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Paloma Mendes SaldanhaAlexandre Freire Pimentel

Lúcio Grassi

PROCESSO E HERMNÊUTICA NO NOVO CPC: estudos em homenagem ao Professor Manoel Severo Neto

Recife, 2016

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CRÉDITOS

Editora: APPODI

Organização: Paloma Mendes Saldanha, Alexandre Freire Pimentel, Lúcio Grassi

Conselho editorial: Marcelo Labanca Correa de Araújo, Gustavo Ferreira Santos, Virgínia Colares Soares Figueiredo Alves

Design da capa: Ana Catarina Silva Lemos Paz

Composição do miolo: Ana Catarina Silva Lemos Paz

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APRESENTAÇÃO

Aos 18 e 19 de junho de 2015, a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) sediou o Themis 2015, I Congresso de Direito Processual Civil (“Processo, Hermenêutica e o novo CPC: homenagem ao Pro-fessor Manoel Severo Neto”). Além de marcar o primeiro decênio do Mestrado em Direito, a primeira edição do Themis visava prestar justa homenagem a um do sprincipais idealizadores do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unicap (PPGD-Unicap), o saudoso Prof. Manoel Severo Neto. Para quem nao sabe, a história do PPGD-Unicap se confunde, ao menos em parte, com a própria história do Professor Manoel Severo Neto; inclusive, o referido professor foi o primeiro coordenador do PPGD/Unicap.

Manoel Severo Neto, ou apenas Severo, como era ais conhecido entre os alunos, não tinha a Seve-ridade cujo nome poderia sugerir; a despeito do rigor que, eventualmente, poderia ser experimentado por jurisdicionados da justiça laboral de Alagoas, onde exercia a judicatura, e por mestrandos ou doutorandos na oportunidade da arguição de dissertações ou teses, agora na condição de professor examinador, é possível dizer que Severo, no sentido de Austeridade, não fazia jus ao nome.

Sem embargo, não sendo apropriado associar o noso Severo à Austeridade/Aspereza, decerto que o ri-gor se manisfestava em sua displina, na exatidão que marcava seu passo, por assim dizer; a mesma disciplina que lhe permitiu a aprovação em primeiro lugar no concurso à Magistratura Trabalhista; disciplina, rigor ou dedicação que lhe permitiu concluir seus estudos de doutorado, pulicar obras, tornar-se prfessor admirado, concorrer à formação de um programa de Pós-Graduação e, ademais, assumir a primeira coordenação. Por-tudo isso, uma homenagem ao professor Manoel Severo NEto teria de ser única, mas nao poderia ser a única.

Como dantes mencionado, a primeira edição do Congresso Themis foi realizada em 2015; a primei-ra, já que novas edições, em número indeterminado, darão continuidade à divulgação da Escola de Direito Processual Civil da Unicap. Nesse sentido, é possível dizer que a homenagem se renovará a cada edição, mantendo viva a memória de um de seus principais idealizadores. Mas isso também não bastava.

Sendo fruto de trabalhos apresentados nos dois dias de realização do Congresso, acrescida da contri-buição de professores e alunos do PPGD/Unicap, além de outros estudiosos do processo, a presenta obra co-roa a mais que merecida homenagem. De onde estiver, fica a certeza que Severo está orgulhoso; regozija-se, que não pela vaidade, senão pela conviccção da continuidade de seu trabalho.

Alexandre Freire Pimentel

Lúcio Grassi de Gouveia

Mateus Costa Pereira

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SUMÁRIO

REDUÇÃO DO PRAZO PARA CONTESTAR DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: A opção mais prudente em um sistema tão burocrático?

Alana Gemara Lopes Nunes Menezes 7

DA INFORMÁTICA À CIBERNÉTICA E À JURIMETRIA: ANÁLISE CRÍTICA DA TEORIA LÓGICO-MATEMÁTICO-PROCESSUAL DE LEE LOEVINGER

Alexandre Freire Pimentel 13

UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDENCIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E SUA RELAÇÃO COM O PENSAMENTO JURÍDICO TRADICIONALAlexandre Henrique Tavares Saldanha João Manoel Moury Fernandes de Barros Coelho 31

A TUTELA MONITÓRIA NO CPC/2015Antônio Carvalho 37

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO BRASIL: INTEGRAÇÃO E EFETIVIDADE NO PROCESSO, UMA OBRIGAÇÃO DE RESULTADO

Beatriz Costa Siqueira Hélio Sílvio Ourém Campos 68

O PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO E O ACESSO À JUSTIÇA NA CONTEMPORANEIDADEFernando Flávio Garcia da Rocha Paloma Mendes Saldanha 79

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E OS REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL: SOBRE AS INOVAÇÕES DO ARTIGO 319, §§ 1º AO 3º, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC/2015) À LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DO DIÁLOGO DAS FONTES.

Gonzalo Martin Salcedo 87

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TÍTULOS JUDICIAIS INVERTIDOS E FUNGIBILIDADE DINÂMICA NO NOVO CPCJosé Henrique Mouta Araújo 99

PROCESSO CIVIL COOPERATIVO E O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAISLúcio Grassi de Gouveia 109

A DICOTOMIA ENTRE O AMPLO ACESSO À JUSTIÇA E A ACESSIBILIDADE NO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICORenata Elis Pereira Tavares 132

PÉROLAS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVILRoberto Wanderley Nogueira 137

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONALRodrigo Medeiros Lócio 146

TUTELA ESPECÍFICA DE PRESTAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL:PECULIARIDADES TRADICIONAIS E INOVAÇÕES INSTRUMENTAIS NA BUSCA PELA EFETIVIDADE PROCESSUAL

Sergio Torres Teixeira 155

O NOVO CPC E OS REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIALVictor Meira Fortes 169

LIMITAÇÕES AO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL NO CAMPO DE VALIDADEVictor Rafael Alves de Mattos 174

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REDUÇÃO DO PRAZO PARA CONTESTAR DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC:

A OPÇÃO MAIS PRUDENTE EM UM SISTEMA TÃO BUROCRÁTICO?

Alana Gemara Lopes Nunes Menezes

Advogada - OAB/PE. Pós-Graduada em Direito Público e Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera (Uniderp). Mestranda pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).

SUMÁRIO: Introdução. 1.O interesse público e as prerrogativas processuais da Fazenda Pública. 2. Novos prazos para Fazenda Pública contestar e recorrer no novo cpc e os desafios para um sistema menos burocrático. 3. Considerações Finais. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Em um Estado Constitucional, onde a ordem e a unidade do direito processual civil estão assegura-das pela Constituição, se faz cada vez mais necessário um modelo de processo criado e efetivado nos moldes constitucionais, instrumento de realizações de direitos e garantias fundamentais, materializado por meio de técnicas processuais voltadas para a consecução de uma adequada, efetiva e célere tutela jurisdicional, representando um elemento primordial para a segurança jurídica, já que neste instrumento restam consa-grados princípios fundamentais do devido processo legal, ampla defesa, contraditório e razoável duração do processo, atuando como verdadeiro garantidor dos direitos dos cidadãos.

Dentre os declarados propósitos da comissão que elaborou o projeto do novo CPC, objetivos como es-tabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal, imprimindo maior grau de organicidade e coesão ao sistema, motivaram a realização dos trabalhos.

Na intenção de viabilizar o acesso à justiça, possibilitando uma maior efetividade e celeridade na pres-tação jurisdicional, o novo código de processo civil, fruto da proposta de Lei nº 166/10, trouxe uma série de mudanças à atual sistemática processual, respondendo a um anseio da sociedade que, há muito, mostrava-se insatisfeita com o serviço público de distribuição da justiça.

No que tange às modificações implementadas pelo novo diploma normativo, estão as que dizem res-peito às prerrogativas processuais conferidas à Fazenda Pública, onde inclui prazos diferenciados para esta recorrer e contestar, tendo como justificativa o fato de restarem envolvidos no litígio a proteção do interesse público e a tutela de direitos indisponíveis.

A partir da vigência do novo CPC coloca-se fim ao prazo em quádruplo que a fazenda dispunha para apresentar defesa, passando a vigorar que a União, Estados, Distrito Federal e o Município, assim como suas autarquias e fundações terão prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, independente se para recorrer ou contestar.

Apesar da adoção de tal medida apontar para a possibilidade de um processo mais célere, na prática, talvez, de imediato, não produza o efeito esperado. Isto porque dispomos de um sistema demasiadamente burocrático, onde a realidade das instituições reflete um quadro de morosidade que se estende, muitas vezes, desde o levantamento e entrega de informações até a decisão final, depois de passada por variados órgãos

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e instâncias, o que, muitas vezes, acaba por prejudicar a efetiva coleta de provas por parte dos advogados públicos, provas estas imprescindíveis à elaboração de uma defesa eficaz do ente político que representam.

Somado a isso está o expressivo excesso de demandas em que o poder público figura como parte, seja como autor ou como réu, resultando em um acúmulo de processos, agravado pelo insuficiente número de juízes e servidores. A lentidão do trâmite processual acaba por deixar uma sensação de ineficiência na pres-tação jurisdicional, refletindo o atual cenário de descrédito da sociedade nas instituições e poderes públicos.

A questão que se levanta é que, apesar da nobre intenção de se tentar conferir uma maior rapidez ao tramite processual e consequentemente à prestação da tutela jurisdicional a partir da redução do prazo de defesa para a Fazenda Pública, a verdade é que, possivelmente, em curto prazo, não se verificará um grande aumento na celeridade ou na diminuição do número de demandas, apenas com esta medida, sem que outras de cunho auxiliar precisem ser adotadas, isto porque a engrenagem da máquina pública é resultado de uma complexa soma de esforços onde diversos fatores se inter-relacionam e se influenciam.

As mudanças trazidas com o novo CPC irão exigir dos aplicadores do direito, uma mudança na pró-pria metodologia de atuação do processo, implicando uma transformação de cunho cultural, uma mudança de mentalidade, condizente com a proposta de um novo processo civil, que seja reflexo de um verdadeiro Estado Democrático de Direito e que represente um instrumento idôneo para a efetiva tutela dos direitos.

2. O INTERESSE PÚBLICO E AS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA

Na sistemática do atual Código de Processo Civil, há regras especiais destinadas à Fazenda Pública, dentre as quais destacam-se as que trazem prerrogativas de prazos diferenciados para que esta possa recor-rer e contestar no processo, demonstrando que a Fazenda Pública se encontra em uma situação diferente daqueles particulares que com ela litigam no processo.

Neste tratamento diferenciado restaria consolidado o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular e ainda que a Carta Maior não tenha trazido expressamente norma referendando tal prin-cípio, esta consolidação, segundo Cunha, decorreria “de uma ideia antiga e praticamente universal, segundo a qual se deve conferir prevalência ao coletivo em detrimento do individual” (CUNHA, 2013, p. 32).

Em que pese opiniões em contrário, para a maioria da doutrina, o fato da Fazenda Pública tutelar o interesse público já justificaria sua condição diferenciada perante as demais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

Cunha lembra-nos que a existência de tais prerrogativas, muito se deve ao fato do atual CPC, editado em 1973, ter sido fruto de um momento histórico bem diferente do atual, onde o poder público não dispunha para sua defesa de advogados públicos, já que nessa época, cabia ao Ministério Público a representação destes em juízo, prova disso é o artigo 188 do atual código, que dispõe prazo em quádruplo para o Ministério Público contestar a ação (CUNHA, 2013).

Aliado a isso estaria ainda o fato de que, à época da edição do atual CPC, a estrutura dos entes públicos era precária, havia uma deficiência de cunho pessoal e também estrutural. Hoje, apesar de uma melhora em tais aspectos, já que o ente tem sua representação feita pelos advogados públicos, reconhecidos pela Constituição e estruturados em carreira, a situação quando analisada sob o ponto de vista qualitativo, demonstra que não se tem muito a comemorar. O insuficiente número de profissionais, assoberbados com um volume sempre maior de processos sob sua responsabilidade, fruto, dentre outras coisas, da multiplicação de demandas coletivas, ainda continua a justificar a diferença de tratamento dos prazos processuais dada à Fazenda Pública com relação aos particulares.

Importante se faz esclarecer que o fato do termo Fazenda Pública representar a atuação do Estado em juízo, seu sentido mais amplo irá abarcar as pessoas jurídicas de direito público, ou seja: União, Estados, Municípios (incluindo cada um dos poderes constituintes desses entes, ou seja: Executivo, legislativo e ju-

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diciário), assim como suas autarquias ou fundações públicas, excluídas do conceito, as empresas públicas e sociedades de economia mista por serem pessoas jurídicas de direito privado (SOARES, 2013).

O atual Código de Processo Civil traz em seu artigo 188 prazos direcionados à Fazenda Pública, es-tabelecendo a possibilidade de que esta, valendo-se de 30 dias para recorrer e 60 dias para contestar, possa ser tempestivamente representada em juízo: “Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público” (BRASIL, 1973).

A regra aplica-se a qualquer procedimento, seja ordinário, sumario, especial, assim como também se aplica ao processo cautelar e ao de execução (exceto embargos do devedor), excluindo-se apenas os proce-dimentos dos juizados especiais federais e nas situações que há regra específica fixando um prazo próprio. Nesses casos, correrá para a Fazenda um prazo simples, não dispondo de prazo em dobro para recorrer e quádruplo para contestar a ação.

A Fazenda também se submeterá a prazo simples, nos casos em que for propor ação rescisória ou for apresentar contrarrazões do recurso, ou seja, situações em que não se trata nem de recurso, nem de contes-tação ou resposta.

Não é demais lembrar que essa prerrogativa conferida à Fazenda não está presente apenas quando esta atua como parte, mas também, quando atue como interveniente, como terceiro ou assistente de uma das partes.

Nesse sentido, a doutrina de Cunha:

A Fazenda Pública desfruta da prerrogativa prevista no artigo 188 do CPC não somente quando atua como parte, mas também quando comparece em juízo como assistente de uma das partes ou, ainda, quando figura como ter-ceiro. Embora o artigo 188 do CPC confira prazos diferenciados quando a Fazenda Pública se apresentar em juízo como parte, a regra também se aplica quando ela atuar como assistente de uma das partes. O que importa, para a aplicação do dispositivo, é que a Fazenda Pública conteste ou recorra, seja na condição de parte, de interveniente, de terceiro ou de assistente (CUNHA, 2013, p. 42).

3. NOVOS PRAZOS PARA FAZENDA PÚBLICA CONTESTAR E RECORRER NO NOVO CPC E OS DESAFIOS PARA UM SISTEMA MENOS BUROCRÁTICO

O Novo Código de Processo Civil, fruto do Projeto de Lei nº 166 de 2010, surge com a prerrogativa de ser o primeiro Código de Processo Civil brasileiro elaborado, discutido e aprovado sob a égide de um regime democrático e vem a partir do seu corpo de normas, propor o desafio de incorporar os fundamentos de uma democracia, contribuindo para uma prestação jurisdicional mais célere, mais isonômica, onde se garanta o amplo direito de defesa do cidadão, a partir de um contraditório forte, privilegiando o diálogo e o consenso como forma de resolver litígios (ROCHA, 2005).

Há muito tempo se debatia, tanto no campo doutrinário, como por aqueles que militam na realidade dos fóruns, a necessidade de um novo modelo de processo, como instrumento democrático de transformação social e de justiça, onde pudesse se extirpar o excesso de formalismos em detrimento da efetivação de direitos e de garantias ao cidadão.

A sociedade também revelava seu grau de insatisfação com a atual sistemática processual e com o serviço público de distribuição de justiça, reforçando a real necessidade de que novas diretrizes processuais fossem criadas, tendo como referencial e limites, o modelo constitucional.

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Ressaltando a importância de se seguir o molde constitucional para a construção de um novo modelo de processo e consequentemente uma sociedade mais justa, lembra-nos que:

As Constituições modernas, ao instituírem direitos fundamentais, reconhe-cem a supercomplexidade da sociedade e assimilam o pluralismo jurídico. Fornecem categorias críticas para a compreensão da sociedade, o que evita a propagação de concepções totalitárias e, por isso, inadequadas à complexi-dade social contemporânea. Com isso, é possível responder às exigências do livre desenvolvimento da pessoa humana, reduzir os excluídos da justiça e construir uma sociedade mais solidária (CAMBI, 2011, p. 27).

Nesse sentido, ressalta-se a importância de um Código de Processo Civil que reproduza e densifique o modelo de processo civil proposto pela Constituição. Isto por, segundo ele, o Estado Constitucional “se singu-lariza pelo seu dever de promover adequada tutela aos direitos mediante sua própria atuação” (MARINONI, 2010, p. 51).

Dentre as várias modificações adotadas pelo novo CPC, interessa particularmente a este trabalho, as que tratam das novas prerrogativas processuais da Fazenda Pública, incluindo novos prazos para contestar e para recorrer.

Preceitua a nova legislação que a Fazenda Pública terá prazo em dobro para todas as suas manifes-tações processuais, demonstrando que houve redução em termos de extensão de prazo, mas em relação aos tipos processuais houve, na verdade, uma ampliação, já que o prazo em dobro irá abranger todas as manifes-tações processuais, significando que ao apresentar ação rescisória, contrarrazões, a Fazenda também poderá gozar dessa prerrogativa.

Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas res-pectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal (BRASIL, 2015).

Além disso, a forma de contagem dos prazos sofrerá modificações, pois o novo dispositivo de lei dispõe que quando a contagem do prazo se der em dias, previsto na lei ou fixado pelo juiz, “computar-se-ão somente os úteis”: “Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis” (BRASIL, 2015).

Faz-se importante ressaltar que em razão dessa nova forma de contagem de prazos, talvez, na prati-ca, o prazo para a Fazenda Pública contestar, acabe não ficando muito aquém do prazo no atual CPC, onde a Fazenda dispunha de 60 dias, haja vista o fato de não entrarem na contagem os fins de semana e feriados. Lógico que, em termos práticos, ocorrerá uma redução, mas espera-se que no quantum final, não ocorra prejuízo à qualidade das defesas dos advogados públicos em sua missão de representar o interesse público e a coletividade.

O que se questiona é se tais modificações serão suficientes para imprimir a necessária celeridade ao processo, já que não se pode esquecer que estamos inseridos em um sistema e em uma cultura onde a bu-rocracia encontra-se arraigada, enraizando seus múltiplos e nefastos efeitos, gerando modelos de comporta-mento que em nada contribuem para a celeridade de qualquer tipo de procedimento, seja ele administrativo, judicial ou privado.

Sabe-se que em consonância com uma sociedade moderna e globalizada, a eficiência no setor público apresenta-se como um dos principais objetivos a se perseguir, consequência da nova tendência mundial em atender os interesses coletivos de forma célere e com resultados efetivos. Por outro lado, a burocracia apre-senta-se como um dos maiores entraves na busca por essa eficiência. O que se ver, seja no âmbito jurídico

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ou administrativo, é uma prática acompanhada de um excesso de formalismos, onde um grande número de papeis se multiplica e se avolumam, obstruindo a possibilidade de decisões rápidas e eficientes.

Nesse sentido, chama-se a atenção para o fato de, hoje, a burocracia representar a maior mazela do nosso sistema e que a tendência é que nos burocratizemos ainda mais, haja vista o fato de que, cada vez com mais frequência, precisamos nos cercar de “garantias” quanto ao outro, exatamente por carecermos de boa-fé quanto à conduta do outro, já partindo da desconfiança e por isso precisaremos cada vez mais de certidões e mais certidões (WAMBIER, 2014).

Aliado a essa realidade, estaria a deficitária estrutura da máquina administrativa e judiciária, onde o insuficiente número de servidores e de juízes, agravado pela demanda cada vez maior de processos, resultam em uma prestação jurisdicional lenta e deficiente, refletindo a atual crise de legitimidade dos poderes e das instituições brasileiras (VASCONCELOS; ROVER, 2015).

Diante de uma justiça tão morosa, surge a necessidade de se imprimir uma nova dinâmica, ajustando-se a uma exigência de um novo tipo de Estado, um modelo calcado no planejamento, que desenvolva e execute suas funções de forma eficaz e com mais efetividade, comprometido com a busca por resultados rápidos e satisfatórios. É inserido nesse contexto que surge uma nova proposta de processo, como um instru-mento apto a proclamar a celeridade e efetivação de direitos, em que se cultue a liberdade e a participação em prol de um procedimento justo. Esse, sem dúvida, revela-se um grande desafio a se alcançar.

O Estado de Direito clama por isonomia e segurança jurídica, esta última vista também sob o ponto de vista da previsibilidade, já que não há como se imprimir segurança nem certeza, em um sistema onde si-tuações semelhantes são tratadas de maneiras diversas e a decisão no processo passa a ser vista apenas como uma questão de sorte ou azar, comparando a justiça a um estabelecimento lotérico (BUENO, 2014).

Na prática, medidas como a redução dos prazos para a Fazenda contestar e recorrer, só irão trazer os efeitos esperados e a celeridade prometida, a partir da adoção conjunta de outras medidas, que associadas às modificações legais, poderão a longo prazo trazer, efetivamente, mudanças significativas no contexto do processo. O que se deve ter em mente é que, além de uma reforma na própria legislação processual, faz-se necessário também uma modernização da infraestrutura da máquina administrativa e judiciária, isto inclui, desde a capacitação de magistrados, até a adoção de uma cultura de desburocratização dentro das institui-ções e no próprio poder público, visando satisfazer, minimizar ou atenuar a demanda pública de forma mais eficiente possível.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Código Processual Civil brasileiro traz em seu corpo normativo dispositivos relacionados às pessoas jurídicas de direito público. Dentre as normas inseridas neste diploma legislativo, estão aquelas que conferem prerrogativas para a Fazenda Pública em juízo.

A expressão Fazenda Pública, que em um sentido mais amplo, representa a atuação do Estado em Ju-ízo é utilizada para designar pessoas jurídicas de direito público que figurem em ações judiciais, onde estaria envolvida a proteção do interesse público, estando a Fazenda a zelar por direitos indisponíveis, justificando, por isso, o tratamento diferenciado a que estaria submetida.

No CPC vigente, a Fazenda Pública goza de prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para apre-sentar contestação, permanecendo o prazo simples para ação rescisória e para contrarrazões. No novo Códi-go de Processo Civil, fruto da proposta de lei 166 e que foi sancionado em março de 2015, que terá vigência passado um ano da vacatio legis, foram mantidas as prerrogativas processuais conferidas à Fazenda, com a diferença de que agora ela terá prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, prazo esse que passa a ser contado considerando apenas os dias úteis e não mais dias corridos como no diploma processual anterior.

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As mudanças trazidas com o novo código objetivam uma melhoria da celeridade na prestação juris-dicional, tentando resgatar uma credibilidade do processo que há muito foi abalada, haja vista o fato de este instrumento ter estado, cada vez mais, associado à ideia de injustiça, morosidade e desrespeito a direitos fundamentais, gerando um descrédito por parte da sociedade. O novo CPC vem cheio de desafios, sem dú-vida um diploma legal moderno, conectado com as rápidas e constantes mudanças ocorridas na sociedade, possibilitando um processo mais dinâmico, mais cooperativo, participativo, que privilegia a conciliação e de-sestimula o litígio.

Ocorre que, apesar de todas as mudanças propostas, talvez os resultados demorem a aparecer, isto porque os problemas do sistema processual não podem ser combatidos apenas por meio de normas isoladas, já que questões de ordem estrutural, como burocracia das instituições, insuficiência de juízes e servidores, falta de gestão dos processos etc., permeiam a realidade dos fóruns, exigindo um esforço conjunto de todos os segmentos da sociedade, incluindo particulares e setores públicos.

A redução dos prazos para a Fazenda apresentar resposta e recorrer no novo CPC vem com o intuito de atribuir celeridade ao processo, mas vista de maneira isolada, não trará grandes mudanças. A adoção de medidas complementares, como o esforço de tornar o sistema menos burocrático, estarão aptas a facilitar o acesso à justiça e possibilitar que o processo civil realmente venha a constitucionalizar-se, tornando-se, as-sim, verdadeiramente, um instrumento isonômico, mais eficiente e efetivo e justo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em: 19 jul. 2015.

______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 16 jul. 2015.

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1.

CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A fazenda pública em juízo. São Paulo: Dialética, 2013.

MARINONI, Luiz Guilherme. O projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

ROCHA, Délio José. Prerrogativas da fazenda pública em juízo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005.

SOARES, Leonardo Oliveira. Fazenda pública no projeto de CPC: prerrogativas ou privilégios? Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3684, 2 de agosto de 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos>. Acesso em: 10 jun. 2015.

VASCONCELOS, Marcos de; ROVER, Tadeu. Juízes pedem veto a artigo que traz regras para funda-mentar decisões. Consultor Jurídico, mar. 2015. Disponível em <http://www. conjur.com.br/2015-mar-04/juizes-pedem-veto-artigo-cpc-exige-fundamentacao>. Acesso em: 10 jun. 2015.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Inovações na contagem de prazos no projeto do novo CPC. JusBrasil, 2014. Disponível em: <http://luizrodrigueswambier.jusbrasil.com.br/artigos/121943 493/inovacoes-na-con-tagem-de-prazos-no-projeto-do-novo-cpc>. Acesso em 10 jun. 2015.

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DA INFORMÁTICA À CIBERNÉTICA E À JURIMETRIA:

ANÁLISE CRÍTICA DA TEORIA LÓGICO-MATEMÁTICO-PROCESSUAL DE LEE LOEVINGER

Alexandre Freire Pimentel

Pós-doutorado (Universidade de Salamanca - Espanha), Doutor e Mestre (FDR-UFPE), Professor da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e do PPGD da Universidade Católica de Pernambuco. Ex-Promotor de Justiça. Advogado. Juiz de Direito Titular da 29ª Vara Cível do Recife – TJPE. Membro da ANNEP (Associação Norte-Nordeste de Direito Processual Civil) e da ABDPRO (Associação Brasileira de Direito Processual). Diretor da EJE (Escola Judicial do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco).

SUMÁRIO: 1. A informática: em sentido amplo, restrito e próprio. 2. A informática jurídica: de gestão (ofimática); de registros (documental); de decisão (metadocumental); de ajuda à decisão. 3. Inteli-gência artificial e os sistemas expertos. 4. Direito informático ou direito eletrônico? 5. A juridicidade do direito informático e o seu objeto. 6. Internacionalização, uniformização e o problema da restrição temática do direito informático. 7. A cibernética: o conceito wieneriano e suas demais vertentes. 8. O pioneirismo da aplicação da cibernética ao direito: a cibernética de Wiener e a jurimetria de Loevinger. 9. Jurimetria, matematização do direito e o controle estatístico da atividade processual. Referências.

1. A INFORMÁTICA: EM SENTIDO AMPLO, RESTRITO E PRÓPRIO

A expressão ‘informática’ decorre da junção das palavras “informação” e “automática”, atribuída, com certa imprecisão, a Philippe Dreyfus, pois há quem impute sua autoria a Karkevitch e a Dorfman.1 Já para Birrien ‘informática’ resultou da união de informação e eletrônica, que também ocorrera na França. Como esta expressão (informática) não era conhecida na língua inglesa, os britânicos adotaram a dicção: “Data-processing” para designar o fenômeno da informação automática, sendo mais tarde substituída por “Computer Science”.2 Não se deve, porém, confundir os conceitos de informática com o de ciência da computação, isto, segundo Charles Berthet e Wladimir Mercouroff, corresponderia a confundir a guerra com

1 GARCIA, Dinio Santis. Introdução à informática jurídica. São Paulo, USP -Universidade de São Paulo, 1976, p. 198. Atribuindo a Dreyfus a autoria da expressão, encontramos FROSINI, Vittorio. Cibernetica, diritto e società. 4. ed. Milão: Edizione de Cumu-nità, 1978, p. 175.

2 LANCHARRO, E. Alcalde & FERNANDEZ, Salvador Peñuelas & LOPEZ Miguel Garcia. Informática básica. São Paulo, Markron Books, traduzido por Sérgio Molina. 1996, p. 05. Como tivemos oportunidade de demonstrar em nossa dissertação de mestrado, a informática fora concebida, a princípio, em duas diferentes acepções: na primeira, o russo Mikhailov a definiu como: “a disciplina científica que investiga a estrutura e as propriedades (mas não o conteúdo concreto) das informações científicas, bem como as regularidades da informação científica, sua teoria, história, metodologia e organização. O objetivo da informática consiste em desenvolver métodos e meios ótimos de apresentação (registro), coleção, processamento analítico - sintético, armazenagem, re-cuperação e disseminação da informação científica; na segunda, Francis Scheid, vislumbrou a informática num sentido estrito, correspondente à “computer science”, abrangendo a utilização de aparelhos computacionais para processamento de dados”. PI-MENTEL, Alexandre Freire. O direito cibernético: um enfoque teórico e lógico-aplicativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 30-35. No mesmo sentido, vide: SCHEID, ap. GARCIA, Dinio de Santis, op. cit. p. 198.

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a balística. Uma coisa é a máquina computacional em si mesma, outra é a destinação de seu uso através de uma análise dos problemas a serem resolvidos.1

Em 1980 um Decreto editado na França conceituou a informática como “A ciência do tratamento racional, notadamente por máquinas automáticas, da informação considerada como suporte dos conheci-mentos humanos e das comunicações nos domínios técnico, econômico e social”.2 Este conceito acrescenta ao de Dreyfus a exigência do tratamento automático da informação, isto é, mediante máquinas automáticas, aspecto não enfocado anteriormente. No mesmo sentido Losano aproxima sua definição de informática da “informatio retrieval”: técnica americana que objetiva a recuperação de dados não-numéricos através do computador, bem como o estudo de métodos de elaboração eletrônica aplicados ao material documental.3

Disto pode-se concluir que num sentido amplo a informática designa uma técnica de tratamento da informação prescindindo-se do computador. Todavia, o seu sentido próprio e atual não mais se compatibi-liza com o anterior porque não mais dispensa a intervenção do computador, e, mais que isso: também não prescinde da interligação de computadores em rede telemática. É inconcebível falar-se de informática em era de revolução tecnológica dissociando-a do tratamento eletrônico da informação, mesmo sem deixar de correlacioná-la com alguma técnica documentária.4 A informática em sentido próprio, portanto, representa um ponto de intersecção entre a definição restrita que a adstringe exclusivamente ao computador eletrônico, e a ampla que a entende como uma disciplina científica que estuda a estrutura e as propriedades – mas não o conteúdo concreto – das informações científicas, cuidando de suas leis, sua teoria, sua história e organização, tal como definira o Manual Russo Osnovy Informatik.5

A informática em sentido próprio surge como ponto de intersecção entre esses dois conjuntos, como já dito. Ora, sendo o primeiro conjunto o da informática concebida como documentação geral (em sentido amplo) e o segundo como processamento eletrônico (em sentido restrito), a informática em sentido pró-prio corresponde à parte comum aos dois. Assim, ocupa-se e estuda apenas o processamento eletrônico da informação na medida em que esteja correlacionado com determinado tipo de técnica documentária. Atu-almente, praticamente todos convergem nessa mesma direção tanto russos quanto americanos. Mas, Aires Rover acrescenta um aspecto que também não pode ser dissociado da informática jurídica: sua característica interdisciplinar e, sobretudo, sua contribuição metodológica para o direito enquanto práxis e academia.6

Pois bem, quando aplicada ao direito, a informática logra a complementação de “jurídica”, esta, a seu turno, irá constituir parte integrante do direito informático ou eletrônico, o qual se ocupa das repercussões teóricas decorrentes deste fenômeno, sendo, por sua vez, abrangido pelo direito cibernético cujo espectro envolve-lhe. Vejamos primeiramente o que se deve entender por informática jurídica.

1 BERTHET e MERCOUROFF, ap. GARCIA, Dinio de Santis, op. cit. p. 199.

2 O texto original tem a seguinte redação: “La science du traitement rational, notamment par machines automatiques, de l’in-formation considereé comme suport des connaissances humaines et des communications dans le domaines téchnique, économique et social”. BAPTISTA, Luiz Olavo. Direito e informática. Reflexão sobre novas fronteiras. Revista de Direito Público, São Paulo, 1986, p. 159.

3 GARCIA, Dinio Santis, op. cit. p. 200.

4 LOSANO. Informática jurídica. São Paulo: Saraiva, traduzido por Giacomina Faldini, 1976, p. 220.

5 Idem.

6 Segundo o autor, a informática jurídica deve ser “... vista não como uma disciplina em particular, mas interdisciplinar, teria como missão precípua a discussão do uso da informática no Direito, e nesse sentido, a discussão do próprio Sistema Jurídico em termos de apresentação de metodologias apropriadas para a implementação de sistemas inteligentes no domínio jurídico. Dessa forma, para fazer Informática Jurídica, cuja base é prática, é importante também conhecer as teorias do Direito. Além disso, a In-formática Jurídica possui um compromisso todo especial com a atividade do ensino, definindo o papel fundamental da informática como ferramenta de trabalho que, no mínimo, complementa o conteúdo das aulas. Valoriza-se o conhecimento e agrega-se tempo precioso ao processo, o que resulta em profissionais mais completos e satisfeitos.” ROVER, Aires J. Sistemas especialistas legais: uma solução inteligente para o direito. ROVER, Aires José. (org). Direito, sociedade e informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Boiteux, 2000, p. 210.

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2. A INFORMÁTICA JURÍDICA: DE GESTÃO (OFIMÁTICA); DE REGISTROS (DOCUMENTAL); DE DECISÃO (METADOCUMENTAL); DE AJUDA À DECISÃO

A informática jurídica é uma disciplina bifronte na qual se entrecruzam uma metodologia tecnológica com seu objeto jurídico, que, por sua vez, condiciona as próprias possibilidades ou modalidades da aplicação dos recursos tecnológicos ao direito. A aplicação da informática geral ao fenômeno jurídico tem sempre por objeto de estudo o emprego dos computadores eletrônicos ou das técnicas computacionais ao direito unido aos pressupostos e consequências dessa utilização, podendo ser entendida em dois diferentes sentidos. No âmbito do primeiro, nos Estados Unidos, privilegiou-se o estudo automático das sentenças, assemelhando-se a computer science, já que objetivou a automação da administração pública e de procedimentos regulados pelo direito. Na Europa priorizou-se a documentação jurídica, incluindo-se leis, sentenças e doutrina. Neste sentido a informática jurídica tem por objeto a criação de dados jurídicos.7

A classificação da informática jurídica varia conforme o ponto de vista pessoal dos juristas. Consi-derando as várias espécies existentes, propomos em nossa dissertação de mestrado sua ordenação em infor-mática jurídica: de gestão ou operacional; de registros ou documental; de decisão ou metadocumental; e de ajuda à decisão.8

A informática jurídica de gestão compreende o estudo da mecânica, do funcionamento das re-partições, escritórios e gabinetes jurídicos, tendo por fim a aplicação dos princípios informáticos a toda e qualquer atividade jurídica de trabalho físico-material.9 Assim considerada, a informática jurídica logrou um desenvolvimento mais decidido nos últimos anos, recebendo também a denominação de ofimática ou burótica, o que consistiu numa tentativa de traduzir a expressão inglesa “Office Automation”. Sob esses rótulos abarcam-se todos os avanços tendentes à automação das tarefas rotineiras da vida prática do direito verificadas em qualquer ambiente jurídico como: tribunais, juízos, escritórios de advocacia, etc. Visa a rea-lizar, através de suportes informáticos ou telemáticos, operações destinadas a receber e transmitir qualquer tipo de comunicação: leitura e escritos de textos jurídicos; formação, organização e atualização de arquivos e registros; exigir e receber pagamentos, etc.10

Os avanços da Ofimática - informática jurídica de gestão – permitiram, quanto ao gerenciamento da justiça e também de escritórios de advocacia, uma automação de todas as operações que obedecem a determinadas normas rotineiras, regulares e constantes, na forma de redação, contabilidade, comunicação e certificação, visando a uma uniformização e também a uma celeridade nos despachos e decisões judiciais. Isto significa um ganho de tempo e o excedente pode ser empregado numa atividade jurídica criadora, ou que exija a iniciativa pessoal, ou ainda naqueles processos que para serem decididos exigem um estudo mais aprofundado.11

A informática jurídica de registros ou documental ocupa-se com todos os tipos de registros, sejam eles públicos ou privados, visando a facilitar aos diferentes usuários o acesso de todos os registros ofi-ciais com muito mais rapidez e facilidade que os meios tradicionais facultavam. São exemplos: os registros de apenados, atos de última vontade, registro civil, registro da propriedade imobiliária, intelectual, etc. Permite ainda a facilitação de trabalhos complementares como registro de dados estatísticos, eliminação de documen-tos escritos, dentre outros.12

Perez Luño, contudo, oferece-nos outra conceituação mais abrangente segundo a qual a informática jurídica documental seria a ambiência da informática jurídica cujo objeto constitui-se na automação dos sistemas de informação correlacionados com as fontes do conhecimento jurídico: legislação, jurisprudência

7 Este aspecto da Informática jurídica fora aventado por LUÑO. Manual de informática y derecho. Madrid: Ariel, 1996, p. 22.

8 PIMENTEL, Alexandre Freire. O direito cibernético: um enfoque teórico e lógico-aplicativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

9 AZPILCUETA, op. cit. p. 53-54.

10 LUÑO. Manual de informática y derecho, p. 23.

11 Ibidem, p. 23.

12 AZPILCUETA, Hermílio Tomás. Derecho informático. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1987, p. 54.

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e doutrina. Trata-se de poderoso instrumento mitigador do problema da inflação normativa, que se consti-tui numa das características das sociedades tecnologicamente avançadas. É que o fluxo incessante de leis e decisões judiciais, cujo conhecimento é imprescindível para o jurista, sobretudo quando o problema for o da interpretação e aplicação do direito vigente, resta deveras dificultado pela excessiva produção legislativa e por decisões judiciais controvertidas. O excesso de informação jurídica importa em falta de transparência ao sistema normativo, pressuposto básico da certeza do direito, tornando o direito positivo inacessível para os próprios especialistas. Essa crise da informação e documentação nas sociedades modernas somente po-derá ser combatida com o emprego da tecnologia informática e dos sistemas de telecomunicação. Só assim o profissional do direito poderá restabelecer o equilíbrio entre o incessante fluxo de dados jurídicos e sua capacidade de assimilá-los e aproveitá-los.13

A informática jurídica de decisão consiste na aplicação do método informático ao direito com o fim de obtenção de decisões judiciais pelo próprio computador. É considerada pela doutrina como a mais pro-blemática subespécie da informática jurídica, deve, pois, ser bem compreendida para que não se pense que representa uma proposta de automatismo cibernético das decisões judiciais. Visa, na verdade, a estabelecer determinadas pautas em hipóteses cujo trabalho intelectual é substituído por um labor repetitivo e rotineiro, facilitando a redação de modelos de decisões para o bem do funcionamento da máquina judicial.14 Com efei-to, existem inúmeros casos práticos cujas decisões judiciais são de tal forma tão simplificadas que modelos de sentenças e de despachos são necessários, não apenas para facilitar o trabalho do juiz, mas principalmente para que se possa com mais rapidez e segurança prestar a tutela jurisdicional a bem do jurisdicionado e da sociedade como um todo. Porém, diante da nova regra instituída no art. 489, § 1º, do CPC-2015 a utilização de decisões padronizadas haverá de agregar a motivação específica para cada causa e enfrentar todos os ar-gumentos deduzidos no processo pelas partes, sob pena de nulidade.15

A informática jurídica de decisão é também denominada de informática jurídica metadocumental, vez que é integrada pelos procedimentos dirigidos à substituição ou reprodução das atividades do jurista, mais precisamente dos magistrados, auxiliando-lhes e oferecendo-lhes soluções práticas dos problemas jurídicos e não apenas dedicando-se a uma mera documentação informatizada. Hodiernamente uma das questões de maior expoente da informática jurídica de decisão ou metadocumental reside no uso da “inteligência artifi-cial” na aplicação do direito, cuja amplitude abrange desde a compreensão de linguagens naturais até sons e imagens pelos computadores mais modernos, constituindo-se num instrumento habilitado para soerguer as profecias típicas da primeira fase da informática jurídica.

Tem-se ainda a informática jurídica de ajuda à decisão que é baseada no princípio de que o computador deve facilitar a informação adequada ao jurista, ajudando-o a decidir. Pressupõe o tratamento e a recuperação da informação jurídica através dos computadores nos tradicionais campos da jurisprudência e legislação.16

Todas as atividades, trabalhos e distintas aplicações da “máquina computacional” à experiência jurídica em suas múltiplas manifestações como memorização e tratamento de informações, geram efeitos

13 LUÑO. Manual de informática y derecho, p. 22-23.

14 AZPILCUETA, Derecho informático, p. 55 e 56.

15 Nesse sentido, dispõe o art. 489, § 1º, do CPC-2015: § 1º “Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar prece-dente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”. BRASIL, CPC-2015.

16 AZPLICUETA, op. cit. p. 56.Mas apesar dessa classificação Mario Saquel, por exemplo, considera a Informática jurídica de ajuda à decisão, como sinônimo da Informática jurídica documental: “Informática jurídica de ayuda a la decisión o Informática jurídica documental, trata el procesamiento de la información jurídica, es decir, legislación, doctrina y jurisprudencia, en soportes computacionales, para su posterior recuperación. Se denomina de ayuda a la decisión, porque sólo sobre la base de una adecuada información, el profesional del Derecho podrá optar válidamente entre las distintas alternativas que un problema jurídico le plantee”. SAQUEL, Mario. Ciên-cia da informação, Home Page: http://www.chilepac.net/msaquel/2htm.

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e relações jurídicas que em seu conjunto constituem-se no objeto do que se assentou nominar de direito informático, da mesma forma que o transporte das informações representa outro aspecto, cujas manifes-tações conformam o que alguns denominam de direito telemático. Já nos filiamos aos que entendem que a transposição da informação jurídica deve ser considerada também como objeto do direito informático, não havendo razão, dizíamos, para subdividi-lo em duas disciplinas distintas. Mas o progresso da telematização e sua inegável presença no cotidiano ocorrida nesses últimos cinco anos, exigem agora uma nova reflexão. Pois bem, admitindo que a telematização tende a crescer cada vez mais, apesar de nos parecer melhor continuar a designar o fenômeno em pauta sob a rubrica de um só saber, cremos que ela deve sofrer alteração. Para deixar mais bem realçado o aspecto do teletransporte cibernético da informação jurídica passamos a adotar a nomenclatura: direito “teleinformático”, porque aí estarão abrangidos tanto o transporte quanto o trata-mento localizado da informação, bem como a jurisdicização daí proveniente, pois dificilmente poder-se-á nos dias atuais pensar num processamento de informações jurídicas que não tenha uma finalidade, ainda que mediata, de teletransportação. Enfim, deve-se sublinhar que o âmbito do direito teleinformático decorre e, ao mesmo tempo, restringe-se exatamente à regulação legal e doutrinária da aplicação do computador ao direito e do transporte da informação jurídica.

Vejamos agora a possibilidade de máquinas computacionais processarem informações jurídicas auto-nomamente, através de uma inteligência própria: a inteligência artificial.

3. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E OS SISTEMAS EXPERTOS

A inteligência artificial pode ser representada pelo conjunto de atividades informáticas que, se re-alizadas pelo homem, seriam consideradas produto de sua inteligência.17 Mas entre inteligência artificial e informática pode-se observar uma distinção pela diferenciada maneira de resolução de problemas entre uma a outra. Na IA os problemas são descritos de modo incompleto, resistem a uma especificação posto que se quedam em ambiente dinâmico dificultando uma aproximação modular e suas soluções, as quais, em vez de corretas, são ditas adequadas. Isto significa que os sistemas de IA não são concebidos da mesma forma que acontece com a engenharia da programação informática tradicional.18

Através da inteligência artificial foram concebidos os denominados sistemas “expertos”, que incor-poram de maneira prática e eficiente o conhecimento que um especialista – um expert - possui sobre deter-minada matéria. Num encontro sobre informática e tribunais realizado em Lisboa pela Fundação Calouste Gulbenkian em 22 e 23 de maio de 1991, os sistemas jurídicos expertos foram conceituados por Gerard Losson como uma aplicação da inteligência artificial no domínio do direito, que naquela época (1991) eram ‘propriedade’ dos institutos universitários e dos estabelecimentos de pesquisa. Hoje, há mais de uma década, existem no Brasil alguns desses sistemas já em operação efetiva no âmbito do judiciário, como, por exemplo, o de propriedade do Desembargador do Espírito Santo Pedro Valls Feu Rosa, que decide lides adstritas à

17 Vejamos o conceito de Luño: “...alude al conjunto de actividades informáticas que si fueran realizadas por el hombre se con-siderarían producto de su inteligencia. La propia amplitud de estas operaciones que abarcan desde la comprensión de lenguajes naturales, el reconocimiento de imágenes o sonidos, hasta una amplia y diversa gama de juegos y simulaciones, han determinado una necesidad de acotar y delimitar su ámbito”. LUÑO, em Manual de informática y derecho, p. 24. Em Helder Coelho encontra-mos a definição dada por Allen Newell em 1977: “Conhecimento – teoria, dados, avaliações – que descreve os meios para alcançar uma classe de fins desejados, dadas certas estruturas e situações. A ciência vai além da situação de sua geração, e torna-se uma fonte conhecimento para os futuros cientistas e tecnólogos – investimento em vez de consumo”. NEWELL, ap. COELHO, Helder. Inteligência artificial em 25 lições. Lisboa: Caloustre Gulbenkian, 1995, p. 20-21.

18 Idem, p. 20-21, onde o autor acrescenta que: “As metodologias que têm sido avançadas, desde os anos 70, para facilitar e acelerar o seu desenvolvimento e a sua construção são incrementais e exploratórias, isto é, obtém-se um sistema final após ter sido projectada uma sucessão de protótipos”.

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responsabilização civil em juizados especiais cíveis. Na área penal há um programa desenvolvido em Santa Catarina pelo professor Aires Rover.19 São hoje, pois, mais do que mero deleite acadêmico.20

Na verdade estes programas reproduzem a atuação prevista pelo especialista que o projetou ou co-laborou com o analista de sistemas no seu projeto. Na área jurídica inúmeros programas, além dos acima citados, estão sendo projetados, dentre eles, existem os que tratam de liquidações tributárias, cálculos de indenizações por acidente de trabalho, etc. Apesar de tudo isto, de a máquina poder processar inferências lógicas, não pode, doutro turno, compreender a multiplicidade de circunstâncias ocorridas nas condutas hu-manas. Atualmente a colocação correta do problema consiste não em questionar se a máquina computacio-nal poderá, ou não, tomar decisões jurídicas e, mais propriamente falando, decisões judiciais sem o auxílio do jurista. Considerando que tudo pode ser algoritmizado, o problema recai sobre uma questão de ordem ética, podendo ser representada pela seguinte indagação: desejamos, ou não, que isso ocorra? E neste particular achamos que a tecnologia deve apenas auxiliar o magistrado, não devendo ser permitida a delegação da fun-ção de decidir a uma máquina.

Assim deve ser posta a questão porque atualmente isto já é plenamente possível, mormente, quando uma nova concepção de inteligência computacional já em uso, denominada de redes neurais ou redes neuronais, aproxima ainda mais o raciocínio do computador ao do homem, conferindo-lhe capacidade de efetuar inferências lógicas com uma margem de erro reduzidíssima, semelhante à humana. Isto quer dizer que um computador inteligente é capaz de admitir a verdade ou falsidade de uma proposição, ainda que não a conheça diretamente, em virtude de sua ligação com outras proposições já admitidas como verdadeiras ou falsas. Nada obstante isto, pregam os juristas, no que concordamos, que a fase decisiva do processo continue em poder do juiz-homem, restando à inteligência artificial a função de assessoramento. É certo, porém, que quem assessora ‘decide’ previamente “ad-referendum” da autoridade assessorada.

Mas aproximar o raciocínio do computador ao do homem não significa dizer que ambos sejam idênti-cos, são apenas ‘aproximados’, pois os atuais modelos matemáticos representativos do sistema nervoso cen-tral humano mais servem para possibilitar especulações acerca das funções humanas sensoriais, como, por exemplo, visão, tato e audição, que replicar o raciocínio do homem.21 A teoria quantitativa da infalibilidade computacional desenvolvida por Gödel e Church demonstra, ao menos até o momento, a impossibilidade de sistemas programados poderem responder a classes distintas de questões gerais em todas as hipóteses.22

Este problema relaciona-se diretamente com a possibilidade de os computadores serem capazes de aprender e decidir autonomamente. Quanto a isto nos últimos anos houve uma grande e diversificada inten-sidade nos debates sobre os limites da IA. Estes limites não se resumem à questão da aplicação da lógica e de suas possibilidades lingüísticas, ou mesmo à indagação de Dreyfus no sentido de saber se os computadores ou outras máquinas poderão ‘pensar’, questão que volveu à tona com a publicação de um livro de Penrose em 1989.23 O que logra maior importância é o fato de ser a IA descritiva ou normativa. Pois bem, para sabermos requer-se uma investigação de duas principais teses: de um lado tem-se a tese hard, a defender que a IA faz

19 ROVER, a propósito, define a AI, através de Minsky, como “A ciência de construção de máquinas que fazem coisas que reque-reriam inteligência, caso fossem feitas por homens... é o estudo que busca simular processos inteligentes ou processos de aprendi-zagem em máquinas ou que tenta fazer com que computadores realizem tarefas em que, no momento, as pessoas são melhores. Isso inclui tarefas como se comportar como especialista, entender e falar linguagem natural, reconhecer padrões como a escrita”. ROVER, Aires José. Informática no direito - Inteligência artificial. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2001, p. 63.

20 A visão de Gerard Losson em 1991, era a seguinte: a despeito deste tema assinalou: “Les systèmes experts juridiques (qui re-présent une application de l’intelligence artificialle au domaine du droit) n’en sont encore qu’à leurs débuts. Ils sont pour l’instant plus ou moins l’apanage des instituts universitaires et des établissements de recherche. Néanmoins, certains produits, assez rares il est vrai, portant sur des points de droit très précis, existent déjà sur le marché”. LOSSON, Gerard. Evolution de l’informatique juridique dans la communaute europenne. Documentação e direito comparado, nº 47, p. 127-181.

21 A este respeito a Universidade Católica de Pernambuco financia projeto de pesquisa no qual um professor de física está a desenvolver um “nariz” artificial.

22 A este respeito Helder Coelho inscreveu: “O resultado original destes dois investigadores lógicos, mais qualitativo do que quantitativo, conduz à declaração de insolubilidade: ‘não pode existir um programa de computador Princípio capaz de examinar qualquer outro programa Q e determinar correctamente, num tempo finito, se Q continuará sempre a ser executado ou se parará eventualmente’”. COELHO, Helder, op. cit. p. 449.

23 COELHO, Helder, op. cit. p. 452.

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uso de métodos de resolução de problemas próprios dos humanos, isto é, tem por meta atingir um estágio no qual seja possível uma máquina replicar os processos mentais de raciocínio do homem; de outro, queda-se a tese soft, a qual pugna que a IA deve não se ocupar da maneira pela qual os humanos realmente pensam, mas, ao contrário, deve cingir-se ao problema de como os humanos ‘devem’ pensar, seu objetivo consiste em reproduzir uma mera simulação do processo mental humano.24

A intersecção destas duas teses resultou na teoria concludente de que a IA ‘relaciona-se’ com o modo de pensar dos humanos, ou, mais propriamente falando, com as arquiteturas subjacentes nos processos men-tais e computacionais. Não é novidade a afirmação de que a mente humana possui uma arquitetura e que sob a inteligência há uma estrutura de controle mental. Para que uma máquina possa replicar o pensamento humano integralmente é preciso ser capaz de executar um raciocínio envolvedor da linguagem nos níveis: sintático, semântico e pragmático. Se se restringir à sintaxe, por exemplo, restará limitada a tão somente um aspecto do modo operacional mental humano, pois a plenitude da cognição e da comunicação exige o domí-nio: do conteúdo, da informação e da crença. Disso se conclui que um raciocínio computacional desprovido do aspecto semântico não atingirá um resultado interpretativo pleno. No atual contexto a tese hard da IA ga-nha novo ânimo decorrente da popularização das concepções conexionistas que superaram as programações computacionais simbólicas tradicionais.25 O resultado final, porém, ainda está por vir. Passemos, ao problema da jurisdicização da aplicação da tecnologia ao direito.

4. DIREITO INFORMÁTICO OU DIREITO ELETRÔNICO?

O direito decorrente da aplicação da informática e da telemática à experiência jurídica é uma disciplina já reconhecida em nações desenvolvidas, possuindo todas as características de um direito especializado e, ao mesmo tempo, interdisciplinar e universal. Especializado, porque seu objeto recai sobre a tecnologia informática englobando o tratamento da informação e da comunicação. Interdisciplinar, porque hodiernamente é difícil, quiçá impossível, imaginar um só ramo do direito que prescinda da informática. Universal, porque o transporte das informações ultrapassa os limites das fronteiras territoriais de um deter-minado Estado, encontrando-se presente em todos os países que fazem uso da tecnologia computacional.

Esta interdisciplinaridade do direito informático denota-lhe, ainda, uma outra característica: a da instrumentalidade, já que auxilia os demais ramos do direito em sua aplicação, visando à efetivação da aplicação da justiça empregando-lhes a nota da celeridade associada à necessária segurança que a concre-tização do direito exige, “serve para servir”. A sua inserção na ciência jurídica já foi objeto de estudo em vá-rios países, dentre os quais destacam-se: Holanda, Itália, Espanha, Alemanha, Áustria, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Luxemburgo, Noruega e Suécia, que o inserem na seara do direito público. Na França, essa conclusão levou em conta dois aspectos: primeiro, a essência, o caráter em si mesmo deste direito; segundo, o fim jurídico do objeto protegido.26

Luño, por seu turno, o considera possuidor de uma dicotomia capaz de permitir o seu enquadramen-to tanto como um ramo do direito público quanto do direito privado. Eis que sua problemática afeta a ambos, estando presente em normas de caráter constitucional e penal, por exemplo, ao estabelecer sanções para

24 Idem, p. 453.

25 Ibidem, p. 454. A propósito, explica Morin, que: “La cogitación (pensamiento), que emerge de las operaciones computantes de la máquina cerebral, retroactúa sobre estas computaciones, las utiliza, las desarrolla y las transforma formulándose en el lin-guage.” MORIN, Edgar. El método. El conocimiento del conocimiento. 6. ed. Madrid: Cátedra, 2009, p. 127.

26 Na Argentina, há ainda quem pretenda enquadrá-lo como um ramo do direito privado e, outros, no setor do direito admi-nistrativo, postura contraditada por Azpilcueta porque o direito informático unge-se de forma mais acentuada ao direito comum, estando presente em todos os demais ramos jurídicos: “... debemos lograr que en nuestro medio se produzca el reconocimiento del Derecho Argentino de la Informática puesto que en cada región, en cada país y en cada lugar en especial donde existen relaciones humanas por estos medios, el derecho se ve con modificaciones tan modernas que debe ser receptado, encuadrado, aclarados sus conceptos, determinados sus alcances y por qué no decirlo, ubicado en el derecho común y non en el derecho administrativo como en algunas manifestaciones que ya tenemos entre nosotros. Esto último, puesto que el tema ha sido contemplado única e exclusi-vamente en las relaciones entre estados nacionales y estados provinciales, entre organismos oficiales para los distintos medios de comunicación o transferencias de fondos o modos de actuar bancarios a los que se les ha impreso celeridad gracias a este nuevo medio informático y telemático”. AZPILCUETA, op. cit. p.33-34.

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prática de delitos informáticos, como também se faz sentir no direito civil, mormente quanto à regulamenta-ção dos efeitos irradiados pela celebração de contratos, etc.27

Parece-nos que o direito informático detém inegável caráter público, pois uma coisa é possibilidade de instrumentalização da vida privada como decorrência deste ramo do direito, outra, é óbvio, são os próprios negócios gerados e ocorridos com o auxílio da informática e da telemática. Aquela instrumentalização confe-re incontroversa faceta publicista ao direito informático, pois apesar de as partes serem livres para contratar – e a contratação enquanto regra insere-se no ramo do direito privado -, quando o instrumento para tanto uti-lizado for a informática e/ou a telemática, sua regulação ultrapassa as fronteiras dos interesses particulares. As regras reguladoras desse direito são inequivocamente pertencentes ao direito público. Para tomarmos esta posição partimos da constatação de que apesar de a subdivisão do direito em público e privado ser peculiar aos sistemas decorrentes do direito romano, no qual o Digesto chegou a mencioná-la, e mesmo consideran-do-se não ser admitida no direito inglês e nos sistemas dele derivados, nada obstante deve-se reconhecer que o Brasil, por inserir-se entre os países adotantes de uma ordem jurídica lastreada nos princípios romanistas, é plenamente factível falar-se nesta subpartição do direito. Depois, apesar do pouco interesse prático que esta discussão pode oferecer, considerando que se entende por direito privado o setor do direito objetivo que regulamenta as relações entre particulares nas quais não se presenteiam questões envolvendo o Estado ou a Administração Pública, considerando, que as regras jurídicas que tratam da aplicação da tecnologia ao direito envolvem diretamente o interesse estatal, tendo a Constituição Federal disciplinado no art. 5o a inviolabili-dade dos dados informáticos e telemáticos, considerando, enfim, que a doutrina sempre entendeu que as regras processuais e procedimentais têm nítido caráter público e que o aquilo que o direito informático visa é precisamente a instrumentalizar e procedimentalizar as relações jurídicas em geral, apresenta-se como mais adequada a solução que o enquadra no âmbito do direito público.

Quanto à discussão acerca de uma possível distinção entre o direito informático e o direito eletrônico, Almeida Filho, a propósito, considera que este último tem uma abrangência mais ampla do que o primeiro, porquanto a informática em si é espécie de um gênero mais abrangente, a eletrônica. Para o autor, direito eletrônico é “... o conjunto de normas e conceitos doutrinários destinados ao estudo e normatização de toda e qualquer relação em que a informática seja o fator primário, gerando direitos e deveres secundários”.28

Com efeito, o Brasil adotou a expressão “eletrônico” para designar o fenômeno da aplicação da infor-mática e da telemática ao direito processual, como se observa pelos arts. 193 a 199 do CPC-2015. No entan-to, é preciso sempre ter em mente que no direito comparado parece existir uma hegemonia preferencial pela expressão direito informático, na Alemanha, por exemplo, a expressão “Rechtsinformatik” foi cunhada desde o ano de 1970 por Wilhelm Steinmüller. Na Iberoamérica, temos a FIADI, que é a Federação Iberoameri-cana de Associações de “Direito e Informática”, a qual, perceba-se não se menciona “Direito e Eletrônica”. Essa observação demonstra que a expressão ‘direito da informática’ encontra-se sedimentada na doutrina, precisamente, para designar a regulamentação jurídica do fenômeno da aplicação da tecnologia (informá-tica, telemática e eletrônica) ao direito, sem que isso importe em imprecisão terminológica, na medida em que a praxe acadêmica assim preferiu. Nesse sentido, Ivanildo Figueiredo, em tese doutorado sobre o tema, assim esclarece que “o direito da informática vem se desenvolvendo e sendo impulsionado pelo contínuo crescimento das relações e atos eletrônicos, pelo que, mereceria, hoje, tratamento científico diferenciado, como disciplina jurídica autônoma. O direito aplicado às relações eletrônicas cabe ser definido, a partir de concepção mais ampla...”.29

27 LUÑO. Manual de informática y derecho, p. 20.

28 ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo. Direito eletrônico ou direito da informática? Belo Horizonte: Informática Pública, vol. 07, 2005, p. 15.

29 OLIVEIRA FILHO, Ivanildo Figueiredo Andrade. Segurança do documento eletrônico - Prova da declaração de vontade e validade das relações jurídicas na Internet. Tese de doutorado. Recife: FDR-UFPE, 2014, p. 14.

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5. A JURIDICIDADE DO DIREITO INFORMÁTICO E O SEU OBJETO

O direito informático é uma matéria inequivocamente jurídica delimitada pelo setor normativo dos sistemas jurídicos contemporâneos e integrado pelo conjunto de regras dirigidas à regulamentação de novas tecnologias da informação e da comunicação, abrangendo no seu contexto a informática, a telemática e a eletrônica, inserindo-se, todavia, num contexto teórico maior denominado de direito cibernético. Integram ainda o seu âmbito as decisões judiciais sobre matérias informáticas, bem como os raciocínios e proposições normativas dos teóricos do direito, visando a analisar, interpretar, expor, sistematizar ou criticar o setor normativo disciplinador da informática, telemática e da eletrônica.

No entanto, parcela da doutrina distingue entre direito informático e direito telemático como fe-nômenos inconfundíveis. O primeiro teria como objeto os aspectos jurídicos de memorização e tratamento de informações. O segundo destinar-se-ia a transportar as informações constituintes do objeto do direito informático, não se concebendo a telemática como um “subconjunto” seu, ou da informática em si mesma. O direito telemático, argumenta-se, possuiria objeto e elementos próprios, não abrangidos pela delimitação conceitual do direito informático, os quais oportunamente irão ensejar a criação de normas jurídicas próprias legitimadoras de sua autonomia. Seriam elementos constitutivos da relevância do direito da telemática: a re-alização de seminários e elaboração de leis específicas, relativas, exemplificativamente, à imposição de regras sobre a comunicação audiovisual e sua aplicação. Na Argentina, em 29 de julho do ano de 1982, foi editada uma lei que considerou relevantes os serviços telemáticos, instituindo regras pertinentes à sua prestação e pondo em funcionamento uma comissão consultiva com a incumbência de estudar questões jurídicas advin-das do desenvolvimento do uso da telemática.30

Mas, o que dissemos linhas acima sobre o direito eletrônico presta-se, igualmente, contra essa pre-tensa distinção. Apesar de a informática não se confundir com a telemática, inexiste óbice a impedir o trata-mento dos efeitos jurídicos decorrentes da aplicação dessas disciplinas sob uma única epígrafe. É preferível falar-se num só direito que fragmentar algo ainda incipiente. Deve-se precisar que a tecnologia dos compu-tadores aplicada ao direito, envolvendo o transporte da informação jurídica, mas prescindindo-se das teorias e sistemas cibernéticos, constitui-se no objeto do direito informático. O seu objeto imediato é a informação jurídica eletronicamente processada e transmitida e os seus objetos mediatos são a informática, a telemática e demais meios tecnológicos. A informação, por sua vez, constitui-se num bem imaterial. Trata-se de um produto prévio a todo processamento eletrônico e consequente transmissão. Pode ser secionada em duas etapas: na primeira, tem por escopo dar forma e significação a uma determinada mensagem; na segunda, sua finalidade é a de transmitir aquela notícia. Representa na verdade duas etapas de uma função única: a comunicação.31

Pode-se ainda distinguir: o objeto e o conteúdo da informação; o sujeito que a produz e o seu respec-tivo destinatário. No pertinente ao seu objeto, a informação é produzida por quem lhe dá forma ou expressão, podendo-se estabelecer entre o seu autor e ela mesma uma relação jurídica de possuidor e possessão, nos estritos termos do direito civil. Quando analisada em função de seus destinatários, a informação encontra sua razão de ser na comunicação, estabelecendo-se uma outra relação jurídica entre o emissor e o receptor das informações, projetando relevantes questões jurídicas, por exemplo: quem detém a condição dominan-te numa relação jurídica dessa espécie? Seria permitido a quem detivesse a informação retê-la em vez de comunicá-la? O destinatário da informação pode reclamá-la? Essas questões inserem-se na seara do direito público, que dão lugar a um direito à informação, e eventualmente pode entrar em conflito com o direito so-bre a informação. São exemplos de direito à informação: o fluxo interno e internacional de dados, a proteção de dados de caráter pessoal e das liberdades frente à informática. São espécies de direito sobre a informação: os problemas referentes à proteção intelectual dos inventores de software, assim como os contratos para a utilização dos computadores.32

30 AZPILCUETA, op. cit. p. 45.

31 LUÑO. Manual de informática y derecho, 1996, p. 19.

32 LUÑO, op. cit. 1996, p. 20.

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6. INTERNACIONALIZAÇÃO, UNIFORMIZAÇÃO E O PROBLEMA DA RESTRIÇÃO TEMÁTICA DO DIREITO INFORMÁTICO

A regulamentação legal da tecnologia deve obedecer a uma técnica legislativa de cláusulas ou prin-cípios gerais, ante a dinâmica desse fenômeno, de maneira a não necessitar ser alterada quando qualquer inovação venha a ocorrer. Deve-se ainda considerar que o desarrolho da tecnologia ultrapassa as fronteiras dos mais diversos países, o que acarreta a consequência de o direito informático dever ser concebido como um direito regido pelo princípio da mundialização, somente assim será capaz de poder ver aplicadas suas normas a todos os países do mundo. A Lei do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965-2014), a propósito, aga-salhou esse princípio em seu art. 2º, I, expressando que a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como o reconhecimento da escala mundial da rede. Essa homogeneidade, para ser posta em prática, visando a possibilitar a circulação internacional de dados pessoais, teve um importante marco em 28 de janeiro de 1981, quando a Convenção do Conselho da Europa, objetivando uniformizar as legislações de cada um dos Estados da Comunidade Europeia, fixou um esquema de diretiva legal inspiradora da elaboração das respectivas legislações internas.33

Uma proposta de uniformização do direito informático na América Latina, digna de registro, fora aventada por Gero Dolezalek para quem a informática jurídica e o direito romano são aliados, embora à primeira vista possa não parecer, no caminho da unificação do direito em nosso continente. Dolezalek acusa que os debates doutrinários, até então, apenas pugnavam por um projeto de documentação jurídica em âm-bito nacional, destacando Colômbia, Brasil e Argentina. A sua proposição consiste na criação de um sistema uniforme entre as nações, abrangendo todos os Estados da América Latina, com o escopo de documentar toda a literatura jurídica, bem como as decisões das cortes supremas e ainda a legislação de toda a região. A simples criação de um sistema uniforme, porém, não seria suficiente, sendo mister também integrá-lo aos sistemas nacionais prevendo-se ainda uma possível futura conexão com o sistema europeu de documentação jurídica.34

O fato de o direito informático constituir-se num direito interdisciplinar não significa que se traduza num amálgama de diversas e dispersas normas pertencentes a diferentes setores da ciência jurídica, é na verdade constituído por um conjunto unitário de regras tecnológicas especificamente dirigidas à regulação de um objeto bem delimitado e enfocado por uma metodologia própria. Este argumento é suficiente para contestar aqueles que insistem em incorporá-lo a determinados ramos do direito já existentes. Com assaz precisão escatológica, Luño profetiza que os juristas devem fazer um esforço para superar a tendência de pôr o vinho novo das questões que emergem das mudanças social e tecnológica em velhos odres conceituais e metódicos da dogmática jurídica tradicional. Esta maneira de pensar e de agir implica no risco de se operar com coordenadas metodológicas condenadas, adrede, pelas respectivas obsolescências acarretadas pela pres-são dos métodos informáticos.35

33 LOSANO. A informática jurídica vinte anos depois, p. 361.

34 DOLEZALEC, Gero. Informática jurídica y derecho romano para la unificación del derecho en Latinoamérica. São Paulo: Revista de Direito Civil, nº 27, p. 23-24. O autor argumenta que até o final do século XVIII existia na Europa uma cultura jurídica supranacional, baseada nos direitos: romano, germânico-medieval e canônico, modificada quando cada país passou aplicar exclusi-vamente o seu direito. A América Latina pertencia a este mundo homogêneo, por conseguinte todos os direitos dos países latino-a-mericanos emanam de uma raiz comum. Assim, o direito romano constitui um laço de unidade para latino-americanos num duplo sentido: primeiramente porque era a base principal do velho direito comum; depois, porque era o fundamento da jurisprudência sistemática – também chamada pandectista - do século XIX. Considerando isto, e sem pretender quebrar a autonomia dos sistemas jurídicos de cada país, é possível traçar um paralelo envolvendo o direito eletrônico com o direito comum, no qual aquele sistema (de direito eletrônico) estaria ao fundo da cena jurídica como estava o direito comum em comparação com o direito positivo de cada nação. A aceitação desta ideia – deveras pertinente, nos parece – pode acarretar o advento de uma nova espécie de direito comunitário: o direito comum eletrônico representado por regras juscibernéticas comunitárias gerais.

35 LUÑO. Manual de informática y derecho, 1996, p. 21. Em sua dicção: “ realizar un ezfuerzo para superar la tendencia congénita a escanciar el vino nuevo de las cuestiones que emergen del cambio social y tecnológico en los odres viejos conceptuales y metódicos de la dogmática jurídica tradicional. De no actuar así se corre el riesgo de operar desde coordenadas metodológicas condenadas ab initio a la obsolescencia. Se halla plena de razón la advertencia sobre: el carater obsoleto de reglas tradicionales que entran en desuso bajo la presión de la informática (Linant Belleffonds, 1983, 14)”.

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Um outro fator a ser também considerado para melhor fundamentar a autonomia do direito informá-tico é a existência de suas fontes legislativas, jurisprudenciais, doutrinárias e acadêmicas. Quanto à doutrina, é preciso que os juristas estejam atentos para a elaboração das leis que tratem da matéria, no sentido de fazer sempre uma análise crítica de eventuais imperfeições a fim de impedir que uma plêiade de disposições dispersas e heterogêneas obscureçam, irremediavelmente, a sua estrutura normativa.36 Até então os juristas informáticos – como são denominados aqueles que se enveredam por estas praias – não demonstraram a preocupação em sistematizar uma base principiológica para o direito da informática e da telemática.

É imprescindível esclarecer-se que o direito informático se restringe a regulamentar a aplicação da tecnologia ao direito, mas não abrange o fenômeno da aplicação da cibernética à experiência jurídica em toda sua plenitude, pois prescinde de abordagens filosófico-cibernéticas, a exemplo da teoria dos sistemas, indispensáveis para a conformação de uma completa visão do problema jurídico e de seu tratamento pela tec-nologia. O direito informático, pois, atrai para si uma delimitação conceitual restritiva do fenômeno justecno-lógico. Assim, uma proposta de pesquisa objetivante de uma proposição de cientificidade como decorrência da aplicação da tecnologia ao direito, não pode deixar de abordar o fenômeno cibernético em sua inteireza. Pelo que, passaremos agora a tratar da cibernética e suas vertentes.

7. A CIBERNÉTICA: O CONCEITO WIENERIANO E SUAS DEMAIS VERTENTES

A cibernética é considerada como a segunda revolução industrial, podendo ser comparada com a primeira quanto aos seguintes aspectos: na antecedente, apesar de as máquinas a vapor e os motores de combustão interna terem possibilitado a substituição de inúmeros trabalhos físicos realizados até então pelo homem, exclusivamente, este, ainda estava obrigado a efetuar todas as funções de controle de funciona-mento daquelas máquinas; na segunda, tornou-se viável que tal trabalho de controle funcional de máquinas fosse realizado por outras máquinas: computadores eletrônicos. Pode-se dizer que a revolução da cibernética assinala o fim de um grande ciclo cultural, e neste sentido Perez Luño chega a estabelecer uma correlação analógica entre a “segunda revolução industrial” e a do “Neolítico”: o descobrimento da agricultura e a do-mesticação dos animais, eis que nesta era o homem passara a utilizar esses seres em seu proveito próprio, num labor que, assim como o controle do funcionamento das máquinas a vapor, era exclusivamente seu.37

Wiener, criador da cibernética, a define como “the entire field of control and communicatio theory, whether in the machine or in the animal” ou seja: a teoria do controle e da comunicação, no animal e na máquina.38 Antônio de S. Limongi França emprega-lhe a seguinte definição: “é a ciência da comunicação e do controle nos seres vivos e nas máquinas”.39 Esta definição, que repete a de Wiener, tem a vantagem decor-rente de sua amplitude conceitual englobar outras noções mais limitadas, além de proporcionar uma consi-deração mais aprofundada dos aspectos filosóficos da cibernética.40 Para Louiz Couffignal “a cibernética é a arte de tornar a ação eficaz”. Tal definição não se choca com a de Wiener, antes, com ela se harmoniza, pois embute a idéia de que uma ação só será eficaz se for bem direcionada. Esta noção de direção está relaciona-da com a de controle propugnada por Wiener, ou seja, com o controle mantenedor da ação em seu caminho correto para se alcançar a eficácia desejada. A este tipo de controle Stafford Beer dá o nome de homeostato, porque tenciona conservar determinada variável dentro das balizas ambicionadas. Para Beer a cibernética é uma ciência que busca uma teoria geral do controle passível de aplicação às mais variadas searas comporta-mentais. Este raciocínio denota que a cibernética tem por principal atividade a eficácia dos meios de controle

36 Idem, p. 22.

37 Para Luño:“es con la revolución del Neolítico como se origina la civilización agraria y cobra empuje la Historia según la co-nocemos. Este proceso resulta muy útil para comprender y valorar el nuevo y grandioso salto que supone la civilización cibernética: la actitud frente a la Naturaleza acusa una mutación más; de una especie de religioso respeto sa ha pasado a una intervención cada vez activa, el ambiente en derredor nuestro se transforma sin pausa por obra de las incessantes conquistas y aplicaciones de la moderna tecnología sustentada en el progreso de la ciencia. Ante estos acontecimientos, es fácil señalar la analogía de este giro histórico con la revolución del Neolítico, como fin de un gran ciclo cultural, representado por la llamada civilización agraria en las regiones mediterráneas hace unos diez mil años.” LUÑO. Cibernética, informática y derecho, un análisis metodológico, p. 20.

38 WIENER, op. cit. p. 94.

39 FRANÇA, Antônio de S. Limongi. Cibernética jurídica, in : Revista de Direito Civil, nº 37, p. 119.

40 LUÑO. Cibernética, informática y derecho, un análisis metodológico, p. 17.

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de vários sistemas, como, exemplificativamente, o funcionamento do cérebro, o comando de uma aeronave, uma empresa, um órgão público, ou o controle de um sistema jurídico. 41

Atribuindo-lhe a nota de uma ciência essencialmente funcional e comportamental, Ross Ashby en-tende que a cibernética não objetiva abordar pessoas ou objetos, mas modos comportamentais. Intenta saber o que as coisas fazem e não o que são. Já Gordon Pask, em “Approach to Cybernetics”, afirma que Stafford Beer “vê a Cibernética como a ciência do controle apropriado de uma estrutura tratada como um todo orgâ-nico”, a exemplo da gestão de uma empresa, etc. Para este autor as definições de Beer e a de Ashby não são incompatíveis e ambas incluem-se na de Wiener.42

Outros autores também procuram definir a cibernética enfatizando aspectos ínsitos na definição de Wiener, vejamos: Wolfgang Wieser procura realçar o controle, ao conceituar a cibernética como “a ciência dos mecanismos de comando”; Helmar Frank, centraliza seu enfoque na comunicação definindo a ciber-nética como “a teoria ou técnica das mensagens e dos sistemas de processamento das mensagens”; H. J. Fle-chtner salienta a importância dos sistemas quando conceitua a cibernética como “a ciência geral e formal da estrutura, das relações e do comportamento dos sistemas dinâmicos”; Ross Ashby, ao aceitar expressamente a definição de Wiener, como visto, acrescenta que “a Cibernética também pode ser conceituada como o estudo dos sistemas abertos à energia, mas fechados no que respeita à informação e ao controle”.43

Do estudo comparativo das várias definições sobre a cibernética observa-se que todas partem da pre-missa criada por Wiener e todas nela se enquadram. Santis Garcia, por exemplo, tenta reformular o conceito wieneriano afirmando que a cibernética tenciona controlar a comunicação nos seres vivos, na sociedade e nas máquinas. No entanto, registra que a definição de Wiener merece a preferência geral por abranger toda a seara cibernética sem se fixar em quaisquer de seus aspectos setoriais.44 No mesmo sentido Limongi França também reconhece que todas as demais definições sobre a cibernética partem invariavelmente das ideias de Wiener.45

Norbert Wiener, em Cibernética e Sociedade - O Uso Humano de Seres Humanos - no capítulo II “A cibernética na história”, resume seu objeto de estudo à observação comparada do funcionamento físico do ser humano com o de algumas máquinas no tocante à comunicação, para concluir que ambos são análogos na atividade de controlar a entropia, através da realimentação.46 Tanto homem quanto máquina possuem instrumentos para reunir e ajuntar informações com o mínimo dispêndio possível de energia para sua utili-zação prática. Em ambos este desempenho torna-se efetivo no mundo exterior pela ação que nele se realiza. Para Wiener esse fabuloso mecanismo, ignorado pelo homem comum, não obtém o espaço e a importância merecida pelos cientistas responsáveis em analisar a sociedade. Da mesma forma que os procedimentos hu-manos podem assim ser estudados, também as replicações da sociedade são passíveis de análises científicas semelhantes.47

41 Beer admite, inclusive, que o sistema cibernético pode autocontrolar-se, ademais: “The system is gradually eased towards a balanced state: there are no rough-and-ready chopping at the system, no arbitrary orders, no sanctions. There is only evolution: a viable growth towards maturity”. BEER, Antony Stafford.Cybernetics and management. Wiley: Chichester, 1959, p. 127.

42 ASHBY e BEER, ap. FRANÇA, op. cit. p. 121

43 Sobre esses conceitos, consulte-se GARCIA, Santis, op. cit. p. 40-42.

44 GARCIA, op. cit. p. 42.

45 Para França: “Como pudemos observar, há várias definições de cibernética, sendo que de uma forma ou de outra, todas se en-quadram nas ideias de Wiener, o que, aliás, é muito natural, uma vez que é ele o criador da cibernética como disciplina”. FRANÇA, Limongi, op. cit. p. 119.

46 Entropia é a “Função termodinâmica de estado, associada à organização espacial e energética das partículas de um sistema, e cuja variação, numa transformação deste sistema, é medida pelo quociente da quantidade infinitesimal do calor trocado reversi-velmente entre o sistema e o exterior pela temperatura absoluta do sistema”. Ou ainda, a “Medida da quantidade de desordem dum sistema”. AURÉLIO, Dicionário Eletrônico. Garcia conceitua entropia como “a medida do grau de desordem no arranjo de elemen-tos contidos num sistema fechado. O termo é devido a Clausius, e está ligado a uma interpretação generalizada da segunda lei da Termodinâmica”. GARCIA, op. cit. p. 28-30. WIENER, Norbert em Cibernética e sociedade - o uso humano de seres humanos, p. 28, explica que a segunda lei da Termodinâmica estabelece que a energia espontaneamente declina com a temperatura: “Assim como a quantidade de informação em um sistema é a medida de seu grau de organização, a entropia de um sistema é a medida de seu grau de desorganização; e uma é simplesmente a negativa da outra”.

47 WIENER, op. cit. p. 26-27.

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Atualmente existe uma tendência amplamente difundida no sentido de considerar a cibernética como a ciência investigativa das leis gerais dos sistemas de tratamento da informação, pois todo e qualquer sistema de informação tem necessariamente que recolher, elaborar e transmitir as informações. Esta transmissão pode ser realizada por diversos meios, porém quando tais operações ocorrerem através de meios automáticos estaremos nos domínios da telemática, que se dedica à transmissão automática da informação. A telemática e a informática, no entanto, são saberes particularizados, constituindo um dos setores da cibernética, que os abrange, e ao mesmo tempo os extrapola, à medida que não se restringe ao estudo do tratamento e trans-missão da informação transborda este âmbito para também estudar o comportamento dos receptores. Nesta acepção a cibernética é considerada como a teoria dos circuitos, ou do controle. Quando colima fazer um paralelismo analógico a respeito dos problemas da informação nos seres vivos e nas máquinas, a cibernética é considerada como a teoria geral dos sistemas mecânicos e biológicos. É fato ainda que a cibernética estuda as diversas formas de controle e as leis regedoras do comportamento, tanto da natureza quanto da socieda-de. Os diversos setores de pesquisa ao se desenvolverem e aprofundarem-se no estudo dos seus objetos não depõem, por esse motivo, contra a pretendida unificação dessa ciência, pois, como preconizava Wiener, os setores mais fecundos do conhecimento são exatamente aqueles estudados, de forma interdisciplinar, por mais de um saber.

8. O PIONEIRISMO DA APLICAÇÃO DA CIBERNÉTICA AO DIREITO: A CIBERNÉTICA DE WIENER E A JURIMETRIA DE LOEVINGER

A primeira proposição no sentido de se aplicar sistemas cibernéticos ao direito foi aventada pelo pró-prio Nobert Wiener no ano de 1948, em seu livro “Cibernética”.48 Wiener, no entanto, não desenvolveu uma teoria que objetivasse a aplicação dos recursos cibernético-computacionais ao direito. Isso somente se deu no ano seguinte (1949), quando Lee Loevinger, em artigo denominado: “Jurimetrics - the next step forward”, publicado na Minnesota Law Review, propôs uma doutrina que, utilizando-se dos computadores eletrônicos e da lógica simbólica, planejara solucionar o problema jurídico. Logo em seguida, vários órgãos governamen-tais americanos utilizavam e dependiam dos computadores para efetuar seus trabalhos com destaque para arquivos criminais, administração de tribunais, etc. Com isto tinha início uma nova ciência jurídica.49

Lee Loevinger era um advogado americano que ocupou vários cargos públicos, dentre os quais o de “Assistantt Attorney General” da Divisão antitruste do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O seu pensamento insere-se no movimento da denominada jurisprudência experimental: corrente que procura aplicar os métodos investigatórios próprios das ciências naturais à experiência jurídica. Discorrendo sobre a origem desta disciplina, Losano, depois de fazer referência ao pioneirismo de Wiener em empregar o méto-do cibernético ao direito, registra que, provavelmente, o artigo publicado por Loevinger, em 1949, teria sido inspirado na obra daquele matemático, pois foi exatamente no ano do lançamento de “Cibernética” que o mundo jurídico passou a pensar na possibilidade de aplicação dos computadores ao direito.50

Somente em 1950 Wiener passou a dedicar-se mais detidamente à questão do emprego da tecnologia ao direito, entendendo o fenômeno jurídico como um problema de comunicação e cibernética. A proposta de Wiener visava a compreensão da estrutura social, “ma non si prospettò il problema di un adattamento pratico della nuova tecnologia alle questioni sorgenti nell’ambito dell’esperienza giuridica”.51

48 “Il primo ad aver posto un rapporto di connessione tra la cibernetica e il diritto è stato l’inventore stesso della parola e in gran parte della scienza cibernetica, cioè il matematico Norbert Wiener. I temi fondamentali della nuova scienza venero da lui esposti in un libro edito nel 1948, che portava per l’appunto come titolo il termine Cybernetics...”. FROSINI. Cibernetica, diritto e società, p. 17.

49 LOEVINGER, Lee. Jurimetrics: the next step forward. Minnesota: Minnesota Law Review, vol. XXXIII, 1949.

50 “Dell’uso degli elaboratori nel mondo giuridico si comenciò a parlare negli anni in cui nacque la cibenetica di Norbert Wiener: la fundamentale di quest’ultimo, Cybernetics, or control and communication in the animal and the machine, venne pubblicata per la prima volta nel 1948. L’acenno che vi si trova sui problemi giuridici influenzo probabilmente un articolo publicato l’anno dopo da Lee Loevinger, in cui per la prima volta si parla di giurimetria, cioè dellúso degli elaboratori nel diritto. Di questa corrente di studi è così possibile fissare una precisa data di nascit.,a: il 1949”. LOSANO. Giuscibernetica, 1982, p. 14.

51 LOSANO, Giuscibernetica, p. 14.

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Em “Cibernética e sociedade. O uso humano de seres humanos” (1950) no capítulo VI, “Lei e comuni-cação”, Wiener, enfim, dedica-se ao estudo da cibernética aplicada ao direito, definindo lei como sendo um mecanismo de ajustamento do comportamento humano capaz de evitar disputas individuais, ou, ao menos, que sejam dirimidas pelo judiciário com o fim de aplicar aquilo que se entende por justiça. Seria o controle ético aplicado à comunicação e à linguagem, por uma autoridade com poder suficiente para impingir às suas prescrições o caráter de sanção social efetiva. Wiener considerava que a teoria e a prática da lei esta-vam sujeitas a dois tipos de problemas: o primeiro correlacionava-se com o conceito de justiça; o segundo, com as questões técnicas através das quais tal concepção pudesse tornar-se efetiva. O conceito de justiça estaria conectado com o código moral de cada um já que, empiricamente falando, seria impossível chegar a um conceito universal ante a existência de inúmeras culturas, religiões etc. O código moral pessoal, por sua vez, designaria apenas uma concepção individual de justiça. Para ele as palavras que podem expressar de maneira generalizante o seu conceito são as que simbolizam a Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade, significando que nenhuma pessoa em virtude de seu poder pessoal e status, nem mesmo o Estado, poderia constranger o cidadão à determinada conduta infringente da liberdade pessoal de cada um. 52

O segundo problema inerente à lei, de acordo com Wiener, reside na questão de que ela, além de justa, deve ser expressa de forma unívoca e compreensiva, possibilitando ao cidadão comum a compreensão antecipada de seus direitos e deveres. O primeiro dever do legislador e do juiz deve ser o de fazer formulações claras e isentas de ambiguidade compreensíveis não apenas aos técnicos, mas também ao homem comum. Sua consideração acerca da aplicação da cibernética ao direito revela-se de maneira explícita quando afirma que a técnica de interpretação e julgamentos pelos juízes e tribunais deve ser de tal forma que possibilite a um advogado saber não apenas como se decidiu sobre determinado assunto, mas, também, como se decidirão casos futuros. Para Wiener os problemas da lei podem ser reduzidos a questões de comunicação e cibernéti-ca, de controle sistemático e reiterável de determinadas situações.53

A aplicação da cibernética ao direito como proposta por Wiener, estaria restrita à previsibilidade das decisões judiciais e à preocupação semântica da linguagem legal, exclusivamente! A respeito desta propo-sição existem dois consagrados autores cujas opiniões divergem: de um lado, temos Losano considerando, como demonstraremos adiante, este propósito bastante difícil de se realizar num sistema legal que não se guie pelos precedentes vinculantes; de outro, Perez Luño entendendo tal postura como perfeitamente viável nos Estados regidos pelo sistema do direito legislado. Note-se que a proposição de antevisão de decisões ju-diciais já havia sido pugnada um ano antes por Loevinger, com o detalhe diferenciador de que este controle da previsibilidade do comportamento judicial fosse realizado pelo computador eletrônico, minudência sobre a qual Wiener não se pronunciou antecedentemente.

Na verdade, quem primeiro pugnou pela aplicação dos meios cibernético-eletrônicos ao direito foi Lee Loevinger. Podemos acentuar com Frosini, que entre a primeira publicação de Wiener em 1948 e a se-gunda em 1950, situa-se, em 1949, o já referido artigo de Loevinger: Jurimetrics. Loevinger representa para Frosini um “uomo di frontiera” no campo do estudo jurídico apontando com credibilidade um novo horizonte, mantendo-se na realidade sem ultrapassar os limites da utopia e da ficção científico-jurídica. No tocante ao problema da informação o interesse de Loevinger é substancialmente revolucionário. Em 1964 fundou nos Estados Unidos um sistema de pesquisa jurídica através dos serviços de telefonia interligando um computa-dor do tipo Univac III, que em apenas um minuto era capaz de responder a uma questão jurídica, através de um operador especializado em informática que recebia a pergunta por telefone e a traduzia em código, para, depois, transmiti-la à máquina, que, após o processamento, respondia de imediato liberando o teste impresso, que podia ser recebido diretamente pelo interessado ou via rede telemática.54

Para Perez Luño o artigo de Loevinger (Jurimetrics, 1949) visando a racionalização do direito atra-vés do uso da metodologia simbólica e do emprego de métodos quantitativos de automação, teve relevância bem maior para a Ciência Jurídica do que a obra de Wiener. E a expressão jurimetria logrou durante muito

52 WIENER, op. cit. p. 104 a 110.

53 Idem.

54 LOEVINGER, ap. FROSINI. Cibernetica, diritto e società, 1978, p. 18-19.

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tempo o mérito de englobar todas as implicações jurídicas decorrentes da cibernética.55 Existe uma certa imprecisão, quanto à questão do étimo do qual derivou a expressão jurimetria. Enquanto Losano assevera que Loevinger inspirou-se na expressão econometrics - de econometria - A David, um autor francês, consig-na que Jurimetrics deriva de: Sociometria.56 De acordo com Loevinger a jurimetria cuida de temas como a análise quantitativa do comportamento judicial, aplicando a teoria da comunicação relacionada com o direito e recorrendo também à aplicação da lógica matemática, preocupando-se em recuperar dados jurídicos pelas vias eletrônicas e mecânicas e, ainda, formulando cálculos de previsibilidade no âmbito do direito.57

Loevinger distingue a jurimetria da Jurisprudência, porque esta se preocupa com assuntos pertinen-tes à natureza e fontes do direito, sua função e respectiva esfera de ação, bem como com análises jurídicas conceituais. Para ele a Jurisprudência constitui-se numa tarefa do racionalismo, já a jurimetria objetiva examinar e aplicar métodos de pesquisa científica na área do direito e suas conclusões podem ser testadas, diferentemente das da Jurisprudência que somente podem ser discutidas.58 Hans W. Baade, sintetizador do pensamento de Loevinger, em 1963, delimitou o objeto da jurimetria na pesquisa científica de temas jurídi-cos, centrando-se: no problema da armazenagem e recuperação eletrônica da informação jurídica, no estudo behaviorista das decisões judiciais, e no emprego da lógica simbólica.59 Para designar esse tipo de investigação científica tem-se feito uso de outras expressões, a exemplo de Hoffman que prefere lawtomation à jurime-tria, para identificar a moderna mecanização da estrutura jurídica referente a textos e documentos jurídi-cos.60 Loevinger, no entanto, assinalava que a jurimetria propunha-se simplesmente a investigar problemas passíveis de serem “testados” no campo da ciência, destacando o pressuposto equivocado de haver invencível oposição entre a lógica e a experiência. Para ele, a lógica não é capaz de resolver problemas materiais sem se reportar à experiência, e esta, por sua vez, sem o auxílio interpretativo de uma lógica rigorosa, queda-se carecedora de qualquer acepção intelectualista.61

O caráter empírico da jurimetria fora, em 1963, destacado por Loevinger, quando considerou des-necessária a formulação de um axioma definidor de seus contornos, pois a definição do âmbito jurimétrico deve ser ofertada pela atividade de seus usuários, mas não se deve pretender que seja estática uma vez que evoluirá, como ocorre com todas as disciplinas empíricas, a partir de quando, pela experiência, forem resol-vidos problemas específicos.62

9. JURIMETRIA, MATEMATIZAÇÃO DO DIREITO E O CONTROLE ESTATÍSTICO DA ATIVIDADE PROCESSUAL

A jurimetria representa uma tentativa e um esforço de se empregar métodos matemáticos e lógi-co-formais ao direito.63 Loevinger entendia por científico apenas aquilo que podia ser experimentado ou quantificado. Atribuía assim à jurimetria uma característica não contingente, porém essencial de uma ci-ência estatística aplicada ao direito. A aplicação de métodos estatísticos ao direito processual, por si só, não designa um intento de matematização do direito. Contudo, a visão matematizada do direito em si mesmo já havia sido vislumbrada pelos pandectistas, que chegaram a considerá-lo como “um cálculo com os conceitos”. O que Loevinger se propôs foi traçar um marco divisório entre a disciplina jurídica tradicional e uma outra inovadora, aplicando-lhe métodos próprios das ciências exatas, notadamente da estatística e da matemática

55 “Sin embargo, mucha más importancia tuvo en el campo del Derecho el artículo que bajo el epígrafe Jurimetrics, The Next Step Forward, publicara L. Loevinger en 1949. El término Jurimetria alcanzó amplia difusión en publicaciones sucesivas, y duran-te mucho tiempo bajo esta denominación se englobaron todas las implicaciones jurídicas de la cibernética”. LUÑO. Cibernética, informática y derecho - Un análisis metodológico - p. 40.

56 Idem.

57 LOEVINGER, Lee. Jurimetrics: the next step forward. Minnesota: Minnesota Law Review, vol. XXXIII, 1949, p. 455.

58 Idem.

59 BAADE, ap. GARCIA, op. cit. p. 102.

60 HOFMAN, ap. LUÑO, op. cit. p. 41.

61 LOEVINGER, op. cit. p. 455 e segs.

62 LOEVINGER, op. cit. p. 457.

63 LOEVINGER, Lee. Jurimetrics: the next step forward. Minnesota: Minnesota Law Review, vol. XXXIII, 1949, p. 458.

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com a primordial intenção de antever o comportamento dos juízes e tribunais norteamericanos. A relação existente entre a sua teoria e a tradicional bagagem cultural do jurista europeu, vertida para a analogia entre Matemática e direito, reside no fato de que a ciência jurídica, assim como toda e qualquer ciência, serve-se do método lógico.64

Deste raciocínio é possível distinguir duas posições distintas: de um lado, a que adota o pensamento metafísico, que tenta construir uma ciência jurídica aprioristicamente, constituindo-se numa lógica formal, numa matemática sui generis, com o escopo de estudar o direito concreto, a qual a história cuidou de provar o seu total desacerto; de outro lado está a corrente que simplesmente pretende aplicar ao direito o método lógico-matemático, isto é, utiliza a matemática e a estatística, até então situadas às margens dos estudos jurí-dicos. A jurimetria de Loevinger é subsumida por esta última categoria, ou seja, tenta utilizar uma linguagem matemática subdivida em três setores essenciais: 01o- previsibilidade das decisões judiciais; 2o- processamen-to eletrônico de dados jurídicos; 3o- uso da lógica booleana no campo do direito processual.65

O controle analítico e quantitativo da atuação dos juízes e tribunais, segundo Losano, não prosperou na Europa Continental, pois para o jurista europeu este enfoque é pouco atrativo, dentre outras razões, pela diferença existente entre os sistemas jurídicos do Velho e do Novo Mundo, sendo bastante difícil antever o conteúdo das sentenças proferidas nos sistemas legais que têm por base o direito legislado. Assim, o interesse teórico por este assunto diminui proporcionalmente à medida que na realidade prática as dificuldades de previsão de conteúdo de sentenças aumentam.66

Essa objeção, no entanto, não serve para a nova sistemática processual instituída no Brasil a partir da vigência do novo código de processo civil (Lei nº 13.105-2015), considerando que o seu art. 489 expressa-mente albergou mecanismos de controle da decisão judicial de juízes e tribunais estaduais e regionais fede-rais, através de técnicas que são típicas da common law, como o distinguishing e o overrule. Nesse sentido, o art. 927 estabeleceu uma inédita prescrição de vinculação aos precedentes judiciais.67

Com essa inovação a previsão das sentenças em sistemas legais como o nosso torna-se plenamente factível, prova desta assertiva é revelada pelo fato de o Conselho Nacional de Justiça haver promovido edital de concorrência para realização de pesquisa empírica sobre a produtividade do judiciário através do sistema de processo eletrônico (PJe) a fim de comparar sua eficiência em relação ao sistema de processo físico tradi-cional (BRASIL, CNJ, 2015). Aliás, mesmo antes do advento do NCPC, os precedentes brasileiros já permi-tiam a uniformidade interpretativa do direito objetivo, ainda que não com a mesma força vinculativa. Che-garam a ser regulados nas Ordenações Manuelinas, tendo sido admitidos no Brasil pelo Decreto nº 16.273, de 20 de dezembro de 1923, que objetivou a reorganização da Justiça do Distrito Federal. A função maior do “prejulgado”, para Pinto Ferreira, era a de proclamar qual a interpretação que se há de dar à lei, consideran-do-se o que já fora decidido precedentemente.68 No Brasil, o código eleitoral, mais incisivamente, já declarava expressamente no art. 263, que no julgamento de um mesmo pleito eleitoral, as decisões anteriores sobre questões de direito constituem prejulgados para os demais casos. Para que esta hipótese não incida, exige-se que dois terços dos membros do mesmo tribunal votem contra a tese já firmada. Devendo-se ressaltar que o código eleitoral de 1950, no artigo 161, também albergava o prejulgado em termos textuais idênticos aos da norma eleitoral vigente. Possuindo força de lei constituem-se numa espécie de para-legislação, sendo o nosso

64 LOSANO. op. cit. p. 5. Noutro viés, tem razão Bobbio quando afirma que esse problema deve ser posto de forma a saber se a ciência jurídica é, ou não, semelhante à lógica ou à matemática, noutras palavras: a ciência jurídica seria uma ciência instru-mental? Em suas palavras: “... constitui por si mesma uma linguagem que poderia ser utilizada para outras pesquisas, outra coisa é dizer que ela se exprime numa linguagem matemática?”. Os juristas matematizantes, por sua vez, segundo Losano, não estão preocupados em respondê-la. Apenas afirmam que o direito utiliza-se da matemática ou da lógica.

65 Idem.

66 Ibidem.

67 NCPC, art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

68 FERREIRA, Pinto. Código eleitoral comentado. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 274, 307-310.

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tribunal maior: “um legislador, verdadeiro e real com a faculdade de condicionadamente, criar a norma, de alterá-la, e, mesmo de revogá-la”.69

A proposta de Loevinger, a bem da verdade, consistiu no primeiro passo no sentido de se aplicar o novo método tecnológico da computação eletrônica ao campo jurídico e teve uma rápida difusão na cultura jurídica anglo-saxônia radicando-se no uso jurídico lexical. Os enfoques jurimétricos hodiernos provaram que as críticas e os receios apontados, sobretudo por parte da doutrina europeia eram rigorosamente infun-dados. Contudo, fenômeno tecnológico-jurídico que a jurimetria designa exprime uma mensuração parcial do direito, ou, ao menos, de uma quantificação de alguns aspectos da experiência jurídica. Entretanto, a afirmação no sentido de que a disciplina de Loevinger não teria logrado êxito naquilo que de mais importante havia se proposto, mormente nos países que, como o Brasil, adotam o sistema do direito legislado, era, de todo, infundada.

Perez Luño, por exemplo, advertia que essa era crença totalmente equivocada em razão da influência vinculante que os precedentes acarretam na prática forense.70 Na Espanha, a propósito, a força dos prece-dentes é bastante significativa sendo admissível o recurso de cassação por infração à lei ou à doutrina legal,71 colimando reformar decisões contrárias à lei ou às tomadas pelo Tribunal Supremo. Na Itália, a Corte de Cassação dispõe de um sistema computacional cuja finalidade é ordenar e informar os seus membros com-ponentes sobre os precedentes jurisprudenciais. Na Alemanha, no ano de 1967, foi criado um sistema com a finalidade de compilar em forma de repertório as decisões judiciais sobre matéria fiscal, possibilitando a uni-formização dos julgados.72 A uniformidade nos julgados constitui-se num objetivo processual hoje perseguido pela absoluta maioria dos países adotantes de ordens jurídicas derivadas do direito romano. No caso do Brasil, talvez signifique uma verdadeira questão de sobrevivência sistemática, posto que a inflação processual veri-ficada maiormente no absurdo número de recursos está a pôr em xeque a efetividade das decisões judiciais.

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69 ROSAS, Roberto, op. cit. p. 07-09.

70 “Cabría pensar que en los sistemas romanistas el interés por este tipo de investigaciones es menor, dado que en ellos el prece-dente no es vinculante, tiéndose a lo sumo en cuenta a título orientativo. Esta crencia es totalmente falsa, ya que si bien el jurista teórico puede subestimar el valor vinculante de la jurisprudencia, la prática jurídica se orienta hacia una fuerza más o menos obligatoria del precedente”. LUÑO. Cibernética informática e derecho: un análisis metodológico, p. 66-67. Grifou-se.

71 Por doutrina legal entenda-se a manutenção pelo Tribunal Supremo de suas decisões.

72 LUÑO. Cibernética informática e derecho: un análisis metodológico, p. 68.

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UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDENCIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E SUA RELAÇÃO COM O PENSAMENTO JURÍDICO TRADICIONAL

Alexandre Henrique Tavares Saldanha

Especialista, Mestre e Doutorando em Direito pela UFPE. Professor das Faculdades Integradas Barros Melo e da Universidade Católica de Pernambuco. Advogado.

João Manoel Moury Fernandes de Barros Coelho

Bacharelando em Direito pelas Faculdades Integradas Barros Melo - AESO/FIBAM

SUMÁRIO: Introdução. 1. Uniformização da Jurisprudência no antigo CPC 73. 2.Uniformização da Jurisprudência no novo CPC 2015. 3. Uniformização de Jurisprudência e Pensamento Jurídico Tra-dicional 4. Considerações finais. Referências

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo visa um debate sobre o Incidente de Uniformização da Jurisprudência, na constân-cia de um novo Código de Processo Civil, e quais seriam suas contribuições para manutenção de pontos tra-dicionais do pensamento jurídico dogmático. De início, vale ressaltar que a Uniformização da Jurisprudência não tem caráter de Recurso e sim de Incidente Processual, apesar de ser um procedimento previsto como sendo de competência dos tribunais.

É interessante expor que, apesar de sua existência antiga no ordenamento jurídico brasileiro (existe desde o código de 1939), o instituto em análise adquiriu com o passar do tempo maior relevância na prática jurídica, seja por incentivar uma cultura de valorização dos precedentes judiciais, seja por buscar uniformi-zar, e assim pacificar, as teses jurídicas em discussão nos tribunais, promovendo maior sentimento de segu-rança jurídica e facilitando maior previsibilidade de respostas ao jurisdicionado.

Com a criação do novo Código de Processo Civil novas ferramentas surgiram no intuito de promover a mencionada segurança. Dentre elas está o Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva (IRDR), que é um novo instituto cujo objetivo é também o da uniformização da jurisprudência. Havendo demandas repetitivas (tese jurídica sendo discutida em diversas ações cuja causa de pedir e pedido são iguais), o IRDR seria uma forma de criar padronizar decisões, fortificando a Jurisprudência e consecutivamente uniformizando o uso dos precedentes em posteriores decisões.

Neste contexto de teses repetitivas, uniformização de entendimentos e fortalecimento da lógica do uso dos precedentes ainda incide um ponto importante, qual seja, o de ser ou não possível criar parâmetros fixos de aplicabilidade das normas jurídicas. Diante da estrutura do pensamento jurídico tradicional, o inci-dente de uniformização serve como instrumento importante para reforçar a previsibilidade como elemento inerente à segurança jurídica. Mas antes de qualquer coisa, analisa-se o incidente de uniformização da juris-prudência no CPC de 1973 e no novo CPC de 2015.

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2. UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973

O incidente de Uniformização da Jurisprudência é um mecanismo já utilizado no sistema processual e mantido pelo novo Código de Processo Civil. Tal mecanismo visa pacificar a interpretação de questões ju-rídicas evitando confusões de interpretações entre cortes do judiciário e valorizando os precedentes criados como parâmetros com base na aplicação sistemática do ordenamento jurídico nacional. Por trazer essa ideia, desde sua concepção, nota-se um avanço em ralação ao seu antecessor, o Código de Processo Civil de 1939. É necessário compreender o que a doutrina dispõe sobre a natureza jurídica e conceitos relacionados com o instituto em análise.

A Uniformização de Jurisprudência é um instrumento do sistema processual cujo objetivo é evitar a desarmonia de interpretação de teses jurídicas, uniformizando assim, a jurisprudência interna dos tribunais (WAMBIER, ALMEIDA e TALAMINI, 1999, p. 742), facilitando assim, com que a jurisprudência possibilite respostas mais céleres e uniformes ao Jurisdicionado. A partir do momento em que os tribunais uniformizam seus entendimentos, eles criam decisões que servirão como parâmetros para outros posteriores. Parâmetros estes que servirão como fundamentos para diversos movimentos processuais, tais como julgamento prelimi-nar do mérito na inicial, impedimento de recursos, reforma imediata das decisões impugnadas etc.

No que diz respeito à sua natureza jurídica, o incidente em análise não tem a natureza recursal. A Uniformização de Jurisprudência não funciona como mecanismo pelo qual uma das partes do processo po-derá impugnar e reformar a decisão, pois seu objetivo é o de promover segurança jurídica, daí sua diferença com os recursos. Tal posicionamento foi reiterado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao indeferir um pedido de Incidente de Uniformização num processo que opõe o banco Citibank e a empresa Interbank Investimentos.

O incidente foi suscitado pela Interbank após um Agravo Regimental seu ter tido provimento negado pelo relator. Antes que o ministro proferisse seu voto, a Interbank promoveu a Uniformização de Jurispru-dência. Ao suscitar o Incidente, a empresa afirmou que os votos até então proferidos evidenciavam a inten-ção da Turma em decidir contrariamente à jurisprudência predominante no STJ. O pedido, no entanto, não prosperou na Quarta Turma. Em seu voto, o relator indicou que a Interbank teria provocado o Incidente com um disfarçado intuito de rever a decisão (ou suspender o julgamento) que, até aquele momento, lhe era desfavorável. Destacou, ainda, que o Instituto de Uniformização de Jurisprudência tem caráter unicamente preventivo, não podendo ser utilizado como recurso. (GUIMARÃES, 2014).

Esta questão da possível confusão entre a uniformização de jurisprudência e recurso judicial já foi mais relevante, pois tal instituto era previsto no Código de Processo Civil de 1939 sob nomenclatura de Re-curso de Revista, com previsão nos arts 853 e 854, revogados pelo código de 1973 entrou em vigor, trazendo o Incidente de Uniformização da Jurisprudência. Com o CPC/73 o incidente em análise ressurge com uma proposta mais ampla, pretendendo atender necessidades de pacificação e uniformização de entendimentos jurídicos em discussão na praxe judicial.

Outro aspecto interessante sobre esse instituto decorre da legitimidade para promove-lo. O próprio Código de 73 determina no art. 476, em seu parágrafo único, quem poderia suscitar o incidente de unifor-mização da jurisprudência.

Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da inter-pretação do direito quando:

I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência;

II - no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que Ihe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas.

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Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao disposto neste artigo.

Mais um argumento que o diferencia dos recursos, pois estes só podem ser usados pelas partes, ou pelo ministério público, sendo impossível o juiz usar do sistema recursal. Entende-se, não obstante a omissão do texto legal, ser possível ao Ministério Público, na condição de custos legis, usar da Uniformização de Juris-prudência. Isto sob o argumento de que a correta e uniforme interpretação da lei é matéria de ordem pública, que remete à segurança jurídica esperada pela sociedade, daí ser possível também ao Ministério Público seu uso. (POTENCIANO, 2012, p. 153).

Um ultimo ponto é quanto às consequências da Uniformização da Jurisprudência. Com o julgamento da uniformização, o entendimento pacificará a discussão e servirá como precedente parâmetro, com a possi-bilidade de se tornar objeto de súmula posteriormente. Daí a conclusão de que o instrumento analisado tem como finalidade

[...] dar uniformidade à interpretação do direito no âmbito de um mesmo tribunal, evitando o descrédito e o ceticismo dos jurisdicionados quanto à seriedade da prestação jurisdicional, e impedindo que o destino dos litigantes repouse na estrita dependência da distribuição do feito a um ou outro órgão fracionário da corte. (SOUZA, 2013, p. 240).

3. UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

A Uniformização da Jurisprudência foi mantida no novo Código de Processo Civil de 2015, apre-sentando diferenças em relação à forma como o código de 73 a tratava. Uma das diferenças está no fato de que agora a Uniformização não possui um tratamento especifico reservado a artigos exclusivos, pois ela está presente em todo o diploma legal funcionando como um princípio que orienta a praxe dos tribunais em buscar uniformidade e pacificação das teses jurídicas. O novo código busca criar uma cultura de ainda maior valorização dos precedentes judiciais tornando assim a atividade jurisdicional mais segura. Para isto, além do incidente sob análise o novo código de processo civil agrega novos elementos processuais, tais como o já mencionado IRDR (incidente de resoluções de demandas repetitivas). Trata-se de uma técnica que inaugura uma espécie de cisão na cognição do processo, estabelecendo o julgamento das questões comuns em deman-das repetitivas para os juízes de segundo grau, originando uma espécie de “procedimento-modelo”, o qual em seu cerne busca também pacificar e uniformizar a jurisprudência. (SALES, 2014).

Mantendo a ideia de buscar estabilidade e uniformidade, o novo CPC prevê o incidente de Uniformi-zação da Jurisprudência possibilitando segurança jurídica ao revalorizar a cultura dos precedentes. (DAUDT simone e MEZZALIRA ana, 2014). Esta busca pela segurança e previsibilidade das decisões aproxima o sistema judiciário brasileiro tanto do caráter civil law quanto do caráter típico do sistema judicial norte-a-mericano, o comum law. Em ambos os sistemas há pretensões de segurança, uniformização, previsibilidade etc, porém no civil law, acredita-se que a lei traria esses valores, enquanto no comum law essa função seria exercida pelo precedente judicial. (MARINONI, 2009 p. 11). Daí o argumento de que no sistema processual brasileiro há elementos tanto de uma família do direito quanto de outra. Seja por um caminho ou por outro, a ideia é promover a segurança pretendida.

Voltando a tratar da valorização dos precedentes, a doutrina vem notando a necessidade, de valorizar os Precedentes dentro do Ordenamento Jurídico brasileiro com o passar dos anos, como exemplo utilizemos o CPC de 1973 ao qual, já tinha uma previsão de valorizar os Precedentes, na forma dos “ assentos vincu-lantes” ao qual não obteve sucesso e sendo assim tivemos a criação do Incidente de Uniformização da Juris-prudência previstos nos arts 476 e 479 do referido diploma (OLIVEIRA, 2015). Desta forma, as principais

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mudanças que o novo código trás, ao trabalhar a ideia de Uniformizar a Jurisprudência, é de uma valorização dos Precedentes dentro do Ordenamento Jurídico.

Como já mencionado, a ideia de uniformização está presente em todo o novo código de processo civil, sendo agora uma espécie de princípio básico buscando fornecer uma resposta com mais segurança jurídica ao jurisdicionado. Desta forma, o novo CPC consolida a ideia de que é necessária uma cultura forte dos precedentes, o que leva os profissionais do direito a trabalhar com base em paradigmas. Para reforçar, trecho sobre o que é um precedente judicial, “Vai ser nosso primeiro regramento da história sobre o que é um precedente, quais são seus efeitos, quem se vincula a ele, como se interpreta, além de regular o direito a demonstrar que um caso não se encaixa no precedente” (DIDIER, 2013).

A ideia que ganha reforço com o novo código é a de que os Tribunais Superiores ao proferirem suas decisões são capazes de moldar o funcionamento do sistema jurisdicional e a forma como se realiza o ra-ciocínio jurídico na prática. Cabe destacar que no novo código fala-se em jurisprudência, sem estabelecer qualquer distinção entre precedente, jurisprudência dominante ou majoritária, súmulas ou decisões judiciais isoladas.

4. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E PENSAMENTO JURÍDICO TRADICIONAL

A necessidade de segurança, previsibilidade e uniformização de entendimentos pode ser atribuída como consequência do pensamento dogmático. O pensamento dogmático é necessário para estabelecer pa-râmetros, pontos de partida para uma operação complexa de interpretação e aplicação das normas jurídicas. No entanto, a ênfase elevada no dogmatismo retira do jurista a capacidade de analisar com perspectivas crí-ticas, tornando assim necessário diminuir o exagero dogmático para alcance de um tratamento jurisdicional eficiente no contexto da sociedade hipercomplexa, recuperando sua aptidão para o raciocínio crítico (SILVA, 2004, p. 265). Aqui quando se fala em pensamento crítico, não é num sentido “combativo” ou “subversivo” que a expressão crítica pode receber em determinados contextos, mas sim num sentido de analisar situações sem engessamentos, sem conceitos pré-fixados que possam atrapalhar a própria função da aplicação da nor-ma jurídica.

O dogmatismo, como elemento característico do pensamento jurídico, se aproxima de uma espécie de “mantra”, necessário para que se creia em certezas e seguranças, fugindo assim das controvérsias e comple-xidades. O paradigma racionalista na interpretação da norma jurídica busca satisfazer um desejo de certeza, evitando que ao momento de sua aplicação haja diferenças e incertezas. (SILVA, 2004, p. 36). O problema é que estas diferenças e incertezas são naturais do comportamento humano e de suas manifestações do pen-samento. Porém, seria impossível para a ciência jurídica criar regras sem reduzir complexidades e sem que haja pretensões de fixação de parâmetros.

É bem mais fácil analisar a aplicação da norma jurídica, pela tutela jurisdicional por exemplo, sem considerar inúmeros aspectos que fogem à lógica, à racionalidade, silogismos etc. Além disto, é mais simples encarar questões de altíssima complexidade, tais como os direitos fundamentais, num viés lógico-racional e assim poder fundamentá-los numa decisão judicial, por exemplo.

Em outros termos, as esquematizações e reduções típicas do pensamento jurídico racionalista ser-vem tanto para que o jurista possa com maior facilidade trabalhar os fatos sociais, como também para que o próprio ordenamento jurídico se sinta satisfeito por atingir objetivos que lhes dão fundamento, a exemplo das liberdades e igualdades (BRUSIIN, 2001, P. 119).

Tendo em mente o dogmatismo e a redução racionalista, a aplicação jurisdicional da norma jurídica fica simplificada a um raciocínio de busca de respostas prontas, e postas em catálogo, que se adéquam a uma situação real analisada pela sua representação fictícia no processo. À figura do juiz resta informar ao jurisdi-cionado qual a resposta previamente concebida será dada ao seu problema. É inegável que esta operação é perfeitamente possível em situações específicas, que isto faz parte realmente da atividade jurisdicional, mas

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é também inquestionável que a construção de uma decisão judicial pode ir bem além desta matemática. O que ficou bastante característico sob as bases do pensamento, ou da filosofia, hermenêutico.

O caos institucional estaria implantado se todas as vezes que jurisdicionados buscassem amparo no Poder Judiciário ele respondesse de forma diferenciada para cada um. Ou se, em razão de entendimento jurisprudencial já sedimentado pelos tribunais, no decorrer do seu processo a orientação passar a ser diversa da expectativa. Múltiplas decisões para situações idênticas ou semelhantes revelam uma Ordem Jurídica incoerente nos termos do dogmatismo típico do positivismo.

Assim, diante de situações críticas, em que a ausência e parâmetros colocaria em risco a coerência interna do sistema jurídico, a necessidade de uniformizar decisões e uniformizar posicionamentos jurispru-denciais fortalecem a sensação de segurança jurídica, ainda que esta sensação seja parte de uma tradição do pensamento jurídico. Daí a uniformização de jurisprudência, seja como instituto ou como princípio do sistema processual, ser bastante útil para inteligibilidade e funcionamento da tutela jurisdicional.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Perante o que foi exposto, é interessante analisar o quão profundo é o Incidente de Uniformização da Jurisprudência, indo do incentivo à criação de uma cultura de hipervalorização de precedentes judi-ciais, ainda que num sistema jurídico classificado como sendo Civil Law (onde a lei é a fonte principal do direito), à qualidade de instrumento retórico necessário para manter o dogmatismo inerente ao discurso do pensamento jurídico tradicional.

O novo CPC, além de manter o incidente de uniformização, permite uma ampliação de seu valor ao colocá-lo como um principio informativo, não mais limitado aos artigos que preveem seu funcionamento e estabelecem seu procedimento. A partir dessa nova perspectiva, a uniformização poderá afetar a praxe juris-dicional brasileira, pois, com a valorização de Precedentes e com a busca da uniformização, amadurece-se um movimento em prol de decisões padronizadas, que permitem celeridade processual e pacificação, impe-dindo “vendas de resultados” e charlatanismo advocatício. Ainda que criticável pelo argumento de reforçar o dogmatismo do pensamento jurídico, com consequências no pensamento e no ensino do Direito, a uniformi-zação possui função dentro do sistema.

REFERÊNCIAS

BRUSIIN, Otto. O pensamento jurídico. Campinas: Edicamp, 2001.

DAUDT simone e MEZZALIRA Ana. A proposta do novo CPC de uniformização e estabilidade da ju-risprudência x realidade brasileira. Acessado no endereço http://www.tex.pro.br/home/artigos/228-arti-gos-abr-2012/6473-a-proposta-do-novo-cpc-de-uniformizacao-e-estabilidade-da-jurisprudencia-x-atual-rea-lidade-brasileira em 10 de agosto.

DAUDT Simone. Uniformização e estabilidade da jurisprudência: um estudo do ante projeto do novo código de processo civil brasileiro e da atual realidade brasileira. Acessado no endereço: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11886 no dia 18 de julho.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Reconhecimento de precedente judicial é principal mudança do Novo Código de Processo Civil. Acessado em http://www.amcham.com.br/comites/regionais/amcham-sao paulo/noti-cias/2013/reconhecimento-de-precedente-judicial-e-principal-mudanca-do-novo-codigo-de-processo-civil, no dia 10 de agosto.

GUIMARÃES Janine, uniformização da jurisprudência no sistema brasileiro. Acessado em: http://janinecalmon.jusbrasil.com.br/artigos/114970739/uniformizacao-da-jurisprudencia-no-sistema-brasileiro, no dia 22 de julho.

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JUNIOR Claudio. O incidente de uniformização da jurisprudência no código de processo civil brasileiro. http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-incidente-de-uniformizacao-de-jurisprudencia-no--codigo-de-processo-civil-brasileiro,49502.html, acessado em 21 de julho.

MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito – UFPR. Curitiba, n.49, p. 11-58, 2009.

OLIVEIRA Fábio. A sistematização dos precedentes no novo código de processo civil. http://jus.com.br/arti-gos/38006/a-sistematizacao-dos-precedentes-no-novo-codigo-de-processo-civil, acessado em 22 de julho.

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Ed. Forense. 2004.

POTENCIANO, Márcio Alessandro de San Tiago. Aspectos do incidente de uniformização de juris-prudência. Revisa de Direito, Goiânia, n.º 27, 2012. http://www.pge.go.gov.br/revista/index.php/revistapge/index. Acesso em 22 de julho.

SALES Renan. O novo código de processo civil e o incidente de resolução de demanda repetiti-va(IRDR): breves considerações. http://jus.com.br/artigos/39321/o-novo-codigo-de-processo-civil-e-o-in-cidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-irdr-breves-consideracoes, acessado em 23 de julho.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMDEIDA, Renato Correia de; e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 2. Ed. São Paulo: Editora RT, 1999, pag. 742.

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A TUTELA MONITÓRIA NO CPC/2015

Antônio Carvalho

Mestre em Processo Civil pela Universidade de Coimbra, Especialista em Direito Internacional Público e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra e Instituto Ius Gentium Conimbrigae, Coordenador Científico do site Falando de Processo (falandodeprocesso.com.br), Apresentador do programa de debates sobre o CPC/15 – Mesa Redonda, Professor de Direito Procesual Civil em diversos cursos de Pós-graduação, Membro do CEAPRO, do IPDP e do BRASILCON, Membro Fundador e Diretor Institucional da ABDPro e Juiz de Direito.

SUMÁRIO: 1. A tutela monitória no Brasil. 2. Objeto da tutela monitória. 3. Requisitos da petição inicial da ação monitória. 3.1. Prova Escrita. 3.2. Capacidade civil do devedor – Fazenda Pública. 3.3. Vantagem econômica perseguida. 4. Decisão inicial positiva – O problema dos honorários advocatí-cios. 4.1. Natureza jurídica do pronunciamento inicial e a formação da coisa julgada material. 5. Ci-tação do réu, suas atitudes e respectivos efeitos. 5.1. Cumprimento da obrigação. 5.2. Cumprimento parcelado da obrigação. 5.3. Inércia do devedor. 5.4. Embargos ao mandado monitório. 6. O recurso contra a sentença dos embargos ao mandado monitório. 7. Referências Bibliográficas

1. A TUTELA MONITÓRIA NO BRASIL

A ação monitória foi inaugurada entre nós pela Lei nº 9.079/95. Trata-se de verdadeira forma de tute-la jurisdicional diferenciada1, cujo objetivo principal é dar solução efetiva, prática e rápida à crise de crédito, desde que o credor esteja amparado por prova escrita sem força executiva, visando, entre outros objetivos, a economia do tempo, imputando ao pretenso devedor o ônus de instaurar a discussão judicial sobre o crédito. “Muitas vezes o titular de um direito de crédito, ou sobre uma coisa fungível, ou sobre um bem móvel deter-minado, tinha para comprová-lo uma prova escrita – por exemplo, uma confissão de dívida, uma carta missi-va, um telegrama, um recibo rubricado – que, por não ter eficácia de título executivo, obrigava-o a demandar o devedor pela via ordinária, na falta de uma ação mais eficaz para fazer valer a sua pretensão material em juízo. Em outros termos: entre a ação ordinária (de cognição demorada) e a executiva (despida de cognição), faltava algo que preenchesse o vazio a ação monitória instituída pela Lei nº 9.079, de 14 de julho de 1995. Apesar de não dispor o credor de um título com eficácia executiva e, por isso, sem acesso direto ao processo de execução, não está mais obrigado a percorrer o procedimento ordinário, podendo valer-se do monitório. Aquele percurso só se tornará necessário se o devedor resistir à pretensão, através de embargos, quando en-tão o feito se converte, ipso iure, em ordinário.”2

A preocupação com o tempo excessivo dos processos judiciais, revelou-se como grande mola pro-pulsora para o estabelecimento do procedimento monitório em nosso meio. Como afirma Theodoro Junior: “Com a ação monitória, na verdade, o que se busca é ‘eliminar a complexidade do juízo ordinário de conhe-

1 Cf. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Apontamentos sobre o procedimento monitório, in: Revista de Processo, vol. 70, abr/1993, p. 19 e ss.

2 Alvim, J. E. Carreira, Ação monitória e temas polêmicos da reforma processual – Rio de Janeiro : Forense, 2004, p. 15.

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cimento derivada das exigências do contraditório’, mas isto se faz sem, propriamente, eliminar ‘a garantia de igualdade ínsita no contraditório’. É que, na técnica processual adotada nesse especial tipo de juízo segundo o padrão básico do Direito italiano, o procedimento se desdobra em duas fases: na primeira fase, ou juiz, sem contraditório e de maneira rapidíssima, verifica o conteúdo do pedido e a prova do autor, deferindo, se for o caso, a expedição do mandado de pagamento, inaudita altera parte. Na segunda fase, fica assegurada ao réu a iniciativa de abrir pleno contraditório sobre a pretensão do autor, eliminando, dessa forma, todo e qualquer risco de prejuízo que possa ter-lhe provocado a sumariedade de cognição operada na primeira fase.”1

Via de consequência, a finalidade da abreviação procedimental é a formação de título executivo ju-dicial possibilitando ao credor a utilização das ferramentas executivas de coerção psicológica ou sub-rogação para a satisfação de seu crédito. “O fim específico do procedimento monitório é a formação de título exe-cutivo e o objetivo do pedido, em primeiro plano, é de recebimento coativo da dívida; logo, de execução. Os atos que seriam próprios de processo de conhecimento não se concluem como tais, porque o procedimento completo não enseja seu término por sentença jurisdicional. Objetivando, pois, a execução, tais atos são mero adendo, de natureza preparatória, do processo respectivo.”2

Necessário notar que o ordenamento jurídico pátrio, seja na disciplina do CPC/73 adotou o modelo do procedimento monitório documental – ao contrário do que ocorre na Alemanha e Austria (Mahnverfahren3), bem como na França (injonction de payer4), que seguem o procedimento monitório puro –, no qual se exige o exame acerca da verossimilhança do crédito da parte autora, através de prova documental ou documentada5. O crédito ancorado em prova (documental ou documentada) literal, idônea a transmitir ao juiz a presunção relativa de sua existência, validade e eficácia, despida de eficácia executiva amparará a expedição de man-dado monitório ao réu para que pague a prestação devida, ou então ofereça embargos, que suspenderão a ordem de pagamento.

Frise-se, outrossim, que seguindo os passos da doutrina majoritária, o procedimento monitório está incluído entre os procedimentos especiais de conhecimento6, no qual a sumariedade da cognição de mérito7-8 é pedra de toque no início do procedimento, oportunidade em que o juiz verifica se a prova escrita trazida pela parte é suficiente para representar a verossimilhança do pretenso crédito reclamado. “Em termos con-ceituais, a monitória é ação de cognição sumária, que objetiva a formação de título executivo em menor espa-ço de tempo, se comparado com as ações de cognição ampla, apoiando-se na existência de prova escrita, sem

1 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III – Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 340. Apenas apresentamos a ressalva, desde já, sobre a teoria do desenvolvimento do procedimento monitório em fases dentro do mesmo pro-cesso de conhecimento (ver item 5.4).

2 SANTOS, Ernane Fidelis dos. Novos perfis do processo civil brasileiro, Ed. Del Rey, 1996, p. 48.

3 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Apontamentos sobre o procedimento monitório, in: Revista de Processo, vol. 70, abr/1993, p. 19 e ss: “Na verdade, nesta espécie de procedimento, vigorante nos sistemas processuais da Alemanha e da Austria (Mahnverfahren), a prova que acompanha o pedido (Mahnantrag) é prescindível, devido não ser ela geralmente examinada pelo Juiz (Amtsgericht), porquanto a ordem liminar de pagamento (Zahlingsbefehl) é exarada pelo seu auxiliar – o Rechtspfleger alemão que, apenas, ana-lisa os pressupostos de cabimento e a verossimilhança da causa petendi deduzida.”

4 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Apontamentos sobre o procedimento monitório, in: Revista de Processo, vol. 70, abr/1993, p. 19 e ss: “Essa, igualmente, [é] a prática prodecimental da injonction de payer adotada na frança, com a única diferença de que é o próprio Magistrado, após um superficial exame formal da petição inical (requéte), quem determina a expedição da ordem de pagamento.”

5 Sobre a diferenciação entre prova documental e documentada: MARINONI, Luiz Guilherme et al. Prova, São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 532/533.

6 Ver por todos: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Apontamentos sobre o procedimento monitório, in: Revista de Processo, vol. 70, abr/1993, p. 19 e ss; CAMBI, Accácio, Ação Monitória: Aspectos doutrinários e jurisprudenciais, in: Revista de Processo, vol. 96, Out./1996, p. 183 e ss.; RODRIGUES FILHO, Eulâmpio, Procedimento Monitório, in: Revista de Processo, vol. 84, Out. 1996, p. 18 e ss; GUERRA, Willis Santiago. Ação Monitória, in: Revista de Processo, vol. 81, Jan.-Mar./1996, pp. 48/53; SHIMURA, Sérgio Seiji. Sobre a ação monitória, in: Revista de Processo, vol. 88, Out/1997, p. 58 e ss; TALAMINI, Eduardo. Tutela Monitória : a ação monitória – Lei 9.079/95 – 2. ed. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2001.

7 TALAMINI, Eduardo. Tutela Monitória : a ação monitória – Lei 9.079/95 – 2. ed. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2001, pp. 78/86; ROCHA, José Taumaturgo da. Ela, a ação monit;roia, vista por nós, os brasileiros, in: Revista dos Tribunais, vol. 82, Abr-Jun/1996, pp. 12/22.

8 Embora não analise a cognição na tutela monitória, é de grande valia a obra de Kazuo Watanabe para a compreensão exata do tema: WATANABE, Kazuo, Da cognição no processo civil, 2. ed., Campinas : Bookseller, 2000, pp. 125/145.

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força executiva. A ação monitória não é espécie do gênero ação de execução, como alguns poderia defender, sendo típica ação de conhecimento, que objetiva a formação de título executivo, sendo marcada pela adoção de procedimento simplificado.”9

Muito embora o procedimento monitório seja especial, isso não significa que deve ser considerado como “procedimento intermediário”10-11 de conhecimento e execução. Não se trata de procedimento híbrido, com componentes cognitivos e executivos, como se fosse um “tertium genus” procedimental. A diversidade ritualística do procedimento monitório na sua primeira fase não desnatura a atividade de cognição judicial, própria do processo de conhecimento, embora mais simplificada que a exigida no procedimento comum de cognição exauriente.

O Novo Código passa a tratar do instituto a partir dos artigos 700 e seguintes de forma muito mais técnica e cuidadosa do que a disciplina mínima dos artigos 1.102-A à 1.102-C do CPC/73. Passaremos a ex-aminar o novo procedimento e as marcantes mudanças na tutela monitória nos tópicos seguintes.

2. OBJETO DA AÇÃO MONITÓRIA

Uma das principais mudanças da ação monitória refere-se ao seu objeto.

O art. 1.102-A do CPC/73 previa a possibilidade de ação monitória para o pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.

O critério utilizado pelo legislador reformista no art. 1.102-A não foi o mais técnico. Permitia-se a via monitória para a obrigação de coisa fungível, sem se preocupar com sua (natureza), móvel ou imóvel. Na sequência, autorizava-se a monitória para a obrigação de entrega de bem móvel, independente de sua fungibilidade, admitindo-se, em tese, ação monitória de bem móvel infungível como, por exemplo, a entrega de determinado veículo específico, ou mesmo de uma obra de arte. Desta maneira, a única obrigação de en-trega insucetível de ação monitória era a de bem imóvel infungível. Além disso, as obrigações de fazer e de não fazer também não poderiam ser objeto de ação monitória, por inexistência de expressa autorização legal neste sentido.

O CPC/15 resolve definitivamente a questão corrigindo, ao nosso sentir, um equívoco histórico. Do-ravante todas as obrigações quanto à forma poderão ser objeto de ação monitória. O novel diploma prevê que as obrigações para o pagamento de quantia em dinheiro (art. 700, I), para a entrega de coisa fungível ou infungível e ainda de bem móvel ou imóvel (art. 700, II) e o cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer (art. 700, III) serão aptas para instrumento em análise.

Neste particular, chamamos a atenção que apenas as obrigações convencionais e legais e os atos uni-laterais de vontade podem ser objeto da ação monitória, excluindo-se as decorrentes de ato ilícito, tendo em vista a necessidade, previamente, de debate acerca da responsabilidade do pretenso causador do dano.

9 Montenegro Filho, Misael, Curso de direito processual civil, volume 3 – 8. ed. – São Paulo : Atlas, 2012, p. 433

10 Discordamos da proposição apresentada por João Roberto Parizatto: “A ação monitória introduzida ao Processo Civil por força da Lei nº 9.079, de 14 de julho de 1995, criando um procedimento intermediário, que na realidade e a princípio têm características sumárias, viabiliza a antecipação dos efeitos da execução, eis que permite que alguém com base em prova escrita, sem eficácia de título executivo, obtenha de plano, um mandado de pagamento ou de entrega da coisa objeto do pedido, sem ter que aguardar uma sentença que reconheceria seu direito, para posteriormente com base em tal título executivo judicial (art. 584, I), promover a respectiva execução e obter aquilo que lhe é devido.” (PARIZATTO, João Roberto. Da ação Monitória – Leme: LED, 1998, p. 20.) Em proposição parecida incorre Humberto tHeodoro Junior ao asseverar que: “O ato judicial parte de um convencimento liminar e provisório de que o credor, pela prova exibida, é realmente titular do direito subjetivo que lhe assegura a prestação reclamada ao réu. Daí ser possível, desde logo, ordenar-lhe que proceda ao pagamento, tal como se faz no despacho da petição inicial da ação de execução por título extrajudicial. Como, todavia, não há, ainda, título executivo, não é possível, ainda, cominar ao réu a sanção da penhora ou apreensão de bens. O ato judicial, portanto, fica a meio caminho, entre a citação do processo de conhecimento e a citação do processo executivo. É mais do que aquela, mas menos do que esta.” (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III – Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 340). Nesse sentido, ainda, BENETI, Sidnei Agostinho. Ação Monitória da reforma processual, in: Revista de Processo, vol. 77, Jan/1995, p. 20 e ss.

11 Existem ainda os que defendem a natureza de procedimentos executivo na tutela monitória: SANTOS FILHO, Orlando Ve-nâncio dos. Da natureza executiva do procedimento monitório, in: Revista de Processo, vol. 116, Jul./2004, p. 67 e ss.

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3. REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL DA AÇÃO MONITÓRIA

O CPC/15 prevê três requisitos gerais para a promoção da ação monitória, quais sejam: a) a existência de prova escrita sem eficácia de título executivo (art. 700, caput); b) ser o devedor capaz (art. 700, caput); c) a indiação do proveito patrimonial ou econômico perseguido (art. 700, § 2º).

3.1 PROVA ESCRITA

No tocante ao primeiro requisito, prova escrita sem eficácia de título executivo12, já previsto no art. 1.102-A, do CPC/73, entendemos que haverá a manutenção da jurisprudência bastante antiga e formalizada do STJ que possibilita ao credor portador de título executivo extrajudicial a promoção da ação monitória13. Os argumentos para tanto são vários.

O portador de título executivo extrajudicial não está obrigado a tutelar seu crédito exclusivamente pela via executiva, podendo, em querendo, promover ação pelo procedimento comum no processo de conhe-cimento, como se vê do art. 785, do, CPC/15. Nesta hipótese o título executivo passa a ser prova documental, possibilitando o pedido de tutela provisória da urgência (art. 300, do, CPC/15) – em havendo o requisito do perigo – ou de tutela provisória da evidência, com fundamento no artigo 311, II à IV, do CPC/15. Adotado o procedimento comum e na hipótese de indeferimento da tutela provisória eventualmente perseguida, o requerente abrirá mão dos instrumentos de coerção psicológica e sub-rogação que eventualmente possuiria caso optasse pela tutela executiva. Se o credor pode optar pelo procedimento comum, qual a razão para af-astar a possibilidade de socorro pela via do procedimento especial monitório? Nenhuma a nosso sentir.

É possível ao credor, para a tutela material de seu direito, preferir o processo de conhecimento ao processo executivo para que se forme um título executivo judicial, circunstância que limita sobremaneira a cognição de defesa durante a fase de cumprimento de sentença, como se vê da hipótese de cabimento da impugnação (art. 525, § 1º e art. 535, do CPC/15). Neste particular, não existe qualquer prejuízo ao pretenso devedor, já que terá oportunidade de resposta para o exercício pleno de seu direito de defesa.

Imagine a hipótese do credor possuir título executivo extrajudicial que comporte qualquer discussão acerca de seus requisitos, certeza, liquidez e exigibilidade (art. 783 do CPC/15). Deste modo, a opção que o credor fará levará em consideração o melhor e mais apto instrumento processual que tutele o seu direito material. Na hipótese, a adoção do procedimento monitório, visa provar o aperfeiçoamento da obrigação de acordo com seus requisitos materiais (certeza, liquidez e exigibilidade). Necessário notar que caso o credor eleja a via executiva não terá condições de provar, por qualquer outro meio, a presença dos requisitos execu-tivos, já que eles devem estar expressos, por aplicação do princípio da literalidade e taxatividade, no próprio título executivo14-15.

Por conseguinte, o caput do art. 700 do CPC/15 deve ser lido em consonância com a jurisprudência do STJ, admitindo-se a utilização de título executivo extrajudicial como prova documental.

12 Para aprofundamento sobre o tema ver por todos: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Prova escrita na ação monitória, in: Revista dos Tribunais, vol. 768, p. 11 e ss; LOPES, João Batista. A prova escrita na ação monitória, in: Revista de Processo, vol. 106, p. 28 e ss; EUGÊNIO, Paulo Eduardo Campanella. A certeza do crédito e a causa de pedir na ação monitória, in: Revista de Processo, vol. 112, p. 33 e ss.; TEIXEIRA, Rodrigo Valente Giublin. O documento eletrônico como prova no procedimento monitório, in: Revista de Processo, vol. 132, p. 83 e ss.; MARINONI, Luiz Guilherme. Conceito de prova escrita e extensão da cognição no procedimento monitório, in: Soluções Práticas, vol. 1, pp. 371/387;

13 Ver os seguintes julgados do STJ: REsp 210030 / RJ (1999), REsp 182084 / MG (2001), REsp 435319 / PR (2003), REsp 532377 / RJ (2003), REsp 504503 / RS (2003), EDcl no REsp 1231193 / RS (2014) e AgRg no AREsp 606420 / SP (2015).

14 Neste sentido é a posição de Fátima Nancy Andrighi, Da ação monitória: opção do autor, in: Revista dos Tribunais,Vol. 734, Dez/1996, pp. 71/74.

15 Em sentido contrário é a posição de Sérgio Seiji Shimura, Sobre a ação monitória, in: Revista de Processo, vol. 88, Out/1997, p. 58 e ss. e Luiz Guilherme Marinoni et al., Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo, p. 927.

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Com efeito, apenas o detentor de título executivo judicial não poderá se valer da ação monitória, já que possui, desde logo, o procedimento de cumprimento de sentença. Assim, apenas o portador de título ex-ecutivo judicial não gozará de interesse processual (art. 330, III, do CPC/15) para a promoção da monitória.

A prova escrita, em questão, deve ser apta a individualizar credor e devedor, exprimir o conteúdo da obrigação e aparentar sua exigibilidade. Em clássica lição, Moacyr Amaral Santos, pontifica: “Essencial é que a parte, contra a qual é invocado o escrito, pelo fato material da sua participação no escrito ou por sua atuação, considerando como suas as declarações nele contidas, tenha reconhecido que são verossímeis os fatos que do escrito decorrem; é que são apreciadas como ‘começo de prova’ não só os escritos feitos e assi-nados pela pessoa contra quem se invocam, ou por ela apenas feitos ou somente assinados, como também os escritos que a parte, ou seu representante, haja tacitamente reconhecido como próprios por produzi-los em juízo”16.

Denota-se, por conseguinte, que além daqueles escritos produzidos pelo pretenso devedor, possíveis documentos produzidos pelo próprio credor, ou mesmo com a participação de terceiros, podem ser suficien-tes para a caracterização da prova em estudo. É o caso, por exemplo, da duplicata sem aceite, ou mesmo da nota fiscal de compra e venda de mercadoria cujo recebimento foi assinado por terceiro que costumeira ou aparentemente representa o devedor neste ato. Ainda, o recibo de pagamento do credor realizado pelo fiador poderá servir, em tese, como prova escrita no procedimento monitório. Outro exemplo interessante que não possui a firma do devedor, mas que ocorre rotineiramente em nossos dias, são as trocas de mensagens eletrô-nicas por e-mail ou outro meio de comunicação virtual, tais como sms, “whatsapp”, “viber”, “telegram” etc17.

Parte da doutrina, no entanto, como adverte Talamini, entende que a prova escrita necessária para o procedimento monitório teria força de um título “extraordinário”. É a chamada teoria do título monitório ou injuntivo. “Há autores que, seguindo lição que vem da Itália, têm-se referido à ‘prova escrita’ exigida pela lei como ‘título monitório’. Procuram aproximá-la do título executivo, classificando-a como espécie paralela a esse integrante de um mesmo gênero. Há quem chegue a falar em ‘título quase-executivo’, ou ‘pré-título’ ou ‘subtítulo executivo’.”18-19.

O maior problema da tese em questão é atribuir à ação monitória característica que legalmente não possui, qual seja, a desnecessidade de narrar na causa de pedir os fatos decorrentes da obrigação amparada na prova escrita. A crítica torna-se mais veemente ao se constatar que não é o procedimento que determina a necessidade ou não da narrativa fática da obrigação demonstrada pela prova, mas sim a pretensão subse-quente à lesão ao direito subjetivo do interessado. Deste modo, existem pretensões em que a narrativa dos fatos não se faz necessária, v.g. a pretensão executiva, a pretensão pelo enriquecimento sem causa do cheque (artigo 61 da Lei nº 7.357/85), mas, em outras, a apresentação dos fatos (causa de pedir remota) representa requisito para aptidão da petição inicial (art. 330, I e parágrafo único, I, do CPC/15).

16 SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. IV, p. 253.

17 TEIXEIRA, Rodrigo Valente Giublin. O documento eletrônico como prova no procedimento monitório, in: Revista de Proces-so, vol. 132, p. 83 e ss.

18 Talamini, Eduardo. Tutela Monitória : a ação monitória – Lei 9.079/95 – 2. ed. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 69.

19 Dentre os principais defensores desta tese destacam-se: Francesco Carnelutti, Instituciones del processo civil. vol I. 5. ed. Italiana de 1956. 3. ed. Buenos Aires : Ejea, 1973, p. 274-277; Ernane Fidelis dos Santos, Novos perfis do processo civil brasileiro. Belo Horizonte : Del Rey, 1996, p. 39 e seguintes; Vicente Greco Filho, Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 52; Sérgio Bermudes, A reforma do CPC. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 173; J. E. Carreira Alvim, Procedimento Monitório. Curitiba : Juruá, 1995, p. 25. (Cf. Talamini, Eduardo. Tutela Monitória : a ação monitória – Lei 9.079/95 – 2. ed. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2001, pp. 69-70.) Essa parece, também, ser a orientação en-campada por Donaldo Armelin: “Tal significa dever ser prova hábil a gerar certeza, liqüidez e exigibilidade do direito invocado pelo autor, como sucede na via executiva, faltando-lhe apenas a natureza de título executivo indispensável para acessar essa via. Obvia-mente essa certeza há de emergir, segundo premissa supra assentada, ou de ausência de prova em contrário do réu decorrente de sua revelia, ou ainda da ausência ou insuficiência dessa prova no procedimento ordinário conotado aos embargos deste.” (Armelin, Donaldo. Apontamentos sobre a ação monitória, In Revisto do Instituto de Pesquisa e Estudos, n. 14, abr./jul 1996, p. 52.)

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Uma das principais inovações neste ponto, é a possibilidade de utilizar prova oral documentada pelo incidente de produção antecipada de provas20 (art. 381 do CPC/15), como prova escrita hábil para a proposi-tura da ação monitória (art. 700, § 1º). Caberá ao Juízo competente para o conhecimento da ação monitória analizar se o produto do mencionado incidente processual constitui-se como prova suficiente a evidenciar a conformação da obrigação do requerido e, consequentemente, o direito do requerente.

Caso o magistrado entenda que a prova apresentada não se reveste de suficiente probabilidade do di-reito alegado pela parte autora (idoneidade, conforme constante no texto legal) deverá oportunizar a emenda da inicial para adequação do pedido ao procedimento comum (art. 700, § 5º, do CPC/15). Em aplicação ao disposto nos artigos 9º e 10 do novo diploma processual, entendemos que o Juiz deverá possibilitar ao autor, na emenda, a apresentação de outros documentos que conformem a verossimilhança do direito alegado para o deferimento da citação da parte ré no procedimento monitório21.

Determinando a emenda, bastará ao magistrado afirmar que a prova apresentada não é idônea, sem que tenha, neste momento, que fundamentar as razões que o levaram a essa conclusão, estando plenamente cumprido o dever estampado no artigo 321, in fine, do CPC/15, que determina ao Juiz a obrigação de indicar com precisão o que deve ser corrigido ou completado. Deste modo, somente na hipótese de indeferimento da petição inicial é que o julgador deverá fundamentar, de modo particular, os motivos que o levaram à conclu-são de que o documento apresentado não era suficiente para o deferimento do pedido monitório.

Não existe qualquer dúvida, por conseguinte, que a prova escrita exigida pelo caput do art. 700 do CPC/15 caracteriza-se como pressuposto processual objetivo intrínseco (petição apta), logo se caracteriza como documento indispensável para a propositura da demanda (art. 320 do CPC/15).

3.2 CAPACIDADE CIVIL DO DEVEDOR – FAZENDA PÚBLICA

A capacidade civil do devedor é o segundo requisito estampado no art. 700 do CPC/15. Dessa forma, eventuais devedores incapazes não poderão responder à ação monitória.

Esse requisito não estava previsto no CPC/73, todavia a necessidade de nomeação de curador à lide para o incapaz revel (art. 9º do CPC/73) impedia a pronta formação do título executivo judicial caso o reque-rido não apresentasse os embargos.

O procedimento, nesta hipótese, assemelhava-se muito com o rito ordinário (CPC/73), já que os embargos, mesmo que por curador nomeado, representava ato processual indispensável, contado-se com a necessária participação do Ministério Público (art. 82 I do CPC/73).

Ademais com o acréscimo deste requisito privilegia-se a tutela dos interesses dos incapazes, impon-do-se ao requerente a conformação completa de sua causa de pedir (próxima e remota), circunstância ine-xistente no procedimento monitório.

O CPC/15 autoriza a promoção de ação monitória em face da Fazenda Pública22 (art. 700, § 6º), coadunando-se com a Súmula 339 do STJ. Como já acontece atualmente, os autos devem ser remetidos ao Ministério Público, principalmente na hipótese em que não haja resposta pelo requerido, para que atue como

20 Essa possibilidade já era defendida no regime do CPC/73 por TALAMINI, Eduardo. Tutela Monitória : a ação monitória – Lei 9.079/95 – 2. ed. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2001.

21 Essa é a mesma conclusão a que se chegou no Fórum Permanente de Processualistas Civis, como se verifica do enunciado nº 188: “Com a emenda da inicial, o juiz pode entender idônea a prova e admitir o seguimento da ação monitoria.” Ainda sobre a possibilidade de utilização da monitória com a apresentação de dois ou mais escritos que demonstrem a obrigação: Luiz Guilherme Marinoni et al., Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo, p. 928

22 Para aprofundamento sobre o tema: CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo, 10. ed., São Paulo, 2012, p. 469/482; TALAMINI, Eduardo, A (in)disponibilidade do interesse público: consequências processuais (composições em juízo, prerrogativas processuais, arbitragem e ação monitória), in: Revista de Processo, vol. 128, Out/2005, p. 59 e ss; CUNHA, Leonar-do Carneiro da. A fazenda pública e o procedimento monitório, in: Revista de Processo, vol. 124, Jun/2005, p. 53 e ss; GARCIA, Marco Túlio Murano. Apontamentos sobre o cabimento da ação monitória contra a fazenda pública, in: Revista de Processo, vol. 124, Jun/2005, p. 275 e ss.; WAMBIER, Luiz Rodrigues et al. Curso Avançado de processo civil, vol. 3 : processo cautelar e proce-dimentos especiais – 10. ed. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 355/356; FISCMANN, Gerson. Comentários ao

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“fiscal da ordem jurídica” em defesa do “interesse público”, nos termos do art. 178, I, do CPC/15, podendo, nesta condição, promover os embargos ao mandado monitório. Lembre-se que a simples participação da Fa-zenda Pública no processo não caracteriza intervenção obrigatória, podendo o membro do Ministério Público fundamentadamente deixar de atuar especificamente no caso, sustentando e demonstrando a inexistência de interesse público, ou qualquer outra hipótese de intervenção (art. 178 do CPC/15).

3.3 VANTAGEM ECONÔMICA PERSEGUIDA

O terceiro requisito diz respeito à menção expressa da vantagem econômica perseguida pela parte au-tora, como se vê no artigo 700, § 2º, do CPC/15. O inciso I diz respeito à obrigação de pagar quantia, devendo o requerente explicitar a quantia devida, instruindo-a com memória de cálculo atualizada.

O inciso II refere-se à obrigação de entrega, sendo que o requerente está obrigado a explicitar o valor atual da coisa reclamada, devidamente estimado pela parte autora, não interessando se a quantia inicialmen-te aplicada no negócio era maior ou menor do que sua estimativa de mercado no momento da propositura da ação.

O inciso III aplica-se às obrigações de fazer ou de não fazer, nas quais o credor apontará “o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido”. Há sensível diferença entre os dois critérios apontados na regra em questão. Quer nos parecer que o conteúdo patrimonial em discussão diz respeito aos aspectos contratuais envolvidos na fixação da obrigação de fazer ou de não fazer. Refere-se, por conseguinte, ao pagamento aplicado pelo credor para fazer jus à obrigação correspondente. Ele deve ser aplicado para as obrigações à título oneroso. Neste sentido, se o credor realizou o pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para que determinado webdesigner produzisse o seu website, esse seria o conteúdo patrimonial da obrigação.

O proveito econômico, por sua vez, refere-se às obrigações de fazer ou não fazer celebradas a título gratuito. Destarte, o proveito econômico corresponderia ao valor usualmente cobrado pelo devedor, ou por terceiro de qualidade similar à ele, para cumprir a obrigação onerosamente.

Os lucros cessantes, inobstante integrem, lato sensu, o proveito econômico que pode ser perseguido em Juízo, não poderão ser objeto de ação monitória, uma vez que demandam a análise acerca da responsa-bilidade do devedor e sobre a liquidez do suposto crédito.

Frise-se, por oportuno, que os requisitos previstos nos incisos do § 2º do art. 700 regerão a fixação do valor da causa, como estabelecido no § 3º do mesmo dispositivo.

Por fim, necessário frisar que a petição inicial deverá observar todos os requisitos previstos no art. 330, que passa a disciplinar a exordial, sendo que na falta de quaisquer das exigências acima apresentadas, após a oportunidade de emenda, a petição inicial será indeferida (art. 700 § 4º).

4. DECISÃO INICIAL POSITIVA – O PROBLEMA DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

A decisão inicial que determina a citação do requerido é baseada em tutela de evidência, como consta do próprio texto do art. 701, primeira parte, do CPC/15 (“sendo evidente o direito do autor”).

Cabe ao juiz ao tomar conhecimento dos fatos da ação monitória e da(s) prova(s) carreada(s) analisar se a obrigação imputada ao requerido tem aparência de verdade. “Em termos práticos, conclui-se que o juiz, quando for analisar o pedido do mandado, há de fazê-lo ciente de que deve verificar apenas se há boa chance de os fatos constitutivos terem ocorrido. Realizará simples exame de aparência de veracidade – tendo em vista inclusive a provisoriedade da conclusão a que chegará. Desenvolverá, enfim, a atividade cognitiva nos únicos limites compatíveis com o momento procedimental.”23

Código de processo civil, v. 14 : dos procedimentos especiais, arts. 982 a 1.102c – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2000, pp. 385/389.

23 Talamini, Eduardo. Tutela Monitória : a ação monitória – Lei 9.079/95 – 2. ed. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 82.

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Não é demais dizer que a decisão inicial positiva não se limita à citação do réu, pois necessariamente está atrelada à ordem dirigida ao réu para que cumpra a obrigação correlatada. Representa espécie de tutela de evidência incidental com especial. A especialidade em tela decorrente das limitações impostas à delibe-ração judicial, no tocante aos instrumentos (ordinários) de coerção psicológica ou mesmo de sub-rogação, esvaziados nesta decisão inaugural, em razão das peculiaridades da tutela diferenciada, bem como em pelas circunstâncias acerca do comportamento da parte ré.

Destarte o pronunciamento em questão é sempre tomado inaudita altera parte, como já ocorria no procedimento do CPC/73, circunstância que foi devidamente reforçada e expressada pela dicção do art. 9º, parágrafo único, III do CPC/15, pois excepciona a necessidade de ouvida prévia do réu.

Ao contrário do que ocorria, o CPC/15 determina que o julgador deverá fixar de plano os honorários advocatícios no patamar de 5% (cinco por cento) do valor atribuído à causa, para a hipótese de cumprimento espontâneo da obrigação.

A novidade não é boa.

O CPC/73 em seu artigo 1.102-C, § 1º estabelecia que se cumprida a obrigação o devedor ficaria isento de custas e honorários de advogado. O propósito da isenção era estimular o requerido a cumprir a obrigação sem mais delongas, dando fim ao procedimento e resolvendo, pela submissão o conflito, liberando-o de qualquer ônus sucumbencial.

Inobstante a regra em questão não tenha gerado os resultados esperados pela doutrina e pelo legisla-dor, já que pouquíssimas são as obrigações cumpridas espontaneamente pelo devedor nesta fase inicial sob a égide do diploma de 1973, não há dúvida que a inovação embora prestigie reivindicação antiga dos advoga-dos, vai contra o propósito de resolução célere e efetiva do processo.

Representa, pois, um retrocesso em relação ao diploma anterior. Certamente os poucos que já cum-priam espontaneamente a obrigação pensarão duas vezes antes de realizar a prestação a que está vinculado e ainda pagar ao advogado da parte adversa o correspondente à 5% do valor da causa (art. 701, in fine, do CPC/15).

O problema se agrava conforme o valor dado à causa se exaspera. Certamente em prestações de grande vulto o devedor não se sentirá estimulado a cumprí-la tendo em vista o acréscimo de 5% sobre sua obrigação em razão da simples distribuição da petição inicial pelo advogado do requerente.

Note-se que o art. 85, § 2º, do CPC/15 estabelece que os honorários de advogado serão fixados contra o vencido no patamar entre 10% e 20% sobre o valor do proveito econômico ou, sendo impossível sua fixação, sobre o valor da causa, em favor do advogado da parte adversa, atendidos os critérios (a) de grau de zelo do profissional; (b) do lugar de prestação do serviço; (c) da natureza e a importância da causa; (d) do trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Tendo por base a fixação de honorários de advogado em 10%, questiona-se qual a razoabilidade para que o profissional que apenas produziu simples petição inicial de ação monitória receba a metade do que ou-tro causídico que dedicou-se anos e anos a estenuante processo com intenso debate e produção probatória? Com o devido respeito às opiniões em contrário, entendemos que não existe proporcionalidade nos honorá-rios fixados ope legis no art. 701 do CPC/15.

Quer nos parecer, portanto, que a isenção sobre os honorários de advogado para pronto pagamento da prestação obrigacional pela parte ré deveria ser mantida neste momento processual, pelo que lamentamos profundamente sua exclusão. Note-se, que na hipotese de estabilização da tutela antecipada antecedente (art. 304 do CPC/15), não há condenação do requerido ao pagamento de honorários advocatícios, circuns-tância que incentivará o réu a possibilitar a estabilização24.

24 Em sentido contrário: Didier, Fredie et al., Estabilização da tutela provisória satisfativa e honorários advocatícios sucumben-ciais, in Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 2, Honorários Advocatícios, Ed. JusPodivm, p. 154. Fredie entende que a dis-ciplina da tutela monitória, no CPC/15, sobre os honorários advocatícios fixados inicialmente aplica-se ao regime de estabilização. SICA, Heitor Vitor Mendonça, Doze problemas e onze soluções quanto à chamada “estabilização da tutela antecipada”, in Coleção

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Outro probema neste ponto diz respeito à fixação dos honorários de advogado quando a Fazenda Pública for parte ré. Como cediço há regramento específico sobre a fixação de honorários de advogado neste caso. O art. 85, § 3º, do CPC/15 estabelece em seus incisos o escalonamento dos honorários de advogado a depender do proveito econômico ou do valor da causa, sendo impossível determinar aquele critério (art. 85, § 4º, III, do CPC/15).

Os três primeiros incisos do art. 85, § 3º25 estabelecem honorários advocatícios em patamar igual ou superior aos 5% referidos no art. 701. O problema fica mais sensível para as hipóteses apresentadas nos inci-sos IV e V do art. 85, § 3º do CPC/1526.

Na hipótese do inciso IV, para as ações com proveito econômico entre 20.000 (vinte mil) salários mínimos até 100.000 (cem mil) salários mínimos os honorários devem ser fixados entre 3% a 5%. Ou seja, a decisão inicial da monitória nestes valores, teria pronta fixação de honorários de advogado para o cumpri-mento espontâneo da obrigação em grau equivalente ao máximo legal.

Já no inciso V, para as ações com proveito econômico acima de 100.000 (cem mil) salários mínimos os honorários de advogado será fixados entre o mínimo de 1% e o máximo de 3%. Deste modo, o cumprimento da monitória pela Fazenda traria consequência sucumbencial mais gravosa para ela, pois teria que arcar com honorários de advogado de 5%, ou seja, acima do máximo legal.

Certamente a interpretação literal do art. 701, parte final, do CPC/15 não é a melhor solução para o caso da Fazenda Pública no polo passivo da ação monitória. Note-se, que a mens legis na hipótese do dispositi-vo em comento, foi garantir ao advogado da parte autora – inobstante as críticas já apresentadas – honorários equivalentes à metade do mínimo legal (10%) constante no art. 85, § 2º, do CPC/15.

Tendo em mente essa premissa, é curial notar que a fixação de honorários sempre no patamar de 5% para o cumprimento espontâneo da obrigação pela Fazenda Pública na ação monitória representa regra desproporcional e irrazoável, violando frontalmente o princípio da isonomia (art. 5º da CR/88), a caracterizar sua inconstitucionalidade que deve ser ajustada, a nosso sentir, pela aplicação da técnica da “interpretação conforme”.

Deste modo, atento ao disposto no art. 85, § 3º do CPC, os honorários de advogado na ação monitó-ria contra a Fazenda Pública devem ser aplicados pelo magistrado no equivalente à metade do mínimo legal previsto na mencionada regra.

Com efeito, nas ações em que o proveito econômico seja de até 200 (duzentos) salários mínimos os honorários de advogado devem ser fixados em 5% (inciso I); quando o proveito econômico variar de valor aci-ma de 200 salário mínimos até 2.000 salários mínimos os honorários advocatícios devem ser fixados em 4% (inciso II); nas ações em que o proveito econômico estiver acima de 2.000 salários mínimos e não ultrapassar 20.000 salários mínimos os honorários serão estabelecidos em 2,5% (inciso III); nas hipótese do proveito

Novo CPC, Doutrina Selecionada, v. 4, Ed. JusPodivm, p. 191. Importante frisar que Sica sustenta a possibilidade de condenação do requerido aos ônus de sucumbência. Discordamos de ambas as posições, como salientado acima.

25 Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais: I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos; II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duz-entos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;

26 Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais: IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

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econômico estiver acima de 20.000 salários mínimos mas não ultrapassar 100.000 salários mínimos os ho-norários de advogado serão fixados em 1,5% (inciso IV); por fim, no caso do proveito econômico ultrapassar 100.000 salários mínimos os honorários devem ser fixados em 0,5%.

Essa é a posição mais consentânea com a disciplina dos honorários de advogado contra a Fazenda Pública e com o objetivo de remuneração em padrões adequados o causídico que assistiu a parte autora.

De lege ferenda, embora ainda defendamos que a melhor solução seria a eliminação de honorários de advogado para cumprimento imediato da obrigação pelo devedor, é salutar que o legislador corrija o equívoco da fixação expressa dos honorários de advogado em 5%, conforme previsto no art. 701, in fine, do CPC/15, adotando a mens legis do dispositivo e para a fixação dos honorários de advogado no equivalente à metade do mínimo legal previsto nos artigos 85, §§ 2º e 3º, do Novo CPC.

4.1 NATUREZA JURÍDICA DO PRONUNCIAMENTO INICIAL E A FORMAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL

O debate acerca da natureza jurídica do pronunciamento inicial é tão antigo quanto sua previsão legal entre nós (pela Lei nº 9.079/95)27.

A doutrina minoritária entende que esse pronunciamento não passa de mero despacho (art. 203, § 3º, do CPC/15), pois “não tem nenhum efeito declaratório de direito nem de qualquer condenação. Não é sentença nem decisão interlocutória, porque, na verdade, nada decide”28.

Essa posição, com a devida vênia aos defensores, não guarda congruência com a atividade cognitiva realizada pelo magistrado para o deferimento do mandado monitório. É patente a existência de conteúdo decisório no pronunciamento – afora a análise dos pressupostos processuais, incluindo nesta categoria a legitimidade e o interesse processual e dos demais requisitos da petição inicial – já que o julgador terá que realizar juízo de valor sobre a prova apresentada pela parte autora como hábil para manejar a ação monitória.

Portanto, a questão se resolve em saber se o pronunciamento em tela possui natureza de sentença ou de decisão interlocutória.

Willis Santiago Guerra defende a natureza jurídica de sentença: “Essa decisão, não se opondo o réu à ordem judicial, adquire a eficácia de título executivo judicial, por expressa e excepcional disposição nor-mativa. Trata-se, assim, de sentença condenatória, visto que, além de tornar certa a exigência da obrigação substancial ajuizada, abre o caminho para a execução forçada”29. Antônio Carlos Marcato, embora admita que o pronunciamento se exterioriza como decisão interlocutória30, seguindo os passos de Edoardo Garbag-nati31, entende que “para quem o decreto ingiunzione, correspondente ao nosso mandado monitório, muito embora resulte de uma congnição sumária e seja emitido inaudita altera parte, com lastro nas afirmações e documentos unilateralmente apresentados pelo autor, adquire eficácia similar àquela da sentença con-denatória obtida no processo de cognição plena somente se e quando o réu se omitir, pois a lei lhe defere a possibilidade de dar vida, através dos embargos, a um processo que se desenvolva a plenitude do contraditório e permita, assim, a impugnação do decreto. É um provimento jurisdicional idêntico, por natureza, àquele contido em uma sentença condenatória, cujos efeitos ficam acobertados pela autoridade da coisa julgada

27 Parcela mínima da doutrina entende que a atividade judicial no procedimento monitório, no tocante à decisão inicial, é me-ramente administrativa. Edilton Meireles, Natureza da ação monitória, in Revista de Processo, vol. 95, jul/1999.

28 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Procedimento Monitório, in: Revista de Processo, vol. 81, Jan/1996, p. 24.

29 GUERRA, Willis Santiago. Ação Monitória; in: Revista de Processo, vol. 81, Jan/1996, p. 49/50.

30 MARCATO, Antônio Carlos, O processo monitório brasileiro, 2ª ed. – São Paulo : Editora Malheiros, 2001, p. 79.

31 Na célebre obra Il procedimento d’ingiunzione. Milano : Giufrrè, 1991.

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material, tal como se dá em relação a essa última quando emanada de um processo em que o réu se tornou contumaz.”32-33

O Colendo STJ possui precedente reconhecendo natureza jurídica de sentença para a decisão inau-gural em que não haja resistência da parte ré, como se vê no REsp nº 1.120.051/PA34, da relatoria do Min. Massami Ueda.

Essa posição possui duas fortes objeções. A primeira é que os seus defensores partem da atribuição da coisa julgada material ao título executivo judicial formado pela inércia do devedor quando da citação, para caracterizar o pronunciamento inaugural como sentença, pois apenas esse pronunciamento era apto a criar coisa julgada material no CPC/73 (arts. 467).

A segunda refere-se ao conceito legal de sentença. Imperioso notar que se trata de opção política a atribuição de determinado ato como sentença ou decisão interlocutória. Quando da entrada em vigor da Lei nº 9.079/95 o conceito de sentença, previsto no art. 162 do CPC/73 estabelecia que “é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”.

Note-se que o CPC/15 englobou esse conceito, como se vê no art. 203, § 1º. O novel diploma concei-tua a sentença como “o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 (sentença sem resolução de mérito) e 487 (sentença com resolução de mérito), põe fim à fase cognitiva do procedimen-to comum, bem como extingue a execução”.

Não há como conceber, com as escusas aos que pensam de modo diverso, que o julgador profira uma sentença e mande citar o réu para promover a satisfação do autor ou apresente sua defesa, de acordo com a regra legal em tela. Ademais, uma sentença de procedência sem a oportunidade de participação do réu no procedimento caracterizaria ofensa brutal ao princípio do devido processual legal (art. 5º LIV da CR/88).

Aderindo aos argumentos de Eduardo Talamini, entendemos que esse pronunciamento inicial não pode se converter, com a inércia do devedor, em sentença. “A ausência de embargos não tem o condão de

32 MARCATO, Antônio Carlos, O processo monitório brasileiro, 2ª ed. – São Paulo : Editora Malheiros, 2001, p. 81.

33 Entendendo, também, se tratar de sentença LISBÔA, Celso Anicet. O mandado monitório objetivamente complexo como chave de alguns problemas da ação monitória, in Revista de Processo, vol. 83, p. 52/53, apoiando-se na doutrina de Calamandrei, assim se posiciona: “Por essas razões concluir que o mandado monitório (rectius: a ordem judicial que determina a sua expedição) é uma sentença condenatória provisória. Tem todas as características da sentença condenatória, apenas lhe falta, ao contrário des-ta, uma declaração definitiva de existência da relação obrigacional, visto que foi pronunciada com base na apreciação de só uma parte dos fatos da lide. A sentença proferida no processo da ação monitória tem caráter provisório, passível de ser reapreciada pelo mesmo órgão judicial que a prolatou. No procedimento comum (ordinário ou sumário), a sentença de mérito tem caráter defini-tivo; uma vez emitida (e com as ressalvas dos arts. 463, inc. I e 644, caput, in fine, ambos do CPC[/73] não poderá ser revista, ou sequer retocada, pelo mesmo juízo).”Seguindo essa mesma posição é a lição de José Rogério Cruz e Tucci, Apontamentos sobre o procedimento monitório, in: Revista de Processo, vol. 70, abr/1993, p. 19 e ss: “De outra parte, no denominado procedimento monitório documental, que é caracteri-zado pelo faro de reclamar prova escrita, o mandado de pagamento (decreto motivato d’ingiunzione) só é deferido após o exame dos pressupostos de admissibilidade e da cogniçõ superficial dos elementos de convicção trazidos, correspondendo a verdadeira sentença de natureza condenatória.”

34 RECURSO ESPECIAL - AÇÃO MONITÓRIA - INÉRCIA DO RÉU - DECISÃO QUE CONVERTE O MANDADO INICIAL EM EXECUTIVO - NATUREZA JURÍDICA DE SENTENÇA - COBRANÇA, NA EXECUÇÃO, DE ENCARGOS PREVISTOS NO CONTRATO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO.1. Tem natureza jurídica de sentença a decisão que constitui o mandado monitório em título executivo judicial.2. A decisão que constitui, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo o mandado inicial em executivo não confere executividade ao documento apresentado na inicial da monitória; ao revés, ela reconhece que é devida a obrigação nele subscrita e na forma com que fora apresentado na inicial da monitória (quantum), constituindo título executivo judicial.3. Recurso improvido.(REsp 1120051/PA, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 14/09/2010)Em sentido contrário, no próprio STJ há o AgRg no CC 82.905/SP, de relatoria da Min. Eliana Calmon.CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – AGRAVO REGIMENTAL – COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO SINDICAL POR MEIO DE AÇÃO MONITÓRIA – CONVERSÃO DO MANDADO INICIAL EM MANDADO EXECUTIVO – ART. 1.102C DO CPC.1. Decisão proferida em sede de procedimento monitório que converte o mandado inicial em mandado executivo não detém na-tureza jurídica de sentença.2. Deve ser mantido o decisum atacado por seus próprios fundamentos, visto que os argumentos apresentados pelo agravante não são capazes de infirmar as razões da decisão agravada.3. Agravo regimental não provido.(AgRg no CC 82.905/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2008, DJe 18/04/2008)

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deslocar topicamente e alterar a natureza específica da decisão concessiva da tutela monitória. Portanto, esse provimento pode ter função e eficácia semelhantes à da sentença condenatória no processo comum de conhecimento – mas, nem por isso, é sentença”35.

O principal argumento dessa corrente que vê no pronunciamento de início sentença, diz respeito à caracterização da coisa julgada material sobre a decisão em tela no caso de transcurso do prazo para paga-mento ou embargos pelo requerido. Essa é umas das grandes controvérsias doutrinárias sobre a monitória.

A coisa julgada não representa qualidade inerente ao ato jurisdicional e tampouco possui escopo essencial do processo36. A atribuição da autoridade da coisa julgada decorre de opção política entre dois valo-res: a segurança, representada pela imutabilidade do provimento, e o ideal de justiça, sempre passível de ser buscado enquanto se permita o reexame do ato.

Quando da inclusão da ação monitória no CPC/73, somente a sentença (ou acórdão) não mais sujeita a recurso seria apta a formar coisa julgada, nos termos do art. 467. Com efeito, os defensores da tese, par-tindo do efeito desejado – coisa julgada material – em direção do pronunciamento da monitória desatendido pelo devedor, que acarreta a formação do título executivo, foram forçados a entender a decisão em tela como sentença, pois apenas ela seria apta a perfazer a res iudicata.

Com o devido respeito aos defensores da tese, não se pode partir da autoridade da coisa julgada e de seus elementos formadores para se conceituar em desses elementos (sentença). Nomeadamente quando esse elemento possui conceito legal. Assim, é mais adequado investigar a natureza do pronunciamento de acordo com suas caracterísitcas para se assegurar da correção de sua definição.

Por exclusão, o pronunciamento positivo proferido no procedimento monitório é uma decisão inter-locutória37. Essa conclusão decorre não só da interpretação da regra constante no art. 162, § 2º do CPC/73, como do novo art. 203, § 2º do CPC/15 que conceitua a interlocutória como qualquer decisão que não con-figure hipótese de sentença.

Ela é tomada, como já referimos acima, em juízo de verossimilhança (cognição sumária) do mérito38 pelo exame da prova documental trazida pela parte autora, que, por opção legislativa formará título executivo judicial em razão da inércia do requerido.

Essa preocupação da doutrina acerca da necessidade de formação de coisa julgada material na hipó-tese de inércia do devedor foi objeto de cuidados do legislador.

Uma das inovações mais interessantes da nova sistemática, rompendo as bases teóricas da disciplina anterior, está contida no art. 701, § 3º, do CPC/15, que permite a promoção de ação rescisória contra a deci-são inicial, quando formado o título executivo judicial pela reclacitrância do réu.

O art. 966, caput, do CPC/15 estabelece as hipóteses de rescindibildiade da “decisão de mérito, tran-sitada em julgado”. Da leitura sistemática desses dois artigos sub occulis, constata-se duas conclusões: a) a primeira que a decisão interlocutória positiva no procedimento monitório é decisão de mérito; b) a segunda é que se não houver o pagamento pelo devedor ou a apresentação de embargos ao mandado monitório, ela formará coisa julgada material.

O novo tratamento legal da coisa julgada, rompendo com as balizas do sistema anterior, estabelece que “denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso” (art. 502 do CPC/15). Desta maneira, para além da sentença, as decisões inter-

35 TALAMINI, Eduardo. Tutela Monitória : a ação monitória – Lei 9.079/95 – 2. ed. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 93.

36 Cf. TALAMINI, Eduardo. Op cit., pp. 92/105.

37 Nesse sentido GRECO FILHO, Vicente, Considerações sobre a Ação monitória, In: Revista de Processo, vol. 80, p. 155, out. 1995, p. 155; TALAMINI, Eduardo. Op cit., p. 115.

38 Em sentido contrário, vendo na decisão inicial verdadeira cognição exauriente: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Pre-clusões para o Juiz : preclusão pro iudicato e preclusão judicial no processo civil, São Paulo : Editora Método, 2004, pp.109/147.

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locutórias de mérito, como é o caso do pronunciamento ora examinado39, terão o condão de perfazer da res iudicata material, por opção legislativa neste sentido.

5. CITAÇÃO DO RÉU, SUAS ATITUDES E RESPECTIVOS EFEITOS

Proferida a decisão inicial o requerido será citado para que no prazo de 15 (quinze) dias – contados em dias úteis (art. 219 do CPC/15) – cumpra a obrigação respectiva (art. 701 do CPC/15).

O § 7º do art. 700 trouxe esclarecimento importante ao procedimento monitório. A regra diz que a citação poderá ser realizada por qualquer meio admitido no procedimento comum. Muito embora a juris-prudência e a doutrina40 já entendesse possível a aplicação de todos os meios de citação na monitória, diante da inexistência de exigibilidade de um meio especial, existia debate, embora minoritário, acerca da impossibilidade de outro meio citatório que não o oficial de justiça diante da utilização da expressão “mandado de pagamento e de entrega de coisa”41 no art. 1.102-B, do CPC.

Neste particular, o art. 246 do CPC/15 prevê como meios de citação a realizada pelo correio, pelo oficial de justiça, pelo escrivão ou chefe de secretaria, quando o requerido comparecer em cartório, por edital e por meio eletrônico, conforme regulamentação legal.

Necessário notar que ao lado da citação pelo correio e pelo oficial de justiça, a realizada por meio eletrônico deve ser considerada como pessoal. Na verdade, esta última modalidade, para àquelas pessoas jurídicas devidamente cadastradas para o recebimento de citação pelo sistema é muito mais segura do que as demais modalidades de citação pessoal, já que dirigida a representantes habilitados pela parte, devendo ser cada vez mais utilizada nos termos do art. 246, §§ 1º e 2º, do CPC/15 e art. 9º da Lei nº 11.419/2006.

Por conseguinte, nos processos eletrônicos em que a parte tiver cadastramento para o recebimento de citações eletrônicas, esse será o meio primordial para a comunicação inaugural.

Já nos processos que ainda tramitam pelo meio físico, ou mesmo nos processos eletrônicos em que a parte for pessoa natural, ou pessoa jurídica sem cadastro para o recebimento de citações eletrônicas, a regra geral sobre o meio de citação no procedimento comum é pelo correio, nos termos do art. 247 do CPC.

De acordo com esta regra, existem apenas 3 (três) hipóteses de exceção aplicáveis ao procedimento monitório: 1) quando o citado for pessoa jurídica de direito público (art. 247 III do CPC/15); 2) quando o endereço do citado não for atendido pela entrega domiciliar de correspondência (art. 247 IV do CPC/15); 3) ou então quando o autor, justificadamente, a requerer de outra forma (art. 247 V do CPC/15).

No caso de pessoa jurídica de direito público a citação em autos físicos somente será por meio de ofi-cial de justiça, já que corresponde à única espécie de citação pessoal possível. No caso dos autos virtuais – e havendo o cadastramento da Fazenda Pública na plataforma utilizada – a citação deverá ser realizada pelo meio eletrônico, como estabelecido no art. 246 V do CPC e art. 9º da Lei 11.419/2006.

Na eventualidade de a parte ré não ser atendida pela entrega domiciliar de correspondência certa-mente sua citação deverá ocorrer através de oficial de justiça, pelas mesmas razões acima referidas, salvo se pessoa jurídica e estiver cadastrada para o recebimento de citações eletrônicas, circunstância aplicável apenas aos processos virtuais.

A última exceção para a citação postal diz respeito ao requerimento fundamentado da parte autora para utilização de outra forma. Quer nos parecer que a “outra forma” mencionada no artigo é a citação por meio de oficial de justiça. Essa possibilidade se aplica também à substituição da citação eletrônica por citação

39 O regime também se aplica para as decisões interlocutórias proferidas em julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356 do CPC/15) que não desafiarem mais recursos.

40 GRECO FILHO, Vicente, Considerações sobre a Ação monitória, In: Revista de Processo, vol. 80, p. 155, out. 1995.

41 Expressão que, segundo a boa técnica processual, se relaciona com o provimento decorrente da ordem inicial do juiz para cumprimento da obrigação e não como o instrumento utilizado pelo oficial de justiça para o cumprimento da citação e intimação.

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pelo oficial de justiça. De qualquer modo, é indispensável que o requerimento da parte autora seja funda-mentado, como estabelece o art. 247 V do CPC/15, sob pena de não conhecimento pelo julgador e aplicação da regra geral.

No caso da citação eletrônica, a única justificativa plausível para afastar sua incidência diz respeito à urgência no cumprimento da ordem judicial (atinente ao lapso temporal que o ente possui para ler a citação a contar da comunicação eletrônica remetida por e-mail, nos termos do art. 5º, § 3º, da Lei nº 11.419/2006, como se vê no § 5º do mesmo artigo).

Por outro lado, para a substituição da citação pelo correio existem outros fundamentos para a mo-tivação de seu afastamento além da mencionada urgência. É possível, v. g., que o autor sustente que o réu trabalha durante o dia todo e não se encontra no seu domicílio durante o horário comercial (período em que há a entrega de correspondências), o que impediria sua citação válida, sendo aconselhável a citação por ofi-cial de justiça, aplicando-se o disposto no art. 212, § 2º, do CPC/15.

O importante, neste ponto, é saber que a partir de agora todos os meios de citação pessoal são possí-veis, sendo preferencialmente aplicada a citação por meio eletrônico nos processos virtuais em que a parte esteja cadastrada para recebê-la e nos processos físicos a citação pelo correio, bem como nos virtuais, quando a parte não esteja devidamente cadastrada. Todavia, frustrada a citação pelo correio, ou mesmo a eletrônica, por qualquer razão, deve-se lançar mão da citação pelo oficial de justiça, nos termos do art. 249 do CPC/15.

Ainda, o art. 700, § 7º, do CPC/15 encerra definitivamente a discussão acerca da citação do devedor por edital, estabelecendo sua possibilidade, conforme Súmula 282 do STJ42 e entendimento reiterado de nos-sa doutrina43. Diga-se o mesmo sobre a citação por hora certa. O início da contagem do prazo de 15 (quinze) dias ocorre de acordo com a disciplina do art. 231 do CPC/15, seguindo-se, como de costume a disciplina do atual art. 241 do CPC/73.

No caso de litisconsórcio passivo, diante da inexistência da audiência de mediação e conciliação no procedimento monitório, quer nos parecer que o prazo ora analisado comeaça a fluir a partir da última citação realizada, como disciplinado no art. 231, § 1º, do CPC/15.Necessário notar, outrossim, que deverá constar do instrumento de citação e intimação para ordem de pagamento que a parte ré estará exonerada do pagamento das custas processuais no caso de cumprimento da obrigação dentro do prazo fixado (art. 701, § 1º, do CPC/15). Inobstante as críticas já referidas acerca da fixação de honorários de advogado para cumprimento imediato da obrigação (art. 701, in fine, do CPC/15) é necessário notar que essa redução dos honorários de advogado em relação à previsão legal estampada no art. 85 do CPC/15 e a isenção das custas e despesas processuais pelo devedor caracterizam a chamada sanção positiva, tão bem descrita por Eduardo Talamini44.

As advertências dos arts. 344 (revelia), 346 (fluência dos prazos a partir da intimação da parte adver-sa sobre os pronunciamentos), 701, § 2º (conversão da decisão inicial em título executivo judicial), art. 82, § 2º (pagamento das custas processuais) e art. 85 (honorários advocatícios), todos do CPC/15, devem integrar o instrumento citatório como forma de alertar o requerido para as consequência que sofrerá caso não tome uma das atitudes positivas determinadas pelo código (pagamento ou parcelamento ou embargos), em tutela aos princípios da boa-fé objetiva (confiança) e da cooperação.

Realizada a citação, abrem-se quatro oportunidades para o devedor: 1) cumprir a obrigação; 2) cum-prir a obrigação de pagar quantia ou de entrega de coisa móvel divisível de forma parcelada; 3) permanecer inerte; 4) apresentar os embargos ao mandado monitório. Passaremos a examinar cada uma dessas situações.

5.1 CUMRIMENTO DA OBRIGAÇÃO

42 Cabe a citação por edital em ação monitória. (Súmula 282, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/04/2004, DJ 13/05/2004, p. 201)

43 Pela possibilidade da citação ficta no procedimento monitório: CAMBI, Accácio. Ação Monitória: Aspectos doutrinários e jurisprudenciais, In: Revista de Processo, vol. 96, out. 1996, p. 183. Em sentido contrário: PARIZATTO, João Roberto, Da Ação Monitória, LED, 1996, p. 51.

44 Cf. TALAMINI, Eduardo, Tutela monitória : a ação monitória – Lei nº 9.079/95, 2ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2001.

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A opção legal esperada do devedor é o cumprimento imediato da obrigação. Essa é, sem dúvida, a principal razão para a existência da tutela difrenciada de crédito pela monitória.

Para o cumprimento da obrigação a parte ré não necessita da habilitação de advogado, pois sua con-duta tem carga de direito material, comportando conteúdo processual mínimo45, é espécie do que se conven-cionou chamar de ato processual real46.

Importante salientar que qualquer terceiro interessado na exoneração da obrigação, como o cônjuge, o companheiro, o fiador, o avalista etc., ou mesmo o terceiro desinteressado, agindo em nome do devedor ou em nome próprio, poderá realizar o pagamento (cumprimento) respectivo47, mesmo não sendo parte no processo, nos termos do arts. 304 e 305 do CC/2002.

Há, ainda, a possibilidade de cumprimento parcial da obrigação. Desde logo, pode o credor levantar os valores eventualmente depositados (como ocorre no cumprimento de sentença – art. 526, § 1º, do CPC/15), receber os bens entregues, ou satisfazer-se com a ação ou omissão convencional cumprida, sem prejuízo do prosseguimento procedimental.

Questão pouco debatida na doutrina refere-se à configuração da preclusão no ato de cumprimento parcial da obrigação pelo devedor. Duas questões se colocam aqui: A primeira é se pode o devedor realizar o pagamento parcial e antes do final do prazo de 15 dias completá-lo, sem arcar com o pagamento das custas processuais e com o acréscimo dos honorários advocatícios sucumbenciais, além dos já fixados?

Pensamos que sim. O prazo para pagamento é de 15 (quinze) dias e pode a parte, em sendo possí-vel – não havendo violação ao objeto da obrigação e não trazendo prejuízos ao credor – fracionar a prestação durante esse período. Tomando como exemplo um mandado monitório para pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais), caso a parte no 3º dia do prazo realize o depósito, como forma de pagamento, de apenas R$ 20.000,00 (vinte mil reais) não estará operada a preclusão consumativa para outros pagamentos dentro do prazo. Repise-se, por oportuno, que o pagamento é um ato de direito material, muito embora esteja sendo realizado em um ambiente processual. Por conta disso, a preclusão, fenômeno tipicamente processual, não poderá afetar essa oportunidade de cumprimento da obrigação. Com efeito, caso o devedor complete seu pagamento, incluído os honorários de advogado, até o 15º dia do prazo, a obrigação estará plenamente satis-fativa, inexistindo outros ônus ao requerido.

Diante disso, é necessário notar que o ato da parte ré, durante o prazo previsto no art. 701 do CPC/15, em realizar o pagamento parcial da prestação não caracteriza preclusão consumativa para outros pagamen-tos. Deve o credor aguardar a ultrapassagem da oportunidade processual para que esteja configurada a inér-cia do devedor no tocante ao restante da obrigação não cumprida, continuando-se o procedimento, a partir daí, sobre o remanescente.

Pode o devedor promover o cumprimento parcial da obrigação e ainda promover embargos ao man-dado monitório?

Como referido acima, o simples pagamento parcial não caracteriza a preclusão consumativa para a oportunidade processual da parte. Deste modo, temos três situações a examinar.

A primeira diz respeito à possibilidade de opor embargos ao mandado monitório inclusive sobre maté-ria afeta à parcela paga. Neste ponto, entendemos que ocorreu a preclusão lógica para o debate acerca desta fração, já que o adimplemento, mesmo que parcial, caracteriza ato incompatível com o exercício de resistên-cia. Deste modo, sobre a parcela cumprida da obrigação não é possível a oposição de embargos ao mandado monitório.

45 SHIMURA, Sérgio Seiji, Sobre a ação monitória, Revista de Processo, vol. 88, out/1997, p. 58.

46 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo et alii.., Teoria geral do processo, 16ª ed., Editora Malheiros, 2000, p. 335; SILVA, Ovídio Baptista da et al., Teoria geral do processo civil, 6ª ed., São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 193.

47 No mesmo sentido SHIMURA, Sérgio Seiji, Sobre a ação monitória, Revista de Processo, vol. 88, out/1997, p. 58.

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A segunda possibilidade refere-se à possibilidade de oposição de embargos sobre matéria referente à parcela não cumprida da obrigação. Neste ponto, entendemos que o simples pagamento parcial não impede a parte de exercer, no prazo disposto no art. 701 do CPC/15, o direito ao contraditório inexistindo preclusão consumativa, como já repetido acima, por conta do cumprimento parcial da obrigação. Essa é, senão, uma das leituras possíveis da disciplina do art. 702, § 7º, do CPC/15, que estabelece, em tese, a possibilidade de oposição de embargos parciais.

A terceira questão que se coloca reporta-se ao momento em que os embargos ao mandado monitório devem ser opostos. Há necessidade dos embargos serem opostos em conjunto com a prova do pagamento parcial, ou é possível demonstrar o pagamento parcial antecipadamente e somente depois, dentro do prazo de 15 dias, promover o protocolo dos embargos? Entendemos, com escólio na conclusão acima acerca da inexistência de preclusão consumativa sobre o pagamento parcial, que inexiste qualquer impedimento para a apresentação a posteriori dos embargos, desde que dentro do prazo.

Conforme já salientamos acima, com o cumprimento da obrigação o devedor deverá arcar com o pagamento dos honorários de advogado, nos termos do art. 701, temperado com a previsão do art. 85, § 3º, ambos do CPC/15. Na hipótese de cumprimento parcial, deve a parte ré realizar o pagamento equivalente ao adimplemento parcial da obrigação com relação aos honorários advocatícios, sob pena de se submeter ao regime sucumbencial legal (art. 85 do CPC/15), incluindo o valor ou o proveito econômico da prestação parcial cumprida.

No caso de cumprimento total da obrigação e pagamento dos honorários de advogado, o credor deve ser, necessariamente, ouvido a respeito de sua satisfação integral (arts. 9º e 10 do CPC/15), em prazo razoá-vel (quando não assinado o prazo será de 05 dias, nos termos do art. 218, § 3º, do CPC/15).

Na hipótese de discordar sobre o cumprimento da obrigação o requerente tem o ônus de fundamen-tar e indicar com precisão a parcela da obrigação descumprida. Verificada essa situação, é imprescindível que o devedor seja ouvido, também em prazo razoável e equivalente ao concedido ao credor, antes da deliberação judicial, em respeito ao princípio do contraditório, salvo se não tiver habilitado advogado nos autos (art. 346 do CPC/15).

Ato contínuo, os autos devem ser encaminados ao magistrado para que analise a satisfação. Demons-trado o cumprimento apenas parcial, o juiz determinará, a continuidade do procedimento sobre o remanes-cente partindo-se para a fase executiva, como se denota do disposto no art. 701, § 2º, do CPC/15. Todavia, ao contrário do que estabelece a regra em questão (desnecessidade de qualquer formalidade), quer nos parecer que o pronunciamento em questão é indispensável. Entendemos que este pronunciamento tem natureza de sentença que desafia o mérito (art. 487, I, do CPC/15).

O devedor, ao se curvar ao mandado monitório com o cumprimento da obrigação, busca exonerar-se dela. Portanto o comportamento positivo de pagamento da prestação pelo devedor cria para ele a pretensão, ainda que material, de se livrar da obrigação. O requerente, por outro lado, alegando o cumprimento apenas parcial impõe resistência à pretensão do réu, amoldando-se o objeto litigioso naquele caso (existência ou não de cumprimento integral da obrigação). Por conta disso, o pronunciamento exarado pelo magistrado no caso tem conteúdo de sentença (arts. 203, § 1º e 354, ambos do CPC/15) que desafia o mérito do processo.

Neste sentido, demonstrada a satisfação integral do credor, inclusive dos honorários de advogado, o Juiz deverá proferir sentença com resolução de mérito pela submissão do requerido nos termos do art. 487, I, do CPC/15.

Não há dúvida que, tanto em uma hipótese, como em outra, o recurso cabível é o de apelação, nos termos do art. 1.009 do CPC/15.

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5.2 UMPRIMENTO PARCELADO DA OBRIGAÇÃO

Uma inovação deveras salutar para o procedimento monitório consta do disposto no art. 701, § 5º, do CPC/15, que estabelece a aplicabilidade do art. 916 do mesmo diploma, que disciplina a possiblidade do parcelamento legal na execução.

Primeiramente, apenas as obrigações divisíveis de bens móveis (pagar quantia em dinheiro, entrega de soja, milho, algodão, água etc) podem ser objeto do pedido de parcelamento legal pela própria natureza da prestação.

Deste modo, o requerido da ação monitória, no prazo para cumprimento da obrigação ou apresenta-ção de embargos ao mandado monitório, reconhecendo o crédito do requerente e comprovando o depósito de 30% do valor da execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, poderá requerer o pagamento do remanescente em até 6 (seis) parcelas mensais e sucessivas, acrescidas de correção monetária e de juros de 1% ao mês.

Para que se utilize do favor legal, é indispensável que o requerido reconheça o crédito do requerente, em evidente comportamento de submissão ao pedido inaugural. Esse comportamento inviabiliza completa-mente a promoção dos embargos ao mandado monitório diante da ocorrência da preclusão lógica.

Acresça-se a isso a necessidade do depósito prévio de, no mínimo, 30% da prestação da obrigação, bem como das custas processuais e dos honorários de advogado.

Os honorários advocatícios referidos no art. 916 (art. 701, § 5º) não se confundem com os honorários fixados para cumprimento imediato da obrigação (art. 701, caput, do CPC/15). Esses são regidos pelo art. 85 do CPC, próprios do regime de sucumbência. Reforça-se, portanto, o nosso argumento alhures apresentado acerca da necessidade de fixação dos honorários de advogado sucumbenciais caso o requerido não cumpra imediatamente a obrigação, evitando-se, assim, nova conclusão dos autos apenas para essa tarefa.

O mesmo deve-se dizer sobre as custas judiciais (art. 82, § 2º, do CPC/15). Não nos parece adequado “premiar” na mesma intensidade o devedor que cumpre imediatamente a obrigação, e que, por isso, recebe a isenção do ressarcimento das custas processuais, em relação àquele que se vale do favor legal do parcela-mento examinado.

O parcelamento não poderá ultrapassar 6 (seis) parcelas, as quais sofrerão a atualização pela cor-reção monetária e juros de mora de 1% ao mês, preservando, com isso, a integralidade do crédito da parte autora. No tocante às obrigações de entrega de coisa móvel divisível, a atualização deverá recair sobre o valor equivalente ao proveito econômico da prestação remanescente.

O pedido de parcelamento independente da assistência de advogado nos autos, podendo ser realizado por termo ou ato que o valha, tendo em vista se tratar de ato de direito material, como repetido supra, cuja prática dispensa a exigência de capacidade postulatória48.

Questão ainda muito debatida na doutrina e na jurisprudência refere-se à configuração, ou não, do direito do devedor em realizar o pagamento parcelado da prestação.

Paulo Nasser e Welder Queiroz dos Santos analisando o artigo 745-A, do CPC/73, sustentam, com apoio em festejada doutrina, que cumpridos os requisitos legais, o devedor tem o direito postestativo à ob-tenção do parcelamento: “… parece-nos mesmo que o parcelamento é um direito do executado, que poderá exercê-lo após analisar os riscos de reconhecer o crédito do exequente. Em verdade, ‘nenhum executado, em sã consciência’, como observa Bruno Garcia Redondo, ‘iria reconhecer o direito material do exequente e abidicar de seu direito de defesa de mérito, caso o deferimento do parcelamento pudesse ficar a critério do

48 DIDIER JR, Fredie et alii.., Curso de Direito Processual Civil – Execução, vol. 5, 5. ed. – Salvador : Editora Jus Podivm, 2013, p. 370.

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juiz a despeito da observância de todos os requisitos’. A análise do risco deve ser criteriosa já que, como se vê, o pedido de parcelamento implica abdicação do direito de se defender na execução”49-50.

O STJ, todavia, conforme o acórdão do REsp 1.264.272/RJ, firmou entendimento no sentido de que o parcelamento legal não pode ser considerado como direito postestativo do devedor51, representando, na verdade uma “técnica de cumprimento da obrigação fruto do exercício de uma faculdade legal”.

A questão merece análise cuidadosa.

Atento ao disposto no art. 916, § 1º, decorrente da disciplina do art. 10, ambos do CPC/15, antes de qualquer deliberação acerca do pedido da parte ré para o parcelamento legal do crédito é indipensável que se dê oportunidade para a parte autora se manifestar a respeito52.

Em tese, é possível imaginar hipótese na qual o credor demonstre que o cumprimento parcelado da obrigação, embora fisicamente divisível, seja totalmente imprestável para sua satisfação (inadimplemento absoluto53). Normalmente, nas obrigações de pagar quantia é muito difícil imaginar um exemplo para tanto. Por outro lado, nas obrigações de entrega de bem móvel divisível, a prática nos traz inúmeros casos em que essa circunstância pode acontecer.

Vejamos o caso de uma avença de compra e venda com entrega futura de soja. Alcançado o termo para o cumprimento da obrigação o vendedor não promove a entrega dos grãos. O comprador, por conse-guinte, promove a ação monitória. O devedor, reconhecendo o direito do credor, depositando 30% do soja contratado e pagando os honorários e as custas judiciais, requer o pagamento dos 70% restantes dos grãos em

49 NASSER, Paulo Magalhães et all., A postura ativa do devedor na execução e a necessidade de análise do risco envolvido: da reforma da execução ao Projeto do novo CPC, in Execução Civil e temas afins – do CPC/1973 ao Novo CPC : estudos em homena-gem ao professor Araken de Assis – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 857.

50 No mesmo sentido Fredie Didier Jr, Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, Curso de Direito Processual Civil – Execução, vol. 5, 5. ed. – Salvador : Editora JusPodivm, 2013, pp. 370/372: “A opção do executado pelo exercício desse direito postestativo é comportamento que impede ajuizamento de futuros embargos à execução, para a discussão de qualquer fato até aquele momento ocorrido. Trata-se de vedação que se relaciona ao princípio que proíbe o comportamento contra-ditório (venire contra factum proprium) e, portanto, está relacionada à proteção da boa fé objetiva e da confiança. (...) Preenchidos os pressupostos legais, o magistrado náo pode indeferir o parcelamento; trata-se de hipótese normativa composta por conceitos jurídicamente determinados e, além disso a consequência jurídica (direito postestativo do executado) não fica à discricionariedade do magistrado. Poderá o órgão jurisdicional, entretanto, exercendo seu poder geral de cautela, exigir alguma garantia, em razão de peculiar situação do executado.” RÉ, Aluísio Iunes Monti Ruggeri et alli seguem o mesmo entendimento, O direito material ao pagamento parcelado, in Revista de Processo, vol. 166, Dez. 2008, pp. 177/189.

51 PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.PARCELAMENTO DO VALOR EXEQUENDO. APLICAÇÃO DO ART. 745-A DO CPC.POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE PROCESSUAL. ART. 475-R DO CPC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. HIPÓTE-SE DE PAGAMENTO ESPONTÂNEO DO DÉBITO. NÃO INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO ART. 475-J, § 4º, DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO ANTE O CUMPRIMENTO ESPONTÂNEO DA OBRIGAÇÃO VEICULADA NA SENTENÇA. PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458 E 535 DO CPC NÃO CON-FIGURADA.3. Não obstante, o parcelamento da dívida não é direito potestativo do devedor, cabendo ao credor impugná-lo, desde que apre-sente motivo justo e de forma fundamentada, sendo certo que o juiz poderá deferir o parcelamento se verificar atitude abusiva do exequente, uma vez que tal proposta é-lhe bastante vantajosa, a partir do momento em que poderá levantar imediatamente o depósito relativo aos 30% do valor exequendo e, ainda, em caso de inadimplemento, executar a diferença, haja vista que as parcelas subsequentes são automaticamente antecipadas e é inexistente a possibilidade de impugnação pelo devedor, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 745-A. (REsp 1264272/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 22/06/2012)

52 Cf. REDONDO, Bruno Garcia. Parcelamento do débito na execução (“moratória” ou “favor legal” do art. 745-A do CPC): aspectos polêmicos. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BASTOS, Antonio Adonias Aguiar (coord.). Execução e cautelar: estudos em homenagem a José de Moura Rocha. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 113-126, item 6. Embora o autor sus-tente a caracterização de direito postestativo ao parcelamento legal pelo devedor, asserta que é direito do requerente ser ouvido previamente à decisão respectiva.

53 Utilizamos neste particular, os conceitos apresentados por DINAMARCO, Cândido Rangel, em seu célebre Instituições de Direito Processual Civil, vol. IV, Editora Malheiros, 2004, p. 52: “Considera-se inadimplente o devedor que não satisfaz esponta-neamente o direito reconhecido por sentença ou a obrigação a que a lei atribuir a eficácia de título executivo (CPC[/73], art. 580, par.). Mas essa idéia acomoda-se melhor no conceito de mora que no de inadimplemento, definida aquele como a situação do devedor que não efetuar o pagamento no tempo, lugar, e forma convencionados (CC, art. 394); não foi nem podia ter sido intenção do legislador exigir que, para a execução, exista uma situação de inadimplemento absoluto, que se caracteriza pela impossibilidade total e definitiva de chegar à satisfação do direito (CC, art. 395, par.)”.

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6 prestações mensais e sucessivas. Instado a se manifestar, o credor demonstra que a prestação do devedor seria dirigida para o pagamento de sua obrigação com terceiro (obrigação casada – operação muito comum no agronegócio), já que se comprometeu a realizar a exportação do produto em data exata, sendo que, ul-trapassado este termo ajustado, sua obrigação de entrega resolver-se-ia em perdas e danos (art. 395 do CC).

Esta circunstância demonstra que o requerido não possui direito potestativo em relação ao reque-rente para exercitar o parcelamento54. A análise do pedido de parcelamento deve ter em foco a utilidade satisfativa da prestação para o requerente quando do cumprimento integral da obrigação. É esse o elemento essencial para o deferimento ou indeferimento do pedido55.

Assim, muito embora o requerido tenha direito ao parcelamento legal, pode o requerente resistir, fundamentadamente, contra ele, demonstrando o perigo concreto de inadimplemento absoluto, e, portanto, inexistência de sua satisfação no plano material, quando do final do prazo do parcelamento.

O pronunciamento que concede o parcelamento é decisão interlocutória (art. 916, § 1º, in fine, do CPC/15), sendo que somente com o cumprimento integral da obrigação avençada haverá a prolação de sen-tença (com fundamento no art. 487, I, do CPC/15). Note-se que essa decisão tem o condão de obstaculizar a formação imediata do título executivo judicial, nos termos do art. 701, § 2º do CPC/15, com verdadeira eficácia suspensiva (art. 916, § 3º) sobre o mandado de pagamento imediato, já que seu cumprimento será realizado sucessivamente em parcelas. Esse pronunciamento tem o condão impedir a continuidade do pro-cesso, paralisando-o, até o cumprimento total da obrigação, ou o decurso da oportunidade para a parte ré, no processo de conhecimento.

Importante examinar ainda duas hipóteses que podem acontecer na prática forense.

A primeira delas diz respeito ao descumprimento de algum dos requisitos legais para o cumprimento parcelado da obrigação. Nas hipóteses em que o devedor depositou valor inferior aos 30% exigidos por lei, ou então deixou de recolher as custas e honorários advocatícios, ou postulou por parcelamento em prazo supe-rior ao permitido em lei, estaremos diante de situações em que não há direito ao parcelamento.

Antes de simplesmente indeferir o pedido de parcelamento, deve o julgador oportunizar manifestação do requerente, pelo simples fato de que ele, em tese, poderá concordar com o pagamento da forma proposta, caracterizando, assim, verdadeira transação56, tendo em vista a disponibilidade do direito debatido, a auto-nomia das partes para a autocomposição decorrente do princípio da independência (art. 166 do CPC/15). Tendo em vista o ajuste autocompositivo das partes, quer nos parecer mais adequado que o pronunciamento judicial proferido seja a sentença de homologação da transação entabulada entre as partes (art. 487, III, “b”, do CPC/15).

Caso o requerente discorde da proposta em desacordo com os ditames legais, o juiz deverá indeferir o pedido de parcelamento. Nesta hipótese, o reconhecimento do débito pelo requerido acarreta a necessidade do proferimento de sentença, declarando a formação do título executivo judicial (art. 701, § 2º). Note-se, que mesmo antes do início do cumprimento de sentença, os eventuais depósitos realizados pela parte ré perma-

54 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme et al., Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2008, pp. 716/717.

55 Cf. MARTINS FILHO, Marcos Simões. Art. 745-A do CPC: “Favor legal” à custa do credor?, in Revista de Processo, vol. 170, abr/2009, pp. 95/114.

56 Neste sentido é o entendimento de Bruno Garcia Redondo, Parcelamento do débito na execução (“moratória” ou “favor legal” do art. 745-A do CPC): aspectos polêmicos. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BASTOS, Antonio Adonias Aguiar (coord.). Execução e cautelar: estudos em homenagem a José de Moura Rocha. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 113-126, item 7, comentando o art. 745-A do CPC/73: “A inobservância de qualquer dos pressupostos para o parcelamento, exigidos no art. 745-A do CPC, fulmina, evidentemente, o direito do executado de obter o fracionamento da dívida. Não obstante, parece salutar que o juiz intime o exequente para manifestar-se sobre o pedido de parcelamento, já que nada impede que o credor, apesar de ter o di-reito de rejeitar a proposta do devedor, resolva concordar com a mesma, preferindo obter o pagamento parcelado nos moldes (ainda que equivocados) propostos pelo executado, do que apostar no risco do prosseguimento da execução com a imprevisível busca de bens para penhora e expropriação. Trata-se de consequência do princípio da ampla disponibilidade da execução para o exequente (art. 569), consistindo, na realidade, em verdadeira transação. ”

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necerão constritos para sua posterior conversão em penhora na fase adequada, como estabelece o art. 916, § 4º, do CPC/15.

A segunda situação é a hipótese de descumprimento do parcelamento deferido judicialmente. Como referido acima, durante a execução do parcelamento, o procedimento ainda se encontra no processo de conhecimento. Deste modo, o descumprimento do parcelamento deferido tem o efeito de caracterizar o cumprimento apenas parcial da obrigação, devendo prosseguir o procedimento com a formação do título executivo judicial sobre o valor remanescente, ipso iure, com a ocorrência da mora.

Neste caso, ocorrerá automaticamente os efeitos constantes no art. 916, § 5º, do CPC/15, ou seja, vencimento de todas as prestações parceladas subsequentes e imposição de multa equivamente a 10% sobre o valor das prestações não pagas, sem prejuízo da aplicação cumulativo do art. 916, § 4º, do CPC/15.

Por fim, necessário investigar a possibilidade de parcelamento parcial e apresentação de embargos ao mandado monitório também parciais.

A lógica do parcelamento parcial exigiria o reconhecimento apenas em parte da dívida e o cumpri-mento dos demais requisitos legais sobre essa cota obrigacional. Ao examinarmos a natureza jurídica do parcelamento, entendemos que se trata de direito subjetivo do réu (embora não potestativo) que deve ser temperado pela satisfação material do credor.

Note-se, por oportuno, que o pressuposto fundamental para o exercício do direito do réu ao parce-lamento é o reconhecimento integral do débito com o requerente. Caso contrário, faltará um dos requisitos legais para o exercício do direito, sendo, por conseguinte, mera faculdade do autor concordar, ou não, com a proposta de parcelamento (transação) neste particular.

Parcela significativa da doutrina entende de modo diverso, vendo no parcelamento parcial verdadeiro direito do devedor. Nesse sentido leciona Cássio Scarpinella Bueno: “Questão bastante pertinente, máxime quando enfrentada à luz das considerações apresentadas pelo número anterior, é a de saber se o executado pode requerer a ‘moratória’ de parte da dívida reclamada pelo exequente e apresenta ‘embargos à execução’ com relação à outra parte. É fácil ilustrar a hipótese com algum caso de ‘excesso de execução’ ou ‘cumulação indevida de execução’ (art. 745, III; v. N. 63 do Capítulo 2). O executado quer pagar o que entende devido com as inegáveis vantagens do art. 745-A, mas a execução é superior ao que deve e, por isto mesmo, quer impugnar a posição de vantagem injustamente pretendida pelo exequente na forma adequada. A melhor solução é a positiva, evidenciado, o executado, no prazo respectivo, o seu intento e a razão de fazer uso con-comitantemente dos embargos e do parcelamento do art. 745-A. Como as iniciativas ocupam-se de parcelas distintas da dívida, não há razão para recursar a possibilidade de seu uso nestas condições, sem que ocorra a ‘preclusão consumativa’ a que se refere o n. 4, supra.”57-58.

57 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva, vol. 03 – 7. Ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2014 (Capítulo 3, item 5).

58 MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil Comentado, 2. ed., São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 925: “Indaga-se, no entanto, se é possível ao executado, a um só tempo, apresentar embargos e relação a parte da dívida, reque-rendo o pagamento parcelado em relação parcela restante. A resposta a esta questão, a nosso ver, é positiva. Segundo pensamos, deve ser privilegiada a solução que propicia o pagamento parcelado da dívida pelo executado, na medida em que, com isso, evita-se a prática de atos executivos, o que atende, a um só tempo, o princípio da menor restrição possível (art. 620 [CPC/73]) e o princípio da economia dos juízos.”No mesmo sentido REDONDO, Bruno Garcia . Parcelamento do débito na execução (“moratória” ou “favor legal” do art. 745-A do CPC): aspectos polêmicos. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BASTOS, Antonio Adonias Aguiar (coord.). Execução e cautelar: estudos em homenagem a José de Moura Rocha. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 113-126, item 7, compartil-ha da mesma posição: “Leitura mais apressada do dispositivo poderia levar ao equivocado entendimento de que seria vedado, ao executado, parcelar parte do débito e apresentar defesa em relação à outra parte, caso entendesse presente, v.g., o excesso de execução. Esse entendimento, contudo, não decorre da lei e restringe o direito do executado de pagar, parceladamente, a quantia que entende devida. Caso seja apresentado, pelo exequente, um requerimento executivo em valor excessivo, superior ao realmente devido, não pode esse erro seu (quiçá má-fé) prejudicar o direito potestativo do executado de parcelar a quantia efetivamente devida. Plenamente possível, portanto, ao executado, reconhecer parte do débito — e, quanto a esta, requerer o parcelamento — e apre-sentar defesa (embargos) dirigida à parte restante21, que, v.g., considere excessiva, já que estarão sendo atendidas, inclusive, as exigências dos §§3o e 5o do art. 739-A. Nessa hipótese de “parcelamento parcial”, evidentemente os embargos somente poderão ter, como objeto, o excesso de execução resistido e, por isso, controvertido.”

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Inobstante o brilhantismos dos argumentos examinados, entendemos que assim não pode ser.

O direito ao parcelamento deve ser exercido de acordo com os limites legais estabelecidos no CPC/15, não sendo razoável alargar em favor do devedor poderes inexistentes na lei, que podem ser exercidos mesmo contra os interesses do autor, nomeadamente em vista de sua satisfação no plano material, como já salien-tamos. Note-se que essa foi, ao que parece, a opção do legislador como se vê do disposto no artigo 916, § 6º.

Aderimos, por conseguinte, aos argumentos de Paulo Nader e Welder Queiroz sobre o tema: “Com o devido acatamento, parece-nos que os embargos à execução e o parcelamento são hipóteses que se excluem, na medida em que se visa, com o parcelamento, abreviar a discussão sobre o crédito. Ou melhor, obstar qualquer discussão sobre o crédito. Citado, portanto, deverá o devedor adotar a postura ativa, ponderando de forma intensa e profunda acerca das vantagens e desvantagens de pagar voluntariamente os valores de-mandados, fazendo uso do parcelamento, ou opor embargos à execução e instaurar legítima discussão sobre serem ou não devidos os valores objeto da execução. Trata-se de situação com dois extremos. Como diria Robert Dworkin, em sua célebre obra Talking Rights Seriuosly, algumas situações são ‘all-or-nothing’ – tudo ou nada. No presente caso, no que toca ao parcelamento, cremos que se o credor concorda com o montante que lhe é demandado, deve fazer uso do parcelamento, que é, na verdade, um incentivo ao pagamento breve e efetivo nas execuções justas e, mais do que isso e não menos importante, consiste em mecanismo voltado à efetividade da execução e à satisfação do credor.”59

Por fim, mister salientar que em razão da vedação imposta pelo art. 916, § 7º, será impossível a utili-zação do pagamento parcelado na fase de cumprimento de sentença que virá na sequência.

5.3. INÉRCIA DO DEVEDOR

Outro comportamento viável ao devedor é deixar de cumprir a obrigação e não opor os embargos ao mandado, permanecendo em inércia.

Neste caso, como disciplinado no art. 701, § 2º, do CPC/15, “constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, independentemente de qualquer formalidade”.

O novo diploma processual, de forma propedêutica, esclarece a desnecessidade de novo pronun-ciamento judicial confirmatório da decisão inicial que ordenou ao requerido o cumprimento da obrigação. Desta maneira, a conduta omissiva da parte ré, per se, tem o condão de transformar a ordem inicial em título executivo judicial, mesmo que sem sentença específica para tanto.

Necessário notar que permanecendo em inércia, a parte ré deverá arcar com os ônus sucumbencias conforme disciplinados no art. 82, § 2º e no art. 85 do CPC/15 de forma integral. Assim, é aconselhável que na própria decisão inicial o magistrado já fixe os honorários de sucumbência para o caso de inércia da parte ré, observados os critérios estabelecidos no art. 85 do diploma processual.

Ainda, sendo o requerido a Fazenda Pública, o art. 701, § 4º, do CPC/15, estabelece a necessidade da remessa necessária (art. 496 do CPC/15), observadas as exceções previstas no art. 496, § 3º.

Importante lembrar que formado o título executivo judicial pela recalcitrância do requerido, opera-se o efeito da coisa julgada material com relação à decisão inicial, nos termos do 502 do CPC/15, desafiando, no prazo legal, ação rescisória, como previsto no art. 701, § 3º c/c art. 966 do CPC/15.

5.4 EMBARGOS AO MANDADO MONITÓRIO

A quarta opção do requerido é a apresentação de embargos ao mandado monitório. Como já ocorria na sistemática do CPC/73, não há necessidade de qualquer segurança do Juízo devendo a parte apresentar,

59 NASSER, Paulo Magalhães et all., A postura ativa do devedor na execução e a necessidade de análise do risco envolvido: da reforma da execução ao Projeto do novo CPC, in Execução Civil e temas afins – do CPC/1973 ao Novo CPC : estudos em homena-gem ao professor Araken de Assis – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 858.

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nos mesmos autos da ação monitória, os respectivos embargos ao mandado dentro do prazo de 15 (quinze) dias para pagamento.

Quer nos parecer que a natureza jurídica dos embargos ao mandado monitório adotada pelo CPC/15 é de ação60. Antônio Carlos Marcato pontifica que “Os embargos deferidos ao réu pelo art. 1.102c do Código em vigor [CPC/73] guardam similitude com os embargos à execução fundada em título executivo extrajudi-cial – e têm, com estes, natureza de ação –, dando vida, uma vez opostos, a um processo autônomo de conhe-cimento, incidente ao monitório, observados os trâmites do procedimento comum ordinário. A sua natureza de ação não é afetada pelo fato de serem eles processados nos mesmos autos (...), pois não compõem uma fase do procedimento monitório, nem têm, à evidência, os mesmos escopos dos embargos à execução, pois sequer existe título executivo a ser impugnado. Atua, isto sim, imediatamente no sentido de suspender a efi-cácia do mandado monitório (e essa é a consequência puramente processual), permitindo mediatamente a plena cognição, à luz do efetivo contraditório então instaurado por iniciativa do embargante, das matérias de defesa através deles apresentadas e de todas as questões suscitadas pelas partes.”61

Em decorrência disso, cabe ao requerido promover o início do debate sobre possíveis vícios acerca do débito e de sua causa, lançando mão, como não poderia ser diferente, de todas as defesas de que disponha, tanto as processuais (art. 337 do CPC/15), quanto as substanciais, diretas e indiretas, passíveis de alegação no procedimento comum (art. 702, § 1º do CPC/15).

Mister verificar que o rito a ser observado na tramitação dos embargos monitórios é o procedimento comum, com quase todas as suas características. Haverá, portanto, a partir da ação do devedor, o aprofun-damento da cognição, podendo o julgador rever a decisão inicial do procedimento monitório, se devidamente provada a inconsistência da verossimilhança decorrente da prova que acompanhou a exordial do autor.

Inovação importante, que dá densidade aos princípios da cooperação (art. 6º do CPC/15) e da bo-a-fé objetiva (art. 5º do CPC/15), é a necessidade da parte ré indicar nos embargos o valor incontroverso, devidamente aparelhado com demonstrativo do débito e sua atualização (juros e correção monetária), como estabelece o § 2º do art. 702 do diploma processual. Regra equivalente já consta na disciplina da impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, § 4º e 535, § 2º [contra a Fazenda Pública]), nos embargos à execu-ção (art. 917, § 3º) e nas ações revisionais de obrigação decorrentes de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens (art. 330, § 2º).

O art. 702, § 3º estabelece que se o devedor não indicar o valor correto, ou então deixar de apresentar o demonstrativo do débito, o Juiz rejeitará liminarmente os embargos, ou então não conhecerá deste funda-mento, havendo outros. A rejeição ou o não conhecimento, entretanto, somente poderá ser proferida após a oportunidade de emenda (art. 321, do CPC/15), ou então de saneamento do vício – caso constatado pelo

60 Grassa na doutrina grande debate sobre o tema. Destacam-se em defesa da natureza jurídica de contestação aos embargos monitórios sob a égide do CPC/73: Ada Pelegrini Grinover, Ação Monitória, pp. 24/28; João Batista Lopes, Ação Monitória (Lei 9.079, de 14.7.1995), p. 317; J. E. Carreira Alvim, Procedimento monitório, pp. 133/135; Clito Fornaciari Jr, A reforma proces-sual civil, comentários ao rt. 1.102c; José Amir Amaral, Algumas considerações sobre a ação monitória, p. 253; Laércio Alexandre Becker, Da ação monitória, p. 2.743; Novély Vilanova da Silva Reis, Ação monitória (indicações práticas), pp. 302 e 303; Sálvio de Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil anotado, 7. ed., p. 731; Willis Santiago Guerra, Ação Monitória, in: Revista de Pro-cesso, vol. 81, pp. 48-53; Sérgio Seiji Shimura, Sobre a ação monitória, in: Revista de Processo, vol. 88, p. 58 e ss; Fernando César Zeni, Aspectos polêmicos da ação monitória, in: Revista de Processo, vol. 91, p. 274/283.Inúmeros são os defensores da tese de que os embargos ao mandado monitório têm natureza de ação: Antônio Rafael Silva Salva-dor. Da Ação monitória e da tutela jurisdicional antecipada, pp. 30/31; Sérgio Bermudes. A reforma do Código de Processo Civil, pp. 176/177 e Ação Monitória: primeiras impressões sobre a Lei n. 9.079, de 14.7.95, in: Estudos de direito processual civil em memória de Luiz Machado Guimarães, p. 278; José Rogério Cruz e Tucci. Ação Monitória, n. 12, p. 90; Cândido Rangel Dinamar-co, A reforma do Código de Processo Civil, n. 168-M, pp. 243/244; Donaldo Armelin, Apontamentos sobre a ação monitória, Lei n. 9.079/95, pp. 66/67, Humberto Theodoro Jr, Curso de Direito Processual civil – Procedimentos Especiais, V. III, n. 1.483, pp. 382 e 383; Vicente Greco Filho, Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória, p. 54 e Considerações sobre a ação monitória, in: Revista de Processo, vol. 80, p. 155; Antônio Carlos Marcato, O processo monitório brasileiro, pp. 95/96; Elâmpio Rodrigues Filho, Procedimento Monitório, in: Revista de Processo, vol. 84, p. 18 e ss; Ernane Fidélis dos Santos, Procedimento Monitório, in: Revista de Processo, vol 81, p. 24.Ainda, há quem defenda que os embargos monitórios não se enquandram no conceito de ação ou de contestação, vendo natureza jurídica de “medida impugnativa incidental”: HOFFMAN, Paulo. Monitória efetiva ou cobrança especial? Uma proposta para que o processo monitório atinja seus objetivos, in: Revista de Processo, vol. 117, pp. 176/192.

61 MARCATO, Antônio Carlos. O processo monitório brasileiro, p. 95.

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magistrado após a resposta do autor – em atenção ao princípio da primazia do julgamento de mérito (art. 4º, do CPC/15).

Consolidando o entendimento lançado na Súmula 29262-63 do STJ, o art. 702, § 6º, primeira parte, do CPC/15 permite ao requerido/embargante a promoção de reconvenção em face do requerente/embargado. A intenção do legislador, por óbvio, foi permitir ao requerido a cumulação de pedido nos embargos (art. 327 do CPC/15) de pretensão conexa (art. 343 do CPC/15) com o pedido principal da monitória ou com fundamento da resistência dos próprios embargos. Esse instituto não se caracteriza, propriamente, como reconvenção, já que essa, como sabemos, é espécie de resposta do réu no procedimento comum. Trata-se, na verdade, de uma espécie extraordinária de cumulação de pedidos, na qual se exige a conexão com o pedido monitório, repita-se.

Importante salientar que com a oposição dos embargos haverá a aplicação imediata de efeito suspen-sivo contra a decisão inicial por força do disposto no art. 702, § 4º do CPC/15. A regra é bastante salutar, neste particular, já que o documento que ampara a monitória não goza dos rigores do título executivo extrajudicial, ou mesmo do título executivo judicial, esse, em regra, proferido em cognição exauriente e plena.

Assim, o devedor diligente, independentemente de fundamentação específica para tal finalidade, exigida para os embargos à execução (art. 919, § 1º, do CPC/15), suspenderá a eficácia do mandado de pa-gamento com o simples exercício da ação em tela.

Diante da concessão desse efeito suspensivo ope legis inexiste qualquer tumulto processual para a tramitação dos embargos ao mandado monitório nos próprios autos da monitória, já que nenhum outro ato (formação do título executivo judicial ou seu cumprimento) será realizado até a solução do litígio, ao menos em 1º grau.

Entretanto, os embargos ao mandado monitório possuem carga suspensiva na medida de sua cor-respondência com o crédito do requerente. Em outras palavras, instaurada controvérsia apenas parcial a respeito do crédito da parte parte autora nos embargos ao mandado monitório, o efeito suspensivo alcançará apenas essa parcela. Assim, o mandado em sua fração incontroversa prosseguirá com sua eficácia plena, constituindo-se título executivo judicial em favor do autor (art. 702, § 7º, in fine, e art. 701, § 2º, primeira parte, do CPC/15).

Ao contrário do que se passa com a simples inércia da parte ré, em que a formação de título executivo judicial se dá sem qualquer outra formalidade ou pronunciamento jurisdicional, entendemos que neste caso deve o magistrado indicar, por decisão interlocutória, a existência de parcela incontroversa do crédito e apli-car os efeitos inércia parcial, declarando a formação do título executivo judicial nesta quota, tal qual acontece com a declaração dos efeitos da revelia.

Este pronunciamento pode ser tomado de ofício, sem a provocação da parte autora, já que a formação do título executivo judicial, mesmo que em parte, é decorrência legal da inércia (efeito da revelia) do reque-rido em opor-se ao mandado inaugural. O pronunciamento é exigível para que a ocorrência da incontrovérsia não fique ao encargo do requerente (credor), evitando-se assim, tumulto processual desnecessário com o debate no cumprimento, acerca da inexistência do título executivo judicial em decorrência da controvérsia plena nos embargos ao mandado monitório.

Quer nos parecer que a decisão interlocutória em comento poderá ser objeto de agravo de instru-mento, nos termos do art. 1.015, II, do CPC, já que refere-se à matéria atinente ao mérito, ao nosso ver, do processo monitório.

Chamamos a atenção para a redação do art. 702, § 7º: “§ 7º A critério do juiz, os embargos serão autuados em apartado, se parciais, constituindo-se de pleno direito o título executivo judicial em relação à

62 A reconvenção é cabível na ação monitória, após a conversão do procedimento em ordinário.(Súmula 292, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/05/2004, DJ 13/05/2004, p. 183)

63 Antes mesmo da edição da Súmula ZENI, Fernando César já defendia a possibilidade de reconvenção na ação monitória, considerando que os embargos ao mandado monitório tinha natureza jurídica de contestação.

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parcela incontroversa.” (destaque nosso). Obviamente a regra não pretende que esteja ao alvedrio do julgador a constituição, ou não do título executivo judicial sobre a parcela incontroversa do crédito. Como estabele-cido acima, sua formação é ope legis, sendo apenas conformada por decisão interlocutória para garantir a segurança e eficiência do futuro procedimento executivo. Destarte, não é opção, critério ou escolha do juiz a formação do título executivo judicial sobre a fração incontroversa no caso de embargos parciais, já que se trata de efeito do próprio mandado monitório.

Com efeito, a expressão “a critério do juiz” contida no artigo 702, § 7º refere-se à possibilidade, ou não, de realizar nos mesmos autos e simultaneamente, a dedução do procedimento comum dos embargos monitórios e o procedimento executivo da parcela incontroversa.

A nosso sentir, é simplesmente impossível realizar a adequada tramitação processual, nos mesmo autos, de dois procedimentos completamente desconexos, o que certamente trará embaraços tanto para a tramitação dos embargos e seu julgamento de mérito, como para o procedimento do cumprimento de sen-tença da parte incontroversa e sua satisfação, em evidente confronto com o disposto no art. 4º, do CPC/15.

Deste modo, existindo parcela incontroversa de crédito, é indispensável, ao nosso sentir, que o ma-gistrado determine a autuação em apartado dos embargos ao mandado monitório, prosseguindo nos autos da monitória o procedimento executivo com relação ao título executivo judicial formado.

Recebida a inicial dos embargos, o autor será intimado, já que desnecessária sua citação, tendo em vista a sistemática procedimental e sua assistência por advogado, para responder aos embargos (art. 702, § 5º). Essa resposta será exercida por contestação (art. 335, do CPC), no prazo de 15 (quinze) dias.

Caso o requerido/embargante apenas oponha os embargos, sem a apresentação da “reconvenção” (rectius, cumulação de pedido conexo) referida acima, entendemos que, embora haja previsão, em tese, para que o requerente/embargado promova a reconvenção aos embargos, já que representa modalidade de resposta, que ele não ostente interesse de agir para seu manejo, pois será efeito necessário da sentença de improcedência (art. 702, § 8º do CPC/15) ou de procedência parcial64 a formação de título executivo judicial sobre o crédito reclamado inicialmente na monitória. Por outro lado, há possibilidade de reconvenção caso a pretensão exercida pelo requerente/embargado seja diversa da formação de título executivo sobre o crédito reclamado inicialmente.

Movendo o requerido/embargante a reconvenção [rectius cumulação de pedido conexo], o art. 702, § 6º, in fine, do CPC/15 veda o oferecimento de reconvenção, excepcionando, assim, o disposto no art. 343 do diploma.

Questão interessante é a análise do ônus de prova nos embargos ao mandado monitório. Como bem explica Marcato, a doutrina italiana que influenciou a disciplina do procedimento monitório entre nós, en-tende que apesar do contraditório ser instaurado por iniciativa do réu ao apresentar seus embargos (oppo-sizione), abrindo espaço para a cognição exauriente e plena do julgador, será o autor da monitória quem deverá arcar com o ônus probatório da demonstração do crédito reclamado, sem que isso comporte inversão do encargo, pois se ao final houver dúvidas sobre a existência do direito reclamado os embargos deverão ser julgados procedentes65.

Por outro lado, existem àqueles que defendem verdadeira inversão nos polos processuais dos embar-gos, devendo o embargante/requerido arcar com o ônus probatório enquanto autor da demanda66.

Utilizando-se as regras ordinárias de distribuição do ônus de prova, quer nos parecer que o autor/embargado deverá demonstrar os fatos constitutivos de seu direito (art. 373, I, do CPC/15), enquanto o réu/

64 Interpretação permitida a partir do disposto no art. 702 § 7º do CPC/15, hipótese na qual o de cumprimento da sentença da parcela que o devedor restou vencido poderá ser realizada em autos em apartado, caso haja a interposição do recurso de apelação por quaisquer das partes.

65 MARCATO, Antônio Carlos. O processo monitório brasileiro, p. 97

66 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ação monitória, n. 12, p. 90 e ARMELIN, Donaldo. Apontamentos sobre a ação monitória, Lei n. 9.079/95, pp. 66/67.

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embargante tem o encargo de demonstrar a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do di-reito do autor (art. 373, II, do CPC/15). Perceba-se que no início do procedimento monitório o requerente já demonstrou, inobstante o tenha feito em cognição sumária, a verossimilhança de seu crédito. Em razão disso, prima facie, a principal carga probatória deve recair ao encargo do requerido/embargante com a finalidade de, no mínimo, abalar a probabilidade do direito do autor da monitória.

É totalmente aplicável aos embargos ao mandado monitório, diga-se, a regra inserida no art. 373, § 1º, do CPC/15, que positiva entre nós a aplicação da teoria da carga dinâmica do ônus da prova. O dispositivo permite ao magistrado a distribuição do ônus de prova de modo diverso do constante no caput e incisos do dispostivo (acima referidos) nas hipóteses em que haja: a) impossibilidade ou excessiva dificuldade para a produção da prova pela parte ordinariamente encarregada; b) ou maior facilidade para a parte adversa provar o fato. Com isso, visa-se flexibilizar67 o onus probandi da parte ordinariamente incumbida de prova diabólica.

Lucas Buril de Macêdo e Ravi Peixoto chamam a atenção para a circunstância de que embora a probatio diabolica tenha recebido atenção no tratamento do ônus de prova de fato negativo – alegação bas-tante comum nos embargos ao mandado monitório – é necessário notar que nem em todo caso em que haja este tipo de sustentação ocorrerá a distribuição diversa do ônus de prova: “A aplicação da teoria dos ônus probatórios dinâmicos no nosso sistema vem em socorro dos jurisdicionados, tendo em conta as carências do processo estático – o que dá azo a falhas na tutela dos direitos, especialmente os fundamentais processuais –, portanto não se deve engessar (novamente) o procedimento através da regra, desta vez jurisprudencial, de que se tratando de fato negativo há de se inverter o onus probandi. Há fatos negativos que podem ser provados, não constituindo, por conseguinte, ratio para aplicação da dinamização do ônus de prova. Deve-se proceder com cautela, pois ‘à primeira vista, parece impossível a prova de um fato negativo definido e fato negativo indefinido, pois somente este não pode ser objeto de prova’”68.

Ao final a sentença poderá ter três resultados. A procedência, a procedência parcial e a improcedên-cia dos pedidos dos embargos ao mandado monitório.

A procedência dos embargos acarretará a extinção da declaração de inexistência do débito reclamado. A improcedência, por outro lado, acarretará a constituição do título executivo judicial, independentemente do trânsito em julgado, prosseguindo-se o procedimento agora na fase executiva (art. 702, § 8º, do CPC/15). No caso de procedência parcial, ocorrerá duplo efeito. Na parte acolhida haverá a declaração da inexistência do débito, parcialmente, e na parte rejeitada a formação do título executivo judicial, também em parte.

Como forma de viabilizar a tutela da confiança no procedimento monitório, com o escopo de torná-lo instrumento efetivamente célere e inibir sua utilização por aventureiros processuais, os §§ 10 e 11 do artigo 702 traz inovação substancial ao estabelecer que caso o autor proponha indevidamente a ação monitória e de má-fé; e se o réu opuser embargos ao mandado monitório imbuído também de má-fé o juiz os condenará ao pagamento de multa equivalente à 10% sobre o valor da causa.

O elemento essencial para a sanção processual em comento é a caracterização da má-fé processual (art. 80 do CPC/15) no comportamento das partes. Por opção legislativa, tendo em vista o objetivo de celeri-dade próprio da tutela diferenciada em análise, houve a exasperação da multa prevista no art. 81 do Código para o máximo legal. Espera-se que este dispositivo represente um convite para que as partes atuem de modo a respeitar o comportamento probo, obsevando, sempre, a boa-fé objetiva69 como verdadeiro guia de seus atos processuais e que os magistrados, em geral, passem a aplicar a sanção processual sempre que observaremo comportamento ímprobo das partes.

67 Eduardo Cambi lembra que a hipótese em comento não é de inversão do ônus da prova que depende de análise judicial (ope iudicis), “porque só se poderia falar em inversão caso o ônus fosse estabelecido prévia e abstratamente. Não é o que acontece com a técnica da distribuição dinâmica que se dá no caso concreto. O magistrado continua sendo o gestor da prova, agora com poderes ainda maiores, proquanto, ao invés de partir do modelo clássico (art. 333[CPC/73]), para depois inverter o onus probandi (CDC, art. 6º, inc. VIII), cabe verificar, no caso concreto, quem está em melhores condições de produzir a prova e, destarte, distribuir este ônus entre as partes.” CAMBI, Eduardo, Curso de direito probatório, Juruá, 2014, p. 227.

68 MACÊDO, Lucas Buril de et al., Ônus da prova e sua dinamização, JusPodivm, 2014 p. 168.

69 Cf. THEODORO JR, Humberto et alii.., Novo CPC – Fundamentos e sistematização, Rio de Janeiro : Forense, 2015, pp. 159/211

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No tocante aos ônus sucumbenciais aplicam-se as regras dos artigos 82, § 2º, e 85 do CPC/15, como sói acontecer no procedimento comum.

6. O RECURSO CONTRA A SENTENÇA DOS EMBARGOS AO MANDADO MONITÓRIO

O art. 702, § 9º, do CPC/15, embora desnecessário, estabelece que contra a sentença dos embargos ao mandado monitório, terminativa ou definitiva, caberá o recurso de apelação, repetindo, neste particular, a hipótese de cabimento prevista no art. 1.009.

A indagação que se coloca, há muito, sobre este ponto diz respeito aos efeitos da apelação interposta em face da sentença de improcedência e/ou de procedência parcial dos embargos ao mandado monitório.

Sob a égide do CPC/73 a maioria da doutrina70 e da jurisprudência71-72 formaram-se no sentido de que a apelação desta sentença deveria ser recebida no duplo efeito, tendo em vista a inexistência de previsão no antigo art. 520 que excepcionasse a suspensão da sentença de 1º grau, já que a leitura deveria ser “restritiva” acerca das ressalvas legais.

Ainda no antigo regime estávamos alinhados com corrente diversa, que entendia que a sentença de improcedência ou de procedência parcial deveria ser recebida, exclusivamente, no efeito devolutivo. Marcato já sustentava que a inaplicabildade do efeito suspensivo decorria da aplicação, por analogia, do disposto no artigo 520, V, do CPC/73 (rejeição dos embargos à execução). Salienta o professor paulista que “uma vez reconhecidas, a sua natureza de ação e as similitudes que apresenta com os embargos à execução, não se justifica, à luz da instrumentalidade do processo e da efetividade da tutela jurisdicional”73 o entendimento acerca da atribuição do duplo efeito à apelação.

Aderimos aos precisos argumentos de Ronaldo Frigini, ao salientar que “é preciso ponderar que o duplo efeito, por força da inexistência de previsão expressa no art. 520 do CPC[/73] acarreta a adoção de cri-tério meramente formal ou legalista, afastando-se do justo perseguido pela ciência do direito processual em consoância com os critérios constitucionais do processo. (…) a rejeição da defesa apresentada pelo devedor tem a potência de reforçar aquela conclusão originalmente tirada dos elementos apresentados pelo credor, isto porque ocorreu profunda análise dos elementos probatórios trazidos especialmente pelo devedor (já que o próprio sistema transferiu-lhe o ônus contra a presunção juris tantum até então existente), concluindo o juiz, destarte, pelo acerto quanto a existência do crédito e seu inadimplemento.”74

No CPC/15, muito embora o rol do art. 1.012 lamentavelmente não expresse a hipótese da sentença terminativa ou de improcedência dos embargos ao mandado monitório, quer nos parecer que o art. 702, §§ 4º e 8º se ocupam de garantir o afastamento do efeito suspensivo ao recurso de apelação nestes casos.

O mencionado § 4º do art. 702, na sua parte final, estabelece que o efeito suspensivo automático decorrente da oposição dos embargos ao mandado monitório somente terão eficácia até o julgamento em 1º

70 Eduardo Talamini, Tutela Monitória, p. 165; Ernane Fidelis dos Santos, Ação Monitória, p. 180; José Rogério Cruz e Tucci, Ação monitória, p. 98; João Roberto Parizatto, Ação monitória, p. 118; Arlete Inês Aurelli, Recursos em ação monitória – Lei 9.079, de 14.07.1995, in: Revista de Processo, vol. 93, p. 258 e ss.; Fávia Maria Palavéri Machado, Efeitos em que deve ser recebida a apelação na ação monitória, quando os embargos não são recebidos ou são julgados improcedentes, in: Revista de Processo, vol. 112, p. 315 e ss.

71 STJ: Processual Civil. Recurso Especial. Embargos à Monitória. Apelação.Efeitos.As hipóteses excepcionais de recebimento da apelação no efeito meramente devolutivo, porque restritivas de direitos, limitam-se aos casos previstos em lei.Os embargos à monitória não são equiparáveis aos embargos do devedor para fins de aplicação analógica da regra que a estes de-termina seja a apelação recebida só no seu efeito devolutivo.Rejeitados liminarmente os embargos à monitória ou julgados improcedentes deve a apelação ser recebida em ambos os efeitos, impedindo, o curso da ação monitória até que venha a ser apreciado o objeto dos embargos em segundo grau de jurisdição.(REsp 207.728/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/05/2001, DJ 25/06/2001, p. 169)

72 Ver ainda os arestos do STJ REsp 207.266/SP, REsp 207.750/SP e REsp 170.482/SC.

73 Antônio Carlos Marcato, O processo monitório brasileiro, p. 110.

74 Ronaldo Frigini, Dos efeitos do recurso no procedimento monitório, in: Revista de Processo, vol. 125, p. 261 e ss.

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grau. Ora, quer nos parecer que utilização da expressão em destaque denota que não subsitirá efeito sus-pensivo na apelação interposta contra a sentença de improcedência ou mesmo de procedência parcial dos embargos. Ainda, o § 8º do mesmo artigo estabelece que com a rejeição dos embargos estará constituído, de pleno direito, o título executivo judicial, prosseguindo-se o processo nos termos do procedimento de cumpri-mento de sentença75.

Esse é o entendimento exarado pelo Enunciado nº 01 – Grupo Procedimento Especiais – do CEA-PRO76.

Ademais, é indispensável agregarmos outros dois argumentos neste particular. Se na disciplina do CPC/73 havia dúvida acerca da natureza jurídica de ação dos embargos ao mandado monitório, quer me parecer que o novo tratamento legal põe pá de cal na discussão. Por conseguinte, é inegável as semelhan-ças existentes entre os embargos à execução e os embargos ao mandado monitório, não havendo qualquer justificativa plausível, que não o rigor excessivamente formal, para o tratamento recursal diferenciado entre eles. Como cediço, o art. 1.012, III, do CPC/15 retira o efeito suspensivo da apelação contra a sentença ter-minativa ou improcedente dos embargos à execução. É, por conseguinte, indispensável a extensão do mesmo tratamento legal dado aos embargos à execução para os embargos ao mandado monitório, pois estão encon-tram-se em identidade de condições no plano horizontal.

Não bastasse isso, entendemos que a decisão inicial positiva proferida no procedimento monitório caracteriza-se como espécie de tutela da evidência, como já referimos acima.

Note-se, que o art. 9º, em seu parágrafo único, apenas excepciona a necessidade de prévia ouvida do réu nas hipóteses de concessão de tutela provisória de urgência, de tutela provisória da evidência, nos termos do art. 311, II e III e no caso da decisão interlocutória positiva que determina a ordem monitória. Com efeito, analisando as hipóteses previstas no art. 1.012, entendemos que a sentença de improcedência ou mesmo de procedência parcial dos embargos ao mandado monitória tem por efeito a confirmação77 da decisão liminar anteriormente proferida no procedimento monitório. Mutatis mutandis, a sentença examinada está no mes-mo plano horizontal daquela proferida em procedimento comum clássico em que há a confirmação da tutela provisória, situação na qual o recurso de apelação será recebido apenas no efeito devolutivo (art. 1.012, V, do CPC/15).

Assim, defendemos que a sentença de improcedência ou a de improcedência parcial poderão ser objeto de cumprimento provisório de sentença, tendo em vista a possibilidade, em tese, de reforma ou anu-lação do pronunciamento recorrido, podendo haver a concessão do efeito suspensivo pelo relator, a partir do cumprimento dos requistos disposto no art. 1.012, § 3º do CPC/15.

REFERÊNCIAS

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ARMELIN, Donaldo. Apontamentos sobre a ação monitória, In Revisto do Instituto de Pesquisa e Estu-dos, n. 14, abr./jul 1996.

75 Essa é a mesma conclusão de Zulmar Duarte de Oliveira Junior e Fernando da Fonseca Gajardoni, A ressureição da ação monitória no Novo CPC, disponível em <http://jota.info/ressureicao-da-acao-monitoria-novo-cpc>, acessado em 17.04.2015.

76 (Art. 702, § 4º). A apelação contra a sentença que julga os embargos ao mandado monitório não é dotada de efeito suspensivo automático.

77 Malgrado a inexistência de relação de continuidade entre a ação monitória e os embargos ao mandado monitório, em razão de sua natureza de ação.

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Processo e Hermenêutica no novo CPCEstudos em homenagem ao Professor Manuel Severo Neto

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO BRASIL:

INTEGRAÇÃO E EFETIVIDADE NO PROCESSO, UMA OBRIGAÇÃO DE RESULTADO

Beatriz Costa Siqueira

Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. E-mail: [email protected]

Hélio Sílvio Ourém Campos

Juiz Federal; Líder de Grupo de Pesquisa - CNPq: “Política e Tributação: aspectos materiais e processuais”; Professor da Escola Superior da Magistratura de Pernambuco; Professor Titular e Membro do Conselho Superior da Universidade Católica de Pernambuco (Graduação, Mestrado e Doutorado); Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e Doutorado pela Faculdade Clássica de Direito de Lisboa; Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e pela Faculdade Clássica de Direito de Lisboa - (Equivalência); Ex-Procurador do Estado de Pernambuco; Ex-Procurador do Município do Recife; Ex-Procurador Federal; Pós-doutorado pela Universidade Clássica de Lisboa. E-mail: [email protected]

SUMÁRIO: Introdução. 1. O ministério público após o advento da constituição federal de 1988 1.1. Conceito. 1.2 Natureza jurídica. 1.2.1 Da unidade e da indivisibilidade. 1.2.2 Princípio da indepen-dência funcional. 1.3 Da vedação ao exercício da advocacia. 2. Ministério Público Federal local e Ministério Público Federal regional. 2.1 Da lei complementar nº. 75/1993. 2.2 Do Ministério Público Federal. 2.3 Da atuação dos Ministérios Públicos federais local e regional. 3. Da integração entre os Ministérios Públicos federais local e regional. 3.1 da integração do Ministério Público federal. 3.2 In-dependência com integração: eis um desafio a ser superado. 3.3 Das medidas objetivas de integração. 3.3.1 NUCRIM. 3.3.2 Núcleo de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 3.3.3 SICIP. 3.4. A intranet como mecanismo de integração. 3.5. Reuniões periódicas. 4. Considerações finais. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Entre tantos trabalhos investigativos existentes, contempla-se a reflexão sobre o Ministério Público, particularmente o Federal, instituição de evidente grandeza, quer no âmbito da Constituição Republicana de 1988, quer no dia a dia da sociedade. Particularmente, ante a importância desse órgão, acredita-se que seria fundamental discutir progressivamente a seu respeito e sobre o que ainda é possível fazer para aprimorá-lo.

Portanto, o que será tratado a seguir não é senão uma palavra a favor da instituição do Ministério Pú-blico, sem o propósito de estar certo, mas com o firme objetivo de instalar o debate sobre aspectos concretos de sua atuação. Nesse contexto, tanto a teoria e prática quanto os sujeitos processuais de todas as instâncias

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devem estar integrados. Além das leituras já habituais aos trabalhos desse gênero, foram propostas e realiza-das entrevistas com estagiários, servidores e procuradores. De algum modo, procurou-se, reservado o sigilo das fontes, um ponto de vista sobre o Ministério Público com base nos dados colhidos no âmbito do próprio órgão.

Responsável pela proteção dos direitos individuais e coletivos indisponíveis do sistema democrático, o Ministério Público atua, consequentemente, para proteger a sociedade. Como se não bastasse, sua existência é imprescindível para salvaguardar a lei, pois poderá desempenhar o papel tanto de parte quanto de Fiscal da Lei, protegendo, dessa maneira, a correta aplicação do direito à relação jurídica que esteja em voga.

A integração entre o Ministério Público Federal Local e o Regional se constitui num meio eficaz para garantir que a unicidade dessa Instituição seja resguardada. Não se trata de suprimir o princípio da inde-pendência, mas, sim, de tentar que haja mais esperança nesse órgão, pois, dessa forma, se demonstrará um maior respeito à sociedade, que custeia as instituições públicas. É justamente nessa lógica conceitual que este estudo se baseia, visto que a adoção de meios integradores poderia fazer com que o Ministério Público tivesse um entendimento mais homogêneo em relação a determinadas questões jurídicas.

2. O MINISTÉRIO PÚBLICO APÓS O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

2.1 CONCEITO

Segundo o art. 127 da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público é uma instituição perma-nente, essencial à função jurisdicional do Estado, e tem como finalidade a defesa da ordem jurídica, do regi-me democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Já o art. 129 e seus incisos dispõem sobre as funções que cabem à instituição para o desempenho de tal missão – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos di-reitos assegurados nesta mesma Constituição, tomando as medidas necessárias à sua garantia; promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, e, enfim, expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da Lei Complementar respectiva. Ainda, nesse mesmo dispositivo, fala-se da importância da função institucional referente ao con-trole externo da atividade policial (na forma da Lei Complementar supracitada), da defesa das populações indígenas, do controle judicial sobre a constitucionalidade das leis, além de outras funções que lhe forem conferidas, desde que sejam compatíveis com sua finalidade, sendo vedadas a representação judicial e a con-sultoria de entidades públicas.

É fato que a Constituição Federal de 1988 deu uma definição institucional avançada e precisa do Ministério Público. Estabeleceu critérios formais para a escolha e a destituição dos procuradores-gerais, as-segurou autonomia funcional e administrativa, organizou a instituição em níveis federal e estadual, concedeu garantias, determinou vedações e definiu precisamente suas funções.

O Ministério Público é um órgão de soberania que exerce função governativa própria. Outrossim, a ele é conferido o caráter de instituição permanente, em razão da soberania que detém. Nesses termos, o caráter constitucional que foi dado ao Ministério Público trouxe consigo elevadas incumbências. Cabe-lhe a defesa da ordem jurídica como instrumento de realização da cultura, não só no exercício da ação de inconsti-tucionalidade, mas também nas funções fiscalizadoras com os órgãos judiciais na qualidade de custos legis, e ainda na fiscalização dos serviços públicos e de agentes políticos. Também é sua atribuição a defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Segundo Hugo Mazzilli,

Reconheceu o Constituinte de 1988 que a incipiente abertura democrática que vivemos não poderia dispensar um Ministério Público forte e indepen-

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dente, que efetivamente possa defender as liberdades públicas, os interesses difusos, o meio ambiente, as vítimas não só da violência como as da chamada criminalidade do colarinho branco – ainda que o agressor seja muito podero-so ou até mesmo se o agressor for o governo ou o governante. Reconheceu, aliás, que o Ministério Público é um dos guardiões do próprio regime demo-crático. (MAZZILLI, 1997, p. 20).

2.2 NATUREZA JURÍDICA

O Ministério Público, constitucional que é, tem a natureza jurídica de um órgão institucional autô-nomo, soberano, de caráter permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, vocacionado para defesa dos interesses sociais e públicos.

Ademais, o Ministério Público brasileiro é uma instituição “essencial à função jurisdicional do Es-tado”. É seu papel fazer atuar concretamente o Direito, quando, com base nele, as partes não se compõem espontaneamente, sobretudo na pretensão punitiva dependente de ação penal pública e nas ações civis que visam à defesa de interesses difusos ou coletivos.

2.2.1 DA UNIDADE E DA INDIVISIBILIDADE

A unidade e a indivisibilidade são princípios constitucionalmente estabelecidos para o funcionamento do Ministério Público. De acordo com o princípio da unidade, sempre que um membro do Ministério Público está atuando, qualquer que seja a matéria, o momento e o lugar, sua atuação será legítima se estiver dirigida a alcançar as finalidades da Instituição. Em outras palavras, todos os membros de um determinado Ministério Público formam parte de um único órgão sob a direção do mesmo chefe. A divisão do Ministério Público em diversos organismos se produz apenas para tornar o trabalho mais racional, mas todos atuam guiados pelos mesmos fundamentos e com as mesmas finalidades, constituindo, pois, uma única Instituição.

Pelo princípio da indivisibilidade, quem está presente em qualquer processo é o Ministério Público, ainda que seja por intermédio de um determinado promotor ou procurador de justiça. Por isso, a expressão “representante do Ministério Público” não é tecnicamente adequada para se referir a eles. Esse princípio permite que os membros da instituição possam ser substituídos uns pelos outros no processo, não de uma maneira arbitrária, senão nos casos legalmente previstos (promoção, remoção, aposentadoria, morte etc.), sem que isso constitua qualquer alteração processual.

Esses princípios são constitucionais e, portanto, precisam ser interpretados para assegurar à atuação ministerial uma efetividade de fato, que chamamos de obrigação de resultado. A unidade e a indivisibilidade não podem conduzir a um divórcio com a efetividade do processo. Logo, ao se dar início a ações criminais ou civis públicas particularmente relevantes, faz-se necessário planejar integradamente a atuação ministerial desde a propositura da ação até os futuros recursos nos tribunais superiores.

2.2.2 PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL

O princípio da independência funcional significa que os membros do Ministério Público no exercício de suas funções atuam de modo independente, sem nenhum vínculo de subordinação hierárquica, inclusive em relação à chefia da instituição, guiando sua conduta somente pela lei e suas convicções. Assim, somente no plano administrativo se pode reconhecer a subordinação hierárquica dos membros do Ministério Público à chefia ou aos órgãos de direção superior da Instituição; jamais no plano funcional, em que seus atos estarão submetidos à apreciação judicial apenas nos casos de abuso de poder que possam lesar direitos.

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Segundo Hugo Nigro Mazzilli,

A Autonomia Funcional refere-se à garantia conferida aos órgãos do MP ou a cada um de seus membros, no exercício de seus deveres profissionais, não se subordinam a nenhum órgão ou poder (Legislativo, Executivo ou Judiciário), submetendo-se exclusivamente à consciência de cada um e aos limites esta-belecidos em lei. (MAZZILLI, 2001, p. 197).

Vale salientar que, apesar dessa independência, e até mesmo por causa dela, os membros do Minis-tério Público podem ser responsáveis pelo exercício irregular da função. Assim, responderão por abusos ou erros que cometerem, não apenas no campo civil e penal, mas também sob o aspecto disciplinar (prazos, forma e requisitos dos atos etc.). No entanto, não respondem quando do exercício regular das funções; nesta hipótese, mesmo que causem danos, só responsabilizam o Estado.

2.3 DA VEDAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA

O § 5º, inciso II, alínea b, do artigo 128 da Constituição Federal assevera que é vedado ao membro do Ministério Público o exercício da advocacia, verbis:

Art. 128. O Ministério Público abrange:

[…] § 5º Leis complementares da União e do Estado, cuja iniciativa é faculta-da aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atri-buições e o Estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

[…] II – as seguintes vedações:

a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percenta-gens ou custas processuais;

b) exercer a advocacia;

c) participar de sociedade comercial, na forma da Lei;

d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, sal-vo uma de magistério;e) exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas na Lei.[…]

Apesar de vedado o exercício da advocacia, os membros do Ministério Público que passaram a fazer parte de tal instituição antes do seu estabelecimento constitucional em 1988 carregam consigo o direito ad-quirido à prática da advocacia (art. 29, §3º, ADCT CF/88), uma vez que essa vedação só foi fixada na Cons-tituição Federal promulgada nesta última data.

Nesses termos, a advocacia, quando praticada pelos membros do Ministério Público, é algo que me-rece uma reflexão profunda de toda sociedade, pois pode sugerir uma aproximação com clientes que estejam sendo investigados pela própria instituição. Uma situação que exemplifica essa linha de raciocínio ou é de um Procurador da República que possui a prerrogativa de ser advogado e tem como cliente uma empresa que está sendo investigada pelo Ministério Público Federal, cabendo a um de seus colegas realizar as diligências necessárias para caracterizar um crime. Eis que pode surgir um conflito de interesses, o que abre espaço para sentimentos e iniciativas incompatíveis com a instituição. Dessa maneira, segundo o pensamento de Hugo Nigro Mazzilli,

Enquanto em atividade, é incompatível o exercício da advocacia pelos mem-bros do Ministério Público, seja porque concorre em prejuízo da atividade

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ministerial, seja porque as prerrogativas e poderes de seus agentes poderiam ser desviados da função ministerial. (MAZZILLI, 2007, p. 113).

Se o exercício da advocacia pelo membro do Ministério Público fosse uma atividade salutar, a Magna Carta de 1988 não ousaria vedá-la.

3. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL LOCAL E MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL REGIONAL

3.1 A LEI COMPLEMENTAR Nº. 75/1993

A Lei Complementar 75/1993 dispõe sobre o Ministério Público da União, que abrange o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público Militar (MPM), o Mi-nistério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

Assim, fica disposto no artigo 24 desta mesma Lei:

Art. 24: O Ministério Público da União compreende:

I – O Ministério Público Federal;

II – O Ministério Público do Trabalho;

III – O Ministério Público Militar;

IV – O Ministério Público do Distrito Federal e territórios.

Parágrafo único. A estrutura básica do Ministério Público da União será orga-nizada por regulamento, nos termos da lei.

Segundo Hugo Nigro Mazzilli, “A Lei Orgânica do Ministério Público da União (LOMPU) é a Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993. Traz disposições gerais sobre os diversos ramos do Ministério Público da União, estabelecendo suas principais funções e seus instrumentos de atuação.” (MAZZILLI, 2007, p. 238). De acordo com essa lei, é assegurada ao Ministério Público da União a autonomia funcional, administrativa e financeira. Ressalte-se ainda que as carreiras dos membros ministeriais dos diferentes ra-mos supracitados têm especificações distintas entre si. São atribuições do MPU:

a) defesa da ordem jurídica por meio do zelo, pela observância e pelo cumprimento da lei, atuando, pois, como fiscal da lei;

b) defesa do patrimônio nacional, público e social, cultural, do meio ambiente, dos direitos e interes-ses da coletividade, sobretudo das comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso, atuando como defensor do povo;

c) defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis;

d) controle externo da atividade policial.

Ademais, pode-se verificar que o MPU atua para promover ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, representação para intervenção federal nos Estados e Distrito Fe-deral, mandado de injunção, inquérito civil e ação civil pública, ação penal pública, além de impetrar habeas corpus e mandado de segurança, expedir recomendações – com a finalidade de melhorar os serviços públicos e de relevância pública – e expedir notificações ou requisições. Esses são os seus instrumentos de atuação.

Nesses termos, a Lei Complementar dispõe também sobre as garantias que os membros ministeriais em questão vêm a gozar. Em sentido amplo, diz-se que gozam da vitaliciedade, da inamovibilidade, da inde-pendência funcional, de foro especial e de irredutibilidade de vencimentos. Em contrapartida, também lhes

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são impostas algumas vedações, tais como o recebimento de custas, o exercício da advocacia, a participação em sociedade comercial e a atividade político-partidária.

Vale salientar que não é apenas a Lei Orgânica do Ministério Público e a Constituição Federal que fi-xam as atribuições, as funções e os instrumentos de atuação desse órgão institucional, uma vez que a própria Carta Magna deixa claro que ao Ministério Público podem ser determinadas outras funções, desde que sejam compatíveis com sua finalidade.

3.2 DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

A Lei Complementar 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) trata do Ministério Pú-blico Federal nos seus artigos 37 a 71, pois esse órgão está compreendido pelo Ministério Público da União. Ao Ministério Público Federal é dada tarefa de defender os direitos sociais e individuais indisponíveis perante o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais, os juízes fede-rais e eleitorais.

Dessa maneira, tem-se que o Ministério Público Federal atuará nos casos federais (Sem embargo de que o Ministério Público Federal atue em conjunto com o Estadual), respaldando-se na Constituição e nas leis federais, desde que esteja em voga interesse público, no que concerne às partes ou ao assunto tratado. Ainda, é sua atribuição a fiscalização do cumprimento das leis editadas no Brasil e das que forem decorren-tes de tratados internacionais assinados pelo País. Fica evidente, pelo já exposto, a condição assumida pelo Ministério Público Federal: a de Guardião da Democracia, capaz de resguardar princípios e normas que ga-rantem a participação do povo:

Com a redemocratização do país, o Ministério Público foi encarregado pela Constituição da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direi-tos sociais e individuais indisponíveis, do que decorre logicamente o encargo de promover os direitos humanos.” (MARUM, 2006, p. 434).

A seguir, alguns breves esclarecimentos sobre a estrutura da instituição, em que devem ser evitados o nepotismo e o excesso de cargos comissionados tanto quanto no Poder Judiciário, pois parece ser este o clamor da sociedade em relação ao Executivo, Legislativo, Tribunal de Contas etc. Trata-se de uma iniciativa em favor dos princípios da eficiência e da impessoalidade.

Cabe ao Procurador-Geral da República, de acordo com a Constituição Federal e com a Lei Orgânica do Ministério Público da União, a chefia do Ministério Público Federal. Igualmente, vale ressaltar que, quan-do do impedimento relativo a férias, licenças etc., será substituído pelo vice-Procurador Geral, designado por ele mesmo. No entanto, quando do impedimento relativo a reuniões do Conselho Superior e da vacância, tal cargo de chefia será de responsabilidade do vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

Já o Colégio de Procuradores da República é um órgão dirigido pelo Procurador Geral da República e composto por todos os membros ministeriais em atividade no MPF, estando responsável pela elaboração de listas para composição dos Tribunais Superiores, pela eleição de alguns dos membros do Conselho Superior, como também tem a incumbência de trazer à tona opinião sobre assuntos de interesse da instituição.

O Conselho Superior do Ministério Público Federal, constituído pelo Procurador-Geral da República (presidência), pelo vice-Procurador Geral da República, por quatro subprocuradores-gerais da República (eleitos pelo Colégio de Procuradores da República), mais quatro subprocuradores-gerais da República (elei-tos por seus pares), possui a função de exercício do poder normativo, no âmbito do MPF, a de aprovação das normas para o concurso de admissão na carreira, a de indicação dos integrantes das Câmaras de Coordena-ção e Revisão.

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As Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF podem ser classificadas como órgãos setoriais de co-ordenação, integração e revisão do exercício da função, distribuindo-se por função ou matéria e compondo-se por três membros – um indicado pelo Procurador-Geral da República, e dois, pelo Conselho Superior e seus suplentes. Além disso, a Corregedoria do Ministério Público Federal é regida pelo Corregedor-Geral, consti-tuindo-se num órgão de função fiscalizadora das atividades funcionais e do comportamento de tais membros ministeriais.

No que se refere aos subprocuradores-gerais da República, pode-se asseverar que lhes é concedido o exercício privativo das funções de vice-Procurador Geral da República, vice-Procurador Geral Eleitoral, Corregedor-Geral do Ministério Público Federal, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Coordenador de Câmara de Coordenação e Revisão. Outrossim, os Procuradores Regionais da República oficiarão perante os Tribunais Regionais Federais, ou seja, atuarão na esfera de segunda instância, enquanto os Procuradores da República o farão com juízes federais e os Tribunais Regionais Eleitorais, onde não existir sede da Procu-radoria Regional da República.

Quanto às funções eleitorais do Ministério Público Federal, é sabido que os Procuradores Regionais da República, com seus respectivos substitutos legais, oficiarão aos Tribunais Regionais Eleitorais, atuando em todas as fases (preparatória, votação, escrutínio e diplomação) e em todas as instâncias do processo elei-toral (Tribunal Superior Eleitoral, Tribunais Regionais Eleitorais, juízes e Juntas Eleitorais).

Enfim, o Ministério Público Federal atua tanto na área civil quanto na criminal, perante o Judiciário ou fora dele, podendo o membro do MPF ser parte ou fiscal da lei. No que se refere a sua atuação extraju-dicial, utiliza as medidas administrativas (Inquérito Civil Público, Termo de Ajustamento de Conduta e a recomendação). Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz assevera:

Não bastava, ao ver do Constituinte, um órgão que tivesse a incumbência de somente ouvir a sociedade e encaminhar os reclamos para que outros órgãos, com competência ou atribuição para promover as medidas judiciais cabíveis, pudessem tomar efetivamente as providências necessárias. Daí por-que o Ministério Público ganhou a possibilidade de ser o ouvidor da sociedade e, concomitantemente, recebeu mecanismos constitucionais para promover as medidas adequadas, inclusive judiciais, para fazer valer todos os direitos inseridos na Constituição. (FERRAZ, 1999, p. 85).

3.3 DA ATUAÇÃO DOS MINISTÉRIOS PÚBLICOS FEDERAIS LOCAL E REGIONAL

É importante frisar que a Procuradoria Local da República vai trabalhar, em primeiro grau, direta-mente com a Justiça Federal, enquanto a Procuradoria Regional da República atuará, em segundo grau, com os Tribunais Regionais Federais. Desse modo, a Procuradoria da República nos Estados ou local atua em três grandes áreas: a criminal, a da tutela coletiva (cuida de assuntos como a defesa do consumidor e a proteção do patrimônio público, indígena, histórico e cultural.) e a chamada custos legis(fiscal da lei – compreenden-do precipuamente a atuação em processos não criminais, examinando as causas levadas à Justiça Federal e oferecendo parecer sobre como devem ser julgadas).

Ainda sobre a Procuradoria Regional da República, recaem atribuições perante o Tribunal Regional Eleitoral, pois está legitimada a participação de tal órgão no processo eleitoral, podendo atuar como parte ou como fiscal da Lei. Logo, pode-se constatar que o Ministério Público, por meio de suas atribuições, funções e instrumentos, é um órgão defensor da ordem jurídica e da sociedade, do sistema democrático e dos interes-ses dos cidadãos, realizando, de acordo com sua posição, tarefas extremamente importantes para a paz social.

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4. DA INTEGRAÇÃO ENTRE OS MINISTÉRIOS PÚBLICOS FEDERAIS LOCAL E REGIONAL

4.1 DA INTEGRAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Quando se trata da integração do Ministério Público Federal, está-se tentando buscar maior presteza na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. O foco deste trabalho está na busca da integração entre as Procuradorias da República Locais e as respectivas Procuradorias Regionais da República, uma vez que é comum tais Procuradorias assumirem posturas dife-rentes diante dos mesmos casos.

É aqui que insistimos na atuação planejada do órgão ministerial desde a primeira instância até os tribunais superiores, havendo a necessidade de uma ação uniforme em favor do interesse público, sob pena de estar desperdiçando recursos e vendendo ilusões para uma sociedade que implicitamente acredita em um Ministério Público integrado e com uma produção eficaz.

4.2 INDEPENDÊNCIA COM INTEGRAÇÃO: EIS UM DESAFIO A SER SUPERADO

Como já se discutiu, faz-se necessário frisar que a Procuradoria Local vai trabalhar diretamente com a Justiça Federal, atuando no primeiro grau, ao passo que a Procuradoria Regional o fará, em segundo, com a Justiça Federal, ou seja, com os Tribunais Regionais Federais. Dessa maneira, o Ministério Público Federal poderá atuar como parte no processo ou como fiscal da lei. No entanto, independentemente de sua atuação, verifica-se, por vezes, uma falta de sintonia no órgão, por adotar posicionamentos bastante discrepantes. Eis, mais uma vez, o grave problema da necessidade de integração.

É verdade que depende do Ministério Público, pois é um guardião da lei e defensor da sociedade, mas, para que tal instituição aja de acordo com seus princípios, deve haver um consenso entre os procuradores locais e os regionais. Segundo Fábio Kerche, doutrinador e pensador do Direito, a Constituição Federal de 1988 proporcionava aos membros ministeriais alto grau de autonomia, porém com poucos instrumentos de controle (KERCHE, 2002, p. 64).

Repita-se: a sociedade precisa ser advertida de que alguns membros do Ministério Público Federal estão constitucionalmente autorizados a advogar. Foi uma escolha feita durante a elaboração da Constituição de 1988, inserida nas disposições transitórias de uma Carta que ainda precisa ser lida, descoberta e inter-pretada.

Kerche (2002) menciona fatores organizacionais que limitam essa integração, afirmando que não são exigidos no País relatórios anuais de atividades, e, ainda que existisse tal exigência, restaria a dúvida sobre a realidade dos dados. A dificuldade de interação e a ausência de contatos efetivos entre os Procuradores da República representam os obstáculos para que haja um trabalho em equipe, o que impede um razoável nível de uniformidade e adequado rendimento na atuação institucional.

A hipertrofia do princípio da independência funcional muitas vezes inviabiliza a atuação institucional, demonstrando-se necessária a sua flexibilização. Em um estudo de entrevistas com Procuradores da Repú-blica em Brasília, Bruno Amaral Machado constatou:

A independência funcional não deveria impedir estratégias de atuação con-junta na avaliação dos procuradores de Brasília. A sintonia entre procurado-res de distintos ofícios, procuradores regionais (atuação em segunda instân-cia) e subprocuradores (atuação perante os Tribunais Superiores) é parte da estratégia que alguns dos entrevistados avaliam como necessária para o desempenho das funções. Um dos procuradores salienta a metodologia uti-lizada no desempenho de suas atividades, destacando que, atualmente, há o

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interesse em se fomentar a atuação con-junta dos membros do MPF. (MA-CHADO, 2007, p. 174).

4.3 DAS MEDIDAS OBJETIVAS DE INTEGRAÇÃO

4.3.1 NUCRIM

O Núcleo Criminal (NUCRIM) do Ministério Público Federal, em Pernambuco, tem como objetivo promover uma ação integrada, na área de atuação penal do MPF, dos Procuradores Regionais da República da 5ª Região, de Pernambuco, com os Procuradores da República nos seguintes Estados: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Além disso, busca integrar o entendimento sobre questões penais alvo de posições divergentes entre os procuradores.

O Núcleo Criminal do MPF publica notícias, expõe modelos de peças processuais e trata da legisla-ção, de jurisprudências e doutrinas que explicitam seu posicionamento, para os procuradores o consultarem sempre que necessário, diante de casos que produzam posições diversificadas, e se inteirem do procedimento indicado pelo Ministério Público Federal nessas situações.

Na verdade, o NUCRIM não tem caráter impositivo, mas apenas propõe diretrizes a serem seguidas pelos membros do Ministério Público Federal, para que a integração, de alguma forma, seja concretizada. No entanto, salvo melhor juízo, não obstante as informações disponibilizadas em rede pelo núcleo criminal, o que se observa é um resultado pouco efetivo.

4.3.2 NÚCLEO DE INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

O Núcleo de Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, também chamado Núcleo de Tutela Coletiva, cuja finalidade é promover a integração de entendimento entre os Procuradores Locais e os Regionais, definindo estratégias de atuação conjunta ou mesmo de auxílio recíproco, nos casos em que for possível a promoção de ações e medidas judiciais em ambas as instâncias, como o aforamento de ação de improbidade contra prefeitos. Além disso, assim como o NUCRIM, também disponibiliza notícias e trata sobre legislação, peças processuais, jurisprudência e doutrina, que embasam o posicionamento do Ministério Público Federal em Pernambuco a respeito de questões relativas a interesses difusos, coletivos e individuais.

Em suma, pelo menos atualmente e salvo melhor juízo tal núcleo ainda dispõe de um espaço muito amplo para desenvolver-se.

4.3.3 SICIP

O Sistema Integrado de Consultas e Informações Processuais (SICIP), disponível na página da inter-net da Procuradoria Federal da República da 5ª Região, disponibiliza pareceres dos procuradores regionais da República.

Os procuradores regionais e dos estados adstritos têm acesso integral aos dados do SICIP, podendo consultá-los por meio do número do processo ou nome da parte, permitindo-se identificar o procurador regio-nal da República responsável pelo processo. Se o processo em questão ainda não tiver sido distribuído, caberá a solicitação de acompanhamento especial e/ou distribuição antecipada por meio de um requerimento por e-mail.

Aos Procuradores da República é dada uma senha que possibilitará o acesso também às manifestações dos demais membros do MPF. Tal medida de integração torna-se apenas um meio de consulta sobre processos acompanhados pelo Ministério Público Federal, não sendo, portanto, meio eficaz de fazer uma melhor agre-

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gação entre os entendimentos dos procuradores, posto que somente irão consultar aquilo em que tiverem dúvidas, não se encaixando nesse perfil de consultas o procurador que prefere a independência à unicidade.

4.4 A INTRANET COMO MECANISMO DE INTEGRAÇÃO

A intranet pode ser classificada como uma mini-internet confinada a uma organização, em que se aplicam os conceitos da internet. No âmbito do Ministério Público Federal, existe essa mini-internet, deno-minação da intranet. Segundo entrevista realizada com o Procurador Regional da República, Dr. Wellington Cabral Saraiva, a intranet funciona como um mecanismo de integração, pois todos os dias os Procuradores da República de todo o Brasil compactua suas ideias por meio dessa rede.

No entanto, será que tal meio é mesmo eficaz? Sabe-se, como já foi exposto, que a intranet é um meio válido para integração, mas talvez não seja o melhor, pois serve apenas para expor ideias, sendo indispensável um planejamento integrado, pelo menos, quanto às ações judiciais havidas como prioritárias, isso desde a propositura até o Acórdão nos Tribunais Superiores.

4.5 EUNIÕES PERIÓDICAS

As reuniões na Procuradoria Regional da República da 5ª Região são frequentes, no mínimo men-sais. Nelas, também são abordados temas de difícil posicionamento entre os procuradores. No entanto, são raras entre a Procuradoria da República Local e a Regional, o que é um obstáculo à integração do MPF, em Pernambuco. Pode-se dizer que deveriam ser mais frequentes, justamente para abordar temas que foram objeto de posicionamentos divergentes entre os procuradores, chegando a um entendimento comum, para fazer o Ministério Público Federal agir de forma mais homogênea com o fito de preservar a ordem jurídica, os interesses sociais indisponíveis e o regime democrático, reduzindo, assim, a falta de sequência eficaz nos processos em que é parte, por preocupante carência de comunicação entre seus membros.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pôde-se observar que o Ministério Público Federal possui, muitas vezes, entendimentos divergentes no que concerne à interpretação de casos importantes pela Procuradoria Regional da República e pela Pro-curadoria da República Local, sendo esse um desafio a ser superado em face do princípio da eficiência dos recursos públicos. Os Procuradores da República, por serem parte da nossa elite intelectual do Direito, po-deriam lutar, ainda mais intensamente, por essa necessária integração. Para que isso ocorra, é indispensável empregar o princípio da cooperação, que precisa estar presente na rotina de trabalho.

Os Procuradores da República que atuam na segunda instância, quando assumem processos que vêm da primeira, precisam pautar-se conforme os princípios da integração e do planejamento de uma atuação homogênea.

Ainda em termos de efetividade da atuação ministerial, registra-se a proposta de uma participação ainda mais ativa para explorar a possibilidade de sustentações orais nas sessões de turmas, câmaras, órgãos especiais e plenárias nos tribunais em que atuam. Assim como os grandes escritórios de advocacia manifes-tam competência e empenho nas causas que patrocinam, em nenhuma medida os membros do Ministério Público Federal têm a dever em competência, não podendo, portanto, deixar dúvidas sobre supostos déficits de empenho.

REFERÊNCIAS

FERRAZ, A. A. M. C. Ministério Público: instituição e processo – Perfil constitucional, indepen-dência, garantias, atuação processual civil e criminal, legitimidade, ação civil pública, questões agrárias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

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KERCHE, F. O Ministério Público no Brasil: autonomia, organização e atribuições. 2002, p. 64. Tese (Doutorado em Ciência Política)-Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

MACHADO, B. A. Ministério Público: organização, representações e trajetórias. Curitiba: Juruá, 2007.

MARUM, J. A. O. Ministério Público e Direitos Humanos – Um estudo sobre o papel do Ministério Público na defesa e na promoção dos direitos humanos. 1. ed. São Paulo: Bookseller, 2006.

MAZZILLI, H. N. O Ministério Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1997.

______. Introdução ao Ministério Público. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

______. Regime Jurídico do Ministério Público. 5. ed ver. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001.

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O PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO E O ACESSO À JUSTIÇA NA CONTEMPORANEIDADE

Fernando Flávio Garcia da Rocha

Graduando em Direito nas Faculdades Integradas Barros Melo – AESO/FIBAM (8º período)

Paloma Mendes Saldanha

Mestranda em Direito pela UNICAP. Especialista em Direito da Tecnologia da Informação pela UCAM/RJ. Membro da Comissão de Tecnologia da Informação da OAB/PE. Multiplicadora do Processo Judicial Eletrônico pelo Conselho Federal da OAB. Advogada. Professora de Ensino Superior

SUMÁRIO: Introdução. 1.Evolução das Constituições com ênfase no acesso à justiça. 1.1 Consti-tuinte de 1824. 1.2 Constituinte de 1891. 1.3 Constituinte de 1934. 1.4 Constituinte de 1937. 1.5 Constituinte de 1946. 1.6 Constituinte de 1988. 2. A Lei 11.419 de 2006 e os problemas enfrentados pelos jurisdicionados face às exigências legais. 2.1. Do acesso à justiça como acesso ao Judiciário. 2.2.A limitação ao exercício da advocacia. 2.3.O Jus Postulandi e o certificado digital. 2.4. O PJE e o Estatuto da Pessoa com Deficiência. 3. Considerações finais. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Tendo em vista o contexto de uma sociedade da informação em desenvolvimento constante, o Ju-diciário brasileiro não poderia manter-se no tradicionalismo dos seus procedimentos. Por tratar-se de algo iniciado desde a década de 90 em vários países, a virtualização dos procedimentos judiciais no Brasil, hoje tem atingido seu ponto alto de amadurecimento quanto da utilização de sistemas informáticos para a judi-cialização, tramitação e julgamento das demandas advindas da sociedade. Nesse diapasão, o presente estudo busca analisar o acesso à justiça frente a virtualização dos procedimentos judiciais. A análise da evolução jurídico-constitucional do acesso à justiça se fará necessária para demonstrar a modificação do seu conceito ao acompanhar o desenvolvimento da sociedade.

O estudo da lei 11.419/2006, a lei da informatização do processo judicial, se fez necessário por trazer inovações não só nos procedimentos adotados para a judicialização de demandas, mas também sobre prin-cípios constitucionalmente estabelecidos. Levando isso em consideração, o estudo simplificado das Consti-tuições tornou-se interessante para uma verificação detalhada quanto a existência ou não de uma evolução quando o assunto é o acesso à justiça. Dessa forma, o estudo compreende a análise comparativa entre ce-nários jurídicos, nos quais o acesso à justiça pode ser interpretado, por exemplo, como um regramento que tipifica que o cidadão pode peticionar aos órgãos públicos.

Dessa forma, em razão de não ter como esgotar o tema devido a sua complexidade e mutação face ao desenvolvimento das tecnologias, traz-se o estudo do desenvolvimento do instituto do acesso à justiça frente as novas ferramentas disponibilizadas pelo “novo jeito” de se fazer o direito. Ou seja, o estudo mostrará o Processo Judicial Eletrônico como objeto de análise no campo do acesso à Justiça perpassando por legislações

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atualizadas, inclusive inéditas como é o caso do Estatuto da Pessoa com Deficiência correlacionado com a Lei 11.419/2006.

2. EVOLUÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES COM ÊNFASE NO ACESSO À JUSTIÇA

Partindo da ideia de que o estudo das constituições com foco no texto sobre o acesso à justiça enri-quece o entendimento sobre seu conceito, definição e segurança quanto ao seu cumprimento como direito fundamental, é que o estudo em tela utiliza a evolução desse conceito para discutir sobre a real existência do acesso à justiça através dos sistemas informáticos utilizados, atualmente, pelo Judiciário.

Observa-se que a atual Constituição (1988) prevê o acesso à justiça para todos e todas sem distinção de qualquer natureza. Percebe-se, para tanto, que isso nem sempre foi assim.

2.1 CONSTITUIÇÃO IMPERIAL 1824

A Constituição Política do Império do Brasil de 25 de março de 1824, no dizer de José Afonso da Silva (2015, p.77), declara, de início, que o Império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros, que formam uma nação livre independente que não admite laço de união ou federação que se oponha à sua independência. A Constituinte de 1824 se mostrava fortemente centralizadora porquanto con-cedia ao Imperador poderes de caráter absolutista ao incumbi-lo da função de Chefe do Poder Executivo, conforme artigos 102 a 104 daquele documento, cumulado com o exercício do Poder Moderador, demonstra-do pelos artigos 98 a 101 do mesmo documento em tela.

Ademais, não obstante os seus arts. 151 e 179, XII, estabelecerem que o Poder Judicial era inde-pendente e que nenhuma autoridade poderia avocar causas pendentes, sustá-las ou fazer reviver processos findos, os incisos do art. 101 da Constituição em questão possibilitavam ao Poder Moderador suspender magistrados (VII), perdoar ou moderar penas impostas aos réus condenados por sentença (VIII) e conceder anistia em caso de humanidade e ao bem do Estado (IX).

Diante dessas premissas, José Afonso da Silva (2015) não ponderou a existência do acesso à justiça na Constituição em análise. Para Pinto e Campos:

(...)o acesso à justiça no Período Imperial, se comparado aos dias atuais, foi substancialmente inexpressivo, pois havia a exclusão da maior parte da popu-lação como cidadãos legitimados a acessar o poder judiciário; isso quer dizer que os escravos, os índios, as mulheres e as crianças não eram considerados cidadãos e a eles era vedado o acesso ao poder judiciário. (PINTO e CAM-POS, 2007, p.5 e 6)

Entretanto, observa-se que a Constituinte Imperial, no título 8º, das disposições gerais em seu art. 179, inciso, XXX, prevê uma disposição no que tange o acesso ao judiciário:

XXX: Todo o Cidadão poderá apresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, e até expôr qualquer in-fracção da Constituição, requerendo perante a competente Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores.

Assim, a Carta não previa de forma expressa o acesso à justiça. Porém, em leitura extensiva, o direito de peticionar conferido ao cidadão pode ser entendido como transcendente ao direito de acesso à justiça por qualquer pessoa signatária da Constituição Imperial.

2.2 CONSTITUIÇÃO DE 1891

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Na sequência, tem-se a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil que fora promulgada no dia 24.2.1891. É importante observar que a Carta rompera com a divisão quadripartita vigente no Impé-rio (Poder Moderador, Legislativo, Executivo e Judicial), para agasalhar doutrina tripartida de Montesquieu, estabelecendo como órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si (SILVA, 2015, p. 80 e 81). Entretanto, apesar de uma diminuição na quantidade de partição de poderes, denota-se que a Constituinte de 1891 amplia os direitos e garantias. Pois diferente do que havia na Constituição de 1824, uma das principiais mudanças diz respeito à instituição do presidencia-lismo e do voto universal, que visava especialmente assegurar que a camada menos favorecida da sociedade exercesse alguma forma de cidadania. Mesmo assim, a Constituição em tela continuou limitando o direito ao voto a apenas uma parcela da população, designando que os eleitores fossem homens, maiores de 21 anos e que fossem alfabetizados (PINTO e CAMPOS, 2007. p.7)

Percebe-se, então, que a Constituição de 1891 pouco contribuiu para o acesso à justiça, exercendo, apenas, um perfil de caridade e assistencialismo que, como é cediço, não significa justiça, muito menos aces-so a direitos (IBIDEM). Assim, apesar de possuir aspirações democráticas, a Constituição de 1891 silenciou no que se refere ao direito de acesso à justiça. Mesmo existindo um Poder Judiciário independente, não se poderia verificar o pleno exercício do direito de acesso à justiça no período, logo a população não gozava de condições de usufruí-lo (BEDIN e SPENGLER, p. 139).

A partir de tal contexto, é importante refletir que mesmo os autores aqui mencionados não observan-do a existência do acesso à justiça na Constituição em estudo (sob o argumento de não existir previsão legal expressa), a redação do §9º do artigo 72, nos dá margem a uma interpretação e entendimento contrários. Ou seja, seguindo a mesma interpretação dada ao inciso XXX do artigo 179 da Constituição de 1824, o §9º do artigo 72 da Constituição de 1891 permite o peticionamento para a denúncia de abusos conforme o texto que segue: “É permitido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos poderes públicos, denunciar abusos das autoridades e promover a responsabilidade dos culpados”.

Portanto, denota-se que, o dispositivo pode não ter previsto de forma expressa. Porém se adentrar ao mérito torna-se evidente a possibilidade de o cidadão ter acesso ao judiciário naquela época, mesmo que de maneira e a partir de um conteúdo mínimo.

2.3 CONSTITUIÇÃO DE 1934

A nova Constituição mantivera os princípios formais fundamentais da constituinte anterior. Entre-tanto, diferente das anteriores previu de forma expressa instrumentos de acesso à justiça. Denota-se como inovação jurídico-normativo, a ação popular (art. 113, n.º 38) o mandado de segurança (art. 113, n.º 33) e a assistência judiciária gratuita (art. 113, n.º 32). A positivação destes direitos foi de salutar importância, pois contribuiu muito para os primeiros passos do constitucionalismo brasileiro.

2.4 CONSTITUINTE DE 1937

A Carta Constitucional de 1937 não merece maiores destaques no que se refere ao direito de aces-so à justiça, haja vista que representou um grande retrocesso ao suprimir as conquistas referentes à ação popular e à assistência judiciária gratuita previstas na Constituição de 1934. (PINTO e CAMPOS, 2007. p. 9). No dizer de José Afonso da Silva, a Carta de 1937 não teve aplicação regular. Muitos de seus dispositivos permaneceram letra morta, havendo, inclusive, ditadura pura e simples com todo o Poder Executivo e Legis-lativo concentrado nas mãos do Presidente da República que legislava por via de decretos-leis que ele próprio aplicava como órgão do Executivo (SILVA, 2015. p. 85).

2.5 CONSTITUINTE DE 1946

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Terminada a II Guerra Mundial, momento em que o Brasil participou ao lado de aliados contra as ditaduras nazifascistas, logo começaram os movimentos no sentido de redemocratização do país (IBIDEM). No ano de 1946, apenas dois meses após a deposição de Getúlio Vargas do governo, foi promulgada uma nova Constituição, em resposta ao modelo ditatorial anteriormente vigente. A Magna Carta de 1946 tinha por ob-jetivo fortalecer o Estado Democrático de Direito, antes violado, bem como reafirmar os princípios e garantias constitucionais e ampliar o acesso ao judiciário ao garantir o direito de ação aos cidadãos.

Pode-se dizer que a intenção da Constituição de 1946, quanto ao acesso à justiça, foi grandioso, pri-vilegiando o restabelecimento dos direitos sociais, ansiando quebrar os laços com o passado ditatorial, como também desejou reestruturar a federação e fortalecer o Estado Democrático de Direito.

2.6 CONSTITUINTE 1988

Diferente das constituintes anteriores, esta previu uma organização tanto quanto satisfatória alber-gando todas as garantias e direitos dos cidadãos. Compreende, assim, em nove títulos, que cuidam: 1 Dos direitos fundamentais; 2 Dos direitos e garantias fundamentais; 3 Organização do Estado; 4 Organização dos Poderes; 5 Defesa do Estado e das Instituições Democráticas; 6 Da Tributação e do Orçamento; 7 Ordem Econômica e Financeira; 8 Ordem Social; 9 Disposições Gerias.

O acesso à justiça, nesta constituição, foi colocado em nível de princípio constitucional: o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, contido no artigo 5°, inciso XXXV da Constituição Federal, que diz: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Conforme Alexandre de Moraes:

(...) o Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade de ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que gere a jurisdição (...) (MORAES, 2001. p. 97).

Seguindo o entendimento, Paulo Gustavo Gonet Branco diz que:

(...) o direito de acesso à justiça não dispensa legislação que fixe a estrutura dos órgãos prestadores desse serviço e estabeleça normas processuais que viabilizem o pedido de solução de conflitos pelo Estado (MENDES e BRAN-CO, 2015. p. 160).

Por fim, a História do Brasil, além de tratar de outras peculiaridades, se preocupou com acesso à jus-tiça. Entende-se ser um avanço significativo a constituinte de 1988. Logo, toda e qualquer medida tendente a reduzi-la ou aboli-la é considerada inconstitucional.

3. A LEI 11.419/2006 E OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELOS JURISDICIONADOS FACE ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS

A partir da evolução das constituições demonstrada nos itens anteriores, denota-se a importância em analisar o crescimento da participação da população dentro dos poderes tripartidos, mas, principalmente, no Poder Judiciário. Com a evolução da tecnologia, a sociedade passa a realizar atos em meio virtual. Num momento histórico em que tínhamos como única opção de horário comercial das 8h às 18h, por exemplo, hoje temos a freneticidade da rede mundial de computadores que oportuniza ao cidadão a realização de ta-refas durante 24h, sem se restringir ao horário comercial anteriormente e socialmente estabelecido. Temos, então, a presença da cibercultura na sociedade interferindo não só nas relações de consumo, mas também nos procedimentos judiciais. A virtualização destes não pode ser vista como algo que talvez não se concretize. Desde a década de 90 que todo o mundo se encontra vinculado a internet utilizando-a para virtualização dos procedimentos judiciais. O Brasil, por sua vez, segue o caminho correto ao não só legislar especificamente a

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matéria, mas também trazer em seu novo código de processo civil uma área específica para o Processo Judi-cial Eletrônico.

Verifica-se que a virtualização sozinha não poderá abranger todos os itens e requisitos desejados pelo direito para que se atinja a tão almejada segurança jurídica, bem como para eu se atinja o tema aqui dedica-do: Acesso à justiça. Percebe-se que muitas são as críticas realizadas ao modelo que tem ganhado espaço no cotidiano do direito. Contudo, não se pretende expor todas, pois em alguns momentos fogem do pilar deste estudo, assim, objetiva-se, apenas, olhar de forma crítica a lei do PJe sob a égide da evolução das Constituições brasileiras quanto ao acesso à justiça.

3.1. DO ACESSO À JUSTIÇA COMO ACESSO AO JUDICIÁRIO

Muito se questiona sobre o real conceito da expressão “acesso à justiça”. Ao analisar o acesso à justiça como acesso ao judiciário (parte física), percebe-se que o desenvolvimento da sociedade atrelado ao desen-volvimento da tecnologia trouxe uma diminuição da distância física existente entre cidadão e judiciário.

A inclusão digital proporciona o acesso ao judiciário. Ou seja, a partir do momento em que o Judiciário funciona de maneira uniforme através de um sistema informático, ele passa a ser de fácil acesso a todas as comunidades que possuam acesso à internet. Isto porque, o cidadão não mais precisará se encaminhar a um local físico, precisando unicamente de um computador com acesso a internet. Assim, desse ponto de vista, a virtualização dos procedimentos virtuais atrelado ao aumento da disponibilização de internet nos mais va-riados cantos do país, trouxe sim um maior acesso à justiça. Porém, outras são as preocupações desse tema.

3.2.A LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA.

A lei 11. 419 de 2006, prevê proposições que surtem efeitos danosos ao jurisdicionado, desta forma, tem-se que:

Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comu-nicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei. [...]

§ 2o Para o disposto nesta Lei, considera-se: [...]

III Assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:

a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica;

b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.

Art. 2o O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1o desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.

Acredita-se que o legislador ao pensar neste modelo de sistema teve como foco único e exclusivamen-te o operador do direito vinculado integralmente a cibercultura. Para que uma lei produza efeitos satisfatórios é necessário haver uma preparação no ambiente, ou seja, o novo procedimento surgiu e os profissionais não estavam preparados. Passou-se a requerer, para o exercício da profissão de Advogado por exemplo, a sapiên-cia não só quanto aos termos técnicos da informática, mas também o conhecimento sobre seu funcionamen-to. O ato de peticionar deixou de ser uma exposição de argumentos escritos e passou a ser uma exposição de

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argumentos virtualizados após várias e várias configurações técnicas do computador escolhido. E após tudo correto, findou-se a mercê da disponibilidade o sistema informático.

Parece óbvio que alguns Advogados tiveram limitados o exercício da sua profissão. Mas para o le-gislador não foi tão óbvio assim. Ou seja, limita-se o exercício da advocacia que é profissão essencial para a realização da justiça, e, em consequência, limita o acesso à justiça do cidadão. Pois se ao advogado não basta estar atualizado quanto aos dogmas e jurisprudências do ordenamento jurídico brasileiro, ter-se-ia que ins-titucionalizar uma disciplina de noções básicas em sistemas de informação e informática para que sua ativi-dade profissional se tornasse completa e sem qualquer arrepio para o cidadão e para a efetivação da justiça.

Estar a par de todas as composições técnicas necessárias para o bom e regular funcionamento do Processo Judicial Eletrônico tornou-se, portanto, item essencial para o desenvolvimento da advocacia e por conseguinte uma segurança para o cidadão de que aquele advogado poderá dar o suporte profissional neces-sário para pleitear os seus direitos.

3.3. O JUS POSTULANDI E O CERTIFICADO DIGITAL

Mesmo sendo de pouco uso na atualidade, analisando o instituto do jus postulandi (capacidade que se faculta a alguém de postular perante as instâncias judiciárias as suas pretensões na Justiça) dentro do contexto da informatização do judiciário, percebe-se que o mesmo ficou sem produzir efeitos após a vigência da lei 11.419/2006. Isto porque, se o Judiciário me permite postular em juízo sem advogado em determinadas situações, a necessidade da utilização de um certificado digital é o primeiro empecilho para que o Jus Pos-tulandi aconteça. Retorna-se, então, para a reflexão quanto a evolução das Constituições no que pertine ao acesso à justiça. Pois, por muito tempo lutou-se pelo acesso à justiça e após inúmeras lutas sociais tornou-se regra fundamental na Constituição de 1988. Assim, toda e qualquer medida tendente a reduzir ou abolir o acesso à justiça é inconstitucional por entender ser tal instituto uma cláusula pétrea perfeitamente delineada na Constituição Federal de 1988.

Dentro desse contexto, insta dizer que através das lutas surgiram instrumentos pelos quais possibili-taram ao indivíduo ir ao judiciário sem a necessidade de se estar acompanhado por representantes. Tal feito consagrou-se, principalmente, na Justiça do Trabalho e em determinadas demandas dos Juizados Especiais. Sintetiza-se, portanto, que não só a lei do PJe, mas o sistema informático como um todo é uma forma de impossibilitar o acesso à justiça vez que para recorrer ao Judiciário para solucionar conflitos, o cidadão se de-para com um sistema informático totalmente voltado para os operadores do direito, inclusive no que pertine ao seu acesso que se dá por via certificação digital.

3.4. O PJE E O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Dentro das agressões cometidas pela Lei 11.419/2006 e seus sistema informático, uma das mais absurdas é o acesso à justiça dos cidadãos e advogados com deficiência visual, por exemplo. Hoje, com o ad-vento da lei 13.146/2015, os sistemas e tecnologias devem atender um desenho padrão que torne a utilização de fácil acesso sem qualquer tipo de barreira.

Art. 55. Lei 13.146/2015 A concepção e a implantação de projetos que tratem do meio físico, de transporte, de informação e comunicação, inclusive de sis-temas e tecnologias da informação e comunicação, e de outros serviços, equi-pamentos e instalações abertos ao público, de uso público ou privado de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, devem atender aos princípios do desenho universal, tendo como referência as normas de acessibilidade.

Art. 3o Lei 13.146/2015 Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:

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[...] IV - barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movi-mento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreen-são, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em:

[...] d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstá-culo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação. [...]

A partir de tais informações, nota-se que o sistema do PJe deve possuir compatibilidade com os sof-twares utilizados por advogados com deficiência visual, por exemplo. Entretanto, o que se tem como sistema não obedece ao mínimo dos princípios constitucionalmente definidos. Ou seja, o Processo Judicial Eletrônico não garante o princípio da inafastabilidade da jurisdição, tampouco respeita a lei da acessibilidade. E a partir de Janeiro de 2016 estará desrespeitando o estatuto da pessoa com deficiência.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando em consideração a evolução constitucional, no Brasil, constata-se a luta pela positivação dos direitos fundamentais, principalmente quanto ao desenvolvimento do direito ao acesso à justiça. Após inú-meros percalços, na Constituição de 1988, o acesso à justiça tornou-se um princípio fundamental que não necessita de lei para discipliná-lo.

No contexto da cibercultura, a nova forma de prestação jurisdicional significa antes de tudo um avan-ço legislativo de origem eminentemente constitucional que vem dar guarida aos antigos anseios de todos os cidadãos, especialmente aos anseios da população menos abastada, de uma justiça apta a proporcionar uma prestação de tutela simples, rápida, econômica e segura, capaz de levar à liberação da indesejável litigiosida-de contida. Logo, argumenta-se que a lei 11. 419 de 2006, tem uma proposta positiva, pois objetiva a celerida-de processual, que é um dos cernes mais perseguidos no Brasil, tendo em vista a morosidade processual que faz com que o processo dure muito mais tempo. Ao lado desta premissa, como ficou demonstrado durante todo o texto, repousa o problema/limitação do acesso à justiça que acaba por ser colocado em segundo plano. A ineficácia do sistema eletrônico que aí se apresenta e se coloca como sendo o escolhido para uniformizar a virtualização dos procedimentos e processos do Judiciário brasileiro, é posta em questão quando verificamos seus utilitários trazerem barreiras para o desenvolvimento natural e regular do Judiciário brasileiro.

A utilização do certificado digital, apesar de ser uma escolha excelente do ponto de vista técnico para a segurança jurídica do controle de quem acessa o sistema, traz ao mesmo tempo um travamento ou seleção de quem são os profissionais que tem condições de utilizar a tecnologia, bem como não permite o uso ou o acompanhamento/consulta processual por parte dos cidadãos vez que a plataforma foi desenhada única e exclusivamente para os operadores o direito. Isso porque se está apenas a falar sobre um único item consi-derado como obrigatório para o acesso ao sistema. Logo, se o cidadão quiser verificar os autos processuais ele não terá a mesma facilidade que possui hoje quando da verificação via física.

Diante da evolução constitucional e face à lei do PJe, especialmente aos requisitos estabelecido, im-pugna-se tal proposta, nos termos que, tanto se lutou para normatizar o acesso à justiça, aí, surge uma lei que impossibilita o cidadão pleitear os seus direitos em juízo. O que dizer? Considera-se inconstitucional tal me-dida, pois como já dito não pode haver medida tendente a atenuar ou abolir o acesso aos meios judiciais; por-tanto, entende-se que, a apreciação pelo Poder Judiciário é uma Cláusula Pétrea, conforme o artigo 60, §4º, IV da Constituição Federal de 1988. Entretanto, não se pode desviar de uma realidade que não tem retorno. A virtualização dos procedimentos virtuais via Processo Judicial Eletrônico é um caminho que não retroagirá. Apenas precisamos garantir que as inovações tecnológicas desenvolvidas e evoluídas de forma frenética não viole princípios constitucionalmente estabelecidos sob pena de serem consideradas inconstitucionais.

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REFERÊNCIAS

BEDIN, G. L.; SPENGLER, F. M. O Direito de Acesso à Justiça e as Constituições Brasileiras: As-pectos Históricos (The Right of Access to Justice and Brazilian Constitutions: Historical Aspects), Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 139, 2013.

GONZAGA, Alvaro de Azevedo; ROQUE, Natalhaly Campitelli. Vade Mecum Jurídico, 2014. 6º Edição. Ed. Método.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 2015. 10º Edição. Ed. Saraiva.

MORAES, de Alexandre. Direito Constitucional, 2001. 1º Edição. Ed. Atlas.

MAMEDE, M. V. S, Realidade para Poucos, Sonho para Muitos, Consultor Jurídico, ago. 2011. Dispo-nível em: http://www.conjur.com.br/2011-ago-01/processo-eletronico-realidade-sonho. Acessado em: 25 jun. 2015.

SILVA, Afonso da Sila. Curso de Direito Constitucional Positivo, 2015. 38º Edição. Ed. Malheiros Edi-tores.

PINTO, A. F. R.; CAMPOS, V. L. T. P. G. A Evolução do Acesso à Justiça no Cenário Jurídico Nacio-nal, ETIC - Encontro de Iniciação Científica, v. 3, n. 3, p. 05-06, 2007. Disponível em http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1449/1385. Acessado em 13 ago 2015.

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DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E OS REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL:

SOBRE AS INOVAÇÕES DO ARTIGO 319, §§ 1º AO 3º, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC/2015) À LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DO DIÁLOGO DAS FONTES.

Gonzalo Martin Salcedo

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela ESA (OAB/PE). Mestrando do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal de Pernambuco. Bolsista do programa DS-CAPES. Advogado militante.

SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. 3. A dignidade da pessoa humana e a eficácia normativa como pressupostos para uma efetiva prestação jurisdicional. 4. As inovações do artigo 319, §§ 1º ao 3º, do novo cpc e o diálogo das fontes. 5. Considerações finais. Referências

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente artigo surge a partir da identificação de inovações jurídicas no que diz respeito aos requisi-tos legais da petição inicial no processo comum, identificação que decorre da publicação na imprensa oficial, em 17 de março de 2015, da Lei Federal 13.105/2015 – mais conhecida como o novo Código de Processo Civil (CPC).

Em face do disposto no artigo 1º dessa nova norma jurídica, que se encontra em vacatio legis de um ano, salta aos olhos a necessidade de revisitar o diploma normativo constitucional com vistas a utilizá-lo como fonte hermenêutica fundamental.

Em vista disso, e considerando os valores e princípios que formam a base da Carta Magna, em espe-cial no que diz respeito ao Preâmbulo e aos direitos e garantias, pareceu-nos essencial que o presente estudo apresentasse um panorama jurídico a partir da trajetória histórica e conceitual dos direitos humanos, pois o tipo de direito que serve como fundamento da República Federativa do Brasil, conforme o artigo 1º de sua Constituição.

Deve-se ter em mente que ao se falar em trajetória de uma visão ou de um conceito se deduz que essa visão ou esse conceito não foi o mesmo ao longo do tempo mas, ao contrário, que a compreensão atual acerca de seu sentido não é o mesmo de séculos atrás. Podemos dizer que os direitos humanos:

requerem três qualidades encadeadas: devem ser naturais (inerentes nos se-res humanos), iguais (os mesmos para todo mundo) e universais (aplicáveis por toda parte).

Para que os direitos sejam direitos humanos, todos os humanos em todas as regiões do mundo devem possuí-los igualmente e apenas por causa de seu status como seres humanos. (HUNT, 2009, p. 19)

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Essa visão pode parecer óbvia, bem como pode soar natural se falar em direitos humanos para todos como indissociável de uma sociedade organizada sob as normas de um Estado democrático de Direito, nos moldes da formação liberal dos países do ocidente.

No entanto, é essencial lembrar que os direitos humanos nem sempre tiveram essa conceituação, ra-zão pela qual se torna fundamental conhecer o processo histórico de sua formação e de seu aperfeiçoamento político e institucional. Assim, por meio de revisão de literatura e análise documental, apresentamos uma visão da trajetória dos direitos humanos e suas similitudes e distinções em relação aos direitos fundamentais.

Em seguida, realizamos uma reflexão acerca da dignidade da pessoa humana e a eficácia normativa como pressupostos para uma efetiva prestação jurisdicional. A abordagem incluiu não apenas a questão do conceito de dignidade ao longo do tempo, mas também o seu enquadramento no arcabouço jurídico interno.

Feita esse exame iniciamos o estudo da efetividade da prestação jurisdicional, apontando semelhan-ças e distinções entre conceitos como concretização, realização, eficácia e efetividade, sempre à luz dos fun-damentos teórico-normativos apresentados anteriormente.

Por fim, traçamos um paralelo entre os requisitos da petição inicial no CPC vigente e o novo CPC. Apresentamos uma análise crítica da eventual adequação do artigo 284, do CPC vigente, em relação a todas as questões de fundo constitucional anteriormente discutidas. Em seguida, abordamos a questão do diálogo das fontes e as relações entre o direito processual civil e o direito processual do trabalho.

Por fim, indicamos quais foram as inovações trazidas pelo artigo 319, §§ 1º ao 3º, do novo CPC e de que forma elas se coadunam com os princípios e valores estudados anteriormente no presente artigo.

Esperamos que, ao final, o presente escrito contribua na identificação de pontos relevantes no que tange à melhor técnica jurídica, com vistas a um ingresso seguro em juízo, seja em relação aos feitos que ve-nham a ter o CPC como a principal norma processual, seja em relação às ações que venham a ser distribuídas no âmbito da Justiça do Trabalho.

2. DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

De início, deve-se ter em mente que os direitos humanos, para serem assim reconhecidos, devem possuir um caráter não apenas individual, mas coletivo, pois têm relação direta com a vida em sociedade. Assim, não tem sentido defender o direito à vida e à liberdade enquanto direito humano fundamental quando o titular desse direito reside isolado em algum lugar ermo. De fato, esse direito apenas adquire relevância em face da existência do risco de sua violação por outro individuo ou pelo Estado. (HUNT, 2009, p. 19)

Trata-se de direitos que, tais quais outros, não são revelados, mas, diversamente, construídos, decor-rentes do avanço e do retrocesso de valores e práticas sociais ao longo do tempo em diferentes momentos em cada Estado, em casa sociedade, e cuja gênese está na dor, na aflição humana (VIOLA, 2015, palestra).

Isso tem uma razão de ser:

A percepção dos direitos humanos está condicionada, no espaço e no tempo, por múltiplos fatores de ordem histórica, política, econômica, social e cultu-ral. Portanto, seu conteúdo real será definido de modo diverso e suas moda-lidades de realização variarão. (MBAYA, 1997, p. 21)

É o caso, por exemplo, do trabalho escravo. Apesar do caminhar em direção ao que hoje entendemos por direitos fundamentais da pessoa, inúmeros foram os avanços e retrocessos em relação à exploração vil do outro, com domínio inclusive sobre sua vida E, apesar do status atual, em que supostamente impera o que entende-mos, no ocidente, por direitos humanos e direitos fundamentais, mais de 100 anos após a abolição formal da escravidão no Brasil ainda se faz presente o trabalho escravo ou em condições análogas à escravidão. (BRASIL, 2011, a)

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Do ponto de vista da história ocidental, os autores costumam identificar alguns documentos como sendo essenciais na construção ideológica, política e jurídica dos direitos humanos: a Magna Carta (séc. XII), o Petition of Rights (1628), a Lei do Habeas Corpus (1679) e o Bill of Rights (1689), todos ingleses, a Decla-ração de Direitos do Bom Povo da Virginia (EUA), a Declaração de Independência dos Estados Unidos (da América) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. (SIQUEIRA, 2015).

Parece-nos que a percepção que temos de que os agentes públicos, em solo pátrio, apenas agem quando da ocorrência de um fato grave, com respostas emergenciais e contundentes, ocorrem não apenas em nosso país. Foi necessária a ocorrência de uma calamidade humana com violência e proporções até en-tão inimagináveis, de fato em escala industrial, para que saltasse aos olhos, de forma gritante, a necessidade de se incluir na agenda política interna e internacional a questão dos direitos humanos como essencial não apenas à estabilidade interna das nações, mas, também, como ponto fundamental para a harmonia ou, ao menos, a estabilidade no plano geopolítico. (LAFER, 1995, p. 4)

Assim é que, quando do término da II Guerra Mundial, o mundo conheceu os horrores do Holocaus-to, genocídio que levou à morte milhões de indivíduos (não apenas judeus, mas também comunistas, ciga-nos, católicos, idosos, crianças, portadores de necessidades especiais, dentre outros que não atendiam a um determinado padrão determinado pelo Estado), fazendo surgir na agenda política internacional, com força e amplitude nunca antes vista, a questão dos direitos humanos. (LAFER, 1997, p. 19)

Dito processo culminou no surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), cujo preâmbulo (ONU, 1948) deixa latente o processo que culminou em sua criação. Trata-se de um verda-deiro marco na luta pelos direitos humanos e no reconhecimento da pessoa como sujeito de direitos inaliená-veis, desde o seu nascimento, em face unicamente de sua natureza enquanto ser, de sua condição humana; agora, não apenas no planto interno, mas também internacional, não estando limitados ao território de um Estado nacional.

Deve-se ter em mente, inclusive, que a DUDH é uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas. Não se trata de uma lei. Nesse sentido, e exatamente pelo fato de não poder ser imposta juridica-mente a um Estado, especialmente quando esse não se comprometeu formalmente com o seu teor nem com a produção de normas internas, e muito menos com a criação de mecanismos estatais de sua efetivação no plano interno, porque tamanha relevância?

Ocorre que, assim com as normas constitucionais de cunho programático, o teor da DUDH passou a ser um marco juridicamente claro acerca do mínimo que o indivíduo tem como seu por direito, para além de eventual coerção alegadamente soberana do Estado. A partir da DUDH se teve a percepção do indivíduo como titular de direitos que transcendem à figura do Estado, pois próprio do Homem enquanto ser propria-mente dito; a visão de que, antes de ser cidadão desse ou daquele Estado, é pessoa titular de direitos pela simples condição de ser pessoa.

Assim como ocorre com as normas programáticas, a DUDH se apresenta como um referencial, espe-cialmente jurídico, o qual tem a função de servir como ponto de partida para a análise objetiva de questões envolvendo direito penal internacional, ações internacionais de cunho humanitário e, se necessário, envol-vendo intervenção militar internacional quando observadas graves violações a esses direitos em um determi-nado país. Mas, em especial, serviu de referencial teórico para o surgimento, nos ordenamentos jurídicos de diversos países, de normas do mesmo tipo e com o mesmo objetivo: a efetiva proteção e promoção dos direitos humanos como fundamentos de uma sociedade socialmente justa. (ALVES, 1999)

Parece-nos importante, ainda, apresentar uma distinção objetiva entre direitos humanos e direitos fundamentais, a fim de que se possa fazer referências a esses ou aqueles de forma mais precisa, apreen-dendo-se o real sentido de um e de outro. Objetivamente, podemos afirmar que os autores – ao menos parte considerável desses – consideram que os direitos humanos são aqueles reconhecidos no âmbito do direito internacional como direitos inerentes à condição do homem enquanto ser, e que não encontram limites nas fronteiras dos Estados. Já os direitos fundamentais são os direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico-constitucional. (ANDRADE, 2008, p. 16).

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A partir desse entendimento se pode falar em direitos humanos como premissas do surgimento das normas relativas a direitos fundamentais, no ordenamento jurídico interno dos países, a exemplo dos direitos contidos na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (CR/88), em seu Título II, (BRASIL, 1988, b) e que trata dos direitos e garantias fundamentais, com a seguinte organização: dos direitos e deveres individuais e coletivos, dos direitos sociais, da nacionalidade, dos direitos políticos e dos partidos políticos.

Vê-se claramente a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, posto que esses – nor-mas constitucionais que tratam de direitos e deveres fundamentais – são inspirados naqueles. Por exemplo, veja-se que o artigo 3º, da DUDH, determina que “Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segu-rança pessoal. ”. Trata-se de direito humano, não obstante positivado no ordenamento jurídico internacional.

Dito direito humano, o direito à vida, é positivado no ordenamento constitucional brasileiro por meio do artigo 5º, caput, da CR/88. Clara, portanto, a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, posto que esses são inseridos no ordenamento jurídico em face da influência, direta ou indireta, daqueles. (CADEMARTORI, 2012, p. 8). Importante registrar que, assim como a distinções acima, diversas são as apresentadas na doutrina, seja em relação a direitos humanos e direitos fundamentais, seja em relação às distinções ou semelhanças entre si ou ainda sob outros prismas de análise.

Ao final, mais importante do que realizar profundos estudos a fim de definir com clareza as distinções e semelhanças entre direitos humanos e direitos fundamentais, e sua conceituação, seja buscar caminhos e mecanismos que viabilizem a efetiva garantia e proteção desses direitos. Nesse sentido, alinhamo-nos ao pen-samento de Norberto Bobbio no sentido de que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-lo, mas o de protegê-los”. (BOBBIO, 1992, p. 24)

3. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A EFICÁCIA NORMATIVA COMO PRESSUPOSTOS PARA UMA EFETIVA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Podemos afirmar, em linhas gerais, que a dignidade foi tratada, inicialmente, pelos gregos, tendo como pensadores mais relevantes (com todas as reservas que o uso da expressão relevante possui) Platão e Aristóteles. Outros filósofos também trouxeram contribuições, na histórica do pensamento, para a construção filosófica desses conceitos, a exemplo dos Estóicos e de Cícero (SIQUEIRA, 2009).

No pensamento grego a dignidade está ligada à ética e à racionalidade. De fato, “a dignidade do ho-mem seria proporcional à sua capacidade de pensar e conduzir a própria existência desde a razão”. O adven-to da Idade Média e do pensamento cristão, especialmente em face do fortalecimento da Igreja Católica, seu poder e influência, faz surgir uma nova perspectiva de análise: a teológica, destacando-se as contribuições de Agostinho de Hipona e de Tomas de Aquino, ambos pensadores ligados à Escola Jusnaturalista. Assim é que a dignidade passar a poder ser estudada por dois vieses: o ontológico e o ético; “(....) é possível refletir sobre o seu significado por dois caminhos: o ontológico e o ético. Através da via ontológica, pode-se conhecer uma realidade específica entre outras, que é a de ser pessoa. A via ética, por sua vez, permite pensar as razões alegadas para dizer que alguém é digno” (SOARES, 2010).

Dentre os filósofos que tratam do conceito de dignidade, já na Idade Moderna, destaca-se Immanuel Kant. Kant desenvolve postulados que conferem à dignidade um status moral. (RIBEIRO NETO, 2013, p. 15). Em outras palavras, a condição humana “gera um dever de tratar o ser humano com consideração e, ao mesmo tempo, de reconhecer que a condição de nenhum sujeito é intrinsecamente superior à de outro sujeito”. (RIBEIRO NETO, 2013, p. 35).

Não obstante, o pensamento de Kant encontra autores que sugerem seja apreendido com reservas, em face de que seria insuficiente, para os tempos atuais, o pensamento kantiano acerca de liberdade racio-nal (QUEIROZ, 2005), o que sugere a leitura de pensadores posteriores a Immanuel Kant, a exemplo de Habermas.

No que diz respeito à dignidade sob o prisma jurídico-normativo, a Carta Magna incorporou as influ-ências dessa trajetória, seja dos direitos humanos, seja do conceito de dignidade, em seu texto. A dignidade

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(da pessoa humana) foi alçada ao mais elevado patamar na norma constitucional: encontra-se elencada, no artigo 1º, III, da CR/88 como um dos fundamentos da República enquanto Estado Democrático de Direito. (BRASIL, 1988).

A dignidade da pessoa humana também encontra previsão em outras partes da Carta republicana, pois é considerada um dos princípios do planejamento familiar e na forma de o Estado garantir o exercício desse direito (art. 226, § 7º, CR/88). Ademais, estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito, dentre outros, à dignidade (art. 227, caput, CR/88). Determina que é dever da família, da sociedade e do Estado defender a dignidade, dentre a dignidade dos idosos (art. 230, caput, CR/88).

Essas são as quatro menções da CR/88 à dignidade, sendo a primeira expressa em relação à dignida-de da pessoa humana (art. 1º, III, CR/88) e as demais apenas ao termo dignidade. O que se torna essencial ressaltar é que a inclusão da dignidade da pessoa humana como um dos princípios da República possui alta relevância em face de que a interpretação de todo o ordenamento constitucional deverá levar em conta a dignidade da pessoa humana. Assim,

As interpretações dos demais princípios constitucionais, bem como dos direi-tos fundamentais deverão ser realizadas em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana. Esse pressuposto favorece que cada ser humano seja respeitado na sua integralidade, de modo a ter sua dignida-de protegida e amparada na sua totalidade. Assim sendo, a ignorância ao princípio da dignidade humana amotina contra todo sistema constitucional e consequentemente, contra todos seus valores fundamentais. (MARREIRO, 2013, p. 5-6)

Portanto, a dignidade da pessoa enquanto princípio republicano é a base jurídico-normativa que orienta, ou deveria orientar, a atuação dos diversos setores da sociedade, tanto na esfera pública quanto pri-vada, com vistas a efetivar e proteger os direitos fundamentais

A partir desse pressuposto, e considerando que os direitos fundamentais são direitos humanos in-seridos no ordenamento jurídico (À exemplo, veja-se que a DUDH estabelece como direitos humanos, em seus artigos 1º e 3º, dentre outros, a liberdade, a igualdade e a vida. Da mesma forma, o artigo 5º, da CR/88, positiva-os como direitos fundamentais), podemos entender que a dignidade somente se faz plenamente protegida e respeitada quando, da mesma forma, garante-se que o indivíduo tenha assegurado o gozo e a inviolabilidade de seus direitos fundamentais, constitucionalmente estabelecidos no Título II da CR/88.

A influência desses valores e fundamentos constitucionais se explicitam na Lei Federal 13.105/2015, o novo Código de Processo Civil, conforme o disposto em seu artigo 1º: “O processo civil será ordenado, dis-ciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. ” (BRASIL, 2015, c)

Pois bem; a Carta Magna impõe ao Estado, por meio do artigo 5º, XXXV, da CR/88 - A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. (BRASIL, 1988, b) um dever de agir, qual seja, o de prestar a tutela estatal segundo as normas da jurisdição sempre que houver a provocação do Estado, na figura do Estado-Juiz e conforme a norma processual aplicável. Trata-se de direito fundamental do cidadão, constitucionalmente previsto.

Contudo, para que haja o respeito à realização da dignidade da pessoa, por meio do gozo desse direito fundamental, é essencial que essa prestação jurisdicional não seja vazia de sentido, não se dê somente no plano teórico ou normativo, mas no mundo real, fenomenológico. De fato, faz-se necessária a realização da norma constitucional, a materialização do dispositivo legal em uma ação efetiva do Estado (CARVALHO, p. 16).

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A esse respeito, convêm ressaltar que

A concretização constitucional [...] vai consistir primeiramente em um con-junto de procedimentos estruturados no sentido de garantir a eficácia da constituição. [...] Temos, então, a concretização constitucional como um mé-todo procedimental de garantia da eficácia da constituição a partir da utiliza-ção dos procedimentos previstos na esfera metodológica pertinente.

[...]

Quanto à realização da constituição, temos essa ideia ligada ao que concei-tuamos como efetividade. Consiste a realização constitucional na aplicação prática da norma constitucional, ou seja, a concretização fática, real, empí-rica, de seu conteúdo. [...] a realização da constituição está ligada ao efetivo cumprimento da norma constitucional no plano social. (GALINDO, 2006, p. 166-167)

Em razão disso se torna fundamental apresentar, mesmo que de forma bastante sucinta, a distinção entre efetividade e eficácia, sendo essa ligada à norma propriamente dita e aquela à repercussão fenome-nológica, os reflexos da norma na realidade concreta; trata-se do “dever-ser normativo e o ser da realidade social”. (BARROSO, 1996, p. 83)

A eficácia diz respeito à capacidade de uma determinada norma de produzir, de fato, o efeito desejado no plano da realidade. (COL, 2002); de outra forma, “a possibilidade concreta, real e imediata da norma ser realizada”. Já a efetividade se refere “à realização do postulado normativo no âmbito fático, correspondendo então à noção de eficácia social.” (GALINDO, 2006, p. 164)

Relativamente à efetividade se indaga:

Será que o direito à tutela jurisdicional é apenas o direito ao procedimento legalmente instituído, não importando a sua capacidade de atender de ma-neira idônea o direito material? Ora, não tem cabimento entender que há direito fundamental à tutela jurisdicional, mas que esse direito pode ter a sua efetividade comprometida se a técnica processual houver sido instituída de modo incapaz de atender ao direito material. Imaginar que o direito à tutela jurisdicional é o direito de ir a juízo através do procedimento legalmente fi-xado, pouco importando a sua idoneidade para a efetiva tutela dos direitos, seria inverter a lógica da relação entre o direito material e o direito proces-sual. Se o direito de ir a juízo restar na dependência da técnica processual expressamente presente na lei, o processo é que dará os contornos do direito material. Mas, deve ocorrer exatamente o contrário, uma vez que o primeiro serve para cumprir os desígnios do segundo. Isso significa que a ausência de técnica processual adequada para certo caso conflitivo concreto representa hipótese de omissão que atenta contra o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. (MARINONI, 2004, p. 11-12).

Portanto, é essencial que a prestação jurisdicional seja efetiva, que vá além do aspecto meramente formal; em sentido diverso, que obtenha resultados materiais, concretos, no mundo dos fatos, a fim de que o jurisdicionado tenha respeitado o direito fundamental à tutela do Estado e, por consequência, tenha assegu-rada por esse mesmo Estado a salvaguarda de sua dignidade enquanto pessoa e cidadão.

Para isso, entendemos como essencial que as normas que regem o processo judicial, por meio do qual o Estado deve realizar a prestação jurisdicional, estejam voltadas, de fato, para a efetividade dessa prestação. De fato, a norma processual deve, em nossa visão, estar positivada de forma tal que possa ser relativizada

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pelo Juízo, respeitados direitos e princípios como o contraditório, a ampla defesa e a licitude das provas, ou dispensadas de seu cumprimento se, com isso, for possível obter a devida prestação jurisdicional. Foi o que ocorreu, em nossa visão, com a introdução dos parágrafos 1º a 3º no artigo relativo aos requisitos da petição inicial (art. 319) do novo CPC (BRASIL, 2015, c).

4. AS INOVAÇÕES DO ARTIGO 319, §§ 1º AO 3º, DO NOVO CPC E O DIÁLOGO DAS FONTES

Como visto anteriormente, o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos de uma hermenêutica jurídica adequada, posto ser fundamento da República – conforme o disposto no art. 1º, III, da CR/88. Também restou observado que é em torno desse, como de outros fundamentos e princípios, que se erigem os direitos fundamentais, inspirados nos direitos humanos e incorporados à Carta Magna em vários dispositivos, dentre os quais o artigo 5º, da CR/88.

Pois bem; o novo CPC tem, no artigo 1º, a seguinte dicção:

Art. 1ºO processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da Repú-blica Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

Da letra da lei se extrai a alta relevância da análise efetuada, no sentido de que, exemplificativamen-te, o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme o princípio da dignidade da pessoa e os direitos fundamentais postos nos diversos artigos da Lei Maior. Pois bem; da leitura do artigo 5º, da CR/88, podemos extrair dois importantes princípios que informam a interpretação a ser data às normas do novo CPC; quais sejam, o da celeridade (art. 5º, LXXVIII) e o da efetividade processuais.

Como visto, a norma processual deve ser não apenas eficaz, mas efetiva, especialmente diante das normas constitucionais postas e do disposto no art. 1º, do novo CPC. No que tange à norma processual em específico, os requisitos da petição inicial estão dispostos, tanto no CPC vigente quanto no novo CPC, em Seção própria. No CPC vigente se estendem do artigo 282 ao artigo 285-B. Já no novo diploma processual os requisitos estão dispostos do artigo 319 ao artigo 321. Em face dos objetivos do presente texto limitaremos nossa análise às inovações introduzidas pelos parágrafos 1º a 3º do artigo 319, do novo CPC, que se remetem ao inciso II do mesmo artigo.

O texto do CPC vigente assim dispõe:

Art. 282. A petição inicial indicará:

I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida;

II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu;

[....]

Art. 284. Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades ca-pazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emen-de, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias.

Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a pe-tição inicial.

Verifica-se da leitura do artigo 282, II, em conjunto com o artigo 284, que o CPC atual apresenta uma rigidez que não mais se coaduna com os princípios e valores constitucionais que devem perpassar todo o ordenamento jurídico infraconstitucional.

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É nosso entendimento que não se haveria de falar indeferimento da petição inicial, por aplicação do artigo 284, do CPC, no caso da parte autora não informar, a exemplo, o estado civil do réu por afronta aos princípios e fundamentos constitucionais a que nos referimos anteriormente. Afinal, se dita informação não é essencial para a análise e o julgamento da demanda, indeferir a inicial pelo fato de não constar essa infor-mação importa em afronta ao direito constitucional de acesso à justiça e à prestação jurisdicional por parte do Estado.

De forma diversa ocorre no processo do trabalho, em que vigora um princípio que se mostra essen-cial na diferenciação com o processo civil: a simplicidade e o jus postulandi. A simplicidade, princípio caro ao processo laboral, tem como objetivos obstar que o formalismo e o tecnicismo exacerbado impeçam uma prestação jurisdicional célere e efetiva (SCHIAVI, 2012, p. 118)

Outros autores denominam esse princípio como o da informalidade, sendo certo que o processo do trabalho, organizado sob a égide desse princípio, bem como do da oralidade, torna-se

Menos burocrático, mais simples e mais ágil que o sistema do processo co-mum, com linguagem mais acessível ao cidadão não versado em direito, bem como a prática de atos processuais ocorre de forma mais simples e objeti-va, propiciando maior participação das partes, celeridade no procedimento e maiores possibilidades de acesso à justiça ao trabalhador mais simples. (SCHIAVI, 2012, p. 124)

Apesar disso, parte da doutrina entende que o princípio da simplicidade é comum ao processo civil, pois esse princípio decorreria dos da instrumentalidade e da oralidade, os quais seriam o objetivo do siste-ma processual como um todo e não especificamente do processo trabalhista. Não obstante, “é importante ressaltar, porém, que as raízes deontológicas e fenomenológicas desses órgãos da justiça comum provêm do direito processual do trabalho. (LEITE, 2014, p. 91)

De fato, não são poucos os autores que se posicionam no sentido de que, em face do diálogo das fon-tes, o processo civil avançou em face das influências do processo do trabalho,

Exatamente, porque este último já havia sido elaborado com vistas a uma realidade social - de conflitos de massa, coletivos ou pluriindividuais, e com base na desigualdade das partes e não com o apoio da presunção de igualdade –, que somente agora o mundo civil passa a conhecer, ou pelo menos a reconhecer. (MAIOR, 1998, p. 23)

Parece-nos que esse posicionamento tem fundamento, quando se observa que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 840, admite a apresentação de reclamação oral em dissídios individu-ais do trabalho (BRASIL, 1943, e) desde o ano de 1943, enquanto a Lei dos Juizados Especiais Cíveis (Lei Federal 9099/95), que admite o mesmo procedimento em questões relativas ao direito comum, foi introduzi-da no ordenamento jurídico apenas em 1995. (BRASIL, 1995, f).

Essas distinções também se verificam nos requisitos da petição inicial trabalhista, conforme o dispos-to no artigo 841, §1º, da CLT:

§ 1º - Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do Presidente da Junta, ou do juiz de direito a quem for dirigida, a qualificação do recla-mante e do reclamado, uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissí-dio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante.

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É a partir desse panorama que se verifica, com entusiasmo, os reflexos da influência dos direitos fundamentais e do diálogo das fontes na nova norma processual, por meio da inclusão dos §§ 1º a 3º em seu artigo 319.

Art. 319. A petição inicial indicará:

I - o juízo a que é dirigida;

II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;

§ 1o Caso não disponha das informações previstas no inciso II, poderá o autor, na petição inicial, requerer ao juiz diligências necessárias a sua obtenção.

§ 2o A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de informações a que se refere o inciso II, for possível a citação do réu.

§ 3o A petição inicial não será indeferida pelo não atendimento ao disposto no inciso II deste artigo se a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça.

De fato, o inciso II, do art. 319, do novo CPC, determina que a parte apresente mais informações em relação ao que é exigido no inciso II do artigo correspondente no CPC atual. Essa alteração decorre não apenas do avanço inegável da tecnologia e sua penetração na vida cotidiana, mas também o surgimento de institutos como a união estável. Contudo, não realizaremos uma análise dessas inovações em face dos obje-tivos de nosso estudo.

O que é nos parece essencial perceber é que agora a parte autora, com base no § 1º, pode solicitar que o Juízo determine a realização de diligências prévias com vista à obtenção dessas informações. Esse dis-positivo é de grande relevância, haja vista que não é incomum que haja lides que deixam de ser instauradas, restando prejudicados o direito e a pretensão da parte autora, porque essa não consegue localizar o endereço atualizado da parte ré.

Essa possibilidade é extremamente salutar quando se considera que existem informações que apenas podem ser obtidas por meio de ordem judicial, como o endereço atualizado fornecido por um ente público ou, digamos, o número de inscrição no CPF/MF.

Em complementação, o § 2º, do artigo 319, mostra-se dispositivo de grande eficácia no sentido de as-segurar uma maior efetividade na prestação jurisdicional, haja vista que mesmo que alguma (s) das informa-ções requeridas pelo inciso II, do artigo 319, não conste (m) na petição inicial, essa não poderá ser indeferida.

Entendemos que esse dispositivo tanto no caso da exordial não atender completamente o disposto no art. 319, II, do novo CPC como quando as diligências determinadas pelo Juízo, a pedido da parte, nos termos do art. 319, § 1º, do novo CPC – o que nos remonta à crítica feita anteriormente em relação a aplicação, na-quele caso, do disposto no art. 284, do CPC vigente.

Por fim, o § 3º se mostra alvissareiro por privilegiar o acesso à Justiça, enquanto direito fundamental do indivíduo e previsão constitucional que privilegia o exercício da cidadania e a proteção da dignidade da pessoa do jurisdicionado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cremos ter ficado demonstrada, de início, a importância dos direitos humanos enquanto fundamento das normas introduzidas no ordenamento jurídico, por meio dos direitos e garantidas fundamentais já exis-tentes e outros que venham a se fazer necessário proteger em tempos futuros.

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Nessa linha de raciocínio, acreditamos que as inovações trazidas pelos §§ 1º a 3º do novo CPC vem a oxigenar a prática forense e permitir que se imprima uma maior celeridade ao andamento do processo por meio da adoção de práticas e de uma hermenêutica que valorize a efetividade da prestação jurisdicional em detrimento do rigor formal.

Certamente há muito ainda por fazer, no que se refere a se ter, de fato, um Estado de direito no Brasil, no sentido posto pela Carta aos Brasileiros. (TELLES JUNIOR).

Contudo, acreditamos que inovações como as trazidas pelo novo CPC e estudadas neste artigo são um passo importante, sendo certo que é preciso estar atendo a fim de se buscar construir uma hermenêutica jurídica efetivamente comprometida, por meio da aplicação das diversas normas jurídicas, com o respeito e a defesa intransigente dos direitos fundamentais. Somente assim, e disso estamos convictos, estarmos no caminho de uma Justiça cada vez menos imperfeita.

Ao final, a melhor hermenêutica, baseada nos valores e nas normas fundamentais estabelecidas na CR/88, permitirá que se caminhe em direção à sociedade idealizada pela Assembléia Nacional Constituinte, refletida no Preâmbulo da Carta Magna, não raro ignorada como fundamento filosófico e político do texto constitucional, mas aqui transcrita:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem--estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmo-nia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

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TÍTULOS JUDICIAIS INVERTIDOS E FUNGIBILIDADE DINÂMICA NO NOVO CPC

José Henrique Mouta Araújo

Doutor e mestre (Universidade Federal do Pará), com estágio em pós-doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Professor Titular da Universidade da Amazônia e do Centro Universitário do Estado do Pará, procurador do estado do Pará e advogado. www.henriquemouta.com.br.

SUMÁRIO: Introdução. 1. O pedido contraposto, reconvenção, ações dúplices e tutelas provisórias de urgência (antecipatórias e cautelares) não confirmadas. Desnecessidade de propositura de nova ação de conhecimento. A fungibilidade dinâmica e o novo CPC. 2. A interpretação do art. 515, I, do CPC/2015 – Eficácia executiva às decisões declaratórias. 3. As sentenças de improcedência e decla-ratórias negativas – cumprimento invertido e dinâmico de título favorável ao réu. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Alguns dos temas de maior discussão e análise na ciência processual nos últimos anos referem-se ao cumprimento de sentença e seus vários aspectos, como prazo, competência, instrumentos de defesa e natu-reza do título executivo.As alterações ocorridas em 2005 na legislação processual, que ampliaram o sincretis-mo processual no CPC/1973, até hoje provocam inúmeras controvérsias interpretativas. Como o novo CPC, este tema ganhou maior fôlego, especialmente levando em conta as técnicas ligadas às tutelas provisórias (arts. 294-311, do CPC/2015).

Outro ponto que merece detida análise é o da natureza jurídica do título executivo, prevista no art. 515, do CPC/2015, e a possibilidade de criação do sistema de cumprimento em títulos invertidos (favoráveis ao demandado originário). De fato, o sistema processual estabelecido antes mesmo das reformas citadas acima, ocorridas no CPC/1973, já consagrava a possibilidade de títulos em favor do demandado, como, por exemplo, nas ações dúplices e nos casos de pedido contraposto.

Contudo, o tema é mais amplo e alcança outras importantes situações jurídicas previstas no CPC/2015, em que há a certificação do direito em favor do réu, com possibilidade de cumprimento de sentença inverti-do, como se passa a demonstrar.

2. O PEDIDO CONTRAPOSTO, RECONVENÇÃO, AÇÕES DÚPLICES E TUTELAS PROVISÓRIAS DE URGÊNCIA (ANTECIPATÓRIAS E CAUTELARES) NÃO CONFIRMADAS. DESNECESSIDADE DE PROPOSITURA DE NOVA AÇÃO DE CONHECIMENTO. A FUNGIBILIDADE DINÂMICA E O NOVO CPC

Em situações tradicionalmente previstas desde o CPC/73, há a formação de demandas recíprocas em que se formam títulos executivos em favor do réu que, no cumprimento de sentença, será considerado exequente. Aliás, desde já vale mencionar que a indicação da parte como credora ou devedora deverá ser analisada de acordo com o momento processual e o que no título executivo estiver consignado.

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Neste mesmo sentido, diversas situações jurídicas previstas no CPC/2015 também estabelecem a possibilidade de constituição de títulos executivos em favor do réu originário, gerando, inclusive, liquidação e cumprimento de sentença invertidos (o que podemos chamar de fungibilidade dinâmica – vg. art. 302, pará-grafo único, do CPC/2015 com redação que lembra o art. 811, parágrafo único, do CPC/1973).

Neste contexto, devem ser separadas duas hipóteses distintas, a saber: as que o réu deve mover demanda própria conexa àquela proposta originalmente e as situações em que, pela própria natureza do título e do requerimento provisório pleiteado pelo autor, há certificação de existência de direito em favor do demandado.

No primeiro grupo, poder-se-á indicar como exemplos a reconvenção (arts. 315-318 do CPC/1973 e 343 do CPC/20151) e o pedido contraposto (como nos casos do art. 278, §1º do CPC/19732 e nos juizados especiais- art.31, da Lei 9.099/95). No segundo, os exemplos são as tutelas provisórias de urgência não con-firmadas – ou nas demais situações previstas no art. 302, do CPC/2015, e as sentenças de improcedência em ações declaratórias (cuja análise será feita posteriormente).

Na reconvenção, como é sabido, há a necessidade do interessado comprovar a conexão em relação à demanda proposta pelo autor reconvindo ou ao fundamento da defesa (art. 315, do CPC/1973 e 343, do CPC/2015), ampliando o objeto litigioso do processo e gerando uma sentença em capítulos3.

Nos casos em que se admite pedido contraposto (como nas demandas propostas nos juizados espe-ciais – art. 31, da Lei 9.099/95), a preocupação do legislador é com a simplificação procedimental. Não se deve esquecer que o pedido contraposto deve estar circunscrito aos limites da demanda formulada pelo au-tor, ao contrário da reconvenção. Como bem ressaltam Joel Dias Figueira Júnior e Maurício Antônio Ribeiro Lopes, ao comentarem o procedimento dos juizados especiais:

“Não se deve confundir reconvenção – proibida nestes Juizados, conforme art. 31 – com a formulação de pedidos contrapostos. Aquela é mais ampla e pode perfeitamente superar o espectro da causa petendi e do petitum articu-lados pelo autor; por sua vez, a contraposição de pedidos ou a contrapreten-são limita-se aos contornos dos elementos da ação oferecidos pelo autor”.4

Realmente, enquanto na reconvenção há demanda do réu reconvinte em face do autor reconvindo, cujo requisito principal é a conexão (art. 343, do CPC/2015),5 gerando uma sentença em capítulos, no pedido

1 Vale destacar que, no CPC/2015, a reconvenção é proposta na própria contestação, mantendo a possibilidade de seu julgamen-to (com formação de título em favor do réu-reconvinte), mesmo em aso de desistência ou outra causa extintiva da ação (art. 343, §2º).

2 O art. 318 do CPC/2015 uniformiza os antigos procedimentos sumário e ordinário previstos no CPC/1973, passando a consa-grar tão-somente o procedimento comum.

3 Sobre o tema, ver ARAÚJO, José Henrique Mouta. Objeto litigioso do processo: reflexões sobre o tema. In Teoria do Processo – panorama doutrinário mundial, vol 2. Fredie Didier Jr (organizador). Salvador : Juspodivm, 2010, pp. 405-425.

4 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias e LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais. 3. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 247.

5 Aliás, há ampliação do conceito de conexão, considerando que regra geral a conexão interliga duas causas, ex vi art. 55 do CPC/2015. Contudo, para o cabimento da reconvenção é possível a conexão entre a demanda principal ou com o próprio funda-mento da defesa. José Carlos Barbosa Moreira foi bastante feliz nas observações que apresentou em relação ao vocábulo conexão contido nos arts. 315 do CPC/1973 e 343, do CPC/2015. De acordo com suas lições, ao comentar o dispositivo do CPC/1973: “cha-mo apenas a atenção para o fato de que, no art. 315, o Código usa o adjetivo ‘conexa’ para designar não apenas uma relação entre ações, note-se bem, mas também uma relação entre uma ação – a reconvenção e o fundamento da defesa. A meu ver, é inteiramen-te impossível pretender enquadrar a conexão a que se refere o art. 315 dentro da moldura armada no art. 103. O código cometeu aqui mais uma das suas freqüentes infidelidades aos conceitos que ele próprio procura fixar. Quero crer que o ‘conexa’ do art. 315 deva ser interpretado de maneira bastante ampla. É necessário haver alguma vinculação entre as duas ações – a ação principal e a reconvenção; ou uma relação entre a reconvenção e o próprio fundamento da defesa formulada pelo réu”. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A resposta do réu no sistema do código de processo civil. Revista de Processo. n. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 257-8). De toda sorte, é possível, salvo nesta última hipótese, (conexão com o fundamento da defesa), que o réu seja revel e ao mesmo tempo apresente reconvenção, o que irá gerar importante questionamento sobre os efeitos da revelia envolvendo os chamados ‘fatos comuns’ suscitados na ação e na reconvenção. Com esta observação, não concordo com o regramento previsto no

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contraposto há clara limitação cognitiva, quer pelo pedido formulado pelo autor, quer quanto à inexistência de ampliação do objeto (como ocorre na reconvenção), ou mesmo em face da necessidade de ficar adstrito à matéria de competência do juizado especial.

Assim, em ambas as hipóteses, há possibilidade de consagração de título executivo invertido - em fa-vor do que figurou originalmente no polo passivo, pelo que ratifico o mencionado anteriormente: as posições de autor é réu são variáveis e dependerão do momento processual analisado.

A mesma possibilidade de variação dos polos ocorre nos casos de ações dúplices (v.g, ações posses-sórias – arts. 554-569 - e consignação em pagamento- arts. 539-549, do CPC/2015), em que, pela própria natureza do direito material, a simples improcedência do pleito do autor já garante o bem jurídico em favor do réu originário. Além disso, é formado o título em favor do demandado também nas hipóteses expressamente previstas no art. 556, do CPC/2015, em que este formula pleito possessório e indenizatório.

Vejamos um exemplo: em caso de improcedência de demanda possessória e acolhimento da tese in-denizatória formulada pelo réu (art. 556 do CPC/2015), a sentença certifica direito a seu favor, sendo possível a provocação da fase de cumprimento visando, quem sabe, obrigar o autor a uma tutela de conduta (fazer ou não fazer – art. 497-501, do CPC/2015) ou mesmo pagamento de quantia (art. 520-522, do CPC/2015). Percebe-se, com isso, que nas ações dúplices, permite-se a ampliação objetiva sem a necessidade de apresen-tação de reconvenção1, sendo clara hipótese de fungibilidade invertida (inclusive com a mudança dos polos originários da relação processual).

São, portanto, três situações distintas. A primeira é genérica, em que o réu apresenta seu pleito via reconvenção (na própria peça contestatória – art. 343, do CPC/2015). A segunda, nas ações dúplices2 e a última no pedido contraposto.

Mesmo não sendo o tema principal deste ensaio, vale a pena fazer e tentar responder a seguinte inda-gação: existe diferença entre o pedido contraposto e a ação dúplice? A rigor, verifica-se em ambos a possibili-dade de ampliação do objeto litigioso sem a necessidade de reconvenção. Ademais, há diferenças em relação ao procedimento em que são admitidas e às circunstâncias do direito material.

Com efeito, a ação será dúplice não por circunstância do direito processual, mas sim em decorrência do próprio direito material objeto da discussão judicial3

art. 343, §6º, do CPC/2015: se não contestar (e não apresentar a defesa típica), não irá apresentar o fundamento da defesa que seria o elemento de identificação da conexão, nos casos previstos na parte final do caput do art. 343.

1 Vale citar os ensinamentos de Kazuo Watanabe: “em casos excepcionais se permite o alargamento do objeto litigioso através da contestação. Quando isto se permite, diz-se que a ação tem caráter dúplice. A contestação, nessa modalidade de ação, não somente formula defesa do réu, como também poderá conter autênticos pedidos em seu favor, sem necessidade de reconvenção”. (WATA-NABE, Kazuo. Ação dúplice. Revista de Processo. n. 31. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 141).

2 Como exemplo, é possível indicar o art. 545, §2º, do CPC/2015 onde se percebe que, na consignação em pagamento, há a pos-sibilidade de reconhecimento de obrigação dirigida ao autor (devedor) e, consequentemente, formação de título executivo objeto de futuro cumprimento de sentença, favorável ao réu (credor).

3 Realmente, se ambas as hipóteses (dúplices e pedido contraposto) admitem pedido formulado pelo réu em sua resposta, o direito material será indicativo da existência do primeiro grupo. Como bem aponta Juliana Demarchi, “a técnica da contraposição de pedidos, se na forma é mais parecida com as ações dúplices, em sua essência apresenta maior proximidade ao instituto da reconvenção. Não há necessidade de apresentação do pedido em peça separada como na reconvenção, sendo ele apresentado em audiência, na oportunidade reservada ao oferecimento de contestação. Mas este aspecto meramente formal, conseqüência da von-tade do legislador, não é suficiente para transformar as hipóteses de cabimento do pedido contraposto em ações dúplices. As ações dúplices têm esse caráter em decorrência das próprias peculiaridades do direito material deduzido em juízo, devendo-se rejeitar a idéia de que todas as hipóteses de cabimento de pedido contraposto configuram ações dúplices”. Ações dúplices, pedido contraposto e reconvenção. Leituras Complementares de Processo Civil. Fredie Didier Jr (org). 9ª edição. Salvador : Juspodivm, 2011, p. 364.

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Além do aspecto ligado ao direito material, há maior autonomia na reconvenção do que no pedido contraposto, levando em conta que naquela há conexão entre a ação ou os fundamentos da defesa,4-5 en-quanto neste o réu formula pleito limitado aos contornos estabelecidos na demanda originária. Não é admis-sível, no pedido contraposto, a ampliação do objeto litigioso fora dos limites estabelecidos pelo autor.

De toda sorte, em ambas as hipóteses haverá título executivo em favor do demandado originário, permitindo o cumprimento de sentença em seu favor (fungibilidade invertida e dinâmica – dependerá da certificação do direito contida na sentença).

Há, além desses casos, situações em que o título executivo invertido decorre de tutelas provisórias de urgência (antecipatórias ou acautelatórias), não confirmadas posteriormente (art. 302 do CPC/2015), além dos casos específicos da execução provisória de sentença (art. 520, I e §4, do CPC/2015) A fórmula a ser apresentada nos casos de provisoriedade do título é simples: risco X responsabilidade.

Com efeito, caso o autor obtenha uma tutela provisória (art. 302 do CPC/2015), há, em verdade, uma antecipação provisória de uma situação fática e/ou jurídica ligada ao futuro bem jurídico, que poderá ou não ser confirmado. Nestes casos, é possível a formação de título executivo invertido quando a confirmação não ocorrer, com possibilidade de liquidação e indenização dos danos causados ao réu no mesmo processo, em clara hipótese de fungibilidade invertida e dinâmica.

É fato que a própria execução provisória (cumprimento provisório de sentença – arts. 520-522 do CPC/2015) poderá chegar ao seu final, com a alienação do bem penhorado, mas isso não significa que se transforme em definitiva. O eventual provimento do recurso pendente irá atingir não só o cumprimento de sentença, mas também trará a restituição das partes ao estado anterior e a liquidação dos prejuízos nos mes-mos autos (art. 520, II, do CPC/2015).6

O mesmo raciocínio se aplica para os casos de tutela provisória em geral, pela natural comunicação entre os sistemas, gerando título executivo em favor do demandado em caso de reversão da decisão provisó-ria, que poderá ser objeto, após liquidação, de cumprimento de sentença invertido.

Interessante notar que, em algumas situações, o demandado nem mesmo terá direito à caução como condicionante às situações previstas no art. 521, do CPC/2015. Destarte, na busca de maior celeridade ao procedimento da execução provisória (cumprimento provisório), procurou o legislador dispensar a caução nas hipóteses deste artigo, contudo, poderá a situação gerar séria e profunda injustiça, tendo em vista que o executado irá trocar o certo (bem que era de sua propriedade e que foi penhorado para garantir o cum-primento provisório) pelo duvidoso (futuro cumprimento de sentença invertido visando o ressarcimento dos danos provenientes da execução considerada injusta), ficando, inclusive, sujeito à toda sorte do sistema de cumprimento (como a localização de bens, nova penhora, nova execução até o efetivo reembolso – se houver – do valor correspondente ao bem expropriado judicialmente). Este é um risco que o procedimento voltado

4 Aliás, o art. 343, do CPC/2015, enseja uma hipótese única e distinta dos demais casos de conexão. A conexão, como regra, é instituto de reunião de demandas próximas, interligadas pelo pedido/causa de pedir. Contudo, na reconvenção, poderá haver proxi-midade entre a reconvenção e o fundamento da defesa. Lógico que, neste caso, não poderá haver reconvenção e ao mesmo tempo revelia (ver a crítica em relação ao art. 343, §6, do CPC/2015 – nota 6), mas apenas quando a reconvenção é conexa com a ação originária. Sobre a conexão, inclusive, no que respeita à reconvenção, vide: ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Conexão e tríplice identidade. Revista de Processo. n. 29. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 50-6.

5 Interessante notar que o art. 55, §3º, do CPC/2015 estabelece uma hipótese de reunião de processos mesmo sem existir co-nexão, quando houver o risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias. Portanto, é possível concluir que, se um lado a conexão não gera, automaticamente, a reunião de processos, de outro, é admitida esta reunião mesmo em caso de inexistência de reconvenção.

6 Já se observou em outra oportunidade que o provimento do recurso e a caracterização da execução como injusta irá ensejar a inversão dos polos da relação processual, sendo possível ao executado buscar a liquidação e posterior execução dos danos causados em razão da precipitação da execução por parte do então credor. Destarte, “há uma inversão das posições processuais e de títulos executivos. A execução provisória considerada injusta pelo provimento do recurso pendente ocasionará, se for o caso, o resgate da caução, além da possibilidade de indenização pelos prejuízos causados, passando o primeiro exeqüente (cujo título foi fulminado pelo provimento do recurso) a ser executado pelo pelos danos causados ao antigo executado, que passará a ser o novo exeqüente”. ARAÚJO, José Henrique Mouta. Anotações sobre a nova disciplina da execução provisória e seus aspectos controvertidos. Revista Dialética de Direito Processual n. 14. maio. São Paulo: Dialética, 2004. p. 57.

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para a maior celeridade executiva poderá gerar, baseado na pouca probabilidade de sucesso da tese jurídica discutida no recurso pendente de julgamento sem efeito suspensivo7.

Sobre o assunto, observou Zavascki, comentando a antiga redação do art. 588 do CPC/1973 (e que tem aplicação às situações previstas no art. 521, do CPC/2015) que:

As providências para o retorno dos fatos ao estado anterior desenvolvem-se nos mesmos autos, independentemente de nova ação. Pode ocorrer que seja impossível a reposição in natura (por exemplo, se houver perecimento do objeto penhorado, ou se já foi transferido a terceiro, que o tenha arremata-do), hipótese em que não se terá outra alternativa que não a de converter o dever de restituir em obrigação de pagar danos. Nesse caso, o quantum a ser indenizado será apurado em liquidação e cobrado, se for o caso, pelo proce-dimento da execução por quantia certa. Esse mesmo modo de proceder é o cabível quando, desfeita a execução provisória e repostos os fatos ao estado anterior, ainda restarem danos indenizáveis: a ação liquidatória e a subse-qüente execução dar-se-ão nos mesmos autos. É o que estabelece, de modo expresso, o inciso IV.8

Nestes casos, portanto, ocorre a formação de título executivo em favor do demandado originário que, na fase de cumprimento de sentença (com prévia liquidação para apurar o quantum debeatur), será tratado como exequente.

Deve-se, com isso, ter bastante cuidado ao utilizar as tutelas provisórias ou mesmo a execução pro-visória de sentença previstas no CPC/2015, tendo em vista a possibilidade natural de inversão dos polos e constituição de título executivo em favor do demandado originário.

3. A INTERPRETAÇÃO DO ART. 515, I, DO CPC/2015 – EFICÁCIA EXECUTIVA ÀS DECISÕES DECLARATÓRIAS

Outro aspecto que provoca reflexão diz respeito a classificação das sentenças (e outras decisões judi-ciais) e a previsão contida no art. 515, I, do CPC/2015.

Visando o correto entendimento deste dispositivo, vale a pena relembrar reformas processuais ocor-ridas em 2005. Naquele ano, o principal foco da mudança legislativa foi consagrar a fase de cumprimento, como consequência natural às decisões que certificam uma obrigação a ser cumprida pelas partes9.

Agora, levando em conta a redação contida no CPC/2015 (art. 515, I), é mister analisar o significado da frase: “decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quan-tia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa”.

A rigor, parece não restar dúvida que a decisão que reconhece alguma obrigação a ser cumprida é declaratória. Ora, também não parece que haja dúvida em reconhecer eficácia executiva à esta modalidade de julgado.

Este argumento acaba sendo uma premissa necessária para o item que será desenvolvido em seguida, onde se tentará demonstrar a eficácia executiva, para o réu, nos casos de improcedência de ação declaratória proposta pelo seu adversário.

7 Vale lembrar que o §4º, do art. 520, do CPC/2015, deixa claro que a restituição ao estado anterior não incluiu o desfazimento da transferência do bem jurídico.

8 ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao código de processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 8. p. 240.

9 Ocorreu, como é conhecido, a ampliação do sincretismo processual, passando o processo de conhecimento a ter, como regra, duas fases: a de certificação e a de cumprimento da decisão judicial.

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Contudo, antes de se chegar a tal nível de raciocínio, deve-se ratificar a premissa já colocada: o pró-prio pronunciamento declaratório possui eficácia executiva suficiente para provocar a fase de cumprimento de sentença10.

Existem casos que há o juízo de certeza em relação aos elementos jurídicos discutidos na demanda, sendo desnecessária nova demanda judicial para provocar outra decisão, desta feita com eficácia condena-tória. Em verdade, o dogma de ineficácia da sentença declaratória deve ser ultrapassado quando há efetiva solução da controvérsia e imputação de obrigação para uma das partes.

O próprio CPC/1973 já tinha superado a redação anterior que consagrava como título executivo ape-nas a sentença condenatória (art. 584, I, do CPC – já revogado11). Com a leitura do art. 515, I, do CPC/2015, este raciocínio está ainda mais claro.

Como apontam Fredie Didier Jr, Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

“Se uma decisão judicial reconhece a existência de um direito a uma pres-tação já exigível (definição completa da norma jurídica individualizada), em nada ela se distingue de uma sentença condenatória, em que isso também acontece”12.

Já Rodrigo Klippel e Antônio Adonias Bastos observam, mencionando o art. 459, III, do CPC/1973, que:

“Não é qualquer sentença declaratória, no entanto, que consiste num título judicial. É indispensável que haja o acertamento da relação jurídica material principaliter tantum, mesmo que seja pela sua simples declaração. A decisão que reconhece a existência de uma obrigação incidenter tantum não adquire a imutabilidade da coisa julgada material e não atende à necessidade de cer-teza e segurança que deve anteceder e nortear toda a atividade satisfativa”13.

O assunto não é novo em sede jurisprudencial, já existindo vários julgados no âmbito do STJ consa-grando eficácia executiva às sentenças declaratórias. No tema, vale citar alguns precedentes:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. COM-PETÊNCIA DO TRIBUNAL MARÍTIMO E DO TABELIÃO E OFICIAL DE REGISTRO DE CONTRATO MARÍTIMO. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. EFICÁCIA EXECUTIVA DA SENTENÇA DECLARATÓRIA. PROSSEGUI-MENTO DA EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE SE REDISCUTIR A MA-TÉRIA TRANSITADA EM JULGADO EM SEDE DE EXECUÇÃO. 1. Esta Corte Superior já se posicionou pela possibilidade de se executar sentença declaratória com conteúdo nitidamente condenatório, como é o caso dos au-tos, em que foi reconhecido ao autor competência exclusiva para lavrar os atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações, regis-trando-os em sua própria serventia, conforme acórdão proferido por ocasião do julgamento do Resp nº 864.409 ⁄RJ. Precedentes. 2. A agravante não

10 Foge do tema central deste ensaio a análise e a classificação da força executiva das decisões judiciais, eis que se pretende demonstrar, tão-somente, que a declaração de direitos pode ensejar a execução forçada.

11 No tema, ver, dentre outros, YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. A sentença declaratória como título executivo e o princípio da ação (interpretação do artigo 475-N, I, do CPC, introduzido pela Lei nº 11.232/2005). Revista Dialética de Direi-to Processual n. 49, São Paulo, 2007, pp. 19-36; CARNEIRO, Athos Gusmão. Do cumprimento de sentença, conforme a Lei n. 11.232/2005. Parcial retorno ao medievalismo? Por que não? Revista Dialética de Direito Processual n. 38, São Paulo: 2006, pp. 34-55.

12 Curso de Direito Processual Civil, vol. 5, 3ª edição, Salvador : Juspodivm, 2011, p. 163.

13 Manual de Processo Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris e Vitória: Acesso, 2011, p. 1155.

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traz nenhum fundamento apto a modificar a decisão agravada, que deve ser mantida pelos seus próprios termos, mormente quanto se pretende, em re-alidade, a rediscussão de matéria, em sede de execução, sobre a qual já se operou o trânsito em julgado.3. Agravo regimental não provido” (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.209.724 - RJ -2010⁄0161492-0- Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO – J. em 08.11.2011).

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. VALORES INDEVIDAMENTE PA-GOS A TÍTULO DE FINSOCIAL. SENTENÇA DECLARATÓRIA DO DIREI-TO DE CRÉDITO CONTRA A FAZENDA PARA FINS DE COMPENSAÇÃO. EFICÁCIA EXECUTIVA DA SENTENÇA DECLARATÓRIA, PARA HAVER A REPETIÇÃO DO INDÉBITO POR MEIO DE PRECATÓRIO. 1. No atual estágio do sistema do processo civil brasileiro não há como insistir no dogma de que as sentenças declaratórias jamais têm eficácia executiva. O art. 4º, parágrafo único, do CPC considera “admissível a ação declaratória ainda que tenha ocorrido a violação do direito”, modificando, assim, o padrão clássico da tutela puramente declaratória, que a tinha como tipicamente preventiva. Atualmente, portanto, o Código dá ensejo a que a sentença declaratória pos-sa fazer juízo completo a respeito da existência e do modo de ser da relação jurídica concreta. 2. Tem eficácia executiva a sentença declaratória que traz definição integral da norma jurídica individualizada. Não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado dife-rente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa jul-gada, assegurada constitucionalmente. E instaurar um processo de cognição sem oferecer às partes e ao juiz outra alternativa de resultado que não um, já prefixado, representaria atividade meramente burocrática e desnecessária, que poderia receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional. 3. A sentença declaratória que, para fins de compensação tributária, certifica o direito de crédito do contribuinte que recolheu indevidamente o tributo, contém juízo de certeza e de definição exaustiva a respeito de todos os ele-mentos da relação jurídica questionada e, como tal, é título executivo para a ação visando à satisfação, em dinheiro, do valor devido. Precedente da 1ª Seção: ERESP 502.618⁄RS, Min. João Otávio de Noronha, DJ de 01.07.2005. 4. Embargos de divergência a que se dá provimento”. (EREsp nº 609.266⁄RS, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 11⁄09⁄2006)

Este entendimento está em consonância com o sistema de cumprimento de sentença e a noção de sincretismo invertido e dinâmico apontados anteriormente neste ensaio. O pronunciamento judicial decla-ratório poderá trazer eficácia condenatória, concernente a obrigação a ser cumprida por uma das partes, sendo dispensada nova provocação judicial, nos casos em que houver o efetivo juízo de certeza no que tange à relação jurídica material discutida.

A declaração contida no julgado, portanto, permitirá a execução da obrigação nele contida em favor de uma das partes.

4. AS SENTENÇAS DE IMPROCEDÊNCIA E DECLARATÓRIAS NEGATIVAS – CUMPRIMENTO INVERTIDO E DINÂMICO DE TÍTULO FAVORÁVEL AO RÉU

Além das situações apontadas anteriormente, existem as ações declaratórias negativas de inexis-tência de relação jurídica material, promovidas com fundamento no art. 19, I, do CPC/2015 (e art. 4º, I, do

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CPC/1973) que, ao serem rejeitadas, trazem consigo a solução do conflito e o reconhecimento de obrigação a ser cumprida.

A indagação a ser enfrentada é se, nestes casos, há a necessidade de reconvenção para ver reconhe-cida a eficácia executiva em favor do réu (reconvinte). Vejamos um exemplo: nos casos de ação declaratória negativa de débito tributário, no momento em que a sentença julga improcedente o pedido, há eficácia exe-cutiva em favor do réu que, neste contexto, seria dispensado de ajuizar reconvenção, podendo requerer o cumprimento invertido do decisum. Em última análise: será que, ao julgar improcedente o pedido contido em demanda declaratória negativa, há o reconhecimento de obrigação a ser cumprida pelo autor?

A solução do problema passa, necessariamente, pela análise do já citado art. 515, I, do CPC/2015. No caso em questão, a partir do momento em que o autor promove demanda buscando a declaração negativa de relação jurídica obrigacional, a resolução de mérito de forma improcedente está declarando e certificando a existência da mesma.

Logo, pela leitura do dispositivo, o decisum irá gerar declaração positiva e, consequentemente, even-tual título executivo em favor do réu, a ser cumprido pelo autor original, numa clara inversão dos polos pro-cessuais.

Neste caso, a melhor interpretação indica a desnecessidade de reconvenção ou mesmo outra deman-da visando ver compelido o autor original a satisfazer a obrigação que – repito – foi declarada na referida decisão judicial. Aliás, a rigor sequer seria hipótese de reconvenção, tendo em vista que se trata da mesma re-lação jurídica objeto da declaratória, e não relação distinta e conexa, como consagra o art. 343 do CPC/2015.

No meu modo de ver, a reconvenção ou outra demanda com o mesmo objeto litigioso da demanda declaratória negativa encontrará o óbice da litispendência ou da própria coisa julgada, além de inexistir inte-resse processual, o que conduzirá a extinção do processo sem resolução de mérito, ex vi do art. 485, V e VI, do CPC/201514.

Portanto, ao julgar improcedente ação declaratória negativa (como no caso da relação jurídica tributá-ria), a sentença não será meramente declaratória, eis que trará eficácia executiva invertida favorável ao réu. Há, em consequência, uma natureza dúplice em decorrência da própria contrariedade discutida nos autos, sem necessidade de nenhuma ação própria (ex. reconvenção), por parte do réu.

Esta questão não é nova em sede doutrinária15. Na verdade, exigir o ajuizamento de outra ação (recon-venção, ação de natureza condenatória, etc) visando rediscutir a mesma relação jurídica material apreciada na demanda declaratória negativa parece excesso de formalismo e solução que atenta contra a razoabilidade, a instrumentalidade do processo, a duração razoável, além do risco de provocar decisões judiciais contraditó-rias examinando a mesma relação material. A obrigação existe, foi declarada e certificada em sentença que reconhece obrigação favorável ao réu, e neste sentido, pode provocar o sistema de cumprimento invertido, como nos demais casos indicados no decorrer deste ensaio.

Aliás, o STJ o tema já foi tratado seguidas vezes. Vale citar decisão oriunda da 1ª Turma do Tribunal:

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUTIVIDADE DE SENTENÇA.. IMPROCE-DÊNCIA DE AÇÃO DECLARATÓRIA NEGATIVA. RECONHECIMENTO, EM FAVOR DO DEMANDADO, DA EXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR. INCIDÊNCIA DO ART. 475-N, I, DO CPC. MATÉRIA DECIDIDA PELA 1ª SEÇÃO, SOB O REGIME DO ART. 543-C DO CPC. ESPECIAL

14 José Carlos Barbosa Moreira, ao tratar do interesse jurídico na reconvenção, ensina que: “este requisito falta sempre que a matéria possa ser alegada, com idêntico efeito prático, em contestação. Por exemplo: não se pode reconvir para pedir simplesmente a declaração de inexistência do mesmo direito postulado na ação originária”. O novo processo civil brasileiro. 27ª edição., Rio de Janeiro : Forense, 2009, p. 45.

15 Dentre outros, ver: ZAVASCKI, Teori Albino. Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos jul-gados. Leituras Complementares de Processo Civil, 9ª edição, Salvador : Juspodivm, 2011, pp. 451-461; JORGE, Flávio Cheim: DIDIER JR, Fredie e RODRIGUES, Marcelo Abelha. A terceira etapa da reforma processual civil. São Paulo : Saraiva, 2006, pp. 173-174.

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EFICÁCIA VINCULATIVA (CPC, ART. 543-C, § 7º). 1. Nos termos do art. 475-N, I do CPC, é título executivo judicial “a sentença proferida no proces-so civil que reconheça a existência da obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. Antes mesmo do advento desse preceito normativo, a uníssona jurisprudência do STJ, inclusive em julgamento de recurso repre-sentativo de controvérsia (REsp 1.114.404, 1ª Seção, Min. Mauro Campbell Marques, DJ de 01.03.10), já atestara a eficácia executiva da sentença que traz definição integral da norma jurídica individualizada. Não há razão algu-ma, lógica ou jurídica, para submeter tal sentença, antes da sua execução, a um segundo juízo de certificação, cujo resultado seria necessariamente o mesmo, sob pena de ofensa à coisa julgada. 2. Nessa linha de entendimento, o art. 475-N, I do CPC se aplica também à sentença que, julgando improce-dente (parcial ou totalmente) o pedido de declaração de inexistência de rela-ção jurídica obrigacional, reconhece a existência de obrigação do demandan-te para com o demandado. Essa sentença, como toda a sentença de mérito, tem eficácia de lei entre as partes (CPC, art. 468) e, transitada em julgado, torna-se imutável e indiscutível (CPC, art. 467), ficando a matéria decidida acobertada por preclusão, nesse ou em qualquer outro processo (CPC, art. 471), salvo em ação rescisória, se for o caso. Precedente da 1ª Seção, jul-gado sob o regime do art. 543-C do CPC: REsp 1.261.888/RS, Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 18/11/2011. 3..Recurso especial provido” (RESp 1.300.213-RS – 1ª Turma – Rel. Min. Teori Albino Zavascki- J. em 12.04.12, DJe de 18.04.12).

Note-se, portanto, que há a necessidade de revisitação de alguns conceitos tradicionais de teoria geral do processo, tendo em vista a clara possibilidade de inversão dos polos processuais no momento do cumpri-mento de sentença: formação de título favorável ao réu originado de demanda contra si proposta (sincretismo invertido e dinâmico).

No caso específico da sentença proferida em ação declaratória de inexistência de relação jurídica material, há a possibilidade de formação de título judicial invertido, com cumprimento da obrigação de pagar em favor do réu originário que, nesta fase procedimental, será exequente.

Como conclusão, será desnecessária nova certificação da existência do direito que, no caso, é favorá-vel ao réu originário. A relação jurídica é única e o julgado, ao declarar que o autor não tem razão, constitui uma obrigação de pagar em favor do réu, permitindo, portanto, o cumprimento de sentença invertido.

REFERÊNCIAS

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__________ Anotações sobre a nova disciplina da execução provisória e seus aspectos controver-tidos. Revista Dialética de Direito Processual n. 14. maio. São Paulo: Dialética, 2004

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BRAGA, Paula Sarno; CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR., Fredie; e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, vol. 5, 3ª edição, Salvador: Juspodivm, 2011

CARNEIRO, Athos Gusmão. Do cumprimento de sentença, conforme a Lei n. 11.232/2005. Parcial retorno ao medievalismo? Por que não? Revista Dialética de Direito Processual n. 38, São Paulo: 2006,

DIDER JR., Fredie. Leituras Complementares de Processo Civil. 9ª edição. Salvador: Juspodivm, 2011

FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias e LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Comentários à lei dos juizados es-peciais cíveis e criminais. 3. ed. São Paulo: RT, 2000.

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YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. A sentença declaratória como título executivo e o prin-cípio da ação (interpretação do artigo 475-N, I, do CPC, introduzido pela Lei nº 11.232/2005). Revista Dialética de Direito Processual n. 49, São Paulo, 2007

ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao código de processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2003. v. 8. p. 240.

__________. Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos julgados. Leituras Complementares de Processo Civil, 9ª edição, Salvador: Juspodivm, 2011;

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PROCESSO CIVIL COOPERATIVO E O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

Lúcio Grassi de Gouveia

Professor Adjunto da Universidade Católica de Pernambuco (Graduação, Mestrado e Doutorado). Doutor em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa. Mestre em Direito pela UFPE. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Processo e Hermenêutica da Unicap. Conselheiro Fiscal da Associação Brasileira de Direito Processual. Secretário Adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro da Associação Norte-Nordeste dos Professores de Processo. Juiz de Direito em Recife-PE.

SUMÁRIO: Introdução; 1.Conhecimento, linguagem e fundamentação das decisões judiciais; 2.De-cidir e fundamentar são atividades lógicas?; 3. Decisões não fundamentadas e o novo Código de Pro-cesso Civil; 4.Conclusões; Referências.

1. INTRODUÇÃO

O processo civil brasileiro dá ênfase ao contraditório substancial e possibilita às partes influenciarem decisivamente nas decisões judiciais. Não se contenta apenas com o contraditório formal e proíbe claramente que o juiz profira decisões-surpresa, indicando apenas alguns casos excepcionais onde esta atitude é admiti-da (arts. 9º e 10 do CPC).

Prevê ainda, tanto na Constituição Federal quanto no Novo Código de Processo Civil o dever de fun-damentação das decisões judiciais.

Diante de tal realidade, veremos que qualquer posição adotada, no sentido de que o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pelas partes, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão, não tem mais sentido diante desse novo modelo de processo civil, já que de nada adiantaria uma visão cooperativa e dialógica do processo se os argumentos trazidos pelas partes, especialmente aqueles em tese capazes de infirmar a conclusão do julgador, pudessem simplesmente ser ignorados por juízes e tribunais.

Destacamos trecho de decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal, ao afirmar que a pretensão à tutela jurídica corresponde, dentre outros elementos, ao direito das partes verem seus argumentos con-siderados, determinando do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo para apreciar e abordar todas as razões expostas:

Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que cor-responde exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, contém os seguintes direitos:

1) direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julga-dor a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes;

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2) direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura ao defen-dente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os ele-mentos fáticos e jurídicos constantes do processo;

3) direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksich-tigung), que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas (Cf. PIEROTH; SCHLINK. Grundrechte -Staatsrecht II. Hei-delberg, 1988, p. 281; BATTIS; GUSY. Einführung in das Staatsrecht. Hei-delberg, 1991, p. 363-364; Ver, também, DÜRIG/ASSMANN. In: MAUNZ--DÜRIG. Grundgesetz-Kommentar. Art. 103, vol. IV, no 85-99).

Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julga-dor (Recht auf Berücksichtigung), que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da Administração de a eles conferir atenção (Beachtenspflicht), pode-se afirmar que ele envolve não só o dever de tomar conhecimento (Ke-nntnisnahmepflicht), como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas (Erwägungspflicht) (Cf. DÜRIG/ASSMANN. In: MAUNZ-DÜRIGi. Grundgesetz-Kommentar. Art. 103, vol. IV, no 97).16

Tem causado grande polêmica a existência de previsão, no Novo Código de Processo Civil brasileiro, de um rol de hipóteses em que se consideram não fundamentadas as decisões judiciais. Vejamos o dispositivo legal:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela inter-locutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo con-creto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamen-to se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

§ 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os cri-térios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a

16 STF. MS 25.787/DF. Min. Rel. Gilmar Ferreira Mendes. Informativo 449.

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interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

§ 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

Além disso prevê o art. 11 do CPC/2015 que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judici-ário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. Vale ressaltar que nossa atual Constituição Federal já havia previsto o dever de fundamentação das decisões judiciais:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, dispo-rá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...]

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes.

Saliente-se que a previsão do dever de fundamentação na legislação infraconstitucional brasileira não é novidade do Código de Processo Civil de 2015. Presente nas Ordenações Manuelinas e Filipinas, no Regu-lamento nº 737, em diversos Códigos Estaduais de Processo (alguns apenas transcreveram o Regulamento nº 737 e outros, como os de Minas Gerais, Pernambuco, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, foram além, os três últimos prevendo a nulidade para sentenças não motivadas).1

Com a Constituição Federal de 1937, o fim dos Códigos Estaduais, e a previsão constitucional da uni-dade legislativa em matéria processual, de competência da União, surge o Código de Processo Civil de 1939, que exigiu que a sentença fosse clara e concisa, contendo relatório, fundamentos de fato e de direito e deci-são, havendo inclusive previsão de que faziam coisa julgada questões que constituam premissa necessária da conclusão, podendo abarcar os motivos da sentença. Segundo Pontes de Miranda, em Comentários ao Código de Processo Civil de 1939, “seria erro crer-se que a coisa julgada só se induz das conclusões; as conclusões são o cerne, porém os fundamentos, os motivos podem ajudar a compreendê-la...A verdadeira doutrina, hoje, é a que permite esclarecer-se o decisum com a ajuda dos fundamentos; não, todavia, “disporem” esses por si (não seriam só motivos!), nem mudarem o decisum claro. Se o motivo dispõe, é decisum.”2

O Código de Processo Civil de 1973 também traz o dever de motivar as decisões judiciais:

Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da res-posta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no an-damento do processo

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe sub-meterem.

Art. 165. As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do dis-posto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso.

1 ALMEIDA, Vítor Luís de. A fundamentação das decisões judiciais no sistema do livre convencimento motivado. Revis-ta do Instituto de Direito Brasileiro. Ano 1 (2012), nº 5, p. 2525-2516/ disponível em http://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/ridb/2012/05/2012_05_2497_2536.pdf, consulta realizada em 20 de janeiro de 2016.

2 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IV (arts. 273-301). Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 98-99.

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Dessa maneira, não é novidade a previsão do dever de fundamentação das decisões judiciais em nossa legislação infraconstitucional. Quis, porém, o legislador no CPC/2015, detalhar e esmiuçar os casos em que tais decisões não serão consideradas fundamentadas.

Ressalte-se que a previsão em nossa atual Constituição Federal do dever de fundamentação das de-cisões judiciais, correlato a um direito fundamental de qualquer cidadão brasileiro, adequa-se ao Estado De-mocrático de Direito e aos princípios e garantias fundamentais que norteiam o processo. Intimamente ligado ao princípio do devido processo legal, tal previsão em sede constitucional impede ou freia qualquer ímpeto do legislador infraconstitucional em mitigar ou suprimir a aplicação desse princípio. Dessa forma, caberia ao legislador silenciar ou adotar a postura de esmiuçar o dever de fundamentação, mas jamais suprimi-lo ou mesmo mitigá-lo. Por isso defenderemos adiante que o rol das hipóteses de decisões que não se consideram fundamentadas, previstas no art. 489 do CPC/2015, é meramente exemplificativo.

Como afirma Taruffo, a única parte do raciocínio do juiz que se pode concretamente analisar é a mo-tivação da sentença, enquanto nada daquilo que ocorre na mente do juiz é diretamente cognoscível... O que se pede ao juiz não é a sua psicanálise ou autoanálise: pede-se, porém, que exponha argumentos em função dos quais o observador externo (as partes, os advogados, os outros juízes, a opinião pública) possa verificar que aquela decisão é lógica e juridicamente fundada.3

Feitas tais considerações iniciais e para situar o dever de fundamentação no processo civil brasileiro, resta-nos anunciar nosso objeto de estudo, nesse trabalho: nos limitaremos a tecer breves considerações de ordem filosófica e metodológica que demonstrem a possibilidade e a viabilidade de o destinatário da ordem judicial e a própria sociedade como um todo controlarem o cumprimento, por parte de juízes e tribunais, do dever de motivar suas decisões.

Analisaremos ainda, de forma breve, e apesar da existência de previsão constitucional de um direito fundamental à fundamentação das decisões judiciais, decorrência do devido processo legal, o rol exemplifi-cativo trazido pelo legislador no art. 489 do CPC/2015, onde são apontadas hipóteses em que se consideram não fundamentadas as decisões judiciais.

2. CONHECIMENTO, LINGUAGEM E FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

Partindo da questão central de toda gnosiologia, considere-se que, na passagem da atividade cerebral (ideia) para a articulação (discurso) parece estar o ponto crucial da teoria do conhecimento. Cabe assim investigar esse processo de exteriorização, este relacionamento entre percepções de dados que nos parecem ocorrer no nosso próprio corpo (mente, cérebro) e percepções de dados que nos parecem ocorrer fora dele (mundo). Diante desta questão, podemos dividir os diversos argumentos que tentam solucioná-lo em dois grandes grupos, ressalvadas a dose de arbitrariedade e as limitações propriamente epistemológicas de todo o modelo didático: por um lado, os que partem do postulado de que a linguagem humana constitui um meio para expressar uma realidade objetiva (teorias ontológicas); por outro, os argumentos que se baseiam numa autonomia do discurso - a linguagem não teria outro fundamento além de si mesma - não havendo elemen-tos externos à linguagem (fatos, objetos, coisas, relações) que possam legitimá-la (teorias retóricas). Surge a dicotomia entre privilegiar regras gerais para decidir conflitos que ainda estão para ocorrer ou privilegiar a decisão casuística, em concreto. Entre enfatizar as regras gerais como fazem jusnaturalistas, racionalistas, muitas escolas positivistas e sociologistas que acreditam na verdade (num homem como ser pleno capaz de atingir esse estágio) ou proclamar maior independência da decisão diante do caso concreto, como fazem os sofistas, os céticos, cínicos e nominalistas, que relativizam o conhecimento (visualizando o homem como ser carente e incapaz de atingir a verdade, que considera a língua como única realidade artificial que é capaz de lidar). Entre considerar que a linguagem humana descreve as coisas como são ou se sua relação com estas reduz-se a uma convenção que os homens estabelecem arbitrariamente. Entre essencialismo e nominalismo.

3 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. Trad. Daniel Mitidiero, Rafael Abreu, Vitor de Paula Ramos. 1ª ed. São Paulo: Marcial Ponz, 2015, p. 18-19.

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Entre ser em si e ser para nós. Entre criticismo kantiano e ceticismo. Entre saber o que é em si e preocupar--se sobre como podemos falar sobre algo de forma clara e coerente 4.

O fenômeno jurídico-metodológico não poderia escapar dessa investigação. Presenciamos assim um eterno debate entre teorias ontológicas e retóricas na tentativa de explicação do delicado processo de realiza-ção do direito. Nesse sentido, de um lado o pensamento ontológico enraizado em Hegel com expoentes em Heidegger e Gadamer e, de outro, o pensamento problemático, enraizado em Viehweg e Perelman.

Quanto ao papel da linguagem no conhecimento científico, saliente-se que, desde Platão, a Filosofia baseava-se na ideia de que o ato de conhecer constituía-se da relação entre sujeito e objeto e que a linguagem servia como instrumento, cuja função era expressar a ordem objetiva das coisas. Acreditava-se que, por meio da linguagem, o sujeito se conectava ao objeto, porque esta expressava sua essência (correspondência entre ideias e coisas que eram descritas pela linguagem, de modo que o sujeito mantinha uma relação com o mun-do anterior a qualquer formação linguística). O conhecimento era concebido como reprodução intelectual do real, sendo a verdade resultado da correspondência entre tal reprodução e o objeto referido. Uma preposição era considerada verdadeira quando demonstrava a essência de algo, já que a linguagem não passava de um reflexo, uma cópia do mundo.5

O estudo do conhecimento, durante o decurso dos séculos, foi feito a partir do sujeito (gnosiologia), do objeto (ontologia), ou da relação entre ambos (fenomenologia) e a linguagem foi sempre considerada como instrumento secundário do conhecimento.

Segundo essa tradição filosófica, existia um mundo em si, refletido pela palavras (filosofia do ser) ou conhecido mediante atos de consciência e depois fixado e comunicado aos outros por meio da linguagem (filosofia da consciência). A linguagem não era condição do conhecimento, mas um instrumento de repre-sentação da realidade tal qual ela se apresentava e era conhecida pelo sujeito cognoscente.

Em meados do século passado, houve mudança na concepção filosófica do conhecimento, denomina-da de giro-linguístico, cujo termo inicial é marcado pela obra de Ludwig Wittgenstein (Tractatus lógico-filo-sophicus). Foi quando a filosofia da consciência deu lugar à filosofia da linguagem.

Segundo tal concepção, a linguagem deixa de ser apenas instrumento de comunicação de um co-nhecimento já realizado e passa a ser condição de possibilidade para constituição do próprio conhecimento enquanto tal. Este não é visto mais como uma relação entre sujeito e objeto, mas sim entre linguagens.

Não existe mais um mundo em si, independente da linguagem, que seja copiado por ela, nem uma essência nas coisas para ser descoberta. Só temos o mundo e as coisas na linguagem: nunca em si. Assim não há correspondência entre linguagem e objeto, pois este é criado por ela. A linguagem, nesta concepção, passa a ser o pressuposto por excelência do conhecimento.

O ser humano só conhece o mundo quando o constitui linguisticamente em seu intelecto. Por isso, Maturana e Varela6, em “A árvore do conhecimento”, afirmam que “todo ato de conhecimento produz um mundo”. Conhecer não significa mais simples apreensão mental de uma dada realidade, mas a sua constru-ção intelectual, o que só é possível mediante linguagem.

Segundo Heidegger, nosso “ser-no-mundo” é sempre linguisticamente mediado. A linguagem é a mo-rada do ser, o lugar onde o sentido do ser se mostra. Não utilizamos a linguagem para manipular o real, mas antes, ela nos determina e nela se dá a criação daquilo que chamamos de realidade. Pela linguagem podemos conhecer os dados físicos, identificá-los e transformá-los numa realidade objetiva para nosso intelecto.

4 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito. Uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame na Onto-logia de Nicolai Hartmann). São Paulo: Saraiva, 1996, p. 195/198.

5 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. O construtivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2013, p. 14.

6 MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento – as bases biológicas do conhecimento humano. São Paulo: Palas Athenas, 2004, p. 68.

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Dessa forma, foi dada a devida dimensão ao papel do intérprete e a sua narrativa, à ideia de que a linguagem constitui a realidade, a impossibilidade do acesso à essência das coisas, não havendo propriamente que se falar em realidade em si, numa verdade a ser revelada, na linguagem como instrumento de reprodu-ção da realidade. O objeto é construído e não simplesmente revelado.

O chamado giro linguístico deixou assim um legado que não pode ser desprezado por todos que tra-balham com linguagem, inclusive os que exercem a atividade decisória.

Diante de tudo isso, revela-se ingênua qualquer crença de que as coisas no Direito se passariam de forma diversa. Trabalhamos com linguagem e existe sempre a possibilidade real de que dois julgadores, dian-te do mesmo caso concreto, cheguem a decisões diversas. Por isso a preocupação do sistema com a criação de um aparato de controle para que as decisões judiciais não sejam fruto da simples manifestação discricionária de juízes e tribunais. Que o entendimento tradicional de que decidir é ato de vontade não sirva de abrigo aos diversos modelos de irracionalismo que se propagam no ambiente jurídico.

Veremos, porém, que afastar o irracionalismo não significa defender que a decisão judicial deva ser produto de um procedimento lógico formal ligado a um modelo lógico-dedutivo de aplicação do direito.

3. DECIDIR E FUNDAMENTAR SÃO ATIVIDADES LÓGICAS?

Atienza, defensor da aplicação de uma teoria argumentativa do direito, parte da análise de três con-cepções da argumentação (formal, material e prática) que, devidamente articuladas, deveriam servir para dar uma resposta às três grandes questões: como analisar uma argumentação jurídica, como avaliá-la e como argumentar em Direito.7

A argumentação formal teria relação com a resolução de problemas formais, como por exemplo, um problema matemático ou um problema lógico. Problemas como identificar as premissas e as conclusões de determinadas passagens; distinguir os raciocínios dedutivos dos indutivos; traduzir cada uma das referidas proposições e a notação lógica de funções proposicionais e quantificá-las; e construir uma prova formal de validade para uma série de raciocínios. O estudo dos aspectos formais dos raciocínios não interessa unica-mente aos lógicos (que fazem dele um fim em si mesmo), mas a todos aqueles que participam em qualquer tipo de atividade que tenha algum aspecto argumentativo.8

A lógica formal tem por objetivo o estudo das formas de pensamento, abstraindo-se seus conteúdos significativos, dirigindo-se à estrutura do conhecimento, independentemente do objeto ao qual ele se re-porta, possuindo leis de caráter universal e aplicando-se a qualquer campo de observação. Se me utilizo da lógica formal para conhecer determinado segmento linguístico, surge a lógica aplicada ou lógica material, que significa a aplicação da lógica a uma específica região do saber. Trata-se de forte e seguro instrumento para a análise sintática de qualquer linguagem e nos permite ingressar nos domínios da sua estrutura para compreendermos a forma e as relações que se estabelecem entre suas unidades, proporcionando precisão linguística ao cientista e controle do conhecimento por ele produzidos, tão exaltado pelos neopositivistas ló-gicos. Aplicada ao direito, a lógica permite conhecer sua estrutura, a forma e as relações que se estabelecem entre suas unidades e, por isso, muito nos diz sobre linguagem jurídica, sendo um preciso e importante ins-trumento para o conhecimento de seu plano sintático. No entanto, o estudo proporcionado com o emprego da lógica não é completo, pois dirige-se apenas a um aspecto da linguagem, ficando os outros planos (semântico e pragmático) prejudicados. Abstraindo seus campos semântico e pragmático, a lógica é apenas um ponto de vista sobre o conhecimento, que não contempla o direito na sua totalidade. Não compete à lógica dizer qual o conteúdo jurídico, nem tão pouco lhe cabe indicar que proposição normativa é aplicada a determinado fato. O que está no alcance da lógica é a verificação da estrutura da linguagem jurídica. Ideal a qualquer estudo normativo é a passagem pelos três ângulos semióticos (sintática, semântica e pragmática).9

7 ATIENZA, Manuel. O direito como argumentação. Trad. Manuel Poirier Braz. Lisboa: Escolar Editora, 2014, p. 11.

8 ATIENZA, Manuel. O direito como argumentação. Trad. Manuel Poirier Braz. Lisboa: Escolar Editora, 2014, p. 103-104.

9 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. O construtivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2013, p. 196-197.

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Dessa forma, o método lógico-dedutivo, por si só, resta insuficiente para resolver a ampla gama de problemas que surgem no processo decisório dos tribunais.

Menezes Cordeiro destaca que o esquema clássico da realização do Direito assentava em dois pilares essenciais: a compartimentação do processo interpretativo-aplicativo e o método de subsunção. Ressalta ainda que tal processo era decomposto em várias operações: a determinação da fonte relevante, a sua inter-pretação, a integração de eventuais lacunas, a delimitação da matéria de fato resultante, a sua qualificação jurídica e a aplicação. E que tal entendimento seria resultado de uma concepção jusracionalista de separação de poderes e do estilo savigniano da formação dos conceitos, na degenerescência subsequente conhecida por elaboração conceitual do Direito 10.

Mantida a importância da noção de sistema em direito, mas de sistema aberto e móvel, observamos que atualmente prevalece o entendimento de que, na busca pelo aplicador do direito do sentido adequado da norma, o método lógico-dedutivo não pode ser utilizado em sua pureza, considerando a norma geral e abstrata (premissa maior), o fato concreto (premissa menor) e a norma individual e concreta (conclusão), ligadas somente por procedimentos lógicos e sem qualquer participação valorativa do aplicador do direito.

E muitos são os obstáculos para a aplicação do método lógico-dedutivo: a ocorrência de normas vagas, indeterminadas, suscetíveis de concretização, apenas, no caso concreto; a incompletude do sistema com a subsequente presença de lacunas intra e extra-sistemáticas; a ocorrência de contradições de princípios; a existência, por fim, de soluções injustas e inconvenientes 11.

Dessa forma, não é a refutação do pensamento sistemático que solucionará o problema da construção de uma teoria capaz de explicar o processo decisório pelos aplicadores do direito, sendo porém imprescindível que sejam afastadas aquelas teorias que procuram explicá-lo como procedimento lógico-dedutivo, no qual a uma premissa maior que é a norma jurídica, se subsuma a premissa menor, que corresponde à situação fática, chegando-se silogisticamente a uma conclusão única e correta.

Verificada a inadequação da aplicação do método lógico-dedutivo em sua pureza, surgiram enten-dimentos mais brandos, como o defendido por Engish, de que, a partir da premissa maior, intercalam-se diversas premissas menores que possibilitam a subsunção do fato à norma, para assim possibilitar a fixação da norma individual e concreta, como conclusão. A norma geral e abstrata formar-se-ia pela observação das normas do sistema jurídico que interessassem ao caso concreto, aplicadas conjuntamente. As premissas me-nores, a partir de uma situação concreta onde as normas processuais garantiriam o enquadramento da con-duta concreta ao tipo e a prova de que tal fato é imputável à determinação do sujeito. Assim, utilizando-se da lógica dedutiva, poder-se-ia formar a conclusão, a decisão do órgão aplicador do direito. Segue um exemplo simplificado que desenvolvemos, nos termos propostos por Engish12:

I - Se alguém mata por motivo fútil deve ser punido por homicídio qualificado com reclusão de 12 a 30 anos.

II - Se alguém mata com pretexto gratuito, inadequado, despropositado, des-proporcionado, nas circunstâncias dadas, de acordo com o meio e a época, à extrema reação, mata por motivo fútil.

__________________________________

III - Se alguém mata com pretexto gratuito, inadequado, despropositado... deve ser punido por homicídio qualificado com reclusão de 12 a 30 anos.

10 CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Introdução à edição portuguesa de Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, de Claus-Wilhelm Canaris. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. CI.

11 CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Introdução à edição portuguesa de Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, de Claus - Wilhelm Canaris. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. CIII.

12 ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 6ª ed. Tradução de J. Baptista Machado, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p.125/126.

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IV - Se alguém mata porque levou um pisão no pé, mata com pretexto gratui-to, inadequado e despropositado...

__________________________________

V - Se alguém mata porque levou um pisão no pé, deve ser punido por homi-cídio qualificado com reclusão de 12 a 30 anos.

VI - José matou porque levou um pisão no pé.

__________________________________

VII - José deve ser punido com reclusão de 12 a 30 anos.

Assim, na cadeia conclusiva, II e IV seriam premissas menores com função interpretativa, fixando um possível sentido do conceito motivo fútil, fornecendo ao jurista o conteúdo e o alcance deste conceito. Nesta interpretação, a doutrina nos emprestou a definição da expressão “motivo fútil”. Pode ser necessária, além da definição, a indicação da extensão pela apresentação de casos individuais que se subordinam, se subsumem ao conceito jurídico.

Koch e Russmann chegam a afirmar que a subsunção, com o auxílio da interpretação, estaria viabi-lizada mesmo no caso em que a lei emprega conceitos vagos ou descrições de tipos13. O posicionamento de Koch e Russmann pode ser visto como uma reação aos ataques sofridos pelo modelo lógico-dedutivo de apli-cação do direito. Procuram comprometer tanto quanto possível o juiz em relação à indicação de fundamentos comprováveis de suas decisões, sem margem para apelo ao sentimento jurídico, à equidade ou ideias gerais vagas. Tal assertiva não resiste ao mais simples exame metodológico, posto que conceitos vagos como as ex-pressões “irrelevante”, “preponderante”, têm uma amplitude oscilante no seio da qual não se pode dizer com segurança se os diversos casos concretos que se lhe apresentam estariam ou não compreendidos em suas esferas. Para parte da doutrina, porém, poder-se-ia falar, por exemplo, em subsunção, quando o legislador se limitasse à utilização de grandezas quantitativas ou temporais fixas.

Prevalece o acertado entendimento atual de que o ponto específico da interpretação, o apreender do sentido ou do significado de um termo ou de uma proposição no contexto de uma cadeia de regulação, iria para além das regras lógicas, considerando sua razoabilidade e apreciações subjetivas do texto normativo. O processo de dedução da maior parte das decisões, a partir da lei, por meio de uma subsunção lógica, seria inadequado ou de pouco significado.

Como o processo de definição, e com ele o de derivação lógica por meio do silogismo de subsunção, não pode ser indefinidamente continuado, necessita-se, mais cedo ou mais tarde, de certos juízos elementa-res que, por seu lado, já não são proporcionados por silogismos, mas que assentam em percepções (próprias ou alheias) - juízos de percepção - ou em determinadas experiências, em especial as que pertencem ao âm-bito das experiências sociais.

No universo das críticas ao modelo subsuntivo, destaca-se a de Larenz, para quem

a subsunção considerada como tal, oblitera a participação do julgador. A su-bordinação de uma situação de fato S sobre a previsão P, por via de um silogis-mo de subsunção, só é possível se P puder ser plenamente definido mediante a indicação, que seja suficiente, de determinadas notas, ou, por outras pala-vras, quando com a caracterização de P mediante as notas N1 até N* se trate da definição de um conceito, o que não é sempre o caso14.

13 KOCH/RÜSSMANN, Juristiche Begründungslehre, 1982, p. 67 ss apud. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2ª ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 185.

14 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2ª ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 328/329.

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Partidário de uma coordenação valorativa e não subsunção, Larenz entende que na apreciação de uma situação de fato, para se descobrir se esta recai na previsão de uma das proposições jurídicas potencial-mente aplicáveis, exige-se do julgador juízos baseados na interpretação da conduta humana, outros juízos proporcionados pela experiência social, juízos de valor e uma margem de livre apreciação por parte do juiz, quando na impossibilidade de utilização de ponderações convincentes 15.

O processo de uma dedução da maior parte das decisões, a partir da lei, por meio de uma subsunção lógica (de situação de fato sob a previsão de uma norma legal) ou é geralmente inadequado ou tem significa-do mínimo. O ponto central da realização do direito e da justificação da decisão, na maioria das vezes, reside em juízos de valor por parte do juiz. E o modelo anteriormente exposto, proposto por Engish, fornece-nos a falsa impressão de que a decisão foi obtida seguindo-se uma sequência lógica rigorosa de pensamento.

Segundo Castanheira Neves,

tudo o que levava a concluir que os metódicos esquemas lógicos não eram senão esquemas de exposição de uma atividade ou atos jurídicos cuja cons-tituição tinha outra sede e se determinava de outro modo; e sobretudo que o esquema silogístico-subsuntivo não era mais do que o esquema lógico de justificação ex post de aplicações do direito constituídas ex ante por intenções de índole diversa - o que era afinal cobrir com a aparência de uma estrita e puramente dedutiva aplicação de pressupostas normas jurídicas, e bem assim do sistema dogmático que com elas se elaborava, uma realidade judi-cativa de todo diferente 16.

Concordamos com tal posicionamento, cientes de que tal justificação ex post também ocorria na chamada analogia, que é o procedimento pelo qual se estabelece a um caso não regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante. A doutrina tradicional procurou explicar logicamente o raciocínio analógico, numa conclusão do particular para o particular, altamente questionável do ponto de vista lógico. Admite que o que seria lógico para um particular o seria para outro. O conceito de semelhança relevante torna-se o eixo da conclusão. Seria uma razão suficiente da lei que iria determinar esta semelhan-ça, a ratio legis. Esta antiga concepção explica a analogia como composta de indução e dedução, onde de fenômenos particulares se abstrai um pensamento geral e possível de conclusão (dedução) para um outro particular.

Bobbio expressa a fórmula de raciocínio por analogia da seguinte forma:

M é P

S é semelhante a M

S é P

A proposição menor exprime uma relação de semelhança em vez de identidade. Para este autor, esta formulação esconde o vício dito do quaternio terminorum, segundo o qual os termos são aparentemente três, como no silogismo, mas na realidade são quatro, e exemplifica:

Os homens são mortais

Os cavalos são semelhantes aos homens

Os cavalos são mortais

15 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2ª ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 340.

16 NEVES, A. Castanheira. O actual problema metodológico da realização do direito. In: Digesta - Escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros. vol. 2º. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 259.

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Bobbio ressalta: a conclusão só é lícita se os cavalos forem semelhantes aos homens em uma quali-dade que seja a razão suficiente para que os homens sejam mortais. A semelhança relevante entre homens e cavalos neste caso é pertencer à categoria dos seres vivos. Teremos então quatro elementos: homens, cavalos, mortal e ser vivo. Transformando em silogismo comum:

Os seres vivos são mortais

Os cavalos são seres vivos

Os cavalos são mortais

Deve-se, porém, encontrar uma semelhança relevante entre os dois casos, semelhança que deve referir-se a uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo razão suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras consequências 17.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior sintetiza bem a questão, ao afirmar que “a referida passagem que a lógica formal clássica costuma admitir, do particular para o particular, e até do geral para o geral, mas nun-ca de um nível para outro, perfaz-se num processo não estritamente analítico (do tipo 2 + 2 = 4, 3 + 1 = 4, então 2 + 2 = 3 + 1), mas pressupõe um juízo empírico, isto é, a constatação da semelhança que, aliás, exige uma valoração, o que torna o procedimento de menor rigor formal. Por isso, alguns autores o chamam de quase-lógico”18.

Como vimos, métodos estritamente lógicos não têm aplicação na maioria dos casos. Até por que em muitos casos o legislador, muitas vezes propositalmente, deixa uma certa margem de apreciação para o rea-lizador do direito. Mas mesmo nesta margem de apreciação, alguns casos que se lhe apresentam são típicos e contém semelhanças marcantes com casos já resolvidos. Existe ainda uma pequena minoria de casos em que a decisão depende exclusivamente da valoração do juiz que, neste caso, deve tomá-la, devendo, porém, motivá-la adequadamente.

Assim, a comparação e a ponderação valorativas devem atuar no lugar da subsunção. Regras de coe-rência lógica não são suficientes para caracterizar uma definição, uma interpretação, ou uma decisão como certa, verdadeira ou justa 19.

17 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Introdução de Tércio Sampaio Ferraz Júnior; tradução Cláudio de Cicco e Maria Celeste C. J. Santos; revisão técnica João Ferreira. São Paulo: Polis; Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1989, p. 150/156.

18 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do direito: Técnica, Decisão, Dominação. São Paulo: Atlas, 1988, p. 274. Diriam os estudiosos da semiótica jurídica que na analogia, o juízo empírico de semelhança e o juízo de valor sobre a maior importância das coincidências em face das diferenças introduzem na norma um elemento de flexibilidade conotativa e denotativa que permite ao intérprete o exercício do seu poder de violência simbólica.

19 Segundo Siches, a série de ataques crescentes em progressão geométrica contra o emprego da lógica formalista tradicional no campo da jurisprudência começou com a obra de Ihering - Jurisprudencia en Broma Y en Seri (1884), a qual contém sarcásticas, porém muito certeiras críticas contra o método dedutivo-silogístico para a individualização e interpretação do direito; e apresenta copiosos exemplos dos muitos fracassos , bem como inúmeros casos de perturbações e injustiças, a que a jurisprudência conceitua-lista deu lugar. Nada seria mais errôneo que julgar um Direito como um sistema filosófico, e não considerá-lo senão somente diante do ponto de vista da ordem lógica de seus membros e de sua unidade. Pouco importa que nesse aspecto, que não constitui seu autêntico valor, apareça como obra perfeitíssima, se tal direito não descansa por completo sobre o conhecimento de suas funções práticas. De que serve que uma máquina apareça como uma obra perfeitíssima de engenho, se, como máquina, é imprópria para o uso que se destina? Tal aspecto funcional e prático do direito nem sempre foi levado em consideração. É um grande erro supor que se deva considerar-se uma ordem jurídica positiva como emanação dedutiva de uma ideia ou de um plano. Isto olvida que o fato de que as ideias latentes nas normas jurídicas se apresentem compostas de tal ou qual modo não dependam de exigências lógicas; senão que depende precisamente do fato de que o modo como se apresentem possam satisfazer as necessidades da vida social. Acontece frequentemente que o livre desenvolvimento lógico-formal de muitas máximas jurídicas tem que ser suspenso ou con-trariado, precisamente para satisfazer de modo adequado as necessidades da vida social” (SICHES, Luis Recasens. Forças Vitais que Atuam Sobre a Legislação - O Direito e a Vida Social - Leituras Básicas da Sociologia Jurídica - A.L. Machado Neto e Zahidé Machado Neto, Ed. da Universidade de São Paulo, 1966, p. 220). A crítica contra o emprego da lógica tradicional na interpretação do direito se dirige contra a aplicação desta lógica tradicional aos conteúdos das normas jurídicas. O problema da interpretação do direito é um problema de lógica material, de lógica dos conteúdos e não de lógica formal. A lógica formal, de tipo puro, a priori, - por conseguinte a lógica tradicional da dedução silogística - tem certamente emprego correto e necessário no tratamento e análise dos conceitos jurídicos puros e essenciais como os de norma jurídica, relação jurídica, direito subjetivo, entre outros. Embora o sistema jurídico - normativo tenha pretensão de racionalidade, os atos de produção e aplicação normativas são fortemente influenciados e condicionados pelo contexto fático-ideológico, incorporando em quantum maior ou menor de irracionalidade, marcando-se por

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Processo e Hermenêutica no novo CPCEstudos em homenagem ao Professor Manuel Severo Neto

Admitir-se que o rigor lógico-dedutivo não é suficiente para resolver a ampla gama de questões que se apresentam ao julgador não é defender o irracionalismo pregado por alguns realistas, que elegeram o elemento volitivo do aplicador do direito como ponto fundamental do processo decisório. Não é admitir con-cepções como as propostas por Sobota, Brutau e Ballweg, segundo as quais o juiz primeiro chega ao resultado para depois procurar as normas e princípios que o justifiquem, ficando assim as decisões judiciais ao sabor dos estados de humor e dieta dos juízes, tendo a lei pouca ou nenhuma importância.

Porém, o ordenamento jurídico não tem condições de prever todas as hipóteses de casos concretos que ocorrem em nossa vida social e mesmo que se tivesse esta pretensão, a linguagem natural e aberta uti-lizada pelo legislador propicia ao intérprete-aplicador do direito certa margem de liberdade, evidentemente controlável, para a realização de uma interpretação objetivista-atualista, de natureza teleológica, atualizando a norma jurídica sem afrontá-la.

Considere-se ainda o fato de que o legislador muitas vezes se utiliza de conceitos vagos e ambíguos para propiciar ao realizador do direito uma maior abertura na decisão de casos concretos, visto entender que em tais casos este tem melhores condições de valorar a situação fática na tomada de decisões. Engish divi-de-os em conceitos indeterminados, conceitos normativos, conceitos discricionários e as chamadas cláusulas gerais20. A existência de tais conceitos ao lado da estrutura aberta da linguagem e da existência de lacunas consistem em fatores que colaboram para ineficácia de um modelo lógico-dedutivo de aplicação do direito.

A linguagem utilizada nos comandos normativos não corresponde à utilizada em uma lógica axiomati-zada ou na linguagem das ciências, que possuem um conteúdo e alcance rigorosamente fixados. A linguagem da lei é dotada de certa flexibilidade, em que o possível significado oscila em uma maior ou menor margem de tolerância. Afetam este significado as circunstâncias, a relação objetiva e o contexto do discurso, a colo-

imprecisões semântico-sintáticas. Estas observações não nos conduzem porém , a afastar a utilização da lógica no direito. Pelo contrário, posto que, “a lógica do direito se manifesta em três ordens de estudos; como semiologia jurídica, ou seja, a sistematização de uma teoria dos signos que expressam o direito, especialmente os signos linguísticos; esta semiologia do direito é uma propedêu-tica às outras duas ordens; como lógica das normas, estudo das estruturas das regras de direito encaradas como proposições de tipo especial; e como lógica do raciocínio jurídico. O campo da lógica jurídica não se restringe ao estudo do raciocínio dedutivo e nem tampouco fica limitado às proposições ou normas; por outro lado , não fica restrito ao estudo da aplicação concreta do direito realizado pelas instâncias judiciárias e nem ao trabalho de interpretação das leis. A lógica jurídica é mais ampla e pode ser aplicada ao universo da juridicidade, que envolve, desde a elaboração do direito através das fontes formais até sua aplicação às situações do mundo empírico, por via judicial ou extrajudicial.” A lógica jurídica é imprescindível ao trabalho prático do jurista em todas as suas manifestações; esta assertiva decorre da mera constatação de que as manifestações do direito são vistas como conjunto de propo-sições de um tipo especial, ditas normativas ; a expressão destes, contida na linguagem, e da matéria que lhe constitui conteúdo, a coerência entre proposições normativas particulares derivadas da experiência - o caso concreto - , estabelecimento de regras para a validade intrínseca do sistema normativo geral, tecnicamente denominado de ordem jurídica, as operações intelectuais dos profissionais do direito e os produtos mentais destes, tais como conceitos, divisões, definições, juízos e raciocínios, o estabelecimen-to de relações entre os fatos e a vida jurídica e aqueles conceitos e juízos, e mesmo a possibilidade crítica dessas relações entre os fatos e os conceitos do direito, eis um conjunto de fatores que denotam os estreitos laços entre as tarefas do jurista e as do lógico e que, inequivocamente, demonstram que a lógica do direito é necessária à realização da Jurisprudência como ciência e do próprio direito. Direito sem lógica pode ocorrer na experiência vulgar, a do homem comum que vivencia a justiça e a injustiça, conforme a sua formação cultural e a sua subjetividade emocional; mas, a experiência científica, consubstanciada na jurisprudência como ciência e técnica, tem que apoiar-se na lógica como condição sine qua non da segurança de seus postulados”(COELHO, Luís Fer-nando. Lógica jurídica e interpretação das leis. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 87/90).

20 ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 6ª ed. Tradução de J. Baptista Machado, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 209-228. Para Engish, os conceitos indeterminados seriam aqueles de conteúdo e extensão em larga medida incertos. Os conceitos indeterminados, porém, precisam de uma delimitação por parte do intérprete, que deve fixar seu conteúdo e alcance. “Conceitos como escuridão e perigo seriam conceitos naturalísticos indeterminados. Conceitos como crime e ato admi-nistrativo, conceitos jurídicos indeterminados”. Admite-se a existência de conceitos indeterminados normativos. Para uns seriam aqueles conceitos não perceptíveis pelos sentidos, mas que só em conexão com o mundo das normas se tornam representáveis e compreensíveis. Para Engish, os conceitos jurídicos normativos stricto sensu (por oposição aos conceitos jurídicos descritivos) teriam o seu momento específico na valoração que é necessária para aplicar ao caso concreto um conceito normativo. Careceriam assim de um preenchimento valorativo. Os conceitos discricionários são aqueles que permitem uma autonomia de valoração pes-soal do órgão aplicador do direito, na decisão dos casos concretos. Segundo Engish, o legislador transferiria ao aplicador do direito a função de, utilizando-se de sua percepção e vontade, de acordo com os deveres do cargo, determinar o fim próximo de sua atuação. As cláusulas gerais contrapõem-se à elaboração casuística da hipótese legal. A hipótese legal é formulada com grande generalida-de, possibilitando o tratamento jurídico de inúmeros casos e a adaptação das normas a uma realidade social em constante mutação. Os estudiosos da semiótica jurídica entendem ser grande a dificuldade de encontrar-se conceitos absolutamente determinados, de significação unívoca, no campo da ciência do direito. Até pela função simbólica, que é própria da linguagem, onde muitas vezes o emissor quer fazer entender sua mensagem com determinado sentido e o receptor a compreende de maneira diversa.

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cação da frase e a entoação de uma palavra. Conceitos em certa medida fixos possuem notas distintivas que carecem de uma delimitação rigorosa 21.

Quanto à relação entre interpretação e linguagem, Castanheira Neves afirma que

a linguagem jurídica não é uma linguagem objetivo-denotativa acrescida de uma função diretiva ou prática; é uma linguagem em si, normativamente e institucionalmente, performativa que, como tal, se subtrai aos esquemas de análise puramente lógico-empírica. Sendo o direito o que é e tendo a sua linguagem esta índole, a interpretação jurídica não é mera determinação analítico-linguística de expressões das leis - a entender, como quaisquer ou-tras expressões significantes, sobretudo pelo seu texto -, mas a compreensão prático-normativa do critério normativo-jurídico que o caso decidendo soli-cita da norma legal. Norma não a ler no seu “dito comum”, mas a reconsti-tuir no seu sentido performativo-constitutivo específica e pragmaticamente jurídico22.

Se hoje temos esta ideia de que o pensamento lógico-dedutivo não serve para grande parte dos casos que se apresentam ao juiz, isso muito se deve a influência das teorias da argumentação, como já foi dito.

Observe-se que a noção aristotélica de dialética, cujas implicações foram sendo ignoradas ao longo da trajetória da filosofia ocidental, não mereceu a atenção dada à demonstração analítica. Dentre os dois modos de raciocinar, prevaleceu esta em detrimento da argumentação dialética, que passou a ser tomada por mera técnica a serviço de interesses mesquinhos - os quais, por não conseguirem se afirmar por sua própria “verdade”, se vêm na contingência de lançar mão de quaisquer meios para obter a adesão dos interlocutores.

A dialética parece sair de um esquecimento de vinte e três séculos para, a partir de Chäim Perelman e Theodor Viehweg, dentre outros, mostrar que aplicação do direito não é um processo meramente lógico--dedutivo, que este não é capaz de explicar como se opera o interferência dos juízos de valor do aplicador da norma, tema que não seria objeto da ciência jurídica, na visão de Kelsen. Nesse ponto, já ressaltamos a importância de tais teorias.

Respeitados os contributos dos pensamentos sistemático e problemático, observamos que atualmente prevalece o entendimento de que, na busca pelo juiz ou tribunal do sentido adequado da norma, o méto-do lógico-dedutivo não pode ser utilizado em sua pureza, considerando a norma geral e abstrata (premissa maior), o fato concreto (premissa menor) e a norma individual e concreta (conclusão), ligadas somente por procedimentos lógicos e sem qualquer participação valorativa do realizador do direito.

Constatamos assim que, longe de garantir uma correta e adequada fundamentação das decisões judi-ciais, o uso que se fez do esquema silogístico-subsuntivo visava muitas vezes expor atividade ou atos jurídico cuja constituição tinha outra sede e se determinava de outro modo. Visava ainda justificar, posteriormente, aplicações do direito constituídas por intenções de índole diversa, cobrindo com a aparência de uma estrita e puramente dedutiva aplicação de pressupostas normas jurídicas, e bem assim do sistema dogmático que com elas se elaborava, uma realidade judicativa de todo diferente. Mostrou-se assim um instrumento a serviço do decisionismo por parte de juízes e tribunais.

21 Exemplificando com o direito positivo alemão, Larenz explica que muitos conceitos jurídicos, e precisamente os mais impor-tantes, como por exemplo, “negócio jurídico”, “pretensão”, “ilícito”, não estão definidos na lei; outras definições legais, como a de “negligência” no § 276 do BGB, resultam incompletas ou equívocas. Com frequência, uma mesma expressão é usada em diferentes leis, e inclusivamente na mesma lei, em diferentes sentidos; assim a expressão “condição de negócio alheio”, nos § 662 e 667 do BGB, por um lado, e no § 675, por outro”. (LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2ª ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 376).

22 NEVES, A. Castanheira. O actual problema metodológico da realização do direito. In: Digesta - Escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros. vol. 2.º Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 266.

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4. DECISÕES NÃO FUNDAMENTADAS E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Não tenhamos dúvida: no direito brasileiro temos vivido momentos de prevalência do puro subjetivis-mo dos julgadores. Um dos fatores que têm estimulado essa postura por parte de juízes e tribunais é a utili-zação indiscriminada e descontrolada de princípios, mesmo existindo no ordenamento jurídico regras claras e inequívocas e passíveis de aplicação na decisão dos casos concretos.

Visando impedir que decisões judiciais se tornem incontroláveis, o legislador elencou hipóteses de descumprimento do dever de fundamentar, exemplificativamente, já que como afirmamos, trata-se de direito fundamental garantido constitucionalmente, não havendo, portanto, como se entender pela taxatividade do referido rol, não podendo o Código de Processo Civil restringir dispositivo constitucional.

Tais decisões que não contenham fundamentação ou possuam fundamentação deficiente são nulas, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal e do art. 11 do CPC, restando, porém, convalidadas com o trânsito em julgado. Após o trânsito em julgado, somente poderão ser impugnadas por ação rescisória, fazen-do coisa soberanamente julgada se não rescindidas.

Das hipóteses elencadas pelo legislador, a primeira delas diz respeito à decisão que se limita a indi-car, reproduzir ou parafrasear ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida. A previsão é óbvia. De nada adianta o julgador identificar a norma aplicável ao caso concreto, repetindo o texto normativo, se ele não justificar de forma clara e inequívoca o motivo pelo qual aplicou o referido dispositivo legal. Da mesma forma, aquele juiz que emprega conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência ao caso, profere decisão não fundamentada.

Como vimos, o legislador muitas vezes se utiliza de conceitos vagos e ambíguos para propiciar ao re-alizador do direito uma maior abertura na decisão de casos concretos, visto entender que em tais casos este tem melhores condições de valorar a situação fática na tomada de decisões. Engish divide-os em conceitos indeterminados, conceitos normativos, conceitos discricionários e as chamadas cláusulas gerais. Para En-gish, os conceitos indeterminados seriam aqueles de conteúdo e extensão em larga medida incertos e que precisam de uma delimitação por parte do intérprete, que deve fixar seu conteúdo e alcance. Conceitos como escuridão e perigo seriam conceitos naturalísticos indeterminados. Conceitos como crime e ato administra-tivo, conceitos jurídicos indeterminados. Admite-se a existência de conceitos indeterminados normativos. Para uns seriam aqueles conceitos não perceptíveis pelos sentidos, mas que só em conexão com o mundo das normas se tornam representáveis e compreensíveis. Para Engish, os conceitos jurídicos normativos stricto sensu (por oposição aos conceitos jurídicos descritivos) teriam o seu momento específico na valoração que é necessária para aplicar ao caso concreto um conceito normativo. Careceriam assim de um preenchimento valorativo. Elenca ainda os conceitos discricionários, que seriam aqueles que permitem uma autonomia de valoração pessoal por parte do órgão aplicador do direito, na decisão dos casos concretos. O legislador transfe-riria ao aplicador do direito a função de, utilizando-se de sua percepção e de acordo com os deveres do cargo, determinar o fim próximo de sua atuação. Já as cláusulas gerais, para Engish, contrapõem-se à elaboração casuística da hipótese legal. A hipótese legal é formulada com grande generalidade, possibilitando o trata-mento jurídico de inúmeros casos e a adaptação das normas a uma realidade social em constante mutação.23

Apesar do legislador se referir somente ao conceito indeterminado, a previsão é estendida para con-ceitos vagos e ambíguos, aí incluída a cláusula geral. No conceito indeterminado, só há escolha de conteúdo (sentido) a ser atribuído ao termo vago. Já nas cláusulas gerais, há discricionariedade e poder de escolha não apenas de conteúdo (sentido a ser atribuído aos termos vagos que a compõem) como também aos efeitos.

Estudos de semiótica jurídica demonstram que nem sempre são encontrados conceitos absolutamen-te determinados, de significação unívoca, no campo da ciência do direito. Até pela função simbólica, que é própria da linguagem, onde muitas vezes o emissor quer fazer entender sua mensagem com determinado sentido e o receptor a compreende de maneira diversa.

23 ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 6ª ed. Tradução de J. Baptista Machado, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 209-228.

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Uma terceira hipótese prevista pelo CPC/2015 diz respeito à decisão que invoca motivos que se pres-tariam a justificar qualquer outra decisão. Preocupa-se o legislador com o conteúdo da decisão e não somente com a forma. São comuns decisões que mandam emendar a inicial sem indicar o motivo, sem apontar a falha que a peça contém, bem como concessões de liminares onde o julgador afirma estarem presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora sem indicar exatamente em que consistem e por que estão presentes no caso concreto, sem qualquer preocupação com a fundamentação.

Uma quarta hipótese ocorre quando o julgador não enfrenta todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada. Tem sido comum nos tribunais o entendimento restritivo de que o juiz não precisa se manifestar sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão.24

Nosso modelo cooperativo de processo civil acentua a necessidade de o juiz ouvir as partes, antes de decidir, inclusive no que diz respeito a matérias de conhecimento oficioso. O processo civil num Estado Democrático de Direito também não pode conviver com decisões judiciais sobre questões não debatidas no processo. O contraditório como garantia de influência obriga o juiz a enfrentar as razões e argumentos trazi-dos pelas partes ao processo.

Taruffo chama a prática de ignorar os argumentos ou provas contrárias ao convencimento judicial de confirmation bias, já que o juiz motiva fazendo referência somente às provas que confirmam a sua construção dos fatos. Assim procedendo, ocorre uma distorção do raciocínio pela qual, individuada a priori uma versão dos fatos, tende-se a levar em conta somente aquilo que a confirma, e ignorar tudo aquilo que a contradiz.” 25

O juiz, ao fundamentar a sentença, deve apresentar os motivos pelos quais aceitou como válidos os argumentos do vencedor, mas, além disso, demonstrar, também com argumentos convincentes, a impro-priedade ou a insuficiência das razões ou fundamentos de fato e de direito utilizados pelo sucumbente. O sucumbente é o maior interessado nessa fundamentação, para que possa confrontar a decisão com as provas trazidas para os autos e teses debatidas no processo, estando apto e tendo subsídios para recorrer da decisão.

Leonard Ziesemer Schmitz considera ainda a possibilidade de o próprio vencedor impugnar decisão que peca pela falta de fundamentação. Em virtude da nova face do nosso sistema de precedentes, a decisão--piloto vai afetar um sem número de casos futuros, deve ser fruto do mais amplo debate; se é assim, nada mais saudável que permitir à parte vencedora que veja suas melhores razões enfrentadas pelo Judiciário, e não apenas as que o próprio órgão julgador entender convincentes.26

Também não deve o juiz se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta a aqueles fundamen-tos e nem pode deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Observe--se que o art. 927 do CPC/2015 adota uma flexão impositiva, ao determinar que:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

24 BRASIL. Poder Judiciário. STJ. Segunda Turma, AgRg no AREsp 594.615/PA, rel. Min. Humberto Martins, j. em 20.11.2014, Dje 04.12.2014.

25 TARUFFO, Michelle. La motivazione dela sentenza. Revista de Direito Processual Civil. vol 31. Curitiba: Gênesis, jan.-mar. 2004, p. 184.

26 SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais. A crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 249.

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III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e espe-cial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitu-cional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vincu-lados.

§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

Dessa forma, consagra de uma vez por todas o processo civil brasileiro a vinculação de juízes e tribu-nais a um sistema de precedentes obrigatórios.

Em sendo texto e consequentemente linguagem, porém, persiste a abertura interpretativa e a neces-sidade de adequação do caso à ratio decidendi encontrada no precedente. A decisão de adotar o precedente caberá ao juiz do caso, cabendo ao mesmo reconstruir o sentido normativo, a norma que irá reger o caso concreto.

O precedente deve ser encarado como uma norma geral em que a fundamentação da decisão é de crucial importância para que conheçamos as razões de decidir do magistrado, a fim de que o precedente possa ser aplicado aos casos semelhantes. Todavia, existem casos em que a ratio decidendi do precedente não se coaduna com o litígio em apreço, razão pela qual é necessário que se faça a distinção entre o caso e a fundamentação da decisão, o que a doutrina intitulou de distinguishing.

É intuitivo que, para aplicar a ratio decidendi a um caso, é necessário comparar o caso de que provém a ratio decidendi com o caso sob julgamento, analisando-se as suas circunstâncias fáticas. Isso significa uma diferenciação ou distinção de casos, que assume a forma de técnica jurídica voltada a permitir a aplicação dos precedentes. Nesse sentido fala-se, no common law, em distiguishing. O distiguishing expressa a distin-ção entre casos para o efeito de se subordinar, ou não, o caso sob julgamento a um precedente. A necessidade do distiguishing exige, como antecedente lógico, a identificação da ratio decidendi do precedente.27

A sistematização dos precedentes não enrijecerá o sistema, tendo em vista o instituto do distiguishing, que é o confronto que se faz entre o caso em concreto, no qual se quer a aplicação do precedente, e o pró-prio precedente, a fim de que se analise se o precedente é realmente aplicável a aquele caso que está sendo

27 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 327.

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analisado. Nesse ínterim, é necessário um cuidado demasiado do magistrado, quando deixar de aplicar um precedente, pois não pode utilizar como parâmetro uma situação fática irrelevante: é necessária uma distin-ção substancial. Nesse sentido:

Diferenças fáticas entre casos, portanto, nem sempre são suficientes para se concluir pela inaplicabilidade do precedente. Fatos não fundamentais ou ir-relevantes não tornam casos desiguais. Para realizar o distiguishing, não bas-ta o juiz apontar fatos diferentes, cabendo-lhe argumentar para demonstrar que a distinção é material, e que, portanto, há justificativa para não se aplicar o precedente. Ou seja, não é qualquer distinção que justifica o distiguishing. A distinção fática deve revelar uma justificativa convincente, capaz de permi-tir o isolamento do caso sob julgamento em face do precedente.28

Nesse contexto, observamos que o magistrado deixa de aplicar o precedente não por estar equivo-cado, mas por não se adequar ao caso em análise. Para isso, o julgador precisa fundamentar sua decisão e mostrar o porquê daquelas razões de decidir não se coadunarem com as apreciadas naquele momento, uma vez que o distiguishing não pode ser utilizado de forma arbitrária pelo juiz.

Outrossim, e como é consabido, a sociedade muda no decurso do tempo, e consequentemente o Direito precisa acompanhar as mudanças, a fim de não se tornar obsoleto e inaplicável em decorrência da dinamicidade social. Isso faz com que o precedente que, numa época, era aplicável, em outro momento se torne equivocado e deva ser revogado. Logo, os precedentes podem ser superados, tendo em vista que a ciên-cia jurídica foi elaborada para a sociedade e não é possível conceber a aplicação de um precedente que já não supre as necessidades sociais, bem como deixou de proteger a dignidade da pessoa humana e seus corolários, ou mesmo algum outro preceito constitucional.

O common law anteviu toda essa problemática de superação do precedente em virtude da evolução da sociedade e da inaplicabilidade de precedentes que se tornaram dissonantes da realidade social. Criou-se, então, o instituto jurídico denominado de overruling, isso para que os precedentes obsoletos sejam superados.

Um precedente deixa de corresponder aos padrões de congruência social quando passa a negar pro-posições morais, políticas e de experiência. Essas proposições aparecem no raciocínio do common law exa-tamente quando se mostram relevantes para a elaboração, para a aplicação ou para a mudança de um pre-cedente. As proposições morais determinam uma conduta como certa ou errada a partir do consenso moral geral da comunidade, as proposições políticas caracterizam uma situação como boa ou má em face do bem--estar geral e as proposições de experiência dizem respeito ao modo como o mundo funciona, sendo que a maior parte dessas últimas proposições descreve as tendências de condutas seguidas por subgrupos sociais. 29.

O overruling nada mais é do que a superação do precedente quando as razões de decidir daquela de-cisão já não se coadunam com a realidade atual. Ocorre que, é de crucial importância um cuidado desmedido ao ser aplicado o referido instituto, tendo em vista que, aparentemente, vai de encontro à tendência atual de seguimento dos precedentes. A aplicação do overruling só pode ocorrer quando houver embasada justificativa para tanto, sob pena de possuirmos um sistema desarmônico e desacreditado em razão da superação de precedentes que, ainda, se coadunam com a realidade social da época. Logo, é necessária razoabilidade no momento da aplicação do instituto.

Não é pela razão de ter poder para revogar os seus próprios precedentes que a Corte pode revogá-los à distância de circunstâncias especiais, como se a todo instante pudesse rever a mesma questão jurídica. Como já dito, não há qualquer sentido em ter poder para elaborar precedente e não ter o dever de respei-tá-lo. Lembre-se que a Suprema Corte americana, embora venha exercendo o seu poder de overruling de modo bem mais intenso, é sempre cobrada quando revoga precedentes sem critérios razoáveis. Portanto, se

28 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 328.

29 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 329.

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é certo que o sistema de precedentes que não admite o overruling não tem mais lugar, uma vez que impede o desenvolvimento do Direito, também não há como pensar que a possibilidade de revogar precedentes é excludente da eficácia horizontal dos precedentes ou da obrigatoriedade de respeito às próprias decisões. Não há sistema de precedentes quando as Cortes Superiores não se submetem a critérios especiais para revogar os seus precedentes. E é exatamente esta submissão a critérios que caracteriza a eficácia horizontal no Direito contemporâneo.30

A sistematização dos precedentes é, pois, uma proposta viável para que as decisões judiciais sejam respeitadas e ocorra uma previsibilidade das mesmas, isso com o fito de dar credibilidade aos pronunciamen-tos judiciais, bem como de ser assegurada a paz social. A adoção da teoria dos precedentes combate a possi-bilidade de utilização de ementas de julgados para justificar qualquer decisão, construída a partir da escolha do juiz, baseada meramente em juízos de consciência.

É em face da obediência aos precedentes e do reconhecimento da eficácia vinculante e persuasiva deles que se realizam os valores de igualdade, coerência e continuidade do ordenamento, bem como ocorre o recomendável temperamento entre as exigências de certeza e confiabilidade com as exigências de flexibilidade jurídica à adaptação e mutação provocadas pela dinâmica da vida social, cuja complexidade se incrementa em proporção exponencial.

A partir da vigência do CPC/2015, juízes e tribunais terão mais do que nunca que sustentar suas de-cisões em critérios racionais. As decisões deverão ser coerentes. Como é prestigiada a noção de integridade, os juízes terão que construir os argumentos da decisão de forma integrada ao conjunto do Direito. Tem-se, pois, uma garantia contra as arbitrariedades interpretativas.

Prevê ainda o CPC/2015 que, no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os cri-térios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

Normas podem ser regras ou princípios. Normas-regras são mandados de definição que, em alguns casos, podem exigir do magistrado, tão somente, algo próximo da subsunção diante do caso concreto, apli-cando a medida exata do que está prescrito na regra. Ou seja, quando estiver diante de um caso em que sua solução está expressamente posta no ordenamento jurídico positivado, o interprete/aplicador deve aplicá-la. Por outro lado, normas-princípios são espécies de normas jurídicas por meio das quais são estabelecidos de-veres de otimização aplicáveis em vários graus, em consonância com as possibilidades do caso e das normas existentes. Sendo assim, as normas-princípios só terão seu grau de incidência descoberto frente à existência de um caso concreto, não sendo possível estabelecer de antemão o significado de qualquer princípio jurídico, bem como a sua aplicabilidade.

Segundo Ávila31,

é só a aplicação dos princípios diante dos casos concretos que os concretiza mediante regras de colisão. Por isso, a aplicação de um princípio deve ser vista sempre com uma cláusula de reserva, a ser assim definida: Se no caso concreto um outro princípio não obtiver maior peso. (...) É dizer o mesmo: a ponderação dos princípios conflitantes é resolvida mediante a criação de re-gras de prevalência, o que faz com que os princípios, desse modo, não sejam aplicados também ao modo tudo ou nada.

Nenhum princípio, ainda que de origem constitucional, é absoluto, sendo necessária uma pondera-ção para o fim de descobrir qual deve prevalecer em uma situação específica.

30 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 391.

31 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 27.

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Nesse contexto, Barroso32 adverte que nos casos fáceis, a identificação do efeito jurídico decorrente da incidência da norma sobre os fatos relevantes envolve uma operação simples, de mera subsunção; e, pa-ralelamente, reconhece que os casos difíceis envolvem situações para as quais não existe solução acabada no ordenamento jurídico. Ela precisa ser construída argumentativamente, por não resultar do mero enquadra-mento do fato à norma.

Num sistema constitucional que consagra cláusulas gerais, não há como negar que, em determinadas oportunidades, o sentido da norma terá que ser fixado pelo juiz. Isso não permite, no entanto, que o magis-trado decida exclusivamente de acordo com sua vontade, já que o ato de decidir não equivale ao ato de fazer uma escolha. A construção racional da decisão judicial não é um ato de mera escolha do magistrado, notada-mente quando ele tem o dever de fundamentar adequadamente suas decisões (CRFB/88, art. 93, inciso IX).

Ao tratar dos limites éticos do poder constituinte originário, e da concretização da lei pelo Judiciário, Adeodato33 assevera:

(...) o positivismo exegético evolui para um decisionismo concretista (...). A complexidade social crescente provoca um aumento cada vez maior no dis-senso a respeito da significação concreta dos textos normativos, diminuindo a importância do Poder Legislativo e enfatizando o papel do Judiciário e demais agentes casuísticos. A ideia normativa não mais se concretiza no texto legis-lado, na jurisprudência ou mesmo no precedente, meros dados de entrada, mas sim na decisão concreta. A “racionalidade” do direito, mais do que casu-ística, passa a ser causal.

Pois bem, o que temos visto, com frequência, em todas as esferas do Poder Judiciário, são decisões baseadas em juízos de consciência – ou de conveniência – dos prolatores, sem qualquer comprometimento com a efetiva aplicação do Direito posto34.

Diante disso, é necessário combater os decisionismos35, diante da nulidade dos julgamentos proferi-dos sem qualquer justificativa racional e sem legitimidade, para que os ganhos advindos da virada constitu-cional, explicada anteriormente, não sejam enfraquecidos.

Nesse cenário, teorias que apostam no subjetivismo do aplicador acabam permitindo discricionarie-dades e arbitrariedades. Em regimes e sistemas jurídicos democráticos, não há espaço para que a “convicção

32 BARROSO, Luis Roberto. Jurisdição Constitucional: A tênue fronteira entre o Direito e a política. Migalhas. 5 fev. 2014. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivos/2014/2/ art20140204-06.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2014, p. 24-25.33 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 304.

34 Para exemplificar, indicamos a leitura do texto “Justiça entre exegetismo e decisionismo: o que fazer?”, no qual Lênio Streck comenta uma decisão proferida pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, na qual foi permitido o saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para pagamento de pensão alimentícia, uma nítida substituição do legislador pelo órgão judicial. Com efeito, as hipóteses de movimentação da conta vinculada ao FGTS estão previstas no art. 20 da Lei nº 8.036/90, não havendo previsão do saque para pagamento de prestação alimentícia. O fato de a decisão ter sido “justa” – no enfoque de resolução apenas do caso concreto – é irrelevante; a eventual “falha” do legislador em não incluir os inadimplentes de pensão alimentícia como possíveis sacadores do FGTS, também. O fato é que o Judiciário não pode tratar da matéria. Decisão judicial não é escolha. Se o legítimo detentor do poder de regulamentar a questão exerceu o seu mister – não sendo, pois, hipótese de omissão inconstitucional; e se não é caso de interpretação conforme – a Constituição não admite a interpretação no sentido de considerar válida a transferência de recursos que constituem a garantia de todo o sistema do FGTS e são, pois, de todos os que a ele estão vinculados, para resolver o problema de apenas um; ao Judiciário era permitido, apenas, aceitar e aplicar a norma. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-mar-27/senso-incomum-justica-entre-exegetismo-decisionismo>. Acesso em: 10 jan. 2015.

35 Como afirma TRINDADE, para concretizar os direitos fundamentais, conferiu-se aos juízes discricionariedade para invocar o justo contra a lei. E, assim, após muitos anos de luta contra o positivismo legalista, incorremos em outro equívoco: substituímos o juiz boca de lei pelo juiz que pondera princípios e que, portanto, decide conforme sua consciência, a partir de valoração de ordem subjetiva, passando, assim, de um mecanismo na aplicação do direito para um decisionismo (...), que vem reforçado pela ideia de que a discricionariedade é algo natural à decisão judicial”. TRINDADE, André Karam. Garantismo versus neoconstitucionalismo: os desafios do protagonismo judicial em terrae brasilis. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luis; e TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 121-122.

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pessoal do juiz” seja o critério exclusivo para resolver as indeterminações da lei. Nesse ponto, é oportuna a lição de Trindade36:

(...) considerando que no interior da dogmática jurídica a interpretação con-tinua a ser entendida como escolha de um sentido tomado que advém da consciência do julgador – ao qual é delegada a tarefa de, casuisticamente, concretizar os direitos fundamentais a partir de suas convicções pessoais, conforme denuncia Streck –, o que ser verifica é um alto grau de voluntaris-mo, cujo resultado, ao final, é uma justiça lotérica, marcada pela imprevisi-bilidade (...).

A prática jurídica revela que existem decisões diferentes para casos que são simetricamente iguais e, muitas vezes, são proferidas decisões que desconsideram completamente o ordenamento constitucional e infraconstitucional posto, bem como a força obrigatória dos precedentes. Nesse caso, a prevalência de múlti-plas decisões, para casos iguais, revela uma ordem jurídica incoerente e injusta.

Nesse contexto, é flagrante a falta de coerência jurídica. Integrantes do Poder Judiciário, em casos semelhantes, ora invocam determinadas preocupações, ora não as invocam, a depender, ao que tudo indica, do pragmatismo essencialmente momentâneo inerente ao ir e vir da conjuntura política, econômica e social. Nesse contexto, os princípios servem para justificar qualquer decisão. Criticando as manifestações judiciais que exageram na fundamentação principiológica, Sarmento37 argumenta:

Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibi-lidade de através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça –, passaram a negligenciar no seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta “euforia” com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as ves-tes do politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras “varinhas de condão”: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser. Esta prática é profundamente danosa a valores extremamente caros ao Estado Democrático de Direito. Ela é prejudicial à democracia, porque permite que juízes não eleitos imponham as suas preferências e valores aos jurisdicionados, muitas vezes passando por cima de deliberações do legisla-dor. Ela compromete a separação dos poderes, porque dilui a fronteira entre as funções judiciais e legislativas. E ela atenta contra a segurança jurídica, porque torna o direito muito menos previsível, fazendo-o dependente das idiossincrasias do juiz de plantão, e prejudicando com isso a capacidade do cidadão de planejar a própria vida com antecedência, de acordo com o co-nhecimento prévio do ordenamento jurídico.

Se for autorizado que o juiz decida exclusivamente conforme a consciência, o caráter institucional de que devem se revestir as decisões do Poder Judiciário restará dilacerado. Os decisionismos não dão segurança para ninguém, mas apenas a sensação de que temos que torcer para que o juiz que decide nossa causa seja um “homem de bem”.

36 TRINDAADE, André Karam. Garantismo versus neoconstitucionalismo: os desafios do protagonismo judicial em terrae bra-silis. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luis; e TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)consti-tucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 119.

37 SARMENTO, Daniel. Ubiquidade constitucional: os dois lados da moeda. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; e SARMEN-TO, Daniel (Org.) A constitucionalização do Direito: Fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2007, p. 144.

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Com efeito, a ordem jurídica deve ser coerente, pois, como é obvio, não é formada apenas pelas leis, mas também pelas decisões judiciais. Essas devem ser previsíveis, notadamente em razão da necessidade de o homem ter segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. É imprescindível, também, que as decisões judiciais sejam harmônicas, a fim de garantir a construção de uma pauta de conduta estável. A previsibilidade das decisões constitui valor moral imprescindível para o homem poder se desenvolver. O mínimo que o cidadão pode esperar, no Estado Democrático de Direito, é o respeito à confiança gerada pelos atos e decisões do Poder Público.

Vale lembrar a posição de Ávila, no sentido de que o sopesamento não é exclusivo dos princípios; as regras também possuem uma dimensão de peso. Prova disso seriam os métodos de aplicação que relacionam, ampliam ou restringem o seu sentido em função dos valores e fins a que elas visam resguardar.38

E nesse contexto, não é razoável que o magistrado apenas fundamente sua decisão afirmando que está a ponderar regras e princípios conflitantes, no qual deve prevalecer o princípio ou regra tal. Deverá justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a inter-ferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam sua conclusão.

Quanto à interpretação da decisão judicial, prevê o CPC/2015 que a mesma deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

Como texto e linguagem que é, a decisão judicial também é passível de interpretação, podendo ser usados diversos critérios que orientam o intérprete, tais como o sistemático, o lógico, o teleológico. E conside-rar que a decisão é um todo e que a sentença é composta por relatório, fundamentação e dispositivo, devendo tais elementos ser interpretados conjuntamente.

Nesse sentido, já tem decidido o STJ que “havendo dúvidas na interpretação do dispositivo da senten-ça, deve-se preferir a que seja mais conforme a fundamentação e aos limites da lide, de acordo com o pedido formulado no processo.39

Nessa interpretação, portanto, o princípio da boa-fé merece destaque, já que não se pode admitir como adequada interpretação que faça surgir enunciado normativo sem qualquer relação com o que foi dis-cutido pelas partes no processo.

5. CONCLUSÕES

Por tudo que foi dito neste trabalho, podemos concluir que:

1. Não existe um mundo em si, independente da linguagem, que seja copiado por ela, nem uma essência nas coisas para ser descoberta. Só temos o mundo e as coisas na linguagem: nunca em si. Assim não há correspondência entre linguagem e objeto, pois este é criado por ela. A linguagem é o pressuposto por excelência do conhecimento. O ser humano só conhece o mundo quando o constitui linguisticamente em seu intelecto. Conhecer não significa mais simples apreensão mental de uma dada realidade, mas a sua construção intelectual, o que só é possível mediante linguagem.

2.Ao decidir, o juiz conhece e constrói mediante linguagem. Porém a única parte do raciocínio do juiz que se pode concretamente analisar é a motivação da decisão, enquanto nada daquilo que ocorre na mente do juiz é diretamente cognoscível. O que se pede ao juiz não é a sua psicanálise ou autoanálise, mas que exponha argumentos em função dos quais o observador externo (as partes, os advogados, os outros juízes, a opinião pública) possa verificar que aquela decisão é lógica e juridicamente fundada.

3.Longe de garantir uma correta e adequada fundamentação das decisões judiciais, o uso que se fez do esquema silogístico-subsuntivo visava justificar, posteriormente, aplicações do direito constituídas por intenções de índole diversa, cobrindo com a aparência de uma estrita e puramente dedutiva aplicação de

38 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 59.

39 BRASIL. Poder Judiciário. STJ, REsp 1.149.575/DF, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28.08.2012, DJe 11.10.2012.

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pressupostas normas jurídicas, e bem assim do sistema dogmático que com elas se elaborava, uma realidade judicativa de todo diferente. Mostrou-se assim um instrumento a serviço do decisionismo por parte de juízes e tribunais.

4.Torna-se necessário combater os decisionismos, rejeitando julgamentos proferidos sem qualquer justificativa racional e, portanto, sem legitimidade, para que os ganhos advindos da evolução do texto consti-tucional não sejam enfraquecidos.

5.Encontra-se previsto em sede constitucional um direito fundamental e um dever de fundamenta-ção das decisões judiciais por juízes e tribunais. Tal previsão adequa-se ao Estado Democrático de Direito e aos princípios e garantias fundamentais que norteiam o processo. Intimamente ligado ao princípio do devido processo legal, tal previsão em sede constitucional impede ou freia qualquer ímpeto do legislador infracons-titucional de mitigar ou suprimir a aplicação desse princípio.

6. Que apesar da previsão constitucional, achou por bem o legislador, no CPC/2015, indicar hipóteses em que não se considera fundamentada uma decisão judicial. Como não pode o legislador infraconstitucional suprimir ou mitigar tal direito fundamental constitucional em sede de legislação ordinária, entendemos que o rol das hipóteses de decisões que não se consideram fundamentadas, previstas no art. 489 do CPC/2015, é meramente exemplificativo.

7. Decisões que não contenham fundamentação ou possuam fundamentação deficiente são nulas, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal e do art. 11 do CPC, restando, porém convalidadas com o trânsito em julgado. Após o trânsito em julgado, somente poderão ser impugnadas por ação rescisória, fazen-do coisa soberanamente julgada, caso não rescindidas.

8. A tradicional posição adotada em alguns julgamentos, no sentido de que o magistrado não está obri-gado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pelas partes, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão, não tem mais sentido diante desse novo modelo de processo civil, já que de nada adiantaria uma visão cooperativa e dialógica do processo se os argumentos trazidos pelas partes, especialmente aqueles em tese capazes de infirmar a conclusão do julgador, pudessem simplesmente ser ignorados por juízes e tribunais.

9. Conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, mencionada nesse trabalho, a pre-tensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5°, LV, da Constitui-ção, contém os seguintes direitos: direito de informação, que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes; direito de manifestação, que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elemen-tos fáticos e jurídicos constantes do processo; direito de ver seus argumentos considerados, que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo para contemplar as razões apresentadas. O direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador, que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da Administração de a eles conferir atenção, pode-se afirmar que ele envolve não só o dever de tomar conhecimento, como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas.

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A DICOTOMIA ENTRE O AMPLO ACESSO À JUSTIÇA E A ACESSIBILIDADE NO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO

Renata Elis Pereira Tavares

Bacharelanda em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP

SUMÁRIO: Introdução. 1 Por um acesso efetivo para todos. 2. O caso da Advogada invisível. 3.Aces-sibilidade comunicacional. 4. Acessibilidade como princípio. 5. Amplo acesso à justiça como meio de inclusão social. 6. Considerações finais. Referências.

1. INTRODUÇÃO

O Brasil possui uma das mais avançadas legislações sobre o direito das pessoas com deficiência no mundo. Por meio da reforma do judiciário (Emenda Constitucional nº 45/2004), foi acrescentado ao artigo 5º ao parágrafo terceiro, que trata da recepção dos tratados internacionais. Dessa forma, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência adentrou em nosso ordenamento jurídico com força equivalente à emenda constitucional, valendo ressaltar que é o único tratado internacional aprovado seguindo o rito espe-cial. O acesso à justiça encontra-se disciplinado no artigo 13 da Convenção, como se dá o conflito entre os princípios da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o Novo Código de Processo Civil e o Processo Judicial Eletrônico, veremos mais adiante.

2. POR UM ACESSO EFETIVO PARA TODOS

Visto que o fenômeno do aumento das demandas no judiciário vem crescendo a cada ano, o Proces-so Judicial Eletrônico veio com a promessa de agilizar os procedimentos, visando alcançar a celeridade e a tão sonhada razoável duração do processo. A implantação do PJE mostrava-se inevitável, porém não foram realizados estudos prévios para essa implantação. Tomando como referencial as pessoas sem deficiência, ex-cluindo-se também os idosos, até que o PJE se mostra como meio aceitável de acesso à justiça. O que o legis-lador esqueceu, é que essa não poderia ser a única forma de acesso à justiça (o que ocorre em alguns casos), assim, o meio que tenta demonstrar-se democrático, acaba por excluir segmentos significativos da sociedade, afrontando o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal que garante: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. ” O PJE sequer seguiu as orientações do World Wide Web Consortium (W3C), este consórcio internacional que possui atividades no Brasil (por meio do W3C Brasil), promove o uso de padrões internacionais para que as páginas da web sejam acessíveis a todos. Ao colocar em funcionamento o PJE da forma como se encontra hoje, perpetram-se atos de exclusão e discriminação às pessoas com deficiência, focando numa visão antiquada de assistencialismo que há muito já deveria ter sido expurgada das práticas dentro do nosso judiciário.

Como leciona Capelletti:

O problema de execução das leis que se destinam a proteger e beneficiar as camadas menos afortunadas da sociedade é geral. Não é possível, nem desejável resolver tais problemas com advogados apenas, isto é, com uma

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representação judicial aperfeiçoada. Entre outras coisas, nós aprendemos agora, que esses novos direitos frequentemente exigem novos mecanismos procedimentais que os tornem exeqüíveis. Como afirma Jacob: São as regras do procedimento que insuflam vida nos direitos substantivos, são elas que os ativam, para torná-los efetivos.

A mudança no paradigma normativo, proposta pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, encontra barreiras no Processo Judicial Eletrônico. A acessibilidade, que deve ser vista apenas em sua plenitude, acaba por ser reprimida diante dos procedimentos que não demonstram uma maior preo-cupação tanto do legislador como do poder judiciário, de inclusão e humanismo para quem se utiliza do PJE e necessita de uma acessibilidade, quer seja comunicacional, quer seja atitudinal. O próprio CNJ traz em sua resolução nº185/2013 um grande absurdo no que tange à acessibilidade, segundo a resolução:

Art. 18. Os órgãos do Poder Judiciário que utilizarem o Processo Judicial Eletrônico - PJe manterão instalados equipamentos à disposição das partes, advogados e interessados para consulta ao conteúdo dos autos digitais, digita-lização e envio de peças processuais e documentos em meio eletrônico.

§ 1º Para os fins do caput, os órgãos do Poder Judiciário devem providen-ciar auxílio técnico presencial às pessoas com deficiência e que compro-vem idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. (grifo nosso)

§ 2º Os órgãos do Poder Judiciário poderão realizar convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ou outras associações representativas de advogados, bem como com órgãos públicos, para compartilhar responsa-bilidades na disponibilização de tais espaços, equipamentos e auxí-lio técnico presencial. (grifo nosso)

A partir do momento em que o CNJ, praticamente obriga os órgãos da justiça a manterem auxílio técnico presencial, está mais uma vez reafirmando o que já se sabe do senso comum, que as pessoas com deficiência precisam de “ajuda” para praticar quaisquer atos, principalmente os processuais. O amplo acesso à justiça deve ser pensado não apenas como questão de mobilidade para as pessoas com deficiência, no plano arquitetônico, mas também no ambiente virtual. Uma pessoa não pode ser impedida de exercer a advocacia, por exemplo, porque possui uma deficiência visual ou surdez. As pessoas com deficiência necessitam de um ambiente totalmente acessível, para que possam exercer suas atividades independentemente de auxílio téc-nico presencial.

3. O CASO DA ADVOGADA INVISÍVEL

O caso emblemático da advogada Deborah Prates, ocorrido em 2013, ilustra o quão nocivo pode ser Processo Judicial Eletrônico. A advogada foi impossibilitada de protocolar petições em papel. Ao reclamar elencando o descumprimento da Resolução nº 27/2009, do CNJ, que trata da implementação da acessibilida-de na infraestrutura do PJE, a advogada teve seu pedido indeferido na época pelo ministro Joaquim Barbosa, que fundamentou sua decisão com base no art. 18, §1º, da resolução 185/2013, determinando que a mesma se utilizasse da ajuda de terceiros. Posteriormente, o ministro Lewandowski, deferiu o pedido de liminar, garantindo o peticionamento em papel até que o PJE esteja totalmente acessível. Ao se deparar com uma situação dessas, o que resta a um advogado com deficiência, é apenas se restringir às comissões de acessibili-dade da OAB, dar palestras, se unir às associações de pessoas com deficiência? A situação causa, no mínimo, estranheza se confrontada com o artigo 5º da Convenção, que dispõe sobre a igualdade e não-discriminação:

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1. Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei.

2. Os Estados Partes proibirão qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo.

3. A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida.

4. Nos termos da presente Convenção, as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias.

Deborah Prates relata que atualmente, está na mesma situação de inacessibilidade, que há muitas promessas e manifestações de adequações para que o PJe se torne acessível, mas o certo é que ela continua banida da advocacia, uma advogada invisível.

4. ACESSIBILIDADE COMUNICACIONAL

O censo realizado pelo IBGE, no ano de 2010, traz números expressivos sobre a quantidade de pes-soas que declaram possuir algum tipo de deficiência, cerca de 23,9% da população, algo em torno de 45,6 milhões de pessoas. O artigo 18, §1º da Resolução nº 185/2013, mostra um total descompasso com a Con-venção, com o Novo CPC e até mesmo com a nossa Magna Carta. Essa resolução impede a independência e autonomia nos procedimentos. A necessidade da ajuda de terceiros (que quase nunca existem), coloca a pessoa com deficiência num nível de desigualdade deprimente, a resolução cerceia uma necessidade básica do ser humano, independentemente de ter deficiência ou não, a necessidade de se comunicar. Com relação à comunicação a Convenção sobre os Diretos das Pessoas com Deficiência é bastante esclarecedora e traz definições em seu artigo 2º:

“Comunicação” abrange as línguas, a visualização de textos, o Braille, a co-municação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos de multimídia aces-sível, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, inclusive a tecnologia da informação e comu-nicação acessíveis;

“Língua” abrange as línguas faladas e de sinais e outras formas de comunicação não falada;

Há várias formas de linguagem utilizadas no Direito, seja escrita ou oral, o direito se perfaz por meio da comunicação e as pessoas com deficiência não podem ver seu direito de acesso à justiça cerceado por falta de sensibilidade e alteridade do poder judiciário e do legislativo. Compreender que há outras maneiras de se comunicar como, por exemplo: fonte ampliada, língua de sinais (LIBRAS), audiodescrição, BRAILLE entre outros, é de suma importância. A sensibilização e conscientização por meio de cursos e palestras que versem sobre a temática da acessibilidade, para os membros do poder judiciário e serventuários da justiça, viabilizam a diminuição da discriminação e do preconceito no meio jurídico.

5. ACESSIBILIDADE COMO PRINCÍPIO

A construção e consolidação da identidade e da terminologia pessoa com deficiência, vem evoluindo através do tempo. O preconceito, a discriminação e a exclusão, não são mais aceitos como em outrora. As

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pessoas com deficiência buscaram empoderar-se, não mais aceitando uma visão unilateral de assistencialis-mo do Estado. Com o slogan “nothing about us without us” (nada sobre nós sem nós), esse grupo deixa claro, que nenhuma política deve ser decidida sem a participação e consulta deles. As pessoas com deficiência que-rem ter reconhecidos seus direitos, não apenas em leis, mas nas práticas cotidianas. Votar uma convenção e conferir-lhe status de emenda constitucional, infelizmente não se demonstra suficiente para saldar uma dívida histórica para com as pessoas com deficiência. A acessibilidade precisa ser vista não apenas como di-reito, mas também como princípio, servindo de alicerce para as leis, processos e procedimentos.

Tomando a acessibilidade como princípio, percebe-se que não são as pessoas que possuem qualquer tipo de deficiência, mas sim os espaços físicos ou virtuais que não são pensados a partir de um desenho uni-versal, que garantiria o maior acesso, a um maior número de pessoas possível. Ao tomar como referencial apenas uma parcela da população considerada “normal”, sobra aos outros indivíduos que não se encaixem nesse padrão a sensação de incapacidade, de exclusão. A pessoa com deficiência não deve ser considerada como incapaz, já que, evidentemente, não o é. Por meio da acessibilidade é possível equalizar a relação da pessoa com deficiência e sua situação de diferença, afirmando a igualdade, a dignidade da pessoa humana e a diversidade. Como atenta Boaventura (2003, p. 429-461):

temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e te-mos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.

6. AMPLO ACESSO À JUSTIÇA COMO MEIO DE INCLUSÃO SOCIAL

O princípio do amplo acesso à justiça constitui-se como direito fundamental, não podendo ser negado a nenhum brasileiro ou estrangeiro residente no país. Não é compreensível que um princípio constante nos direitos e garantias individuais seja violado diariamente, por aqueles que deveriam seguir os procedimentos e decisões de acordo com a Constituição Federal. Para um melhor funcionamento, urge que o Processo Judicial Eletrônico adote uma versão uniformizada, visto que a diversidade de sistemas que apresenta atualmente traz grandes dificuldades tanto para o jurisdicionado, quanto para os operadores do direito. Neste entendi-mento, Sandim (2014):

Sabe-se que há no país 46 (quarenta e seis) modalidades de processo judicial eletrônico, o que, na verdade, recomenda a unificação, para não se voltar à vetusta legislação processual, onde cada estado possuía um código. Mas, essa unicidade não pode ser apressada, recomenda-se uma maturação temporal.

Não me parece democrático, republicano, federativo, moral, criar um PJe, como se fora isento de problemas, pô-lo em prática forçadamente e, à medida que os defeitos vão aparecendo, aí sim procura-se corrigi-los. Não é consti-tucional fazer-se experimentos com os direitos dos jurisdicionados, já que se cuidam de valores fundamentais. Com todo respeito, o PJe não há de se fazer congênere a montagem de um “lego”!

O peticionamento eletrônico ao invés de incluir e ampliar o acesso à justiça, gerou um imenso des-conforto, desde então apontam-se várias soluções para possibilitar a erradicação de sucessivos erros. Operar o direito, nos termos, ditados pelo PJE, mostra-se um desafio para as pessoas que possuem deficiência visual, por exemplo. A utilização do Processo Judicial Eletrônico, que deveria ser motivo de dignificação, valorização do trabalho dos operadores do direito que possuem deficiência e principalmente, de inclusão social, termina por meio de práticas discriminatórias deixar esses indivíduos à margem do poder judiciário.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma maior representatividade das pessoas com deficiência, seja nas comissões de acessibilidade da OAB, seja na magistratura ou seja como membros militantes da advocacia, se faz altamente necessário. A fal-ta de alteridade continua a impedir que as pessoas com deficiência tenham acesso ao básico. Apenas proibir a exclusão, na Constituição Federal e Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, não resulta em inclusão de forma verdadeira e efetiva, a questão vai além de disponibilizar um meio “acessável” de acesso à justiça, pois a acessibilidade só pode ser compreendida de forma plena.

Será que a figura de um advogado cego só é possível no universo cinematográfico da Marvel, nas his-tórias do Demolidor? A figura de uma pessoa com deficiência exercendo a advocacia e demais funções, deve ser compreendida como possível e normal, dentro ambiente jurídico, bastam as adequações necessárias para possibilitar autonomia, empoderamento, inclusão social e cidadania.

REFERÊNCIAS

CAPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça, Rio Grande do Sul: Antonio fabris, 1988.

BRASIL. BRASIL. (Comp.). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponí-vel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 6 jul. 2015.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (Brasil). Vamos conhecer o Brasil: Nosso povo. 2010. Disponível em: <http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/caracteristicas-da--populacao>. Acesso em: 30 jul. 2015.

REPÚBLICA, Presidência da; SDH, Secretaria de Direitos Humanos –; SNPD, Secretaria Nacional de Pro-moção dos Direitos da Pessoa Com Deficiênica–. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defi-ciência: Novos comentários. 3. ed. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2014.

SANTOS. Boaventura de Souza. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da dife-rença e da igualdade. In: Reconhecer para Libertar: Os caminhos do cosmopolitanismo multicultural, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.

SANDIM, Emerson Odilon. O Processo Judicial Eletrônico - PJE e o Princípio do Amplo Acesso ao Poder Judiciário. Brasília: Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal, 2014.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: Acessibilidade no lazer, trabalho e educação. 2009. Disponível em www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2009/11/declaracao-universal-dos-direitos-humanos-garante-igual-dade-social Acesso em 07 jul 2015.

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PÉROLAS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Roberto Wanderley Nogueira

Mestre e Doutor em Direito pela UFPE. Pós-doutor em Direito pela UFSC. Professor na UFPE e UNICAP. Assessor especial da Rede Latino-Americana de Organizações Não governamentais de pessos com deficiência e suas famílias (RIADIS). Membro colaborador da Associação da Imprensa de Pernambuco (AIP). Membro da Comissão de Pesquisas e Estudos judiciários da Associação dos Juízes Federais do Brasil.

SUMÁRIO: Breve Introdução.1. Tutela provisória (de urgência e de evidência) à luz do novo Código de Processo Civil. 2. Crítica ao argumento da mudança legislativa. 3. Considerações finais. Referên-cias.

1. BREVE INTRODUÇÃO

Este artigo tem o propósito de suscitar o debate crítico sobre aspectos do recente Código de Processo Civil em contraponto ao que vinha sendo executado em termos de cautelaridade pelo Código de Processo Civil de 1973.

Trata-se aqui de considerar a pertinência e a oportunidade de um novo CPC, à luz das já implementa-das transformações que vêm sendo postas a efeito desde a década dos 80 no Brasil. Também o de saber que os problemas de inadequação da legislação com a sua eficácia em terras tupiniquins diz mais com um problema antropológico, de massa crítica adequada, do que de obsolescência da plataforma jurídica preexistente.

Os efeitos do tempo devem ser considerados na ordem legal do processo, haja vista a expectativa de realização de Justiça a partir do exercício jurisdicional, objeto do monopólio do Estado. Nesse sentido e a fim de garantir os direitos sob litígio, é fundamental o papel dos procedimentos cautelares, dado o traço de proteção que encerram.

2. TUTELA PROVISÓRIA (DE URGÊNCIA E DE EVIDÊNCIA) À LUZ DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O novo CPC, aprovado pela Lei 13.105, publicada no DOU de 17 de março de 2015, a pouco em vigor, após o prazo de um ano de vacatio legis, com a consequente revogação do CPC/73 (Lei 5.869/73), conforme previsão no art. 1.046, contém diversas “novidades” no Livro V, da sua Parte Geral, denominado “Da Tutela Provisória”, adiante analisada sem pretensão de exaurir a matéria (até porque em vias de apreensão, com-preensão, primeiras aplicações e consolidação), por isso que apenas em termos sumários e seletos, e que se apresenta estruturado em três títulos que abarcam a tutela de urgência, gênero com suas duas modalida-des, cautelar e antecipada, e a tutela de evidência (vide art. 294, caput, e parágrafo único).

Ainda no âmbito da tutela de urgência, manteve o legislador do novo codex processualis a possibilida-de de sua veiculação incidental, como inovou ao prevê-la, expressamente, a sua tramitação em procedimento antecedente quer para a espécie antecipada (arts. 303 a 304), quer para a cautelar (vide arts. 305 a 310),

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sendo requerida perante o mesmo juízo, o competente para conhecer o pedido principal (vide art. 299). Como se pode divisar, então, não parece existir tanta novidade assim no novo CPC.

Como sabido, a tutela cautelar constitui modalidade de tutela de urgência instituída com o diferencial de proteger o resultado útil do processo, sem antecipar o exercício do direito material, ao passo que a anteci-patória ou satisfativa, como já se deduz, antecipa o gozo do próprio direito material.

Nessa perspectiva quanto às hipotéticas inovações profundas trazidas pelo novo Código de Processo Civil, dentre as constatações recorrentes entre os processualistas está a de ter o legislador ordinário optado pela unificação do regime jurídico das tutelas sumárias de urgência, sem se perder de vista, é claro, sua na-tureza dantes idealizada de eficiência, adequação, tempestividade e celeridade como prestação jurisdicional.

Com o novo Codex, rompeu-se o período de convívio de dois regimes de tutela - o da cautelar, com os requisitos clássicos do fumus boni juris e do periculum in mora (art. 798, CPC/73), e, ao seu lado, o da antecipada, com o advento da Lei nº 8.592, de 13/12/1994, ao dar nova redação ao art. 273 do antigo CPC, fundada na verossimilhança da alegação e no receio de dano ou no abuso do direito de defesa –, sendo sucedido por um regime unificado, com a previsão de pressupostos os mesmos para concessão tanto da tutela antecipada, quanto da cautelar, a saber, probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (vide art. 300 do novo CPC). Enfim, consagram-se tutelas de urgência para propósitos distintos, mas com pressupostos iguais.

Embora positiva a intenção, com vista a afastar celeumas históricas relativas às diferenciações de-fendidas entre tais espécies de tutelas e seus requisitos pertinentes ao grau de demonstração do direito, para uns naturais, para outros artificiosas, consciente, nesse caso, foi o legislador quanto à impossibilida-de de superação definitiva dessas dificuldades, ao dispor, prudentemente, da previsão contida no art. 305, parágrafo único, do novo CPC1, ainda que imperfeita, em face de pleitos de tutela de urgência equivocados quanto à sua espécie, autorizando, por conseguinte, o juiz à mudança de procedimento, sem dúvida em mão dupla, do cautelar para o antecipatório e vice-versa.

Com o regime jurídico único, pois, o novo CPC sacramenta uma tendência já evidenciada com as últimas reformas do CPC de 1973, inspiradas na ideia de sincretismo processual, de por termo ao processo cautelar, enquanto processo autônomo, e, em substituição, institucionalizar uma estrutura procedimental sincrética, leia-se, única, com possibilidade de convivência de medidas de urgência, concedidas quer em caráter preparatório, quer em incidental, em uma estrutura, enfatize-se, única, mas com regras, em parte, aplicáveis indistintamente às duas espécies do gênero medidas de urgência.

Nessa perspectiva, extinto, portanto, declaradamente, o instituto do processo cautelar autônomo, as medidas cautelares antecedentes devem ser processadas no processo principal, da mesma forma que a medida antecipatória, conforme interpretação extraída da disposição contida no art. 308 do novo CPC2. Disso resulta o primeiro paradoxo, porque não parece compreensível e muito menos significante que um procedimento antecipativo (ao quê?) vai simplesmente sofrer uma metamorfose para se tornar ação prin-cipal no mesmo corpus daquele outro.

Na hipótese de tutela cautelar preparatória efetivada, o requerente deverá formular o pedido prin-cipal em até 30 (trinta) dias, reitere-se, nos mesmos autos, caso não o tenha feito liminarmente (art. 308). Por outro lado, caso a hipótese seja de tutela antecipada preparatória efetivada, o autor tem ônus de aditar a inicial, “com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar” (vide art. 303, §1º, inciso “I”).

1 Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu funda-mento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303.

2 Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais. (Grifo nosso).

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Merece destaque, novidade tida como relevante, mas ainda pouco compreensível, com previsão no novo CPC, basicamente, no art. 304 e seus parágrafos, que é o instituto da estabilização da tutela de urgência antecipatória, segundo o qual “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso” pertinente, in casu, o agravo de instrumento (vide art. 1.015, inciso “I”), quer, v.g., em razão de perda de prazo, quer por ter ciência o réu de não ter ra-zões razoáveis para recorrer.

A estabilidade da tutela satisfativa deferida em procedimento preparatório/antecedente deve ser confirmada por sentença extintiva do feito (vide art. 304, §1º), e cuja eficácia deverá ser mantida, enquanto não configuradas as hipóteses legais.

A intenção do legislador é bastante explícita ao enfatizar que tutela deferida não fará coisa julgada, mas acarretará tão somente a estabilidade dos seus respectivos efeitos no plano material, querendo com isso afastar eventual confusão com aquele instituto, o da coisa julgada (Art. 304, §6º1), sobretudo, dentre outros motivos, o de ser esse instituto fruto de cognição exauriente, situação diversa nas tutelas preventivas de cog-nição superficial e, de regra, sem prévio contraditório e ampla defesa.

De imediato, vislumbra-se certa inspiração do legislador ordinário ao idealizar o novo instituto, da estabilidade da tutela, na técnica da monitória da forma como prevista no art. 1.102-C do CPC de 1973, in fine, no momento em que não apresentada defesa, “converte-se de pleno direito o título executivo judicial”, rectius: estabiliza-se uma decisão de cognição precária.

A possibilidade de revisão, reforma ou invalidação da tutela estabilizada, segundo os termos do novo CPC, dar-se-á por meio de um novo processo, nascido de ação autônoma de conhecimento proposta por qualquer das partes, dentro do prazo decadencial de dois anos “contados da ciência da decisão que extin-guiu o processo”, perante o Juízo da tutela estabilizada (vide art. 304, §§ 2º ao 6º).

De certo, mesmo que não decorrido in albis o prazo bienal, a decisão estabilizada não deverá, formal-mente falando, ser confundida com o instituto da coisa julgada, quer pelas características que individualizam tais institutos (ontologias respectivas), quer por falta de previsão expressa, a julgar pela previsão contida no já referido § 6º do art. 304.

Problemático se revela no mesmo modo o instituto da estabilização dessa espécie de tutela satisfativa antecipada e que melhor poderá ser enfrentado e delimitados os seus contornos à medida que forem se de-parando os técnicos operadores do Direito com os casos concretos.

Por fim, temos como outra tutela provisória a tutela de evidência, regulada no art. 311 e seus incisos “I” a “IV”, que, embora prescinda “da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado do processo”, está a depender o seu deferimento, alternativamente, “da caracterização do abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte”, ou “se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do obje-to custodiado, sob cominação de multa” ou, ainda, “se as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada com julgamentos de casos repetitivos ou em súmula vinculantes” e, por fim, “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”. Destaque-se que nessas últimas duas hipóteses, o juiz poderá decidir sem audição da parte contrária.

Sem dúvida, o legislador ordinário contou como matriz, no CPC de 1973, para idealização da tutela de evidência a previsão contida, v.g., no art. 273, II, e seu §6º2, porém não se restringiu apenas a essa hipó-tese, ao estendê-la a outras situações, conforme visto acima.

1 Art. 304 A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.§ 6o A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2o deste artigo.

2 Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

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Muito embora tenha sido expressa apenas a desnecessidade da configuração do requisito periculum in mora, conforme visto acima (art. 311, caput), as situações legais previstas para concessão da tutela de evidência revelam ter por pressuposto “a evidência do direito alegado” em grau mais revelador que a “pro-babilidade do direito”, da tutela antecipatória, por aproximar-se, embora em termos de probabilidade, da certeza do direito alegado, quer, v.g., em razão da sua evidência, quer por basear-se em prova documental irrefutável.

Acerca da tutela de evidência, merece registro o ensinamento do Ministro Luiz Fux, à época Desem-bargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, quanto aos direitos evidentes, doutrinando o seguinte:

A expressão vincula-se àquelas pretensões deduzidas em juízo nas quais o direito da parte revela-se evidente, tal como o direito líquido e certo que autoriza a concessão do mandamus ou o direito documentado do exeqüente. São situações em que se opera mais do que o fumus boni juris, mas a pro-babilidade de certeza do direito alegado, aliada à injustificada demora que o processo ordinário até a satisfação do interesse do demandante, com grave desprestígio para o Poder Judiciário, posto que injusta a espera determinada.3

3. CRÍTICA AO ARGUMENTO DA MUDANÇA LEGISLATIVA

Dentre outras pérolas, não parece fazer muito sentido arrancar da Teoria do Processo o Livro das Cautelares. Essas “inovações”, acima estimadas em rápidas pinceladas, mas suficientemente à formação desse juízo crítico, vão causar muito claramente retrocesso ao sistema jurídico-processual, ao desenrolar dos acontecimentos forenses e das enormes perplexidades que já vêm causando à comunidade dos operadores jurídicos.

A propósito, mudanças legislativas desnecessárias têm o signo do conservadorismo. Às vezes esse con-servadorismo atende a interesses corporativos bem específicos que resultam da luta de extratos sociais bem definidos, os quais atuam nos mesmos espaços sociais. O novo CPC permite ser interpretado mais como um manual de rotinas corporativas do que um diploma normativo que sirva realmente à nação.

Além disso, os problemas de inadequação processual correntes que geram dificuldades no provimento eficaz e qualificado da atividade forense e que acabam revelando a incapacidade do sistema para responder com justeza às exigências da Constituição e da contemporaneidade, decorrem muito mais da falta de massa crítica judicial satisfatória, principalmente, quer no quantitativo quer no qualitativo, muitíssimo mais do que do regramento legal do processo. Desvia-se, pois, do foco antropológico, raiz de toda a crise de Estado e, por extensão, do processo brasileiro, e parte-se para soluções meramente simbólicas, a exemplo de mudar por mudar a lei, fazendo de contas que se alterou um feixe de paradigmas, quando em verdade nada foi de fato transformado e tudo vai estar como antes, sem embargo do embaralhamento linguístico de termos e expres-sões vocabulares que se aplicou na novel legislação processual civil.

Já se constataram diversos sinais de rearranjo, a começar de vetos presidenciais a parte de seus dis-positivos, passando por manifestações sistemáticas de organismos da Adminstração da Justiça sobre como proceder e até não proceder, culminando, ao fim, na Lei nº 13.256, de 04 de fevereiro de 2016, que resolveu revogar parte significativa do novo CPC, como o processamento dos recursos nos Tribunais Superiores e a questão da preferência no atendimento dos processos, que já não obedecerá a ordem cronológica de conclu-

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)

3 In A Tutela dos Direitos Evidentes: http://pt.scribd.com/doc/84205229/A-Tutela-Dos-Direitos-Evidentes-Luiz-Fux#scri-bd. Acesso em 27/03/2016.

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são, confiando a conveniência de seus julgamentos à autoridade de juízes e tribunais. Novamente, o pouco em que se inovou tornou ao que era. Nada mudou também aqui.

Adicionem-se a isso as dificuldades pelo emprego de rotinas corrigentes também adequadas e satis-fatórias, um ciclo que continua agravado e parece mesmo imutável, haja vista as brechas autoritárias que insistem em conservar na Constituição da República, sem solução de continuidade.

Falta estímulo às carreiras judiciárias e todo o sistema permite o privilégio dos mais favorecidos. Os lobbies atuam nesse limbo com riscos à saúde institucional e ética do sistema, sobretudo à independência funcional dos juízes e à compostura profissional dos advogados. Isso tudo reflete no regular funcionamento da Administração da Justiça e na eficiência dos processos.

Acesso à Justiça sem defensoria pública suficiente, por exemplo, é apenas uma alegoria. Processo Ju-dicial eletrônico, enfiado goela abaixo da nação e sem interoperabilidade (requisito essencial da virtualização dos processos), traduz um outro dislate que alija do processo a muitos de cidadãos cegos e de baixa visão, além de muitos operadores com iguais condições. O PJe é proibido aos advogados cegos, por exemplo, apenas para realçar o absurdo! Ofende-se com isso o superior pensamento de Mauro Cappelletti sobre acesso à Jus-tiça, mas, sobretudo, ofende-se ao plexo de valores encartados na Constituição da República. Em nada disso se mexeu. Muito curioso, além de intrigante.

Os problemas do novo CPC não param só nas considerações relacionadas com a supressão do Livro do Processo Cautelar, substituído pelas denominadas Tutelas Provisórias. Vão além e estão mais relacionados com o despreparo do que com hipotética obsolescência da legislação preexistente. Com efeito, o legislador, premido pela grita social contra a morosidade da Administração da Justiça (que embalou a propaganda do novo CPC), suscitou, por exemplo, o chamado julgamento superantecipado da lide (art. 285-A, CPC/73), que consiste na formulação de juízos negativos propedêuticos da causa, caso em que se dispensa a citação do réu, por inútil.

Ocorre que desde o advento do CPC 1973, a legislação já cogitava do indeferimento da petição inicial por inépcia, sendo certo que por inépcia também se entende, desde logo, a impossibilidade jurídica do pedido (art. 295, parágrafo único, inc. I). Ora, o que teria sido o julgamento superantecipado da lide senão a repe-tição do que, anteriormente, já se compreendia pelo indeferimento da petição inicial? Só que nem todos os juízes leem de fato o desenho da causa como lhes cabe a um pronto tirocínio das causas, quando cabível, a partir da peça vestibular. O resultado dessa acomodação é justamente a eternização dos processos.

Parece claro que para a composição daquela que declaradamente se houve a principal preocupação do legislador ao editar o novo CPC, o combate à morosidade da prestação jurisdicional, a política de metas, incorporada de algum modo no novo Código, de fato não satisfaz. O que funciona pragmaticamente quanto a esse objetivo é ESTOQUE ZERO. Produzir decisões judiciais não é como colocar uma máquina para funcio-nar. Juízes não são “máquinas de produzir sentenças”, diria Eduardo Couture. O “fordismo” que enredaram para buscar outro pretexto de composição das mazelas da Justiça brasileira é um total contrassenso moder-nista.

Se o modelo de lege ferenda que se baseia na adequada execução das normas processuais vigentes se observasse, o que não dispensaria esforço e capacidade criativa e não arbitrária, mas enfatizaria o empenho na compreensão dos institutos, mediante o persistente manuseio do código na produção dos seus resultados, certamente não se teria pretexto histórico para se enfrentar um desafio inexistente, ilusório até: mudar a lei para continuar tudo do jeito que sempre esteve. O novo CPC, julga-se: é problema demais para solução de menos.

Outrossim, culpara legislação preexistente por um histórico já cronificado de desafeições às exigên-cias sociais relacionadas com o devido processo legal e à celeridade é tão impróprio como tentar empanar a excelência do Código de Processo da lavra do ideário jurídico de Alfredo Buzaid, que nenhum jurista, até agora, conseguiu jamais reescrever.

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O novo CPC, ao fim e ao cabo, é um claro desserviço à nação, mas um triunfo de editoras e escrevi-nhadores repetitivos. Sobre isto, não há mais o que escrever originalmente em matéria de processo civil no Brasil. Salvo as honrosas exceções - a exemplo da genialidade de Ovídio Batista -, tudo acaba sendo repetição, a despeito das linguagens empregadas nos compêndios, manuais e livros praticamente de “autoajuda” para concursos públicos que enchem, todavia, as Universidades do lixo que eles contém e na forma de sistemati-zação desses manuais, no palavreado sinonímico com que se postam as editoras a vender aquilo que o mer-cado exige.

A produção científica e original, esta, lamentavelmente, rareia por aqui. Boas obras, realmente origi-nais, como que só indo buscá-las noutros centros editoriais. Além disso, o cenário de efetividades continua a desejar, somente por causa de uma cultura de hipossuficiências que a autonomia dos tribunais não tem sido capaz de erradicar, exatamente pelas razões ideológicas nas quais vivem enredados ao longo da concepção e do desenvolvimento de suas próprias políticas corporativas, muito em função dos interesses de suas cúpulas. O Poder Judiciário ainda é um poder hermético e majestático, insuscetível de democratização interna. Em face desse histórico, compreende-se bem que as composições das carreiras sofrem estagnação seletiva e os profissionais de outras áreas se especializam comumente em agradar julgadores. Para muito além, ou aquém, das diretivas da Teoria Processual. O ciclo é vicioso e não se divisa paradeiro, porque as composições são as mesmas. O novo CPC não se propõe a cuidar desses cenários, e nem tampouco poderia por ser instrumento de natureza distinta. Sobre o mais, apenas mudam os personagens, mas a lógica do sistema não se altera. Tampouco se altera em função da mudança meramente cosmética do padrão normativo posto, pressuposto ou ainda proposto.

Com efeito, “sangue novo nos tribunais iria revitalizar a Justiça”, diria Franklin Delano Roosevelt, o pai do “New Deal” norte-americano. Todavia, para disfarçar, o sistema intenta a mudança da lei como apanágio para todos os males da Administração da Justiça. O novo CPC tem pérolas que vai arrepiar até os cabelos de quem não os tem. Nele o Estado se enxuga e até se esvazia em suas funções típicas para valorizar abertamente o agigantamento de certas categorias profissionais que, em que pese importantíssimas, sem dúvida, não são isoladas, antes atuam de forma interdependente e dialógica na estrutura do devido processo legal. Por isso mesmo, teria sido muito mais prudente que a presidente da República vetasse a tudo de uma só vez, antes que o desapontamento social se densifique ainda mais, e as pessoas deixem de acreditar de vez na Instituição da Justiça e nas leis do país.

Marchamos, entrementes, nessa direção, porque o novo CPC, já vigente e eficaz, é apenas mais do mesmo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda quando do curso da elaboração do novo CPC, em 2013, já discorríamos sobre os riscos do que se tornou resultado. 4

Fiadas naquelas observações estas linhas, do mesmo modo, intentaram trazer uma contribuição aos saberes aplicados em um instante histórico em que recrudesce a crise de identidade epistemológica e tam-bém gnoseológica da Teoria do Processo Cautelar como ferramenta indispensável à satisfação dos interesses juridicamente tutelados pela ordem normativa na ação do tempo e pela convergência social que reclama a pacificação das tensões em choque.

Inclui-se à ideia de crise o concerto progressivo de eliminar a autonomia legislativa do cenário norma-tivo dessa disciplina processual, marcada por uma recorrência frenética que decorre das utilidades práticas cada vez mais complexas e que são ordinariamente reclamadas pela contemporaneidade.

De algum modo, o ambiente suscitou a proposta de uma nova codificação processual civil com detri-mento ao Processo Cautelar. De fato, nesse contexto lancinante, se projetou a pura e simples supressão do Livro III, do então Código de Processo Civil de 1973, muito embora se enfatizando a principiologia do Pro-

4 Nogueira; Dantas, 2013, passim.

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cesso Cautelar em sede meramente cognitiva, ou ainda em outras topografias. Evidencia-se, pois, um esforço de sincretização - nem sempre razoável - das multiplicidades dos microssistemas processuais encartados na legislação codificada.

Ainda que se traduzam os seus enunciados com terminologias tidas como pós-modernas, fortemente imbricadas na tecnologia5, seu concerto essencial continua sendo universal e acrítico porque projeta mani-festações práticas sem cuja disciplina ostensiva não se pode compreender a ideia geral, inteiramente consti-tucionalizada, de efetivo acesso à Justiça.6 Até porque nem toda tutela de urgência implica necessariamente uma medida cautelar, específica ou inominada, e a falta de um regimento próprio pode gerar enormes difi-culdades, sobretudo hermenêuticas, na composição judicial dos casos concretos; porque, enquanto a medida cautelar propõe uma defesa vinculada a processo ou relação jurídica material distintos (tutela provisória), a antecipação da tutela jurisdicional importa em necessária cognição final de um direito subjetivo posto, de bem da vida certo e determinado (tutela definitiva). Paradoxalmente, esse amálgama epistemológico é o que foi gestado, entre nós, por iniciativa do Congresso Nacional, a partir de um Anteprojeto de Lei que ins-titui o novo Código de Processo Civil brasileiro que acabou editado e entrando em vigor pleno no último dia 18/04/2016, passado o período de vacatio legis.

Nada obstante, não se descura da complexidade potencial e efetiva de tais procedimentos. Desde as primeiras décadas do século passado, o pensamento jurídico já acentuava a predisposição de “penumbra” em que o Processo Cautelar sempre se houve estabelecido, muito embora se afigurasse, desde ali, como uma estrutura jurídica formidavelmente “fecunda”.7

Por isso, se tem aventado uma espécie de realismo fantástico em torno do Processo Cautelar, segundo o que terá sido ele esvaziado de sua substância jurídica e, como tal, perdido o seu sentido lógico. No limite, fala-se na inteira desmoralização das normas que o sedimentam no plano legislativo, já agora, também e principalmente em face do advento de dispositivos que, preconizando outras tutelas de urgência, acabam favorecendo a fungibilidade entre elas de um modo mais ou menos informal, superando “barreiras” atinentes ao devido processo legal, como princípio de segurança jurídica que se exclui por pretexto de eficácia, refe-rido ao procedimento cautelar específico. Era, por exemplo, a hipótese do §7º, do artigo 273, do Código de Processo Civil/73 (redação determinada pela Lei nº 10.444, de 07/05/2002), pelo qual ficava assegurado ao autor da ação de conhecimento - que pedira, a rigor, antecipação da tutela jurisdicional e não providência cautelar conservativa ou modificativa que garantisse o advento daquela tutela mesma - a possibilidade de lhe ser concedida incidentalmente, nada obstante a plataforma processual em que suscitada de modo indireto. Nesse caso, o incidente exclui a autonomia formal da medida cautelar supletivamente adotada e reflete um estado de descompromisso para com a teoria que lhe confere substância jurídica própria. O fenômeno agora se tornou mais palpável, recorrente e universal em face do advento do novo CPC (Tutelas Provisórias).

Sem embargo, autores de peso acreditam na correção do advento legislativo em referência sem levar em conta, porém, que a vida forense não é ordinariamente visitada pelas melhores intenções do legislador8, mas pelas relações utilitárias que se desprendem da prática processual como quando se prodigalizam reque-rimentos de um instituto por outro e ao mesmo tempo não se operam controles judiciais satisfatórios quanto às suas respectivas admissibilidades, sobretudo em razão da descontinuidade entre a demanda e a capacida-de funcional de responder a ela (morosidade da Justiça).9

5 “El empleo de tecnología en la gestión judicial está llamado, más que a desempeñar un papel meramente instrumental, a cons-tituirse en un factor estratégico insdispensable dentro del proceso de modernización y de mejora del servicio al ciudadano por parte de la Administración de Justicia.” (Bielsa; Brenna, 1996, p. 59.)

6 Cappelletti; Garth, 1988, p. 15.

7 Calamandrei, 2000, p. 8.

8 Luz, 2006, passim.

9 “...é verdadeiramente correta, útil e oportuna a inovação trazida pela segunda Reforma, ditando a fungibilidade entre medi-das cautelares e antecipatórias.” (Dinamarco, 2009, p. 69.)

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Com efeito, não é pela eliminação pura e simples dos objetos que se vai enfrentar adequadamente os problemas que, na ordem jurídica, convergem para uma “Epistemologia da Complexidade”.10 De acordo com uma proverbial lição de Carnelutti: “Infelizmente, a reserva, para não dizer o desprezo, que os técnicos nutrem pelos cientistas é muitas vezes paga com usura, e é o fruto de uma mesma soberba.”11

Evidente que não se faz proselitismo da dogmática jurídica em um território gnoseológico de índole eminentemente prática, cujos domínios somente são plenamente alcançados pela hermenêutica12, em um momento de grandes transformações sociais, altamente complexas, e de variáveis tecnológicas de ponta, quiçá indescritíveis.13 Julgar sem norma, todavia, equivale a arbítrio e o produto desse arbítrio é sempre uma intolerável “antinomia jurídica”.14

Portanto, a ciência seria estática se não se reconstruísse pela ação dos novos pensadores científicos que se sucedem de geração em geração; e também seria esotérica se não levasse em consideração os fun-damentos universais que a informam desde os primórdios, muito embora revestidos de crescente aprofun-damento e compreensão essencial. O acriticismo científico é, portanto, um non sense. Por isso, não gera substância racional e lógica capaz de suportar sua própria construção que se aperfeiçoa ao longo da história e, como dito, mediante o empenho das gerações de pensadores que se sucedem.

A criticidade reside na capacidade de transmitir informações e saberes para qualquer pessoa em qualquer lugar e a qualquer momento é, realmente, uma das maiores conquistas da humanidade em todos os tempos. Pensar essa atitude no meio acadêmico é conferir-lhe o estado de excelência que se persegue institucionalmente, apesar de toda conjuntura. Parece evidente que no Brasil as conjunturas políticas que tratam da educação pública são ainda desastrosas. Mas, há saliências positivas que convém sejam exploradas em face do futuro.

Nesse sentido, a experiência didático-científica dos autores quer lançar âncoras à comunidade jurídi-ca e estes o fazem na esperança de que a crítica mais abalizada possa realmente aprimorar o presente esforço de construção teórica da disciplina cautelar, ora em foco das mais argutas inteligências.

A humildade que eleva e que engrandece é a marca que consagra o espírito científico e o valor de suas produções.

Espera-se que, sob tais considerações e espiritualidade, possa o trabalho vertente abranger uma pauta mais ou menos abrangente de quantos se preocupem com o importante tema dos procedimentos cautelares e do que eles representam, ontem como hoje, para a Teoria do Processo e para a estabilidade das relações sociais na contemporaneidade, marcadamente ao advento do novo Código de Processo Civil, o qual parece ter trazido mais problema do que solução ao mundo jurídico.

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10 Carneiro, 2009, pp. 37-40.

11 Carnelutti, 2005, p. 85.

12 Silva, 2006, pág. 1.

13 “O olhar sobre o mundo é conduzido pelo contínuo flutuar de um não-saber, que se renova pela inclusão e pela exclusão de corajosas aquisições de uma tradição milenar.” (Giorgi, 2006, p. 205.)

14 Bobbio, 1989, p. 81.

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RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Rodrigo Medeiros Lócio

Pós-graduando em Direito Público pela PUC-MG e em Direito Civil pela Anhanguera. Atualmente, é Técnico Judiciário, exercendo suas atribuições em Gabinete de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco com competência privativa em matéria Civil.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Relativização da coisa julgada inconstitucional. 2. A coisa julgada diver-gente da decisão do supremo tribunal federal. 3. A coisa julgada injusta inconstitucional. 4. Conclu-são. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o tema da flexibilização da coisa julgada vem sendo objeto de constante reflexão por parte dos operadores do direito. Não há, contudo, até o presente momento, solução efetiva para diversos problemas de ordem prática e teórica oriundos desse gradual processo de tentativa de afastar do instituto da res iudicata a rigidez que lhe é peculiar, tornando-o mais dinâmico e atento às circunstâncias casuísticas.

Com efeito, mesmo nos dias atuais, doutrina e jurisprudência costumam divergir bastante quando se está diante de situações que, em tese, clamam pela mitigação da coisa julgada. Afinal, o instituto da coisa julgada é um instrumento essencial à segurança jurídica, sendo considerado um dos corolários do estado Democrático de Direito.

Nessa linha de pensamento, parte da doutrina processualista, considerando os benefícios trazidos pelo instituto da res iudicata, colocam-no no ápice do ordenamento normativo, entendendo, assim, que, uma vez transitada em julga-do a decisão judicial e esgotados os meios para sua impugnação, nada mais poderia ser feito visando a sua desconstitui-ção. Assim, a doutrina clássica no direito processual possui entendimento no sentido de que a situação jurídica, objeto da sentença ou acórdão, perpetua-se. Tal entendimento é embasado sob a fundamentação de que o instituto da coisa julgada constitui dogma jurídico como forma de propiciar segurança jurídica e estabilidade às decisões judiciais, sendo um direito fundamental - contido no art. 5 º, XXXVI, da Constituição Federal - e, portanto, cláusula pétrea, nos termos do art. 60, §4º, IV da CF/88.

Em contraposição ao entendimento supramencionado, diversos doutrinadores enfrentam a possibilidade de fle-xibilização do princípio da segurança jurídica em face da jurisdição constitucional, uma vez que, diante da interpretação da Constituição Federal sob o prisma do princípio da Unidade, deve ser ponderada, em cada caso concreto, a segurança jurídica em face de decisão eivada de inconstitucionalidade. Em outras palavras, há quem defenda a necessidade de ser perquirir acerca da possibilidade de reputar subsistente uma decisão judicial contrária à Magna Carta. Neste viés, afir-ma-se, basicamente, que, em sendo o Poder Judiciário um Poder constituído e não constituinte, suas decisões deveriam se adequar ao regramento constitucional, sob pena de se verificar uma autocracia jurisdicional pela falta de legitimidade constitucional.

Apesar desse rumo inicial, aprofundando no estudo da referida corrente, não se observa um consenso porme-norizado na fundamentação específica de quais casos permitiriam a desconsideração da coisa julgada inconstitucional, e quais os meios processuais adequados a se impugnar a decisão imutável.

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Portanto, o presente estudo científico, objetiva apontar a adoção de perspectivas e considerações pos-síveis no sentido da flexibilização da coisa julgada inconstitucional.

2. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Adota-se no presente artigo a corrente doutrinária que defende que a “coisa julgada material corres-ponde à imutabilidade da declaração judicial sobre o direito da parte que requer alguma prestação jurispru-dencial” (MARINONI, 2006, p. 630), sendo o objeto deste estudo a possibilidade ou não de mitigação da cha-mada coisa soberanamente julgada, ou seja, aquela na qual transcorreu in albis o prazo para o ajuizamento da ação rescisória.

A divergência quanto ao tema é imensa, havendo doutrinadores a exemplo de Barbosa Moreira, Nel-son Nery Junior, Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart, que são contrários à relativização, sob a ótica de que a coisa julgada é uma garantia constitucional, o que, por si só, obstaria a relativização, sob pena de afronta à segurança jurídica. Por outro lado, existem autores, à guisa de José Augusto Delgado, Carlos Valder, Humberto Theodoro Junior, Juliana Cordeiro de Faria, Candido Rangel Dinamarco e Alexandre Frei-tas Câmara, que tem sustentado ser necessário reconhecer que, em alguns casos, a coisa julgada não pode subsistir, devendo ser reconhecida a possibilidade de afasta-la.

Nelson Nery Junior defende a absoluta impossibilidade de relativização da coisa soberanamente jul-gada, independentemente de a decisão ser justa ou injusta, constitucional ou inconstitucional, uma vez que a coisa julgada é o elemento do Estado Democrático de Direito, e desconsiderá-la seria violar o princípio fun-damento da democracia, o que é intolerável e possível apenas em regimes nazistas ou totalitários, concluindo que, por ser instrumento de pacificação social, “quando há a coisa julgada as partes devem submeter-se à sua autoridade, qualquer que tenha sido o resultado da sentença (inevitabilidade da jurisdição)” (JUNIOR, 2004, p. 505).

No mesmo sentido, inclina-se Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, 2004, P. 149) pela impossibili-dade da coisa julgada inconstitucional, justificando que o mínimo que se espera do Poder Judiciário é a esta-bilização da vida do cidadão após o encerramento do processo que definiu o litígio. Nessa linha de raciocínio, pontua o citado doutrinador que o problema da justiça/injustiça da decisão não justifica a tese da relativização da coisa julgada, cujo relacionamento se dá não com o princípio da justiça, mas com o princípio da segurança dos atos jurisdicionais.

Todavia, parece que essa linha de raciocínio não pode prosperar, pois, conforme bem ponderado por Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro Faria, não há insegurança maior do que a violação à magna carta do ordenamento jurídico. (JÚNIOR, 2011, p. 79)

Realmente, a hipótese aventada não se coaduna com a dogmática contemporânea e com outros as-pectos do direito constitucional. Com efeito, embora a coisa julgada seja uma garantia constitucional assegu-rada à parte que integrou relação processual e obteve prestação jurisdicional, no sentido de que a situação jurídica não seja modificada, não se pode atribuir à coisa julgada uma natureza intangível e absoluta, máxime quando estiver em confronto com outros direitos fundamentais de igual hierarquia e importância, até por-que, como é cediço, não há princípios absolutos.

A propósito, é importante destacar que os direitos fundamentais – interpretados como princípios, a exemplo da segurança jurídica conferida pela coisa julgada – não são absolutos e ilimitados (MORAES, 2003, P. 61). Isto porque, os princípios - ao contrário das regras - por sua estrutura e natureza, podem ser aplicados com maior ou menor intensidade sem que isso lhes afete a validade.

Desse modo, diante da colisão de direitos fundamentais deve ser utilizada a técnica da ponderação de valores para a solução dos casos de colisão de direitos fundamentais, a qual consiste em sopesar os princípios (direitos fundamentais) envolvidos no caso concreto para que seja determinado qual deve prevalecer.

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Neste viés, a técnica da ponderação ou sopesamento consiste no meio de conciliação de princípios em tensão, em que cada qual é aplicado na medida em que melhor contribui para a justiça em um caso concreto. Sobre a técnica da ponderação, o Ministro Luís Roberto Barroso apresenta a brilhante lição:

A ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica aplicá-vel a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficien-te, sobretudo quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de nor-mas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas. (BARROSO, 2004, p. 23)

Defende, ainda, que na técnica da ponderação de interesses “todo esse processo intelectual tem como fio condutor o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade”.

Cândido Rangel Dinamarco, defendendo a relativização da coisa julgada inconstitucional, assevera que nenhum princípio ou direito fundamental pode renegar de modo absoluto os demais princípios ou valores presentes da Constituição. Assim, pontua que, havendo colisão, um deles deve ceder posição ao outro após procedida uma ponderação ou interpretação razoável de qual princípio deve prevalecer na situação concreta, concluindo, pela propriedade e a legitimidade sistemática da locução aparentemente paradoxal, coisa julgada inconstitucional (DINAMARCO, 2001, p. 32). Na mesma linha, assevera o Min. Teori Albino Zavascki:

A coisa julgada não é um valor constitucional absoluto. Trata-se, na verdade, de um princípio, como tal sujeito a relativização, de modo a possibilitar a convivência harmônica com outros princípios da mesma hierarquia existen-tes no sistema. Por exemplo: o da imparcialidade do juiz, o da boa-fé e da seriedade das partes quando buscam a tutela jurisdicional, o da própria coisa julgada e mesmo o da justiça da sentença quando comprometida de modo manifesto. Nos casos em que tais valores possam ficar comprometidos, rela-tiviza-se a imutabilidade das sentenças, propiciando a correção de injustiça. (ZAVASKI, 2001, p. 126)

Vê-se, pois, após esta breve digressão sobre a relativização dos direitos fundamentais, que a segurança jurídica conferida pela coisa julgada não é absoluta, já que, caso a decisão judicial contrarie princípios ou re-gras constitucionais, poderá a referida garantia ser relativizada, notadamente através do emprego da técnica de ponderação de direitos fundamentais (CAMARA, 2003, p. 194).

Este entendimento, inclusive, vem sendo adotado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, cujo precursor inicial da tese no referido Tribunal foi o Desembargador Francisco Cavalcanti (Proc. nº 200283000115407, AMS88924/PE, Rel. Des. Francisco Cavalcanti, 2ª T., DJ de 25/05/2005, p. 999), sendo, a matéria, atualmente, adotada pela maioria da corte (Em sentido contrário, apenas a 3ª T., no julgamento do Proc. nº 00051447420104058100 (AC541500/CE), de relatoria do Desembargador Federal Luiz Alberto Gur-gel de Faria, DJ de 27/06/2012, p. 350.), consoante precedentes firmados no AG 103056/ALe na AC 497536/AL.( PROCESSO: 200905001126008, AG103056/AL, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL GERAL-DO APOLIANO, Terceira Turma, JULGAMENTO: 08/03/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 11/04/2012 - Página 224; PROCESSO: 200880010006878, AC497536/AL, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FRAN-CISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 15/12/2011, PUBLICAÇÃO: DJE 19/12/2011 - Pá-gina 407)

Destarte, apesar de parte do Tribunal Regional Federal da 5ª Região entender pela possibilidade da flexibilização da coisa julgada inconstitucional, em busca realizada no sítio eletrônico da corte apenas foram encontrados precedentes adotando a referida tese em casos cuja a matéria já havia sido objeto de controle pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, não tendo sido apreciadas questões subjetivas quanto à constitucio-nalidade de determinado julgado em específico.

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Merece ressalva, todavia, que, apesar dos autores acima citados defenderem a importância da flexi-bilização da coisa julgada inconstitucional, costuma-se observar que tal só deve ocorrer em casos extremos, não devendo ser banalizado, sob pena de tender à destruição da segurança jurídica.

Entrementes, a despeito do vasto posicionamento doutrinário entendendo pela possibilidade da re-lativização da coisa julgada inconstitucional, é importante ressaltar, consoante já destacado, a existência de duas hipóteses que ensejariam a relativização, sendo a primeira representada pelas decisões que possuem como fundamento norma ou interpretação declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, e a segunda configurada nos julgados que produzam extrema injustiça, em afronta clara e inaceitável a valores constitucionais essenciais ao Estado Democrático de Direito, o que passará a ser analisado.

3. A COISA JULGADA EM DESCONFORMIDADE COM DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A chamada “coisa julgada inconstitucional”, segundo parte da doutrina, é a sentença transitada em julgado que teve por fundamento lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Fe-deral em controle concentrado de constitucionalidade, passando a ter amparo normativo após as alterações legislativas nos arts. 741, parágrafo único e 475-L, §1º, do CPC.

Inicialmente, convém destacar que a doutrina majoritária, baseada no princípio da constitucionalida-de, passou a tentar garantir que qualquer ato do Poder Público esteja de acordo com a Constituição. Nessa linha de raciocínio, o princípio da constitucionalidade deveria ser aplicado a toda a categoria dos atos ema-nados do Poder Público, não importando se praticados pelo executivo, legislativo ou judiciário, uma vez que atos inconstitucionais podem emanar de todos os agentes públicos e serem perpetradas por diversos modos, estando, sempre, sujeitos a controle pelo judiciário.

Paulo Otero ensina que “como sucede com os outros órgãos do poder público, também os tribunais podem desenvolver uma atividade geradora de situações patológicas, proferindo decisões que não executem a lei, desrespeitem os direitos individuais ou cujo conteúdo vá ao ponto de violar a Constituição” (OTERO, 1993, p. 123). Não restam dúvidas, portanto, que uma decisão judicial amparada em lei posteriormente de-clarada inconstitucional, também deve ser considerada ato contrário ao texto constitucional.

Inexiste, todavia, consenso a respeito das consequências dessa constatação.

Nos dias atuais, seja em controle concentrado de constitucionalidade, seja – ao menos em casos ex-cepcionais – em controle difuso (a objetivação do controle difuso), a decisão do STF que declara a inconsti-tucionalidade de lei, ato administrativo ou decisão judicial ocasiona a nulidade das normas ou atos viciados, possuindo, em tese, efeitos retroativos (ex tunc) e oponíveis contra todos (erga omnes), além vincular os demais órgãos do judiciário e do executivo (MORAES, 2006, p. 687).

Em relação aos efeitos retroativos da decisão que declara a inconstitucionalidade da norma, o jurista Ivo Dantas defende:

Se a lei é nula (para alguns inexistentes), a situação a ser atingida pela in-constitucionalidade é aquela referente ao momento em que a norma entrou em vigor, e não aquela em que se proferiu a sentença de Inconstitucionalida-de, pelo que os efeitos retroagem e, evidentemente, se protraem, produzindo, assim, efeitos ex tunc e ex nunc.

Uma análise feita na jurisprudência de nossos tribunais aponta no sentido de que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, retroagem e se protra-em, exatamente por entenderem que a Lei viciada, é Lei Nula ou Inexistente e, portanto, não criam direitos nem deveres.

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E, assim, conclui, expondo:

Todas as vezes que falamos em lei ou ato, incluímos no raciocínio a decisão judicial, isto porque, na lição de Paulo Otero, citado por Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, “admitir resignados, a insindicabilidade de decisões judiciais inconstitucionais seria conferir aos Tribunais um poder absoluto e exclusivo de definir o sentido normativo da Constituição: Cons-tituição seria o texto formalmente qualificado como tal; Constituição seria o direito aplicado nos tribunais, segundo resultasse da decisão definitiva e irrecorrível do juiz. (DANTAS, 2002, p 592)

Sob essa ótica, parcela considerável de juristas entende que a sentença, na condição de ato estatal, caso amparada em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pode ser desconstituída a qualquer tempo, uma vez que, em regra, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade seriam retroativos e oponíveis erga omnes. Merece ressalva, apenas, a questão da possibilidade de a Corte Suprema proceder à modulação dos efeitos da decisão, conforme dispõe o art. 27 da Lei 9.868/1999, o que, caso ocorra na decisão paradigma, pode evitar o surgimento de controvérsia acerca da possibilidade ou não de rescisão das sentenças amparadas na lei declarada inconstitucional.

Por outro lado, em sentido contrário ao exposto, Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart defendem que a coisa julgada não se sujeita – ou poderá se sujeitar – aos efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade, sendo imune a eles. Inclusive, pontuam os autores que, segundo o Min. Gilmar Men-des, a coisa julgada seria uma das ressalvas aos efeitos retroativos da declaração de inconstitucionalidade (MARINONI,2006, p. 673). No mesmo sentido é a lição de Clèmerson Merlin Clève, para quem “a coisa julgada consiste num importante limite à eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade” (CLEVE, 1995, p. 169).

Inclusive, esse entendimento já foi agasalhado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, consoante se verifica em recente julgado, no Recurso Extraordinário nº 592912, relatado pelo Ministro Celso de Melo, no qual restou ementado que a “superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal, declarató-ria de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia “ex tunc” - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperá-vel à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, “in abstracto”, da Suprema Corte.” (RE 592912 AgR, rel. Min. Celso de Mello, 2ª T., DJe de 22/11/2012).

Todavia, a questão da relativização da coisa julgada inconstitucional ainda não é pacífica, posto que, em outros julgados (RE 363889, rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe de 16/12/2011.), o Pleno do Su-premo Tribunal Federal já autorizou a flexibilização.

4. A COISA JULGADA INJUSTA INCONSTITUCIONAL

Há quem defenda a flexibilização da coisa julgada injusta inconstitucional. Fundamentalmente, a “coisa julgada injusta inconstitucional” ocorre quando a decisão judicial de mérito transitada em julgado causa extrema injustiça, com ofensa clara e direta a preceitos e valores constitucionais fundamentais.

Conforme defendido por Norberto Bobbio (BOBBIO, 1997, p. 14/15), a justiça deveria estar sempre em conformidade com a lei, e, sendo a Constituição a mais importante de todas as leis, pode-se afirmar que uma decisão judicial que contraria seu texto é injusta ou violadora do princípio da justiça. O ideal de justiça, portanto, pode ser considerado um fim social, do mesmo modo que a igualdade e a liberdade. Neste ponto, Cândido Rangel Dinamarco, com muita propriedade, defende a relativização da coisa julgada e sustenta não ser legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas (DINAMARCO, 2001, pg.

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32/43), estando na mesma linha de raciocínio do Ministro aposentado José Delgado (DELGADO, 2003, p. 45/61). Os citados autores defendem, assim, que as decisões judiciais, ainda que protegidas pela garantia da coisa julgada, não poderiam subsistir diante de afronta à justiça.

Outrossim, a relativização da coisa julgada inconstitucional, nas palavras do Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, “justifica-se em face dos princípios da isonomia e da segurança jurídica, além de outro valor de imensa grandeza, garantido constitucionalmente, que é a justiça das decisões judiciárias” (Proc. nº 200782000059734 (AC469563/PB), rel. Des. Francisco Cavalcanti, 1ª T., DJE de 12/11/2009, p. 144).

Com efeito, a injustiça da decisão também é vista, muitas vezes, sob o prisma da isonomia, uma vez que não existe situação mais injusta do que aquela na qual dois sujeitos submetidos a mesma hipótese rece-bem tratamento diferenciado. Analisando a questão sob a ótica do princípio da isonomia, convém destacar a lição de Tereza Arruda Alvim Wambier, ipsis litteris:

O princípio da isonomia se constitui na idéia de que todos são iguais perante a lei, o que significa que a lei deve tratar a todos de modo uniforme e que correlatamente as decisões dos Tribunais não podem aplicar a lei de forma diferente a casos absolutamente idênticos, num mesmo momento histórico. De fato, de nada adiantaria a existência de comando constitucionalmente dirigido ao legislador, se o Poder Judiciário não tivesse que seguir idêntica orientação, e pudesse decidir, com base na lei, no mesmo momento histórico (ou seja, sem que fatores históricos possam influir no sentido que se deva dar à lei) em face de idênticos caso concretos, de modos diferentes. Esses princípios têm, portanto, aplicação, por assim dizer, “engrenada”, funcionan-do ambos como pilares fundamentais da concepção moderna de Estado de Direito. [...] Do contrário, se verão feridos de morte o princípio da legalidade e da isonomia. (WAMBIER, 2003, p. 59/60)

Assim, tomando-se a igualdade sob o viés da justiça, a Constituição deve valer de forma igualitária para regrar a conduta de todos e ter suas normas aplicadas com isonomia perante situações fáticas equiva-lentes.

Sobre a relativização da coisa julgada injusta inconstitucional, o Pleno do Supremo Tribunal Federal já admitiu a relativização da res iudicata formada em ações de investigação de paternidade, nas quais não fora possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético, em razão da ausência de realização do exame de DNA, sob a fundamentação da prevalência do direito fundamental à busca da identidade genética em detrimento da coisa julgada, consoante decidido no Recurso Extraordinário nº 363889, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, publicado no DJe de 16/12/2011. A mesma tese, em casos idênticos, também já foi acolhida pelas turmas compõem a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. no julgamento do AgRg nos EDcl no REsp 1201791/SP, rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., DJe de 03/06/2013.

Por sua vez, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça já admitiu, em diversas oportunidades, a relativização da coisa julgada inconstitucional em hipóteses nas quais: (i) a sentença declara existente um fato que não está adequado à realidade; e (ii) a sentença não atende ao princípio da justa indenização fixada em ação de desapropriação. (REsp 1015133/MT, rel. Min. Eliana Calmon, rel. p/ acórdão Min. Castro Meira, 2ª T., DJe de 23/04/2010).

Nas situações julgadas pelas Cortes Superiores, caso não se admitisse a relativização da coisa julgada, extremas injustiças seriam - porquanto amparadas pelo manto da coisa soberanamente julgada - eternizadas, o que não é admissível no ordenamento jurídico brasileiro.

Ocorre que, como ressaltado pelo professor Glauco Salomão, essa posição acaba assumindo “a exis-tência de um antagonismo entre, de um lado, a segurança jurídica, representada pela manutenção da coisa julgada, e de outro, a justiça, representada pela sua flexibilização” (LEITE, 2006, p. 163).

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Por certo, não há como estabelecer critérios objetivos para aferição da existência da injustiça, ou mesmo para medir sua seriedade ou gravidade, cabendo, assim, ao julgador, diante do caso concreto, realizar uma interpretação subjetiva. Por essa razão é que diversos doutrinadores criticam a relativização da coisa julgada na hipótese em apreço, pois estar-se-ia franqueando “ao Judiciário uma cláusula geral de revisão da coisa julgada, que pode dar margem a interpretações das mais diversas em prejuízo da segurança jurídica” (DIDIER, 2009, p. 442).

Conforme leciona Alexandre Freitas Câmara, o grande problema é que “a parte vencida sempre po-deria fazer ressurgir a discussão sobre a matéria já definitivamente decidida, ficando qualquer juiz autorizado a reapreciar a matéria” (CAMARA, 2003, p. 466), considerando que é natural que a parte vencida não se conforme com os resultados negativos e contrários aos interesses pessoais.

Sobre as consequências da relativização sob o fundamento da injustiça, Araken de Assis faz advertên-cia bastante pertinente, in verbis:

Aberta a janela, sob o pretexto de observar equivalentes princípios da Carta Política, comprometidos pela indiscutibilidade do provimento judicial, não se revela difícil prever que todas as portas se escancararão às iniciativas do vencido. O vírus do relativismo contaminará, fatalmente, todo o sistema ju-diciário. Nenhum veto, a priori, barrará o vencido de desafiar e afrontar o re-sultado precedente de qualquer processo, invocando hipotética ofensa deste ou daquele valor da Constituição. A simples possibilidade de êxito do intento revisionista, sem as peias da rescisória, multiplicará os litígios, nos quais o órgão judiciário de 1° grau decidirá, preliminarmente, se obedece, ou não, ao pronunciamento transitado em julgado do seu Tribunal e até, conforme o caso, do Supremo Tribunal Federal. Tudo, naturalmente, justificado pelo respeito obsequioso à Constituição e baseado na volúvel livre convicção do magistrado inferior. (ASSIS, P. 12/13)

Na mesma direção o professor Glauco Salomão aduz que “a tese da flexibilização que toma a “justiça” ou a “injustiça” da decisão como parâmetro para a relativização da coisa julgada pode conduzir a perpetuação das discussões judiciais com o inevitável aniquilamento da garantia constitucional da coisa julgada. Em sínte-se, a busca pela decisão “justa” poderia se arrastar ad eternum com o consequente esvaziamento normativo da garantia constitucional. ’ (LEITE, 2006, p. 165/166).

Todavia, a segurança jurídica não deve ser vislumbrada como fonte de eternização de injustiças, mas como um instrumento de defesa da segurança jurídica, e, havendo injustiça, segurança jurídica não há, a menos que se adote uma concepção essencialmente formalista desta última.

Gisele Mazzoni Welsch, sobre a segurança jurídica, destaca que esta deve ser observada sobre um prisma maior: a própria garantia do Estado Democrático de Direito, que busca a efetiva garantia dos preceitos constitucionais, mesmo que para isso seja necessário lançar mão da imutabilidade da coisa julgada (WELSH, 2008, p. 69).

A segurança jurídica deve, então, ser manejada como mais uma forma de se evitar a coisa julgada inconstitucional, fazendo prevalecer os demais valores que ela representa. Verifica-se, assim, que a relativi-zação da coisa julgada injusta inconstitucional depende da ponderação de interesses constitucionais, o que é feito pelo magistrado diante do caso concreto.

Compartilha-se, pois, do entendimento da Min. Maria Thereza de Assis Moura (REsp 883.338/AL, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJ de 01/10/2007, p. 380), segundo qual a solução a ser adotada deve ser um meio-termo, pois a tese da relativização da coisa julgada inconstitucional não pode ser utilizada como regra, mas sim como exceção, verificada caso a caso, sob pena de ser banalizada e, assim, enfraquecer a figura da coisa julgada (erigida à categoria de direito fundamental) e dificultar ainda mais a

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luta pela segurança jurídica, princípio que deve permear toda a atividade jurisdicional, sobretudo para que as decisões do Poder Judiciário tenham a força que um estado democrático reclama.

5. CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho científico, buscou-se estudar a possibilidade de relativização da coisa julgada inconstitucional, delimitando os entendimentos favoráveis e contrários à mitigação da res iudicata, analisan-do os casos concretos em que os Tribunais brasileiros se depararam com essa tese e delimitando os meios instrumentais de flexibilização da coisa julgada inconstitucional.

Adotou-se neste estudo a corrente doutrinária que entende pela possibilidade da relativização da coisa julgada inconstitucional, uma vez que a segurança jurídica conferida pela res iudicata não é absoluta, posto que, caso a decisão judicial contrarie princípios ou regras constitucionais, poderá a garantia em questão ser relativizada mediante o emprego da técnica de ponderação dos direitos fundamentais.

Com efeito, pelo demonstrado e seguido neste trabalho, parece existir uma convergência, para os que defendem a relativização da coisa julgada, no sentido de que o melhor método de análise para a escolha da preponderância de um princípio sobre o outro é o da ponderação de interesses, amparado pelo também princípio constitucional da proporcionalidade, que, no caso concreto, deverá ser utilizado como um norte na solução do conflito.

Todavia, é evidente que o tema ainda necessita de uma maior definição, em especial por parte da jurisprudência dos tribunais superiores, levando-se em conta a sua relevância, na medida em que envolve um conflito de interesses fundamentais entre a segurança jurídica e a justiça, máxime porque no momento existem decisões controvertidas sobre a admissibilidade da tese no Supremo Tribunal Federal, enquanto que o Superior Tribunal de Justiça já a admitiu, embora em hipóteses restritas.

Pelo exposto, conclui-se pela possibilidade da relativização da coisa julgada inconstitucional, levando em consideração as ponderações do caso concreto posto em análise, constituindo o tema em apreço, assim, um instituto cabível para impedir a perpetuação de injustiças.

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TUTELA ESPECÍFICA DE PRESTAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL:

PECULIARIDADES TRADICIONAIS E INOVAÇÕES INSTRUMENTAIS NA BUSCA PELA EFETIVIDADE PROCESSUAL

Sergio Torres Teixeira

Doutor em Direito. Desembargador do TRT6. Professor Adjunto da UNICAP e FDR/UFPE. Diretor da ESMATRA6. Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Marista do Recife. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Tutela Específica. 2. Peculiaridades Tradicionais na Disciplina Legal das Prestações de Fazer e de Não Fazer; 3. Inovações na Execução de Prestações de Fazer e de Não Fazer no Novo CPC; 4. Conclusões; Referências

1. INTRODUÇÃO

O moderno modelo processual judicial, além da sua função primordial de pacificar com justiça, tem como escopo técnico a entrega de uma tutela jurisdicional adequada para aquele litigante cujo direito foi reconhecido em juízo, proporcionando a este dentro de um prazo razoável aquela proteção estatal apta a gerar a sua plena satisfação. Ou, ao menos, uma satisfação materialmente possível, alcançável pela atividade jurisdicional do Estado, considerando as dificuldades inerentes ao fenômeno processual, desde obstáculos intrínsecos como os relacionados à retratação nos autos do quadro fático mais fiel possível à “verdade real”, até os problemas extrínsecos ligados à passagem do tempo durante o curso da relação processual.

Nesse sentido, a efetividade do processo judicial, a sua eficiência na consecução das suas metas origi-nalmente planejadas, é diretamente vinculada à sua capacidade de gerar tal satisfação do jurisdicionado cuja pretensão foi acolhida. A aferição da grau de efetividade do modelo processual pela sua aptidão em atender às expectativas dos “vencedores” da demanda judicial, aliás, tende a ser um dos critérios mais adequados para a análise crítica acerca das várias dimensões de acesso à justiça.

Diante de tal contexto, contudo, mesmo considerando o nível de satisfação dita “possível” (em con-traponto à satisfação plena idealizada pela doutrina processual, contudo, nem sempre é fácil a obtenção de tal contentamento ao final de um processo judicial. Especialmente quando a prestação jurisdicional a ser cumprida pelo litigante condenado a adimplir a respectiva obrigação consiste em uma conduta comissiva ou omissiva. Ou seja, quando se trata de uma prestação de fazer ou de não fazer a ser realizada por aquele sentenciado a cumprir a determinação judicial.

Inúmeros são os obstáculos enfrentados pelo Estado-Juiz ao buscar impor ao devedor o cumprimento de tal espécie de prestação, desde as limitações relacionadas aos meios de coerção que podem ser utilizados para estimular o adimplemento da obrigação até a própria dependência na colaboração do jurisdicionado “derrotado” para se obter o cumprimento específico da prestação. Em virtude de tais empecilhos, o legislador pátrio tem oferecido aos usuários do sistema processual uma série de ferramentas destinadas exatamente a superar tais dificuldades e garantir a entrega de uma tutela jurisdicional satisfatória.

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O presente texto se destina exatamente a examinar os impactos gerados pelo novo Código de Proces-so Civil sobre a execução de prestações de fazer e não fazer. À missão.

2. TUTELA ESPECÍFICA

A tutela a ser promovida por provimentos judiciais geradores de efeitos que “acolhem” a pretensão do “vencedor” beneficiado pelo julgamento do Estado-Juiz, deve preferencialmente ser a chamada tutela específica.

Segundo Ada Pelegrini Grinover, a tutela específica deve ser

entendida como conjunto de remédios e providências tendente a proporcio-nar àquele em cujo benefício se estabeleceu a obrigação o preciso resultado prático que seria pelo adimplemento. Assim, o próprio conceito de tutela específica é praticamente coincidente com a ideia da efetividade do processo e da utilidade das decisões, pois nela, por definição, a atividade jurisdicional tende a proporcionar ao credor o exato resultado prático atingível pelo adim-plemento. Essa coincidência leva a doutrina a proclamar a preferência de que goza a tutela específica sobre qualquer outra. (1995, p. 1.026)

Noutras palavras, a tutela específica é exatamente aquela tutela jurisdicional adequada, conforme previsão em lei ou em contrato, para reparar o dano já causado (quando uma tutela reparatória) ou prevenir o dano que ameaçava se materializar (quando uma tutela preventiva).

A tutela específica, assim, ocorre quando o provimento jurisdicional proporcionar, na medida do materialmente possível, exatamente aquilo que, segundo o ordenamento jurídico, o vencedor da demanda deveria ter recebido desde o início (ou seja, caso tivesse surgido o conflito). Corresponde, por conseguinte, à proteção do Estado que proporciona ao destinatário do provimento final precisamente os efeitos empíricos que deveriam ter sido produzidos se a parte vencida tivesse cumprida a sua parte antes do surgimento da lide.

Tal modalidade de tutela jurisdicional se harmoniza com a lição de Giuseppe Chiovenda (1998, p. 67), segundo o qual “o processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir”. É este, inclusive, o pensamento enfatizado por Cândido Rangel Dinamarco:

o direito moderno vem progressivamente impondo a tutela específica, a partir da idéia de que na medida do que for possível na prática, o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter. Essa sapientíssima lição (Giuseppe Chiovenda), lançada no início do século, figura hoje como verdadeiro slogan da moderna escola do processo ci-vil de resultados, que puna pela efetividade do processo como meio de acesso à justiça e proscreve toda imperfeição evitável. (2001, p. 153).

A entrega da tutela específica pelo Estado-Juiz, por conseguinte, representa o objetivo de qualquer modelo processual que almeja ser efetivo, pois é por seu intermédio que a atuação do Judiciário resulta em concreto acesso à justiça.

Usualmente, a tutela jurisdicional envolve qualquer uma das seguintes espécies de prestações: a) de pagar uma quantia em dinheiro; b) de fazer ou de não fazer; e c) de entregar coisa. A tutela específica corresponderá, em cada caso, a rigorosamente aquilo que o jurisdicionado “vencedor” da demanda deveria ter recebido antes mesmo da disputa judicial ... seja o recebimento de um valor em pecúnia, seja a entrega de determinado bem de sua propriedade ... ou mesmo a prática pelo jurisdicionado “derrotado” de um ato

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em favor do credor ou a sua abstenção quanto a determinada conduta de forma a atender ao interesse deste mesmo litigante.

3. PECULIARIDADES DAS PRESTAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER

Quando a tutela específica corresponde a uma reparação pecuniária, as dificuldades enfrentadas pelo Estado-Juiz em proporcionar ao vencedor a sua proteção são usualmente de menor porte, pois para gerar a consequência almejada (o pagamento do valor devido ao vencedor da demanda), o Judiciário não depende da colaboração do devedor, podendo utilizar medidas executivas que resultem na apropriação judicial de uma quantia em dinheiro (como o gerado pelo bloqueio de uma conta bancária) ou na alienação judicial de um bem penhorado em hasta pública, com a subsequente transferência do numerário ao respectivo credor.

É evidente que a colaboração do devedor facilita tal procedimento, como ocorre quando o mesmo voluntariamente cumpre a sentença ao pagar o dinheiro devido ao credor ou (ao menos) indica bens para penhora. Mas mesmo com a recusa do devedor em colaborar, o Estado-Juiz dispõe de ferramentas eficientes para proporcionar a tutela específica, encontrando dificuldades apenas quando o devedor consegue de al-guma forma “esconder” o seu patrimônio, ou, então, quando o mesmo revela um estado de insolvência que impede o cumprimento da prestação de pagar a quantia devida. A colaboração do devedor, de qualquer modo, não se revela imprescindível à consecução da tutela específica quando esta envolver uma prestação de pagar uma quantia em pecúnia. O mesmo ocorre, via de regra, com uma prestação envolvendo a entrega de uma coisa.

Se o devedor não colaborar, o Estado-juiz tem como usar medidas de constrição para obter a concre-tização da tutela específica independentemente da vontade deste, pois uma medida de busca e apreensão usualmente resolve qualquer obstáculo decorrente da falta de colaboração do devedor. O mesmo não pode ser afirmado, por outro lado, em relação à tutela específica envolvendo prestações de fazer e de não fazer.

A não são quando fungíveis, tais prestações dependem diretamente da colaboração do respectivo devedor para o seu adequado cumprimento. Quando a prestação jurisdicional de fazer ou de não fazer é infungível, apenas o próprio jurisdicionado “derrotado” na disputa judicial pode adimplir a respectiva obriga-ção mediante a sua conduta comissiva ou omissiva. Tão somente o próprio condenado, em tais casos, pode praticar o ato ou se abster de praticar determinado ato. O cumprimento da respectiva prestação, portanto, se encontra condicionado à colaboração do próprio litigante condenado. E é tal quadro de dependência que leva o legislador a tratar de forma diferenciada a tutela específica envolvendo ações que tenham por objeto prestações de fazer e de não fazer.

Se a prestação de fazer ou de não fazer é fungível, isto é, se a prestação pode ser cumprida por outra pessoa que não o devedor, a entrega da tutela específica normalmente se revela perfeitamente acessível ao Estado-Juiz ... exatamente por não exigir a colaboração do devedor.

Nesse sentido, a construção de um simples muro ou a conduta de abstenção relativa à não poluição de um rio, por exemplo, são prestações que, se o condenado na sentença em cumprir tais prestações não as cumprir, ainda assim o Judiciário pode alcançar a tutela específica sem grandes dificuldades, ao menos em tese. Um magistrado pode determinar que um terceiro construa o muro por conta do devedor, que depois deverá arcar com as despesas respectivas e, eventualmente, se sujeitar a medidas executivas aptas a gerar o dinheiro necessário para pagar tais despesas.

Da mesma forma, se a prestação de não poluir um rio depender exclusivamente do ato de colocar um filtro em algum cano de esgoto ou de simplesmente redirecionar tal cano de esgoto para uma unidade de tratamento de água, o juiz pode determinar que outra pessoa realiza tais atos para alcançar a prestação de “não poluir”. O quadro muda, entretanto, quando a prestação de fazer ou de não fazer a ser cumprida se revela como material ou contratualmente infungível.

A criação de uma obra de arte como a pintura de um quadro por um pintor famoso ou a abstenção de uma conduta abusiva como a de praticar agressões verbais a determinada pessoa, por exemplo, envolvem

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prestações evidentemente infungíveis. Ou seja, são prestações que somente podem ser cumpridas pelos pró-prios devedores, sendo inadmissível atribuir o cumprimento das mesmas a um terceiro. Somente o pintor contratado para pintar um quadro pode cumprir a respectiva prestação de fazer de forma a proporcionar uma tutela específica na hipótese de uma condenação judicial com tal objeto. De igual forma, apenas o próprio condenado pode deixar de fazer as agressões verbais que anteriormente estava praticando.

Diante de tais obstáculos naturais à obtenção de uma tutela específica envolvendo uma prestação de fazer ou de não fazer infungível, o legislador precisa proporcionar ao magistrado mecanismos especiais aptos a superar os empecilhos e proporcionar ao jurisdicionado “vencedor”, sempre que possível, exatamente os efeitos materiais que deveriam ter sido gerados caso o seu adversário tivesse cumprido espontaneamente a prestação devida em face à lei ou ao contrato.

4. TUTELA ESPECÍFICA DE PRESTAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER NO NOVO CPC

A Lei nº 13.105 de 2015, o novo Código de Processo Civil brasileiro, contém uma disciplina própria para a tutela específica de prestações de fazer e não fazer em três setores distintos do seu corpo, todas en-contradas na Parte Especial do novo diploma.

Primeiro, a Seção IV do Capítulo XIII (Da Sentença e da Coisa Julgada) do Título I (Do Procedimento Comum) do Livro I (Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença).

Em seguida, a Seção I (Do Cumprimento de Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Fazer ou de Não Fazer) do Capítulo VI (Do Cumprimento de Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Fazer, de Não Fazer ou de Entregar Coisa) do Título II (Do Cumprimento da Sentença) do mesmo Livro I da Parte Especial.

Por fim, as Seções I, II e III do Capítulo III (Da Execução das Obrigações de Fazer ou de Não Fazer) do Título II (Das Diversas Espécies de Execução) do Livro II (Do Processo de Execução) da Parte Especial do novo CPC.

Formada pelos artigos 497 a 501, a Seção IV do Capítulo XIII do Título I do Livro I da Parte Especial do novo CPC é adequadamente denominada de “Do Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa”.

O artigo 497 do novo CPC, no seu caput, segue a mesma diretriz antes adotada pelo caput dos artigos 84 do Código de Defesa do Consumidor e 461 do Código de Processo Civil de 1973 (com a redação dada pela Lei nº 8.952 de 1994), estabelecendo uma ordem hierarquia preferencial quanto à espécie de tutela que o magistrado deve proporcionar ao jurisdicionado vencedor da demanda.

A similitude do texto literal dos respectivos dispositivos é quase absoluto:

Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará provi-dências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Artigo 84, caput, do CDC)

Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equiva-lente ao do adimplemento. (Artigo 461, caput, do CPC de 1973)

Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providên-cias que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. (Artigo 497 do CPC de 2015)

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O legislador de 2015, assim, continuou no mesmo caminho já consagrado em 1990 com o Código de Defesa do Consumidor e ratificado no CPC de 1973 pela Lei 8.952 de 1994, conforme se deduz pela seme-lhança dos respectivos textos legais, deixando em clarividência que o órgão jurisdicional, ao julgar uma de-manda na qual se reconhece o direito do jurisdicionado vencedor ao benefício de uma prestação de fazer ou de não fazer a ser cumprida pelo litigante vencido, deve procurar em primeiro lugar proporcionar ao vitorioso a tutela específica, isto é, exatamente aquela tutela jurisdicional adequada, conforme previsão em lei ou em contrato, para reparar o dano já causado (quando uma tutela reparatória) ou prevenir o dano que ameaçava se materializar (quando uma tutela preventiva).

Quando não for possível proporcionar a tutela específica, por outro lado, deve o magistrado propor-cionar uma tutela de equivalência como segunda opção, gerando um resultado prático equivalente ao do adimplemento da obrigação.

Trata-se de uma tutela que, mesmo que não proporcionando exata e precisamente aquilo que, se-gundo o ordenamento jurídico, o vencedor da demanda deveria ter recebido desde o início (ou seja, caso tivesse surgido o conflito), proporciona um resultado final que, empiricamente, produz os mesmos efeitos do cumprimento da obrigação.

Exemplo típico de tal fórmula de preferência na tutela jurisdicional proporcionada ocorre, conforme anteriormente destacado, seria a construção de um muro. Acolhida a respectiva pretensão em uma demanda judicial proposta por aquele sujeito que contratou a construção do muro, a primeira opção de tutela a ser concedida pelo órgão jurisdicional será, naturalmente, a tutela específica, com o sujeito originalmente con-tratado para a respectiva obra realizando a respectiva obra.

Ao cumprir a respectiva prestação de fazer ao qual foi condenado a adimplir, o jurisdicionado “ven-cido” realizará o ato apto a proporcionar exatamente aquilo que o “vencedor” tem direito a obter. Mas, em caso de impossibilidade do devedor cumprir a respectiva prestação (seja em face a uma recusa insuperável do réu condenado, seja em virtude de hipóteses como o falecimento de um empreiteiro pessoa física ou o total desparecimento de uma empresa que sequer deixou sócios responsáveis), a segunda opção será a de uma tutela de equivalência, que ocorrerá quando a construção do muro for realizado por um outro construtor, cumprindo a determinação do juiz.

Nesta última hipótese, a tutela específica não foi alcançada uma vez que a construção do muro não saiu das mãos do contratado originalmente ... mas a sua construção por um outro construtor produz um re-sultado prático equivalente ao do adimplemento da obrigação original.

No caso de uma prestação de fazer que tem por objeto algo peculiar e original, entretanto, tal al-ternativa secundária por uma tutela de equivalência será mais difícil de ser materializada, considerando a natureza infungível da respectiva prestação. Seja no plano material, como um quadro de um artista, seja no âmbito pessoal, como uma “show” de uma banda favorita ...

Em casos de tal índole, somente será possível proporcionar uma tutela de equivalência quando o credor aceitar a prestação substitutiva como correspondente à original ... como a pintura de um quadro por outro artista do mesmo nível técnico ou um “show” de uma outra banda de semelhante gosto. Por mais di-fícil que seja, ainda há em tese a possibilidade de uma tutela de equivalência, condicionada à boa vontade do destinatário da tutela ... Diferente são os casos envolvendo prestações de não fazer caracterizados pela infungibilidade.

Em casos de prestações de não fazer infungíveis, a opção secundária pela tutela de equivalência é praticamente impossível. Em regra, apenas o próprio sujeito condenado a cumprir uma prestação de não fazer pode se abster de praticar a conduta indesejada. Somente o próprio sujeito meliante pode deixar de praticar aos discriminatórios ou constrangedores contra terceiros. Unicamente o assediante pode adotar uma conduta omissiva de forma a não prosseguir na prática de atos geradores de danos ao assediado.

Apenas em casos excepcionalíssimos, quando a prestação de não fazer pressupõe uma prestação de fazer antecedente (e fungível) para alcançar o estado de abstenção, será possível imaginar uma tutela de

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equivalência. Algo como, numa hipótese de ser condenada a empresa a não poluir o ambiente de trabalho dos seus empregados, o inadimplemento da empresa quanto à prestação for suprida quando o magistrado de-terminar que um terceiro implante um filtro em um exaustor na empresa de forma a permitir um resultado prático equivalente ao do adimplemento da respectiva obrigação de não fazer.

Para garantir ao órgão jurisdicional maior facilidade na busca pelo cumprimento do dever estatal de buscar, prioritariamente, proporcionar a tutela específica ao jurisdicionado vencedor em casos de tutela inibitória envolvendo prestação de fazer para evitar ilicitudes, o parágrafo único do artigo 497 do novo CPC deixou expressa a desnecessidade de evidenciar a materialização do dano ou a conduta culposa ou dolosa do respectivo destinatário da ordem mandamental de abstenção:

Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é ir-relevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.

Nesse sentido, quando a tutela específica a ser materializada envolve a abstenção de uma conduta de prosseguimento ou de repetição ou de efetiva prática de uma atividade ilícita, inexiste a necessidade de demonstrar que já ter ocorreu qualquer lesão nem a exigência de comprovar a intenção ou negligência/im-prudência do agente cujo comportamento se almeja inibir. Suficiente é o receio de dano decorrente de um comportamento tipificado como ilícito para que o órgão jurisdicional conceda a tutela específica por meio do qual o destinatário da ordem terá que cumprir uma prestação de não fazer, ou seja, abster-se de praticar, prosseguir ou reiterar uma conduta tida como ilícita pelo juízo.

Tal simplicidade na fórmula procedimental para a concessão da tutela específica inibitória envolven-do prestação de fazer, por sua vez, evidentemente se destina a facilitar a atuação do magistrado na busca pela prevenção do dano.

Em havendo uma postulação judicial para que o infrator não prossiga em determinada atividade con-siderada como nociva à saúde de terceiros, destarte, para a concessão de uma tutela inibitória com o objetivo de prevenir a lesão mediante a imposição de uma conduta de abstenção envolvendo um prestação de não fazer, não haverá necessidade de demonstrar a ocorrência de dano ou a existência de culpa ou dolo do sujeito agressor.

A simples constatação do justificado receio de ocorrência de uma lesão já será suficiente par auto-rizar ao magistrado a concessão da respectiva tutela específica. Nada mais adequado, pois, às necessidades de urgência e às peculiaridades próprias do ambiente no qual se desenvolvem as relações laborais. O artigo subsequente do novo CPC, por seu turno, disciplina a tutela envolvendo prestação de entregar coisa:

Art. 498. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.

Parágrafo único. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o autor individualizá-la-á na petição inicial, se lhe couber a escolha, ou, se a escolha couber ao réu, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.

Mesmo fugindo ao objeto do presente trabalho, por não envolver imediatamente a tutela de presta-ções de fazer e de não fazer, é oportuno enfatizar a preocupação do legislador, mais uma vez, em estabelecer a prioridade pela concessão da tutela específica, almejando providências tendentes a proporcionar àquele em cujo benefício se estabeleceu a obrigação o preciso resultado prático que seria pelo adimplemento.

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O artigo 499 do novo CPC, por outro lado, disciplina exatamente uma das questões essenciais à tutela específica das prestações de fazer e de não fazer, as condições para a conversão de tais prestações em prestações de pagar em pecúnia uma indenização por perdas e danos:

A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Seguindo a diretriz já adotada pela CLT no seu texto original de 1943 quanto ao artigo 496 conso-lidado e repetido pela Lei nº 8.952 de 1994 quando da alteração do texto do artigo 461 do CPC de 1973, o legislador de 2015 estabeleceu a admissibilidade da conversão em perdas e danos (tutela ressarcitória stricto sensu) de uma obrigação de fazer ou de não fazer apenas quando não for possível proporcionar a tutela espe-cífica ou, secundariamente, uma tutela de equivalência. O artigo 500 do novo CPC, por outro lado, apresenta o seguinte texto:

A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa fixada pe-riodicamente para compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação.

A respectiva norma, assim, ao admitir a possibilidade de cumulação da reparação por perdas e danos com uma multa cominatória para incentivar o devedor a cumprir a prestação de fazer ou de não fazer, prevê a possibilidade da estipulação de astreintes, nos moldes já expressamente previstos no âmbito da CLT para estimular o empregador a cumprir as prestações de fazer ordenadas em decisões mandamentais estabelecen-do o período de concessão de férias (artigo 139, §2º) ou a reintegração do empregado (artigo 729), seguindo a diretriz antes adotada no CPC de 1973 no §4º do seu artigo 461.

O último dispositivo da Seção IV, o artigo 501 do novo CPC, prevê que, com o trânsito em julgado da sentença que tenha por objeto um conteúdo meramente declaratório envolvendo a emissão de declaração de vontade, serão considerados como produzidos todos efeitos da declaração não emitida, sendo desnecessária qualquer atividade executiva a posteriori:

Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.

Os artigos 536 e 537 do novo CPC formam o conteúdo da Seção I do Capítulo VI do Título II, tratando especificamente do tema objeto do seu título: Cumprimento de Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Fazer ou de Não Fazer. O caput do artigo 536 disciplina um dos instrumentos processuais de maior relevância na busca pela consecução da tutela específica, as chamadas “medidas necessárias”:

No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente

Correspondendo a uma verdadeira cláusula geral, por meio da qual o legislador assegura ao magistra-do um poder discricionário de amplo alcance na definição de quais os provimentos adequados para atender às necessidades de concretização da tutela jurisdicional, “as medidas necessárias” podem ser decretadas ex officio ou em atendimento a requerimento da parte interessada. Tendo como objetivo final a satisfação do exequente, ou seja, apresentando como escopo proporcionar uma tutela jurisdicional efetiva, tais medidas almejam proporcionar preferencialmente a tutela específica e, se esta não for possível, uma tutela de equiva-lência apta a produzir um resultado prático correspondente ao do adimplemento.

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Os parágrafos do mesmo artigo 536, por outro lado, apresentam uma disciplina destinada a assegurar o cumprimento de tal objetivo. O §1º, por exemplo, apresenta uma relação meramente exemplificativa de provimentos que podem ser decretados como medidas necessárias:

Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, poden-do, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.

Dentro de tal contexto, assim, para assegurar a reintegração no emprego do empregado, a decisão judicial pode fixar, além de uma multa diária em caso de mora no cumprimento da respectiva prestação de fazer, a previsão de uma reintegração manu militari, cumprida por oficiais de justiça com reforço policial. Esta última forma de coerção estatal, contudo, não tem tido boa receptividade na experiência brasileira, em virtude das evidentes e inevitáveis consequências negativas. (PAMPLONA FILHO e SOUZA, 2013, p. 580)

A criatividade do magistrado na edição de outras medidas além dessas nominadas no §1º, contudo, encontra limites apenas à luz dos critérios da legalidade e da necessidade de proporcionar uma tutela sa-tisfativa, inexistindo impedimento a provimentos que, mesmo não usuais, conseguem proporcionar o cum-primento da prestação de fazer ou de não fazer sem ultrapassar as linhas da razoabilidade. Quem sabe, por exemplo, uma determinação vedando o funcionamento de um setor da entidade patronal ou proibindo a entrada de diretores nas suas salas na sede da empresa ... até que efetivada a reintegração do obreiro?

O alcance das “medidas necessárias” é, assim, de limites para além da imaginação ainda tímida de boa parte da magistratura nacional.

E mais: a inércia sem justificativa do devedor, recusando-se sem motivo a cumprir a prestação de fazer (construir um muro) ou a de não fazer (como a de não poluir o meio ambiente) pode até acabar ... com o infrator na cadeia (!).

Deve ser destacado, nesse sentido, que o §3º do mesmo artigo 536 estipula que o descumprimento in-justificado da prestação de fazer ou de não fazer enseja, além da aplicação das sanções próprias da litigância de má fé, a possível configuração do crime de desobediência, enfatizando a seriedade com a qual o legislador tratou a disciplina legal da matéria:

O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificada-mente descumprir a ordem judicial, sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência.

A previsão explícita de tal possibilidade, antes não prevista no âmbito do artigo 461 do CPC de 1973 (em que pese o parágrafo único do seu artigo 14, conforme redação da Lei nº 10.358 de 2001, ao tratar da sanção por ato atentatório ao exercício da jurisdição, utilizou a expressão “... sem prejuízo de sanções crimi-nais ...”), é de grande valor simbólico.

Representa, assim, um passo em direção à efetiva responsabilidade criminal processual ... prevendo de modo expressa a possibilidade de criminalização do ato de descumprir sem justificativa de uma sentença judicial estipulando uma prestação de fazer ou de não fazer.

Os demais parágrafos do artigo 536 do novo CPC, por sua vez, tratam de questões procedimentais secundárias (§§2º e 4º) e a aplicabilidade da disciplina do mencionado artigo, no que couber, às decisões que reconhecem deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional (§5º):

§ 2o O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) oficiais de justiça, observando-se o disposto no art. 846, §§ 1o a 4o, se houver necessidade de arrombamento.

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§ 4o No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se o art. 525, no que couber.

§ 5o O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.

O artigo 537, por seu turno, apresenta a disciplina específica envolvendo a aplicação de multas pecu-niárias, ou seja, as sanções astreintes em casos de prestações de fazer ou de não fazer:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 1o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

§ 2o O valor da multa será devido ao exequente.

§ 3o A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência do agravo fundado nos incisos II ou III do art. 1.042.

§ 4o A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado.

§ 5o O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.

O exame do respectivo conteúdo normativo, por conseguinte, demonstra a ampla liberdade do ma-gistrado na aplicação de tais penas pecuniárias, seja em casos de tutela provisória ou de cumprimento de sentença e mesmo em processos autônomos de execução, podendo fixar, alterar ou excluir tais sanções de ofício ou mediante provocação da parte interessada, sendo os respectivos valores devidos ao litigante preju-dicado pelo descumprimento da respectiva prestação. O órgão jurisdicional também terá liberdade para fixar o quantum, o prazo e a periodicidade das sanções, mas sempre em harmonia com a obrigação que se almeja fazer cumprir.

Tal disciplina das astreintes, por sua vez, se revela em perfeita sintonia com a disciplina encontrada nos artigos 137 e 729 da CLT, anteriormente examinados, sendo admissível a sua aplicação supletiva para complementar o conteúdo normativo ainda abstrato do diploma trabalhista

5. INOVAÇÕES NA EXECUÇÃO DE PRESTAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER NO NOVO CPC

Os últimos dispositivos do novo CPC a tratarem da tutela específica das prestações de fazer e de não fazer são os seus artigos 814 a 823, que formam as Seções I a III do Capítulo III do Título II do Livro III da Parte Especial, que apresentam a disciplina da execução das obrigações de fazer e de não fazer. Como os arti-gos 536 e 537 do novo CPC, acima examinados, tratam do cumprimento de sentença que tenham por objeto prestações de fazer e de não fazer, os mesmos se dirigem a uma fase executiva endoprocessual, própria de

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um processo sincrético. (LEITE, 2011, p. 988). Os artigos 814 a 823, por outro lado, se dirigem a processos autônomos de execução, não precedidos por uma fase cognitiva de jurisdição.

No âmbito da tutela executiva, a disciplina dos artigos 814 a 823 do novo CPC apresenta considerá-vel relevância, especialmente em virtude de sua aplicabilidade, no que couber, à fórmula de concretização das sentenças condenatórias conhecida como cumprimento de sentença ... inclusive no âmbito do modelo processual trabalhista. O primeiro artigo do respectivo elenco estabelece o protocolo que deve ser seguido pelo magistrado ao receber uma petição inicial de um processo de execução fundado em título executivo extrajudicial:

Art. 814. Na execução de obrigação de fazer ou de não fazer fundada em título extrajudicial, ao despachar a inicial, o juiz fixará multa por período de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida.

Parágrafo único. Se o valor da multa estiver previsto no título e for excessivo, o juiz poderá reduzi-lo.

O artigo 814, no seu caput, portanto, estabelece que, ao iniciar uma execução fundada em título executivo extrajudicial envolvendo obrigação de fazer ou de não fazer, o magistrado deverá fixar uma sanção pecuniária em caso de mora no adimplemento e definir a data a partir da qual a mesma será devida. Mesmo inexistindo pedido expresso em tal sentido, o juiz deve de ofício estipular tais condições e prazos, à semelhan-ça e em perfeita sintonia com o comando previsto no artigo 832, §1º, da CLT:

§ 1º - Quando a decisão concluir pela procedência do pedido, determinará o prazo e as condições para o seu cumprimento.

Segundo o parágrafo único do mesmo artigo 814, o magistrado pode (novamente de ofício) reduzir o valor da multa se este estiver prevista no título, caso entenda que o respectivo montante é excessivo:

Os seis artigos subsequentes, de números 815 a 820, por outro lado, disciplinam peculiaridades procedimentais afetas à execução de título extrajudicial envolvendo prestação de fazer, inclusive a fórmula de obter um resultado prático correspondente ao do adimplemento mediante a realização da obrigação por terceiro ou pelo próprio credor.

O artigo 815 estabelece que o executado deverá ser citado para cumprir a respectiva obrigação de fazer ou não fazer, satisfazendo a prestação no prazo definido no título executivo ou estabelecido pelo magis-trado:

Art. 815. Quando o objeto da execução for obrigação de fazer, o executado será citado para satisfazê-la no prazo que o juiz lhe designar, se outro não estiver determinado no título executivo.

O respectivo dispositivo, deve ser destacado, se encontra em perfeita harmonia com a primeira parte do conteúdo do artigo 880 da CLT:

Art. 880. Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais de-vidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora

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O artigo subsequente do novo CPC, de número 816, simplesmente estabelece em favor do exequente o direito de optar por uma tutela inespecífica, caso o executado não venha a cumprir a obrigação de fazer ou de não fazer no prazo definido.

Art. 816. Se o executado não satisfizer a obrigação no prazo designado, é lícito ao exequente, nos próprios autos do processo, requerer a satisfação da obrigação à custa do executado ou perdas e danos, hipótese em que se con-verterá em indenização.

Parágrafo único. O valor das perdas e danos será apurado em liquidação, seguindo-se a execução para cobrança de quantia certa.

O credor, assim, poderá escolher a via de uma tutela de equivalência com a obrigação sendo cum-prida às expensas do devedor, ou então optar pela via da tutela ressarcitória em sentido estrita, postulando uma indenização por perdas e danos, cujo valor será apurada em uma liquidação que será sucedida por uma execução envolvendo quantia em pecúnia.

O artigo 817 prossegue na mesma linha de raciocínio, estabelecendo que se for materialmente possí-vel, o magistrado poderá autorizar um terceiro a satisfazer a obrigação de fazer ou de não fazer, após aprovar um orçamento apresentado pelo terceiro que tenha sido submetido à análise de ambas as partes, ficando o executado responsável pelas respectivas despesas:

Art. 817. Se a obrigação puder ser satisfeita por terceiro, é lícito ao juiz au-torizar, a requerimento do exequente, que aquele a satisfaça à custa do exe-cutado.

Parágrafo único. O exequente adiantará as quantias previstas na proposta que, ouvidas as partes, o juiz houver aprovado.

O parágrafo único do artigo 817, por sua vez, estipula que incumbirá ao exequente antecipar os va-lores constantes na proposta apresentada pelo terceiro ... algo de difícil aplicabilidade prática na Justiça do Trabalho diante do usual quadro de hipossuficiência dos empregados postulantes da tutela jurisdicional.

O artigo 818 do novo CPC ainda assegura às partes o direito de, uma vez realizada a prestação, ofe-recer pronunciamentos ao magistrado e, caso não sejam apresentadas impugnações, deverá o juiz considera como realizada a respectiva prestação e extinta a obrigação correspondente:

Art. 818. Realizada a prestação, o juiz ouvirá as partes no prazo de 10 (dez) dias e, não havendo impugnação, considerará satisfeita a obrigação.

Parágrafo único. Caso haja impugnação, o juiz a decidirá.

Segundo o parágrafo único, entretanto, na hipótese de impugnação, deverá o magistrado resolver a questão para responder ao inconformismo manifestado.

O artigo 819, por seu turno, estipula que, caso o terceiro não cumpra adequadamente a prestação, no prazo de quinze dias o próprio exequente poderá solicitar ao juiz a oportunidade para concluir a prestação incompleta ou reparar o prestação defeituosa, às expensas do terceiro contratado.

Art. 819. Se o terceiro contratado não realizar a prestação no prazo ou se o fizer de modo incompleto ou defeituoso, poderá o exequente requerer ao juiz, no prazo de 15 (quinze) dias, que o autorize a concluí-la ou a repará-la à custa do contratante.

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Parágrafo único. Ouvido o contratante no prazo de 15 (quinze) dias, o juiz mandará avaliar o custo das despesas necessárias e o condenará a pagá-lo.

Conforme previsto no parágrafo único do artigo 819, entretanto, o magistrado deverá ouvir o contra-tado dentro do prazo de quinze dias e determinar a realização de uma avaliação das despesas necessárias para somente então condenar o terceiro a pagar ao exequente pelo trabalho realizado por este último. O direito preferencial do exequente para a realização da prestação é assegurado no artigo 820 do novo CPC.

Art. 820. Se o exequente quiser executar ou mandar executar, sob sua dire-ção e vigilância, as obras e os trabalhos necessários à realização da prestação, terá preferência, em igualdade de condições de oferta, em relação ao terceiro.

Parágrafo único. O direito de preferência deverá ser exercido no prazo de 5 (cinco) dias, após aprovada a proposta do terceiro.

De acordo com o respectivo dispositivo, se o próprio credor desejar promover o cumprimento da pres-tação que não foi originalmente cumprida pelo devedor após o mesmo ser citado para tanto, terá o respectivo exequente preferência sobre o terceiro em uma disputa com igualdade nas condições de oferta. Tal direito de preferência, entretanto, deve ser exercida no prazo de cinco dias contado da aprovação da proposta do terceiro pelo magistrado.

O artigo 821 do novo CPC, por outro lado, estipula que quando for avençado satisfação pessoal da obrigação de fazer pelo próprio executado, o exequente poderá solicitar ao magistrado a definição de um pra-zo para que ocorra o cumprimento da respectiva prestação pelo devedor:

Art. 821. Na obrigação de fazer, quando se convencionar que o executado a satisfaça pessoalmente, o exequente poderá requerer ao juiz que lhe assine prazo para cumpri-la.

Parágrafo único. Havendo recusa ou mora do executado, sua obrigação pes-soal será convertida em perdas e danos, caso em que se observará o procedi-mento de execução por quantia certa.

O parágrafo único do citado artigo 821 apenas estipula que, caso haja em tal hipótese a recusa ou a mora do executado na satisfação pessoal da prestação, haverá uma dupla conversão: a) da obrigação de fazer em uma obrigação de pagar uma indenização a título de perdas e danos; e b) do procedimento executivo, antes de obrigação de fazer ou de não fazer e que passará então a ser de execução por quantia certa.

Os artigos 822 e 823 do novo CPC, por fim, disciplinam a execução de título executivo extrajudicial envolvendo obrigação de não fazer, prevendo a possibilidade de proceder ao desfazimento do ato ou à conver-são em perdas e danos na hipótese de recusa ou mora do executado:

Art. 822. Se o executado praticou ato a cuja abstenção estava obrigado por lei ou por contrato, o exequente requererá ao juiz que assine prazo ao executado para desfazê-lo.

Art. 823. Havendo recusa ou mora do executado, o exequente requererá ao juiz que mande desfazer o ato à custa daquele, que responderá por perdas e danos.

Parágrafo único. Não sendo possível desfazer-se o ato, a obrigação resolve-se em perdas e danos, caso em que, após a liquidação, se observará o procedi-mento de execução por quantia certa.

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Se o executado não cumpriu a sua obrigação de se abster de determinada conduta a qual estava obri-gado por lei ou por contrato, o exequente deverá solicitar ao magistrado a definição de um prazo para que o executado desfaça o respectivo ato. É evidente, contudo, que tal procedimento de desfazer somente poderá ocorrerá se o ato praticado puder ser materialmente desfeito ...

Em não havendo cooperação do executado, nas hipóteses de recusa ou mora, deverá o exequente so-licitar ao juiz que ordene o desfazimento do ato às expensas do respectivo devedor, que ainda responderá por eventuais lesões decorrente de sua inércia. E, caso não seja possível desfazer o ato, a obrigação de não fazer será convertida em perdas e danos e a concretização da respectiva obrigação de pagar seguirá o procedimento de execução por quantia certa.

6. CONCLUSÕES

A Lei 13.105 de 2015, ao instituir o novo Código de Processo Civil, propõe mudanças de variadas dimensões no âmbito do modelo processual civil brasileiro.

A análise dos vários dispositivos do novo Código de Processo Civil que disciplinam a tutela específica de prestações de fazer e de não fazer, sejam aquelas normas próprios da fase cognitiva originária, sejam aque-las regras típicas da fase de cumprimento de sentença (efetivação endoprocessual ou fase executiva de uma relação processual sincrética) ou de uma execução autônoma de título executivo extrajudicial, revela uma inequívoca harmonia entre tais diretrizes normativas do processo comum e os direitos fundamentais proces-suais elencados no artigo 5º da Carta Política de 1988, dentro os quais se destaca a “caçula” das garantias constitucionais do processo, relativo ao direito fundamental a um tutela jurisdicional efetiva, consagrado no inciso LXXVIII acrescentado pela Emenda Constitucional 45 de 2004:

a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável du-ração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação

A plena harmonia da nova ordem processual com os valores e normas fundamentais da Constituição da República é inequívoca. A sintonia do novo modelo com a busca por um processo efetivo, de igual forma.

Seja a ordem hierárquica preferencial das tutelas (primeiro a tutela específica, em seguida a tutela de equivalência e como última opção a tutela ressarcitória stricto sensu), seja o uso de ferramentas como as multas diárias e as “medidas necessárias” para promover a entrega da tutela específica, as normas do novo CPC vão contribuir para a definição do perfil instrumentalista do novo modelo processual, de forma a permi-tir uma melhor atuação jurisdicional dos órgãos do Judiciário.

As regras que compõem a disciplina das fórmulas de concretização das tutelas de fazer e de não fazer no novo CPC, assim, devem ser bem-vindas ao modelo processual contemporâneo, pois fornecem ferramen-tas úteis aos magistrados no cumprimento de suas atribuições jurisdicionais destinadas à plena satisfação do jurisdicionado “vencedor”.

Esta fórmula de tutela específica das prestações de fazer e de não fazer, é absolutamente imprescin-dível à consecução da sua da missão de proporcionar uma tutela jurisdicional efetiva, entregando ao jurisdi-cionado cuja pretensão foi acolhida exata e precisamente aquilo que lhe é devido mediante o adimplemento da obrigação correspondente.

Somente assim será possível atingir plenamente o escopo e promover a satisfação dos destinatários dos serviços judiciais no âmbito das demandas que envolvem tutelas diferenciadas como as que tenham por objeto prestações de fazer e de não fazer.

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REFERÊNCIAS

ASSIS, Araken de. Cumprimento de Sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições do Direito Processual Civil. Vol. I. Campinas: Bookseller, 1998.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Malheiros, 2001.

GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela Específica das Obrigações de Fazer. Rio de Janeiro: Forense, 2.000.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela Jurisdicional das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Revista LTr. Vol. 59., nº 08. São Paulo, agosto/1995.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9ª edição. Sâo Paulo: LTr, 2011.

MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manuel do Processo de Conhecimento. Sâo Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

PAMPLONA FILHO, Rodolfo e SOUZA, Tércio. Curso de Direito Processual do Trabalho. Sâo Paulo: Marcial Pons, 2013.

POPP, Carlyle. Execução de Obrigação de Fazer de Não Fazer. Curitiba: Juruá, 1995.

TALAMINI, Eduardo. Tutela Relativa aos deveres de Fazer e de Não Fazer. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

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O NOVO CPC E OS REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL

Victor Meira Fortes

Bacharelando em Direito na Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP

SUMÁRIO: Introdução. 1. Os requisitos da petição inicial no novo CPC. 1.1. O juízo a que é dirigi-da. 1.2.Qualificação das partes. 1.3. Fatos e fundamentos jurídicos do pedido. 1.4. O pedido. 1.5.O valor da causa. 1.6. As provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados. 2. A opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação. 3. Conclusão. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Peça vestibular, peça autoral, peça ovo, peça prefacial, peça preambular, peça introdutória, petitório inaugural, exordial. Todas essas expressões são sinônimas em relação à petição inicial, que possui fundamen-tal importância para o decorrer do processo. Esse papel se verifica devido ao fato de que ela serve como um instrumento para a propositura da demanda e a data em que foi protocolada consiste também como a data de início do processo. O Código de Processo Civil (CPC) de 1973 trata da petição inicial em capítulo próprio, o que foi mantido pelo Novo CPC.

Para que a petição inicial seja aceita são necessários alguns requisitos, os quais sofreram algumas alterações com a criação do Novo CPC, o que será o tema principal deste trabalho. Caso esses requisitos não sejam preenchidos, o juiz pode determinar que se emende ou se complete a petição, sob pena de indeferi-mento, conforme preceitua o artigo 321 do referido diploma legal.

Como uma forma de situar o leitor em relação às diferenças existentes entre os requisitos propostos pelos dois códigos, o de 1973 e o de 2015, é essencial que se transcreva os artigos que tratam da matéria.

(CPC/1973) “Art. 282 A petição inicial indicará:

I – o juiz ou tribunal , a que é dirigida;

II – os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu;

III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;

IV – o pedido, com as suas especificações

V – o valor da causa;

VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;

VII – o requerimento para a citação do réu.”

(CPC/2015) “Art. 319 A petição inicial indicará:

I – o juízo a que se destina;

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II – os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Ca-dastro Nacional de Pessoas Jurídicas, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;

III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;

IV – o pedido com as suas especificações;

V – o valor da causa;

VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;

VII – a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.”

Analisando ambos os artigos, é possível perceber que grande parte dos incisos se manteve com o mesmo conteúdo, apesar da diferença em suas escritas. Por outro lado, outras diferenças se mostram signi-ficativas, como as que se referem à qualificação das partes (inciso III), em que houve a adição de elementos que tratem da existência de união estável, do número de inscrição do CPF ou CNPJ e da necessidade de se mencionar o endereço eletrônico das partes, isto é, o e-mail. Além disso, uma diferença nítida encontra-se no inciso VII, em que foi dada a opção ao autor de que se realize ou não a audiência de conciliação ou mediação.

Quanto ao requerimento para a citação do réu, ele não se encontra mais no rol de requisitos da pe-tição inicial, uma vez que, ao ser feita a demanda, entende-se que a citação é necessária e implícita, pois é pressuposto de validade processual e garante o contraditório e a triangularidade processual. Com base nisso, concordamos com a nova posição do legislador.

Diante do exposto, passaremos agora a analisar cada um dos requisitos da petição inicial existentes no art. 319 do Novo CPC e, por fim, buscaremos concluir se essas mudanças auxiliam ou não na celeridade do processo e se atingirão seus objetivos.

2. OS REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL NO NOVO CPC

2.1 O JUÍZO A QUE É DIRIGIDA

O inciso I do artigo 319 do Novo CPC possui o mesmo conteúdo daquele presente no artigo 282 do CPC/1973. A palavra “juízo” abrange tanto o juiz como o tribunal, ou seja, pode ser singular ou colegiado. Essa indicação deve respeitar as regras de competência e será feita no cabeçalho da petição inicial, observan-do-se as designações corretas: comarca corresponde à unidade territorial da Justiça dos Estados, enquanto que Seção se refere à Justiça Federal; Juiz Federal é a qualificação do magistrado da Justiça Federal, já Juiz de Direito é da Justiça Estadual, etc.

2.2 QUALIFICAÇÃO DAS PARTES

Quanto a esse ponto é possível perceber três alterações em relação ao código anterior: a necessidade de mencionar a existência ou não de união estável, o CPF ou CNPJ e o endereço eletrônico. Com esses requi-sitos pretende-se evitar que sejam processadas pessoas incertas, além de verificar se a qualificação das partes pode ensejar a incidência de alguma norma específica, como o litisconsórcio necessário, o foro privilegiado, etc.

Insta ressaltar ainda que, no caso de pessoa jurídica, é essencial que a petição inicial seja acompanha-da do estatuto social e da documentação que comprove a regularidade da representação.

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Ocorre que, em alguns casos, alguns dos pontos mencionados no inciso II são inviáveis de serem cumpridos e, prevendo isso, o legislador trouxe três parágrafos juntos ao artigo 319 que tratam da referida possibilidade:

§ 1º Caso não disponha das informações previstas no inciso II, poderá o autor, na petição inicial, requerer ao juiz diligências necessárias a sua obtenção.

§ 2º A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de informa-ções a que se refere o inciso II, for possível a citação do réu.

§ 3º A petição inicial não será indeferida pelo não atendimento ao disposto no inciso II deste artigo se a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça.

Através desses parágrafos o legislador agiu acertadamente mais uma vez, pois diminuiu as possibilida-des de indeferimento da petição inicial, bem como mitigou os requisitos exigidos no art. 319, inciso II.

2.3 FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO

Os fatos e fundamentos jurídicos do pedido formam a causa de pedir, que consiste no fato ou conjun-to de fatos jurídicos somados aos seus efeitos (relação jurídica) e servem como fundamento do pedido pro-posto pelo demandante, o que traduz a Teoria da Substancialização, adotada pelo nosso Código. Essa causa de pedir é decorrente do direito material. Assim, o autor deve demonstrar a incidência da hipótese normativa no suporte fático concreto.

Ao tratar desse tema é importante que se diferencie fundamento jurídico de fundamentação legal. Enquanto a segunda é dispensável e não limita o magistrado, o primeiro o limita, pois é composto dos fatos jurídicos alegados e do pedido formulado.

2.4 O PEDIDO

A petição inicial deve conter pelo menos um pedido, pois caso contrário será considerada inepta, o que enseja o seu indeferimento. O pedido, portanto, é o núcleo da petição inicial, como diz Fredie Didier, e é o objeto imediato e mediato da demanda, segundo Pontes de Miranda. Dessa forma, é o pedido que rege a prestação jurisdicional, pois esta não poderá ser extra (coisa diversa do que foi pedida), ultra (mais do que foi pedido) nem infra/citra petita (menos do que foi pedido).

O pedido deverá ser certo (art. 322), ou seja, expresso; determinado (art. 324), isto é, delimitado no que se refere à qualidade e à quantidade; claro (art. 330, § 1º, II); e coerente (art.330, § 1º, IV), pois deve ser a consequência jurídica prevista para a causa de pedir a que aduz.

Pode ainda o pedido ser genérico quanto à quantidade, conforme às hipóteses do artigo 324, em seu parágrafo 1º, mas não no que se refere ao gênero; alternativo, quando se tratar de obrigação alternativa, facultativa ou com faculdade de substituição, conforme art. 325 do CPC; e pode ser relativo à obrigação in-divisível (art. 328).

2.5 O VALOR DA CAUSA

Toda petição inicial deverá indicar o valor da causa, ainda que não se possa aferir de imediato o valor econômico, devendo seguir o disposto nos artigos 291 a 293 do Novo Código de Processo Civil. Tal quantia deverá ser certa e fixada na moeda corrente nacional.

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2.6 AS PROVAS COM QUE O AUTOR PRETENDE DEMONSTRAR A VERDADE DOS FATOS ALEGADOS

Assim como o ponto anterior, os meios de provas também não sofreram alterações em relação ao Có-digo anterior. Na prática, esse requisito tem pouca eficácia prática, pois, conforme rege o art. 370 do Novo CPC, o julgador pode determinar ex officio a produção de provas e, na fase de saneamento do processo, as partes são intimadas para indicar quais os meios de prova que irão utilizar.

3. A OPÇÃO DO AUTOR PELA REALIZAÇÃO OU NÃO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU DE MEDIAÇÃO

O último inciso do art. 319 traz a maior mudança do Novo CPC no que se refere aos requisitos da petição inicial. Ele determina que o autor da demanda deve manifestar se deseja ou não que a audiência preliminar de conciliação ou mediação seja realizada. Entretanto, caso o demandante não cumpra esse re-quisito, o juiz não deve indeferir a petição nem precisa mandar emendá-la, pois deverá entender o silêncio como indicativo de que a audiência ocorra. Ou seja: caso não exista vontade do autor de que se realize a autocomposição, deverá ele dizer isso expressamente na petição inicial, pois a ausência dessa manifestação implicará no entendimento de que ele não se opõe ao ato.

Importante nesse momento que se faça a distinção entre conciliação e mediação. Essa diferença pode ser encontrada no próprio Código, conforme se mostra a seguir:

Art. 165 Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de concilia-ção e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

§ 1º A autocomposição e a organização dos centros serão definidas pelo res-pectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.

§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não hou-ver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimida-ção para que as partes conciliem.

§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

Portanto, da leitura dos parágrafos 2º e 3º, se depreende que na mediação há um vínculo anterior entre as partes, o que inexiste na conciliação.

A audiência preliminar de conciliação ou mediação é regida pelo art. 334 e, apesar de ser um único artigo, traz todos os pontos importantes acerca do tema, pois possui doze parágrafos. Ela ocorrerá antes do oferecimento da defesa, diferentemente do que ocorria com no CPC/73, e só não acontecerá caso as partes manifestem expressamente o seu desinteresse em relação ao ato ou caso não seja admitida a autocomposi-ção. Se houver litisconsórcio, todos os litisconsortes devem manifestar o desinteresse; se o litisconsórcio for simples não haverá problemas se apenas um deles quiser realizar a autocomposição, entretanto, se for unitá-rio, todos devem estar em consenso para que ocorra a audiência, caso contrário ela não será feita.

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4. CONCLUSÃO

Com base no exposto, o que se pretende analisar é se as mudanças do Novo CPC em relação aos re-quisitos da petição inicial irão auxiliar ou não na celeridade do processo. As alterações percebidas em relação ao tema dizem respeito apenas à qualificação das partes, com a adição das informações acerca da existência da união estável e da menção ao endereço eletrônico (e-mail), e em relação à autocomposição, com a opção do autor de expressar se quer ou não que se realize a audiência de conciliação ou mediação.

Quanto à qualificação, entende-se que é imprescindível para o andamento do processo, pois quanto maior o número de informações sobre as partes, mais fácil será a comunicação com elas e isso, com certeza, ajuda na celeridade processual. O que merece mais destaque é a indicação do endereço eletrônico dos envol-vidos no processo, mostrando que a evolução processual vem acompanhando a evolução tecnológica, pois é notória a inserção digital da humanidade, em que as pessoas são capazes de acessar seus e-mails a qualquer momento e na palma da mão, devido às invenções como os smartphones, tão presentes hoje em dia.

Já no que se refere à autocomposição, ela é sempre bem-vinda, pois ajuda a “desafogar” a Justiça e se mostra, em princípio, como o modo ideal de solução de conflitos, pois ninguém melhor do que as próprias partes para conhecer as possibilidades de solução e as implicações do conflito, além do fato de que elas pos-suem uma autoridade plena, mais larga e mais profunda do que a de um terceiro julgador, seja ele o árbitro ou o juiz estatal. Importante destacar também que a autocomposição tem demonstrado um cumprimento da solução mais efetivo e reafirma a capacidade de autogestão da sociedade, somando-se ao fato de que realiza a função de pacificação social, assim como a Justiça estatal, não implicando ultraje ao monopólio desta. Ocorre que, apesar da ótima intenção do legislador, há uma carência na estrutura para a realização das audiências de conciliação ou mediação, o que deve se agravar ainda mais com a vigência do Novo CPC, visto que o nú-mero de audiências dessa natureza deve aumentar bastante, enquanto que a estrutura continuará a mesma.

Importante ressaltar ainda que no novo Código teremos um aumento do prazo para a emenda da petição inicial, passando de 10 (dez) dias corridos para 15 (quinze) dias úteis. Essa questão não diz respeito diretamente aos requisitos que estamos analisando nesse trabalho, mas afeta a celeridade processual, outro ponto que analisamos.

As alterações do Novo CPC quanto aos requisitos da petição inicial, portanto, têm a ótima intenção de tornar mais célere o processo, privilegiando a autocomposição e aumentando as possibilidades de se co-municar com as partes litigantes. Entretanto, essas mudanças podem esbarrar na falta de estrutura para que ocorram, além do fato de os prazos, majoritariamente, terem aumentado e ainda passarão a ser contados em dias úteis. Só o tempo dirá se essas mudanças surtirão efeito, mas o que se espera é que o futuro traga boas notícias na seara processual e, consequentemente, para o Direito.

REFERÊNCIAS

ALVIM, Eduardo Arruda. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: RT, 1999.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, par-te geral e processo de conhecimento – 17 ed. Salvador: Ed. Jus Podium, 2015.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v.II.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedi-mento comum. São Paulo: RT, 2015, v.2.

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LIMITAÇÕES AO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL NO CAMPO DE VALIDADE

Victor Rafael Alves de Mattos

Bacharelando em Direito pelas Faculdades Integradas Barros Melo – AESO/FIBAM

SUMÁRIO: Introdução. 1.Negócio Jurídico Processual. 2.Invalidades no negócio jurídico processual. 3. Requisitos de validade do negócio jurídico processual atípico. 3.1. Capacidade das partes. 3.2.Ob-jeto lícito. 3.3.Forma prevista em lei. 4. Conclusão. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Em 16 de maio de 2015 a presidente Dilma Rousseff sancionou um novo código de processo civil brasileiro. Código este marcado por ser o primeiro a tramitar completamente em uma democracia.

O diploma recém-lançado é marcado por diversas alterações legislativas de elevada importância, ro-bustecendo princípios essenciais ao cumprimento da justiça, axioma este por vezes esquecido no paradigma positivista.

Uma das grandes inovações, sem dúvida, reside no âmbito dos negócios jurídicos processuais. O art. 190 do novo Código expande a figura dos negócios jurídicos processuais atípicos, definindo seus limites de validade. Ocorre que não há mais a aplicação do princípio da onipotência do legislador, restando à ciência do Direito e seus operadores no caso prático refletirem sobre os requisitos elencados no art. 190.

As limitações que deverão ser aplicadas aos negócios jurídicos processuais vão além do campo da va-lidade, entretanto, o estudo deste é o primeiro passo.

Assim, esta pesquisa objetiva compreender os limites do negócio processual jurídico atípico na esfera de seus requisitos de validade.

2. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL

Os negócios jurídicos processuais são fatos jurídicos voluntários, cuja finalidade pauta-se no princípio da adequação processual. Tais negócios são espécies das convenções e compõem a teoria do fato jurídico.

No código de 1973 a ciência jurídica não era unânime quanto à existência da categoria negócio ju-rídico na esfera processual. Com a entrada em vigor do diploma processual de 2015 a dúvida a respeito da existência ou não dos negócios processuais foi eliminada.

Também não há demasiada novidade na disposição dos novos negócios processuais típicos, visto que o código atual já elenca uma grande quantidade. Significativo, portanto, é o que o diploma de 2015 adotou para os negócios processuais atípicos, como podemos observar no teor do caput do art. 190: Art. 190.

Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajus-

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tá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Afinal de contas, mediante descrito neste dispositivo, há que se indagar: quais serão os limites con-cretos a serem impostos nos negócios processuais? Ainda que alguns estadistas ferrenhos acreditem estarmos voltando ao processo de modelo adversarial, o caminho é completamente diferente. O direito processual con-temporâneo contempla a figura da cooperação, e os negócios também devem respeitar este princípio, tanto que existem diversos negócios plurilaterais, onde o juiz é parte desta convenção. A função primordial dos acordos é a adequação processual, visto que toda lide é única, apesar de suas diversas semelhanças. As partes são elementos essenciais desta, sendo assim imprescindível que haja determinada liberalidade nas questões que assim prefiram. Sem contar o que há de mais óbvio: as limitações serão definidas precipuamente pelos direitos fundamentais, em razão do caráter publicista do direito processual.

2. INVALIDADES NO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL

Para que seja feito um estudo a respeito dos requisitos de validade do negócio jurídico processual, fa-z-se mister delinear os traçados do sistema de invalidades processuais, visto que na esfera processual existem diversos princípios norteadores que deverão ser utilizados na análise dos atos juntamente com os requisitos propriamente ditos.

Frisa-se incialmente que este artigo não propõe esmiuçar a invalidade processual, mas elencar o que há de elementar naquilo que interessa ao nosso estudo dos requisitos de validade do negócio processual.

O sistema de invalidade processuais sustenta-se em diversos princípios que convergem para uma forma de valorizar mais o resultado pretendido a satisfação da forma estabelecida em lei.

O princípio da instrumentalidade das formas, este existente desde o CPC/73, este consagra a fina-lidade real da forma sobre o procedimento estabelecido para este fim. Assim, não importa se determinado incapaz realizou negócio jurídico, em caso deste ser totalmente favorecido pela convenção Assim como não será inválido a falta de participação do Ministério Público não só nos negócios jurídicos processuais, mas no procedimento em si, caso a decisão seja favorável ao incapaz. No CPC/15 este princípio está consagrado no art. 277, com os seus dizeres bastante claros: “Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade”.

O sistema de invalidades é feito para que não haja a decretação invalidade de forma banal, como se percebe através do Art. 281. “Anulado o ato, consideram-se de nenhum efeito todos os subsequentes que dele dependam, todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras que dela sejam independentes”.

O diploma processual de 2015 inovou bastante no que tange ao aproveitamento dos atos processuais defeituosos. O que antes era definido pela extensão da gravidade, hoje tornou-se mais robusto a ideia de que os defeitos devem ser aproveitados e validados. A intenção por trás desse comportamento tem fundamento no princípio da instrumentalidade das formas, pois o judiciário atribui maior valor ao direito material, deixando de lado um paradigma formalista excessivo que em nada contribui para a celeridade processual e justeza.

Este aproveitamento dos atos defeituosos se externa pelo princípio da fungibilidade, princípio este que vem ganhando cada vez mais espaço no ordenamento jurídico brasileiro, como se observa no art. 1025, NCPC, cujo teor admite o prequestionamento ficto.

Em suma, podemos abstrair desses princípios o fator “prejuízo”. O sistema de invalidades proces-suais se preocupou em invalidar aquilo que, de fato, poderia trazer prejuízo à lide e as partes. A teleologia das regras procedimentais são, dentre outras, resguardar o procedimento para que este seja justo, podendo propiciar às partes todos os princípios fundamentais do processo civil, como o contraditório, boa-fé, ampla defesa, dignidade da pessoa humana, devido processo legal, etc. Se todo este arcabouço for preservado, não

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há razão alguma para que as regras procedimentais sobressaiam o direito material, e para o nosso estudo, os negócios jurídicos processuais.

3. EQUISITOS DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ATÍPICO

Ainda que os negócios processuais estejam dispostos em diploma diverso dos negócios jurídicos civis, aquele se submete aos requisitos de validade comum a todo e qualquer negócio jurídico. Podendo ser invali-dade integral ou parcialmente (Enunciado nº 134 do Fórum Permanente de Processualistas Civis ) e, regra geral, não dependem de homologação judicial (Enunciado nº 133 do Fórum Permanente de Processualistas Civis ).

Estes, por sua vez são: capacidade das partes, objeto lícito e forma prevista ou não em lei (art. 104 e 166 do Código Civil).

Vale lembrar que a decretação de invalidade dos negócios processuais submeterá ao já descrito no sistema de invalidades processuais. Portanto, a instrumentalidade do processo, das formas, o aproveitamento dos atos e a fungibilidade são essenciais no exame de invalidade.

3.1 CAPACIDADE DAS PARTES

Este requisito possui diversos questionamentos fundamentais. O diploma processual não define sobre qual capacidade está se referindo. Porém, em razão da natureza negocial ser processual, o silogismo nos leva a compreender que a capacidade também deve ser processual. Ocorre que esta questão carrega complexida-de, pois a natureza contratual implica em diversas consequências, além de haver dúvidas a respeito da natu-reza dos negócios firmados anteriormente ao processo em si. E isso deve ser debatido, estudado e analisado, afinal de contas “a capacidade dos contratantes é elemento essencial dos negócios jurídicos” (ALMEIDA, Diogo. 2014, 124).

A capacidade civil está regulamentada no diploma correspondente. Como cediço, regra geral divi-de-se a capacidade em absoluta e relativa em função da idade. O maior de 16 e menor de 18 é considerado relativamente capaz e seus atos só serão válidos caso esteja sendo assistido pelos pais. O menor de 16, assim como aqueles em que a lei considera não estarem com suas faculdades mentais desenvolvida o suficiente para que realize declarações de vontade.

Na esfera processual, a capacidade está inserida nos “pressupostos” de validade, isto é, ficará esta sujeita ao sistema de invalidades processual. Assim, não poderá falar-se em invalidade quando os atos não prejudicarem a parte pelo qual o direito busca proteger, como se transcorre as ações envolvendo menor, cuja participação do Ministério Público é requisito obrigatório. Caso a parte incapaz tenha sido favorecida com o negócio processual, não é possível decretá-lo nulo, pelo contrário, irá aproveitar, visto que a função da prote-ção fora cumprida.

Para Diogo Almeida, a capacidade da parte depende do momento em que o contrato é celebrado. Dessa forma, ainda que um acordo tenha natureza e efeitos processuais, quando realizado antes de haver um processo, isto é, negócios pré-processuais, o requisito de validade exigido é o material.

Em contraposto, doutrinadores como Fredie Didier, Daniel Mitidiero, entre outros, entendem que o fator elementar está na natureza contratual. Ressalta-se que, apesar do entendimento diverso destes autores em função do pressuposto da capacidade, o consenso é que a capacidade exigida deverá ser negocial, seja material ou processual.

Tais distinções se fazem importante devido às diversas implicações que estas podem causar. Didier, em seu curso de direito processual civil exemplifica pela ação popular, cuja exigência referente à capacidade processual é dada ao indivíduo menor de 16 anos. O raciocínio do autor é de que, se a legislação concede esta exceção, o negócio jurídico também deve ser permitido, como numa situação de acessório seguindo o prin-

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cipal. Entretanto, divergimos deste entendimento no sentido de que a exceção referente a ação está salva-guardada por um procedimento anteriormente estabelecido através do princípio da legalidade. Permitir um menor de 16 anos negociar adequações pré-processuais pode ser um risco para a real declaração de vontade.

O parágrafo único do art. 190, NCPC traz determinadas restrições à capacidade. Evidente que o im-pedimento ou falta de legitimação não se confunde com a incapacidade plena, mas “esta é a incapacidade para a prática de determinados atos” (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2012, p. 405). Tais restrições do pará-grafo único não esgotam neste artigo, assim, além da vedação de inserção abusiva em contrato de adesão e negócios tratados com parte vulnerável, há limitações impostas às pessoas casadas.

Veja-se, desta forma, o código processual não trata a capacidade plena como um valor absoluto, pois, a vulnerabilidade é um fator gerador de nulidade negocial. A vulnerabilidade, por sua vez, depende da de-monstração in concreto. Este será um item pela qual a jurisprudência terá fundamental papel, que por meio de cada caso, avaliará relações em que os indícios de vulnerabilidade poderão ser considerados como pre-sumíveis ou, pelo menos, que haja uma orientação mais atenciosa. O fórum permanente de Processualistas Civis iniciou esta tarefa, aludindo no Enunciado n. 18: “há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica”.

Quanto às pessoas casadas, faz-se um juízo simplório na maioria dos casos. Afinal de contas, naquilo em que o texto normativo vedar no campo processual, obviamente não será autorizado acordar negócio jurí-dico processual.

Assim, também é permitido às pessoas jurídicas de natureza pública convencionar negócios jurídicos. O fundamento está estritamente naquilo que o código processual oferece. Não há restrições em si para estas pessoas, tão quanto há para o empregado e consumidor.

3.2 OBJETO LÍCITO

“Objeto lícito é o que não atenta contra a lei, a moral ou os bons costumes” (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2012, p. 406). A licitude do objeto envolvido nos negócios jurídicos processuais aproveita integral-mente a ilicitude reconhecida no objeto do negócio jurídico. Dessa forma, o operador do Direito, ao analisar a validade de determinado negócio jurídico, deve levar em conta aquilo que diz a doutrina civilista.

O novo CPC traz alguns itens que merecem uma discussão profunda, tais como o contrato de adesão e os acordos no limite daquilo que impõem a autocomposição.

Como já citado, o parágrafo único do art. 190, NCPC, alude para algumas restrições a respeito da ca-pacidade, mas também sobre o objeto. Expõe o dispositivo que será nulo o negócio jurídico processual abusivo contido em contrato de adesão. Todavia, não há parâmetro para o que se entende por “abusivo”. Os negócios jurídicos como estão sendo dispostos no novo CPC demonstra a intenção legislativa de permitir maior libera-lidade processual entre as partes, trata-se do reconhecimento de que as partes, em regra, possuem capaci-dade e direito à manifestação da vontade livre, afinal de contas, no processo civil, a regra geral é a paridade de armas. Não está se falando aqui de casos onde há indícios de vulnerabilidade ou vícios de vontade, mas de um dispositivo que protege excessivamente a parte que adere a um contrato adesivo irresponsavelmente.

Na visão do doutrinador Fredie Didier, podemos dizer que hoje há um princípio do incentivo da au-tocomposição processual. Sua análise é bastante pertinente, baseada em inúmeros dispositivos legais que buscam atingir um novo paradigma, deveras diverso da atual cultura da heteronomia das soluções de confli-to. Não está se falando aqui em desvalorização da resolução heterônoma, pois esta é a grande conquista do Estado democrático de Direito, porém, um sem número de conflitos poderiam ser solucionados com mais celeridade e cordialidade. A solução da lide não pode ficar adstrita ao antigo modelo de embate direto, para dar espaço a um ambiente de diálogo e acordos.

A partir disto, o legislador, procurando fortalecer ainda mais as soluções de conflito por meios alter-nativos à heteronomia, limitou os negócios processuais naquilo que atende a autocomposição. Poderia ter

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optado pela restrição de apenas direitos disponíveis, mas preferiu ir além. Essa escolha legislativa permite que haja negócios jurídicos em processos de alimentos e direitos coletivos.

No que se refere aos direitos fundamentais, competência absoluta, entre outros, é certo que o objeto é ilícito, e logo, será decretado como nulo. Permitir que as partes deliberem restrições nestas matérias fere preceitos de ordem pública, instabilizando o Estado de Direito.

Também será decretado nulo as partes que tentarem se valer da própria torpeza. Comumente levan-tado nas doutrinas civilistas, é válido frisar neste estudo com especificidade devido ao sem número de partes que arquitetam utilizar o judiciário para ganhos pessoais extrapolando os limites legais e morais.

3.3 FORMA PREVISTA EM LEI

A forma do negócio processual atípico é, em regra, livre. Seguindo a mesma máxima em que, haven-do exceção, a lei deve ser taxativa em sua regulamentação.

O código civil define que há diversas formas a serem adotadas, a depender da natureza do negócio. O art. 108 do código civil, por exemplo, trata da forma especial única, isto é, na ausência de escritura pública, o negócio é inválido. Por conseguinte, um negócio jurídico processual pode interferir na resolução do mérito, como bem ressalva Fredie Didier Jr: “Embora o negócio processual ora estudado não se refira ao objeto liti-gioso do processo, é certo que a negociação sobre as situações jurídicas processuais ou sobre a estrutura do procedimento pode acabar afetando a solução do mérito da causa” (DIDIER, Fredie, 2015, p. 387).

Isso pode levar ao questionamento a respeito da forma contratual dos negócios jurídicos processuais em que o objeto litigioso esteja fundado sob as égides de um contrato formal, especialmente unicamente solene, haja vista não existir outra opção para as partes que não seja o instrumento público. Deveria o negó-cio jurídico seguir a mesma forma estabelecida pelo objeto em litígio? Seria um desconforto, tornando mais dispendioso e lento os acordos processuais de adequação processual. Todavia, na medida que este negócio afeta a solução do mérito, uma das partes poderia se sentir prejudicada pelo fato desta afetação ter ocorrido sob um outro negócio que demandou deveras formalidades, isto é, poderia haver incidência real do prejuízo processual, fator relevante para a decretação de invalidade.

4. CONCLUSÃO

Conclui-se deste breve estudo que o terreno no campo dos limites do negócio jurídico processual é bastante fértil. Sem dúvida, ao longo do tempo a pesquisa científica e as discussões acadêmicas serão de grande valia para maior preenchimento das diversas lacunas, desde as menos complexas até as que nunca chegarão a um consenso.

Na posição daqueles que detêm a interpretação autêntica, será de extrema importância o amadure-cimento das decisões judiciais. A formação dos precedentes ganha cada vez mais o cenário, sendo necessário maior atenção dos juízes em temas como o negócio jurídico processual. Isto se dá pela fragilidade e sensibili-dade que comportam os requisitos de validade. Um acordo errôneo pode custar o direito de um menor ou de um vulnerável. Apesar dos exageros daqueles que levantam a bandeira contra um sistema processual prece-dido de maior liberdade, não podemos ignorar os argumentos deste por completo. O cuidado e a destreza não só dos juízes, mas também das partes, em prezar pelo fortalecimento do princípio da cooperação objetivando um processo em que não seja fomentado a desvirtuação moral e ética.

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