Crimes Contra a Administracao Publica

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DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA No Título XI da Parte Especial, o CP dispõe acerca dos crimes contra a administração pública. Referido título é, atualmente, depois das alterações promovidas pelas Leis n° 10.028/2000 e 10.467/2002, composto por cinco capítulos, quais sejam. - Capítulo I – Dos crimes praticados por funcionários públicos contra a administração em geral (artigos 312 a 327); - Capítulo II – Dos crimes praticados por particular contra a administração em geral (artigos 328 a 337-A); - Capítulo II-A (acrescentado pela Lei n° 10.467/2002) – Dos crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira (artigos 337-B a 337-D); - Capítulo III – Dos crimes contra a administração da justiça (artigos 338 a 359); e - Capítulo IV (acrescentado pela Lei n° 10.028/2000) – Dos crimes contra as finanças públicas. O termo administração pública é utilizado pelo CP no sentido de proteção ao interesse da normalidade funcional, probidade, prestígio, incolumidade e decoro (Hungria). Atinge, desse modo, não só as atividades do Poder Executivo, como também a dos demais poderes constituídos. Os crimes podem ser cometidos por funcionários públicos e por particulares. O conceito de funcionário público é aquele conferido pelo art. 327 do CP. Trata-se de definição bem mais ampla do que a apresentada pelo Direito Administrativo, que emprega, atualmente, a denominação “servidor público”. Isso porque, para fins penais, é o bastante o exercício de uma função de natureza e interesse público. Com efeito, estende-se a qualidade a todas as pessoas que exerçam qualquer atividade com fins próprios do Estado, ainda que estranhas à administração pública, com ou sem remuneração (Mirabete). Na lição de Hungria, “não é propriamente a qualidade de funcionário público que caracteriza o crime funcional, mas o fato de que é praticado por quem se acha no exercício de função pública, seja esta permanente ou temporária, remunerada ou gratuita, exercida profissionalmente ou não, efetiva ou interinamente, ou per accidens (ex.: o jurado, a cujo respeito achou de ser expresso o art. 438 do Código de Processo Penal; o depositário nomeado pelo juiz, etc.)”. Cumpre transcrever o referido dispositivo:

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DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

No Título XI da Parte Especial, o CP dispõe acerca dos crimes contra a administração

pública. Referido título é, atualmente, depois das alterações promovidas pelas Leis n°

10.028/2000 e 10.467/2002, composto por cinco capítulos, quais sejam.

- Capítulo I – Dos crimes praticados por funcionários públicos contra a administração

em geral (artigos 312 a 327);

- Capítulo II – Dos crimes praticados por particular contra a administração em geral

(artigos 328 a 337-A);

- Capítulo II-A (acrescentado pela Lei n° 10.467/2002) – Dos crimes praticados por

particular contra a administração pública estrangeira (artigos 337-B a 337-D);

- Capítulo III – Dos crimes contra a administração da justiça (artigos 338 a 359); e

- Capítulo IV (acrescentado pela Lei n° 10.028/2000) – Dos crimes contra as finanças

públicas.

O termo administração pública é utilizado pelo CP no sentido de proteção ao interesse

da normalidade funcional, probidade, prestígio, incolumidade e decoro (Hungria). Atinge,

desse modo, não só as atividades do Poder Executivo, como também a dos demais poderes

constituídos.

Os crimes podem ser cometidos por funcionários públicos e por particulares.

O conceito de funcionário público é aquele conferido pelo art. 327 do CP. Trata-se de

definição bem mais ampla do que a apresentada pelo Direito Administrativo, que emprega,

atualmente, a denominação “servidor público”. Isso porque, para fins penais, é o bastante o

exercício de uma função de natureza e interesse público.

Com efeito, estende-se a qualidade a todas as pessoas que exerçam qualquer atividade

com fins próprios do Estado, ainda que estranhas à administração pública, com ou sem

remuneração (Mirabete). Na lição de Hungria, “não é propriamente a qualidade de

funcionário público que caracteriza o crime funcional, mas o fato de que é praticado por

quem se acha no exercício de função pública, seja esta permanente ou temporária,

remunerada ou gratuita, exercida profissionalmente ou não, efetiva ou interinamente, ou per

accidens (ex.: o jurado, a cujo respeito achou de ser expresso o art. 438 do Código de

Processo Penal; o depositário nomeado pelo juiz, etc.)”.

Cumpre transcrever o referido dispositivo:

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Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

O caput alcança inclusive os que exercem cargo, emprego ou função de caráter

transitório ou sem remuneração (jurado, depositário judicial, etc). Refere-se aos agentes que

desempenhem cargo, emprego ou função na administração direta (ministérios, secretarias,

etc) e indireta (autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas

públicas), pois, para fins criminais, não há a divisão da administração pública nestes ramos.

Originariamente, a primeira parte do §1° (funcionário público por equiparação) constava

no parágrafo único do art. 327, sendo posteriormente renumerado pela Lei n° 6.799/1980 que

inseriu ainda o atual §2°, que contém uma causa de aumento de pena. A Lei n° 9.983/2000,

por sua vez, alterou a redação do §1° para incluir a atual segunda parte do dispositivo.

A despeito da clareza da redação, há grande divergência na doutrina em relação à norma

do art. 327 do CP. Há quem entenda que os empregados das entidades paraestatais não são

considerados como funcionários públicos para efeitos penais, tendo em vista o fato de tais

entes não desempenharem funções próprias do Estado. O entendimento, porém, só subsiste de

lege ferenda.

Outros aduzem que, em relação aos entes previstos no §2°, somente os dirigentes

(ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento) são

considerados funcionários públicos para os efeitos penais. Tal posição, com a devida vênia,

contrasta com a orientação ampliativa da expressão funcionário público, utilizada pelo

Direito Penal.

De fato, a norma não deixa dúvidas: são funcionários públicos, para efeitos penais,

quem exerce cargo, emprego ou função em entidade da administração direta ou indireta, bem

como em entes paraestatais, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração. Se o delito for

cometido por ocupante de cargo em comissão ou de função de direção ou assessoramento de

órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação

instituída pelo poder público, sobre a pena incidirá o aumento de um terço. Porém ante a

ausência de previsão legal, os dirigentes de autarquias não sofrerão a incidência da majorante

do §2°.

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Além disso, por força da parte final do §1°, também é funcionário público quem trabalha

para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade

típica da Administração Pública, como serviço de iluminação, saúde, transporte, segurança

pública, energia elétrica, etc. Como afirma Damásio, a norma não alcança a contratos e

convênios firmados sem a finalidade de exercício de atividades típica da a Administração, o

que exclui os funcionários de empresas contratadas para a execução de obras ou serviços de

interesse da própria Administração Pública, como a construção, reforma ou mesmo limpeza

de um edifício público.

Não são funcionários públicos para efeitos penais as pessoas que exercem um munus

público, em casos nos quais prevalece um interesse privado, e que não se confundem com

função pública. São as hipóteses do tutor, curador, inventariante e depositário judicial,

síndico e liquidatário, entre outras.

Divergem-se, ainda, doutrina e jurisprudência acerca da seguinte questão: o conceito do

art. 327 só se aplica aos crimes previstos no Capítulo I ou também aos delitos previstos no

Capítulo II? Ou seja, somente se adota o conceito do art. 327 quando o “funcionário público”

for sujeito ativo do delito, ou também se ele for vítima da ação delituosa? Assim, por

exemplo, questiona-se se o desacato cometido contra funcionário público por equiparação

constitui o delito do art. 331 do CP?

Há ponderável corrente doutrinária (Hungria, Noronha, Capez, Moura Teles) e

jurisprudencial (JSTJ 8/244; RT 483/312; 378/181; 409/70; 606/449) no sentido de que a

equiparação ocorre apenas com relação ao sujeito ativo do crime, fundamentando-se na

disposição topográfica do art. 327, inserido no Capítulo I, que trata dos crimes cometidos por

funcionário público contra a administração.

Acredita-se, no entanto, que a razão está com Fragoso e Mirabete, para o qual

“referindo-se a lei genericamente a ‘efeitos penais’, não há porque se excluir do conceito de

sujeito passivo do crime aqueles que a lei equipara ao funcionário público como agente do

delito (RT 655/324), máxime quando se admite como vítima de crimes praticados contra

funcionários públicos, aqueles que não o são no sentido estrito”. Este é, inclusive, o

entendimento do STF (RT 788/526; 606/449; HC 79.823-RJ, Informativo n° 183).

Cumpre registrar, ademais, que é pacífica a orientação de que o conceito do art. 327 do

CP é aplicado a outros tipos previsto na legislação penal brasileira. A divergência, portanto,

restringe-se aos crimes do Capítulo II.

Doutrinariamente, denomina-se crime funcional o que somente pode ser cometido por

funcionário público, tratando-se de delito próprio. São, por exemplo, os definidos no Capítulo

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I. Os crimes funcionais dividem-se em próprios e impróprios. No primeiro caso, retirado o

elemento funcionário público, o fato deixa de ser típico, configurando a hipótese de

atipicidade absoluta, como ocorre nos casos de prevaricação e condescendência criminosa.

Na hipótese de crime funcional impróprio, ausente a elementar funcionário público, ocorre

uma tipicidade relativa, pois o agente responde por outro delito. É o caso do peculato, no qual

a exclusão da ementar funcionário público não retira a possibilidade de existir outro crime,

como apropriação indébita ou furto, conforme o caso.

Cumpre destacar que, mesmo nos crimes funcionais, não se pode deixar de se

reconhecer a possibilidade de o particular responder pelo delito em caso de concurso de

agentes. É que, tratando-se de elementar (e não circunstância), a qualidade de funcionário

público comunica-se ao outro agente, à luz do art. 30 do CP, desde que tenha ingressado na

esfera de seu conhecimento. Neste sentido: RT 683/333; 513/391-2; 712/465; RTJ 71/354.

Neste curso, somente serão analisados os principais delitos contra a administração

pública, previstos nos Capítulos I e II.

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1. Peculato (Art. 312)

a) Tipo Penal Fundamental

Art.312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

[...] b) Elementos do Crime – Adequação Típica

O crime de peculato possui diversas figuras típicas. Cuida o caput do peculato próprio,

contendo o peculato-apropriação (1ª parte) e o peculato-desvio (2ª parte); no §1°, há o

peculato impróprio, chamado de peculato-furto; no §2°, o peculato culposo; e no §3°, uma

norma permissiva, que extingue a punibilidade ou diminui a pena.

Doutrinariamente, reconhece-se, ainda, a figura do peculato-malversação, quando o bem

apropriado ou furtado pelo funcionário público pertencer a terceiro particular, encontrando-

se, porém, na posse lícita da Administração. Observa-se que o próprio caput prevê a

possibilidade de apropriação de bem particular.

O tipo penal do peculato próprio é formado pelos núcleos “apropriar-se” “desviar” e

pelos elementos “funcionário público”, “dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel”,

“público ou particular”, “de que tem a posse em razão do cargo”, “em proveito próprio ou

alheio”.

Na modalidade “apropriar-se”, há o chamado peculato-apropriação; na “desviar”, o

peculato-desvio. No primeiro caso, assim como ocorre no crime de apropriação indébita, atua

o agente com o chamado animus rem sibi hadendi, que consiste na vontade do agente de se

tornar dono da coisa, o chamado ânimo de assenhoreamento definitivo. No peculato-desvio, o

sujeito visa a obter proveito próprio ou alheio.

Apropriar-se significa fazer a coisa como sua, passando a agir como se fosse seu

proprietário, quando somente tem a sua posse ou detenção. É imprescindível que o agente

tenha a posse do bem em razão do cargo (rationi oficii).

Desviar é alterar o destino ou aplicação, dando a coisa destinação diversa, em proveito

próprio ou alheio. Deste modo, quando o desvio se verifica em favor da própria

administração, mas com utilização diversa da prevista em lei, ocorre o crime de emprego

irregular de verbas públicas (art. 315) e não peculato (RT 520/347; 490/293).

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Sujeito ativo do crime é o funcionário público (art. 327), nada impedindo, conforme já

ressaltado, na hipótese de concurso de agentes, a responsabilização criminal de terceiro que

não se revista desta qualidade. Exige-se que o particular conheça não só a condição de

funcionário público, como também que o bem apropriado se encontra na posse deste em

razão do seu cargo.

Na hipótese de funcionário usurpador, indivíduo que não é funcionário público, mas

executa ilegalmente atos próprios da função pública, não haverá o crime de peculato, mas

dois delitos, usurpação de função pública e apropriação indébita em concurso material

(Hungria, Noronha). Não impede, porém, a configuração do peculato o fato de o agente,

legalmente nomeado, ter deixado de tomar posse ou prestar compromisso. Reconhece-se,

inclusive, que o agente nomeado irregularmente ou ilegalmente, até que se anule sua

nomeação, pode cometer o crime de peculato (Noronha, Mirabete, Capez).

Sujeito passivo do delito é o Estado, como também o particular, na hipótese de peculato-

malversação.

O autor apropria-se ou desvia de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel. Dinheiro

é moeda corrente; valor é título, documento que represente uma importância pecuniária.

Exige o CP que ao bem seja móvel. Assim, havendo disposição de coisa imóvel pelo

funcionário público, configurado estará o crime de estelionato, na modalidade de disposição

de coisa alheia como própria (art. 171, §2º, I, CP), podendo, conforme o caso, incidir a

majorante do §3° do art. 171.

A utilização se serviços de um funcionário público em proveito próprio ou alheio não

configura peculato, pois a apropriação deve recair sobre bens e não pessoas (JTJ 201/324; RT

506/326). Igualmente, a mera utilização de veículos ou equipamentos pertencentes à

Administração Pública, eis que inexiste a figura de peculato de uso (RT 749/669-70; 796/716;

541/342). Diversa, porém, deve ser a solução no caso de crime de responsabilidade de

prefeito, pois o Decreto-Lei n° 201/67, art. 1°, II, tipifica o peculato uso (RJTJESP 60/373).

Tem-se admitido a adoção do princípio da insignificância, com forças para excluir a

própria tipicidade do fato, na hipótese de bens e valores insignificantes e inservíveis, sem

qualquer proveito próprio ou alheio (RT 736/705).

Mas a aplicação do princípio da insignificância em crimes contra a administração

pública é discutível, especialmente na jurisprudência dos Tribunais Superiores.

c) Peculato Impróprio (§1°)

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Art.312 -

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

[...]

Prevê o §1° uma hipótese de peculato impróprio, chamado de peculato-furto. Há dois

núcleos do tipo: “subtrair” e “concorrer”. No primeiro caso, o verbo é o mesmo do crime de

furto, qual seja “subtrair”. Na segunda hipótese, o agente concorre para que terceiro realiza a

subtração, o qual, ainda que não funcionário público, responderá também pelo peculato,

desde que conheça a qualidade de seu comparsa.

Trata-se de situação inusitada, pois o terceiro, a despeito de realizar a subtração,

responderá como partícipe do crime de peculato, já que a conduta principal, “concorrer”,

pertence ao funcionário público.

No peculato-furto, o funcionário público não tem a posse do bem em razão do cargo, o

que só ocorre no peculato próprio (caput). No entanto, é necessário que à subtração o agente

tenha se valido da facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. Ausente a

elementar da facilitação, restará configurado o crime de furto.

d) Peculato Culposo (§2°)

Art.312 -

§ 2º Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

[...]

Neste caso, o agente, com sua conduta culposa, cria uma oportunidade para a prática de

um crime doloso, funcional ou não, por parte de outrem.

Imprescindível que exista relação entre o ato culposo do funcionário e o crime praticado

por outrem, evidenciando-se que este só ocorreu devido à culpa do agente. Ou seja, o autor

do delito doloso deve ter se aproveitado pelas facilidades proporcionadas pela conduta

culposa do agente.

Não se trata, como é pacífico, na doutrina, de hipótese de concurso de agentes, pois não

há participação culposa em crime doloso. Na existência de vínculo subjetivo, ambos os

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sujeitos responderão por peculato doloso, próprio e impróprio, não havendo no que se falar

em peculato culposo.

e) Momento da Consumação do Delito

A consumação variará de acordo com a espécie de peculato.

Com efeito, no peculato-apropriação, consuma-se o delito quando o agente se apropria

do dinheiro, valor ou bem móvel e desvia em proveito próprio ou alheio, ou seja, no

momento em que o sujeito passa a dispor do objeto material como se fosse seu. Trata-se de

delito material.

Observam, porém, doutrina e jurisprudência que, não se tratando de delito contra o

patrimônio, o dano inerente ao peculato é aquele inerente à violação do dever de fidelidade

para a administração, associado ou não ao patrimonial. Assim, a restituição do objeto ou a sua

apreensão posterior não descaracteriza o delito. Ademais, pouco importa que o sujeito aufira

vantagem do crime.

Por sua vez, na modalidade peculato-desvio, o crime estará consumado no instante em

que o funcionário público der à coisa destinação diversa da prevista em lei, sendo irrelevante

a obtenção do proveito próprio ou alheio.

No peculato-furto, a consumação ocorrerá com a subtração do bem pelo funcionário

público ou por terceiro, nos mesmos moldes do que ocorre no crime de furto, sendo

desnecessária, portanto, a posse tranqüila da res, bastando a sua inversão (teoria da amotio).

Não haverá o delito consumado, mas tentativa, quando o funcionário público, concorrendo

para que terceiro realize a subtração do bem, esta não ocorrer, por circunstância alheia à

vontade dos agentes.

O peculato culposo estará consumado quando houver a apropriação, desvio ou subtração

do bem por terceiro, motivado por sua negligência, imprudência ou imperícia.

e) Tentativa

A tentativa é admissível em todas as espécies dolosas de peculato, quando o agente,

iniciada a execução do delito, não conseguir o resultado (apropriação, desvio ou subtração)

por circunstâncias alheias à sua vontade.

Será incabível na hipótese de peculato culposo. Assim, não se consumando o crime

anterior (peculato-apropriação/desvio/furto) por parte do terceiro, inexistirá o peculato

culposo. Neste caso, a despeito de não se poder responsabilizar penalmente o agente pelo

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peculato culposo, o terceiro será responsabilizado por tentativa de peculato doloso, próprio ou

impróprio.

f) A Reparação do Dano no Peculato (§3°)

Art. 312. [...]

§ 3º No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

Prevê o CP que, no caso de peculato culposo, o agente terá a punibilidade extinta se a

reparação do dano ocorrer até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Sendo

posterior, a reparação reduz a pena pela metade.

Mas a reparação do dano também incide no peculato doloso. Com efeito, se realizada

antes do recebimento da denúncia, configura arrependimento posterior (art. 16 do CP),

reduzindo obrigatoriamente a pena de um a dois terços. Levada a efeito após o recebimento

da denúncia e efetivada antes da sentença faz incidir a atenuante genérica do art. 65, II, b, do

CP; na instância recursal, a reparação do dano poderá fazer exsurgir a atenuante inominada

do art. 66 do CP.

Além disso, atualmente, após a inserção do §4° ao art. 33 do CP, pela Lei n°

10.763/2003, a reparação do dano constitui, para o condenado por crime contra a

administração pública e cometidos depois da alteração legislativa, requisito para a progressão

de regime.

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2. Peculato Mediante Erro de Outrem (Art. 313)

a) Tipo Penal Fundamental

Art.313 - Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. b) Elementos do Crime – Adequação Típica

Dispõe o CP, no art. 313, acerca da figura conhecida como peculato-estelionato. Mas,

como observa Noronha, o delito se aproxima mais da apropriação indébita por erro e não do

estelionato.

De fato, se provocar o erro, vindo a coisa a sua posse ou detenção pelo emprego de

fraude, o funcionário responderá pelo crime de estelionato, podendo haver a causa de

aumento de pena do §3° do art. 171 do CP.

Difere-se o tipo em exame do peculato-apropriação, pois neste a coisa apropriada não é

recebida por erro, mas em razão do exercício do cargo.

O erro, conforme aponta a doutrina, pode versar: - sobre a coisa que é entregue; - sobre a

obrigação que deu causa à entrega; - sobre a pessoa a quem se faz a entrega ou; - sobre a

quantidade da coisa devida.

Ressalte-se que não é o recebimento da coisa que caracteriza o delito, mas a ciência de

que a coisa lhe foi entregue por erro. Indispensável, ainda, que o recebimento ocorra quando

o agente está no cargo, emprego, ou no exercício da função. Inexistindo esta circunstância, o

crime será o de apropriação de coisa havida por erro (art. 169).

O núcleo apropriar-se exige, à caracterização do delito, que o agente atue com o

chamado animus rem sibi hadendi, que consiste na vontade do agente de se tornar dono da

coisa, o chamado ânimo de assenhoreamento definitivo.

c) Consumação e Tentativa

O crime consuma-se quando o agente se apropria do dinheiro, valor ou bem móvel e

desvia em proveito próprio ou alheio, ou seja, no momento em que o sujeito passa a dispor do

objeto material como se fosse seu.

É admissível a tentativa. É clássico o agente de Hungria: “Recebendo por erro, para

registrar, uma carta com valor, o funcionário postal, não competente para tal registro, é

surpreendido no momento em que está violando a carta”.

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3. Concussão e Excesso de Exação (Art. 316)

a) Tipo Penal Fundamental

Art.316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

[...] b) Elementos do Crime – Adequação Típica

Dispõe o CP, no art. 316, sobre os crimes de concussão (caput) e excesso de exação

(§§1° e 2°).

O termo concussão deriva do latim concutare que, de acordo com Carrara (citado por

Noronha), significa sacudir uma árvore, para fazer os seus frutos caírem.

O tipo do caput é formado pelo núcleo “exigir” e pelos elementos “para si ou para

outrem”, “direta ou indiretamente”, “ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em

razão dela”, “vantagem indevida”.

Exigir significa ordenar, reivindicar, impor como obrigação. Vale-se o agente de sua

qualidade (funcionário público), incutindo na vítima um temor de represálias, imediatas ou

futuras, relacionadas à função por ele exercida.

Se a exigência for acompanhada de grave ameaça ou violência, a conduta caracterizará o

crime de extorsão (art. 158) e não concussão. Assim, se o funcionário público, mediante

violência ou grave ameaça, constranger a vítima com o objetivo de obter indevida vantagem,

praticará o delito de extorsão.

A concussão, igualmente, não se confunde com o crime de corrupção passiva. Com

efeito, na concussão, o agente exige; na corrupção, solicita. “Exigir implica obrigar a alguma

coisa, sob certa pena. Solicitar é simples pedido. Enquanto no primeiro caso a vítima é levada

pelo medo a atender à exigência, no segundo satisfaz o pedido livremente, recebendo ou não,

em contrapartida, alguma vantagem” (RT 564/327).

São exemplos de condutas que configuram o delito de concussão: aliviar sanções

impostas em decorrência de infração de posturas municipais (RT 534/343); promessa de

libertar preso (RT 512/345, 597/365); promessa de dar andamento a procedimento

administrativo (RT 783/775), inclusive para deferir aposentadoria (RT 796/745).

Cuidando-se de exigência de vantagem feita pelo funcionário do Fisco com o fim de

deixar de cobrar ou lançar o tributo ou cobrá-lo parcialmente, o agente deve responder por

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crime funcional contra a ordem tributária, previsto no art. 3º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, em

face do princípio da especialidade.

O CP prevê a exigência direta, chamada de explícita, e a indireta, conhecida como

implícita. No primeiro caso, a concussão é realizada abertamente pelo agente, por meio de

represálias; no segundo, o sujeito encobre a exigência da vantagem indevida, ao empregar

malícia, ou deixa entender à vítima que a vantagem é devida.

Reconhece-se, inclusive, que a vantagem pode ser exigida por terceiro intermediário que

atue em concurso com o funcionário público. Diversa é a hipótese, porém, quando o agente

simula ser funcionário público, como no caso daquele que se faz passar por policial e exige

dinheiro para não prender a vítima. Afirma Victor Rios Gonçalves que, na espécie, haveria o

crime de extorsão. De fato, não há de se falar em concussão.

Porém, só será correto falar em extorsão quando a simulação vier acompanhada de

violência ou grave ameaça (o que ocorreu naquela situação), meios configuradores da

extorsão. Caso contrário, havendo apenas a simulação e não o emprego da vis o delito será o

de estelionato (art. 171).

O fim buscado pelo agente é auferir vantagem indevida. Assim, se for devida a

vantagem, não haverá o delito de concussão, podendo haver outro delito, como, por exemplo,

excesso de exação.

Diverge-se a doutrina acerca da natureza desta vantagem. Prevalece o entendimento de

que a vantagem deve ser necessariamente econômica. Neste sentido, posicionam-se Hungria,

Noronha, Damásio, Bitencourt e Delmanto.

A posição minoritária (Mirabete, Bento de Faria, Capez), a nosso ver com razão,

entende que a vantagem pode ter qualquer natureza, que não necessariamente patrimonial,

pois o delito tutela primordialmente a Administração Pública e não o patrimônio, visando ao

regular funcionamento de suas atividades e a moralidade administrativa.

É imprescindível que o agente se valha de sua função, que exerce ou vai exercer, sendo

irrelevante, no entanto, que dela esteja afastado, por férias ou qualquer licença. Conforme

previsto no tipo, a vantagem é buscada em razão da função.

c) Consumação

O crime consuma-se com a exigência da vantagem indevida, pouco importando que

venha a recebê-la, o que constitui mero exaurimento da conduta, conforme pacífico

entendimento doutrinário e jurisprudencial. Trata-se, deste modo, de delito formal.

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Questão interessante refere-se aos em que a vítima avisa a polícia da concussão, sendo

orientado a marcar dia, local e hora para entregar a vantagem indevida, sendo o agente preso

em flagrante no momento do recebimento.

Discute-se, inicialmente, se houve o delito ou se trata de crime impossível, incidindo, na

espécie, a Súmula 145 do STF.

De fato, não há que falar em crime impossível, pois o delito, conforme visto, se

consumou com a exigência, o que, no caso, ocorreu antes mesmo da comunicação à polícia. É

a posição francamente majoritária da jurisprudência (RT 780/540, JSTF 260/372).

Outro tema de relevo diz respeito à legalidade do flagrante. A jurisprudência dominante

inclina-se pela ilegalidade do flagrante, sob o argumento de que o “crime de concussão é

eminentemente formal e consuma-se com o simples fato da exigência da indébita vantagem.

Assim sendo, se a prisão dos pacientes se verificou dias depois, não há falar em flagrância”

(RT 487/271). No mesmo sentido: RT 780/540, JSTF 260/372.

Acredita-se, no entanto, que o flagrante em casos tais é legal. Ainda que já consumado,

os efeitos do delito se estenderam da exigência até o recebimento, o que autorizou a prisão.

Além disso, não há de se reconhecer a figura do flagrante preparado, mas sim esperado, pois

não houve qualquer intervenção policial na fase da exigência. Por fim, há de se cogitar que, a

partir do momento em que o agente comparece ao local marcado, nova exigência está sendo

feita pelo agente, autorizando o flagrante. Neste sentido: RT 691/314.

d) Tentativa

A exigência pode ser feita verbalmente ou por meio de escrito. No primeiro caso, a

tentativa é inadmissível, pois se trata de crime unissubsistente.

Na segunda situação, a tentativa é, em tese, possível, pois o iter criminis pode ser

fracionado, cuidando-se de delito plurissubsistente.

e) Excesso de Exação (§1°)

Art. 316. [...]

§ 1º Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 2º Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

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No §1° do art. 316, prevê o CP uma forma especial de concussão chamada de excesso de

exação. A pena, nessa figura, mantém o mesmo quantum máximo de 8 (oito) anos do tipo do

caput, o que não ocorre com a sanção mínima a qual é aumentada de 2 (dois) para 3 (três)

anos (redação dada pela Lei n° 8.137/1990).

Por sua vez, o §2° dispõe sobre um tipo especial de excesso de exação quando o tributo

recolhido é desviado em proveito próprio ou alheio, não sendo recolhido aos cofres públicos.

A sanção penal, neste caso, é elevada para o máximo de 12 (doze) anos. No entanto, por

descuido do legislador (a Lei n° 8.137/1990 somente alterou a pena da figura do §1°), a pena

mínima (2 anos) deste tipo penal, que é mais grave do que o anterior, é menor do que a do

§1° (3 anos). Neste contexto, Mirabete afirma, com razão, que, por coerência lógica, o

julgador, quando se tratar da forma qualificada, não poderá impor pena inferior a 3 (três) anos

de reclusão, mínimo fixado para o crime simples.

Exação é a cobrança rigorosa de uma dívida ou imposto, ou a exatidão, pontualidade,

correção. Com efeito, o CP não pune a exação, mais o seu excesso, o qual se configura de

duas formas.

Na primeira, o funcionário exige tributo que sabe ou deve saber indevido. Para

Mirabete, o termo “sabe” indica o dolo, direto e eventual, do agente, enquanto “deveria

saber” representa a culpa do sujeito, que incide na falta do dever de cuidado objetivo,

cobrando um tributo indevido. No entanto, o melhor entendimento é de Damásio (Capez),

para quem a expressão “deveria saber” indica a incerteza, o dolo eventual: o sujeito “não tem

plena certeza da natureza indevida da cobrança (dolo direto; modalidade anterior), mas tem

conhecimento de fatos e circunstâncias que claramente a indicam”.

Na segunda, o tributo é devido, mas o agente emprega na sua cobrança meio vexatório

ou gravoso que a lei não autoriza. Vexatório é o meio que expõe o contribuinte à vergonha, à

humilhação, ferindo a sua dignidade. Gravoso é o que lhe impõe maiores despesas. Trata-se,

por óbvio, de meios não autorizados pela lei para a cobrança do tributo.

Imprescindível, porém, nos dois casos, que o tributo recolhido se reverta para os cofres

públicos. Caso contrário, desviando o valor em proveito próprio ou de terceiro, o agente

responderá pela figura do §2°.

O CP refere-se, por cautela, a exigência de tributo ou contribuição social. É que, no

Direito Tributário há divergência, que atualmente venha sendo dissipada, acerca das espécies

de tributo previstas no ordenamento jurídico pátrio. Alguns entendem que tributos são apenas

os previstos nos incisos I, II e III do art. 145 da Constituição Federal, quais sejam impostos,

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taxas e contribuições de melhoria. Para a maioria, porém, são tributos além daqueles, as

contribuições sociais e o empréstimo compulsório.

Sujeito ativo do crime é o funcionário público, ainda que não seja encarregado da

arrecadação. Neste sentido: Noronha, Capez. Em sentido contrário, porém, manifesta-se a

doutrina dominante para quem o delito só pode ser cometido por funcionário público

encarregado da arrecadação. Nesse caso, não exercendo essa função, a conduta pode

caracterizar o crime de extorsão ou mesmo o previsto no §2º do art. 316.

Por sua vez, são vítimas do delito o Estado e, secundariamente, o contribuinte.

Consuma-se o crime com a exigência indevida ou com o emprego do meio vexatório na

cobrança do tributo. Trata-se de crime formal, no qual é irrelevante o pagamento do tributo.

No tipo qualificado do §2°, a consumação ocorre com o desvio do valor recolhido, em

proveito próprio ou alheio.

A tentativa é possível em todas as modalidades.

f) Aspectos Diferenciadores

Tarefa árdua dirigida ao intérprete é aquela consistente na tipificação da conduta do

agente. No caso dos crimes contra a administração pública, a dificuldade aumenta, pois há

grande semelhança entre os delitos. Todavia, há de se ter, em primeiro lugar, uma visão geral,

acerca desses delitos, a fim de que o trabalho dessa tipificação seja menos dificultado.

Com efeito, nas infrações em questão, o fator inicial diferenciador encontra-se na

finalidade específica do agente ao praticar a conduta. Nesse contexto, podemos separar, de

um lado, os delitos nos quais o sujeito atua com a intenção de obter uma indevida vantagem,

e, de outro, aqueles em que não possui essa finalidade.

No primeiro grupo, encontram-se os crimes de peculato, corrupção passiva, concussão e

tráfico de influência. Assim, quando o agente objetivar uma indevida vantagem sua conduta

caracterizará um desses delitos. No crime de peculato, o sujeito se apropria do bem que tem

em seu poder na qualidade de funcionário público (peculato próprio) ou subtrai ou concorre

para que a res seja subtraída, neste último caso, quando não tem a posse, valendo-se, porém,

da qualidade de funcionário público (peculato impróprio).

A seu turno, nos delitos de corrupção passiva e de concussão, o funcionário público

possui atribuição para praticar o ato, infringindo, desse modo, o seu dever funcional. Ou seja,

exige, solicita, recebe ou aceita promessa de indevida vantagem, sob a condição de que irá

infringir seu dever funcional. A diferença entre esses dois delitos reside na ação do agente:

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quando solicita (mero pedido sem imposição de qualquer condição), recebe ou aceita a

promessa de indevida vantagem incide no crime de corrupção passiva; se exige (ordena,

reivindica, impõe como obrigação) estará praticando o delito de concussão.

Já no tráfico de influência, embora objetive uma indevida vantagem, o agente não possui

atribuição para a prática daquele ato, não havendo infração de dever funcional. É por isso que

essa infração criminal não se encontra prevista no capítulo pertinente aos crimes praticados por

funcionário público, mas no dos delitos praticados por particular contra a administração

pública. Até mesmo um funcionário público poderá ser sujeito ativo do crime de tráfico de

influência, desde que não possua atribuição para a prática do ato funcional motivador da

indevida vantagem, sendo, nesta hipótese, tratado como particular.

Por outro lado, não visando à obtenção de uma indevida vantagem, a conduta do sujeito

poderá configurar os crimes de corrupção passiva privilegiada, prevaricação,

condescendência criminosa ou advocacia administrativa.

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4. Corrupção Passiva (Art. 317)

a) Tipo Penal Fundamental

Art.317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (um) a 12 (oito) anos, e multa.

[...] b) Elementos do Crime – Adequação Típica

O tipo é formado pelos núcleos “solicitar”, “receber” e “aceitar’ e pelos elementos “para

si ou para outrem”, “direta ou indiretamente”, “ainda que fora da função ou antes de assumi-

la, mas em razão dela”, “vantagem indevida”.

A pena máxima do delito foi aumentada de 8 (oito) para 12 (doze) anos pela Lei n°

10.763/2003.

Como se observa, a norma do art. 317 é formada praticamente pelos mesmos elementos

do tipo de concussão. Difere-se, no entanto, a concussão da corrupção passiva. Com efeito,

na concussão, o agente exige; na corrupção, solicita. “Exigir implica obrigar a alguma coisa,

sob certa pena. Solicitar é simples pedido. Enquanto no primeiro caso a vítima é levada pelo

medo a atender à exigência, no segundo satisfaz o pedido livremente, recebendo ou não, em

contrapartida, alguma vantagem” (RT 564/327). Ou seja, na corrupção a vítima cede por sua

própria vontade, e não pelo temor a represálias, o que ocorre na concussão.

Solicitar é pedir, buscar, manifestar o desejo de receber. A solicitação pode ser direta ou

indireta. Isto é, explícita ou implícita; feita pelo próprio agente ou por intermediário, que, no

caso, também responde pela corrupção passiva como partícipe. Nesta modalidade, não se faz

necessária a prática de qualquer ato do terceiro (extraneus), pois o tipo se aperfeiçoa tão só

com a solicitação do funcionário público (intraneus). Por esta razão, a doutrina afirma que a

bilateralidade (existência de dois delitos) não é requisito indispensável do crime de corrupção

passiva.

Receber é tomar, obter, acolher, entrar na posse. Aceitar é consentir, concordar, estar de

acordo. Aqui, não há o recebimento da vantagem por parte do intraneus. Nas duas

modalidades, o oferecimento anterior de vantagem indevida por parte do extraneus é

pressuposto essencial para a configuração do delito.

A conduta do terceiro, na espécie, é tipificada autonomamente, optando o CP por

excetuar a teoria unitária, para aplicar, na espécie, a teoria dualista. Embora exista concurso

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de agentes, intraneus e extraneus respondem cada qual por delito autônomo; o primeiro pela

corrupção passiva (art. 317); o segundo, pela corrupção ativa (art. 333). Ressalte-se que o

delito do intraneus permanecerá mesmo quando o extraneus foi inimputável ou não for

identificado.

Do mesmo modo que ocorre na concussão, é imprescindível que o agente se valha de

sua função, que exerce ou vai exercer, sendo irrelevante, no entanto, que dela esteja afastado,

por férias ou qualquer licença. Conforme previsto no tipo, a vantagem é buscada em razão da

função. Mister, deste modo, que o ato a ser praticado, em face da indevida vantagem, se

insira na competência do intraneus.

Assim, não há corrupção passiva, mas tráfico de influência (art. 332), quando a

vantagem visada não decorre da atribuição do intraneus (RT 505/296, 526/356, 538/324), a

não ser que este atue em conjunto com o funcionário com a competência para a prática do

ato, sendo, então, o intermediário (partícipe). Igualmente, se o agente retarda ou deixa de

praticar o ato, sem que tenha havido qualquer proposta do extraneus, mas agindo por

interesse ou sentimento pessoal, o delito será de prevaricação (art. 319).

O sujeito que se faz passar (simulação) de funcionário público para solicitar ou receber

indevida vantagem não comete o crime de corrupção passiva, podendo, em tese, responder

pelo delito de estelionato (RF 215/291). Se a solicitação tiver sido feito a pretexto de influir

em ato praticado por outro servidor, o delito será de tráfico de influência (art. 332).

Fala-se em corrupção própria quando o ato que o intraneus pratica é ilegítimo, injusto

ou ilícito. Neste último caso, responderá o funcionário público pelo respectivo delito e pela

corrupção passiva, em concurso, formal ou material. Por sua vez, corrupção imprópria é

aquela na qual o ato a ser praticado é legítimo, lícito, justo. Em ambos os casos, há o crime de

corrupção passiva.

Quando a indevida vantagem é entregue ao intraneus antes da prática do ato, há a figura

conhecida, doutrinariamente, por corrupção antecedente. Ocorrendo a entrega após este

momento, existe a corrupção subseqüente. Reconhece-se, assim, que o funcionário pode

praticar o ato na esperança ou convicção de obter a indevida vantagem. Nesta hipótese, não é

preciso um prévio acordo de vontades entre o intraneus e o extraneus.

A vantagem buscada pelo agente deve ser indevida. Sendo devida, o fato será atípico.

Do mesmo modo, conforme leciona Hungria, gratificações usuais de pequena monta por

serviço extraordinário (não se tratando de ato contrário à lei) e pequenas doações ocasionais,

como as costumeiras “boas festas” de natal ou ano novo, não podem ser consideradas

corrupção passiva.

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Permanece neste delito, como menor intensidade, é verdade, a questão acerca da

natureza da vantagem. Diferentemente, porém, do que ocorre no crime de concussão, a

posição majoritária é no sentido de que a vantagem pode ter qualquer natureza, que não

necessariamente patrimonial, pois o delito tutela primordialmente a Administração Pública e

não o patrimônio, visando ao regular funcionamento de suas atividades e a moralidade

administrativa. Neste sentido, posicionam-se Fragoso, Noronha, Mirabete, Bento de Faria,

Damásio e Bitencourt.

Hungria, por sua vez, entende que a vantagem deve ser necessariamente econômica.

Por fim, é imprescindível que a vantagem indevida se destina ao próprio agente ou a

terceiro, pois se esta se reverte em benefício do próprio serviço não há o crime em exame.

Neste sentido, não se entendeu caracterizado o crime na conduta do delegado de polícia que,

embora aceitara a oferta em dinheiro, a aplicou na aquisição de gasolina para viatura, a fim de

intensificar o policiamento da cidade (RT 527/407).

c) Consumação e Tentativa

A corrupção passiva consuma-se com o ato de solicitar, receber ou aceitar. No primeiro

caso, é irrelevante que o extraneus entregue a vantagem indevida ao funcionário. No núcleo

aceitar, da mesma forma, é dispensável que o intraneus receba a vantagem.

Em ambos os casos, é prescindível que o ato funcional seja praticado, omitido ou

retardado pelo intraneus. Se isto ocorrer, há mero exaurimento da conduta, o qual, entretanto,

faz incidir a causa de aumento prevista no §1°.

A tentativa é possível, nos mesmos moldes da concussão.

d) Causa de Aumento de Pena – Exaurimento da Conduta (§1°)

Art. 317. [...]

§ 1º A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

Como visto anteriormente, é irrelevante à configuração da corrupção passiva que o ato

funcional seja praticado, omitido ou retardado pelo intraneus, o que constitui mero

exaurimento da conduta.

No entanto, o exaurimento da conduta, na espécie, faz incidir a causa de aumento em

tela, majorando a pena em um terço.

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e) Corrupção Passiva Privilegiada (§2°)

Art. 317. [...]

§ 2º Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Trata o §2° da chamada corrupção passiva privilegiada, a qual é punida com pena de

detenção de 3 (três) meses a 1 (um ) ano ou multa.

Nesta modalidade, o intraneus não pratica o ato ou deixa de praticá-lo na intenção de

receber indevida vantagem, mas por outro sentimento. Apenas cede ao pedido do extraneus.

E é a atuação deste que diferencia a corrupção passiva privilegiada da prevaricação, pois,

neste último crime não há qualquer proposta do extraneus, agindo o funcionário por interesse

ou sentimento pessoal.

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5. Facilitação de Contrabando ou Descaminho (Art. 318)

a) Tipo Penal

Art.318 - Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho (art. 334):

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. b) Elementos do Crime – Adequação Típica

O tipo é formado pelo núcleo “facilitar”, e pelos elementos “com a infração de dever

funcional”, “prática de contrabando ou descaminho”.

Mais uma vez o CP, do mesmo modo que fez na corrupção passiva, excepciona a teoria

unitária, tipificando autonomamente as condutas do funcionário público, que facilita o

contrabando ou o descaminho, e do terceiro que realiza o próprio contrabando ou

descaminho. Com efeito, embora exista concurso de agentes, respondem cada qual por delito

autônomo; o funcionário pela facilitação (art. 318); o terceiro, pelo crime de contrabando ou

descaminho (art. 334).

Facilitar é tornar fácil, auxiliar, afastar os obstáculos que impediriam a prática do

contrabando ou descaminho. A facilitação pode ocorrer por ação ou omissão. Conforme

leciona Mirabete, tanto aquele que indica ao contrabandista as vias mais seguras para a

entrada ou saída da mercadoria, como o que, dolosamente, não efetua regularmente as

diligências de fiscalização destinadas a evitar o contrabando ou o descaminho, incide no

delito em tela. É necessário, porém, o dolo do agente, consubstanciado na vontade de facilitar

o contrabando ou o descaminho, bem como na consciência de estar violando o seu dever

funcional (o tipo se refere a “infração do dever funcional”). Ausente este último elemento, o

funcionário será partícipe do crime de contrabando ou descaminho (art. 334).

Não se pune, desse modo, a conduta culposa do funcionário que deixa de tomar as

cautelas necessárias hábeis a impedir o contrabando ou descaminho. Por outro lado, não se

exige que o agente facilite o contrabando ou descaminho visando a receber vantagem.

Contrabando é a importação ou exportação fraudulenta de mercadoria, cuja entrada ou

saída seja absoluta ou relativamente proibida. Por sua vez, descaminho é o ato fraudulento

que se destina a evitar, total ou parcialmente, o pagamento de direitos e impostos previstos

pela entrada, saída ou consumo de mercadorias.

Sujeito ativo do delito é o funcionário público que, por lei, tem o dever funcional de

reprimir o contrabando ou o descaminho. Assim, não pratica o delito em questão o

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funcionário em cujas atribuições não se incluir a repressão ao crime do art. 334 do CP (RT

771/711). Neste caso, todavia, e na hipótese de, tendo a competência, não realizar a conduta

no exercício de sua função, responderá como partícipe do crime de contrabando ou

descaminho (art. 334), assim como ocorre com qualquer particular.

A facilitação pode ocorrer inclusive nas modalidades equiparadas previstas no §1° do

art. 334.

c) Consumação e Tentativa

Cuida-se de crime formal. Assim, consuma-se com a prática da facilitação pelo agente,

ainda que não se realize o contrabando ou o descaminho. Conforme ressalta a doutrina, é

possível a ocorrência do crime de facilitação sem que esteja até mesmo iniciada a execução

do contrabando ou do descaminho.

A tentativa somente é cabível na conduta comissiva, não havendo o conatus na hipótese

de omissão.

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6. Prevaricação (Art. 319)

a) Tipo Penal

Art.319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

“Prevaricação é a infidelidade ao dever de ofício, à função exercida. É o não

cumprimento das obrigações que lhe são inerentes, movido o agente por interesse ou

sentimento próprios” (Noronha).

O tipo é formado pelos núcleos “retardar”, “deixar de praticar” e “praticar”, e pelos

elementos “indevidamente”, “ato de ofício”, “contra disposição expressa de lei”, “para

satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

No primeiro caso, o funcionário público retarda ou deixa de praticar indevidamente ato

de ofício. Na segunda modalidade, pratica o ato contra disposição expressa de lei.

Em ambos os casos, porém, o agente atua movido para satisfazer interesse ou sentimento

pessoal. Com efeito, se o funcionário visava a obter indevida vantagem o delito será de

corrupção passiva. Além disso, é imprescindível que o terceiro não apresente qualquer

proposta ao funcionário público, pois se esta existir o crime também será de corrupção

passiva. Ou seja, não pode existir pedido ou intervenção do extraneus.

Interesse pessoal, que, no crime de prevaricação, não pode ser patrimonial, é a relação

de reciprocidade entre um indivíduo e um objetivo que corresponde a determinada

necessidade daquele. Sentimento pessoal é um estado afetivo ou emocional, decorrente de

uma paixão ou emoção, amor, ódio, vingança, simpatia, caridade, etc.

Retardar é atrasar, protelar, protair. Difere-se do núcleo “deixar de praticar”. Neste, o

agente não tem a intenção de praticar o ato; naquele, a vontade do sujeito é apenas prolongar

ou procrastinar a prática do ato, deixando de executá-lo no prazo previsto ou em tempo útil

para que produza seus normais efeitos. Nas duas modalidades, o crime é cometido por

omissão.

Trata-se de omissão indevida, ou seja, injusta, ilegal. Indevido é o ato reprovável, contra

o senso comum de moralidade. Todavia, não basta que o ato seja indevido, sendo necessário

que seja “de ofício”. Este é o que se insere nas atribuições ou competência do agente. Deste

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modo, se o ato refoge ao âmbito da competência funcional do funcionário não há de se falar

em prevaricação.

Por sua vez, no núcleo “praticar” a conduta é comissiva, por meio da qual o agente

executa o ato de formal ilegal, contra disposição expressa de lei. Imprescindível, deste modo,

que exista uma norma jurídica em sentido estrito (o que exclui, por conseqüência, portarias,

regulamentos, resoluções), não se punindo o agente quando o ato for praticado em violação

ao princípio da moralidade. O ato, da mesma forma do que ocorre nas condutas omissivas,

também se insere no âmbito da competência funcional do agente (“ato de ofício”).

Como elementares que são, o interesse ou o sentimento pessoal devem restar descrito na

denúncia do MP, conforme pacífico entendimento jurisprudencial.

c) Consumação e Tentativa

Consuma-se com o retardamento, omissão ou prática do ato.

A tentativa é inadmissível nas condutas omissivas (“retardar” e “deixar de praticar”),

sendo cabível no núcleo “praticar”.

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7. Condescendência Criminosa (Art. 320)

a) Tipo Penal

Art.320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente:

Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

Todo funcionário público tem o dever legal de responsabilizar o subordinado que tenha

cometido infração administrativa, ou então, de levar o fato ao conhecimento da autoridade

competente para aplicar a punição.

Não fazendo isto, viola o funcionário ato de ofício. Esta violação poderá ocorrer por

interesse ou sentimento pessoal, quando restará caracterizado o crime de prevaricação.

Mas o CP reconhece que a omissão no dever de punição do funcionário público pode ter

ocorrido por indulgência, que é um estado anímico de tolerância, clemência, complacência,

dó. E, nesta hipótese, pune o agente com menos rigor do que no crime de prevaricação.

O tipo é formado pelos núcleos “deixar” e “não levar”, e pelos elementos “funcionário”,

“indulgência”, “responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo”,

“quando lhe falte competência”, “autoridade competente”.

Neste contexto, a condescendência criminosa é uma espécie de prevaricação

privilegiada, na qual o agente deixar de agir movido por indulgência. Ausente este motivo, o

crime será de prevaricação.

Mas é necessário lembrar que o sujeito pode, inclusive, ser responsabilizado pela

corrupção passiva privilegiada se na espécie houver intervenção ou pedido do funcionário

faltoso, ou mesmo por corrupção passiva, simples ou qualificada, quando, na situação

anterior, o agente atuar visando um interesse patrimonial.

O tipo estabelece duas condutas omissivas. Na primeira, o agente deixa de

responsabilizar o subordinado faltoso, quando era competente para aplicar-lhe a punição. Na

segunda, o sujeito, não possuindo atribuição legal para aplicar a punição, deixa de comunicar

o fato à autoridade competente.

Exige-se, porém, que o sujeito ativo seja superior hierárquico do agente, pois o próprio

tipo se refere a “subordinado”. Pressupõe, ainda, que este tenha praticado uma infração, que

tanto poderá consistir um mero ilícito administrativo como um crime funcional.

Imprescindível, porém, que a infração do subordinado se relacione ao exercício do cargo.

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Conforme aponta a doutrina (Hungria, Noronha, Mirabete e Capez), ficam de fora do âmbito

do tipo penal os crimes não funcionais e as faltas disciplinares que importam demissão de

cargo, como a de procedimento irregular ou incontinência pública e escandalosa, vícios de

jogos proibidos e embriaguez, as quais não se relacionam ao exercício do cargo.

c) Consumação e Tentativa

Consuma-se com a omissão, a qual se caracteriza quando o agente, ciente da infração

funcional de seu subordinado não lhe responsabiliza ou deixa de comunicar o fato à

autoridade competente.

A tentativa é inadmissível, pois trata-se de crime omissivo próprio.

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8. Resistência (Art. 329)

a) Tipo Penal

Art.329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:

Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 2 (dois) anos.

§ 1º Se o ato, em razão da resistência, não se executa:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

Trata-se do segundo crime previsto no Capítulo II do Título XI da Parte Especial. Neste

capítulo, os crimes são praticados por particulares (extraneus) contra a Administração

Pública, embora também possam, eventualmente, ser cometidos por funcionário público.

O tipo é formado pelo núcleo “opor-se” e pelos elementos “à execução de ato legal”,

“mediante violência ou ameaça”, “a funcionário competente para executá-lo ou quem lhe

esteja prestando auxílio”.

No delito em exame, o agente opõe-se à execução de ato legal, mediante emprego de

violência ou ameaça. É a chamada resistência ativa, que deve ser atuante e positiva. Não

configura o tipo a resistência passiva, na qual não há o emprego de violência ou ameaça,

ainda que tenda a impedir o ato.

Com efeito, não se reconheceu o crime de resistência na negativa de acompanhamento

até a delegacia seguida da expressão ‘não há homem para me levar’(RT 656/307), nem no

fato de o agente se espernear e gesticular, procurando se livrar para não ser preso (JTACRIM

74/261).

Prevalece o entendimento de que a violência ou ameaça deve ser exercida contra o

funcionário público ou de quem o auxiliar. Não configura, desse modo, o crime de resistência

no caso de a violência ser exercida contra a coisa, o que ocorre, por exemplo, quando o

agente rasga a contrafé (exemplo de Mirabete) oferecida pelo oficial de justiça, ou quebra os

vidros da viatura policial para não ser preso (exemplo de Capez). No primeiro caso, pode

haver desacato; no segundo, dano qualificado. Neste sentido: Noronha, Fragoso, Mirabete,

Damásio, Delmanto, Capez.

Para Hungria a violência pode ocorrer sobre a coisa, como, no caso, do agente que mata

a tiros cavalo do soldado de polícia para não ser preso. Trata-se, no entanto, de entendimento

francamente minoritário.

Page 28: Crimes Contra a Administracao Publica

É imprescindível que a oposição se dê em relação a ato legal, pois a resistência a ordem

ilícita torna a conduta atípica.

A legalidade do ato deve ser aferida sob o ponto de vista formal, quando se relaciona à

competência ou ao meio de execução, e material, referente à ordem a ser executada.

Conforme ensina Hungria, não se confunde ato ilegal com ato injusto. Assim, por

exemplo, se o sujeito resiste ao cumprimento de uma ordem de prisão preventiva decretada

por juiz competente, o crime de resistência permanecerá, ainda que seja absolvido no

processo no qual houve aquela medida cautelar.

Sujeito ativo do delito é a pessoa que se opõe à execução do ato legal. Por sua vez,

vítima do crime é o Estado, bem como o funcionário público ou o terceiro que o auxilia na

execução do ato.

Releva notar que o termo “funcionário público” deve ser interpretado nos mesmos

moldes do art. 327 do CP (RT 375/207), em que pese a divergência já apontada acerca da

aplicação ou não do conceito deste artigo aos crimes previstos no Capítulo II do Título XI da

Parte Especial. Em suma, a oposição à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça,

a funcionário, mesmo o equiparado (§1° do art. 327), que atue no exercício da função,

configura o crime de resistência.

Não ocorre resistência, porém, quando o funcionário público não se encontra no

exercício da função. É o que ocorre, por exemplo, quando o agente no momento em que

praticava um crime resiste a prisão de um policial que se encontrava em férias. Embora legal,

a execução da prisão neste caso foi levada a efeito por pessoa que não se encontrava no

exercício de sua função pública.

Damásio afirma que, se o agente estiver embriagado e não tiver condições de

compreender o caráter ilícito de seu comportamento ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento, não poderá responder pelo crime de resistência.

A razão, entretanto, está com Mirabete e Capez. A embriaguez, como ocorre com em

qualquer delito, só exclui a culpabilidade quando é completa e decorrente de caso fortuito ou

força maior. Assim, não há que se excluir a responsabilidade do agente que atua sob

embriaguez voluntária ou culposa.

c) Consumação e Tentativa

Consuma-se o crime com a prática da violência ou ameaça.

Tratando-se de crime formal, é prescindível que o resultado pretendido pelo agente

ocorra, isto é, que a execução do ato legal seja obstada.

Page 29: Crimes Contra a Administracao Publica

Se conseguir impedir à realização do ato legal, o agente responderá pela resistência

qualificada, na forma do §1°. O reconhecimento desta qualificadora, porém, como adverte a

doutrina depende da impossibilidade de execução do ato, não bastando para caracterizá-la o

fato de o funcionário ter desistido da prática do ato por falta de empenho. Em suma, só há a

aplicação da majorante na hipótese da chamada resistência invencível, a qual ocorre quando o

funcionário não consegue dominar a resistência e tem de desertar ou ceder em face da

violência material ou constrangimento moral, tornando mais grave o fato, pois não só deixa

de ser cumprida a lei, como é desmoralizada a autoridade e criado um incentivo a que outros

imitem o exemplo de rebeldia (RT 416/252).

A tentativa é admissível, quando a ameaça ou a violência puderem ser fracionadas.

d) Concurso de Crimes (§2°)

Prevê o §2° do art. 329 que, havendo violência, o agente deve responder pelo crime dela

resultante e pela resistência, devendo as penas ser somadas. Não se trata necessariamente de

concurso material, podendo, conforme o caso, haver o concurso formal imperfeito, no qual se

aplica a regra do cúmulo material.

Se empregada ameaça, esta é absorvida pelo delito de resistência.

Discute-se se a regra do §2° também é empregada quando a resistência for oposta por

autor de outro delito para evitar a sua prisão. Neste caso, é preciso distinguir se o crime

anterior (cometido por meio de violência) já se consumou ou se ainda está em andamento.

De fato, quando o crime ainda está em execução deve se entender que a violência é mero

desdobramento da violência caracterizadora daquele, não havendo no que se falar em

resistência. É o que ocorre, por exemplo, quando o agente emprega a violência contra

policiais no momento da execução do crime de roubo, para garantir a subtração de valores

(JTJ 213/296, RT 704/358, RJTACRIM 39/222).

Por outro lado, quando o crime anterior já se consumou, o emprego da violência para

evitar a prisão por policiais caracteriza o delito de resistência. Com efeito, “não há absorção

do crime de resistência pelo crime de roubo, se a resistência à ação policial mediante

violência ocorreu em momento diverso daquele em que se deu a prática do delito que

motivou a perseguição” (RT 780/587).

Deve-se entender que a resistência oposta a dois funcionários responsáveis pela

execução do ato legal configura um único crime de resistência, pois o sujeito passivo do

delito em questão é a Administração Pública como um todo, ou seja, o Estado (RT 577/342).

Page 30: Crimes Contra a Administracao Publica

9. Desobediência (Art. 330)

a) Tipo Penal

Art.330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

O tipo é formado pelo núcleo “desobedecer”, e pelos elementos “ordem legal”,

“funcionário público”.

Desobedecer significa não acatar, desatender, não cumprir a ordem legal de funcionário

público.

O crime pode ser cometido por ação ou omissão. Conforme ensina Noronha, “se a

ordem impõe uma ação, a desobediência pode constituir uma omissão e vice-versa”.

Assim, pratica o delito por ação aquele que desobedece ordem legal de funcionário

público para que deixe de praticar um ato. Há a modalidade omissiva, quando a ordem é para

que o agente faça algo.

Do mesmo modo que ocorre no crime de resistência, é imprescindível que a

desobediência se dê em relação a ato legal, pois o não cumprimento de ordem ilícita torna a

conduta atípica.

A legalidade do ato deve ser aferida sob o ponto de vista formal, quando se relaciona à

competência ou ao meio de execução, e material, referente à ordem a ser executada.

Conforme ensina Hungria, não se confunde ato ilegal com ato injusto.

O ato desobedecido deve cuidar-se de uma ordem. Assim, não se configura o delito

quando haja apenas um pedido ou solicitação. Já se reconheceu que a ausência de resposta a

um ofício em que se solicitou providência, não caracteriza o delito de desobediência (RT

492/398).

Além disso, é necessário que a ordem seja dirigida inequivocamente a quem tem o dever

jurídico de recebê-la ou acatá-la (RT 726/600, 591/342), não podendo ser presumida em

nenhum caso (RT 370/269). Não ocorre o delito, por exemplo, quando o agente não acata

ordem judicial de se submeter a exame hematológico, para fins de investigação de

paternidade (RT 720/448) ou para se sujeitar a exame de dosagem alcóolica, pois em ambos

os casos a oposição é legítima.

Igualmente, a dúvida justificada sobre a legitimidade da ordem autoriza o

descumprimento da ordem sem que se fale em crime de desobediência.

Page 31: Crimes Contra a Administracao Publica

A ordem deve emanar de funcionário público que atue regularmente no exercício de sua

função.

Sujeito ativo do delito é o particular que desobedece a ordem legal do funcionário

público. Predomina o entendimento de que o funcionário público excepcionalmente pode

cometer o crime de desobediência, quando está agindo como particular (RT 613/413) ou

desrespeita ordem que não seja referente às suas funções (RT 738/574). Não comete, deste

modo, o delito de desobediência o funcionário público que age no exercício de suas funções,

consoante reiteradas decisões judiciais (RT 776/528, 780/616, 769/595), mesmo em caso de

funcionário público por equiparação (JCAT 72/613-4; RJTACRIM 38/357). Nessas

hipóteses, é cabível cogitar a existência do crime de prevaricação.

Por sua vez, sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o funcionário público que

emite a ordem legal. O termo “funcionário público” deve ser interpretado nos mesmos

moldes do art. 327 do CP (RT 375/207), em que pese a divergência já apontada acerca da

aplicação ou não do conceito deste artigo aos crimes previstos no Capítulo II do Título XI da

Parte Especial. Em suma, não acatar à ordem legal, emanada de funcionário público, mesmo

o equiparado (§1° do art. 327), que atue no exercício da função, configura o crime de

desobediência.

É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que não há crime de desobediência quando a

lei de conteúdo não penal (administrativa, civil, processual) só comina sanção de caráter civil

ou administrativo. Assim, por exemplo, no caso de o motorista se recusar a retirar o

automóvel de local proibido, o Código de Trânsito Brasileiro somente prevê a aplicação de

penalidade administrativa. Impossível, nesta hipótese, a responsabilização do agente pelo

crime de desobediência. “Não se configura, sequer em tese, o delito de desobediência,

quando a lei comina para o ato penalidade civil ou administrativa” (RT 613/413, ou seja,

“não se justifica o processo penal por desobediência, uma vez que a própria lei prevê remédio

específico para a punição da mesma” (RT 368/265).

Portanto, é imprescindível que a norma extrapenal ressalve expressamente a cominação

cumulativa da sanção administrativa ou civil com a criminal. É o que ocorre com a norma do

art. 219 do CPP, a qual prevê a aplicação à testemunha faltosa de multa, da pagamento das

custas da diligência e a responsabilização pelo crime de desobediência. Neste caso, “não há

que se falar em bis in idem, dada a sabida independência entre as esferas administrativa e

penal, máxime quando o próprio diploma legal prevê, expressamente, a possibilidade de

reprimenda em ambas as esferas (RT 570/401). Isto é, o legislador ressalva a possibilidade de

providências cabíveis no âmbito penal.

Page 32: Crimes Contra a Administracao Publica

c) Consumação e Tentativa

Consuma-se o crime no momento da ação ou omissão ilícita. No primeiro caso, a

consumação ocorre quando o agente pratica o ato ao qual deveria se abster. Na segunda

hipótese, o delito se consumará após decorrido o prazo fixado pelo funcionário público ou, na

ausência deste, depois de tempo juridicamente relevante que caracterize o descumprimento da

ordem (RT 499/504).

Admite-se a tentativa na forma comissiva, sendo incabível na conduta omissiva.

Page 33: Crimes Contra a Administracao Publica

10. Desacato (Art. 331)

a) Tipo Penal

Art.331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

O tipo é formado pelo núcleo “desacatar”, e pelos elementos “funcionário público”, “no

exercício da função”, “ou em razão dela”.

Desacatar significa ofender, humilhar, desprestigiar, agredir o funcionário, atingindo a

dignidade ou o decoro da função. Em termos gerais, é a injúria cometida contra funcionário

público no exercício da função ou em razão dela, mas sempre na sua presença.

A tipificação do desacato pressupõe a ocorrência do fato na presença do funcionário

público (RT 601/425, 429/352). Assim, não se reconheceu o delito em exame na ofensa

realizada por telefone (RT 776/599, 377/238), nem nas expressões ofensivas ao promotor e

ao juiz contidas em petições subscritas por advogado (RT 667/339) ou em carta (JTACRIM

93/334). Nestas hipóteses, há apenas o respectivo crime contra a honra.

Mas não é imprescindível que o agente e o funcionário estejam face a face (ad faciem).

Noronha cita o caso em que o agente e o funcionário estão em salas separadas, sendo

proferida a ofensa por aquele para que este a ouça. Ou seja, “desde que presentes no mesmo

local, não é necessário que o funcionário ouça ou veja o ofensor; basta que tome

conhecimento da ofensa”. Neste sentido: RT 491/323, 695/348.

Por sua vez, não ocorre o delito quando o ofendido já não é funcionário público, ainda

que se refira a ofensa ao anterior exercício da função, vez que, na espécie inexiste ofensa à

Administração Pública (Mirabete).

A conduta pode ser cometida mediante palavras, atos (escrito, gestos, etc) e até mesmo

por meio de violência ou vias de fato, assim, como ocorre na injúria real (art. 140, §2°).

Pouco importa que o funcionário se julgue ou não ofendido, pois, conforme ensina

Hungria, está em jogo não apenas a integridade moral ou física do funcionário, mas

principalmente a dignidade e o prestígio do seu cargo ou função.

O desacato ocorre no exercício da função (in officio) ou em razão dela (propter

officium).

Page 34: Crimes Contra a Administracao Publica

No primeiro caso, exige-se apenas que a ofensa seja dirigida contra o funcionário que

esteja no exercício funcional, caracterizando-se o delito ainda que não diga respeito à função,

ou que tenha sido proferida fora da repartição pública.

A segunda hipótese ocorre quando o funcionário não está no exercício de sua função,

sendo imprescindível que a ofensa tenha relação com sua função.

Sendo a ofensa proferida extra officium, não haverá o delito de desacato, subsistindo o

respectivo crime contra a honra.

Sujeito ativo do delito é o particular que pratica a ofensa contra o funcionário público.

Predomina o entendimento de que o funcionário público excepcionalmente pode cometer o

crime de desacato, quando está agindo como particular ou fora de suas funções (RT 507/474,

565/342, JTACRIM 70/372). Não comete, deste modo, o delito de desacato o funcionário

público que age no exercício de suas funções (RT 487/289), mesmo em caso de funcionário

público por equiparação (RJTACRIM 41/313). Nessas hipóteses, responde o agente pelo

crime contra a honra.

Discute-se, ainda, se existirá desacato quando o ofensor for superior hierárquico do

ofendido.

Hungria afirma que, na hipótese, não há de se falar em desacato, mas em crime contra a

honra, mesmo que o superior não se encontre revestido da qualidade de funcionário público

ou fora de sua função.

A posição dominante (Noronha, Mirabete, Damásio, Capez), no entanto, com razão,

entende que, na espécie, há crime de desacato. “Se o ofendido, no delito em apreço, é

primacialmente a Administração Pública ou o Estado, o superior, que ofende o inferior,

ofende, como qualquer outra pessoa, a administração não podendo ele sobrepor-se a esta. É

óbvio que, tutelando-se a administração, protegem-se seus agentes, não se excluindo os

humildes e modestos” (Noronha).

Por sua vez, sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o funcionário público que é

ofendido. O termo “funcionário público” deve ser interpretado nos mesmos moldes do art.

327 do CP (RT 375/207), em que pese a divergência já apontada acerca da aplicação ou não

do conceito deste artigo aos crimes previstos no Capítulo II do Título XI da Parte Especial.

Em suma, a ofensa a funcionário público, mesmo o equiparado (§1° do art. 327), no exercício

da função ou em razão dela, configura o crime de desacato.

Mister, ainda, a presença do elemento subjetivo do tipo, consubstanciado na vontade

livre e consciente de ofender ou desprestigiar o funcionário público e, por conseqüência, a

sua função e a própria Administração Pública.

Page 35: Crimes Contra a Administracao Publica

Sendo assim, o sujeito deve saber que o ofendido é funcionário público e que está no

exercício da função ou que a ofensa é proferida em razão desta, ou seja, deve conhecer todas

as elementares do tipo.

Neste contexto, discute-se se a emoção pode excluir o delito de desacato, ou seja, se o

estado de exaltação ou de nervosismo servem para justificar a ofensa.

Predomina na jurisprudência, a nosso ver sem razão, o entendimento de que o desacato

pressupõe um estado normal de ímpeto, e que a exaltação exclui o elemento subjetivo do

agente. Acredita-se, no entanto que o estado emocional não tem o condão de excluir o

desacato. “Ao admitir tal comportamento, estaria instalada a balbúrdia na conceituação do

crime, pois nenhum indivíduo normal dirige ofensa a outrem sem que de alguma forma se

encontre contrariado em seus interesses” (RT 505/316), ou seja, “ninguém desacata outrem

estando em seu perfeito controle e com ânimo refletido” (RJDTACRIM 36/176). Além disso,

não se pode olvidar da regra do inciso I do art. 28 do CP, segundo a qual a emoção não exclui

a imputabilidade penal.

A mesma questão existe no caso de embriaguez. De forma semelhante a que ocorre no

caso de emoção, prevalece o entendimento de que a embriaguez é incompatível com o

elemento subjetivo do tipo de desacato, pois é necessário que o agente conheça a qualidade

do ofendido e que ela é realizada in officio ou propter officium. Assim, a embriaguez exclui o

desacato. Basta que ela seja completa (RT 539/296, 444/318, 521/482, 756/603).

Alguns entendem que mesmo a embriaguez incompleta exclui o delito em exame.

O melhor entendimento, no entanto, a despeito de ser minoritário, é aquele segundo o

qual a embriaguez do agente não dirime a sua responsabilidade quanto ao crime de desacato,

salvo se for total e proveniente de força maior ou caso fortuito (RT 751/684). O entendimento

contrário é contra legem (RT 564/389, 435/409), ferindo o art. 28, §1°, do CP.

c) Consumação e Tentativa

Consuma-se o desacato com a prática da ofensa, sendo irrelevante que o funcionário se

sinta ofendido ou que terceiros presenciem o desacato. Trata-se de crime formal.

A tentativa é inadmissível quando a ofensa for praticada por meio oral, pois neste caso o

delito é unissubsistente.

Page 36: Crimes Contra a Administracao Publica

11. Tráfico de Influência (Art. 332)

a) Tipo Penal

Art.332 - Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função.

Pena - Reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

O objeto na tutela penal é o interesse público em seu mais amplo sentido, o qual é ferido

pelo agente que expõe a honra e o prestígio da Administração Pública à situação de

mercadejamento, transformando o funcionário em aparentemente corruptível (RJTJESP

16/471).

Com efeito, o sujeito vale-se de um suposto prestígio junto à Administração Pública

para buscar uma vantagem.

O tipo é formado pelos núcleos “solicitar”, “exigir”, “cobrar” e “obter”, e pelos

elementos “para si ou para outrem”, “vantagem ou promessa de vantagem”, “a pretexto de

influir em ato praticado por funcionário no exercício da função”.

Solicitar é pedir, buscar, manifestar o desejo de receber. Exigir significa ordenar,

reivindicar, impor como obrigação. Cobrar é pedir pagamento; e obter é receber ou adquirir.

Trata-se de uma espécie de estelionato, acrescido da ofensa ao prestígio e a honra,

ferindo a imagem da Administração Pública.

É imprescindível que o sujeito não goze realmente de influência junto à Administração

Pública. De fato, se o autor do crime realmente gozar de influência e dela se utilizar, poderá

haver outro crime, como, por exemplo, corrupção ativa, que absorverá o delito em exame.

Exige-se, ainda, que o agente alardeie prestígio, atribuindo-se influência sobre o

funcionário, não sendo necessário a menção de seu nome, mas somente da função, cargo ou

emprego que ocupa. Assim, não se pode cogitar do delito quando não se sabe junto a que

funcionário pretextava influir na obtenção de vantagem (JTACRIM 27/108).

Neste contexto, utiliza-se o autor do delito de fraude contra o comprador da influência,

que deve ser apta a influenciar a vítima, pois, caso contrário, não haverá o delito pela

absoluta ineficácia do meio, tratando-se de hipótese de crime impossível.

Cumpre ressaltar que não há qualquer participação do funcionário público na ação

criminosa, o qual é apenas envolvido pela fraude do agente. Nem é necessário que o agente

Page 37: Crimes Contra a Administracao Publica

afirme ao comprador da influência que a vantagem se reverterá também ao funcionário.

Havendo esta insinuação, porém, o agente responderá pelo crime com a pena aumentada da

metade, na forma do parágrafo único do art. 332, uma vez que, na espécie, o desprestígio para

a Administração Pública é maior.

A vantagem buscada pelo agente pode ser de natureza material, moral ou mesmo sexual,

sendo irrelevante à configuração do delito se o fim objetivado é lícito ou ilícito.

Sujeito ativo do delito é o particular, mas nada impede que o funcionário público

também seja autor do crime.

Por sua vez, sujeito passivo é o Estado. Reconhece-se que o comprador também é vítima

secundária do delito, mesmo que o fim por ele buscado seja ilícito. Nesta hipótese, supõe ele

estar praticando um crime de corrupção ativa, que só existirá se realmente houver a influência

efetiva sobre o funcionário, Conforme ensina a doutrina, há, na espécie, crime putativo

quanto à participação na corrupção ativa.

Entende-se que o termo “funcionário público” deve ser interpretado nos mesmos moldes

do art. 327 do CP, em que pese a divergência já apontada acerca da aplicação ou não do

conceito deste artigo aos crimes previstos no Capítulo II do Título XI da Parte Especial. A

jurisprudência, porém, neste crime, não tem aceitado a ocorrência deste delito quando se trata

de pessoa equiparada a funcionário público (§1° do art. 327). Neste sentido: RF 235/307; RT

409/70.

Quando se trata de juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário da justiça,

perito, tradutor, intérprete ou testemunha, o crime passa a ser o de exploração de prestígio

(art. 357).

c) Consumação e Tentativa

Nas modalidades solicitar, exigir e cobrar, o crime consuma-se com a prática de uma

dessas ações, sendo irrelevante o recebimento da vantagem. Trata-se de crime formal.

No núcleo obter, o crime se consuma no momento em que o agente recebe a vantagem

ou sua promessa. Cuida-se de crime material.

A tentativa é admissível em todas as modalidades.

Page 38: Crimes Contra a Administracao Publica

12. Corrupção Ativa (Art. 333)

a) Tipo Penal

Art.333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

Pune o CP, neste delito, a conduta do extraneus, do particular, ou do funcionário público

que não haja nesta qualidade, que oferece ou promete vantagem indevida a funcionário

público.

Conforme já ressaltado, corrupto e corruptor, a despeito de agirem em concurso são

responsabilizados cada qual por um delito. O primeiro responde pelo crime de corrupção

ativa; o segundo, pela corrupção ativa. Cuida-se de exceção à teoria unitária.

Oferecer é colocar à disposição, apresentar. Prometer é obrigar-se, anunciar, fazer

promessa.

As observações expendidas quando da análise do crime de corrupção passiva, às quais

se remetem o leitor, são inteiramente aplicáveis ao presente delito.

Reconhece-se que a oferta ou promessa de vantagem não precisa ser feita diretamente ao

funcionário público, podendo haver a figura de um intermediário (STJ – HC 2.467/RJ, DJU

25/04/94; RT 542/323).

A vantagem buscada pelo agente pode ter qualquer natureza, que não necessariamente

patrimonial, pois o delito tutela primordialmente a Administração Pública e não o patrimônio,

visando ao regular funcionamento de suas atividades e a moralidade administrativa. Apenas

se exige que ela seja indevida. Esta é a não prevista em lei, a que o funcionário não tem

direito.

O delito configura-se com a oferta ou promessa, sendo prescindível que o funcionário

público a aceite. Caso ocorra a aceitação, haverá corrupção passiva por parte do funcionário.

O termo “funcionário público” deve ser interpretado nos mesmos moldes do art. 327 do

CP, incluindo os funcionários equiparados.

Se a conduta for dirigida a testemunha, perito, tradutor ou intérprete, não haverá o crime

em exame, mas o do art. 343.

Page 39: Crimes Contra a Administracao Publica

A conduta do agente é dirigida ao funcionário público para “determiná-lo a praticar,

omitir ou retardar ato de ofício”. Assim, não há que se falar em corrupção ativa quando a

oferta ocorre após a atuação ou omissão voluntária do ato de ofício pelo funcionário público

(RT 508/439). Ou seja, exige o delito uma promessa anterior de recompensa (RT 792/626).

Como ensinam Noronha e Damásio, não se pune a corrupção ativa subseqüente.

Como visto anteriormente, é prescindível à configuração da corrupção ativa que o ato

funcional seja praticado, omitido ou retardado pelo intraneus, o que constitui mero

exaurimento da conduta.

No entanto, o exaurimento da conduta, na espécie, faz incidir a causa de aumento do

parágrafo único, majorando a pena em um terço.

c) Consumação e Tentativa

O crime consuma-se com a oferta ou promessa de vantagem do extraneus ao intraneus,

não sendo necessário que este a aceite, ou mesmo que infrinja o seu dever funcional. Trata-se

de crime formal.

A tentativa é admissível.

Page 40: Crimes Contra a Administracao Publica

13. Contrabando ou Descaminho (Art. 334)

a) Tipo Penal

Art.334 - Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem:

a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;

b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho;

c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;

d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3º A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

Mais uma vez o CP, do mesmo modo que fez na corrupção passiva, excepciona a teoria

unitária, tipificando autonomamente as condutas do funcionário público, que facilita o

contrabando ou o descaminho, e do terceiro que realiza o próprio contrabando ou

descaminho. Com efeito, embora exista concurso de agentes, respondem cada qual por delito

autônomo; o funcionário pela facilitação (art. 318); o terceiro, pelo crime de contrabando ou

descaminho (art. 334).

Contrabando é a importação ou exportação fraudulenta de mercadoria, cuja entrada ou

saída seja absoluta ou relativamente proibida. Por sua vez, descaminho é o ato fraudulento

que se destina a evitar, total ou parcialmente, o pagamento de direitos e impostos previstos

pela entrada, saída ou consumo de mercadorias.

No §1° do art. 334, o CP dispõe acerca dos fatos assemelhados a contrabando ou

descaminho.

O tipo é formado pelos núcleos “importar”, “exportar” e “iludir”, e pelos elementos

“mercadoria proibida”, “no todo ou em parte, pagamento de direito ou imposto”, “devido pela

entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”.

Page 41: Crimes Contra a Administracao Publica

A primeira parte do artigo refere-se ao contrabando; a segunda, ao descaminho.

Importar significa trazer para o país; exportar é levar para fora do país.

Não há que se falar, assim, em contrabando ou descaminho, quando a mercadoria de

origem brasileira apenas circula no território nacional, de um estado a outro, sem que venha a

sair do país. Isto porque é requisito à configuração do delito em exame a entrada ou saída da

mercadoria do país, conclusão que decorre das próprias condutas (importar e exportar)

previstas no tipo. Este entendimento deve ser aplicado, inclusive, na figura do descaminho,

pois a normal penal se refere a imposto “devido pela entrada ou pela saída ou pelo consumo”.

Exige-se que a mercadoria seja proibida. Esta adquire esta qualidade, por razões de

ordem pública, que leva o Estado a proibi-la. Cuida-se de norma penal em branco, que deve

ser complementada por outra, de cunho não penal, que indique quais mercadorias são

proibidas. A proibição pode ser absoluta (mercadoria proibida em si mesma) ou relativa

(proibida apenas em determinadas circunstâncias).

Na hipótese de mercadoria fabricada no Brasil e destinada exclusivamente a exportação,

tendo em vista ser proibida sua comercialização no país, a sua posterior introdução

clandestina no território nacional, configura contrabando ou descaminho.

Diverge-se, no entanto, a jurisprudência quanto à sua capitulação. Já se decidiu que “a

reintrodução no País de pacotes de cigarros nacionais, fabricados exclusivamente para

exportação, caracteriza o crime de contrabando” (TRF 1ª Região - RT 776/695) e que

“caracteriza o crime de contrabando e não o de descaminho a reintrodução no país de

produtos de fabricação nacional destinados, exclusivamente, à exportação e de venda

proibida no Brasil (TRF 1ª Região - RT 755/735).

No STF, porém, tem prevalecido a orientação que a conduta constitui descaminho, na

forma das alíneas “c” e “d” do §1° do art. 334 (RT 559/443; RTJ 100/853).

De fato, conforme ensina Damásio, “a capitulação do fato pode ser feita em face do

caput do art. 334, uma vez que a norma fala em ‘mercadoria proibida’ e não ‘mercadoria

estrangeira’. E também pode adequar-se o fato às incriminações das alíneas c e d., tendo em

vista a presença da elementar ‘mercadoria de procedência estrangeira’. Note-se que o tipo não

descreve como elemento ‘mercadoria estrangeira’, mas ‘mercadoria de procedência

estrangeira’. Importa saber se a mercadoria, sendo proibida, procede do exterior, tornando-se

irrelevante a circunstância de ser nacional ou estrangeira”.

Ressalte-se que, quando a importação de determinadas mercadorias constituir outro

ilícito penal previsto em legislação penal especial, o agente deve responder somente por este

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crime, o qual absorve o contrabando ou descaminho. É o que ocorre, por exemplo, no tráfico

ilícito de entorpecentes.

No tocante ao tráfico de armas de fogo, previa a Lei n° 9.437/97 (art. 10, §2°) que,

tratando-se de contrabando ou descaminho de armas de fogo ou acessórios de uso proibido ou

restrito, devia o agente ser responsabilizado inclusive pelo crime do art. 334 do CP.

Entretanto, a Lei n° 10.826/2003, que rege atualmente o tema, criou a figura do tráfico

internacional de arma de fogo (art. 18), não prevendo mais a responsabilização criminal do

agente também pelo crime de contrabando ou descaminho.

No descaminho, a conduta é iludir, que significa empregar fraude para evitar o

pagamento de direito ou imposto devido pela entrada ou saída de mercadoria não proibida.

Com efeito, iludir “traduz idéia de enganar, mascarar a realidade, simular, dissimular; o

agente vale-se de expediente para dar impressão de não praticar conduta tributável. Há, pois,

fraude, por ação ou omissão. No primeiro caso, ilustrativamente, procura evidenciar a

mercadoria a, como b; no segundo, se a pessoa indagada pelo agente fazendário porta objeto

tributável, figurando não compreender, deixa de responder, ou não toma a iniciativa de

evidenciar o fato” (RSTJ 97/423).

Ou seja, não basta a entrada ou a saída da mercadoria sem o recolhimento do imposto

devido, sendo necessário o emprego da fraude, pois só assim se pode falar em ato capaz de

“iludir” a autoridade fazendária. Ausente o meio fraudulento, a conduta caracteriza mero

ilícito fiscal.

O próprio STF já decidiu que: “Apreensão de bagagem depois de normalmente liberada

pela fiscalização fazendária. Fraude alegada que não se configura, pois em nenhum momento

se caracterizou o dolo. Flagrante preparado, sem qualquer indício e que tenha sido iludido o

pagamento de impostos acaso incidentes na liberação da mercadoria de ingresso não proibido

no país. Recurso provido para trancar a ação penal” (RT 642/366).

Sujeito ativo do delito é o particular, podendo o crime também ser cometido por

funcionário público, que não possua o dever funcional de impedir o contrabando ou

descaminho. Tendo o funcionário o dever funcional de repressão ao contrabando ou

descaminho, responderá pelo crime de facilitação (art. 318).

Se o contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo a pena é aplicada em

dobro, incidindo a causa de aumento de pena do §3°. Justifica-se a majorante pela maior

dificuldade de fiscalização das mercadorias transportadas. Assim, entende-se que os vôos

regulares não estão incluídos na espécie, pois nestes há fiscalização alfandegária. Portanto, a

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causa de aumento de pena só incide nos vôos internacionais clandestinos. Neste sentido:

Damásio, Delmanto, Bitencourt e Capez.

c) Consumação e Tentativa

Conforme ensina Capez, é preciso distinguir duas situações: ingresso ou saída do

território nacional pelos caminhos normais; e ingresso ou saída clandestinamente.

No primeiro caso, o contrabando consuma-se no momento em que ultrapassada a zona

fiscal, mesmo que a mercadoria não tenha chegado ao seu destino (RT 728/511; RSTJ 54/26).

O descaminho, por sua vez, está consumado com a liberação da mercadoria pela alfândega

(RT 728/511).

Na hipótese de entrada ou saída clandestina, o contrabando e o descaminho consumam-

se com a transposição da fronteira do território nacional.

A tentativa é admissível tanto no contrabando como no descaminho.