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Crescimento, inflação e taxas de juro: dos anos sessenta aos nossos dias Vamos procurar transmitir da forma mais resumida possível o compor- tamento da economia norte-americana e inglesa quanto àquelas variáveis ma- cro-económicas. Escolhemos duas economias não com importância a nível da economia mundial como dispõem dos mercados monetários mais evoluídos e que influenciam os fenómenos monetários e financeiros mundiais. Faremos também uma referência breve à economia alemã. Utilizaremos para o produto dados trimestrais e para os preços e taxas de juro dados mensais. Ao lado da taxa de juro das obrigações do Estado (a mais de 10 anos) utilizamos uma taxa que traduz o comportamento do mercado monetário, “call money rate” no caso inglês, a “Federal Funds rate” no caso norte-americano e a “FIBOR” para o caso alemão. A taxa de inflação é aqui entendida como a evolução do IPC. As figuras que sustentam o que passamos a resumir virão no final deste ponto. Na primeira metade dos anos sessenta o produto cresce a taxas crescen- tes e elevadas. De seguida a sua taxa de crescimento cairá, de forma não unifor- me, até ao início da década de oitenta. A primeira metade dos anos oitenta verá a taxa de crescimento aumentar para voltar a cair na segunda metade e final- mente voltar a crescer desde 1991. No que respeita à taxa de inflação, vemos que o seu valor apesar de não muito elevado cresceu junto a 1965 para depois ter uma evolução acentuada- mente ascendente até ao final dos anos setenta. A taxa cairá abruptamente na primeira metade dos anos oitenta e voltará a crescer na segunda metade. Mas na viragem da década de oitenta para a de noventa a taxa de inflação tinha va- lores inferiores a metade do que havia registado dez anos antes.

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Crescimento, inflação e taxas de juro: dos anos sessenta aos nossos

dias

Vamos procurar transmitir da forma mais resumida possível o compor-

tamento da economia norte-americana e inglesa quanto àquelas variáveis ma-

cro-económicas. Escolhemos duas economias não com importância a nível da

economia mundial como dispõem dos mercados monetários mais evoluídos e

que influenciam os fenómenos monetários e financeiros mundiais. Faremos

também uma referência breve à economia alemã. Utilizaremos para o produto

dados trimestrais e para os preços e taxas de juro dados mensais. Ao lado da

taxa de juro das obrigações do Estado (a mais de 10 anos) utilizamos uma taxa

que traduz o comportamento do mercado monetário, “call money rate” no caso

inglês, a “Federal Funds rate” no caso norte-americano e a “FIBOR” para o

caso alemão. A taxa de inflação é aqui entendida como a evolução do IPC. As

figuras que sustentam o que passamos a resumir virão no final deste ponto.

Na primeira metade dos anos sessenta o produto cresce a taxas crescen-

tes e elevadas. De seguida a sua taxa de crescimento cairá, de forma não unifor-

me, até ao início da década de oitenta. A primeira metade dos anos oitenta verá

a taxa de crescimento aumentar para voltar a cair na segunda metade e final-

mente voltar a crescer desde 1991.

No que respeita à taxa de inflação, vemos que o seu valor apesar de não

muito elevado cresceu junto a 1965 para depois ter uma evolução acentuada-

mente ascendente até ao final dos anos setenta. A taxa cairá abruptamente na

primeira metade dos anos oitenta e voltará a crescer na segunda metade. Mas

na viragem da década de oitenta para a de noventa a taxa de inflação tinha va-

lores inferiores a metade do que havia registado dez anos antes.

A evolução da inflação apesar de acompanhada de perto pelas taxas de

juro de curto prazo ditará no fundamental o comportamento das taxas de juro

reais. Depois de um período de queda das taxas, de metade dos anos sessenta a

metade dos setenta, as taxas irão aumentar e terão valores históricos na primei-

ra metade dos anos oitenta, mostrando depois tendência para uma redução;

embora para valores bastante mais elevados que os do início dos anos sessenta.

Como podemos também constatar, ao compararmos o crescimento ten-

dencial do PIB e a inflação tendencial, a haver alguma relação entre estas variá-

veis ela será negativa, embora não linear.

Vejamos agora a evolução das taxas de juro e da inflação na Alemanha.

Os valores reais das taxas das Obrigações nunca tomaram valores negativos,

como aconteceu em Inglaterra e nos Estados Unidos. E não só as taxas reais

como as nominais podem ser muito bem aproximadas por uma constante, ape-

sar das flutuações verificadas, para os quatrocentos e sessenta meses aqui anali-

sados. De notar que mesmo na Alemanha as quedas da inflação são mais pro-

nunciadas que as das taxas de juro nominais.

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Breves observações sobre a história recente da política monetária

A política monetária do pós guerra dos nossos sistemas monetários dirigi-

dos foi caracterizada pela ideia de “cheap money”, pois que só assim podería-

mos obter o pleno emprego. De meados dos anos sessenta a meados dos setenta

os governos dos países desenvolvidos foram passando da referência aos valores

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das taxas de juro aos valores dos agregados monetários, como forma de acção

na condução da política monetária.

O mérito do novo olhar sobre os agregados monetários foi tanto da evo-

lução da inflação como da não fiabilidade das indicações dadas pela variável

privilegiada até então, a taxa de juro.

Vejamos alguns dos problemas que se colocaram à evolução das taxas de

juro:

- pelo seu comportamento expontâneo sabemos que os seus valores sobem em

período de redução da actividade económica;

- que uma actuação directa sobre as taxas de juro, no caso da subida, pode ter

efeitos bastante negativos sobre o sistema bancário, obrigando a intervenções

compensatórias, assim como leva a uma identificação óbvia do responsável da

medida, o que em regime democrático não agrada a quem tem de ser eleito

para se manter no governo;

- o seu valor real depende da formação das antecipações quanto à taxa de infla-

ção, o que é o mesmo que dizer que podemos ter uma ideia do que poderá ser,

mas nunca o poderemos conhecer com exactidão;

- as taxas de juro dependem não só de comportamentos internos, das unidades

de produção, das famílias e das autoridades monetárias, como de factores exter-

nos, como seja a liquidez internacional que pode ser uma resultante próxima do

comportamento das taxas de câmbio; por exemplo, de 1970 a 1973 as interven-

ções no mercado de câmbios levam a liquidez mundial a aumentar entre 15% a

45%;

- o fenómeno de ilusão monetária, resultante de comportamentos individuais e

de dados institucionais, vai-se reduzindo à medida que a inflação se instala, o

que trás inércia à própria evolução da inflação e leva as taxas de juro a adapta-

rem-se mais rapidamente à subida dos preços;

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- uma pequena economia dificilmente pode controlar a sua taxa de juro.

O interesse sobre os agregados monetários foi extensível ao crédito ban-

cário. Países como a França, a Itália, o Reino Unido e Portugal acabaram por

fazer uso, em períodos limitados, de políticas de controlo do crédito bancário.

Também nos Estados Unidos, na primeira metade dos anos oitenta, alguns eco-

nomistas se viraram para o total dos débitos das unidades não financeiras. Mas

esse interesse foi passageiro devido à alteração de uma relação estável entre essa

variável e o produto nominal.

Um dos problemas que de imediato se verificou na alteração do interesse

de controlar as taxa de juro para os agregados monetários resultou na coorde-

nação entre a política monetária e a orçamental. Uma política orçamental vira-

da para o objectivo de pleno emprego era coerente com uma política monetária

que desejava manter as taxas de juro a valores baixos. O investimento privado

não era afectado e a dívida pública era paga com juros fracos. A partir do mo-

mento que a inflação crescente se faz sentir, e a política passa a incidir sobre a

oferta de moeda, a descoordenação vai começar. Os governos vão continuar a

fazer uma política virada para o pleno emprego, com recurso a défices orça-

mentais e as taxas de juro vão reflectir-se, não só da mudança de política mone-

tária como do expansionismo orçamental. As novas taxas de juro vão ser desfa-

voráveis ao investimento privado e vão aumentar as despesas orçamentais com

a dívida pública. As variáveis que se apresentam no banco dos réus, como cul-

padas são: a política de controlo da oferta de moeda, e a inflação herdada; a in-

sistência passada no valor reduzido das taxas de juro; a política orçamental de

pleno emprego; e a política de orçamentos não equilibrados. Cada “escola” e

cada opinião política escolherá a explicação mais favorável à sua afirmação.

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A fixação de objectivos monetários, com carácter temporário ou passa-

geiro, surge no seguimento do primeiro choque petrolífero e pode ser tempora-

riamente identificada para os seguintes países:

Holanda 1976França 1976Austrália 1976Canadá 1975Espanha 1975Alemanha 1974Japão 1978Estados Unidos 1975Suíça 1974Itália 1974

Esta alteração de política correspondeu à passagem de uma inflação na

OCDE à volta de 5%, para os anos 1969-1970, para um valor superior a 10%

em 1974-1975. A evolução da liquidez internacional é a tradução das dificul-

dades no controlo da liquidez e da inflação, como podemos ver no gráfico

seguinte.

1969 1970 1971 1972 1973 1974 19750

10

20

30

40

50

%

Crescimento da liquidez Internacional

O exercício da política monetária através da utilização exclusiva do con-

trolo dos agregados monetários acabou por ser afectado por todo um conjunto

de factores, não independentes, tais como:

- a velocidade de circulação da moeda revelou-se mais instável do que os econo-

mistas admitiam,

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- a inovação financeira contribuía, sobretudo nos Estados Unidos, para o acrés-

cimo da instabilidade daquela velocidade e para gerar uma grande insegurança

nos responsáveis sobre quais os agregados a utilizar,

- o desenvolvimento de um novo mundo de câmbios flexíveis, onde os stocks de

divisas exigidos também ultrapassavam em muito o que se pensava ser uma das

características deste sistema cambial, levaram os países de moedas mais fracas a

aproximarem-se de moedas internacionais, e por essa via a gerirem a sua políti-

ca de forma a não criar instabilidade cambial,

- a nova liberdade de movimentos de capitais passava a ser feita num mundo de

múltiplas moedas, e não como se tinha conhecido no início do século, num

mundo de padrão-ouro, e onde o nome Libra significava quase o mesmo.

Pouco a pouco os economistas aceitaram que os bancos centrais

usassem, aquilo que alguns dos bancos sempre fizeram, toda a sua actividade

para influenciarem a economia no sentido desejado. O que significa usar o mer-

cado livre, mas também o mercado cambial e ainda a capacidade de persuasão

pelas declarações públicas dos seus responsáveis. A concentração num só instru-

mento cedeu o lugar às discussões sobre os novos objectivos da política monetá-

ria. E continuando nesta muito rápida resenha histórica devemos dizer que,

desde o início dos anos oitenta, os bancos europeus foram passando de uma ló-

gica de co-responsabilidade na gestão da procura global da economia de forma

a atingir o pleno-emprego, para uma lógica de estabilidade monetária. Preten-

dendo-se por “estabilidade monetária” o caminhar para taxas de inflação mais

baixas num contexto de fracas variações cambiais face a uma moeda

dominante.

Devemos lembrar que as economias abertas enfrentam dilemas que as

grandes economias não enfrentam. O dilema inglês, enunciado por A. Walters

no final dos anos oitenta, veio mostrar como a realidade da política económica

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pode esquecer princípios económicos há muito conhecidos. Uma pequena eco-

nomia aberta não pode ter a pretensão de controlar ao mesmo tempo a taxa de

inflação interna e a sua taxa de câmbio. Ela deve optar, ou pelo equilíbrio inter-

no ou externo. Um exemplo típico na Europa era o alemão. A Alemanha do

pós guerra optou pelo controlo da estabilidade dos preços, e a sua taxa de câm-

bio era determinada sem intervenção das autoridades monetárias alemãs. A In-

glaterra balanceou entre as duas políticas e talvez por razões de velho imperia-

lismo nunca admitiu que alguma vez fizesse uma política de estabilidade cambi-

al face ao Marco, e fê-lo.

Uma economia que opte pela estabilidade dos preços deverá permitir

que os valores internos e o estado da economia internacional fixem o valor da

sua taxa de câmbio. Se os preços internos evoluírem a taxas mais baixas que os

externos, a sua moeda verá o seu valor aumentar. O que acarretará uma redu-

ção em preços internos das importações. E assim podemos ter um ciclo virtuoso

da estabilidade dos preços.

Se uma economia optar por manter a sua estrutura de preços relativos

internacionais constante deverá optar pela estabilidade do valor da sua moeda e

adaptar-se à inflação externa. Se esta for elevada a sua também o será. É claro

que se uma economia seguir uma política de taxa de câmbio estável relativa-

mente a uma moeda de uma economia, ou área económica, de estabilidade de

preços, acabará por beneficiar de forma derivada dessa estabilidade de preços.

Foi o que aconteceu com as economia europeias face ao Marco alemão. Alcan-

çar a estabilidade cambial exige, no médio prazo, taxas de inflação semelhantes

entre as economias. No curto prazo a condição poderá ser relaxada se tivermos

em conta os diferenciais das taxas de juro.

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Alguns acontecimentos importantes nos procedimentos da política

monetária

Como acontecimentos que marcaram a nossa história recente devemos

salientar para além da passagem aos objectivos baseados nos agregados mone-

tário, a política de Paul Volcker, a crise da dívida dos países menos desenvolvi-

dos, as crescentes preocupações com as taxas de câmbio e a criação de uma

moeda única para países da União Europeia.

Paul Volcker marcou definitivamente a política monetária na sua direc-

ção do Sistema de Reserva Federal norte-americano. Até ao início de Outubro

de 1979 o Fed procurava controlar a Federal Funds Rate e passa em meados

desse mês a controlar o montante das reservas bancárias não obtidas por em-

préstimo (non-borrowed reserves). O que significou que as taxas de juro passa-

ram a ser determinadas livremente pelo mercado monetário e transmitidas ao

resto da economia. Esta alteração implicou não só a subida das taxas de juro,

como uma maior volatilidade das taxas no curto prazo, o que, diga-se de passa-

gem, era essencial em face dos valores atingidos pela inflação.

A crise do não pagamento da dívida dos países desenvolvidos levou a

que os países credores não pudessem dar-se ao luxo de continuar com uma vo-

latilidade das taxas de juro tão elevada, sob pena de todo o sistema financeiro

poder entrar em colapso. Nos Estados Unidos a passagem para o controlo das

reservas bancárias obtidas por empréstimo no Sistema (borrowed reserves) leva

a que as taxas de juro tenham uma evolução menos instável. Neste período as

economias mais abertas podem ver o significado de câmbios flexíveis, pela difi-

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culdade que sentem na estabilização (impossível) conjunta das taxas de câmbio

e das taxas de juro.

A grande preocupação com as taxas de câmbio é óbvia com a reunião

do Plaza Hotel (Setembro de 1985). Mais de dez depois vemos o problema ser

levantado com grande gravidade na Ásia. A Tailândia foi o primeiro país em

que tal se verificou. Mas para isso também contribuiu o contra-ciclo japonês à

especulação imobiliária e mobiliária que havia sido permitida.

Na Europa, e também em Portugal, os anos noventa vão ser ditados pela

necessidade de atingir a estabilidade monetária e orçamental necessários à in-

trodução de um moeda única em 1999.

Breve história da evolução da política monetária em Portugal

A política monetária seguida em Portugal baseou-se até 1984 no controlo ad-

ministrativo das taxas de juro. A política do Banco de Portugal ia no sentido de garan-

tir a estabilidade das taxas de juro e estabelecer um regime de reservas pouco simples,

em que vingava o desejo de financiar o Estado com recursos relativamente baratos.

No que respeita à taxa de juro, vejam-se os valores das taxas máximas na concessão

de crédito de mais largo prazo por parte da Caixa Geral de Depósitos.

61967-19695,5Set.1965-196651963-196451951-1962

4,251947-1950

Posteriormente a 1970 as alterações passaram a ser mais frequentes. Em para-

lelo com a política de estabilidade da taxa de juro e de reservas, acima referida, a polí-

tica monetária baseava-se em restrições aos movimentos de capitais com o exterior.

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Obviamente que as restrições eram mais fortes ao nível dos movimentos da conta de

capital.

O colapso de Bretton Woods em 1971 e a inflação portuguesa que se acelera

como resultado do primeiro choque petrolífero e da Revolução de 25 de Abril, levam

a mudanças importantes na política. Apesar da hostilidade às desvalorizações do escu-

do, era óbvia a sua desvalorização face às principais moedas assim como era óbvio o

processo contínuo de desvalorização, uma vez que a nossa inflação era superior à dos

nossos parceiros. A política iniciada em 1977 correspondeu ao que se afigurava como

possível: o enquadramento do crédito e a desvalorização deslizante do escudo. Tanto

uma como a outra são políticas destinadas a alcançar certos equilíbrios e a serem

abandonadas. Estas políticas permitiram a vigência de taxas de juro mais baixas do

que as que resultariam de medidas mais liberais.

No que respeita ao enquadramento do crédito a liberalização das taxas de juro

inicia-se em 1984 com a eliminação dos limites impostos às taxas passivas bancárias.

Em Setembro de 1988 as taxas activas deixam de estar limitadas, à excepção do crédi-

to à habitação. Os mercados cambiais, à vista e a prazo, foram criados em Outubro

de 1985 e em Fevereiro de 1987. Quanto aos quantitativos de crédito bancário, o de-

senquadramento ia minando a sua eficácia, e em Março de 1990 avançou-se para um

sistema de recomendações indicativas. Estas foram eliminadas em Janeiro de 1991.

O sistema de reservas obrigatórias foi simplificado em Março de 1989, com a

imposição de uma taxa única. A uniformização avançou em 1990 e 1991, assim como

o sistema da sua remuneração.

A passagem de um sistema de enquadramento do crédito a um sistema de con-

trolo indirecto desses quantitativos gerou um problema de liquidez bancária excessiva.

Em Dezembro de 1990 ficou acordado que a absorção dessa liquidez seria feita por

contrapartida de emissão de títulos da dívida pública. E a partir de Abril de 1991 a

nova política pode ser desenvolvida. As operações no mercado livre são do seguinte

tipo: intervenção regular, de concessão ou absorção de liquidez, no período de consti-

tuição das reservas obrigatórias; intervenção ocasional, dentro daqueles períodos de

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forma a estabilizar o mercado livre; e a concessão de crédito de última hora no último

dia de constituição de reservas e após terem terminado as operações do mercado livre.

A nossa adesão à CEE levou-nos a avançar mais rapidamente, por força dos

nossos compromissos, no sentido da liberalização dos movimentos de capitais, tendo

começado naturalmente pela conta de transacções correntes. O abandono da flutua-

ção deslizante do escudo em finais de 1990 levou a que o movimento de liberalização

dos movimentos de capitais fosse interrompido. Mas em Dezembro de 1992 assistimos

ao acto histórico do abandono da totalidade das restrições sobre os movimentos de ca-

pitais. Em 6 de Abril de 1992 o escudo aderia ao mecanismo da taxa de câmbio do

SME. Foi o começo da nossa história mais recente, que nos levou ao Euro.

No âmbito da política de refinanciamento bancário foi criada a possibilidade

de crédito automático overnight em Julho de 1993, que acabou por ser liberalizado em

Maio de 1996. Também em 1994 o Banco de Portugal passou a fazer conhecer a sua

taxa para absorção de liquidez no período de constituição das reservas e a oferecer

crédito em regime de leilão de taxas.. Também em 1994 a taxa obrigatória das reser-

vas passou de 17% para 2%, tendo o excesso de liquidez daqui resultante sido elimi-

nado com Títulos de Depósito do Banco de Portugal. Em 1996 também passou a

anunciar a taxa de juro em operações ocasionais de oferta de crédito por leilão. Esta é

uma forma de fazer conhecer as suas preferências quanto à evolução da taxa de juro.

Dentro dos activos elegíveis nas operações de cedência de liquidez passaram a fazer

parte, títulos de dívida privada, desde que cotados em Bolsa e sujeitos a alguns critéri-

os.

Na aplicação do acordado a nível da EU o Banco de Portugal viu a sua Lei

Orgânica de 1975 alterada três vezes. Em 1990 procurou-se reduzir o princípio e a

prática do automatismo do crédito ao Estado. Em 1995 foi mesmo estipulada a proi-

bição da concessão de descobertos ao Estado e de compra directa de dívida pública.

Ao mesmo tempo que se estabelecia que a sua atribuição principal era a estabilidade

dos preços. Finalmente em Janeiro de 1998 tivemos a nova Lei que se destina a pre-

servar a independência do Banco e a sua integração no SEBC em 1 de Janeiro de

1999.

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O Quadro de execução da política monetária na UEM

A partir de 1999 a política monetária na UEM vai ser executada num

novo contexto1. Vejamos qual e como se distribuem as responsabilidades.

O Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) é formado pelo Banco

Central Europeu (BCE) e pelos bancos centrais nacionais dos países da U.E. Os

bancos centrais dos países não participantes na UEM têm um estatuto particu-

lar, uma vez que não podem participar nas decisões que envolvem a política

monetária da UEM.

As funções do SEBC, são as funções atribuídas, em geral aos bancos cen-

trais nacionais:

- definir e aplicar a política monetária,

- conduzir as operações cambiais com o exterior,

- possuir e gerir as reservas cambiais oficiais dos países membros,

- promover o funcionamento regular do sistema de pagamentos,

- colaborar na supervisão prudencial das instituições de crédito

- promover a estabilidade do sistema financeiro,

- aconselhar as autoridades comunitárias e nacionais em matérias relacionadas

com a sua actividade, e

- coligir e divulgar as informações estatísticas de natureza monetária e financei-

ra.

No que respeita à primeira destas obrigações, sabemos que o principal

objectivo da política monetária é a estabilidade dos preços.

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1 Os onze países que farão parte da união monetária são os seguintes: Alemanha, Bélgica,França, Itália, Luxemburgo, Holanda, Irlanda, Espanha, Portugal, Áustria e Finlândia.

Os órgãos de decisão do SEBC são os órgãos de direcção do BCE, o

Conselho Geral, a Comissão Executiva e o Conselho de Governadores.

Fazem parte do Conselho Geral o Presidente e o Vice-Presidente do

BCE e todos os governadores dos bancos centrais participantes. Este órgão con-

tinua as tarefas do extinto Instituto Monetário Europeu, sendo de realçar as que

dizem respeito aos países da União Europeia não participantes na UEM.

A Comissão Executiva é formada pelo Presidente, Vice-presidente e qua-

tro outros membros escolhidos entre indivíduos de competência reconhecida

em assuntos monetários ou bancários. A sua nomeação é feita ao nível de um

Conselho Europeu depois da consulta ao Parlamento Europeu e ao Conselho

de Governadores do Banco Central Europeu, sendo a escolha feita com o acor-

do dos governos dos Estados membros, ao nível de Chefes de Estado ou Gover-

no.

O Conselho de Governadores compreende todos os membros da Comis-

são Executiva e os governadores dos bancos centrais participantes na UEM.

Estes órgãos têm responsabilidades ditadas pela sua composição, ou mais

técnica ou mais política. Assim, cabem ao Conselho de Governadores, para

além das antigas funções do IME, e já referidas, as seguintes: funções de aconse-

lhamento; de recolha de informação estatística; apresentação semanal do relató-

rio financeiro consolidado, e dos relatórios trimestrais e anuais; a indicação de

regras de uniformização contabilística das operações dos bancos centrais nacio-

nais; a responsabilidade de fixar as taxas de câmbio irrevogavelmente fixas dos

países da EU que aderem mais tarde à UEM, quando tal for o caso.

A Comissão Executiva é a responsável pela aplicação da política mone-

tária tal como foi decidida pelo Conselho de Governadores do BCE e ainda pe-

las responsabilidades que este Conselho lhe delegar.

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O Conselho de Governadores é responsável pela orientação geral da po-

lítica do SEBC e em particular da política monetária da UEM, o que inclui de-

cisões acerca de objectivos monetários intermédios, taxas de juro escolhidas,

oferta de reservas no SEBC e linhas de orientação da sua aplicação.

Dentro do espírito de independência no processo de tomada de decisões

do SEBC, os seus governadores devem ser nomeados por um período mínimo

de cinco anos, com possibilidade de renovação, enquanto os membros da Co-

missão têm um mandato não renovável por oito anos. As substituições antes do

termo dos mandatos apenas serão feitas em caso de invalidez ou de má

conduta.

A política monetária do SEBC terá por base três tipos de intervenções:

(a) operações de mercado livre; (b) operações de absorção e cedência de

liquidez; e (c) depósitos de reservas mínimas. As operações de crédito que envol-

vem o SEBC e o sistema bancário da UEM são operações que pressupõem o

reembolso no final do respectivo prazo. Façamos uma exposição abreviada das

diferentes intervenções.

(a) com as operações de mercado livre o SEBC pretende controlar os movimen-

tos das taxas de juro, a liquidez no próprio mercado e poder transmitir sinais do

sentido da política monetária. São várias as operações feitas no mercado livre.

As operações principais são operações de oferta ao melhor preço feitas por ban-

cos centrais nacionais, com frequência semanal e maturidade quinzenal. Estas

operações constituirão as operações principais na oferta da liquidez ao sector fi-

nanceiro. As operações de refinanciamento de longo prazo são executadas pelos

bancos centrais nacionais ao melhor preço e terão uma periodicidade mensal

para maturidades de três meses. O SEBC não deverá fazer uso destas operações

para dar sinais ao mercado do sentido da sua política. As operações de fine-tu-

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ning são feitas sem periodicidade prévia. Destinam-se a gerir a liquidez no mer-

cado livre e a corrigir movimentos da taxa de juro provocados por flutuações de

liquidez não esperadas. Os instrumentos que nestes casos serão utilizados de-

pendem do tipo de correcção a efectuar. Também estas operações serão execu-

tadas pelos bancos centrais nacionais. O Conselho de Governadores do SEBC

pode decidir que também o BCE as execute. Por fim, temos operações ditas es-

truturais. São operações com certificados de dívida (Títulos de Intervenção Mo-

netária, no nosso caso), operações de crédito e de empréstimos caucionados. Es-

tas operações, decididas pelo BCE, são executadas pelos bancos centrais nacio-

nais, para corrigirem a posição do SEBC face ao Sistema Financeiro.

(b) As operações de overnight destinadas a absorver e a conceder liquidez, com

caução de valores elegíveis, informam o mercado dos valores desejados para as

taxas de juro. As taxas aqui praticadas limitarão as taxas das operações de over-

night do mercado livre. A taxa de cedência como teto e a de absorção como li-

mite inferior. Estas operações serão realizadas pelos bancos centrais nacionais

com instituições de crédito por eles escolhidas.

(c) Caberá ao Conselho de Governadores do BCE decidir da aplicação ou não

de reservas mínimas. A existência de reservas mínimas será considerada como

um instrumento de política e não com qualquer outro fim. A sua aplicação será

feita numa base de média mensal das posições diárias em reservas.

As operações feitas ao melhor preço (leilão) pelos bancos centrais nacio-

nais são enviadas ao BCE em Frankfurt, que as afectará a cada mercado nacio-

nal. Dentro do espírito de desenvolver um mercado monetário europeu, os ban-

cos comerciais europeus acordaram na institucionalização de uma taxa Euribor.

Esta taxa será um passo importante no aumento da eficácia do processo de

transmissão das operações do SEBC ao resto da economia.

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Até agora não dissemos nada sobre a supervisão das operações das insti-

tuições de crédito no âmbito do SEBC. Actualmente a supervisão está nas mão

de instituições nacionais. O princípio da nacionalidade da sede do ponto de vis-

ta do direito e assim da fiscalização e sanções é ainda importante. Na EU temos

dois sistemas de igual importância: o da supervisão exercida pelo respectivo

banco central e o da supervisão atribuída a uma instituição própria, indepen-

dente do banco central. Encontramos também países em que a supervisão res-

peita ao sector financeiro, como um todo, a qual é neste caso atribuída a uma

instituição que não o banco central (Dinamarca, Áustria, Suíça e Reino Unido,

assim como a vizinha Noruega), e outros sistemas em que existe divisão de âm-

bito por parte de diferentes instituições, onde se inclui o banco central, ou com-

binações daquelas. No caso português temos o Banco de Portugal com respon-

sabilidades sobre as empresas financeiras, o Instituto Português de Seguros so-

bre as empresas seguradoras e a Comissão de Valores Mobiliários sobre o mer-

cado accionista e obrigacionista em geral.

Os problemas que se colocam à supervisão podem ser resumidos em al-

guns pontos. Uma supervisão com base nacional pode levar a aumentar o risco

moral do sistema na EU, por uma atitude permissiva e de defesa das instituições

nacionais. O que não é difícil de prever com o poder de pressão que as institui-

ções financeiras detêm sobre os governos. A divisão de atribuições de supervisão

entre diferentes instituições pode afectar a eficácia da supervisão embora au-

mente a possibilidade de circulação de informação entre os responsáveis da su-

pervisão. A separação dessas responsabilidades dos restantes poderes dos bancos

centrais podem beneficiar uma eficaz fiscalização na medida em que o SEBC

deverá concentrar a sua política nos objectivos definidos da política monetária e

não em considerações de estabilidade do sistema financeiro. Mas ao mesmo

tempo a própria estabilidade do sistema é afectada porque são os bancos cen-

Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99João Sousa Andrade___________________________________________________________________________

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trais que de facto se constituem, por razões naturais, como os últimos apoios de

instituições em dificuldade e constituem de facto a instituição mais próxima des-

tas.

As respostas a estes problemas têm tido até agora uma base nacional que

resulta da história de cada um dos países, trata-se de criar para o futuro algo

sem passado mas que é essencial ao funcionamento harmonioso, estável e em

estabilidade monetária, do sector financeiro europeu. Não podemos esquecer

que nos últimos anos assistimos a (a) uma concentração bastante grande no sec-

tor financeiro; (b) à internacionalização crescente dessas instituições no mundo

e na Europa; e (c) a prática do seu desenvolvimento em conglomerados dificil-

mente pode levar a separar as actividades destas instituições financeiras. Estes

desenvolvimentos por si só justificam alterações da supervisão a nível nacional,

às quais se devem juntar as que resultam na nova realidade da UEM.

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