CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie...

95
0 CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM RITA DE CÁSSIA DA SILVA SARAGOÇA BRUNO PSICOMOTRICIDADE E APRENDIZAGEM SÃO PAULO 2009

Transcript of CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie...

Page 1: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

0

CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM

DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM

RITA DE CÁSSIA DA SILVA SARAGOÇA BRUNO

PSICOMOTRICIDADE E APRENDIZAGEM

SÃO PAULO 2009

Page 2: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

1

CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM

CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU

EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM

RITA DE CÁSSIA DA SILVA SARAGOÇA BRUNO

PSICOMOTRICIDADE E APRENDIZAGEM

Trabalho apresentado como parte dos requisitos para aprovação no Curso de Especialização Lato Sensu em Distúrbios de Aprendizagem, do CRDA – Centro de Referência em Distúrbios de Aprendizagem, sob orientação da Professora MS. Rita de Cássia dos Reis Moura.

Page 3: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

2

RITA DE CÁSSIA DA SILVA SARAGOÇA BRUNO

PSICOMOTRICIDADE E APRENDIZAGEM

Trabalho apresentado como parte dos requisitos para aprovação no Curso de Especialização Lato Sensu em Distúrbios de Aprendizagem, do CRDA – Centro de Referência em Distúrbios de Aprendizagem, sob orientação da Professora MS. Rita de Cássia dos Reis Moura.

SÃO PAULO – 2009

Page 4: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

3

DEDICATÓRIA A meu marido, Luiz Carlos A meus filhos, Luiz Felipe e Renato À minha mãe, Armênia

A meus amigos e familiares E a todos que me incentivaram para que eu concluísse este trabalho. E a todas as crianças do mundo!

Page 5: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

4

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus que me permitiu concluir este trabalho. Depois à minha

família pelo incentivo, pela paciência, pela cooperação constante, pelo carinho que

sempre me dedicaram e pela segurança de saber que estavam sempre a meu lado.

Obrigada Luiz! Aos meus amigos, pela atenção, palavras de estímulo e apoio nos

momentos de desânimo. Agradeço à minha amiga Maria de Lourdes pelas valiosas

contribuições. À Professora MS. Rita de Cássia dos Reis Moura que acompanhou a

elaboração desse trabalho.

Page 6: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

5

Examinador: _______________________________________________________ Nota: _____________________________________________________________

Page 7: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

6

RESUMO

Psicomotricidade é um fator essencial e indispensável ao desenvolvimento global

e uniforme da criança. A integração de propostas corporais às atividades de

aprendizagem constitui eixo de mudança e de renovação fundamental nos processos

de ensino-aprendizagem.

No desenvolvimento de nossa pesquisa, procuramos abordar os problemas de

aprendizagem e sua relação com o sujeito que aprende, a partir de uma bibliografia

específica, análise mais minuciosa de minha própria experiência prática com a

Psicopedagogia no atendimento a esses problemas. Pudemos perceber que o corpo é o

instrumento comum na relação psicopedagógica e psicomotora, sede dos sintomas do

não aprender e das experiências acumuladas para novas aprendizagens.

O presente trabalho tem por objetivo investigar as significações dadas ao corpo

na ação do aprender trazendo a possibilidade de reflexão sobre as relações entre o que

ensina e o que aprende, e entre o sujeito e o objeto de conhecimento, considerando-se

não apenas um corpo estético, mas um corpo construído a partir das experiências deste

sujeito que age e interage com o meio, com o outro, um corpo capaz de perceber a

realidade externa e transformar a realidade interna, provocando o desenvolvimento de

estruturas sejam elas afetivas, cognitivas ou motoras.

Este estudo baseado na leitura de livros, textos, artigos da literatura nacional e

internacional, utilizados em bibliotecas e sites e também no conhecimento adquirido

durante o curso de pós-graduação em Distúrbios de Aprendizagem, aborda a questão

da Psicomotricidade como instrumento de formação de base, indispensável a toda

criança tanto para evolução de sua personalidade como seu sucesso escolar. Mostra

como a educação psicomotora pode constituir um meio de prevenção adequado para

compensar a multiplicidade de dificuldades de aprendizagem. Destaca a importância do

papel do educador, fundamental na intervenção, que deve ocorrer de forma adequada,

no momento oportuno e com técnicas apropriadas.

Concluindo, podemos atribuir à Psicomotricidade um papel crucial no

desenvolvimento do potencial de aprendizagem da criança, uma vez que a

Page 8: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

7

Psicomotricidade contém o sentido concreto do comportamento e da aprendizagem

dando relevância ao corpo.

Palavras-chave: Corpo. Aprendizagem. Desenvolvimento. Prevenção. Educador.

Page 9: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

8

ABSTRACT

The current research has the intent to investigate the meanings given to the body at the

learning action bringing the possibility to think about the relationships bewteen teacher

and aprendice and between the person and the object of knowlodge, considering not

just a estetic body, but a body built from this person’s experiences that acts and

interacts with the enviroment, with the other, one body able to identify the external reality

and change the internal reality, causing the development of emotional, cognitives or

motor structures.

The theorical body of Psychomotricity is, in a great part, based on the knowledge

of authors like Wallon, Piaget, Vygotsky, Ajuriaguerra, Luria, Gesell, Le Boulch e

Fonseca. I have tried to approach these author’s contributions to fulfill and put a shape

on a global development research.

The research develops in a study about the main concepts about psychomotor

development, proposing to think about the relations between body and learning.

Presenting the basic elements of Psychomotricity and its importance at the childdren’s

development. Analise the Psychomotricity as an instrument to create base, indeniable to

every children to evolve it’s personality and for the school success. Shows how

psychomotor education can provide a prevention enviroment to compensate the multiple

learning dificulties. It Highlights the educator’s importance, vital at the intervention that

shall occur in a certain way, at the right moment and with right techniques.

To conclude, we can add to the Psychomotricity the crucial role at the

development of the children’s potential learning skills, once that it contains the concrete

meaning of behavior and learning giving attention to the body.

Keywords: Body.Learning. Development. Prevention. Educator.

Page 10: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

9

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................... I – ABORDAGEM DA PSICOMOTRICIDADE 1.1 – Definição de Psicomotricidade....................................................................... 1.2 – Revisão Histórica sobre a Psicomotricidade ................................................. II – O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR 2.1 – O Movimento e o corpo ................................................................................. 2.2 – A Motricidade....................................................................................................... 2.3 – Padrões filogenéticos e ontogenéticos do desenvolvimento infantil.................... 2.4 – O Desenvolvimento Infantil............................................................................ III – ELEMENTOS BÁSICOS DA PSICOMOTRICIDADE 3.1 – Tonicidade...................................................................................................... 3.2 – Equilibração.................................................................................................... 3.3 – Esquema Corporal......................................................................................... 3.4 – Lateralização.................................................................................................. 3.5 – Estruturação Espaço-Temporal....................................................................... 3.5.1 – Estruturação Espacial.................................................................................. 3.5.2 – Estruturação Temporal................................................................................ 3.6 – Praxia Global.................................................................................................. 3.7 – Praxia Fina........................................................................................................ IV – APRENDIZAGEM 4.1 – A Aprendizagem............................................................................................ 4.2 – O Corpo na Aprendizagem............................................................................ 4.3 – A Psicomotricidade no Processo de Aprendizagem..................................... 4.4 – A Psicomotricidade e a Linguagem............................................................... CONCLUSÃO.......................................................................................................... BIBLIOGRAFIA........................................................................................................

Página

10

13 17

25 28 32 35

53 55 56 59 62 63 65 66 67

69 75 78 84

91

93

Page 11: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

10

INTRODUÇÃO

O estudo do movimento é, como bem afirma Vitor da Fonseca, um meio para

conhecer o homem na sua totalidade indivisível e não uma pura descrição física e

muscular explicada por atlas ou tratados de anatomia e de fisiologia analítica. O

movimento é o meio pelo qual o indivíduo comunica e transforma o mundo que o

rodeia” (Fonseca, 1996, p.1).

A motricidade possibilita ao homem o confronto com o meio ambiente, ela é o

primeiro processo humano de aprendizagem e apropriação do real, meio através do

qual a inteligência humana se desenvolve, se materializa e se constrói. É através da

motricidade que o cérebro se desenvolve (ibid.).

Ao falar em aprendizagem, necessariamente é preciso falar em movimento,

motricidade, conhecimento e em todos os aspectos estudados pela Psicomotricidade. A

Psicomotricidade centra-se na motricidade do ser humano e nas implicações com seu

corpo. O homem é um ser que age, pensa, sente e se expressa através dos

movimentos. O movimento é o principal elemento no crescimento e desenvolvimento da

criança (Marinho, 2005).

Toda ação é pertinente a um movimento e todo ato motor tem uma ação e um

significado. Entretanto é necessário que um estímulo gere essa ação e, por essa

condição, coloque o ser humano sempre em relação a alguma coisa. De acordo com

autores como Vitor da Fonseca, Ajuriaguerra, Lapierre, Bueno, entre outros, o

movimento é visto como facilitador dos outros desenvolvimentos, tais como o cognitivo,

o afetivo, o social e o relacional (Fonseca, 1996)

A Psicomotricidade é uma ciência relativamente recente e, por ter o homem

como objeto de seu estudo, engloba outras áreas: educacionais, pedagógicas e da

saúde. Ela trabalha o indivíduo em seu aspecto global e estuda a implicação do corpo,

a vivência corporal e a interação entre os objetos e o meio para realizar uma atividade.

Relacionando-se a Psicomotricidade com a aprendizagem, é possível dizer que

as habilidades e os conhecimentos são aprendidos, mas a duração e a natureza dessa

aprendizagem, bem como seu conteúdo, variam de acordo com a cultura e com o

desenvolvimento de certas competências e habilidades, que são imprescindíveis para o

Page 12: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

11

desenvolvimento da criança. A Psicomotricidade utiliza o movimento para atingir outras

aquisições mais elaboradas, como as intelectuais. A estruturação das bases

psicomotoras, principalmente a organização espaço-temporal e a aquisição da

lateralidade, tornou-se uma preocupação para o desenvolvimento e a organização do

espaço gráfico e a prontidão para a leitura e escrita.

O trabalho da Psicomotricidade é da mais valiosa função, principalmente a partir

da educação infantil por haver um estreito paralelismo entre o desenvolvimento das

funções psíquicas, do comportamento social e acadêmico do homem. A

Psicomotricidade favorece a aprendizagem, trabalhando no ser humano, cada uma das

etapas, possibilitando-o alcançar a consciência corporal, a consciência do mundo que o

cerca, o relacionamento deste com o seu corpo e com o que está ao seu redor.

Proporciona ao indivíduo a capacidade de ser, ter, aprender a fazer e a fazer, na

medida em que se reconhece por inteiro, alcançando a organização e o equilíbrio das

relações com os diferentes meios e a sua distinção. Relacionando-se com o mundo de

forma equilibrada (Sánchez, 2003).

Esta pesquisa tem como objetivo mostrar a aplicabilidade da Psicomotricidade no

cotidiano educacional e, conhecendo seus mecanismos, ajudar a criança a ter uma vida

melhor e mais plena, com mais segurança e auto-estima. Procuramos evidenciar que a

Psicomotricidade pode se constituir em um meio de prevenção adequado para se

compensar as dificuldades de aprendizagem que traduzem a privação do movimento e

a repressão lúdico-espacial que caracterizam a vida da criança desde o nascimento até

a fase escolar. Essas dificuldades são resultado de diferentes causas como: orgânicas,

afetivas, sociais e de todo um complexo de situações da instituição educacional.

Wallon, Piaget, Vygotsky, Ajuriaguerra, Luria, Gesell e Fonseca descrevem como

evoluem os processos motores, perceptivos, relacionais e cognitivos da criança.

Material importante para que o educador possa reconhecer, no cotidiano escolar, o

ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso.

Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos uma relação entre a

Psicomotricidade e a Aprendizagem. Os autores afirmam que o biológico, o emocional,

o cognitivo e o motor estão presentes no ato de aprender e que cabe ao educador criar

ou resgatar o desejo de aprender da criança, eliminando os possíveis obstáculos e

Page 13: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

12

utilizando-se da Psicomotricidade como base de fundamentação que tem sua

contribuição indispensável nos processos de aprender.

Este trabalho destaca a importância da Psicomotricidade quando reconhece que

diferentes fatores de ordem física, psíquica e sociocultural atuam em conjunto para que

se dê a aprendizagem.

Page 14: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

13

I – ABORDAGEM DA PSICOMOTRICIDADE 1.1 - Definição de Psicomotricidade A Psicomotricidade é concebida como uma ciência terapêutica adotada na

Europa há mais de sessenta anos, que contém conceitos teóricos e aplicações práticas

de várias ciências como a Psicologia, a Psicanálise, a Neuropsicologia, a Pedagogia e

a Psiquiatria, entre outras, que convergem os seus interesses no estudo do movimento,

com o objetivo de dar qualidade de vida ao ser humano. Vários autores contribuíram

para as bases teóricas da Psicomotricidade, analisando as relações complexas entre o

movimento e o pensamento, e entre o corpo e o cérebro como: Wallon, Piaget,

Ajuriaguerra, Soubiran, Costallat, Boscaini, Paillard, Bernshtein, Luria, Gardner, Le

Boulch, Vitor da Fonseca, entre muitos outros.

O Professor Dr. Julian de Ajuriaguerra define: “A Psicomotricidade se conceitua

como ciência da Saúde e da Educação, pois indiferente das diversas escolas,

psicológicas, condutistas, evolutistas, genéticas, etc., ela visa à representação e a

expressão motora, através da utilização psíquica e mental do indivíduo” (ISPE-GAE,

2009).

A criadora da cátedra de Psicomotricidade, Profª. Drª. Giselle Soubiran diz: “A

Psicomotricidade em seus meios e fins, jamais se esquece da união psico-afetivo-

motora e atua sobre este conjunto, pois os transtornos psicomotores têm as mais

diversas manifestações” (Ibid.).

A Prof.ª Dr.ª Dalila M. M. de Costallat, que criou a primeira cátedra de

Psicomotricidade para professores de educação especial do Ministério da Educação

Nacional da Argentina, afirma: “Psicomotricidade é a ciência de síntese que, com a

pluralidade de seus enfoques, procura elucidar os problemas que afetam as inter-

relações harmônicas que constituem a unidade do ser humano e sua convivência com

os demais” (ISPE-GAE, 2009).

Para o pioneiro na constatação da atuação curativa e preventiva do movimento

físico nos distúrbios de aprendizado, Prof. Dr. Jean Le Boulch: “O trabalho psicomotor

beneficia a criança no controle de sua motricidade, utilizando de maneira privilegiada a

Page 15: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

14

base rítmica associada a um trabalho de controle tônico e de relaxação cautelosamente

conduzido” (ISPE-GAE, 2009). O autor ainda afirma que: ”O objetivo central da

educação pelo movimento é contribuir ao desenvolvimento psicomotor da criança, de

quem depende, ao mesmo tempo, a evolução de sua personalidade e o sucesso

escolar” (Le Boulch, 1987, p. 15).

O Prof. Dr. Franco Boscaini define: “A Psicomotricidade nos leva a abandonar

em reabilitação, a visão clássica e racional, onde o processo terapêutico realizado só

com a cabeça e o corpo é visto como objetivo final. O conceito psicomotor emerge

sobre o princípio de que o individuo conhece, comunica, aprende, opera e se adapta a

realidade externa, através de dois tipos de funções corporais que não podem nunca ser

separadas: a função tônica e a função motora. A função motora através da ação e a

tônica através da expressão qualitativa da ação” (ISPE-GAE, 2009).

Para o Prof. Dr. Vitor da Fonseca: “A Psicomotricidade pode ser definida como o

campo transdisciplinar que estuda e investiga as relações e as influências recíprocas e

sistêmicas entre o psiquismo e a motricidade. O psiquismo, nessa perspectiva, é

entendido como sendo constituído pelo conjunto do funcionamento mental, ou seja,

integra as sensações, as percepções, as imagens, as emoções, os afetos, os

fantasmas, os medos, as projeções, as aspirações, as representações, as construções

mentais, etc., assim como a antecede as aquisições evolutivas ulteriores” (Fonseca,

2008, p. 9). Ainda na mesma obra ele a define como: “... uma educação e uma

reabilitação especialmente concebidas, desenhadas e implementadas para satisfazer

as necessidades desenvolvimentais únicas de indivíduos normais e excepcionais, tendo

em vista a realização máxima possível do seu potencial humano” (ibid, p.9). O autor

ainda afirma: “No “século das dificuldades escolares”, que arrastam consigo problemas

familiares, pedagógicos e sociopatológicos, a Psicomotricidade pode desempenhar um

papel muito importante como medida preventiva, não só porque está baseada

antropologicamente e epistemologicamente, como também porque procura ser um meio

de intervenção critica na realidade pedagógica da escola atual” (Fonseca, 1996, p. 2).

Para os autores De Meur e Staes o conceito de Psicomotricidade é recente e,

inicialmente, fixou-se apenas sobre o desenvolvimento motor da criança, depois

estudou a relação entre o atraso no desenvolvimento motor e o atraso intelectual, a

Page 16: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

15

seguir estudou o desenvolvimento manual e as aptidões motoras em função da idade.

Hoje, as pesquisas se dirigem também a lateralidade, a estruturação espacial e a

orientação temporal, assim como para as dificuldades de crianças de inteligência

normal. Há também a preocupação com a tomada de consciência das relações que

existem entre o gesto e a afetividade. Eles afirmam: “A Psicomotricidade quer

justamente destacar a relação existente entre a motricidade, a mente e a afetividade e

facilitar a abordagem global da criança por meio de uma técnica” (De Meur e Staes,

1991, p. 5).

A pedagoga e psicomotricista Profª. Drª. Maria Beatriz da Silva Loureiro, diretora

do ISPE-GAE (ISPE-Instituto Superior de Psicomotricidade e Educação; GAE-Grupo de

Atividades Especializadas) e presidente da OIPR – Brasil (Organização Internacional de

Psicomotricidade e Relaxação) conceitua: “A Psicomotricidade é a otimização corporal

dos potenciais neuro-psico-cognitivo funcionais, sujeitos as leis de desenvolvimento e

maturação manifestados pela dimensão simbólica corporal própria, original e especial

do ser humano”.

A Sociedade Brasileira de Psicomotricidade a conceitua como sendo uma ciência

que estuda o homem através do seu movimento nas diversas relações, tendo como

objeto de estudo o corpo e a sua expressão dinâmica. A Psicomotricidade se dá a partir

da articulação movimento-corpo-relação. Diante da somatória de forças que atuam no

corpo – choro, medos, alegrias, tristezas... – a criança estrutura suas marcas, buscando

qualificar seus afetos e elaborar suas idéias. Vai constituindo-se como pessoa (SBP,

2009).

A Psicomotricidade é, como bem afirmam José&Coelho, “... a educação do

movimento com atuação sobre o intelecto, numa relação entre pensamento e ação,

englobando funções neurofisiológicas e psíquicas”. Além disso, possui uma dupla

finalidade: “assegurar o desenvolvimento funcional, tendo em conta as possibilidades

da criança, e ajudar sua afetividade a se expandir e equilibrar-se, através do

intercâmbio com o ambiente humano” (José&Coelho, 2004, p.108).

Ainda segundo as autoras, os movimentos expressam o que sentimos,

nossos pensamentos e atitudes que muitas vezes estão arquivadas em nosso

inconsciente. Estruturar o corpo com uma atitude positiva de si mesma e dos outros, a

Page 17: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

16

fim de preservar a eficiência física e psicológica, desenvolvendo o esquema corporal e

apresentando uma variedade de movimentos (ibid.).

Fátima Alves afirma que através da ação sobre o meio físico com o meio social e

da interação com o ambiente social, processa-se o desenvolvimento e a aprendizagem

do ser humano. É um processo complexo, em que a combinação de fatores biológicos,

psicológicos e sociais, produz nele transformações qualitativas. Para tanto,

desenvolvimento envolve aprendizagem de vários tipos, expandindo e aprofundando a

experiência individual (Alves, 2008).

É preciso estar atento às etapas do desenvolvimento da criança, colocando-se

na posição de facilitador da aprendizagem e baseando o trabalho no respeito mútuo, na

confiança e no afeto.

Para as autoras José&Coelho a Psicomotricidade integra várias técnicas com as

quais se pode trabalhar o corpo, relacionando-o com a afetividade, o pensamento e o

nível de inteligência. Ela enfoca a unidade da educação dos movimentos, ao mesmo

tempo em que põe em jogo as funções intelectuais. As primeiras evidências de um

desenvolvimento mental normal são manifestações puramente motoras (José&Coelho,

2004).

As atividades motoras desempenham na vida da criança um papel

importantíssimo, em muitas das suas primeiras iniciativas intelectuais. Enquanto explora

o mundo que a rodeia com todos os órgãos dos sentidos, ela percebe também os meios

com os quais fará grande parte dos seus contatos sociais.

A Educação Psicomotora na idade escolar deve ser antes de tudo uma

experiência ativa, onde a criança se confronta com o meio. A educação proveniente dos

pais e do âmbito escolar, não tem a finalidade de ensinar à criança comportamentos

motores, mas sim permitir exercer uma função de ajustamento individual ou em grupo.

As atividades desenvolvidas em grupo favorecem a integração e a socialização

das crianças com o grupo, portanto propicia o desenvolvimento tanto psíquico como

motor. Os movimentos, as expressões, os gestos corporais, bem como suas

possibilidades de utilização (danças, jogos, esportes...), recebem um destaque especial

em nosso desenvolvimento fisiológico e psicológico.

Page 18: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

17

1.2 – Revisão Histórica Sobre a Psicomotricidade

Para Vitor da Fonseca, fazer uma revisão histórica sobre a origem e a evolução

do conceito de Psicomotricidade significa, de certo modo, estudar o sentido de corpo ao

longo da história da civilização. A história do corpo é construída com a história da

humanidade (Fonseca, 1995).

O termo “corpo”, ao longo da história, foi marcado por significações diversas

atribuídas em certos momentos pela ciência em sua constante evolução, em outros

momentos pela cultura de diferentes povos e épocas, ou em outros pelo social cheio de

crenças e mitos. Platão salientava o corpo como “o lugar de transição da existência no

mundo de uma alma imortal” (Coste apud Costa, 2007, p. 21).

Desde os tempos de Aristóteles o corpo era negligenciado em função do espírito.

Descartes levou a considerar a crença de que o corpo e a mente eram unidades

distintas no próprio homem, ele assegurou que “o corpo é apenas um coisa externa que

pensa, a alma é substância pensante por excelência, que não participa de nada daquilo

que pertence ao corpo”. Numa visão cartesiana, o corpo é visto como objeto regido

pelas leis da mecânica e marcado por uma mente que pensa. O homem é superior aos

animais por sua inteligência e exterioriza seus pensamentos através da linguagem;

dividido em corpo e alma, refrea sua ação sociopolitica e educacional, impede a

criatividade e a espontaneidade, aperfeiçoa-se na repetição e no treinamento (Levin,

1995, p. 22).

Somente no século XIX é que o corpo passa a ser objeto de pesquisa, sujeito a

estudos sistemáticos e profundos no âmbito da experimentação. Diversos segmentos

da ciência passam a se interessar por essa pesquisa. Primeiramente a Neurologia e a

Neuropsicologia passam a estudá-lo de forma sistemática e experimental, pela

necessidade de compreensão das estruturas cerebrais e seu funcionamento, bem como

suas patologias. Depois, o corpo passou a ser estudado pela Psicologia e pela

Psicanálise com o objetivo de compreender a evolução da inteligência e suas

perturbações.

Com o desenvolvimento e as descobertas da Neurofisiologia, começa a

constatar-se que há diferentes disfunções graves sem que o cérebro esteja lesionado

Page 19: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

18

ou sem que a lesão esteja claramente localizada. São descobertos distúrbios da

atividade gestual, da atividade práxica. Portanto, o “esquema anátomo-clínico” que

determinava para cada sintoma sua correspondente lesão focal já não podia explicar

alguns fenômenos patológicos. A necessidade de explicar tais perturbações levaram

Dupré, em 1909, a buscar uma relação entre o sintoma e a localização cerebral. Assim,

ele cria o termo Psicomotricidade, que significa a relação entre o movimento, o

pensamento e a afetividade. Em suas pesquisas o autor constata que as perturbações

psicológicas tinham estreitas relações com as perturbações motoras.

Foi Piaget um dos autores que mais estudou as interelações entre a motricidade

e a percepção, através de uma ampla experimentação. Estudando as estruturas

cognitivas, descreve a importância do período sensório-motor e da motricidade,

principalmente antes da aquisição da linguagem, no desenvolvimento da inteligência. O

desenvolvimento mental se constrói, paulatinamente; é uma equilibração progressiva,

uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio

superior. O equilíbrio para ele significa uma compensação, uma atividade, uma resposta

do sujeito frente às perturbações exteriores ou interiores. Quando dizemos que houve o

máximo de equilíbrio, devemos entender que houve o máximo de atividades

compensatórias. Por exemplo, o desafio do meio pode levar a perturbações e provocar

um desequilíbrio. Em resposta, a pessoa vai procurar novas formas de equilíbrio no

sentido de uma maior adaptação ao meio e com isto atinge um maior desenvolvimento

mental.

A inteligência, portanto, é uma adaptação ao meio ambiente, e, para que isso

possa ocorrer, necessita inicialmente da manipulação pelo indivíduo dos objetos do

meio com a modificação dos reflexos primários.

Quando uma criança percebe os estímulos do meio através de seus sentidos,

suas sensações e seus sentimentos e quando age sobre o mundo e sobre os objetos

que o compõem através do movimento de seu corpo, está “experienciando”, ampliando

e desenvolvendo suas funções intelectivas. Por outro lado, para que a Psicomotricidade

se desenvolva, também é necessário que a criança tenha um nível de inteligência

suficiente para fazê-la desejar “experienciar”, comparar, classificar, distinguir os objetos.

Page 20: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

19

Henri Wallon é um dos pioneiros no estudo da Psicomotricidade. Em 1925

publica L´Enfant Turbulent (A criança turbulenta), uma obra fundamental para a

formulação teórica e prática da Psicomotricidade, talvez um dos primeiros trabalhos

científicos do mundo a falar sobre a criança hiperativa. Wallon salienta a importância do

aspecto afetivo como anterior a qualquer tipo de comportamento. Existe, para ele, uma

evolução tônica e corporal chamada “diálogo corporal” e que constitui o exercício

preliminar da comunicação verbal. Este diálogo corporal é fundamental na gênese

psicomotora, pois a ação desempenha o papel fundamental de estruturação cortical e

está na base da representação (Fonseca, 2008).

O movimento, portanto, assume uma grande significação. Inicialmente a criança

apresenta uma agitação orgânica e uma hipertonicidade global, ocasionando uma

relação com o meio ambiente de forma difusa e desorganizada. Pouco a pouco,

começa a se expressar através dos gestos que estão ligados a esfera afetiva e que

são, portanto, o escape das emoções vividas. Este mundo das emoções mais tarde

dará origem ao mundo da representação. O movimento, como um elemento básico de

reflexão humana, aparece depois, como um fundamento sociocultural e dependente de

um contato histórico e dialético.

Wallon afirma que é sempre a ação motriz que regula o aparecimento e o

desenvolvimento das formações mentais. Na evolução da criança, portanto, estão

relacionadas a motricidade, a afetividade e a inteligência (Fonseca, 2008).

A obra de Wallon continuou a influenciar investigações sobre crianças instáveis,

impulsivas, emotivas, obsessivas, apáticas, delinqüentes, assim como influenciou

diversas áreas de formação, psiquiátrica, psicológica e pedagógica, correntes médico-

pedagógicas (Descoeudres) e de educação física (Demeny, Herbert, Dalcroze...).

Para Vitor da Fonseca, Wallon é o principal responsável pelo nascimento do

movimento de reeducação psicomotora, que depois foi conduzida, com superioridade,

por Ajuriaguerra e Soubiran (Fonseca, 1995).

O movimento, de acordo com Wallon, é a única expressão e o primeiro

instrumento do psiquismo. Ele apresenta uma concepção original da evolução mental,

afirmando que o desenvolvimento psicomotor da criança é o resultado da oposição e da

substituição de atividades que precedem umas às outras (Fonseca, 2008).

Page 21: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

20

Wallon introduz, através do conceito de esquema corporal, dados neurológicos

nas suas concepções psicológicas. Ele refere-se ao esquema corporal não como uma

unidade biológica ou psíquica, mas como uma construção, elemento de base para o

desenvolvimento da personalidade da criança (ibid.).

Dando continuidade a obra de Wallon, Ajuriaguerra desenvolve intenso trabalho

científico no âmbito da Neurofisiologia, da Neuropatologia e, fundamentalmente, no

campo que mais interessa à teoria da Psicomotricidade, ou seja, o da Neuropsiquiatria

Infantil. Publica trabalhos sobre o tônus e desenvolve métodos de relaxamento. Torna-

se um psiquiatra infantil de renome mundial e vai consolidando os princípios e bases da

Psicomotricidade. Juntamente com Hécaen publica obras de grande importância

científica – Méconnaissances e Hallucinations Corporelles e Le Córtex Cerebral – que

auxiliam no esclarecimento do conceito de Psicomotricidade (Fonseca, 2008).

Para Ajuriaguerra, a criança elabora todas as suas experiências e organiza sua

personalidade através do corpo. Sua evolução se dá pela conscientização e

conhecimento cada vez mais profundos do seu corpo. Em 1947 ele redefine o conceito

de debilidade motora, considerando-a como uma síndrome com suas próprias

particularidades. É ele quem delimita com clareza os transtornos psicomotores que

oscilam entre o neurológico e o psiquiátrico (Fonseca, 2008).

Nas pesquisas de Wallon, Piaget e Ajuriaguerra destaca-se a preocupação com

uma educação psicomotora de base. Eles compreendem as determinantes biológicas e

culturais do desenvolvimento da criança como dialéticas na construção do motor

(corpo), da mente (emoção) e da inteligência.

O conhecimento da Psicomotricidade no campo evolutivo começa a delimitar

áreas mais distintas de abordagem técnica para serem aplicadas na prática

psicomotora. Os primeiros movimentos de trabalhos da Psicomotricidade foram

impulsionados dentro de uma proposta reeducativa, marcada pelo paralelismo mente-

motor sustentado pelos trabalhos de Le Boulch, Wallon, Pierre Vayer, Ajuriaguerra. A

reeducação é uma forma de estimular na criança suas funções psicomotoras, que foram

contrariadas em seu desenvolvimento. É uma ação dirigida ao déficit motor, com o

objetivo de atingir também o cognitivo. Piaget já antecipava a preocupação de estimular

as crianças de forma adequada, em cada fase de seu desenvolvimento. Dessa forma,

Page 22: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

21

ele redimensiona as questões da Psicomotricidade e não a limita apenas a uma ação

reeducativa, mas a uma primeira instância educativa.

Para Levin, a reeducação psicomotora pode ser considerada como o primeiro

movimento prático entre a conduta psicomotora e o caráter da criança. É nesse

momento que os estudos da Neurologia Infantil procuram superar o dualismo cartesiano

através da resposta produzida na relação e correspondência, debilidade mental

(psique) e debilidade motora (corpo). Com a reeducação surge um esboço de uma

“clínica pedagógica” da prática psicomotora, que tem como instrumento um corpo-

motor. Esta reeducação psicomotora responde a uma concepção de sujeito, que traz

consigo o conceito de corpo, como uma máquina de músculos que não funcionam e

que, portanto, devem ser reparados (Levin, 1995).

A Psicologia vem trazer a preocupação mais especifica com o motor

sobrepondo-se ao corpo. A Psicologia Genética tem uma contribuição importante

quando passa a admitir “o corpo como instrumento de construção da inteligência

humana”. Essa preocupação não se reduz apenas às questões motoras, mas a um

corpo que age e se movimenta (Levin, 1995, p.31).

Os movimentos mecânicos e específicos são substituídos por movimentos mais

leves, indicando o surgimento de uma outra postura no tratamento nas questões

psicomotoras. Surge a Terapia Psicomotora que, segundo Levin “... se ocupa, observa

e opera num corpo em movimento, que se desloca, que constrói a realidade, que

conhece à medida que começa a movimentar-se, que sente, que se emociona e cuja

emoção manifesta-se tonicamente”. Essa nova visão dada ao corpo centraliza sua

atenção na comunicação expressa pelo corpo em movimento. Esse movimento se

estabelece nas relações corporais por meio de diálogo tônico (ibid, p. 31).

Nessa abordagem terapêutica, o corpo não é só motor, sua representação é da

ordem do psiquismo e abrange o conjunto tônus muscular, postura, gestos e emoções,

que em cadeia determinam e qualificam uma ação e uma reação.

Ao perceber que a reeducação de uma prática mecanicista onde se deixa de

lado a demanda expressa pelo sujeito desejante e uma terapia psicomotora que em sua

prática volta sua atenção para a expressão corporal e verbal, sem se dar conta da

Page 23: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

22

afetividade, nem da emoção, Sami-Ali propõe uma teoria psicanalítica da

Psicomotricidade (Costa, 2007).

Autores psicanalistas como J. Lacan, Manoni, Freud, F. Dalto, M. Klein, Reich,

Sami-Ali e outros, com suas pesquisas, contribuem para uma nova abordagem da

Psicomotricidade. O olhar da Psicomotricidade se volta para o “sujeito com seu corpo

em movimento”. Deixa-se de lado a “globalidade” ou “totalidade” e surge um sujeito

dividido, com um corpo real, imaginário e simbólico (Levin, 1995, p. 31).

A Sociedade Francesa de Educação e Reeducação Psicomotora, criada em

1968 por Vayer, Lapierre e Aucouturier, transforma os conceitos de “ginástica corretiva”

e influencia a maioria das escolas francesas, belgas, suíças e italianas. Na mesma

época, surgem os métodos de Borel-Maissony e o “Bon Départ”, que igualmente sofrem

evolução.

Autores americanos colocaram o desenvolvimento da percepção e do movimento

em termos de interdependência entre si, Strauss, Werner, Hebb e Gesell,

posteriormente Bruner e Piaget influenciam idéias nessa direção e sobressaem-se

trabalhos de Kephart, Barsh, Frostig, Getman, Cruickshank, Doman e Delacato, Cratty e

Ayres.

Surgem também estudos de autores soviéticos que se destacam na área da

psiconeurologia do movimento, Ozeretsky, Vygotsky, Bernstein, Elkonin e Luria. Esses

autores dedicaram-se a introdução, em psicologia, do conceito de que a origem de todo

movimento e de toda ação voluntária não se faz dentro do organismo, mas sim a partir

da história social do homem. Portanto, o movimento depende, primeiro, da função de

comunicação e, depois, do analisador verbal, ou seja, das sínteses aferentes.

A Psicomotricidade no Brasil foi norteada pela escola francesa. Antonio Branco

Lefévre, influenciado por sua formação em Paris e pelas idéias de Ajuriaguerra e

Ozeretski, organiza uma primeira escala de avaliação neuromotora para crianças

brasileiras.

A Drª. Helena Antipoff que era assistente de Claparéde no Instituto Jean Jacques

Rosseau em Genebra, e auxiliar de Binet e Simon em Paris, trouxe ao Brasil sua

experiência em deficiência mental, baseada na Pedagogia do Interesse, derivada do

conhecimento do sujeito sobre si mesmo, como via de conquista social.

Page 24: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

23

Em 1972, a argentina, estagiária do Dr. Ajuriaguerra e da Dr.ª Soubiran em Paris,

Dr.ª Dalila de Costallat, é convidada para falar em Brasília para autoridades do

Ministério da Educação, sobre seus trabalhos sobre deficiência mental e assim, inicia

contatos permanentes com a Dr.ª Antipoff no Brasil.

Na década de 70, vários autores passam a definir Psicomotricidade como uma

motricidade de relação, enquanto na mesma época, são convidados profissionais

estrangeiros para vir ao Brasil e trabalhar na formação de profissionais brasileiros. Em

1977 é fundado o GAE – Grupo de Atividades Especializadas – que, a partir de 1980,

passou a promover encontros nacionais e latino-americanos. O 1º Encontro Nacional de

Psicomotricidade foi realizado em 1979. Em 1982, o ISPE-GAE – ISPE Instituto

Superior de Psicomotricidade e Educação – realiza o vínculo cientifico-cultural com a

Escola Francesa através da exclusiva Delegação Brasileira da OIPR – Organisation

Internationale de Psychomotricité et de Relaxation.

A SBP – Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, entidade de caráter cientifico-

cultural sem fins lucrativos, foi fundada em 19 de abril de 1980 com o intuito de lutar

pela regulamentação da profissão e contribuir para o progresso da ciência, promovendo

congressos, encontros científicos, cursos, etc. (SBP, 2009).

Tem início, então, uma diferenciação entre postura reeducativa e terapêutica, já

demonstrando diferenças em intervenções de Psicomotricidade, e que, ao

despreocupar-se da técnica instrumentalista e ao ocupar-se do corpo em sua

globalidade, vai dando, progressivamente, maior importância à relação, à afetividade e

ao emocional, acompanhando as tendências do momento por que passava. De acordo

com a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, a Psicomotricidade não é a soma da

psicologia com a motricidade, mas seu conceito ultrapassa a ligação psico-soma, sobre

essa visão o individuo é visto dentro de uma globalidade e não um conjunto de suas

inclinações.

Para Vitor da Fonseca, “A Psicomotricidade tende atualmente a ser

reconceitualizada, não só pela “intrusão” de fatores antropológicos, filogenéticos,

ontogenéticos, paralinguisticos, como essencialmente cibernéticos e psiconeurológicos.

É na integração transdisciplinar destas áreas do saber que provavelmente se colocará

Page 25: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

24

no futuro a evolução e atualização do conceito de Psicomotricidade” (Fonseca, 1995, p.

13).

Page 26: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

25

II – O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR

2.1 – O Movimento e o Corpo

O movimento é a primeira manifestação na vida do ser humano, pois desde a

vida intra-uterina realizamos movimentos com o nosso corpo, no qual vão se

estruturando e exercendo enorme influência no comportamento.

Como bem afirma Fátima Alves, o corpo reflete o orgânico, o emocional e o

neurológico, pois sem esta totalidade, ele não existe. Um corpo humano de

características próprias e únicas, individuais, organizadas e em organização, prontas a

novas adaptações e disponível à aprendizagem (Alves, 2008).

Vitor da Fonseca afirma “A explicação do movimento não pode ser satisfeita por

uma visão anatômica ou mecanicista, dado que se encobre o problema quando se

estudam os ossos, as articulações e os músculos e não se aborda o significado do

movimento como comportamento, ou seja, como relação consciente e inteligível entre a

ação do indivíduo e a situação circunstancial. O estudo evolutivo não pode recair em

métodos empíricos ou métodos correcionistas e padronizados, mas sim numa ciência

suscetível de inovação e permeabilidade experimental” (Fonseca, 1996, p. 8).

O movimento é resultado das situações concretas que o determinam, e ocupa

grande parte da história biológica do indivíduo significando uma exteriorização do

concreto vivido intrínseco ao sujeito.

De acordo com Vitor da Fonseca, na Psicomotricidade, os conhecimentos

anatômicos e fisiológicos terão utilidade quando levarem em conta que a razão da

execução do ato motor é atingir um objetivo. O essencial é a intencionalidade, a

significação e a expressão do movimento, e assim, o movimento põe em jogo toda a

personalidade do sujeito. O movimento também é uma antecipação da ação (Fonseca,

1996).

O estudo do movimento humano não é muito fácil, pois se tentarmos buscar uma

definição mais científica, tende-se a considerar o homem mais como um organismo, os

estudos da motricidade passam a seguir uma linha idêntica às ciências exatas e

resultam numa explicação mecanicista. Esse estudo do movimento exige que se

Page 27: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

26

considere o que se passa no intimo do sujeito. Não se pode ficar apenas com as

descrições de movimentos, é preciso buscar as relações e os determinismos

biopsicosociais que presidem à elaboração motora do ser humano.

Ao se estudar o movimento, é preciso concebê-lo como fenômeno de

comportamento que reúne e engloba os movimentos expressivos e atitudes

significativas. Desta forma, é possível se perceber a inteligibilidade específica das

atitudes e dos movimentos do ser vivo. É a intenção que dá ao movimento um conteúdo

de consciência – a intenção do homem ao movimentar-se (Fonseca, 1996).

A Psicomotricidade busca compreender os movimentos como um conjunto de

comportamentos considerados significativos, intencionais e conscientes, e não apenas

um processo corporal. E o indivíduo, como portador de relações com seu meio e com

sua própria corporalidade.

Como afirmou A. Rey, o indivíduo nasce apenas com os reflexos, depois durante

sua evolução, vai acontecendo o equilíbrio orgânico provocado pela resistência e

estimulação que o meio oferece, passando através do corpo do indivíduo, por meio de

sua estruturação motora e se inicia a organização do sistema nervoso (Fonseca, 1996).

O organismo passa por constante atualização de possibilidades e capacidades

através dos estímulos que o meio possui. O meio, quando exige uma adaptação,

promove no indivíduo uma harmonia de crescimento, traduzida numa atividade

sucessivamente condicionada. À medida que há evolução, o psicomotor liberta-se do

orgânico, evoluindo por estruturações próprias onde o social interfere permitindo uma

conquista de autonomia e de cooperação.

“O movimento, mesmo o reflexo ou o movimento automático da respiração (o

primeiro e último movimento dos seres vivos) são sinônimos de vida, de presença e

conhecimento. Onde há movimento há vida” (Fonseca, 1996, p. 14).

Os potenciais humanos são apoiados nas áreas básicas da Psicomotricidade,

seu estudo e pesquisas constantes do esquema corporal e da imagem corporal, da

lateralização, da tonicidade, da equilibração e coordenação, são enriquecidos

instrumentalmente, estimulando o sentimento de competência, de auto-estima,

entendendo o ser humano em constantes e complexas adaptações, fazendo-o concluir

que é amado e aceito, tornando-o transformador e produtor social.

Page 28: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

27

A criança busca experiências em seu próprio corpo, formando conceitos e

organizando o esquema corporal. A abordagem da Psicomotricidade irá permitir a

compreensão da forma como a criança toma consciência do seu corpo e das

possibilidades de se expressar por meio desse corpo, localizando-se no tempo e no

espaço. O movimento humano é construído em função de um objetivo. A partir de uma

intenção como expressividade íntima, o movimento transforma-se em comportamento

significante. É necessário que toda criança passe por todas as etapas em seu

desenvolvimento.

O trabalho da Educação Psicomotora com as crianças deve prever a formação

de base indispensável em seu desenvolvimento motor, afetivo e psicológico, dando

oportunidade para que por meio de jogos, de atividades lúdicas, se conscientize sobre

seu corpo. Através da recreação a criança desenvolve suas aptidões perceptivas como

meio de ajustamento do comportamento psicomotor. Para que a criança desenvolva o

controle mental de sua expressão motora, a recreação deve realizar atividades

considerando seus níveis de maturação biológica. A recreação dirigida proporciona a

aprendizagem das crianças em várias atividades esportivas que ajudam na

conservação da saúde física, mental e no equilíbrio sócio-afetivo.

É através do movimento que a criança se relaciona com o mundo, com os

objetos e com os outros, e através do qual desenvolve a inteligência e tranqüiliza seus

estados emocionais.

Autores como De Meur&Staes, Fonseca, José&Coelho, entre outros, destacam

que o desenvolvimento psicomotor é de grande importância na prevenção de

problemas de aprendizagem e na reeducação do tônus, da postura, da lateralidade e do

ritmo. A educação da criança deve evidenciar a relação através do movimento de seu

próprio corpo, levando em consideração sua idade, a cultura corporal e os seus

interesses. A Educação Psicomotora para ser trabalhada necessita que sejam utilizadas

as funções motoras, perceptivas, afetivas e sociais, pois assim a criança explora o

ambiente, passa por experiências concretas, indispensáveis ao seu desenvolvimento

intelectual, e é capaz de tomar consciência de si mesma e do mundo que a cerca (De

Meur&Staes,1991; Fonseca,2008; José&Coelho,2004).

Page 29: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

28

De acordo com esses autores as atividades físicas devem ser de caráter

recreativo, que favoreçam a consolidação de hábitos, o desenvolvimento corporal e

mental, a melhoria da aptidão física, a socialização, a criatividade; tudo isso visando à

formação de sua personalidade. A recreação, através de atividades afetivas e

psicomotoras, constitui-se num fator de equilíbrio na vida das pessoas, expresso na

interação entre o espírito e o corpo, a afetividade e a energia, o indivíduo e o grupo,

promovendo a totalidade do ser humano.

2.2 – A Motricidade Podemos ainda definir movimento como uma variação em função do tempo, das

coordenadas de um corpo em relação a um referencial. É um deslocamento de um

ponto. Na vida intra-uterina o embrião já é ativo, pois a ontogênese da motricidade

precede ao da sensibilidade.

As primeiras estruturas do comportamento humano são essencialmente de

ordem motora. Os movimentos do recém-nascido são desordenados, não têm

intencionalidade, são apenas movimentos reflexos. Só mais tarde serão também de

ordem mental. O movimento é tudo o que constitui a vida da criança e traduz a unidade

do seu comportamento em estreita analogia com a organização progressiva do sistema

nervoso central.

Para Marina Pereira Gomes, a motricidade pode ser entendida, do ponto de vista

fisiológico, como a propriedade que certos neurônios possuem de determinar a

contração muscular quando excitados, os quais seriam responsáveis pela ação motora.

Psicomotor é um centro motor, uma região do córtex cerebral, que age quando recebe

a influência de uma excitação cerebral psíquica. Psicomotricidade é a interação entre

as diversas ações motoras e psíquicas (Oliveira, 1999).

Quando relacionada ao corpo, a definição de movimento, refere-se a todo e

qualquer deslocamento de uma parte, ou várias partes ou do corpo todo. Portanto,

nessa linha o conceito de movimento abrange os reflexos e também os atos motores,

sejam estes conscientes ou inconscientes, normais ou patológicos, significantes ou não

(Oliveira, 1999).

Page 30: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

29

Para Fonseca, o ato motor não deve ser considerado como apenas um conjunto

de contrações musculares que o concretizam. Para ele, o movimento está vinculado ao

desejo (Fonseca, 1996).

Se o movimento for determinado por um desejo, uma intenção, o denominamos

“gesto”. E o “gesto”, além de ser uma realização motora, também é comunicação.

O projeto motor – quando a intenção passa para o ato – forma o encontro entre

as capacidades intelectuais e psíquicas e as possibilidades motrizes para resultar em

gesto.

O desenvolvimento motor bem como as capacidades sensoriais caminha de

forma paralela na primeira infância, fortalecendo-se reciprocamente. Um importante

acontecimento na infância e que se prolonga até a vida adulta, é a mielinização,

processo pelo qual se formam bainhas em torno dos nervos. Estas bainhas isolam os

nervos entre si, facilitando a transmissão das mensagens. A mielinização ocorre

rapidamente durante os primeiros meses e anos. É com a mielinização da medula

espinhal que a criança passa a se comunicar com a parte inferior do seu corpo

experimentando sensações no tronco e nas pernas e executando cada vez mais

controle sobre eles.

O desenvolvimento do controle motor depende, essencialmente, do

desenvolvimento neurológico, pois os movimentos estão ligados à maturidade das

formações nervosas. Para que o nervo exerça sua função, é necessário que as células

que o compõem estejam mielinizadas. O processo de mielinização é demorado e

gradativo cuja direção é eixo-distal – inicia-se no quinto mês de vida intra-uterina e só

termina após a adolescência (entre 15/20 anos de idade).

A musculatura estriada é responsável pelo movimento e apresenta duas

atividades complementares:

1 – Função clônica – permite o encolhimento ou alongamento das microfibrilas que

compõem o músculo, responsável pelo movimento;

2 - Função tônica – que responde pelo nível de tensão muscular, que varia de acordo

com as condições fisiológicas do indivíduo. O tônus muscular é de origem

essencialmente reflexa, e pode ser descrito como um estado de tensão permanente do

Page 31: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

30

músculo, cujo papel fundamental é ajustar-se às posturas locais e a atitude geral

(Oliveira, 1999).

Todo movimento humano, sob todas as suas formas, inclusive no relaxamento

elabora-se sobre o fundo tônico.

O tônus muscular é uma tensão dos músculos pela qual as posições relativas

das diversas partes do corpo são corretamente mantidas e que se opõe às

modificações passivas destas posições; é um evento reflexo, originado no músculo e

que sua regulação está submetida ao cerebelo; depende dos estímulos ambientais; faz

parte de todas as funções motrizes – equilíbrio, coordenação, dissociação, - e pode

servir como base para a definição de personalidade, pois varia segundo a inibição, a

instabilidade, a extroversão (Oliveira, 1999).

Em condições normais o músculo esquelético está em repouso aparente, pois

ele é sede de uma constante contração tônica. Esta contração é controlada por centros

nervosos localizados no cerebelo e nódulos estriados

Verifica-se o estado do tônus muscular através da resistência de um músculo à

movimentação passiva de um segmento do corpo. Hipertonia é como denominamos

uma grande resistência ao movimento, hipotonia uma resistência diminuída ou mesmo

uma inexistência dele, e quando a musculatura estriada está em repouso, em

condições normais, denominamos tônus de repouso (Alves, 2008).

O tônus é responsável pelo movimento, assim sendo, desempenha papel de

grande importância na vida de relação, e dessa forma está intimamente ligado com a

afetividade.

A criança se relaciona com o ambiente através da atividade tônica; é no plano

tônico que a criança estabelece seu primeiro contato com o meio. Dessa forma, a

função tônica está ligada às manifestações de ordem afetiva.

Para um comportamento equilibrado, é necessário controle das reações tônico-

emocionais e esse controle é que permite a elaboração de uma gestualidade adaptada

ao mundo e integrada à personalidade.

As atividades tônica e tônico-postural são o suporte de comunicações pré-

verbais. A mãe é a primeira a interpretar as tensões e o relaxamento muscular

Page 32: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

31

associado a significações afetivas. É o que Ajuriaguerra denominou de “diálogo tônico”

(Fonseca, 2008).

Sob vários aspectos, a comunicação entre mãe e bebê é diferente da

comunicação entre adultos. O bebê comunica-se apenas por sinais. No entanto, as

mensagens que se originam no parceiro adulto são sinais e signos que alcançam e são

recebidos pelo bebê nos primeiros meses de vida.

Essa comunicação compõe-se de equilíbrio, tensão muscular, posturas,

temperamento, vibração, contato de pele, ritmo, tempo, duração, timbre, ressonância e,

provavelmente, inúmeras outras formas das quais o adulto está consciente e pode

verbalizar.

O funcionamento deste subsistema está integrado ao conjunto de atividades

posturais e cinéticas e articulado às atividades corticais mais evoluídas por meio de

ligações entre fibras e o sistema nervoso superior. O próprio córtex está implicado em

regulações especializadas (praxias) e regulações difusas (ligadas à memória e à

atividade pelos mecanismos do nível de vigilância) de tônus muscular (Marinho, 2005).

O surgimento ou aquisição de determinados movimentos tem repercussões

importantes no desenvolvimento da criança. Para muitos autores, a função tônica é a

mais complexa e aperfeiçoada do ser humano. Ela se encontra organizada

hierarquicamente no sistema integrativo reticulado e toma parte em todos os

comportamentos de postura e movimento, por meio de uma maturação progressiva.

A capacidade de adaptação motora do ser humano depende do ajustamento

tônico. Qualquer tipo de motricidade automática ou voluntária está profundamente

dependente da melhor ou pior integração dos dados exteroceptivos (espaço/tempo) e

dos dados proprioceptivos (esquema corporal), organizados, codificados e

programados pela função tônica. Portanto, ela tem um papel muito importante na

tomada de consciência de si (formação do eu) e na edificação do conhecimento do

mundo e do outro.

A criança necessita de carinho, de se sentir amada, precisa ser tocada,

embalada, acariciada, cuidada, pois são: o toque das mãos, o colo, as carícias, os

cuidados que se traduzem no diálogo tônico. Essas atitudes são essenciais para a

Page 33: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

32

tranquilização que o bebê precisa ter para sua sobrevivência dentro dos parâmetros de

saúde.

Os sinais afetivos gerados por disposições de ânimo da mãe tornam-se uma

maneira de comunicação com o bebê. Os intercâmbios entre mãe e filho continuam

sem interrupção mesmo que a mãe não se dê conta. Mãe e filho, mesmo inconscientes,

percebem o afeto do outro e respondem com afeto numa troca contínua e recíproca.

2.3 – Padrões filogênicos e ontogênicos do desenvol vimento infantil O ser humano é uma unidade indissociável, formada pela inteligência, pela

afetividade e pela motricidade. Seu desenvolvimento se processa através das

influências mútuas entre três aspectos – cognitivo, emocional e corporal – e qualquer

alteração que ocorra em um destes se refletirá nos demais.

O desenvolvimento psicomotor inclui o desenvolvimento funcional de todo o

corpo e suas partes. É através dele que a criança deixa de ser a criatura frágil da

primeira infância e se torna uma pessoa livre e independente do auxilio de outros.

Para que o desenvolvimento infantil aconteça, é necessário que estejam

presentes, na hora do nascimento, estruturas anatômicas e uma determinada

organização fisiológica, capazes de garantir o funcionamento biológico do organismo.

São elas o ponto de partida para que o recém-nascido continue vivendo. Essa

organização fisiológica (sistema endócrino e sistema nervoso) se manifesta através da

realização funcional e possibilita a evolução do ser humano.

Numa perspectiva filogenética, determinadas formações nervosas surgem

quando determinadas funções se organizam. Numa visão ontogenética, no

desenvolvimento infantil, surgem funções específicas quando ocorrem mudanças

morfológicas. O que quer dizer que a organização morfológica é responsável pela

maturação do organismo.

Como bem afirma Gesell: “... crescimento é um processo de estruturação que

produz mudanças estruturadas nas células nervosas, que por sua vez originam as

correspondentes mudanças nas estruturas de comportamento” (Gesell apud Oliveira,

1999, p. 128).

Page 34: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

33

A criança desenvolve-se de maneira contínua desde os primeiros dias de vida.

Crescimento em altura e peso, desenvolvimento intelectual e afetivo dependem de

influências comuns. As seqüências básicas do desenvolvimento físico que provocam

mudanças como no peso, na altura, nas proporções do corpo, da estrutura óssea, do

sistema nervoso e hormonal atuam conjuntamente para que aconteça o

desenvolvimento motor. Esse desenvolvimento motor é a parte visível do

desenvolvimento físico. Não se pode separar a gênese da motricidade da maturação

nervosa: o desenvolvimento do controle motor depende basicamente do

desenvolvimento neurológico.

Dentro do útero, o bebê está em simbiose com o organismo materno, e as

exigências metabólicas de seu crescimento são garantidas conforme suas

necessidades.

É a função muscular que traduz o primeiro modo de expressão do embrião.

Durante a vida intra-uterina, o feto já vive num universo de sensações cutâneas,

sonoras e proprioceptivas. Os estímulos sonoros desencadeiam movimentos do feto. O

universo do feto é animado por certa musicalidade, determinada pelos ruídos do

coração, do intestino, da voz materna, etc. (Marinho, 2005).

A atividade motora se traduz por um comportamento postural que se manifesta

precocemente pelo equilíbrio no liquido amniótico. Em torno da 16ª semana, os

movimentos mais abundantes e fortes aparecem espontaneamente ou a partir de

estímulos sensoriais (ibid.).

Com base em estudos como os de Milner, McLean e de Wallon, Fonseca afirma

que os comportamentos surgem antes, no e depois do nascimento, isto é, subentendem

um desenvolvimento intra-uterino e outro extra-uterino, ou seja, logo que determinado

número de cuidados sócio-afetivos e condições de envolvimento sejam fornecidos.

Portanto, as aprendizagens e as funções psíquicas superiores são modificações dos

mecanismos inatos (Fonseca, 1995).

Nessa perspectiva, Tinbergen afirma: “Os estudos dos processos humanos

superiores terão que ser inexoravelmente precedidos pelo estudo dos alicerces inatos

do comportamento” (Fonseca, 1995, p. 23).

Page 35: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

34

O ponto de partida para compreendermos o desenvolvimento da criança é a

observação de que o homem aprende comportamentos, coisa que nenhuma outra

espécie faz da mesma forma, mas para isso é preciso conhecer os padrões de

desenvolvimento e a organização funcional do cérebro.

O desenvolvimento neurológico coloca em questão o problema da ontogênese e

da filogênese. Para que se possa compreender como se dá o desenvolvimento

neurológico, a diferença existente entre o sistema nervoso do recém-nascido e do

adulto, como se processa a maturação neurológica, é preciso estudar a herança

psiconeurológica de nossa espécie.

É imprescindível para se entender o desenvolvimento neuropsicológico da

criança, o estudo da herança estrutural e funcional dos estágios envolutivos prévios, na

medida em que a herança psiconeurológica humana é expressa em forma,

funcionamento e desenvolvimento.

A herança hereditária do ser humano inclui estruturas neurológicas que são

únicas. Os centros neuronais, que medeiam os comportamentos humanos exclusivos,

começam a funcionar apenas após o nascimento. A herança genética está presente

apenas como potencial no momento do nascimento.

O comportamento humano é influenciado pelo envolvimento criado pela

civilização e pela história social. Em razão desse envolvimento criado pela ação

consciente do ser humano, a criança chega à sua autoconscientização (somatognosia),

e daí à simbolização, penetrando num envolvimento emocional e moral cada vez mais

complexo. A mediação na aprendizagem passa a ser uma condição de sobrevivência.

O estudo do comportamento humano pede, cada vez mais, a contribuição de

dados evolutivos filogenéticos, pois dessa maneira a evolução ontogenética torna-se

mais integrada e coerente.

Como assinala Fonseca, “Parece verificar-se que na evolução do homem

(ontogênese) se encontra escrita toda uma evolução da espécie (filogênese), que no

campo motor apresenta paralelismos extremamente originais e significativos que

emprestam ao estudo da motricidade uma visão científica que se deve reconhecer”

(Fonseca, 1996, p. 40).

Page 36: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

35

Schneirla afirma: “O desenvolvimento do comportamento em qualquer nível

filogenético não é apenas um retraçar dos estádios e dos níveis das formas ancestrais

sucessivas, mas sim uma nova tonalidade, que tende a um novo padrão distinto”

(Fonseca, 1995, p. 29).

Prechtl coloca que o desenvolvimento ontogenético não é apenas a

recapitulação da filogênese, mas sim uma nova combinação e uma nova tonalidade.

Para ele, os resíduos filogenéticos são estruturas de transição que estão presentes em

certos períodos da ontogênese, para guarnecer o sistema nervoso com certas

propriedades que lhe permitem satisfazer determinadas exigências do desenvolvimento

(Fonseca, 1995).

As proposições filogenéticas, de alguma forma, traduzem-se na ontogênese

neurológica pré-natal, Arey, 1954; Carmichael, 1951; e Zubek e Solberg, 195, afirmam

que os centros do neuroeixo têm uma perspectiva horizontal (de cada centro) e vertical

(dos vários centros) do seu desenvolvimento (Ibid.).

Por meio dos padrões filogenéticos e ontogenéticos podemos observar a

evolução da criança do reflexo à reflexão, do ato ao pensamento e do gesto à palavra,

como também podemos notar o reflexo das dificuldades ou incapacidades com relação

à aprendizagem.

Os caminhos ontogênicos de interligação no sistema nervoso humano confirmam

o padrão filogenético de forma que não se pode pensar em desenvolvimento infantil

sem a sua contribuição.

2.4 – O Desenvolvimento Infantil As fases do desenvolvimento psicomotor não podem ser consideradas apenas

segundo um quadro de maturação neurológica, mas como resultado de um processo

reacional e relacional complexo. Ao enfocarmos o desenvolvimento psicomotor,

devemos levar em conta as reações do ser ao ambiente que o cerca e as relações com

os demais.

O ser humano nasce com as condições anátomo-fisiológicas dos reflexos, mas

para que estes se manifestem é imprescindível que o meio atue, sob a forma de

estímulos, que irão tirar o equilíbrio da organização, provocando a reação reflexa. O

Page 37: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

36

reflexo constitui-se em uma modalidade assimiladora, que se acomoda ao meio,

quando se põe em funcionamento.

O desenvolvimento motor da criança, especialmente durante os primeiros anos,

acompanha duas tendências básicas da organização neuromotora: realiza-se da

cabeça para a parte inferior do corpo – tendência céfalo-caudal – e do tronco para as

extremidades – tendência próximo-distal. As leis do desenvolvimento céfalo-caudal e

próximo-distal nos permitem perceber a evolução significativa do controle do córtex

cerebral, que assegura a coordenação de vários grupos musculares. Observando-se

crianças pequenas nota-se que elas sustentam a cabeça antes de poder controlar os

membros e são capazes de controlar os braços e as mãos antes de poderem controlar

bem as pernas e os pés. A evolução da motricidade está em diminuir o tônus nos

membros e aumentar a do eixo corporal.

O recém-nascido não realiza movimento voluntário organizado, ele apresenta

reações automático-reflexas bastante complexas. Sua movimentação é praticamente

uma descarga de energia muscular, de reações clônicas e tônicas, gestos

incoordenados decorrentes da intensa hipertonia inicial, e basicamente relacionados a

duas experiências vividas pela criança: a de bem-estar e a de mal-estar. Através dessa

ação motora, tem inicio uma comunicação com o mundo e com o outro.

A criança recém-nascida oscila entre um estado de necessidade que se

manifesta pela elevação do tono, origem de descargas musculares impulsivas e por

gritos e um estado de prazer que é paralelo à diminuição do tono.

Esta fase da vida não é consciente, mas Spitz considera muito importante, pois

as experiências corporais vividas ficam registradas devido à memória corporal, forma

mais primitiva do inconsciente (Marinho, 2005).

Conforme vai se desenvolvendo, a criança passa a realizar movimentos isolados

e cada vez mais independentes, até ser capaz de utilizar seu corpo como instrumento

de exploração do meio externo, quando então, seus movimentos passam a ter

significado e representatividade.

O desenvolvimento infantil, além de receber influência da herança genética

quanto às suas características físicas e biológicas, recebe também a influência do

ambiente tanto do ponto de vista físico quanto da organização egóica.

Page 38: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

37

A criança precisa de espaço e oportunidades para agir num meio ambiente

favorável que permita que ela estabeleça comunicação com o mundo de forma segura.

A possibilidade dessa ação corporal influenciará positivamente em seu

desenvolvimento.

Para E. Pikler, é preciso assegurar à criança a liberdade de ação, condição

básica para que esta adquira a consciência de si mesma e do ambiente. O adulto não

deve interferir durante os primeiros estágios do desenvolvimento motor, pois sua

interferência, não é condição para aquisição desses estágios – ficar de bruços, sentar-

se, ficar de pé, caminhar – pois, em condições favoráveis, a criança pode realizar esses

movimentos por sua própria iniciativa. O papel do adulto deve ser o de contribuir

apenas com atitudes que satisfaçam a necessidade infantil de verbalização, de

esclarecimento diante de alguma dúvida, de encorajamento, de aceitação de regras

sociais (Oliveira, 1999).

As fases de desenvolvimento são comuns para todas as crianças, no entanto, o

meio ambiente, o convívio familiar, as mobilidades físicas e as diferentes maneiras de

ser, mostram que crianças com a mesma idade podem apresentar comportamentos

diferentes.

Os primeiros anos de vida de uma criança são de uma importância fundamental:

o desenvolvimento da inteligência, da afetividade, das relações sociais é tão rápido que

sua realização determinará em grande parte as capacidades futuras. Qualquer

perturbação poderá também, se não for detectada a tempo e tratada de maneira

adequada, diminuir consideravelmente essas mesmas capacidades futuras.

O estudo e observação do desenvolvimento e da atividade motora da criança são

necessários não apenas devido às implicações de ordem neurológica, mas também por

tratar-se de um aspecto que possibilita a verificação de sua maturidade, tanto em

relação à evolução da motricidade global quanto em relação à coordenação motora-

fina.

Fonseca afirma que são muitos os estudos relacionados às etapas do

desenvolvimento psicomotor realizados por diversos autores de grande importância. A

determinação de estágios de desenvolvimento da criança é indispensável para que se

estabeleçam as condutas educativas que poderão favorecer os diversos aspectos de

Page 39: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

38

desenvolvimento e conhecimento e, portanto, simplificar a adaptação da criança ao

meio em que vive. Torna-se necessário apresentar as concepções e contribuições de

alguns desses grandes estudiosos do desenvolvimento psicomotor infantil (Fonseca,

2008).

Os estudos de R. Mourgue e Von Monakow, de 1928 até Minkowski, de 1938,

sobre a motricidade dedicaram-se aos reflexos proprioceptivos e à organização bulbo

espinal. No período fetal, a mielinização e a função nervosa são fatores de maturação

de grande importância, onde estão incluídos os fenômenos de condução do impulso

nervoso, que, partindo do músculo, atinge o cérebro, provocando uma integração

genética que apóia todo o desenvolvimento psicomotor da criança (Fonseca, 1996).

A mielinização eleva-se desde a medula até o terreno cortical, tendo por base a

atualização das possibilidades motoras, requisitadas pelo meio. O sistema nervoso do

recém-nascido está em constante ordenação e reestruturação, originando novas

conexões que possibilitam o enriquecimento do potencial motor, criador de todas as

trocas entre o organismo e o meio.

Coghil, em seus trabalhos, conclui que “... a maturação nervosa põe em

destaque as leis de desenvolvimento céfalo-caudal e próximo-distal”. Através destas

leis é que se pode perceber o controle dos músculos óculo motores (de 1 a 4 meses),

dos músculos de equilibração da cabeça (dos 3 aos 5 meses) e dos músculos do tronco

(dos 5 aos 10 meses) (Fonseca, 1996, p.41).

A evolução da motricidade explica o progresso do controle do córtex cerebral que

assegura a coordenação de vários grupos musculares; da hipertonia dos membros e da

hipotonia do eixo corporal, essa evolução está em diminuir o tônus nos membros e

aumentar no eixo.

Essa evolução passa por diversas fases espasmódicas e agitadoras,

desencadeadas bruscamente e em massa o que origina uma reação totalitária e

anárquica dos movimentos simétricos e bilaterais, que provam que a mielinização do

feixe piramidal ainda não se encontra completa, não realizando a inter-relação do córtex

com as extremidades, a fim de permitir uma melhor adaptação da criança às exigências

do meio. A maturação nervosa acontece através da regulação protuberancial,

cerebelosa, mesencefálica e talâmica, atingindo o córtex como estrutura nervosa em

Page 40: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

39

permanente ação e retroação, que se modifica constantemente a fim de adaptar os

diferentes movimentos à finalidade a que se propõe. Esta ação cortical requer uma

ampla experiência motora vivida, a fim de se servir do conhecimento da sensibilidade

enviada pelas articulações e pelos músculos com o objetivo de realizar uma ação mais

ajustada como resultado de uma maturação coordenadora. As informações resultantes

da ação atingem o córtex que se incumbe de planejar a ação mais adequada,

econômica e eficiente (José&Coelho, 2004).

A preensão é considerada como o fator mais humano do desenvolvimento motor.

As inúmeras possibilidades de execução transmitidas pela mão permitem um

aperfeiçoamento constante de diversas aprendizagens. Essa progressiva escolha de

grupos musculares nas praxias possibilita um número maior de formas de intervenção

nos movimentos, e de inibição dos efeitos inúteis através de um mais adequado

ajustamento motor.

A gênese da Psicomotricidade é comprovada por um desaparecimento das

sincinesias (movimentos involuntários e inconscientes), por uma melhora da

coordenação da motricidade, por um acréscimo progressivo de rapidez de execução e

por uma aquisição simbólica que facilita toda a extensão de comunicação e de

existência individual e social.

Henri Wallon

Wallon salienta a importância do aspecto afetivo como anterior a qualquer tipo de

comportamento. Para ele, existe uma evolução tônica e corporal denominada diálogo

corporal que constitui o primeiro passo para a comunicação verbal. Esse diálogo

corporal tem como instrumento operativo e relacional o corpo (Fonseca, 1996).

Para o autor, as primeiras atividades da criança são na verdade apenas gestos

de sobrevivência que expressam a modulação tônica e emocional de ajustamento ao

meio ambiente (Fonseca, 2008).

A motricidade é a primeira forma de expressão emocional e de comportamento,

pois é a primeira estrutura de relação da criança com o meio, com o outro e com o

Page 41: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

40

objeto de onde se originará o psiquismo. Durante todo o processo de desenvolvimento,

o movimento assume uma importância cada vez maior.

Em termos evolutivos, segundo Wallon, a motricidade se apresenta sob três

formas (Fonseca, 2008):

Deslocamentos passivos

ou exógenos

- quando nasce, o bebê comunica suas necessidades

por impulsos de desconforto, irritabilidade, mas não é

capaz de produzir ações adequadas que as

satisfaçam;

- as respostas do adulto possuem significação afetiva;

-a mediatização entre o biológico e o social dá inicio ao

psiquismo da criança;

- evolução da posição de deitado para sentado;

- reptação, quadrupedia, rolar, locomoção de gatinhas.

Deslocamentos ativos ou

autógenos

- surgem como resposta e reações do corpo ao mundo

exterior;

- aparecimento do psiquismo através da motricidade,

unificando a descoberta do corpo somático, de onde

surgirá o eu, e a do corpo relacional, de onde surgirá o

não-eu;

- apropriação da postura bípede e da preensão; a

modulação tônica, a proprioceptiva e a postural se

estruturam e organizam;

- a gestualidade e a mímica se orientam para funções

e aprendizagens pré-simbólicas.

Deslocamentos práxicos - aquisições dos primeiros hábitos sociais;

- os deslocamentos motores no espaço e prensor da

mão proporcionam uma nova concepção de si mesmo

e da realidade

Page 42: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

41

Nos aspectos psicomotores, Wallon destaca os estádios (Fonseca, 2008):

- Estádio impulsivo (recém-nascido)

- Os movimentos e os reflexos são espasmos descoordenados sem significado

ou intenção, ligados basicamente às necessidades de sobrevivência. A ação possui

uma carga afetiva que alterna entre o bem-estar e o mal-estar.

- A interação da criança com o meio, mediatizada pela ação do adulto, assume

um poder de comunicação. Ao responder às solicitações do bebê, o adulto desenvolve

um repertório comunicativo de reciprocidade afetiva.O bebê progride de uma

indiferenciação corporal para uma identidade de si, a partir das interações motoras com

os adultos.

- Estádio tônico-emocional (dos 6 aos 12 meses)

- Surge o movimento significativo, uma das principais formas de comunicação da

vida psíquica do bebê, pois é através dele que vai se relacionando e interagindo com o

exterior.

- A criança evolui da postura deitada para a postura sentada, de reptações, a

locomoções quadrúpedes e com o corpo elevado com o apoio das mãos.

- As descargas motoras dão lugar a gestos mais coordenados, precisos, com

significado comunicativo.

- Nas interações e trocas com os adultos, a criança vai estabelecendo

associações e aprendendo. Sua atenção seletiva começa a antecipar efeitos, os

primeiros sinais de cognição começam a emergir, os primeiros atos voluntários e traços

de uma motricidade planificada começam a surgir.

- Surge o interesse em tocar os orifícios do corpo, mãos e pés na boca,

explorações dos órgãos genitais, a noção e a consciência do corpo têm origem nestas

reações.

- Estádio sensório-motor (dos 12 aos 24 meses)

- O mundo exterior passa a ser objeto a descobrir, a explorar e a manusear, não

só em termos motores, mas em termos psíquicos.

- Uma linguagem corporal complexa está em pleno desenvolvimento e dá

suporte para a linguagem falada.

Page 43: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

42

- A criança coordena ações com sensações, ajustando o gesto aos seus efeitos,

essas ações vão refinando sua preensão manual, apreensão visuoespacial e

auditiva,percepção, linguagem, a descoberta das propriedades e atributos, tornando a

sua motricidade cada vez mais organizada, pensada e percebida.

- A marcha bípede e assimétrica favorece sua relação com o mundo exterior,

aumentando seus poderes de investigação e modificação do ambiente, permite o

acesso a novos meios de interação com os objetos.

- Com a marcha e com a linguagem, a criança pode distanciar-se das ações

imediatas, pode prolongá-las no espaço e no tempo, pode recordá-las, antecipá-las e

imaginá-las.

- A motricidade global e fina e a linguagem permitem à criança se projetar no

mundo simbólico. Na exploração e descoberta do mundo exterior ocorre a descoberta

do mundo interior, uma consciência corporal que destaca o eu do não-eu.

- Estádio Projetivo (dos 2 aos 3 anos)

- Neste período surgem a imitação, o simulacro e as reações em eco como

processos fundamentais do desenvolvimento psicomotor da criança. Eles induzem a

atos que relacionam a motricidade com a representação, a ação com a imaginação.

- A criança já pode comunicar-se com base em atos sem objetos reais, é capaz

de encontrar uma representação para um objeto e um signo para uma representação.

- A linguagem passa a ser o instrumento do pensamento , a ferramenta de sua

atividade mental. Sem a presença de sujeitos ou objetos, a criança pode torná-los

presente no palco de sua ação na sua imaginação.

- Estádio Personalistico (dos 3 aos 4 anos)

- O estádio personalístico está direcionado para o enriquecimento do eu, para a

construção da personalidade onde a consciência corporal e a aquisição da linguagem

tornam-se os principais componentes. O modelo do outro adquire importância como

experiência pessoal.

- Estádio Categorial (dos 6 aos 11 anos)

- A criança torna-se mais atenta e autodisciplinada, mais inibida em termos

motores e mais concentrada em termos atencionais e sensoriais.

Page 44: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

43

- O meio onde vive, atua e é influenciada vai dirigindo as suas condutas e

orientando a fixação de seus hábitos. A aprendizagem dos diversos papéis que deve

desempenhar confere-lhe um determinado lugar na rede de relações sociais.

- Novas estruturas vão emergir neste estágio subdividindo-o em duas etapas:

- Pensamento pré-categorial (dos 6 aos 9 anos) –a criança não consegue distinguir o

fato da causa, o agente da ação, a ação do seu efeito, por isso classifica os objetos e

as situações de acordo com a relação concreta e imediata que tem com eles.

- Pensamento categorial (dos 9 aos 11 anos) – Há uma maturação da criança como um

todo, em sua relação com o meio, no qual ela se integra de acordo com suas

necessidades e possibilidades.Identifica, analisa, defini, sintetiza e classifica objetos,

pessoas, acontecimentos, com procedimentos entre objetivos e fins. Conhece melhor a

si própria, mais sociável e responsável, posiciona-se melhor em situações conflituosas

e toma melhor consciência dos papéis que ocupa em diferentes grupos.

- Estádio da Puberdade e Adolescência

- Fase marcada por mudanças evolutivas significativas em termos biológicos,

psicológicos e sociais e por conta de tais modificações, a eficácia e a coordenação

motoras podem evocar episodicamente certas dispraxias e imperícias mímicas e

gestuais, certas instabilidades posturais, daí a divergência dos fatores psicomotores

neste período de desenvolvimento.

- Afetivamente, a imagem corporal pode passar por abruptos desequilíbrios

interiores, fobias, sentimentos de vergonha e timidez, sonhos e fantasias que podem

levar o jovem a sentir-se desvalorizado. Este período é de grande reorganização do

esquema corporal. A vivência do outro e o preâmbulo do namoro são outros fatores que

podem desencadear novas inquietações e questionamentos que acabam por refletir nas

suas funções cognitivas e nos seus valores.

- Surgem novos circuitos de inter-relação afetiva e de responsabilidade que

substituem os da família e isso influencia na formação da personalidade. Os grupos

passam a ser fundamentais para a construção da cidadania e da identidade do jovem,

mas é necessário que a sua orientação e organização sejam mediatizadas pelos

valores positivos da sociedade, nos quais a família, a escola e a comunidade no seu

todo têm um papel muito importante a desempenhar.

Page 45: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

44

Jean Piaget

Piaget considera que a motricidade interfere na inteligência, antes da aquisição

da linguagem (Fonseca, 2008).

O autor possui uma visão da inteligência ou da cognição humana como uma

adaptação biológica de um ser complexo a um envolvimento igualmente complexo, um

sistema cognitivo ativo que seleciona e interpreta a informação do envolvimento à

medida que constrói o seu conhecimento. Essa adaptação é composta de dois

componentes – a assimilação e a acomodação.

A assimilação, processo de adaptação dos estímulos externos às estruturas

mentais internas e a acomodação, processo complementar de adaptar essas estruturas

mentais à estrutura dos mesmos estímulos, são integrantes de um processo cognitivo

que sugere uma constante interação e colaboração entre o interno-cognitivo e o

externo-ambiental, ambos contribuindo para a construção do conhecimento.

Piaget mostra, em seu estruturalismo genético, que todas as crianças passam

por estádios estáveis de estruturação de pensamento em crescente complexidade

genética, e esses estádios seguem uma progressão bem definida de aquisições

intelectuais. O autor ainda explica que entre um estádio e outro existe um intermediário

no qual convivem, em estado de desequilíbrio, as concepções do estádio anterior ou do

posterior (Fonseca, 2008).

A criança parte de uma posição egocêntrica, vai formando sua inteligência

através de processos de adaptações, assimilações e acomodações, chegando a uma

interação com o mundo externo, e, portanto, reduzindo o egocentrismo.

Em seus estudos, Piaget partiu de uma teoria biológica sobre a construção do

conhecimento humano, ou seja, da epistemologia genética (Pulaski, 1986).

Os estádios de desenvolvimento das operações intelectuais são:

Sensório-motor

0 a 2 anos

- Conhecimento do mundo baseado nos sentidos e

habilidades motoras.

- No final do período, emprega representações mentais.

Pré-operatório

2 a 6 anos

- Uso de símbolos, palavras, números para representar

aspectos do mundo.

Page 46: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

45

- Relaciona-se apenas por meio de sua perspectiva

individual. O mundo é fruto da percepção imediata.

Operatório-concreto

7 a 11 anos

- Aplicação de operações lógicas a experiências

centradas no aqui e agora.

- Inicio da verificação das operações mentais, revertendo-

as e atendendo a mais de um aspecto.

Operatório-formal

A partir dos 11 anos

- Pensamento abstrato, especulação sobre situações

hipotéticas, raciocínio dedutivo.

- Planejamento, imaginação.

A ordem de sucessão destes estádios não deve ser considerada de uma forma

rígida e exclusivamente cronológica, mas sim em uma perspectiva de evolução

estruturada e construtivamente hierarquizada. Cada estádio é uma fase necessária à

formação da seguinte, mas o envolvimento socioeconômico e sociocultural poderão

acelerar ou retardar a evolução dos períodos de desenvolvimento mental (Pulaski,

1986).

Julian de Ajuriaguerra

Para Ajuriaguerra a evolução da criança é sinônimo de conscientização e

conhecimento cada vez mais profundo do seu corpo. É com o corpo que a criança

elabora todas as suas experiências vitais e organiza toda a sua personalidade.

(Fonseca, 1996).

A motricidade constitui uma atividade biológica interna equivalente à organização

de uma resposta adaptativa a uma estimulação recebida do mundo exterior.

A evolução da motricidade ocorre desde que existam possibilidades de ação,

como a manipulação de objetos, que justificam, por esse fato, a razão de uma

maturação, esta analisada através do desaparecimento dos reflexos primitivos dando

lugar à aquisição de sinergias que, por sua vez, regulam o movimento e impedem as

sincinesias e as paratonias.

Ajuriaguerra aponta três fases cruciais sobre a organização psicomotora da

criança (Fonseca, 1996):

Page 47: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

46

- Organização psicomotora de base

(postura)

-aquisição progressiva do sistema

postural e desaparecimento das reações

primitivas;

-os reflexos geram atos a partir de

estímulos que a criança recebe do meio,

que interrompe a imobilidade da sua

organização postural;

-a atualização dos reflexos é um

processo de assimilação que se

acomoda ao meio,

- Organização da planificação motora

(somatognosia)

- tomada de consciência do corpo como

realidade vivida e convivida;

-movimentos já são ajustados porque

são autocontrolados e auto-regulados

psicologicamente;

-formação dos primeiros movimentos

intencionais integrados;

-tem inicio a descoberta e conquista dos

planos gnósicos, práxicos e sociais da

motricidade.

- Automatização (praxia)

-motricidade aprendida, mais inteligente,

eficaz, precisa, perfeita, isto é, práxica;

-diferenciação cognitiva que distingue

dois componentes da psicomotricidade:

o aspecto figurativo, mais do domínio

psíquico e o aspecto operativo, mais do

domínio motor, unificando a síntese

funcional ou a simbiose da própria

praxia.

Page 48: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

47

Lev Semenovich Vygotsky

Para Vygotsky, o desenvolvimento psicomotor da criança está relacionado com o

contexto sócio-histórico. A criança, ao se inserir no seu contexto social e cultural, o faz

de maneira dialética e dinâmica, através de rupturas e desequilíbrios ocasionados por

continuas reorganizações que ocorrem dentro dela (Fonseca,2008).

Todas as conquistas psicomotoras decorrem em um contexto social e são

aprendidas por meio da mediatização cultural.

Quando internalizados e incorporados em funções psíquicas superiores, os

processos começam a ocorrer sem a intermediação de outras pessoas.

Aleksandr Romanovich Luria

Os principais objetivos do estudo de Luria são a análise da atividade psicológica

humana que está por detrás da ação propriamente dita, a estrutura interna da atividade

mental, a organização dos diferentes componentes que contribuem para a estrutura

final da atividade mental, que se reflete na motricidade e na linguagem humana

(Fonseca, 1995).

O desenvolvimento e a aprendizagem são resultados da criação de conexões

entre um grande número de células que se encontram em diversas áreas do cérebro.

Para que ocorra a aprendizagem, é necessário que no cérebro da criança aconteça um

processo ativo conjuntural e reorganizador de sistemas funcionais múltiplos e de

integração progressiva.

O ser humano nasce com condições biológicas para poder manter-se em pé e

andar, mas precisa desenvolver o controle interior, proprioceptivo, tátil-cinestésico e

vestibular, para garantir uma postura bípede que lhe liberte as mãos para executar

atividades. Esse controle interior representa a organização cortical da motricidade

humana de relação entre corpo e cérebro, e entre movimento e comportamento,

compreendido como relação inteligível e internalizada entre a situação e a ação. O

homem habita o mundo exterior através do corpo e a partir dele vivencia e dirige todas

Page 49: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

48

as suas experiências. A motricidade humana é uma relação entre o sujeito e o mundo

que o envolve.

Considerando a progressiva maturação do sistema nervoso, o autor sugere uma

seqüência bem definida, cada vez mais integrada e complexa de cinco estádios

evolutivos:

- 1º Estádio –Desenvolvimento da unidade de vigilância e de atenção que

corresponde ao desenvolvimento das capacidades de focalização

atencional com ramificações tônico-emocionais e tônico-posturais

específicas.

- 2º Estádio –Desenvolvimento das áreas motoras e sensoriais primárias

(integração).

-Emergência de coordenações motoras vertebradas das

reptações, das quadrupedias.

-A seqüência do desenvolvimento obedece a uma hierarquização:

no 1º ano há um desenvolvimento motor; no 2º um

desenvolvimento somestésico e somatognósico, com a aquisição

do eu corporal, desenvolvimento visual e espacial, surgimento das

praxias finas e lúdicas; no 3º um desenvolvimento auditivo

culminando com a emergência definitiva das competências da

linguagem.

- 3º Estádio –O processamento de informação está mais afinado às

circunstâncias e às tarefas, permitindo afinar a percepção e a ação

com memórias mais consistentes. Surgimento do pensamento

simbólico e da praxia, permitindo à criança evoluir das

experiências motoras espaciais lúdicas para as experiências

simbólicas e representacionais.

- 4º Estádio – O desenvolvimento da área sensorial terciária gera e diversifica

novos circuitos neuronais característicos das aprendizagens

escolares básicas da leitura, da escrita e do cálculo.

Page 50: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

49

- 5º Estádio – O desenvolvimento neuropsicológico, integrando o

desenvolvimento psicomotor, emocional e cognitivo se dá pela

emergência de sistemas funcionais cada vez mais complexos e

integrados em cadeias, implicando uma multiplicidade de zonas

cerebrais.

Arnold Gesell

O autor pesquisou o desenvolvimento de recém-nascidos e crianças pré-

escolares e estabeleceu normas de maturidade para determinados comportamentos

considerados normais no que se refere às áreas motora ou postural, adaptativa, verbal

dou da linguagem e social. descreve as características motoras que a criança

apresenta ao longo de seu desenvolvimento (Oliveira,1999):

Até a 4ª semana - acompanha estímulos colocados em seu campo visual;

- a mão abre e fecha.

Até a 16ª semana - senta-se com apoio e levanta a cabeça;

- olha para as mãos e objetos colocados ao seu redor;

- toca objeto diante de estimulo visual.

Até a 28ª semana - mantém-se sentada sem auxilio;

- ao avistar um objeto, pega-o e passa de uma mão à outra.

Até a 40ª semana - domina o equilíbrio da posição sentada;

- engatinha;

- movimento de pinça;

- as pernas sustentam o corpo mas precisa de apoio.

Com 1 ano - pode engatinhar com agilidade e caminha com apoio;

- preensão hábil e precisa;

- solta bola com intuito de lançamento.

Com 18 meses - caminha mais depressa e mantém-se em pé sem apoio;

- sobe cadeira e sobe escada com auxilio;

- introduz objetos em espaços, empilha dois ou três cubos;

Page 51: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

50

- vira folhas de um livro- duas ou três de uma só vez.

Com 2 anos - anda mais rápido mas ainda não corre;

- pode saltar do primeiro degrau sem ajuda;

- expressa suas emoções rindo, gritando;

- constrói torres de até seis cubos, corta com a tesoura, enfia

contas;

- permanece sentada por mais tempo;

- vira páginas de um livro uma a uma.

Com 3 anos - maior capacidade de inibir e delimitar movimentos;

- constrói torres de até dez cubos;

- maior coordenação na marcha e na corrida, aumentando ou

diminuindo a velocidade;

- sobe e desce escadas alternando os pés; pedala;

- salta a uma altura de 30cm com os dois pés;

- durante um segundo pode manter-se em um pé só;

- demonstra interesse por lápis e possui uma manipulação

mais fina.

Com 4 anos - corre com mais facilidade e é capaz de saltar em meio a

uma corrida;

- refinamento e precisão de gestos; abotoa e dá laços;

- ao desenhar, concentra-se em um detalhe.

Com 5 anos - possui maior equilíbrio e controle; caminha em linha reta;

- pára com os pés juntos, chuta e arremessa;

- olhos e cabeça movem-se quase simultaneamente;

- sobe e desce escadas alternando os pés;

- salta sobre um pé só alternadamente;

- brinca por mais tempo em um lugar limitado;

- maior destreza com as mãos e reconhece qual usa para

escrever ou desenhar ;

- observa alguém para imitar;

- gosta de copiar desenhos, letras e números.

Page 52: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

51

Com 5a e 6m a 6

anos

- cava, dança, trepa, arrasta-se debaixo, em cima e ao redor;

- arma e desarma coisas, recorta, cola e modela com argila;

- manipula melhor o lápis e gosta de desenhar e colorir;

- maior consciência da mão como ferramenta;

- atividade oral intensa;

- distrai-se facilmente com estímulos do ambiente.

Vitor da Fonseca

Fonseca considera que o desenvolvimento infantil depende de dois tipos de

herança: a biológica, resultante do potencial genético transmitido pelos progenitores e a

social resultante do potencial cultural infundido pelo grupo a que pertence (Fonseca,

2008).

Para ele, é a partir das experiências sociais que a criança se apropria da cultura

humana convertendo as ações em abstrações, por meio de coordenações e operações

mentais. Essas ações se dão primeiro com o objeto, depois com as imagens e depois

com as palavras, símbolos e números. Quando a criança explora os objetos e

reconhece seus atributos e propriedades, suas significações e finalidades, ela vai

integrando, edificando e organizando a linguagem. Nesse sentido, a linguagem não só

como meio de regulação e verificação interna dos movimentos, mas como instrumento

da expressão do pensamento e do sentimento, unificando uma aprendizagem que se

origina da ação à emoção, do ato ao pensamento e do gesto à palavra.

Sobre o desenvolvimento humano, Fonseca afirma que ele se desenvolve

segundo uma espiral evolutiva e ocorre com base nos estádios passados, mas que os

repete ou integra de forma cada vez mais diferenciada se direcionando a um nível

superior. O autor apresenta três períodos de maturação e hierarquização

(Fonseca,2008):

Page 53: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

52

1º- Período de informação - aquisição da postura, das praxias globais e finas e da

linguagem não verbal;

- passagem dos movimentos indiferenciados para os

mais diferenciados;

- surgem as formas de movimento integrado e de

exploração lúdica, de sinergias e de processos

inibitórios, caminho para a atenção compartilhada, a

interação, a imitação, ao jogo e a mediatização

simbólica, atos mentais que vão dar origem a

linguagem verbal.

2º- Período de Formação - a linguagem falada edifica-se a partir da experiência

com os outros e os objetos;

- a criança primeiro age, depois sente para em seguida

conhecer e reconhecer; ela manipula primeiro o real

para depois nomear, identificar e simbolizar.

3º- Período de

Transformação

- a motricidade passa a ser reestruturada por

intenções;

- elaboração de processos psíquicos internos como

atenção, processamento simultâneo e sequenciação

de dados internos/externos, antecipação e regulação

da execução práxica;

- aquisição da leitura, da escrita e do cálculo.

- a criança passa a manipular e revelar a realidade

pelo espaço, tempo e instrumentos;

- surge a inteligência social que vai se multiplicar em

estruturas mentais dedutivas e indutivas que vão

proporcionar a inserção social, cultural, intelectual e

afetiva na sociedade.

Page 54: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

53

III – ELEMENTOS BÁSICOS DA PSICOMOTRICIDADE A organização psicomotora humana envolve a participação dos sete fatores

psicomotores, cada um contribuindo para o todo da atividade humana de forma

particular, eles são: tonicidade, equilibração, lateralização, noção de corpo,

estruturação espaço-temporal, praxia global e praxia fina (Fonseca, 1995).

3.1 – Tonicidade

Vitor da Fonseca, referindo-se ao modelo psiconeurológico de Luria, afirma que a

função principal da tonicidade, que é a de alerta e de vigilância, assegura as condições

genéticas e seletivas, sem as quais não haveria qualquer atividade mental (ibid.).

Para o autor, a tonicidade é o alicerce fundamental da organização psicomotora.

A tonicidade garante as atitudes, as posturas, as emoções, de onde surgem todas as

atividades motoras humanas. Ela tem um papel fundamental no desenvolvimento

motor, assim como no desenvolvimento psicológico.

Paillard declara que a tonicidade assegura a preparação da musculatura para as

diversas formas de atividade postural e práxica. Para Sherrington, a tonicidade envolve

planos de organização fisiológica e os reflexos posturais, do qual depende a

organização da postura bípede humana, como envolve a preparação dos estados de

representação mental. Ainda de acordo com este autor, a tonicidade é uma função

integrada do sistema nervoso, pois “é a atividade postural dos músculos que fixa as

articulações em posições determinadas, solidárias umas com as outras, que no seu

conjunto compõem a atitude” (Fonseca, 1995).

As atividades tônica e tônico-postural são o suporte de comunicações pré-

verbais. Essas comunicações compõem-se de equilíbrio, tensão muscular, posturas,

temperamento, vibração, contato da pele, ritmo, tempo, duração, tom, timbre,

ressonância e inúmeras outras formas.

O funcionamento desse sistema está integrado ao conjunto de atividades

posturais e cinéticas e articulado às atividades corticais mais evoluídas por meio de

ligações entre fibras e o sistema nervoso superior.

O surgimento de determinados movimentos tem repercussões importantes no

desenvolvimento da criança. Vitor da Fonseca cita autores como André-Thomas,

Page 55: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

54

Ajuriaguerra, Chailley-Bert, Mamo, Laget e Paillard que consideram a função tônica

como a mais complexa e aperfeiçoada do ser humano. Ela se encontra organizada

hierarquicamente no sistema integrativo reticulado e toma parte em todos os

comportamentos de postura e movimento, por meio de uma maturação progressiva

(Fonseca, 1996).

A capacidade de adaptação motora do ser humano é dependente do melhor ou

pior ajustamento tônico. Qualquer tipo de motricidade automática ou voluntária está

profundamente dependente da melhor ou pior integração dos dados exteroceptivos

(espaço/tempo) e dos dados proprioceptivos (esquema corporal), organizados,

codificados e programados pela função tônica. Portanto, ela tem um papel, muito

importante na tomada de consciência de si (formação do eu) e na edificação do mundo

e do outro.

A tonicidade caracteriza-se por um fenômeno complexo que permite o suporte da

postura e é regulador e modulador da ação. O estado tônico é responsável pela

organização e função das estruturas neurológicas (medulares, sub-corticais e corticais).

As principais funções deste estado são a expressão emocional e relacional, as

atividades motoras básicas e as funções de alerta, atenção e vigilância. Um certo nível

tônico é indispensável a qualquer atividade mental, da mesma forma que um certo nível

tônico-postural é indispensável à preparação de qualquer movimento voluntário.

Compreende todos os músculos responsáveis pelas funções biológicas e

psicológicas, além de toda e qualquer forma de relação e comunicação social não-

verbal, tendo como característica essencial o seu baixo nível energético, que permite ao

ser humano manter-se em pé por longos períodos.

Para Fonseca, a tonicidade está relacionada com as respostas de adaptação à

gravidade e com todas as aquisições antigravítacionais onde se incluem os padrões

hierarquizados do controle da cabeça ao controle da postura de sentado, da

quadrupedia, da braquiação e conquista da postura bípede. A maturação neurológica

reflete a expressão de duas leis: a lei céfalo-caudal, relacionada com a maturação

neuromuscular da coluna e a lei próximo-distal, relacionada com a maturação

neuromuscular das extremidades, pés e mãos (Fonseca 1995).

Page 56: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

55

Portanto, a tonicidade reflete o primeiro escalão de maturidade neurológica do

ser humano, sustentando os padrões antigravitacionais e preparando as aquisições do

desenvolvimento postural e do desenvolvimento da preensão.

A função da tonicidade é de grande importância para todo o processamento da

informação (decodificação-codificação) da mais simples a mais complexa, porque tem o

poder de discriminar e diferenciar a informação que circula no córtex seja de origem

interna ou externa ao corpo.

3.2 – Equilibração – (Fonseca, 1995)

A equilibração tem a função de vigilância, alerta e de atenção (Fonseca, 1995,

p.144)

Para Ajuriaguerra, o tônus que prepara e guia o gesto é simultaneamente a

expressão da realização ou frustração do individuo. O tônus apresenta-se como uma

tensão que regula e controla a atividade postural como suporte do movimento

(Fonseca, 2008).

Os movimentos se apóiam num estado de tensão que é o meio pelo qual se

torna possível o equilíbrio mecânico indispensável para que ocorra a coordenação entre

os movimentos dos vários segmentos corporais, entre si e no seu todo. Não pode haver

movimento sem atitude, nem coordenação de movimento sem equilíbrio permitindo o

ajustamento do homem ao meio. À medida que a criança cresce e evolui, o equilíbrio

torna-se cada vez mais importante e a sua base de sustentação imprescindível para

sua manutenção.

A equilibração é uma condição básica da organização psicomotora, visto que

envolve uma multiplicidade de ajustamentos posturais antigravitacionais, que dão

suporte a qualquer resposta motora. Quando os centros superiores são forçados a

entrar em ação para manter a postura, as potencialidades de aprendizagem diminuem.

O cérebro para estar mais apto para aquisições mais complexas tem necessidade de

transferir as funções motoras mais simples para centros automáticos daí a repercussão

dos problemas posturais em todas as funções de aprendizagem, sejam psicomotoras

ou psicolingüísticas. Em permanente interação com o universo extra corporal, a

equilibração coordena informações internas e externas imprescindíveis a qualquer

Page 57: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

56

atividade motora ou de aprendizagem. Ela traduz a exclusividade da postura bípede,

pois a apropriação desta postura, dependente da mielinização, é uma construção do

cérebro.

A equilibração é essencial para o desenvolvimento psiconeurológico da criança e

para todas as ações coordenadas e intencionais que constituem o alicerce dos

processos de aprendizagem.

Para que haja a transformação do conhecimento em ações mentais é necessária

a organização de unidades funcionais preexistentes, nas quais a equilibração é sempre

o ponto de partida e de chegada para as combinar em novas unidades de trabalho.

A tonicidade junto com a equilibração constitui a organização motora de base

que prepara a organização psicomotora superior: lateralidade, somatognosia,

estruturação espaço-temporal e praxias. Fonseca afirma que “a motricidade antecipa a

psicomotricidade em termos filogenéticos e ontogenéticos; mais tarde, a atividade

mental superior absorve a motricidade, transformando-a em psicomotricidade, razão

pela qual a psicomotricidade traduz a organização psiconeurológica que serve de

suporte a todas as aprendizagens humanas” (Fonseca, 1995, p.166).

3.3 – Esquema Corporal

A função primordial da noção de corpo é a recepção, análise e armazenamento

da informação.

Fonseca afirma: “A noção do corpo, além de revelar a capacidade peculiar do ser

humano se reconhecer como um objeto no seu próprio campo perceptivo, de onde

resulta a sua autoconfiança e auto-estima, numa palavra, o seu autocontrole, é também

o resultado de uma integração sensorial cortical, que participa na planificação motora

de todas as atividades conscientes, pois por meio dela, atingimos a matriz espacial das

nossas percepções e das nossas ações” (Fonseca 1995, p. 188).

Ainda de acordo com Fonseca, a noção de corpo inclui o reconhecimento

integrado das partes e do corpo todo, tanto em termos perceptivos como em termos

emocionais. Segundo ele, a noção de corpo envolve, de acordo com sua escala de

desenvolvimento, “... a gênese da noção do eu (self)” a partir de quatro parâmetros

Page 58: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

57

essenciais: auto-identificação, localização corporal, estruturação espacial do corpo e

abstração corporal (Fonseca, 2008).

A noção de corpo é uma representação mental, que consiste na integração das

partes do corpo que participam no movimento, e das relações que elas tem de

estabelecer entre si e os objetos. A noção de corpo deve ser reconhecida como

resultante da organização do “input” sensorial (tátil-cinestésico, vestibular e

proprioceptivo) numa imagem interiorizada e estruturada, de onde emerge uma

representação mental, que constitui num marco de referência interna que precede todas

as relações com o exterior.

A construção de esquema corporal, a organização das sensações relativas ao

próprio corpo em relação com o mundo exterior, tem um papel fundamental no

desenvolvimento da criança, pois é o ponto de partida para ela agir.

Para Fonseca, o esquema corporal é um esquema integrado, funcional, que se

aplica ao sentimento que se possui do próprio corpo e se denomina pela função dos

mecanismos fisiológicos que dão à pessoa o sentimento correspondente à estrutura

real do corpo (Fonseca, 1996).

A noção de esquema corporal simboliza um processo que tem origem nos dados

sensoriais que são enviados e fornecidos pelas estruturas motoras resultantes do

movimento realizado pelo sujeito.

O tônus muscular e a mobilidade são dois aspectos complementares e

indissociáveis do esquema corporal. A educação psicomotora irá conduzir a criança a

estruturar seu esquema corporal através de atividades como: controle do tônus

muscular, deslocamentos globais e equilíbrio do corpo.

O esquema corporal é estruturado a partir do momento que o sujeito descobre,

utiliza e controla o corpo, quando passa a ter consciência dele e de suas possibilidades

na relação com o meio ambiente.

O corpo não é somente algo biológico e orgânico, ele expressa emoções e

carrega uma série de significados que são adquiridos através da relação do sujeito com

o meio.

É através do corpo que a criança vai descobrir o mundo, experimentar

sensações e situações, expressar-se, perceber-se e perceber as coisas que a rodeiam.

Page 59: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

58

À medida que a criança se desenvolve e quanto mais o meio permitir, vai ampliar suas

percepções e controlar seu corpo através da interiorização das sensações. Assim, ela

conhece seu corpo e amplia suas possibilidades de ação. O corpo servirá de base para

o desenvolvimento cognitivo, para a aquisição de conceitos referentes ao espaço e ao

tempo, para um maior domínio de seus gestos e harmonia de movimentos.

Podemos destacar três etapas de desenvolvimento do esquema corporal (Alves,

2008, p.50):

1ª Etapa – O corpo vivido

(de 0 a 3 anos)

- fase da inteligência sensório-motora, dominada pela

experiência vivida através da exploração do meio;

- a criança aprende a se mover a partir da imagem do

movimento do outro;

- parte de um estado de indiferenciação para um

estado de diferenciação, pois aos poucos, a criança

vai se diferenciando do meio.

2ª Etapa – O corpo

percebido ou descoberto

(de 3 a 7 anos)

- organização do esquema corporal decorrente da

função de interiorização, desloca sua atenção do meio

ambiente para seu corpo a fim de levar a uma tomada

de consciência;

- a criança refina seus movimentos, adquirindo uma

maior coordenação dentro de um espaço e tempo

determinado.

- vê seu corpo como ponto de referência para se situar

e situar os objetos numa dimensão de espaço e

tempo;

- é capaz de assimilar conceitos espaciais e conceitos

temporais.

3ª Etapa – O corpo

representado

(de 7 a 12 anos)

- noção do todo e das partes do corpo, conhece as

posições e mantém um maior domínio corporal;

- imagem mental de um corpo em movimento

programando e efetuando mentalmente suas ações.

Page 60: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

59

- já não vê seu corpo como ponto de referência;

- esboça suas primeiras noções espaciais, pela

distância percebida entre ela e os objetos e, também,

partindo de seu próprio corpo vai delinear as primeiras

noções de profundidade, volume, lateralidade.

3.4 – Lateralização

A função fundamental da lateralização é a recepção, a análise e o

armazenamento da informação.É um processo essencial às relações entre a

motricidade e a organização psíquica inter-sensorial De acordo com Luria, a

lateralização respeita a progressiva especialização dos dois hemisférios que resultaram

das funções sócio-históricas da motricidade laboral e da linguagem (Fonseca, 1995).

A lateralização caracteriza-se pela função psicomotora que integra os dois lados

do corpo, permitindo uma melhor orientação no mundo exterior. Fonseca afirma que a

lateralização é o resultado da integração bilateral postural do corpo, é peculiar no ser

humano e está relacionada com a evolução e utilização dos instrumentos. É governada

por fatores genéticos, embora o treino e os fatores de pressão social possam

influenciar. Para Fonseca, a lateralização representa a conscientização integrada e

interiorizada dos lados do corpo, direito e esquerdo, o que pressupõe a noção de linha

média do corpo. E a partir daí decorrem as relações de orientação diante dos objetos,

imagens e símbolos, razão pela qual a lateralização interfere na especialização dos

hemisférios que sustenta as aprendizagens simbólicas e não-simbólicas (Fonseca,

2008).

Os dois hemisférios cooperam ao longo da ontogênese, mas progressivamente,

com a idade e com a acumulação da experiência, especializam-se, um no conteúdo

não-simbólico e o outro no simbólico. Ao abordarmos a lateralização humana, é

necessário relacioná-la com dois outros parâmetros: a preferência manual e a

especialização hemisférica.

Page 61: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

60

Para Luria, o cérebro tem de organizar primeiro as sensações e os movimentos,

antes de organizar símbolos; por essa razão, a integração bilateral antecede a

especialização hemisférica (Fonseca, 1995).

A lateralização predominante é observada pela preferência do membro superior,

que constitui o membro de maior especialização e dissociação motora do ser humano,

ao mesmo tempo em que é o membro mais freqüentemente utilizado no contato com o

mundo exterior.

O desenvolvimento neurológico se faz diferentemente em cada um dos

hemisférios cerebrais e nas zonas neuro-sensitivo-motoras que lhes correspondem.

Fonseca coloca que especialistas afirmam que a preferência manual é sinônimo

de desenvolvimento desigual, mas complementar, do córtex nos dois hemisférios, e

confirma: “A intercomunicação entre os dois hemisférios cerebrais e a sua co-função

não podem necessariamente reconhecer a existência de um hemisfério superior e de

um hemisfério subordinado. O que se passa é uma complexa reciprocidade entre a

atividade de ambos os hemisférios” (Fonseca, 1996, p.132).

Lateralização é sinônimo de diferenciação e organização. O lado esquerdo do

corpo é controlado pelo hemisfério direito, enquanto o lado direito é controlado pelo

hemisfério esquerdo. Quando há dominância do hemisfério esquerdo, temos o individuo

destro; e quando ocorre a dominância do hemisfério direito, temos o individuo canhoto.

É legitimo admitir que haja colaboração dos dois hemisférios na elaboração da

inteligência.

Só a partir do momento em que os movimentos se combinam e se organizam

numa intenção motora é que se impõe e se justifica a presença de um lado

predominante, que irá ajustar a motricidade.

A lateralidade da criança irá impor-se com as experiências de complexidade

crescente com que se defronta. De acordo com Le Boulch, que concorda com

Ajuriaguerra é, portanto, no decurso do período que sucede à experiência do “corpo

vivido”, a partir dos dois anos de idade, que se elabora na criança a dominância lateral.

É também nesse período que se realiza a maturação dos principais centros sociais e

motores. Para Le Boulch, a dominância é funcional, vinculada à própria experiência da

Page 62: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

61

criança, ao seu amadurecimento e à elaboração do esquema corporal (Le Boulch,

1987).

Presente em todos os níveis de desenvolvimento da criança, a lateralização

somente será definitiva à medida que esta criança atravessar todas as fases de

desenvolvimento. Deve-se considerar como de grande importância no desenvolvimento

infantil, a coordenação visuomotora, a organização das percepções táteis e visuais,

através de experiências que desenvolvam sua estruturação espacial, da qual

dependerá a lateralização. O conhecimento frente/atrás adquirido nos primeiros

deslocamentos da criança (rastejar e engatinhar) antecipa o de direita/esquerda.

É imprescindível que as crianças tenham experiências com a utilização de

ambos os lados do corpo para obter uma eficiência dos movimentos. A partir dos sete

anos, a criança será capaz de perceber que direita e esquerda não dependem somente

uma da outra, mas também da posição de outras pessoas em relação a ela e de seus

deslocamentos, acontecendo, então, uma descentralização de seus pontos de

referência.

A lateralidade deve ser examinada ao nível de mão, olho e pé, através de gestos

e atividades cotidianas.

As funções mais importantes não são desempenhadas por apenas um

hemisfério, é uma ação recíproca e mutuamente inter-relacionada, não existindo uma

autoridade exclusiva de um dos hemisférios. Exemplificando pode-se observar que a

linguagem e a organização espacial localizam-se em hemisférios diferentes, sem, no

entanto, poder se pensar que uma se encontra separada da outra, o que justifica, uma

permanente transmissão de informação entre os dois hemisférios (Le Boulch, 1987).

Os dois hemisférios cerebrais mantêm intensa comunicação entre si, através da

estrutura chamada corpo caloso situado na divisão entre eles. O hemisfério esquerdo é

responsável pela fala, pela capacidade de aprendizado de idiomas e funções lógicas. O

hemisfério direito está ligado ao artístico, a memória visual e o julgamento estético.

A lateralidade demonstra ser um fator necessário para a aquisição da

estabilidade e do equilíbrio, com relação à linha vertical que divide o corpo, e também

para a aquisição de uma boa postura. Ela é importante na evolução da criança, pois

influi na idéia que a criança tem de si mesma, na formação do seu esquema corporal,

Page 63: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

62

na percepção da simetria de seu corpo, contribuindo para determinar a estruturação

espacial.

Para Ajuriaguerra, as crianças de seis e sete anos de idade já possuem a

capacidade de reconhecer em si as noções de lado direito e esquerdo.Piaget concorda

com esta opinião e afirma que as aquisições destas noções passam por três estágios

(Marinho,2005) :

- 5 a 8 anos – distinguir direita e esquerda;

- 8 a 11 anos – distinguir no outro;

- 11 a 12 anos – distinguir nos objetos.

Iniciar o processo de aprendizagem sem que estes conceitos estejam formados

pode causar grandes dificuldades quanto à orientação espacial na discriminação de

letras que diferem quanto à posição espacial – exemplo: b e d, p e q. Podem também

aparecer dificuldades quanto ao sentido direcional da leitura e da escrita, que, em

nossa sociedade, realiza-se da esquerda para a direita; a criança que não tem esta

noção tende a não respeitar esse sentido por não conseguir diferenciar direita e

esquerda.

Também é muito comum que a falta dessa noção de direita e esquerda,

contribua para a escrita especular, em que há uma rotação da escrita – exemplo: 36-63,

casa-saca (Marinho, 2005).

3.5 – Estruturação Espaço-Temporal

O fator da estruturação espaço-temporal envolve as regiões posteriores do

córtex, que subentendem as funções de análise, processamento e armazenamento da

informação. Envolve basicamente a integração de dados espaciais, mais referenciados

com o sistema visual (lóbulo occipital), e de dados temporais, rítmicos, mais

referenciados com o sistema auditivo (lóbulo temporal) (Fonseca, 1995).

A estruturação espaço-temporal emerge das múltiplas relações integradas da

tonicidade, da equilibração, da lateralização e da noção de corpo, confirmando o

principio da hierarquização dos sistemas funcionais e da sua organização vertical.

“As relações, posições e direções espaciais vividas e localizadas

egocentricamente hierarquizam-se em relações e direções espaciais situadas

Page 64: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

63

objetivamente”. Primeiro, a criança percebe a posição de seu próprio corpo no espaço;

depois a posição dos objetos em relação a si mesma e, por fim, aprende a notar as

relações das posições dos objetos entre si. Para a criança assimilar os conceitos

espaciais, a lateralidade deve estar bem definida. A lateralização é a base da

estruturação espacial e é através dela que uma criança se orienta no mundo que a

rodeia” (Fonseca, 1995, p. 203).

A estruturação espaço-temporal depende do grau de integração e de

organização da aquisições psicomotoras anteriores. Se não ocorrer a lateralização e a

noção de corpo adequadas, as elaborações das suas capacidades não podem

estabelecer uma estruturação espaço-temporal adequada resultando uma organização

e estruturação limitadas ou imprecisas, com reflexo evidente em vários aspectos da

aprendizagem.

Ela fornece os instrumentos psicomotores básicos da aprendizagem e da função

cognitiva, dados que fornecem as bases de pensamento relacional, a capacidade de

ordenação e de organização, a capacidade de processamento simultâneo e

seqüenciado da informação, a capacidade de retenção e revisualização, isto é, de

busca do passado, de integração do presente e preparação do futuro, as capacidades

de representação, de quantificação e de categorização.

A estruturação espaço-temporal resulta da integração de duas estruturações

distintas que têm o seu desenvolvimento próprio. A estrutura espacial e a estrutura

temporal, ambas especificamente relacionadas com diferentes modalidades sensoriais:

a visual e a auditiva, respectivamente.

3.5.1- Estruturação Espacial

As informações relacionadas com o espaço têm de ser interpretadas através do

corpo. A estruturação espacial é um conceito desenvolvido no próprio cérebro por meio

de atividades neuro, tônico, sensório, perceptivo e psicomotoras. A criança constrói a

noção de espaço através da interpretação de vários dados sensoriais que não têm

relação direta com o espaço.

A capacidade para estruturar e organizar o espaço é essencial para qualquer

aprendizagem.

Page 65: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

64

Le Boulch afirma que a representação do espaço e a imagem corporal evoluem

paralelamente e suas etapas de evolução são correlativas (Le Boulch, 1986).

A exploração do corpo começa no momento em que a criança consegue os

primeiros movimentos voluntários e os vai ampliando com a aquisição do engatinhar, da

marcha e da verbalização. O espaço humano é todo orientado no sentido esquerdo,

direito, acima, abaixo, longe e perto.

Até os três anos, o espaço da criança se orienta em função das suas

necessidades afetivas, que se caracterizam pelas relações de proximidade com a mãe.

A partir dos quatro anos, a criança é levada a tomar consciência das referências

espaciais, tomando como base o seu próprio corpo. Ela começa a organizar as relações

espaciais de forma progressiva. Consegue reproduzir as formas geométricas utilizando

o grafismo, diferencia o longe/perto, acima/abaixo e, assim, associa uma série de

referencias espaciais. Na organização do espaço, a própria criança encontra situações

que a favorecem: a ocupação do espaço nas brincadeiras, a organização do grupo em

fileiras, em roda, dupla e a conscientização de ritmos diversos.

A verticalização é a primeira aquisição e o seu controle permite a criança ver o

mundo de outra maneira, não mais dependente do outro passando de um espaço bucal

para um espaço próximo havendo mais liberdade de manipulação. Com o domínio da

marcha, ocorre o ingresso num espaço locomotor, passando a agir através do seu

próprio deslocamento.

A criança tem necessidade de um espaço para se mover. A partir da percepção

do próprio corpo, é que pode ser percebido o espaço exterior. Este espaço exterior é

explorado, no inicio, por uma dupla em simultânea percepção:

- Percepção extereoceptiva – a visão de um objeto, se faz através de estímulos

exteriores, vem de fora para dentro.

- Percepção proprioceptiva – os gestos que são necessários para apanhar o objeto,

análise de dentro para fora.

As coordenações viso-tátil-cinestésicas desenvolvem-se na presença dos

objetos, adquirindo um espaço prático. Aos nove meses, a criança começa a

diferenciação do sujeito-objeto. Suas mãos manipulam os objetos, construindo com isso

um espaço objetivo e operativo, através da tomada de consciência de seus limites

Page 66: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

65

corporais e de diferentes posições que os objetos ocupam. Nesta fase é preciso tocar,

manusear, subir, descer, vivenciar várias experiências para que ela aprenda as formas,

as dimensões, as direções, orientações, as superfícies, os volumes, podendo assim

ajustar-se às situações concretas.

As noções de orientação direita/esquerda e laterais constituem as primeiras

aquisições no domínio da estruturação espacial, promovendo uma boa adaptação

escolar no momento do aprendizado da leitura e da escrita, que depende, em parte, da

orientação espaço-temporal.

3.5.2 – Estruturação Temporal

A estruturação temporal envolve a localização do espaço na dimensão do tempo.

Ela transcende a estimulação sensorial imediata e por isso o cérebro desenvolveu as

memórias, com as quais responde ao presente e ao futuro através das experiências

vividas anteriormente. “O cérebro elabora sistemas funcionais de acordo com a

dimensão do tempo, joga com as experiências anteriores adapta-se às condições

presentes e prediz e antecipa o futuro. A preservação desses sistemas ilustra a

complexa organização temporal que o cérebro necessita para preparar as suas

atividades” (Fonseca, 1995, p.209).

O desenvolvimento da estruturação temporal na criança é importante, pois, por

intermédio do ritmo é que ela terá uma boa orientação no domínio do papel, na

escolarização, construindo palavras de forma ordenada e sucessiva na utilização das

letras, umas após as outras, obedecendo a um ritmo e um período determinado de

tempo. Na comunicação oral, também estruturará os sons das palavras diferenciando-

os, aprendendo a ler com mais facilidade (Ibid.).

A estruturação espacial garantirá experiências de localização dos

acontecimentos passados e uma capacidade de projetar-se para o futuro. A criança tem

consciência de sua ação, o seu passado conhecido e atualizado, o presente

experimentado e o futuro conhecido é antecipado. Essa estrutura de organização é

determinante para todos os processos de aprendizagem. A estruturação temporal

insere o sujeito no tempo, onde ele nasce, cresce e morre, e sua atividade é uma

seqüência de mudanças condicionadas pelas atividades diárias. A noção de tempo é

Page 67: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

66

uma noção de controle e de organização, quer ao nível da atividade, quer ao nível da

cognição. Buscar dados e utilizá-los corretamente nas atividades é uma condição

básica ao processamento, armazenamento e utilização da informação (Fonseca, 1995).

A estrutura temporal, tanto quanto a estrutura espacial, não é conceito inerente,

tendo que ser construído. Necessita esforço e trabalho mental da criança que apenas

conseguirá realizá-lo quando tiver um desenvolvimento cognitivo mais avançado.

A percepção temporal permite, além da consciência e da interiorização dos

ritmos motores corporais, a percepção dos ritmos exteriores. Esta passagem é

indispensável para que a criança possa tomar conta de seus próprios movimentos e

organizá-los a partir da representação mental.

A experiência rítmica vivida com seus próprios movimentos ajusta-se aos dados

do espaço e deve ser mantida através do trabalho de percepção temporal.A criança, ao

final do período “corpo vivido”, deve dispor de uma motricidade global bem organizada

temporalmente, elemento fundamental de seu ajustamento ao meio. A experiência

vivenciada ritmicamente desenvolve-se, não só no plano motor, mas também no plano

da linguagem.

Os conceitos temporais são mais complexos para serem compreendidos. A

criança, inicialmente, sente a passagem do tempo através de seus próprios ritmos e

necessidades biológicas – fome, sede que obedecem a uma organização rítmica,

sincronizada pela alternância vigília/sono.

Desde o nascimento é importante que se ajuste os ritmos corporais da criança às

condições temporais impostas pelo ambiente, para que haja uma organização da

ritmicidade, ponto referencial da informação temporal que com o decorrer do

desenvolvimento terá a percepção de tempo.

3.6 – Praxia global

Localizada nas regiões anteriores do córtex, mais exatamente nos lóbulos

frontais, a praxia global tem a função de organização da atividade consciente e a sua

programação, regulação e verificação. Ela compreende tarefas motoras seqüenciais

globais (Fonseca, 1995).

Page 68: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

67

A praxia global refere-se aos movimentos de todo o corpo e de grandes

segmentos corporais. Esta unidade funcional é a expressão da informação do córtex

motor como resultado da recepção de muitas informações sensoriais, táteis,

cinestésicas, vestibulares, visuais, etc., ou seja, como resultado integrado dos fatores

psicomotores.

A praxia caracteriza-se pelo controle harmonioso do movimento, pela conjugação

perfeita no espaço e no tempo da antecipação, do plano e da execução, como que se

adaptando a um fim e a um objetivo. Cada componente da praxia é avaliado e corrigido

em termos de integração na realização total do ato, operando-se uma análise pela

síntese.

A praxia global requer a atenção voluntária, a planificação motora, o registro e a

seleção de engramas, muito antes de desencadear o movimento, portanto, a intenção

precede a ação. A aprendizagem motora se processa na criança, desde as praxias

relacionadas ao vestuário até as praxias gráficas. Quando as praxias ainda não estão

aprendidas, a planificação motora é exercida de modo consciente, porém quando já

estão aprendidas emergem naturalmente, espontaneamente. Podemos citar como

exemplo o tocar piano (Fonseca, 1995).

A realização das atividades da praxia global demonstra o nível de atenção

voluntária da criança, a sua capacidade de planificar e sequencializar ações diante de

situações novas e as suas funções cognitivas gerais, que caracterizam o seu potencial

de aprendizagem.

3.7 – Praxia Fina

Localizada nas regiões anteriores do córtex, nos lóbulos frontais, a praxia fina

está ligada à função de coordenação dos movimentos dos olhos durante a fixação da

atenção e durante as manipulações de objetos que exigem controle visual, além de

compreender as funções de programação, regulação e verificação das atividades de

preensão e manipulativas mais finas e complexas. (Fonseca, 1995).

A praxia fina refere-se aos movimentos precisos das mãos e dos dedos.

Evidencia a velocidade e a precisão dos movimentos finos e a facilidade de

Page 69: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

68

reprogramação de ações, à medida que as informações tátil-perceptivas se ajustam às

informações visuais (Ibid.).

As informações visuais participam como mobilizadoras dos programas de ação,

daí a sua contribuição como funções de detecção de limites, contornos, formas,

pormenores, e com funções de estabilização de posições e direções, a fim de

proporcionar a coordenação dos dados captados visualmente com os dados captados

manualmente.

Embora o desenvolvimento da praxia fina seja um processo de maturação lento,

pode traduzir uma “inteligência manual” que distingue o ser humano de outras espécies.

Como aquisição superior, a praxia fina necessita de uma conjugação dos

programas de ação, da atenção voluntária, do nível de engramas e somatogramas

aprendidos, da capacidade de pré-programação e de reprogramação, funções inerentes

a um órgão especializado na exploração, manipulação e preensão dos objetos.

A capacidade de preensão de onde evolui a praxia fina pode revelar-se como a

marcha antes do nascimento.Estudos revelam que todos os componentes para apanhar

objetos podem ser evidenciados em fetos com uma idade conceitual de 14/16 semanas.

No modelo piagetiano a preensão é considerada o resultado da integração de diversas

coordenações iniciais, incluindo a seqüência tocar/preender, olho/objeto, olho/mão e

olho/braço (Fonseca, 1995).

Page 70: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

69

IV – APRENDIZAGEM 4.1 – A Aprendizagem Aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo adquire informações,

habilidades, atitudes e valores a partir de seu contato com a realidade, com o meio

ambiente e com as pessoas.

Fonseca define aprendizagem como sendo: “Mudança permanente de

comportamento provocada pela experiência, visando a aquisição de alguma habilidade

ou competência. Em termos sensoriais, a aprendizagem pode envolver a distinção de

sensações e de percepções, por observação, identificação, discriminação ou

reconhecimento. Em termos motores, a aprendizagem pode envolver a imitação e a

realização de movimentos assim como a assimilação, a diferenciação, a generalização

e a sistematização de programas motores simples, compostos e complexos” (Fonseca,

2008, p.563).

Aprendizagem implica vários fatores que vão se instituir desde o

desenvolvimento motor, passando pela experiência pré-verbal e atingindo o

desenvolvimento perceptivo, portanto, psicomotor que vai dar origem à sucessiva

organização do desenvolvimento cognitivo.

Ao nascer, o bebê humano é recebido num mundo de cultura e linguagem que o

antecede e ao qual necessita ter acesso. Porém falta-lhe os equipamentos necessários

para tal. Sua prematuração cria a necessidade da presença do outro para garantir sua

potencialidade de existência. E é nesse espaço que se situa a aprendizagem humana

que estará marcada de forma indelével pela história de seus relacionamentos.

O bebê vai conhecendo a realidade a partir de suas primeiras representações

fruto de suas experiências sensoriais. O contato sensorial será matéria-prima para a

construção simbólica. Pela linguagem, mediadora universal, a criança desenvolverá

uma atividade interna, fará representações parciais ou gerais. O mundo é conhecido

por meio da construção conceitual, a qual é fruto da representação-linguagem.

As capacidades de aprender e representar relacionam-se com as primeiras

experiências junto ao adulto significativo, primeiro a mãe e depois pelos demais

representantes da cultura. Nessa primeira relação, a mãe ou cuidador, ao lhe dar o

código (a linguagem), funda o desejo e, por isso, a aprendizagem vai guardar para

Page 71: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

70

sempre os resquícios daquilo que lhe serviu de base. É pelo vinculo com o outro que a

criança vai interiorizando os objetos por intermédio das representações. Num primeiro

momento é o adulto quem decifra as necessidades de objeto do bebê. Aos poucos, pela

atividade simbólica, a criança irá libertando-se do adulto decifrador, será ela mesma

que poderá expressar e construir suas interpretações. A experiência com o outro

prepara o indivíduo para poder se tornar independente do outro. Isto só é possível pela

interiorização conceitual da representação e significado de objetos, de representação.

Para Piaget, a estrutura cognitiva não é hereditária, mas se desenvolve no

processo de interação do indivíduo com o ambiente a partir da construção de padrões

de comportamento (esquemas). Tais esquemas evoluem de acordo com o seu

desenvolvimento e interação do indivíduo com o ambiente. A criança constrói a

inteligência através da ação (Pulaski, 1986).

Ainda de acordo com o autor, o conhecimento resulta de interações que se

produzem entre o sujeito e o objeto. A estruturação da inteligência se dá através da

interação ativa entre sujeito-objeto e se caracteriza por ser um processo que tem por

finalidade última a equilibração de suas estruturas. Equilibração, para Piaget,

caracteriza-se por ser um estado de equilíbrio dinâmico que atinge as estruturas em seu

desenvolvimento. Tal equilíbrio é considerado dinâmico na medida em que o

desenvolvimento das estruturas intelectuais não cessa nunca no individuo, ou seja, é

sempre passível de novas assimilações e acomodações. Através dos processos de

assimilação e acomodação, a inteligência caminha em direção à adaptação,

construindo estruturas cada vez mais estáveis. A inteligência é a forma de equilíbrio

para a qual tendem todas as estruturas cognitivas.

O auge da equilibração intelectual se dá a partir da aquisição das estruturas

formais de pensamento – o desenvolvimento de atividades reflexivas, do pensamento

descentrado, reversível e conceitual, da formulação de hipóteses, do pensamento

metafísico. Tais estruturas formais de pensamento se caracterizam por também serem

pré-requisitos para o desenvolvimento da autonomia intelectual (de pensamento).

O desenvolvimento da inteligência implica uma coordenação progressiva das

ações, assim como uma reversibilidade crescente do pensamento. Tal desenvolvimento

intelectual está relacionado à socialização progressiva da criança.

Page 72: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

71

A tomada de consciência do próprio pensamento está em dependência direta

dos fatores sociais. Na medida em que sente necessidade de demonstrar o próprio

pensamento e convencer a partir do choque deste último com o pensamento dos

outros, a criança começa a estruturar logicamente o próprio pensamento. Na medida

em que a criança se socializa e se adapta a uma realidade social, ela cria uma

realidade nova (o pensamento falado e discutido, a imaginação e o uso das palavras),

ela toma consciência de relações e operações que até então eram manipuladas

unicamente pela ação. Tomar consciência de uma operação significa, portanto, passar

do plano da ação para o plano da linguagem; significa reinventar a ação na imaginação

para poder exprimi-la em palavras. A socialização, portanto, é fator fundamental tanto

no desenvolvimento moral quanto no desenvolvimento intelectual da criança. Na

medida em que tem possibilidade de realizar trocas, de compartilhar idéias com seus

pares, a criança tem motivação para desenvolver seu pensamento e para compreender

o outro.

Quando toma consciência de seu próprio pensamento, quando é capaz de

regular os mecanismos de construção da realidade, quando é capaz de criar

conscientemente implicações entre juízos, é que o sujeito domina a lógica formal

(adolescente) e, portanto é capaz de tornar as experiências mentais reversíveis.

Piaget afirma que a intervenção mediadora do educador encontra-se no centro

da relação sujeito-objeto. Ao propor desafios e acompanhar as construções, ele orienta-

se pela operatividade da inteligência, pela formação de conceitos. O educador fica

atento para as construções da criança, às surpresas que podem surgir de sua

intervenção não para corrigi-las, mas para acompanhá-las em suas particularidades,

como manifestação de alternativas de construção da inteligência e de elaboração do

conhecimento. Quanto à criança, ela precisa de espaço para testar suas hipóteses, agir

sobre o objeto, fazer perguntas e interpretar a realidade, para posteriormente reelaborar

mentalmente tais ações. Precisa de espaço também para se relacionar em grupos e

partilhar experiências e conhecimentos (Pulaski, 1986).

Numa visão piagetiana pode-se considerar que os jogos de regras e de

construção constituem um recurso pedagógico adequado para se analisar, junto com a

criança, seus modos de pensar e agir em uma perspectiva cognitiva. Do ponto de vista

Page 73: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

72

afetivo, os jogos possuem todo um universo relacional: competir com um adversário ou

vencer um objetivo; regular o ciúme, a inveja, a frustração; adiar o prazer imediato, já

que é necessário elaborar meios ou estratégias que conduzam a ele; submeter-se a

uma experiência de relação objetal, de natureza complementar, já que o outro faz parte

da situação; subordinar-se a regras, que limitam a conduta. Do ponto de vista social,

encontra-se nos jogos de regras as exigências básicas para uma vida social: a

necessidade de uma linguagem, de códigos e, principalmente, da consideração de

regras que regulam o comportamento inter-individual. Nesse contexto o sujeito é

apenas uma das partes e seu comportamento só existe em função do outro. A

necessidade de uma troca social, uma solidariedade inevitável, um pensar e agir em

conjunto, uma utilização de linguagem e códigos comuns, as regras, submetem o

indivíduo a um procedimento comum, originando diversas possibilidades e

encaminhando para uma forma superior e melhor de relação inter-individual. Do ponto

de vista cognitivo, os jogos de regras criam uma necessidade e possibilitam a

construção de novos e melhores procedimentos e estruturas de fazer e compreender o

mundo, de descobrir os erros e de construir meios para superá-los, de tomar

consciência do que o determina (Macedo, 1992).

Com relação à prática pedagógica, Piaget atribui à criança o papel

preponderantemente ativo, vendo-a como responsável por seu próprio processo de

aquisição de conhecimento. Com isto, as atividades espontâneas da criança, a

criatividade, a autonomia na resolução de situações-problema e os erros ganham relevo

dentro do processo educativo. A criança é o próprio agente de seu desenvolvimento, o

educador tende a assumir um papel desafiador, provocando desequilíbrios (conflitos

cognitivos), para que a criança, através de re-equilibrações sucessivas, seja estimulada

a descobertas e, portanto, à construção de conhecimento. A fonte de conhecimento da

criança está não só na variedade de situações concretas que ela tem a oportunidade de

vivenciar, mas também na organização lógica que essas interações vão assumindo em

seu pensamento.

De acordo com Vygotsky, a idéia de aprendizado inclui a interdependência dos

indivíduos envolvidos no processo – isto é, a relação entre aquele que aprende e

aquele que ensina. Em outras palavras, o aprendizado ocorre na interação social. O

Page 74: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

73

autor dá relevante importância ao papel do outro no desenvolvimento dos indivíduos,

pois considera que um indivíduo só se desenvolve em relação ao ambiente cultural em

que vive com o suporte de seu grupo de iguais (Taille, 1992).

O autor aponta para o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD)

como básico para entender as relações entre desenvolvimento e aprendizagem,

colocando que é no âmbito dessa zona proximal que pode ocorrer a aprendizagem,

referindo-se à diferença entre o nível de desenvolvimento real do indivíduo,

determinado pelas capacidades de resolver problemas de forma independente e o nível

de desenvolvimento potencial do mesmo, caracterizado pela capacidade de solucionar

problemas com ajuda de outros indivíduos. A zona de desenvolvimento proximal define,

portanto, as funções cognitivas (ou estruturas) que ainda estão em processo de

maturação: o que é zona de desenvolvimento proximal hoje será nível de

desenvolvimento real amanhã.

A construção de um conhecimento se dá quando um adulto desafia o aprendiz

com questionamentos ou problemas levando o mesmo a um desempenho além do que

sua estrutura de pensamento, naquele momento, permitiria. Salienta a importância da

linguagem e do outro para essa construção. Nesse sentido, afirma que o conhecimento

é construído pelo indivíduo em interação com o meio social em que vive,

desenvolvendo, ao mesmo tempo, sua inteligência. É através da própria história de

vida, de seu cotidiano, resolvendo questões, descobrindo, tentando, fazendo

inferências, pensando e representando que o sujeito epistemológico (o sujeito que

aprende) chega ao conhecimento, apreendendo-o.

Nessa visão vygotskiana, cabe ao educador o papel de interventor, desafiador,

mediador e provocador de situações que levem as crianças a aprenderem a aprender.

O trabalho didático deve, portanto, propiciar a construção do conhecimento pelo

aprendiz. Aprender é de certa forma, descobrir com seus próprios instrumentos de

pensamento conhecimentos institucionalizados socialmente.

Para Vygotsky, o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento. O

autor afirma ainda que é na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) que a

interferência dos outros indivíduos (educadores, pais, colegas) alcançará resultados

satisfatórios. Interferindo constantemente na ZDP da criança, o outro mais experiente

Page 75: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

74

contribui para movimentar os processos de desenvolvimento das crianças ainda

imaturas. Eles exercem o papel de mediadores no processo de desenvolvimento da

criança, levando-a a acionar os mecanismos em processo de maturação (Taille, 1992).

É na Zona de Desenvolvimento Proximal que o educador tem de atuar como

mediador, estimulador, provocador e interventor no organismo que não se desenvolve

plenamente sem o suporte de outros indivíduos de sua espécie. Para o desempenho

desse papel, o educador precisa conhecer os processos já consolidados pela criança,

os que já iniciaram e os que precisam aprender, assim poderá dirigir o ensino para os

estágios de desenvolvimento ainda não alcançados pela criança, mas já iniciados no

seu processo de desenvolvimento. O educador deve ser a ponte entre o que a criança

sabe e o que ela pode e deve aprender.

O autor considera, ainda, a imitação como uma oportunidade de a criança

realizar ações que estão além de suas próprias capacidades, o que contribui para o

seu desenvolvimento. Segundo ele, quando uma criança imita ou procura imitar uma

outra criança, ao copiar seu modelo passará por uma reconstrução individual daquilo

que é observado no outro. Essa reconstrução acontece de acordo com as

possibilidades psicológicas da criança que imita e constitui para ela a criação de algo

novo a partir do que observa no outro.

Nessa interação com o outro, a criança é levada a tomar consciência e refletir

tanto sobre suas idéias, estratégias e descobertas, como sobre aquelas elaboradas

pelo outro, construindo o seu saber. Vygotsky reafirma a importância do educador

nesse processo quando ele assume o papel de interlocutor mais experiente, intervindo,

ajudando a criança a confrontar seus modelos com o modelo do outro e, a partir desse

confronto, chegar a compreensão das diversidades encontradas. As interações sociais

que ocorrem no espaço escolar são de grande importância porque, através delas, as

crianças tomam consciência de que o saber é constituído socialmente (Taille, 1992).

Outro ponto a ser destacado, é o brinquedo, especificamente de “faz-de-conta”,

pois é um outro domínio de atividade infantil que tem claras relações com o

desenvolvimento da criança. Para o autor, nessas brincadeiras, a criança é capaz de

agir num mundo imaginário, no qual o significado é estabelecido pela brincadeira e não

pelos elementos reais concretamente presentes.

Page 76: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

75

4.2 – O Corpo na Aprendizagem

“Desde o principio até o fim, a aprendizagem passa pelo corpo. Uma

aprendizagem nova vai integrar a aprendizagem anterior... O corpo coordena e a

coordenação resulta em prazer, prazer de domínio”. A autora ainda afirma que,

aprendizagem é “... apropriação das possibilidades de ação, instrumentada pelo corpo

que confere um poder de síntese ao ser e ao saber do sujeito, assim como uma

ressonância agradável que o ajudará a incorporar a experiência” (Alicia Fernández,

1991, p. 59).

O cérebro em desenvolvimento é uma estrutura extremamente plástica. Ainda

que muitas regiões possam estar bem conectadas, outras, como o córtex cerebral,

estão abertas a diversas influências, tanto intrínsecas como ambientais. Durante o

desenvolvimento do cérebro da criança, seus processos maturacionais, ainda que

programados geneticamente, como em todas as espécies, tem características próprias

ligadas à maior complexidade de seu sistema nervoso, o que possibilita grande

diferenciação e especificidade de funções. No longo processo de maturação, a

aprendizagem ocorre paralelamente e ambos os fenômenos passam a ser

complementares.

Aprende-se desde o útero e se tem capacidade de aprender sempre porque o

cérebro humano se adapta, estabelecendo novas conexões neuronais a cada nova

aprendizagem. Se, um adulto resolver aprender a tocar um instrumento musical, por

exemplo, a plasticidade neural fará com que novos caminhos sejam trilhados por meio

de novas conexões entre neurônios que permitirão a aprendizagem de conteúdos

novos a qualquer momento da vida. Portanto, o individuo estará modificando seu

cérebro com experiências novas.

Se a pessoa for saudável não perderá neurônios em tempo algum. Na

adolescência, porém as sinapses diminuem de intensidade e a camada de mielina,

engrossa definitivamente, facilitando a comunicação elétrica de informações neuronais.

Regiões pré-frontais do cérebro amadurecem. O lobo pré-frontal é responsável tanto

pela intercomunicação cerebral como pelo que se tem de humano como:

comportamento, julgamento, planejamento, execuções complexas; tudo isso

Page 77: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

76

amadurece nessa fase da vida. Entre os mamíferos o homem é o ser que mais

desenvolveu o lobo pré-frontal. Essa região desenvolvida é o que se tem de mais

humano.

Aprender coisas novas, ligar as informações novas com as já existentes na

memória, relacionar umas com as outras, tirar novas conclusões, tudo isso é possível

graças a capacidade de memorização e de interface entre informações, o que ocorre

por um processo neurobioquímico, sináptico, no sistema nervoso do ser humano.

Os neurônios possuem grande capacidade de condutibilidade elétrica, o que lhes

possibilita perceber e reagir a estímulos, tanto do meio ambiente quanto do próprio

corpo, a propriocepção. A comunicação entre neurônios é muito eficiente e se dá por

meio de sinapses, fenômeno eletroquímico de transmissão de informações neuronais.

O ser humano tem cerca de 100 bilhões de neurônios espalhados por todo o corpo.

O homem possui comportamentos emocionais e sociais. O que caracteriza

apenas o ser humano é a sua capacidade de elaboração cognitiva dos eventos,

permitindo diversas atribuições de significado e consecutivas respostas. Reflexo,

instinto, emoção e intelecto estão organizados hierarquicamente, cabendo a medula

espinhal e ao tronco encefálico os reflexos e os instintos, enquanto que ao cérebro

cabem elaborações afetivas e cognitivas.

O cérebro adolescente sofre uma reorganização em sua estrutura capaz de

afetar sua capacidade de trocar sinais entre neurônios. Na adolescência, o número de

sinapses atinge seu ápice. As sinapses muito usadas são fortalecidas; as

negligenciadas eliminadas. É possível, portanto, nesse momento de reorganização

neuronal, fortalecer caminhos sinápticos e reforçar a aprendizagem. À luz de novas

descobertas da neurociência é possível atribuir a essa reestruturação cerebral e não

mais as descargas hormonais, o comportamento adolescente.

Como bem afirma Piaget, é na adolescência que se estabelece o raciocínio

abstrato; os jovens deixam de pensar apenas no concreto e se capacitam a criar

situações hipotéticas, imaginárias e abstratas. O amadurecimento, tanto em forma

como em estrutura do córtex pré-frontal, propicia um salto intelectual (Taille, 1992).

Segundo Patrícia Goldman Rakid, desde muito cedo se aprende com o auxilio da

memória de trabalho. Ela se desenvolve fortemente entre o oitavo mês e o primeiro ano

Page 78: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

77

de vida, quando o bebê vai ao encontro de um objeto que ele viu ser escondido. Até os

sete meses, se um brinquedo some da vista do bebê, ele perde imediatamente o

interesse pelo objeto. Entre sete e nove meses, o bebê consegue manter na mente o

brinquedo por até cinco segundos quando colocado fora de sua vista. Aos doze meses,

o bebê retém a memória do objeto em torno de dez segundos. Nos primeiros anos de

vida, a informação da memória de trabalho é passada cada vez mais eficientemente

para a memória de longo prazo. Em torno de quatro anos, a criança é capaz de

trabalhar com uma memória capaz de reter o objeto, mesmo que fora de seu campo

visual por longo tempo (Alvarez, 2006).

A memória de trabalho totalmente desenvolvida permite que o comportamento da

criança seja guiado não só pelos objetos do mundo externo, mas também pelos objetos

de seu mundo interno. Ela é capaz de pensar no que deseja ser quando crescer, como

se sente, expressar seus sentimentos. Outra habilidade que a memória de trabalho

possibilita é que, mantendo os objetos internos em foco, a criança possa orientar seu

comportamento, apesar de distrações ambientais ou vontade de fazer uma outra coisa

que não o planejado. A memória de trabalho permite ao indivíduo flexibilidade,

liberdade de escolha e controle sobre seu comportamento, habilidades que só se

acentuam na adolescência.

Na adolescência, é a memória de trabalho que permite ao adolescente fazer

escolhas partindo de inúmeras possibilidades, direcionar seu comportamento no sentido

de conseguir alcançar seu objetivo. Conexões neuronais fortalecidas e mais eficientes,

mantendo apenas as sinapses necessárias, são os mecanismos que o cérebro humano

encontra na adolescência de se tornar ágil. Esses caminhos mais utilizados tornam

mais acurado e eficiente o processo que transforma sensação em percepção e a

conseqüente tradução dessa informação em memória de trabalho.

O indivíduo capta sensações não só do que se passa no meio ambiente como

também no mundo interno, através dos órgãos dos sentidos, responsáveis pela

localização do estimulo, agregando também a esses sentidos o somestésico e o

vestibular. Se os estímulos chegam do meio ambiente, classificam-se os sentidos como

exteroceptores, pois captam energia incidente externa ao corpo. Interoceptores são os

sentidos capacitados a perceber o estado interno do corpo, como fome, sede; nesse

Page 79: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

78

caso, há alterações orgânicas provenientes de substâncias do organismo. Os

proprioceptores são encarregados de informar ao indivíduo seu movimento, postura e

correspondem aos receptores do sistema somestésico. Já o equilíbrio corporal é

sentido pelo sistema vestibular (Alvarez, 2006).

As percepções, absorvidas pelo ser humano como sensações pelos órgãos dos

sentidos e posteriormente interpretadas pelo cérebro juntamente aos pensamentos e

memórias, são transmitidas às diferentes áreas do sistema nervoso por meio dos

neurônios. Os neurônios trocam informações por meio de substâncias químicas, os

neurotransmissores. Alguns neurotransmissores são vitais para a aprendizagem.

4.3 – A Psicomotricidade no Processo de Aprendizage m

A Psicomotricidade está presente nos menores gestos e nas atividades que

desenvolvem a motricidade, visando o conhecimento e o domínio do corpo. É um fator

essencial e indispensável ao desenvolvimento global e uniforme da criança. A

Educação Psicomotora é a educação da criança através de seu próprio corpo e de seu

movimento, é a base fundamental para o processo intelectivo e de aprendizagem. A

criança é vista em sua totalidade e nas possibilidades que apresenta em relação ao

meio em que vive, e a educação, deve ser pensada em função da faixa etária e dos

interesses dessa criança. Por meio das atividades motoras, a criança, além de se

divertir, cria, interpreta e se relaciona com o outro e com o mundo.

Vista como ciência da educação, a Psicomotricidade hoje visa a representação e

a expressão motora, através da utilização psíquica e mental do indivíduo. Ela foi

enriquecida com estudos de outras áreas numa rede interdisciplinar, incluindo os

profissionais da educação.

Pesquisas sobre Psicomotricidade realizadas no campo evolutivo delimitam

áreas mais distintas de abordagem técnica para serem aplicadas na prática

psicomotora. Os primeiros movimentos de trabalho da Psicomotricidade foram

impulsionados dentro de uma proposta reeducativa, marcada pelo paralelismo mente-

motor sustentado por estudos de autores como Wallon, Ajuriaguerra, Le Boulch. A

reeducação é uma maneira de estimulação da criança em suas funções psicomotoras,

que foram contrariadas em seu desenvolvimento. É uma ação dirigida ao déficit motor,

Page 80: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

79

com o objetivo de atingir também o cognitivo. Piaget já antecipava sua preocupação em

estimular as crianças de forma adequada, em cada fase de seu desenvolvimento. Desta

forma, ele redimensiona as questões referentes a Psicomotricidade e não a limita

apenas a uma ação reeducativa, mas a uma primeira instância educativa (Fonseca,

2008).

A educação psicomotora é básica, e o corpo deve ser instrumento mediador

entre o meio e o objeto numa relação vivencial adequada. Ela condiciona todos os

aprendizados, leva a criança a tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, sua

posição no espaço, o tempo a dominar e a adquirir habilidades de coordenação de seus

gestos e movimentos. Isso tudo deve ser feito de forma harmônica e integrada, para

que a criança assuma sua corporeidade dentro de uma realidade que possibilite a livre

expressão de um indivíduo pensante e evite distorções no processo de sua evolução.

Jean Le Boulch afirma que é de grande importância que se vincule a educação

do corpo aos imperativos do desenvolvimento do indivíduo. Ele formulou uma teoria

geral do movimento, a Psicocinética, na qual propõe aos educadores meios práticos

que permitam utilizar o movimento como uma das bases fundamentais para a educação

global da criança. Nessa teoria, a Psicocinética torna-se uma educação psicomotora

fundada sobre o conhecimento das leis do desenvolvimento humano (Le Boulch, 1987).

Este autor considera como objetivo central da educação pelo movimento, a

contribuição para o desenvolvimento psicomotor da criança, a evolução de sua

personalidade e o sucesso escolar. Ele ainda ressalta a importância em se suscitar

todas as formas de expressão verbal e gráfica, em favorecer, durante os jogos, a

experiências relacionais das crianças entre si para atraí-las progressivamente para a

cooperação. As atividades psicomotoras, através do movimento e de gestos não devem

ser realizadas de forma mecânica, devem ser associadas com as estruturas cognitivas

e afetivas.

Durante o processo de aprendizagem os elementos básicos da Psicomotricidade

são utilizados com freqüência. O desenvolvimento do esquema corporal, lateralidade,

estruturação espacial, orientação temporal e pré-escrita são fundamentais. Um

problema em um destes elementos irá prejudicar uma boa aprendizagem. Uma criança

cujo desenvolvimento psicomotor é mal constituído poderá apresentar problemas na

Page 81: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

80

escrita, na direção gráfica, na leitura, na distinção de letras (b/d), na ordenação de

sílabas, na abstração (matemática), na análise gramatical, entre outras mais.

Vitor da Fonseca assegura que as aprendizagens escolares devem permitir que

a criança exerça seus poderes de realização, ao mesmo tempo em que devem

respeitar os processos genéticos da sua maturidade global, ou seja, dar condições à

criança de ser criadora de acordo com seus interesses e ter possibilidade de assumir

comportamentos originais. Para ele, as dificuldades escolares nem sempre são

perturbações de uma atividade, mas sim de uma aprendizagem onde devem ser

investigados os métodos pedagógicos, relações e repercussões afetivas dos seus

resultados (Fonseca, 1996).

Para Le Boulch, fica evidente a importância da educação psicomotora na escola

pré-primária e primária a fim de prevenir as dificuldades escolares. A educação

psicomotora garante um “desenvolvimento total” da pessoa, quando representa um

ponto de partida para analisar o papel que a imagem corporal desempenha no

desenvolvimento da personalidade. De acordo com o autor o papel da escola deve ser

o de preparação para a vida, e os métodos pedagógicos, devem “... tender a ajudar a

criança a desenvolver-se na melhor maneira possível, tirar o melhor partido de todos os

seus recursos preparando-a para a vida social”. De acordo com a Psicocinética, a

aprendizagem depende de experiências motoras através de um desenvolvimento

metódico das aptidões psicomotoras (Le Boulch, 1987, p.26).

Vitor da Fonseca (1996) conclui que a Psicomotricidade assume um papel

predominantemente preventivo e lhe atribui um lugar de destaque no contexto

educativo-social. Para ele é fundamental que a criança, nas instituições que antecedem

a escola primária, adquira “uma adequada maturação funcional perceptiva, uma

disponibilidade psicomotora, um aperfeiçoado controle psico-tônico, um enriquecimento

lingüístico, que lhe permitam encarar as aprendizagens escolares triviais sem quaisquer

carências instrumentais” (Fonseca, 1996, p. 368).

De acordo com o que afirma Fátima Alves, estudos mostram a importância do

desenvolvimento psicomotor durante os primeiros anos de vida da criança. Aos três

anos as aquisições da criança são consideráveis, ela possui todas as coordenações

neuromotoras essenciais: andar, correr, pular, falar, se expressar, jogar. Essas

Page 82: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

81

aquisições são resultado de uma maturação orgânica progressiva, de uma experiência

pessoal e produto de uma educação; foram obtidas e são complementadas

progressivamente ao tocar, apalpar, andar, cair, comparar, e a corticalização, em si

mesma é função das experiências vividas. Depois surgem as aquisições motoras,

neuromotoras e perceptivo-motoras que se realizam num ritmo rápido: tomada de

consciência do seu corpo, afirmação da dominância lateral, orientação em relação a si

mesma, adaptação ao mundo exterior. O período de três a oito anos é um período de

aprendizagens essenciais e de integração progressiva no plano social. Trata-se de um

período escolar onde a Psicomotricidade deve ser desenvolvida em atividades

enriquecedoras e onde a criança de aprendizagem mais lenta necessitará ao seu lado

de um adulto que interprete o significado de seus movimentos e expressões, auxiliando-

a na satisfação de suas necessidades. A criança precisa se sentir segura para que

possa ter a possibilidade de se arriscar, o que lhe resultará em conhecimentos acerca

de si mesma, dos outros e do meio em que vive (Alves, 2008).

Na educação infantil, a prioridade é levar a criança a ter uma percepção

adequada de si mesma, compreendendo suas possibilidades e limitações reais e ao

mesmo tempo, auxiliá-la a se expressar corporalmente com maior liberdade,

conquistando e aperfeiçoando novas competências motoras.

Um dos objetivos da educação psicomotora é de ensinar a criança a ficar

sentada, ter boa postura, ouvir. Depois de atingir esse objetivo é que será capaz de

receber ordens, concentrar-se, usar a memória, executar tarefas do começo ao fim. O

progresso pode ser lento, mas como em todas as outras áreas, o principal objetivo é o

de não deixar lacunas entre as etapas. Uma estimulação mal orientada confunde ainda

mais; por isso é importante que o educador conheça e perceba a graduação necessária

das técnicas a serem utilizadas. Não se pode esquecer também que a passagem da

atividade espontânea para a atividade controlada deve ser assegurada sem prejudicar o

caráter expressivo do movimento (Sanchez, 2003).

O desenvolvimento psicomotor tanto de crianças normais quanto de crianças

portadoras de distúrbios requer o auxilio constante do educador através da estimulação

no ambiente escolar e do encaminhamento, quando se fizer necessário. O educador

desempenha papel de grande importância e pode ajudar muito em todos os níveis, na

Page 83: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

82

estimulação para o desenvolvimento cognitivo e para o desenvolvimento de aptidões e

habilidades, na formação de atitudes através de uma relação afetiva saudável e estável

(que crie uma atmosfera de segurança e bem-estar para a criança) e, sobretudo,

respeitando e aceitando a criança como ela é.

Jogos e brincadeiras, não devem ser considerados apenas passatempos, na

verdade preparam o terreno para uma aprendizagem posterior. Embora brincar seja

natural para a criança, não convém dar-lhe liberdade total (a hora que quer, onde quer,

como quer), assim como é contraproducente dirigi-la sempre.

O movimento da criança melhora a partir de seu pensamento enriquecido pela

representação interna da habilidade melhor desenvolvida e executada, pois a

inteligência-pensamento-ação constitui um círculo fechado.

Na fase pré-escolar, a criança precisa executar movimentos amplos, transportar

objetos, exercitar movimentos de pinça com o polegar e o indicador; movimentar ao

máximo os dedos, as articulações do braço, do pulso e das mãos, para perceber os

tipos de pressão, resistência, temperatura e as formas dos objetos. A prioridade é para

uma atividade motora global. A criança dirige intencionalmente as explorações a um fim

específico, chegando a ele com segurança e sem dificuldade.Ela dispõe de uma

memória do corpo, carregada de afetividade. Também orientada pelo afeto, depende de

suas experiências vividas anteriormente e valorizadas pelo adulto.Em seu movimento

utiliza uma energia com certo controle cortical e não mais impulsiva.

Nesse estágio, a atividade lúdica deve ser vista como uma atividade criadora,

necessária para a expressão da personalidade, a maturação da imagem corporal e até

de liberação de certas tensões. A precisão das contrações musculares é possível para

as coordenações mais comuns, no entanto, numa situação nova, seja uma carga

emocional intensa ou uma percepção desconhecida, as descargas energéticas se

tornam difusas, o tônus aumenta em resistência e elasticidade, provocando paratonias

(Fonseca, 2008) sincinesias. A criança, através de exercícios de percepção visual e

sonora em um ambiente tranqüilo, atinge certo domínio dessas irradiações tônicas.

O domínio da estruturação espaço-temporal não é muito fácil para a criança, ela

vai adquiri-lo de forma gradual, aprendendo a dirigir, acelerando ou freando seu próprio

ritmo. A expressão verbal é um prolongamento natural do trabalho psicomotor, é

Page 84: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

83

importante incentivar a criança a expor fatos vivenciados, com a finalidade de

estabelecer uma ligação entre o imaginário e o real.

Os intercâmbios orais provocados pela ação representam uma verdadeira

linguagem social, muito importante de ser desenvolvida na fase pré-escolar. Levando-

se em conta as condições práticas nas quais trabalha e o conhecimento que tem das

crianças, o educador deve imaginar situações que possibilitem esses intercâmbios

orais. É necessário também que o educador auxilie a criança a afirmar sua própria

lateralidade, permitindo-lhe realizar livremente suas experiências motoras. E quando a

criança realizar suas primeiras atividades gráficas, não exercer nenhuma pressão no

sentido de incitá-la a usar a mão direita, a fim de que a coordenação óculo-manual

(aspecto particular do ajustamento motor global) corresponda a uma auto-organização.

Da mesma maneira é imprudente associar a dominância lateral com a verbalização das

noções direita-esquerda. Esse estágio só será alcançado quando a função de

interiorização for suficientemente trabalhada e quando a criança tiver condições de

apoiar-se em suas próprias sensações cinestésicas. Tentativas precipitadas nesse

sentido podem desencadear insegurança e frear o desenvolvimento, principalmente se

a criança apresentar dificuldades.

O desenho e em particular o grafismo são de grande importância para o

desenvolvimento da criança. A evolução do grafismo depende da evolução perceptiva e

da compreensão da atividade simbólica. Conforme a criança alcança essa etapa ela

torna-se capaz de representar através de signos convencionais, figuras geométricas e

letras, e também de evoluir no domínio gráfico, cuja conclusão é a escrita. O grafismo

só será possível a partir do desenvolvimento das coordenações motoras; do controle

distal (distanciado da parte mediana do corpo) que se tornará proximal (que fica mais

próximo do centro da cabeça) e dos movimentos das mãos e dos dedos que se

tornarão livres, permitindo a miniaturização do traçado.

A educação psicomotora na idade escolar deve, antes de qualquer coisa, ser

uma experiência ativa de confrontação com o meio. O papel de pais e educadores deve

ser não o de ensinar comportamentos motores à criança, mas sim de permitir-lhe

exercer a sua função de ajustamento, individualmente ou com outras crianças. Na

escola, a ação educativa consistirá em desenvolver a espontaneidade adaptada ao

Page 85: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

84

ambiente. Para que isso ocorra o educador precisa conhecer o ritmo de

desenvolvimento da criança e criar condições para seu progresso. O que só será

possível num ambiente em que ela possa se beneficiar do contato com outras crianças

de mesma idade, participando de atividades coletivas, alternadas com atividades

individuais.

A partir de uma atitude não diretiva, que garanta uma certa liberdade, o educador

permite a criança realizar sua experiência de corpo, indispensável no desenvolvimento

das funções mentais e sociais. Desenvolvendo-se nesse clima, a criança vai adquirindo

confiança em si mesma e conhecendo melhor suas possibilidades e limites, condições

necessárias para uma boa relação com o mundo. O educador deve assumir o papel de

facilitador do desenvolvimento da capacidade de aprender, dando à criança tempo para

suas próprias descobertas, oferecendo situações e estímulos cada vez mais variados,

proporcionando experiência concretas e plenamente vividas com o corpo inteiro; não

deixar que as aprendizagens sejam transmitidas apenas verbalmente, para que a

própria criança possa construir seu desenvolvimento global

4.4 – A Psicomotricidade e a Linguagem A primeira forma de linguagem humana se baseia numa dialética oral-gestual;

inicialmente é corporal, gestual, mímico-emocional e tônico-projetiva para somente

depois de se organizar num conjunto consciente de sons, para poder se traduzir numa

conduta verbal ou não verbal. A linguagem articulada é resultado da associação verbal

e gestual que possibilita uma organização motora coordenada de sons e gestos.

Fonseca explica que “... o cérebro da palavra (córtex associativo) é o resultado de

transformações anatômicas que se processam por meio do bipedismo exclusivamente

humano, o qual levou à liberação da mão para o trabalho social que, por sua vez,

originou a necessidade de transmissão e comunicação, que se interelacionam na

linguagem” (Fonseca, 1996, p. 356).

A linguagem é uma operação mental que surge como uma ação externa,

realizada com objetos concretos, é primeiro uma operação motora e somente depois se

torna uma operação conscientizada e integrada. A conduta verbal é uma harmonia de

Page 86: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

85

gesto e de palavra. A linguagem articulada transforma um som ainda não organizado e

eventual num som consciente e intencional que assume um significado intelectual. A

significação intelectual da palavra recebe influência da atividade simbólica resultante de

operações psicomotoras que mobilizam o campo manual ou reproduzem uma abstração

das coordenações manuais. A palavra tem relação com a vivência corporal do indivíduo

que a utiliza.

Vygotsky destaca a importância ao significado da palavra. Para ele, o significado,

além de ser componente essencial da palavra, é um ato de pensamento. É no

significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. É o

significado que possibilita a comunicação, e que se define um modo de organizar o real

de forma a classificar os objetos num determinado conjunto ou grupo, ou seja, fazer

generalizações ou conceitos. Também no significado é que se encontra a unidade das

funções básicas da linguagem: o intercâmbio social e o pensamento generalizante. O

autor considera as generalizações e os conceitos atos de pensamento e, portanto, o

significado pode ser visto como um fenômeno do pensamento. O individuo constrói os

significados por meio das relações com o mundo físico e social ao longo da história dos

homens (Oliveira, 1992).

Os significados não são estáticos no desenvolvimento de uma língua; uma

palavra nasce para designar um determinado conceito e vai sofrendo modificações,

refinamento ou acréscimos, conforme a cultura do grupo social. De acordo com

Vygotsky as transformações dos significados também ocorrem no processo de

aquisição da linguagem pela criança da mesma forma que ocorre na história de uma

língua. A criança amplia e adapta seus significados a partir do contato com pessoas

mais experientes do grupo social que a pertence. A partir das experiências pessoais,

nas fases iniciais da aquisição da linguagem, vai ampliando seu vocabulário e,

conseqüentemente, os conhecimentos sobre o mundo em que vive. Ao ingressar na

escola, a criança passa a transformar seus significados não mais a partir de suas

experiências pessoais, mas através da intervenção do educador (Oliveira, 1992).

O sentido da palavra liga seu significado (objetivo) ao uso da língua e aos

motivos afetivos e pessoais de quem a utiliza. A utilização da linguagem como

instrumento de pensamento supõe um processo de internalização da linguagem. Para

Page 87: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

86

que essa internalização ocorra, é necessário que a criança faça um percurso que vai da

atividade social, interpsíquica, para a atividade individualizada, intrapsíquica. Primeiro a

criança utiliza a fala socializada como meio para comunicar-se, para depois, utilizá-la

como forma de adaptação pessoal.

Vygotsky destaca a fala egocêntrica, discurso interior, como sendo um fenômeno

relevante para a compreensão da transição entre o discurso interior e o socializado.

Para o autor a trajetória da criança parte dos processos internos e, a partir do momento

que ela toma posse da linguagem, passa a ser capaz de utilizá-la como instrumento do

pensamento. Torna-se necessário distinguir os dois planos da fala: o interior que se

refere à semântica e significativa e o exterior que é o fonético, embora formem uma

unidade, ambos têm as suas próprias leis de movimento (ibid.).

Neste ponto Piaget diverge de Vygotsky, pois considera que a fala egocêntrica

seria uma transição entre estados mentais individuais, não verbais de um lado e, do

outro, o discurso socializado e o pensamento lógico. Para Piaget essa trajetória é de

dentro para fora, enquanto Vygotsky considera o percurso de fora para dentro do

indivíduo. Esses dois teóricos ainda divergem em seu entendimento das relações entre

desenvolvimento e aprendizado humano. Vygotsky afirma que se não fosse o contato

do indivíduo com um determinado ambiente cultural, o desenvolvimento não ocorreria.

Piaget afirma que o desenvolvimento progressivo das estruturas intelectuais, ou

estágios do pensamento, que torna o indivíduo capaz de aprender (Taille, 1992).

O ser humano apresenta três sistemas verbais: auditivo: a palavra falada, visual:

a palavra lida e a escrita. O primeiro que ele adquiriu foi o auditivo por ser mais fácil de

aprender e o que exige menos maturidade psiconeurológica. O mesmo não ocorre com

a palavra lida e escrita. A aprendizagem da fala, como já vimos, requer uma linguagem

interna que permite adquirir o significado das palavras e transformar a experiência em

símbolos verbais. A recepção antecede a expressão, ou seja, a compreensão antecede

a expressão no que diz respeito à palavra falada; em termos de sistema visual, significa

que a leitura antecede a escrita.

O preparo para iniciar a leitura e a escrita depende de uma complexa integração

dos processos neurológicos e de uma harmoniosa evolução de habilidades básicas

como percepção, esquema corporal, lateralidade orientação espacial e temporal,

Page 88: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

87

coordenação visuomotora, ritmo, análise e síntese visual e auditiva, memória

cinestésica, linguagem oral. Antes de se iniciar o aprendizado da leitura e da escrita, é

necessário auxiliar a criança a “... utilizar a linguagem mais rica e correta possível” (Le

Boulch, 1987, p. 31).

A escrita é um meio de comunicação e de expressão pessoal, apóia-se num

código gráfico a partir do qual devem ser encontrados os sons portadores de sentido;

exige o desempenho de dois sistemas simbólico: o sonoro e o gráfico. Para a

constituição do código gráfico e sua decifração se faz necessário a atuação de funções

psicomotoras. A escrita é constituída de uma atividade psicomotora muito complexa, na

qual participam os aspectos da maturação do sistema nervoso, expressado pelo

conjunto de atividades motoras; pelo desenvolvimento psicomotor geral, especialmente

no que se refere à tonicidade e coordenação dos movimentos e pelo desenvolvimento

da motricidade fina, ao nível dos dedos e da mão.

O aprendizado da escrita, do ponto de vista da linguagem, implica para a criança

uma reformulação de sua linguagem falada com o propósito de ser lida. Esse

aprendizado, como modalidade da linguagem expressiva, requer da criança não só que

tenha alcançado um determinado desenvolvimento da linguagem e do pensamento,

como também tenha desenvolvido sua afetividade.

Para escrever, a criança necessita de sua mão, de sua orientação espacial

(lateralidade), de um ritmo motor (relaxamento-contração), de sua postura (eixo

postural) e de seu reconhecimento no referido ato (função imaginária). Uma graduação

progressiva de atividades envolve desde a coordenação motora global, o equilíbrio, a

relaxação, a dissociação de movimentos, o esquema corporal, lateralização,

estruturação espacial até a motricidade fina.

Le Boulch afirma que o domínio da linguagem escrita é submetido a um conjunto

de condições (Le Boulch, 1987):

1 – Domínio da linguagem – no plano sintático e no plano da pronúncia de diferentes

fonemas. A criança ingressa na escola já com um vocabulário que supõe certa

orientação no espaço e no tempo.

2 – A familiarização global com o código gráfico – Apenas com o decorrer do tempo é

que a criança descobre a existência de um segundo sistema simbólico feito não mais

Page 89: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

88

de sons, mas de sinais gráficos. Ela descobre que cada elemento do real pode ser

simbolizado tanto no modo sonoro como por um código gráfico.

3 – Condições psicomotoras - essas condições dependem de um certo nível de

desenvolvimento psicoafetivo e funcional. É fundamental que a criança experimente

atividades de expressão e de jogos espontâneos, atividades de coordenação global

para que ocorra a consolidação da dominância lateral e sua conscientização que

termina na lateralização direita-esquerda. Essa dominância é importante para

desenvolver diferentes habilidades, inclusive as de leitura.

A coordenação motora global ativa vários grupos musculares amplos, enquanto a

coordenação motora fina envolve habilidades manuais, como a preensão, que são

essenciais para o desenvolvimento do grafismo e da escrita. A falta de habilidade

rítmica pode gerar uma leitura lentificada, silabada e com pontuação e entonação

inadequadas.

Ajuriaguerra afirma que a atividade de escrever “... implica a imitação de um

movimento com direção definida (de esquerda à direita), a cópia de formas com uma

certa orientação e o desdobramento do movimento no espaço de representação”. Além

disso, a criança, no plano espaço-temporal, deve ser capaz de compreender o código

que permite passar da sucessão temporal antes e depois para a transposição gráfica

esquerda-direita. O ritmo traduz uma organização dos fenômenos sucessivos, tanto no

plano da motricidade quanto no plano da percepção dos sons emitidos no curso da

linguagem. Podemos então, vincular a percepção temporal à percepção dos sons

sucessivos da linguagem (apud Le Boulch, 1987).

A escrita é uma linguagem e requer que a pessoa consiga conservar a idéia que

tem em mente, ordenando numa determinada seqüência, a relação. Escrever significa

relacionar o signo verbal a um signo gráfico, planejando e esquematizando a colocação

correta de palavras ou idéias no papel. O mecanismo e a expressão do conteúdo

ideativo são aspectos do ato de escrever. A evolução do grafismo ocorre num ritmo

pessoal, com um sentido que lhe é próprio. Entretanto, características comuns

aparecem nas representações gráficas de todas as crianças, dando origem a diversas

classificações, por diferentes autores, dos estágios de desenvolvimento gráfico (ibid.).

Page 90: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

89

A leitura é um processo de compreensão abrangente que envolve aspectos

sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos; é a correspondência

entre sons e os sinais gráficos através da decodificação e compreensão do conceito ou

idéia. Não é um comportamento natural, mas adquirido em longo prazo e em certas

circunstâncias da vida que pode determinar o sucesso ou fracasso na aprendizagem

(Alves,2008).

O processo da aquisição da leitura envolve: a identificação de símbolos

impressos através dos órgãos visuais que recebem estímulos e os transmitem através

do nervo ótico aos centros visuais do cérebro; a relação entre os símbolos gráficos com

os sons que eles representam, onde a criança reconhece visualmente um símbolo

gráfico e seu correspondente sonoro; a compreensão e análise crítica do que foi lido, a

criança reconhece os símbolos gráficos, compreende seu significado, julga e assimila

os fatos de acordo com sua vivência.

A educação psicomotora desempenha papel fundamental na aquisição da leitura.

A boa visualização e a fixação das formas e, principalmente, a possibilidade de

respeitar sua sucessão impõe o domínio, pelo menos implícito, de uma orientação fixa,

da qual depende a ordem temporal tanto na decifração como da reprodução. Problemas

de orientação são muitas vezes, causa de dificuldades no aprendizado da leitura. Esses

problemas nem sempre se referem a apenas a função perceptiva, mas surgem de uma

dificuldade muito mais profunda que atinge a organização do corpo. “A dificuldade de

orientação e o problema de leitura não passam de dois sintomas ligados à mesma

causa: a dislateralidade” (Le Boulch, 1987, p. 33).

Para que a criança possa ler um texto é necessária uma sucessão de

movimentos oculares ritmados, orientados da esquerda para a direita. A organização

dessa motricidade ocular é muito precoce. A visão, o tato, a audição, o olfato e o

paladar são referenciais elementares na aquisição dos símbolos gráficos, pois essa

leitura sensorial tem início muito cedo na vida do indivíduo. O processo de leitura tem

início quando o ser humano ainda é um bebê e continua essa leitura por toda a vida.

Quando se fala em aprendizagem, necessariamente é preciso falar em

movimento, motricidade, conhecimento e todos os tópicos da Psicomotricidade. Quando

se fala em Psicomotricidade, a primeira reflexão centra-se na motricidade do ser

Page 91: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

90

humano e as implicações com seu corpo. O homem é um ser que age, pensa, sente e

se expressa através do movimento. O movimento é o principal elemento no crescimento

e no desenvolvimento da criança. Toda ação está pertinente a um movimento e todo

ato motor tem uma ação e um significado. Mas é necessário também que um estímulo

gere essa ação e, só por essa condição, coloque o ser humano sempre em relação a

algo. O movimento, segundo muitos autores, é visto como facilitador dos outros

desenvolvimentos, tais como o cognitivo, o afetivo, o social e o relacional. É nesse

ponto que a Psicomotricidade se posiciona. Bueno conceitua Psicomotricidade como

sendo uma ciência relativamente nova que, por ter o homem como objeto de estudo,

inclui outras áreas como: educacionais, pedagógicas e de saúde. Ela ocupa-se da

globalidade do indivíduo e estuda a implicação do corpo, a vivencia corporal, campo

semiótico das palavras e a interação entre os objetos e o meio para realizar uma

atividade (Marinho, 2005).

Relacionando-se Psicomotricidade com aprendizagem, pode-se dizer que as

habilidades e os conhecimentos são aprendidos, mas a duração e a natureza da

aprendizagem, bem como seu conteúdo, variam de acordo com a cultura e com o

desenvolvimento de certas competências e habilidades, que são de grande importância

para o desenvolvimento da criança. A Psicomotricidade utiliza o movimento para atingir

outras aquisições mais elaboradas, como as intelectuais. Assim ela ocupa um lugar de

destaque na educação, principalmente a infantil. A estruturação das bases

psicomotoras, principalmente a organização espaço-temporal e a aquisição da

lateralidade, tornou-se uma preocupação para o desenvolvimento e organização do

espaço gráfico e a prontidão para a leitura e escrita.

É a partir das experiências psicomotoras que a criança vai constituindo pouco a

pouco seu modo pessoal de ser, de sentir, de agir e de reagir diante dos outros e dos

objetos.

Page 92: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

91

CONCLUSÃO .

A Psicomotricidade favorece a aprendizagem quando reconhece que diferentes

fatores de ordem física, psíquica e social atuam em conjunto para que se dê a

aprendizagem.

O desenvolvimento psicomotor e a aprendizagem dependem das interações

entre o biológico e o social. A criança evolui de uma maturação emocional e motora a

uma maturação lingüística passando, depois, para a maturação cognitiva. Esse

desenvolvimento cognitivo é determinado pela história concreta da experiência

psicomotora que ela instituiu em um determinado contexto sociocultural. A evolução

psicomotora evolui paralelamente a evolução psicolingüística.

As condições de aprendizagem dependem de fatores sociais e psicológicos que

estão ligados à atividade bioquímica do cérebro, que justifica o desenvolvimento global

da criança. Os ambientes enriquecidos promovem uma estimulação mais significativa. A

criança deve ter a possibilidade de fazer experiências no ambiente, essas experiências

devem se iniciar com a sensação e ação, passar pela percepção, pela experiência, pela

memória, pela simbolização para chegar na conceitualização, o que exige, por si só, a

integridade do sistema nervoso periférico e central. Concretizando a oportunidades

sociodinâmica de aprendizagem.

O sucesso de uma criança na aprendizagem da leitura e da escrita depende do

seu amadurecimento fisiológico, neurológico, emocional, intelectual e social. Enquanto

a concepção de escrita deve ser entendida como uma representação simbólica de

sinais sonoros, que, por sua vez, já é uma simbolização do mundo; a leitura é uma

decodificação, ou seja, uma discriminação visual dos símbolos impressos e a

associação entre a palavra impressa e o som.

A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação básica para

a escola. A Escola deverá garantir meios que permitam que a criança possa viver e

utilizar seu corpo, que constitui o suporte de todo o processo reflexivo, que irá edificar

sua consciência. A educação psicomotora condiciona todas as aprendizagens e estas

não podem ser conduzidas a bom termo se a criança não tiver conseguido tomar

Page 93: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

92

consciência de seu corpo, de lateralidade, situar-se no espaço, dominar o tempo, se

não tiver adquirido habilidade suficiente e coordenação de seus gestos e movimentos.

Quando o educador conscientizar-se de que a educação pelo movimento é uma

peça mestra da área pedagógica, que permite à criança resolver mais facilmente os

problemas atuais de sua escolaridade e a prepara, por outro lado, para sua existência

futura de adulto, essa atividade não ficará mais para segundo plano, sobretudo porque

o educador constatará que esse material educativo não verbal, constituído pelo

movimento é, por vezes, um meio insubstituível para afirmar certas percepções,

desenvolver formas de atenção, pondo em jogo certos aspectos da inteligência.

A Psicomotricidade auxilia o educador através de seus mecanismos

intensificando de forma significativa o processo de aprendizado, concretizando-o de

forma mais abrangente e fazendo com que a criança ganhe uma maior consciência de

seu corpo e interação com o meio que a cerca.

Page 94: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

93

BIBLIOGRAFIA ALVAREZ, A. e LEMOS, Ivana de Carvalho. Os Neurobiomecanismos do Aprender: A Aplicação de Novos Conceitos no Dia-a-Dia Escolar e Terapêutico. Psicopedagogia, Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia, nº 71, pp181-189, 2006. ALVES, Fátima. Psicomotricidade: Corpo, Ação e Emoção. 4ª edição, Rio de Janeiro: Wak Editora, 2008. COSTA, Auredite Cardoso. Psicopedagogia & Psicomotricidade: Pontos de Intersecção nas dificuldades de aprendizagem. 5ª edição, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2007. DE MEUR, A. e STAES, L. Psicomotricidade: Educação e Reeducação. São Paulo: Editora Manoel, 1991. FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada: Abordagem Psicopedagógica Clinica da Criança e sua Família. 2ª reedição, Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1991. FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem. Porto Alegre: Editora Artmed, 2008. _________________. Manual de Observação Psicomotora: Significação Psiconeurológica dos Fatores Psicomotores. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1995. _________________. Psicomotricidade. 4ª edição, São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996. JOSÉ, Elisabete da Assunção e COELHO, Maria Teresa. Problemas de Aprendizagem. 12ª edição, São Paulo: Editora Ática, 2004. LE BOULCH, J. Educação Psicomotora: A Psicocinética na Idade Escolar. 2ª edição, Porto Alegre: Editora Artmed, 1987. _________________ . O Desenvolvimento Psicomotor do Nascimento até Seis Anos – A Psicocinética na Idade Pré-Escolar. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1986. LEVIN, Esteban. A Clínica Psicomotora. Petrópolis: Editora Vozes, 1995. MACEDO, Lino de. Contribuições da Psicologia aos Processos de Ensino e Aprendizagem. São Paulo: Editora Cortez, 1992.

Page 95: CRDA – CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE … · ritmo de desenvolvimento da criança e crie condições para seu progresso. Com base nos estudos de Piaget e Vygotsky estabelecemos

94

MARINHO, Helena e outros. Psicomotricidade e Suas Interações. Rio de Janeiro: Editora Atlântica, 2005. OLIVEIRA, Marta Khol. Vygotsky, Aprendizado e Desenvolvimento: Um Processo Histórico. Rio de Janeiro: Editora Papirus, 1992 OLIVEIRA, Vera Barros de e outros. Avaliação Psicopedagógica da Criança de Zero a Seis Anos. 8ª edição, Petrópolis: Editora Vozes, 1999. PAIN, Sara. Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. 4ª edição, Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1992. PULASKI, Mary Ann Spencer. Compreendendo Piaget: Uma Introdução ao Desenvolvimento Cognitivo da Criança. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1986. RUBINSTEIN, Edith Regina. O Estilo de Aprendizagem e a Queixa Escolar: Entre o Saber e o Conhecer. 1ª edição, São Paulo: Editora Casa do Psicólogo, 2003. SÁNCHEZ, Pilar Arnaiz e outros. A Psicomotricidade na Educação Infantil: Uma Prática Preventiva e Educativa. Porto Alegre: Editora Artmed, 2003. TAILLE, Yves de La. Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias Psicogenéticas em Discussão. São Paulo: Summus Editorial, 1992.

SITES CONSULTADOS - Site: ISPEGAE. Disponível em: < http: www.Ispegae-oipr.com.br >. Acessado em 23 de abril de 2009. -Site: Sociedade Brasileira de Psicomotricidade. Disponível em: < http: www.psicomotricidade.com.br/artigos-psicomotricidade_educação.htm>. Acessado em 23 de abril de 2009.