais, entre si e no seu todo. Não pode haver
movimento sem atitude, nem coordenação de movimento sem equilíbrio permitindo o
ajustamento do homem ao meio. À medida que a criança cresce e evolui, o equilíbrio
torna-se cada vez mais importante e a sua base de sustentação imprescindível para
sua manutenção.
A equilibração é uma condição básica da organização psicomotora, visto que
envolve uma multiplicidade de ajustamentos posturais antigravitacionais, que dão
suporte a qualquer resposta motora. Quando os centros superiores são forçados a
entrar em ação para manter a postura, as potencialidades de aprendizagem diminuem.
O cérebro para estar mais apto para aquisições mais complexas tem necessidade de
transferir as funções motoras mais simples para centros automáticos daí a repercussão
dos problemas posturais em todas as funções de aprendizagem, sejam psicomotoras
ou psicolingüísticas. Em permanente interação com o universo extra corporal, a
equilibração coordena informações internas e externas imprescindíveis a qualquer
56
atividade motora ou de aprendizagem. Ela traduz a exclusividade da postura bípede,
pois a apropriação desta postura, dependente da mielinização, é uma construção do
cérebro.
A equilibração é essencial para o desenvolvimento psiconeurológico da criança e
para todas as ações coordenadas e intencionais que constituem o alicerce dos
processos de aprendizagem.
Para que haja a transformação do conhecimento em ações mentais é necessária
a organização de unidades funcionais preexistentes, nas quais a equilibração é sempre
o ponto de partida e de chegada para as combinar em novas unidades de trabalho.
A tonicidade junto com a equilibração constitui a organização motora de base
que prepara a organização psicomotora superior: lateralidade, somatognosia,
estruturação espaço-temporal e praxias. Fonseca afirma que “a motricidade antecipa a
psicomotricidade em termos filogenéticos e ontogenéticos; mais tarde, a atividade
mental superior absorve a motricidade, transformando-a em psicomotricidade, razão
pela qual a psicomotricidade traduz a organização psiconeurológica que serve de
suporte a todas as aprendizagens humanas” (Fonseca, 1995, p.166).
3.3 – Esquema Corporal
A função primordial da noção de corpo é a recepção, análise e armazenamento
da informação.
Fonseca afirma: “A noção do corpo, além de revelar a capacidade peculiar do ser
humano se reconhecer como um objeto no seu próprio campo perceptivo, de onde
resulta a sua autoconfiança e auto-estima, numa palavra, o seu autocontrole, é também
o resultado de uma integração sensorial cortical, que participa na planificação motora
de todas as atividades conscientes, pois por meio dela, atingimos a matriz espacial das
nossas percepções e das nossas ações” (Fonseca 1995, p. 188).
Ainda de acordo com Fonseca, a noção de corpo inclui o reconhecimento
integrado das partes e do corpo todo, tanto em termos perceptivos como em termos
emocionais. Segundo ele, a noção de corpo envolve, de acordo com sua escala de
desenvolvimento, “... a gênese da noção do eu (self)” a partir de quatro parâmetros
57
essenciais: auto-identificação, localização corporal, estruturação espacial do corpo e
abstração corporal (Fonseca, 2008).
A noção de corpo é uma representação mental, que consiste na integração das
partes do corpo que participam no movimento, e das relações que elas tem de
estabelecer entre si e os objetos. A noção de corpo deve ser reconhecida como
resultante da organização do “input” sensorial (tátil-cinestésico, vestibular e
proprioceptivo) numa imagem interiorizada e estruturada, de onde emerge uma
representação mental, que constitui num marco de referência interna que precede todas
as relações com o exterior.
A construção de esquema corporal, a organização das sensações relativas ao
próprio corpo em relação com o mundo exterior, tem um papel fundamental no
desenvolvimento da criança, pois é o ponto de partida para ela agir.
Para Fonseca, o esquema corporal é um esquema integrado, funcional, que se
aplica ao sentimento que se possui do próprio corpo e se denomina pela função dos
mecanismos fisiológicos que dão à pessoa o sentimento correspondente à estrutura
real do corpo (Fonseca, 1996).
A noção de esquema corporal simboliza um processo que tem origem nos dados
sensoriais que são enviados e fornecidos pelas estruturas motoras resultantes do
movimento realizado pelo sujeito.
O tônus muscular e a mobilidade são dois aspectos complementares e
indissociáveis do esquema corporal. A educação psicomotora irá conduzir a criança a
estruturar seu esquema corporal através de atividades como: controle do tônus
muscular, deslocamentos globais e equilíbrio do corpo.
O esquema corporal é estruturado a partir do momento que o sujeito descobre,
utiliza e controla o corpo, quando passa a ter consciência dele e de suas possibilidades
na relação com o meio ambiente.
O corpo não é somente algo biológico e orgânico, ele expressa emoções e
carrega uma série de significados que são adquiridos através da relação do sujeito com
o meio.
É através do corpo que a criança vai descobrir o mundo, experimentar
sensações e situações, expressar-se, perceber-se e perceber as coisas que a rodeiam.
58
À medida que a criança se desenvolve e quanto mais o meio permitir, vai ampliar suas
percepções e controlar seu corpo através da interiorização das sensações. Assim, ela
conhece seu corpo e amplia suas possibilidades de ação. O corpo servirá de base para
o desenvolvimento cognitivo, para a aquisição de conceitos referentes ao espaço e ao
tempo, para um maior domínio de seus gestos e harmonia de movimentos.
Podemos destacar três etapas de desenvolvimento do esquema corporal (Alves,
2008, p.50):
1ª Etapa – O corpo vivido
(de 0 a 3 anos)
- fase da inteligência sensório-motora, dominada pela
experiência vivida através da exploração do meio;
- a criança aprende a se mover a partir da imagem do
movimento do outro;
- parte de um estado de indiferenciação para um
estado de diferenciação, pois aos poucos, a criança
vai se diferenciando do meio.
2ª Etapa – O corpo
percebido ou descoberto
(de 3 a 7 anos)
- organização do esquema corporal decorrente da
função de interiorização, desloca sua atenção do meio
ambiente para seu corpo a fim de levar a uma tomada
de consciência;
- a criança refina seus movimentos, adquirindo uma
maior coordenação dentro de um espaço e tempo
determinado.
- vê seu corpo como ponto de referência para se situar
e situar os objetos numa dimensão de espaço e
tempo;
- é capaz de assimilar conceitos espaciais e conceitos
temporais.
3ª Etapa – O corpo
representado
(de 7 a 12 anos)
- noção do todo e das partes do corpo, conhece as
posições e mantém um maior domínio corporal;
- imagem mental de um corpo em movimento
programando e efetuando mentalmente suas ações.
59
- já não vê seu corpo como ponto de referência;
- esboça suas primeiras noções espaciais, pela
distância percebida entre ela e os objetos e, também,
partindo de seu próprio corpo vai delinear as primeiras
noções de profundidade, volume, lateralidade.
3.4 – Lateralização
A função fundamental da lateralização é a recepção, a análise e o
armazenamento da informação.É um processo essencial às relações entre a
motricidade e a organização psíquica inter-sensorial De acordo com Luria, a
lateralização respeita a progressiva especialização dos dois hemisférios que resultaram
das funções sócio-históricas da motricidade laboral e da linguagem (Fonseca, 1995).
A lateralização caracteriza-se pela função psicomotora que integra os dois lados
do corpo, permitindo uma melhor orientação no mundo exterior. Fonseca afirma que a
lateralização é o resultado da integração bilateral postural do corpo, é peculiar no ser
humano e está relacionada com a evolução e utilização dos instrumentos. É governada
por fatores genéticos, embora o treino e os fatores de pressão social possam
influenciar. Para Fonseca, a lateralização representa a conscientização integrada e
interiorizada dos lados do corpo, direito e esquerdo, o que pressupõe a noção de linha
média do corpo. E a partir daí decorrem as relações de orientação diante dos objetos,
imagens e símbolos, razão pela qual a lateralização interfere na especialização dos
hemisférios que sustenta as aprendizagens simbólicas e não-simbólicas (Fonseca,
2008).
Os dois hemisférios cooperam ao longo da ontogênese, mas progressivamente,
com a idade e com a acumulação da experiência, especializam-se, um no conteúdo
não-simbólico e o outro no simbólico. Ao abordarmos a lateralização humana, é
necessário relacioná-la com dois outros parâmetros: a preferência manual e a
especialização hemisférica.
60
Para Luria, o cérebro tem de organizar primeiro as sensações e os movimentos,
antes de organizar símbolos; por essa razão, a integração bilateral antecede a
especialização hemisférica (Fonseca, 1995).
A lateralização predominante é observada pela preferência do membro superior,
que constitui o membro de maior especialização e dissociação motora do ser humano,
ao mesmo tempo em que é o membro mais freqüentemente utilizado no contato com o
mundo exterior.
O desenvolvimento neurológico se faz diferentemente em cada um dos
hemisférios cerebrais e nas zonas neuro-sensitivo-motoras que lhes correspondem.
Fonseca coloca que especialistas afirmam que a preferência manual é sinônimo
de desenvolvimento desigual, mas complementar, do córtex nos dois hemisférios, e
confirma: “A intercomunicação entre os dois hemisférios cerebrais e a sua co-função
não podem necessariamente reconhecer a existência de um hemisfério superior e de
um hemisfério subordinado. O que se passa é uma complexa reciprocidade entre a
atividade de ambos os hemisférios” (Fonseca, 1996, p.132).
Lateralização é sinônimo de diferenciação e organização. O lado esquerdo do
corpo é controlado pelo hemisfério direito, enquanto o lado direito é controlado pelo
hemisfério esquerdo. Quando há dominância do hemisfério esquerdo, temos o individuo
destro; e quando ocorre a dominância do hemisfério direito, temos o individuo canhoto.
É legitimo admitir que haja colaboração dos dois hemisférios na elaboração da
inteligência.
Só a partir do momento em que os movimentos se combinam e se organizam
numa intenção motora é que se impõe e se justifica a presença de um lado
predominante, que irá ajustar a motricidade.
A lateralidade da criança irá impor-se com as experiências de complexidade
crescente com que se defronta. De acordo com Le Boulch, que concorda com
Ajuriaguerra é, portanto, no decurso do período que sucede à experiência do “corpo
vivido”, a partir dos dois anos de idade, que se elabora na criança a dominância lateral.
É também nesse período que se realiza a maturação dos principais centros sociais e
motores. Para Le Boulch, a dominância é funcional, vinculada à própria experiência da
61
criança, ao seu amadurecimento e à elaboração do esquema corporal (Le Boulch,
1987).
Presente em todos os níveis de desenvolvimento da criança, a lateralização
somente será definitiva à medida que esta criança atravessar todas as fases de
desenvolvimento. Deve-se considerar como de grande importância no desenvolvimento
infantil, a coordenação visuomotora, a organização das percepções táteis e visuais,
através de experiências que desenvolvam sua estruturação espacial, da qual
dependerá a lateralização. O conhecimento frente/atrás adquirido nos primeiros
deslocamentos da criança (rastejar e engatinhar) antecipa o de direita/esquerda.
É imprescindível que as crianças tenham experiências com a utilização de
ambos os lados do corpo para obter uma eficiência dos movimentos. A partir dos sete
anos, a criança será capaz de perceber que direita e esquerda não dependem somente
uma da outra, mas também da posição de outras pessoas em relação a ela e de seus
deslocamentos, acontecendo, então, uma descentralização de seus pontos de
referência.
A lateralidade deve ser examinada ao nível de mão, olho e pé, através de gestos
e atividades cotidianas.
As funções mais importantes não são desempenhadas por apenas um
hemisfério, é uma ação recíproca e mutuamente inter-relacionada, não existindo uma
autoridade exclusiva de um dos hemisférios. Exemplificando pode-se observar que a
linguagem e a organização espacial localizam-se em hemisférios diferentes, sem, no
entanto, poder se pensar que uma se encontra separada da outra, o que justifica, uma
permanente transmissão de informação entre os dois hemisférios (Le Boulch, 1987).
Os dois hemisférios cerebrais mantêm intensa comunicação entre si, através da
estrutura chamada corpo caloso situado na divisão entre eles. O hemisfério esquerdo é
responsável pela fala, pela capacidade de aprendizado de idiomas e funções lógicas. O
hemisfério direito está ligado ao artístico, a memória visual e o julgamento estético.
A lateralidade demonstra ser um fator necessário para a aquisição da
estabilidade e do equilíbrio, com relação à linha vertical que divide o corpo, e também
para a aquisição de uma boa postura. Ela é importante na evolução da criança, pois
influi na idéia que a criança tem de si mesma, na formação do seu esquema corporal,
62
na percepção da simetria de seu corpo, contribuindo para determinar a estruturação
espacial.
Para Ajuriaguerra, as crianças de seis e sete anos de idade já possuem a
capacidade de reconhecer em si as noções de lado direito e esquerdo.Piaget concorda
com esta opinião e afirma que as aquisições destas noções passam por três estágios
(Marinho,2005) :
- 5 a 8 anos – distinguir direita e esquerda;
- 8 a 11 anos – distinguir no outro;
- 11 a 12 anos – distinguir nos objetos.
Iniciar o processo de aprendizagem sem que estes conceitos estejam formados
pode causar grandes dificuldades quanto à orientação espacial na discriminação de
letras que diferem quanto à posição espacial – exemplo: b e d, p e q. Podem também
aparecer dificuldades quanto ao sentido direcional da leitura e da escrita, que, em
nossa sociedade, realiza-se da esquerda para a direita; a criança que não tem esta
noção tende a não respeitar esse sentido por não conseguir diferenciar direita e
esquerda.
Também é muito comum que a falta dessa noção de direita e esquerda,
contribua para a escrita especular, em que há uma rotação da escrita – exemplo: 36-63,
casa-saca (Marinho, 2005).
3.5 – Estruturação Espaço-Temporal
O fator da estruturação espaço-temporal envolve as regiões posteriores do
córtex, que subentendem as funções de análise, processamento e armazenamento da
informação. Envolve basicamente a integração de dados espaciais, mais referenciados
com o sistema visual (lóbulo occipital), e de dados temporais, rítmicos, mais
referenciados com o sistema auditivo (lóbulo temporal) (Fonseca, 1995).
A estruturação espaço-temporal emerge das múltiplas relações integradas da
tonicidade, da equilibração, da lateralização e da noção de corpo, confirmando o
principio da hierarquização dos sistemas funcionais e da sua organização vertical.
“As relações, posições e direções espaciais vividas e localizadas
egocentricamente hierarquizam-se em relações e direções espaciais situadas
63
objetivamente”. Primeiro, a criança percebe a posição de seu próprio corpo no espaço;
depois a posição dos objetos em relação a si mesma e, por fim, aprende a notar as
relações das posições dos objetos entre si. Para a criança assimilar os conceitos
espaciais, a lateralidade deve estar bem definida. A lateralização é a base da
estruturação espacial e é através dela que uma criança se orienta no mundo que a
rodeia” (Fonseca, 1995, p. 203).
A estruturação espaço-temporal depende do grau de integração e de
organização da aquisições psicomotoras anteriores. Se não ocorrer a lateralização e a
noção de corpo adequadas, as elaborações das suas capacidades não podem
estabelecer uma estruturação espaço-temporal adequada resultando uma organização
e estruturação limitadas ou imprecisas, com reflexo evidente em vários aspectos da
aprendizagem.
Ela fornece os instrumentos psicomotores básicos da aprendizagem e da função
cognitiva, dados que fornecem as bases de pensamento relacional, a capacidade de
ordenação e de organização, a capacidade de processamento simultâneo e
seqüenciado da informação, a capacidade de retenção e revisualização, isto é, de
busca do passado, de integração do presente e preparação do futuro, as capacidades
de representação, de quantificação e de categorização.
A estruturação espaço-temporal resulta da integração de duas estruturações
distintas que têm o seu desenvolvimento próprio. A estrutura espacial e a estrutura
temporal, ambas especificamente relacionadas com diferentes modalidades sensoriais:
a visual e a auditiva, respectivamente.
3.5.1- Estruturação Espacial
As informações relacionadas com o espaço têm de ser interpretadas através do
corpo. A estruturação espacial é um conceito desenvolvido no próprio cérebro por meio
de atividades neuro, tônico, sensório, perceptivo e psicomotoras. A criança constrói a
noção de espaço através da interpretação de vários dados sensoriais que não têm
relação direta com o espaço.
A capacidade para estruturar e organizar o espaço é essencial para qualquer
aprendizagem.
64
Le Boulch afirma que a representação do espaço e a imagem corporal evoluem
paralelamente e suas etapas de evolução são correlativas (Le Boulch, 1986).
A exploração do corpo começa no momento em que a criança consegue os
primeiros movimentos voluntários e os vai ampliando com a aquisição do engatinhar, da
marcha e da verbalização. O espaço humano é todo orientado no sentido esquerdo,
direito, acima, abaixo, longe e perto.
Até os três anos, o espaço da criança se orienta em função das suas
necessidades afetivas, que se caracterizam pelas relações de proximidade com a mãe.
A partir dos quatro anos, a criança é levada a tomar consciência das referências
espaciais, tomando como base o seu próprio corpo. Ela começa a organizar as relações
espaciais de forma progressiva. Consegue reproduzir as formas geométricas utilizando
o grafismo, diferencia o longe/perto, acima/abaixo e, assim, associa uma série de
referencias espaciais. Na organização do espaço, a própria criança encontra situações
que a favorecem: a ocupação do espaço nas brincadeiras, a organização do grupo em
fileiras, em roda, dupla e a conscientização de ritmos diversos.
A verticalização é a primeira aquisição e o seu controle permite a criança ver o
mundo de outra maneira, não mais dependente do outro passando de um espaço bucal
para um espaço próximo havendo mais liberdade de manipulação. Com o domínio da
marcha, ocorre o ingresso num espaço locomotor, passando a agir através do seu
próprio deslocamento.
A criança tem necessidade de um espaço para se mover. A partir da percepção
do próprio corpo, é que pode ser percebido o espaço exterior. Este espaço exterior é
explorado, no inicio, por uma dupla em simultânea percepção:
- Percepção extereoceptiva – a visão de um objeto, se faz através de estímulos
exteriores, vem de fora para dentro.
- Percepção proprioceptiva – os gestos que são necessários para apanhar o objeto,
análise de dentro para fora.
As coordenações viso-tátil-cinestésicas desenvolvem-se na presença dos
objetos, adquirindo um espaço prático. Aos nove meses, a criança começa a
diferenciação do sujeito-objeto. Suas mãos manipulam os objetos, construindo com isso
um espaço objetivo e operativo, através da tomada de consciência de seus limites
65
corporais e de diferentes posições que os objetos ocupam. Nesta fase é preciso tocar,
manusear, subir, descer, vivenciar várias experiências para que ela aprenda as formas,
as dimensões, as direções, orientações, as superfícies, os volumes, podendo assim
ajustar-se às situações concretas.
As noções de orientação direita/esquerda e laterais constituem as primeiras
aquisições no domínio da estruturação espacial, promovendo uma boa adaptação
escolar no momento do aprendizado da leitura e da escrita, que depende, em parte, da
orientação espaço-temporal.
3.5.2 – Estruturação Temporal
A estruturação temporal envolve a localização do espaço na dimensão do tempo.
Ela transcende a estimulação sensorial imediata e por isso o cérebro desenvolveu as
memórias, com as quais responde ao presente e ao futuro através das experiências
vividas anteriormente. “O cérebro elabora sistemas funcionais de acordo com a
dimensão do tempo, joga com as experiências anteriores adapta-se às condições
presentes e prediz e antecipa o futuro. A preservação desses sistemas ilustra a
complexa organização temporal que o cérebro necessita para preparar as suas
atividades” (Fonseca, 1995, p.209).
O desenvolvimento da estruturação temporal na criança é importante, pois, por
intermédio do ritmo é que ela terá uma boa orientação no domínio do papel, na
escolarização, construindo palavras de forma ordenada e sucessiva na utilização das
letras, umas após as outras, obedecendo a um ritmo e um período determinado de
tempo. Na comunicação oral, também estruturará os sons das palavras diferenciando-
os, aprendendo a ler com mais facilidade (Ibid.).
A estruturação espacial garantirá experiências de localização dos
acontecimentos passados e uma capacidade de projetar-se para o futuro. A criança tem
consciência de sua ação, o seu passado conhecido e atualizado, o presente
experimentado e o futuro conhecido é antecipado. Essa estrutura de organização é
determinante para todos os processos de aprendizagem. A estruturação temporal
insere o sujeito no tempo, onde ele nasce, cresce e morre, e sua atividade é uma
seqüência de mudanças condicionadas pelas atividades diárias. A noção de tempo é
66
uma noção de controle e de organização, quer ao nível da atividade, quer ao nível da
cognição. Buscar dados e utilizá-los corretamente nas atividades é uma condição
básica ao processamento, armazenamento e utilização da informação (Fonseca, 1995).
A estrutura temporal, tanto quanto a estrutura espacial, não é conceito inerente,
tendo que ser construído. Necessita esforço e trabalho mental da criança que apenas
conseguirá realizá-lo quando tiver um desenvolvimento cognitivo mais avançado.
A percepção temporal permite, além da consciência e da interiorização dos
ritmos motores corporais, a percepção dos ritmos exteriores. Esta passagem é
indispensável para que a criança possa tomar conta de seus próprios movimentos e
organizá-los a partir da representação mental.
A experiência rítmica vivida com seus próprios movimentos ajusta-se aos dados
do espaço e deve ser mantida através do trabalho de percepção temporal.A criança, ao
final do período “corpo vivido”, deve dispor de uma motricidade global bem organizada
temporalmente, elemento fundamental de seu ajustamento ao meio. A experiência
vivenciada ritmicamente desenvolve-se, não só no plano motor, mas também no plano
da linguagem.
Os conceitos temporais são mais complexos para serem compreendidos. A
criança, inicialmente, sente a passagem do tempo através de seus próprios ritmos e
necessidades biológicas – fome, sede que obedecem a uma organização rítmica,
sincronizada pela alternância vigília/sono.
Desde o nascimento é importante que se ajuste os ritmos corporais da criança às
condições temporais impostas pelo ambiente, para que haja uma organização da
ritmicidade, ponto referencial da informação temporal que com o decorrer do
desenvolvimento terá a percepção de tempo.
3.6 – Praxia global
Localizada nas regiões anteriores do córtex, mais exatamente nos lóbulos
frontais, a praxia global tem a função de organização da atividade consciente e a sua
programação, regulação e verificação. Ela compreende tarefas motoras seqüenciais
globais (Fonseca, 1995).
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A praxia global refere-se aos movimentos de todo o corpo e de grandes
segmentos corporais. Esta unidade funcional é a expressão da informação do córtex
motor como resultado da recepção de muitas informações sensoriais, táteis,
cinestésicas, vestibulares, visuais, etc., ou seja, como resultado integrado dos fatores
psicomotores.
A praxia caracteriza-se pelo controle harmonioso do movimento, pela conjugação
perfeita no espaço e no tempo da antecipação, do plano e da execução, como que se
adaptando a um fim e a um objetivo. Cada componente da praxia é avaliado e corrigido
em termos de integração na realização total do ato, operando-se uma análise pela
síntese.
A praxia global requer a atenção voluntária, a planificação motora, o registro e a
seleção de engramas, muito antes de desencadear o movimento, portanto, a intenção
precede a ação. A aprendizagem motora se processa na criança, desde as praxias
relacionadas ao vestuário até as praxias gráficas. Quando as praxias ainda não estão
aprendidas, a planificação motora é exercida de modo consciente, porém quando já
estão aprendidas emergem naturalmente, espontaneamente. Podemos citar como
exemplo o tocar piano (Fonseca, 1995).
A realização das atividades da praxia global demonstra o nível de atenção
voluntária da criança, a sua capacidade de planificar e sequencializar ações diante de
situações novas e as suas funções cognitivas gerais, que caracterizam o seu potencial
de aprendizagem.
3.7 – Praxia Fina
Localizada nas regiões anteriores do córtex, nos lóbulos frontais, a praxia fina
está ligada à função de coordenação dos movimentos dos olhos durante a fixação da
atenção e durante as manipulações de objetos que exigem controle visual, além de
compreender as funções de programação, regulação e verificação das atividades de
preensão e manipulativas mais finas e complexas. (Fonseca, 1995).
A praxia fina refere-se aos movimentos precisos das mãos e dos dedos.
Evidencia a velocidade e a precisão dos movimentos finos e a facilidade de
68
reprogramação de ações, à medida que as informações tátil-perceptivas se ajustam às
informações visuais (Ibid.).
As informações visuais participam como mobilizadoras dos programas de ação,
daí a sua contribuição como funções de detecção de limites, contornos, formas,
pormenores, e com funções de estabilização de posições e direções, a fim de
proporcionar a coordenação dos dados captados visualmente com os dados captados
manualmente.
Embora o desenvolvimento da praxia fina seja um processo de maturação lento,
pode traduzir uma “inteligência manual” que distingue o ser humano de outras espécies.
Como aquisição superior, a praxia fina necessita de uma conjugação dos
programas de ação, da atenção voluntária, do nível de engramas e somatogramas
aprendidos, da capacidade de pré-programação e de reprogramação, funções inerentes
a um órgão especializado na exploração, manipulação e preensão dos objetos.
A capacidade de preensão de onde evolui a praxia fina pode revelar-se como a
marcha antes do nascimento.Estudos revelam que todos os componentes para apanhar
objetos podem ser evidenciados em fetos com uma idade conceitual de 14/16 semanas.
No modelo piagetiano a preensão é considerada o resultado da integração de diversas
coordenações iniciais, incluindo a seqüência tocar/preender, olho/objeto, olho/mão e
olho/braço (Fonseca, 1995).
69
IV – APRENDIZAGEM 4.1 – A Aprendizagem Aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo adquire informações,
habilidades, atitudes e valores a partir de seu contato com a realidade, com o meio
ambiente e com as pessoas.
Fonseca define aprendizagem como sendo: “Mudança permanente de
comportamento provocada pela experiência, visando a aquisição de alguma habilidade
ou competência. Em termos sensoriais, a aprendizagem pode envolver a distinção de
sensações e de percepções, por observação, identificação, discriminação ou
reconhecimento. Em termos motores, a aprendizagem pode envolver a imitação e a
realização de movimentos assim como a assimilação, a diferenciação, a generalização
e a sistematização de programas motores simples, compostos e complexos” (Fonseca,
2008, p.563).
Aprendizagem implica vários fatores que vão se instituir desde o
desenvolvimento motor, passando pela experiência pré-verbal e atingindo o
desenvolvimento perceptivo, portanto, psicomotor que vai dar origem à sucessiva
organização do desenvolvimento cognitivo.
Ao nascer, o bebê humano é recebido num mundo de cultura e linguagem que o
antecede e ao qual necessita ter acesso. Porém falta-lhe os equipamentos necessários
para tal. Sua prematuração cria a necessidade da presença do outro para garantir sua
potencialidade de existência. E é nesse espaço que se situa a aprendizagem humana
que estará marcada de forma indelével pela história de seus relacionamentos.
O bebê vai conhecendo a realidade a partir de suas primeiras representações
fruto de suas experiências sensoriais. O contato sensorial será matéria-prima para a
construção simbólica. Pela linguagem, mediadora universal, a criança desenvolverá
uma atividade interna, fará representações parciais ou gerais. O mundo é conhecido
por meio da construção conceitual, a qual é fruto da representação-linguagem.
As capacidades de aprender e representar relacionam-se com as primeiras
experiências junto ao adulto significativo, primeiro a mãe e depois pelos demais
representantes da cultura. Nessa primeira relação, a mãe ou cuidador, ao lhe dar o
código (a linguagem), funda o desejo e, por isso, a aprendizagem vai guardar para
70
sempre os resquícios daquilo que lhe serviu de base. É pelo vinculo com o outro que a
criança vai interiorizando os objetos por intermédio das representações. Num primeiro
momento é o adulto quem decifra as necessidades de objeto do bebê. Aos poucos, pela
atividade simbólica, a criança irá libertando-se do adulto decifrador, será ela mesma
que poderá expressar e construir suas interpretações. A experiência com o outro
prepara o indivíduo para poder se tornar independente do outro. Isto só é possível pela
interiorização conceitual da representação e significado de objetos, de representação.
Para Piaget, a estrutura cognitiva não é hereditária, mas se desenvolve no
processo de interação do indivíduo com o ambiente a partir da construção de padrões
de comportamento (esquemas). Tais esquemas evoluem de acordo com o seu
desenvolvimento e interação do indivíduo com o ambiente. A criança constrói a
inteligência através da ação (Pulaski, 1986).
Ainda de acordo com o autor, o conhecimento resulta de interações que se
produzem entre o sujeito e o objeto. A estruturação da inteligência se dá através da
interação ativa entre sujeito-objeto e se caracteriza por ser um processo que tem por
finalidade última a equilibração de suas estruturas. Equilibração, para Piaget,
caracteriza-se por ser um estado de equilíbrio dinâmico que atinge as estruturas em seu
desenvolvimento. Tal equilíbrio é considerado dinâmico na medida em que o
desenvolvimento das estruturas intelectuais não cessa nunca no individuo, ou seja, é
sempre passível de novas assimilações e acomodações. Através dos processos de
assimilação e acomodação, a inteligência caminha em direção à adaptação,
construindo estruturas cada vez mais estáveis. A inteligência é a forma de equilíbrio
para a qual tendem todas as estruturas cognitivas.
O auge da equilibração intelectual se dá a partir da aquisição das estruturas
formais de pensamento – o desenvolvimento de atividades reflexivas, do pensamento
descentrado, reversível e conceitual, da formulação de hipóteses, do pensamento
metafísico. Tais estruturas formais de pensamento se caracterizam por também serem
pré-requisitos para o desenvolvimento da autonomia intelectual (de pensamento).
O desenvolvimento da inteligência implica uma coordenação progressiva das
ações, assim como uma reversibilidade crescente do pensamento. Tal desenvolvimento
intelectual está relacionado à socialização progressiva da criança.
71
A tomada de consciência do próprio pensamento está em dependência direta
dos fatores sociais. Na medida em que sente necessidade de demonstrar o próprio
pensamento e convencer a partir do choque deste último com o pensamento dos
outros, a criança começa a estruturar logicamente o próprio pensamento. Na medida
em que a criança se socializa e se adapta a uma realidade social, ela cria uma
realidade nova (o pensamento falado e discutido, a imaginação e o uso das palavras),
ela toma consciência de relações e operações que até então eram manipuladas
unicamente pela ação. Tomar consciência de uma operação significa, portanto, passar
do plano da ação para o plano da linguagem; significa reinventar a ação na imaginação
para poder exprimi-la em palavras. A socialização, portanto, é fator fundamental tanto
no desenvolvimento moral quanto no desenvolvimento intelectual da criança. Na
medida em que tem possibilidade de realizar trocas, de compartilhar idéias com seus
pares, a criança tem motivação para desenvolver seu pensamento e para compreender
o outro.
Quando toma consciência de seu próprio pensamento, quando é capaz de
regular os mecanismos de construção da realidade, quando é capaz de criar
conscientemente implicações entre juízos, é que o sujeito domina a lógica formal
(adolescente) e, portanto é capaz de tornar as experiências mentais reversíveis.
Piaget afirma que a intervenção mediadora do educador encontra-se no centro
da relação sujeito-objeto. Ao propor desafios e acompanhar as construções, ele orienta-
se pela operatividade da inteligência, pela formação de conceitos. O educador fica
atento para as construções da criança, às surpresas que podem surgir de sua
intervenção não para corrigi-las, mas para acompanhá-las em suas particularidades,
como manifestação de alternativas de construção da inteligência e de elaboração do
conhecimento. Quanto à criança, ela precisa de espaço para testar suas hipóteses, agir
sobre o objeto, fazer perguntas e interpretar a realidade, para posteriormente reelaborar
mentalmente tais ações. Precisa de espaço também para se relacionar em grupos e
partilhar experiências e conhecimentos (Pulaski, 1986).
Numa visão piagetiana pode-se considerar que os jogos de regras e de
construção constituem um recurso pedagógico adequado para se analisar, junto com a
criança, seus modos de pensar e agir em uma perspectiva cognitiva. Do ponto de vista
72
afetivo, os jogos possuem todo um universo relacional: competir com um adversário ou
vencer um objetivo; regular o ciúme, a inveja, a frustração; adiar o prazer imediato, já
que é necessário elaborar meios ou estratégias que conduzam a ele; submeter-se a
uma experiência de relação objetal, de natureza complementar, já que o outro faz parte
da situação; subordinar-se a regras, que limitam a conduta. Do ponto de vista social,
encontra-se nos jogos de regras as exigências básicas para uma vida social: a
necessidade de uma linguagem, de códigos e, principalmente, da consideração de
regras que regulam o comportamento inter-individual. Nesse contexto o sujeito é
apenas uma das partes e seu comportamento só existe em função do outro. A
necessidade de uma troca social, uma solidariedade inevitável, um pensar e agir em
conjunto, uma utilização de linguagem e códigos comuns, as regras, submetem o
indivíduo a um procedimento comum, originando diversas possibilidades e
encaminhando para uma forma superior e melhor de relação inter-individual. Do ponto
de vista cognitivo, os jogos de regras criam uma necessidade e possibilitam a
construção de novos e melhores procedimentos e estruturas de fazer e compreender o
mundo, de descobrir os erros e de construir meios para superá-los, de tomar
consciência do que o determina (Macedo, 1992).
Com relação à prática pedagógica, Piaget atribui à criança o papel
preponderantemente ativo, vendo-a como responsável por seu próprio processo de
aquisição de conhecimento. Com isto, as atividades espontâneas da criança, a
criatividade, a autonomia na resolução de situações-problema e os erros ganham relevo
dentro do processo educativo. A criança é o próprio agente de seu desenvolvimento, o
educador tende a assumir um papel desafiador, provocando desequilíbrios (conflitos
cognitivos), para que a criança, através de re-equilibrações sucessivas, seja estimulada
a descobertas e, portanto, à construção de conhecimento. A fonte de conhecimento da
criança está não só na variedade de situações concretas que ela tem a oportunidade de
vivenciar, mas também na organização lógica que essas interações vão assumindo em
seu pensamento.
De acordo com Vygotsky, a idéia de aprendizado inclui a interdependência dos
indivíduos envolvidos no processo – isto é, a relação entre aquele que aprende e
aquele que ensina. Em outras palavras, o aprendizado ocorre na interação social. O
73
autor dá relevante importância ao papel do outro no desenvolvimento dos indivíduos,
pois considera que um indivíduo só se desenvolve em relação ao ambiente cultural em
que vive com o suporte de seu grupo de iguais (Taille, 1992).
O autor aponta para o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD)
como básico para entender as relações entre desenvolvimento e aprendizagem,
colocando que é no âmbito dessa zona proximal que pode ocorrer a aprendizagem,
referindo-se à diferença entre o nível de desenvolvimento real do indivíduo,
determinado pelas capacidades de resolver problemas de forma independente e o nível
de desenvolvimento potencial do mesmo, caracterizado pela capacidade de solucionar
problemas com ajuda de outros indivíduos. A zona de desenvolvimento proximal define,
portanto, as funções cognitivas (ou estruturas) que ainda estão em processo de
maturação: o que é zona de desenvolvimento proximal hoje será nível de
desenvolvimento real amanhã.
A construção de um conhecimento se dá quando um adulto desafia o aprendiz
com questionamentos ou problemas levando o mesmo a um desempenho além do que
sua estrutura de pensamento, naquele momento, permitiria. Salienta a importância da
linguagem e do outro para essa construção. Nesse sentido, afirma que o conhecimento
é construído pelo indivíduo em interação com o meio social em que vive,
desenvolvendo, ao mesmo tempo, sua inteligência. É através da própria história de
vida, de seu cotidiano, resolvendo questões, descobrindo, tentando, fazendo
inferências, pensando e representando que o sujeito epistemológico (o sujeito que
aprende) chega ao conhecimento, apreendendo-o.
Nessa visão vygotskiana, cabe ao educador o papel de interventor, desafiador,
mediador e provocador de situações que levem as crianças a aprenderem a aprender.
O trabalho didático deve, portanto, propiciar a construção do conhecimento pelo
aprendiz. Aprender é de certa forma, descobrir com seus próprios instrumentos de
pensamento conhecimentos institucionalizados socialmente.
Para Vygotsky, o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento. O
autor afirma ainda que é na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) que a
interferência dos outros indivíduos (educadores, pais, colegas) alcançará resultados
satisfatórios. Interferindo constantemente na ZDP da criança, o outro mais experiente
74
contribui para movimentar os processos de desenvolvimento das crianças ainda
imaturas. Eles exercem o papel de mediadores no processo de desenvolvimento da
criança, levando-a a acionar os mecanismos em processo de maturação (Taille, 1992).
É na Zona de Desenvolvimento Proximal que o educador tem de atuar como
mediador, estimulador, provocador e interventor no organismo que não se desenvolve
plenamente sem o suporte de outros indivíduos de sua espécie. Para o desempenho
desse papel, o educador precisa conhecer os processos já consolidados pela criança,
os que já iniciaram e os que precisam aprender, assim poderá dirigir o ensino para os
estágios de desenvolvimento ainda não alcançados pela criança, mas já iniciados no
seu processo de desenvolvimento. O educador deve ser a ponte entre o que a criança
sabe e o que ela pode e deve aprender.
O autor considera, ainda, a imitação como uma oportunidade de a criança
realizar ações que estão além de suas próprias capacidades, o que contribui para o
seu desenvolvimento. Segundo ele, quando uma criança imita ou procura imitar uma
outra criança, ao copiar seu modelo passará por uma reconstrução individual daquilo
que é observado no outro. Essa reconstrução acontece de acordo com as
possibilidades psicológicas da criança que imita e constitui para ela a criação de algo
novo a partir do que observa no outro.
Nessa interação com o outro, a criança é levada a tomar consciência e refletir
tanto sobre suas idéias, estratégias e descobertas, como sobre aquelas elaboradas
pelo outro, construindo o seu saber. Vygotsky reafirma a importância do educador
nesse processo quando ele assume o papel de interlocutor mais experiente, intervindo,
ajudando a criança a confrontar seus modelos com o modelo do outro e, a partir desse
confronto, chegar a compreensão das diversidades encontradas. As interações sociais
que ocorrem no espaço escolar são de grande importância porque, através delas, as
crianças tomam consciência de que o saber é constituído socialmente (Taille, 1992).
Outro ponto a ser destacado, é o brinquedo, especificamente de “faz-de-conta”,
pois é um outro domínio de atividade infantil que tem claras relações com o
desenvolvimento da criança. Para o autor, nessas brincadeiras, a criança é capaz de
agir num mundo imaginário, no qual o significado é estabelecido pela brincadeira e não
pelos elementos reais concretamente presentes.
75
4.2 – O Corpo na Aprendizagem
“Desde o principio até o fim, a aprendizagem passa pelo corpo. Uma
aprendizagem nova vai integrar a aprendizagem anterior... O corpo coordena e a
coordenação resulta em prazer, prazer de domínio”. A autora ainda afirma que,
aprendizagem é “... apropriação das possibilidades de ação, instrumentada pelo corpo
que confere um poder de síntese ao ser e ao saber do sujeito, assim como uma
ressonância agradável que o ajudará a incorporar a experiência” (Alicia Fernández,
1991, p. 59).
O cérebro em desenvolvimento é uma estrutura extremamente plástica. Ainda
que muitas regiões possam estar bem conectadas, outras, como o córtex cerebral,
estão abertas a diversas influências, tanto intrínsecas como ambientais. Durante o
desenvolvimento do cérebro da criança, seus processos maturacionais, ainda que
programados geneticamente, como em todas as espécies, tem características próprias
ligadas à maior complexidade de seu sistema nervoso, o que possibilita grande
diferenciação e especificidade de funções. No longo processo de maturação, a
aprendizagem ocorre paralelamente e ambos os fenômenos passam a ser
complementares.
Aprende-se desde o útero e se tem capacidade de aprender sempre porque o
cérebro humano se adapta, estabelecendo novas conexões neuronais a cada nova
aprendizagem. Se, um adulto resolver aprender a tocar um instrumento musical, por
exemplo, a plasticidade neural fará com que novos caminhos sejam trilhados por meio
de novas conexões entre neurônios que permitirão a aprendizagem de conteúdos
novos a qualquer momento da vida. Portanto, o individuo estará modificando seu
cérebro com experiências novas.
Se a pessoa for saudável não perderá neurônios em tempo algum. Na
adolescência, porém as sinapses diminuem de intensidade e a camada de mielina,
engrossa definitivamente, facilitando a comunicação elétrica de informações neuronais.
Regiões pré-frontais do cérebro amadurecem. O lobo pré-frontal é responsável tanto
pela intercomunicação cerebral como pelo que se tem de humano como:
comportamento, julgamento, planejamento, execuções complexas; tudo isso
76
amadurece nessa fase da vida. Entre os mamíferos o homem é o ser que mais
desenvolveu o lobo pré-frontal. Essa região desenvolvida é o que se tem de mais
humano.
Aprender coisas novas, ligar as informações novas com as já existentes na
memória, relacionar umas com as outras, tirar novas conclusões, tudo isso é possível
graças a capacidade de memorização e de interface entre informações, o que ocorre
por um processo neurobioquímico, sináptico, no sistema nervoso do ser humano.
Os neurônios possuem grande capacidade de condutibilidade elétrica, o que lhes
possibilita perceber e reagir a estímulos, tanto do meio ambiente quanto do próprio
corpo, a propriocepção. A comunicação entre neurônios é muito eficiente e se dá por
meio de sinapses, fenômeno eletroquímico de transmissão de informações neuronais.
O ser humano tem cerca de 100 bilhões de neurônios espalhados por todo o corpo.
O homem possui comportamentos emocionais e sociais. O que caracteriza
apenas o ser humano é a sua capacidade de elaboração cognitiva dos eventos,
permitindo diversas atribuições de significado e consecutivas respostas. Reflexo,
instinto, emoção e intelecto estão organizados hierarquicamente, cabendo a medula
espinhal e ao tronco encefálico os reflexos e os instintos, enquanto que ao cérebro
cabem elaborações afetivas e cognitivas.
O cérebro adolescente sofre uma reorganização em sua estrutura capaz de
afetar sua capacidade de trocar sinais entre neurônios. Na adolescência, o número de
sinapses atinge seu ápice. As sinapses muito usadas são fortalecidas; as
negligenciadas eliminadas. É possível, portanto, nesse momento de reorganização
neuronal, fortalecer caminhos sinápticos e reforçar a aprendizagem. À luz de novas
descobertas da neurociência é possível atribuir a essa reestruturação cerebral e não
mais as descargas hormonais, o comportamento adolescente.
Como bem afirma Piaget, é na adolescência que se estabelece o raciocínio
abstrato; os jovens deixam de pensar apenas no concreto e se capacitam a criar
situações hipotéticas, imaginárias e abstratas. O amadurecimento, tanto em forma
como em estrutura do córtex pré-frontal, propicia um salto intelectual (Taille, 1992).
Segundo Patrícia Goldman Rakid, desde muito cedo se aprende com o auxilio da
memória de trabalho. Ela se desenvolve fortemente entre o oitavo mês e o primeiro ano
77
de vida, quando o bebê vai ao encontro de um objeto que ele viu ser escondido. Até os
sete meses, se um brinquedo some da vista do bebê, ele perde imediatamente o
interesse pelo objeto. Entre sete e nove meses, o bebê consegue manter na mente o
brinquedo por até cinco segundos quando colocado fora de sua vista. Aos doze meses,
o bebê retém a memória do objeto em torno de dez segundos. Nos primeiros anos de
vida, a informação da memória de trabalho é passada cada vez mais eficientemente
para a memória de longo prazo. Em torno de quatro anos, a criança é capaz de
trabalhar com uma memória capaz de reter o objeto, mesmo que fora de seu campo
visual por longo tempo (Alvarez, 2006).
A memória de trabalho totalmente desenvolvida permite que o comportamento da
criança seja guiado não só pelos objetos do mundo externo, mas também pelos objetos
de seu mundo interno. Ela é capaz de pensar no que deseja ser quando crescer, como
se sente, expressar seus sentimentos. Outra habilidade que a memória de trabalho
possibilita é que, mantendo os objetos internos em foco, a criança possa orientar seu
comportamento, apesar de distrações ambientais ou vontade de fazer uma outra coisa
que não o planejado. A memória de trabalho permite ao indivíduo flexibilidade,
liberdade de escolha e controle sobre seu comportamento, habilidades que só se
acentuam na adolescência.
Na adolescência, é a memória de trabalho que permite ao adolescente fazer
escolhas partindo de inúmeras possibilidades, direcionar seu comportamento no sentido
de conseguir alcançar seu objetivo. Conexões neuronais fortalecidas e mais eficientes,
mantendo apenas as sinapses necessárias, são os mecanismos que o cérebro humano
encontra na adolescência de se tornar ágil. Esses caminhos mais utilizados tornam
mais acurado e eficiente o processo que transforma sensação em percepção e a
conseqüente tradução dessa informação em memória de trabalho.
O indivíduo capta sensações não só do que se passa no meio ambiente como
também no mundo interno, através dos órgãos dos sentidos, responsáveis pela
localização do estimulo, agregando também a esses sentidos o somestésico e o
vestibular. Se os estímulos chegam do meio ambiente, classificam-se os sentidos como
exteroceptores, pois captam energia incidente externa ao corpo. Interoceptores são os
sentidos capacitados a perceber o estado interno do corpo, como fome, sede; nesse
78
caso, há alterações orgânicas provenientes de substâncias do organismo. Os
proprioceptores são encarregados de informar ao indivíduo seu movimento, postura e
correspondem aos receptores do sistema somestésico. Já o equilíbrio corporal é
sentido pelo sistema vestibular (Alvarez, 2006).
As percepções, absorvidas pelo ser humano como sensações pelos órgãos dos
sentidos e posteriormente interpretadas pelo cérebro juntamente aos pensamentos e
memórias, são transmitidas às diferentes áreas do sistema nervoso por meio dos
neurônios. Os neurônios trocam informações por meio de substâncias químicas, os
neurotransmissores. Alguns neurotransmissores são vitais para a aprendizagem.
4.3 – A Psicomotricidade no Processo de Aprendizage m
A Psicomotricidade está presente nos menores gestos e nas atividades que
desenvolvem a motricidade, visando o conhecimento e o domínio do corpo. É um fator
essencial e indispensável ao desenvolvimento global e uniforme da criança. A
Educação Psicomotora é a educação da criança através de seu próprio corpo e de seu
movimento, é a base fundamental para o processo intelectivo e de aprendizagem. A
criança é vista em sua totalidade e nas possibilidades que apresenta em relação ao
meio em que vive, e a educação, deve ser pensada em função da faixa etária e dos
interesses dessa criança. Por meio das atividades motoras, a criança, além de se
divertir, cria, interpreta e se relaciona com o outro e com o mundo.
Vista como ciência da educação, a Psicomotricidade hoje visa a representação e
a expressão motora, através da utilização psíquica e mental do indivíduo. Ela foi
enriquecida com estudos de outras áreas numa rede interdisciplinar, incluindo os
profissionais da educação.
Pesquisas sobre Psicomotricidade realizadas no campo evolutivo delimitam
áreas mais distintas de abordagem técnica para serem aplicadas na prática
psicomotora. Os primeiros movimentos de trabalho da Psicomotricidade foram
impulsionados dentro de uma proposta reeducativa, marcada pelo paralelismo mente-
motor sustentado por estudos de autores como Wallon, Ajuriaguerra, Le Boulch. A
reeducação é uma maneira de estimulação da criança em suas funções psicomotoras,
que foram contrariadas em seu desenvolvimento. É uma ação dirigida ao déficit motor,
79
com o objetivo de atingir também o cognitivo. Piaget já antecipava sua preocupação em
estimular as crianças de forma adequada, em cada fase de seu desenvolvimento. Desta
forma, ele redimensiona as questões referentes a Psicomotricidade e não a limita
apenas a uma ação reeducativa, mas a uma primeira instância educativa (Fonseca,
2008).
A educação psicomotora é básica, e o corpo deve ser instrumento mediador
entre o meio e o objeto numa relação vivencial adequada. Ela condiciona todos os
aprendizados, leva a criança a tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, sua
posição no espaço, o tempo a dominar e a adquirir habilidades de coordenação de seus
gestos e movimentos. Isso tudo deve ser feito de forma harmônica e integrada, para
que a criança assuma sua corporeidade dentro de uma realidade que possibilite a livre
expressão de um indivíduo pensante e evite distorções no processo de sua evolução.
Jean Le Boulch afirma que é de grande importância que se vincule a educação
do corpo aos imperativos do desenvolvimento do indivíduo. Ele formulou uma teoria
geral do movimento, a Psicocinética, na qual propõe aos educadores meios práticos
que permitam utilizar o movimento como uma das bases fundamentais para a educação
global da criança. Nessa teoria, a Psicocinética torna-se uma educação psicomotora
fundada sobre o conhecimento das leis do desenvolvimento humano (Le Boulch, 1987).
Este autor considera como objetivo central da educação pelo movimento, a
contribuição para o desenvolvimento psicomotor da criança, a evolução de sua
personalidade e o sucesso escolar. Ele ainda ressalta a importância em se suscitar
todas as formas de expressão verbal e gráfica, em favorecer, durante os jogos, a
experiências relacionais das crianças entre si para atraí-las progressivamente para a
cooperação. As atividades psicomotoras, através do movimento e de gestos não devem
ser realizadas de forma mecânica, devem ser associadas com as estruturas cognitivas
e afetivas.
Durante o processo de aprendizagem os elementos básicos da Psicomotricidade
são utilizados com freqüência. O desenvolvimento do esquema corporal, lateralidade,
estruturação espacial, orientação temporal e pré-escrita são fundamentais. Um
problema em um destes elementos irá prejudicar uma boa aprendizagem. Uma criança
cujo desenvolvimento psicomotor é mal constituído poderá apresentar problemas na
80
escrita, na direção gráfica, na leitura, na distinção de letras (b/d), na ordenação de
sílabas, na abstração (matemática), na análise gramatical, entre outras mais.
Vitor da Fonseca assegura que as aprendizagens escolares devem permitir que
a criança exerça seus poderes de realização, ao mesmo tempo em que devem
respeitar os processos genéticos da sua maturidade global, ou seja, dar condições à
criança de ser criadora de acordo com seus interesses e ter possibilidade de assumir
comportamentos originais. Para ele, as dificuldades escolares nem sempre são
perturbações de uma atividade, mas sim de uma aprendizagem onde devem ser
investigados os métodos pedagógicos, relações e repercussões afetivas dos seus
resultados (Fonseca, 1996).
Para Le Boulch, fica evidente a importância da educação psicomotora na escola
pré-primária e primária a fim de prevenir as dificuldades escolares. A educação
psicomotora garante um “desenvolvimento total” da pessoa, quando representa um
ponto de partida para analisar o papel que a imagem corporal desempenha no
desenvolvimento da personalidade. De acordo com o autor o papel da escola deve ser
o de preparação para a vida, e os métodos pedagógicos, devem “... tender a ajudar a
criança a desenvolver-se na melhor maneira possível, tirar o melhor partido de todos os
seus recursos preparando-a para a vida social”. De acordo com a Psicocinética, a
aprendizagem depende de experiências motoras através de um desenvolvimento
metódico das aptidões psicomotoras (Le Boulch, 1987, p.26).
Vitor da Fonseca (1996) conclui que a Psicomotricidade assume um papel
predominantemente preventivo e lhe atribui um lugar de destaque no contexto
educativo-social. Para ele é fundamental que a criança, nas instituições que antecedem
a escola primária, adquira “uma adequada maturação funcional perceptiva, uma
disponibilidade psicomotora, um aperfeiçoado controle psico-tônico, um enriquecimento
lingüístico, que lhe permitam encarar as aprendizagens escolares triviais sem quaisquer
carências instrumentais” (Fonseca, 1996, p. 368).
De acordo com o que afirma Fátima Alves, estudos mostram a importância do
desenvolvimento psicomotor durante os primeiros anos de vida da criança. Aos três
anos as aquisições da criança são consideráveis, ela possui todas as coordenações
neuromotoras essenciais: andar, correr, pular, falar, se expressar, jogar. Essas
81
aquisições são resultado de uma maturação orgânica progressiva, de uma experiência
pessoal e produto de uma educação; foram obtidas e são complementadas
progressivamente ao tocar, apalpar, andar, cair, comparar, e a corticalização, em si
mesma é função das experiências vividas. Depois surgem as aquisições motoras,
neuromotoras e perceptivo-motoras que se realizam num ritmo rápido: tomada de
consciência do seu corpo, afirmação da dominância lateral, orientação em relação a si
mesma, adaptação ao mundo exterior. O período de três a oito anos é um período de
aprendizagens essenciais e de integração progressiva no plano social. Trata-se de um
período escolar onde a Psicomotricidade deve ser desenvolvida em atividades
enriquecedoras e onde a criança de aprendizagem mais lenta necessitará ao seu lado
de um adulto que interprete o significado de seus movimentos e expressões, auxiliando-
a na satisfação de suas necessidades. A criança precisa se sentir segura para que
possa ter a possibilidade de se arriscar, o que lhe resultará em conhecimentos acerca
de si mesma, dos outros e do meio em que vive (Alves, 2008).
Na educação infantil, a prioridade é levar a criança a ter uma percepção
adequada de si mesma, compreendendo suas possibilidades e limitações reais e ao
mesmo tempo, auxiliá-la a se expressar corporalmente com maior liberdade,
conquistando e aperfeiçoando novas competências motoras.
Um dos objetivos da educação psicomotora é de ensinar a criança a ficar
sentada, ter boa postura, ouvir. Depois de atingir esse objetivo é que será capaz de
receber ordens, concentrar-se, usar a memória, executar tarefas do começo ao fim. O
progresso pode ser lento, mas como em todas as outras áreas, o principal objetivo é o
de não deixar lacunas entre as etapas. Uma estimulação mal orientada confunde ainda
mais; por isso é importante que o educador conheça e perceba a graduação necessária
das técnicas a serem utilizadas. Não se pode esquecer também que a passagem da
atividade espontânea para a atividade controlada deve ser assegurada sem prejudicar o
caráter expressivo do movimento (Sanchez, 2003).
O desenvolvimento psicomotor tanto de crianças normais quanto de crianças
portadoras de distúrbios requer o auxilio constante do educador através da estimulação
no ambiente escolar e do encaminhamento, quando se fizer necessário. O educador
desempenha papel de grande importância e pode ajudar muito em todos os níveis, na
82
estimulação para o desenvolvimento cognitivo e para o desenvolvimento de aptidões e
habilidades, na formação de atitudes através de uma relação afetiva saudável e estável
(que crie uma atmosfera de segurança e bem-estar para a criança) e, sobretudo,
respeitando e aceitando a criança como ela é.
Jogos e brincadeiras, não devem ser considerados apenas passatempos, na
verdade preparam o terreno para uma aprendizagem posterior. Embora brincar seja
natural para a criança, não convém dar-lhe liberdade total (a hora que quer, onde quer,
como quer), assim como é contraproducente dirigi-la sempre.
O movimento da criança melhora a partir de seu pensamento enriquecido pela
representação interna da habilidade melhor desenvolvida e executada, pois a
inteligência-pensamento-ação constitui um círculo fechado.
Na fase pré-escolar, a criança precisa executar movimentos amplos, transportar
objetos, exercitar movimentos de pinça com o polegar e o indicador; movimentar ao
máximo os dedos, as articulações do braço, do pulso e das mãos, para perceber os
tipos de pressão, resistência, temperatura e as formas dos objetos. A prioridade é para
uma atividade motora global. A criança dirige intencionalmente as explorações a um fim
específico, chegando a ele com segurança e sem dificuldade.Ela dispõe de uma
memória do corpo, carregada de afetividade. Também orientada pelo afeto, depende de
suas experiências vividas anteriormente e valorizadas pelo adulto.Em seu movimento
utiliza uma energia com certo controle cortical e não mais impulsiva.
Nesse estágio, a atividade lúdica deve ser vista como uma atividade criadora,
necessária para a expressão da personalidade, a maturação da imagem corporal e até
de liberação de certas tensões. A precisão das contrações musculares é possível para
as coordenações mais comuns, no entanto, numa situação nova, seja uma carga
emocional intensa ou uma percepção desconhecida, as descargas energéticas se
tornam difusas, o tônus aumenta em resistência e elasticidade, provocando paratonias
(Fonseca, 2008) sincinesias. A criança, através de exercícios de percepção visual e
sonora em um ambiente tranqüilo, atinge certo domínio dessas irradiações tônicas.
O domínio da estruturação espaço-temporal não é muito fácil para a criança, ela
vai adquiri-lo de forma gradual, aprendendo a dirigir, acelerando ou freando seu próprio
ritmo. A expressão verbal é um prolongamento natural do trabalho psicomotor, é
83
importante incentivar a criança a expor fatos vivenciados, com a finalidade de
estabelecer uma ligação entre o imaginário e o real.
Os intercâmbios orais provocados pela ação representam uma verdadeira
linguagem social, muito importante de ser desenvolvida na fase pré-escolar. Levando-
se em conta as condições práticas nas quais trabalha e o conhecimento que tem das
crianças, o educador deve imaginar situações que possibilitem esses intercâmbios
orais. É necessário também que o educador auxilie a criança a afirmar sua própria
lateralidade, permitindo-lhe realizar livremente suas experiências motoras. E quando a
criança realizar suas primeiras atividades gráficas, não exercer nenhuma pressão no
sentido de incitá-la a usar a mão direita, a fim de que a coordenação óculo-manual
(aspecto particular do ajustamento motor global) corresponda a uma auto-organização.
Da mesma maneira é imprudente associar a dominância lateral com a verbalização das
noções direita-esquerda. Esse estágio só será alcançado quando a função de
interiorização for suficientemente trabalhada e quando a criança tiver condições de
apoiar-se em suas próprias sensações cinestésicas. Tentativas precipitadas nesse
sentido podem desencadear insegurança e frear o desenvolvimento, principalmente se
a criança apresentar dificuldades.
O desenho e em particular o grafismo são de grande importância para o
desenvolvimento da criança. A evolução do grafismo depende da evolução perceptiva e
da compreensão da atividade simbólica. Conforme a criança alcança essa etapa ela
torna-se capaz de representar através de signos convencionais, figuras geométricas e
letras, e também de evoluir no domínio gráfico, cuja conclusão é a escrita. O grafismo
só será possível a partir do desenvolvimento das coordenações motoras; do controle
distal (distanciado da parte mediana do corpo) que se tornará proximal (que fica mais
próximo do centro da cabeça) e dos movimentos das mãos e dos dedos que se
tornarão livres, permitindo a miniaturização do traçado.
A educação psicomotora na idade escolar deve, antes de qualquer coisa, ser
uma experiência ativa de confrontação com o meio. O papel de pais e educadores deve
ser não o de ensinar comportamentos motores à criança, mas sim de permitir-lhe
exercer a sua função de ajustamento, individualmente ou com outras crianças. Na
escola, a ação educativa consistirá em desenvolver a espontaneidade adaptada ao
84
ambiente. Para que isso ocorra o educador precisa conhecer o ritmo de
desenvolvimento da criança e criar condições para seu progresso. O que só será
possível num ambiente em que ela possa se beneficiar do contato com outras crianças
de mesma idade, participando de atividades coletivas, alternadas com atividades
individuais.
A partir de uma atitude não diretiva, que garanta uma certa liberdade, o educador
permite a criança realizar sua experiência de corpo, indispensável no desenvolvimento
das funções mentais e sociais. Desenvolvendo-se nesse clima, a criança vai adquirindo
confiança em si mesma e conhecendo melhor suas possibilidades e limites, condições
necessárias para uma boa relação com o mundo. O educador deve assumir o papel de
facilitador do desenvolvimento da capacidade de aprender, dando à criança tempo para
suas próprias descobertas, oferecendo situações e estímulos cada vez mais variados,
proporcionando experiência concretas e plenamente vividas com o corpo inteiro; não
deixar que as aprendizagens sejam transmitidas apenas verbalmente, para que a
própria criança possa construir seu desenvolvimento global
4.4 – A Psicomotricidade e a Linguagem A primeira forma de linguagem humana se baseia numa dialética oral-gestual;
inicialmente é corporal, gestual, mímico-emocional e tônico-projetiva para somente
depois de se organizar num conjunto consciente de sons, para poder se traduzir numa
conduta verbal ou não verbal. A linguagem articulada é resultado da associação verbal
e gestual que possibilita uma organização motora coordenada de sons e gestos.
Fonseca explica que “... o cérebro da palavra (córtex associativo) é o resultado de
transformações anatômicas que se processam por meio do bipedismo exclusivamente
humano, o qual levou à liberação da mão para o trabalho social que, por sua vez,
originou a necessidade de transmissão e comunicação, que se interelacionam na
linguagem” (Fonseca, 1996, p. 356).
A linguagem é uma operação mental que surge como uma ação externa,
realizada com objetos concretos, é primeiro uma operação motora e somente depois se
torna uma operação conscientizada e integrada. A conduta verbal é uma harmonia de
85
gesto e de palavra. A linguagem articulada transforma um som ainda não organizado e
eventual num som consciente e intencional que assume um significado intelectual. A
significação intelectual da palavra recebe influência da atividade simbólica resultante de
operações psicomotoras que mobilizam o campo manual ou reproduzem uma abstração
das coordenações manuais. A palavra tem relação com a vivência corporal do indivíduo
que a utiliza.
Vygotsky destaca a importância ao significado da palavra. Para ele, o significado,
além de ser componente essencial da palavra, é um ato de pensamento. É no
significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. É o
significado que possibilita a comunicação, e que se define um modo de organizar o real
de forma a classificar os objetos num determinado conjunto ou grupo, ou seja, fazer
generalizações ou conceitos. Também no significado é que se encontra a unidade das
funções básicas da linguagem: o intercâmbio social e o pensamento generalizante. O
autor considera as generalizações e os conceitos atos de pensamento e, portanto, o
significado pode ser visto como um fenômeno do pensamento. O individuo constrói os
significados por meio das relações com o mundo físico e social ao longo da história dos
homens (Oliveira, 1992).
Os significados não são estáticos no desenvolvimento de uma língua; uma
palavra nasce para designar um determinado conceito e vai sofrendo modificações,
refinamento ou acréscimos, conforme a cultura do grupo social. De acordo com
Vygotsky as transformações dos significados também ocorrem no processo de
aquisição da linguagem pela criança da mesma forma que ocorre na história de uma
língua. A criança amplia e adapta seus significados a partir do contato com pessoas
mais experientes do grupo social que a pertence. A partir das experiências pessoais,
nas fases iniciais da aquisição da linguagem, vai ampliando seu vocabulário e,
conseqüentemente, os conhecimentos sobre o mundo em que vive. Ao ingressar na
escola, a criança passa a transformar seus significados não mais a partir de suas
experiências pessoais, mas através da intervenção do educador (Oliveira, 1992).
O sentido da palavra liga seu significado (objetivo) ao uso da língua e aos
motivos afetivos e pessoais de quem a utiliza. A utilização da linguagem como
instrumento de pensamento supõe um processo de internalização da linguagem. Para
86
que essa internalização ocorra, é necessário que a criança faça um percurso que vai da
atividade social, interpsíquica, para a atividade individualizada, intrapsíquica. Primeiro a
criança utiliza a fala socializada como meio para comunicar-se, para depois, utilizá-la
como forma de adaptação pessoal.
Vygotsky destaca a fala egocêntrica, discurso interior, como sendo um fenômeno
relevante para a compreensão da transição entre o discurso interior e o socializado.
Para o autor a trajetória da criança parte dos processos internos e, a partir do momento
que ela toma posse da linguagem, passa a ser capaz de utilizá-la como instrumento do
pensamento. Torna-se necessário distinguir os dois planos da fala: o interior que se
refere à semântica e significativa e o exterior que é o fonético, embora formem uma
unidade, ambos têm as suas próprias leis de movimento (ibid.).
Neste ponto Piaget diverge de Vygotsky, pois considera que a fala egocêntrica
seria uma transição entre estados mentais individuais, não verbais de um lado e, do
outro, o discurso socializado e o pensamento lógico. Para Piaget essa trajetória é de
dentro para fora, enquanto Vygotsky considera o percurso de fora para dentro do
indivíduo. Esses dois teóricos ainda divergem em seu entendimento das relações entre
desenvolvimento e aprendizado humano. Vygotsky afirma que se não fosse o contato
do indivíduo com um determinado ambiente cultural, o desenvolvimento não ocorreria.
Piaget afirma que o desenvolvimento progressivo das estruturas intelectuais, ou
estágios do pensamento, que torna o indivíduo capaz de aprender (Taille, 1992).
O ser humano apresenta três sistemas verbais: auditivo: a palavra falada, visual:
a palavra lida e a escrita. O primeiro que ele adquiriu foi o auditivo por ser mais fácil de
aprender e o que exige menos maturidade psiconeurológica. O mesmo não ocorre com
a palavra lida e escrita. A aprendizagem da fala, como já vimos, requer uma linguagem
interna que permite adquirir o significado das palavras e transformar a experiência em
símbolos verbais. A recepção antecede a expressão, ou seja, a compreensão antecede
a expressão no que diz respeito à palavra falada; em termos de sistema visual, significa
que a leitura antecede a escrita.
O preparo para iniciar a leitura e a escrita depende de uma complexa integração
dos processos neurológicos e de uma harmoniosa evolução de habilidades básicas
como percepção, esquema corporal, lateralidade orientação espacial e temporal,
87
coordenação visuomotora, ritmo, análise e síntese visual e auditiva, memória
cinestésica, linguagem oral. Antes de se iniciar o aprendizado da leitura e da escrita, é
necessário auxiliar a criança a “... utilizar a linguagem mais rica e correta possível” (Le
Boulch, 1987, p. 31).
A escrita é um meio de comunicação e de expressão pessoal, apóia-se num
código gráfico a partir do qual devem ser encontrados os sons portadores de sentido;
exige o desempenho de dois sistemas simbólico: o sonoro e o gráfico. Para a
constituição do código gráfico e sua decifração se faz necessário a atuação de funções
psicomotoras. A escrita é constituída de uma atividade psicomotora muito complexa, na
qual participam os aspectos da maturação do sistema nervoso, expressado pelo
conjunto de atividades motoras; pelo desenvolvimento psicomotor geral, especialmente
no que se refere à tonicidade e coordenação dos movimentos e pelo desenvolvimento
da motricidade fina, ao nível dos dedos e da mão.
O aprendizado da escrita, do ponto de vista da linguagem, implica para a criança
uma reformulação de sua linguagem falada com o propósito de ser lida. Esse
aprendizado, como modalidade da linguagem expressiva, requer da criança não só que
tenha alcançado um determinado desenvolvimento da linguagem e do pensamento,
como também tenha desenvolvido sua afetividade.
Para escrever, a criança necessita de sua mão, de sua orientação espacial
(lateralidade), de um ritmo motor (relaxamento-contração), de sua postura (eixo
postural) e de seu reconhecimento no referido ato (função imaginária). Uma graduação
progressiva de atividades envolve desde a coordenação motora global, o equilíbrio, a
relaxação, a dissociação de movimentos, o esquema corporal, lateralização,
estruturação espacial até a motricidade fina.
Le Boulch afirma que o domínio da linguagem escrita é submetido a um conjunto
de condições (Le Boulch, 1987):
1 – Domínio da linguagem – no plano sintático e no plano da pronúncia de diferentes
fonemas. A criança ingressa na escola já com um vocabulário que supõe certa
orientação no espaço e no tempo.
2 – A familiarização global com o código gráfico – Apenas com o decorrer do tempo é
que a criança descobre a existência de um segundo sistema simbólico feito não mais
88
de sons, mas de sinais gráficos. Ela descobre que cada elemento do real pode ser
simbolizado tanto no modo sonoro como por um código gráfico.
3 – Condições psicomotoras - essas condições dependem de um certo nível de
desenvolvimento psicoafetivo e funcional. É fundamental que a criança experimente
atividades de expressão e de jogos espontâneos, atividades de coordenação global
para que ocorra a consolidação da dominância lateral e sua conscientização que
termina na lateralização direita-esquerda. Essa dominância é importante para
desenvolver diferentes habilidades, inclusive as de leitura.
A coordenação motora global ativa vários grupos musculares amplos, enquanto a
coordenação motora fina envolve habilidades manuais, como a preensão, que são
essenciais para o desenvolvimento do grafismo e da escrita. A falta de habilidade
rítmica pode gerar uma leitura lentificada, silabada e com pontuação e entonação
inadequadas.
Ajuriaguerra afirma que a atividade de escrever “... implica a imitação de um
movimento com direção definida (de esquerda à direita), a cópia de formas com uma
certa orientação e o desdobramento do movimento no espaço de representação”. Além
disso, a criança, no plano espaço-temporal, deve ser capaz de compreender o código
que permite passar da sucessão temporal antes e depois para a transposição gráfica
esquerda-direita. O ritmo traduz uma organização dos fenômenos sucessivos, tanto no
plano da motricidade quanto no plano da percepção dos sons emitidos no curso da
linguagem. Podemos então, vincular a percepção temporal à percepção dos sons
sucessivos da linguagem (apud Le Boulch, 1987).
A escrita é uma linguagem e requer que a pessoa consiga conservar a idéia que
tem em mente, ordenando numa determinada seqüência, a relação. Escrever significa
relacionar o signo verbal a um signo gráfico, planejando e esquematizando a colocação
correta de palavras ou idéias no papel. O mecanismo e a expressão do conteúdo
ideativo são aspectos do ato de escrever. A evolução do grafismo ocorre num ritmo
pessoal, com um sentido que lhe é próprio. Entretanto, características comuns
aparecem nas representações gráficas de todas as crianças, dando origem a diversas
classificações, por diferentes autores, dos estágios de desenvolvimento gráfico (ibid.).
89
A leitura é um processo de compreensão abrangente que envolve aspectos
sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos; é a correspondência
entre sons e os sinais gráficos através da decodificação e compreensão do conceito ou
idéia. Não é um comportamento natural, mas adquirido em longo prazo e em certas
circunstâncias da vida que pode determinar o sucesso ou fracasso na aprendizagem
(Alves,2008).
O processo da aquisição da leitura envolve: a identificação de símbolos
impressos através dos órgãos visuais que recebem estímulos e os transmitem através
do nervo ótico aos centros visuais do cérebro; a relação entre os símbolos gráficos com
os sons que eles representam, onde a criança reconhece visualmente um símbolo
gráfico e seu correspondente sonoro; a compreensão e análise crítica do que foi lido, a
criança reconhece os símbolos gráficos, compreende seu significado, julga e assimila
os fatos de acordo com sua vivência.
A educação psicomotora desempenha papel fundamental na aquisição da leitura.
A boa visualização e a fixação das formas e, principalmente, a possibilidade de
respeitar sua sucessão impõe o domínio, pelo menos implícito, de uma orientação fixa,
da qual depende a ordem temporal tanto na decifração como da reprodução. Problemas
de orientação são muitas vezes, causa de dificuldades no aprendizado da leitura. Esses
problemas nem sempre se referem a apenas a função perceptiva, mas surgem de uma
dificuldade muito mais profunda que atinge a organização do corpo. “A dificuldade de
orientação e o problema de leitura não passam de dois sintomas ligados à mesma
causa: a dislateralidade” (Le Boulch, 1987, p. 33).
Para que a criança possa ler um texto é necessária uma sucessão de
movimentos oculares ritmados, orientados da esquerda para a direita. A organização
dessa motricidade ocular é muito precoce. A visão, o tato, a audição, o olfato e o
paladar são referenciais elementares na aquisição dos símbolos gráficos, pois essa
leitura sensorial tem início muito cedo na vida do indivíduo. O processo de leitura tem
início quando o ser humano ainda é um bebê e continua essa leitura por toda a vida.
Quando se fala em aprendizagem, necessariamente é preciso falar em
movimento, motricidade, conhecimento e todos os tópicos da Psicomotricidade. Quando
se fala em Psicomotricidade, a primeira reflexão centra-se na motricidade do ser
90
humano e as implicações com seu corpo. O homem é um ser que age, pensa, sente e
se expressa através do movimento. O movimento é o principal elemento no crescimento
e no desenvolvimento da criança. Toda ação está pertinente a um movimento e todo
ato motor tem uma ação e um significado. Mas é necessário também que um estímulo
gere essa ação e, só por essa condição, coloque o ser humano sempre em relação a
algo. O movimento, segundo muitos autores, é visto como facilitador dos outros
desenvolvimentos, tais como o cognitivo, o afetivo, o social e o relacional. É nesse
ponto que a Psicomotricidade se posiciona. Bueno conceitua Psicomotricidade como
sendo uma ciência relativamente nova que, por ter o homem como objeto de estudo,
inclui outras áreas como: educacionais, pedagógicas e de saúde. Ela ocupa-se da
globalidade do indivíduo e estuda a implicação do corpo, a vivencia corporal, campo
semiótico das palavras e a interação entre os objetos e o meio para realizar uma
atividade (Marinho, 2005).
Relacionando-se Psicomotricidade com aprendizagem, pode-se dizer que as
habilidades e os conhecimentos são aprendidos, mas a duração e a natureza da
aprendizagem, bem como seu conteúdo, variam de acordo com a cultura e com o
desenvolvimento de certas competências e habilidades, que são de grande importância
para o desenvolvimento da criança. A Psicomotricidade utiliza o movimento para atingir
outras aquisições mais elaboradas, como as intelectuais. Assim ela ocupa um lugar de
destaque na educação, principalmente a infantil. A estruturação das bases
psicomotoras, principalmente a organização espaço-temporal e a aquisição da
lateralidade, tornou-se uma preocupação para o desenvolvimento e organização do
espaço gráfico e a prontidão para a leitura e escrita.
É a partir das experiências psicomotoras que a criança vai constituindo pouco a
pouco seu modo pessoal de ser, de sentir, de agir e de reagir diante dos outros e dos
objetos.
91
CONCLUSÃO .
A Psicomotricidade favorece a aprendizagem quando reconhece que diferentes
fatores de ordem física, psíquica e social atuam em conjunto para que se dê a
aprendizagem.
O desenvolvimento psicomotor e a aprendizagem dependem das interações
entre o biológico e o social. A criança evolui de uma maturação emocional e motora a
uma maturação lingüística passando, depois, para a maturação cognitiva. Esse
desenvolvimento cognitivo é determinado pela história concreta da experiência
psicomotora que ela instituiu em um determinado contexto sociocultural. A evolução
psicomotora evolui paralelamente a evolução psicolingüística.
As condições de aprendizagem dependem de fatores sociais e psicológicos que
estão ligados à atividade bioquímica do cérebro, que justifica o desenvolvimento global
da criança. Os ambientes enriquecidos promovem uma estimulação mais significativa. A
criança deve ter a possibilidade de fazer experiências no ambiente, essas experiências
devem se iniciar com a sensação e ação, passar pela percepção, pela experiência, pela
memória, pela simbolização para chegar na conceitualização, o que exige, por si só, a
integridade do sistema nervoso periférico e central. Concretizando a oportunidades
sociodinâmica de aprendizagem.
O sucesso de uma criança na aprendizagem da leitura e da escrita depende do
seu amadurecimento fisiológico, neurológico, emocional, intelectual e social. Enquanto
a concepção de escrita deve ser entendida como uma representação simbólica de
sinais sonoros, que, por sua vez, já é uma simbolização do mundo; a leitura é uma
decodificação, ou seja, uma discriminação visual dos símbolos impressos e a
associação entre a palavra impressa e o som.
A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação básica para
a escola. A Escola deverá garantir meios que permitam que a criança possa viver e
utilizar seu corpo, que constitui o suporte de todo o processo reflexivo, que irá edificar
sua consciência. A educação psicomotora condiciona todas as aprendizagens e estas
não podem ser conduzidas a bom termo se a criança não tiver conseguido tomar
92
consciência de seu corpo, de lateralidade, situar-se no espaço, dominar o tempo, se
não tiver adquirido habilidade suficiente e coordenação de seus gestos e movimentos.
Quando o educador conscientizar-se de que a educação pelo movimento é uma
peça mestra da área pedagógica, que permite à criança resolver mais facilmente os
problemas atuais de sua escolaridade e a prepara, por outro lado, para sua existência
futura de adulto, essa atividade não ficará mais para segundo plano, sobretudo porque
o educador constatará que esse material educativo não verbal, constituído pelo
movimento é, por vezes, um meio insubstituível para afirmar certas percepções,
desenvolver formas de atenção, pondo em jogo certos aspectos da inteligência.
A Psicomotricidade auxilia o educador através de seus mecanismos
intensificando de forma significativa o processo de aprendizado, concretizando-o de
forma mais abrangente e fazendo com que a criança ganhe uma maior consciência de
seu corpo e interação com o meio que a cerca.
93
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