Crime e estelionato em Hollywood - Portal PUC-Rio Digitalpuc-riodigital.com.puc-rio.br/media/17 -...

3
máxima que diz que “a mentira tem perna curta” parece não valer em Hollywood. Em grandes sucessos do cinema americano, o mocinho sai vito- rioso passando a perna em boa parte dos perso- nagens. Na maioria das vezes, o mentiroso profis- sional é um estelionatário que, para atingir seus objetivos, aplica diferentes tipos de golpes. Dois criminosos eternizados nas telas são Frank Abagnale Jr. e Tom Ripley. Contada no filme P renda-me se for capaz, a história de Abagnale já era conhecida por todos bem antes. Os lendários golpes do farsante ficaram famosos na vida real por volta de 1960. Mestre na arte do dis- f a rce, ainda jovem se passou por piloto, advogado e médico – tudo antes de completar 21 anos de idade e, extraordinariamente, nunca foi preso pelo FBI. Na época, chegou a embolsar 2,5 milhões de dólare s . Hoje, depois de revelar seus golpes, é dono de uma f i rma de segurança especializada em desvendar os mesmos tipos de crimes que cometia. Entretanto, a história não precisa ser verdadeira para inspirar Hollywood. Baseada no romance O sol por testemunha, de Patricia Highsmith, o filme O talentoso Ripley (1999), não é a primeira versão para o cinema da história do jovem capaz de imi- tar, com perfeição, a assinatura, a voz e os tre- jeitos de uma pessoa. Alain Delon já havia vivido Tom Ripley em 1960, no filme homônimo ao romance. A razão do sucesso dessa história é o fascínio que o golpe bem realizado por Ripley exerce sobre o público. Tudo acontece quando, graças a um casaco e m p restado, o jovem conhece o empresário Herbert G reenleaf que lhe oferece uma boa quantia em di- n h e i ro para ir à Europa trazer de volta seu filho, o bon vivant Dickie. Ripley aceita a oferta e torna-se amigo do herd e i ro e de sua namorada Marge. Ele fica fascinado com a vida que o milionário leva e tenta, de todas as formas, fazer parte daquilo. E n t retanto, o passado de Ripley gera desconfianças e cria situações contrárias a seus interesses. Isso o leva a matar Dickie e assumir sua identidade. A sordidez dos atos do impostor faz com que seu veredicto seja uma incógnita para o público. Ripley tem o sonho de se tornar outra pessoa e, sem quais- quer escrúpulos, faz de tudo para assumir a identi- dade de um homem em quem projetou todos os seus desejos. Esse sentimento aflora no momento ALINE NOVAES, ITAMAR DE ASSIS JR., JULIANA DAMETTO E LUCIANA AZEVEDO É tudo mentira! 67 Poster do filme O Talentoso Ripley com Matt Damon Mentiras que chegam às telas de cinema e se tornam as maiores estrelas dos filmes Crime e estelionato em Hollywood

Transcript of Crime e estelionato em Hollywood - Portal PUC-Rio Digitalpuc-riodigital.com.puc-rio.br/media/17 -...

máxima que diz que “a mentira temp e rna curta” parece não valer emHollywood. Em grandes sucessos docinema americano, o mocinho sai vito-

rioso passando a perna em boa parte dos perso-nagens. Na maioria das vezes, o mentiroso profis-sional é um estelionatário que, para atingir seusobjetivos, aplica diferentes tipos de golpes. Doiscriminosos eternizados nas telas são FrankAbagnale Jr. e Tom Ripley.

Contada no filme P renda-me se for capaz, a históriade Abagnale já era conhecida por todos bem antes.Os lendários golpes do farsante ficaram famosos navida real por volta de 1960. Mestre na arte do dis-f a rce, ainda jovem se passou por piloto, advogado emédico – tudo antes de completar 21 anos de idadee, extraordinariamente, nunca foi preso pelo FBI. Naépoca, chegou a embolsar 2,5 milhões de dólare s .Hoje, depois de revelar seus golpes, é dono de umaf i rma de segurança especializada em desvendar osmesmos tipos de crimes que cometia.

En t retanto, a história não precisa ser verd a d e i r apara inspirar Hollywood. Baseada no romance Osol por testemunha, de Patricia Highsmith, o filmeO talentoso Ripley (1999), não é a primeira versãopara o cinema da história do jovem capaz de imi-t a r, com perfeição, a assinatura, a voz e os tre-jeitos de uma pessoa. Alain Delon já havia vividoTom Ripley em 1960, no filme homônimo aoro m a n c e.

A razão do sucesso dessa história é o fascínio queo golpe bem realizado por Ripley exerce sobre opúblico. Tudo acontece quando, graças a um casacoe m p restado, o jovem conhece o empresário HerbertG reenleaf que lhe oferece uma boa quantia em di-

n h e i ro para ir à Europa trazer de volta seu filho, obon vivant Dickie. Ripley aceita a oferta e torn a - s eamigo do herd e i ro e de sua namorada Marge. Elefica fascinado com a vida que o milionário leva etenta, de todas as formas, fazer parte daquilo.E n t retanto, o passado de Ripley gera desconfiançase cria situações contrárias a seus interesses. Isso oleva a matar Dickie e assumir sua identidade.

A sordidez dos atos do impostor faz com que seuveredicto seja uma incógnita para o público. Ripleytem o sonho de se tornar outra pessoa e, sem quais-quer escrúpulos, faz de tudo para assumir a identi-dade de um homem em quem projetou todos osseus desejos. Esse sentimento aflora no momento

ALINE NOVAES, ITAMAR DE ASSIS JR., JULIANA DAMETTO E LUCIANA AZEVEDO

É tudo mentira!67

Poster do filme O Talentoso Ripley com Matt Damon

Mentiras que chegam às telas de cinema e se tornamas maiores estrelas dos filmes

Crime e estelionato em Hollywood

em que ele é rejeitado pelo grupo. A amargura e orancor por ser excluído tornam difícil um julga-mento. Os crimes, nesse caso, são justificados e seapóiam na patologia. Ripley escapa da lei, masnão da sua consciência. Após o assassinato, ele sevê envolto em uma crise existencial e não conseguese desvencilhar da rede que ele mesmo criou.

O perfil do estelionatárioNo caso de Ripley, a mentira não é apenas a carac-terística original do estelionato – meio do criminosoconseguir vantagens na sociedade – mas se tornauma patologia. Segundo a psicóloga daCorregedoria de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,Maria Eugênia Brasil, o ato de mentir pode aproxi-mar o criminoso da vítima. “É uma maneira deinduzir a vítima chegar aonde ele quer chegar. Amentira seria o veículo de convencimento e apro-ximação do outro, pois, através dela, o criminosoalcança os seus objetivos. Acho que a mentira seriauma espécie de aliada do criminoso”, comenta.

Além disso, a fronteira entre o ato de mentir e acompulsão é muito tênue. “Tudo que é feito def o rma compulsiva é uma patologia. Existem aque-las mentirinhas que a gente conta para evitar umsofrimento ou algo parecido, essa seria uma menti-ra inocente. Mas as pessoas que usam a mentira

com a finalidade de se dar bem, e essa mentira fazp a rte do seu cotidiano, pode ser uma patologia”,a rgumenta a psicóloga, que diz ainda ser possíveluma pessoa mentir para si mesmo. “Se a pessoa estásaudável mentalmente saberá que aquilo que estáfalando é realmente uma mentira. Se estiver doentementalmente pode não perc e b e r. Nesse caso, a men-tira se confunde com a realidade do próprio crimi-noso. São os casos patológicos”, afirma ela.

Fora das telas, aqui no Brasil, o estelionato é umcrime previsto no código penal no famoso artigo 171.A definição prevista no código caracteriza o crimecomo “obter, para si ou para outrem, vantagem ilíci-ta, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendoalguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qual-quer outro meio fraudulento”. O texto da lei pre v êcomo pena reclusão de um a cinco anos e multa.

Com o passar do tempo, os golpes se moder-nizaram. Nada de se passar por outras pessoas. Osgolpes no Brasil são menos ardilosos e mais tec-nológicos. Segundo a advogada Fernanda Bianco,os preferidos pelos criminosos brasileiros sãocheques sem fundos e cartões clonados. “Acreditoque esses sejam os mais comuns. Atualmentehouve uma forte onda de golpes do chamado“cartão premiado” em que o criminoso se apresen-tava como representante de uma empresa de tele-fonia, oferecendo prêmios em troca da compra deuma determinada quantidade de cartões de celu-lares pré-pagos e de seus respectivos códigos, queserão utilizados para que os golpistas façam li-gações de celulares”, conta.

Fe rnanda ainda alerta para os riscos de cair ema rmadilhas como essa e dá dicas, para quem nãotem a mesma lábia de Frank Abagnale Jr., não serenganado com tanta facilidade. “Creio que a princi-pal arma contra os golpes seja a informação. Isto sig-nifica dizer que se você não tem conhecimentoàquele respeito, não acredite piamente em tudo queum desconhecido lhe disser. Busque inform a ç õ e ss o b re o produto, o negócio e sobre as pessoas envolvi-das. Sempre analise e estude duas vezes a situaçãoantes de concretizar uma compra ou transação. Hátambém aquele velho ditado popular, muito sábio aeste respeito que diz que ‘quando a esmola é demais,o santo desconfia’. As pessoas devem desconfiar dequalquer promoção mirabolante ou algo que traga

Julho/Dezembro 200568

l u c ro rápido, pois os golpistas abusam da boa fé parailudi-las”, afirma a advogada.

No tribunal, assim como no divã, a verdade éessencial. Maria Eugênia lembra que os psicólogostomam como verdade as falas de criminosos,estratégia utilizada também por advogados. “Notribunal, o que mais existe é a contradição. Mas eu

tenho que tomar aquilo como verdade. No con-sultório, acontece a mesma coisa. Nós, psicólogos,somos treinados para ouvir a verdade do cliente enão a mentira. Partimos do pressuposto que aquiloque está sendo trazido tanto na clínica quanto notribunal é uma verdade, pois só assim poderemosajudar nosso cliente”, afirma a psicóloga.

É tudo mentira!69

Frank Abagnale Jr.O personagem que inspirou ofilme P renda-me se for capaz,Frank William Abagnale Jr. nas-ceu em 03 de março de 1948. Jácom 16 anos e seus pais divorc i a-dos, mudou-se para Nova Iorq u e .Sua primeira alteração de docu-mentos aconteceu quando tiro up roveito de sua aparência de maisvelho e alterou sua carteira demotorista para 26 anos, a fim deconseguir um empre g o .

As primeiras fraudes acontece-ram quando fez depósitos falsosque iriam parar em sua conta.Com isso, conseguiu mais de 40mil dólares antes que o bancodescobrisse. Foi quando ele teveque mudar de identidade. Ficoumuito famoso por suas cópiasquase perfeitas de cheques e docu-mentos de seguro.

Para conseguir viajar gratuita-mente por todo mundo, Abagnalese disfarçou de piloto da Pan Am,com o nome de “Frank Wi l l i a m s ” .Por dois anos o disfarce deu cert o ,já que possuía um uniforme ofi-cial e, previamente, havia feitouma entrevista com um piloto dacompanhia, além de adquirir umc e rtificado para pilotar aviões.

Mais tarde, ele se fez de pediatraem um hospital da Geórgia com onome de “Frank Conners”. Depoisde se tornar amigo de médicosv e rd a d e i ros, chegou a superv i s o rresidente até que fosse encontradoalguém para o cargo. Foi quasedespedido quando quase deixouum bebê morrer por falta deoxigênio (ele não tinha a mínimaidéia do que era um “bebê azul”).Na maioria das vezes, deixavaque os internos resolvessem os

casos. Somente depois de onzemeses no cargo, o hospital achouum substituto.

Ele também forjou um diplomada Universidade de Harv a rd, emD i reito, e passou num exame deseleção, conseguindo um empre-go no escritório da Pro c u r a d o r i aGeral do Estado de Louisiana. Emoutra ocasião, falsificou umdiploma da Universidade de Co-lumbia e lecionou Sociologia naBringham Young University porum semestre. Nesse período, co-nheceu Rosalie, com quem come-çou a se relacionar e contou todaa verdade sobre sua identidade etudo o que havia feito. Ela pro m e-teu não contar nada a ninguém,mas quando a polícia o encon-t rou, ele percebeu que ela o haviad e n u n c i a d o .

Em cinco anos, ele usou oito iden-tidades e passou cheques falsos quesomaram valores superiores a 2,5milhões de dólares em 26 países. Od i n h e i ro servia para a manu-tenção de um alto padrão de vida.Abagnale freqüentava lugares ca-ros e usava roupas caras.

Sua prisão aconteceu na França,em 1969, quando um funcionáriode uma empresa aérea o re c o-nheceu ao ver um cartaz dep rocurado pela polícia. Quandofoi preso, todos os 26 países ondehavia cometido fraudes queriamsua extradição. Passou os seisp r i m e i ros meses de prisão naFrança e foi extraditado para aSuécia, lugar em que perm a n e c e uum ano preso. Mais tarde, um juizo deportou para os EstadosUnidos, onde foi sentenciado acumprir 12 anos em uma prisãofederal por múltiplos tipos def r a u d e s .

Em 1974, o governo americano ol i b e rtou com a condição de que eleajudasse as autoridades federaiscontra fraudes. Depois da liber-tação, Abagnale tentou inúmero se m p regos, mas não se deu por sa-tisfeito. Finalmente pro c u rou umbanco e ofereceu os seus serv i ç o s .Contou sobre a sua experiência ep ropôs aos bancos a investigaçãode vários tipos de fraudes comunsque passavam despercebidas. Se osbancos achassem sua ajuda poucosignificativa, não teriam quepagar por seu trabalho. Natu-ralmente, os bancos ficaram im-p ressionados com sua atuação e,com os resultados empre s a r i a i salcançados, Frank começou umavida honesta como consultor.

Com isso, fundou a Abagnale eAssociados, que investiga fraudesno mundo dos negócios e re a l i z aconferências. Hoje, Abagnale éum multimilionário que apuraquestões de detecção de fraudes efaz consultoria administrativa dep revenção.

Em 1980, vendeu os direitos dofilme P renda-me se for capaz, quefoi um livro escrito por ele. Em2002, escreveu o livro The Art ofS t e a l e, mais recentemente, em2004, foi autor da obra Real UGuide To Identity Theft.

O verdadeiroFrank

Abagnale Jr