Crenças e Desavenças

15
CRENÇAS E DESAVENÇAS

description

Obra despretensiosa, alegre e irreverente sobre o dia a dia de personagens comuns. Crônicas sobre seres humanos incógnitos e ao mesmo tempo pulsantes de vida, anseios, crenças e desavenças, sentimentos, estes, universais...

Transcript of Crenças e Desavenças

Page 1: Crenças e Desavenças

Crenças e Desavenças

Page 2: Crenças e Desavenças
Page 3: Crenças e Desavenças

São Paulo 2009

Crenças e DesavençasJoão Batista GreGório

Page 4: Crenças e Desavenças

Copyright © 2009 by Editora Baraúna SE Ltda

Capa e Projeto GráficoAlline Benitez

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

______________________________________________________________C869.5 Gregório, João Batista Crenças e Desavenças / João Batista Gregório. - São Paulo : Baraúna, 2009. ISBN 978-85-7923-075-2 1. Literatura Brasileira. 2. Contos. 3. Cronicas. I. Título.

11-5328. CDU: 869.5

09.11.09 12.11.09 015367______________________________________________________________

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua João Cachoeira, 632, cj.11CEP 04535-002 Itaim Bibi São Paulo SP

Tel.: 11 3167.4261

www.editorabarauna.com.br

Page 5: Crenças e Desavenças

5

“Dedico esta obra a meus filhos e netos.”

Page 6: Crenças e Desavenças

6

Page 7: Crenças e Desavenças

7

Sumário

A Morte de Gilda ........................................................ 9As Comadres ............................................................ 13O Dr. Bráulio ........................................................... 17O Ovídio .................................................................. 21Café de Bugre ........................................................... 25A Luzia “Balaio” ....................................................... 29O Doctor Steeve ........................................................ 33A Glorinha ................................................................ 37A Ofélia..................................................................... 41O Sílvio Luis ............................................................. 45A Elza Camacho ....................................................... 49A Comadre Luzia Mineira ........................................ 53A Dra. Eneida .......................................................... 57O Adolpho Polaco .................................................... 61A Lubiana ................................................................. 65Irene e as Mãos do Morto ......................................... 69O Saco do Padre ....................................................... 73O Dr. Olavo Dantas Baraúnas ................................... 77A Tia Marina ............................................................ 81

Page 8: Crenças e Desavenças

8

Sombras Da Morte ................................................... 85O Ciro Ney ............................................................... 89A Rainha do Congo................................................... 93E La Nave Va... .......................................................... 97O Zeca “Lavanca” ................................................... 101A Dra. Virgínia ....................................................... 105A 1ª Dama e o Mendigo ......................................... 109A Tiúca .................................................................. 113O Dr. Lucca ............................................................ 117O Francisco ............................................................. 121A Lurdinha ............................................................. 125A Najla ................................................................... 129D. Thomaz ............................................................. 133A (O) Yasmin ......................................................... 137O Pastor ................................................................. 141O “Seu” Pedro Farinheiro - I ................................... 145O “Seu” Pedro Farinheiro - II ................................. 149O “Seu” Guerino .................................................... 153O “Seu” Avelino ..................................................... 157“’Chéiro Óbsceno no Aire” ...................................... 161Três Mulheres de Minha Infância ............................ 165

Page 9: Crenças e Desavenças

9

A MORTE DE GILDA

A Gilda morreu por volta das 3 horas da manhã de um domingo. Havia dançado a noite inteira no forró da velha guarda e, a pé, subiu o morro do São Lázaro até chegar a sua casa. Não teve tempo nem de remover a pe-sada maquilagem ou de tirar o reluzente vestido de soirée.

A Zilda, por sua vez, morreu por volta das 7:30 da manhã daquele mesmo domingo. Havia rezado bastante na missa das seis e, a pé, subiu o morro do Perpétuo So-corro até chegar a sua casa. Não teve tempo nem de lavar a louça do café ou de tirar o discreto vestido de “ver Deus”.

Gilda casou-se muito jovem, levada pelo “furor ute-rino” que sempre a acompanhou, desde a menarca (lem-bram-se dessa palavra?). Após o nascimento de seu quar-to filho, o marido faleceu, eletrocutado em cima de um poste, pois que trabalhava na “Cia. de Força e Luz”. Nun-ca mais arrumou outro marido, mas teve vários amantes até a sua morte, aos 82 anos.

O último deles, o Dodô Goiaba (vendia goiabas na rua, com um carrinho de pedreiro) era um pouco mais novo e

Page 10: Crenças e Desavenças

10

alcoólatra, batia nela e ainda torrava toda a pensão que a mulher recebia do finado marido. Os filhos viviam brigando com a mãe e a enxotar o velho safado da casa deles.

Tanto fizeram que Gilda largou tudo e foi morar com o amante numa casinha de dois cômodos.”Faço de tudo mas não vivo sem homem”, dizia ela.

A Zilda, por sua vez, demorou muito para se ca-sar.Seu desejo era ser freira, porém, lá pelos 25 anos, cedeu à insistência de seu Jacinto, viúvo com três filhas e dono de um pequeno açougue. Tiveram mais quatro filhas e ela deu um duro danado na vida para criar as 7 meninas, cuidar da casa e ainda ajudar o marido no açougue. Pior ficou quando “seu” Jacinto morreu ao levar uma chifrada de boi que lhe furou o pâncreas. A mulher resolveu tocar o açougue sozinha e assim, levan-tando todo dia às três da matina, destrinchando bois, enchendo linguiças e fazendo torresmos, conseguiu criar as filhas até o ponto em que elas conseguiram ajudá-la também.

Bom, mas as duas senhoras morreram no mesmo dia e foram vizinhas de velório.

Na sala onde estava o esquife de Gilda, tudo era gritaria ou choro exagerado. Só se ouviam imprecações contra Deus e discussões entre os 4 filhos e netos, os quais quase derru-baram o caixão em demonstrações exageradas de desespero.

Na sala onde estava o esquife de Zilda, tudo era silên-cio e respeito. Apenas se ouvia de vez em quando um mur-murejar de orações, um suspiro ou choro calmo de alguma das 7 filhas e netos, os quais não desgrudaram do caixão.

De repente, irrompe na sala de Zilda o velho Dodô

Page 11: Crenças e Desavenças

11

Goiaba, tão bêbado que nem percebeu que entrara no velório errado. Abraçou o caixão de Zilda e desandou a gritar: “Gilda, meu amor! O que aconteceu com você, minha velha?! Ainda ontem nós dançamos pra burro e agora tá aí, branca como um bicho de pau-podre!” As filhas da santa defunta ficaram pasmas, quase que sem ação. A mais velha recuperou-se mais rapidamente e disse, de uma forma educada, ao bebum: “Meu senhor, essa defunta é a Zilda, minha mãe. O velório da Dona Gilda é na sala ao lado.”

O velho, num olhar estrábico-etílico contestou, ba-bando: “Como não é a Gilda? Se fui amigado dela por cinco anos não vou reconhecer?! É ela sim; só falta o batom de puta. Passa batom nela prá ver se melhora essa cara de coruja.” A platéia ficou silente (gosto desta palavra) até que um dos parentes conseguiu colocar o Dodô prá fora.

Entrou na outra sala e recomeçou: “Ahá, te achei, sem vergonha! Queria ser enterrada sem me ver, né?” E deu corda à falsa cantilena de desespero até que um dos filhos da Gilda deu um sopapo no homem, vociferando: “O que você veio fazer aqui, seu safado? Já não chega o tanto que explorou minha mãe?!”

O velho pensou um pouco e arrematou: “Olha aqui... eu não gostava dela mesmo e vocês vão todos a merda! E... ó, vejam se enterram logo essa velha nojenta que ela morreu sem tomar banho!.” Deu as costas e saiu cambetiando, não sem antes levar um pontapé na bunda.

Page 12: Crenças e Desavenças

12

Já que falei em goiabas, segue a receita de:

Goiabada com Casca 3 Kg de goiabas vermelhas e maduras; 1 litro de água;

1 e 1/2 Kg de açúcar cristal; alguns cravos-da-Índia. Lave e retire os pontinhos pretos das goiabas. Corte-as ao meio e retire todas as sementes (bata as sementes no liquidificador com um pouco de água, passe-as na peneira até separar toda a polpa e reserve). Coloque as goiabas para cozinhar na água com alguns cravos-da-Índia por mais ou menos 1 hora e depois acrescente o açúcar e a massa peneirada, sem as sementes. Mexer sempre até dar o ponto de seu agrado (para comer às colheradas ou para cortar).

Obs: - Se preferir fazer geleia com a massa obtida das sementes, acrescente açúcar e cozinhe à parte.

Page 13: Crenças e Desavenças

13

AS COMADRES

As comadres, Gilda e Laura (minha tia), eram ínti-mas amigas e vizinhas de muitos anos. Eram tão amigas que quando foi inaugurada a segunda etapa do cemitério local, resolveram comprar túmulos vizinhos. Três: um para a Gilda, outro para a Tia Laura e o terceiro para o Tio Joaquim. Mandaram construir uma espécie de al-tarzinho (com nichos para as fotos) nas cabeceiras dos túmulos, encimado por uma cruz.

Mas, como não há mal que sempre dure e nem bem que não se acabe, certo dia essa forte amizade acabou-se e de forma trágica. Surgiu, não me lembro como, na casa de meus tios, um novo morador chamado de Toniqui-nho. Parece-me que era um conhecido antigo que ficou sozinho na vida e sem ter onde morar, foi acolhido pelo meu tio e adotado pela família. Era muito educado, fino mesmo e nem tão velho assim...

Para compensar a boa acolhida, ele fazia de tudo na casa, inclusive ajudava minha tia, que era costureira, a ar-rematar as roupas: cerzia os bolsos nas camisas, pregava os

Page 14: Crenças e Desavenças

14

botões e caseava (fazia aqueles buracos de enfiar os botões). Tanta eficiência acabou por despertar ciúmes na comadre Gilda que começou, maldosamente, a espalhar no bairro que sua comadre e o Toniquinho eram amantes...

Tamanha “fofoca” girou rapidamente e logo chegou aos ouvidos de minha tia. Pra quê!! De repente, aque-la santa mulher virou um serial Killer e armada de uma enorme foice, foi tirar satisfações com a vizinha. Gilda es-tava na janela, aliás, ao que parecia, ela nunca tinha nada para fazer pois, se não estava na casa dos outros, ficava de braços cruzados na janela.

Minha tia, da calçada, riscava o corte da foice no cimento até soltar faíscas e chamava a outra para fora: “Vem cá, sua vaca, eu vou cortar tua língua! Saia aqui fora, se for mulher.” A Gilda, de lá, respondia: “Vaca és tu... Vaca de dois touros!”

Tia Laura azulou... Pulou o muro, disposta à carni-ficina. A mulher fechou a janela, apressadamente, mas minha tia conseguiu estraçalhar a madeira com a foice.

Enquanto buscava pular a janela, meu tio e mais al-guns vizinhos tentaram segurá-la, mas ficaram com as saias nas mãos. Tia Laura entrou, e lá de dentro só se ouviam gritos desesperados. Quando conseguiram conter minha tia, encontraram a Gilda esparramada no chão, deitando sangue pelo rosto. Fora atingida com o cabo da foice, num golpe tão forte que lhe abriu um “rombo” na testa.

Chamaram a perua do SAMDU (ambulância da época) e levaram a Gilda que voltou mais tarde, com vá-rios pontos e um curativo enorme na testa. As duas nun-ca mais se falaram.

Page 15: Crenças e Desavenças

15

Morreu minha tia, morreu o Toniquinho e alguns anos mais tarde, foi-se também o meu tio Joaquim. A Gilda sobreviveu, ainda, por mais de trinta anos e mor-reu daquela maneira que eu relatei na crônica anterior. Fui ao seu enterro e o que me chamou a atenção, além do episódio do velório, foi o fato de que seu túmulo fora transformado: O altarzinho saiu da cabeceira do túmulo e foi reconstruído nos pés, de costas para as fotos de seus antigos desafetos.

Como receita de hoje, em homenagem às sopas que minha tia fazia para “seus velhos”, vou passar a:

Sopa-Creme de Abóbora2 kg de abóbora madura e picada; 2 cubos de caldo

de galinha; 1 peito de frango; 2 colheres (sopa) de marga-rina; 1 cebola picada; 1 lata de creme de leite (sem o soro) e folhas de couve rasgadas. Cozinhe o peito de frango em 1 litro de água e 2 tabletes de caldo de galinha. Desfie, grosseiramente, e reserve. Na água do caldo, cozinhe os pedaços de abóbora (10 minutos na panela de pressão). Bata a abóbora no liquidificador, com um pouco do cal-do e volte ao fogo. À parte, refogue o frango desfiado com 2 colheres (sopa) de margarina e a cebola batidinha. Junte o refogado de frango ao caldo de abóbora. Rasgue algumas folhas de couve e misture na sopa. Acrescente mais sal, se necessário e quando a couve estiver cozida, acrescente o creme de leite. Misture levemente e sirva com torradas ou queijo ralado. É divina!!!